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(Re)Visitando as noções básicas de fenomenologia

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Capítulo 1 
(Re)Visitando as noções básicas de fenomenologia1 
 
Georges Boris, Camila Souza, 
Lucas Bloc & Virginia Moreira 
(In Fenomenologia Clínica – no prelo) 
 
Introdução 
 
 Este capítulo visa a apresentar e discutir sucintamente alguns 
conceitos e temas centrais da fenomenologia, proporcionando uma 
visão geral de sua contribuição para a psicologia e para a 
fenomenologia clínica. A proposta de (re)visitar as noções básicas de 
fenomenologia advém de um movimento de retomar aspectos 
fundantes da relação entre a fenomenologia e a clínica e de servir de 
ponto de partida para as questões discutidas ao longo deste livro. Não 
pretendemos desenvolver uma análise aprofundada e definitiva do 
assunto, mas proporcionar a possibilidade de uma abordagem efetiva 
dos seus elementos básicos àqueles que buscam se aproximar do 
“mundo fenomenológico” e que reconhecem a fecundidade da 
fenomenologia para a clínica psicológica. 
Assim, inicialmente, abordamos a contribuição, ainda no final do 
século XIX, de Franz Brentano, reconhecido precursor da 
fenomenologia, bem como influência significativa, não apenas desta 
perspectiva, mas de diversos outros sistemas e teorias, como o 
estruturalismo, o funcionalismo, a psicologia da gestalt, e mesmo a 
psicanálise (Boris, 1994; 2011; Cataldo-Maria & Winograd, 2013; 2017). Em 
seguida, apresentamos a proposta metodológica de Edmund Husserl, 
que, no início do século XX, demarca o surgimento da fenomenologia 
																																																													
1 Este capítulo é uma revisão e uma ampliação do seguinte artigo: BORIS, G. D. J. B. 
(1994). Noções básicas de fenomenologia. In: Insight Psicoterapia. São Paulo: v. 46, pp. 
19-25, nov. 
	
 
como ruptura dos modelos vigentes na época. Por último, discutimos 
alguns elementos da proposta de Maurice Merleau-Ponty, que 
desenvolve e radicaliza, de modo particular, a fenomenologia proposta 
por Edmund Husserl. 
 
A contribuição pioneira de Brentano 
 
 Franz Brentano (1838-1917) foi padre, tendo renunciado ao 
sacerdócio por não poder aceitar a doutrina da infalibilidade papal, 
sem, contudo abandonar suas convicções profundamente católicas. 
Doutorou-se em filosofia, tendo sido mais um filósofo do que um 
cientista. Foi influenciado por Descartes, Leibniz, São Tomás de Aquino e, 
sobretudo, por Aristóteles. Por sua vez, influenciou a psicologia da 
gestalt, o funcionalismo, o estruturalismo, a psicanálise e, mais 
fortemente, a fenomenologia (Abbagnano, 1984; Boris, 2011; Campos, 
1973; Gilles, 1975; Marías, s.d.; Marx & Hillix, 1976; Penna, 1984). 
A psicologia da época de Brentano era uma tentativa de 
converter-se em ciência experimental: uma psicologia associacionista, 
que pretendia explicar tudo por meio de associações de ideias e intervir 
nas demais disciplinas para convertê-las em psicologia. A psicologia de 
Brentano assumiu um caráter completamente novo (Maciel, 2001; 
Marías, s.d)..Brentano chamava seu método de empírico. No entanto, 
tratava-se de um empirismo de outro tipo. Enquanto o empirista clássico 
“(...) observa um facto, e outro, e em seguida, abstrai e generaliza as 
notas comuns”, no método de Brentano, ao “observar um fenômeno, 
tomo um único caso e vejo o que nele é essencial, aquilo em que 
consiste, sem o qual não é, assim obtendo a essência do fenômeno. (...) 
Este método, depurado e aperfeiçoado por Husserl, é a 
fenomenologia” (Marías, s.d., p. 363). Assim, a proposta empírica de 
Brentano antecedeu e deu condições para o surgimento da 
fenomenologia. 
	
 
 O nome de Brentano também está associado à psicologia do ato. 
Sua tese fundamental é que a psicologia deve estudar os atos ou 
processos mentais, não seus conteúdos – como procedem outros 
sistemas psicológicos -, pois a experiência é o fundamento da sua 
perspectiva (Holanda, 2014). Ele acreditava que os atos mentais se 
referem sempre a objetos; por exemplo, se considerarmos a audição um 
ato mental – o de ouvir -, ele se refere sempre a algo ouvido – um som, 
um ruído ou uma música: “neste caso, o evento verdadeiramente 
mental é a audição, que é um ato e não um conteúdo” (Marx & Hillix, 
1976, p. 158). Um outro exemplo é a dor, que é um fenômeno físico, não 
sendo, portanto, o objeto de estudo da psicologia conforme Brentano. 
O que seria, então, neste caso, o seu objeto? Para esta nova vertente 
proposta por Brentano, o objeto de estudo da psicologia seria 
exatamente a experiência subjetiva da dor - o mal-estar, o sofrimento, o 
desespero etc. – do modo como é vivida pela pessoa que sente dor. 
É neste mesmo sentido que a psicologia do ato se opôs ao 
estruturalismo, ou a uma psicologia do conteúdo. Para os estruturalistas, 
os processos mentais são conteúdos: ao ver uma cor, a experiência 
consciente da cor é conteúdo e seria o adequado objeto de estudo da 
psicologia. Por outro lado, para os psicólogos do ato, os processos de 
ver, ouvir, julgar, desejar etc. são atos – processos conscientes na 
cognição (sentir e perceber), na conação (querer, desejar e esforçar-
se) e no sentimento (amar e odiar) –, não conteúdos, sendo o objeto 
apropriado de estudo da psicologia. Assim, os atos levam a conteúdos, 
pois são intencionais, ou seja, remetem a eles, mas o conteúdo, em si, é 
físico, não psicológico. 
 Talvez a contribuição mais significativa de Brentano à psicologia 
resida na noção de intencionalidade, que aponta para a dinamicidade 
da estrutura da consciência humana. A consciência, ao se organizar 
em atos, se reporta ao mundo constantemente (Holanda, 2014; Maciel, 
2001). A partir de Brentano e como sua marca, a fenomenologia se 
descentralizou da consciência e do objeto para se voltar à correlação 
	
 
entre esses dois pólos como reveladora de sentido. Assim, a ênfase 
atribuída à intencionalidade2 dos fenômenos psíquicos torna a 
psicologia do ato uma precursora do funcionalismo. Para estudar os 
processos com atos, os psicólogos do ato empregavam a observação 
fenomenológica, em contraste com Wundt e Titchener (estruturalistas), 
que utilizavam a introspecção. Para Brentano, então, o objeto de 
estudo da psicologia devia ser os atos da pessoa, não os conteúdos de 
estados conscientes (Holanda, 2014). 
A filosofia do presente, tão presente nas psicoterapias humanistas 
e de cunho fenomenológico-existencial, também nasceu de Brentano, 
senão exclusivamente, pelo menos numa parte decisiva: os fenômenos 
ocorrem aqui e agora e o presente é a única experiência possível. Não 
se trata de desconsiderar o passado, o que seria um absurdo, 
desprezando a história de vida e a memória dos pacientes; também 
não se trata de negligenciar o futuro, os sonhos, os planos e a 
ansiedade costumeiramente vivida por eles, especialmente nos tempos 
atuais. Trata-se de presentificar essas experiências passadas e 
expectativas futuras em vividos conscientes e atualizados, plenos de 
sentidos. 
 Em 1874, Brentano publicou sua principal obra psicológica e 
referência fundamental para o nascimento da fenomenologia, 
Psicologia do Ponto de Vista Empírico, em que aponta uma diferença 
entre os objetos externos e os internos (mentais). Os primeiros são 
passíveis de percepção e de observação, enquanto as experiências 
mentais podem apenas ser percebidas e, portanto, descritas, o que será 
determinante no método fenomenológico proposto posteriormente por 
Husserl. Para Brentano, quando vemos algo, ocorrem duas experiências: 
1) o ato de ver; e 2) o objeto ou o conteúdo visto. Todo ato se constitui 
na relação com o objeto, envolvendo uma “intenção” (in-tentio ou in-
																																																													
2 Termo originado do latim in-tentio (tensão interna, em direção a, referindo-se a uma 
intensão) e de in-tendere (tender a, referente a uma intenção), ambos os termos 
significando mente em ação (Boris, 1994; 2011; Cunha, 2010; Japiassú & Marcondes, 
2001).tendere) que se apresenta na codependência entre o ato e o 
conteúdo. Todo ato se volta a algo exterior a ele e a fenomenologia 
ultrapassa as experiência reais ao se ater aos elementos ideais, a 
essência das experiências (Campos, 1973). 
 Brentano tomou dos escolásticos a noção de intencionalidade e 
a reinterpretou. Para ele, a consciência é intencional, isto é, tende 
sempre a alguma coisa, tem uma ligação com o objeto. Trata-se de 
uma concepção que, em seu sentido amplo, permanece, com 
diferentes nuanças, nas diferentes perspectivas fenomenológicas 
vindouras a partir de Brentano. Neste sentido, pode-se afirmar que a 
consciência não existe por si mesma, mas é sempre consciência de 
alguma coisa, ou seja, todos os atos da consciência são, naturalmente, 
relacionados a alguma coisa, impossibilitando o seu esvaziamento na 
medida em que aquilo que a caracteriza é sua dinâmica 
incessantemente intencional. Como exemplo, pode-se afirmar que não 
há amor sem alguém ou algo amado, percepção sem algo percebido. 
Assim, conhecer os conteúdos da consciência é conhecer o próprio 
objeto. Partindo da concepção que o objeto só é acessível à 
consciência, o único caminho para o conhecimento das coisas é o 
exame da consciência. Neste sentido, o objetivo do método 
fenomenológico é efetivamente realizar este exame, buscando atingir o 
conhecimento das próprias coisas (Campos, 1973). 
 No início do século XX, a fenomenologia começava a se 
apresentar como uma via para responder a um problema antigo e 
fundamental da filosofia que dizia respeito à relação entre a realidade 
existente fora da mente e o pensamento que se faz dessa realidade. O 
caminho fenomenológico para responder tais questões é que os 
fenômenos da consciência são o seu ponto principal de referência 
porque são os dados acessíveis a nós, o único material à nossa 
disposição imediata e a consideração fundamental de que os 
fenômenos são capazes de revelar aquilo que as coisas, 
	
 
essencialmente, são, o que advém do conceito de intencionalidade 
(Campos, 1973). 
É importante assinalar que Edmund Husserl (1859-1938), autor que 
trataremos no próximo tópico, foi atraído para a Filosofia a partir do 
contato com Brentano. Husserl encontrou objetividade, ausência de 
respostas prontas, finuras dialéticas na ponderação dos diversos 
elementos dos problemas, discernimento claro dos equívocos que a 
realidade sugere e um retorno às fontes primitivas dos conceitos 
filosóficos através da intuição das próprias coisas (Gilles, 1975). Foi a 
intuição de Brentano sobre o caráter essencialmente intencional de 
todo ato da consciência que deu a Husserl a chave para superar a 
dicotomia kantiana. Intencionalidade se refere a algo de distinto, a um 
objeto, ainda que não seja real, como uma fantasia ou um ser 
imaginário. Para Brentano, os atos não intencionais não são atos 
psíquicos como, por exemplo, uma sensação de verde ou uma dor de 
estômago. As sensações “são simples elementos não intencionais do 
acto psíquico (intencional), que é a minha percepção de uma árvore 
verde; e o acto psíquico é o sentimento de desagrado, cujo objeto 
intencional é a dor de estômago” (Marías, s.d., p.363). 
 Brentano acreditava que a Psicologia devia se concentrar no 
processo ou ato de sentir e não na sensação como um elemento. Essa 
ideia de intencionalidade tem consequências como: o ressurgimento 
dos objetos ideais; a ideia de que o pensamento é algo que não se 
esgota em si mesmo, que se refere algo diferente dele; e a ideia do 
homem como um ser aberto para as coisas (Marías, s.d.). 
 Após diferenciar os fenômenos psíquicos, Brentano classifica-os 
em diversos modos de referência internacional. São três tipos de atos: 
representações, juízos e emoções. A palavra representação “é usada 
por Brentano num sentido muito amplo: um pensamento, uma ideia ou 
uma imagem. A tudo que me é presente à consciência chama 
Brentano de representação” (Marías s.d., p. 363). O principio de 
Brentano é de que “todo o acto psíquico, ou é uma representação ou 
	
 
está baseado numa representação” (p. 363). Já o juízo consiste em 
admirar ou afastar algo como verdadeiro, tomar uma posição, e a 
emoção tem um sentido de mover-se para alguma coisa, ou seja, 
apreciá-lo ou valorizá-lo, estimá-lo (Marías, s.d.). 
 
A influência de Husserl e o método fenomenológico 
 
 Edmund Husserl (1859-1938) nasceu no antigo império austro-
húngaro, hoje República Checa. Era judeu de nascimento, adotando a 
fé protestante. Matemático por formação, Husserl foi influenciado por 
Brentano, de quem foi discípulo, voltando-se à filosofia (Abbagnano, 
1984; Gilles 1975; Kelker & Schérer, 1982; Marías, s.d.; Penha, 1984). 
 Na obra Investigações Lógicas (1900-1901), abandonou e criticou 
a posição empirista assumida em seu livro anterior, Filosofia da 
Aritmética (1891), que era uma tentativa de reconduzir as noções da 
lógica a operações psíquicas efetuadas empiricamente. Propôs uma 
lógica pura, cuja função seria obter a visão evidente da essência dos 
modos de conhecimento. Mas conhecer a essência dos modos de 
conhecimento conduz ao mundo da consciência, objeto da psicologia. 
Assim, Husserl opôs a psicologia descritiva ou fenomenologia pura à 
psicologia empírica (Abbagnano, 1984; Zahavi, 2015). 
 Na Alemanha, nos dez últimos anos do século XIX, observava-se 
uma decadência das ideias de Hegel e de Schopenhauer, enquanto as 
ideias de Marx, Freud e Nietzsche ainda não tinham a força que viriam a 
ter posteriormente. Os filósofos voltaram-se, então, às ciências positivas, 
de conhecimento objetivo, abandonando a filosofia especulativa. As 
matemáticas afastaram-se dos dados da intuição, tentando construir 
sistemas formais que unificassem diversas disciplinas. A psicologia, em 
grande parte, tornou-se positivista, tentando constituir-se como ciência 
exata, baseada num modelo das ciências naturais, e eliminando os 
aspectos subjetivos e da introspecção, considerados não científicos 
(Holanda, 2014; Zahavi, 2015). A partir de 1880, começou a haver 
	
 
questionamentos do positivismo. Perguntava-se: as leis da ciência têm 
validade universal? Qual o sentido de sua objetividade? Não 
dependem do psiquismo? Desde Kant, os neokantianos propunham um 
sujeito puro, tentando dar coerência aos diversos domínios do 
conhecimento objetivo. Mas surgiram novas críticas: o sujeito puro é 
abstrato. Onde estaria o sujeito concreto em sua vida psíquica imediata 
e em seu engajamento histórico? (Kelkel & Schérer, 1982). 
 Nesse contexto, surgiu Husserl, a partir de Brentano, que propunha 
um novo método de conhecimento do psiquismo e uma distinção entre 
fenômenos psíquicos (comportam uma intencionalidade) e físicos, 
afirmando que esses fenômenos podem ser percebidos e que o modo 
de percepção original que deles temos constitui o seu conhecimento 
fundamental. Husserl assumiu a posição de que o único meio para 
alcançar o conhecimento das coisas é “exploração da consciência 
humana” (Campos, 1973, p. 37). Assim, a fenomenologia se constituiu 
como “uma exploração completa e sistemática da consciência” (p. 
37). O método fenomenológico visa a acessar os fenômenos da 
consciência, que, em seu caráter intencional, envolvem diversos 
elementos, tais como pessoas, eventos, experiências, memórias 
sentimentos, pensamentos, imagens, fantasias, construtos mentais etc. 
 Pode-se afirmar que Husserl foi além de Brentano, que se limitava 
à descrição dos fenômenos psíquicos. Husserl ultrapassou a psicologia 
descritiva de Brentano, propondo claramente um novo caminho: a 
fenomenologia (Zahavi, 2015). Fez uma censura às ciências humanas, 
principalmente à psicologia de sua época, por adotarem os métodos 
das ciências naturais como propostos por Wundt, aplicando-os sem 
perceber que seu objetivo é diferente. Afirmava que a natureza só é 
acessível indiretamente, a partir de fatos hipotéticos e mediatos– ou 
mediados (por instrumentos, quer sejam os órgãos dos sentidos, quer 
aparelhos como o microscópio, o telescópio ou o estetoscópio) -, 
	
 
permitindo uma reconstrução e, portanto, uma explicação3, enquanto 
a vida psíquica é um dado imediato, que exige descrição e sua 
consequente compreensão4: “explicamos a natureza, compreendemos 
a vida psíquica”5. 
Para Husserl, se a psicologia contemporânea pretendia ser a 
ciência dos fenômenos psíquicos, deveria firmar-se na descrição e na 
determinação destes fenômenos com um rigor conceitual, ou seja, com 
um trabalho metódico e conceitos rigorosos. Assim, Husserl rejeitou o 
naturalismo das ciências naturais e da psicologia por não especificarem 
seu objeto, tratando-o como um objeto físico e confundindo as causas 
exteriores de um fenômeno com a sua natureza. Isto acarretava, como 
consequência, a afirmação de razões e de causas: leis biológicas, 
psicológicas ou sociológicas. Husserl chamou tudo isto de psicologismo, 
criticando-o por levar à destruição da base destas ciências, pois reduzia 
a atividade humana a fenômenos naturais, uma crítica que parece ser 
ainda bastante atual6. Opôs-se também às posições filosóficas do 
passado, chamando-as de filosofias prontas e acabadas. 
Desta forma, a proposta de Husserl pretendeu unir os dados da 
experiência em sua totalidade (phainomenon7) e o pensamento 
racional (logos), compondo, assim, a fenomenologia. Como o 
fenômeno não é construído e é acessível a todos, e o pensamento 
racional também o é, chega-se a uma filosofia como ciência rigorosa. 
																																																													
3 Ex-plic-ação, significando literalmente ação de aplicar de fora. 
4 Com-preensão, significando literalmente apreensão simultânea ou próxima. 
5 Trata-se de um argumento atribuído a Wilhelm Dilthey (1894/2011), em suas Ideias 
sobre uma Psicologia Descritiva e Analítica. Neste sentido, Franco (2012) esclarece que 
“explicação, como proposto por Dilthey, está associada ao campo das ciências 
naturais e compreensão ao campo das ciências humanas. Quando se valoriza a 
explicação como principal elemento do trabalho científico, a diferenciação entre os 
dois tipos de ciência se esvai. A noção de compreensão, por outro lado, destaca que 
não pode haver ciências humanas e sociais sem a valorização da peculiaridade dos 
estudos humanos. Esta distinção tem a ver com aceitação do fato de que o 
fenômeno humano não é inteiramente reduzível aos fatos e leis das coisas naturais” (p. 
21). 
6 Não por acaso, nos tempos atuais, podemos perceber uma crescente aproximação 
reducionista das vertentes positivistas da psicologia em relação às ciências naturais, 
biomédicas e/ou neurofisiológicas. 
7 Do grego phainomenon, originado de phainesthai, significando aparecer (Japiassú & 
Marcondes, 2001). 
	
 
Portanto, entre uma primeira via do discurso especulativo da metafísica 
e uma segunda via do raciocínio das ciências positivas, Husserl propôs 
uma terceira via: a do retorno às coisas mesmas ou intuição originária, 
ou seja, uma via que, antes de todo raciocínio, nos colocaria no mesmo 
plano da realidade, ou das coisas mesmas. Os fenômenos são 
percebidos a partir dos sentidos, mas são dotados de um sentido ou de 
uma intuição da essência. Husserl propôs uma intuição da essência ou 
dos sentidos, além dos dados dos sentidos. A questão, para a 
fenomenologia, a partir de Husserl, se tornou clarificar o fenômeno por 
meio da descrição: as perguntas “o que é?” e “como é?”, tão comuns 
nos processos psicoterápicos de base fenomenológico-existencial 
remetem a questões que a fenomenologia busca responder (Angerami, 
1985; Zahavi, 2015). A intuição da essência, diferentemente da 
percepção do fato, “é a visão do sentido ideal que atribuímos ao fato 
materialmente percebido e que nos permite identificá-lo” (Angerami, 
1985, p. 35). Por exemplo, a criança que, sem um compasso, traça uma 
forma oval e diz que é um círculo, nos remete ao sentido que atribui ao 
seu desenho; ou o triângulo que, em qualquer tempo e lugar, é sempre 
um triângulo. Há uma essência do fenômeno, um sentido ideal atribuído 
pelo homem, que a fenomenologia visa a alcançar com sua proposta 
metodológica. Na psicoterapia, a intuição da essência é um recurso 
importante do psicoterapeuta para o acesso aos fenômenos vividos 
pelos pacientes. 
 Assim, pode-se afirmar que a fenomenologia, tal como proposta 
por Husserl, é uma ciência eidética, termo grego derivado de eidos, 
essência, advindo de Platão (Campos, 1973). Mas de onde provêm as 
essências? Da consciência, ou seja, elas se dão a nós como vivências 
da consciência. Esta ideia vem do princípio da intencionalidade de que 
a consciência é sempre consciência de alguma coisa; isto é, só existe 
consciência estando dirigida a um objeto (sentido de intentio). Objeto e 
consciência estão sempre relacionados e, portanto, o objeto é sempre 
objeto-para-um-sujeito. Daí, conclui-se a existência intencional do 
	
 
objeto na consciência. Não se trata de considerar que o objeto está 
contido na consciência como que dentro de uma caixa, mas que só 
tem seu sentido de objeto para uma consciência. Sua essência é 
sempre o termo de uma direção a uma significação e sem esta direção 
não se poderia falar de objeto nem de uma essência de objeto. As 
essências não têm existência alguma fora do ato de consciência que as 
visam e do modo sob o qual elas as apreendem na intuição (Angerami, 
1985; Zahavi, 2015). 
 Pode-se exemplificar a análise intencional através da visão de 
uma árvore no jardim. Há a árvore real, como objeto em-si, e a árvore 
representada. A análise intencional não parte do objeto em-si, nem do 
objeto representado. Parte das coisas mesmas, da árvore-como-
percebida, ou seja, do ato-de-percepção-da-árvore-no-jardim, que é a 
vivência original a partir da qual chegamos a conceber a árvore ou 
uma árvore representada (Dartigues, 1973). A fenomenologia, nos 
moldes de Husserl, se voltou à busca da essência da vivência da 
consciência, um sentido primário que dá condições para reflexões 
posteriores sobre o objeto. 
 Se um objeto é sempre objeto-para-uma-consciência, no sentido 
fenomenológico, ele jamais será objeto-em-si, mas objeto percebido, 
imaginado, pensado etc. A análise intencional concebe a relação 
consciência-objeto de modo distinto daquele do senso comum. 
Consciência e objeto não são entidades separadas na natureza, mas 
definem-se a partir desta correlação que lhes é co-original. O campo 
da análise fenomenológica é elucidar a essência desta correlação, na 
qual se estende o mundo inteiro (Angerami, 1985). 
 O que conduziu Husserl a definir a fenomenologia com a ciência 
descritiva das essências da consciência e de seus atos é o foco no 
estudo da correlação sujeito-objeto, que ocorre apenas na intuição 
	
 
originária da vivência (Erlebnis8) de consciência. Não se trata mais, 
então, apenas de uma psicologia descritiva, tal como a praticava 
Brentano. A consciência contém muito mais aspectos do que a si 
mesma. Por meio dela e da sua incessante correlação com o(s) 
objeto(s), podemos perceber “a essência daquilo que ela não é” 
(Dartigues, 1973, p. 36). 
 A análise intencional leva à redução ou abstenção 
fenomenológica (epockhé9), uma colocação entre parênteses da 
realidade tal como a concebe o senso comum, existindo em si mesma, 
independentemente de todo ato de consciência. Husserl entendia que 
a concepção do senso comum era idêntica à atitude natural, ou seja, 
pois ambas pensavam que o sujeito está no mundo como em algo que 
o contém, ou como uma coisa entre outras coisas, entre objetos e 
outros seres vivos ou conscientes, e até mesmo entre ideias, que 
encontramos já aí, independentemente de si mesmo (Angerami, 1985; 
Zahavi, 2015). 
 Permitindo a distinção sujeito/objeto ou consciência/mundo 
numa correlação mais original do que a dualidade sujeito/exterior,a 
análise intencional busca se situar no interior da correlação em que 
ocorre a separação entre o interior e o exterior. No entanto, o acesso a 
essa dimensão primordial apenas é possível se a consciência efetuar 
uma verdadeira conversão, ou seja, se suspender sua crença na 
realidade do mundo exterior para colocar-se como consciência 
																																																													
8 “Erlebnis (do alemão erleben: experimentar algo; derivado de leben: viver), termo 
utilizado pelos filósofos existencialistas para designar a experiência íntima do indivíduo, 
seu ‘vivido’, suposto indizível. Assim, o vivido (Erlebnis) tende a opor-se ao 
conhecimento unicamente intelectual” (Japiassú & Marcondes, 2001, p. 64). 
9 Do grego, significando suspensão do juízo. “Na medida em que a fenomenologia 
visa descrever os fenômenos presentes na consciência e não os fatos físicos ou 
biológicos, ela é levada a pôr esses fatos ‘entre parênteses’. A epoché designa 
justamente essa colocação entre parênteses, essa suspensão do juízo (sinônimo de 
‘redução fenomenológica’). O homem tem consciência de um mundo que se 
estende no espaço e no tempo, sendo-lhe acessível pela intuição imediata e pela 
experiência; as coisas corporais estão aí, quer me ocupe delas, quer não. Esse mundo 
natural é um existente, uma realidade: eis a tese geral da atitude natural, diz Husserl. A 
epoché consiste em alterá-la radicalmente, quer dizer, em suspender o juízo sobre o 
mundo natural (Japiassú & Marcondes, 2001, p. 64). 
	
 
transcendental10, condição de aparição desse mundo e doadora de 
seu sentido (atitude transcendental). Assim, a consciência não é mais 
uma parte do mundo, mas o lugar do seu desdobramento no campo 
original da intencionalidade. O mundo não é em primeiro lugar e em-si-
mesmo, como explicam as filosofias especulativas e as ciências da 
natureza, mas o que aparece à consciência e a ela se manifesta na 
evidência de sua vivência. O mundo é o que ele é para a consciência 
(Angerami, 1985) e a redução fenomenológica se caracteriza, 
justamente, como o artificio metodológico de revelação desse mundo. 
É neste sentido que Dartigues (1973) afirma: “o mundo, na atitude 
fenomenológica, não é uma existência, mas um simples fenômeno” (p. 
36). A tarefa da fenomenologia é descrever e analisar as vivências 
intencionais da consciência para perceber como aí se produz o sentido 
dos fenômenos, inclusive o sentido desse fenômeno global que se 
chama mundo. A fenomenologia se torna, consequentemente, o 
estudo da constituição do mundo da consciência ou fenomenologia 
constitutiva. 
 Além de seus estudos no campo da fenomenologia 
transcendental, Husserl (1954/2012), ao final de sua vida, deu destaque 
às críticas sobre as ciências positivistas em ascensão no século XX, que 
desconsideravam os sentidos da subjetividade humana ao enaltecerem 
o objetivismo. O modelo científico da época se prendia ao dualismo 
cartesiano que separava mente e corpo, bem como interior e exterior e 
sujeito e objeto, pois seu objetivo era entender a realidade em si 
mesma, e não em como ela é para nós (Husserl, 1954/2012; Zahavi, 
2015). 
 Ao trilhar este percurso, Husserl (1954/2012) tentou restituir a 
significação da vida que fora perdida pela ciência positivista, e retoma, 
																																																													
10 Do latim transcendere, significando ultrapassar, superar. Conforme Japiassú e 
Marcondes (2001), “a noção de transcendência opõe-se à de imanência, designando 
algo que pertence a outra natureza, que é exterior, que é de ordem superior. (...) 
Também se refere ao “que está além do conhecimento, além da possibilidade da 
experiência, que é exterior ao mundo da experiência” (p. 185). 
	
 
então, a noção de Lebenswelt – mundo vivido ou mundo da vida. Este 
é o mundo que possui seus sentidos essenciais, pois é “pré-dado como 
horizonte de todas as induções de sentidos. Encontramo-lo como o 
mundo de todas as realidades conhecidas e desconhecidas” (Husserl, 
1954/2012, p. 40). Os estudos de Husserl (1954/2012) sobre o Lebenswelt 
puseram em questão o cientificismo da época ao buscarem resgatar a 
experiência pré-científica, entrelaçando subjetividade e mundo e 
visando a compreender esta relação em seu sentido intersubjetivo 
(Zahavi, 2015). Portanto, homem e mundo estão imbricados e é nesta 
relação que surge o mundo vivido como ponto de desvelamento de 
nossas experiências. 
Em momento posterior, o filósofo francês Maurice Merleau-Ponty 
(1942/2006; 1945/2006; 1951/1969; 1964/2014) retomou os estudos de 
Husserl sobre o Lebenswelt, tema caro à fenomenologia, e ampliou o 
seu campo de discussão ao inserir nele a experiência, ao mesmo 
tempo, como condição e como fundamento do sujeito transcendental, 
questão que discutiremos a seguir. 
 
A fenomenologia da ambiguidade de Merleau-Ponty 
 
 Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), filósofo francês, nascido na 
cidade de Rocheford-Sur-Mer, foi um dos grandes representantes do 
pensamento fenomenológico na França. Além de acadêmico e 
intelectual, Merleau-Ponty também se envolveu em questões políticas 
quando, juntamente com Jean-Paul Sartre, Simone de 
Beauvoir, Raymond Aron, Michel Leiris, Albert Ollivier e Jean Paulhan, 
fundou a revista Les Temps Modernes11. Era um período de ebulição 
																																																													
11 Les Temps Modernes foi a mais marcante revista política, filosófica e 
literária francesa no período após a II Guerra Mundial. Sua comissão editorial foi criada 
em 1944 e seu primeiro número mensal lançado em 1945. Foi, inicialmente, dirigida 
pelo filósofo Jean-Paul Sartre até sua morte, em 1980, seguido por sua mulher, a filósofa 
e escritora Simone de Beauvoir, falecida em 1986, quando passou a ser publicada por 
seu último editor, o jornalista, escritor e cineasta Claude Lanzmann, até 2018, ano de 
sua morte. Em 2019, após 74 anos de existência, a editora Gallimard considerou seu 
	
 
político-social, em que a França vivia uma coalizão tripartidária 
católica, socialista e comunista, durante o governo provisório instalado 
após a Segunda Guerra Mundial. Tal situação instigou no filósofo o 
interesse de refletir e de discutir acerca da condição existencial 
humana, imprimindo tal questão em seus escritos (Coelho Júnior & 
Carmo, 1992; Cremasco, 2009). 
As obras de Merleau-Ponty (1942/2006; 1945/2006; 1951/1969; 
1964/2014) reinseriram a existência no processo de mútua constituição 
da relação homem/mundo, proporcionando grandes contribuições não 
somente para a filosofia, mas também para a psicologia e para a 
psicopatologia (Coelho Júnior, 2003). O tema fundamental de suas 
investigações foi sempre a relação entre o homem e o mundo ou a 
relação entre consciência e natureza. Seu existencialismo era dirigido 
para um resultado positivo, pretendendo evitar a negação da 
possibilidade da existência e da sua liberdade finita (Abbagnano, 1984). 
As suas primeiras obras, mesmo no campo filosófico, discutiam 
questões que atravessam a psicologia, tais como o comportamento e a 
percepção, resultando em seus livros A Estrutura do Comportamento e 
Fenomenologia da Percepção. Nestas obras, ao enraizar a consciência 
no mundo, elaborou uma crítica ao positivismo de sua época. 
Em A Estrutura do Comportamento, Merleau-Ponty (1942/2006) 
analisou os resultados das investigações das escolas de psicologia 
experimental de sua época – o behaviorismo e a teoria da gestalt – 
conseguiram nos últimos anos, visando ao questionamento da 
interpretação causal da relação entre alma e corpo. Merleau-Ponty 
(1942/2006) afirmava que o objetivo das teorias experimentais residia em 
analisar, separadamente, o funcionamento das partes de sua 
configuração total, o que as impedia de alcançar a compreensão de 
comportamento como uma totalidade integrada e dinâmica (Melo etfechamento inevitável (https://www.theguardian.com/world/2019/may/25/les-temps-
modernes-closed-paris-mourns-de-beauvoir-journal). 
 
 
	
 
al., 2016). As explicações do comportamento eram limitadas a causas 
anatômicas, específicas e pontuais (Furlan, 2001). 
Para Merleau-Ponty (1942/2006), há, na verdade, uma dualidade 
dialética na relação entre alma e corpo. Afirmava que, se a alma age 
sobre o corpo, significa reconhecer o corpo como uma totalidade 
fechada e a existência de uma força responsável pelo significado 
espiritual de alguns de seus comportamentos. Por sua vez, considerar 
que o corpo age sobre a alma significa reconhecer a alma como uma 
força sempre presente ao corpo, podendo ser contrariada pela força 
mais potente dele. Na realidade, para Merleau-Ponty (1942/2006), estas 
expressões – corpo e alma - indicam apenas certos níveis de 
comportamento e significados diferentes. 
Merleau-Ponty (1942/2006) fazia uma distinção entre estrutura e 
significado. A estrutura de um comportamento é visível tanto do exterior 
quanto do interior e é por meio dela que o outro me é tão acessível 
quanto o meu próprio eu. O significado equivale ao sentido, e, sem ele, 
percebemos apenas o significado aparente do comportamento 
(Abbagnano, 1984). Ele refutava a ideia do corpo como mecanismo 
fechado sobre o qual a alma, ou mesmo o cérebro, poderia agir. O 
corpo é definido apenas por seu funcionamento, permitindo vários 
graus de interação. Assim, trata-se de uma estrutura que não é nem 
coisa nem consciência, mas que corresponde a uma região de sentidos 
que conduz a pensar a própria existência. Recusava, ao mesmo tempo, 
a concepção mecanicista de corpo e a noção intelectualista de 
consciência (Furlan, 2001), permanecendo “com sua concepção de 
homem como ser-no-mundo” (Rezende, 1975, p. 453). Assumindo um 
ponto de vista estrutural, Merleau-Ponty reconhecia a prioridade do 
fenômeno em relação ao real e do percebido em relação às coisas em 
si mesmas (Rezende, 1975). 
 Em momento posterior, com a publicação da obra 
Fenomenologia da Percepção, Merleau-Ponty (1945/2006) se inspirou na 
fenomenologia de Husserl (1954/2012) e destacou a noção de 
	
 
Lebenswelt como o tema principal da fenomenologia, repondo a 
existência na essência dos fenômenos. A consciência não é, como 
afirmava Husserl, o olhar lançado sobre o mundo por um espectador 
desinteressado, mas é sempre a consciência de um eu consagrado ao 
mundo (Merleau-Ponty, 1945/2006). A facticidade é uma marca da sua 
fenomenologia. O ponto de partida da filosofia fenomenológica é o 
cogito (o pensamento de um indivíduo isolado), mas entendido que “eu 
pertenço a mim mesmo enquanto pertenço ao mundo” (p. 466). Assim, 
a verdadeira reflexão decorre da identificação com minha presença no 
mundo e perante os outros; sou um campo intersubjetivo, sou corpo, sou 
a minha situação histórica. Daí, o problema da percepção passa a ser o 
problema da relação entre a consciência e o mundo (Abbagnano, 
1984). 
A noção central desenvolvida por Merleau-Ponty, neste período, 
é o corpo, que constitui a inserção da consciência no mundo como 
ponte para a subjetivação humana. O corpo é dotado de um 
instrumento para a projeção de um mundo cultural: a linguagem, que é 
um sistema particular de vocabulário e de sintaxe. A linguagem como 
palavra é a revelação do ser ou da nossa ligação com o ser (Merleau-
Ponty, 1945/2006; Abbagnano, 1984). 
A percepção do mundo tem o corpo como condição. Esta 
percepção nunca é um fato isolado ou isolável e remete a uma 
fenomenologia do sensível que se distancia do intelectualismo e aponta 
para uma compreensão da percepção como modo de sentir. Para 
Merleau-Ponty (1945/2006), o mundo e as coisas são sempre abertos, ou 
seja, “reenviam sempre para além das suas manifestações 
determinadas. (...) A este inacabamento do significado das coisas que 
se apresentam no mundo e do próprio mundo chama Merleau-Ponty de 
ambiguidade (...)” (Abbagnano, 1984, p. 194). Trata-se de um 
inacabamento que também é característico da própria fenomenologia 
em sua incessante tentativa de “revelar o mistério do mundo e o 
mistério da razão” (Merleau-Ponty, 1945/2006, p. 20). 
	
 
Ao demonstrar que o corpo é, ao mesmo tempo, sujeito e veículo 
do ser no mundo, Merleau-Ponty (1945/2006) revelou um caminho de 
conhecimento e de abertura caracterizado pela permanência absoluta 
de um corpo sempre presente e engajado, mas que deve tanto ser 
considerado um objeto do mundo quanto ser reconhecido como um 
meio de comunicação com este mesmo mundo. Se o corpo não é mais 
apenas um objeto, ele se torna um sujeito? Uma resposta positiva não 
poderia resolver de imediato o problema das dicotomias ainda 
apontadas por Merleau-Ponty: sujeito e objeto, homem e mundo, 
interior e exterior, e mente e corpo. Elas continuariam a existir como 
elementos opostos. Afastando-se do concepção clássica de psicologia, 
que atribui ao corpo características próprias compatíveis com o status 
de objeto, Merleau-Ponty reconheceu a impossibilidade de assimilar o 
corpo próprio a um objeto devido ao fato de que não podemos nos 
distanciar completamente dele. O corpo significa um "campo de 
presença" (p. ?) e permite a comunicação com o objeto. Para Merleau-
Ponty, o corpo "não é nem tangível nem visível na medida em que é 
aquilo que vê e aquilo que toca" (p. 136). 
Merleau-Ponty (1945/2006) comparava o corpo a uma obra de 
arte, sendo sua maneira de se distanciar da ideia do corpo como 
objeto físico: 
um romance, um poema, um quadro, uma peça musical são 
indivíduos, quer dizer, seres em que não se pode distinguir a 
expressão do expresso, cujo sentido só é acessível por um contato 
direto, e que irradiam sua significação sem abandonar seu lugar 
temporal e espacial. É nesse sentido que nosso corpo é 
comparável à obra de arte. Ele é um nó de significações vivas e 
não a lei de um certo número de termos co-variantes (p. 209-210). 
 
Acrescentava que “o corpo revela sentidos e expressa, em cada 
momento, ‘modalidades da existência’” (p. 220). Ele assume o papel de 
expressar, mas carrega consigo aquilo que é expresso, colocando-nos 
	
 
continuamente em situação, ou seja, transformando em ato tudo aquilo 
que era ideia. Trata-se de um “acontecimento da existência” (Nóbrega, 
2008, p. 142), como ilustrava Merleau-Ponty (1945/2006): 
sono, despertar, doença e saúde não são modalidades da 
consciência ou da vontade, eles supõem um "passo existencial". A 
afonia não representa apenas uma recusa de falar, a anorexia 
uma recusa de viver, elas são essa recusa do outro ou essa recusa 
do futuro arrancadas da natureza transitiva dos "fenômenos 
interiores", generalizadas, consumadas, tornadas situação de fato. 
O papel do corpo é assegurar essa metamorfose. Ele transforma 
as idéias em coisas, minha mímica do sono em sono efetivo. Se o 
corpo pode simbolizar a existência, é porque a realiza e porque é 
sua atualidade (p. 227). 
 
 Ao existirmos como corporeidade, nos realizamos com e por meio 
do corpo. Dormir, comer, andar, estar doente, para além de 
objetividades ou ações, são passos existenciais vividos pelo corpo. 
Dastur (2001) considera que, ao buscar uma via média entre o 
empirismo e o intelectualismo, Merleau-Ponty (1945/2006) atribui ao 
corpo o papel de fundação da subjetividade, o que podemos 
perceber em suas próprias palavras: 
minha existência como subjetividade é uma e a 
mesma que minha existência como corpo e com a 
existência do mundo, e porque finalmente o sujeito 
que sou, concretamente tomado, é inseparável 
deste corpo-aqui e deste mundo-aqui (p. 547). 
 
Como pensador da existência, Merleau-Ponty evidenciou a condição 
humana de estar no mundo e a concepção de que a experiência 
corporal tem o papel de campo criador de sentido. 
Em plena maturidade intelectual, Merleau-Ponty morreu aos 52 
anos, em 1961. Durante seu curtocaminho de vida, mas notável por sua 
	
 
fertilidade, ele procurou, a partir de sua concepção de corpo, restaurar 
“o processo de subjetivação do ser humano que faz parte da estrutura 
do corpo" (Sichère, 1982, p. 2020). Sua morte precoce interrompeu o 
curso de uma série de escritos com conteúdo inovador, deixando para 
trás vários manuscritos que, desde então, têm sido objeto de pesquisa. 
Sua obra permanece potente, atual e inacabada, como a própria 
fenomenologia. 
Considerações finais 
 
Ao propormos (re)visitar as noções básicas de fenomenologia, 
nosso intuito é assinalar as principais contribuições da fenomenologia à 
psicologia. Inicialmente, destacamos a noção de intencionalidade, que 
aponta para o processo de significação que ocorre na (co)relação da 
consciência com o objeto ou do sujeito com o mundo. Este princípio 
serve de mote para a busca de sentidos que atravessa as práticas 
clínicas de inspiração fenomenológica. 
Em seguida, assinalamos a contribuição do método 
fenomenológico, que, em sua origem, objetivou alcançar a essência 
dos fenômenos da consciência. A intuição das essências é uma intuição 
além dos dados dos sentidos. É a visão do sentido ideal que atribuímos 
ao fato materialmente percebido e que nos permite identificá-lo, 
compreendendo diretamente o mundo vivencial do indivíduo. Para 
tanto, a consciência precisa fazer uma redução ou abstenção 
(epocké), pondo entre parênteses a forma de perceber do senso 
comum, limitando-se a descrever os fenômenos como se apresentam a 
ela. O desenvolvimento do método fenomenológico acena para seu 
caráter existencial, que repõe as essências na existência, como afirmou 
Merleau-Ponty, e fornece um caminho de acesso à experiência. Trata-
se de um método que cria condições para que os diferentes fenômenos 
vividos emerjam e que possam ser clarificados na incessante busca da 
compreensão dos significados da experiência vivida. Utilizado em 
	
 
pesquisa e também em diferentes práticas clínicas, o método 
fenomenológico fornece elementos concretos para a psicologia. 
Outra contribuição da fenomenologia que podemos destacar é a 
sua ênfase no presente. Parte do princípio de que os fenômenos 
ocorrem aqui e agora e o presente é a única experiência possível. Ao se 
apresentar como uma filosofia do estar aqui-agora, a fenomenologia 
não nega as influências do passado ou as possibilidades de 
transformação do futuro, mas considera que elas apenas são 
significativas no presente. 
Além disso, a fenomenologia valoriza o como (processo) sobre o 
porquê (causa). O como leva-nos a compreender o processo, 
proporcionando a apreensão do fenômeno total. O porquê é 
fundamentado em causas ou origens, levando a explicar os fenômenos 
em termos de causalidade, elemento que a fenomenologia recusa 
como fundamento único dos fenômenos psíquicos ao longo de toda 
sua história. 
Podemos salientar, ainda, a concepção de corpo, principalmente 
sob a égide de Merleau-Ponty, que acentuava o caráter vivido do 
corpo e sua potência expressiva. Com uma fenomenologia do sensível, 
Merleau-Ponty contribuiu para um novo olhar para o corpo que serve 
de inspiração para a compreensão de uma série de fenômenos 
contemporâneos que têm no corpo sua via de expressão. Trata-se de 
um corpo dotado de sentido e de (im)possibilidades. 
Por último, a fenomenologia proporciona uma nova visão do 
fenômeno como totalidade, abandonando a cisão ou a dualidade 
entre sujeito e objeto, consciência e mundo, e interior e exterior, o que 
pode contribuir de forma significativa para o modo como 
compreendemos a (inter)subjetividade constituída indissociavelmente 
na sua relação com o mundo. 
 
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