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Conflito de Valores em Ramires

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Gonçalo é conclamado pelos avós a assumir o espírito guerreiro da família, e é 
justamente nesse contato que percebe o distanciamento entre eles:
E todos soberbamente gritavam:
- "Oh neto, toma as nossas armas e vence a Sorte inimiga!”
Mas Gonçalo, espalhando os olhos tristes pelas sombras 
ondeantes, volveu: - "Oh avós, de que me servem as vossas armas 
– se me falta a vossa alma?..." (QUEIRÓS, 1997, p. 412).
O confronto entre os dois momentos históricos perpassa todo o texto e reflete 
diretamente na constituição moral de Ramires que, por um lado, deseja incorporar o caráter 
heróico dos avós e, por outro, sente-se compelido a declinar de quaisquer ações bravias, e 
até mesmo dos atos de defesa de sua honra, por encarnar as instabilidades dos valores 
morais de sua época, como a aceitação de alianças vis em favor do interesse econômico e 
político. Assim resumem Siqueira e Matsuoka (2014, p.74, 77):
A crítica à decadência moral de seu tempo está em toda a obra 
de Eça de Queirós. Em A Ilustre Casa de Ramires, uma das formas 
de manifestação dessa atitude é observada justamente pelo 
confronto entre as constituições dos valores do medievo e dos 
valores do século XIX. [...] 
A escrita da trama paralela só fortalece o sentimento de 
inferioridade moral de Gonçalo em relação aos antepassados. É na 
reconstituição dos atos de bravura dos avós que ele verá o 
distanciamento entre esse passado de glória e o seu presente de 
decadência. A trama organizada por Eça, nesse sentido, mostra o 
declínio da aristocracia rural portuguesa no século XIX e o 
sentimento de desesperança que aflige toda a nação às voltas com 
as consequências dos problemas políticos. A angústia de Gonçalo 
decorre, em parte, da sua falta de identificação com os parentes 
mortos, mas remete também à sua dificuldade em manter seus 
padrões econômicos em uma época em que os meios de sustento 
de classes como a sua já não se davam por títulos nobiliárquicos, 
como ocorria na Idade Média.
Essa realidade, segundo Berrini, desvela a imperícia da aristocracia em se adaptar ao 
trabalho: “O aristocrata português percebia o fosso que separava o seu nome da sua 
situação social e econômica” (BERRINI, 2000, p. 49). O que ocasionava a procura por novas 
formas de subsistência:
Para sobreviver, arrendava ou vendia as terras, pois não aceitava 
um cotidiano fora da largueza e luxo a que estava habituado. [...] 
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