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Introdução à bioquímica Apresentação A bioquímica é a ciência que estuda como as moléculas que compõem os organismos vivos interagem para manter e perpetuar a vida. Apesar da enorme diversidade e das variações de complexidade entre eles, a maioria dos organismos vivos compartilha as mesmas bases moleculares e organizações celulares. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai identificar as biomoléculas que formam todos os organismos vivos, como elas se organizam para formar estruturas mais complexas, quais são as organelas responsáveis pelas diferentes funções dentro de uma célula e como os cientistas conseguem isolar partes diferentes da célula para estudar suas funções. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar técnicas de separação de organelas celulares para o estudo da bioquímica.• Comparar as funções das principais organelas celulares.• Reconhecer as biomoléculas e a hierarquia na organização molecular das células.• Desafio A mucopolissacaridose tipo I é uma doença causada por alterações na atividade de uma enzima lisossômica que degrada moléculas chamadas proteinoglicanos. Ela tem um espectro fenotípico que vai da forma mais leve da doença, chamada de síndrome Scheie, até a forma mais grave, conhecida por síndrome de Hurler. Os pacientes com essa doença apresentam ampla variedade de sintomas que afetam diversos sistemas do corpo humano. Entre esses sintomas, estão a opacificação da córnea, os problemas cardíacos e pulmonares e até os problemas cognitivos. Os pais de uma criança recém diagnosticada com mucopolissacaridose tipo I chegaram à sua clínica e estão interessados em saber o que está causando a doença do seu filho. Eles querem saber detalhes do que acontece nas células para poderem avaliar as formas de tratamento existentes e escolher a melhor. Considerando esse contexto, descreva para eles a função dos lisossomos na célula e o que provavelmente está acontecendo nas células do paciente. Sabendo que essa doença é causada por modificações na sequência de nucleotídeos que codifica a enzima em questão, descreva a função dos nucleotídeos e como eles são organizadas dentro de uma célula. Infográfico Você já se perguntou como os cientistas fazem para estudar a função isolada de cada organela celular? Uma ferramenta muito utilizada para realizar a separação é a centrifugação, processo dependente de uma força centrífuga por meio da rotação da amostra e consequente separação, sedimentação de sólidos em líquidos, ou líquidos de diferentes densidades em diferentes fases. Todo esse processo é favorecido por meio de um movimento circular das partículas. No Infográfico a seguir, você vai ver um esquema de técnicas utilizadas para a separação de organelas celulares para o estudo de sua estrutura e função. As células passam por lise celular e centrifugações. Confira. Conteúdo do livro Bioquímica é a ciência que estuda as estruturas, a organização e as transformações moleculares que ocorrem nas células, unidades estruturais e funcionais dos organismos vivos. Na bioquímica, podemos relacionar os estudos biológico e químico das estruturas, as reações químicas envolvidas e todo o processo micro e macro para a funcionalidade da vida. No capítulo Introdução à bioquímica, da obra Bioquímica geral, que serve de base teórica desta Unidade de Aprendizagem, descubra as organizações biomoleculares e suas aplicações na construção dos seres vivos, onde e como as organelas celulares estão presentes e as formas de isolamento mais eficazes para estudar suas complexidades. Boa leitura. BIOQUÍMICA GERAL Talita Giacomet de Carvalho Introdução à bioquímica Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar técnicas de separação de organelas celulares para estudo da bioquímica. Comparar as funções das principais organelas celulares. Reconhecer as biomoléculas e a hierarquia na organização molecular das células. Introdução A bioquímica é a ciência que estuda como as moléculas que compõem os organismos vivos interagem para manter e perpetuar a vida. Apesar da enorme diversidade e das variações de complexidade entre eles, a maioria dos organismos vivos compartilha as mesmas bases moleculares e organizações celulares. Neste capítulo, você vai aprender a identificar as biomoléculas que formam todos os organismos vivos, como elas se organizam para formar estruturas mais complexas, quais as organelas responsáveis pelas dife- rentes funções dentro de uma célula, e como os cientistas conseguem isolar partes diferentes da célula para entender suas funções. Introdução à bioquímica A bioquímica é a ciência em que a química é aplicada ao estudo dos organismos vivos e aos átomos e moléculas que os compõem. Ela forma uma ponte entre a biologia e a química ao estudar como as reações químicas e as estruturas quí- micas dão origem à vida e aos processos da vida. A bioquí mica questiona como as extraordiná rias propriedades dos organismos vivos se originaram a partir de 03124_Bioquimica_Humana_Livro.indb 15 23/05/2018 17:42:57 milhares de biomolé culas diferentes. Quando essas molé culas sã o isoladas e examinadas individualmente, elas seguem todas as leis fí sicas e quí micas que descrevem o comportamento da maté ria inanimada. Todos os processos que ocorrem nos organismos vivos també m seguem todas as leis fí sicas e quí micas. O estudo da bioquí mica mostra como o conjunto de molé culas inanimadas que constituem os organismos vivos interage para manter e perpetuar a vida exclusivamente pelas leis fí sicas e quí micas que regem o universo inanimado. A bioquímica é, de forma simplifi cada, a ciência que estuda a química da vida. Separação de organelas celulares O estudo da composição da célula é essencial para que se entenda o seu funcio- namento. Tudo o que se sabe hoje sobre os mecanismos celulares só foi possível devido ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de técnicas laboratoriais e méto- dos de estudo. Em bioquímica, o método mais comumente utilizado e que mais auxiliou no desenvolvimento dos estudos sobre as partes isoladas das células foi o fracionamento celular. As técnicas foram aperfeiçoadas de forma a permitir a separação das diferentes organelas e macromoléculas sem prejudicar suas funções. Para ter acesso a componentes que ficam dentro de um recipiente, o primeiro passo é abrir o recipiente. Com células e organelas celulares, funciona da mesma maneira. A Figura 1 apresenta, de maneira simplificada, os passos necessários para o fracionamento das organelas celulares. O primeiro passo para que se possa isolar as organelas celulares é romper a membrana plasmática que as circunda. Isso pode ser feito de algumas formas diferentes: por meio de choque osmótico (normalmente feito com sacarose ou um detergente), vibração de ultrassom, por rompimento mecânico, ou ainda pela combinação de mais de uma técnica. O método escolhido depende do tecido, de tipo celular, e da fração de interesse. A maioria das células de plantas e animais pode ser homogeneizada mecanicamente. A vibração de ultrassom é geralmente usada para lisar células procarióticas. Já o choque osmótico é normalmente o método de escolha para lisar células vulneráveis a estresse osmótico, como os eritrócitos. Todos os processos citados rompem as membranas em fragmentos que rapidamente se fecham novamente formando pequenas vesículas e liberando organelas celulares. Quando bem executados, esses protocolos preservam intactas organelas como o núcleo, as mitocôndrias, lisossomos, peroxissomos e complexo de Golgi. O extrato resultante vai conter uma mistura de organelas celulares de tamanhos, cargas e densidades diferentes. Após a obtenção do extrato celular que contém as organelas livres, elas devem ser isoladas. A técnica utilizada para este fim é a separação por centrifugação diferencial. Durante este processo o extrato celularé submetido a uma força Introdução à bioquímica16 03124_Bioquimica_Humana_Livro.indb 16 23/05/2018 17:42:58 centrífuga de rotação muito grande para que os componentes celulares se de- positem no fundo do tubo. Assim eles são separados por tamanho e densidade. Em geral os compostos maiores se movem mais rápido e são os primeiros a se depositarem no fundo do tubo. Portanto, as velocidades mais baixas de centrifugação conseguem sedimentar componentes grandes, como os núcleos, velocidades pouco maiores sedimentam mitocôndrias, e velocidades altas e maior tempo de centrifugação são capazes de sedimentar primeiro vesículas e depois ribossomos. Neste tipo de centrifugação, portanto, as organelas são separadas apenas se alterando a velocidade de rotação da centrífuga. As frações resultantes deste processo são impuras, o que pode ser resolvido com lavagens (ressuspender o sedimento em um tampão) e repetições da centrifugação. Uma forma de separar as organelas celulares presentes em um extrato de maneira mais precisa é centrifugá-las em um meio com gradiente de densidade. Normalmente é utilizado um gradiente de sacarose. Dentro de um tubo são adicionadas cuidadosamente camadas de soluções de sacarose com diferentes concentrações, começando, no fundo do tubo, pela mais densa. A quantidade de camadas e as densidades utilizadas variam de acordo com o que se quer separar. O extrato celular é então depositado sobre as camadas, e o tubo é centrifugado. Durante a centrifugação, organelas com diferente densidade de flutuação (resultado das proporções diferentes de lipídeos e proteínas presentes em cada uma) migram em direção ao fundo do tubo e param em camadas de sacarose diferentes, com densidade mais próxima da sua. Assim os componentes do extrato ficarão divididos em diferentes camadas dentro do tubo, que podem ser coletadas individualmente. As ultracentrífugas são capazes de chegar a velocidades extremamente altas de rotação, produzindo forças tão altas como 500.000 vezes a gravidade. Isso permite que esta técnica seja também utilizada para separar por tamanho macromoléculas como proteínas e ácidos nucleicos. A determinação dos coeficientes de sedi- mentação é utilizada em laboratório para ajudar na determinação do tamanho e composição de extratos de macromoléculas obtidos em células. Os estudos de organelas e outros componentes celulares isolados por cen- trifugação contribuiu muito para a compreensão das funções dos diferentes componentes celulares e também de suas interações. A partir do isolamento de mitocôndrias e cloroplastos, foi descrita a função dessas organelas na conversão de energia em formas úteis para a célula. Mesmo as organelas que não ficam intactas após a separação, podem ser estudadas dessa forma. Por exemplo, as vesículas formadas a partir de fragmento do retículo endoplasmático liso e rugoso puderam ser separadas e analisadas como modelos funcionais desses compartimentos. Ainda, o isolamento de uma organela enriquecida com uma certa enzima é o primeiro passo para a purificação desta enzima. 17Introdução à bioquímica 03124_Bioquimica_Humana_Livro.indb 17 23/05/2018 17:42:58 Figura 1. Fracionamento celular de um tecido. Uma amostra de tecido epitelial é submetida a homogeneização para rompimento das membranas celulares das células do tecido. Após, existem duas maneiras de fracionar as organelas celulares. A primeira consiste em uma série de centrifugações com velocidades e tempos crescentes de acordo com o tamanho da organela que se deseja isolar. Na segunda, o extrato celular é depositado sobre um gradiente de densidade, e o tubo é submetido à centrifugação. Organelas com densidades diferentes estacionam em camadas diferentes do gradiente, e podem assim ser coletadas separadamente. Organelas celulares Apesar da grande diversidade e das enormes variações de complexidade entre os organismos vivos, muitas características são comuns a todos eles. Todos extraem energia do meio ambiente, a transformam, armazenam e a utilizam para a sua manutenção. A maior parte dessas reações acontece em uma unidade estrutural básica comum a todos: a célula. A célula é a menor unidade estrutural de um organismo. Ela tanto pode existir como uma unidade funcional independente em organismos unicelu- lares, quanto como subunidades de organismos multicelulares de diferentes complexidades. Existem dois tipos principais de células: as procarióticas (presente em bactérias) e as eucarióticas (presente em animais e plantas). A principal diferença entre elas é a presença de um núcleo isolando o material genético, e de organelas delimitadas por membranas nas células eucarióticas. Apesar das muitas variações, as células eucarióticas de diferentes organismos compartilham algumas características estruturais, e são responsáveis pelos quatro mecanismos básicos para manutenção da vida, que são: Introdução à bioquímica18 03124_Bioquimica_Humana_Livro.indb 18 23/05/2018 17:42:58 síntese de biomoléculas, tais como carboidratos, lipídios, proteínas e áci- dos nucleicos; transporte de substâncias por meio de membranas; produção de energia; eliminação de metabólitos e substâncias tóxicas. Essas funções são realizadas por estruturas que ficam no interior das células e que são denominadas organelas (Figura 2). Todas as células eucarióticas são delimitadas por uma membrana plasmática. Ela é formada por uma dupla camada fluida de fosfolipídios, proteínas e colesterol, e é responsável por controlar o transporte de substâncias para o interior ou para o exterior da célula. Além disso, nela existem proteínas que atuam como receptores de sinais, que em resposta a ligantes externos, ativam ou inibem mecanismos celulares. A maioria das plantas superiores possui ainda, no lado de fora da membrana plasmática, uma parede celular composta por celulose e outros polímeros de carboidratos, que serve para conter o inchaço celular quando há acúmulo de água. A membrana plasmática delimita o citoplasma, que é o fluido onde estão as organelas celulares e onde ocorre a maioria das reações bioquímicas. Existe dentro das células um sistema dinâmico de membranas responsáveis pela síntese e transporte de substâncias e biomoléculas. Fazem parte deste sistema o retículo endoplasmático, o complexo de Golgi, e envelope nuclear, e vesículas pequenas como os lisossomos e peroxissomos. O retículo endoplas- mático (RE) é uma rede tridimensional de túbulos e vesículas interconectadas e conectadas ao envelope nuclear. Existem dois tipos de RE, o rugoso e o liso. O retículo endoplasmático rugoso recebe este nome por ter ribossomos aderidos às suas membranas. Ribossomos são as organelas responsáveis pela tradução do mRNA que sai do núcleo e síntese de proteínas. O retículo endoplasmático rugoso participa da síntese principalmente de proteínas que serão enviadas para o exterior da célula, e é especialmente desenvolvido em células com função secretora. Existem regiões na célula em que o retículo está livre de ribossomos. Esse retículo endoplasmático liso, que é fisicamente contínuo ao rugoso, tem como função sintetizar lipídeos e participar de outros processos importantes, como o metabolismo de compostos tóxicos. O complexo de Golgi é outro sistema de cavidades membranosas pre- sente em quase todas as células eucarióticas. Sua função é o processamento e distribuição de proteínas. As proteínas recém sintetizadas saem do RE em membranas que se fundem ao lado cis do complexo de Golgi. Dentro do 19Introdução à bioquímica 03124_Bioquimica_Humana_Livro.indb 19 23/05/2018 17:42:58 complexo, são modificadas pela adição de sulfato, carboidratos ou porções lipídicas, e são endereçadas aos locais onde atuarão, para onde são direcionadas em vesículas que saem do lado trans do complexo. Os lisossomos são vesículas esféricas formadas por membrana, e são encontrados somente em células animais. Eles têm um lúmen ácido que con- tém enzimas capazesde digerir lipídeos, polissacarídeos, proteínas e ácidos nucleicos. São, portanto, responsáveis pela reciclagem de moléculas complexas dentro da célula. Esses materiais entram no lisossomo e são degradados até suas moléculas mais simples (monossacarídeos, aminoácidos, etc.), que são então liberadas para serem utilizadas em novos componentes celulares ou catabolizadas. Células de plantas não possuem lisossomos, e as organelas com função de digerir moléculas complexas são os vacúolos. Eles ocupam grande parte da célula adulta, e além da função digestiva, são responsáveis também por armazenar substâncias e fornecer suporte físico para as células. Uma outra organela que tem forma de vesícula circundada por membrana é o peroxissomo. Ele possui enzimas oxidativas relacionadas à degradação de peróxido de hidrogênio e radicais livres resultantes da degradação de amino- ácidos e gorduras, e que podem ser tóxicos para a célula. O núcleo de uma célula eucariótica é extremamente complexo tanto na sua estrutura quanto na função. Ele é envolto em um envelope nuclear formado por duas camadas de membrana, e se comunica com o citoplasma por meio dos poros nucleares. No interior do núcleo existe o nucléolo, uma região densa que possui muitas cópias de DNA que codificam RNA ribossômico. O núcleo tem duas funções de extrema importância dentro da célula: armazenar a informação genética contida no DNA e regular o metabolismo celular. Dentro dele acontece a replicação do DNA e controle da expressão gênica. Mitocôndrias são organelas celulares presentes geralmente em grande número em células eucarióticas. Elas também são envoltas por duas membranas, a externa lisa e a interna formando invaginações chamadas de cristas. Em seu interior, na matriz, há enzimas e intermediários químicos envolvidos no metabolismo energético. Elas catalisam a oxidação dos nutrientes orgânicos e geram ATP, a principal molécula transportadora de energia das células. Ou seja, são elas que geram a energia utilizada para o funcionamento celular. Uma particularidade das mitocôndrias é o fato de elas armazenarem seu próprio DNA, RNA e ribossomos, que codificam proteínas estruturais da organela. Além disso, elas têm a capacidade de se dividir para formar novas mitocôndrias. Introdução à bioquímica20 03124_Bioquimica_Humana_Livro.indb 20 23/05/2018 17:42:58 As células fotossintetizantes de plantas e algas possuem organelas denomi- nadas cloroplastos. Eles têm função parecida com a das mitocôndrias, com a diferença de que utilizam energia solar em vez de utilizarem energia química proveniente de oxidação. É nelas que a acontece a fotossíntese, processo que utiliza energia solar para produção de ATP. Assim como as mitocôndrias, os cloroplastos possuem seu próprio DNA, RNA e ribossomos, e se dividem para formar novas organelas. As células que possuem cloroplastos possuem também mitocôndrias. Os cloroplastos produzem ATP somente na presença de luz. As mitocôndrias agem independentes da luz, oxidando os carboidratos produzidos após a fotossíntese. O citoesqueleto é formado por uma rede complexa de proteínas e é respon- sável pela estrutura e organização do citoplasma e pela forma da célula. Os três tipos gerais de filamentos que compõem o citoesqueleto são os filamentos de actina, os microtúbulos e os filamentos intermediários. Filamentos de actina e microtúbulos também estão envolvidos na movimentação das organelas e de toda a célula. Figura 2. Representação esquemática de uma célula eucariótica. Fonte: Vladimir Ischuk/Shutterstock.com. 21Introdução à bioquímica 03124_Bioquimica_Humana_Livro.indb 21 23/05/2018 17:42:58 O amido e a celulose são as duas moléculas de carboidratos que armazenam mais de metade do carbono existente no planeta. O amido é o polissacarídeo de reserva energética das células vegetais, da mesma forma que o glicogênio é para os animais. A celulose é o principal componente da parede celular das células vegetais e é degradada por uma enzima que os seres humanos não possuem. As biomoléculas e a hierarquia na organização molecular das células Apesar de existir enorme variabilidade entre os organismos vivos, todos com- partilham a mesma composição química básica. Todas as moléculas orgânicas de uma célula têm em sua composição átomos de carbono. O carbono é capaz de estabelecer ligações com átomos de hidrogênio, oxigênio e nitrogênio, e compartilha pares de elétrons com até quatro outros carbonos para formar ligações que são muito estáveis. Átomos de carbono ligados covalentemente podem formar cadeias lineares, ramifi cadas ou cíclicas, que podem ter ainda ligadas a elas outros grupos de átomos, os grupos funcionais. Dessa forma, o carbono é o principal componente de uma infi nidade de compostos. As molé- culas que contêm esqueletos carbônicos são chamadas compostos orgânicos, e estão presentes na maioria das biomoléculas que formam os seres vivos. Todas as moléculas orgânicas são sintetizadas a partir dos mesmos compos- tos químicos simples. Como consequência, os componentes de uma célula são facilmente relacionados, e podem ser classificados em um pequeno número de grupos diferentes. Existem quatro tipos principais de biomoléculas que formam as células: carboidratos, lipídios, proteínas e ácidos nucleicos. Existem ainda outros compostos que não entram nessas categorias, entretanto, estes quatro grupos de moléculas orgânicas, junto com as macromoléculas formadas por suas ligações, são os responsáveis pela maior parte da massa celular. Carboidratos Os carboidratos (polissacarídeos) são longas cadeias de açúcar. Os açúcares simples (monossacarídeos) são compostos com a fórmula (CH2O)n, onda n varia de 3 a 7. Eles existem na forma de cadeia carbônica aberta ou cíclica, e podem estar ligados à grupos hidroxila, ou a um aldeído ou cetona, que agem Introdução à bioquímica22 03124_Bioquimica_Humana_Livro.indb 22 23/05/2018 17:42:58 como agentes redutores. A ligação covalente entre dois monossacarídeos é denominada ligação glicosídica, e une monossacarídeos formando dissacarí- deos (ex.: os monossacarídeos glicose e frutose ligados formam o dissacarídeo sacarose). Ela é formada entre um grupo -OH de um açúcar e um grupo -OH de outro açúcar por uma reação de condensação, que libera uma molécula de água quando a ligação é formada. Polímeros maiores de açúcar podem ser oligossacarídeos (trissacarídeo, tetrassacarídeo, etc.) até foram cadeias muito grandes chamadas polissacarídeos, que contém centenas de monossacarídeos. Monossacarídeos e dissacarídeos (ex.: glicose, sacarose) são doces, cristalinos e solúveis em água. Já os polissacarídeos (ex.: amido, celulose) são carboidratos complexos, não são doces e nem solúveis em água. A principal função dos carboidratos é relacionada à energia na célula. Eles são os principais produtores de energia sob a forma de ATP, e suas ligações são quebradas sempre que as células precisam de energia para reações quí- micas. Eles também conseguem reservar energia na forma de carboidratos complexos. Nos vegetais, a energia é reservada no amido, um polímero de glicose, e nos animais, em glicogênio, também polímero de glicose com uma estrutura mais compacta e ramificada. Além disso, os carboidratos também têm função estrutural. A parede celular dos vegetais é formada por celulose, que é um carboidrato polimerizado. As células animais possuem o glicocálix, que é formado por carboidratos circundando a membrana plasmática que conferem especificidade celular, favorecendo a agregação de células com mesma função em um tecido. Lipídeos Lipídeos são moléculas relativamente pequenas e hidrofóbicas. Em geral apre- sentam estrutura química relativamente simples, mas têm funções complexas e diversas, atuando em etapas cruciais do metabolismo e contribuindo com a estrutura celular. Diferente das outras classes de biomoléculas, os lipídeos não são caracterizados por um grupo funcional comum, a sim pela suabaixa solubilidade em água e alta solubilidade em solventes orgânicos. Entretanto, a maioria deles é derivada ou possui em sua estrutura ácidos graxos. Um ácido graxo tem duas regiões quimicamente distintas: uma cadeia longa de hidrocarboneto e um grupo carboxila (-COOH), que se comporta como um ácido carboxílico. Quase todas as moléculas de ácido graxo em uma célula estão covalentemente ligadas a outras moléculas em seu grupo carboxila. Suas cadeias carbônicas podem ser saturadas (gorduras sólidas em temperatura ambiente) ou insaturadas (óleos líquidos em temperatura 23Introdução à bioquímica 03124_Bioquimica_Humana_Livro.indb 23 23/05/2018 17:42:59 ambiente). Os triacilgliceróis (triglicerídeos) são formados pela ligação de 3 moléculas de ácidos graxos com o glicerol, um álcool, por meio de ligações do tipo éster. Sua principal função é a de reserva de energia, e são armazenados principalmente nas células adiposas. Os fosfoglicerídeos (fosfolipídeos) são formados por ácidos graxos, glicerol e ácido fosfórico. O glicerol está ligado a uma base nitrogenada por meio de pontes fosfodiéster, o que define a natureza desses compostos como anfipáticos, com caudas apolares e cabeças polares. Os fosfolipídeos são os principais componentes da membrana celular. Os esfingolipídeos são formados por ácidos graxos ligados a um aminoálcool (esfingosina), através de uma ligação amida. Eles também são importantes na formação da membrana celular, e são constituintes importantes da bainha de mielina das células do sistema nervoso. As ceras são formadas por ácidos graxos e álcoois alifáticos de cadeia longa, e tem função impermeabilizante. Existem, ainda, os lipídeos que não contêm ácidos graxos em sua com- posição. Eles não são energéticos, mas desempenham funções fundamentais no metabolismo. Entre eles estão os terpenos, representados pela vitaminas lipossolúveis, e os esteroides, cujo exemplo mais importante é o colesterol. Esta molécula, além de participar da membrana plasmática, é precursora de hormônios sexuais, glicocorticóides, mineralocorticóides, ácidos e sais biliares e vitamina D. Proteínas As proteínas constituem, junto com a água, a maior parte do conteúdo das células. Elas têm funções variadas e essenciais em todos os organismos vivos. Essas funções podem ser estruturais, como é o caso das proteínas colágeno e elastina encontradas na matriz óssea e no sistema vascular, e da queratina, presente na epiderme. Suas funções dinâmicas são muito diversifi cadas. Elas incluem proteínas agindo como enzimas, hormônios, fatores de coagulação, imunoglobulinas, receptores de membrana, além de controle da maquinaria genética, contração muscular, respiração, entre outras. As proteínas são formadas por cadeias de aminoácidos. Estes são um grupo de compostos orgânicos formados, em sua maioria, por um carbono alfa ao qual estão quimicamente ligados um grupo amino (-NH2), um grupo ácido carboxílico (-COOH) e uma cadeia lateral variável. Existem 20 aminoácidos diferentes, e sua variabilidade se dá pela cadeia lateral. Para formar proteínas, os aminoácidos se ligam uns aos outros em longas cadeias que são depois organizadas em estruturas tridimensionais únicas para cada tipo de proteína. As ligações entre dois aminoácidos são chamadas ligações peptídicas e são Introdução à bioquímica24 03124_Bioquimica_Humana_Livro.indb 24 23/05/2018 17:42:59 formadas entre o grupo amina de um aminoácido com o grupo carboxila de outro. A versatilidade química dos 20 aminoácidos existentes é de extrema importância para o funcionamento das proteínas. Cinco deles têm cadeias laterais que podem formar íons em solução, os outros não, alguns são polares e hidrofílicos, outros apolares e hidrofóbicos. Ácidos nucleicos Os ácidos nucleicos são compostos orgânicos formados por cadeias de nucle- otídeos. Cada nucleotídeo é formado por um açúcar do grupo das pentoses (monossacarídeos com cinco átomos de carbono), um radical fosfato, e uma base nitrogenada. As bases nitrogenadas são divididas em e pirimidinas e purinas. Citosina, timina e uracila são derivadas de pirimidinas porque derivam de uma pentose. Guanina e adenina são derivadas de purinas, e têm um segundo anel aromático de 5 carbonos ligado à uma pentose. Cada nucleotídeo é nomeado de acordo com a base nitrogenada que contém. Os nucleotídeos que formam os ácidos nucleicos são ligados uns aos outros por ligações fosfodiester entre as extremidades dos carbonos 5‘ e 3’. O grupo 3‘-OH da pentose forma uma ligação com um dos oxigênios do grupo fosfato ligado à extremidade 5’ do carbono da outra pentose. Existem dois tipos principais de ácidos nucleicos, que diferem no tipo de açúcar que os compõem. Este açúcar pode ser uma ribose ou desoxirribose. Os nucleotídeos formados por ribose são chamados de ribonucleotídeos, contêm as bases adenina, guanina citosina e uracila, e formam as moléculas de ácido ribonucleico (RNA) das células. Os formados por desoxirribose são os desoxirribonucleotídeos, contêm as bases adenina, guanina, citosina e timina (que é quimicamente similar à uracila), e estão presentes nas moléculas de ácido desoxirribonucleico (DNA). O RNA normalmente está pre- sente nas células na forma de uma cadeia simples de polinucleotídeos. Já o DNA geralmente forma par com outra cadeia complementar, antiparalela e ligadas entre si por pontes de hidrogênio entre as bases das duas cadeias. A sequência linear de nucleotídeos presentes no DNA e no RNA codifica a informação genética da célula. A habilidade de pareamento das bases ni- trogenadas (guanina com citosina, adenina com timina ou uracila) é a chave da hereditariedade e da evolução. Hierarquia na organização molecular das células Os monômeros, moléculas de organização mais simples das células, são os mesmos em todos os organismos vivos e se combinam para formar estruturas cada vez 25Introdução à bioquímica 03124_Bioquimica_Humana_Livro.indb 25 23/05/2018 17:42:59 maiores e mais complexas. Por exemplo, estruturas simples como nucleotídeos se ligam a outros para formar um ácido nucleico, DNA. Este, por sua vez, se condensa e se liga a diversas proteínas para formar os cromossomos. Os cromossomos e diversas outras estruturas estão juntas e interagindo dentro do núcleo celular. Ainda, por mais que os monômeros sejam estruturas simples e sejam necessá- rios em quantidades enormes para formar o próximo nível hierárquico de compostos da célula, alterações em sua estrutura podem ter consequências significativas para a célula e portanto, para o indivíduo formado por elas. Por exemplo, uma alteração em uma base nitrogenada de um ácido nucleico pode causar alterações no código genético de uma proteína importante, que será traduzida de maneira errada e não funcionará adequadamente, causando doenças. A Figura 3 ilustra como funciona a hierarquia das biomoléculas dentro de uma célula animal. Figura 3. Hierarquia estrutural na organização molecular das células. Fonte: Adaptada de Nelson e Cox (2014). Mais um exemplo de hierarquia na organização molecular das células e da importância das unidades mais simples é a anemia falciforme. Nesta doença ocorre a substituição de um resíduo de ácido glutâmico por um de valina em uma das cadeias da hemoglobina. Essa simples diferença afeta apenas uma pequena região da cadeia de 146 aminoácidos. Entretanto, ela causa uma alteração importante nas moléculas de hemoglobina, que as faz formar agregados no interior dos eritrócitos, assim, deformando-se. Introdução à bioquímica26 03124_Bioquimica_Humana_Livro.indb 26 23/05/2018 17:42:59 27Introdução à bioquímica 03124_Bioquimica_Humana_Livro.indb 27 23/05/2018 17:43:00 NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. Leituras recomendadas ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 5. ed. Porto Alegre; Artmed, 2011. HARVEY, R. A.; FERRIER, D. R. Bioquímica ilustrada.5. ed.. Porto Alegre: Artmed, 2015. VOET, D.; VOET, J. G. Bioquímica. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. Dica do professor As células são compostas por organelas celulares na forma de estruturas dispostas no seu citoplasma. Esses componentes apresentam uma variedade de funções, mas a viabilidade principal é manter o funcionamento adequado e a célula viva. Logo, uma célula é composta de diversos componentes e, quando são necessários a separação e o isolamento das organelas e das macromoléculas, técnicas de separação são utilizadas. Nesse aspecto, diferentes tempos e rotações por minuto (rpm) são usados a depender do tamanho dos componentes a serem separados. Nesta Dica do Professor, veja as características principais das biomoléculas que formam todos os organismos vivos, as organelas responsáveis pelas diferentes funções dentro de uma célula e como os cientistas conseguem isolar partes diferentes da célula para entender suas funções. Após assistir ao vídeo, examine um modelo 3D de uma célula e suas organelas. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Confira agora, em 3D, mais algumas informações sobre essas organelas. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/cecdfac95d543536057281152738167f https://grupoa-edtech.grupoa.education/object/MWblYAz-Q6WU86J4H9qt1w Exercícios 1) Sobre a técnica de separação das organelas celulares, assinale a alternativa correta. A) O rompimento da membrana celular por choque osmótico remove impurezas presentes na célula. B) O estudo das organelas em frações individuais não é útil para o estudo de suas funções porque, nas células, elas estão interagindo com outras organelas. C) Os passos envolvidos na separação de organelas celulares são, em ordem: lise celular para rompimento da membrana; centrifugação para separação das frações celulares; lavagens para purificação. D) O princípio da técnica de centrifugação em gradiente de densidade é separar as organelas de acordo com suas funções. E) A centrifugação diferencial é o método mais preciso de separação das organelas e utilizá-lo evita passos de purificação posteriores. 2) Assinale a alternativa que relaciona corretamente a organela celular e sua função. A) Núcleo – respiração celular. B) Mitocôndria – fotossíntese. C) Ribossomo – fabricação de ácidos graxos. D) Lisossomo – degradação celular. E) Vacúolo – transporte de proteínas. 3) Considerando as organelas celulares, assinale a alternativa que apresenta um grupo envolvido na síntese de compostos necessários para a célula. A) Retículo endoplasmático rugoso, lisossomo, vacúolo. B) Lisossomo, vacúolo, ribossomo. C) Vacúolo, retículo endoplasmático rugoso, retículo endoplasmático liso. D) Retículo endoplasmático liso, ribossomo, vacúolo. E) Ribossomo, retículo endoplasmático rugoso, retículo endoplasmático liso. 4) Enzimas, alguns hormônios e fatores de coagulação podem ser classificados em uma única classe de compostos químicos porque: A) são formados por cadeias de aminoácidos. B) aumentam o metabolismo oxidativo. C) ajudam a regular o metabolismo. D) são sintetizados exclusivamente nos seres humanos. E) são formados por cadeias de ácidos graxos. 5) Sobre as biomoléculas encontradas nos compostos orgânicos, assinale a alternativa correta. A) Carboidratos são cadeias de açúcares ligados entre si por ligações glicosídicas. B) Lipídeos são as biomoléculas mais complexas e são todos formados por cadeias de ácidos graxos. C) As ligações peptídicas são formadas entre um grupo amina e um grupo carboxílica e acontecem na união de nucleotídeos complementares. D) As bases nitrogenadas do DNA são capazes de parear com qualquer outra base para formar uma molécula de fita dupla. E) A principal função dos carboidratos é manter a estrutura das células. Na prática Em seu dia a dia em uma clínica ou laboratório, ou pesquisando novos tratamentos, você irá se deparar com doenças ou diagnósticos relacionados a alterações no metabolismo de alguma das biomoléculas. Por isso, é importante saber, por exemplo, como se organizam os ácidos nucleicos para se chegar a um diagnóstico de uma doença genética ou sobre as funções dos carboidratos para explicar sobre o diabetes melito. Confira o Na Prática para saber mais sobre o assunto. Saiba + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Citologia - Componentes celulares Confira este vídeo para saber mais sobre citologia. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Veja a frenética vida dentro de uma célula Acompanhe este vídeo que mostra a vida dentro de uma célula. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. A bioquímica como ela é Leia esta revista sobre bioquímica e saiba mais sobre o assunto. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://www.youtube.com/embed/U1mwbkpHheo https://embed.ted.com/talks/lang/pt-br/david_bolinsky_animates_a_cell https://antigo.uab.ufsc.br/biologia//files/2020/08/Bioqu%C3%ADmica.pdf