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Escolhas Públicas na Economia Brasileira

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RAP — RIO DE JANEIRO 42(5):1019-30, SET./OUT. 2008
ISSN
0034-7612
A conjuntura das escolhas públicas
Coordenação: Jorge Vianna Monteiro*
Um comentário estabelecido a partir do modelo analítico da
public choice — uma vertente da moderna economia política
que considera as políticas públicas resultado da interação
social, sob instituições de governo representativo.
Disfunções de processo
Jorge Vianna Monteiro*
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Autonomia decisória; 3. A extensão do Poder Executivo; 
4. Déficit de democracia; 5. Conclusão.
1. Introdução
Neste artigo são apresentadas duas dimensões das escolhas públicas na eco-
nomia brasileira:
argumento trivial no debate brasileiro, tanto quanto na literatura macroe-
conômica, é que o design institucional pode contribuir para dar sustentação 
à política pública. 
O exemplo mais citado é o de uma agência reguladora que, sob um regime 
de independência decisória, pode ser mantida isolada do poder político, para os 
efeitos mais importantes da definição e execução de suas estratégias no jogo das 
escolhas públicas (Monteiro, 2007, cap. 1). Todavia, é igualmente conhecido o 
contra-argumento de que esse insulamento, relativamente aos agentes (atuais 
* Professor de políticas públicas da Ebape/FGV e professor associado do Departamento de Economia 
da PUC-Rio. Endereço: PUC-Rio — Departamento de Economia — Rua Marquês de São Vicente, 
225 — Gávea — CEP 22453-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: jvinmont@econ.puc-rio.br.
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e futuros) que detenham mandato eletivo, pode abrir oportunidades a que in-
teresses privados organizados obtenham vantagens em condicionar o processo 
decisório da agência independente (Balla e Wright, 2001; Macey, 1992).
A seção 2 desenvolve esse ponto de vista analítico que tem como resul-
tante o grau de autonomia da decisão pública:
um dos ingredientes mais notáveis da trajetória de muitas economias con-
temporâneas é, sem dúvida alguma, a forte interferência governamental 
nos mercados. 
Essa interferência parece não se abater, muito pelo contrário, se reforça 
a cada momento. Isso é perceptível não apenas nos resultados finais alcança-
dos nessas economias (tais como poupança pública gerada para sustentar o 
serviço da dívida pública e carga de impostos), mas especialmente nos proces-
sos em que se sustentam esses resultados macroeconômicos. Toda a questão 
do âmbito do Executivo é de grande atualidade, mesmo nas economias do 
Primeiro Mundo.1
As seções III e IV apresentam aspectos substantivos desse fenômeno, 
tendo por foco o caso brasileiro.
2. Autonomia decisória 
Um exemplo corrente da interação de instituições e autonomia decisória é que 
a recente regulação do mercado de tarifas bancárias tanto quanto a manuten-
ção das altas taxas de juros pelo Banco Central refletiriam, em certa extensão, 
os interesses dos bancos comerciais privados e de seu cartel político, a Febra-
ban. Portanto, há o pressuposto de que a interação de grupo de interesses e 
a agência reguladora do segmento de atividades é necessariamente perversa, 
especialmente porque o design institucional pode acabar por filtrar esses inte-
resses, viabilizando as demandas dos grandes grupos. 
A figura 1 ilustra essa causação (Reenock e Gerber, 2007:416), com os 
sinais (+) e (–) indicando, respectivamente, maior e menor influência.
Porém, há aspectos virtuosos na conexão de unidades decisórias públicas 
e grupos privados: os agentes privados são uma fonte de informação técnica 
1 Como é o caso norte-americano, em que por inúmeros caminhos o Executivo tem ampliado e 
sustentado (em diversas ocasiões) enorme poder de iniciativa, tanto quanto de contornar delibe-
rações do Congresso, caracterizando o que já foi rotulado de “presidência imperial”.
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de alta qualidade, provida aos reguladores, além do que esses agentes podem 
disparar “sinais de alarme”, caso o monitoramento da política econômica por 
parte da agência seja deficiente — o que, em última instância, pode concor-
rer para aumentar a efetividade e a credibilidade das políticas operadas pela 
agência.
F i g u r a 1
Insulamento político da purocracia: modelo Reenock-Gerber
Esse é o paradoxo da autonomia (ou do insulamento): a tentativa de mi-
nimizar ou eliminar influências que comprometam a autonomia decisória dos 
agentes reguladores pode acabar por restringir o conjunto de informações em 
Design de autonomia 
decisória
Conteúdo de
informação externa
Concentração do
atendimento preferencial
Acesso a grupos de 
interesses preferenciais
–
–
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que se baseia o processo decisório dos reguladores (implícito na causação [1], 
na figura 1), gerando, assim, escolhas públicas pouco efetivas. 
É relevante indagar como o arranjo da independência de uma unidade 
decisória, em especial do Banco Central, que mantém à distância o poder poli-
tico, afeta ao mesmo tempo o acesso de grupos de interesses privados aos bu-
rocratas-reguladores (Reenock e Gerber, 2007)? Ademais, a credibilidade da 
política pública também é promovida pelo fato de que as decisões legislativas 
a serem implementadas por delegação a unidades independentes sinalizam 
para os agentes privados um comprometimento de política durável: em certo 
sentido, arranjos institucionais que provêm insulamento à política econômica 
permitem aos políticos “trocarem” benefícios de política pública quando estão 
fora do poder por benefícios, caso estejam no poder. 
Essa conjectura apresenta três desdobramentos (Figueiredo, 2002:321):
a incerteza do resultado eleitoral induz a que uma dada coalizão política 
possa tentar neutralizar ou mesmo torpedear as políticas patrocinadas pela 
facção política contrária; 
tal possibilidade leva a que o design institucional da estrutura de regulação 
incorpore características que insulem as unidades decisórias governamen-
tais de futuras pressões de grupos de oposição;
ao mesmo tempo, essa estratégia de insulamento tem a conseqüência po-
tencial de tornar pouco efetivas as escolhas públicas.
Por outro lado, na interação de legisladores e burocratas do Executivo 
estes últimos detêm uma vantagem estratégica, em razão de disporem de mais 
e melhores informações sobre a realidade em que as decisões legislativas são 
operacionalizadas. Os políticos perdem o controle sobre os custos da imple-
mentação de políticas públicas, tanto quanto sobre a incidência dos benefícios 
líquidos dessas políticas (Balla e Wright, 2001). Ou, dito de outro modo, por 
força da delegação de funções, poderes e recursos, decorrente de deliberação 
legislativa, os burocratas operam sob um insulamento que pode levá-los a fa-
zer escolhas públicas que se afastem daquelas que seriam mais próximas das 
preferências de uma maioria dos legisladores que aprovou a lei.2
2 Outra vez, essa conjectura tem variadas sustentações, e a principal delas é que a posição privile-
giada da burocracia na obtenção de informações decorre do número e tipo de grupos de interesses 
que preferencialmente interagem com as unidades decisórias do Executivo. O próprio design orga-
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Sob essa perspectiva, duas ocorrências na conjuntura recente merecem 
ser singularizadas: o efeito imediato da interpretação constitucional do STF re-
lativamente ao uso de Medida Provisória na execução orçamentária da União 
(ADI no 4.048, de 14 de maio de 2008) e o rumoroso caso da regulamentação 
da aquisição da Brasil Telecom pela Oi (ex-Telemar).3
Para uma parte significativa das escolhas públicas a atuação de gru-
pos de interesse transcorre em uma peculiar fase legislativa (a escolha da MP 
como formato da lei), tanto quanto na subseqüente fase de atos substantivos 
das unidades decisórias encarregadas de implementar as políticasderivadas 
da MP.4
Na outra ocorrência conjuntural antes mencionada, volta a se eviden-
ciar a imperiosa necessidade de se adicionar ao jogo das escolhas públicas um 
bloco de regras que delimitem o lobbying e, de um modo geral, disciplinem 
o mecanismo da busca por transferências de renda e riqueza agenciadas jun-
to ao processo político e que favorecem interesses organizados da economia 
privada, tecnicamente rotulado de rent seeking (Monteiro, 2007, cap. 6). A 
articulação desses interesses preferenciais organizados com legisladores, por 
certo, também se manifesta pela necessidade de os legisladores terem acesso a 
informação técnica especializada, tanto quanto aos efeitos potenciais de suas 
decisões de política junto a seus redutos eleitorais — especialmente no âm-
bito da passagem dos projetos de lei pelas comissões legislativas. Todavia, há 
nizacional dessas unidades que regulam mercados induz a que certos grupos — os que são mais 
capazes de produzir informações valiosas sobre o produto, serviço ou mercado — tenham maior 
influência e sejam consultados para efeitos de formulação de políticas e, portanto, tenham acesso
mais desenvolto ao processo deliberativo governamental (Reenock e Gerber, 2008:418).
3 Que evidenciaria intensa atividade de lobbying (Lobby de US$ 260 milhões, O Globo, 23 jul. 
2008, Economia: 21) e, ao mesmo tempo, a ausência de regras que regulem essa atividade por 
parte de interesses preferenciais privados (Monteiro, 2007, cap. 6).
4 Em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal eliminando a possibilidade de uso de MP 
para a abertura de crédito extraordinário, para efeitos da execução orçamentária da União, tem-
se que o volume da emissão de MP até aqui em 2008 é expressivamente reduzido. De fato, em 
2007 (por um período equivalente de quase sete meses) 11 MPs (ou 28,2% do total de MPs) de 
abertura de crédito extraordinário haviam sido emitidas, contra apenas quatro MPs (ou 16,7% do 
total de MPs), no período de 2008. Mesmo a produção de leis pelo Congresso deixa transparecer 
os efeitos da deliberação do STF: apenas no mês de julho (1o a 24 jul. 2008) 54% dos projetos de 
lei aprovados dizem respeito à abertura de crédito suplementar, especial, ou extraordinário, em 
favor de órgãos do Executivo. Evidencia-se, portanto, que a interpretação constitucional por parte 
do STF mostrou-se muito efetiva para disciplinar o mecanismo das MPs, como via alternativa à 
mudança formal de regras constitucionais, por aprovação de proposta de Emenda Constitucional 
pelo Congresso Nacional.
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igualmente o aporte de recursos às campanhas eleitorais — “dinheiros políti-
cos” (Monteiro, 2007:187), diretamente aos partidos políticos ou aos políticos 
individualmente, o que remunera uma representação desses interesses mais 
dedicada e intensa na legislatura (Denzau e Munger, 1986).5
A regulação do mercado de telecomunicações, sob a qual transcorre a 
aprovação da citada fusão da Brasil Telecom e da Oi, envolve primariamente 
uma questão operacional: a alteração em uma política regulatória instituída 
em 1998 pelo Decreto no 2.534, de 2 de abril de 1998, (Plano Geral de Ou-
torgas) que depende diretamente da predisposição da Anatel em encampar a 
pretensão do grupo privado de acionistas que propõe a fusão.6
3. A extensão do Poder Executivo
Seja na frente orçamentária, seja na frente regulatória, amplia-se e aprofun-
da-se a presença do Executivo na economia nacional. Tal extensão pode ser 
considerada por uma variedade de atributos (Sloane, 2008):
origem — como surge um determinado poder exercido pelo Executivo.
Essa é uma perspectiva que aponta para a adoção das regras constitucio-
nais em 1988 que atribuem ao presidente da República novos poderes, parte 
dos quais não explicitamente nomeados nessas regras.
5 Ver igualmente a seção 4.
6 Em outra esfera, esse episódio pode ser associado a uma relevante questão analítica que tem sido 
alvo da atenção na literatura de escolhas públicas e que pode abrir uma nova perspectiva para 
o eventual disciplinamento da atividade de lobbying na economia brasileira: o acesso de grupos 
de interesses à decisão da burocracia reguladora seria uma função do formato organizacional de 
agências, que supostamente blinda ou insula a deliberação da política regulatória?(Reenock e 
Gerber, 2008). Como de hábito, o que sempre ressalta nos relatos sobre as atividades de lobbying
(no Brasil e em outras economias) é o elevado volume de gastos supostamente direcionado a essa 
interferência junto aos processos político e administrativo público: no caso aqui mencionado, o 
inquérito da Polícia Federal quantifica esses gastos em US$ 260 milhões (Lobby de US$260 milhões, 
O Globo, 23 jul. 2008: Economia, 21). Em decorrência, o retorno esperado da autorização da fusão 
entre a Brasil Telecom e a Oi, sob as regras da regulação do mercado de telecomunicação, deve 
ser extraordinariamente alto — o que ilustra o que tem sido uma observação trivial na literatura 
de rent seeking: o que os políticos têm para “vender” é sempre muito atrativo.
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âmbito — de que consiste esse poder e até onde ele se estende?
Muito especialmente, o art. 62 da Constituição atribui ao presidente um 
poder autônomo de emitir leis emergenciais no formato de medidas provisó-
rias. De início (e até meados de 2001), as condicionantes a que esse mecanis-
mo de feitura de leis estava sujeito eram muito vagas, podendo-se supor que o 
seu uso era, então, de alcance ilimitado (Monteiro, 2007, apêndice B).
derivação — é uma fonte independente de poder presidencial, à margem 
das regras constitucionais?
Em grande parte, a expansão do poder presidencial e, por extensão, da 
alta gerência do Executivo (burocratas), sempre foi amparada no formato tão 
genérico adotado em boa parte das regras constitucionais.7
dinâmica — esse poder se expande e se contrai (em ocasiões de crises eco-
nômicas, por exemplo), tomando vantagem da superposição com os pode-
res pertinentes ao Congresso Nacional ou ocorre por manifestação expressa 
do Congresso? E, subsidiariamente: quem decide que uma conjuntura é de 
“crise” ou quando tal crise começa e termina?
A ocorrência de ciclos de desestabilização financeira internacional e 
suas repercussões nas economias nacionais têm sido o pano de fundo para 
que os governos passem a regular mais intensa e detalhadamente os mercados 
de bens e serviços.8
normativa — qual deve ser a amplitude desse poder? 
Em verdade, tem sido apenas por motivos ideológicos e de marcação de 
posição eleitoral que essa hipertrofia de poder nos regimes presidencialistas 
recebe maior destaque, a valer a experiência brasileira e norte-americana. A 
classe política não parece estar tão decididamente comprometida com uma 
reforma institucional articulada que tenha no enquadramento do crescimento 
do governo o seu grande objetivo; seu interesse acaba sendo o de exercitar 
essa hipertrofia, uma vez que passe a deter o mando de governo. 
7 Ao longo do tempo, só em circunstâncias muito localizadas, o Supremo Tribunal Federal tem 
aceitado a argüição de inconstitucionalidade quanto a atos do Executivo, especialmente no uso 
de MP. Ver o exemplo mencionado na seção 2.
8 O componente de segurança interna foi adicionado a essa tendência, após os ataques terroristas 
de 2001, especialmente nos EUA. 
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Na economia brasileira, toda a questão da amplitude do Executivo está 
muito especialmente relacionada ao permanente contencioso entre Executivo 
e Congresso, quanto ao uso do mecanismo de emissão de medidas provisórias. 
Esse é um uso que ora é tido por indevido e operado à margem do que as 
regras constitucionais estritamente permitem, ora é aceito como pertinente, 
desde que de uso transparente e transitório. Um exemplo disso? As propostas 
de emendaà Constituição que tratam desse tema são ambientadas em reper-
cussões tópicas decorrentes do uso de MP, deixando de lado um contexto mais 
amplo, que leve em consideração o funcionamento da separação de Poderes 
(Monteiro, 2000:294-296).
Portanto, o fenômeno da expansão e sustentação do poder do Executivo 
aumenta de significado, na medida em que ele possa ocorrer menos transpa-
rentemente, à margem do sistema constitucional de separação de Poderes ou, 
dito de outra forma, seguindo um formato que se pode rotular de “Executivo 
unificado”. Embora esse rótulo possa ser localizado nos escritos de um dos 
fundadores da democracia norte-americana, Alexander Hamilton,9 por certo a 
aberração do arranjo democrático brasileiro está nesse comprometimento da 
separação de Poderes — o que pode se dar, ainda que o Executivo não “usur-
pe” poderes dos demais departamentos de governo. Pelo menos desde o Plano 
Collor e, mais acentuadamente, ao longo das diversas fases do Plano Real, a 
trajetória de políticas públicas mostra que as regras constitucionais têm sido 
usadas como guarda-chuvas de escolhas de política que teriam seu design esta-
belecido no limite das instituições de governo representativo, quando não são 
diretamente inconstitucionais.10
4. Déficit de democracia
Recentemente (13 de agosto de 2008), a Câmara dos Deputados promoveu 
mais um dos recorrentes “esforços concentrados”, de modo a avançar sua 
agenda decisória. 
Por que isso? 
Basicamente porque durante muitas semanas, ao longo deste ano, essa 
agenda andou paralisada, em razão das regras que devem ser observadas na 
9 The Federalist n. 70; Carey e McClellan, 2001; Liberty Fund, 362-363.
10 Outra vez, como exemplo mais recente dessa última possibilidade, tome-se a interpretação pelo 
Supremo Tribunal Federal quanto ao uso de MP, na deliberação de abertura de créditos extraor-
dinários na execução orçamentária da União.
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tramitação de MPs no Congresso Nacional — o que é agravado pela aproxima-
ção da data eleitoral, quando surgem problemas decorrentes do baixo quórum 
de parlamentares nas votações legislativas.
Por outro lado, nesse tipo de rolo compressor:
a legislatura demonstra que, sob pressão, pode aprovar o que, anteriormen-
te, protelava aprovar, e o faz em lotes de uma dezena de projetos de lei;
em poucas horas, a agenda decisória avança;
nesse esforço, importantes decisões são votadas, tais como a tipificação de 
crime de extermínio, PL no 370-07; novas regras de adoção, PL no 6222-
05; crimes de responsabilidade para agentes públicos, PL no 931-07; e uma 
ampliação dos benefícios do regime especial de tributação do Sistema Inte-
grado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das 
Empresas de Pequeno Porte ou Simples, PLP no 02-07.11
Essas três características são inquietantes, uma vez que elas viabilizam 
em um departamento do governo um processo decisório:
de baixa qualidade, em que o relevante passa a ser limpar a pauta, tornan-
do-se secundário o debate mais amplo e transparente das políticas públicas 
nela envolvidas;12
que acentua a influência de grupos de interesses, de vez que o ritmo acele-
rado das deliberações acaba por encobrir a intensidade do lobbying que é 
empreendido junto aos legisladores;13
11 “Câmara aprova tributação menor para o supersimples”, Folha de S.Paulo, 14 ago. 2008, Di-
nheiro: B6.
12 Observe o leitor que algumas das deliberações citadas acima tratam de temas de política pública 
de grande complexidade e significado para a sociedade como um todo que, não obstante já terem 
sido filtrados na passagem dos respectivos projetos de lei pela jurisdição de comissões, ainda 
poderiam requerer aprimoramento na apreciação em Plenário. Mesmo porque, se é antecipado 
que esse padrão stop and go é recorrente no Congresso, é muito provável que isso cause algum 
condicionamento na própria etapa deliberativa nas comissões, ou seja, que tal padrão seja deter-
minante do cálculo de estratégia dos parlamentares, já na etapa das comissões especializadas.
13 Essa constatação é especialmente válida no caso de políticas que têm perfil de incidência de 
benefícios líquidos elevados, com os benefícios incidindo de modo concentrado sobre poucos seg-
mentos da atividade econômica, e os custos, pulverizados por toda a coletividade. Tal é o caso da 
ampliação do alcance do regime de renúncia fiscal do Simples (agora apelidado de Supersimples). 
Como em outra circunstância (LC no 123, de 14 de dezembro de 2006), quando também se deu 
nova amplitude ao Simples, pode-se fazer a conjectura de que tal padrão deliberativo da legisla-
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de conexões explícitas com o cronograma eleitoral — a aparente presteza no 
atendimento a demandas articuladas por esses interesses organizados acaba 
por se transferir a apoios de todo tipo que tais grupos privados emprestam a 
partidos e políticos individualmente, assim como ao próprio Executivo.14
5. Conclusão
O tema das medidas provisórias é o mais recorrente tópico da economia políti-
ca nacional. Não obstante o andamento lento de uma PEC voltada para limitar 
os estragos que esse mecanismo de feitura de leis tem causado ao sistema de 
separação de Poderes, é provável que as principais forças políticas no Congres-
so tenham sempre em vista se essas limitações são de fato bem-vindas, em face 
às suas respectivas expectativas eleitorais para 2010.
Seguindo uma recente linha de indagação pode-se melhor entender 
a amplitude de poder que as MPs trazem à governança pública. Trata-se da 
questão da deliberada porosidade do design das regras das escolhas públicas.
O conceito de porosidade de uma regra está associado ao fato de cer-
tos agentes de decisão (públicos ou privados) possuírem maiores chances de 
quebrar a regra do que os demais, e também que há alguma probabilidade 
de certas conjunturas se tornarem mais refratárias às regras do jogo do que 
outras. Ou, ainda, que o benefício de se evadir uma regra pode ser maior para 
alguns desses agentes ou em algumas conjunturas. 
A porosidade assume um formato que pode ser previsível e, portanto, 
integra-se ao cálculo de estratégia desses agentes. Por implicação, regras indi-
tura, que tem se repetido nos últimos anos, exacerba o rent seeking junto aos políticos, tornando 
menos autônomo o processo decisório do Congresso (Monteiro, 2007, cap. 6).
14 “Ano eleitoral e pagando para jogar”, Estratégia macroeconômica, v. 14, n. 343, 22 maio 2006. 
Por episódios anteriores, como o da aprovação original do Simples e de suas extensões, pode-se 
inferir que tem sido intensa a atividade de lobbying empreendida pelas micro e pequenas empre-
sas. Na etapa mais recente da aprovação na Câmara, foram adicionadas ao rol das empresas de 
pequeno porte do Simples aquelas que atuam em representação comercial, publicidade, assessoria 
de imprensa, reparos e manutenção, análises clínicas, decoração e paisagismo, corretagem de 
seguros, tradução e fisioterapia. Uma agenda deliberativa em que se acomodam temas de polí-
tica de largo espectro junto ao atendimento preferencial do Simples serve ao propósito de atrair 
pouca atenção para esse tipo de incidência de benefícios concentrados que têm contrapartida 
na distribuição ampla do correspondente ônus fiscal. Em época eleitoral, essa é uma estratégia 
bem-vinda para os políticos, pois o eleitor-contribuinte se confronta com custos de informação 
elevados, para o seu pleno entendimento do que afinal a legislatura está votando.
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viduais e mesmo mecanismos decisórios do jogo de política pública podem ser 
usados seletivamente na correção de disfunções. Comportamentos que trans-
gridam determinados pressupostos são rejeitados ou tolerados, em função do 
critério de correção encampado nas regras de decisão. 
Desse modo,uma regra pode ser vista afetando comportamentos adver-
sos, tanto quanto implementando imperfeitamente os pressupostos de certas 
regulações ou impondo custos de transgressão que sejam tidos como aceitá-
veis, em razão dos benefícios decorrentes dessa transgressão.
Seria interessante estabelecer como a emissão de MP pelo presidente da 
República (e, por extensão, pelo Executivo Federal) se enquadra nessa pers-
pectiva de análise. 
O disfarçado apego dos legisladores em manter atuante o mecanismo 
de MP — apesar de todos os percalços reconhecidos pelas lideranças políticas, 
quando discorrem sobre o uso e abuso de MP — pode estar relacionado ao 
grau de porosidade que esse mecanismo propicia ao funcionamento das insti-
tuições políticas, e da qual decorreriam vantagens político-eleitorais.
Apesar dos sérios estragos promovidos por esse mecanismo na ordem 
constitucional, somente em meados de 2001 é que a classe política, ainda 
que relutantemente, tomou providências para impor limites ao exercício desse 
poder de propor dos burocratas do Executivo. Todavia, logo essa estratégia de 
“reparo de danos” se mostraria uma fonte de novas disfunções no sistema que 
buscava sanar.15 Com isso, os cidadãos-eleitores-contribuintes vêem burlados 
os seus direitos de patrocinadores, uma vez que são os representantes eleitos 
(presidente da República, deputados e senadores) atuando como agentes da 
sociedade, que ditam como uma sistema essencial das instituições representa-
tivas deve funcionar, sem que para tanto tenha sido necessário aprovar qualquer 
emenda formal à Constituição, ou os cidadãos, consultados diretamente sobre 
esse modus operandi da estrutura de governo.
No âmbito analítico, essa ocorrência pode ser tratada como uma altera-
ção das relações de poder na ordem constitucional vigente. 
Levando-se em consideração a longa tolerância dos políticos para com os 
estragos a que tem sido submetido o sistema da separação de Poderes, pode-se 
15 O Congresso Nacional torna-se refém do Executivo, na medida em que deliberadamente a alta 
gerência do Executivo poderia programar a emissão de MPs de modo a bloquear transitoriamente 
o processo legislativo do Congresso. Com isso, a hipertrofia do governo assume uma nova face: 
a de condicionar o ritmo das atividades da Câmara e do Senado. Pior ainda: sendo do interesse 
estratégico das forças políticas no Congresso, deputados e senadores podem promover uma auto-
paralisação de suas casas legislativas.
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conjecturar que essa é uma prática deliberada das lideranças políticas em trans-
formar uma ordem constitucional em outra, modificada ou totalmente nova. 
Não seria, portanto, incompatível observar episódios de depreciação constitu-
cional, no andamento da política em seu sentido ordinário (Balkin, 2008). 
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