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palavra áporo apresenta três significações distintas: 1. Inseto himenóptero; 2. Problema difícil de resolver; 3. Gênero de plantas da família das orquidáceas. Em "Caso pluvioso", temos um poema bastante líquido, em que a chuva chove sem parar, até que o poeta descobre que a chuva é maria, maria é que chovia. E as invenções em torno de palavras molhadas se sucedem: "maria ensopava meu domingo" - "a chuva lavra e lava" - "chuvosíssima criatura!" - "chuva fininha e chuva grossa" - "líquido plasma" - "aquático fantasma" - "chuveirando" - "chuvadeira" - "chuvadonha" - chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha!" De tanto chover e molhar, maria, torneira desatada, formou rios e mares, e envolveu neles todos os seres. Navios soçobram e continentes submergem, até que Deus, piedoso e enérgico, bradou: Não chove mais, maria! - e ela parou. 9. TENTATIVA DE EXPLORAÇÃO E DE INTERPRETAÇÃO DO ESTAR-NO-MUNDO LIVRO No meio do caminho No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra. A tentativa de exploração/interpretação da existência começa com o poema mais famoso do poeta, o mais polêmico: "No meio do caminho". Será esse poema uma piada (de mau gosto)? Um abuso à paciência do leitor? Uma reflexão metafísica? Uma visão de mundo, certamente, baseada numa obstinada repetição de estruturas, quebrada repentinamente pelos dois primeiros versos da segunda estrofe, que afinal retoma o ostinato inicial, dando finalmente uma impressão de continuidade, ou de retomada circular num moto continuum dos obstáculos da existência. 118