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E-book 1 JOGOS, BRINCADEIRAS, CULTURA E ARTE Agda Malheiro Ferraz De Carvalho Neste E-book: INTRODUÇÃO ���������������������������������������������� 3 HISTÓRIAS DA INFÂNCIA E DO BRINCAR �������������������������������������������������������4 CULTURA E PRODUÇÃO ARTÍSTICA ���� 6 TEMPOS DE INFÂNCIAS ���������������������������11 CONSIDERAÇÕES FINAIS ����������������������27 SÍNTESE �������������������������������������������������������28 Histórias Da Infância E Do Brincar 2 E-book 1 INTRODUÇÃO Para iniciar esta disciplina, é importante que você defina com clareza dois conceitos: o de infância e o de brincar. Cada um de nós dará um sentido para esses conceitos, baseando-se nas nossas próprias vivências, nos eventos de nossas vidas que nos mar- caram e em lembranças, sejam elas boas ou não. No entanto, para além das suas opiniões, é preciso que você, estudante de Pedagogia, tenha também uma compreensão que se apoie em conceitos científicos, em teorias da nossa área de atuação: a Educação. Em breve, trataremos desses conceitos científicos. Por enquanto, ouça o áudio a seguir. Podcast 1 3 https://famonline.instructure.com/files/47652/download?download_frd=1 HISTÓRIAS DA INFÂNCIA E DO BRINCAR O lazer e a recreação são exemplos de ações prazero- sas que permeiam a condição humana, sendo assim, jogos e brincadeiras podem e devem ser utilizados no âmbito escolar. Essa ideia de trazer o lúdico para dentro da escola é relativamente nova e acompanha os fatores históri- cos do conceito de infância. E essa ideia de brincar na escola está atrelada à visão de criança como pro- tagonista do processo de ensino-aprendizagem. Estar e ser criança, atuando como estudante, durante a maior parte da história da humanidade, foi entendido como sinônimo de ser apenas ouvinte, apenas um ser pacífico, sem poder ser atuante. Quando o aluno é entendido e enxergado como protagonista – e as- sim sujeito de sua aprendizagem –, entende-se que estudar não é para ser um fardo e penoso. De acordo com documentos oficiais, como as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI, Resolução CNE/CEB nº 5/2009), criança é: [...] sujeito histórico e de direitos, que, nas in- terações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, ques- tiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. 4 O mesmo documento registra que há dois eixos es- truturantes na Educação Infantil: a interação e a brin- cadeira. Com isso, temos a certeza de dois pontos. O primeiro é que a aprendizagem não ocorre sem a relação de um ser humano com outras pessoas e com o meio do qual faz parte, por isso que a “inte- ração” é identificada nesse documento. O outro ponto indica que por meio do “brincar” a criança aprende. Isso não ocorre apenas com crian- ças que frequentam a Educação Infantil, haja vista que, mesmo antes de entrar na escola, as crianças brincam sozinhas, com adultos, com outras crianças, com animais de estimação e, ao passar para a próxi- ma etapa da escolarização – o Ensino Fundamental –, permanecem brincando. Então é preciso que se compreenda que abordaremos o brincar em duas eta- pas da escolarização, a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, e que brincar ultrapassa os muros da escola, sendo uma condição humana que permite e possibilita aprendizagem e desenvolvimento. Figura 1: Interação professora-alunos. Fonte: Pressfoto / Freepik. 5 https://br.freepik.com/fotos-gratis/professor-feliz-de-ouvir-seus-alunos_863620.htm CULTURA E PRODUÇÃO ARTÍSTICA Figura 2: Jogos infantis, Pieter Bruegel, 1560. Fonte: Wikimedia. A pintura “Jogos Infantis”, datada de 1560, do pintor Pieter Bruegel, retrata cerca de 200 pessoas utilizan- do mais de 80 jogos, alguns dos quais conseguimos identificar nas nossas lembranças, como cabo de guerra, esconde-esconde, bonecas, aros semelhantes aos bambolês, pião e bolhas de sabão. As brincadei- ras e os jogos são passados por comunicação oral, de geração para geração, mantendo-se, ou passando por algumas alterações através do tempo. Os brinquedos e os jogos reproduzem o que se está vivendo em uma época, por meio de brincadeiras simbólicas. Isso ocorre porque, principalmente as 6 https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/ff/Pieter_Bruegel_d._Ä._041.jpg crianças, reproduzem, imitando, o que ocorre no mundo adulto, no mundo ao seu redor. Ao imitar e reproduzir, a criança aprende. Fique Atento O termo brincadeiras simbólicas (ou jogos sim- bólicos) diz respeito à representação física, uti- lizando o corpo, com base no pensamento e na imaginação. É a forma como a criança cria um universo imaginário e pode representar seus sen- timentos, desejos e intenções. A capacidade de planejar e executar também está incluída na brin- cadeira simbólica. Há uma ordenação de ideias. São exemplos de brincadeiras simbólicas: brin- car de Casinha (imitando papéis de mãe ou pai), brincar de Escola (imitando papéis de professor e aluno), brincar de Bombeiro, imitando essa ou muitas outras profissões. A criança, na brincadei- ra simbólica, cria a partir do que ela já presenciou, ouviu e tem guardado em sua memória, podendo transcender nas atitudes e papéis. No caso da brincadeira simbólica, o objeto per- de seu valor em si e passa a estar em função daquilo que a criança representa no momento. Por exemplo, pedrinhas podem representar coisas para comer. Os símbolos usados são individuais e específicos de cada criança e de cada situação (CÓRIA-SABINI, 2015). 7 Vamos nos apoiar na teoria vygotskiana para com- preender melhor como sujeito (no caso, a criança) e cultura se constituem mutuamente. A arte é a atividade humana conectada às manifes- tações de ordem comunicativa e estética. Assim como a brincadeira é um dos fatores que nos carac- teriza humanos, pois nelas (arte e brincadeira) estão presentes e se constituem as funções psicológicas superiores, que são funções aprendidas, em que o indivíduo ao se relacionar com a cultura se apropria a seu modo – isto é, a partir de como significa – daqui- lo que fora produzido pela humanidade (REGO, 1995). Antes de desenvolver as funções psicológicas supe- riores (linguagem, criatividade, memória, controle de conduta, imaginação – entre outras), os sujeitos já possuem as funções psicológicas elementares, que são, basicamente, reflexos, não são intencionais, como sugar, fechar os olhos diante de luz intensa e assustar com um barulho. Diferentemente das fun- ções psicológicas superiores, as funções psicológi- cas elementares não precisam de um processo de aprendizagem para existirem. Vygotsky, em sua teoria, parte do princípio que há duas vias para a constituição do desenvolvimento humano; uma delas é a biológica e a outra é a cul- tural. Para esse teórico, as funções psicológicas superiores têm origem cultural. São elas a base do desenvolvimento. 8 Lev S. Vygotsky Figura 3: Lev S. Vygotsky Fonte: Elaboração própria. Dentre as funções psicológicas superiores citadas acima, a linguagem é a que tem um papel primordial e que propulsiona aprendizagem e desenvolvimento e é a partir do momento que a criança adquire linguagem verbal que seu pensamento fica mais elaborado, com outras propriedades. Ao observarmos um bebê que ainda não fala, verificamos que sua forma de brincar é apoiada na manipulação de objetos, muitas vezes. A partir do momento que a criança fala, a brinca- deira ganha novos elementos, um novo tempo de permanência e novas possibilidades de criação. A linguagem, então, é mediadora da capacidade de abstração. Para Vygotsky, definir o brincar exclusivamen- te como atividade que dá prazer é incorreto por duas razões: em primeiro lugar há muitas atividades que dão prazer mais intenso, para 9 a criança, do que o brincar: em segundo lugar, há jogos cuja própria natureza não é sempre agradável,como, por exemplo, os jogos des- portivos, em que há desprazer quando o re- sultado final é desfavorável. (CÓRIA-SABINI, 2015). Com isso, pode-se também interpretar que não é adequado identificar a infância como uma época em que as crianças não têm problemas ou sentimentos que as frustram. É necessário entender que as crian- ças produzem sentimentos que vão ao encontro da experiência e vivência de seus cotidianos. Saiba Mais Para refletir sobre a história da infância brasileira e saber mais sobre como a cultura imprime uma forma de desenvolvimento na infância, compon- do formas de ser, estar e agir no mundo, assis- ta ao vídeo disponível em https://www.youtube. com/watch?v=FtMBx5P7FGI, que traz o relato de Roni Wasiry Guará, contando o que é ser criança no Povo Maraguá, no Estado de Amazonas. 10 TEMPOS DE INFÂNCIAS Entende-se, então, que a criança, representando em suas brincadeiras sua realidade, está produzindo cultura, está demonstrando, ali na brincadeira, o co- nhecimento humano acumulado que se forma no tempo e no espaço. Saiba Mais Museus são instituições que servem à humani- dade por armazenar um número de materiais que trazem consigo a História. Vale a pena conhecer dois museus que têm em seus acervos brinque- dos dos mais variados. Acesse os sites de dois museus de brinquedos: Museu do Brinquedo de Belo Horizonte http:// www.museudosbrinquedos.org.br. Museu da Educação e do Brinquedo http://www. meb.fe.usp.br. 11 http://www.museudosbrinquedos.org.br http://www.museudosbrinquedos.org.br http://www.meb.fe.usp.br. http://www.meb.fe.usp.br. Vamos observar e comparar as imagens abaixo: Figura 4: Boneca 1. Fonte: Wikimedia. Figura 5: Boneca 2. Fonte: Unsplash. 12 https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Museu_do_Brinquedo_Português-Boneca.JPG https://unsplash.com/photos/CKnTmPiTDMs Facilmente é possível perceber qual boneca é mais antiga e qual boneca é mais recente. Com isso, te- mos um exemplo de como os brinquedos mudam e refletem um determinado tempo histórico. Na história da humanidade, é sabido que o brinque- do já teve uma relação com objetos religiosos. Uma curiosidade é que os chocalhos eram dados aos bebês porque acreditava-se que quando a criança o agitava e o som era emitido, espantava-se os maus espíritos. Os historiadores dos brinquedos e os cole- cionadores de bonecas e de brinquedos em miniatura sempre tiveram muita dificuldade em distinguir a boneca, brinquedo de criança, de todas as outras imagens e estatuetas que as escavações nos restituem em quantidades semi-industriais e que sempre tinham uma sig- nificação religiosa: objetos de culto doméstico ou funerário, ex-votos dos devotos de uma peregrinação etc. Quantas vezes nos apre- sentavam como brinquedos as reduções de objetos familiares depositados nos túmulos? Não pretendo concluir que as crianças peque- nas de outrora não brincavam com bonecas ou com réplicas dos objetos dos adultos, mas elas não eram as únicas a se servir dessas réplicas. Aquilo que na Idade Moderna se tor- naria seu monopólio, ainda era partilhado na Antiguidade, pelo menos pelos mortos. Essa ambiguidade da boneca e da réplica persistiu 13 durante a Idade Média, por mais tempo ainda no campo: a boneca era também o perigoso instrumento do feiticeiro e do bruxo. (ARIÈS, 1981, p. 90) Com a Revolução Industrial, os brinquedos passaram a ser produzidos em larga escala. Não eram mais feitos um a um: eram réplicas. E com a criação de mais brinquedos, cria-se a necessidade de consumo, o que torna as crianças consumidores em potencial. No Brasil, atualmente, podemos verificar, inclusive, o abismo e a desigualdade social, observando quais são os brinquedos das crianças, nas diferentes clas- ses sociais e, ainda, se as crianças brincam e com quais brinquedos – quando os têm. Saiba Mais Há um excelente documentário sobre consumo praticado por crianças e suas famílias. O nome dele é Criança, a alma do negócio. A diretora, Es- tela Renner, apresenta como a mídia e uma socie- dade pautada no consumo impacta nos hábitos e desejos de crianças e adolescentes.Acesse-o em: https://www.youtube.com/watch?v=ur9lIf4RaZ4 Ao jogar e brincar, a criança estabelece vínculos so- ciais. Umas das diferenças entre jogo e brincadeira: o jogo tem regras pré-estabelecidas, e na brincadeira é a criança quem desenvolve e estabelece as regras, durante o tempo que está nela. Outro fator impor- 14 https://www.youtube.com/watch?v=ur9lIf4RaZ4 tante é desmitificar que, enquanto brinca e joga, a criança está “em um mundo só seu, em um mundo particular”. Isso não é verdade, pois, ao brincar e jogar, a criança está resgatando, produzindo e repro- duzindo a história da humanidade. Reflita A Professora Fabiana trabalha em uma escola da rede particular de ensino, em uma capital brasilei- ra, e, neste ano, leciona para crianças do 1º ano do Ensino Fundamental, ou seja, seus alunos e alunas têm, em média, seis anos de idade. Tra- dicionalmente, nesta escola, as sextas-feiras são o “Dia do Brinquedo”, em que cada criança pode trazer de casa um brinquedo, da sua escolha e com permissão dos pais, para brincar na escola. Observando as crianças ao longo dos meses, a Professora Fabiana nota que elas trazem brin- quedos muito parecidos: as meninas trazem bo- necas industrializadas, que “falam” e possuem muitos acessórios e os meninos trazem bonecos de super-heróis, comumente retratados no cine- ma. As brincadeiras das crianças são feitas em pequenos grupos e eles “dão vida” para esses bo- necos e bonecas, com diálogos e enredos. A educadora pensou e planejou uma ativida- de diferente, orientando as crianças a não tra- zerem brinquedos na sexta-feira que se apro- ximava; as crianças se queixaram, mas ela disse que iriam fazer um dia do brinquedo 15 fora do comum, pois iriam construir seus pró- prios brinquedos. Qual foi a proposta de Fa- biana? Confeccionar uma boneca Abayomi! Essas bonecas são feitas de tecido, sem nenhu- ma costura, apenas com laços e nós, moldando o corpo. A professora contou a história desta bone- ca: quando mulheres de certa etnia africana eram trazidas para o continente americano para serem escravizadas, elas vinham, muitas vezes, com seus filhos e filhas no navio e as crianças cho- ravam e se entristeciam naquele ambiente vul- nerável. Para tranquilizar os pequenos, as mães rasgavam pedaços de suas próprias roupas e confeccionavam as bonecas Abayomis. A turma de crianças do 1º ano ficou feliz e sa- tisfeita com o brinquedo construído, participando com interesse e o mais importante: aprenderam sobre história e cultura. Figura 6: Boneca Abayomi. Fonte: Wikimedia. 16 https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/13/Abayomi.jpg Brincar e jogar são verbos, indicativos de uma ação e, em cada cultura, ou ainda em cada língua, encontra- remos diferentes definições para esses dois termos, por isso, aqui no texto, não se pretende “fechar” uma definição, mas sim, possibilitar que você, estudante de Pedagogia, conheça um bom número de conceitos dessas ações lúdicas, o que ajudará você na com- posição de um bom planejamento e que a educação cumpra um de seus papéis, que é fazer os estudan- tes, que serão seus alunos, aprenderem. A brincadeira proporciona condições de desenvol- vimento biopsicossocial e brincar, na maioria das vezes, pode ser aprendido, sendo que a frequência ou a repetição de uma brincadeira deve permitir a fixação do conhecimento que está sendo lançado. Quando está brincando e assume outro papel, a criança está realizando um deslocamento para re- presentar outro papel e pode realizar um “ensaio” da função da pessoa que está representando. No início da brincadeira, não se planeja como ela vai terminar, ela tem um fim em si mesma e diversos enredos podem surgir, dependendo de quantas crianças es- tão envolvidas ou como está o desenvolvimento e o conhecimento de mundo. Algumas brincadeiras precisam de instrumentos (objetos) para serem realizadas.Esses são os brin- quedos! É o material que dá suporte à brincadeira e pode ter um valor e uma função em cada cultura e em cada tempo determinado. Antigamente, era muito comum crianças brincarem com espigas de 17 milho, como se fossem bonecas, animais ou carri- nhos. Atualmente, é difícil encontrarmos uma criança utilizando esse material nas grandes cidades, pois há novos materiais que realizam essa função, como miniaturas, por exemplo. Mais uma vez, a questão da cultura é influenciadora da forma como as crianças criam suas representações. Figura 7: Crianças brincando no balanço, aparelho recreativo presente em diversas culturas. Fonte: Unsplash. Tendo uma função simbólica, pois as crianças os transformam a cada brincar, os brinquedos assumem diferentes papéis mediante a ação da criança. Uma panela pode ser realmente uma panela e a criança imitar que está cozinhando, ou pode ser um cha- péu (lembra do personagem Menino Maluquinho, do Ziraldo?). 18 https://unsplash.com/photos/CKnTmPiTDMs Figura 8: Fotografia de atores do filme O Menino Maluquinho. Fonte: Wikimedia. O jogo, assim como a brincadeira, coloca a criança em uma suposição, em uma situação hipotética, ele tem regras claras e bem definidas, além de que essas regras não são definidas ao longo da ação lúdica; já se sabe quando vai terminar o prazo do jogo. Ao dominar e compreender uma regra, está regulando o próprio comportamento. Os brinquedos também podem ser utilizados nos jogos, não apenas nas brin- cadeiras, pois representam o simbólico. Pensemos no caso do jogo. Trata-se de uma experiência que só ocorre em um contexto de trocas – do sujeito com os objetos, as regras e as outras pessoas que fazem parte deste sistema lúdico. Objetivos, regras, objetos es- truturam física ou simbolicamente o sistema jogo. Mas, sua ‘vida’ como objeto sociocultu- 19 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?search=menino+maluquinho&title=Special%3ASearch&go=Ir&uselang=pt-br#/media/File:Maluquinhos_e_Eduardo_Galv%C3%A3o.jpg ral só acontece se as pessoas o jogarem, ou seja, assimilarem ou acomodarem suas ações (ou melhor, seus esquemas de ações), nos limites de suas estruturas cognitivas e inte- resses afetivos. Sem a noção de um jogador é impossível ou sem sentido a do outro. Ou seja, só temos jogo se peças são movimenta- das, mudam de posições, se uma partida se desenvolve, concluindo com um ganho e uma perda (MACEDO, 2009). Figura 9: Jogos com regras exigem a elaboração de estratégias. Fonte: Unsplash. Veja uma pequena lista para exemplificação de brin- quedos, jogos e brincadeiras (nos próximos tópicos serão abordadas variações desta tabela): 20 https://unsplash.com/photos/CKnTmPiTDMs BRINQUEDOS JOGOS BRINCADEIRAS Bola Dominó Casinha* Corda Dama Escola Bicicleta Ludo Heróis e heroínas Chocalho Xadrez Polícia e ladrão Fantasias Queimada Escritório Bonecos Barra-manteiga Motorista Tabela 1: Tabela com exemplificações de brinquedos, jogos e brin- cadeiras. *a palavra (brincadeira) está no diminutivo por ser culturalmente conhecida por esse nome. Porém não é adequado impor palavras no diminutivo no diálogo adulto/criança. Sendo assim, há diferenças nítidas entre o brinquedo, a brincadeira e o jogo, mas eles, como atividades lúdicas, não fazem parte exclusivamente do universo infantil. As atividades lúdicas acompanham o ser humano ao longo da vida. No adulto, elas podem significar um momento de escape da realidade, o que não é ruim. Podcast 2 Pode-se afirmar que a maneira como o ser huma- no brinca e joga está relacionada à forma como a sociedade se apresenta para ele e como ele a inter- preta. Os professores devem atuar, no período de 21 https://famonline.instructure.com/files/47653/download?download_frd=1 escolarização, em duas frentes: observando esses momentos e interagindo com quem brinca e joga. O brincar livre é pouco valorizado na sociedade atual, principalmente quando é proposto no cotidiano das escolas, pois, no senso comum, é algo que não pro- porciona aprendizado e traz uma ideia de ócio. No conceito científico da Pedagogia e de outras ciências, sabe-se da importância do brincar, como parte do cuidar e do educar. A ludicidade está relacionada à arte, à música, à dan- ça... E vai para além da infância. É uma atividade própria do ser humano, em qualquer idade, e dá acesso ao conhecimento e à criatividade. O adulto de hoje contém a criança de ontem, ou seja, carrega as memórias, o conhecimento, a cultura e o modo de compreender a vida que, quando criança, lhe fazia sentido. Esse saber se transforma, mas não deixa de existir quando uma criança se torna adulto. Leia e pense um pouco sobre a letra da música Saiba, de autoria de Arnaldo Antunes: Saiba: todo mundo foi neném Einstein, Freud e Platão também Hitler, Bush e Sadam Hussein Quem tem grana e quem não tem Saiba: todo mundo teve infância Maomé já foi criança Arquimedes, Buda, Galileu 22 E também você e eu Saiba: todo mundo teve medo Mesmo que seja segredo Nietzsche e Simone de Beauvoir Fernandinho Beira-Mar Saiba: todo mundo vai morrer Presidente, general ou rei Anglo-saxão ou muçulmano Todo e qualquer ser humano Saiba: todo mundo teve pai Quem já foi e quem ainda vai Lao Tsé Moisés Ramsés Pelé Ghandi, Mike Tyson, Salomé Saiba: todo mundo teve mãe Índios, africanos e alemães Nero, Che Guevara, Pinochet E também eu e você 23 Figura 10: Arnaldo Antunes, cantor e compositor. Fonte: Wikimedia. Os personagens da música fazem parte da história da humanidade e deixaram marcas em seu tempo; os conhecemos pela mídia, pelos livros de História, pelas narrações das pessoas com quem convivemos. Você pode imaginar essas pessoas enquanto crian- ças? Como foi a infância delas, do que brincaram, quem foram seus pares nas brincadeiras? Atente-se: as crianças não nascem sabendo, e constroem sua maneira de agir e de se posicionar mediados pela cultura e pelos modelos que vivenciaram. As expe- riências pessoais são a base do que nos tornamos enquanto adultos. Analise agora mais uma letra de música que colabora para realizar a articulação entre teoria (conceitos do 24 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?search=File%3AArnaldo+Antunes.jpg&title=Special%3ASearch&profile=advanced&fulltext=1&advancedSearch-current=%7B%22namespaces%22%3A%5B6%2C12%2C14%2C100%2C106%2C0%5D%7D&ns6=1&ns12=1&ns14=1&ns100=1&ns106=1&ns0=1&uselang=pt-br#/media/File:Arnaldo_Antunes.jpg brincar e jogar) e a prática (como atua nas formas de constituição do sujeito): Bola de meia, bola de gude (Fernando Brant e Milton Nascimento) Há um menino, há um moleque Orando sempre no meu coraçãoToda vez que o adulto balança Ele vem pra me dar a mão Há um passado no meu presente O sol bem quente lá no meu quintal Toda vez que a bruxa me assombra O menino me dá a mão Ele fala de coisas bonitas que Eu acredito que não deixarão de existir Amizade, palavra, respeito Caráter, bondade, alegria e amor Pois não posso, não devo Não quero viver como toda essa gente insiste em viver Não posso aceitar sossegado Qualquer sacanagem ser coisa normal 25 Bola de meia, bola de gude O solidário não quer solidão Toda vez que a tristeza me Alcança o menino me dá a mão Em uma perspectiva histórica e cultural, a atividade lúdica possui formas de manifestação ao longo do tempo de vida. Promover uma infância rica em me- mórias afetivas, cognitivas, motoras e sociais cola- bora e proporciona uma vida adulta em que esses conhecimentos podem ser aplicados. Figura 11: Crianças e jovens desenvolvem atividades lúdicas. Adultos também! Fonte: Unsplash. 26 https://unsplash.com/photos/CKnTmPiTDMs CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste tópico, você aprendeu mais sobre como as crianças se formam na e pela cultura, também como a arte é constituinte do humano, independentemente do gênero, da religião ou do território que ocupa. E que há uma diferença entre jogo e brincadeira, que basicamente é caracterizada pela presençade re- gras pré-definidas (jogo) ou ausência de regras pré- -definidas (brincadeira). O brincar faz parte da nossa história como civilização: desde sempre o humano brinca e cria objetos para oferecer uma base para o brincar. Não podemos esquecer que o lúdico está presente nas nossas vidas, sejamos crianças, jovens ou adul- tos. A ação da docência deve estar permeada pelo brincar e jogar: isso é educação em movimento! A partir do que foi visto neste tópico, a produção de conhecimento acerca da infância e de suas manifes- tações abarca o lugar social que a criança, o jovem e o adulto “brincante” ocupam em relação aos outros. No caso da Pedagogia, esse “outro” são muitos: o professor e os demais profissionais de Educação que trabalham em escolas, que modelam formas de interação em que o lúdico precisa ir ao encontro dos objetivos e metas estabelecidos para o desen- volvimento dos sujeitos. 27 SÍNTESE • O termo “brincante” relaciona-se aquele que brinca e todos podem brincar. • Diversos autores explicam a diferença entre brinquedos, brincadeiras e jogos e é necessário que o pedagogo saiba essas diferenças para obter uma prática pedagógica que conduza à aprendizagem; • A indústria produz brinquedos em série e, at- ravés da mídia e de marketing, condicionam as crianças a querer tê-los, sendo assim, há uma indústria voltada para a infância e seu consumo; • Segundo Vygotsky, o meio social impulsiona o desenvolvimento dos sujeitos e a escola tem lugar e função fundamental nisso, sendo que o jogo e a brincadeira são formas de a escola possibilitar aquisição de conhecimento e competências; • No senso comum, diz-se que “a criança vive no mundo da fantasia” e a teoria nos mostra que isso pode ser compreendido como jogo simbólico; • Os brinquedos reproduzem o que se está vi- vendo em uma época e é diferente, dependendo do acesso que a criança e sua família têm de aquisição dos bens materiais; • No âmbito escolar, nem sempre as brincadei- ras e os jogos tiveram vez no Brasil, mas, de décadas para cá, o Ministério da Educação tem indicado e garantido sua importância; E-book 1 • A forma como o lúdico, incluindo o prazer em brincar, é constituinte das expressões humanas através dos tempos históricos e em todas as culturas, tendo manifestações diversas a de- pender do território, da época, da língua e da forma de viver das pessoas; HISTÓRIAS DA INFÂNCIA E DO BRINCAR Referências Bibliográficas & Consultadas ARIÈS, PHILIPPE. 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