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Encontro de Riobaldo com Diadorim

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do que o usual, mas não há necessidade de recorrer ao dicionário frequentemente, mesmo porque muitas 
das palavras de Rosa não estarão lá. Aos poucos, o próprio terreno linguístico do relato termina por 
envolver o leitor, e aí fica difícil largar a leitura. A partir daí, é emoção sobre emoção, e muito mais do que o 
mito, a dimensão épica, a metafísica, o romance toca-nos profundamente pelo lado emocional, pela sua 
capacidade de perturbar o leitor e fazê-lo construir um sertão em sua mente, mas não um sertão qualquer, 
e sim um sertão maravilhoso engendrado pelas palavras mágicas desse João Guimarães Rosa.
Quem nos conta a história de Riobaldo e Diadorim é o próprio Riobaldo, agora fazendeiro próspero, 
proprietário de duas fazendas, herdadas de seu padrinho Selorico Mendes. O interlocutor da voz narrativa 
é uma pessoa de cultura superior que se hospeda na casa de Riobaldo e escuta suas histórias sem se 
manifestar. A narrativa, portanto, se faz em primeira pessoa, já que Riobaldo participa dos acontecimentos 
narrados. Assim, a história é narrada do ponto-de-vista de Riobaldo, que pretende estar dizendo a verdade, 
nada mais que a verdade, embora ele tenha consciência de que "Contar é muito, muito dificultoso" (p. 
159). A dificuldade, segundo o narrador, reside não no passar dos anos que separam o fato da versão, mas 
na "astúcia que têm certas coisas passadas - de fazer balancê, de se remexerem dos lugares" (p. 159). 
Riobaldo sabe que a representação linguística de um fato não é o fato, não é "o que é".
Ele coloca em dúvida também sua própria habilidade de contar as histórias, repreendendo-se em 
certo momento por apresentar os eventos fora de ordem. Referindo-se ao fato de ter contado um 
acontecimento posterior antes de narrar os anteriores, ele se penitencia: 
Talhei de avanço, em minha história. O senhor tolere minhas más 
devassas no contar. É ignorância. Eu não converso com ninguém de fora, 
quase. Aprendi um pouco foi com o compadre meu Quelemém; mas ele quer 
saber tudo diverso: que não é o caso inteirado em si, mas a sobre-coisa, a 
outra-coisa. Agora, neste dia nosso, com o senhor mesmo - me escutando 
com devoção assim - é que aos poucos vou aprendendo a contar corrigido. E 
para o dito volto. Como eu estava, com o senhor, no meio dos hermógenes. 
(p. 171)
Riobaldo não se mostra um depoente autoritário, nem muito decidido; ele relativiza o ato de contar 
histórias. Narrar é difícil, sua habilidade não é muito grande, a memória monta armadilhas ao contador: 
"Sei que estou contando errado, pelos altos. Desemendo. Mas não é por disfarçar, não pense. De grave, na 
lei do comum, disse ao senhor quase tudo. Não crio receio" (p. 77). Entretanto, em outro momento ele 
declara que "Os fatos passados obedecem à gente" (p. 301), ou seja, como narrador ele é senhor do 
passado, e mais adiante ele afirma que só fala a verdade: "Assim exato é que foi. Juro ao senhor. Outros é 
que contam de outra maneira". (p. 385)
Em meio a suas dúvidas e certezas, Riobaldo afinal dá por terminado seu relato, como que cumpre 
uma missão: "Cerro. O senhor vê. Contei tudo." (p. 538)
O trecho que vamos ler é o episódio em que Riobaldo se encontra pela primeira vez com Diadorim – 
ambos ainda meninos – e fazem a travessia do rio São Francisco em uma pequena canoa, e vivem uma 
pequena aventura de rio e margem.
TRECHO DO EPISÓDIO DO ENCONTRO DE RIOBALDO COM 
DIADORIM 
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