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Entendendo 
a adaptação escolar
Maria de Fátima Minetto Caldeira Silva
Não precisamos escolher entre a socialização e as amizades nas classes de ensino regu-
lar e uma educação de qualidade nas classes especiais. Podemos proporcionar uma educação de 
qualidade nas classes de ensino regular.
Jeffrey Strully e Cindy Strully 
A lmejar uma escola melhor para todos implica mudança. Mas a prática in-clusiva ainda esbarra na resistência. Essa resistência a mudanças tem cau-sado sofrimentos e angústias. No contexto escolar, muitas vezes, demons-
tra-se boa vontade em receber a criança com necessidades educativas especiais, 
mas não se consegue organizar a ação pedagógica de forma diferenciada. A inclu-
são exige certa dinamicidade curricular que permita ajustar o fazer pedagógico às 
necessidades dos seus alunos. 
O currículo consiste em fundamentos filosóficos e sociopolíticos da edu-
cação; marcos teóricos que concretizam a educação na sala de aula; e ainda re-
laciona princípios e operacionalização, teoria e prática, planejamento e ação. A 
estruturação do currículo deve estar associada à própria identidade da instituição 
escolar, à sua organização e funcionamento e ao papel que exerce, ou deveria 
exercer, a partir das aspirações e expectativas da sociedade e da cultura em que se 
insere (AMANCIO, 2001). 
Sob essa ótica, a definição do currículo mostra sua dinamicidade, sendo cons-
truído a partir do projeto pedagógico da escola, orienta as atividades educativas 
e as formas de executá-las. Define o quê, quando e como ensinar e avaliar. Se ele 
é a própria identidade escolar, adaptá-lo à clientela seria algo óbvio. Para Coll 
(2000), os princípios inclusivos estão na origem do processo de reforma do ensino, 
exigindo que se contemple as necessidades educativas especiais. 
Coll (1995) aponta diferentes tipos de currículos, os fechados e os abertos, 
bem como suas vantagens e desvantagens. Os currículos fechados oferecem mais 
comodidade aos professores, que após organizá-los podem aplicá-los sem proble-
mas. E oferecem segurança, pois segue-se um roteiro preestabelecido e isto não 
requer grandes habilidades do professor. Suas desvantagens estariam em não se 
adaptarem às características particulares. O currículo aberto, por sua vez, garante 
o respeito à diversidade, acolhe a criatividade do professor diante do handicap1 de 
seus alunos. Favorece a necessidade de adaptações específicas. Os inconvenientes 
estão centrados na dificuldade de garantir uma homogeneidade no currículo, que 
é desejada e esperada no ensino obrigatório. Exige dos professores muito mais: 
1 “O handicap torna-se a deficiência da qual pa-
dece uma pessoa que, por 
isso mesmo, encontra-se em 
posição de inferioridade... 
uma falta que caracteriza 
o mais fraco”. (CHARLOT, 
2000, p. 26).
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formação, dedicação, criatividade. De forma isolada, podemos perceber que já 
havia alguns ensaios para flexibilizar o currículo.
Ruiz (apud COLL, 1995, p. 301) diz que durante muitos anos as escolas já 
 desenvolviam algum tipo de atendimento diferenciado, normalmente chamado na co-
munidade internacional como Programa de Desenvolvimento Individual (PDI), dire-
cionado aos alunos com handicaps ou deficiências. Com o tempo, as reformas do ensi-
no foram entendendo esses programas como importantes e promotores de vantagens. 
Manjón et al. (1997, p. 61) trazem uma definição bastante objetiva: “adap-
tações curriculares são, antes de mais nada, um procedimento de ajuste paulatino 
da resposta educativa, que poderá desembocar, ou não, conforme o caso, num pro-
grama individual”. Essa explicação deixa claro que qualquer modificação, por me-
nor que seja, é considerada uma adaptação curricular. Como podemos perceber, 
uma adaptação pode ter vários níveis de amplitude para favorecer as necessidades 
educativas especiais dos alunos. 
[...] na alternativa proposta, o currículo é concebido como um instrumento destinado a 
tornar possível e potenciar o desenvolvimento integral dos alunos (o objetivo do processo 
de ensino/aprendizagem é potenciar as diferentes capacidades dos alunos que tornarão 
possível a sua plena realização pessoal e social). O currículo perde o seu caráter quase 
sagrado, de cultura imutável e definida a priori, que deve ser preservada e transmitida de 
uma maneira fiel a ela mesma. (1997, p. 61)
Os mesmos autores completam dizendo que não se trata de elaborar progra-
mas paralelos, que geralmente o aluno deficiente não consegue completar. Mas, a 
introdução de medidas capazes de flexibilizar os currículos normais, estabelecidos 
no projeto de escola e na programação das aulas, medidas que o convertam num 
instrumento útil para responder à inevitável diversidade que apresentam os alunos 
quanto aos seus interesses, ritmos de aprendizagem, experiência anterior etc. As 
adaptações acontecerão somente nos casos em que a proposta geral não corres-
ponda efetivamente às necessidades específicas da criança. Somente em alguns 
casos teríamos a elaboração de planos verdadeiramente individuais, no sentido 
atribuído a este termo na expressão Programa de Desenvolvimento Individual.
Há uma unanimidade entre os autores no tocante ao cuidado em não criarmos na 
escola dois currículos paralelos o regular e o especial. O que deve ficar claro é que
[...] o Projeto Curricular Básico sempre está sujeito a diversas adaptações em função das 
necessidades educativas concretas dos alunos aos quais é aplicado; naturalmente, a pro-
fundidade e a amplitude das adaptações dependerão, em cada caso, da natureza das neces-
sidades educativas, porém o ponto de partida e de referência da ação pedagógica sempre é 
o Projeto Curricular Básico, que deste modo cumpre uma função normalizadora e integra-
dora no tratamento das necessidades educativas especiais. (COLL, 2000, p. 183)
Reconhecemos a complexidade do tema que exige da escola tomada de 
decisões específicas que afetam a organização escolar como um todo, e que se 
expande além do contexto escolar, criando uma dinâmica funcional. Analisando 
de forma geral o conceito e a estratégia das adaptações curriculares, assinaladas 
as suas implicações na planificação dos níveis de escola e classe, Manjón et al. 
(1997) ressaltam que, por vezes, ao falar deste assunto, pode-se ter a ideia simplis-
ta de que se trata mais de uma mudança de terminologia, o que se assim fosse não 
resolveria o problema inicial. 
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Os autores são enfáticos em que as propostas de adaptação curricular são 
distintas das já praticadas em pelo menos três pontos (MANJÓN et al., p. 67):
 Em primeiro lugar, produz-se uma deslocação significativa na responsa-
bilidade da tomada de decisões que já não recairá especialistas externos 
à escola, como é habitual numa concepção tecnocrática do currículo, e 
da educação especial. Como não se trata de elaborar programas espe-
ciais para os deficientes, mas sim de ajustar a ajuda pedagógica ao alu-
no mediante a adequação paulatina do currículo normal, são as próprias 
equipes docentes os agentes diretos da decisão. Isso, evidentemente, 
sem desconsiderar a possível participação e do acordo explícito dos pais, 
equipe diretiva e inspeção técnica, pelo que uma adaptação curricular 
pressupõe modificar os planos previstos na escola e ratificados pelos 
órgãos competentes.
 Em segundo lugar, produz-se uma profunda reorientação dos processos 
conducentes à identificação e avaliação das necessidades educativas es-
peciais, pois deixa-se de enfatizar uma avaliação quantitativa e interes-
sada, sobretudo em determinar os possíveis déficits, priorizando outra de 
caráter mais qualitativo e dinâmico, na qual o essencial é obter e julgar 
uma informação relevante para a tomada de decisões curriculares, o que 
requera identificação funcional das necessidades educativas especiais 
da criança e ajudas pedagógicas de todo o tipo, capazes de satisfazê- 
-las adequadamente. Em suma, reorienta-se o processo de uma avaliação 
somativa, intraindividual e, em grande parte, paraeducativa, para outra 
basicamente curricular, formativa e interindividual, na qual o interesse 
está centrado nas interações entre as necessidades da criança e a resposta 
educativa que lhe é oferecida.
 Evidentemente, isto supõe também uma implicação direta dos próprios 
docentes no processo avaliativo, não como um complemento da tarefa da 
equipe interdisciplinar, mas como o ponto de partida fundamental. É jus-
tamente a determinação do nível de competências curriculares do aluno 
e dos fatores que condicionam o seu processo de ensino/aprendizagem, 
o que constitui ao mesmo tempo ponto de partida e de chegada sobre o 
qual devem reverter as restantes explorações.
 Por último, varia de forma sensível o modo como se leva a cabo a elabo-
ração da proposta curricular resultante das modificações anteriores, não 
só no que corresponde à organização do trabalho (que deve ser de tipo 
cooperativo) como também, e especialmente, quanto ao que poderíamos 
denominar referência básica da proposta (o currículo regular) e aos cri-
térios de atuação (adaptação progressiva desde os elementos curriculares 
menos significativos aos mais significativos).
De acordo com esta proposta, a elaboração de uma adaptação curricular 
não é uma resposta automática perante a detecção de determinadas necessidades 
educativas especiais, senão o possível resultado final de um processo adaptador 
em que convém seguir certa ordem hierárquica.
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O tratamento das necessidades educativas/ 
especiais no âmbito curricular
(COLL, 1987, p. 185-187)
[...] A educação ordinária e a educação especial, destacando a importância do conceito de neces-
sidades educativas. No contexto de certas finalidades da educação que presidem o sistema escolar e 
o ensino obrigatório, válidas para todos os alunos promover seu desenvolvimento pessoal mediante 
o conhecimento do mundo em que vivem e a aquisição das destrezas e conhecimentos necessários 
para dirigir sua própria vida de forma autônoma e responsável, concretizadas em um currículo, em 
um conjunto de projetos curriculares que abrangem os diferentes ciclos do ensino obrigatório, as 
necessidades educativas designam as ações pedagógicas que devem funcionar para que os alunos 
possam ter acesso ao currículo. Todos os alunos têm, por definição, necessidades educativas; no 
entanto, existem dois tipos delas: as partilhadas por todos os alunos e as específicas de cada um. As 
necessidades educativas especiais são as necessidades educativas específicas, fruto das característi-
cas diferenciais do aluno, cuja satisfação é imprescindível para garantir seu acesso ao currículo.
As necessidades educativas comuns a todos os alunos são satisfeitas mediante as ações peda-
gógicas habituais, que, tomadas em seu conjunto, delimitam o que costuma ser chamado de educa-
ção ordinária. Por outro lado, as ações pedagógicas especiais são ações pedagógicas adicionais ou 
complementares, cujo objetivo é a satisfação das necessidades educativas especiais dos alunos. As 
ações pedagógicas especiais surgem quando os recursos pedagógicos habituais do sistema escolar 
não são suficientes para dar uma resposta adequada às necessidades educativas especiais dos alunos. 
Nesta perspectiva, a educação especial é o conjunto de ações pedagógicas especiais efetuadas – de 
forma temporária ou permanente, em escolas ordinárias ou especiais – para satisfazer às necessida-
des educativas dos alunos e assim facilitar seu acesso ao currículo. Notemos que assim como existe 
uma continuidade entre necessidades educativas habituais e necessidades educativas especiais, bem 
como entre ações pedagógicas habituais e ações especiais, também existe entre educação ordinária e 
educação especial, sem que se possa estabelecer uma linha divisória nítida entre ambas. A adaptação 
do projeto curricular básico às necessidades educativas dos alunos é uma exigência do modelo de 
currículo adotado, que é aplicado tanto à educação ordinária quando à especial.
[...] As ações pedagógicas especiais não consistem apenas de adaptações curriculares (por 
exemplo, formas diferentes de organização escolar, apoios psicopedagógicos complementares, 
modificações do ambiente físico-ambiental, materiais e instrumentos específicos etc.), porém es-
tas, sem dúvida, são especialmente relevantes, à medida que o projeto curricular concretiza o 
projeto educacional que preside a educação escolar. Por essa razão é que o projeto curricular dos 
ciclos que formam o ensino obrigatório não deve se limitar a possibilitar o tratamento das neces-
sidades educativas especiais dos alunos como adaptações do mesmo, mas deve incluir também 
orientações, procedimentos e propostas concretas para efetuar essas adaptações. 
Isso implica a inclusão do tratamento das necessidades educativas especiais no processo de 
elaboração dos projetos curriculares, de maneira que, junto ao projeto curricular básico de cada 
ciclo e aos exemplos de programação que exemplificam seu uso sob determinadas condicionantes 
(terceiro nível de concretização), também devem figurar:
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1. Orientações, procedimentos e estratégias para identificar as necessidades educativas es-
peciais dos alunos.
2. Tipologia e descrição detalhadas das necessidades educativas especiais mais frequentes 
dos alunos do ciclo em questão. A descrição deve destacar as implicações com relação 
aos diferentes elementos do projeto curricular básico (ob jetivos, conteúdos, orientações 
didáticas), assinalando as adaptações e modificações que devem ser introduzidas nos 
mesmos segundo a natureza e as características das necessidades educativas especiais.
3. Orientações, procedimentos e estratégias para elaborar programas de desenvolvimento 
individual que permitam satisfazer adequadamente os principais tipos de necessidades 
educativas especiais.
4. Exemplos prototípicos de programas de desenvolvimento individual para as necessida-
des educativas especiais mais frequentes.
Para concluir, uma última observação: embora seja certo que as necessidades educativas espe-
ciais derivam das características diferenciais dos alunos (histórico pessoal e/ou déficits de diferen-
te natureza), não devemos perder de vista que são definidas de acordo com as ações pedagógicas 
capazes de satisfazê-las. Em consequência, a tipologia de necessidades educativas especiais deve 
utilizar critérios essencialmente pedagógicos, além de considerar as exigências do currículo. Uma 
tipologia de necessidades educativas especiais não é, em nenhum caso, uma tipologia de déficits, 
embora seja evidente a relação entre determinados tipos de déficits e as necessidades educativas 
que devem ser satisfeitas para que os alunos afetados possam ter acesso ao currículo.
1. Retire das páginas anteriores três pontos que você achou significativos (pode ser frases ou pa-
rágrafos). Depois, em duplas, discutam o que vocês escolheram e debatam.
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