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Neuroanatomia Humana Telencéfalo e Diencéfalo Desenvolvimento do material Filipe Gabriel Reis Monteiro 1ª Edição Copyright © 2023, Afya. Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Afya. Sumário Telencéfalo e Diencéfalo Para Início de Conversa... ............................................................................... 3 Objetivos ......................................................................................................... 3 1. Breve História sobre a Evolução do Sistema Nervoso ..................... 4 2. Cérebro ......................................................................................................... 5 2.1 Telencéfalo ............................................................................................... 6 2.2 Diencéfalo ................................................................................................ 12 Referências ......................................................................................................... 15 Para Início de Conversa... De todos os sistemas corporais, talvez o que guarde a maior quantidade de mistérios seja o sistema nervoso. É incrível como, em uma visão filosófica, esse sistema, diferentemente dos outros, consegue pensar e estudar sobre si mesmo. Vivemos buscando respostas sobre o que nos diferencia dos outros animais, sobre o que nos torna humanos, e essa busca incessante é feita por, talvez, o sistema que evolutivamente nos distanciou dos demais seres vivos. Ao mesmo tempo que esse fato por si só já é surpreende, quando somado à singularidade de um indivíduo, a todas as características e expressões emocionais únicas que podem ser experimentadas por bilhões de seres humanos ao redor do mundo, só nos deixa mais cientes de que sabemos muito pouco sobre tudo. Neste capítulo, não teremos a pretensão de abordar tudo sobre o sistema nervoso, mas dar o primeiro passo já será suficiente para entendermos o impacto que ele tem na nossa vida profissional. Por isso, faremos um resumo sobre a evolução desse sistema, dividindo-o segundo a visão anatômica, e, finalmente, conheceremos a primeira - e talvez mais complexa - parte dele: o cérebro. Objetivos ▪ Diferenciar sistema nervoso central de sistema nervoso periférico. ▪ Identificar as áreas funcionais do telencéfalo e do diencéfalo. Neuroanatomia Humana 3 1. Breve História sobre a Evolução do Sistema Nervoso A evolução da espécie humana é marcada por diversos eventos interessantes, e muitos deles nos permitiram dar saltos em direção ao topo da cadeia biológica de complexidade, quando o assunto é sistema nervoso. Para entendermos todo potencial que esse sistema guarda, faremos um resumo sobre como a evolução o moldou; mas, como essa tal evolução é um fenômeno regido pelo acaso, temos que tomar cuidado para que o discurso a seguir não seja interpretado como uma série de eventos intencionais. A habilidade de andar sobre duas “patas” (bipedalismo) não é algo comum entre as espécies animais, e até mesmo entre os seres que a apresentam notamos que seu uso não é tão desenvolvido como em nós seres humanos. Apesar de ser uma característica que vale a pena ter seu estudo aprofundado, nosso objetivo não é entender sobre o aparelho locomotor do homem, mas, sim, entender como sua evolução impactou no desenvolvimento de maior complexidade nervosa. Nesse contexto, andar exclusivamente utilizando duas “patas” liberou nossas mãos para que pudessem ser utilizadas em tarefas mais complexas, evento que estimulou a criatividade humana e impulsionou muito a evolução do sistema nervoso. Aos poucos, alguns indivíduos mais aptos começaram a desenvolver ferramentas para caça e sobrevivência, o que deve ter aumentado muito suas chances de reprodução e expectativa de vida - assim, provavelmente, tinham tempo para passar seus conhecimentos para a nova geração de filhos. Com o tempo, podemos imaginar que a associação das ferramentas descobertas com as novas estratégias de sobrevivência tornou a vida energeticamente menos dispendiosa, enquanto as ofertas de substratos energéticos começavam a aumentar. Nesse palco energeticamente favorável e cheio de novas habilidades e informações, algumas áreas do sistema nervoso começaram a aumentar em tamanho e complexidade, fazendo com que os humanos se distanciassem a passos longos das demais espécies, a cada nova descoberta. Acabamos de notar como as habilidades motoras foram importantes para a evolução do sistema nervoso e como elas agiram de maneira positiva para o desenvolvimento da criatividade, uma habilidade que, embora não seja exclusiva da espécie humana, se manifesta em nós com maior complexidade; mas elas não foram as únicas aquisições evolutivas que moldaram esse sistema. Com os seres humanos se reproduzindo mais e vivendo mais, fica evidente um problema antigo que há muito precisava de solução: a proteção da prole. A preocupação em proteger o filhote dos perigos que Neuroanatomia Humana 4 estavam sempre à espreita deve ter aumentado, ao ponto de pressionar os indivíduos mais criativos a “entenderem” que viver sozinho era mais perigoso do que viver em conjunto. Mas, para viver em conjunto, indivíduos precisam compartilhar desejos e preocupações; essa necessidade provavelmente impulsionou o desenvolvimento de uma comunicação mais complexa, dando origem a, talvez, uma das nossas maiores “joias raras”: a linguagem. A linguagem não só moldou a nossa história, permitindo a criação de comunidades e complexas culturas, como também aumentou de maneira significativa a complexidade do nosso sistema nervoso, levando ao desenvolvimento de habilidades sociais, empatia, capacidade de se expressar e refletir sobre a vida e sobre o futuro. Podemos procurar de uma ponta a outra do reino animal e arriscaremos a dizer que não encontraremos sistema nervoso igualmente ou tão complexo quanto o apresentado por seres humanos. 2. Cérebro Das várias partes que formam o Sistema Nervoso Central (SNC) do ser humano, é bem provável que nenhuma se assemelhe ao cérebro, quando o assunto é complexidade morfofuncional. O cérebro é a parte mais volumosa do encéfalo; protegido pelos ossos do neurocrânio, ele é composto pelo telencéfalo, que forma a parte mais superior do sistema nervoso, e o diencéfalo, que, normalmente, só pode ser visto em cortes anatômicos específicos. Juntas, essas duas regiões estão envolvidas com a maior parte das habilidades complexas que nós manifestamos, por exemplo: o aprendizado, a linguagem, a criatividade, o raciocínio, a memória, a personalidade e o estado emocional do indivíduo. Sua complexidade funcional pode estar envolvida com uma intrincada morfologia, rica em estruturas, a qual passaremos a conhecer adiante. Para conseguirmos dar prosseguimento ao assunto, é de extrema importância que tenhamos na memória a divisão anatômica do SNC. Para facilitar o resgate desse conteúdo, a Tabela 1 traz, de maneira objetiva, as principais estruturas encontradas nesse sistema. Sistema Nervoso Central Encéfalo Medula Espinal Cérebro Tronco Encefálico Cerebelo Telencéfalo Diencéfalo Mesencéfalo Ponte Bulbo Tabela 1: Divisão anatômica do sistema nervoso central. Fonte: Elaborada pelo autor. Neuroanatomia Humana 5 Além de proteger as estruturas encefálicas, alguns dos ossos que compõem o neurocrânio também nos ajudam na nomeação de certas regiões telencefálicas. Para que haja um senso de familiaridade com os nomes que serão revelados no decorrer do conteúdo deste capítulo, a Figura 1 faz uma revisão da anatomia do neurocrânio. Figura 1: A figura (A) mostra a divisão anatômica dos ossos do crânio. Em cinza, os ossos que compõem o neurocrânio, e, em laranja, os ossos que compõem o viscerocrânio. A figura (B) mostra os ossos que compõem o crânio. Fonte: Adaptada de Schünke(2019). 2.1 Telencéfalo O telencéfalo é, sem dúvida, a parte mais volumosa do SNC. Originado, durante o período embrionário, a partir da vesícula secundária telencefálica, ele é formado por dois hemisférios cerebrais (um esquerdo e o outro direito) que são separados parcialmente por uma extensa fissura longitudinal e unidos por inúmeros feixes nervosos que cursam de um lado ao outro e dão origem à estrutura anatômica nomeada como corpo caloso. Os hemisférios cerebrais são os locais de maior integração em relação ao processamento de informações. Eles estão associados a todas as funções motoras complexas e a todas as funções cognitivas que nos diferenciam de outras espécies. Externamente, é visível que a superfície do telencéfalo é pregueada. Essas pregas, apesar de inicialmente parecerem uma característica dispensável, são evidências evolutivas da expansão de sua superfície funcional sem que houvesse, necessariamente, o aumento do volume telencefálico total, o que acarretaria o aumento da caixa craniana. Já imaginou como seria ter um crânio duas, ou até três vezes maior? Poderíamos esperar várias desvantagens vindas desse crescimento. Essas pregas formadas pelo córtex cerebral são anatomicamente chamadas de giros. Neuroanatomia Humana 6 A superfície funcional do telencéfalo é formada por substância cinzenta e é nomeada como córtex cerebral. Já suas áreas mais profundas são formadas por substância branca, os núcleos da base (“ilhas” de substância cinzenta rodeadas por substância branca), e as cavidades ventriculares, por onde corre um líquido cefalorraquidiano (Figura 2). Figura 2: Corte coronal do cérebro. Através desse corte, é possível ver que os giros e sulcos telencefálicos são formados por substância cinzenta (majoritariamente formada por corpos de neurônios), e que a região mais profunda é formada por substância branca (majoritariamente formada por axônios). Em meio à substância branca, há ilhas de substância cinzenta, chamadas de núcleos. Fonte: Adaptada de Schünke (2019). Cada um dos giros apresentados pelo córtex cerebral é delimitado por depressões, de profundidades variáveis, chamadas de sulcos. Apesar de a quantidade e disposição desses sulcos variarem muito entre indivíduos, alguns deles são constantes e recebem nomes, além de serem utilizados para delimitar certas regiões dos hemisférios cerebrais. Já que estamos falando sobre os hemisférios cerebrais, vale ressaltar que, embora ambos sejam morfologicamente quase simétricos, comumente existe uma clara assimetria funcional entre eles. Por exemplo, o hemisfério esquerdo, normalmente, exibe áreas que estão relacionadas a funções mais complexas, como a produção e a compressão da linguagem, sendo, por muitas vezes, visto como “hemisfério dominante” pelos acadêmicos. Falamos sobre alguns sulcos constantes serem utilizados para delimitar certas regiões dos hemisférios cerebrais. Essas regiões são chamadas de lobos cerebrais e são nomeadas de acordo com os ossos do crânio que se Neuroanatomia Humana 7 situam sobre cada uma delas, embora seus limites não correspondam aos limites desses ossos. Como é mostrado na Figura 3, o lobo frontal é o mais anterior de todos e está separado posteriormente do lobo parietal pelo sulco central, e inferiormente do lobo temporal pelo sulco lateral. Na área mais posterior do telencéfalo, está o lobo occipital, que é separado do lobo parietal e temporal a partir da linha imaginária que segue o sulco parietoccipital. Existe, também, um quinto lobo, denominado de lobo da ínsula, que, por estar localizado profundamente nos hemisférios, acaba sendo “ocultado” pelas áreas circunvizinhas, sendo visível apenas quando os lobos frontal e parietal são removidos (Figura 4). Figura 4: Lobo da ínsula mostrado a partir do deslocamento dos lobos parietal e temporal. Fonte: Adaptada de Schünke (2019). A palavra “límbico” tem origem no latim. Ela se origina da palavra “limbus”, que significa “borda” ou “margem”. O termo foi usado, na anatomia, para se referir a uma região de transição na base do cérebro, que é a área onde o córtex cerebral (a parte externa do cérebro) se encontra, com estruturas mais antigas e profundas relacionadas às emoções e à memória. Figura 3: Regiões do telencéfalo. (A) vista lateral do hemisfério esquerdo; (B) vista medial do hemisfério direito; e (C) vista inferior do telencéfalo. Através da vista medial dos hemisférios, é possível identificar uma região sobre o corpo caloso, que por motivos históricos, é nomeado como lobo límbico. Fonte: Adaptada de Schünke (2019). Neuroanatomia Humana 8 Além de delimitar os lobos telencefálicos, os sulcos também nos ajudam encontrar áreas funcionais interessantes sob o córtex cerebral. Vamos usar o sulco central como ponto de partida; anteriormente a ele, encontraremos o giro pré-central, no qual se localiza a área motora primária; perpendicularmente ao giro pré-central, na parte mais superior do lobo frontal, dois outros, que estão envolvidos com a função motora, são encontrados: o giro frontal superior (área pré-motora) e o giro frontal médio (área motora suplementar) (Figura 5). Pelo nome dessas áreas, fica fácil compreender que elas estão envolvidas com o planejamento motor, enquanto a área motora primária está envolvida com a execução das ações planejadas. Diante da existência de um giro frontal superior e médio, você deve estar se perguntando: “existe um giro frontal inferior?” Sim, ele existe, e no hemisfério esquerdo ele é chamado de área de Broca, em homenagem ao neurologista francês de nome Pierre Paul Broca (1824-1880). Em 1861, Broca tratou um paciente chamado Louis Victor Leborgne que tinha uma grave dificuldade em se expressar falando, isso porque ele tinha perdido a maior parte da sua capacidade de “falar as palavras”. Após a morte de Leborgne, o neurologista examinou seu cérebro e identificou uma lesão no giro frontal inferior do hemisfério esquerdo, concluindo que essa área estava envolvida na produção da fala. Essa região foi, posteriormente, nomeada como a “área de Broca”, em sua homenagem. Como é de se perceber, o lobo frontal apresenta outros giros além dos supracitados, muitos deles com formas irregulares e genericamente denominados orbitários. Além disso, também é possível encontrar profundamente, nesse lobo, um sulco que apresenta a função olfatório. Figura 5: Giros e sulcos telencefálicos. O desenho esquemático mostra, em verde, o lobo frontal sendo separado do lobo parietal, em amarelo, pelo sulco central (linha vermelha), e do lobo temporal, em ciano, pelo sulco lateral (linha vermelha). O lobo occipital é mostrado na parte mais posterior do desenho, com a cor vermelha. Fonte: Adaptada de Schünke (2019). Neuroanatomia Humana 9 Depois dessa exploração do lobo frontal, devemos voltar ao sulco central, onde encontraremos, posteriormente, adjacente a ele, o giro pós-central, região que abriga a função somestésica primária e faz parte do lobo parietal. A somestesia refere-se à percepção e à consciência dos estímulos sensoriais relacionados ao corpo e ao ambiente externo, por exemplo: sentir dor, pressão, temperatura e vibração, ter propriocepção (consciência sobre a posição do corpo), e sentir estímulos na pele. O lobo temporal, por sua vez, é considerado, por muitos, como o córtex auditivo e tem três giros visíveis na lateral. Do sulco lateral, conhecido em parágrafos anteriores, até a parte mais inferior dessa região, são encontrados: o giro temporal superior, médio e inferior; esses giros, em conjunto, estão associados a funções como o processamento auditivo, discriminação de sons e memória auditiva. Além disso, o lobo temporal do hemisfério esquerdo está associado a várias características da linguagem, sendo nele encontrada a área de Wernick (no giro temporal superior), que está envolvida com a compreensão da linguagem. As áreas de Broca e de Wernick estão intimamente conectadas pelofascículo arqueado; juntas, elas cuidam da compreensão da linguagem e da produção da fala. Lesões nessas regiões podem dar origem às famosas afasias expressivas (de Broca) e receptiva (de Wernick), que ceifam do indivíduo parte da capacidade de se expressar falando ou compreender o que está sendo falado, respectivamente. Ainda no lobo temporal, em uma visão medial dos hemisférios, é possível ver a presença de giros que se prolongam até o lobo occipital, onde fazem conexão. Normalmente, descrevemos o lobo occipital como córtex visual. Esses giros, compartilhados pelos dois lobos tratados aqui, são, por esse motivo, chamados de giros occipitotemporais e, curiosamente, estão envolvidos na interpretação de informações visuais complexas, por exemplo, a interpretação de objetos complexos, rostos, cenas, e o reconhecimento de letras e palavras. Já que estamos falando da visão medial de um hemisfério, podemos dizer que, dessa forma, somos capazes de reconhecer dois giros importantes no lobo occipital: o primeiro, e mais próximo do lobo temporal, o giro para- hipocampal, que está associado com o processamento da memória espacial e de navegação, essencial para a orientação do indivíduo no ambiente, além de estar envolvido com a memória episódica, que é a capacidade de lembrar de eventos específicos e suas circunstâncias; o segundo, e mais distante do lobo temporal, é o giro lingual, uma das regiões visuais primárias, envolvido com a identificação de informações visuais simples, como cores e formas, antes de repassá-las para os giros occipitotemporais, que, como visto anteriormente, processam informações mais complexas. Além desses dois giros, no lobo occipital também encontramos o cúneo, uma área próxima ao giro lingual e que está envolvida com o processamento de informações visuais, como detalhes visuais, identificação de padrões e movimento (Figura 6). Neuroanatomia Humana 10 Figura 6: Vista medial do hemisfério cerebral direito. Fonte: Adaptada de Schünke (2019). Localizada profundamente em ambos os lobos temporais, encontramos uma estrutura telencefálica, com formato que lembra um cavalo marinho, que está envolvida com a formação, consolidação e recuperação da memória. Essa estrutura, por conta de seu formato, é denominada hipocampo. O hipocampo é uma região tão curiosa e que fomenta tantas pesquisas o envolvendo, que ele, por muitas vezes, é o protagonista não só de aulas acadêmicas, como também de filmes e livros. Acredita-se que essa estrutura do lobo temporal esteja intimamente relacionada à memória de longo prazo, que trabalha, principalmente, as lembranças e as associa com situações emocionais a fim de preparar o indivíduo para evitar situações que trouxeram sofrimento, ou encarar, mais uma vez, situações que o permitiram sentir prazer. O hipocampo é uma das principais estruturas límbicas que aparecem no telencéfalo, e podemos ter a certeza de que o conteúdo dela não se limitará a este único parágrafo. Sobre o lobo da ínsula, cabe dizer que muito sobre ele ainda é um mistério para a neurociência, já que o conhecemos menos do que os demais lobos, e ainda menos do que gostaríamos. Existem conjecturas na literatura de que ele medeia funções complexas como características sociais, tomada de decisões e aspectos comportamentais. Devemos prosseguir para a área mais interna do cérebro, onde encontraremos o diencéfalo, a parte do SNC que está envolvida com funções como o controle hormonal, ciclo vigília e sono, controle emocional, dentre outras que serão importantes para o entendimento de futuros temas de outras disciplinas. Neuroanatomia Humana 11 2.2 Diencéfalo O diencéfalo é uma estrutura globosa localizada profundamente no cérebro, e, por isso, para que possa ser completamente visualizado, é necessário que haja a retirada completa das estruturas telencefálicas. O corte sagital mediano do cérebro também permite a visualização parcial do diencéfalo. Apesar de nos trazer poucos detalhes anatômicos, sua “praticidade” o torna a forma mais utilizada nas aulas de neuroanatomia. Segundo critérios morfofisiológicos, o diencéfalo é dividido em quatro regiões: (1) tálamo, (2) hipotálamo, (3) epitálamo e (4) subtálamo (Figura 7). Apesar de apresentarem características funcionais bem distintas, os limites anatômicos dessas regiões, em um corte sagital mediano, são pouco precisos. Apesar dessa dificuldade, começaremos nosso estudo localizando o tálamo. No corte sagital mediano, ele se encontra no centro do diencéfalo, envolvendo a aderência intertâmica, uma importante comissura que estabelece conexão entre o tálamo do lado esquerdo e direito do cérebro. Sim, o tálamo é formado por duas massas ovoides, localizadas em cada um dos lados do cérebro, que estão quase que totalmente separadas pelo terceiro ventrículo. Figura 7: Metade direita de um diencéfalo mostrado a partir da vista medial. Fonte: Adaptada de Schünke (2019). O tálamo é majoritariamente formado por substância cinzenta disposta em núcleos (anterior, posterior, medial, mediano e lateral). Fisiologicamente, esses núcleos são importantes regiões de processamento para várias funções primárias, como visão, tato, paladar, olfato, entre outras que são encaminhadas para suas respectivas áreas corticais. Acredita-se Neuroanatomia Humana 12 que o tálamo também desempenhe um importante papel de filtração das informações que realmente são relevantes de serem processadas superiormente e elimina as que são dispensáveis (Figura 8). Figura 8: Exemplo de conexão entre tálamo e telencéfalo. Através desse sistema, são filtradas informações que devem ser levadas a áreas superiores de processamento e informações que devem ser ignoradas. Fonte: Adaptada de Schünke (2019). Anteriormente ao tálamo, uma depressão se prolonga inferoposteriormente e é chamada de sulco hipotalâmico. Como é de se esperar, abaixo desse sulco encontraremos o hipotálamo (Figura 9), a região do diencéfalo que mantém conexão com a hipófise e várias estruturas límbicas, como o hipocampo, núcleo amigdaloide e córtex pré-frontal. Além disso, anteriormente a essa região do diencéfalo, encontraremos estruturas como o quiasma óptico, que transporta as informações visuais dos olhos direito e esquerdo para o hemisfério cerebral de lado oposto; o túber cinéreo, que controla a função endócrina da hipófise; e os corpos mamilares, que desempenham importante papel na formação e recuperação da memória e regulação do sistema límbico. Figura 9: Divisão morfofuncional do hipotálamo. Fonte: Adaptada de Schünke (2019). Neuroanatomia Humana 13 Antes de prosseguirmos, é importante termos uma base morfofuncional sobre a supracitada hipófise. Conhecida, antigamente, como glândula pituitária, a hipófise é uma pequena glândula localizada na base do cérebro, logo abaixo do hipotálamo. Apesar de seu tamanho, ela desempenha um papel crucial no corpo humano, regulando a produção e a liberação de diversos hormônios que controlam o crescimento de um indivíduo, seu metabolismo e os ciclos reprodutivos. A hipófise é vista pelos fisiologistas como uma glândula “mestre”, em função de sua forte influência sobre a atividade das demais glândulas corporais. Apesar de ser uma estrutura interessante, deixaremos para falar mais sobre a hipófise em um outro momento. O termo “pituitária” vem do latim e é composto pela palavra “pituita”, que significa “muco nasal”, e o sufixo “-aria”, que é usado para indicar que algo está “relacionado a”. Esse termo foi dado por Galenus, pai da antiga anatomia, por dois motivos: pela proximidade com a cavidade nasal e por acreditar que essa glândula produzia muco nasal capaz de controlar diversos aspectos funcionais do corpo. Tendo em vista as características que foram citadas e a riqueza de suas conexões, acreditamos que o hipotálamo está relacionado com o controle de funções corporais como: o comportamento emocional, ciclo circadiano, ingesta alimentar e hídrica, e controle datemperatura corporal. Posteriormente ao tálamo, também separado pelo sulco hipotalâmico, encontraremos o epitálamo, que desempenha um importante papel endócrino com sua glândula pineal, a qual também controla o ciclo circadiano através da secreção da famosa melatonina. A melatonina é um hormônio que tem sua produção influenciada pela luz e pela falta desta. Ela é capaz de sinalizar para o corpo quando ele precisa “descansar”. Hoje em dia, vemos muitas pessoas que têm distúrbios do sono, graças aos avanços científicos, fazendo a suplementação de melatonina como forma de tratamento. Para finalizarmos, avançaremos para uma pequena região localizada na parte posteroinferior do diencéfalo, na transição com o mesencéfalo, e lá encontraremos o subtálamo. Como ele não é uma estrutura superficial, só pode ser visualizado em secções, preferencialmente coronais. Nessa pequena região, encontramos alguns núcleos envolvidos com a regulação da resposta motora e integração sensoriomotora, além de estar associada a diversos casos patogênicos, como o mal de Parkinson. O desenvolvimento funcional do sistema nervoso humano nos tornou diferentes dos demais seres vivos que vivem na Terra. Essa complexidade trouxe para nós um grande desafio ao estudar esse sistema - desafio este Neuroanatomia Humana 14 que profissionais ao redor de todo o mundo tentam diminuir, formulando métodos de classificação para cada um de seus componentes. Neste capítulo, vimos a divisão do sistema nervoso e tiramos o cérebro, sua parte mais superior, para um estudo mais de perto. Percebemos que, além de apresentar uma riqueza de estruturas, a complexidade funcional dessa primeira região estudada já é assustadora. Embora, às vezes, todo esse conhecimento possa parecer impossível de se assimilar, com o tempo, a dedicação supera o medo, e o que fica é a curiosidade de ler os próximos capítulos. Referências AGUR, A. M. R.; DALLEY II, A. F.; MOORE, K. L. Fundamentos de anatomia clínica. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021. BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. COSENZA, R. M. Fundamentos de neuroanatomia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. GIRON, P. A. Princípios de anatomia humana: atlas e texto. 2. ed. Caxias do Sul: EDUSC, 2009. LENT, R. Cem bilhões de neurônios? Conceitos fundamentais da neurociência. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2010. MENESES, M. S. Neuroanatomia aplicada. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. SCHÜNKE, M. 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