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Fisiopatologia_da_Cintura_Escapular

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FISIOLOGIA DA CINTURA ESCAPULAR 
Raul Oliveira, João Paulo Sousa, Jan Cabri 
 
Centro de Estudos de Fisioterapia –Faculdade de Motricidade Humana – 
Universidade Técnica de Lisboa 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
Neste capítulo pretende-se fazer uma análise funcional ao Complexo 
Articular do Ombro (CAO), numa perspectiva quer da fisiologia articular quer da 
cinesiologia. O ombro e a cintura escapular, que em conjunto formam este 
complexo articular, são constituídos por várias articulações (gleno - umeral; 
acromio - clavicular; esterno - condro-clavicular) e por duas interfaces 
(escápulo-torácica e Supraumeral - Subacromial) que também participam nos 
seus movimentos e funções. 
Existem vários grupos musculares com acções complementares no 
úmero, clavícula, omoplata e coluna cervico - torácica mas que são 
interdependentes e complementares na sua acção. O objectivo principal deste 
capítulo está centrado na descrição do que cada um desses elementos – 
articulares e músculo-tendinosos – fornece para o binómio 
mobilidade/estabilidade do CAO. 
 A compreensão dos aspectos funcionais e biomecânicos deste complexo 
articular permite aos diversos profissionais avaliar com maior rigor clínico as 
disfunções e patologias existentes bem como seleccionar as melhores 
estratégias de intervenção terapêutica assentes em evidência científica. 
 
 
ARTICULAÇÃO GLENO-UMERAL (GU) – ANÁLISE FUNCIONAL 
 
É a articulação com maior mobilidade do complexo articular do ombro 
(CAO), que permite movimentar a unidade funcional do braço em todos os 
planos do espaço tridimensional. É composta pela cabeça do úmero e pela 
cavidade glenóide da omoplata possuindo na sua periferia uma fibrocartilagem 
2 
– labrum glenoideu - disposta de forma a aumentar a área de contacto e a 
congruência articular entre as duas superfícies articulares. 
A cabeça umeral, relativamente à diáfise, está orientada para cima e 
para dentro (entre 130º e 150º) e ainda, para trás (entre 26º e 31º) (Kronberg, 
Brostrom, & Soderlund, 1990). Este último ângulo denomina-se retroversão da 
cabeça umeral. Foi verificado que os atletas lançadores de elevado nível 
competitivo (modalidades de gestos frequentes com a mão acima da cabeça) 
apresentaram uma retroversão da cabeça umeral superior, no braço dominante 
relativamente ao lado não dominante, no que foi considerado como uma 
adaptação óssea aos esforços solicitados (Crockett et al., 2002). 
A dimensão da superfície articular da cavidade glenóide, cerca de 1/4 a 
1/3 da superfície articular da cabeça do úmero, corresponde ao contacto de 
apenas 25% a 33%, independentemente da posição articular (Culham & Peat, 
1993; Soslowsky, Flatow, Bigliani & Mow, 1992; Soslowsky et al., 1992). 
Esta diminuição da congruência articular possibilita uma ampla liberdade 
de movimentos, resultante da interacção entre os três graus de liberdade 
rotacional e os 3 graus de liberdade de translação – potencial de mobilidade . 
Por outro lado, sendo a cavidade glenóide da omoplata o segmento 
proximal da articulação GU, qualquer movimento e/ou posicionamento da 
omoplata (dependente da interacção entre as articulações acromio-clavicular, 
esterno-clavicular e interface omo-costal) vai influenciar a função da mesma 
(Levangie & Norkin, 2005). 
Esta disponibilidade para o movimento, mantendo uma estabilidade 
articular funcional, exige desta articulação a interacção entre factores de 
estabilidade estáticos e dinâmicos com acção local (gleno-umeral) e regional 
(cintura escapular, escápulo-torácica e região cervico-dorsal), como está 
sistematizado no quadroII.1 
 
 
 
 
 
 
 
3 
Quadro II.1 – Factores de estabilidade da articulação Gleno-Umeral 
 
ESTABILIDADE ESTÁTICA ESTABILIDADE DINÂMICA 
Morfologia osteo-articular 
Labrum glenoideu 
Estruturas capsulo-ligamentares 
Pressão intra-articular negativa – Forças de 
coesão articular 
Coifa dos rotadores/Deltóide 
Tendão da longa porção do bicípite 
Tensão ligamentar dinâmica 
Músculos escápulo-torácicos (base de 
suporte) 
SISTEMA DE CONTROLE NEURO-MUSCULAR 
ELEMENTOS POSTURAIS / CONTROLE POSTURAL LOCAL E REGIONAL 
 
Como se pode observar no quadro II.1, os factores relacionados com a 
estabilidade articular da GU podem ser agrupados em estáticos e dinâmicos, 
mas interagem entre eles através de um sistema de controle neuro-motor, que 
assegura uma complementaridade das suas funções. 
 Os factores considerados estáticos, como as estruturas capsulo-
ligamentares, exercem a sua função quando colocados em estiramento, não só 
pela resistência à sua deformação mecânica mas sobretudo pela informação 
cinestésica que fornecem (sentido de posição e movimento articular), 
potenciando assim uma resposta adequada e atempada dos elementos 
dinâmicos (músculos estabilizadores). 
Outro factor de estabilidade estática é o labrum glenoideu, que permite 
aumentar a profundidade da glenoide em cerca de 5 a 10 mm aumentando 
igualmente a sua área de contacto com a cabeça umeral (Howell & Galinat, 
1989). Foi estimado, por Lippit & Matsen (1993), que um labrum lesado 
aumenta em 20% os movimentos de translação da cabeça umeral 
comparativamente a uma situação do labrum íntegro. 
A configuração diametralmente oposta na espessura da cartilagem que 
reveste a cabeça umeral (mais espessa na região central do que na periferia) 
relativamente à espessura da cartilagem da glenóide (mais espessa na 
periferia do que na região central), associada à função do labrum, contribui 
para a estabilidade estática da GU ao mesmo tempo que assegura alguma 
capacidade de deformação para melhor absorção das forças (Porterfield & 
DeRosa, 2004). 
4 
O labrum na sua porção superior contacta com o tendão da longa 
porção do bicípite e serve ainda como ponto de inserção dos três ligamentos 
gleno-umerais (Gross, Seeger, Smith, Mandelbaum & Finerman, 1990; 
Prodromos, Ferry, Schiller & Zarins, 1990) sendo considerados como os 
principais reforços anteriores da cápsula articular da GU (Andrews, Carson & 
McLeod, 1985; Pappas, Goss & Kleinman, 1983; Peat, 1986; Snyder, Karzel, 
Del Pizzo, Ferkel & Friedman, 1990). 
Os ligamentos gleno-umerais (LGU) vão limitar, no seu conjunto, os 
movimentos de abdução, rotação externa e hiperextensão (Kapandji, 1980). 
O ligamento gleno-umeral inferior (o maior e mais desenvolvido dos três) 
é o principal factor de limitação estática à translação anterior da cabeça umeral, 
quando o braço se encontra entre os 45º e 90º de abdução e em rotação 
externa (Warner, Deng, Warren & Torzilli, 1992), bem como à abdução 
horizontal. Em abdução máxima e rotação externa do braço este ligamento 
exerce uma força de compressão sobre a cabeça umeral contribuindo para a 
sua coaptação, sendo que, em abdução e rotação interna, este limita a 
translação posterior. 
O espaço compreendido entre os LGU médio e inferior é considerado 
como uma zona de fragilidade da cápsula – orifício de Weitbrecht – onde é 
comum ocorrerem as luxações anteriores (O'Brien et al., 1990). 
Existe ainda o ligamento coraco-umeral que, com os seus dois feixes 
(anterior e posterior), está situado na região superior da cápsula, no chamado 
intervalo dos rotadores. Este ligamento limita os movimentos de flexão (feixe 
posterior), extensão (feixe anterior), rotação externa e adução (Kapandji, 1980). 
A integridade das estruturas capsulo-ligamentares assegura ainda que, 
em condições fisiológicas, exista uma pressão negativa intra-articular, que 
também contribui para a estabilidade articular, favorecendo uma maior coesão 
entre as superfícies articulares (Porterfield & DeRosa, 2004). Na posição 
anatómica, com os braços ao longo do tronco, as forças de gravidade causam 
uma translação inferior da cabeça, que é contrariada pela pressão negativa 
intra-articular (Magermans, Chadwick, Veeger & van der Helm, 2005). 
 O centro instantâneo de rotação da cabeça umeral varia de acordo com 
a posiçãoarticular. Isto significa que, durante os movimentos do ombro, esse 
centro instantâneo realiza uma trajectória que é descrita como um centróide, o 
5 
que implica, em cada momento articular, nas condições fisiológicas, a 
existência de uma soma de forças que consiga manter a cabeça do úmero 
centrada na cavidade glenóide. Essas forças são desenvolvidas não só pelas 
estruturas capsulo-ligamentares, mas sobretudo pela actividade coordenada 
dos músculos da coifa dos rotadores, deltóide, longa porção do bicípite 
(Kronberg, Nemeth & Brostrom, 1990) e escápulo-torácicos, que asseguram 
uma estabilidade dinâmica, o que sucede particularmente nas amplitudes 
médias onde os ligamentos não estão totalmente em tensão (Schiffern, 
Rozencwaig, Antoniou, Richardson & Matsen, 2002). 
 Posteriormente, a cápsula da GU não apresenta auxílio ligamentar 
adicional, sendo reforçada pelos tendões do supra-espinhoso, infra-espinhoso 
e pequeno redondo que se fundem com a cápsula, pelo que são considerados 
ligamentos activos (Peat, 1986) (figura II.1). Esses tendões também se 
fundem entre eles numa banda única ao nível da sua inserção distal no 
troquíter, o que faz supor que os efeitos da contracção isolada de um dos 
tendões possa induzir actividade nos outros, numa dinâmica funcional de 
conjunto (Soslowsky, Carpenter, Bucchieri & Flatow, 1997). 
 
 
 
Figura 1 – Orientação dos músculos (1) supra-espinhoso, (2) infra-espinhoso e (3) pequeno redondo na sua função de 
coaptação articular entre a cabeça umeral e cavidade glenóide 
 
O músculo subescapular integra igualmente a coifa dos rotadores como 
um reforço anterior da cápsula da GU, que, em conjunto com os outros 
6 
elementos da coifa (padrões de co-contracção), contribui para a coaptação 
articular e para a centragem da cabeça umeral (Decker, Tokish, Ellis, Torry & 
Hawkins, 2003). 
Superiormente, a articulação GU é coberta por um conjunto osteo-
ligamentar – arco coraco-acromial – constituído pela apófise coracóide, 
acromio e ligamento coraco-acromial, delimitando um espaço reduzido – 
espaço sub-acromial - ocupado por estruturas como o tendão do supra-
espinhoso e a bolsa subacromial. 
Os movimentos e posições da articulação GU, que fazem aproximar o 
troquíter do arco coraco-acromial, tornam as estruturas do espaço sub-acromial 
mais vulneráveis à lesão e a alterações degenerativas. Alguns exemplos 
incluem a excessiva translação superior e anterior da cabeça e uma diminuição 
da amplitude de rotação externa do braço. As alterações da posição da 
omoplata e do seu movimento fisiológico também podem contribuir para essa 
situação. 
Durante os movimentos de abdução, a acção isolada do deltóide, leva a 
cabeça umeral a elevar-se dentro da cavidade glenóide (translacção superior), 
promovendo o conflito sub-acromial mais precocemente e diminuindo a 
amplitude de movimento disponível. A acção conjugada do deltóide com os 
músculos da coifa permite que a cabeça sofra um movimento de translação 
inferior (figura II.2), evitando a subida exagerada da cabeça (Levangie & Norkin, 
2005) e mantendo-a centrada na cavidade glenóide. 
 
 
Figura 2 – Translação inferior da cabeça umeral como resultante da acção conjugada entre o Deltóide e os músculos 
da coifa durante o movimento de abdução do braço. 
7 
 
Este arco pode surgir como um obstáculo ou conflito à passagem do 
troquíter durante os movimentos de elevação do braço, sobretudo se o úmero 
estiver numa posição relativa de rotação interna e/ou os ombros anteriorizados 
(omoplata em protracção). A rotação externa do braço permite, em parte, 
minimizar este conflito ao colocar o troquíter numa posição mais posterior. 
A sincronização dos movimentos articulares e das acções 
neuromusculares envolvidas no funcionamento do CAO implica, como em 
qualquer outro segmento, uma coordenação eficiente assegurada pelo sistema 
neurofisiológico, que estabelece uma interacção permanente entre os factores 
estáticos e dinâmicos envolvidos nas várias articulações que compõem este 
complexo articular. O sentido cinestésico proveniente dos mecano-receptores 
articulares, dos fusos neuromusculares e dos receptores de Golgi (tendões) 
desempenha um papel essencial na regulação da função neuromuscular (tónus 
e coordenação inter-muscular e intra-muscular) pela criação de arcos reflexos 
adequados à estabilização dinâmica, assegurada pelos diferentes músculos 
(Borsa, Timmons & Sauers, 2003; Guanche, Knatt, Solomonow, Lu & Baratta, 
1995) e por uma “gestão” coordenada das suas acções. 
Acrescente-se ainda que o funcionamento da articulação gleno-umeral 
está interdependente do funcionamento das restantes articulações e interfaces 
do CAO. 
 
 
ARTICULAÇÃO EXTERNO-CLAVICULAR (AEC) 
 
É a única ligação óssea do membro superior ao esqueleto axial. É uma 
articulação do tipo duplo-encaixe ou em “sela”, apresentando um disco intra-
articular que permite melhorar a congruência das superfícies articulares 
envolvidas. Esta articulação permite movimentos de pequena amplitude na 
extremidade interna da clavícula mas, devido à sua configuração anatómica e à 
sua relação com a omoplata (articulação acromio-clavicular), estes movimentos 
ganham uma maior amplitude na extremidade externa, para poderem 
acompanhar os movimentos da interface escápulo-torácica. Deste modo, 
descrevem-se os movimentos de elevação/depressão da clavícula e 
8 
protracção/retropulsão em torno de um eixo que passa pela AEC. A clavícula 
sofre ainda um movimento de rotação axial em torno de um eixo longitudinal, 
que permite aumentar a sua ascensão nos movimentos de elevação do braço. 
A estabilidade desta articulação é assegurada pelas estruturas capsulo-
ligamentares, onde se destaca o ligamento interclavicular (une as extremidades 
internas das duas clavículas) e o ligamento costo-clavicular que limita uma 
elevação exagerada da clavícula (Kapandji, 1980). Os movimentos combinados 
de rotação e elevação da clavícula, que participam na elevação do braço 
(qualquer que seja o plano), são designados de “crankshaft effects” (Inman, 
Saunders & Abbott, 1996) 
 
 
ARTICULAÇÃO ACROMIO-CLAVICULAR (AAC) 
 
Apresenta superfícies articulares planas que permitem somente 
pequenos movimentos de deslize. A estabilidade articular é assegurada pela 
cápsula articular, sendo reforçada superiormente pelo ligamento acromio-
clavicular superior e à distância pelos ligamentos coraco-claviculares 
(trapezóide e conóide). 
Em termos absolutos, os movimentos gerados nesta articulação são de 
pequena amplitude, mas é nela que ocorrer a sincronia entre os movimentos da 
omoplata e da clavícula. Durante os movimentos de elevação do braço, os 
ligamentos coraco-claviculares contribuem para o movimento de rotação axial 
da clavícula descrito anteriormente, permitindo compatibilizar o movimento de 
rotação superior da omoplata (interface escápulo-torácica) com a elevação da 
clavícula - fulcro na articulação esterno-clavicular - (Kapandji, 1980). 
 
 
“ARTICULAÇÃO” ou INTERFACE ESCÁPULO-TORÁCICA 
 
Esta articulação, também designada por “falsa articulação” omo-costal 
estabelece uma interface entre a face anterior da omoplata e o tórax, onde se 
interpõem os músculos grande dentado e subescapular. O posicionamento da 
omoplata sobre o tórax (cerca de 30º em relação ao plano frontal) e o controlo 
9 
da sua mobilidade são factores que influenciam o funcionamento de todo o 
membro superior (Mottram, 1997; Mottram, Woledge & Morrissey, 2007). 
A omoplata e a interface escápulo-torácica desempenham diversas 
funções essenciais para o funcionamento do CAO: 
a) a omoplata serve de local de inserção dos principais músculos do 
ombro (músculos da coifa e deltóide, p ex.) e cintura escapular (estabilizadores 
da omoplata, como o trapézio, grande dentado e rombóides são os melhores 
exemplos), possibilitando oferecer uma adequada relação comprimento/tensão 
necessárianas diversas posições do braço (Doody, Freedman & Waterland, 
1970; van der Helm, 1994b); 
b) a posição correcta da glenóide relativamente ao úmero (articulação 
GU) está dependente da posição em que se encontra a omoplata. Essa 
posição condiciona quer o funcionamento dos músculos da coifa no seu papel 
de estabilizadores dinâmicos da GU, quer a localização do centro instantâneo 
de rotação (GU), com repercussões na sua artrocinemática (van der Helm, 
1994a) minimizando os conflitos no espaço subacromial (Kibler, 2006); 
c) o movimento de rotação superior da omoplata durante a elevação do 
braço permite “posicionar” o acrómio de forma a minimizar a possibilidade de 
conflito sub-acromial, sobretudo nos movimentos rápidos e/ou repetitivos com a 
mão acima da cabeça (Kamkar, Irrgang & Whitney, 1993); 
d) o funcionamento desta interface depende igualmente da integridade 
das articulações acromio-clavicular e esterno-clavicular, bem como da sua 
sincronia (Peat, 1986) como será descrito mais à frente. 
 
 
RITMO ESCÁPULO-UMERAL (REU) 
 
A mobilidade e estabilidade do CAO resulta da conjugação dos 
movimentos articulares que se passam sincronizadamente na articulação 
gleno-umeral (a de maior mobilidade de todo o conjunto), nas articulações 
acromio-clavicular e esterno-clavicular, bem como, na interface escápulo-
torácica, num conjunto harmonioso que (Codman, 1934) designou por ritmo 
escápulo-umeral O contributo dos movimentos da omoplata particularmente 
10 
relevantes, uma vez que correspondem a cerca de 1/3 da amplitude total de 
elevação do braço (seja no plano sagital, frontal ou no plano da omoplata). 
Classicamente, Codman (1934) descreveu este ritmo com um ratio 
constante entre os movimentos do úmero sob a glenóide (cerca de 2/3 do 
movimento total – 120º em 180º) e da omoplata sobre o tórax (1/3 do 
movimento na articulação escápulo-torácica) desde o início da elevação do 
braço (ver figura II.3). 
 
 
 
Figura II.3 – Ritmo escápulo-umeral: sincronia desde o início da elevação do braço entre os movimentos de rotação 
superior da omoplata e de elevação da clavícula (A e B) e os movimentos do úmero (C). 
 
 
No entanto, sabemos hoje que esse ratio não é consensual entre os 
diferentes estudos, nem uniforme ao longo dos diversos arcos de amplitude, e 
varia consoante os planos em que é feito (sagital, coronal ou no plano da 
omoplata), a velocidade de execução e ainda com a presença de carga externa 
ou resistência (Bagg & Forrest, 1988; Doody, Freedman & Waterland, 1970; 
Michiels & Grevenstein, 1995; Poppen & Walker, 1976; Saha, 1971). Apesar 
dessas diferenças, tem sido consensual uma participação relativa da escápulo-
torácica nos movimentos de elevação do braço (contributos complementares 
do par articular acromio-clavicular/esterno-clavicular) em cerca de 1/3 do total 
do movimento (Mottram, 1997). 
 
11 
Podem-se descrever quatro fases deste REU: 
a) fase 1 ou setting phase - Durante os primeiros 60º de flexão e 
30º de abdução (Dvir & Berme, 1978; Inman, Saunders & 
Abbott, 1996) a omoplata precisa de uma posição de 
estabilidade em relação ao úmero, orientação dinâmica da 
glenóide, assegurada pelos seus estabilizadores (rombóides, 
trapézio e grande dentado), fornecendo uma plataforma 
estável para os músculos que actuam na GU. A maior 
participação em termos de mobilidade nesta fase é, 
precisamente, da articulação GU (Inman, Saunders & Abbott, 
1996), através da acção dos músculos deltóide e supra-
espinhoso (Bagg & Forrest, 1988). Também ocorre uma ligeira 
elevação da clavícula num movimento cujo fulcro se situa na 
AEC. 
 
b) Fase 2 – caracteriza-se por uma maior participação da 
articulação omo-costal através da rotação superior da 
omoplata (que atinge os seus valores relativos mais elevados 
entre os 80º e 140º de abdução do braço), associada 
igualmente a uma elevação da extremidade externa da 
clavícula (movimento na articulação esterno-clavicular) que no 
final do movimento é limitada pelo estiramento do ligamento 
costo-clavicular. Os movimentos realizados na omoplata e na 
clavícula são feitos pela acção sincronizada e simultânea do 
trapézio superior/trapézio inferior e grande dentado (Bagg & 
Forrest, 1986). Na GU continuam em actividade, embora com 
menor participação, o deltóide e supra-espinhoso (Doody, 
Freedman & Waterland, 1970); 
 
c) Fase 3 – é uma fase em que a elevação do braço (sobretudo 
no plano frontal e no plano da omoplata) é acompanhada por 
uma rotação externa do úmero (Gagey, Bonfait, Gillot & Mazas, 
1988), apesar de esta já se ter iniciado por volta dos 80º/100º 
de abdução do braço para minimizar o potencial conflito sub-
12 
acromial. Por outro lado, é nesta fase que se atinge a maior 
amplitude de rotação superior da omoplata (em que o centro 
instantâneo de rotação passa da raiz da espinha da omoplata 
para a articulação acromio-clavicular) mantendo-se activos e 
coordenados os músculos trapézio (superior e inferior) e 
grande dentado. A extremidade externa da clavícula poderá 
ainda sofrer uma ligeira elevação à custa de uma rotação axial 
com fulcro na AEC. 
 
d) Fase 4 – etapa final do movimento de elevação do braço já 
com reduzida participação, em termos de mobilidade, das 
articulações quer da omoplata quer da clavícula, apesar de se 
manter a actividade dos músculos descritos anteriormente 
(Bagg & Forrest, 1988). 
 
Podemos sintetizar os argumentos funcionais e mecânicos de um REU 
fisiológico na actividade do CAO em termos de se assegurar uma estabilidade 
dinâmica a todo conjunto: 
* Manter a glenóide na posição ideal para receber a cabeça, contribuindo 
para o binómio mobilidade/estabilidade articular da GU e na centragem 
dinâmica da cabeça em todas as posições. 
* Manter uma relação de comprimento/tensão óptima dos músculos da 
omoplata que actuam no úmero - músculos da coifa dos rotadores 
(estabilizadores dinâmicos da GU) e deltóide. 
* Retirar o acrómio do trajecto da cabeça/troquíter para minimizar as 
situações de potencial conflito subacromial; 
* Sincronizar os movimentos das diferentes articulações sob a acção dos 
diferentes músculos numa coordenação neuromuscular. 
 
Nos movimentos e gestos com a mão acima da cabeça a manutenção 
da estabilidade da GU é um processo complexo, que envolve a coordenação 
de diversas estruturas músculo-esqueléticas e neuro-sensoriais do CAO. O 
movimento sincronizado entre úmero, omoplata e clavícula, traduzido no ritmo 
13 
escápulo-umeral, constitui um mecanismo fundamental que contribui para um 
equilíbrio entre a mobilidade funcional e a estabilidade articular regional. 
Numa perspectiva clínica, o REU tem sido considerado como um 
indicador fiável de análise da qualidade do movimento e da função do ombro 
(McQuade, Dawson & Smidt, 1998; McQuade, Shelley & Cvitkovic, 1999). 
Praticamente todas as patologias e/ou disfunções do ombro, do arco 
coracoacromial, da clavícula e omoplata traduzem-se na alteração do ritmo 
escápulo-umeral, concretizada numa alteração dos padrões de recrutamento 
motor com compensações e substituições diversas. 
Num sentido mais alargado, o ombro e a cintura escapular integram-se 
numa cadeia cinética de movimento que vai dos membros inferiores até à mão, 
incluindo a coluna cervico-torácica e lombo-sagrada, como segmentos 
funcionais que também influenciam a actividade do CAO. Por exemplo, os 
estudos efectuados por (Hodges & Richardson, 1997) mostraram que os 
movimentos do ombro são precedidos de activação dos músculos pélvicos. 
Os estudos citados atrás suportam a necessidade de um controlo 
postural eficiente quer do tronco (músculos posturais), quer da omoplata 
(músculos escápulo-torácicos) para um funcionamento eficiente do CAO. 
 
 
Pontos-chave a reter: 
 
- A fisiologia do complexo articular do ombro requer a participação 
coordenada e complementar de estruturas articulares e músculo-tendinosas 
dosdiferentes segmentos. 
- A “gestão” dos diferentes graus de liberdade (mobilidade) num contexto 
de segurança e risco controlado (do segmento corporal com maior mobilidade 
do corpo) exige a interdependência de factores de estabilidade quer estáticos 
quer dinâmicos, locais e regionais, envolvendo padrões de recrutamento motor. 
- A análise e avaliação do desempenho funcional do ritmo escapulo-
umeral durante os movimentos de elevação do braço podem ser excelentes 
indicadores da participação específica de cada um dos elementos para na 
função global do CAO. 
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- A limitação funcional e/ou a disfunção de um dos segmentos articulares 
que constitui o CAO reflecte-se em todo o conjunto funcional comprometendo a 
sua eficiência. 
- A estabilidade da omoplata como plataforma-base para funcionamento 
dos restantes músculos é determinante para a fisiologia da cintura escapular. 
Essa estabilidade depende do equilíbrio e coordenação na actividade entre os 
músculos escapulo-toracicos (par trapézio superior/grande dentado e trapézio 
inferior) e músculos da coifa dos rotadores. 
- A centragem dinâmica da cabeça umeral (qualquer que seja a posição 
articular do ombro) é o resultado da sincronia referida no ponto anterior. 
 
Conclusão 
 
A análise funcional, através dos conhecimentos actuais das ciências 
básicas como a biomecânica e a neurofisiologia, deve dar aos diferentes 
profissionais (médicos, cirurgiões, fisioterapeutas), que lidam com as 
disfunções do CAO, ferramentas e instrumentos quer de avaliação quer de 
intervenção mais credíveis e fundamentados. 
A integração e aplicação em contexto clínico de escalas de avaliação 
funcional, por modelos de análise do movimento traduzindo o comportamento 
das estruturas anatómicas em situações reais deverá ser um objectivo a 
aprofundar por todos os profissionais, pelo que se torna necessário 
conhecerem melhor os seus fundamentos cinesiológicos 
 
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