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JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS PROFESSORA Dra. Paula Marçal Natali 2 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Coordenador(a) de Conteúdo Mara Cecilia Rafael Lopes, Projeto Gráfico José Jhonny Coelho, Editoração Humberto Garcia da Silva, Designer Educacional Lilian Vespa, Qualidade Textual Hellyery Agda, Revisão Textual Cíntia Prezoto Ferreira, Ilustração Bruno Pardinho, Fotos Shutterstock. C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; NATALI, Paula Marçal. Jogos, Brinquedos e Brincadeiras. Paula Marçal Natali. Maringá - PR.:UniCesumar, 2018. Reimpresso em 2021. 172 p. “Graduação em Educação Física - EaD”. 1. Jogos e Brincadeiras . 2. Educação. 3. EaD. I. Título. ISBN 978-85-459-0946-0 CDD - 22ª Ed. 701.1 CIP - NBR 12899 - AACR/2 NEAD Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 DIREÇÃO UNICESUMAR Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho, Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva, Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin, Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi. NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon, Diretoria de Graduação Kátia Coelho, Diretoria de Pós-Graduação Bruno do Val Jorge, Diretoria de Permanência Leonardo Spaine, Diretoria de Design Educacional Débora Leite, Head de Curadoria e Inovação Tania Cristiane Yoshie Fukushima, Gerência de Processos Acadêmicos Taessa Penha Shiraishi Vieira, Gerência de Curadoria Carolina Abdalla Normann de Freitas, Gerência de Contratos e Operações Jislaine Cristina da Silva, Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia, Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey, Supervisora de Projetos Especiais Yasminn Talyta Tavares Zagonel Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para liderança e solução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho. Cada um de nós tem uma grande responsabilidade: as escolhas que fizermos por nós e pelos nossos fará grande diferença no futuro. Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar assume o compromisso de democratizar o conhecimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros. No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” –, o Centro Universitário Cesumar busca a integração do ensino-pesquisa-extensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consciência social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade. Diante disso, o Centro Universitário Cesumar almeja ser reconhecida como uma instituição universitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; consolidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrativa; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relacionamento permanente com os egressos, incentivando a educação continuada. Wilson Matos da Silva Reitor da Unicesumar boas-vindas Prezado(a) Acadêmico(a), bem-vindo(a) à Comunidade do Conhecimento. Essa é a característica principal pela qual a Unicesumar tem sido conhecida pelos nossos alunos, professores e pela nossa sociedade. Porém, é importante destacar aqui que não estamos falando mais daquele conhecimento estático, repetitivo, local e elitizado, mas de um conhecimento dinâmico, renovável em minutos, atemporal, global, democratizado, transformado pelas tecnologias digitais e virtuais. De fato, as tecnologias de informação e comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, lugares, informações, da educação por meio da conectividade via internet, do acesso wireless em diferentes lugares e da mobilidade dos celulares. As redes sociais, os sites, blogs e os tablets aceleraram a informação e a produção do conhecimento, que não reconhece mais fuso horário e atravessa oceanos em segundos. A apropriação dessa nova forma de conhecer transformou-se hoje em um dos principais fatores de agregação de valor, de superação das desigualdades, propagação de trabalho qualificado e de bem-estar. Logo, como agente social, convido você a saber cada vez mais, a conhecer, entender, selecionar e usar a tecnologia que temos e que está disponível. Da mesma forma que a imprensa de Gutenberg modificou toda uma cultura e forma de conhecer, as tecnologias atuais e suas novas ferramentas, equipamentos e aplicações estão mudando a nossa cultura e transformando a todos nós. Então, priorizar o conhecimento hoje, por meio da Educação a Distância (EAD), significa possibilitar o contato com ambientes cativantes, ricos em informações e interatividade. É um processo desafiador, que ao mesmo tempo abrirá as portas para melhores oportunidades. Como já disse Sócrates, “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida”. É isso que a EAD da Unicesumar se propõe a fazer. Willian V. K. de Matos Silva Pró-Reitor da Unicesumar EaD Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, contribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de crescimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das discussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica. boas-vindas Débora do Nascimento Leite Diretoria de Design Educacional Janes Fidélis Tomelin Pró-Reitor de Ensino de EAD Kátia Solange Coelho Diretoria de Graduação e Pós-graduação Leonardo Spaine Diretoria de Permanência 6 autora Professora Doutora Paula Marçal Natali Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2016). Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG/2009). Especialistaem Políticas Sociais para Infância e Adolescência pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2006). Graduação em Educação Física pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2003). Atualmente, é professora da Universidade Estadual de Maringá, no Campus Regional do Vale do Ivaí, no curso de Educação Física. Mem- bro da equipe coordenadora do Programa Multidisciplinar de Estudos, Pesquisa e Defesa da Criança e do Adolescente PCA/UEM. Atua principalmente com os temas dos direitos das crianças, educação social e cultura lúdica. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/3738805977157385> apresentação Prezado(a) aluno(a), seja bem-vindo(a)! Este material foi elaborado para potencializar sua aprendizagem a respeito do conteúdo Jogos, Brinquedos e Brincadeiras, objetivan- do aprimorar sua formação em direção a se constituir como professor(a)/profissional de Educação Física. Neste livro, partimos da compreensão de que a linguagem dos jogos, brinquedos e brincadeiras são parte da cultura, especialmente da infantil, e compõem o repertório de aprendizagens pertinentes à ação da Educação Física em diversos âmbitos, como o escolar, o do lazer, o da saúde, entre outros. Sendo esta lingua- gem fruto da cultura em que se vive e que se obtém por meio de aprendizagens, afirmamos a necessidade de considerar como princípios para a ação educativa com os jogos, brinquedos e brincadeiras o respeito e o conhecimento profundo da realidade em que se atua. Reconhecendo o jogo, a brincadeira e o brinquedo como cultura lúdica, o nosso material está organizado em cinco seções, que contemplam as temáticas a seguir. Na primeira unidade, desenvolvemos questões pertinentes à trajetória histórica do jogo, da brinca- deira e do brinquedo estabelecendo relações com o contexto social de cada período trabalhado. Apresen- tamos, também, as principais concepções e conceitos pertinentes a estes conteúdos. Posteriormente, trataremos da linguagem dos jo- gos, brinquedos e brincadeiras no campo educacio- nal refletindo sobre o conteúdo na educação física, o recreio como possível espaço da ludicidade e da coletividade e o âmbito do brincar da criança e do adolescente como direito garantido na legislação. Na terceira unidade, trabalharemos as caracterís- ticas e classificações pertinentes às brincadeiras e aos jogos, estabelecendo relações com os meandros cons- titutivos da sociedade contemporânea considerando que aprender sobre a diversidade de brincadeiras e jogos contribui para a expansão de nosso repertório para atuação na educação. A quarta unidade trata mais especificamente do brinquedo, discutiremos suas relações na atualidade destacando o consumo, os brinquedos industrializa- dos e tecnológicos e a ressignificação dos brinquedos pelas crianças. Apresentaremos uma classificação a respeito dos brinquedos e desenvolver conhecimentos pertinentes ao trabalho do(a) educador(a) na brin- quedoteca. Nossa última etapa de estudo consiste na reflexão a respeito de diferentes infâncias na atualidade, e a rique- za de cultura lúdica que estas produzem e vivenciam. Explicitamos também elementos de algumas atividades sistematizadas com jogos, brinquedos e brincadeiras visando a ampliação do repertório de possibilidades de atuação do(a) educador(a) com esta linguagem. Este material foi desenvolvido para que sua for- mação seja enriquecida pelo conteúdo dos jogos, brin- quedos e brincadeiras, vivenciado de diversas formas por todos nós, em algum momento de nossa vida seja na escola, na comunidade ou na família. Diante da multiplicidade e diversidade de elemen- tos relacionados à cultura lúdica, temos o privilégio, como professores(as)/profissionais de Educação Física, de ter o jogo, a brincadeira e o brinquedo como objetos de estudo, pesquisa e trabalho em nosso cotidiano. Este curso visa a aprimorar esta ação educativa. Vamos ao nosso curso? JOGOS BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Paula Marçal Natali sumário UNIDADE I FUNDAMENTOS DOS JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS 14 Percursos Históricos dos Jogos, Brinquedos e Brincadeiras 24 Jogos, Brinquedos e Brincadeiras: Questões Conceituais 40 Considerações Finais 44 Referências 46 Gabarito UNIDADE II JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS 52 Jogos, Brinquedos e Brincadeiras nas Aulas de Educação Física 58 Jogos, Brinquedos e Brincadeiras nas Aulas de Educação Física 64 O Recreio e Suas Relações Com Jogos, Brin- quedos e Brincadeiras 70 Considerações Finais 75 Referências 77 Gabarito UNIDADE III JOGOS E BRINCADEIRAS: ASPECTOS FUNCIONAIS 82 Características dos Jogos e Brincadeiras: Questões Atuais 90 Características e Classificações dos Jogos e Brincadeiras 100 Considerações Finais 105 Referências 108 Gabarito UNIDADE IV O BRINQUEDO E A EDUCAÇÃO 114 O Brinquedo e as Relações Estabelecidas na Atualidade 122 Classificações dos Brinquedos 128 Brinquedoteca: O Espaço do Brinquedo e do Brincar 135 Considerações Finais 139 Referências 141 Gabarito UNIDADE V JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS: DIFERENTES INFÂNCIAS, CONTEXTOS E INTERVENÇÕES 146 Infâncias, Jogos, Brinquedos e Brincadeiras: Cenários de Diversidade 158 Intervenções com Jogos, Brinquedos e Brin- cadeiras: Cenário de Diversas Possibilidades e Sistematizações 163 Considerações Finais 169 Referências 170 Gabarito 171 Conclusão Geral Professora Dr.ª Paula Marçal Natali Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Percursos históricos dos jogos, brinquedos e brincadeiras • Jogos, brinquedos e brincadeiras: questões conceituais Objetivos de Aprendizagem • Elucidar a constituição histórica dos conteúdos Jogos, Brinquedos e Brincadeiras relacionando com seu sentido educativo. • Compreender os principais conceitos e definições dos conteúdos Jogos, Brinquedos e Brincadeiras na produção do conhecimento da área. FUNDAMENTOS DOS JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS unidade I INTRODUÇÃO Quando pensamos sobre o brincar e o jogar, na maioria das ve-zes, vem em nossa cabeça a imagem de crianças ou adolescentes alegres e saudáveis desenvolvendo esta linguagem. Esta cons- trução do pensamento é influenciada pelo que vivenciamos como seres que em alguma fase da vida tivemos contato com o brincar, seja na escola, na comunidade em que crescemos ou em nossa família. Em geral, essa atividade está relacionada com a infância e, de uma for- ma ou de outra, passamos por esta experiência em nossa vida. Entretan- to, em nossa jornada de aprendizagem, vamos compreender que jogar e brincar não são atividades apenas da infância, elas podem estar presentes em todas as fases da vida e em inúmeras manifestações. São expressões da vida e parte da cultura da humanidade. Estão presentes em nossa história. Estas linguagens são fruto de inúmeros processos históricos e sociais que foram conferindo, ao brincar e ao jogar, características importantes que estudaremos aqui. É imprescindível que o(a) professor(a) de Educa- ção Física em formação aprenda as bases constituintes dos jogos, brin- quedos e brincadeiras, pois estes são pilares para nossa atuação, tanto na escola quanto em ambientes não escolares. Iniciaremos pela conformação histórica do jogar, do brincar e do brinquedo, buscando subsídios e referências para a sua apreensão na atu- alidade. Iremos contextualizar no tempo histórico de que forma o jogo, a brincadeira e o brinquedo foram constituindo-se e sua relação com a organização social vigente em cada período. Na segunda parte desta unidade, elucidaremos os principais concei- tos e debates sobre concepções dos jogos, brinquedos e brincadeiras de- senvolvidos por pesquisadores de diferentes áreas. Este será nosso ponto de partida de estudo para compreendermos os meandros deste fenômeno cultural. Vamos aprender sobre as relações conceituais e históricas dos jogos, brinquedos e brincadeiras na ação educativa dos(as) professores(as)/profissionais de Educação Física. 14 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Prezado(a) aluno(a),compreender a brincadeira, o jogo e o brinquedo em sua constituição históri- ca significa que partimos da premissa de que estes se modificam com o tempo, com seus lugares e suas características e se estruturam conforme a humani- dade constrói sua trajetória. Estas manifestações humanas modificam-se e adaptam-se conforme o local e tempo em que se de- senvolvem, as condições materiais dadas, a cultura ali produzida e vivenciada. Por exemplo, refletir a respeito do brincar de crianças com direitos viola- dos e que estão em situação de exploração do tra- balho, como fez Silva (2003), nos mostra uma re- alidade com características próprias, fruto de uma organização social desigual, que influencia e deter- mina a vida dessas crianças. São incontáveis os ar- ranjos históricos, sociais e políticos que determinam as formas de expressão humana. O que não se altera, caro(a) aluno(a), é que o jogo e a brincadeira são manifestações que o homem utiliza para se expres- sar no decorrer da história. Podemos afirmar que o brincar, especialmente com o brinquedo, tem em sua estruturação carac- terísticas do mundo adulto e, muitas vezes, dos ele- mentos congruentes à organização do trabalho adul- to. Elkonin (1998) afirma que é muito difícil estudar as transformações históricas do brinquedo e que este tem sua “[...] história organicamente vinculada Percursos Históricos dos Jogos, Brinquedos e Brincadeiras EDUCAÇÃO FÍSICA 15 à da mudança de lugar da criança na sociedade e não pode compreender-se fora dessa história” (ELKO- NIN, 1998, p. 47). Assim, para aprendermos aqui sobre os mean- dros históricos do brinquedo, do brincar e do jogar, vamos trilhar também o lugar da criança na história. A história do brinquedo, do jogo e da brincadei- ra é tão antiga quanto possamos ter acesso ao regis- tro da história da humanidade. Se tivermos acesso a museus, podemos identificar objetos que são con- siderados brinquedos de tempos longínquos, como piões, bonecas e bolas, o que nos mostra que muitas manifestações desta natureza se mantêm nos tem- pos e são transmitidas entre os pares. Kishimoto (1995) remonta à Antiguidade o re- gistro do homem e do brincar, apesar de ainda não ser reconhecida como uma linguagem apropriada para o ensino da leitura e do cálculo. A autora nos conta que Platão exaltava o valor da aprendizagem a partir do brincar, em detrimento da utilização da violência neste processo. Aristóteles nos diz so- bre a possibilidade de ensinar às crianças peque- nas, por meio de jogos, as atividades e ocupações dos adultos, consideradas mais sérias que as típi- cas infantis. Philippe Ariès (1981), um pioneiro nos estudos sobre as concepções de infância, desenvolve em sua obra os elementos que nos contam sobre a infância 16 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS e seu brincar. Diversos autores utilizam a obra des- te historiador francês como base para tratar dos jo- gos, das brincadeiras e dos brinquedos através dos séculos. Ariès desenvolve seus estudos a partir de diversos documentos da Idade Média e Moderna, especialmente o contexto da França neste período, destacando a utilização de quadros e gravuras em suas pesquisas (CAMPOS, 2012). O autor não só parte da história das crianças e nos conta sobre o brincar no século XVII com a história de uma criança da corte (que futuramente se tornaria o Rei Luís XIII), mas também trata-se da história de outras crianças, pois, nesse período, ainda não havia uma diferença tão marcada, como posteriormente, entre as brincadeiras das crianças bastardas, nobres e as brincadeiras que envolvessem adultos. Uma das principais atividades destinadas aos petizes era a aprendizagem da dança e da música, e a precocidade no ensino dessas expressões artísticas, segundo Ariès (1981, p. 69), “[...] explica a frequ- ência entre as famílias de profissionais, daquilo que hoje chamaríamos de criança-prodígio, como o pe- queno Mozart”. Isso nos leva, caro(a) aluno(a), ao reforço do entendimento de que as expressões hu- manas são frutos não apenas de fatores biológicos, que poderíamos chamar de aptidões naturais, mas também de fatores culturais; neste caso, um estímulo desde criança à aprendizagem da música e da dança. Muitas são as atividades lúdicas relatadas por Ariès (1981), como: jogos de malha, raquetes, xa- drez, jogos de imitação, de rima, jogos de carta, prática de arco e jogos de salão. Sobre os brinque- dos, narra atividades com miniaturas de diversos objetos, bonecas, cavalos de pau, catavento, pião e atividades com recortes. A eclosão do movimento científico diversifica os jogos, que passam a incluir as inovações científicas no século XVIII. A publicação da Enciclopédia (livro com diversos textos que re- tratavam as produções científicas e artísticas do século XVIII) favorece o aparecimento de novos jogos. Preceptores da época utilizam as imagens publicadas na Enciclopédia para criar jogos destinados à educação dos príncipes e nobres. Em 1781, Madame de Genlis constrói um laboratório de química com a finalidade de educar os filhos de Philippe Egalité, base- ando-se em uma metodologia lúdica. O clima de efervescência científica e as descobertas divulgadas pela Enciclopédia favorecem a pu- blicação de inúmeras obras, que valorizam o aprendizado das ciências por intermédio de novas metodologias. Fonte: Kishimoto (1995, p. 41). SAIBA MAIS Figura 1 - Futebol, 1935, Portinari. Óleo sobre tela 97x130 cm Fonte: Literatura na Arquibancada (2012, on-line)1. EDUCAÇÃO FÍSICA 17 Crianças e adultos participavam das mesmas fes- tas e celebrações, por vezes, tinham atividades vi- venciadas separadamente, como a leitura. Porém, de modo geral, todos “[...] participam das grandes festividades coletivas que eram as festas religiosas e sazonais: o Natal, a festa de maio, São João...” (ARIÈS, 1981, p. 73). Tomando como exemplo a educação de uma criança nobre – que não representa a totalidade da cultura lúdica infantil no período, mas nos fornece dados importantes sobre ela –, destacamos que, por volta dos sete anos, alguns elementos da vida dos pe- quenos modificavam-se e eles passavam a dedicar-se a atividades mais próximas ainda da vida adulta: Um pouco mais de bonecas e de brinquedos alemães antes dos sete anos, um pouco mais de caça, cavalos, armas e talvez teatro após essa idade: a mudança se faz insensivelmente nessa longa sequência de divertimentos que a crian- ça toma emprestada dos adultos ou divide com eles (ARIÈS, 1981, p. 72). Esta idade das crianças era marcada por mudanças em suas atividades, que eram recomendadas pela literatura educacional e moralista do período. As orientações afirmavam que esta seria a idade ideal para o início dos estudos e do trabalho. É muito im- portante esclarecermos um traço que caracteriza o jogar e brincar neste período da história: crianças, adolescentes e adultos compartilhavam essas vivên- cias, não havia um limite tão claro, como temos ago- ra, entre atividades mais apropriadas para a infân- cia e as mais apropriadas para os adultos no que se referia à ludicidade. Até o início do século XVII, a diferença no brincar era mais explícita quando tra- tava-se de crianças pequenas, menores de seis anos e não entre crianças maiores ou adultos. As crianças menores tinham brincadeiras mais características e, por volta dos quatro anos, já pas- savam a desenvolver suas brincadeiras mais relacio- nadas ao mundo adulto, podendo vivenciá-las com os adultos ou apenas entre os grupos de crianças. De acordo com Ariès, este cenário é possível de nos ser revelado, pois, da Idade Média até o século XVIII, era corriqueiro, nas obras de arte, serem retratadas cenas de jogos, o que nos mostra o “[...] índice do lugar ocupado pelo divertimento na vida social do Ancien Régime” (ARIÈS, 1981, p. 77). Da produção de Ariès sobre a infância: “Esse tipo de explicação, que abarca gran- des períodos históricos (Idade Média e Idade Moderna), ou todo um continente(Europa), corre o risco de deixar escapar os detalhes e as particularidades locais. [...] estudos pos- teriores demonstraram a ocorrência de um sentimento de infância na Itália bastante dife- rente, em termos cronológicos, da França de Ariès [...] a tese original de que o sentimento de infância que hoje reconhecemos como nosso se desenvolveu primeiramente entre os grupos europeus privilegiados socialmente (nobreza e burguesia) para depois se dissemi- nar entre as classes populares, deve muito aos documentos com os quais esse historiador trabalhou. Boa parte deles, produzidos pelos grupos privilegiados e para os grupos privile- giados [...]” (CAMPOS, 2012, p. 280). Existem outras possibilidades analíticas sobre a história da infância, apresentamos uma das leituras disponíveis, não pretendo que ela seja única. Fonte: Campos (2012, p. 280). SAIBA MAIS 18 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS O que você pensaria, hoje, como futuro(a) pro- fessor(a)/profissional, se alguém afirmasse que as crianças com quais você trabalha apostam dinhei- ro em seus jogos? Possivelmente, entenderia como uma atividade inapropriada para crianças. Entretan- to, até o século XVII e início do XVIII, essa ação era completamente corriqueira, da mesma forma que se tem registros de adultos brincando entre eles e as crianças em uma forma de cabra-cega. Fazia parte do cotidiano que crianças apostassem e participas- sem dos chamados jogos de azar, que [...] não provocavam nenhuma reprovação mo- ral, não havia razão para proibi-los às crianças: daí as inúmeras cenas de crianças jogando car- tas, dados, gamão etc., que a arte conservou até nossos dias (ARIÈS, 1981, p. 89). Sendo assim, como, na atualidade, podemos ter a noção de que estes jogos de azar não são próprios para as crianças e que brincar de cabra-cega não é uma atividade própria da vida adulta? Podemos ex- plicar a mudança deste pensamento pela modifica- ção no sentido de infância e educação que começa a se constituir especialmente a partir da orientação do âmbito religioso, e os preceitos da organização social em formação, os princípios da Modernidade. Ao longo dos séculos XVII e XVIII, porém, es- tabeleceu-se um compromisso que anunciava a atitude moderna com relação aos jogos, funda- mentalmente diferente da atitude antiga. Esse compromisso nos interessa aqui porque é tam- bém um testemunho de um novo sentimento da infância: uma preocupação, antes desconhe- cida, de preservar sua moralidade e também de educá-la, proibindo-lhe os jogos então clas- sificados como maus, e recomendando-lhe os jogos então reconhecidos como bons (ARIÈS, 1981, p. 92). Assim, caro(a) aluno(a), em nome da constituição moderna de educação em busca de um comportamen- to moralmente aceito e de uma infância que necessita- va de educação – que é a base da educação vigente até hoje –, inicia-se um processo de regulação mais rígida dos comportamentos em relação ao jogo e a brinca- deira. As atividades lúdicas e coletivas têm diminuído sua importância na vida comunitária, sendo denotada a elas uma importância secundária, ao ponto de pas- sarem a ser mais características de uma fase da vida: a infância. Neste contexto, insere-se a atividade que passa a ter mais valor na vida dos adultos, o trabalho. Os considerados jogos de azar são, ainda, desenvol- vidos nos dias de hoje, não sem deixar de lado o enten- dimento de que são jogos potencialmente perigosos. Essa noção de imoralidade, segundo Ariès, foi sendo moldada e modificada na forma de desenvolver esses jogos, diminuindo o papel do azar, da aposta a dinheiro e valorizando o aspecto do desenvolvimento intelectual do jogador, como no caso dos jogos de xadrez e cartas. De acordo com o autor, outra atividade que teve seu paradigma de desenvolvimento modificado jun- to às novas exigências ao homem que se constitui como moderno foi a dança. Tanto a dança quanto os jogos de azar eram expressões lúdicas e comu- nitárias, desenvolvidas por crianças e adultos, que tiveram suas manifestações alteradas com o tempo. Entretanto, à dança não foi empregado o sentido de proibição e de julgamento moral como aos jogos de azar que acabamos de relatar. Na Idade Média, os próprios religiosos dança- vam em comemorações e celebrações, pois a dança tinha uma conotação de integração, não sexual e de encontro entre pares do sexo oposto. É importante destacarmos a diferença entre as normas que pas- sam a valer para a dança e os jogos de azar, pois, assim, podemos aprender sobre EDUCAÇÃO FÍSICA 19 [...] a indiferença da sociedade antiga com rela- ção à moralidade dos divertimentos. Por outro lado, porém, ele permite avaliar melhor o rigor da intolerância das elites reformadoras (ARIÈS, 1981, p. 89). Sendo assim, até aqui explicitamos o processo de valoração dos jogos, dança, música e brincadeiras na vida comunitária, e como tinham papel de des- taque no cotidiano das pessoas. Com o advento da Idade Média e um aumento do sentido de privação e regulação de muitas expressões da vida do homem, o jogo e a brincadeira, que estudamos neste tópi- co, passaram a ter seu desenvolvimento orientados por um novo paradigma de moralidade, a partir do entendimento de que os impulsos gerados por esta prática deveriam ser controlados para que os ho- mens fossem mais obedientes e educados. [...] essa paixão que agitava todas as idades e todas as condições, a Igreja opôs uma reprova- ção absoluta. Ao lado da Igreja, colocaram-se também alguns leigos apaixonados pelo rigor e pela ordem, que se esforçavam para domar uma massa ainda selvagem e para civilizar costumes ainda primitivos. A Igreja medieval também condenava o jogo sob todas as suas formas, sem exceção nem reservas, e particularmente nas comunidades de clérigos bolsistas que deram origem aos colégios e às universidades do An- cien Régime (ARIÈS, 1981, p. 92). Diante de tantas proibições e regulações da Idade Mé- dia, como a constituição do Renascimento, emergem outras concepções pedagógicas. Baseado no fato de que a felicidade é importante e o corpo não é apenas fon- te de pecado e objeto de castigos, o jogo volta à cena. Jogar volta a ser incorporado ao cotidiano dos jovens como uma tendência natural (KISHIMOTO, 1995). De acordo com a autora, atividades que foram condenadas como ruins na Idade Média, especial- mente as relacionadas aos exercícios físicos, como exercícios de barra, corridas, jogos de bola - pare- cidos com o futebol e o golfe -, voltam aos poucos a serem praticados com o Renascimento. Podemos afirmar que a atitude radical de proibi- ção do jogar e do brincar, instituída na Idade Média, não foi atendida em absoluto e foi perdendo força ao longo do século XVII. Segundo Ariès, essa diminui- ção foi ocorrendo especialmente sob influência de um grupo da própria Igreja, os jesuítas, que destaca- vam o potencial educativo dos jogos. É importante apontarmos que, nos colégios jesuítas, os jogos eram desenvolvidos com o sentido de educar, de empregar à expressão humana do jogar uma funcionalidade, jogar com fim de educar. Os padres com a função de educar compreende- ram que não era possível inibir totalmente o dese- jo pelo jogar, pelo brincar. Desta forma, passaram, então, a permiti-lo desde que o controle de seu de- senvolvimento fosse realizado pelas autoridades das escolas. Assim, o jogo dentro das escolas passou a ser admitido, com a condição de que fossem reco- mendados alguns tipos de jogos reconhecidos como bons e que passassem pelo crivo e regulamentação para que ocorressem de forma disciplinada. Neste novo paradigma, o jogo constitui-se como um meio de educar as pessoas. Podemos compreender que atividades, até en- tão condenadas como imorais pelos afoitos mora- listas do período, começaram a ser admitidas em uma nova roupagem e sentido com mais rigor e disciplina: 20 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Reconhecemos as salas de aula, a biblioteca, mas também a aula de dança, e o jogoda péla e de bola. Um sentimento novo, portanto, apareceu: a educação adotou os jogos que até então havia proscrito ou tolerado como um mal menor. Os jesuítas editaram em latim tratados de ginástica que forneciam as regras dos jogos recomenda- dos. Admitiu-se cada vez mais a necessidade dos exercícios físicos (ARIÈS, 1981, p. 95). Podemos perceber que, neste momento da história do conteúdo que estamos estudando, os jogos pas- sam a ter um status de conhecimento, de aprendiza- gem e têm mais valoração na nova organização so- cial: ensinar e suprir as necessidades educativas dos jovens. Os tratados educacionais que orientam a boa educação do período contêm orientações a respeito de exercícios físicos e jogos indicados para os jovens em formação. Na relação entre educação e jogos, no fim do século XVIII, foi atrelada uma função importante: preparar os corpos e os espíritos dos jovens para as guerras, para constituir-se como um bom de- fensor da nação e de trabalhador de excelência, eficiente para contribuir com a força de trabalho desta nação. Os exercícios físicos, os jogos e o que passou a ser chamado de Educação Física foram compreendidos e utilizados como uma maneira eficiente para forjar o corpo do combatente e do jovem trabalhador. Assim, caro(a) aluno(a), temos um cenário de distanciamento do caráter lúdico e de produção de sentidos que deveriam estar atrelados às expressões do jogar e do brincar, que são as bases e fundamen- tos desta expressão. Temos em detrimento dessas ca- racterísticas uma funcionalidade empregada ao jogo de preparação do corpo e do espírito para o combate e para o trabalho. Assim, sob as influências sucessivas dos pedago- gos humanistas, dos médicos do Iluminismo e dos primeiros nacionalistas, passamos dos jogos violentos e suspeitos da tradição antiga à ginás- tica e ao treinamento militar, das pancadarias populares aos clubes de ginástica. Essa evolução foi comandada pela preocupação com a moral, a saúde e o bem comum (ARIÈS, 1981, p. 95). Paralela a essa especialização dos jogos atrelados à função de treinamento educativo, temos também, no desenvolvimento da história dos jogos, brinca- deiras e brinquedos, a realocação do sentido do jogo relacionado à idade das pessoas e da condição social que elas têm. Como já afirmamos, na Idade Média, esta distin- ção entre classes e idades no que se referia aos jogos era muito sutil. Segundo Ariès, uma das poucas dis- tinções marcadas era em relação à prática dos jogos de cavalaria, que era reservada aos cavaleiros e aos adultos, sendo proibidos aos plebeus e aos petizes, mesmo que fossem nobres. Ariès afirma que este é um dos fatos que mar- cam, pela primeira vez, o hábito de proibir crianças e plebeus de participar de jogos coletivos. Esta di- visão social do hábito de jogar ocorre no contexto da constituição do entendimento de que a infância deve ser educada e que nobres e plebeus não devem partilhar dos mesmos hábitos. Entretanto, esta divisão entre nobres e plebeus em diversas atividades cotidianas não se constituiria como uma realidade por completo até que a função social dos nobres acabasse e tivéssemos a ascensão da [...] burguesia, no século XVIII. No século XVI e no início do século XVII, numerosos docu- mentos iconográficos comprovam a mistura das classes sociais durante as festas sazonais (ARIÈS, 1981, p. 98). EDUCAÇÃO FÍSICA 21 As festas sazonais são realizadas em determinadas épocas do ano, podendo estar relacionadas ao calen- dário da agricultura ou religioso, como Natal, Festas de Reis, Terça-feira gorda. Há registros de diferentes idades e classes reunidas nestas festividades em tor- no de música, danças e jogos, como arremesso da barra, lutas, corridas e competições de saltos. Na sociedade antiga, o trabalho não ocupava tanto tempo do dia, nem tinha tanta impor- tância na opinião comum: não tinha o valor existencial que lhe atribuímos há pouco mais de um século. Mal podemos dizer que tivesse o mesmo sentido. Por outro lado, os jogos e os divertimentos estendiam-se muito além dos momentos furtivos que lhes dedicamos: forma- vam um dos principais meios de que dispunha uma sociedade para estreitar seus laços coleti- vos, para se sentir unida (ARIÈS, 1981, p. 79). A divisão social das classes e o valor do trabalho constituem-se como centrais com o advento da bur- guesia. Neste contexto, no âmbito que estamos estu- dando, o brincar e jogar entre crianças e adultos não pode mais ocorrer da mesma forma e a separação entre estes grupos fica mais evidente no desenvolvi- mento da cultura lúdica. Sobre os jogos praticados por adultos e a evolu- ção para serem jogos típicos do repertório infantil, Ariès (1981) nos ilustra com muitos exemplos, entre eles o arco, que na Idade Média não era um utensí- lio de crianças pequenas e sim de crianças maiores - que atualmente chamamos de adolescentes -, que aparecem em registros utilizando o artefato em di- versas situações, inclusive em danças. Entretanto, no fim do século XVII, o arco começa a ser retratado nas mãos de crianças cada vez menores, até o seu desaparecimento como brinquedo predominante. O autor relaciona essa diminuição da brincadeira com arco entre as crianças ao fato de que, para a brinca- deira existir, é preciso estabelecer uma relação entre o brincar da criança e a atividade do adulto, que há muito, no caso do arco (com exceção da expressão esportiva), não ocorre cotidianamente. Podemos indagar a respeito do que move estas alterações no curso de apropriação e desenvolvimen- to do jogo, do brinquedo e da brincadeira, e como afirmamos no início deste tópico, são os fenômenos sociais e a forma de organização social vigente. Philipe Ariès nos brinda com uma análise extensa sobre o brincar e a concepção de infância e educação da sociedade antiga, passando pela Idade Média e che- gando à modernidade, dentro dos padrões e população que ele dedicou-se a estudar, a francesa. Iniciamos com uma análise que, entre crianças e adultos, e em todas as classes, os jogos e brincadeiras eram muito semelhan- tes. Ele destaca que, gradativamente no desenvolvi- mento histórico, os adultos das classes mais abastadas vão abandonando os jogos e estes se mantêm entre as pessoas mais pobres e as crianças das classes ricas: É verdade que na Inglaterra os fidalgos não abandonaram, como na França, os velhos jogos, mas transformaram-os, e foi sob formas moder- nas e irreconhecíveis que esses jogos foram ado- tados pela burguesia e pelo “esporte” do século XIX. É notável que a antiga comunidade dos jo- gos se tenha rompido ao mesmo tempo entre as crianças e os adultos e entre o povo e a burgue- sia. Essa coincidência nos permite entrever des- de já uma relação entre o sentimento da infância e o sentimento de classe (ARIÈS, 1981, p. 105). A infância e o seu desenvolvimento atrelado ao brincar passam a ser alvo de estudos, destacando-se fortemente, a partir das pesquisas de Rousseau, no século XVIII - em sua obra Emílio -, uma educação que deve corresponder as características infantis. 22 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Posteriormente, temos a ascensão, no século XIX, dos estudos da psicologia infantil, que procuraram entender as representações infantis e o brincar. In- fluenciando inúmeras teorias e reflexões sobre o en- sinar e a infância, podemos destacar os estudos de Piaget e Vygotsky, entre outros pesquisadores. Neste contexto, desenvolvendo debates sobre a infância e o brincar, temos, ainda, pesquisas que con- sideram o brincar como uma construção cultural e que sofre a influência do contexto histórico e cultural para a constituição de suas formas, significados e des- dobramentos na sociedade. Esta forma de compreen- der a linguagem lúdica, segundo Kishimoto (1995, p. 41), “[...] faz emergir a valorização dos brinquedos e brincadeiras tradicionais como nova fonte de conhe- cimento e de desenvolvimento infantil”. Temos a as- censão de jogos e brincadeirascom fins pedagógicos, como os jogos históricos, científicos e educativos. Dentro do desenvolvimento da história que con- tamos aqui sobre o brincar e o jogar, temos que des- tacar a trajetória dos brinquedos. A expansão dos brinquedos está atrelada - assim como o brincar e o jogar - à forma de organização social e econômica vigente. A história do brinquedo, no contexto do sé- culo XIX e XX, está fortemente relacionada à busca pela expansão do capital e do comércio europeu. Walter Benjamin nos conta que, antes do século XIX, os brinquedos não eram fabricados por especia- listas nesta produção, eles eram construídos com mate- riais nobres, como madeira e estanho, feitos de maneira artesanal. Isto conferia ao brinquedo uma característi- ca única, construído por profissionais de outras áreas, [...] assim como se podiam encontrar animais talhados em madeira com o marceneiro, assim também soldadinhos de chumbo com o cal- deireiro, figuras de doce com o confeiteiro [...] (BENJAMIN, 2002, p. 90). Figura 2 - Meninos no balanço, 1960, Portinari. Óleo sobre tela 61x49 cm Fonte: Museu da infância ([2017], on-line)2. Por outro lado, na constituição de um comércio mais organizado, existia a figura do exportador de brinquedos, que reunia, inicialmente em Nurem- berg, os brinquedos originários das manufaturas e das indústrias domésticas e os distribuía no comér- cio pequeno. Esta forma de comércio impulsionou a fabricação de objetos menores, para decoração das casas e admiração de crianças e adultos pelas minia- turas (BENJAMIN, 2002). EDUCAÇÃO FÍSICA 23 Na segunda metade do século XIX, com o obje- tivo de atender à nova forma de escala de produção, houve a diminuição da produção dos brinquedos pequenos para a produção de brinquedos maiores, com menos detalhes, com materiais e formas mais padronizadas. Os brinquedos, então, são produzidos e têm sua disseminação estimulada pela associação entre brincar e instruir, ressaltando a funcionalidade deste objeto nos jogos pedagógicos. muitas vezes, em nome de construir um imaginário adaptado ao modo de produção capitalista, retiram das crianças a verdadeira potencialidade da criativi- dade, coletividade, ludicidade e da educação. Movidos pelo intuito de alavancar sempre a di- nâmica do consumo - não são poucos os exemplos de quando a criança conquista um brinquedo visto em uma propaganda e logo deseja outro -, os brin- quedos e brincadeiras são constituídos como um elemento chave para nutrir este mercado. Entretan- to, reivindicamos aqui uma história destes elemen- tos como construções humanas e formas de expres- são durante as diferentes épocas. Sobre sua composição, passam a ficar mais adapta- dos aos gostos da criança, que é reconhecida como uma consumidora em formação. Os materiais uti- lizados são mais diversificados que anteriormente, produzidos em larga escala e com restrições relacio- nadas à segurança que o objeto oferece (KISHIMO- TO, 1995). A história do brinquedo e do brincar, nos sé- culos XV ao XIX, passa a estar atrelada à lógica mercantil, no intuito de moldar o consumo destes bens. Contudo, então, devemos negar a apropriação dos brinquedos neste contexto capitalista? Arruda (2011) explicita que não, mas que precisamos ter a dimensão de que estes brinquedos industrializados, É necessário debater sobre os efeitos da mídia relacionada aos jogos, brinquedos e brincadeiras em nosso país, com crianças, adolescentes, pais, professores e instâncias que regulam o entretenimento. REFLITA A ação educativa do(a) professor(a)/profissional de Educação Física que atua com estes conteúdos deve sempre considerar a constituição histórica dos jogos, brinquedos e brincadeiras. Esta compreensão histó- rica orienta e dá sentido às práticas e ações lúdicas que vivenciamos nos dias atuais. Saber a origem his- tórica destes elementos deve nos nutrir de mais ele- mentos para, como professores(as) junto às crianças, sermos pontos de resistência e ensinar e estimular a vivência de jogos, brinquedos e brincadeiras distan- ciados, com valor simbólico de consumo. 24 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Prezado(a) aluno(a), neste item vamos nos dedicar a uma tarefa difícil: quando tratarmos da linguagem dos jogos, brincadeiras e brinquedos, buscaremos eluci- dar compreensões conceituais desses fenômenos. Vamos a um exemplo: amigos estão em uma quadra brincando de queimada; o jogo tem regras; há um objeto que é a bola. Eles se divertem, mas competem entre si para ver qual time queima mais rápido os oponentes (Figura 4). Jogos, Brinquedos e Brincadeiras: Questões Conceituais Figura 3 - Crianças brincando de roda, 1872, Hans Tomas. Óleo sobre tela 115x161 cm. Fonte: Rafael Faversani (2013, on-line)3. EDUCAÇÃO FÍSICA 25 Temos uma situação corriqueira explicada com a utilização de termos que se entrecruzam: a brinca- deira e o jogo. Com o uso de um objeto, a bola, que pode, ou não, ser considerada um brinquedo, dependendo da situação em que for utilizada. Esta é apenas uma ocorrência que demons- tra a complexidade destes termos, suas inúmeras formas de interpretação e a complexidade destas formas de expressão. Poderíamos, ainda, debater a nomenclatura utilizada para explicar a brinca- deira, a queimada, que em muitos lugares pode ser chamada de queima, caçador, bola queimada, carimbada. Seria possível debater sobre este jogo ocorrendo no recreio da escola, qual tipo de bola mais adequada, como eles delimitam o espaço para jogar, quem definiu as regras da brincadeira. Isto é, temos uma infinidade de questionamentos pos- síveis a partir de uma expressão da vida humana, de um momento de organização coletiva, como o explicado anteriormente. Chega João e pergunta: na próxima rodada pos- so brincar? Eles respondem: sim, mas você sabe jo- gar? Ele responde: sim! Figura 4 - Jogo de queimada Desta forma, vamos explicitar aqui elementos a respeito do jogo, da brincadeira e do brinquedo sem a pretensão de fechar, em apenas uma possibilidade, seus conceitos. Com esta colocação, pretendemos não reduzir suas inúmeras possibilidades conceitu- ais e contribuições realizadas por diversos pesquisa- dores que se dedicaram a estudar a área. Em geral, estas manifestações estão relacionadas à infância em nosso imaginário. Podemos compre- ender uma das facetas desta questão quando relem- bramos que ao jogo e à brincadeira, na modernida- de, foi dado um sentido de expressão pouco sério ou importante na organização da sociedade em detri- mento do trabalho. Assim, a etapa da vida em que mais identificamos o desenvolvimento do jogar e do brincar na atualidade realmente é a infância, entre- tanto, esta não é (ou não deveria ser) uma expressão única desta fase de desenvolvimento da vida. Em muitas línguas, o conceito de jogo e brinca- deira é utilizado no mesmo sentido. Assim, quando pretendemos debater sobre este conceito, precisamos atentar para esta questão e destacar o “lugar” de que estamos tratando o conceito. Temos inúmeras pes- quisas que tratam destas linguagens em muitas áreas, como na psicologia, antropologia, sociologia, filoso- fia e, ainda assim, dentro destas áreas, com matrizes teóricas diversas, como o funcionalismo, materialis- mo histórico dialético, fenomenologia, entre outras. SOBRE O JOGO Começaremos nossa busca conceitual tratando so- bre o jogo e os conceitos mais debatidos e utilizados no campo educacional, especialmente nos estudos referentes à Educação Física. Partiremos aqui das contribuições de Tizuko Morchida Kishimoto, João Batista Freire, Johan Huizinga, Roger Caillois e Da- 26 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS niil Elkonin. Alertamos que trataremos de questões pontuais a respeito desses teorias, mas que serão mais bem debatidas no desenvolvimento da nossa disciplina e que, para um necessário aprofundamen- to, exigirão de você leituras dos próprios autores aqui citados. Segundo Paíva (2005), a palavra jogo pode ser uti- lizada com vários sentidose o autor exemplifica que ela pode ser utilizada para nomear desde elementos que combinam entre si, como jogos de copos, até uma ação, como jogar cartas. Diante desta diversidade de significados, o autor nos diz que “Para palpar a espes- sura de tal universo de significados, há que somar ao uso do termo em forma direta o emprego em forma indireta ou figurada” (PAIVA, 2005, p. 248). Brunhs (1996) explicita que, para considerar- mos uma atividade como jogo, devemos, pelo me- nos, considerar cinco critérios para esta reflexão. O primeiro critério exposto pela pesquisadora trata do aspecto desinteressado do jogo, que pode ser questionado, pois durante seu desenvolvimento há muita preocupação e interesse dos participantes em torno de diversos elementos, por exemplo: as regras, as conquistas, vitória e derrota no jogo. O caráter de seriedade distancia-se do que seria sério na lógica do consumo. O jogo apresenta relações considera- das sérias, pelo menos naquele momento, para os envolvidos no jogar. O segundo critério que temos que levar em con- sideração, para Brunhs (1996), é a relação entre jogo e prazer. Muitas possibilidades e vivências de jogo podem resultar em prazer, assim como outras que não envolvem o jogar e que resultam neste sentimen- to. Entretanto, para a autora, esta não é uma certeza em todas as situações de jogo. O jogo pode provocar sentimentos desagradáveis, frustrações, assim como outras atividades desenvolvidas pelos homens. A desorganização é outro elemento atribuído com frequência ao jogo. Esta característica pode ser desta- cada por uma pessoa que observa superficialmente a situação de jogo e presencia a agitação, barulho e mo- vimentação. No entanto, nesta vivência, estão implica- dos diversos elementos organizacionais para que ocor- ra o jogo. Brunhs (1996) aponta que nestas situações de identificação de desorganização, quando um adulto pretende corrigir a situação impondo mais ordem, [...] a quebra da espontaneidade é nítida e os movimentos antes soltos e dinâmicos, preen- chendo um espaço determinado, tornam-se “presos”, com a mobilidade reduzida, assim ocorrendo também com a dinamicidade (BRU- NHS, 1996, p. 29). Este tipo de intervenção buscando uma ordem, mui- tas vezes, não atenta para as regras já estabelecidas e a organização própria daquela ação. O quarto critério que temos que considerar é a afirmação de que o jogo é espontâneo. Este critério origina-se na diferenciação que alguns fazem entre: [...] “jogos superiores”, constituídos através da ciência e da arte, e os “não-superiores”, aqueles simples e puros. Tal postura conduziria a um polo de atividades controladas pela sociedade e pela realidade, e outro de atividades verdadei- ramente espontâneas porque não-controladas (BRUNHS, 1996, p. 30). Brunhs (1996) aponta como último critério, comu- mente utilizado na constituição do debate conceitual sobre o jogo, o da libertação dos conflitos, que estaria relacionado, na situação de jogo, à supressão e resolu- ção naquela ação de possíveis problemas ou conflitos. Este entendimento é muito utilizado em técnicas de ludoterapia na psicologia: EDUCAÇÃO FÍSICA 27 Nessa perspectiva, na área do jogo, a criança utilizaria seu domínio sobre os objetos, organi- zando-os de tal forma, supondo-se proprietária dos destinos da viola, transformando passivi- dade em atividade (BRUNHS, 1996, p. 30). Tendo isso em vista, o jogo precisa ser problematizado em sua dimensão de significação individual e coletiva. Diante dos critérios que precisamos levar em consideração na análise conceitual de um jogo, podemos agora elucidar para você, prezado(a) alu- no(a), alguns elementos conceituais sobre o jogo. Para Johan Huizinga, autor da obra clássica Homo Ludens, o jogo é parte constituinte da cultura do homem. Entretanto, para o autor, o jogo é ante- rior à própria cultura e essa afirmação dá-se devido ao fato de que até os animais brincam, ou seja, eles não dependeram do homem para que sua atividade lúdica fosse desenvolvida. O jogo não é um fenômeno apenas fisiológico ou psicológico, ele ultrapassa essas esferas. Para Hui- zinga, o jogo tem: [...] uma função significante, isto é, encerra um determinado sentido. No jogo existe alguma coisa “em jogo” que transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação. Todo jogo significa alguma coisa. Não se expli- ca nada chamando “instinto” ao princípio ativo que constitui a essência do jogo; chamar-lhe “es- pírito” ou “vontade” seria dizer demasiado. Seja qual for a maneira como o considerem, o sim- ples fato de o jogo encerrar um sentido implica a presença de um elemento não material em sua própria essência (HUIZINGA, 2000, p. 4). O autor explicita que algumas teorias que buscaram explicar o jogo - especialmente as de base fisioló- gica e psicológica - incorrem no mesmo princípio de atrelar ao jogo um sentido externo a ele mesmo. Buscam conceituar o jogo relacionado a uma finali- dade biológica, distanciando-se do real entendimen- to de jogo com sentido em si. Elementos como intensidade e poder de fascinação pelo jogo não podem ser mensurados a partir de análi- ses quantitativas e biológicas. Assim, podemos afirmar que realizar apenas estas inferências sobre o fenômeno do jogar não contempla sua compreensão, pois é “[...] nessa intensidade, nessa fascinação, nessa capacidade de excitar que reside a própria essência e a característi- ca primordial do jogo” (HUIZINGA, 2000, p. 6). O jogo está relacionado a nossa esfera irracional, “Se brincamos e jogamos, e temos consciência disso, é porque somos mais do que simples seres racionais, pois o jogo é irracional” (HUIZINGA, 2000, p. 7). O jogo também é considerado uma atividade vo- luntária que nos dispomos a realizar e também ca- racteriza-se pela liberdade. Para o autor, [...] o jogo não é vida ‘corrente’ nem vida ‘real’. Pelo contrário, trata-se de uma evasão da vida “real” para uma esfera temporária de atividade com orientação própria (HUIZINGA, 2000, p. 10). Assim, o homem tem total noção de quando reali- za uma ação por estar brincando ou quando é uma ação da vida “real”. Entretanto, este entendimento de que a situação do jogo “é de mentira” ou de “faz de conta” não o limita a não ser sério. O jogo tem muita relevância para seu executor e a possibilidade de jogar pode ser uma experiência muito intensa, ao ponto de que, para Huizinga (2000, p. 10), “Todo jogo é capaz, a qual- quer momento, de absorver inteiramente o jogador”. O jogo em seu caráter desinteressado caracteri- za-se pelo fato de ser exterior à vida comum, como uma atividade temporária, um intervalo e “tem uma finalidade autônoma e se realiza tendo em vista uma 28 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS satisfação que consiste nessa própria realização” (HUIZINGA, 2000, p. 10). Contudo, considerando todas suas facetas, o jogo passa a ser um elemento da vida, [...] toma-se uma necessidade tanto para o in- divíduo, como função vital, quanto para a so- ciedade, devido ao sentido que encerra, à sua significação, a seu valor expressivo, a suas asso- ciações espirituais e sociais, em resumo, como função cultural (HUIZINGA, 2000, p. 11). Para Huizinga, esse é o cerne da conceituação de jogo como um fenômeno cultural. Outra referência importante quando tratamos de jo- gos é Roger Caillois, antropólogo e ensaísta francês que desenvolve teorias sobre o homem, o jogo, o lú- dico, o profano e o sagrado, o mito, o ritual, a festa e as diferentes culturas. No livro Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem, de 1967, estrutura uma im- portante contribuição na nossa área a respeito dos jogos (LARA; PIMENTEL, 2006). Para Caillois, inúmeras atividades são atribuí- das à nomenclatura jogo, como os de destreza, de azar, ao ar livre, de paciência, entre outros. O jogo, no entendimento do autor, está atrelado a inúme- ras características, como a diversão, a atmosfera de descontração, facilidade, riso ou liberdade,distanciamento da seriedade e das consequências que pode ter na vida real. O jogo nesta concepção é oposto ao trabalho e à produção, constitui-se como estéril. Todas estas características conferem, segun- do Caillois, um de seus eixos mais importantes: a gratuidade. A gratuidade que entramos para jo- gar é seu cerne, que permite que nos entreguemos ao jogo com indiferença, distanciando-o do que seriam atividades produtivas, como o trabalho. Neste sentido, prezado(a) aluno(a), quando nos dispomos a jogar [...] cada um de nós se convence de que o jogo não passa de uma fantasia agradável e de uma vã distração, quaisquer que sejam o cuidado que nele se ponha, as faculdades que nele se mobili- zem, o rigor que ele exija (CAILLOIS, 1967, p. 9). Caillois também designa as diversas possibilidades do jogo e que este basicamente pode ser chamado assim, entre outras proposições, pois têm definido se é ou não um jogo a partir do estabelecimento de Considerações de Roger Caillois à obra de Johan Huizinga: “Cabe à Huizinga a [...] honra de ter analisado magistralmente numerosas características fundamentais do jogo e de ter demonstrado a importância do seu papel no próprio desen- volvimento civilizacional. [...] mas se descobre o jogo onde, antes dele, ninguém soube reco- nhecer a presença ou a sua influência, omite deliberadamente a descrição e a classificação dos próprios jogos, como se todos respondes- sem às mesmas necessidades e exprimissem, de forma indiferente, a mesma atitude psico- lógica. A sua obra não é um estudo dos jogos, mas uma pesquisa sobre a fecundidade do espírito de jogo no domínio da cultura. [...] a parte da definição de Huizinga que apresenta o jogo como uma acção destituída de qualquer interesse material exclui pura e simplesmente as apostas e os jogos de azar. [...] para o bem ou para o mal, ocupam precisamente uma parte importante na economia e na vida quo- tidiana de diversos povos. Fonte: Caillois (1967, p. 23–24). SAIBA MAIS EDUCAÇÃO FÍSICA 29 um agrupamento de regras e normas que não po- dem ser quebradas. Se as regras forem quebradas, fundamentalmente o próprio jogo acaba. E o que faz a regra ser imposta no ato do jogo? O próprio desejo de jogar, de respeitar as regras da atividade, de en- trar em acordo voluntariamente. Outro traço que caracteriza o jogo, para o au- tor, é que ele estimula qualquer capacidade huma- na, seja ela física, seja intelectual. Este estímulo é possível, pois pode tornar mais acessível e fácil, por meio do prazer e obstinação que o jogo proporcio- na, o que poderia a princípio ser considerado difí- cil ou inacessível para quem joga. Exemplifica que o jogo competitivo, por exemplo, leva ao desporto; que os jogos de azar e de combinação serviram de base para muitos “[...] desenvolvimentos matemá- ticos, de cálculos de probabilidades à topologia” (CAILLOIS, 1967, p. 15). Sobre as contribuições do jogo, Caillois aponta que este é muito fecundo para o desenvolvimen- to cultural, como também ao desenvolvimento de cada indivíduo, e nos conta que os estudos da psicologia detectaram este potencial: “[...] reco- nhecem-lhes um papel vital na história da auto-a- firmação da criança e na formação de sua persona- lidade” (CAILLOIS, 1967, p. 15). O jogo, na teoria desenvolvida por Caillois, não prepara o sujeito para o trabalho que desen- volverá na vida adulta, ele é apenas, aparentemente, uma experimentação do trabalho. O jogo introduz a pessoa na sua vida de maneira geral, no todo, levando-o a desenvolver capacidades frente às di- ficuldades da vida, não para preparar o indivíduo para uma profissão definida. Assim, uma criança que brinca de ser professora e se posiciona em fren- te a seus amigos para ministrar uma aula não vai, necessariamente, ser professora. Para Caillois (1967, p. 16), O jogo supõe, sem dúvida a vontade de ganhar, pela utilização plena dos recursos e pela exclu- são das jogadas proibidas. Mas exige mais: é preciso ser cortês para com o adversário, dar- -lhe confiança, por princípio, e combatê-lo sem animosidade. É preciso aceitar antecipadamen- te uma eventual derrota, o azar ou a fatalidade, admitir a derrota sem cólera nem desespero. Desta forma, o jogo nos convida a desenvolver o au- todomínio relatado acima, pressupõe que, para ser um jogador, precisamos compreender estes acordos. Se ocorrer a derrota, pode ser realizada uma nova jogada, o jogo pode recomeçar e, em um novo jogo, existe a oportunidade de aperfeiçoar sua performance ao invés de desanimar frente ao jogo. A lei do jogo, para o autor, implica acolher uma derrota como um contratempo e a vitória sem excessiva vaidade, valorizando como se joga em detrimento da vitória em si e mais importante que o que se aposta. Esta lei que recusa a mesqui- nhez e o ódio é “praticar um ato de civilização” (CAILLOIS, 1967, p. 17). Caillois afirma que O jogo assenta indubitavelmente no prazer de vencer o obstáculo, mas um obstáculo arbitrá- rio, quase fictício, feito à medida do jogador e por ele aceite. A realidade não tem estas aten- ções (CAILLOIS, 1967, p. 18). Deste modo, o jogar é colocado com transposições a serem superadas, mas estas são quase inventadas, com um traço importante: as regras são aceitas pelas partes que compõem o jogo para que este se desenvolva. Destarte, o autor nos aponta, prezado(a) alu- no(a), que o jogo caracteriza-se por ser “[...] uma atividade livre e voluntária, fonte de alegria e diver- 30 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS timento. Um jogo em que fôssemos forçados a par- ticipar deixaria imediatamente de ser jogo” (CAIL- LOIS, 1967, p. 26). Se o jogo fosse realizado de forma coercitiva, ou apenas recomendado, perderia sua essencialida- de. Quando nos impõem que façamos algo, temos a necessidade de nos livrarmos rapidamente daquela tarefa e se assim for no jogo, para Caillois, perde-se uma de suas principais características: a liberdade de escolha, de se entregar livremente àquela atividade por puro prazer. O jogo, para o autor, também ocorre em um de- terminado tempo e espaço. Desenvolvendo-se como uma atividade separada do restante da vida dos in- divíduos. Por exemplo, em relação ao espaço, se uma bola sai da área determinada para se jogar peteca em duplas (espaço), o jogo é paralisado (tempo) e são aplicadas as penalidades determinadas, então o jogo é retomado no local determinado (espaço) e tem sua duração determinada por algum sinal, como um apito (tempo). Assim, Caillois (1967, p. 29) nos apresenta as principais características do jogo em seis elementos: 1-Livre: uma vez que, se o jogador fosse a ele obrigado, o jogo perderia de imediato a sua natureza de diversão atraente e alegre; 2-De- limitada: circunscrita a limites de espaço e de tempo, rigorosa e previamente estabelecidos; 3-Incerta: já que o seu desenrolar não pode ser determinado nem o resultado obtido pre- viamente, e já que é obrigatoriamente deixada à iniciativa do jogador uma certa liberdade na necessidade de inventar; 4-Improdutiva: por- que não gera bens, nem riquezas nem elemen- tos novos de espécie alguma; e, salvo alteração de propriedade no interior do círculo dos jo- gadores, conduz a uma situação idêntica à do início da partida. 5-Regulamentada: sujeita a convenções que suspendem as leis normais e que instauram momentaneamente uma legisla- ção nova, a única que conta; 6-Fictícia: acom- panhada de uma consciência específica de uma realidade outra, ou de franca irrealidade em re- lação à vida normal. O autor expõe que a característica de ser regulamen- tada e fictícia é contraditória e quase mutuamente excludente. O jogo é, anteriormente ao seu desen- volvimento, ou regulamentado ou fictício, consti- tuindo, para Caillois, como pontos incongruentes. Prezado(a) aluno(a), frente a estes conceitos elementares do jogo, baseados na contribuição de Roger Caillois, podemos destacar que o jogo não se forja apenas de uma maneira. Suas características sãofruto de inúmeras combinações, nos permitindo afirmar que não é um fenômeno simples, pois é com- posto de inúmeros determinantes desde sua origem. Na busca pela conceituação de jogo, temos tam- bém a construção desenvolvida na Teoria Histórico- -Cultural, que discute o desenvolvimento humano, e neste processo também o jogo e a brincadeira. Uma das contribuições mais expressivas da área para a compreensão do jogo é desenvolvida por Daniil B. Elkonin, psicólogo, que estudou especialmente a educação escolar infantil e escreveu, entre outras obras, a Psicologia do Jogo. O autor trata da linguagem do jogo apoiado nos estudos e pesquisas de Lev Semenovitch Vygotsky, que assim como Elkonin, era psicólogo. Os estudos eram relacionados à brincadeira e ao desenvolvimen- to das crianças. Tratavam também de disseminar a compreensão da necessidade de superarmos concep- ções que naturalizam essa linguagem humana e que o jogo e a brincadeira são construções histórico-sociais. EDUCAÇÃO FÍSICA 31 Elkonin (1998, p. 19) explica que o jogo “[...] é uma atividade em que se reconstroem, sem fins uti- litários diretos as relações sociais”. Compreendendo que o jogo é a reconstrução de uma atividade relacio- nada à vida social, tarefas e normas destas relações. O autor assinala que existe uma afinidade entre o jogo e a arte. Na modernidade, não existem cons- tituições evoluídas de jogo entre os adultos, elas fo- ram substituídas pelas inúmeras formas de arte ou pelos diferentes esportes. Por outro lado, na infân- cia, o jogo de papéis persiste, ocorre nas mais diver- sas esferas na contemporaneidade. O jogo protagonizado [...] nasce no decorrer do desenvolvimento his- tórico da sociedade como resultado da mudan- ça de lugar da criança no sistema de relações sociais. Por conseguinte, é de origem e natureza sociais (ELKONIN, 1998, p. 80). A sua origem não tem relação com o instinto e na- tureza humana e sim com condições concretas que a criança vive. Marcolino et al. (2014), apoiados na teoria de- senvolvida por Elkonin, nos explicitam que a cons- tituição do jogo protagonizado pode ser explicado desde as sociedades primitivas, nas quais não havia ainda uma organização do modo de produção com complexificação das ferramentas, portanto, as crian- ças estavam inseridas no processo produtivo sem uma necessária habilidade prévia (processo de en- sinagem) junto com seus pais. Nos níveis interme- diários de evolução dos instrumentos de trabalho, estas ferramentas ficaram mais elaboradas, fazendo com que as crianças aprendessem algo sobre como manejar estes instrumentos. Com a constituição da indústria, fica mais difí- cil a inserção da criança no trabalho, tendo que ser feita com pessoas mais velhas a entrada no processo produtivo. Sendo assim, o jogo de papéis ou prota- gonizado nasce junto a [...] nova posição so cial da criança: como não pode ser inserida na sociedade através de uma atividade diretamente útil, ela reconstitui, por meio do jogo, esferas da vida adulta que não lhe estão dire tamente acessíveis (MARCOLINO et al., 2014, p. 98). A origem do jogo protagonizado está então pautada na aprendizagem nas relações sociais e na mediação educativa entre o adulto e a criança. Marcolino et al. (2014, p. 99), exemplificam que: As ações aprendidas na atividade com os adul- tos tornam-se lúdicas quando a criança trans- fere o uso de um objeto aprendido em uma ação para outras ações. Por exemplo: a criança aprende a pentear o cabelo com pente e passa a pentear as bonecas, e em outros casos pode usar uma régua para pentear a boneca. Os papéis que as crianças assumem nos jogos são o cerne destes, o que deve ser observado na evolução do jogo. Com diferentes idades, a criança compreende, se relaciona e desempenha diferentes papéis na situa- ção de jogo. O jogo tem como eixo central as relações humanas e não os objetos, pois são as relações com o adulto que motivam o jogo em si e não o artefato que a criança tem acesso (MARCOLINO et al., 2014). Sendo assim, a criança pode desenvolver o jogo sem o objeto em si e representar o papel. Por exem- plo, ela quer brincar de piloto de corrida de carros; não tendo um carrinho de brinquedo para pilotar, ela pode sentar em uma cadeira e fazer uma tampa de panela de volante para desempenhar o papel de piloto e brincar de corrida. 32 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Elkonin (1998) também afirma que o jogo pressu- põe uma ação lúdica abreviada e sintética. O que significa isso? Que a criança, quando reproduz uma situação no jogo, não a desenvolve em todos seus passos e características, ela se apropria de elementos que compreende e desenvolve a ação lúdica. O que é mais relevante neste processo é que to- dos os envolvidos compreendam o sentido do jogo protagonizado. Assim, no desenvolvimento do jogo de papéis, a criança reestrutura seu pensamento e estabelece seu desenvolvimento psíquico e sua per- sonalidade (MARCOLINO et al., 2014). Destarte, Elkonin (1998) discute e faz suas pro- posições sobre o jogo a partir de uma categoria cen- tral, o trabalho. A relação adulto-criança sustenta o que vai gerar o conteúdo e forma do jogo protagoni- zado. Ele constitui-se imbricado com a realidade em que dá-se o jogo, o contexto em que a criança que joga está inserida. Desta forma, o conceito de jogo protagonizado não pode ser compreendido distante ou desconsiderando a realidade. Prezado(a) aluno(a), temos inúmeras contribui- ções sobre a conceituação dos jogos. Como o enten- dimento do educador brasileiro João Batista Freire; de Jean Piaget, psicólogo suíço; de Henry Wallon, psicólogo e médico francês, dentre tantos outros que podemos citar que se dedicaram a refletir sobre esta forma de expressão humana. Esta abordagem realizada na disciplina, com três principais contribuições tão díspares uma das outras, a saber, de Johan Huizinga, Roger Caillois e Daniil Elkonin, deve ser entendida por você como um estímulo para que busque outras referências neste vasto universo do jogo. SOBRE A BRINCADEIRA Assim como afirmamos no início desta unidade, não existe uma separação tão estanque como reali- zamos aqui entre o jogo, a brincadeira e o brinquedo e nos organizamos assim para um melhor processo de aprendizagem. Iremos nos debruçar sobre algu- mas especificidades do brincar, considerando que muitos conceitos trabalhados anteriormente sobre o jogo correspondem também ao brincar. Se pudéssemos apontar uma diferença entre jogo e brincadeira - que é destacada por diversos pesquisadores da área -, seria o fato de a brincadei- ra ter regras menos complexas e estruturadas que o jogo. Os jogos, para os autores que apontam esta di- visão, têm na sua organização regras estabelecidas e formas mais sistematizadas a serem praticadas em detrimento da brincadeira. Por exemplo, brincar de “veterinário” pode ter regras modificadas e definidas na hora, se assim os participantes quiserem; se observarmos um jogo de três-corta (jogo que, em círculo, os participan- tes jogam a bola de voleibol e no terceiro toque o EDUCAÇÃO FÍSICA 33 jogador corta com a bola objetivando “queimar” algum adversário e eliminá-lo do jogo), existe uma complexidade maior nas regras e que foram acordadas entre os participantes antes, senão o jogo não iniciaria. Contudo, esta diferenciação entre jogo e brin- cadeira aqui, em nosso processo de aprendizagem, é secundária. Consideramos que ela reduz estas ex- pressões humanas e classifica algo que tem sua ri- queza justamente pautada na diversidade. Possivel- mente, este jogo que acabamos de exemplificar pode ter outra nomenclatura em um local distinto, pode ter suas regras modificadas, pode não ser jogado com o material que citamos, entre outros elementos. Quanto à brincadeira de veterinário, os brincantes podem definir várias regras e normas para a brinca- deira ser desenvolvida. Vamos nos atentar aqui a debater a partir do que já aprendemos sobre o conceito de jogo,ele- mentos que nos enriqueçam como professores(as)/ profissionais em formação, para a compreensão da cultura lúdica da criança. Debortoli (2004), a partir da multiplicidade que é própria da brincadeira, a define como: Uma das formas mais sutis e sofisticadas de partilha de regras, por mais tácitas que se- jam. Uma brincadeira entrecruza histórias, tempos e espaços. Não se brinca apenas com um objeto. Brinca-se com uma memória coletiva que muitas vezes transcende quem brinca e o próprio momento da brincadeira: objetos, tempos, substâncias, regiões, épocas, cidades, países, estações do ano, rituais, os mais amplos e ricos contextos humanos. Pre- firo dizer que toda brincadeira consiste num jogo, no sentido mais pleno da construção de regras e instauração de uma dinâmica coleti- va de significação de suas relações (DEBOR- TOLI, 2004, p.20). Assim, a linguagem da brincadeira caracteriza-se por uma expressão que é fruto de elementos advin- dos das relações humanas às quais o brincante tem acesso. Não está relacionada a um determinado lo- cal ou tempo, ela pode dar-se em inúmeras situações e contextos. O brincar que se observa tem em si elementos atuais, representa as marcas da sociedade em que está ocorrendo. No mundo contemporâneo, com ca- racterísticas de prazer imediato, consumo, rapidez, relações superficiais e descartáveis, a brincadeira pode ser utilizada como instrumento para moldar comportamentos dos brincantes. Ela pode ser utili- zada como ferramenta que reproduz este sentido de sociedade e não a característica da brincadeira em si como expressão de criação e produção do mundo (DEBORTOLI, 2004). O brincar, assim como afirmamos em algumas pro- posições sobre o jogo, tem ligação expressa na e com a realidade. No brincar ocorre a reconstrução da realida- de e durante esta atividade a criança formula hipóteses, [...] Num espaço à margem da vida comum, obedecendo a regras criadas pelos sujeitos brincantes diante das situações inesperadas que vão surgindo, as crianças brincam com o senti- do da realidade mudando-o, transformando-o (SILVA, 2004, p. 26). Desvelando o potencial imaginativo e criador do brin- car é que destacamos como seu elemento constitutivo. É imprescindível que adultos, especialmente os(as) professores(as)/profissionais, compreendam as imensas possibilidades da brincadeira, em que um fato pode ser rapidamente modificado e ter todo o curso da brincadeira transformado. O brincar pode nos ensinar que é possível imaginar e criar ou- tras formas de existência e resistência. 34 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Como podemos observar isso? Se as crianças precisam de algo para complementar sua brincadei- ra, como incluir mais alguém na atividade, logo se organizam para isso: brincando de posto de gasoli- na, crianças têm diversas funções, mais uma criança chega e pede para ser incluída. E se os outros que- rem sua participação? Rapidamente, as crianças in- ventam mais uma bomba de gasolina para o novo brincante abastecer o carro. Questão resolvida. Desta forma, o brincar promove inúmeras formas [...] de produção dos sentidos, de nossa história e de nossa humanidade: se a história foi assim, ela pode ser diferente; podemos vivê-la, partilhá-la, experimentá-la de formas diferentes, sobretudo imponderáveis (DEBORTOLI, 2004, p. 24). Vygotsky (1991) nos apresenta a brincadeira como uma possibilidade de compreender e assimilar o mundo pela criança brincante. Na brincadeira, a criança enfrenta desafios e conflitos e nestas situa- ções vai desenvolvendo a capacidade de aprender e assimilar as normas da sociedade. Assim, a brincadeira, para o psicólogo, contribui como mediadora do processo de desenvolvimento infantil. Na brincadeira, a criança experimenta, imi- ta e aprende sobre situações que vão além do seu co- tidiano. Ela avança em outros territórios que ainda não pode vivenciar na infância, cria papéis e formu- la estratégias de como lidar com as situações geradas por aquela atividade. Podemos exemplificar com uma criança brin- cando de astronauta e vivenciando uma chuva de meteoros em sua espaçonave, tendo que lidar com as adversidades provocadas pela chuva. O potencial criativo da brincadeira é impulso para desvendar, tomar decisões e agir sobre as vivências construídas na situação de brincadeira. Estamos até agora tratando da brincadeira em si. Discutimos com você, prezado(a) aluno(a), signifi- cados e desdobramentos da brincadeira com seu sig- nificado nela mesma. Entretanto, esse não é o senti- do atrelado, muitas vezes, à brincadeira. Em geral, para a brincadeira ser reconhecida como importante na sociedade, ela tem seu significado relacionado a outro fator, um elemento externo. Neste sentido, para Debortoli (2004), a brinca- deira, para ter importância, precisa erroneamente, especialmente na visão do adulto, estar atrelada a algo sério e de valor, como com conteúdos ou habi- lidades. Desta forma, justifica-se a ocorrência delas em ambientes educacionais, por exemplo. Dizer que o brincar e a brincadeira são coisas sé- rias reforça uma tentativa de dar um estatuto de importância a partir da referência daquilo que o olhar adulto considera importante, como o trabalho e a ciência; ou outros conhecimentos, como a matemática, a leitura e a escrita, ou com- portamentos disciplinados e considerados como adequados. O brincar, assim, adquire importân- cia por subsidiar outras aprendizagens, mas não por seus temas, linguagem, tensões e suas rela- ções específicas (DEBORTOLI, 2004, p. 23). EDUCAÇÃO FÍSICA 35 Os significados, historicidade e sentidos da brinca- deira precisam ser mais bem compreendidos pelo mundo adulto. Esta busca desenfreada por dar um significado externo à brincadeira do que a ela mes- ma é motivada por uma lógica de que, para valer a pena, uma situação deve gerar um produto imediato. Por exemplo, considere que as crianças brin- quem de amarelinha, mas que devem resolver equações matemáticas para avançarem na brinca- deira. Um adulto poderia olhar a situação e dizer: isso sim é uma brincadeira boa para a criança, esta brincadeira se justifica na escola. Enquanto em ou- tra situação, se as crianças brincarem de amareli- nha com sua própria organização, sem elementos exteriores (por exemplo, as equações matemáticas), podem não ter a mesma relevância a partir do olhar de um adulto. Alves et al. (2011), a partir da leitura de Ben- jamin, nos aponta que na compreensão do mundo adulto sobre a brincadeira está implicada também o processo de memória. A relação e o olhar do adul- to para com o brincar são influenciados pelas expe- riências vivenciadas por ele com o brincar em sua constituição como pessoa aliada às condições con- cretas que um adulto vivencia. É nesse processo que podemos compreender como brinquedos e brincadeiras infantis docu- mentam o modo de o adulto se colocar em rela- ção ao mundo da criança, uma vez que signifi- cativas interações da criança com o adulto e seu universo social passam pelo brincar e uso de brinquedos. A memória do brincar é, portanto, um substrato que pode estabelecer liames entre passado e presente, entre distintas realidades espaciais e temporais, individuais e sociais (AL- VES et al., 2011, p. 49). Esta contribuição sobre a influência da memória do adulto e a relação com o brincar da criança é basea- da nos estudos de Walter Benjamin, filósofo e soci- ólogo alemão que aponta que as diversas vivências do brincar na infância constituem e fazem parte do adulto e de sua subjetividade. Benjamin (2002) também assinala outro traço pertinente ao brincar, que são os hábitos que a crian- ça se apropria nesta atividade, como o dormir, o ves- tir-se, o pentear-se, entre outros hábitos que podem ser aprendidos no brincar e no jogar. Segundo o autor, “o hábito entra na vida como brincadeira, e nele, mesmo em suas formas mais en- rijecidas, sobrevive até o final um restinho da brin- cadeira” (BENJAMIN, 2002, p. 102). Assim, mesmo
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