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NOTURNOS É o silêncio, é o cigarro e a vela acesa Olha-me a estante em cada livro que olha. E a luz nalgum volume sobre a mesa... Mas o sangue da luz em cada folha. Não sei se é mesmo a minha mão que molha A pena, ou mesmo o instinto que a tem presa. Penso um presente, num passado. E enfolha A natureza tua natureza. Mas é um bulir das cousas... Comovido Pego da pena, iludo-me que traço A ilusão de um sentido e outro sentido. Tão longe vai! Tão longe se aveluda esse teu passo, Asa que o ouvido anima... E a câmara muda. E a sala muda, muda... Afonamente rufa. A asa da rima Paira-me no ar. Quedo-me como um Buda Novo, um fantasma ao som que se aproxima. Cresce-me a estante como quem sacuda Um pesadelo de papéis acima... ........................................................ E abro a janela. Ainda a lua esfia Últimas notas trêmulas... O dia Tarde florescerá pela montanha. E oh! Minha amada, o sentimento é cego... Vês? Colaboram na saudade a aranha, Patas de um gato e as asas de um morcego. (Kilkery, in http://www.jornaldepoesia.jor.br/pk01.html [8] acesso em 14/04/2016) Raul de Leoni é mais um dos poetas dessa época que foram olvidados pelo advento do Modernismo, mas que tem uma personalidade forte, uma veia poética elegante e clássica. Sobre ele, assim se pronuncia Leyla Perrone-Moisés: Raul de Leoni é um poeta incômodo para a crítica e para a historiografia literária. Teve a infelicidade de publicar seu único livro, Luz mediterrânea, em 1922, ano divisor de águas nas artes brasileiras; de modo que seu livro, escrito anteriormente, já nasceu antigo. Leoni pertence àquele período indistinto e eclético das primeiras décadas do século XX, que em poesia tanto pode ser chamado de neoparnasiano, neossimbolista, como de pré-modernista, conforme se olhe para o passado ou para o futuro. (PERRONE-MOISÉS, 2000. p. 199) Vejamos o que Raul de Leoni tem a dizer sobre a missão do poeta: E O POETA FALOU Afinal, tudo que há de mais nobre e mais puro Neste mundo de sombras e aparências 13