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Tradução Marcos Santarrita Copyright © 1995 by Daniel Goleman Copyright da Introdução © 2005 by Daniel Goleman Ilustração do cérebro na página 46 adaptada de Emotional Memory and the Brain, de Joseph E. LeDoux Copyright © 1994 by Scientific American Todos os direitos reservados Artista: Roberto Osti Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA OBJETIVA LTDA. Rua Cosme Velho, 103 Rio de Janeiro — RJ — CEP: 22241-090 Tel.: (21) 2199-7824 — Fax: (21) 2199-7825 www.objetiva.com.br Título original Emotional Intelligence Capa Marcelo Pereira Tradução do material inédito Fabiano Morais Revisão da tradução Ana Amelia Schuquer David Neiva Simon Revisão Fátima Fadel Izabel Cristina Aleixo Domício Antônio dos Santos Umberto Figueiredo Pinto Damião Nascimento Conversão para E-book Freitas Bastos CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ G58i Goleman, Daniel Inteligência emocional [recurso eletrônico] / Daniel Goleman ; tradução Marcos Santarrita. – Rio de Janeiro : Objetiva, 2011. recurso digital Tradução de: Emotional intelligence Formato: ePub Requisitos do sistema: Modo de acesso: 407p. ISBN 978-85-390-0191-0 (recurso eletrônico) 1. Inteligência emocional. 2. Emoções e cognição. 3. Emoções – Aspectos sociais. 4. Livros eletrônicos. I. Título. 10-5719. CDD: 153.9 CDU: 159.95 Para Tara, fonte de saber emocional Sumário Capa Folha de Rosto Créditos Dedicatória Introdução Edição Comemorativa de 10º Aniversário Prefácio à Edição Brasileira O Desafio de Aristóteles Por que Este Exame agora? Nossa Viagem Parte Um – O CÉREBRO EMOCIONAL 1 Para que Servem as Emoções? Quando as Paixões Dominam a Razão Como o Cérebro Evoluiu 2 Anatomia de um Seqüestro Emocional O Local das Paixões O Rastilho de Neurônios A Sentinela Emocional A Especialista em Memória Emocional Alarmes Neurais Anacrônicos Quando as Emoções São “Rápidas e Malfeitas” file:///tmp/calibre_4.99.4_tmp_6leh6e2a/vvn35et7_pdf_out/OEBPS/Text/int_emocional_1.xhtml O Administrador das Emoções Harmonizando Emoção e Pensamento Parte Dois – A NATUREZA DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL 3 Quando o Inteligente É Idiota Inteligência Emocional e Destino Um Tipo Diferente de Inteligência “Jornada nas Estrelas”: A Cognição não Basta Existe Vida Inteligente nas Emoções? QI e Inteligência Emocional: Tipos Puros 4 Conhece-te a Ti Mesmo Os Apaixonados e os Indiferentes Um Homem sem Sentimentos Em Louvor da Intuição Avaliando o Inconsciente 5 Escravos da Paixão A Anatomia da Raiva O “Relax” da Ansiedade: Como? Eu me Preocupar? Controle da Melancolia Repressores: Negação Otimista 6 A Aptidão Mestra Controle da Impulsividade: O Teste do Marshmallow Alta Ansiedade, Baixo Desempenho A Caixa de Pandora e Polyanna: A Força do Otimismo Otimismo: O Grande Motivador Fluxo: A Neurobiologia da Excelência Aprendizado e Fluxo: Um Novo Modelo para a Educação 7 As Origens da Empatia Como se Desenvolve a Empatia A Criança Bem Sintonizada Quanto Custa a Falta de Sintonia A Neurologia da Empatia Empatia e Ética: As Raízes do Altruísmo A Vida sem Empatia: A Mente do Molestador, a Moral do Sociopata 8 A Arte de Viver em Sociedade Expresse suas Emoções Expressividade e Contágio Social Rudimentos em Inteligência Social Como Fabricar um Incompetente Social “A Gente Odeia Você”: No Limite Brilhantismo Emocional: Relatório de um Caso Parte Três – INTELIGÊNCIA EMOCIONAL APLICADA 9 Casamento: Inimigos Íntimos O Casamento dele e o Casamento dela: A Infância de Cada Um Fendas Conjugais Idéias Venenosas Inundação: O Casamento Alagado Homens: O Sexo Frágil Um Conselho Conjugal para Ele e para Ela A Boa Briga 10 Administrar com o Coração A Crítica é a Tarefa Número Um Convivendo com a Diversidade Sabedoria Organizacional e QI de Grupo 11 A Emoção na Clínica Médica A Mente do Corpo: Como as Emoções Afetam a Saúde Emoções Tóxicas: Dados Clínicos Os Benefícios Clínicos do Otimismo A Aplicação da Inteligência Emocional na Assistência Clínica Por uma Medicina que se Envolva Parte Quatro – MOMENTOS OPORTUNOS 12 O Ambiente Familiar O que é Preciso Aprender antes de Entrar para a Escola Aprendizagem Emocional Básica Como Fabricar um Brigão Maus-tratos: A Extinção da Empatia 13 Trauma e Reaprendizado Emocional O Horror Congelado na Lembrança O PTSD como Distúrbio Límbico Reaprendizado Emocional Reeducando o Cérebro Emocional Reaprendizado Emocional e Recuperação de um Trauma A Psicoterapia como um Curso Emocional 14 Temperamento Não é Destino A Neuroquímica da Timidez Nada me Preocupa: O Temperamento Animado Domando a Amígdala Superexcitável Infância: Momento de Boas Oportunidades Momentos Cruciais Parte Cinco – ALFABETIZAÇÃO EMOCIONAL 15 Quanto Custa o Analfabetismo Emocional Mal-estar Emocional Domando a Agressão Escola para Arruaceiros Prevenindo a Depressão O Preço da Modernidade: Aumento dos Casos de Depressão O Percurso da Depressão nos Jovens Modos de Pensar Geradores de Depressão Bloqueando a Depressão Distúrbios de Alimentação Rejeitado Pelos Colegas: Evasão Escolar Treinamento para a Amizade Bebida e Drogas: O Vício como Automedicação Chega de Guerras Isoladas: A Prevenção para Tudo 16 Ensinando as Emoções Uma Lição de Cooperação Um Ponto de Atrito Post-mortem: Uma Briga que não Houve Preocupações do Dia O bê-á-bá da Inteligência Emocional Alfabetização Emocional nos Centros Urbanos Alfabetização Emocional Disfarçada O Cronograma Emocional Tudo Tem Seu Tempo Certo Alfabetização Emocional como Prevenção Repensando as Escolas: O Ensino pelo Ser, Comunidades que se Envolvem Uma Missão Maior para as Escolas A Alfabetização Emocional Faz Alguma Diferença? Caráter, Moralidade e as Artes da Democracia Uma Última Palavra Apêndice A Que é Emoção? Apêndice B Características da Mente Emocional Apêndice C O Circuito Neural do Medo Apêndice D Consórcio W. T. Grant: Ingredientes Ativos dos Programas de Prevenção Apêndice E O Currículo da Ciência do Eu Apêndice F Aprendizado Social e Emocional: Resultados Projeto de Desenvolvimento da Criança Resultados: Caminhos: Resultados: Alunos com Necessidades Especiais: Melhor Compreensão Emocional: Projeto de Desenvolvimento Social de Seattle Resultados: Programa de Promoção de Competência Social de Yale-New Haven Resultados: Programa de Solução Criativa de Conflitos Resultados: Projeto de Melhoria da Consciência Social — Solução de Problema Social Resultados: Agradecimentos Serviços Educação Vida Organizacional Paternidade Geral Notas Introdução Parte Um: O Cérebro Emocional Parte Dois: A Natureza da Inteligência Emocional Parte Três: Inteligência Emocional Aplicada Parte Quatro: Momentos Oportunos Parte Cinco: Alfabetização Emocional Introdução Edição Comemorativa de 10º Aniversário Em 1990, quando era repórter de ciência no The New York Times, topei com um artigo em uma pequena revista acadêmica escrito por dois psicólogos, John Mayer, hoje na Universidade de New Hampshire, e Peter Salovey, de Yale. Meyer e Salovey apresentaram a primeira formulação de um conceito que chamaram de “inteligência emocional”. Naquela época, a proeminência do QI como critério de excelência na vida era inquestionável; discutia-se acaloradamente se ele estava inscrito em nossos genes ou se era alcançado pela experiência. Porém, eis que surge, de repente, uma nova forma de pensar sobre os ingredientes do sucesso na vida. Fiquei entusiasmado com o conceito, que usei como título deste livro em 1995. Como Mayer e Salovey, utilizei a expressão para sintetizar uma ampla gama de descobertas científicas, unindo ramos diferentes de pesquisa — analisando não só a teoria deles, mas também uma grande variedade de outros avanços científicos empolgantes, como os primeiros frutos do campo incipiente da neurociência afetiva, que explora como as emoções são reguladas pelo cérebro. Lembro-me de ter pensado, logo antes deste livro ser publicado, dez anos atrás, que se um dia eu ouvisse uma conversaem que dois estranhos usassem o termo inteligência emocional e ambos entendessem o que isso significava, eu teria conseguido disseminar o termo de forma mais ampla na cultura. Mal podia imaginar. A expressão inteligência emocional, ou sua abreviação QE, se tornou onipresente, aparecendo em lugares tão improváveis quanto nas tirinhas Dilbert e Zippy the Pinhead e na arte seqüencial de Roz Chast na The New Yorker. Já vi caixas de brinquedos que dizem aumentar o QE das crianças; pessoas buscando parceiros às vezes alardeiam a expressão em anúncios pessoais. Uma vez, eu encontrei uma piadinha sobre QE no rótulo de um xampu no meu quarto de hotel. E o conceito se espalhou pelos cantos mais distantes do mundo. Contam-me que QE se tornou uma expressão conhecida em línguas tão distintas quanto alemão e português, chinês, coreano e malaio (ainda assim, eu prefiro EI, abreviação em inglês para inteligência emocional [emotional intelligence]). A caixa de entrada do meu e-mail tem sempre perguntas, por exemplo, de um doutorando búlgaro, um professor polonês, um aluno de graduação indonésio, um consultor de negócios sul-africano, um especialista em gerenciamento do sultanato de Omã, um executivo em Xangai. Estudantes de negócios na Índia lêem sobre QE e liderança; um CEO na Argentina recomenda o livro que escrevi posteriormente sobre este tópico. Eruditos religiosos dentro do cristianismo, judaísmo, islamismo, hinduísmo e budismo me disseram que o conceito de QE encontra ressonância em suas próprias crenças. Mais gratificante para mim foi a maneira como o conceito foi ardentemente abraçado pelos educadores, na forma de programas de “aprendizado social e emocional”, ou SEL (social and emotional learning). Nos idos de 1995, havia apenas um punhado desses programas ensinando habilidades de inteligência emocional a crianças. Agora, uma década depois, dezenas de milhares de escolas em todo o mundo oferecem SEL às crianças. Hoje em dia, nos Estados Unidos, o SEL é requisito curricular em vários distritos, e até mesmo em estados inteiros, exigindo que os alunos, da mesma forma que precisam alcançar um determinado nível de competência em matemática e linguagem, dominem essas fundamentais aptidões para a vida. Em Illinois, por exemplo, modelos específicos de aprendizagem em habilidades de SEL vêm sendo estabelecidos em todas as séries, desde o jardim-de- infância até o último ano do ensino médio. Tomando apenas um exemplo de um currículo notavelmente detalhado e abrangente, nos primeiros anos do ensino fundamental, os alunos devem aprender a reconhecer e classificar com precisão seus sentimentos e como eles os levam a agir. Nas séries do segundo ciclo fundamental, as atividades de empatia devem tornar a criança capaz de identificar as pistas não-verbais de como outra pessoa se sente; nos últimos ciclos do fundamental, elas devem ser capazes de analisar o que gera estresse nelas ou o que as motiva a ter desempenhos melhores. E no ensino médio, as habilidades SEL incluem ouvir e falar de modo a solucionar conflitos em vez de agravá-los e negociar saídas em que todos ganhem. Ao redor do mundo, Cingapura empreendeu uma iniciativa diligente no que diz respeito ao SEL, assim como algumas escolas na Malásia, Hong Kong, Japão e Coréia. Na Europa, o Reino Unido foi pioneiro, porém mais de 12 outros países possuem escolas que adotam QE, da mesma forma que a Austrália e a Nova Zelândia e, aqui e ali, países na América Latina e na África. Em 2002, a UNESCO deu a partida em uma iniciativa global para promover o SEL, enviando aos Ministérios da Educação de 140 países um relatório contendo dez princípios básicos para a sua implementação. Em alguns estados norte-americanos e outros países, o SEL se tornou o guarda-chuva organizador sob o qual se juntam programas de educação do caráter, de prevenção à violência, agressão contra colegas e drogas e de disciplina escolar. O objetivo não é apenas reduzir a incidência desses problemas entre alunos, mas também melhorar o ambiente escolar e, em última instância, o desempenho acadêmico dos estudantes. Em 1995, esbocei as evidências preliminares que sugeriam que o SEL era um ingrediente ativo nos programas que aperfeiçoam a aprendizagem da criança evitando problemas como a violência. Agora é possível afirmar cientificamente: ajudar as crianças a aperfeiçoar sua autoconsciência e confiança, controlar suas emoções e impulsos perturbadores e aumentar sua empatia resulta não só em um melhor comportamento, mas também em uma melhoria considerável no desempenho acadêmico. Esta é a grande notícia contida em uma metanálise de 668 estudos avaliativos de programas de SEL para crianças desde a pré-escola até o ensino médio.1 A maciça pesquisa foi conduzida por Ross Weissberg, que dirige a Cooperativa de Aprendizado Acadêmico, Social e Emocional (CASEL, na sigla em inglês) na Universidade de Illinois, em Chicago — a organização que encabeça o esforço de levar o SEL às escolas de todo o mundo. Os dados mostram que os programas SEL geraram grandes benefícios no desempenho acadêmico, conforme demonstram os resultados de teste de desempenho e média de notas. Nas escolas que adotaram os programas, mais de 50% das crianças tiveram progresso nas suas pontuações de desempenho e mais de 38% melhoraram suas médias. Os programas SEL também tornaram as escolas mais seguras: ocorrências de mau comportamento caíram em média 28%; as suspensões, 44%; e outros atos disciplinares, 27%. Ao mesmo tempo, a percentagem de presença aumentou, enquanto 63% dos alunos demonstraram um comportamento significativamente mais positivo. No mundo da pesquisa em ciências sociais, estes são resultados extraordinários para qualquer programa que se destine a promover mudanças comportamentais. O SEL cumpriu sua promessa. Em 1995, também propus que boa parte da eficiência do SEL veio do seu impacto na modelagem do circuito neural em desenvolvimento da criança, principalmente as funções executivas do córtex pré-frontal, que controlam a memória funcional — o que guardamos na cabeça durante o aprendizado — e inibem impulsos emocionais destrutivos. Agora foram encontradas as primeiras provas científicas preliminares desse conceito. Mark Greenberg, da Universidade Estadual da Pensilvânia, co-criador do currículo PATHS (sigla de Parents and Teachers Helping Students — Pais e Professores Ajudando Alunos) do SEL, relata não só que esse programa para estudantes do ensino fundamental aumenta o desempenho acadêmico, mas também que, ainda mais significativamente, grande parte da melhora na aprendizagem pode ser atribuída ao aperfeiçoamento da atenção e da memória funcional, funções-chave do córtex pré-frontal.2 Isto sugere veementemente que a neuroplasticidade — a modelagem do cérebro através de experiências repetidas — exerce um papel crucial nos benefícios do SEL. Talvez minha maior surpresa tenha sido o impacto do QE no mundo dos negócios, principalmente nas áreas de liderança e desenvolvimento de funcionários (uma forma de educação para adultos). A Harvard Business Review saudou a inteligência emocional como “uma idéia inovadora, capaz de destruir paradigmas”, uma das idéias empresariais mais influentes da década. No mundo dos negócios, este tipo de afirmação, muitas vezes, não passa de um modismo, sem nenhuma substância. Porém, neste caso, houve a participação de uma ampla rede de pesquisadores, garantindo que a aplicação do QE seja baseada em dados sólidos. O Consórcio para Pesquisa sobre Inteligência Emocional em Organizações (CREIO, na sigla em inglês), na Universidade de Rutgers, foi o pioneiro na catalisação desse trabalho científico, colaborando com organizações que vão desde o Escritório de Gerenciamento de Pessoal do governo federal até a American Express. Hoje em dia, as empresas de todo o mundo olham rotineiramente através das lentes do QE para contratar, promover e desenvolverseus empregados. Por exemplo, a Johnson & Johnson (outro membro do CREIO) descobriu que, em filiais do mundo inteiro, os funcionários que em meio de carreira possuíam um maior potencial de liderança tinham aptidões de QE muito melhores do que seus colegas menos promissores. O CREIO continua auxiliando esse tipo de pesquisa, que pode fornecer diretrizes baseadas em provas para organizações interessadas em aprimorar sua capacidade de alcançar seus objetivos profissionais ou cumprir uma missão. Quando Salovey e Mayer publicaram seu artigo seminal em 1990, ninguém poderia prever como o campo acadêmico que eles fundaram prosperaria 15 anos depois. A pesquisa floresceu nessa área; enquanto em 1995 não havia praticamente nenhuma literatura científica sobre QE, hoje em dia o campo possui legiões de pesquisadores. Uma pesquisa no catálogo de teses de doutorado investigando os aspectos da inteligência emocional revela mais de setecentas escritas até hoje, com muitas outras a serem entregues — isso sem mencionar os estudos feitos por professores e outras pessoas não listados naquele catálogo.3 O crescimento dessa área de estudo deve muito a Mayer e Salovey que — juntamente com seu colega David Caruso, um consultor de negócios — trabalharam incansavelmente em prol da aceitação científica da inteligência emocional. Ao formular uma teoria da inteligência emocional cientificamente defensável e fornecer uma mensuração dessa capacidade na vida real, eles estabeleceram um impecável padrão de pesquisa para o campo. Uma outra fonte importante para a germinação das descobertas acadêmicas sobre QE foi Reuven Bar-On, atualmente no Braço Médico da Universidade do Texas, em Houston, cuja própria teoria de QE — e entusiasmo dinâmico — inspirou diversos estudos que se utilizam de uma medida que ele inventou. Bar-on também teve um grande papel na produção e edição de livros acadêmicos que ajudaram a dar vulto crítico ao campo, incluindo o Manual de Inteligência Emocional. O crescimento do campo de estudos do QE enfrentou oposições encarniçadas no mundo mesquinho dos acadêmicos da inteligência, principalmente daqueles que consideram o QI a única medida aceitável das aptidões humanas. Não obstante, o campo emergiu como um paradigma vibrante. Todo modelo teórico relevante, observou o filósofo da ciência Thomas Kuhn, deve ser progressivamente revisado e aperfeiçoado na medida em que suas premissas passam por testes mais rigorosos. No caso do QE, esse processo parece estar perfeitamente em curso. Existem atualmente três modelos principais de QE, com dezenas de variações. Cada um deles representa uma perspectiva diferente. O de Salovey e Mayer se apóia com firmeza na tradição de inteligência concebida pelo trabalho original sobre QI, de um século atrás. O modelo trazido por Reuven Bar-On se baseia na sua pesquisa sobre o bem-estar. E o meu modelo se concentra no desempenho no trabalho e na liderança organizacional, misturando a teoria do QE com décadas de pesquisa sobre a modelação de competências que separam indivíduos notáveis dos medianos. Infelizmente, leituras equivocadas deste livro deram origem a alguns mitos que eu gostaria de esclarecer aqui e agora. Um deles é a bizarra — embora repetida à exaustão — falácia de que “o QE é responsável por 80% do sucesso”. Esta afirmação é absurda. Essa interpretação equivocada vem do dado que sugere que o QI é responsável por 20% do sucesso profissional. O fato de esta estimativa — e é só uma estimativa — deixar uma grande parcela do sucesso sem esclarecimento nos obriga a buscar outros fatores para explicar o restante. No entanto, isto não significa que a inteligência emocional representa os outros fatores do sucesso: eles certamente compreendem uma gama muito ampla de forças — desde a condição financeira e educação da família em que nascemos, até temperamento, pura sorte e afins —, além da inteligência emocional. Conforme apontam John Mayer e seus colegas: “Para o leitor ingênuo, trazer à tona a ‘variação não-explicada de 80%’ sugere que deve haver de fato uma variação até o momento ignorada que pode prever grandes porções de sucesso na vida. Embora isso seja conveniente, nenhuma variação estudada em um século de psicologia deu uma colaboração tão grande.”4 Um outro equívoco comum se dá através da aplicação imprudente do subtítulo original do livro — “Porque ela pode ser mais importante do que o QI” — em áreas como desempenho acadêmico, onde ele não se aplica sem as devidas ressalvas. A forma mais extrema deste equívoco é o mito de que o QE “é mais importante do que o QI” em qualquer área. A inteligência emocional prevalece sobre o QI apenas naquelas áreas “tenras” nas quais o intelecto é relativamente menos relevante para o sucesso — nas quais, por exemplo, autocontrole emocional e empatia podem ser habilidades mais valiosas do que aptidões meramente cognitivas. Como se sabe, algumas dessas áreas são extremamente importantes em nossas vidas. A saúde vem logo à mente (conforme pormenorizado no Capítulo 11), no sentido de que emoções perturbadoras e relacionamentos nocivos já foram identificados como fatores de risco para doenças. Aqueles que conseguem gerenciar suas vidas emocionais com mais serenidade e autoconsciência parecem ter uma vantagem clara e considerável na saúde. Uma outra área é a do amor romântico e relacionamentos pessoais (ver Capítulo 9), onde, como sabemos muito bem, pessoas muito inteligentes podem fazer coisas bastante idiotas. Uma terceira — embora eu não tenha escrito sobre ela aqui — se dá nos níveis mais altos de esforços competitivos, como nos esportes de âmbito mundial. Neste nível, como me revelou um psicólogo de esportistas que treina os times olímpicos dos EUA, todos têm como requisito 10 mil horas extras de treinamento, de modo que o sucesso depende do empenho mental do atleta. Descobertas sobre a liderança nos negócios e nas profissões pintam um quadro mais complexo (Capítulo 10). A pontuação de QI prognostica muito bem se podemos arcar com os desafios cognitivos que uma determinada posição nos oferece. Centenas, talvez milhares, de estudos demonstraram que o QI prevê quais níveis uma pessoa pode exercer numa carreira. Isto é inquestionável. Porém o QI cai por terra quando a questão é prognosticar quem, em meio a um grupo talentoso de candidatos dentro de uma profissão intelectualmente exigente, será o melhor líder. Isto se dá em parte por conta do “efeito do andar de cima”: todos aqueles nos altos escalões de uma determinada profissão, ou nos níveis superiores de uma grande organização, já foram peneirados em termos de intelecto e destreza. Nesses níveis elevados, um QI alto se torna uma habilidade “liminar”, necessária para simplesmente entrar e continuar no jogo. Conforme propus no meu livro de 1998, Trabalhando com a Inteligência Emocional, as habilidades de QE — e não o QI ou aptidões técnicas — emergem como a competência “discriminatória” que prevê da melhor forma quem dentre um grupo de pessoas muito inteligentes será o líder mais hábil. Se examinarmos as competências que as organizações em todo o mundo determinaram ser as que identificam seus principais líderes, descobriremos que os indicadores de QI e aptidões técnicas caem para o final da lista quanto mais alto for o cargo. (O QI e as aptidões técnicas são fortes indicadores de excelência em empregos menos qualificados.) Desenvolvi esta questão de forma mais abrangente no meu livro de 2002, O Poder da Inteligência Emocional: a Experiência de Liderar com Sensibilidade e Eficácia (em co-autoria com Richard Boyatzis e Annie McKee). Nos níveis mais altos, os modelos de competência para liderança consistem geralmente em algo em torno de 80% a 100% de habilidades do tipo QE. Nas palavras do diretor de pesquisa de uma empresa de seleção de executivos, “os CEOs são contratados por seu intelecto e habilidade empresarial — e são despedidospor falta de inteligência emocional”. Quando escrevi Inteligência Emocional, vi o meu papel como o de um jornalista científico cobrindo uma nova e significativa tendência na psicologia, particularmente a junção da neurociência com o estudo das emoções. Porém, na medida em que fui me envolvendo mais no campo, voltei ao meu antigo papel de psicólogo para oferecer meus insights sobre os modelos de QE. Como resultado, minha formulação da inteligência emocional progrediu desde que escrevi estas páginas. Em Trabalhando com a Inteligência Emocional, propus uma estrutura que reflete como os aspectos fundamentais do QE — autoconsciência, autocontrole, consciência social e a habilidade de gerenciar relacionamentos — se traduzem em sucesso profissional. Ao fazer isso, peguei emprestado um conceito de David McClelland, o psicólogo de Harvard que foi meu mentor na graduação: competência. Enquanto a inteligência emocional determina nosso potencial para aprender os fundamentos do autodomínio e afins, nossa competência emocional mostra o quanto desse potencial dominamos de maneira que ele se traduza em capacidades profissionais. Para ser versado em uma competência emocional como atendimento ao consumidor ou trabalho em equipe, é preciso possuir uma habilidade subjacente nos fundamentos do QE, especificamente consciência social e gerenciamento de relacionamentos. Mas as competências emocionais são habilidades aprendidas: o fato de uma pessoa possuir consciência social e aptidão para gerenciar relacionamentos não garante que ela tenha dominado o aprendizado adicional necessário para lidar com um cliente a contento ou resolver um conflito. Essa pessoa apenas tem o potencial de se tornar hábil nessas competências. Novamente, uma habilidade de QE se faz necessária, embora não seja suficiente, para manifestar uma determinada competência ou aptidão profissional. Seria possível fazer uma analogia cognitiva com um aluno que possui excelentes habilidades espaciais, mas não consegue nem aprender geometria, quanto mais se tornar um arquiteto. Assim, uma pessoa pode ser muito empática, porém péssima em lidar com clientes — se não tiver aprendido a competência para o atendimento de clientes. (Para aquelas almas superdedicadas que quiserem entender como o meu modelo atual abarca vinte e poucas competências emocionais dentro dos quatro grupos de QE, vejam o apêndice de O Poder da Inteligência Emocional.) Em 1995, apresentei dados de uma amostragem nacional, demograficamente representativa, de mais de 3 mil crianças de 7 a 16 anos, avaliadas por seus pais e professores, demonstrando que no espaço de aproximadamente uma década, entre meados de 1970 e meados de 1980, os indicadores de bem-estar entre crianças americanas sofreram um declínio expressivo. Essas crianças eram mais perturbadas e tinham mais problemas, que iam desde solidão e ansiedade até desobediência e queixas. (É claro que sempre existem exceções individuais — crianças que crescerão e se tornarão seres humanos fantásticos —, sejam quais forem os números gerais.) Porém, um grupo mais recente de crianças, avaliado em 1999, parece ter progredido consideravelmente, mostrando resultados muito melhores do que aquelas do fim da década de 1980, embora não tenham recuperado os níveis registrados em meados da década de 1970.5 É fato que os pais ainda estão inclinados a reclamar dos filhos de uma forma geral e ainda se preocupam que seus filhos estejam andando com “más companhias” — as queixas parecem piores do que nunca. Mas a tendência é nitidamente ascendente. Francamente, estou estupefato. Havia conjeturado que as crianças de hoje seriam vítimas involuntárias dos progressos econômico e tecnológico, inábeis em QE porque seus pais passam mais tempo no trabalho do que as gerações anteriores, porque a mobilidade crescente cortou os laços com a família mais ampla e porque o tempo “livre” se tornou estruturado e organizado demais. Afinal, a inteligência emocional sempre foi tradicionalmente transmitida nos momentos da vida cotidiana — com os pais e os parentes, e na desordem das brincadeiras livres — que os jovens estão perdendo. E também há o fator tecnológico. Atualmente, as crianças passam mais tempo sozinhas do que nunca na história da humanidade, olhando para um monitor. Isso significa um experimento natural numa escala sem precedentes. Essas crianças peritas em tecnologia, quando se tornarem adultas, se sentirão tão confortáveis com outras pessoas como se sentem com seus computadores? Em vez disso, desconfio que uma infância cuja relação seja com um mundo virtual desprepararia nossos jovens para as relações face a face. Esses foram meus argumentos. Não aconteceu nada na década anterior que revertesse essas tendências. Mesmo assim, ainda bem, as crianças parecem estar se saindo melhor. Thomas Achenbach, o psicólogo da Universidade de Vermont que fez esses estudos, conjetura que o boom econômico da década de 1990 beneficiou não só os adultos, como também as crianças; mais empregos e menos criminalidade resultou em crianças mais bem cuidadas. Caso haja outra recessão econômica grave, ele sugere, nós nos depararíamos com uma outra queda nesse grau de habilidades para a vida das crianças. Pode ser que sim; só o tempo dirá. A hipervelocidade na qual o QE se tornou um tema importante em inúmeros campos dificulta previsões, mas deixe-me oferecer algumas idéias do que espero para essa área no futuro próximo. Muitos dos benefícios resultantes do desenvolvimento de capacidades de inteligência emocional foram destinados aos privilegiados, como executivos de alto nível e crianças de escolas particulares. É claro que muitas crianças em bairros pobres também se beneficiaram — por exemplo, se suas escolas adotaram o SEL. Porém, quero encorajar uma maior democratização desse tipo de desenvolvimento de habilidades humanas, alcançando blocos geralmente negligenciados, como as famílias pobres (nas quais as crianças muitas vezes sofrem danos emocionais que pioram ainda mais a situação delas) e as prisões (principalmente os delinqüentes juvenis que poderiam se beneficiar enormemente de habilidades reforçadoras como controle da raiva, autoconsciência e empatia). Uma vez ajudados com essas habilidades, suas vidas poderiam melhorar e suas comunidades se tornariam mais seguras. Também gostaria de ver um aumento do raio de ação do próprio pensamento sobre a inteligência emocional, saltando de um foco nas capacidades do indivíduo para um foco naquilo que surge quando as pessoas interagem, seja no caso de um indivíduo para outro ou em grupos maiores. Algumas pesquisas já parecem ter dado esse salto, especialmente no trabalho da psicóloga Vanessa Druskat, da Universidade de New Hampshire, sobre como grupos podem se tornar emocionalmente inteligentes. Mas pode-se fazer muito mais. Finalmente, imagino um dia em que a inteligência emocional será tão amplamente compreendida que não será preciso mais discuti-la, pois ela já terá se fundido às nossas vidas. Nesse futuro, o SEL já será prática padrão em todas as escolas. Da mesma forma, as qualidades de QE como a autoconsciência, o gerenciamento de emoções destrutivas e a empatia serão lugares-comuns nos locais de trabalho, “qualidades obrigatórias” para ser contratado e conseguir promoções, e especialmente necessárias para a liderança. Se o QE se tornar tão difundido quanto o QI, e tão enraizado na sociedade como medidor das qualidades humanas, creio que nossas famílias, escolas, empregos e comunidades serão todos mais humanos e alentadores. Prefácio à Edição Brasileira Escrevi Inteligência Emocional em meio a uma sensação de crise civil nos Estados Unidos onde há um aumento crescente dos índices de criminalidade, suicídios, abuso de drogas e outros indicadores de mal-estar social, sobretudo entre os jovens. Acredito que o único remédio capaz de debelar esses sintomas de doença social sejauma nova forma de interagirmos no mundo — com a inteligência emocional no Brasil me dizem que já há sinais, nesse país, que apontam para a emergência de uma alienação e pressão sociais que, se não contidas, podem levar a colapsos bastante sérios na teia das relações sociais. Nos países desenvolvidos, a tendência é para um individualismo exacerbado, o que acarreta, conseqüentemente, uma competitividade cada vez maior — isso pode ser constatado nos postos de trabalho e no meio universitário. Essa visão de mundo traz consigo o isolamento e a deterioração das relações sociais. A lenta desintegração da vida em comunidade e a necessidade de auto-afirmação estão acontecendo, paradoxalmente, num momento em que as pressões econômico-sociais estão a exigir maior cooperação e envolvimento entre os indivíduos. Além dessa situação que reflete um mal-estar social, há indicadores de um crescente desconforto emocional, sobretudo entre as crianças. Parece-me que a infância — um período crucial para a formação do adulto —, neste mundo em que estamos vivendo, deva merecer uma atenção maior de parte daqueles que são os principais responsáveis pelas crianças: pais e professores. Os pais, em nossos dias, exercem sua paternidade sob tensões e pressões de ordem econômica que não existiam na época de nossos avós. O que eu proponho é que esses pais dediquem o tempo que lhes sobra para ajudar seus filhos a dominarem as habilidades humanas essenciais que são necessárias, não só para lidar com as próprias emoções, como para o estabelecimento de relações humanas verdadeiramente significativas. Aos professores, sugiro que considerem também a possibilidade de ensinar às crianças o alfabeto emocional, aptidão básica do coração. Tal como hoje ocorre nos Estados Unidos, o ensino brasileiro poderá se beneficiar com a introdução, no currículo escolar, de uma programação de aprendizagem que, além das disciplinas tradicionais, inclua ensinamentos para uma aptidão pessoal fundamental — a alfabetização emocional. O Desafio de Aristóteles Qualquer um pode zangar-se — isso é fácil. Mas zangar-se com a pessoa certa, na medida certa, na hora certa, pelo motivo certo e da maneira certa — não é fácil. Aristóteles, Ética a Nicômaco Era verão em Nova York e, naquela tarde, fazia um calor sufocante, insuportável. As pessoas andavam pelas ruas mal-humoradas, em visível desconforto. Na avenida Madison, peguei um ônibus para voltar para o hotel. Ao entrar, fui surpreendido com a saudação que veio do motorista: “Oi, como vai?” Esse homem negro de meia- idade e largo sorriso repetiu a mesma saudação a todos os outros passageiros que foram entrando ao longo do percurso no denso tráfego do centro da cidade. Todos, como eu, se surpreendiam, mas, porque estavam com o humor comprometido pelas condições climáticas do dia, poucos retribuíram o cumprimento. À medida que o ônibus se arrastava pelo traçado quadriculado do centro da cidade, porém, uma transformação mágica foi gradativamente ocorrendo. Para nosso deleite, o motorista encetou um animado comentário sobre o cenário à nossa volta: havia uma liquidação sensacional naquela loja, uma exposição maravilhosa naquele museu, já souberam do novo filme que acabou de estrear ali na esquina? O prazer dele com a riqueza de possibilidades que a cidade oferecia contagiou a todos. Ao descerem do ônibus, as pessoas já haviam se despido da couraça de mau humor com que tinham entrado, e, quando o motorista lhes dirigiu o sonoro “Até logo, tenha um ótimo dia!”, todas lhe deram uma resposta sorridente. Há vinte anos a lembrança desse episódio me acompanha. Quando entrei naquele ônibus da avenida Madison, eu havia acabado de me doutorar em psicologia — mas a psicologia da época não dava muita atenção para uma alteração comportamental que ocorresse desse modo. A psicologia não conhecia praticamente nada acerca dos mecanismos da emoção. Ainda hoje, ao imaginar a possibilidade de os passageiros daquele ônibus terem propagado pela cidade aquele vírus de bem-estar, constato que aquele motorista era uma espécie de pacificador urbano, uma espécie de mago que tinha o poder de transmutar a soturna irritabilidade que fervilhava nos passageiros de seu ônibus, de amolecer e abrir corações. Em gritante contraste, algumas matérias de jornal daquela semana: • Numa escola local, um garoto de 9 anos causa uma devastação, derramando tinta nas carteiras, computadores e impressoras, vandalizando um carro no estacionamento da escola. Motivo: alguns colegas de classe o haviam chamado de “bebê”, e ele quis impressioná-los. • Oito jovens saem feridos porque um encontrão involuntário, numa multidão de adolescentes diante de um clube de rap, em Manhattan, leva a uma troca de empurrões que só termina quando um dos garotos começa a atirar, com uma pistola automática calibre 38, contra a multidão. A notícia observa que, nos últimos anos, tiroteios por motivos fúteis, mas encarados como atos de desrespeito, se tornaram cada vez mais comuns em todo o país. • No assassinato de crianças de menos de 12 anos, diz uma notícia, 57% dos assassinos são seus próprios pais ou padrastos. Em quase metade dos casos, esses pais alegam que estavam “apenas tentando disciplinar o filho”. Essas surras fatais foram provocadas por “infrações” do tipo a criança ficar na frente da TV, chorar ou sujar fraldas. • Um jovem alemão é julgado pelo assassinato de cinco mulheres e meninas turcas, por um incêndio que provocou enquanto elas dormiam. Membro de um grupo neonazista, ele diz que não consegue ficar num emprego, que bebe e atribui o seu azar aos estrangeiros. Numa voz pouco audível, argumenta: “Não paro de lamentar tudo o que fizemos, e me sinto infinitamente envergonhado.” O noticiário cotidiano nos chega carregado desse tipo de alerta sobre a desintegração da civilidade e da segurança, uma onda de impulso mesquinho que corre desenfreada. Mas o fato é que esses eventos apenas refletem, em maior escala, um arrepiante desenfreio de emoções em nossas próprias vidas e nas das pessoas que nos cercam. Ninguém está a salvo dessa errática maré de descontrole e de posterior arrependimento — ela invade nossas vidas de um jeito ou de outro. A última década tem presenciado um constante bombardeio de notícias desse gênero, que retratam o aumento de inépcia emocional, desespero e inquietação na família, nas comunidades e em nossas vidas em coletividade. Esses anos têm escrito a crônica de uma raiva e desespero crescentes, seja na calma solidão das crianças trancadas com a TV que lhes serve de babá, no sofrimento das crianças abandonadas, esquecidas ou maltratadas, ou na desagradável intimidade da violência conjugal. O alastramento desse mal-estar pode ser visto através de estatísticas que demonstram um aumento mundial dos casos de depressão e nos indicadores de uma repentina onda de agressão — adolescentes que vão armados para a escola, infrações de trânsito na estrada que terminam em tiros, ex-empregados descontentes que massacram antigos colegas de trabalho. Abuso emocional, drive-by shooting[1] e tensão pós- traumática entraram no léxico do americano comum na última década, e o slogan do momento passou do cordial “Tenha um bom dia” para o petulante “Faça o meu dia valer a pena”. Este livro é um guia que se destina a procurar sentido no que não tem sentido. Na qualidade de psicólogo e, na última década, de jornalista do The New York Times, venho acompanhando o progresso dos estudos científicos sobre a irracionalidade. Dessa perspectiva, observei duas tendências opostas: uma, que retrata a crescente calamidade na vida emocional partilhada pelos indivíduos, e outra, que oferece soluções auspiciosas para esse problema. Por que Este Exame agora? A última década, apesar de todas as coisas ruins que nos ofereceu, por outro lado assistiu a uma explosão inédita de estudos científicos sobre a emoção. O que mais impressionaé que agora podemos ver o cérebro em funcionamento, graças às novas tecnologias que permitem a obtenção de imagens desse órgão. Elas tornaram visível, pela primeira vez na história humana, o que sempre foi um grande mistério: como atua essa intricada quantidade de células enquanto pensamos e sentimos, imaginamos e sonhamos. Essa inundação de dados neurobiológicos permite que entendamos, hoje mais do que nunca, como os centros nervosos nos levam à raiva ou às lágrimas e como partes mais primitivas do cérebro, que nos incitam a fazer a guerra e o amor, são canalizadas para o melhor ou o pior. Essa luz sem precedentes sobre os mecanismos das emoções e suas deficiências põe em foco alguns novos remédios para nossa crise emocional coletiva. Tive de esperar que a pesquisa científica ficasse suficientemente completa para escrever este livro. Essas observações vêm com um certo atraso, em grande parte porque o lugar dos sentimentos na vida mental foi, ao longo dos anos, surpreendentemente desprezado pela pesquisa, fazendo das emoções um continente pouco explorado pela psicologia científica. Essa lacuna propiciou uma enxurrada de livros de auto-ajuda, conselhos bem-intencionados baseados, na melhor das hipóteses, em opiniões clínicas, mas com pouca ou nenhuma base científica. Agora a ciência pode finalmente abordar com autoridade essas questões urgentes e desorientadoras da psique, no que ela tem de mais irracional, para mapear com alguma precisão o coração humano. Esse mapeamento lança um desafio àqueles que são adeptos de uma visão estreita da inteligência, e que por isto entendem que o QI é um dado genético impossível de ser alterado pela experiência de vida, e que nosso destino é, em grande parte, determinado pela aptidão intelectual recebida geneticamente. Esse argumento não considera a questão mais desafiante: o que podemos mudar para ajudar nossos filhos a se sentirem melhor? Que fatores entram em jogo, por exemplo, quando pessoas de alto QI malogram e aquelas com um QI modesto se saem surpreendentemente bem? Eu diria que o que faz a diferença são aptidões aqui chamadas de inteligência emocional, as quais incluem autocontrole, zelo e persistência, e a capacidade de automotivação. E essas aptidões, como vamos ver, podem ser ensinadas às crianças, na medida em que lhes proporcionam a oportunidade de lançar mão de qualquer que seja o potencial intelectual que lhes tenha sido legado pela loteria genética. Além dessa possibilidade, estamos diante de um premente imperativo moral. Vivemos um momento em que o tecido social parece esgarçar-se com uma rapidez cada vez maior, em que o egoísmo, a violência e a mesquinhez de espírito parecem estar fazendo apodrecer a bondade de nossas relações com o outro. Aqui, o argumento a favor da importância da inteligência emocional depende da ligação entre sentimento, caráter e instintos morais. Há crescentes indícios de que posturas éticas fundamentais na vida vêm de aptidões emocionais subjacentes. Por exemplo, o impulso é o veículo da emoção; a semente de todo impulso é um sentimento explodindo para expressar-se em ação. Os que estão à mercê dos impulsos — os que não têm autocontrole — sofrem de uma deficiência moral. A capacidade de controlar os impulsos é a base da força de vontade e do caráter. Da mesma forma, a raiz do altruísmo está na empatia, a capacidade de identificar as emoções nos outros; sem a noção do que o outro necessita ou de seu desespero, o envolvimento é impossível. E se há duas posições morais que nossos tempos exigem são precisamente estas: autocontrole e piedade. NOSSA VIAGEM Neste livro, eu atuo como um guia numa viagem através de percepções científicas acerca das emoções, uma viagem que visa levar maior compreensão a alguns dos mais intrigantes momentos de nossas vidas e do mundo que nos cerca. O fim da jornada é entender o que significa — e como — levar inteligência à emoção. Essa compreensão, por si só, pode ajudar, em certa medida; levar a cognição para o campo do sentimento tem um efeito meio parecido com o impacto causado pelo observador no nível da física quântica, que altera o que está sendo observado. Nossa viagem começa na Parte Um, com as novas descobertas sobre a arquitetura emocional do cérebro, as quais explicam aqueles momentos mais desconcertantes de nossas vidas, quando o sentimento esmaga toda racionalidade. A compreensão da interação existente entre as estruturas do cérebro que comandam nossos momentos de ira e medo — ou paixão e alegria — revela muito sobre certos hábitos emocionais adquiridos que solapam nossas melhores intenções, e também sobre o que podemos fazer para dominar impulsos destruidores ou que já trazem consigo a própria destruição. Mais importante ainda, os dados fornecidos pela pesquisa em neurologia sugerem a existência de uma boa oportunidade para moldar os hábitos emocionais de nossos filhos. A parada seguinte de nossa viagem, a Parte Dois deste livro, mostra como os dados neurológicos atuam sobre o instinto básico para viver chamado inteligência emocional: por exemplo, poder controlar o impulso emocional; interpretar os sentimentos mais íntimos de outrem; lidar tranqüilamente com relacionamentos — como disse Aristóteles, a rara capacidade de “zangar-se com a pessoa certa, na medida certa, na hora certa, pelo motivo certo e da maneira certa”. (Os leitores que não sentem atração por detalhes neurológicos talvez prefiram passar diretamente para essa parte.) Esse modelo ampliado do que significa ser “inteligente” coloca as emoções no centro das aptidões para viver. A Parte Três examina a importância dessa aptidão: como esses talentos preservam nossos relacionamentos mais valiosos, ou como a ausência deles os corrói; como as forças de mercado que estão remodelando nossa vida profissional começam a valorizar a inteligência emocional para um melhor desempenho no trabalho; como as emoções nocivas são tão danosas para nossa saúde física quanto fumar desbragadamente e como o equilíbrio emocional preserva a nossa saúde e bem-estar. Nossa herança genética nos dota de uma série de referenciais que determinam nosso temperamento. Mas os circuitos cerebrais envolvidos são extraordinariamente maleáveis; temperamento não é destino. Como mostra a Parte Quatro, as lições emocionais que aprendemos na infância, seja em casa ou na escola, modelam os circuitos emocionais, tornando-nos mais aptos — ou inaptos — nos fundamentos da inteligência emocional. Isso significa que a infância e a adolescência são ótimas oportunidades para determinar os hábitos emocionais básicos que irão governar nossas vidas. A Parte Cinco examina que riscos aguardam aqueles que, ao chegarem à maturidade, não dominam o campo emocional — como as deficiências em inteligência emocional ampliam a gama de riscos, desde a depressão ou uma vida de violência até os distúrbios alimentares e o vício em drogas. E relata como escolas pioneiras estão ensinando às crianças as aptidões emocionais e sociais que elas necessitam para manter a vida em equilíbrio. Talvez a informação mais perturbadora deste livro venha de uma maciça pesquisa com pais e professores, que revela uma tendência mundial da atual geração infantil de ser mais sujeita a perturbações emocionais que a geração anterior: mais solitária e deprimida, mais revoltada e rebelde, mais nervosa e propensa a preocupar-se, mais impulsiva e agressiva. Se há um remédio, acho que ele consiste na preparação de nossos jovens para a vida. Atualmente, deixamos a educação emocional de nossos filhos ao acaso, com conseqüências cada vez mais desastrosas. Uma das soluções é uma abordagem da parte das escolas em termos da educação do aluno como um todo, ou seja, juntando mente e coração na sala de aula. Nossa viagem termina com visitas a escolas inovadoras, que visam dar às crianças rudimentos da inteligência emocional. Já antevejo o dia em que o sistema educacionalincluirá como prática rotineira a instilação de aptidões humanas essenciais como autoconsciência, autocontrole e empatia e das artes de ouvir, resolver conflitos e cooperar. Em Ética a Nicômaco, inquirição filosófica de Aristóteles sobre virtude, caráter e uma vida justa, está implícito o desafio à nossa capacidade de equilibrar razão e emoção. Nossas paixões, quando bem exercidas, têm sabedoria; orientam nosso pensamento, nossos valores, nossa sobrevivência. Mas podem facilmente cair em erro, e o fazem com demasiada freqüência. Como observa Aristóteles, o problema não está na emocionalidade, mas na adequação da emoção e sua manifestação. A questão é: como podemos levar inteligência às nossas emoções, civilidade às nossas ruas e envolvimento à nossa vida comunitária? [1] Rajadas de tiros disparadas de um carro em movimento. (N. do T.) PARTE UM O CÉREBRO EMOCIONAL 1 Para que Servem as Emoções? É com o coração que se vê corretamente; o essencial é invisível aos olhos. Antoine de Saint-Exupéry, O Pequeno Príncipe Pensem nos últimos momentos de Gary e Mary Jane Chauncey, um casal inteiramente dedicado à filha Andrea, de 11 anos, confinada a uma cadeira de rodas devido a uma paralisia cerebral. A família Chauncey viajava num trem da Amtrak que caiu num rio, depois que uma barcaça bateu e abalou as estruturas de uma ponte ferroviária, na região dos pântanos da Louisiana. Quando a água começou a invadir o trem, o casal, pensando primeiro na filha, fez o que pôde para salvar Andrea; conseguiram entregá-la, através de uma das janelas, para a equipe de resgate. E morreram, quando o vagão afundou.1 A história de Andrea, de pais cujo último ato heróico foi o de assegurar a sobrevivência da filha, capta um momento de coragem quase mítica. Sem dúvida, esse tipo de sacrifício dos pais em benefício da prole é recorrente na história e pré-história humanas, e inúmeras vezes mais ao longo da evolução de nossa espécie.2 Visto da perspectiva dos biólogos evolucionistas, esse auto-sacrifício dos pais está a serviço do “sucesso reprodutivo” na transmissão dos genes a futuras gerações. Mas da perspectiva de um pai que, num momento de desespero, toma uma decisão como essa, trata-se simplesmente de amor. Como se fora uma intuição do objetivo e da força das emoções, esse ato exemplar de heroísmo dos pais atesta o papel que exercem, na vida humana,3 o amor altruístico e as demais emoções que sentimos. Isso indica que nossos mais profundos sentimentos, as nossas paixões e anseios são diretrizes essenciais e que nossa espécie deve grande parte de sua existência à força que eles emprestam nas questões humanas. Essa força é extraordinária: só um amor tão forte — na urgência de salvar uma filha querida — foi capaz de conter o próprio instinto de sobrevivência dos pais. Do ponto de vista do intelecto, não há dúvida de que o auto-sacrifício desses pais foi irracional. Sob a ótica do coração, entretanto, essa era a única atitude a ser tomada. Quando investigam por que a evolução da espécie humana deu à emoção um papel tão essencial em nosso psiquismo, os sociobiólogos verificam que, em momentos decisivos, ocorreu uma ascendência do coração sobre a razão. São as nossas emoções, dizem esses pesquisadores, que nos orientam quando diante de um impasse e quando temos de tomar providências importantes demais para que sejam deixadas a cargo unicamente do intelecto — em situações de perigo, na experimentação da dor causada por uma perda, na necessidade de não perder a perspectiva apesar dos percalços, na ligação com um companheiro, na formação de uma família. Cada tipo de emoção que vivenciamos nos predispõe para uma ação imediata; cada uma sinaliza para uma direção que, nos recorrentes desafios enfrentados pelo ser humano ao longo da vida,4 provou À ser a mais acertada. À medida que, ao longo da evolução humana, situações desse tipo foram se repetindo, a importância do repertório emocional utilizado para garantir a sobrevivência da nossa espécie foi atestada pelo fato de esse repertório ter ficado gravado no sistema nervoso humano como inclinações inatas e automáticas do coração. Uma visão da natureza humana que ignore o poder das emoções é lamentavelmente míope. A própria denominação Homo sapiens, a espécie pensante, é enganosa à luz do que hoje a ciência diz acerca do lugar que as emoções ocupam em nossas vidas. Como sabemos por experiência própria, quando se trata de moldar nossas decisões e ações, a emoção pesa tanto — e às vezes muito mais — quanto a razão. Fomos longe demais quando enfatizamos o valor e a importância do puramente racional — do que mede o QI — na vida humana. Para o bem ou para o mal, quando são as emoções que dominam, o intelecto não pode nos conduzir a lugar nenhum. QUANDO AS PAIXÕES DOMINAM A RAZÃO Foi uma tragédia de erros. Matilda Crabtree, 14 anos, apenas queria dar um susto no pai: saltou de dentro do armário e gritou “Buu!”, no momento em que os pais voltavam, à uma da manhã, de uma visita a amigos. Mas Bobby Crabtree e sua mulher achavam que Matilda estava em casa de amigas naquela noite. Quando, ao entrar em casa, ouviu ruídos, Crabtree pegou sua pistola calibre .357 e foi ao quarto da filha verificar o que estava acontecendo. Quando ela pulou do armário, ele atirou, atingindo-a no pescoço. Matilda Crabtree morreu 12 horas depois.5 Uma das coisas que adquirimos no processo da evolução humana foi o medo que nos mobiliza para proteger nossa família contra o perigo; foi esse impulso que levou Crabtree a pegar a arma e a vasculhar a casa em busca de um suposto intruso. O medo levou-o a atirar antes de verificar perfeitamente no que atirava, e mesmo antes de reconhecer que aquela voz era a de sua filha. Reações automáticas desse tipo — supõem os biólogos — ficaram gravadas em nosso sistema nervoso porque, durante um longo e crucial período da pré- história humana, eram decisivas para a sobrevivência ou a morte. O que há de mais importante a respeito dessas reações é que foram elas que desempenharam a principal tarefa da evolução: deixar uma progênie que passasse adiante essas mesmas predisposições genéticas — uma triste ironia, se considerarmos a tragédia ocorrida na família Crabtree. Mas, embora nossas emoções tenham sido sábios guias no longo percurso evolucionário, as novas realidades com que a civilização tem se defrontado surgiram com uma rapidez impossível de ser acompanhada pela lenta marcha da evolução. Na verdade, as primeiras leis e proclamações sobre ética — o Código de Hamurabi, os Dez Mandamentos dos Hebreus, os Éditos do Imperador Ashoka — podem ser interpretadas como tentativas de conter, subjugar e domesticar as emoções. Como Freud observou em O Mal-estar na Civilização, o aparelho social tem tentado impor normas para conter o excesso emocional que emerge, como ondas, de dentro de cada um de nós. Apesar dessas pressões sociais, as paixões muitas vezes solapam a razão. Essa faceta da natureza humana tem origem na arquitetura básica do nosso cérebro. Em termos do plano biológico dos circuitos neurais básicos da emoção, aqueles com os quais nascemos são os que melhor funcionaram para as últimas 50 mil gerações humanas, mas não para as últimas 500 — e, certamente, não para as últimas cinco. As lentas e cautelosas forças da evolução que moldaram nossas emoções têm cumprido sua tarefa ao longo de 1 milhão de anos. Os últimos 10 mil anos — apesar de terem assistido ao rápido surgimento da civilização humana e à explosão demográfica de 5 milhões para 5 bilhões de habitantes sobre a Terra — quase nada imprimiram de novo em nossos gabaritos biológicos para a vida emocional. Para o melhor ou o pior, a forma como avaliamos situações complicadas com que nos deparamos e nossas respostas a elas são moldadas não apenas por nossos julgamentos racionais ou nossa história pessoal, mas também por nosso passado ancestral.Esse legado nos predispõe a provocar tragédias, de que é triste exemplo o lamentável fato ocorrido na família Crabtree. Em suma, com muita freqüência enfrentamos dilemas pós- modernos com um repertório talhado para as urgências do Pleistoceno. Esse paradoxo é o cerne de meu tema. Agir impulsivamente Num dia de início da primavera, eu percorria de carro um passo de montanha no Colorado, quando uma repentina lufada de neve encobriu o veículo alguns metros à minha frente. Mesmo forçando a vista, eu não conseguia distinguir nada; a neve em redemoinho transformara-se numa alvura cegante. Ao pisar no freio, senti a ansiedade me invadir o corpo e ouvi as batidas surdas do coração. A ansiedade transformou-se em medo total. Fui para o acostamento esperar que a lufada passasse. Meia hora depois, a neve parou, a visibilidade retornou e segui em frente, sendo parado uns 100 metros adiante, onde uma equipe de ambulância socorria um passageiro de um carro que batera na traseira de outro que andava em velocidade mais lenta. A colisão havia bloqueado a rodovia. Se eu tivesse continuado a dirigir na neve que impedia a visibilidade, provavelmente os teria atingido. A cautela que o medo me impôs naquele dia talvez tenha salvado minha vida. Como um coelho paralisado de terror ao sinal da passagem de uma raposa — ou como um protomamífero escondendo-se de um dinossauro predador — fui tomado por um estado interno que me obrigou a parar, a prestar atenção e a tomar cuidado diante do perigo iminente. Todas as emoções são, em essência, impulsos, legados pela evolução, para uma ação imediata, para planejamentos instantâneos que visam lidar com a vida. A própria raiz da palavra emoção é do latim movere — “mover” — acrescida do prefixo “e-”, que denota “afastar-se”, o que indica que em qualquer emoção está implícita uma propensão para um agir imediato. Essa relação entre emoção e ação imediata fica bem clara quando observamos animais ou crianças; é somente em adultos “civilizados” que tantas vezes detectamos a grande anomalia no reino animal: as emoções — impulsos arraigados para agir — divorciadas de uma reação óbvia.6 Em nosso repertório emocional, cada emoção desempenha uma função específica, como revelam suas distintas assinaturas biológicas (ver detalhes sobre emoções “básicas” no Apêndice A). Diante das novas tecnologias que permitem perscrutar o cérebro e o corpo como um todo, os pesquisadores estão descobrindo detalhes fisiológicos que permitem a verificação de como diferentes tipos de emoção preparam o corpo para diferentes tipos de resposta:7 • Na raiva, o sangue flui para as mãos, tornando mais fácil sacar da arma ou golpear o inimigo; os batimentos cardíacos aceleram-se e uma onda de hormônios, a adrenalina, entre outros, gera uma pulsação, energia suficientemente forte para uma atuação vigorosa. • No medo, o sangue corre para os músculos do esqueleto, como os das pernas, facilitando a fuga; o rosto fica lívido, já que o sangue lhe é subtraído (daí dizer-se que alguém ficou “gélido”). Ao mesmo tempo, o corpo imobiliza-se, ainda que por um breve momento, talvez para permitir que a pessoa considere a possibilidade de, em vez de agir, fugir e se esconder. Circuitos existentes nos centros emocionais do cérebro disparam a torrente de hormônios que põe o corpo em alerta geral, tornando-o inquieto e pronto para agir. A atenção se fixa na ameaça imediata, para melhor calcular a resposta a ser dada. • A sensação de felicidade causa uma das principais alterações biológicas. A atividade do centro cerebral é incrementada, o que inibe sentimentos negativos e favorece o aumento da energia existente, silenciando aqueles que geram pensamentos de preocupação. Mas não ocorre nenhuma mudança particular na fisiologia, a não ser uma tranqüilidade, que faz com que o corpo se recupere rapidamente do estímulo causado por emoções perturbadoras. Essa configuração dá ao corpo um total relaxamento, assim como disposição e entusiasmo para a execução de qualquer tarefa que surja e para seguir em direção a uma grande variedade de metas. • O amor, os sentimentos de afeição e a satisfação sexual implicam estimulação parassimpática, o que se constitui no oposto fisiológico que mobiliza para “lutar-ou-fugir” que ocorre quando o sentimento é de medo ou ira. O padrão parassimpático, chamado de “resposta de relaxamento”, é um conjunto de reações que percorre todo o corpo, provocando um estado geral de calma e satisfação, facilitando a cooperação. • O erguer das sobrancelhas, na surpresa, proporciona uma varredura visual mais ampla, e também mais luz para a retina. Isso permite que obtenhamos mais informação sobre um acontecimento que se deu de forma inesperada, tornando mais fácil perceber exatamente o que está acontecendo e conceber o melhor plano de ação. • Em todo o mundo, a expressão de repugnância se assemelha e envia a mesma mensagem: alguma coisa desagradou ao gosto ou ao olfato, real ou metaforicamente. A expressão facial de repugnância — o lábio superior se retorcendo para o lado e o nariz se enrugando ligeiramente — sugere, como observou Darwin, uma tentativa primeva de tapar as narinas para evitar um odor nocivo ou cuspir fora uma comida estragada. • Uma das principais funções da tristeza é a de propiciar um ajustamento a uma grande perda, como a morte de alguém ou uma decepção significativa. A tristeza acarreta uma perda de energia e de entusiasmo pelas atividades da vida, em particular por diversões e prazeres. Quando a tristeza é profunda, aproximando-se da depressão, a velocidade metabólica do corpo fica reduzida. Esse retraimento introspectivo cria a oportunidade para que seja lamentada uma perda ou frustração, para captar suas conseqüências para a vida e para planejar um recomeço quando a energia retorna. É possível que essa perda de energia tenha tido como objetivo manter os seres humanos vulneráveis em estado de tristeza para que permanecessem perto de casa, onde estariam em maior segurança. Essas tendências biológicas para agir são ainda mais moldadas por nossa experiência e pela cultura. Por exemplo, a perda de um ser amado provoca, universalmente, tristeza e luto. Mas a maneira como demonstramos nosso pesar, como exibimos ou contemos as emoções em momentos íntimos, é moldada pela cultura, o mesmo ocorrendo quando se trata de eleger quais pessoas em nossas vidas se encaixam na categoria de “entes queridos” dignos de nosso lamento. O prolongado período de evolução em que, por força das circunstâncias, essas respostas emocionais se formaram foi, sem dúvida, uma realidade bem mais dura que a maioria dos seres humanos teve de suportar desde o alvorecer da história registrada. Foi um tempo em que poucas crianças sobreviveram à infância e em que poucos adultos viveram mais do que trinta anos, tempo em que predadores atacavam a qualquer momento, tempo em que as condições climáticas determinavam se iríamos ou não morrer de fome. Mas, com o advento da agricultura, e até mesmo das mais rudimentares formas de organização social, as possibilidades de sobrevivência mudaram de forma extraordinária. Nos últimos 10 mil anos, quando esses avanços se espalharam por todo o mundo, reduziram-se significativamente as violentas pressões que ameaçaram a população humana.8 Mas foram exatamente essas pressões que tornaram nossas respostas emocionais fundamentais para a sobrevivência; atenuadas as pressões, a importância das reações que passaram a fazer parte de nosso repertório emocional também declinou. Enquanto, no passado distante, a raiva instantânea funcionava como arma decisiva para garantir nossa sobrevivência, a eventual disponibilidade de uma arma para um garoto de 13 anos pode resultar numa catástrofe. Nossas Duas Mentes Uma amiga me falava de seu divórcio, uma dolorosa separação. O marido apaixonara-se por uma mulher mais jovem com quem trabalhava e, de repente, anunciaraque ia deixá-la para viver com a outra. Seguiram-se meses de brigas amargas sobre a casa, dinheiro e custódia dos filhos. Agora, passados alguns meses, ela dizia que sua independência lhe agradava, que se sentia feliz contando apenas consigo mesma. — Simplesmente não penso mais nele; na verdade, nem quero saber dele. Só que, ao dizer isso, de repente seus olhos ficaram cheios de lágrimas. Aquele lacrimejar de olhos poderia passar facilmente despercebido. Mas, por um tipo de compreensão que acontece através da empatia, os olhos marejados em uma pessoa indicam que ela está triste, não importa o que tenha expressado em palavras. A empatia é um ato de compreensão tão seguro quanto a apreensão do sentido das palavras contidas numa página impressa. O primeiro tipo de compreensão é fruto da mente emocional, o outro, da mente racional. Na verdade, temos duas mentes — a que raciocina e a que sente. Esses dois modos fundamentalmente diferentes de conhecimento interagem na construção de nossa vida mental. Um, a mente racional, é o modo de compreensão de que, em geral, temos consciência: é mais destacado na consciência, mais atento e capaz de ponderar e refletir. Mas, além desse, há um outro sistema de conhecimento que é impulsivo e poderoso, embora às vezes ilógico — a mente emocional. (Para uma descrição mais detalhada das características da mente emocional, ver o Apêndice B.) A dicotomia emocional/racional aproxima-se da distinção que popularmente é feita entre “coração” e “cabeça”; saber que alguma coisa é certa “aqui dentro no coração” é um grau diferente de convicção — tem um sentido mais profundo —, ainda que idêntica àquela adquirida através da mente racional. Há uma acentuada gradação na proporção entre controle racional e emocional da mente; quanto mais intenso o sentimento, mais dominante é a mente emocional — e mais inoperante a racional. É uma disposição que parece ter tido origem há bilhões de anos, quando se iniciou nossa evolução biológica: era mais vantajoso que emoção e intuições guiassem nossa reação imediata frente a situações de perigo de vida — parar para pensar o que fazer poderia nos custar a vida. Essas duas mentes, a emocional e a racional, na maior parte do tempo operam em estreita harmonia, entrelaçando seus modos de conhecimento para que nos orientemos no mundo. Em geral, há um equilíbrio entre as mentes emocional e racional, com a emoção alimentando e informando as operações da mente racional, e a mente racional refinando e, às vezes, vetando a entrada das emoções. Mas são faculdades semi-independentes, cada uma, como veremos, refletindo o funcionamento de circuitos distintos, embora interligados, do cérebro. Em muitos ou na maioria dos momentos, essas mentes se coordenam de forma bela e delicada; os sentimentos são essenciais para o pensamento e vice- versa. Mas, quando surgem as paixões, esse equilíbrio se desfaz: é a mente emocional que assume o comando, inundando a mente racional. Erasmo de Rotterdam, humanista do século XVI, escreveu, sob a forma de sátira, acerca dessa perene tensão entre razão e emoção:9 Júpiter legou muito mais paixão que razão — pode-se calcular a proporção em 24 por um. Pôs duas tiranas furiosas em oposição ao solitário poder da Razão: a ira e a luxúria. Até onde a Razão prevalece contra as forças combinadas das duas, a vida do homem comum deixa bastante claro. A Razão faz a única coisa que pode e berra até ficar rouca, repetindo fórmulas de virtude, enquanto as outras duas a mandam para o diabo que a carregue, e tornam-se cada vez mais ruidosas e insultantes, até que por fim sua Governante se exaure, desiste e rende-se. COMO O CÉREBRO EVOLUIU Para melhor entender a enorme influência das emoções sobre a razão — e por que sentimento e razão entram tão prontamente em guerra — vejamos como o cérebro evoluiu. O cérebro humano, com um pouco mais de 1 quilo de células e humores neurais, é três vezes maior que o dos nossos primos ancestrais, os primatas não- humanos. Ao longo de milhões de anos de evolução, o cérebro cresceu de baixo para cima, os centros superiores desenvolvendo-se como elaborações das partes inferiores, mais antigas. (O crescimento do cérebro no embrião humano refaz mais ou menos esse percurso evolucionário.) A parte mais primitiva do cérebro, partilhada por todas as espécies que têm um sistema nervoso superior a um nível mínimo, é o tronco cerebral em volta do topo da medula espinhal. Esse cérebro-raiz regula funções vitais básicas, como a respiração e o metabolismo dos outros órgãos do corpo, e também controla reações e movimentos estereotipados. Não se pode dizer que esse cérebro primitivo pense ou aprenda; ao contrário, ele se constitui num conjunto de reguladores pré-programados que mantêm o funcionamento do corpo como deve e reage de modo a assegurar a sobrevivência. Esse cérebro reinou supremo na Era dos Répteis: imaginem o sibilar de uma serpente comunicando a ameaça de um ataque. Da mais primitiva raiz, o tronco cerebral, surgiram os centros emocionais. Milhões de anos depois, na evolução dessas áreas emocionais, desenvolveu-se o cérebro pensante, ou “neocórtex”, o grande bulbo de tecidos ondulados que forma as camadas externas. O fato de o cérebro pensante ter se desenvolvido a partir das emoções revela muito acerca da relação entre razão e sentimento; existiu um cérebro emocional muito antes do surgimento do cérebro racional. A mais antiga raiz de nossa vida emocional está no sentido do olfato, ou, mais precisamente, no lobo olfativo, células que absorvem e analisam o cheiro. Toda entidade viva, seja nutritiva, venenosa, parceiro sexual, predador ou presa, tem uma assinatura molecular distintiva que o vento transporta. Naqueles tempos primitivos, o olfato apresentava-se como um sentido supremo para a sobrevivência. Do lobo olfativo, começaram a evoluir os antigos centros de emoção, que acabaram tornando-se suficientemente grandes para envolver o topo do tronco cerebral. Em seus estágios rudimentares, o centro olfativo compunha-se de pouco mais de tênues camadas de neurônios reunidos para analisar o cheiro. Uma camada de células recebia o que era cheirado e o classificava em categorias relevantes: comestível ou tóxico, sexualmente acessível, inimigo ou comida. Uma segunda camada de células enviava mensagens reflexivas a todo o sistema nervoso, dizendo ao corpo o que fazer: morder, cuspir, abordar, fugir, caçar.10 Com o advento dos primeiros mamíferos, vieram novas e decisivas camadas, chave do cérebro emocional. Estas, em torno do tronco cerebral, lembravam um pouco um pastel com um pedaço mordido embaixo, no lugar onde se encaixa o tronco cerebral. Como essa parte do cérebro cerca o tronco cerebral e limita-se com ele, era chamada de sistema “límbico”, de limbus, palavra latina que significa “orla”. Esse novo território neural acrescentou emoções propriamente ditas ao repertório do cérebro.11 Quando estamos sob o domínio de anseios ou fúria, perdidamente apaixonados ou transidos de pavor, é o sistema límbico que nos tem em seu poder. À medida que evoluía, o sistema límbico foi aperfeiçoando duas poderosas ferramentas: aprendizagem e memória. Esses avanços revolucionários possibilitavam que um animal fosse muito mais esperto nas opções de sobrevivência e aprimorasse suas respostas para adaptar-se a exigências cambiantes, em vez de ter reações invariáveis e automáticas. Se uma comida causava doença, podia ser evitada da próxima vez. Decisões como saber o que comer e o que rejeitar ainda eram, em grande parte, determinadas pelo olfato; as ligações entre o bulbo olfativo e o sistema límbico assumiam agora as tarefas de estabelecer distinções entre cheiros e reconhecê-los, comparando um atual com outros passados e discriminando, assim, o bom do ruim. Isso era feito pelo “rinencéfalo”, literalmente, o “cérebro do nariz”, uma parte da fiação límbica e a base rudimentar doneocórtex, o cérebro pensante. Há cerca de 100 milhões de anos, o cérebro dos mamíferos deu um grande salto em termos de crescimento. Por cima do tênue córtex de duas camadas — as regiões que planejam, compreendem o que é sentido, coordenam o movimento —, acrescentaram-se novas camadas de células cerebrais, formando o neocórtex. Comparado com o antigo córtex de duas camadas, o neocórtex oferecia uma extraordinária vantagem intelectual. O neocórtex do Homo sapiens, muito maior que o de qualquer outra espécie, acrescentou tudo o que é distintamente humano. O neocórtex é a sede do pensamento; contém os centros que reúnem e compreendem o que os sentidos percebem. Acrescenta a um sentimento o que pensamos dele — e permite que tenhamos sentimentos sobre idéias, arte, símbolos, imagens. Na evolução, o neocórtex possibilitou um criterioso aprimoramento que, sem dúvida, trouxe enormes vantagens na capacidade de um organismo sobreviver à adversidade, tornando mais provável que sua progênie, por sua vez, passasse adiante os genes que contêm esses mesmos circuitos neurais. A vantagem para a sobrevivência deve-se à capacidade do neocórtex de criar estratégias, planejar a longo prazo e outros artifícios mentais. Além disso, os triunfos da arte, civilização e cultura são todos frutos do neocórtex. Esse acréscimo ao cérebro introduziu novas nuanças à vida emocional. Vejam o amor. As estruturas límbicas geram sentimentos de prazer e desejo sexual, emoções que alimentam a paixão sexual. Mas a adição do neocórtex e suas ligações ao sistema límbico criaram a ligação mãe-filho, que é a base da unidade familiar e do compromisso, a longo prazo, com a criação dos filhos, o que torna possível o desenvolvimento humano. (Espécies que não têm neocórtex, como os répteis, carecem de afeição materna; quando saem do ovo, os recém-nascidos têm de se esconder para que não sejam canibalizados.) Nos seres humanos, é o instinto de proteção que os pais têm em relação aos filhos que vai assegurar a prossecução de grande parte do amadurecimento durante a infância, período em que o cérebro continua a se desenvolver. À medida que subimos na escala filogenética do réptil ao rhesus e ao ser humano, o volume do neocórtex aumenta; com esse aumento, ocorre um incremento de proporções gigantescas nas interligações dos circuitos cerebrais. Quanto maior o número dessas ligações, maior a gama de respostas possíveis. O neocórtex abriga a sutileza e a complexidade da vida emocional, como a capacidade de ter sentimentos sobre nossos sentimentos. Há uma maior proporção de neocórtex para sistema límbico nos primatas que nas outras espécies — e imensamente mais nos seres humanos —, o que sugere que podemos exibir uma gama muito maior de reações às nossas emoções, e mais nuanças. Enquanto um coelho, ou um rhesus, possui um repertório bastante restrito de respostas típicas para o medo, o neocórtex humano, maior, coloca à nossa disposição um repertório muito mais ágil — chamar a polícia, por exemplo. Quanto mais complexo o sistema social, mais essencial é essa flexibilidade — e não existe nenhuma forma de organização social mais complexa do que a nossa.12 Mas esses centros superiores não controlam toda a vida emocional; nos problemas cruciais que dizem respeito ao coração e, mais especialmente, nas emergências emocionais, pode-se dizer que eles se submetem ao sistema límbico. Como tantos dos centros superiores do cérebro se desenvolveram a partir do âmbito da região límbica, ou a ampliaram, o cérebro emocional desempenha uma função decisiva na arquitetura neural. Como raiz da qual surgiu o cérebro mais novo, as áreas emocionais entrelaçam-se, através de milhares de circuitos de ligação, com todas as partes do neocórtex. Isso dá aos centros emocionais imensos poderes de influenciar o funcionamento do restante do cérebro — incluindo seus centros de pensamento. 2 Anatomia de um Seqüestro Emocional A vida é uma comédia para os que pensam e uma tragédia para os que sentem. Horace Walpole Era uma tarde quente de verão, em 1963, o mesmo dia em que o reverendo Martin Luther King Jr. fez o discurso “Eu tenho um sonho” numa marcha pelos direitos civis em Washington. Naquele dia, Richard Robles, um ladrão contumaz, acabara de ser posto em liberdade condicional. Ele havia cumprido a sentença que o havia condenado a três anos de prisão por mais de cem invasões de domicílio que perpetrara para sustentar seu vício em heroína. Robles decidiu fazer outra invasão. Queria abandonar o mundo do crime, alegou mais tarde, mas naquele momento estava precisando desesperadamente de dinheiro para manter a namorada e a filha deles, uma menina com cerca de 3 anos. O apartamento que arrombou naquele dia pertencia a duas moças, Janice Wylie, de 21 anos, pesquisadora na revista Newsweek, e Emily Hoffert, 23, professora primária. Embora Robles houvesse escolhido para arrombar um apartamento num luxuoso bairro de Nova York por achar que não havia ninguém lá, Janice estava em casa. Ameaçando-a com uma faca, ele a amarrou. Quando ia saindo, entrou Emily. Para garantir a fuga, Robles a amarrou também. Segundo relatou anos depois, enquanto amarrava Emily, Janice Wylie disse que ele não sairia impune daquele crime: ia se lembrar da cara dele e ajudar a polícia a localizá-lo. Robles, que prometera a si mesmo que aquele seria seu último arrombamento, entrou em pânico, perdendo completamente o controle. Num frenesi, pegou uma garrafa de refrigerante e bateu nas moças até deixá-las inconscientes; depois, possuído de raiva e medo, retalhou-as e esfaqueou-as várias vezes com uma faca de cozinha. Vinte e cinco anos depois, ao lembrar daquele momento, Robles lamentava: — Fiquei muito furioso. Minha cabeça explodiu. De lá para cá, Robles teve muito tempo para se arrepender daqueles breves minutos de fúria desenfreada. Enquanto escrevo, ele continua na prisão, algumas décadas depois, cumprindo pena pelo famoso “Assassinato das Executivas”. Tais explosões emocionais são seqüestros neurais. Nesses momentos, sugerem os indícios, um centro no cérebro límbico proclama uma emergência, recrutando o resto do cérebro para seu plano de urgência. O seqüestro ocorre num instante, disparando essa reação crucial momentos antes de o neocórtex, o cérebro pensante, ter a oportunidade de ver tudo que está acontecendo, e sem ter o tempo necessário para decidir se essa é uma boa idéia. A marca característica desse seqüestro neural é que, assim que passa o momento, o cérebro “possuído” não tem a menor noção do que deu nele. Esses seqüestros não são de modo algum incidentes isolados e horrendos, que levam sempre a crimes brutais como o Assassinato das Executivas. De forma menos catastrófica — mas não necessariamente menos intensa — ocorrem conosco com muita freqüência. Lembrem da última vez em que vocês “saíram do sério”, explodiram com alguém — o marido ou filho, ou quem sabe o motorista de outro carro — a tal ponto que depois, com um pouco de reflexão e visão retrospectiva, a coisa pareceu-lhes imprópria. Isso, com toda probabilidade, foi também um desses seqüestros, uma tomada de poder neural que, como veremos, se origina na amígdala cortical, um centro no cérebro límbico. Nem todos os seqüestros límbicos são aflitivos. Quando uma piada é muito engraçada, a risada é quase explosiva — esta é também uma resposta límbica. Funciona igualmente em momentos de intensa alegria: quando Dan Jansen, após frustradas tentativas para conquistar a medalha de ouro olímpica de patinação (que prometera à irmã agonizante), finalmente ganhou-a nos 1.000 metros, nas Olimpíadas de Inverno na Noruega, sua mulher ficou tão emocionada que teve de ser levada às pressas para a beira do rinque para ser atendida pelo pronto-socorro médico. O LOCAL DAS PAIXÕES Nos seres humanos, a amígdala cortical (do grego, significando “amêndoa”) é um feixe, em forma de amêndoa, de estruturas