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381 Capítulo 12 Caso Element, da Honda: Uma Inovação de Mercado e o seu Desenvolvimento 12.1 Introdução A empresa Honda sempre se notabilizou pela excelência de seus pro- dutos pelo mundo. Globalmente, 55% de suas receitas foram originadas da venda de automóveis, motocicletas e produtos de força. Em 2006, as suas vendas excederam os US$ 94 bilhões. Apesar de inovações de ruptura fazerem parte da cultura da Honda, este exemplo apresenta o desenvolvimento de um veículo de sucesso, o Element, uma inovação de mercado. No seu portfólio de produtos, a Honda possui vários SUV (veículos utilitários esportivos), como CR-V, Pilot SUV, a minivan Odyssey. Entre- tanto, o Element é uma inovação disruptiva de novo mercado, uma ino- vação de valor. O Element foi desenvolvido para o segmento de mercado de homens jovens (geração Y, de 19 a 29 anos) que estão comprando o seu primeiro carro. A Honda já possuía produtos para mulheres jovens e famílias, mas nada focado para homens jovens. 12.2 Desenvolvimento da Inovação (do Conceito) O time para o desenvolvimento do conceito do Element foi formado em 1998. 381 Estrate�gia - Capi�tulo 12.indd 381 2/9/11 12:58:34 PM ESTRATÉGIA DE INOVAÇÃO 382 Entender os valores e crenças essenciais do novo e desconhecido seg- mento de homens jovens foi o grande desafio e um dos mais interessantes aspectos do projeto. O time escolheu o método de observação direta com base na etnogra- fia para aprender com o mercado. O local escolhido foi onde acontecem os X games, que promovem competições em esqui, snowboarding, corridas de motocicletas e outros esportes radicais. O time foi equipado com câ- meras e filmadoras, e in locus observou os jogos, e o que os jovens faziam antes, durante e depois das competições. Vários aspectos importantes foram identificados: eles demonstram coletivamente forte identificação de grupo, alto comportamento social, e apoiam as causas sociais e ambientais. Muitos jovens desse segmento tam- bém foram bem-educados, mas não direcionados a viver para trabalhar, mas sim, a trabalhar para viver. As atitudes e o estilo do segmento estudado foram: autenticidade, credibilidade e universalidade. Como resultado da observação deste contexto, uma visão foi desen- volvida: o verão eterno! Dessa forma, o time chegou à conclusão que os usuários deste seg- mento de mercado necessitavam de um veículo altamente flexível capaz de carregar equipamentos esportivos, com móveis de dormitório; assim, os amigos poderiam ter espaço para dormirem nos finais de semana de excursões. Os outros SUV da família Honda possuíam os seguintes posiciona- mentos: CR-V: segmento de solteiros ou pequenas famílias com estilo de vida • estável; Pilot: segmento de famílias grandes;• Odyssey: segmento para famílias com estilo de vida estável.• Nesse contexto, um posicionamento claro e distinto foi desenvolvido para o Element, que está relacionado a uma lacuna no mercado: os soltei- ros com estilo de vida extremo e não convencional. O time concebeu quatro temas chaves para o projeto: Estrate�gia - Capi�tulo 12.indd 382 2/9/11 12:58:35 PM Caso Element, da Honda 383 Adaptabilidade e modularidade;• Credibilidade e autenticidade;• Pragmático e orientado à função;• Atitude e expressão.• Foram acrescentados outros três temas que são comuns aos produtos da Honda: desempenho no dirigir, segurança e valor. Assim, sete temas são o foco para os engenheiros e designers desen- volverem uma solução específica. Novos conceitos foram criados para cada tema e depois traduzidos em subsistemas chaves. Alguns subsistemas já são existentes no arsenal de tecnologias da Honda. Por exemplo: o motor já está sob desenvolvimento da área de P&D de motores. Outras soluções técnicas poderiam ser adaptadas de outros produtos. Muitas versões do veículo foram criadas, primeiro como esboço, e depois como protótipo físico com um arrojado conceito inovador de estilo exterior e cores. O arrojo não é muito utilizado na indústria de automóveis, pois o alto custo de desenvolvimento de um novo veículo induz a tomadas de decisões seguras. Paralelamente, engenheiros da equipe de desenvolvimento de concei- to alinhavaram outros temas chaves de design. Por exemplo, a adaptabili- dade e a modularidade foram traduzidas no desenvolvimento de assentos dobráveis flexíveis. Isto possibilita uma capacidade substancial e espaço para dormir. Assim, várias inovações em subsistemas foram incorporadas ao veículo. No final desta etapa, o time de desenvolvimento estava satisfeito com o resultado. Mas os consumidores alvo estariam? Assim, para responder a esta questão, os membros do time de desenvolvimento realizaram um teste apresentando os desenhos para estudantes de faculdades em diferen- tes partes do Estados Unidos, nas universidades de Washington, Southern California, Syracuse, Texas e Colorado. Os lugares mais visitados foram as moradias estudantis e os lugares de encontro. Os engenheiros e pro- fissionais de marketing apresentavam os desenhos, recebiam o retorno e faziam rápidos melhoramentos. Esse método consiste no desenvolvimento centrado no usuário (seção). Estrate�gia - Capi�tulo 12.indd 383 2/9/11 12:58:36 PM ESTRATÉGIA DE INOVAÇÃO 384 Em paralelo, o caso de negócio estava sendo formulado com as se- guintes justificativas: A geração Y representa a segunda maior população em expansão nos • Estados Unidos. O número de indivíduos entre 15 e 25 anos cresceu cerca de 719% de 1995 a 2002. Já para 2010, a estimativa é que mais de 70 milhões dos indivíduos da geração Y dirigirão veículo naquele país. A geração Y representa mais da metade de todas as primeiras com-• pras de carro (52%). Metade dos indivíduos da geração Y são homens. • Outros veículos SUV aparecem diretamente na faixa de US$ 20.000.• Os argumentos justificando a inovação de mercado no segmento da geração Y masculina eram muito fortes, mas, com certeza, informações de- mográficas não eram suficientes para fazer um caso de negócio. Assim, foi desenvolvido um plano de negócios com previsões de receitas, custos de manufatura e necessidades de investimentos. Os orçamentos para o desen- volvimento da inovação foram elaborados com analogias de experiências passadas, utilizando-se projetos como benchmark e tendo a certeza de que os orçamentos têm peso para acomodar problemas não antecipados. Com relação à previsão de vendas, a Honda tinha a experiência com as outras SUV e caminhonetes. A analogia mais adequada foi a CR-V que a Honda produziu a uma taxa de 100.000 a cada ano no mercado americano. Entretanto, esse veículo tem como alvo uma população maior, assim, o Element teria que ter uma taxa de vendas menor, pois tratava-se de uma inovação de mercado. Desta forma, para o primeiro ano foi feita uma pre- visão de 50.000 unidades. Depois da elaboração do plano de negócios, o time de desenvolvi- mento sabia que necessitava do apoio da alta gerência para a aprovação do plano. Mas será que entenderiam os valores e comportamentos de um segmento de mercado que estava muito distante do dia a dia desses execu- tivos? E não existia nenhum estudo prévio, pois tratava-se de uma inova- ção de mercado! Assim, os executivos foram convidados a uma excursão de acampamento na praia de surfe San Onofre, na Califórnia, junto com Estrate�gia - Capi�tulo 12.indd 384 2/9/11 12:58:36 PM Caso Element, da Honda 385 os garotos da geração Y. Lá conversaram sobre suas paixões a respeito do desempenho no dirigir, o estilo de vida único desse público, e sobre o que essas duas questões significavam para o Element e para o negócio Honda. A importância de ter tomadores de decisões com valores tipo viver a vida em um novo mercado alvo não pode ser subvalorizada. O projeto foi aprovado pelas lideranças corporativas. Decisões cha- ves em recursos humanos foram tomadas, capital de investimento foi alo- cado, um espaço selecionado, e o lançamento foi marcado para dezembro de 2003. 12.3O Desenvolvimento do Projeto A arquitetura de um produto define os subsistemas necessários e como se conectam e operam juntos. Uma das razões do sucesso da Honda está na sua habilidade em ala- vancar subsistemas comuns por meio de diferentes linhas de produtos e fazer isso de forma que se criem estilos diferenciados com aspectos que sensibilizem diferentes usuários. O equilíbrio no uso de subsistemas comuns é muito importante. Quando os subsistemas não são comuns nos produtos de linha, o lucro evapora. Quando todos eles são comuns, os veículos ficam parecidos e o interesse do consumidor desaparece. Outra questão importante na definição da arquitetura é a excelência do subsistema no design e no desempenho: devem ser classe mundial. Assim, a combinação entre equilíbrio e o uso de subsistemas existen- tes e novos, e a excelência destes é que produz uma combinação vencedora que agrada a ambos (partes envolvidas e consumidores). No caso da Honda, o time de desenvolvimento trabalhou em quatro subsistemas chaves: o exterior, o interior, a suspensão e o conjunto de força. 12.4 O Exterior É o maior subsistema, composto por chassi, carroçaria (lataria), para- choques, para-brisa, teto solar e tampa de porta-malas. Estrate�gia - Capi�tulo 12.indd 385 2/9/11 12:58:37 PM ESTRATÉGIA DE INOVAÇÃO 386 Muitos desses subsistemas foram desenhados exclusivamente para as necessidades da geração Y masculina. As portas laterais, que abrem para as laterais externas do veículo (imitando o abrir de asas), não possuem batente, facilitando o uso de en- trada e saída para cargas. O sistema “concha” da tampa do porta-malas proporciona uma gran- de abertura. O teto solar fica localizado mais para a parte traseira e pode ser remo- vido para que o usuário possa carregar uma estante de livros verticalmen- te de um lugar para o outro. 12.5 O Interior Embora os assentos comuns do SUV se estendam ou possam ser re- baixados para o assoalho, os assentos do Element podem ser dobrados contra as laterais internas, aumentando o espaço, ou removidos por com- pleto. Ambas as opções propiciam uma área ampla para se guardar bicicle- tas, móveis e outros objetos grandes. O próprio assoalho é de material recoberto de uretano com canais de drenagem. Tal modelo permite que os usuários varram areia de praia ou limpem lama usando uma escova ou esponja umedecida. Peças eletrônicas críticas estão localizadas acima do assoalho e aquelas que ficam abaixo do mesmo são protegidas por envoltórios à prova d’água. O material de que são feitos os assentos também é à prova d’água. 12.6 A Suspensão A suspensão deve ser altamente manobrável, estável e de divertido passeio , assim, deve ser traduzida em maior firmeza e esportividade do que a suspensão do atual CR-V. Dessa forma, o Element utilizou o mesmo chassis básico do CR-V, mas 0,44 metros maior e 0,25 metros do chão . O sistema de direção tam- bém foi o mesma do CR-V, Pilot e MDX. Os pneus são de 16 polegadas. Estrate�gia - Capi�tulo 12.indd 386 2/9/11 12:58:38 PM Caso Element, da Honda 387 12.7 Conjunto de Força Na Honda, os engenheiros dizem que “constroem carros para dirigir os motores”. A empresa é uma das líderes, senão a líder em motores no planeta. Todo e qualquer novo motor da Honda é desenvolvido no centro de P&D em Tochigi, no Japão. No caso do Element, não foi autorizado o de- senvolvimento de um motor novo, assim, foi utilizado aquele lançado em 2002, no CR-V e no Acura RSX. Esse motor proporciona um máximo de 160 hps a 5.500 rpm´s, tem baixos níveis de emissão, além de ser econômico (26 milhas por galão ). 12.8 Lançamento A pré-produção iniciou-se no verão de 2003, onde algumas unidades foram entregues para a força de vendas com o propósito de treinamento. Outros foram enviados para testes. Uma inovação de mercado necessita de uma inovação no marketing. O próprio nome Element foi escolhido entre uma lista testada por poten- ciais compradores. A comunicação e divulgação foram realizadas por meio de promoções não tradicionais face às características do novo segmento. Assim, o foco concentrou-se em comunidades da geração Y, auto shows, campus de universidades, praias, e eventos esportivos. Um rápido comer- cial apresentava quatro rapazes fazendo uma viagem para a praia e depois para uma festa, com muita diversão, e o Element fazia parte disso. 12.9 Pós-lançamento (quem está comprando o Element?) No final de 2004, tinham sido produzidos 75.000 unidades, 50% mais do que a projeção inicial. O interessante foi a composição dos compradores: 20% geração Y, 40% geração X (por volta dos 30 anos) e 40% composto pela geração dos 40 anos. E os compradores não foram exclusivamente homens. Os consumidores mais velhos, com frequência, respondiam que gos- tavam do produto pelo fato de serem direcionados a pessoas jovens. Estrate�gia - Capi�tulo 12.indd 387 2/9/11 12:58:39 PM ESTRATÉGIA DE INOVAÇÃO 388 Assim, concluiu-se que, para o Element, a visão “verão eterno” era a correta! A característica de flexibilidade do Element proporcionava também um uso adequado para um profissional liberal, pois podia acomodar sua máquina, caixas e equipamentos melhor do que em outros veículos. Foi um aprendizado para o time de desenvolvimento: o Element não estava relacionado ao segmento por idade, mas sim por atitude, psicogra- fia e necessidades de utilitário. Focados na geração Y, o time desenvolveu um automóvel para usuários de atitudes, expectativas e necessidades si- milares. Outra conclusão: é possível vender um carro com características do segmento jovem para pessoas mais velhas, mas nunca se deve tentar ven- der um carro de pessoas mais velhas para os jovens. Fonte: Extraído de Meyer (2008). Questão Em dezembro de 2010, a montadora Honda anunciou o encerramento da fabricação do Element® em 2011. Segundo a empresa, o mercado está preferindo outros utilitários como o CR-V (Folha de São Paulo, 2010). Analise o setor pertencente ao Element® e descreva as possíveis causas do seu encerramento. Estrate�gia - Capi�tulo 12.indd 388 2/9/11 12:58:39 PM