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Pregando Cristo a partir de Eclesiastes © 2017, Editora Cultura Cristã. Publicado originalmente em inglês com o título Preaching Christ from Eclesiastes © 2010 Sidney Greidanus por Wm. B. Eerdmans Publishing Co. 2140 Oak Industrial Drive N.E., Grand Rapids, Michigan 49505. Todos os direitos são reservados. Conselho Editorial Antônio Coine Carlos Henrique Machado Cláudio Marra (Presidente) Filipe Fontes Produção Editorial Heber Carlos de Campos Jr. Tradução Marcos André Marques Vagner Barbosa Misael Batista do Nascimento Revisão Tarcízio José de Freitas Carvalho Ana Amélia Vicente Sandra Couto Mari Kumagai Editoração, capa e e-book OM Designers Gráficos G824p Greidanus, Sidney Pregando Cristo a partir de Eclesiastes / Sidney Greidanus; Traduzido por Vagner Barbosa. _ São Paulo: Cultura Cristã, 2017. Recurso eletrônico (ePub) ISBN 978-85-7622-890-5 Tradução Preaching Christ from Eclesiastes 1. Estudo Bíblico 2. Homilética 3. Pregação I. Título CDU 27-277 A posição doutrinária da Igreja Presbiteriana do Brasil é expressa em seus “símbolos de fé”, que apresentam o modo Reformado e Presbiteriano de compreender a Escritura. São esses símbolos a Confissão de Fé de Westminster e seus catecismos, o Maior e o Breve. Como Editora oficial de uma denominação confessional, cuidamos para que as obras publicadas espelhem sempre essa posição. Existe a possibilidade, porém, de autores, às vezes, mencionarem ou mesmo defenderem aspectos que refletem a sua própria opinião, sem que o fato de sua publicação por esta Editora represente endosso integral, pela denominação e pela Editora, de todos os pontos de vista apresentados. A posição da denominação sobre pontos específicos porventura em debate poderá ser encontrada nos mencionados símbolos de fé. Rua Miguel Teles Júnior, 394 – CEP 01540-040 – São Paulo – SP Fones: 0800-0141963 / (11) 3207-7099 www.editoraculturacrista.com.br – cep@cep.org.br Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas Editor: Cláudio Antônio Batista Marra Aos nossos netos: Jeremy & Julie, Cara & Peter, Caitlin Zachari, Anna, e Jessica, e Mikayla, Solomon e Katherine. Que os “aguilhões e pregos” (Ec 12.11) da sabedoria do Mestre deem direção, estabilidade e segurança para sua vida. PREFÁCIO Em 1976, quando era pastor em Delta, Columbia Britânica, preguei uma série de sermões sobre Eclesiastes. Depois de ouvir um desses sermões teocêntricos, um pastor aposentado aproximou-se de mim e disse: “Apreciei seu sermão, Sid, mas um rabino poderia ter pregado seu sermão em uma sinagoga”. Fiquei confuso, mas isso me levou a pensar na questão da pregação cristocêntrica. É claro, um rabino e eu temos o Antigo Testamento em comum. Além disso, como sabedoria é uma reflexão sobre “‘ordens’ costumeiras no mundo” (veja cap. 1), a mensagem da literatura de sabedoria pode ser a mesma para a igreja e a sinagoga. Então, sim, um rabino poderia ter pregado esse sermão em uma sinagoga sem causar problemas. Mas e se em vez de pregar um “sermão no Antigo Testamento” eu tivesse pregado um “sermão cristão”? ¹ Meus sermões sobre passagens do Antigo Testamento não deviam refletir que essas passagens, agora, funcionam no contexto do Novo Testamento? Os sermões dos pregadores cristãos não deviam ser distintivamente cristãos? Uns vinte anos mais tarde, tive a oportunidade de pesquisar essa questão com profundidade. O resultado foi o livro Pregando Cristo a partir do Antigo Testamento: um método hermenêutico contemporâneo. Concluí que sermões baseados no Antigo Testamento não podem ser meramente sermões teocêntricos, mas devem ser cristocêntricos. Os pais da igreja sabiam disso muito bem, mas, infelizmente, adotaram a interpretação alegórica para alcançar o foco cristocêntrico. Por exemplo, eles pregavam o refrão frequente em Eclesiastes que fala sobre comer e beber como referindo-se à participação no corpo e no sangue no Senhor, na Ceia. E Ambrósio, pregando sobre “o cordão de três dobras não se quebra facilmente” (Ec 4.12), associou-o à Trindade.² Hoje não podemos mais, com integridade, usar a interpretação alegórica para obter interpretação teocêntrica. Aplicada a gêneros diferentes de alegoria, a interpretação alegórica é arbitrária e subjetiva; ela subverte a intenção do autor bíblico. Mas como, então, se pode pregar Cristo na literatura de sabedoria que não contém uma promessa da vinda do Messias e raramente contém um tipo de Cristo? Especialmente com a literatura de sabedoria em mente, ampliei a definição de pregar Cristo. A definição comum é pregar a pessoa e/ou obra de Cristo. Como a obra de Cristo é frequentemente restrita à expiação, ampliei a definição de pregar Cristo acrescentando a categoria do ensino de Cristo. O próprio Jesus enfatizou a importância de seu ensino quando disse: “Se vós permanecerdes na minha palavra [ensino], sois verdadeiramente meus discípulos” (Jo 8.31). Ele sublinhou a importância de seu ensino quando enviou seus seguidores com a ordem: “Ide... fazeis discípulos de todas as nações... ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (Mt 28.19-20). Subsequentemente, João escreve: “Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem tanto o Pai, como o Filho” (2Jo 9). Por isso, defini “pregar Cristo” como “pregar sermões que autenticamente integrem a mensagem do texto com o clímax da revelação de Deus na pessoa, obra e/ou ensino de Jesus Cristo como revelados no Novo Testamento”.³ Baseado em meu estudo do Novo Testamento e da história da igreja, concluí que há sete maneiras legítimas de ir de uma mensagem do Antigo Testamento para Jesus Cristo, no Novo Testamento. Essas maneiras são a progressão histórico- redentiva, promessa-cumprimento, tipologia, analogia, temas longitudinais, referências no Novo Testamento e contraste. Dependendo do texto, os pregadores podem usar uma ou mais dessas maneiras para pregar Cristo. Escrevi este livro primariamente para pregadores, seminaristas e professores de Bíblia. Meu objetivo é encorajar e ajudar pregadores e professores atarefados a proclamar as mensagens de Eclesiastes. Este os capacitará a descobrir rapidamente os blocos de construção para produzir sermões e lições em Eclesiastes: a unidade literária, que é o texto de pregação; a mensagem para Israel (o tema textual); a resposta buscada de Israel e, por analogia, da igreja, hoje (objetivo); as várias maneiras de associar o tema textual com Jesus Cristo, no Novo Testamento; o tema e o objetivo do sermão; e a relevante exposição bíblica de todos os versos da passagem. Os pregadores podem desejar usar este livro para pregar uma série de sermões sobre Eclesiastes. Sugiro uma série de sete sermões sobre a primeira metade de Eclesiastes (1.1–6.9), seguida por uma série de sete sermões sobre a segunda metade (6.10–12.8) e um sobre o epílogo (12.9-14). Ou pode-se optar por três séries de cinco sermões cada. Os professores de Bíblia podem desejar ensinar Eclesiastes em quinze lições, apresentando aos seus alunos somente a leitura da seção “Exposição do sermão”, em cada capítulo. Os leitores observarão que segui o mesmo padrão básico para cada passagem. Esse padrão é baseado nos dez passos partindo do texto do sermão, que desenvolvi para seminaristas do primeiro ano (veja Apêndice 1). A repetição resultante em cada capítulo tem o objetivo de repisar a abordagem hermenêutica- homilética básica ao texto bíblico. Primeiro procuramos identificar os limites da unidade literária e verificar seu contexto. Depois analisamos importantes elementos literários que nos ajudam a montar a estrutura (fluxo) do texto. Depois, observando onde e como o texto fala de Deus, procuramos formular o tema e o objetivo textual. Com esse tema em mente, podemos verificar como cada um dos sete caminhos pode conduzir da mensagem desse texto até Jesus Cristo, no Novo Testamento. Nesse ponto, estamos prontos para formular o tema, objetivo e necessidade do sermão (o problema, o alvo) e considerar a forma do sermão. Concluocada capítulo com uma importante seção sobre “Exposição do sermão”. Nessa seção “Exposição do sermão”, procuro apresentar um modelo para o sermão usando estilo oral⁴ sempre que possível e dar a referência do verso antes da citação, para que a congregação possa ler junto comigo (a compreensão é muito melhor quando a congregação não apenas ouve, mas vê as palavras). Para manter a exposição do sermão em movimento, releguei a maior parte das citações, argumentos complexos e detalhes técnicos às notas de rodapé. Embora comente cada verso do texto, a preparação do sermão pode ser mais seletiva, para evitar excesso de informação. Na exposição, explico onde e como podemos fazer o(s) movimento(s) para Cristo, no Novo Testamento. Esses movimentos são apresentados apenas como sugestões. Enquanto estiverem escrevendo um sermão real, os pregadores podem ser guiados pelo Espírito Santo a melhores caminhos e lugares no sermão para apontar para Cristo. Finalmente, faço breves sugestões para aplicação, relacionadas ao objetivo e à necessidade. Em sermões reais, essas aplicações precisam ser revigoradas com ilustrações e sugestões concretas apropriadas à situação da congregação para a qual se está pregando. Nos apêndices, incluí um modelo de sermão expositivo, uma meditação sobre Eclesiastes 3.1-15 e um sermão sobre Eclesiastes 9.1-12. A menos que seja indicado, a versão bíblica citada é a ARA. Nessas citações, ocasionalmente enfatizei palavras, colocando-as em itálico. Sem indicação, o leitor entenderá que estas são minhas ênfases, pois o itálico não está no original hebraico nem na ARA. As várias transliterações das palavras hebraicas foram padronizadas como indicado na tabela da página 17. Ao citar outros autores, também regularizei as diferentes transliterações do nome hebraico “Qohelet”, mas mantive as preferências do autor nos títulos de seus livros e artigos. Mantive as referências nas notas de rodapé ao mínimo: referências completas podem ser encontradas na Bibliografia. Quando um livro ou artigo não estiver incluído na Bibliografia Selecionada, a informação completa é encontrada na nota de rodapé. Lanço este livro como “pão sobre as águas” (Ec 11.1), na esperança e na oração para que ele estimule muitos pregadores a pregar sobre o frequentemente negligenciado livro de Eclesiastes, para ajudar as pessoas a agir sábia e alegremente em sua vida diária, para a glória de Deus. Grand Rapids, Michigan Sidney Greidanus ¹ Esta é uma profunda distinção feita por Edmund Clowney: “A proclamação cristã de um texto do Antigo Testamento não é a pregação de um sermão do Antigo Testamento”. Preaching and Biblical Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1961), 75. Cf. Graeme Goldsworthy, Preaching the Whole Bible as Christian Scripture: The Application of Biblical Theology to Expository Preaching (Grand Rapids: Eerdmans, 1988), 195: “A principal preocupação do pregador deve ser pregar o significado do texto em relação ao objetivo de toda a revelação bíblica, a saber, a pessoa e obra de Cristo. Posso manter minha integridade como pregador cristão se pregar uma parte da Bíblia como se Jesus não tivesse vindo?” ² Longman, Book of Ecclesiastes, 30-31. Svend Holm-Nielsen, “On the Interpretation of Qoheleth in Early Christianity”, VT 24/2 (1974) 175, afirma: “O entendimento que Hieronymus tem de Qohelet é baseado nos mesmos princípios que sua interpretação dos textos bíblicos... No Antigo Testamento... a interpretatio literalis e a interpretatio spiritualis. Mas deve ser lembrado que a spiritualis... é igual à interpretação cristológica”. Ainda hoje os pregadores são tentados a usar interpretação alegórica para pregar Cristo em Eclesiastes. Por exemplo, Parsons, “Guidelines”, BSac 160 (2003) 300, menciona um sermão de casamento em que o cordão de três dobras, de Eclesiastes 4.12, foi pregado como sendo o noivo, a noiva e Cristo. Cf. Matthew Henry e Thomas Scott, Commentary on the Holy Bible, Vol. 3 (Grand Rapids: Baker, 1960 reimpressão), p. 413: “Dois juntos são um cordão de três dobras; onde dois estão estreitamente unidos em santo amor e comunhão, Cristo, por meio de seu Espírito, vem até eles e se torna a terceira dobra, assim como se juntou aos dois discípulos no caminho de Emaús. Então há um cordão de três dobras que não se pode romper”. Os pregadores também têm pregado que a passagem que fala sobre lançar o pão sobre as águas (Ec 11.1) significa enviar Cristo, o Pão da Vida, sobre as águas (veja Percy P. Stoute, “Bread upon the Waters”, BSac 107 [1950] 223). ³ Greidanus, Preaching Christ from the Old Testament, 10. ⁴ O estilo oral é marcado, entre outras características, por frases curtas, voz ativa, palavras curtas, mas vívidas; substantivos e verbos fortes, linguagem concreta, narrativa no presente, referência dos versos antes da citação, uso de perguntas para envolver os leitores, uso de repetição e paralelismo. Veja Mark Galli e Craig Brian Larson, Preaching That Connects: Using the Techniques of Journalists to Add Impact to Your Sermons (Grand Rapids: Zondervan, 2004). AGRADECIMENTOS Antes de tudo, gostaria de agradecer a todos os autores dos livros e artigos listados na bibliografia. Muito embora tenham chegado a resultados amplamente divergentes, sem seus esforços para entender Eclesiastes e publicar suas descobertas, este livro sobre pregação em Eclesiastes não teria visto a luz do dia. Também preciso agradecer aos meus revisores por seu excelente trabalho. Eles são meu irmão, Rev. Morris Greidanus, pastor aposentado da First Christian Reformed Church, Grand Rapids, Michigan, e meus ex-alunos, Rev. Ryan Faber, de Pella, e Rev. Joel Schroes, de Denver. Os três leram cuidadosamente o manuscrito e deram muitas sugestões úteis para melhorar seu conteúdo e sua clareza. Também aprecio o trabalho da equipe da biblioteca do Calvin College e do Calvin Theological Seminary ao fornecer livros e artigos necessários para essa pesquisa. Agradeço também à equipe de Eerdmans Publishing Company por preparar competentemente este livro para publicação, especialmente ao editor dos meus três últimos livros, Milton Essenburg. Mais uma vez agradeço à minha esposa, Marie, por seu encorajamento e por criar um lar pacífico e uma atmosfera tranquila para que pudesse me concentrar neste projeto. Acima de tudo, sou grato ao Senhor por me dar alegria diária por este livro e por me dar saúde e força para ver este projeto ser concluído. ABREVIATURAS AUSS Andrews University Seminary Studies BBR Bulletin for Biblical Research Bib Biblica BSac Bibliotheca Sacra BTB Biblical Theology Bulletin CBQ Catholic Biblical Quarterly CTJ Calvin Theological Journal CQ The Congregational Quarterly ETL Ephemerides Theologicae Lovanienses EvRT Evangelical Review of Theology EvQ Evangelical Quarterly Int Interpretation JBL Journal of Biblical Literature JETS Journal of the Evangelical Theological Society JHS Journal of Hebrew Scriptures JPS Jewish Publication Society JQR Jewish Quarterly Review JSOT Journal for the Study of the Old Testament JSS Journal of Semitic Studies NASB New American Standard Bible NEB New English Bible NRSV New Revised Standard Version NICOT New International Commentary on the Old Testament NIDOTT&E New International Dictionary of Old Testament Theology and Exegesis p (p). página (s) par. paralelos PSBul Princeton Seminary Bulletin RB Revue Biblique rpt. reimpressão TDOT Theological Dictionary of the Old Testament TNIV Today’s New International Version TSFBul Theological Students Fellowship Bulletin TynBul Tyndale Bulletin VT Vetus Testamentum TRANSLITERAÇÕES Hebraico Consoantes Nenhuma distinção é feita entre o com ou sem dagesh lene. Compare: Vogais CAPÍTULO 1 Pregando Eclesiastes Vaidade de vaidades, diz o Pregador, tudo é vaidade (Ec 1.2). Talvez Eclesiastes seja o livro mais difícil da Bíblia para se interpretar e pregar. Uma importante razão para essa dificuldade é que os estudiosos do Antigo Testamento não concordam sobre temas importantes: a quantidadede autores envolvida na composição deste livro; a identidade do autor principal; quando, onde e por que o livro foi escrito; a qualidade do estilo hebraico; quais seções são poesia e quais seções são prosa;¹ a estrutura do livro, ou a falta dela; e se sua mensagem é pessimista ou positiva.² Duabe Garrett acrescenta: “Talvez um obstáculo ainda maior para a pregação de Sabedoria seja a suspeita de muitas pessoas de que ela não contém evangelho”.³ Não é de se estranhar que a maior parte dos pregadores ache sábio omitir Eclesiastes de seu programa de pregação. De fato, o Revised Common Lectionary atribui leituras de Eclesiastes para apenas dois cultos: culto de Ano-Novo (anos ABC), Eclesiastes 3.1-3; e o domingo mais próximo de 3 de agosto (ano C), com uma alternativa para Oseias 11.1-11; Eclesiastes 1.12-14; 2.(1-7,11), 18-23.⁴ Infelizmente, omitir Eclesiastes do programa de pregação é uma grande perda para a igreja. O valor da pregação de Eclesiastes Eclesiastes oferece uma perspectiva singular da natureza humana – uma perspectiva que é extremamente relevante para a igreja hoje.⁵ Iain Provan observa: “Focando nossa atenção nesta vida, e não na próxima, este livro contribui para a correção de um desequilíbrio muito frequente em todas as épocas no pensamento cristão, que às vezes apresentou o Cristianismo como se fosse mais uma questão de esperar por algo do que uma questão de viver”. Sandy e Giese afirmam: “O livro de Eclesiastes é uma das mais importantes posses da igreja cristã, pois nos estimula a avaliar e corrigir continuamente nosso entendimento de Deus e nosso ensino sobre Deus à luz de toda a revelação bíblica... As reflexões do sábio em Eclesiastes desmascaram o mito da autonomia e da autossuficiência humana e nos conduzem, em toda a nossa fragilidade e incapacidade, a encontrar significado em um mundo caído na relação Criador-criatura – a polaridade máxima”.⁷ Além disso, Eclesiastes é relevante especialmente para nossa cultura porque lida com muitas das tentações típicas do secularismo. Leland Riken chama Eclesiastes de “o livro mais contemporâneo da Bíblia. Eclesiastes é um ataque satírico a uma sociedade aquisitiva, hedonista e materialista. Ele expõe a busca louca da satisfação no conhecimento, na riqueza, no prazer, no trabalho, na fama e no sexo”.⁸ Antes que os pregadores possam pregar Eclesiastes com integridade, contudo, têm que obter alguma clareza sobre as dificuldades com as quais os comentaristas têm lutado há mais de duzentos anos. Primeiro, exploraremos dificuldades na interpretação de Eclesiastes e, depois, na pregação deste livro. Dificuldades na interpretação de Eclesiastes Discutiremos cinco grandes temas na interpretação de Eclesiastes: a natureza da literatura de sabedoria, o contexto histórico de Eclesiastes, seu gênero e suas formas, sua estrutura e sua mensagem geral. A natureza da literatura de sabedoria Não se pode interpretar e pregar corretamente um texto sem que se leve em conta seu gênero específico. A literatura de sabedoria, assim como a narrativa, os salmos, a profecia e a literatura apocalíptica hebraica, é um gênero literário específico. Portanto, uma questão fundamental é: Qual é a natureza da literatura de sabedoria? Elizabeth Achtemeier responde: “Sabedoria é o resultado de experiência prática e da observação cuidadosa do mundo natural e humano. De todo o caos da experiência, Sabedoria encontra ‘ordens’ no mundo – modos nos quais os seres humanos e os fenômenos naturais se comportam ordinariamente. Seu objetivo, então, é ensinar a homens e mulheres essas ‘ordens’, para que saibam como agir em harmonia com o mundo ao seu redor”.¹ J. A. Loader observa, semelhantemente: “A Sabedoria lida com a ordenação correta da vida. Ação sábia é aquela que integra as pessoas harmoniosamente na ordem que Deus criou. As normas de vida que prescrevem como os seres humanos devem se integrar nessa ordem são os preceitos de sabedoria”.¹¹ Relação da Sabedoria com a história redentiva Em contraste com outros gêneros bíblicos, a literatura de sabedoria não trata dos atos poderosos de Deus. Graeme Goldsworthy observa que isso não significa que a literatura de sabedoria seja “um modo independente e alternativo de se olhar para Deus e a realidade”. A literatura de sabedoria, diz ele, “complementa a perspectiva da história da salvação. De fato, devemos ir além disso e dizer que a sabedoria é uma teologia do homem redimido vivendo no mundo sob governo de Deus. Ela é, assim, um aspecto da teologia do reino tanto quanto a história da salvação”.¹² Também há claras conexões entre Eclesiastes e o início da história da redenção como narrada nos primeiros capítulos de Gênesis. Assim como Gênesis ensina que Deus é o Criador soberano, assim também Eclesiastes proclama a soberania de Deus (3.14; 8.17). Assim como Gênesis ensina que Deus, no princípio, estabeleceu tempos (dia e noite, 1.3-5) e mantém as estações (8.22), assim também Eclesiastes ensina que Deus estabelece tempos (3.1-8) e fez tudo “formoso no seu devido tempo” (3.11). Assim como Gênesis ensina que Deus criou este mundo bom ( , 7 vezes), assim também Eclesiastes reconhece que ainda há bem a ser encontrado neste mundo ( , e.g., 2.24; 3.12-13; 5.18). Assim como Gênesis ensina que os seres humanos foram criados justos, Eclesiastes também ensina (7.29). Assim como Gênesis (1.27; 2.15) ensina que os seres humanos foram criados para comunhão com Deus, Eclesiastes também ensina (12.13). Gênesis também relata que os seres humanos romperam esse relacionamento rebelando-se contra Deus (3.6) e subsequentemente se escondendo de Deus (3.10), sendo expulsos do jardim de Deus (3.24) e sofrendo a penalidade de viver em uma criação amaldiçoada por Deus (3.17), na qual o trabalho significativo (2.15) se tornaria pesado (3.17-19) e a vida inevitavelmente terminaria em morte (3.19, “tu és pó e ao pó tornarás”). Eclesiastes, semelhantemente, fala de nosso presente distanciamento de Deus (5.2), da maldição de Deus sobre a terra (1.15; 7.13), do fardo da labuta humana (1.3; 2.22) e da tragédia da morte (3.20; 12.7: “... e o pó volte à terra, como o era”). Além disso, Gênesis revela que o mal reside no coração humano (6.5) e que o pecado não controlado (4.7) leva à morte – sendo a primeira vítima apropriadamente chamada de Abel (4.8, , sopro). Eclesiastes, semelhantemente, mostra que o mal habita no coração humano (7.20,29; 8.11; 9.3) – sendo essa uma das razões para sua repetida declaração de que “tudo é vaidade” ( 1.2; 12.8).¹³ Apesar dessas conexões com Gênesis e o início da história da redenção, Eclesiastes não foca nos atos redentivos de Deus. Duane Garrett formula o contraste desta forma: “Gênesis conta a história de como os seres humanos – originalmente, em um estado de vida, paraíso e inocência – caíram em culpa, labor e mortalidade. Eclesiastes mostra como pessoas que agora são fracas e mortais devem viver”.¹⁴ William Brown observa: “O que é mais evidente na literatura de sabedoria é seu caráter ‘a-histórico’. Estão surpreendentemente ausente em Provérbios, Jó e Eclesiastes os grandes temas da história bíblica, como o êxodo, a aliança e a conquista da terra. O papel de Deus como libertador e legislador, por sua vez, raramente é mencionado nas tradições de sabedoria. Em vez disso, a ênfase é colocada na criação e no lugar da humanidade”.¹⁵ Isso não significa, contudo, que Deus esteja ausente de Eclesiastes. Deus é o grande Criador (12.1) que fez e ainda “faz todas as coisas” (11.5). Deus estabeleceu os tempos e fez tudo “formoso no seu devido tempo” (3.11). Deus deu ao ser humano seu fôlego (12.7) e o fez “reto, mas ele se meteu em muitas astúcias” (7.29). Deus fez o “dia da prosperidade” e o “dia da adversidade” (7.14). Deus nos dá os “dias da vida” (5.18; 8.15), “riquezas e bens” e a capacidade de “usufruir deles” e até “encontrar prazer no trabalho árduo” (5.19; 6.2). Deus dá “sabedoria, conhecimento e prazer” (2.26), bem como “sentenças coligidas” de sabedoria (12.11). Deus quer que as pessoas desfrutem a vida, “poisDeus de antemão se agrada das tuas obras” (9.7). Deus prova as pessoas (3.18), “não se agrada de tolos” (5.4) e pode fixar irado (5.6). Deus responsabiliza as pessoas por suas ações e julgará o justo e o ímpio (3.16; 11.9; 12.14). Portanto, as pessoas devem se alegrar em todos os seus anos (11.9), lembrar-se de seu Criador (12.1), temer a Deus (3.14; 5.7; 7.18; 8.12) e cumprir seus mandamentos (12.13). Goldsworthy observa que a sabedoria, como a história da salvação, “encontra seu objetivo e cumprimento em Cristo... três aspectos da sabedoria nos confrontam no Novo Testamento: primeiro, as narrativas dos Evangelhos retratam Jesus como o homem sábio que, na forma e no conteúdo de muitas de suas declarações, segue as tradições dos mestres de sabedoria de Israel. Segundo, Jesus, vai além disso e proclama ser a sabedoria de Deus. Terceiro, certos escritores do Novo Testamento... entendem o significado da pessoa e obra de Cristo à luz de certas ideias da literatura de sabedoria”.¹ Contradições Vários comentaristas encontram falhas em Eclesiastes por causa de suas contradições. Compare, por exemplo, as afirmações do Pregador: “(...) tenho por mais felizes os que já morreram, mais do que os que ainda vivem” (4.2) e “Para aquele que está entre os vivos há esperança; porque mais vale um cão vivo que um leão morto” (9.4). Ou considere a contradição dentro de uma mesma passagem: “(...) eu sei com certeza que bem sucede aos que temem a Deus. Mas o perverso não irá bem (...)” (8.12-13) e há “(...) justos a quem sucede segundo as obras dos perversos, e perversos a quem sucede segundo as obras dos justos” (8.14). As contradições, contudo, são naturais na literatura de sabedoria porque a vida é complexa.¹⁷ Um dos mais claros exemplos de conselho contraditório é encontrado em Provérbios 26.4-5: “Não respondas ao insensato segundo a sua estultícia, para que não te faças semelhante a ele. Ao insensato responde segundo a sua estultícia, para que não seja ele sábio aos seus próprios olhos”. Às vezes é sábio não responder aos insensatos; outras vezes, é.¹⁸ Em vez de culpar Eclesiastes por suas contradições, deve-se utilizá-las para entender a mensagem do autor¹ (veja p. 35–36 abaixo, “Justaposições”). Como diz Raymond Van Leeuwen, “Em vez de nos forçar a apagar ou ‘harmonizar’ as ambiguidades e ‘contradições’, a sabedoria bíblica nos convida a ponderar as nuances e complexidades da vida; ela nos convida a nos tornarmos sábios”.² O contexto histórico de Eclesiastes Como a sabedoria ensina “‘ordens’ comuns no mundo”,²¹ identificar o contexto histórico do autor e de seus leitores originais não é algo tão crucial quanto para outros gêneros de literatura bíblica. Contudo, ter alguma noção do contexto histórico em que Eclesiastes foi escrito ajuda os pregadores a entenderem melhor a mensagem e a discernirem sua relevância original. As questões que devemos tentar responder são: Quem escreveu esse livro? Para quem? Quando? Onde? E por quê? O(s) autor(es) Tradicionalmente, os pesquisadores bíblicos identificaram o rei Salomão como o autor de Eclesiastes. Mas Lutero já começou a questionar essa identificação.²² Se Salomão fosse o autor, por que não se identificaria diretamente, como fez em Provérbios 1.1: “Provérbios de Salomão, filho de Davi, o rei de Israel”? Em vez disso, lemos em Eclesiastes 1.1: “Palavra do Pregador, filho de Davi, rei de Jerusalém”. O autor identificado como “Pregador”, Qohelet.²³ Se Salomão fosse o autor, por que ele e seu editor esconderiam seu nome? Em vez de usar um pseudônimo de Salomão, Tremper Longman argumenta: “É muito mais provável que o apelido Qohelet tenha sido adotado pelo verdadeiro escritor para associar- se a Salomão, ao mesmo tempo em que mantinha distância da verdadeira pessoa. Isso é uma forma de indicar que a persona salomônica está sendo adotada com propósitos comunicativos e literários. Em resumo, o sábio que adota o apelido Qohelet finge ser Salomão enquanto explora avenidas de significado no mundo”.²⁴ Depois que Lutero rejeitou Salomão como único autor de Eclesiastes, as comportas de especulação se abriram. Por causa das contradições do livro e das rápidas mudanças de perspectiva, “houve estudiosos dispostos a sugerir que dois, três ou até nove mentes diferentes tinham trabalhado no livro”.²⁵ Se todas essas nove mentes tivessem trabalhado no livro com propósitos diferentes, discernir a mensagem específica de um texto de pregação seria praticamente impossível. Qual seria o contexto para determinar a mensagem do texto? Felizmente, para nossos pregadores, hoje, está surgindo um consenso de que o livro foi escrito por apenas um autor,² possivelmente com um ou dois editores que escreveram o epílogo de 12.8-14 ou 12.9-14 e, talvez, o prólogo de 1.1; 1.1- 2; 1.1-3;²⁷ ou 1.1-11²⁸ (o prólogo e o epílogo são escritos na terceira pessoa, não na primeira, como acontece no corpo de Eclesiastes). A questão fundamental agora é se o editor final, como alguns estudiosos supõem, avalia criticamente (e enfraquece) a mensagem do Pregador. A posição adotada quanto a esta questão determina, em grande medida, como a mensagem do Pregador será interpretada. Por exemplo, Longman argumenta que o chamado “narrador da composição” avalia criticamente os ensinos do Pregador.² Jerry Shepherd adota a “teoria da composição” de Longman, mas a expande, comparando pregar a sabedoria do pregador com pregar os discursos dos amigos de Jó: “O discurso autobiográfico do Qohelet em Eclesiastes não é a palavra de Deus, mas está contido em um livro que é palavra de Deus”.³ Com o golpe de uma caneta, doze capítulos de sabedoria do Pregador são desqualificados por causa de dois versos (12.11-12), que são entendidos como críticos ao pregador – e o Pregador não pode mais ser ouvido com imparcialidade.³¹ Iain Provan corretamente argumenta que não é “geralmente plausível que as volumosas palavras do Qohelet sejam citadas com plena justiça de modo que o autor de 12.8-12 acrescente apenas alguns comentários alegadamente duvidando delas e criticando-as (e, ainda assim, não lidando com elas de modo tão claro)”.³² Com a maioria dos comentaristas, concordo que o Pregador e seu editor falam com uma só voz.³³ Para os intérpretes, isso ainda deixa outra questão crucial sobre o autor. Vários comentaristas admitem que o Pregador critica a sabedoria bíblica tradicional e se opõe a ela. Por exemplo, Loader escreve: “Temos que concluir... que a oposição que o Pregador faz aos geralmente otimistas mestres de sabedoria nunca diminui”.³⁴ Seow alega até mesmo que, em certo ponto, o Pregador “usa a retórica de subversão”.³⁵ Novamente o Pregador é colocado em uma “caixa” que o impede de se fazer ouvir. O fato é que não sabemos com certeza quais provérbios ele cita da sabedoria tradicional e quais são suas próprias composições. Michael Fox apresenta uma posição mais aberta a ouvir a voz do Pregador. O Pregador, diz ele, “não se opõe ou apresenta antíteses às doutrinas da sabedoria tradicional. Não está claro sequer que ele reconheça uma diferença. Ele não está ‘usando a sabedoria tradicional contra si mesma’. Ele apenas a está usando”.³ Os leitores originais A evidência interna oferece algumas pistas a respeito dos leitores originais deste livro. Garret argumenta que “o livro não foi escrito para o israelita comum. Ao contrário, membros de seus leitores originais tinham acesso ao rei (8.3), dedicavam-se à busca da sabedoria (1.12-18) e tinham ou buscavam riqueza (5.10-17). Em resumo, os primeiros leitores eram membros da aristocracia”.³⁷ Whybray acrescenta: “Qohelet era... um teólogo judeu cujo propósito era, motivado por uma fé religiosa genuína, mostrar a uma jovem, mas adulta audiência masculina como manter sua fé em circunstâncias que militavam poderosamente contra isso”.³⁸ Essas pessoas deviam estar vivendo nas proximidades de Jerusalém e do templo, como podemos presumir pela exortação: “Guarda o teu pé, quando entrares na Casa de Deus” (5.1). A evidência também sugere que os leitores estavam preocupados com dinheiro.Muitas das palavras usadas nesse livro são do mundo do comércio.³ Seow conclui que os “‘congregantes’ do Pregador estavam aparentemente preocupados com todos os tipos de questões sociais e econômicas – a volatilidade da economia, a possibilidade de riqueza, herança, posição social, a fragilidade da vida e a sempre presente sombra da morte. Qohelet tratou dessas questões e usou expressões que eram familiares à sua audiência para subverter suas preocupações”.⁴ O livro também nos dá uma boa ideia da visão de mundo desses leitores. O Pregador se dirige a pessoas “cuja visão é limitada pelos horizontes deste mundo; ele vai até eles onde eles estão e passa a convencê-los de sua vaidade inerente. Isso também é expresso por sua expressão característica ‘debaixo do sol’”.⁴¹ Data de composição Se esse livro fosse escrito por Salomão, nos dias de glória da existência de Israel como nação, seria difícil justificar seu tom pessimista. O pesquisador conservador Edward Young afirma: “A autoria salomônica não é amplamente aceita e é rejeitada pela maioria dos estudiosos protestantes ortodoxos”. Uma das principais razões para essa rejeição é que “o contexto do livro não se encaixa na época de Salomão. Era um tempo de miséria e vaidade (1.2-11); o esplendor da época de Salomão tinha passado (1.12–2.26); um tempo de morte tinha começado para Israel (3.1-15); injustiça e violência estavam presentes (4.1-3); havia tirania pagã (5.7,9-19); a morte era preferida à vida (7.1); e um homem governava sobre outro para arruiná-lo (8.9)”.⁴² Uma data pós-exílica se encaixa muito melhor na evidência. Whybray afirma: “O livro foi escrito muitos séculos depois de Salomão, muito provavelmente no século 3º a.C. As principais razões para essa datação são três: o caráter do hebraico em que foi escrito, seu ânimo e estilo de argumento e seu lugar na história do pensamento. Cada uma dessas considerações seria suficiente para provar que esta é uma das últimas composições do Antigo Testamento”.⁴³ Whybray sugere que o livro provavelmente foi escrito “quando a Palestina era governada do Egito pela dinastia ptolemaica”. Esse foi um período de “intenso desenvolvimento econômico... expansão do comércio internacional... oportunidade para surgimento de grandes fortunas para os empresários. O dinheiro como meio de troca assumiu uma importância que nunca tinha tido antes. Esses desenvolvimentos ajudam a explicar a preocupação do Qohelet com dinheiro e lucro”.⁴⁴ Brown observa: “O Qohelet reflete a ansiedade e as esperanças que essa economia emergente inspirava entre o povo geral de Judá (por exemplo, 5.10-12; 7.12; 10.19). De fato, o sábio vai direto ao assunto em suas reflexões iniciais sobre a condição humana, apresentando a questão do ganho econômico em 1.3: ‘Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol?’ (veja também 3.9; 5.16)”.⁴⁵ Além do contexto socioeconômico de Israel, também devemos levar em conta sua perspectiva religiosa alterada. Loader escreve: “Desde a deportação de Israel, no século 6º a.C., pela qual a nação foi forçada ao exílio, profundas mudanças tinham ocorrido no panorama religioso do povo. Eles ainda adoravam o mesmo Deus que seus pais adoravam, mas seu conceito de Deus se tornou mais impessoal”.⁴ Lugar de composição Onde o pregador escreveu seu livro? Embora alguns defendam um local de composição fora da Palestina, o próprio livro faz alusão a ela. “As referências às condições climáticas e à imprevisibilidade do clima, à dependência da chuva... e a sucessões de tempestades (12.2)... refletem as condições da Palestina... Entre os locais que são mencionados pelo Qohelet encontramos vários que são característicos da Palestina, mas são improváveis no Egito, como rachar lenha (10.9) e o uso de cisternas (12.6)... Igualmente decisivas para uma localização palestina são as referências ao templo [5.1-7; 8.10; 9.2]”.⁴⁷ O propósito de Eclesiastes Por que o Pregador escreveu esse livro? Como ele mesmo não menciona explicitamente seu propósito, temos que examinar o conteúdo e a estrutura do livro (veja abaixo) para podermos dar uma resposta definitiva. Mas podemos dar uma resposta provisória aqui, considerando suas reflexões como uma resposta à situação na qual os leitores originais se encontravam. Vimos que esses leitores tinham perdido seus ancoradouros teológicos: seu Deus era distante, enquanto eles viviam somente no nível horizontal, secular, isto é, “debaixo do sol”. O propósito do Pregador, então, era mostrar a esses leitores a deficiência de sua visão de mundo secular. Por essa perspectiva, ele proclama: “Tudo é vaidade” (a inclusio,* 1.2; 12.8). Hendry, por isso, chama Eclesiastes de “uma importante obra apologética” e “uma crítica ao secularismo e à religião secularizada”.⁴⁸ Bartholomew acrescenta: “Eclesiastes é escrito por um mestre sábio como uma exposição irônica de uma epistemologia empirista [epicureus gregos] que busca a sabedoria por meio de experiência e análise pessoal, sem os ‘óculos’ do temor a Deus... Eclesiastes exorta os israelitas a se esforçarem para entender a natureza do sentido da vida e dos propósitos de Deus e a buscarem sabedoria genuína permitindo que seu pensamento seja moldado integralmente pelo reconhecimento de Deus como Criador, de modo que possam desfrutar das boas dádivas de Deus e obedecer às suas leis em meio ao enigma de seus propósitos”.⁴ Gênero e formas de Eclesiastes Antes de podermos entender o que Eclesiastes significa, precisamos saber como ele significa, isto é, qual gênero, forma e linguagem (literal ou figurada) ele usa para comunicar sua mensagem. O gênero amplo de Eclesiastes é literatura de sabedoria (discutido acima). Os comentaristas têm tentado especificar o gênero de Eclesiastes com mais precisão, como “autobiografia de estrutura de sabedoria”⁵ e “tratado autobiográfico”.⁵¹ Roland Murphy afirma: Pode-se dizer que nenhum gênero único, nem mesmo diatribe, é adequado como caracterização do livro do Qohelet. Isto parece ser devido ao fato de que se trata de uma publicação de seus ensinos, que abrangem muitos gêneros [formas] de escrita”.⁵² Para interpretar Eclesiastes, portanto, devemos ter em mente que se trata de uma literatura de sabedoria e dar atenção especial aos seus subgêneros, isto é, suas formas. Enumeramos os tipos mais comuns. Reflexão Reflexão é uma forma característica de Eclesiastes. Ela contempla as mais profundas questões da vida e normalmente é marcada por verbos em primeira pessoa, como “apliquei-me”, “disse a mim mesmo”, “vi (observei)”. A reflexão “tem uma estrutura vaga; ela começa com um tipo de observação, que é, então, examinado por um ou mais pontos de vista, levando a uma conclusão. Dentro dela, podem-se encontrar provérbios, empregados para desenvolver ou preencher o pensamento (por exemplo, 1.12-18)”.⁵³ Provérbio Provérbios são encontrados em todo o livro de Eclesiastes, mas especialmente nos capítulos 7, 10 e 11. “Um provérbio é uma declaração vigorosa, altamente estilizada, de uma verdade sobre a vida”.⁵⁴ Por exemplo, Eclesiastes 10.12 diz: “Nas palavras do sábio há favor, mas ao tolo os seus lábios devoram”. Um provérbio afirma uma verdade geral, mas não cobre todas as situações. Thomas Long afirma: “Um provérbio é maior que um caso, mas não é amplo o suficiente para abranger todos os casos. A presença de provérbios contraditórios dentro da mesma coleção... indica que os provérbios têm um “limite superior” de aplicabilidade. Como sabedoria, transcendem uma situação singular, mas não têm força indiscriminada para serem aplicados em todos os lugares e momentos”.⁵⁵ Os provérbios podem ser subdivididos em provérbios “verdadeiros” (por exemplo, 1.14: “(...) tudo é (era) vaidade e correr atrás do vento”); provérbios “melhor que” (por exemplo, 4.9: “Melhor é serem dois do que um”); e provérbios “assim como” (por exemplo, 11.5: “Assim como tu não sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no ventre da mulher grávida, assim também não sabes as obras de Deus, que faz todas ascoisas”).⁵ Instrução “Uma instrução é um ensino em que o autor procura persuadir seu leitor a adotar ou se afastar de um determinado curso de ação ou pensamento”.⁵⁷ A forma da instrução é normalmente marcada por um ou mais imperativos, frequentemente apoiados por “motivações” – razões para obedecer ao comando. Por exemplo, Eclesiastes 5.1-2 é uma instrução apoiada por motivações: “Guarda o teu pé, quando entrares na Casa de Deus; chegar-se para ouvir é melhor do que oferecer sacrifícios de tolos, pois não sabem que fazem mal. Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus; porque Deus está nos céus, e tu, na terra; portanto, sejam poucas as tuas palavras”. Narrativa autobiográfica Narrativa autobiográfica é “uma descrição em terceira pessoa de uma existência pessoal, real ou imaginada... ou estilizada como ficção literária (i.e., uma descrição de uma existência pessoal criada pelo escritor bíblico ou pelo editor com fins literários e/ou teológicos e/ou razões teológicas)”.⁵⁸ Exemplos de narrativa autobiográfica são Eclesiastes 1.12–2.16 e 7.23-29. Anedota Uma anedota (às vezes chamada de parábola) é uma “história curta [contada em terceira pessoa] para ilustrar um princípio ou verdade de interesse do autor”.⁵ Por exemplo, Eclesiastes 9.13-15 começa com uma reflexão sobre sabedoria e a ilustra com uma anedota: “Também vi este exemplo de sabedoria debaixo do sol, que foi para mim grande. Houve uma pequena cidade em que havia poucos homens; veio contra ela um grande rei, sitiou-a e levantou contra ela grandes baluartes. Encontrou-se nela um homem pobre, porém sábio, que a livrou por sua muita sabedoria; contudo, ninguém se lembrou mais daquele pobre”. Metáfora Uma metáfora é “uma figura de linguagem em que uma palavra ou frase que literalmente denota um tipo de objeto ou ideia é usada em lugar de outra de forma a sugerir uma semelhança ou analogia entre elas”. Por exemplo, Eclesiastes 12.6 reúne quatro metáforas para a morte de uma pessoa: “antes que se rompa o fio de prata, e se despedace o copo de ouro, e se quebre o cântaro junto à fonte, e se desfaça a roda junto ao poço”. A metáfora mais repetida em Eclesiastes é “vaidade”, literalmente “vapor” ou “sopro”. O que o Pregador quer dizer quando compara a vida humana ao vapor? Ele está sugerindo que a vida é curta, efêmera, ou está dizendo que a vida é sem substância ou fútil, ou está implicando que a vida é absurda ou sem sentido? O contexto tem que estabelecer a nuance específica. ¹ Alegoria Uma alegoria é uma metáfora estendida. Veja, por exemplo, Eclesiastes 12.3-4, em que uma pessoa idosa é descrita em termos de uma casa e seus ocupantes: “No dia em que tremerem os guardas da casa, os teus braços, e se curvarem os homens outrora fortes, as tuas pernas, e cessarem os teus moedores da boca, por já serem poucos, e se escurecerem os teus olhos nas janelas; e os teus lábios, quais portas da rua, se fecharem...” A alegoria, é claro, requer interpretação alegórica. Embora possa ser tentador pregar Cristo usando interpretação alegórica em outros textos, esse tipo de interpretação deve ser restrito à forma de alegoria. ² A estrutura de Eclesiastes Identificar a estrutura geral de Eclesiastes é importante, pois só se pode entender corretamente o texto em seu contexto literário. A conhecida história antiga de um homem cego tocando em um elefante ilustra esse importante princípio da hermenêutica bíblica. Quando o homem cego tocou o lado do animal, concluiu que tinha topado com uma parede. Movendo-se ao longo da “parede”, sentiu uma perna e inferiu que havia uma grande árvore perto da parede. Movendo-se ainda mais, tocou a tromba do elefante e concluiu que havia uma cobra na árvore. Se o homem cego tivesse conhecimento do todo, que estava tocando um elefante, teria sido capaz de identificar corretamente as partes. Semelhantemente, para correta interpretação, as partes de Eclesiastes têm que ser entendidas no contexto do livro todo. Infelizmente, determinar a estrutura geral de Eclesiastes é notoriamente muito difícil. Longman afirma: “O estudo aprofundado mostra que o pensamento do Qohelet vagueia, repete-se e, ocasionalmente, se contradiz”. ³ Franz Delitzsch predisse, em 1891: “Todas as tentativas de mostrar, no todo, não apenas singularidade de espírito, mas também um progresso genético, um plano totalmente abrangente e uma conexão orgânica falharam até aqui, e devem falhar”. ⁴ Mas esse ceticismo sobre descobrir uma estrutura geral não impediu os comentaristas de tentar. ⁵ Nenhuma proposta detalhada, porém, encontrou aceitação geral. O que os pregadores devem fazer quando os pesquisadores ficam em pane total com a estrutura de Eclesiastes? Padrões literários Uma boa maneira de os pregadores responderem à incapacidade dos pesquisadores é não serem pegos em estruturas literárias complexas, mas examinar o livro em busca de uma estrutura geral mais modesta que os ajude a entender as partes. É claro que Eclesiastes mostra sua estrutura unificada com uma inclusio: “Vaidade de vaidades, diz o pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade” (1.2; 12.8). A inclusio é reforçada por um poema de abertura sobre a falta de proveito no labor humano (1.3-11) e um poema de encerramento encorajando seus leitores a se lembrarem de seu Criador antes da velhice e da morte (12.1-7). Entre essas duas “extremidades do livro”, o Pregador busca o sentido da vida. Seu “tudo é vaidade” inicial é repetido umas trinta e oito vezes, mas é equilibrado por seu uso frequente da palavra “bom/bondade” (cinquenta e uma vezes) e seu sêxtuplo encorajamento ao temor a Deus (3.14; 5.7; 7.18; 8.12- 13 [3X]). Isso conduz a um sumário final do editor sobre a busca de sentido: “De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo homem” (12.13). Através de muitas paradas e começos para encontrar o sentido da vida, o padrão de Eclesiastes progride até esta final e sétima exortação: “Teme a Deus”, elucidada por “e guarda os seus mandamentos”. Também devemos notar um padrão alternativo de fios horizontais e verticais em Eclesiastes. Os fios horizontais descrevem a vida “debaixo do sol”, enquanto os verticais apontam para Deus. Podemos comparar o livro a uma roupa tecida com fios verticais que se entrelaçam com fios horizontais e formam o tecido. Os fios horizontais descrevem a vida por uma perspectiva secular: vida “debaixo do sol” é vida sem Deus. ⁷ “Vaidade de vaidades, tudo é vaidade. Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho com que se afadiga debaixo do sol?” (1.2-3). A resposta é: nada, absolutamente nada. Há mais para viver, contudo, que um mundo sem Deus. Trinta e nove vezes o Pregador menciona Deus. Quando ele fala de Deus, “a terminologia ‘debaixo do sol’ fica em segundo plano ou totalmente ausente (2.24-26; 11.1–12.14); em vez disso, ele se refere à ‘mão de Deus’ (2.24), à alegria do homem (2.25; 3.12; 5.18,20; 9.7; 11.7-9) e à generosidade de Deus (2.26; 3.13; 5.19). Em doze ocasiões é dito que Deus ‘dá’. Em sete ocasiões é dito que a humanidade recebe de Deus uma ‘porção’ alegre”. ⁸ O Pregador fala de Deus dando “sabedoria, conhecimento e prazer” (2.26), comida, bebida e prazer no trabalho (3.13), “riquezas e bens” e a capacidade de desfrutar deles (5.19; 6.2) e do desejo de Deus de que as pessoas desfrutem de suas dádivas (9.7). O Pregador também adverte que Deus “não se agrada de tolos” (5.4) e “julgará o justo e o perverso” (3.17; 11.9). Portanto, as pessoas devem temer a Deus (3.14; 5.7; 7.18; 8.12-13; 12.13). Justaposições O padrão de fios verticais se entrelaçando com fios horizontais explica, em parte, as contradições em Eclesiastes. O Pregador se coloca na posição de uma pessoa que vive sem Deus e, a partir dessa perspectiva, conclui que “tudo é vaidade”. Mas se a pessoa tiver os olhos postos na realidade de Deus, tudo não é vaidade; há sentido na vida, muito embora, pela perspectiva do Pregador, ele seja restrito por causa da morte.Para descrever essa polaridade em Eclesiastes, alguns estudiosos falam de uma “estrutura polar” ou “justaposição”;⁷ outros, ainda, caracterizam o livro como “diatribe”,⁷¹ “dialógico”,⁷² ou “dialético”.⁷³ O elemento comum nessas descrições variadas é que eles se referem a essa tensão em Eclesiastes entre uma perspectiva secular⁷⁴ e a perspectiva teocêntrica. As justaposições são propositais. O livro é como uma pintura de Rembrant, na qual o fundo e as figuras escuras conduzem os olhos para as figuras na luz. O fundo escuro de vaidade e morte do pregador busca conduzir o leitor aos elementos que estão na luz: alegria; dádivas de Deus; temor a Deus e observância aos seus mandamentos. A luz é o ponto focal da mensagem do Pregador, mas somente em contraste com as trevas da vida sem Deus. A importância de observar essa polaridade entre o negativo e o positivo é que não se pode isolar uma seção negativa de Eclesiastes e pregá-la como se fosse a mensagem do Pregador. Todo texto de pregação deve ser entendido em seu contexto literário mais amplo. A estrutura geral Vários comentaristas têm tentado utilizar o sétuplo carpe diem (“aproveite o dia”) do Pregador.⁷⁵ Em 2.24, o Pregador afirma: “Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem do seu trabalho”. Ele repete esse conselho para desfrutar a vida em 3.12-13; 3.22; 5.18-20; 8.15; 9.7-10; 11.7-10. Embora certamente se deva considerar essa importante repetição para desfrutar cada dia, como pode ser visto pela grande distância entre elas, isso não funciona adequadamente como a estrutura do Pregador de Eclesiastes. De todas as propostas,⁷ Addison Wright provavelmente produziu a mais convincente e detalhada estrutura literária de Eclesiastes.⁷⁷ Sua análise é baseada na “simples técnica [do autor] de concluir seções relacionadas com a mesma frase”. Com base nessas repetições, Wright concluiu “que o corpo do livro consiste de duas metades, 1.12–6.9 e 6.10–11.6. Na primeira metade, Qohelet examina o que é bom o homem fazer (2.4) e expressa suas próprias observações experimentais em duas declarações introdutórias de propósito (1.12-18) e seis seções expositivas (2.1–6.9), cada uma das quais terminando com “tudo é vaidade e correr atrás do vento” (linha que nunca ocorre novamente no livro depois de 6.9). Na segunda metade do livro (6.10–11.6), o Qohelet começa fazendo duas perguntas: Quem sabe o que é bom para o homem e quem conhece o futuro (6.10-12). Ele desenvolve a primeira seção em quatro seções (7.1–8.17). Cada uma dessas seções termina com (não descobrir), e a última seção, com um triplo [não pode compreender... não a entenderá... não a poderá achar] (8.17). Ele desenvolve a segunda pergunta em seis seções [posteriormente reduzidas a quatro]⁷⁸ (9.1–11.6), nas quais ilustra a incapacidade do homem de conhecer o futuro. Cada uma dessas seções termina com (“você não sabe”) e a última seção, com um triplo [não sabes... não sabes... não sabes] (11.5-6)”.⁷ O segundo estudo de Wright confirmou suas conclusões anteriores e as fortaleceu com importantes detalhes numéricos.⁸ Embora vários comentaristas critiquem esse método e seus resultados,⁸¹ incluo sua estrutura proposta (veja p. 39)⁸² porque ele parece ter encontrado muitas divisões elaboradas pelo autor de Eclesiastes. Embora as categorias formais de Wright não reflitam o conteúdo de Eclesiastes – e, assim, não ofereçam muito auxílio para o entendimento das unidades individuais –, sua análise é útil para determinar os limites das unidades literárias que podem servir como texto de pregação. A mensagem geral de Eclesiastes Já que os comentaristas não concordam sobre a estrutura de Eclesiastes, também não concordam com sua mensagem geral. As opiniões variam de “tudo é vaidade”⁸³ a “desfrute a vida”.⁸⁴ Alguns estudiosos optam por vários temas. Brown afirma: “Encontrar um sentido uniforme e determinado em Eclesiastes é tão enganoso quanto assegurar que, para o sábio, o ganho estava por trás deste livro. Contudo, certos temas se destacam, particularmente a fragilidade da existência humana, a incapacidade de os seres humanos se estabilizarem, a inescrutável vontade de Deus e o chamado ao carpe diem, “aproveitar a vida” antes que o sol se ponha, por assim dizer”.⁸⁵ Esses temas podem ser pregados legitimamente quando os textos de pregação os mencionam. Devido ao fato de que o Pregador expõe uma variedade de temas, há um modo de formular um único tema que seja totalmente abrangente? Se tivermos que pregar um sermão sobre todo o livro de Eclesiastes, qual seria o tema?⁸ Já observamos a ênfase do Pregador com sua inclusio e sua constante repetição de que “tudo é vaidade”. Mas também observamos seu refrão “desfrutem dos bens”. Além disso, vimos sua repetida ênfase em “tema a Deus”, que também é enfatizada na conclusão: “De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porquanto isto é o dever de todo homem”. Podemos abranger esses temas importantes com um tema totalmente abrangente? Pode-se considerar o seguinte tema: temer a Deus para transformar uma vida vã, vazia, em uma vida significativa que desfruta das dádivas de Deus.⁸⁷ Dado este tema totalmente abrangente, o propósito geral do Pregador seria encorajar seus leitores a rejeitar a cosmovisão secular e a fazer de Deus o ponto focal de sua vida. Como diz Eaton, “O temor a Deus que ele [o pregador] recomenda (3.14; 5.7; 8.12; 12.13) não é somente o princípio da sabedoria; também é o princípio da alegria, do contentamento e de uma vida poderosa e com propósito. O Pregador deseja nos libertar de uma vida rósea, autoconfiante e sem Deus, com seu inevitável cinismo e amargor, e da confiança na sabedoria, no prazer, na riqueza e na justiça ou integridade humana. Ele deseja nos levar a ver que Deus está lá, que ele é bom e generoso, e que somente esta perspectiva torna a vida coerente e satisfatória”.⁸⁸ Dentro desse panorama geral, os pregadores precisam determinar objetivos mais específicos em cada texto de pregação. Dificuldades na pregação de Eclesiastes Os pregadores têm que lidar não apenas com as dificuldades na interpretação de Eclesiastes, mas também têm que enfrentar dificuldades específicas na pregação desse livro. Destacaremos três dificuldades: primeira, selecionar um texto de pregação adequado; segunda, formular um tema; terceira, pregar Cristo a partir de Eclesiastes. A seleção de um texto de pregação adequado Para fazer justiça ao pensamento do autor bíblico, um texto de pregação deve ser uma unidade literária – não um fragmento de uma unidade ou um verso.⁸ Com narrativas bíblicas, as unidades são facilmente demarcadas, mas isso não acontece com Eclesiastes. W. Sibley Towner afirma: “é mais difícil identificar a maioria das perícopes individuais em Eclesiastes que em qualquer outro livro da Bíblia hebraica, exceto, talvez, o livro de Provérbios”. Os comentaristas geralmente concordam que Eclesiastes 1.1-11 e 1.12–2.26 são unidades literárias, mas não concordam sobre as que vêm depois. Como o sentido de um texto pode mudar com a mudança em suas dimensões, é muito importante selecionar textos de pregação adequados em Eclesiastes. Se o texto escolhido não for uma unidade literária, ele arruinará o sermão desde o início. Felizmente, o pregador oferece algum auxílio para determinar grandes e pequenas unidades literárias com construções iniciais para suas reflexões, como “vi, tenho visto, observado” (por exemplo, 3.16; 4.1,7; 5.18; 7.15; 8.9; 9.11,13) e marcadores finais, como “tudo é vaidade e correr atrás do vento” (1.14,17; 2.11,17,26; 4.4,6,16; 6.9). ¹ A análise literária de Addison Wright (veja acima, p. 39) também é útil para confirmar nossas escolhas de textos de pregação. Como ele observa corretamente, “Eclesiastes é um livro difícil porque pode ser usado para dizer muitas coisas diferentes, dependendo de como se divide o material em seções... consequentemente, se o autor tiver indicado uma forma de dividir o material, essas indicações são da maior importânciapara uma exegese válida”. ² Os pregadores, é claro, têm que escolher unidades menores que as identificadas como textos de pregação neste livro, mas, para uma interpretação válida, essas subunidades ³ ainda têm que ser entendidas no contexto de uma unidade maior. Dois índices no fim deste livro, “Alvos para sermões” e “Tópicos para sermões”, também podem despertar ideias para sermões ocasionais sobre Eclesiastes. Formulação de um tema único Sermões modernos requerem um tema único para que tenham unidade e movimento. ⁴ Mas o Pregador frequentemente tenta apresentar seu pensamento em som stereo por meio de uma justaposição de um polo negativo com um polo positivo ou apresentando dois polos, como “Alegra-te, jovem, na tua juventude (...)” e “Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade (...)” (11.9; 12.1). Quando o texto de pregação contém duas mensagens, é um desafio formular um só tema que faça justiça a ambos os polos. Temos que verificar se um dos dois temas é dominante para que possamos subordinar um ao outro, ou se podemos formular um tema totalmente abrangente que inclua os dois. Pregando Cristo a partir de Eclesiastes Os pregadores não podem simplesmente proclamar a sabedoria do Antigo Testamento como “evangelho” na igreja cristã. Assim como a lei do Antigo Testamento (pense na circuncisão, no sábado e nas comidas impuras) tem que ser validada pelo Novo Testamento antes de ser proclamada como “evangelho” (no sentido de boas-novas também para a igreja), assim também a sabedoria do Antigo Testamento tem que ser confirmada pelo Novo Testamento antes de ser proclamada como “evangelho”. O núcleo do Novo Testamento é Jesus Cristo, que não apenas personificou a “sabedoria de Deus” (1Co 1.24,30), mas também ensinou a sabedoria às pessoas “como quem tem autoridade” (Mt 7.29). Jesus disse aos judeus: “Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim. Contudo, não quereis vir a mim para terdes vida” (Jo 5.39-40). Não devemos apenas pregar o Antigo Testamento, mas também associá-lo a Cristo para que as pessoas tenham vida. Como mencionado no Prefácio, depois de pregar um sermão em uma série sobre Eclesiastes há uns trinta anos, fui perguntado por um pastor aposentado se um rabino poderia ter pregado meu sermão na sinagoga. Tive que admitir que um rabino provavelmente poderia ter feito isso. Isso significa que eu tinha pregado um “sermão do Antigo Testamento”, em vez de um “sermão cristão”. ⁵ Um estudo mais aprofundado me convenceu de que os pais da igreja estavam certos em insistir que um sermão cristão devia pregar Cristo. Mas como? Eclesiastes não contém sequer um “texto messiânico”. Não há promessa da vinda do Messias. Como pregar Cristo a partir de um livro que não tem textos messiânicos? Infelizmente, durante grande parte da história da igreja, a interpretação alegórica foi o método escolhido para pregar Cristo no Antigo Testamento. ⁷ Mas a interpretação alegórica é uma forma de exegese: ela lê o Jesus do Novo Testamento no Antigo. Hoje enfrentamos outra tendência perigosa para pregar Cristo. Brown escreve: “A tentação surge entre os intérpretes cristãos que tratam o Qohelet meramente como realce para a mensagem do evangelho, uma perspectiva deficiente e perigosa em clara necessidade de reabilitação”. ⁸ Embora o contraste com a mensagem de Eclesiastes às vezes possa ser o caminho para pregar Cristo, há muito mais opções a considerar. Um estudo do Novo Testamento e da história da igreja revela pelo menos sete maneiras legítimas de pregar Cristo a partir do Antigo Testamento. Investigar qual dessas maneiras conduz da mensagem do texto para Cristo, no Novo Testamento, é uma forma de investigação que normalmente conduz a várias possibilidades. No sermão não devem ser usadas todas essas maneiras, é claro, mas escolher a mais atrativa, talvez apoiada por uma ou duas das outras. Vejamos cada uma dessas maneiras. Progressão histórico-redentiva Quando um colega viu o título deste manuscrito, Pregando Cristo a partir de Eclesiastes, ele riu: “Você está tentando encontrar Cristo embaixo de cada pedra, não?” No impulso do momento, respondi: “Você está me confundindo com Paulo” (veja 1Co 10.4). Refletindo sobre essa conversa imprópria mais tarde, concluí que dei a resposta errada. Eu deveria ter dito: “Não se trata de tentar encontrar Cristo embaixo de cada pedra, mas de ligar os pontos” – os pontos que vão da periferia do Antigo Testamento ao centro da revelação de Deus em Jesus Cristo. A progressão histórico-redentiva é a maneira básica e fundamental de ligar os pontos. Como a história da redenção progride de seu início mais remoto, depois da Queda no pecado (Gn 3.15), passa pelo tratamento de Deus com Israel e vai até a encarnação de Cristo, sua vida, morte, ressurreição e ascensão e, finalmente, à segunda vinda, os pregadores cristãos devem entender uma passagem do Antigo Testamento à luz dessa progressão na história da redenção.¹ Por exemplo, o Pregador não conhece a ressurreição dos mortos. Embora sugira que haverá um juízo final (3.17; 8.12-13; 11.9), seu pressuposto principal é a morte como ponto-final.¹ ¹ Ele escreve: O que sucede aos filhos dos homens sucede aos animais; o mesmo lhes sucede: como morre um, assim morre o outro, todos têm o mesmo fôlego de vida, e nenhuma vantagem tem o homem sobre os animais; porque tudo é vaidade. Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do pó e ao pó tornarão. Quem sabe se o fôlego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima e o dos animais para baixo, para a terra? (3.19-21; cf. 2.15-16; 9.5). Mas esse pressuposto da morte como ponto-final muda drasticamente quando a história da redenção se move para a frente, para a ressurreição de Jesus. A morte não é o fim. Jesus venceu a morte. O próprio Jesus ensina aos seus seguidores: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo o que vive e crê em mim não morrerá, eternamente”(Jo 11.25-26). A progressão na história da redenção até a ressurreição de Jesus coloca a mensagem do Pregador sob nova luz.¹ ² Promessa-cumprimento O Antigo Testamento contém muitas promessas sobre a vinda do Messias. De uma promessa dessas, pode-se ir diretamente para seu cumprimento, na vinda de Jesus. Mas não podemos usar o modo de promessa-cumprimento em Eclesiastes porque ele não contém promessas messiânicas. Tipologia Tipologia é uma outra maneira de ir de um texto do Antigo Testamento para Cristo, no Novo Testamento. Os eventos, pessoas e instituições redentivos do Antigo Testamento podem funcionar como tipos que prenunciam o grande antítipo, a pessoa e/ou obra de Jesus Cristo. Contudo, como Eclesiastes é ensino de sabedoria, não se deve esperar um tipo de Cristo nesse livro. Duas exceções possíveis são a figura de “Salomão”, em Eclesiastes 1.12–2.26, e do “único Pastor”, em 12.11 (veja p. 74 e 30–31, abaixo). Além disso, pode-se possivelmente argumentar que o próprio Pregador sábio, ao ensinar sabedoria, é um tipo do sábio rabino Jesus, que também ensinou em (provérbios/parábolas).¹ ³ Mas esse tipo de tipologia não é necessário, já que cobriremos esses paralelos no ensino na categoria de analogia. Analogia Outra maneira de irmos do Antigo Testamento para Cristo, no Novo Testamento, é a analogia. Aplicada a Eclesiastes, a analogia observa paralelos entre os ensinos do Pregador do Antigo Testamento e os ensinos de Jesus. Essas analogias existem porque Jesus foi o supremo Pregador sábio. Paulo afirma que, em Cristo, “todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos” (Cl 2.3). Consequentemente, ele pode falar de Jesus como “sabedoria de Deus” (1Co 1.24,30). Com respeito à sabedoria, o próprio Jesus afirmou ser “maior que Salomão” (Lc 11.31; cf. 2.52; 7.35). Não é surpresa, portanto, que seus contemporâneos tenham avaliado Jesus como um Pregador sábio (Mc 1.22) e que ele ensinasse primariamente nas formas de sabedoria de provérbios¹ ⁴ e parábolas.¹ ⁵ Podemos, portanto, buscar analogias entre os ensinosdo Pregador de Eclesiastes e os de Jesus. Por exemplo, o Pregador adverte contra trabalhar pesado para obter ganho: “Também aborreci todo o meu trabalho, que me afadiguei debaixo do sol, visto que o seu ganho eu havia de deixar a quem viesse depois de mim. E quem pode dizer se será sábio ou estulto? Contudo, ele terá domínio sobre todo o ganho das minhas fadigas e sabedoria debaixo do sol; também isto é vaidade” (2.18-19; cf. v.20-23). Jesus adverte de forma semelhante: “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam” (Mt 6.19). Aliás, Jesus conta uma parábola sobre o rico insensato. O insensato constrói grandes celeiros para estocar toda a sua produção e diz: “... tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e regala- te. Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus” (Lc 12.19-21). Temas longitudinais Os temas longitudinais oferecem outro caminho de um texto do Antigo Testamento para Jesus, no Novo Testamento. “Temas longitudinais” é um termo técnico na disciplina de Teologia Bíblica. Refere-se a temas que podem ser traçados através da Escritura desde o Antigo Testamento até o Novo. Podemos utilizar este conceito de temas longitudinais para pregar Cristo porque todo tema importante do Antigo Testamento conduz a Cristo. Por exemplo, vimos que um dos grandes temas de Eclesiastes é o temor a Deus.¹ Esse tema da obrigação do povo de Deus de reverenciá-lo remonta ao início da história de Israel (veja Gn 22.12; Êx 14.31) e pode ser dela até posteriores ordens de Deus com o refrão “... temerás o teu Deus. Eu sou o Senhor” (Lv 19.14,32; 25.17,36,43), até Salmos (por exemplo, 34.9), a literatura de sabedoria (por exemplo, Pv 1.7; 9.10; 15.33; Jó 28.28), até Neemias depois do exílio (Ne 5.9), até Eclesiastes (3.14; 5.7; 7.18; 8.12-13; 12.13), até o ensino de Jesus no Novo Testamento: “Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo” (Mt 10.28). Referências do Novo Testamento Um sexto caminho de uma passagem do Antigo Testamento para Cristo, no Novo Testamento, é o das referências no Novo Testamento. Embora as referências mais diretas para pregar Cristo sejam citações dos ensinos de Jesus nos Evangelhos, também podem ser utilizadas as cartas do Novo Testamento quando ligam seus ensinos a Cristo. Infelizmente, o Novo Testamento raramente cita Eclesiastes diretamente, e cita ou faz alusão a esse livro somente doze vezes.¹ ⁷ Para encontrar ensinos do Novo Testamento similares aos de Eclesiastes, podem-se usar concordâncias, referências cruzadas, comentários e The Treasury of Scripture Knowledge, na Libronix ou a PC Study Bible. É melhor, contudo, não usar as referências do Novo Testamento como único caminho até Cristo, mas usá-las para apoiar um dos outros caminhos até Cristo (por exemplo, veja as referências do Novo Testamento nas subdivisões Progressão histórico-redentiva, Analogia e Temas longitudinais, acima, e em Contraste, abaixo). Contraste Um último caminho do Antigo Testamento até Cristo, no Novo Testamento, é o contraste. Por causa da progressão na história da redenção e na revelação, a mensagem para a igreja contemporânea pode ser totalmente diferente da mensagem do Pregador para Israel. Portanto, pode-se usar contraste para pregar Cristo, indo da mensagem do Pregador a Israel para a mensagem de Cristo para a igreja. Por exemplo, o Pregador afirma que “tudo é vaidade”. Ele pergunta: “Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho com que se afadiga debaixo do sol?” (1.3). A resposta esperada é: Não ganhamos absolutamente nada com todo o nosso trabalho. Se ganhamos alguma riqueza, temos que deixá-la para os outros quando morremos (2.18). Assim, todo o nosso labor é em vão. Depois que Paulo encontrou o Senhor vivo na estrada de Damasco, adquiriu uma perspectiva totalmente diferente. Ele conclui seu poderoso capítulo sobre a ressurreição de Cristo com estas palavras: “Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão” (1Co 15.58). * * * Investigar qual desses caminhos conduz a mensagem do texto de pregação até Cristo, no Novo Testamento, é um método focado de entender o texto no contexto de todo o cânon cristão. Isso pode revelar um contraste com a mensagem do Antigo Testamento, mas geralmente confirmará e enriquecerá essa mensagem à luz da pessoa, obra e/ou ensino de Jesus Cristo, que revelou completamente o Pai (Mt 11.27; Jo 1.18). ¹ Veja Whybray, Ecclesiastes, 16. ² “Raramente há um aspecto do livro, seja data, autoria ou interpetação, que não esteja sujeito a uma ampla diferença de opinião”. Gordis, Poets, Prophets, and Sages (Bloomington: Indiana University Press, 1971), 326. ³ Garrett, “Preaching Wisdom”, 108. ⁴ Compare esse uso mínimo de Eclesiastes com a prática de algumas comunidades judaicas de ler todo o livro de Eclesiastes durante a festa anual de Sukkot (Tabernáculos). Algumas das razões sugeridas para a leitura de Eclesiastes durante esta festa são: “Qohelet recomenda alegria, que o humor de Sukkot... ele declara a transitoriedade da vida humana, o que é bem simbolizado por uma tenda temporária; e...o outono é a estação evocativa da mortalidade”. Michael Fox, Ecclesiastes, xv. ⁵ Segundo Ellen Davis, Proverbs, Ecclesiastes, Song of Songs, 160, “Martinho Lutero disse que devemos ler ‘este nobre livrinho’ todos os dias, precisamente porque rejeita tão firmemente a religiosidade sentimental”. Provan, Ecclesiastes, 42. Cf. Brown, Ecclesiastes, 21, “Ao contrário do que é comumente pregado, a vida não é simplesmente uma jornada de experiências edificantes, uma peregrinação de divertimento. A vida tem a ver com confrontar desespero inevitável, desilusão, sim, enfrentar a morte face a face, a via negativa. Eclesiastes, em resumo, cobre toda a gama da vida do lado de baixo, isto é, ‘debaixo do sol’, e debaixo de Deus. Sua teologia é uma teologia de baixo, não para liberação, mas para navegar pelas águas turbulentas da vida nesses dias em reverência a Deus. Qohelet é um pregador para pregadores que viveu para falar sobre tudo isso... de maneira crua”. ⁷ D. Brent Sandy e Ronald L. Giese, Cracking Old Testament Codes: A Guide to Interpreting the Literary Genres of the Old Testament (Nashville: Broadman and Holman, 1995), 271. ⁸ Ryken, “Ecclesiastes”, 274. Cf. Garrett, “Preaching Wisdom”, 119: “Eclesiastes... remove todas as ideologias e falsas esperanças pelas quais homens e mulheres vivem e alarga as amarras de que a busca por riqueza, poder e educação sustenta as pessoas. Ao fazer isso, Eclesiastes eloquentemente volta o leitor para Deus, a única esperança de significado e vida eterna”. Veja a extensa revisão histórica feita por Craig Bartholomew em Reading Ecclesiastes: Old Testament Exegesis and Hermeneutical Theory, 31-205. ¹ Achtemeier, Preaching from the Old Testament (Louisville: Westminster/John Knox, 1989), 166. Cf. von Rad, Wisdom in Israel, 92-95; e Bernhard W. Anderson, Contours of Old Testament Theology (Mineápolis: Fortress, 1999), 264-67. ¹¹ Loader, Ecclesiastes, 4. ¹² Goldsworthy, Gospel and Kingdom, 142. ¹³ Veja Charles G. Forman, “Qohelet’s Use of Genesis”, JSS 5 (1960) 256-63; Robert Johnson, “Confessions of a Workaholic”, CBQ 38 (1976) 22; Roger Whybray, “Qoheleth as a Theologian”, 247-48; Walter Kaiser, Ecclesiastes, 36- 37; Arian Verheij, “Paradise Retried: On Qohelet 2:4-6”, JSOT 50 (1991) 113- 15; e David Clements, “The Law of Sin and Death: Ecclesiastes and Genesis 1– 3”, Themelios 19/3 (1994) 5-8. ¹⁴ Garrett, Proverbs, Ecclesiastes, Song of Songs, 279. ¹⁵ Brown, Ecclesiastes, 11-12. ¹ Brown, Ecclesiastes, 11-12. ¹⁷ Alguns estudiosos tentam explicar as contradições em termos de mudança de pensamento ao longo da vida ou mudança de circunstâncias.Crenshaw, Ecclesiastes, 49, afirma: “Creio que as tensões do livro representam, na maior parte, fruto de pesquisa ao longo da vida. Circunstâncias mutáveis evocam respostas diferentes à sabedoria convencional e aos antigos pensamentos de uma pessoa. Diferenças em interesses sociais também ditam uma variedade de expressões... Mas as contradições sugerem mais que o resultado da passagem do tempo. Elas expressam as ambiguidades da vida diária e a absurdidade dos esforços humanos para entendê-la”. Outros estudiosos usam as contradições para argumentar em favor de autoria múltipla (veja p. 25, abaixo). ¹⁸ “Contradições” similares são encontradas em provérbios ingleses: às vezes temos que dizer: “a ave que acorda cedo pega a minhoca”, mas outras vezes “antes tarde do que nunca” é mais adequado. Às vezes temos que dizer “aquele que hesita está perdido”, mas outras vezes “olhe antes de pular” ou “o apressado come cru” é mais adequado. ¹ Cf. Fox, A Time to Tear Down, 3, “As contradições no livro de Qohelet são reais e intencionais. Devemos interpretá-las, não eliminá-las”. Veja toda esta seção em “On Reading Contradictions”, ibid., p. 1-26. Veja também seu Qohelet and His Contradictions, e seu “The Inner Structure of Qohelet’s Thought”. ² Raymond C. Van Leeuwen, “Proverbs”, in A Complete Literary Guide to the Bible, Leland Ryken e Tremper Longman (orgs.) (Grand Rapids: Zondervan, 1993), 266. ²¹ Veja p. 21, acima. ²² “Martinho Lutero foi, provavelmente, o primeiro a negar a autoria salomônica. Ele considerava o livro ‘um tipo de Talmude, compilado de muitos livros, provavelmente da biblioteca do rei Ptolomeu Euergetes, do Egito’.”J. Stafford Wright, “Interpretation of Ecclesiastes”, EvQ 18/1 (1946) 19. ²³ A Septuaginta traduziu Qohelet como “No grego clássico, significa “aquele que se senta ou prega na ”, isto é, na assembleia local de cidadãos. O termo hebraico qohelet – que ocorre somente neste livro – é quase certamente um particípio do verbo qhl, “reunir”, que, por sua vez, está relacionado ao substantivo , “assembleia” (geralmente traduzido como na Septuaginta). Whybray, Ecclesiastes, 2. ²⁴ Longman, Book of Ecclesiastes, 4-5. Alguns comentaristas ainda defendem a autoria salomônica (e.g., Kaiser, Ecclesiastes [1979], 25-29, e Garrett, Proverbs, Ecclesiastes, Song of Songs[1993], 264, 266). Para argumentos contra a autoria salomônica, veja, e.g., Young, Introduction to the Old Testament, 347-48; Kidner, Wisdom of Proverbs, Job, and Ecclesiastes, 105; e Longman, Book of Ecclesiastes, 4-8. ²⁵ Kidner, Time to Mourn, 14. Os nove autores foram sugeridos por D. C. Siegfried, “Prediger und Hohelied”, in W. Nowack, Handkommentar zum Alten Testament (Göttingen, 1898). ² “Há quase uma aceitação universal [nas leituras críticas de Eclesiastes] de que Salomão não foi o autor e de que o livro foi escrito por volta do século 3º a.C. Ao longo de todo o século 20 houve um comprometimento crescente com a unidade básica de Eclesiastes, com exceção do epílogo”. Bartholomew, Reading Ecclesiastes, 81.Cf. p. 104. ²⁷ Veja Whybray, Ecclesiastes, 35-36, para comentaristas que defendem essas diferentes posições. ²⁸ Longman, Book of Ecclesiastes, 7-9, 20-21, 37, 57-59. ² Veja ibid., 38: “O epílogo começa com o segundo sumário do sábio sobre o ensino do Qohelet. Citando o agora refrão “sem sentido”, o narrador da composição indica o que considera ser a conclusão final do Qohelet: ‘Tudo é vaidade’. A partir deste ponto, ele passa a fazer sua avaliação, que começa com aprovação e se move para dúvida e, finalmente, para crítica”. Veja também ibid., 281 sobre 12:12: “Em essência, ele diz ao seu filho: ‘O pensamento do Qohelet é material perigoso – tenha cuidado’”. Cf. Longman, “Comparative Methods in Old Testament Studies: Ecclesiastes Reconsidered”, TSF Bul 7 (1984) 5-9, esp. 8-9; e Dillard e Longman, Introduction to the Old Testament, 252-54. ³ Shepherd, “Ecclesiastes”, 269. ³¹ Veja, e.g., a descrição que Shepherd faz do Pregador: “Ele não deve ser considerado, por assim dizer, um apologeta da fé cristã anterior ao Novo Testamento, ou da fé do Antigo Testamento; em vez disso, ele representa neste livro exatamente aquilo contra o que os profetas pregavam e contra o que Cristo e os apóstolos advertiram – uma fusão sincretista de filosofia cética e pessimista derivada de uma investigação empírica, com uma fé que é apenas minimamente ortodoxa, sem vida e sem cor, sem qualquer devoção real”. Ibid., 327. ³² Provan, Ecclesiastes, 33, n. 13. Cf. Eaton, Ecclesiastes, 40: “É totalmente concebível que um editor publicasse Eclesiastes com uma nota de aprovação, mas dificilmente é provável que alguém fizesse isso se não estivesse satisfeito com o conteúdo da obra”. Veja também p. 319, abaixo. ³³ Cf. Garrett, Proverbs, Ecclesiastes, Song of Songs, 263: “O narrador da composição, a sabedoria e o Pregador são todos máscaras por trás das quais ouvimos a única voz do autor”. ³⁴ Loader, Ecclesiastes, 82. Veja também R. Gordis, “Quotations in Wisdom Literature”,JQR30/2 (1939) 123-47, esp. p. 132-39. Cf. Seow, Ecclesiastes, 40- 41. Para referências detalhadas, veja Scott C. Jones, “Qohelet’s Courtly Wisdom: Ecclesiastes 8:1-9”, CBQ 68 (2006) 211-12, n. 2.Fox, “Inner Structure of Qohelet’s Thought”, 226, se opõe: “Correntemente, a abordagem predominante é identificar certas declarações como palavras que o Qohelet cita para questioná- las ou modificá-las. Mas isso é fácil demais... Citadas ou não, as palavras que um autor usa em sua própria voz são uma expressão de suas próprias ideias, a menos que nos mostre de outra maneira”. Veja mais abaixo, p. 175-76 e 220. ³⁵ Seow, Ecclesiastes, 244. ³ Fox, A Time to Tear Down, 275. Cf. ibid., 250, “A fraqueza desta abordagem é a arbitrariedade em separar a sabedoria tradicional da sabedoria do Qohelet. E às vezes isso envolve projetar uma noção de sabedoria tradicional a partir das palavras do Qohelet que não é realmente encontrada na ‘sabedoria tradicional’”. ³⁷ Garrett, “Preaching Wisdom”, 117. Cf. Huwiler, “Ecclesiastes”, 177: Os leitores implícitos são “jovens israelitas que vivem em um nível mais elevado que o da subsistência, provavelmente em Jerusalém ou perto dela. Entre eles pode haver oficiais do governo, homens de negócios e fazendeiros... pequenos membros da burocracia podem ser os principais leitores”. ³⁸ Whybray, “Qoheleth as Theologian”, 245. ³ “Além de termos gerais, como , ‘dinheiro’, , ‘riquezas’, , ‘rico’, , ‘propriedade privada’, , salário, recompensa, compensação, , ‘herança’, e , sucesso, há uma grande concentração de termos que sugerem vividamente um ambiente comercial: , ‘ganho líquido, lucro’, , ‘déficit’, , ‘posses’, , ‘rendimento’, , ‘riqueza’, , ‘negócios’, , ‘labor, fruto do labor’, , ‘consumidor’, , ‘empregado’, , ‘porção’”. Seow, “The Socioeconomic Context of ‘The Preacher’s’ Hermeneutic”, PSBul 17/2 (1996) 173-74. ⁴ Ibid., 195. ⁴¹ Hendry, “Ecclesiastes”, 570. Para mais discussão sobre a expressão “debaixo do sol”, veja abaixo, p. 34–35, n. 67 e p. 52–53 e 60–61. ⁴² Young, Introduction to the Old Testament, 347-48, com crédito a Hengstenberg. ⁴³ Whybray, Ecclesiastes, 4. Kidner, Wisdom of Proverbs, Job, and Ecclesiastes, sugere uma data entre 350 e 250 a.C., enquanto Crenshaw, Ecclesiastes, 50, sugere uma data entre 250 e 225 a.C., e Towner, “Book of Ecclesiastes”, 351, opta por “meados do século 3º a.C., talvez por volta de 250”. ⁴⁴ Ibid., 9-10. ⁴⁵ Brown, Ecclesiastes, 9. Cf. Seow, “The Socioeconomic Context of ‘The Preacher’s’Hermeneutic”, PSBul 17/2 (1996) 171-89; seu “Theology When Everything Is out of Control”, Int 55/3 (2001) 238-43; e seu Ecclesiastes, 35-36. Para fins de pregação, faz pouca diferença se a data de composição foi o século 5º a.C. (Seow, Brown) ou o século 3º a.C. (Whybray, Crenshaw) desde que se tenha consciência de que o contexto era de agitação e tentações econômicas. ⁴ Loader, Ecclesiastes, 11. ⁴⁷ Whybray, Ecclesiastes, 13. ⁴⁸ Hendry, “Ecclesiastes”, 570. Cf. Eaton, Ecclesiastes, 44, “Qual, então, é o propósitode Eclesiastes? Este é um ensaio de apologética. Ele defende a vida de fé em um Deus generoso, apontando para a severidade da alternativa”. ⁴ Bartholomew, Reading Ecclesiastes, 263. ⁵ Longman, Book of Ecclesiastes, 17. ⁵¹ Brown, Ecclesiastes, 17. ⁵² Murphy, Wisdom Literature, 131. ⁵³ Murphy, Ecclesiastes, xxxii. ⁵⁴ Longman, Book of Ecclesiastes, 20. ⁵⁵ Thomas G. Long, Preaching and the Literary Forms of the Bible (Filadélfia: Fortress, 1988), 55. ⁵ Veja Loader, Ecclesiastes, 5-6. ⁵⁷ Longman, Book of Ecclesiastes, 20. ⁵⁸ Andrew E. Hill, “Non-Proverbial Wisdom”, in Cracking Old Testament Codes: A Guide to Interpreting the Literary Genres of the Old Testament, D. Brent Sandy e Ronald L. Giese (orgs.) (Nashville: Broadman and Holman, 1995), 265- 66. ⁵ Longman, Book of Ecclesiastes, 20. Webster’s New Collegiate Dictionary [Segundo outra definição, metáfora é uma comparação não expressa. N. do E.]. ¹ James Kugel, Great Poems of the Bible, 310, sugere que o Pregador “frequentemente usa essa palavra para descrever algo na vida que lhe parece fútil e inútil (Ec 2.1,11,17,20,23 e muitas vezes daí em diante); outras vezes, parece * Refere-se, em literatura, a uma figura de estilo que consiste na repetição da ideia central com expressões, palavras e/ou sílabas iguais (N.da R.). significar algo que é apenas instável (Ec 5.9; 7.15); ainda outras vezes, é usada para significar algo injusto (Ec 2.26; 4.7; 6.2; 8.10,14). E [em Ec 12.8]... é passageiro, evanescente: ‘portanto, transitório’”. ² Para exemplos de interpretação alegórica aplicada a textos não alegóricos de Eclesiastes, veja o Prefácio acima, e, abaixo, p. 91–92, 129, 262, 263. ³ Longman, Book of Ecclesiastes, 22, com referências a 1.12-18 e 2.11-16; 4.1-3 e 5.7-8(5.8-9); e 4.4-12 e 5.9–6.9 (5.10–6.9). ⁴ Delitzsch, Commentary on the Song of Songs and Ecclesiastes (1891; reimpressão. Grand Rapids:Eerdmans, 1982), 188. Para comentaristas que, em geral, concordam com Delitzsch, veja Wright, “Riddle of the Sphinx”,CBQ 30 (1968) 314, n. 3. ⁵ Para um panorama das várias propostas de Norbert Lohfink, J. A. Loader, Addison G.Wright, A. Glasser, François Rousseau, Michael V. Fox, Hans-Peter Muller, H. W. Hertzberg, Robert Gordis, e outros, veja Crenshaw, Ecclesiastes, 38-48, e Bartholomew, Reading Ecclesiastes, 69-81, 118-205. Veja também o panorama de Murphy em Ecclesiastes, xxxv-xli, e o de Wright em “Riddle of the Sphinx,” CBQ 30 (1968) 315-16, nn. 4-6. Crenshaw conclui seu panorama como segue (p. 47): “Essa discussão da estrutura do Qohelet não conseguiu resolver uma única questão, mas demonstra a complexidade do problema”. Cf. Fox, Ecclesiastes, xvi: “O livro começa com um princípío geral (1.3), continua com um prelúdio temático, introduz a persona e seu contexto, descreve sua tarefa, prevê seus resultados e parte para sua investigação. A última unidade, 12.1-7, é climática e não poderia estar em nenhum outro lugar”. ⁷ “A frase ‘debaixo do sol’ é uma marca registrada do Qohelet e é estreitamente relacionada ao conceito de futilidade. Ela ocorre vinte e nove vezes e projeta a perspectiva de um homem solitário, usando sua própria sabedoria e seus próprios sentidos somente ‘neste mundo’”. Reitman, “The Structure and Unity of Ecclesiastes”, BSac 154 (1997) 301, n. 17. ⁸ Eaton, Ecclesiastes, 45. Loader, Ecclesiastes, 11. Veja também seu Polar Structures in the Book of Qohelet (Berlim e Nova York: de Gruyter, 1979). ⁷ Bartholomew, Reading Ecclesiastes, 238-54, com referência a Sternberg, The Poetics of Biblical Narrative. ⁷¹ Norbert Lohfink, Kohelet (Stuttgart, 1980). ⁷² T. Anthony Perry, Dialogues with Qohelet: The Book of Ecclesiastes (Filadélfia: Pennsylvania State University, 1993). ⁷³ Ryken, “Ecclesiastes”, 269, fala da “estrutura dialética do livro”: “Contraste, não sequência, é o princípio organizador. O próprio livro apresenta um movimento fluido para frente e para trás, sem transição, entre os dois tipos de material, um negativo, outro positivo”. ⁷⁴ “Os feixes de luz que temos observado são sinais ao leitor de que a própria posição do autor e suas conclusões são muito diferentes das dos secularistas, cuja posição está assumindo para elaborar sua tese”. Kidner, Wisdom of Proverbs, Job, and Ecclesiastes, 93. ⁷⁵ Veja, e.g., Kaiser, Ecclesiastes, 17-24; e Perdue, Wisdom Literature, 190-91. ⁷ Veja n. 16, n. 65, acima. ⁷⁷ Wright, “The Riddle of the Sphinx: The Structure of the Book of Qohelet”, CBQ 30 (1968) 313-34, e “The Riddle of the Sphinx Revisited: Numerical Patterns in the Book of Qohelet,” CBQ 42 (1980) 38-51. ⁷⁸ Veja Wright, “Riddle of the Sphinx Revisited”, CBQ 42 (1980) 42, n. 15e. ⁷ Wright, como sumarizado em seu segundo estudo, “The Riddle of the Sphinx Revisited”, CBQ 42 (1980) 38-39. ⁸ 111 versos de 1.1–6.9 e 111 versos de 6.10–12.14; 216 versos de 1.1–12.8, o valor numérico de (1.2; 12.8); em 1.2, “ (= 37) ocorre três vezes no singular, para um valor numérico total de 11 (37 X 3) – o número de versos na primeira metade do livro (1.1–6.9)”; e “o provável total de 37 ocorrências de no livro iguala o valor numérico da própria palavra ”. Ibid, 43-44. ⁸¹ E.g., Fox, Ecclesiastes, xvi, argumenta: “A hipótese de Wright enfrenta muitas objeções: os critérios para a divisão de unidades não são frases bem definidas; as frases-chave não estão sempre no fim da unidade, onde “deveriam” estar; as unidades são de tamanho e caráter muito diferente; e o plano não se encaixa com o conteúdo”. Cf. Fox, A Time to Tear Down, 148-49; Crenshaw, Ecclesiastes, 41-42; Longman, Book of Ecclesiastes, 21, n. 76; e Seow, Ecclesiastes, 44-46. Outros comentaristas seguem a estrutura proposta por Wright: e.g., Murphy, Ecclesiastes, xxxix, que menciona também J. S. M.Mulder e R. Rendtorff; Stephen Brown, “The Structure of Ecclesiastes”, EvRT 14/3 (1990) 195-205, geralmente concorda com a análise de Wright, mas procura desenvolver os padrões em mais detalhes. ⁸² Wright, “Riddle of the Sphinx Revisited”,CBQ 42 (1980) 49 (mudei seu uso de “homem” e “ele” para “pessoa”). Veja também seu “Additional Numerical Patterns in Qohelet”, CBQ 45(1983), 32-43. ⁸³ Loader, Ecclesiastes, 14: “Temos que reconhecer, então, que há apenas uma ideia fundamental no livro: a declaração da falta de sentido, uma ideia que é esclarecida e ilustrada de vários pontos de vista”. ⁸⁴ “As sete passagens em que ele recomenda a busca sincera de alegria... estão organizadas de tal forma que declaram seu tema com ênfase e solenidade cada vez maiores”. Whybray, “Qoheleth, Preacher of Joy”, JSOT 23 (1982) 87. Veja também Kaiser, Ecclesiastes, 42: “O espírito de Eclesiastes é de prazer, com o prospecto de viver e desfrutar todos os bens da vida, uma vez que o homem tema a Deus e cumpra seus mandamentos”. ⁸⁵ 85 Brown, Ecclesiastes, 12. Crenshaw, “Wisdom Literature,” 379, sugere vários temas que percorrem todo o livro: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade”, e “Ele não pode encontrar,” isto é, Deus impôs limites ao conhecimento humano. Além disso, ele lista “várias outras fórmulas”: “Elas incluem o resumo conclusivo que incentivou o gozo da vida durante o vigor da juventude, as observações dos contemplativas “que se refere o autoexame e da consequente ação pessoal e as alusões a correr atrás do vento, trabalho, e muito”. ⁸ Não é aconselhável, é claro, pregar um único sermão sobre todo o livro de Eclesiastes, a menos que seja para introduzir uma série de sermões sobre esse livro. Nosso interesse em encontrar um tema abrangente neste estágio é ter uma ideia do todo para entender melhor as partes. ⁸⁷ Cf. a sugestão de Young: “O grande tema do livro é que a vida sem Deus não pode ter sentido, pois somente Deus pode dar vida e sentido”. Introduction, 351. Cf. Ryken, “Ecclesiastes”, 269: “O tema do livro, longe de ser um problema, é um sumário virtual da cosmovisão bíblica: a vida vivida por padrões puramente terrenos e humanos é fútil, mas a vida centrada em Deus é um antídoto”. Cf. Fox, “The Inner Structure of Qohelet’s Thought”, 225: “Minha tese básica é queo foco central do livro do Qohelet é sentido – não transitoriedade, nem trabalho, nem valores, nem mortalidade. Esses temas estão lá, mas todos eles são meios de abordagem ao tema mais fundamental, a saber, o sentido da vida”. ⁸⁸ Eaton, Ecclesiastes, 48. Cf. Garrett, Proverbs, Ecclesiastes, Song of Songs, 278: o Pregador procura estimular seus leitores a “reconhecer que são mortais. Eles devem abandonar todas as ilusões de importância pessoal, encarar a morte e a vida honestamente e aceitar, com temor e tremor, sua dependência de Deus”. ⁸ Veja meu Modern Preacher, 126-28. Towner, “The Book of Ecclesiastes”, 265. ¹ Cf. Reitman, “The Structure and Unity of Ecclesiastes”, BSac 154 (1997) 308- 9. ² Wright, “Riddle of the Sphinx Revisited”, CBQ 42 (1980) 50. ³ Para algumas dessas subunidades, veja abaixo, p. 65-66, 88, 106-107, 125-7, 156, 243, 247, 259. ⁴ Veja meu Modern Preacher, 131-36. ⁵ Termos de Clowney. Veja Prefácio, nota 1. Ronald Knox, Waiting for Christ (Nova York: Sheed and Ward, 1960), 279-82, relaciona 150 “textos messiânicos” no Antigo Testamento, mas nenhum deles fica em Eclesiastes. ⁷ Veja meu Preaching Christ from the Old Testament, 69-176. ⁸ Brown, Ecclesiastes, 121. Como exemplo, Brown menciona o comentário de Tremper Longman, Book of Ecclesiastes. Veja p. 25–26, acima. Jerry Shepherd, “Ecclesiastes”, de 2008, também segue essa abordagem (veja p. 25–26, acima). James Steward, “Ecclesiastes and the Christian Preacher: An Exercisein Sermon- Preparation”,CQ 29 (1951) 120-27, chamou Eclesiastes de “livro essencialmente negativo” que “contém nada ou pouco que seja inspirador ou edificante de um modo positivo” (p. 120). Dessa forma, a “tarefa [do pregador] é revelar as imperfeições das personagens descritas e, quando isso for feito, colocar ao lado dessas velhas descrições a semelhança do Homem em quem a vida plena e satisfatória é encontrada” (p. 122). Para uma explicação mais detalhada, veja meu Preaching Christ from the Old Testament, 227-77. ¹ A progressão na história da redenção está estreitamente relacionada à progressão na revelação. Como a história da redenção progride, a revelação também progride. A progressão na história da redenção é básica para as maneiras de promessa-cumprimento, tipologia e contraste, enquanto a progressão na revelação se expressa particularmente nos temas longitudinais. A maneira de analogia reflete a continuidade geral que existe mesmo quando a história da redenção e a história da revelação são desdobradas. ¹ ¹ Veja Antoon Schoors, “Koheleth: A Perspective of Life after Death?” ETL 61/4 (1985)295-303. ¹ ² Cf. o comentário de Hertzberg de que, por causa do veredito abrangente do Qohelet sobre vaidade, “o livro do Qohelet, estando no fim do Antigo Testamento, é a mais notável profecia messiânica que o Antigo Testamento tem a oferecer”. Der Prediger, 237-38, citado por Kidner, The Wisdom of Proverbs, Job and Ecclesiastes, 114. ¹ ³ Alguns dos pais da igreja (Dídimo, Orígenes e Gregório de Nissa), de fato, viram “o Pregador”, entendido como Salomão, como um tipo de Cristo. Veja Robert Wright, Proverbs, Ecclesiastes, Song of Solomon, 190. ¹ ⁴ Veja Alyce M. McKenzie, “All Who Exalt Themselves Will Be Humbled: Jesus’ Subversive Sayings”, em seu livro Preaching Proverbs: Wisdom for the Pulpit (Louisville: Westminster John Knox, 1996), 59-78. ¹ ⁵ “A forma de ensino predominante [de Jesus] era a parábola, em hebraico, [também traduzido como provérbio]), uma forma de sabedoria”. Dillard e Longman, Introduction to the Old Testament, 245. Cf. Ben Witherington III, Jesus the Sage: The Pilgrimage of Wisdom (Mineápolis:Fortress, 1994), 155-56: “Até mesmo em uma estimativa conservadora, pelo menos 70% da tradição de Jesus é na forma de algum tipo de declaração de Sabedoria, como aforismo, enigma ou parábola”. ¹ Veja acima, p. 34-35, 38, e abaixo, p. 145, nota 18. ¹ ⁷ Veja o apêndice em Nestle-Aland’s Novum Testamentum Graece (ed. de 1993). CAPÍTULO 2 Não há nenhum proveito em todo o nosso trabalho Eclesiastes 1.1-11 Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol? (Ec 1.3) Esta primeira passagem de Eclesiastes é um grande texto para focar no tema contemporâneo do materialismo: a inclinação humana para trabalhar e encontrar segurança em riqueza material e posses. O principal desafio para os pregadores é entender e explicar corretamente o sentido de várias palavras e frases ambíguas. Veja, por exemplo, a palavra exaustivamente repetida, . A NRSV a traduz como “vaidade”,¹ a NIV como “sem sentido”, a Anchor Bible como “vapor” e a New JPS Bible como “futilidade” ou sete outras palavras, dependendo do contexto.² Outros estudiosos sugerem várias nuances: “temporal (“efemeridade”) e existencial (“futilidade” ou “absurdidade”),³ principalmente “futilidade”, mas, às vezes, “brevidade”,⁴ “falta de sentido” ou “absurdo”,⁵ e “a noção de que a vida é enigmática e misteriosa; de que há muitas perguntas não respondidas e não respondíveis”. Outras palavras e frases nesta passagem, como “tudo” (v.2), “proveito” e “debaixo do sol” (v.3), são igualmente ambíguas.⁷ Outro desafio é pregar Cristo com base em uma passagem que nem mesmo menciona Deus. Aliás, parece que o autor deliberadamente evita Deus para focar sua atenção exclusivamente neste mundo – a vida “debaixo do sol” (v.3 e 9). Texto e contexto A seleção da unidade textual não é difícil com essa passagem inicial. Ela começa em Eclesiastes 1.1, obviamente, e termina no verso 11, já que o verso 12 começa uma nova unidade com a narrativa autobiográfica “Eu, o Pregador”. Portanto, há aceitação geral de que Eclesiastes 1.1-11 é uma unidade literária. Quanto ao contexto, é importante observar que o verso 2, “vaidade de vaidades, diz o Pregador; (...), tudo é vaidade”, é repetido em forma mais curta em 12.8, formando, assim, uma inclusio que abrange o livro todo. O verso 2, portanto, pode ser entendido como um tema básico que percorre todo o livro – tema que subsequentemente será desenvolvido de várias maneiras e requer a repetição da palavra “vaidade” umas trinta e oito vezes em Eclesiastes. Além disso, o poema inicial sobre ciclos fúteis na natureza (v.4-7) corresponde ao poema, afinal, sobre velhice e morte (12.2-7). Esses dois poemas “envolvem o livro como uma mortalha”,⁸ estabelecendo um tom realista, se não pessimista. O verso 3, como pode ser visto no poema subsequente, parece ser o coração desta passagem. Ele levanta a questão retórica: “Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho com que se afadiga debaixo do sol?” Esta pergunta tem um papel fundamental no restante do livro. A palavra “proveito” ( ) será repetida mais oito vezes (veja, por exemplo, 2.11, 3.9 e 5.16). A palavra “trabalho” ( ) será repetida mais vinte e duas vezes. E a expressão “debaixo do sol” ( ), que só aparece em Eclesiastes, é encontrada duas vezes nesta passagem (1.3,9) e será repetida um total de vinte e nove vezes. Características literárias Observar as características literárias do texto nos ajudará a determinar sua estrutura, que, por sua vez, nos ajudará a discernir o tema da passagem e o esboço para um sermão expositivo. Formas literárias O verso 1 é um sobrescrito que identifica o autor primário desta obra como o Pregador. O verso 2 consiste de apenas oito palavras, cinco delas “vaidade” ( ) e, dentre elas, quatro na forma enfática “vaidade de vaidades” (cf. “santos dos santos”). Como foi observado, este verso forma uma inclusio com 12.8, assinalando, assim, que “tudo é vaidade” é um tema que percorre todo este livro. Os versos 3-11 são apresentados na forma de reflexão sobre o labor humano. Ele começa com a pergunta retórica: “Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol?” (v.3). “Proveito” é, literalmente, ganho em negócios. Este termo significa apenas proveito econômico ou deve ser entendido em um sentido mais amplo? Trabalhar “debaixo do sol” é claro em seu sentido literal, mas o que isso significa? Meramente estemundo? Ou o mundo com a exclusão do mundo dos mortos e do céu? Ou uma perspectiva específica que não leva Deus em conta? A resposta esperada para esta pergunta retórica – não há nenhum proveito de todo o nosso trabalho – é ilustrada pelo poema sobre os ciclos sem fim na natureza, que não ganha nada (v.4-8). O verso 9 reafirma o tema de “sem proveito” em termos de “nada novo”. O verso 10 levanta e responde uma possível objeção, enquanto o verso final afirma que não há lembranças de pessoas que viveram no passado – outra forma de “sem proveito”. Paralelismo no poema Como o elemento característico da poesia hebraica é o paralelismo, pode ser útil rever rapidamente os vários tipos de paralelismo. Podemos diagramar os diferentes padrões retóricos da forma apresentada a seguir: Paralelismo regular – sinônimo, sintético ou antitético¹ (ou afirmativo, progressivo e opositivo)¹¹ Paralelismo invertido – sinônimo, sintético ou antitético Quiasma,¹² também chamado de “estrutura concêntrica” e “inversão’; pode haver menos ou mais elementos de cada lado do quiasma, por exemplo, ABCA’B’ ou ABCDA’B’C’ ou até mesmo um centro duplo, como ABCDDA’B’C’ Inclusio, também chamado de “linhas de lastro”, “estrutura anelar”, “estrutura envolvente” ou “extremidades de livro” Neste poema, encontramos paralelismo antitético no verso 4, paralelismo sintético nos versos 5-6 e paralelismo sinônimo no verso 7. O verso 8 conclui: “Todas as coisas são canseiras”, seguido pelas três declarações paralelas que trazem literalmente:¹³ Um homem não é capaz de falar Um olho não se satisfaz em ver Um ouvido não se enche de ouvir Estrutura textual Para entender a força desta passagem, precisamos esboçar a progressão lógica das ideias do texto. Novamente, os comentaristas não concordam entre si. Fox provavelmente chega mais perto ao apresentar um esboço simples, mas válido:¹⁴ A. 1.3. Tese B. 1.4-7. Argumentos por analogia C. 1.8. Reação a observações em B D. 1.9. Conclusão abstraída de B e justificando A E. 1.10-11. Adendo em prosa, reforçando A Acrescentar o conteúdo de cada título e mais detalhes é útil para desenvolver o sermão mais tarde. Por isso, proponho o seguinte esboço estrutural: I. Introdução A. Sobrescrito identificando o autor como “o Pregador” (v. 1) B. Tema básico do livro: “Tudo é vaidade” (v. 2) II. Reflexão sobre o tema: o homem não tem proveito do seu trabalho (v. 3) A. Tema ilustrado por analogias de atividade fútil na natureza (v.4-7) 1. Gerações vão e vêm, mas o mundo permanece (v. 4) 2. O sol se levanta, se põe e volta ao seu lugar (v. 5) 3. O vento passa por toda parte e volta ao seu circuito (v. 6) 4. As correntes seguem para o mar, mas não o enchem (v. 7) B. Conclusão: Todas as coisas são canseiras (v. 8a) 1. Um homem não é capaz de falar (v. 8b) 2. Um olho não se satisfaz em ver (v. 8c) 3. Um ouvido não se enche de ouvir (v. 8d) III. Reafirmação do tema: Nada novo debaixo do sol — sem proveito (v. 9) A. Objeção: Veja, isto é novo (v. 10a) B. Resposta: já foi (v. 10b) C. Não há lembrança de pessoas — sem proveito (v. 11) Interpretação teocêntrica O que o Pregador diz sobre Deus? A resposta é: nada. Em contraste com Gênesis 1–3, salmo 104 e Jó 38–41, o Pregador fala da criação sem fazer referência a Deus. William Brown escreve: “O mundo segundo o Qohelet é um cosmos vazio que funciona perpetuamente como um relógio em seus cursos cansativos... Os ritmos constantes do dia e da noite não são elogiados por seu papel salutar em sustentar e ordenar a vida (cf. Sl 104.19-23); em vez disso, são depreciados por suas repetições incessantes. De acordo com o salmista, os rios proporcionam vida, inclusive às “aves do céu” (v.10-12). Para o Qohelet, correm por nada. O mundo do Qohelet não reflete a glória transcendente de Deus nem sua presença imanente. Enquanto o salmo 104 descreve vividamente a creatio continuata, a criação sustentada e dirigida em todas as suas múltiplas formas, o Qohelet tristemente descreve uniformidade perpétua, uma monotonia das esferas”.¹⁵ Mas o Pregador nos avisa antecipadamente que refletirá sobre o mundo no nível horizontal, o mundo sem Deus. Ele descreve a vida “debaixo do sol” (v.3, 9).¹ Ele descreve a vida por uma perspectiva secular. Tema e objetivo textual O esboço do texto (acima) nos ajuda a descobrir o tema textual. O Pregador afirma dois temas: “Tudo é vaidade” (v.2) e “o homem não tem proveito de todo o seu trabalho” (v.3). “Tudo é vaidade” funciona como o tema de todo o livro. Nesta passagem, o Pregador apresenta um argumento em defesa deste tema, a saber, que o homem não tem qualquer proveito de todo o seu trabalho. O tema textual específico é, portanto, “o homem não tem qualquer proveito de todo o seu trabalho”.¹⁷ Mas sua questão fundamental é: Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol?” “Debaixo do sol” é um importante qualificador. O Pregador está observando a vida humana sem Deus. Ele apresenta seu argumento por uma perspectiva secular. Como essa perspectiva secular é de importância crucial para o entendimento da mensagem, temos que incluí-la no tema. O tema textual, portanto, passa a ser “o homem não tem qualquer proveito de seu trabalho debaixo do sol”. Contudo, a expressão “debaixo do sol” não é imediatamente clara. Como ela implica uma perspectiva horizontal, secular, podemos esclarecer o tema formulando-o da seguinte forma: “De uma perspectiva secular, o homem não tem qualquer proveito em seu trabalho”. Mas esta formulação ainda pode confundir as pessoas. O desafio é formular o tema de maneira que ele seja breve, mas imediatamente claro. Provavelmente, a formulação mais clara e mais curta é: Sem Deus, o homem não tem qualquer proveito em seu trabalho. A próxima pergunta é: Por que o Pregador deseja enviar sua mensagem a Israel? Qual é seu objetivo? Como vimos acima (p. 27–28), o Pregador se dirige a israelitas que estavam “preocupados com todos os tipos de questões sociais e econômicas – a volatilidade da economia, a possibilidade de riqueza, herança, posição social, a fragilidade da vida e a sempre presente sombra da morte”.¹⁸ Eles viviam longe de Deus, mas perto do mercado, com seu interesse por “proveito”. “A todos aqueles que tentam ‘tirar proveito’ da vida, seja o que for que aleguem fazer, o Qohelet apresenta a severa realidade – realidade que não muda simplesmente porque desejamos que mude, mas que continua fundamentalmente a mesma apesar de tudo o que acontece sob o título de ‘progresso’. Quanto mais as coisas mudam, mais continuam as mesmas. O universo não tem o objetivo de permitir que o ‘proveito’ aconteça”.¹ O objetivo do Pregador, então, é advertir Israel que, sem Deus, não terá qualquer proveito do seu trabalho. Maneiras de pregar Cristo ² Das sete maneiras de ir de uma passagem do Antigo Testamento para Cristo, no Novo Testamento, vimos que promessa-cumprimento e tipologia (com duas possíveis exceções) não são aplicáveis ao livro de Eclesiastes. Isso nos deixa cinco caminhos possíveis: progressão histórico-redentiva, analogia, temas longitudinais, referências no Novo Testamento e contraste. Verificaremos cada um deles. Progressão histórico-redentiva Dado o tema “sem Deus, o homem não tem qualquer proveito em seu trabalho”, a progressão histórico-redentiva fornece algum caminho para se chegar ao Novo Testamento? Observe no verso 9, que o Pregador reafirma seu tema com imagens diferentes: “O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol”. Se não há nada novo, não há nada a ser ganho. Mas como a história redentiva se move para frente, há, de fato, um evento radicalmente novo: Jesus, o Filho de Deus, entra neste mundo. Jesus diz aos judeus: “Vós sois cá de baixo, eu sou lá de cima; vós sois deste mundo, eu deste mundo não sou” (Jo 8.23). Jesus dá uma nova palavra: “Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8.31-32). Jesustambém oferece um novo nascimento para se entrar no reino de Deus (Jo 3.3), estabelece uma nova aliança (Lc 22.20) e, mais importante, vence a morte (Mt 28.5-6). De fato, por causa da nova era que Jesus inaugurou, João vê novo céu e nova terra e ouve a promessa de Deus: “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21.1,5). Quando a história redentiva progride, portanto, há novos eventos, novas realidades e novas esperanças de que Deus fará novas todas as coisas. Embora o homem não ganhe nada de todo o seu trabalho sem Deus, por meio de Jesus Cristo há muito a ser ganho de nosso trabalho. Paulo escreve: “(...) no Senhor [i.e., em Cristo], o vosso trabalho não é vão” (1Co 15.58). Analogia Assim como Eclesiastes afirma que não temos nenhum proveito de nosso trabalho sem Deus, Jesus também afirma que não temos nenhum proveito em trabalhar por posses terrenas. Jesus pergunta: “(...) que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou que dará o homem em troca da sua alma?” (Mt 16.26). Aliás, Jesus conta a parábola do rico insensato que perdeu tudo e conclui: “Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus” (Lc 12.16-21). Por isso Jesus nos encoraja: Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração. (...) Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas (Mt 6.19-24). Em outro lugar Jesus diz: “Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna, a qual o Filho do Homem vos dará; porque Deus, o Pai, o confirmou com o seu selo” (Jo 6.27). Temas longitudinais Pode-se traçar o tema bíblico-teológico de trabalhar por nada a partir da Queda no pecado, quando o trabalho significativo se torna “suor” e uma vida inteira de trabalho termina nos seres humanos voltando ao pó da terra (Gn 3.17-18) – sem proveito. O tema do trabalho que termina em morte percorre todo o Antigo Testamento de geração a geração (cf. a repetição de “e morreu”, em Gn 5) e, aparentemente, entra no Novo Testamento. Santos e pecadores morrem, e “não há lembrança das coisas que precederam” (Ec 1.11). Jesus proclama, contudo: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo o que vive e crê em mim não morrerá, eternamente” (Jo 11.25-26). Referências do Novo Testamento Além das referências neotestamentárias usadas para abrir os três caminhos acima e o contraste, abaixo, também podemos considerar Romanos 8, em que Paulo usa a mesma palavra grega, , que a Septuaginta usa para traduzir : “Pois a criação está sujeita à vaidade”.²¹ Mas, como Cristo veio, Paulo pôde ir além de Eclesiastes: “Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou [i.e., Deus; veja Gn 3.17], na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm 8.20-21). Tiago também se aproxima de usar a imagem de Eclesiastes, “tudo é vaidade”, literalmente, ao afirmar que “tudo é vapor, sopro”, quando escreve: “Sois, apenas, como neblina que aparece por instante e logo se dissipa” (Tg 4.14). Mas Tiago não liga sua observação diretamente a Cristo. Contraste Por causa da vinda de Jesus Cristo e sua ressurreição, o contraste também oferece uma boa ponte para chegarmos a Cristo, no Novo Testamento. Paulo conclui seu capítulo sobre a ressurreição de Jesus com estas palavras profundas: “(...) meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão” (1Co 15.58). Eclesiastes implica que a pessoa não tem nenhum proveito de seu trabalho (1.3). Paulo afirma que a pessoa tem proveito no seu trabalho “no Senhor”: “No Senhor, o vosso trabalho não é vão”. O próprio Paulo viveu por esta perspectiva. Ele escreve aos filipenses: “(...) para mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro” (Fp 1.21). Paulo também contradiz a afirmação de Eclesiastes de que não há nada novo. Ele escreve: “(...) se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2Co 5.17). O próprio Jesus afirma que nosso trabalho pode produzir fruto: “Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer” (Jo 15.5). Jesus até diz que receberemos uma recompensa pelo nosso trabalho: “Quem recebe um profeta, no caráter de profeta, receberá o galardão de profeta; quem recebe um justo, no galardão de justo, receberá o galardão de justo. E quem der a beber, ainda que seja um copo de água fria, a um destes pequeninos, por ser este meu discípulo, em verdade vos digo que de modo algum perderá o seu galardão” (Mt 10.41-42). Tema e objetivo do sermão Formulamos o tema textual assim: “Sem Deus, o homem não tem qualquer proveito em seu trabalho”. Agora precisamos decidir se, no sermão, colocaremos ênfase em nosso movimento para Jesus, no Novo Testamento, na analogia ou no contraste. Se enfatizarmos o contraste entre a mensagem de Eclesiastes e a de Jesus, teremos que mudar o tema textual quase para seu oposto para chegarmos ao tema do sermão. Então, podemos considerar como tema do sermão as palavras de Paulo: “No Senhor, o vosso trabalho não é vão”. Ou, refletindo as palavras de Jesus, podemos considerar: “Todo aquele que permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto”. Mas o resultado disso é que nosso texto não suporta mais o tema do sermão. Para fazer justiça ao texto do Antigo Testamento, normalmente é aconselhável nos mantermos firmes o máximo possível no tema textual, isto é, focar na continuidade com o Novo Testamento, não em sua descontinuidade.²² Em nossa exposição do sermão, portanto, devemos focar primariamente nas analogias. Isso significa que o tema do nosso sermão pode ser o mesmo tema textual: Sem Deus, o homem não tem qualquer proveito em seu trabalho. O objetivo do Pregador para Israel que formulamos foi: “Advertir a Israel que, sem Deus, não terá qualquer proveito do seu trabalho”. Nosso objetivo ao pregar este sermão deve ser similar ao objetivo do Pregador e corresponder ao tema do sermão. Podemos fazer isso fazendo uma pequena mudança no objetivo do sermão: advertir aos ouvintes que, sem Deus, eles não terão proveito algum em seu trabalho. Este objetivo indica que a necessidade tratada por este sermão, o problema em vista, é, de forma ampla, o materialismo desenfreado em nossa cultura, que afeta também nossos ouvintes. A necessidade é o perigo de que os ouvintes comprem o sonho americano de que, com nosso trabalho, ganhamos algo importante: podemos nos tornar homens e mulheres prósperos e independentes. A forma do sermão Como a “reflexão” do Pregador é uma forma didática, o sermão pode seguir melhor a forma didática. Além disso, ele afirma seu tema logo no início (v. 3) e depois o defende (v. 4-11). Em outras palavras, ele usa desenvolvimento dedutivo. Um sermão expositivo pode usar o mesmo desenvolvimento dedutivo. A introdução é uma parte importante do sermão, embora deva criar interesse, e “introduzir” (intro ducere) o tópico do sermão, pode fazer muito mais. A introdução pode mostrar a relevância do sermão revelando seu alvo (por que o sermão é pregado e por que as pessoas devem ouvi-lo); pode estabelecer a tensão que manterá os ouvintes atentos para a resolução; pode criar fome de ouvir a palavra do Senhor. Portanto, sugiro que os pregadores geralmente comecem com uma ilustração da necessidade que será tratada pelo sermão; depois, conectem essa ilustração pastoralmente à necessidade dos ouvintes; depois, mostrem que essa necessidade é similar à necessidade de Israel (a questão por trás do texto) e (com desenvolvimento dedutivo)afirmem o tema textual.²³ Exposição do sermão ²⁴ Para este sermão, a introdução pode ilustrar o desejo comum de acumular riqueza. Nossa sociedade oferece incontáveis ilustrações desse desejo: o vício cada vez maior em jogos de azar, milhões de pessoas comprando bilhetes de loteria na esperança de ganhar o prêmio, pessoas na TV se expondo absurdamente para se tornarem milionárias; a busca por salários cada vez mais altos, carros cada vez maiores, barcos cada vez maiores, casas cada vez maiores. Em vez de apresentar tudo isso como exemplos, é mais atrativo contar a história de uma pessoa que caiu na armadilha de tentar acumular riqueza. Então associe essa ilustração cuidadosamente ao nosso desejo de ter cada vez mais riqueza: Será que estamos imunes ao materialismo exorbitante presente em nossa cultura? Será que nós, também, contraímos síndrome do “maior é melhor” da nossa sociedade? O Pregador de Eclesiastes está se dirigindo a israelitas para os quais um novo dia havia nascido. Eles não tinham mais sua existência tranquila e baseada na agricultura – dependendo do Senhor para lhes dar o pão de cada dia. Eles viviam na encruzilhada de uma nova e florescente linha de comércio internacional entre Egito e Ásia/Europa. Fortunas podiam ser feitas e perdidas da noite para o dia. Os israelitas estavam se apressando para enriquecer. Mas o Pregador começa seu livro advertindo-os: “Sem Deus, não há qualquer proveito em todo o seu trabalho”. Ele começa sua mensagem no verso 2:²⁵ “Vaidade de vaidades, diz o Pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade”. A palavra traduzida aqui como “vaidade” é, literalmente, “vapor” ou “sopro”. “Tudo é vaidade” é, literalmente, “tudo é vapor”, “tudo é sopro”. Saia de casa em uma fria manhã de inverno e sopre. O que você vê? Você vê um sopro como vapor. E o que mais você vê? O vapor fica ali por uns instantes e some. Todas as coisas neste mundo são como nosso sopro, diz o Pregador. Ficam aqui por um momento e se vão. O salmista também clama: Deste aos meus dias o comprimento de alguns palmos; À tua presença, o prazo da minha vida é nada. Na verdade, todo homem, por mais firme que esteja, é pura vaidade ( ).² No Novo Testamento, Tiago usa uma imagem similar. Ele escreve: “Sois, apenas, como a neblina que aparece por instante e logo se dissipa” (Tg 4.14). Pergunte às pessoas sobre sua vida e, mesmo quando estiverem com noventa anos, concordarão que sua vida foi como “a neblina que aparece por instante e logo se dissipa”. Hoje está aqui, amanhã não está mais. Isso é o que o Pregador ensina a Israel e a nós, a saber, que nossa vida é extremamente breve; é como um sopro em uma manhã de inverno: nós a vemos por um momento e, de repente, ela se foi.²⁷ Mas há mais nessa imagem do que brevidade. Sopre em uma manhã fria de inverno e tente agarrar o vapor. Não há nada a agarrar. Ele não apenas desaparece rapidamente, mas, mesmo durante sua curta existência, parece não haver substância nele; é enganoso. Nossa vida é transitória e enganosa. Ela não faz sentido; tudo parece muito sem propósito, muito fútil.²⁸ “Vaidade de vaidades, diz o Pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade”. “Vaidade de vaidades” é uma forma de expressar o superlativo. O “santos dos santos” é o lugar mais santo do templo. O “céu dos céus” é o céu mais alto. “Vaidade de vaidades” é vaidade total.² O Pregador repete a expressão para se certificar de que entendemos o que ele quer dizer: “vaidade de vaidades”: a vida humana é totalmente vaidade. Ele conclui dizendo que “tudo é vaidade”. Tudo o que vemos neste mundo é de curta duração e não tem substância. As roupas que usamos logo sairão de moda e teremos que comprar outras. O carro que compramos logo estará obsoleto e teremos que comprar outro. A casa em que moramos resiste mais tempo, mas eventualmente será derrubada e substituída. “Tudo é vaidade”. Para provar isso, o Pregador, neste livro, examina a vida por diferentes ângulos. Nesta passagem, ele a observa pelo ângulo daquilo que ganhamos na vida com nosso trabalho. No verso 3 ele levanta a questão: “Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol?” a resposta esperada é: nenhum. As pessoas não têm nenhum proveito de todo o trabalho que realizam debaixo do sol. A palavra “proveito” ( ) aparece nove vezes em Eclesiastes³ e em nenhum outro lugar do Antigo Testamento. A palavra é derivada de um verbo que significa “ser deixado, permanecer” – como quando alguém investe em um negócio, pagando despesas e recebendo lucro, e, no fim do ano, verifica o que ganhou. Assim, “proveito” também pode ser traduzido como “lucro”.³¹ O que a pessoa lucra com todo o seu trabalho debaixo do sol? “Debaixo do sol” também é uma expressão típica encontrada somente em Eclesiastes. O Pregador a usa vinte e nove vezes.³² “Debaixo do sol” se refere a viver neste mundo sem levar Deus em conta. “A cena em mente é exclusivamente o mundo que podemos observar, e... nosso ponto de observação está no nível do chão”.³³ “Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol?”. A resposta é: nenhum. De uma perspectiva secular, sem Deus, o ser humano não tem nenhum proveito de todo o seu trabalho. No Novo Testamento, Jesus faz uma pergunta semelhante: “Que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou que dará o homem em troca da sua alma?” (Mt 16.26). Se a pessoa perder sua vida, sua alma, a essência de seu ser, nada resta. O Pregador provará sua afirmação com um argumento cuidadosamente elaborado. Ele compara a futilidade da vida humana com os ciclos que podemos observar na natureza. Verso 4: “Geração vai e geração vem; mas a terra permanece para sempre”. “Geração vai e geração vem” parece apontar para a brevidade da vida humana.³⁴ Mas, na verdade, este verso fortalece a ideia de que não há proveito. Normalmente se diria: “Uma geração vem, uma geração vai”. Mas o Pregador inverteu a ordem: “Geração vai e geração vem”. “A ordem das palavras no verso 4, na verdade, coloca a ênfase na substituição de uma geração por outra (a geração que vai é substituída pela geração que vem), processo semelhante ao dos outros fenômenos descritos”.³⁵ Apesar das constantes mudanças, na verdade nada muda. Não há proveito. O verso 4 é similar ao verso 7: Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche”. Apesar de toda a água derramada no mar, ele não enche. Não há mudança. Da mesma forma, aqui, “geração vai e geração vem; mas a terra³ permanece para sempre”. A terra permanece a mesma, como o mar. Nada muda. Não há proveito. Da terra, o Pregador se move para o sol, e ali também observa ciclos que não mudam nada. “Levanta-se o sol e põe-se o sol, e volta ao seu lugar, e nasce de novo”. Esta descrição do sol é totalmente diferente da empolgada descrição do salmista: “Aí [nos confins do mundo], pôs uma tenda para o sol, o qual, como noivo que sai dos seus aposentos, se regozija como herói, a percorrer o seu caminho” (Sl 19.4-5). Em Eclesiastes, “levanta-se o sol, e põe-se o sol, e [literalmente] volta³⁷ ao seu lugar, onde nasce de novo”. Ele se esforça para voltar ao lugar de onde veio. “O sol respira com dificuldade para cumprir seus enervantes circuitos”.³⁸ No entanto, “ele não realiza nada indo e voltando. É apenas trabalho, pois, seguindo sua jornada diária, não há oportunidade para descanso para se recuperar e repetir o desempenho. É tudo uma repetição sem pausa, um trabalho monótono e sem descanso”.³ E não há proveito. Da terra e do sol, o Pregador se volta para o vento. Verso 6: “O vento vai para o sul e faz o seu giro para o norte; volve-se, e revolve-se, na sua carreira, e retorna aos seus circuitos”. Enquanto o sol (pela nossa percepção) sempre se move do oriente para o ocidente, o vento vai para o sul e volta para o norte. Mas, ao contrário do sol, que está preso em um ciclo constante de leste para oeste, o vento parece totalmente livre. O Pregador chama atenção para os movimentos rápidos e repetidos... literalmente vai... faz seu giro... volve-se,e revolve-se”.⁴ O vento é livre para soprar onde quiser. Mas o desfecho de todas essas idas e vindas é “retorna aos seus circuitos”. Até mesmo o vento “entra em uma rotina”.⁴¹ Até mesmo o vento segue um caminho fixo e nada é ganho.⁴² Da terra, do sol e do vento, o Pregador finalmente vai para o mar. Verso 7: “Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche; ao lugar para onde correm os rios, para lá tornam eles a correr”. O Pregador pode ter pensado no Mar Morto – que fica a 420 metros abaixo do nível do mar, o mar mais profundo do planeta e, portanto, sem saída. Embora o rio Jordão e muitos ribeiros deságuem no Mar Morto, ele não transborda. O mesmo acontece com o Mediterrâneo e os oceanos. “Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche; ao lugar para onde correm os rios [i.e., o mar], para lá tornam eles a correr”.⁴³ Sabemos, é claro, que o mar não enche porque as águas evaporam e as nuvens trazem a chuva de volta para a terra – outro ciclo.⁴⁴ Mas este não é o foco deste verso. O ponto é que os rios continuam a correr para o mar, mas o mar não enche. Toda essa atividade não mostra resultados. Não há proveito. “O mundo todo é um cenário de intenso movimento e atividade. Mas isso é significativo?... Devido a todo o movimento que caracteriza o cosmos, pode-se pensar que algo está sendo realizado. Mas não. Embora os milênios passem, toda aparência de progresso é apenas uma miragem. A atividade é abundante; tudo está em perpétuo movimento, como um hamster em uma roda, mas nada é alcançado. Essa demonstração de esforço cósmico sem fim é sem valor”.⁴⁵ A terra continua a mesma; o sol parece sempre trabalhar na mesma órbita; o vento volta aos seus circuitos; e o mar não se enche. Terra, fogo, ar e água trabalham em uma rotina. Se os elementos básicos do mundo antigo não têm proveito de todo o seu trabalho, certamente os seres humanos também não têm.⁴ O Pregador resume tudo no verso 8: “Todas as coisas são canseiras tais, que ninguém as pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem se enchem os ouvidos de ouvir”. “Todas as coisas”⁴⁷ refere-se aos ciclos constantes na natureza. “que ninguém pode exprimir é a primeira de três afirmações paralelas que dizem, literalmente: Um homem não é capaz de falar Um olho não se satisfaz em ver Um ouvido não se enche de ouvir “Cada frase oferece uma ilustração concreta, desta vez extraída da vida humana, da operação contínua de boca, olho... e ouvido”.⁴⁸ A boca não pode expressar suficientemente a cansativa repetição de ciclos fúteis na natureza. “Ninguém pode falar significativamente... sobre o mundo, isto é, ninguém pode explicá-lo, influenciá-lo ou controlá-lo”.⁴ O olho também “nunca alcança o ponto em que não pode mais penetrar, nem o ouvido fica tão cheio de som que não pode mais aceitar impulsos do mundo exterior”.⁵ A atividade incessante das gerações, do sol, do vento e dos rios é refletida na vida humana. Assim, como toda essa atividade na natureza não tem proveito algum, assim também a atividade humana de falar, ver e ouvir não tem proveito algum. No verso 9, o Pregador aborda o tema de falta de proveito por um ângulo diferente. “O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol”. “O que foi é o que há de ser” parece referir- se aos ciclos fúteis revelados na natureza.⁵¹ As gerações continuarão indo e vindo, assim como o sol, o vento e os rios. “O que foi é o que há de ser”. Nada novo. Nenhum proveito. Mas, então, o Pregador muda para a história humana: “O que foi é o que há de ser”. Na história humana também, diz ele, vemos atividade frenética, mas ela não chega a lugar algum. Tudo o que vemos é repetição fútil. “O que foi é o que há de ser”. Ele conclui: “Nada há, pois, novo debaixo do sol”. Nada novo! A história humana também mostra que não há proveito para os indivíduos. Não há nada novo! No verso 10, o Pregador antecipa uma objeção à sua afirmação radical de que não há nada novo debaixo do sol. “Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo?” Sua resposta a esta objeção é curta e abrupta: “Não! Já foi nos séculos que foram antes de nós”. Um bebê nasce. Uma pessoa diz: “Veja, isto é novo”. O Pregador responde: “Isso já aconteceu”. Bebês nasciam no passado também. Uma guerra começa. Alguém diz: “Veja, isto é novo”. O Pregador responde: “Isso já aconteceu”. Guerras começaram no passado também.⁵² “À luz da natureza repetitiva da história, toda coisa alegadamente nova é apenas uma variação de algo do passado”.⁵³ O Pregador conclui esta passagem no verso 11: “Já não há lembrança das coisas que precederam; e das coisas posteriores também não haverá memória entre os que hão de vir depois delas”. Aqui ele expande um argumento apresentado no verso 4: “Geração vai e geração vem; mas a terra permanece para sempre”. Muito embora as idas e vindas de gerações não façam diferença na terra, é possível uma geração de pessoas ou indivíduos se distinguir de alguma forma e mostrar algum proveito? É possível uma pessoa causar tamanho impacto na história a ponto de ser lembrada e pelo menos ganhar reconhecimento? Sua resposta pessimista é “não”, “não há lembrança das coisas que precederam”. A memória humana é curta demais. O Pregador “não está exatamente alegando que os seres humanos são totalmente esquecidos do passado, mas minando suas mais profundas e presunçosas aspirações de garantir um lugar permanente ou uma ‘lembrança’ na história. Uma vida orientada à conquista de um legado para a posteridade é uma vida dedicada a correr atrás do vento. O futuro não pode ser controlado, assim como o passado não pode ser plenamente lembrado”.⁵⁴ As pessoas podem ser homenageadas com seu nome dado a montanhas, mas uma geração seguinte muda os nomes. As pessoas podem ser homenageadas com seu nome dado a edifícios, mas, com o tempo, os edifícios são derrubados e os nomes são esquecidos. As pessoas escrevem livros para serem lembradas pela posteridade, mas, com o tempo, esses livros são substituídos por outros e os autores são esquecidos. “Não faz diferença o que uma pessoa realizou ou quem ela foi (veja 2.16). Quando a morte chega, todas as esperanças perecem, e ninguém é melhor que os outros... A morte dissipa todas as esperanças de imortalidade, inclusive a ‘imortalidade’ de ser lembrado para sempre”.⁵⁵ O Pregador claramente defendeu sua posição de que a pessoa não tem proveito algum de todo o trabalho que realiza debaixo do sol, isto é, não tem proveito algum de todo o trabalho que realiza sem Deus. Ele reforçará essa posição mais adiante, com outras imagens. Em 2.18-19, ele escreve: “Também aborreci todo o meu trabalho, com que me afadiguei debaixo do sol, visto que o seu ganho eu havia de deixar a quem viesse depois de mim. E quem pode dizer se será sábio ou estulto? Contudo, ele terá domínio sobre todo o ganho das minhas fadigas e sabedoria debaixo do sol; também isto é vaidade”. E, em 5.16, ele escreve: “Também isto é grave mal: precisamente como veio, assim ele vai; e que proveito lhe vem de haver trabalhado para o vento?” No Novo Testamento, Jesus defende a mesma posição. Ele pergunta: “Que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou que dará o homem em troca da sua alma?” (Mt 16.26). Quando a pessoa perde sua alma, ela não tem proveito algum – nenhum ganho. Jesus defende a mesma posição de Eclesiastes com uma história simples, uma parábola: O campo de um homem rico produziu com abundância. E arrazoava consigo mesmo, dizendo: Que farei, pois não tenho onde recolher os meus frutos? E disse: Farei isto: destruirei os meus celeiros, reconstruí-los-ei maiores e aí recolherei todo o meu produto e todos os meus bens. Então, direi à minha alma: tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e regala- te. Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?” Quando o homem rico morreu, não teve proveito algum de todo o seu trabalho. Nada foi deixado: sem proveito. Jesus conclui esta parábola:“Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus” (Lc 12.16-21). Sem Deus, a pessoa não tem qualquer proveito em todo o seu trabalho. Então não há nada a ser ganho de nossa vida na terra? Nada para ser deixado quando morrermos? Nenhum proveito? Sim, diz Jesus, pode haver um proveito, mas para isso não devemos guardar tesouros para nós mesmos, mas sermos ricos para com Deus. Por isso ele nos encoraja: “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (Mt 6.19-21).⁵ Em outro lugar, Jesus admoesta: “Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna, a qual o Filho do Homem [i.e., Jesus] vos dará” (Jo 6.27). A mensagem de Jesus é clara: não ganhamos nada ajuntando tesouros sobre a terra. Não ganhamos nada se trabalharmos sem Deus. Mas nossa vida pode ter proveito se formos, nas palavras de Jesus, “ricos para com Deus”, se ajuntarmos tesouros no céu, se servirmos a Deus. Paulo confirma as palavras de Jesus. Ele escreve: “(...) meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão” (1Co 15.58). Mas se o nosso trabalho não for “no Senhor”, se trabalharmos sem Deus, não temos proveito algum. Por isso Jesus nos adverte: “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra... ajuntai para vós outros tesouros no céu (...)” (Mt 6.19-20). ¹ Jerônimo foi o primeiro a traduzir o hebraico para vanitas. Por isso, as versões inglesas usam “vaidade”. Mas, em inglês moderno, “vaidade” não abrange todas as conotações de . De acordo com o dicionário Webster, “vaidade” é “aquilo que é vão ou vazio, inativo ou inútil”. Ela não abrange aquilo que é de pouca duração, efêmero ou transitório. Embora os pregadores geralmente sigam o palavreado bíblico em seus sermões, certamente podem defender uma tradução diferente, preferivelmente citando outra versão bíblica. ² Veja Fox, “The Meaning of Hebel for Qohelet”, JBL 105/3 (1986) 413. Cf. Whybray,“Qoheleth as a Theologian”, 263-64: “Qohelet usa o termo com respeito a uma variedade desconcertante de assuntos: riqueza e amor pela riqueza (5.9; 6.2); o fato de que a sabedoria não dá vantagem ao insensato quando a morte ocorre (2.15; cf. 3.19); o caráter enganoso do prazer (2.1) e o riso vazio dos tolos (7.6); e, de forma mais geral, a própria vida (7.15; 9.9) e, em particular, a juventude (11.10); o labor (2.11; 4.4,8); a ignorância humana sobre o futuro (2.19) e a distribuição desigual de recompensas e punições (2.26; 8.10,14); a necessidade de uma pessoa abandonar suas posses após a morte (2.19-21); as incertezas do poder político (4.13-16); e a finalidade de “tudo o que é feito debaixo do sol” (1.14; 2.17). ³ Crenshaw, Ecclesiastes, 57-58. ⁴ Whybray, Ecclesiastes, 36. ⁵ Fox, Ecclesiastes, 3. Ogden, Qoheleth, 22. James Kugel, Great Poems of the Bible, 310, sugere que o Pregador “frequentemente usa esta palavra para descrever algo na vida que lhe parece fútil e inútil (Ec 2.1,11,17,20,23, e várias vezes daí em diante); outras vezes, parece significar algo que é apenas instável (Ec 5.9; 7.15); ainda outras vezes, é usado para significar algo injusto (Ec 2.26; 4.7; 6.2; 8.10,14). E [Em Ec 12.8]... é como um sopro, evanescente: ‘Portanto, passageiro’”. ⁷ Veja Lindsay Wilson, “Artful Ambiguity in Ecclesiastes 1:1-11: A Wisdom Technique?”, in Qohelet in the Context of Wisdom, Antoon Schoors (org.) (Leuven: Peeters, Leuven University, 1998), 357-65. ⁸ Salyer, Vain Rhetoric, 264. Murphy, Ecclesiastes, 133. ¹ Para mais discussão sobre as diferentes formas de paralelismo, referências e exemplos, veja meu Modern Preacher, 60-62, 246-47, 293-94. ¹¹ Nova nomenclatura introduzida por Gerald H. Wilson, Psalms: Volume 1 (Grand Rapids: Zondervan, 2002), 40-48. ¹² “Embora a maioria dos comentaristas use “quiasma” para designar o paralelismo invertido, como a principal característica da poesia hebraica é o paralelismo, é melhor distinguir claramente entre paralelismo invertido e quiasma. Em distinção ao paralelismo invertido, um quiasma – do grego , “marcar com um (X)” – forma um X em torno de um componente central. Cf. John Breck, “Biblical Chiasmus: Exploring Structure for Meaning”, BTB 17/2 (1987) 71: “A singularidade da estrutura quiástica está em seu foco em um tema central, sobre o qual as outras proposições da unidade literária são desenvolvidas”. Para mais discussão sobre estruturas quiásticas, exemplos e referências, veja meu Modern Preacher, 62-63, 209-11, 249-50, 280-82, 292-93, e 320-21. ¹³ Ogden, Qoheleth, 32 ¹⁴ Fox, A Time to Tear Down, 164. Murphy, Wisdom Literature, 133, propõe uma inclusio de (“vai”) nos versos 4 e 6 e outro em / (“encher”), nos versos 7 e 8. Consequentemente, ele une os versos 4-6 e 7-8, o que resulta no seguinte esboço: A. Tese: não há proveito no trabalho humano³ B. Tese ilustrada ⁴-⁸ 1. Uma sucessão sem fim de eventos ⁴- a. Geração ⁴ b. Sol ⁵ c. Vento 2. Carência da criação a ser preenchida ⁷-⁸ a. Mar ⁷ b. Homem ⁸ É claro que nem toda repetição funciona como uma inclusio. Um autor pode simplesmente repetir uma palavra porque não há outra disponível para estabelecer uma conexão entre uma afirmação e outra (como “encher”, nos v.7- 8). De qualquer forma, o conteúdo destes versos supera quaisquer inclusios questionáveis. ¹⁵ Brown, Ecclesiastes, 24. ¹ “Debaixo do sol” é “o mundo visível, interpretado em termos de si mesmo”. Eaton, Ecclesiastes, 63. Cf. Reitman, “The Structure and Unity of Ecclesiastes”, BSac 154 (1997) 301, n. 17. “A expressão ‘debaixo do sol’ é uma marca registrada do Qohelet e está estritamente ligada ao conceito de futilidade. Ela ocorre vinte e nove vezes e projeta a perspectiva do homem sozinho usando sua própria sabedoria e seus próprios sentidos na esfera ‘deste mundo’ sozinho”. Cf. Seow, Ecclesiastes, 105. “O Qohelet claramente conhece a expressão mais comum ‘debaixo do céu’ e a usa, mas sua preferência é por ‘debaixo do sol’... Enquanto ‘debaixo do céu’ se refere à universalidade das experiências humanas em todos os lugares do mundo (i.e., sua designação espacial), ‘debaixo do sol’ se refere ao universo temporal dos vivos (cf. 8.9, em que ‘debaixo do sol’ é definido temporalmente: “tempo em que...”)... A expressão ‘debaixo do sol’, que se refere a este mundo, explica sua recorrência em Eclesiastes”. ¹⁷ Cf. Fox, A Time to Tear Down, 164, e Seow, Ecclesiastes, 111. ¹⁸ Seow, “The Socioeconomic Context of ‘The Preacher’s’ Hermeneutic”, PSBul 17/2 (1996) 195. ¹ Provan, Ecclesiastes, 63. ² Neste capítulo e nos seguintes usamos as seções “maneiras de pregar Cristo” para mostrar todos os movimentos legítimos possíveis para ir do texto até Cristo, no Novo Testamento. Ao escrever o sermão podemos, subsequentemente, escolher a melhor forma ou melhores formas de focar o sermão em Cristo. Em sua pesquisa para elaborar sermões, os pregadores não precisam entrar em tantos detalhes quanto nestas apresentações, que têm o objetivo de demonstrar mais completamente como se pode chegar a Cristo por meio de cada caminho legítimo. ²¹ Veja a referência no apêndice de Nestle-Aland, Novum Testamentum Graece. ²² Para mais discussão sobre este tema, veja p. 114–115, abaixo, “Tema e objetivo do sermão”. ²³ Veja Apêndices 1 e 2, abaixo (p. 330–44). ²⁴ Neste capítulo e nos seguintes, as seções “Exposição do sermão” procuram expor o significado de quase cada verso do texto de pregação. Como a inclusão de toda essa informação em um sermão real o deixaria sobrecarregado de informações, é preciso selecionar o material pertinente ao sermão e acrescentar ilustrações e aplicações que foquem na congregação específica em que o sermão for pregado. ²⁵ Não precisamos discutir o verso 1, sobre o autor, neste sermão. O assunto surgirá na próxima seção, que começaem Eclesiastes 1.12. ² Salmos 39.5. Cf. Salmos 144.4. ²⁷ Provan, Ecclesiastes, 52, corretamente questiona a tradução da TNIV como “sem sentido”: “Faz pouco sentido o Qohelet aconselhar uma pessoa jovem a ser feliz enquanto vive reverentemente diante de Deus somente para lembrar-lhe de que ‘a juventude e a primavera da vida são sem sentido’ (11.10)! Faz muito sentido, contudo, ele oferecer este conselho no contexto da brevidade da juventude... A conclusão que segue a descrição gráfica da velhice e da morte em 12.1-7, bem como todas as palavras do Qohelet (12.8), refere-se, muito naturalmente, à natureza efêmera de todas as coisas, não à sua falta de sentido. Se 12.8 tem este sentido para , provavelmente 1.2 também tem. ²⁸ Os comentaristas, compreensivelmente, querem clareza e, por isso, tentam localizar com precisão um único significado para uma metáfora que parece ter várias e profundas dimensões. Mas o autor pode ter planejado que ela tivesse vários significados. Assim como ouvimos dois significados juntos em um paralelismo sinônimo, como um som estereofônico, assim também podemos ouvir mais de um significado em uma metáfora, como som ambiente. Certamente, a ambiguidade pode levar a várias dimensões conectadas. Neste caso, como todas as coisas são transitórias, elas são insubstanciais; de fato, podem ser fúteis. O contexto terá que decidir qual é o tom predominante. ² Kidner, A Time to Mourn, 22. Cf. Seow, Ecclesiastes, 101, “Qoh. Rabb. Interpreta a palavra como “como o bafo que sai do forno”, e o superlativo é interpretado como significando que a humanidade é ainda menos substancial que esse bafo”. ³ Eclesiastes 1.3; 2.11,13; 3.9; 5.9,16 (hebraico 5.8,15); 7.12; 10.10,11. ³¹ Veja Provan, Ecclesiastes, 54. Perdue, Wisdom Literature, 192, sugere: “O Qohelet deseja encontrar algo que dure mais que o tempo de vida de um ser humano, algo que possa sobreviver ao túmulo, pelo menos na memória humana”. Veja também p. 81, abaixo. ³² Eclesiastes 1.3,9,14; 2.11,17,18,19,20,22; 3.16; 4.1,3,7,15; 5.13,18 (hebraico 5.12,17); 6.1,12; 8.9,15 (2x),17; 9.3,6,9(2x),11,13; 10.5. ³³ Kidner, A Time to Mourn, 23. ³⁴ Veja, e.g., Murphy, Ecclesiastes, 7: “Este verso afirma o caráter efêmero da humanidade, contra o pano de fundo da terra, sempre presente”. Esta interpretação apoia o verso 2, “tudo é vaidade”. Mas o pregador, aqui, procura apoiar o verso 3, que diz que não há proveito. ³⁵ Fox, Ecclesiastes, 5. ³ Fox argumenta que a terra ( ) “aqui não significa o mundo físico, mas a humanidade como um todo – ‘le monde’, não ‘la terre’”. “Qohelet 1.4,” JSOT 40 (1988) 109. Cf. seu Ecclesiastes, 5. Mas não há necessidade de mudar a tradução de “terra” para o termo muito mais raro “humanidade”. Quando a palavra é interpretada como significando o mundo físico – o sol, o mar e o vento são físicos –, o argumento se mantém: gerações vão e vêm sobre a terra, mas ela permanece a mesma. ³⁷ “A palavra voltar com pressa ( ) é, literalmente, arquejar. Os comentaristas têm observado corretamente que o Antigo Testamento a usa tanto em sentido negativo quanto em sentido positivo. Positivamente, a palavra significa palpitar de ansiedade ou desejo (pelos mandamentos de Deus, em Sl 119.131); negativamente, arquejar com exaustão (como uma mulher em trabalho de parto, Is 42.14)”. Longman, Book of Ecclesiastes, 69. No contexto de Eclesiastes, Longman opta pelo sentido negativo, encontrando apoio na Septuaginta, helkei, “arrastar-se”, e no Targum , “arrastar-se”. ³⁸ Brown, Ecclesiastes, 24. ³ Loader, Ecclesiastes, 20. ⁴ Seow, Ecclesiastes, 108. ⁴¹ Crenshaw, Ecclesiastes, 64: “Esse sentimento de entrar em uma rotina alcança seu ápice em três particípios sucessivos, , , , imediatamente antes de o sujeito ser introduzido”. ⁴² Seow, Ecclesiastes, 115: “O vento se move de modo imprevisível, mas até mesmo o vento imprevisível retorna, por causa de suas idas e voltas. Há muito movimento, mas, por fim, nada novo acontece. Nenhum proveito é obtido, apesar de toda a agitação”. ⁴³ A NIV traduz o verso 7b como completando o ciclo: “Para o lugar de onde vêm os rios, para lá retornam”. Garrett, Proverbs, Ecclesiastes, Song of Songs 285, comenta; “a última frase não se refere ao ciclo de evaporação e chuva, como fica implícito pela tradução da NIV. Gordis [Koheleth, 207] corretamente chama essa interpretação de ‘linguisticamente forçada’. A tradução deve ser: ‘Ao lugar para onde correm os rios, para lá vão continuamente’. A implicação aqui não é de movimento cíclico, mas de atividade fútil”. ⁴⁴ Whybray, Ecclesiastes, 42-43, argumenta em favor do movimento cíclico. ⁴⁵ Brown, Ecclesiastes, 23. ⁴ Jerônimo, citado por Crenshaw, Ecclesiastes, 63, observou: “O que é mais vão do que esta vaidade: que a terra, que foi feita para os seres humanos, permanece – mas os próprios seres humanos, os senhores da terra, repentinamente voltam ao pó?” ⁴⁷ Ao contrário de muitos comentaristas, que traduzem como “todas as palavras”, no contexto, “todas as coisas” é uma tradução melhor, como a tradução de como “coisa”, em 1.10. Veja, e.g.,Whybray, Ecclesiastes, 44, e Crenshaw, Ecclesiastes, 66. ⁴⁸ Ogden, Qoheleth, 32. ⁴ Garrett, Proverbs, Ecclesiastes, Song of Songs, 287. ⁵ Ogden, Qoheleth, 32. ⁵¹ Whybray, Ecclesiastes, 45. ⁵² “Como Agostinho [Cidade de Deus, 12.13] observou quando argumentou contra a teoria do tempo cíclico, o Qohelet está falando de recorrência de tipos de seres e eventos... Eventos arquetípicos (incluindo ações, vistas como eventos) – nascimento, morte, guerra e assim por diante – se realizam em manifestações específicas: o nascimento de indivíduos específicos, atos específicos de abraçar, o início de guerras específicas, etc.”. Fox, Qohelet and His Contradictions, 172. ⁵³ Brown, Ecclesiastes, 27. Longman, Book of Ecclesiastes, 75, acrescenta: “Mesmo que se admita que novas descobertas são feitas, as pessoas continuam as mesmas”. ⁵⁴ Brown, ibid., 28. ⁵⁵ Seow, Ecclesiastes, 117. ⁵ Jesus continua, em Mateus 6.24: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas”. CAPÍTULO 3 A busca de sentido pelo Pregador Eclesiastes 1.12–2.26 Eu, o Pregador, venho sendo rei de Israel, em Jerusalém. Apliquei o coração a esquadrinhar e a informar-me com sabedoria de tudo quanto sucede debaixo do céu; este enfadonho trabalho impôs Deus aos filhos dos homens, para nele os afligir. (Ec 1.12-13) Esta é uma passagem ideal para explorar o interesse contemporâneo pelo sentido da vida. Como o texto de Eclesiastes 1.12–2.26 é o texto de pregação mais longo deste livro, um grande desafio será fazer justiça aos seus muitos elementos em um só sermão e ainda mantê-lo unificado e em movimento. Outro desafio é formular um único tema que abranja os resultados negativos da busca por sentido (“vaidade e correr atrás do vento”) e o conselho final positivo (“nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem do seu trabalho”). Texto e contexto É claro que uma nova unidade literária começa em 1.12-13: “Eu, o Pregador, venho sendo rei de Israel, em Jerusalém. Apliquei o coração a esquadrinhar e a informar-me com sabedoria de tudo quanto sucede debaixo do céu (...)”. A conclusão desta unidade, contudo, não é tão evidente. Alguns comentaristas terminam a unidade em 1.18, outros, em 2.11, outros, em 2.23¹ e ainda outros, em 2.26 e alguns até em 3.15.² Embora 1.12-18 certamente seja uma subunidade, o Pregador continua sua busca por sentido em 2.1: “Disse comigo”.³ Novamente, 2.1-11 certamente é uma subunidade, mas o Pregador continua sua busca em 2.12: “Então, passei a considerar a sabedoria...” Novamente, 2.12-23 é uma subunidade, mas a unidade toda só se completa com a conclusão final da busca do Pregador, em 2.24-26: “Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem do seu trabalho. No entanto, vi também que isto vem da mão de Deus”.⁴ O texto de 3.1 começauma nova unidade, “Tudo tem o seu tempo determinado...”. Nossa unidade textual, portanto, é Eclesiastes 1.12–2.26.⁵ Quanto ao contexto, o Pregador explora nesta passagem a questão fundamental levantada antes: “Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol?” (1.3). Ele chega à mesma conclusão: “Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que eu, com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol” (2.11). Muitas palavras e frases da passagem anterior são repetidas aqui – “trabalho”, “vaidade”, “debaixo do sol”, “lembrança” – e serão repetidas novamente em passagens posteriores. O conselho final depois da longa busca do pregador, “Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que sua alma goze o bem do seu trabalho” (2.24) será repetido mais seis vezes em Eclesiastes (3.12-13,22; 5.18-20; 8.15; 9.7-10; 11.8-10) “com ênfase e solenidade cada vez maiores”. Elementos literários Nesta seção, o Pregador faz uso de várias formas literárias (subgêneros). Toda a unidade tem a forma de uma narrativa autobiográfica. Eclesiastes 1.12-15, começando com “Apliquei o coração”, é uma reflexão sobre a vaidade de usar a sabedoria, assim como 1.16-18, começando com “disse comigo”. Cada uma dessas duas reflexões introdutórias termina com um provérbio (1.15,18). Eclesiastes 2.1-11, que começa com “disse comigo”, é uma reflexão sobre a busca do prazer. Eclesiastes 2.12-17, começando com “Então, passei a considerar”, é uma reflexão sobre os benefícios da sabedoria sobre a loucura. Essa reflexão também inclui um provérbio de confirmação (2.14). Finalmente, 2.18-26 é uma reflexão que foca especificamente os resultados do trabalho humano (posses), concluindo com a admoestação de que os seres humanos devem “comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem do seu trabalho” (2.24- 26).⁷ O Pregador novamente usa repetições para enfatizar pontos importantes. Nesta passagem, ele repete duas vezes o termo comum “debaixo do céu” (1.13; 2.3), mas sete vezes seu termo específico para vida “debaixo do sol” (1.14; 2.11,17,18,19,20,22) – isto é, vida considerada por uma perspectiva secular, horizontal, vida que não leva Deus em conta.⁸ Ele repete oito vezes “tudo é vaidade” (1.14; 2.1,11,17,19,21,23,26), combinando esta frase quatro vezes com “correr atrás do vento” (1.14; 2.11,17,26) e uma vez apenas “correr atrás do vento” (1.17). Ele repete quinze vezes nesta passagem a palavra-chave “trabalho” de 1.3: “Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol?” Ele normalmente se refere à vaidade do “trabalho”, mas duas vezes combina prazer com trabalho (2.10, “[não] privei o coração de alegria alguma, pois eu me alegrava com todas as minhas fadigas”, e 2.24, “goze o bem do seu trabalho”). E três vezes ele se refere a Deus (1.13; 2.24,26), formando uma possível inclusio para esta unidade literária. O Pregador busca paralelismo sinônimo dos dois primeiros provérbios (1.15,18) e paralelismo antitético no terceiro (2.14). Ele também usa muitas metáforas nesta passagem, como “vapor”, “correr atrás do vento”, “debaixo do sol”, “meu coração”, “mão de Deus”, “trevas” e, possivelmente, “comer e beber”. Estrutura textual As reflexões enfatizadas sob “elementos literários”, acima, proporcionam as principais divisões da passagem: 1.12-18; 2.1-11; 2.12-17; 2.18-23; 2.24-26. Essas divisões são confirmadas pelo encerramento de cada seção com um provérbio ou com a declaração de “vaidade”. Podemos esboçar o fluxo complexo do argumento do Pregador da seguinte forma: I. Introdução: o Pregador busca sabedoria (1.12-13a) A. Tudo o que é feito debaixo do céu (1.13b) 1. Conclusão: Deus deu aos seres humanos um trabalho enfadonho (1.13c) a. Razão: todos os atos praticados debaixo do céu são vaidade (1.14) i. Confirmada por um provérbio: Aquilo que é torto não se pode endireitar; e o que falta não se pode calcular (1.15) B. Ele procura distinguir a sabedoria da loucura (1.16-17a) 1. Conclusão: distinguir a sabedoria da loucura é correr atrás do vento (1.17b) a. Confirmada por um provérbio: Na muita sabedoria há muito enfado; e quem aumenta a ciência aumenta a tristeza (1.18) II. O Pregador verifica o que é ganho pelo prazer (2.1a) A. Alegre-se (2.1b) B. Conclusão: isso também é vaidade (2.1c) C. Razões: 1. Rir é loucura (2.2a) 2. O prazer é inútil (2.2b) D. Objetos verificados: 1. Vinho (2.3) 2. Várias posses (2.4-8a) 3. Arte (2.8b) 4. Sexo (2.8c) E. Resultados: 1. Tornei-me grande (2.9) 2. Meu coração encontrou prazer no meu trabalho (2.10) F. Conclusão: 1. Meu trabalho era vaidade (2.11a) 2. Nenhum proveito há debaixo do sol (2.11b) III. O Pregador verifica os benefícios da sabedoria sobre a loucura (2.12) A. Tese: a sabedoria excede a loucura como a luz excede as trevas (2.13)¹ 1. Confirmada por um provérbio: “os olhos do sábio estão na sua cabeça, mas o estulto anda em trevas” (2.14) B. Problemas: 1. O mesmo destino alcança os sábios e os tolos (2.14c-15) 2. Não há lembrança permanente dos sábios nem dos tolos (2.16) C. Resultado: odiei a vida (2.17a) D. Conclusão: Tudo é vaidade (2.17b) IV. O Pregador verifica o proveito do trabalho pelas posses¹¹ A. Afirmação: odiei meu trabalho debaixo do sol (2.18a) B. Razões: 1. Devo deixar minhas posses para os que vierem depois de mim (2.18b) 2. Não sei se serão sábios ou tolos (2.19a) C. Conclusão: isso também é vaidade (2.19b) A’. Afirmação: entreguei o coração ao desespero sobre meu trabalho (2.20) B’. Razão: Devo deixar minhas posses para que outros desfrutem (2.21) C’. Conclusão: o ser humano não tem nenhum proveito do seu trabalho (2.22) 1. Seus dias são cheios de dor (2.23a) 2. À noite, sua mente não descansa (2.23b) 3. Isso também é vaidade (2.23c) V. O conselho final do Pregador A. Não há nada melhor que comer, beber e desfrutar do trabalho (2.24a) B. Razões: 1. Isso também vem da mão de Deus (2.24b) 2. Sem Deus, não podemos nos alegrar (2.25) 3. Deus dá sabedoria e prazer àqueles que lhe agradam (2.26a) 4. Ao pecador, Deus dá o trabalho de ajuntar, apenas para dar o fruto àqueles que lhe agradam (2.26b) a. Conclusão: Isso também é vaidade e correr atrás do vento (2.26c) Interpretação teocêntrica As referências a Deus nesta passagem são poucas e esparsas. O Pregador menciona Deus na introdução, “(...) este enfadonho trabalho impôs Deus aos filhos dos homens, para nele os afligir” (1.13b). Deus então desaparece quando o Pregador explora “todas as obras que se fazem debaixo do sol” (1.14), mas, na conclusão, reaparece de forma poderosa: Deus capacita os seres humanos a “comer, beber e fazer que sua alma goze o bem do seu trabalho” (2.24). De fato, “Deus dá sabedoria, conhecimento e prazer” àquele que lhe agrada, até mesmo tirando do pecador e dando àquele que lhe agrada (2.26). Tema e objetivo textual Ao formular um único tema para esta passagem, precisamos avaliar seus dois temas principais. A maior parte do texto trata do tema de que todos os empreendimentos humanos são vaidade, enquanto somente três versos são dedicados ao tema “comer, beber e gozar o bem do seu trabalho”. Mas esses três versos formam a importante conclusão da busca do Pregador pelo sentido da vida. Ele procurou proveito na vida em muitas direções diferentes e acabou não o encontrando. Mas finalmente ele chega a uma resposta: “Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que sua alma goze o bem do seu trabalho” (2.24). Não é coincidência que, nesta conclusão, o Pregador cite Deus como o doador da alegria. Contra o pano de fundo da vaidade dos empreendimentos humanos “debaixo do sol”, a mensagem do Pregador para Israel é comer, beber e desfrutar de seu trabalho. Podemos fazer justiça aos dois temas subordinando o tema da “vaidade” ao tema da “alegria”. O tema textual, então, pode ser formulado da seguinte forma: “Como todos os empreendimentos humanos ‘debaixo do sol’ são vaidade,encontre alegria nas dádivas diárias de Deus, a saber, comer, beber e trabalhar”. Em benefício da clareza, temos que encontrar uma palavra mais lúcida para substituir a expressão “debaixo do sol”. Esta expressão, como vimos, é a visão que o Pregador tem do mundo a partir de uma perspectiva horizontal, secular. Podemos, portanto, substituir “empreendimentos ‘debaixo do sol’” por “empreendimentos sem Deus” ou “empreendimentos terrenos”. Também podemos esclarecer a palavra “vaidade”, que, neste contexto, está associada a “proveito” (veja 2.11,22-23). Qual das várias conotações de “vapor” expressaria o sentido de “sem proveito”? As melhores opções são “fútil’ ou “vazio”. Essas considerações conduzem à formulação do seguinte tema: Como todos os empreendimentos terrenos são fúteis, encontre alegria nas dádivas diárias de Deus, a saber, comer, beber e trabalhar. Por que o Pregador encorajaria Israel a se alegrar por sua comida, bebida e seu trabalho? Contra o pano de fundo da busca dos israelitas pelo sentido da vida no trabalho pesado, em fazer fortuna e desfrutar da vida depois, o Pregador deseja encorajá-los a não adiar a alegria para um tempo futuro, mas a saborear a alegria dada por Deus no presente momento, comendo, bebendo e trabalhando. O objetivo do Pregador, então, é encorajar Israel a encontrar alegria nas dádivas diárias de Deus, a saber, comer, beber e trabalhar. Maneiras para pregar Cristo Como podemos nos mover do tema “Como todos os empreendimentos terrenos são fúteis, encontre alegria nas dádivas diárias de Deus, a saber, comer, beber e trabalhar” para Jesus Cristo, no Novo Testamento? Não há promessa de Cristo, o que elimina o caminho de promessa-cumprimento. Isso deixa seis caminhos possíveis para nos levar a Cristo, no Novo Testamento. Como a progressão histórico-redentiva e os temas longitudinais estão entrelaçados,¹² esses dois caminhos serão combinados nesta análise. Progressão histórico-redentiva/Temas longitudinais Pode-se traçar pela história da redenção e a Escritura o tema de encontrar alegria nas dádivas diárias de comida, bebida e trabalho, que recebemos da parte de Deus. No paraíso, Deus deu a Adão e Eva um trabalho significativo (“cultivar e guardar” o jardim [Gn 2.15]) e boa comida (“De toda árvore do jardim comerás livremente”) [Gn 2.16]). A Queda no pecado destruiu o bom planejamento de Deus: “Maldita é a terra por tua causa; em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua vida... No suor do rosto comerás o pão” (Gn 3.17,19). O trabalho se tornou uma labuta sem muita alegria. Mas a labuta não era totalmente fútil: ela ainda proporcionava comida. Deus ordenou a Israel: “Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra” (Êx 20.9). E Deus ainda podia tornar o trabalho agradável. Israel orou: Sacia-nos de manhã com a tua benignidade, para que cantemos de júbilo e nos alegremos todos os nossos dias (... ) Seja sobre nós a graça do Senhor, nosso Deus; confirma sobre nós as obras das nossas mãos, sim, confirma as obras das nossas mãos (Sl 90.14,17). O salmo 128.1-2 declara: Bem-aventurado aquele que teme ao Senhor e anda nos seus caminhos! Do trabalho de tuas mãos comerás, feliz serás, e tudo te irá bem. Assim, o Pregador de Eclesiastes 2.24 também pode dizer: “Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que sua alma goze o bem do seu trabalho. No entanto, vi também que isto vem da mão de Deus”. No entanto, neste mundo caído, o trabalho deixa muito a desejar. Isaías (65.21- 23) anseia pela nova terra, onde Eles edificarão casas e nelas habitarão; plantarão vinhas e comerão o seu fruto. Não edificarão para que outros habitem; não plantarão para que outros comam (...) (...) meus eleitos desfrutarão de todas as obras das suas próprias mãos. Não trabalharão debalde (...) (cf. 1Co 15.58). Quando Jesus veio a este mundo, ele trabalhou como carpinteiro (Mc 6.3), depois como mestre (Mc 6.2,6) e realizador de milagres: alimentou pessoas (Mc 6.30-44), curou enfermos (Mc 6.53-56). Jesus enviou seus discípulos para pregar o evangelho e disse: “Digno é o trabalhador do seu salário” (Lc 10.1-7). Jesus também nos ensinou a não nos preocuparmos com o que comer, o que beber e com que nos vestir, mas, em vez disso, focar nossa vida no reino de Deus, “(...) e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6.33). De fato, Jesus promete ganho, o reino de Deus, àqueles que fizerem bem o seu trabalho: “Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes... Em verdade vos afirmo que, sempre que o fizestes a um destes pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (Mt 25.34-40). Por meio de Jesus Cristo, nosso trabalho foi redimido e pode novamente proporcionar sentido, alegria e até mesmo proveito. Consequentemente, Paulo pode nos ordenar: “Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo: alegrai-vos” (Fp 4.4). Tipologia Esta é uma de apenas duas¹³ passagens de Eclesiastes em que possivelmente podemos fazer uso de tipologia. O Pregador procura dar mais peso à sua mensagem usando as experiências e palavras do grande rei Salomão. O rei Salomão, é claro, era amplamente conhecido por sua sabedoria e suas grandes obras. Até mesmo a rainha de Sabá ouviu falar de sua fama, viajou muitas milhas para conhecê-lo e louvou ao Senhor: “Bendito seja o Senhor, teu Deus, que se agradou de ti para te colocar no trono de Israel; é porque o Senhor ama a Israel para sempre, que te constituiu rei para executares juízo e justiça” (1Rs 10.9). Salomão ( ), o rei de paz, governou sabiamente na cidade de paz (Jerusalem). O rei Salomão é um tipo do grande Rei de paz; ele prefigura Jesus Cristo. Quando algumas pessoas pediram a Jesus um sinal para provar que ele era especial, Jesus respondeu: “A rainha do Sul se levantará, no Juízo, com esta geração e a condenará; porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. E eis aqui está quem é maior do que Salomão” (Mt 12.42). Jesus é outro Salomão, o grande e sábio rei; mas Jesus é muito maior que Salomão. Analogia A mensagem do Pregador é encontrar alegria nas dádivas diárias de comida, bebida e trabalho, que recebemos de Deus. Jesus nos ensina a orar ao nosso Pai do céu: “o pão nosso de cada dia dá-nos hoje” (Mt 6.11). Nosso pão diário é uma dádiva de Deus a nós. Jesus também nos diz: (...) não andeis ansiosos pela vossa vida, com o que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir (...) Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não valeis vós muito mais do que as aves? (...) E por que andais ansiosos quanto ao vestuário? Considerai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham, nem fiam. Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós outros, homens de pequena fé? Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? Porque os gentios é que procuram todas estas coisas; pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas; buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas (Mt 6.25-33). Nosso Pai celestial nos dará tudo o que precisamos. Portanto, podemos nos contentar e nos alegrar diariamente por suas dádivas. Referências do Novo Testamento Além das referências do Novo Testamento mencionadas acima, há algumas outras que possivelmente podem ser usadas como pontes para conduzir a Cristo, no Novo Testamento. Paulo encoraja os cristãos primitivos a terem uma vida de gratidão pelas dádivas de Deus: “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, emvosso coração. E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai” (Cl 3.16-17). Em outro lugar, Paulo escreve: “(...) quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1Co 10.31). Refletindo a perspectiva do Pregador sobre a vaidade das riquezas e a importância de viver contente com as dádivas diárias de Deus, Paulo escreve: De fato, grande fonte de lucro é a piedade com contentamento. Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e na perdição. Porque o amor do dinheiro é a raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores (1Tm 6.6-10). Para usar esta passagem, é preciso ligá-la a Jesus fazendo menção ao contexto: “Se alguém ensina outra doutrina e não concorda com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo e com o ensino segundo a piedade...” (1Tm 6.3), ou talvez com a parábola do rico insensato (Lc 12.13-21) ou com a parábola do rico e Lázaro (Lc 16.19-31). Contraste Em contraste com a mensagem positiva do Pregador, a saber, encontrar alegria neste mundo, Paulo também olha para além deste mundo: “(...) para mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro. Entretanto, se o viver na carne traz fruto para o meu trabalho, já não sei o que hei de escolher. Ora, de um e outro lado, estou constrangido, tendo o desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor” (Fp 1.21-23). Tema e objetivo do sermão Resumimos a mensagem do Pregador para Israel no tema: “Como todos os empreendimentos terrenos são fúteis, encontre alegria nas dádivas diárias de Deus, a saber, comer, beber e trabalhar”. Embora o Novo Testamento vá muito além dessa ideia (veja “Contraste”, acima), ele não contradiz o tema de encontrar alegria nas dádivas diárias de Deus. Portanto, o tema do sermão pode manter o mesmo foco do tema textual: Como todos os empreendimentos terrenos são fúteis, encontre alegria nas dádivas diárias de Deus, a saber, comer, beber e trabalhar. Contra o pano de fundo em que os israelitas buscavam o sentido da vida no trabalho duro, em fazer fortuna e desfrutar a vida mais tarde, o objetivo do Pregador foi “encorajar Israel a encontrar alegria nas dádivas diárias de Deus, a saber, comer, beber e trabalhar”. As pessoas hoje enfrentam as mesmas tentações de materialismo e consumismo que Israel enfrentou. Portanto, podemos manter o objetivo do Pregador como o objetivo do sermão: encorajar Israel a encontrar alegria nas dádivas diárias de Deus, a saber, comer, beber e trabalhar. Este objetivo expõe a necessidade tratada neste sermão: as pessoas buscam o sentido da vida e alegria em lugares e tempo (o futuro) errados. Forma do sermão O Pregador apresenta seu argumento geral de maneira indutiva, isto é, revela seu tema principal somente no fim. Os pregadores modernos podem seguir esse método e desenvolver o sermão indutivamente. De fato, o pregador usa uma forma de sermão clássica (discurso) às vezes chamada de “técnica de perseguição”: “Não isto, nem isto, nem isto, nem isto, mas isto”.¹⁴ O Pregador declara: Não sabedoria, nem prazer, nem os benefícios da sabedoria sobre a loucura, nem posses, mas alegria diária. Um sermão expositivo pode seguir esse caminho, expondo não apenas o sentido, mas também a estrutura do texto. A introdução do sermão pode focar na necessidade tratada. Por exemplo, pode-se começar com o impacto do materialismo e do consumismo sobre os ouvintes. Incontáveis pessoas acreditam nas propagandas que prometem felicidade por meio da compra e do consumo de produtos. Maior é melhor: carros maiores, casas maiores, e, é claro, salários maiores. Mas o consumismo realmente conduz a uma alegria maior? Também pode-se começar de forma mais simples, perguntando quantas pessoas anseiam pela sua aposentadoria. Aquele tempo em que, muitos pensam, começarão a desfrutar a vida. Enquanto isso, trabalham como escravos para economizar dinheiro suficiente para esse grande dia. Muitos odeiam seu trabalho, chamam-no de competição insana, mas o toleram porque, no futuro, a aposentadoria vem. Faça a transição para Israel, que, há muito tempo, foi pego nessa mesma competição insana.¹⁵ Exposição do sermão Nesta passagem, o Pregador fala como se fosse Salomão, o sábio e próspero rei de Israel. Em 1.1, ele se identifica como “o Pregador, filho de Davi, rei de Jerusalém”. O Pregador escreveu esse livro provavelmente uns seiscentos anos depois do rei Salomão (veja p. 28–29, acima). Mas, nesta passagem, finge ser Salomão para dar maior impacto à sua importante mensagem.¹ Por isso ele começa, no verso 12: “Eu, o Pregador, venho sendo rei de Israel, em Jerusalém. Apliquei o coração a esquadrinhar e a informar-me com sabedoria de tudo quanto sucede debaixo do céu”. No verso 16, acrescenta: “Disse comigo: eis que me engrandeci e sobrepujei em sabedoria a todos os que antes de mim existiram em Jerusalém”. Embora ainda não diga que é Salomão, temos que ouvir esta passagem como se fosse escrita por Salomão, porque ninguém teve mais sabedoria que esse sábio rei. “Salomão”, então, diz que aplicou seu coração a “esquadrinhar e a informar-me com sabedoria¹⁷ de tudo quanto sucede debaixo do céu”. Depois da conclusão anterior, de que o homem não tem qualquer proveito “de todo o trabalho com que se afadiga debaixo do sol” (1.3), o Pregador como “Salomão” usa sua grande sabedoria para fazer várias experiências a fim de verificar se tudo é, realmente, vaidade, fútil, ou se há alguma coisa mais substancial. Seu primeiro teste é usar sua sabedoria para procurar entender “tudo quanto sucede debaixo do céu”. Mas ele imediatamente chega à conclusão de que sua busca por sabedoria “é enfadonho trabalho¹⁸ [que] impôs Deus¹ aos filhos dos homens, para os afligir”. Por que buscar sabedoria é um trabalho enfadonho? Ele responde no verso 14: “Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento”. Observando toda essa atividade “debaixo do sol”, todo esse esforço humano,² o Pregador conclui que ela é fútil e vazia. O que se percebe é que “o sábio rei (Salomão) está empenhado em... correr atrás do vento”.²¹ Literalmente, ele diz: “Tudo é vapor e agrupar²² o vento”. Tentar capturar vapor é fútil e agrupar o vento deixa a pessoa com as mãos vazias. Em outras palavras, a busca da sabedoria é fútil e resulta em nada. O Pregador confirma sua conclusão com um provérbio, verso 15: Aquilo que é torto não se pode endireitar; e o que falta não se pode calcular. Não se pode mudar o mundo como é dado. “O que é torto não se pode endireitar”. A sabedoria não pode endireitar o que é torto. Mais adiante, em seu livro, o Pregador escreve: “Atenta para as obras de Deus, pois quem poderá endireitar o que ele torceu?” (Ec 7.13).²³ Depois da Queda, Deus amaldiçoou a terra, dando origem a cardos e abrolhos (Gn 3.17-18), tornados e furacões, influenza e câncer. Paulo fala do gemido da criação. Ele diz que “... a criação está sujeita à vaidade...” (Rm 8.20). Essa vaidade levanta muitas questões que não conseguimos responder. Não conseguimos entender essas coisas torcidas: por que tornados destroem casas de um lado da rua e deixam intactas as casas do outro lado? Por que o câncer atinge umas pessoas e outras não? Não podemos endireitar o que é torto. Só podemos esperar, com Paulo, que, um dia, a criação seja redimida do cativeiro da corrupção (Rm 8.20-21). O provérbio continua: “O que falta não se pode calcular”. Os políticos podem desejar dar uma interpretação positiva para um déficit, mas a simples verdade é que “o que falta não se pode calcular”. Um provérbio similar seria “não se pode contar com os ovos que a galinha não botou”. Se não os temos, não podem ser contados comoproveito. Assim, é com sabedoria que se examina “tudo o que sucede debaixo do céu”. Não há nada a acrescentar. Esta é uma busca fútil e vazia. Toda a busca é “vaidade e correr atrás do vento”. Depois o Pregador toma um caminho levemente diferente. Da verificação de todas as coisas pela sabedoria, ele passa a examinar a própria sabedoria. Ele escreve no verso 16: “Disse comigo: eis que me engrandeci e sobrepujei em sabedoria a todos os que antes de mim existiram em Jerusalém; com efeito, o meu coração tem tido larga experiência da sabedoria e do conhecimento. Apliquei o coração a conhecer a sabedoria e a saber o que é loucura e o que é estultícia...”. Nesses dois versos, ele usa a palavra “sabedoria” três vezes. Ele quer saber precisamente como a sabedoria é diferente da loucura.²⁴ Mas essa busca também é fútil: “Vim a saber que também isto é correr atrás do vento”. Procurar entender a própria sabedoria também é correr atrás do vento – uma busca que deixa a pessoa de mãos vazias. Novamente o Pregador confirma sua conclusão com um provérbio, verso 18: (...) na muita sabedoria há muito enfado; e quem aumenta ciência aumenta tristeza. Muita sabedoria traz consigo muita frustração, porque o mundo não parece fazer sentido.²⁵ Além disso, a sabedoria aumenta a tristeza porque a pessoa se torna mais consciente da dor e do sofrimento neste mundo. Tendo fracassado em encontrar sentido verificando, pela sabedoria, tudo o que sucede, o Pregador decide tentar encontrar sentido com a busca do prazer. Capítulo 2.1: “Disse comigo: vamos! Eu te provarei com a alegria; goza, pois, a felicidade (...)”. Agora devemos entender que, em Eclesiastes, o prazer não é mau. De fato, nesta mesma passagem, 2.26, o Pregador diz que o prazer é uma dádiva de Deus: “(...) Deus dá sabedoria, conhecimento e prazer (...)”.² Mais adiante, neste livro, ele encoraja seus leitores: “Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe gostosamente o teu vinho, pois Deus já de antemão se agrada das tuas obras” (9.7). A busca de prazer não é errada. O problema é que o Pregador procura encontrar sentido no prazer “debaixo do sol”. Ele escreve no fim desta seção, 2.11, que “nenhum proveito havia debaixo do sol”. Em outras palavras, ele buscou prazer sem Deus, sem levar Deus em conta.²⁷ Mais uma vez ele rapidamente chega à conclusão de que a busca de prazer sem Deus é fútil. No verso 2, ele registra: “Do riso, disse: é loucura; e da alegria: de que serve?” E ele passa a descrever os vários experimentos que o fizeram concluir que o prazer é fútil. Ele experimentou sucessivamente o prazer do vinho, de grandes obras, da arte e do sexo. Ele começa com o vinho. Verso 3: “Resolvi no meu coração dar-me ao vinho, regendo-me, contudo, pela sabedoria, e entregar-me à loucura, até ver o que melhor seria que fizessem os filhos dos homens debaixo do céu, durante os poucos dias da sua vida”. O Pregador não quis se embebedar. Ele só queria se alegrar com o vinho enquanto sua mente ainda pudesse guiá-lo com sabedoria. Isso lhe deu discernimento quanto ao que é bom para as pessoas durante sua breve permanência neste mundo? Aparentemente, não, pois ele passa rapidamente para a construção de grandes obras. A descrição das grandes obras aqui se aproxima do que sabemos sobre as obras do rei Salomão (1Rs 7. 10-21). Mas observe o quanto essa busca pelo prazer é egoísta: “Edifiquei para mim... plantei para mim... fiz jardins e pomares para mim... fiz para mim açudes... comprei... possuí... Amontoei também para mim... provi-me”. Michael Fox descreve adequadamente esse esforço como “um tipo de intenso consumismo”.²⁸ Verso 4: “Empreendi grandes obras; edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas. Fiz jardins e pomares para mim e, nestes, plantei árvores frutíferas de toda espécie”. “Salomão” criou para si outro paraíso² no mundo. Certamente, no paraíso, ele encontraria sentido. O verso 7 continua: “Comprei servos e servas e tive servos nascidos em casa; também possuí bois e ovelhas, mais do que possuíram todos os que antes de mim viveram em Jerusalém. Amontoei também para mim prata e ouro e tesouros de reis e de províncias (...)”. Em adição a todas essas posses, “Salomão” acrescentou o prazer da arte, verso 8b, “(...) provi-me de cantores e cantoras”, e o prazer do sexo, “(...) delícias dos filhos dos homens: mulheres e mulheres”. Ele conclui, nos versos 9-11: “Engrandeci-me e sobrepujei a todos os que viveram antes de mim em Jerusalém; perseverou também comigo a minha sabedoria. Tudo quanto desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem privei o coração de alegria alguma, pois eu me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso era a recompensa de todas elas. Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que eu, com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol”. Aqui está explicitamente a resposta à pergunta retórica levantada em 1.3: “Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol?” A resposta é: “absolutamente, nenhum”. Até mesmo o grande rei “Salomão”, depois de tentar construir outro paraíso neste mundo, chega à conclusão de que “nenhum proveito havia debaixo do sol”. De fato, ele deduz, “tudo era vaidade [futilidade] e correr atrás do vento [deixando-o de mãos vazias], e nenhum proveito³ havia debaixo do sol”. “Todos os termos-chave do Pregador se combinam neste ponto: trabalho, vaidade, correr atrás do vento, sem proveito, debaixo do sol. O ajuntamento de termos comunica amarga desilusão... Está sendo mostrado ao homem secular o fracasso de seu estilo de vida, sob suas próprias premissas”.³¹ O materialismo e o consumismo não conseguem dar sentido à vida humana. O Pregador lidou primeiro com a sabedoria, depois com o prazer. Agora ele planeja um terceiro teste. Ele verificará se o uso da sabedoria oferece benefícios sobre o uso da loucura. Ele escreve, no verso 12: “Então, passei a considerar a sabedoria,³² e a loucura, e a estultícia. Que fará o homem que seguir ao rei? O mesmo que outros já fizeram”.“Salomão”, o mais sábio rei do mundo, realmente está indo a fundo na questão. Como é o rei mais sábio que já viveu, seu sucessor nunca poderá melhorar seu experimento e seus resultados.³³ Imediatamente, o Pregador discerne uma importante diferença entre o sábio e o tolo. Verso 13: “Então, vi que a sabedoria é mais proveitosa do que a estultícia, quanto a luz traz mais proveito que as trevas”. Ele confirma sua observação com um provérbio, no verso 14: Os olhos do sábio estão na sua cabeça, Mas o estulto anda em trevas. “Trevas é uma metáfora para cegueira espiritual. O tolo é como um homem cego que tropeça e cai (cf. Pv 3.23; 4.18-19); o sábio, por outro lado, tem olhos em sua cabeça: pode ver e, portanto, consegue evitar o desastre”.³⁴ Que tremenda vantagem o sábio tem em relação ao tolo! Mas então o Pregador observa: “Contudo, entendi que o mesmo lhes sucede a ambos”. O sábio e o tolo morrem. No verso 15, ele perde a esperança: “Pelo que disse eu comigo: como acontece ao estulto, assim me sucede a mim; por que, pois, busquei eu mais a sabedoria? Então, disse a mim mesmo que também isso era vaidade”. A morte, em sua opinião, é o fim; fim de jogo.³⁵ Qual é o proveito de ser tão sábio? Se o sábio e o tolo morrem, não há proveito em ser sábio. Ou há algum proveito? Podemos morrer, mas nossa reputação pode viver na memória daqueles que vierem depois de nós. Os tolos podem ser esquecidos rapidamente, mas é possível que o sábio seja lembrado? A esperança do Pregador logo se extingue. Verso 16: “(...) tanto do sábio quanto do estulto, a memória não durará para sempre; pois, passados alguns dias, tudo cai no esquecimento” (cf. 1.11). Agonizantemente, ele diz: “Ah! Morre o sábio, e da mesma sorte, o estulto”. E ele confessa: “Pelo que aborreci³ a vida, pois me foi penosa a obra que se faz debaixo do sol; sim, tudo é vaidade e correr atrás do vento”. A vida é fútil e sem substância. “Tudo é vaidade e correr atrás dovento”. No fim da vida, nem mesmo o sábio tem algo para mostrar por ter vivido de forma sábia. Ele também morre e logo será esquecido. Não tendo conseguido encontrar “proveito” na vida ao usar a sabedoria, buscar o prazer e examinar os benefícios do sábio sobre o tolo, o Pregador faz o teste final. Há algo que fica quando morremos. Nossas posses não morrem conosco. Aqueles que morrem deixam uma herança. Essas posses são um “proveito”, um “ganho” de uma vida inteira de trabalho? O Pregador rapidamente fecha essa porta para algum sentido da vida. Ele clama, no versos18-19: “Também aborreci todo o meu trabalho,³⁷ com que me afadiguei debaixo do sol, visto que o seu ganho eu havia de deixar a quem viesse depois de mim. E quem pode dizer se será sábio ou estulto? Contudo, ele terá domínio sobre todo o ganho das minhas fadigas e sabedoria debaixo do sol; também isto é vaidade”. Todo o seu trabalho com sabedoria é fútil, pois, na morte, ele tem que deixar suas posses para trás, e até um tolo pode herdá-las. Ele continua, no verso 20: “Então, me empenhei por que o coração se desesperasse de todo trabalho com que me afadigara debaixo do sol. Porque há homem cujo trabalho é feito com sabedoria, ciência e destreza; contudo, deixará o seu ganho como porção a quem por ele não se esforçou”. E, novamente, ele exclama: “(...) também isto é vaidade e grande mal”. Todo o seu trabalho com sabedoria se torna fútil porque ele tem que deixá-lo “a quem por ele não se esforçou”. Novamente ele levanta a questão, no verso 22: “Que tem o homem de todo o seu trabalho e fadiga do seu coração, em que ele anda trabalhando debaixo do sol?” A resposta é: Nada! Na verdade, menos que nada a um viciado em trabalho – uma pessoa que, “como ‘Salomão’, é possuída pela ambição incessante de alcançar alguma coisa – seja lá o que possa ser – para si mesma e que coloca esse ‘interesse’... acima de tudo o mais”.³⁸ O proveito é menos que nada porque, como ele observa no verso 23, “(...) todos os seus dias são dores, e o seu trabalho, desgosto; até de noite não descansa o seu coração”. E, pela terceira vez nesta seção, o Pregador exclama: “(...) também isto é vaidade”. A vida e o labor humanos são fúteis, inúteis! E então? O Pregador fracassou em seus experimentos. Ele não encontrou sentido em tentar entender a vida pela sabedoria, nem valor durável na busca do prazer, nem vantagem em ser sábio em contraste com ser tolo, nem benefícios duráveis em ajuntar posses. Todos os nossos esforços terrenos são fúteis e vazios. E então, não há proveito nenhum em viver neste mundo? Sim, há. O Pregador conclui, no verso 24: “Nada há melhor³ para o homem do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem do seu trabalho”. Este não é um pensamento totalmente novo. Quando estava investigando o prazer, ele fez uma descoberta interessante. Quando estava trabalhando para construir casas e plantar vinhas, ele escreve, em 2.10: “(...) eu me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso era a recompensa [literalmente, minha porção]⁴ de todas elas”. Muito embora descreva todo o seu trabalho como “vaidade e correr atrás do vento” (2.11), esse trabalho tinha um benefício inesperado. Ele tinha prazer em todo o seu trabalho. Quando Deus criou os seres humanos, colocou-os no jardim com a ordem de cultivá-lo e guardá-lo (Gn 2.15). O trabalho devia dar às pessoas um sentimento de realização e prazer. Agora o Pregador descobriu que, muito embora todo o seu trabalho fosse fútil, ainda trazia consigo esse sentimento de prazer. E, assim, chegando ao fim de seus experimentos e não encontrando sentido durável na vida “debaixo do sol” – vida sem Deus –, ele nos aconselha a pelo menos experimentarmos o prazer do presente momento: comer, beber⁴¹e encontrar alegria no trabalho. Não espere para desfrutar disso no futuro, mas encontre alegria em suas atividades diárias: comer, beber e trabalhar. Com força cada vez maior, o Pregador repetirá este conselho sete vezes, chegando ao clímax em 11.9: “Alegra-te, jovem, na tua juventude, e recreie-se o teu coração nos dias da tua mocidade”. “A alegria tem o poder de redimir a noção de trabalho em meio (e não sobre ou contra) as vicissitudes da vida, a ilusão do ganho e o poder devastador da morte”.⁴² Devemos, então, buscar o prazer, afinal? Isso seria interpretar mal o Pregador. Depois de nos aconselhar a comer, beber e fazer que o coração desfrute o bem do nosso trabalho, ele continua, no verso 24b: “No entanto, vi também que isto vem da mão de Deus. Pois, separado deste, quem pode comer ou quem pode alegrar- se?” A alegria é um presente de Deus para nós. Busque-a sozinho (“debaixo do sol”) e ela se dissipará como o vento – como o Pregador descobriu (2.1-2).⁴³ Em vez disso, devemos receber a alegria como um presente de Deus para nós. O Pregador conclui no verso 26: “(...) Deus dá sabedoria, conhecimento e prazer ao homem que lhe agrada; mas ao pecador dá trabalho, para que ele ajunte e amontoe, a fim de dar àquele que agrada a Deus. Também isto é vaidade e correr atrás do vento”. “Deus dá⁴⁴ sabedoria, conhecimento e prazer ao homem que lhe agrada”. Aqueles que agradam a Deus são aqueles que reconhecem sua soberania: aqueles que recebem alegria por seu trabalho como um presente de Deus; aqueles que honram a Deus sendo agradecidos por suas dádivas. Àqueles que lhe agradam, Deus derrama suas boas dádivas: não apenas alegria, mas também sabedoria e conhecimento. “Mas ao pecador dá trabalho, para que ele ajunte e amontoe, e fim de dar àquele que agrada a Deus”. O “pecador” é, literalmente, “aquele que erra o alvo”. No vocabulário do Pregador, “a palavra designa alguém que, embora não seja ímpio, perdeu o ponto da vida que Deus tinha dado”.⁴⁵ Neste contexto, o pecador é a pessoa que busca o sentido da vida em si mesmo e nos bens que pode adquirir “debaixo do sol”. A essa pessoa, Deus dá “trabalho, para que ele ajunte e amontoe”. Não há pausa. Este é um verdadeiro viciado em trabalho. Toda a sua vida é focada em ajuntar e amontoar. E qual é o resultado? Em vez de terminar com riquezas, Deus as dá a quem lhe agrada.⁴ A parábola das dez minas, contada por Jesus, tem uma mensagem similar: o senhor tomou a mina do servo que tinha errado o alvo de negociar com ela e a deu ao que tinha ganho mais dez minas. Quando o servo reclamou dizendo que isso não era justo, o senhor respondeu: “Eu vos declaro: A todo o que tem dar- se-lhe-á; mas ao que não tem, o que tem lhe será tirado” (Lc 19.26). Aqueles que erram o alvo na vida acabam sem nada. “Também isso é vaidade e correr atrás do vento”.⁴⁷ A mensagem do Pregador, então, é que já que todos os nossos esforços humanos são fúteis, já que todos os nossos esforços sem Deus são fúteis, devemos encontrar alegria nas dádivas que Deus nos dá todos os dias. Devemos saborear o momento e encontrar alegria em comer, beber e trabalhar no presente, porque isso é presente de Deus para nós. Infelizmente, muitas pessoas adiam esse desfrute para um tempo no futuro. Muitas pessoas hoje odeiam seu trabalho. Em vez de agradecer a Deus por seu trabalho, dizem: “Graças de Deus, é sexta-feira!” Dizem que o trabalho é um esforço insano, mas não sabem como escapar dele. Muitas pessoas compram bilhetes de loteria na esperança de ganhar milhões para que possam sair do emprego. Mas poucas conseguem escapar do trabalho. As pessoas anseiam pela aposentadoria porque é quando começarão a desfrutar a vida. Mas a aposentadoria pode nunca vir. Até mesmo os cristãos frequentemente reclamam por viverem nesse “vale de lágrimas” e anseiam pela alegria futura no céu. Mas o Pregador, como grande parte do Antigo Testamento, nos convida a encontrar alegria nesta vida, aqui e agora. “Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que sua alma goze o bem do seu trabalho”. O Novo Testamento continua a mesma ênfase. Na verdade, o Novo Testamento também conhece a vida depois da morte e futuros novo céu e nova terra, onde “não haverá luto, nem pranto, nem dor” (Ap 21.4). Mas Jesus também nos ensina a saborear os dons de Deusaqui e agora. Ele nos ensina a nos contentarmos com a nossa vida e a recebermos nossa comida e bebida como presentes de Deus: “Não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber”, ele diz: Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Não valei vós muito mais do que as aves? (...) não vos inquieteis, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? Porque os gentios é que procuram todas estas coisas; pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas; buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas (Mt 6.26-33). Os gentios erraram o alvo da vida. Os seguidores de Jesus conhecem o alvo: buscar primeiro o reino de Deus, e Deus lhes dará comida, bebida e roupas. Paulo também encoraja os cristãos a terem uma vida de gratidão pelos dons de Deus. Ele escreve: “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração. E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai” (Cl 3.16-17). “Tudo o que fizerdes” inclui comer, beber e trabalhar. Devemos agradecer a Deus todos os dias por seus dons maravilhosos. E devemos desfrutar desses dons todos os dias. Se não desfrutarmos dos dons de Deus, tratamos mal a Deus, que é quem os dá. Mas, se desfrutarmos de nossa comida, bebida e trabalho, Deus se agradará. Desfrute dos dons de Deus todos os dias! ¹ Veja Murphy, Wisdom Literature, 136. ² Veja Seow, Ecclesiastes, 142. ³ Veja ibid., 142-43, para o inclusio “debaixo do céu”, em 1.13 e 2.3, e “muitas continuidades entre 1.13-18 e 2.1-3”. ⁴ Em 2.24-26, “o autor retorna aos temas levantados na seção introdutória (1.13– 2.3): Deus, a entrega de uma preocupação, o lugar de sabedoria, conhecimento e alegria e ver o bem. Pode-se dizer, então, que 2.24-26 constitui a seção final de toda a unidade literária, formando com a introdução, em 1.13–2.23, uma estrutura teológica dentro da qual o todo deve ser interpretado” Ibid., 143. ⁵ Cf. Dorsey, Literary Structure, 193: “a segunda unidade do livro começa com mudanças de pessoa (da terceira para a primeira pessoa) e gênero (de poesia para prosa autobiográfica). Esse relato autobiográfico continua até 2.26, quando o autor retorna à poesia”. Veja Whybray, “Qoheleth, Preacher of Joy”, JSOT 23 (1982) 87-98. ⁷ Veja Murphy, Wisdom Literature, 134-36. ⁸ “Debaixo do sol” é “o mundo visto, interpretado em termos de si mesmo”. Eaton, Ecclesiastes, 63. Cf. Seow, Ecclesiastes, 157: “Ele não está se referindo aqui às atividades específicas de comer e beber, mas à atitude geral diante da vida”. ¹ Whybray, Ecclesiastes, 57, chama os versos 13-17 de “o primeiro exemplo no livro do chamado ‘aforismo quebrado’”. ¹¹ Observe as afirmações paralelas A, B, C, A’, B’, C’. ¹² Para a razão pela qual esses dois caminhos estão frequentemente entrelaçados, veja p. 43, nota 100, acima. ¹³ A outra possibilidade é a menção ao “único Pastor”, em 12.11 (veja abaixo, p. 320–21). ¹⁴ Fred B. Craddock, Preaching (Nashville: Abingdon, 1985), 177. ¹⁵ O Pregador “mostra a absurdidade inerente de uma cultura de ‘trabalho total’. Embora esteja falando para judeus helenistas, sua exposição é perfeitamente adequada à moderna América profissional, na qual muitos de nós aprendemos a nos valorizar principalmente em termos de quanto trabalhamos. Nessa cultura, é admirável ser continuamente pressionado pelo tempo”. Davis, Proverbs, Ecclesiastes, Song of Songs, 181. ¹ “A escolha de Salomão por sua ‘função real’ não foi feita somente porque ele era o arquetípico rei sábio, mas igualmente em vista de sua fama de grande riqueza: se nem mesmo Salomão, que tinha tudo que um homem pode possuir, descobriu que seus esforços para alcançar felicidade e contentamento eram profundamente insatisfatórios, muito mais provavelmente pessoas comuns falhariam nessa tentativa”. Whybray, Ecclesiastes, 48. ¹⁷ “ refere-se a conhecimento prático, habilidade, inteligência, discernimento, inteligência geral e sabedoria”. Crenshaw, Ecclesiastes, 72. ¹⁸ O referente de “enfadonho trabalho” é ambíguo. Pode estar no verso 13, a busca pela sabedoria, ou no verso 14, “tudo quanto sucede debaixo do céu”. A estrutura paralela dos versos 12-15 e 16-18 favorece a busca por sabedoria, já que sabedoria é o foco do verso 17. Portanto, concordo com Fox, que, ao contrário de muitos comentaristas, escreve que o “enfadonho trabalho” é “a busca por entendimento. O Qohelet vê essa busca como sem esperança, uma tarefa frustrante, mesmo quando realizada em sabedoria e por um sábio (1.12,16; 8.16-17), de quem o Qohelet salomônico é o maior exemplo”. Ecclesiastes, 9. Também Whybray, Ecclesiastes,49, com referências a Lauha e Lohfink. Cf. Eaton, Ecclesiastes, 63. ¹ Esta é a primeira menção a Deus. “Aqui, como em outros trinta e nove casos no livro, Deus é chamado pelo nome genérico , o nome preferido na tradição de sabedoria a YHWH. A preferência pode estar ligada ao interesse da tradição de sabedoria por verdades universais, não na relação de uma divindade específica com um povo específico. YHWH é o nome do Deus da aliança, o Deus de Israel, enquanto é o termo universal para divindade, o Deus do universo e de cada pessoa. Esse Deus descrito pelo Qohelet é muito presente e muito ativo no cosmos, sempre dando... e fazendo... o Deus sobre o qual o Qohelet fala é um Deus transcendente e inescrutável”. Seow, Ecclesiastes, 146. Cf. Murphy, Ecclesiastes, lxviiilxix. ² Veja p. 68, nota 8, acima. ²¹ Seow, Ecclesiastes, 146. ²² “ sugere o pastor que tenta agrupar o vento como agrupa ovelhas e carneiros”. Ogden, Qoheleth, 35. ²³ Cf. a palavras de Jesus, em Mateus 6.27: “Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida?”. ²⁴ “Talvez seja possível, por meio de esforço intelectual concentrado, distinguir essas coisas mais precisamente – refinar o entendimento que a pessoa tem do mundo – e, assim, escapar da armadilha armada pela vida para a pessoa comum”. Provan, Ecclesiastes, 70. ²⁵ Cf. Eclesiastes 8:16-17: “Aplicando-me a conhecer a sabedoria e a ver o trabalho que há sobre a terra – pois nem de dia nem de noite vê o homem sono nos seus olhos – então contemplei toda a obra de Deus e vi que o homem não pode compreender a obra que se faz debaixo do sol; por mais que trabalhe o homem para a descobrir, não a entenderá; e, ainda que diga o sábio que a virá a conhecer, nem por isso a poderá achar”. ² “Este substantivo ( ) ocorre oito vezes em Eclesiastes, e a RSV o traduz de várias maneiras diferentes, de acordo com os contextos em que ocorre: prazer, alegria, jovialidade, gozo”. Whybray, Ecclesiastes, 52. ²⁷ “É porque ‘Salomão’ determinou buscá-lo independentemente para si mesmo que ele descobre que, como sua tentativa correspondente de se apoiar em sua sabedoria e conhecimento (1.13,17) isso é totalmente insatisfatório”. Ibid. ²⁸ Fox, A Time to Tear Down, 176. ² “Vinhas foram plantadas, jardins e parques, criados (pardes, “parque”, é uma palavra persa que, em grego, torna-se paradeisos, “paraíso”) e, neles, várias árvores frutíferas foram plantadas, reminiscentes do jardim edênico em Gênesis 2”. Ogden, Qoheleth, 40. Para esta associação com o jardim do Éden por meio do sétuplo padrão rítmico desta passagem (“o padrão sétuplo evoca os sete dias da criação, que também são contados em estilo rítmico”), veja Davis, Proverbs, Ecclesiastes, Song of Songs, 178. Para essa associação por meio da recorrência combinada, aqui, de palavras hebraicas encontradas em Gênesis 1 e 2 (plantar, jardim, árvore, fruto, regar, reverdecer, fazer), veja Arian Verheij, “Paradise Retried: On Qohelet 2:4-6”, JSOT 50 (1991) 113-15. ³ “Suas realizações, embora fossem sem precedentes, equivaliam a nada quando avaliadas pelo critério do “proveito” ( ). Economicamente,o “proveito” é o resultado, a margem de lucro de todo empreendimento humano. De forma mais ampla, marca o legado material que proporciona benefício durável ao realizador, a “taxa de retorno” em função da qual todas as coisas são medidas”. Brown, “‘Whatever Your Hand Finds to Do’”, Int 55/3 (2001) 277. Veja também p. 59, n.31, acima. ³¹ Eaton, Ecclesiastes, 68 (ênfase dele). ³² “As palavras ‘sabedoria’, ‘sábio’ e ‘ser sábio’ ocorrem, juntas, seis vezes em 2.12-17. Isso é compensado por seis ocorrências das palavras ‘loucura’ e ‘tolo’”. Seow, Ecclesiastes, 152. ³³ O Pregador “dessa forma afirma a aplicabilidade universal de seu experimento. Ele se coloca como o rei e conclui que, se o rei não puder encontrar sentido, ninguém mais pode”. Longman, Book of Ecclesiastes, 96. ³⁴ Whybray, Ecclesiastes, 58. ³⁵ Veja Murphy, Ecclesiastes, lxvii-lxviii. ³ “Porque o sábio e o tolo, o bom e o mau, sofrem o mesmo destino, a morte, não há razão para nos esforçarmos pela sabedoria e pela bondade. Esse pensamento desperta no Qohelet ódio pela vida, que é fútil e correr atrás do vento”. Crenshaw, Ecclesiastes, 70. ³⁷ “Esta passagem é elaborada em torno da noção de , entendido tanto como fruto do trabalho como o próprio trabalho. Como substantivo ou verbo, ocorre não menos que onze vezes nesta curta seção”. Murphy, Ecclesiastes, 27. ³⁸ Whybray, Ecclesiastes, 62. ³ Embora alguns comentaristas, e.g., Leupold e Kaiser, sigam a leitura hebraica original, “não há coisa boa [inerente] no homem...”, a maioria pensa que a letra foi inadvertidamente perdida (Delitzsch, Commentary, 251, diz que isso está “acima de toda dúvida”) e que a frase deve ser lida “não há nada melhor”, como em 3.12,22; 8.15. Observe também que “os versos finais do capítulo 2 contêm quatro ocorrências de [“bom”]... em paralelo com as quatro ocorrências de , “sem sentido, sem propósito”, que se refere à vida da pessoa que corre atrás do vento nos versos 17-23”. Provan, Ecclesiastes, 76. ⁴ Veja Brown, Ecclesiastes, 33. ⁴¹ Comer e beber “deve ser interpretado literalmente, embora provavelmente – como em outros lugares do Antigo Testamento e na antiga literatura o Oriente Próximo – represente o gozo das coisas materiais da vida em geral”. Whybray, Ecclesiastes, 63. Cf. Seow, Ecclesiastes, 157: “ele não está se referindo aqui a atividades específicas de comer e beber, mas à atitude geral em relação à vida”. ⁴² Brown, “‘Whatever Your Hand Finds to Do’”, Int 55/3 (2001) 279. ⁴³ “A alegria não é um fim a ser buscado, não é algo a ser buscado. De fato, em lugar nenhum o Qohelet chama as pessoas à busca do prazer. Em vez disso, a alegria é apresentada como um presente divino (2.26; 3.12-13,22; 5.19; cf. 9.7)”. Seow, “Theology When Everything Is out of Control”, Int 55/3(2001) 244. ⁴⁴ “O verbo ‘dar’ ocorre vinte e oito vezes neste curto livro, em quinze delas referindo-se a um ato divino”. Davis, Proverbs, Ecclesiastes, Song of Songs, 161. ⁴⁵ Ibid., 181. ⁴ “Em outro lugar encontramos o princípio: ‘A riqueza do pecado é depositada para o justo’ (Pv 13.22; cf. 28.8). Incidentes ocasionais (Mordecai recebendo o anel de Hamã, as boas cidades dos cananeus caindo nas mãos dos israelitas) dão um vislumbre do que o Pregador tem em mente”. Eaton, Ecclesiastes, 76. ⁴⁷ Crenshaw, Ecclesiastes, 91, afirma: “O comentário final, ‘também isto é vaidade e correr atrás do vento’, resume tudo aquilo em que o Qohelet se envolveu para avaliar, não é uma declaração de juízo sobre o modo imprevisível como Deus trata os seres humanos”. Cf. Longman, Book of Ecclesiastes,110: “O tipicamente ambíguo isto [em ‘também isto é vaidade’] provavelmente se refere a mais do que o verso 26, mas certamente o inclui”. É improvável, contudo, que o Pregador recomendasse “alegria” nos versos 25-26 se a considerasse vaidade. Além disso, em todas as suas recomendações seguintes de alegria (3.12-13; 3.22; 5.18-20; 8.15; 9.7-10; 11.8-9), ele não conclui com a avaliação de vaidade. Acredito, portanto, que a “vaidade e correr atrás do vento” no verso 26 se refira especificamente ao ajuntar e amontoar da pessoa que erra o alvo na vida e, subsequentemente, perde todos os seus bens. CAPÍTULO 4 Deus determina os tempos Eclesiastes 3.1-15 Sei que tudo quanto Deus faz durará eternamente; nada se lhe pode acrescentar e nada lhe tirar; e isto faz Deus para que os homens temam diante dele. (Ec 3.14) De todas as passagens de Eclesiastes, esta sobre os tempos é, provavelmente, a mais conhecida e mais frequentemente pregada.¹ É uma passagem maravilhosa para ajudar as pessoas a refletir sobre a grandeza de Deus. Um importante desafio é chegar a um entendimento correto, pois os comentaristas propõem uma variedade de interpretações diferentes. Por exemplo, o verso 5 afirma que há tempo para “espalhar pedras”. Mas o que significa isso? Alguns comentaristas entendem que é um tempo de guerra, quando se espalham pedras no campo do inimigo. Outros entendem como um tempo de prosperidade, para distribuir a riqueza (pedras preciosas);² e, surpreendentemente, vários intérpretes modernos entendem que este é um tempo para intercurso sexual (veja abaixo). O verso 11 diz que Deus pôs no coração humano. Mas o que é ? Crenshaw afirma: “Entre as muitas respostas possíveis, as mais prováveis são: (1) o mundo; (2) a eternidade; (3) as trevas”.³ O verso 15 diz, literalmente: “Deus busca o que é perseguido” (nota de rodapé da NRSV). A questão é: O que Deus busca? “Várias respostas foram oferecidas: (1) os perseguidos; (2) os eventos do passado; (3) os mesmos; (4) o que Deus viu anteriormente”.⁴ Outro desafio é associar esta mensagem de Eclesiastes a Jesus Cristo, no Novo Testamento. Texto e contexto Está claro que Eclesiastes 3.1 começa uma nova unidade literária: o estilo muda de prosa para poesia e os tópicos mudam de “dar sabedoria e alegria” para “Deus estabelece um tempo para tudo”. Mas não é tão claro onde a unidade termina. Com base na recorrência da frase “vaidade e correr atrás do vento”, em 4.4,6, Addison Wright propõe uma unidade que vai de 3.1 a 4.6 sob o título “não se pode determinar o tempo certo de agir”.⁵ Como esta seção é grande demais para ser abrangida por um único sermão, precisamos buscar uma unidade menor. O Revised Common Lectionary atribui Eclesiastes 3.1-13 à noite de Ano-Novo. Contudo, esta não é uma unidade literária completa, pois o verso 14 (repetindo “sei”, do v.12) continua a conclusão da reflexão do Pregador. Nossas opções para um texto de pregação são 3.1-5 ou 3.1-22. Provan, procurando justificar sua escolha de 3.1-22, escreve: “Os versos 16-17 retomam e desenvolvem o tema do controle divino ‘dos tempos’, usando-o para discutir a questão da injustiça no mundo... Os versos 16 e 17 são claramente relacionados aos versos 1-15 temática e sintaticamente (“vi ainda”, heb. )”. Embora as duas seções estejam claramente relacionadas, é igualmente claro que os versos 16-22 tratam de outros tópicos, a saber, a impiedade neste mundo e os seres humanos morrendo como animais. Whybray corretamente afirma: “Os Versos 1-15 devem ser considerados uma única seção. O verso 16 provavelmente marca o início de uma nova seção, embora – como acontece em outros lugares deste livro – não haja um rompimento temático absoluto”.⁷ Devemos, portanto, selecionar Eclesiastes 3.1-15 como nosso texto de pregação. Este texto, é claro, deve ser entendido em seu contexto mais amplo. Há uma importante conexão entre o poema sobre tempos (3.2-8) e o poema anterior, sobre os ciclos na natureza (1.4-9). O poema sobre a natureza começa com a pergunta retórica: “Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho com que se afadiga debaixo do sol?” (1.3), enquanto este poema termina com uma pergunta retórica similar: “Que proveito tem o trabalhador naquilo com que se afadiga?”(3.9). Além disso, a terra permanece para sempre” (1.4) é similar a “tudo quanto Deus faz durará eternamente” (3.14). “Ao movimento continuamente repetido do sol, do vento e das águas correspondem eventos na vida do indivíduo e da humanidade”.⁸Um comentário em prosa vem depois de cada poema (1.10-11; 3.10-15). “As conclusões são similares nos dois casos: tudo o que aconteceu acontece de novo. Em outras palavras, tudo o que aconteceu acontece de novo (1.9; 3.15)”. O Pregador voltará à questão do tempo em 3.17; 7.17; 8.5-6,9; 9.11-12; 10.17. Seu conselho para desfrutarmos das dádivas diárias de Deus (3.12-13), dado anteriormente em 2.24-25, será dado novamente em 3.22; 5.18-20; 8.15; 9.7-9; 11.8-9. Ele também revisitará seu argumento de que os homens devem temer diante de Deus (3.14) em 5.7; 7.18; 8.12, enquanto um editor resumirá o livro: “De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo homem” (12.13). Elementos literários Uma análise detalhada de vários elementos literários nos ajudará não somente a discernir a estrutura textual, mas também a chegar a uma interpretação correta desta passagem frequentemente mal interpretada. Observaremos as formas literárias, depois examinaremos o paralelismo do poema e, finalmente, discutiremos se partes do poema devem ser entendidas literária ou figuradamente. As formas literárias Esta passagem contém várias formas literárias. Depois de uma tese introdutória (3.1), o Pregador apresenta um poema sobre os tempos (3.2-8). Isto é seguido pela pergunta retórica: “Que proveito tem o trabalhador naquilo com que se afadiga?” (3.9). Com seu “Vi”, o Pregador começa uma reflexão no poema (3.10-11), que é seguida por duas conclusões, ambas começando com “Sei” (3.12,14). A segunda conclusão contém um provérbio, “nada se lhe pode acrescentar e nada lhe tirar” (3.14).¹ Paralelismo no poema A repetição aparece particularmente nas construções paralelas no poema. O poema consiste de catorze linhas, cada uma delas construída na forma de paralelismo antitético. Por exemplo, Tempo de nascer e tempo de morrer [A – B] A maioria dos versos de duas linhas é construída na forma de paralelismo regular (sinônimos ou sintéticos).¹¹ Por exemplo: Tempo de nascer e tempo de morrer [A – B] Tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou [A’ – B’] O verso 8, em contraste, tem paralelismo invertido: Tempo de amar e tempo de aborrecer ¹² Tempo de guerra e tempo de paz O poema começa com nascimento e morte e termina com guerra e paz. Crenshaw sugere que “isso dá ao poema um padrão circular, uma estrutura fechada”.¹³ Se isto for, de fato, uma inclusio, é fraca. Seria melhor dizer que o poema indica sua conclusão com o incomum (para este poema) paralelismo invertido, que faz com que “paz” seja a palavra final da linha 14. O poema usa a palavra “tempo” 28 vezes (4 X 7), distribuída pelas 14 linhas (2 X 7). Como 7 é o número da completude (pense nos sete dias da criação), o autor, sem citar todos os tempos possíveis, pretende descrever o número completo de diferentes tempos que os seres humanos podem encontrar durante sua vida. Isso também fica evidente pelo primeiro par, nascimento e morte, que “marca os limites extremos da existência humana e, assim, por antecipação, define o escopo de toda a lista”.¹⁴ Embora o poema seja dominado pelo “tempo” ( ), este conceito “é significativamente contrastado com , duração, no verso 11, palavra usada para caracterizar a atividade divina no verso 14”.¹⁵ Algumas outras repetições devem ser observadas. Deus “deu” três coisas: “o trabalho... aos filhos dos homens, para com ele os afligir” (v. 10), “as obras desde o princípio até o fim” (v. 11) e “comer, beber e desfrutar o bem de todo o seu [do homem] trabalho” (v.13). Além disso, em sua conclusão o Pregador repete duas vezes o confiante “sei” (v.12,14). Linguagem literal ou figurativa O último elemento literário que discutiremos é a presença ou ausência de linguagem figurativa. Muitos comentaristas abandonam a relativa segurança da interpretação literal para caminhar pelo terreno escorregadio da interpretação figurativa. Isso é feito frequentemente com base em antigas interpretações ou usos desses termos em outras partes da Escritura. Por exemplo, Leupold defende que as atividades mencionadas nos versos 2-8 não se referem a “relacionamentos puramente humanos”, mas ao “controle [de Deus] e... ao governo da igreja”.¹ Assim, “tempo de nascer” (v. 2) se referiria a “épocas em que Deus concede à sua igreja a capacidade de produzir filhos”. “Tempo de morrer” refere-se a “épocas de morte para a igreja, quando Deus a castiga por causa de seus pecados”, e assim por diante.¹⁷ Walter Kaiser corretamente objeta: “O resultado é uma caricatura do resultado pretendido pelo autor”.¹⁸ Os pregadores devem resistir à ideia de espiritualizar e alegorizar quando o sentido literal faz bom sentido e quando o autor não sinaliza que suas palavras devem ser entendidas figuradamente. Por que interpretar “tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou” (v.2b) como “metáforas para vida/morte”¹ quando isso já é afirmado literalmente na linha imediatamente anterior? Se essas frases são metáforas, dificilmente se pode objetar quando outro comentarista dá uma interpretação particular ao seu significado: “na vida, geralmente há momentos de ‘plantar’ e aprofundar raízes e momentos de ‘arrancar’ e romper”.² Semelhantemente, “tempo de derribar e tempo de edificar” (v.3b) faz bom sentido quando entendido literalmente. Por que deveria ser entendido figurativamente: “No Antigo Testamento, as palavras para derrubar e edificar são frequentemente usadas para fazer referência à destruição e edificação da vida humana”?²¹ A mais exorbitante interpretação alegórica é a do verso 5a, “tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras”. Murphy escreve: “Muitos comentaristas propõem uma interpretação encontrada no Midrash Rabbah, que interpreta as ações como intercurso sexual; assim, um certo paralelismo com o verso 5b é obtido. Mas a natureza peculiar da metáfora permanece não explicada”.²² Não consegui encontrar qualquer evidência de que “espalhar pedras” alguma vez tenha significado intercurso sexual²³ – deixei de fora dessa identificação antigas fontes judaicas e cristãs.²⁴ Mas certamente a interpretação alegórica em fontes antigas, quando a interpretação alegórica estava em uso, não deve ser seguida por nós hoje. A interpretação alegórica pode ser usada legitimamente apenas quando o autor claramente apresenta uma alegoria, como em Eclesiastes 12.3-4a. Mas, nesta passagem, o autor não sugere que ele tenha tido a intenção de que suas palavras fossem entendidas metaforicamente quando uma interpretação literal faz bom sentido. De fato, em seu contexto, uma interpretação literal desta frase tão debatida forma um paralelo surpreendente. A sétima linha afirma: “tempo de espalhar pedras” nos campos do inimigo em tempo de guerra e “tempo de ajuntar pedras” para que se possa plantar novamente em tempo de paz. “Compare com a décima quarta linha (2 X 7), “tempo de guerra e tempo de paz”. Estrutura Textual Vimos que o Pregador começa com uma afirmação (3.1) e, logo depois, faz um poema sobre os tempos (3.2-8). Depois ele faz a pergunta retórica: “Que proveito tem o trabalhador naquilo com que se afadiga?” (3.9). Com seu “Vi”, ele começa uma reflexão sobre o poema (3.10-11) que leva a duas conclusões, cada uma delas começando com “Sei” (3.12,14). Essas formas nos ajudam a esboçar a estrutura textual: I. Declaração: Tudo tem seu tempo... há tempo (3.1) A. Poema com catorze (2 × 7) pares de tempos, um fazendo contraponto ao outro (3.2-8) B. Conclusão: o trabalhador não tem proveito do seu trabalho (3.9; cf. 1.3; 2.11) II. Reflexão sobre o trabalho que Deus nos impôs (3.10) A. Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo (3.11a) B. Deus pôs um sentimento de eternidade em nosso coração (3.11b) C. Mas não podemos descobrir o que Deus fez do princípio ao fim (3.11c) D. Conclusão: Portanto, nada melhor que desfrutar das dádivas de Deus (312-13) III. Tudo o que Deus faz (presumivelmente a determinação dos tempos) dura para sempre (3.14a) A. Fortalecida por um provérbio: Nada se lhe pode acrescentarE nada lhe tirar (3.14b) B. Propósito: Deus faz isso para que todos temam diante dele (3.14c) C. Conclusão: não há nada novo (cf. 1.9); Deus renovará o que se passou (3.15) Interpretação teocêntrica Como mencionado, o Revised Common Lectionary atribui esta passagem sobre os tempos ao Ano-Novo. Infelizmente, essa colocação do texto no Ano-Novo pode estimular os pregadores a falar sobre resoluções para o novo ano e sobre como devemos agir no tempo oportuno. Como Seow salienta, “o poema é popularmente entendido como significando que há momentos apropriados para as pessoas agirem e, no momento adequado, até mesmo uma situação censurável pode ser “bela ao seu próprio modo”.²⁵ Se quisermos desenvolver o sermão nessa direção de pessoas agindo no tempo adequado, acabaremos com um sermão centrado no ser humano e perderemos a intenção do autor. É por isso que, antes de formular o tema textual, é importante levantar a questão: O que esta passagem diz sobre Deus? William Brown escreve: “Muito embora a humanidade seja o sujeito gramatical dos vários infinitivos – pessoas plantam e arrancam, pranteiam e saltam de alegria –, o sujeito humano de maneira nenhuma é o determinante dos eventos. O Qohelet deixa claro que somente Deus é quem determina; Deus é o ator primário, embora implícito, do cenário temporal. A oscilação sempre constante do pêndulo do tempo é suspensa e sustentada firmemente por Deus”.² Muito embora Deus não seja mencionado na tese inicial e no poema sobre os tempos (v.2-8), a sequência deixa claro que é Deus quem estabelece os tempos. Deus deu “um trabalho aos filhos dos homens” (v.10). Além disso, ele nos dá comida, bebida e prazer no trabalho (v.13). Deus fez “tudo formoso no seu devido tempo” (v.11a) e colocou a noção de eternidade no coração humano (v.11b). Deus age desde o princípio até ao fim (v.11c) e renova “o que se passou” (v.15c). Tudo o que ele faz “dura eternamente” (v.14a). “Isto faz Deus para que os homens temam diante dele” (v.14c). Tema e objetivo textual Whybray escreve: “O tema de toda a seção é inconfundível e enfaticamente proclamado pela ocorrência da palavra-chave [tempo] não menos que vinte e nove vezes nos oito primeiros versos e também pela sua ocorrência no verso 11a”.²⁷ A frequente repetição dessa palavra-chave certamente nos dá uma pista do tema desta passagem. A questão, contudo, é: O que o autor quer dizer sobre o tempo? Ele está falando sobre os seres humanos discernirem o tempo correto para agir, sobre Deus determinando os tempos ou sobre as duas coisas? Embora a passagem fale sobre “trabalhador” (v.9), em nenhum lugar ela deixa explícito que as pessoas devem agir no tempo certo. Pelo contrário, ela claramente afirma que Deus estabelece os tempos. De fato, ele “tudo fez formoso no seu devido tempo” (v.11). O verso-chave é encontrado na conclusão: “Sei que tudo quanto Deus faz durará eternamente... e isto faz Deus para que os homens temam diante dele” (v.14). Essas considerações levam à seguinte declaração temática: O Deus soberano estabelece os tempos para sempre para que as pessoas o temam. O objetivo do autor ao apresentar sua mensagem a Israel está implícito no objetivo de Deus afirmado no verso 14: “para que os homens temam diante dele”. Mas o objetivo do autor é mais do que simplesmente encorajar Israel a temer a Deus. Com seu longo poema sobre os tempos e os argumentos seguintes, ele procura convencer Israel a temer diante de Deus. Portanto, podemos formular o objetivo do autor da seguinte forma: Convencer os israelitas a temer diante de Deus, seu Deus soberano. Maneiras de pregar Cristo Como podemos nos mover do tema declarado para Jesus Cristo, no Novo Testamento? Esta passagem não contém uma promessa da vinda do Messias nem um tipo de Cristo. Isso nos deixa com cinco maneiras de explorar. Como a progressão histórico-redentiva e os temas longitudinais mais uma vez estão entrelaçados, nós os combinaremos. Progressão histórico-redentiva/Temas longitudinais Esta combinação provavelmente oferece o melhor caminho para chegarmos a Cristo, no Novo Testamento. Iain Provan observa: “Que Deus, não seres mortais, controla os “tempos” é uma convicção bíblica fundamental. Assim, o relato bíblico do passado de Israel não foca primariamente forças políticas e sociais, que dirigem a história, nem os grandes heróis que, segundo se diz, moldam sua direção. Ele retrata o passado, em vez disso, como uma entidade formada por Deus, que age em graça e juízo, no meio de todas as ações de seus participantes humanos e de outros participantes”.²⁸ Pode-se traçar esse tema de Deus controlando os temas no Antigo Testamento de Gênesis a Malaquias² e entrando no Novo Testamento. No tempo determinado, também chamado “plenitude do tempo”, Deus enviou seu Filho, Jesus Cristo, a este mundo. Paulo escreve: “(...) vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4.4-5). Jesus começou seu ministério pregando: “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc 1.15). Quando as autoridades tentaram prender Jesus, João relata que “ninguém lhe pôs a mão, porque ainda não era chegada a sua hora” (Jo 7.30). Mas a hora de Jesus veio logo: “(...) antes da Festa da Páscoa, sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai...” (Jo 13.1). Jesus disse aos seus discípulos: “Ide à cidade ter com certo homem e dizei-lhe: O Mestre manda dizer: O meu tempo está próximo; em tua casa celebrarei a Páscoa com os meus discípulos” (Mt 26.18). Mais tarde, Paulo escreve: “(...) Cristo, quando nós ainda éramos fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios” (Rm 5.6). Jesus ressuscitou dos mortos, prometeu voltar e subiu ao céu. Ele havia predito que, antes de sua segunda vinda, haveria um tempo de grande tribulação: “(...) Nesse tempo haverá grande tribulação, como desde o princípio do mundo até agora não tem havido e nem jamais haverá”. Mas “Logo em seguida à tribulação daqueles dias... aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem; todos os povos da terra se lamentarão e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu, com poder e muita glória. E ele enviará os seus anjos, com grande clangor de trombeta, os quais reunirão os seus escolhidos, dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus” (Mt 24.21, 29-31). Enquanto vivemos nessa época de interlúdio, Paulo nos orienta: “Exorto-te, perante Deus, que preserva a vida de todas as coisas, e perante Cristo Jesus, que, diante de Pôncio Pilatos, fez a boa confissão, que guardes o mandato imaculado, irrepreensível, até à manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo; a qual, em suas épocas determinadas, há de ser revelada pelo bendito e único Soberano, o Rei dos Reis e Senhor dos senhores (1Tm 6.13-15). Analogia Assim como o Pregador afirmou que Deus estabeleceu os tempos, Jesus ensina que Deus estabeleceu o tempo para a vinda do “Filho do Homem”. “(...) a respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão o Pai” (Mt 24.36). Mas, enquanto o Pregador chegou à conclusão de que devemos temer diante de Deus, Jesus chega à conclusão de que devemos “vigiar” e “ficar apercebidos” (Mt 24.42,44). Referências do Novo Testamento Em adição às referências mencionadas acima, também podemos considerar Mateus 16.1-4. Imediatamente após Jesus ter curado muitas pessoas e alimentado quatro mil pessoas (Mt 15.29-39), Aproximando-se os fariseus e saduceus, tentando-o, pediram-lhe que lhes mostrasse um sinal vindo do céu. Ele, porém, lhes respondeu: Chegada a tarde, dizeis: Haverá bom tempo, porque o céu está avermelhado; e, pela manhã: Hoje, haverá tempestade, porque o céu está de um vermelho sombrio. Sabeis, na verdade, discernir o aspecto do céu e não podeis discernir os sinais dos tempos? Uma geração má e adúltera pede um sinal; e nenhum sinal lhe será dado, senão o de Jonas (Mt 16.1-4). Os “sinais dos tempos” que Jesus temem mente são sua chegada, sua pregação e seus milagres; estes sinais mostram que o reino de Deus, há muito esperado, está próximo. Quando iniciou seu ministério, Jesus proclamou: “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc 1.15). Contraste Não há contraste entre a mensagem do Pregador e a do Novo Testamento. Tema e objetivo do sermão Como o Novo Testamento não muda o tema do autor, o tema do sermão pode ser idêntico: O Deus soberano estabelece os tempos para sempre para que as pessoas o temam. O objetivo do autor ao apresentar esta mensagem a Israel é igualmente válido hoje: Convencer os ouvintes a temer diante de Deus, seu Deus soberano. Este objetivo aponta para a necessidade tratada neste sermão: as pessoas não temem diante de Deus. Exposição do sermão Pode-se começar o sermão com uma ilustração contemporânea de pessoas que não temem diante de Deus. Um ateu nega a própria existência de Deus; insulta a Deus; usa o nome de Deus em vão. Um cientista moderno alega que a verdadeira ciência deve explicar a origem do cosmos sem referência a Deus. Um evangelista místico tenta manipular Deus, frequentemente usando o nome dele e o de Jesus em trabalhos de cura, com o objetivo final de enriquecer. Um cristão fala com Deus em oração como se Deus fosse um mero colega. Um teólogo disseca a natureza de Deus como se Deus fosse uma criatura. Em nosso trabalho, todos nós temos momentos em que pensamos que só nós somos responsáveis e nos esquecemos de Deus. Quando o Pregador escreveu esta mensagem a Israel, os israelitas também estavam ocupados comprando e vendendo, fazendo fortunas e perdendo-as, pensando que só eles eram responsáveis. Eles não temiam diante de Deus. O Pregador começa a se opor a este problema de forma suficientemente inocente, lembrando a Israel e a nós hoje que há tempo para tudo. Eclesiastes 3.1: “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu”. Para tudo há um tempo apropriado. A vida humana não é um acaso. Há um tempo apropriado para “todo propósito debaixo do céu”. Ele ilustra seu argumento com um poema sobre os tempos. Esse poema menciona a palavra “tempo” vinte e oito vezes. Há tempo para isso e tempo para aquilo – vinte e oito vezes. “Parece um relógio que, inexorável e independentemente dos desejos das pessoas, continua funcionando. Aconteça o que acontecer, e não há nada que se possa fazer sobre isso”.³ O poema começa com os tempos que começam e terminam a vida humana. Verso 2: “Tempo de nascer e tempo de morrer”. Não decidimos nascer, muito menos o tempo de nascer. E não decidimos o tempo de morrer. O tempo de nascer e o tempo de morrer estão fora do nosso controle. O poema combina a este primeiro par um segundo par: [tempo de nascer e tempo de morrer]; Tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou. Novamente, não controlamos o tempo de plantar nem o de arrancar o que foi plantado. Plantamos nossas árvores frutíferas no tempo apropriado e, quando ficam velhas e não produzem mais fruto, nós as arrancamos. Plantamos nossas flores na primavera e, no outono, as arrancamos. Somos livres, é claro, para plantar flores fora do tempo adequado. Podemos decidir plantar nossas flores no meio do inverno. Somos livres para ignorar os tempos apropriados, mas isso seria tolice. Somos livres para plantar sempre que quisermos, mas não podemos controlar o tempo apropriado. Verso 3: “Tempo de matar e tempo de curar”. Novamente, não controlamos o tempo apropriado para isso. Não podemos matar em qualquer tempo, mas há tempo apropriado para isso. Por exemplo, para autodefesa em tempo de guerra. Mas também há tempo apropriado para curar, isto é, para preservar a vida quando a guerra termina e o tratado de paz é assinado. Associado a “tempo de matar e tempo de curar”, está “tempo de derribar e tempo de edificar”. Novamente podemos pensar em um tempo de guerra. “Um exército invasor derruba edifícios, mas, depois que as hostilidades cessam, eles são reconstruídos”.³¹ Mas também podemos pensar de maneira mais ampla: “Na antiga Palestina, a construção geralmente requeria o desmantelamento de estruturas de pedra já existentes”.³² O mesmo acontece hoje em nossas cidades do interior. Prédios são derrubados, implodidos, para dar lugar a edifícios mais modernos. “Tempo de derribar e tempo de edificar”. Verso 4: Tempo de chorar e tempo de rir; Tempo de prantear e tempo de saltar de alegria. Há tempos apropriados para chorar e para rir. A segunda linha intensifica o tempo de chorar: é um tempo de prantear. No funeral de uma pessoa amada, não apenas choramos, mas pranteamos profundamente. Mas então, novamente, há um tempo em que é apropriado não apenas rir, mas saltar e dançar de alegria.³³ Verso 5: Tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras; Tempo de abraçar e tempo de afastar-se de abraçar. Novamente podemos pensar em um tempo de guerra. “Durante a guerra, pedras são jogadas em campos cultiváveis para torná-los inúteis”.³⁴ Aqueles que já estiveram em Israel se lembrarão que, ainda hoje, uma das principais características da Palestina é a grande quantidade de pedras. Lemos em 2Reis que Israel, em sua guerra contra Moabe, foi instruído: “Danificareis com pedras todos os bons campos”; e Israel concordou: “(...) cada um lançou a sua pedra em todos os bons campos, e os entulharam” (3.19,25). Como resultado, os moabitas não podiam semear seus campos nem fazer suas colheitas. “Em tempo de paz, as pedras tinham que ser retiradas do campo antes do cultivo; nas ladeiras, essas pedras eram geralmente organizadas em terraços, para evitar a erosão, armazenar água da chuva e permitir que ela penetrasse no solo”.³⁵ A linha que faz par com “tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras” é “tempo de abraçar e tempo de afastar-se de abraçar”. Também se pode associar esta linha a tempos de guerra e paz. Em um tempo de guerra, a pessoa se abstém de abraçar o inimigo, enquanto, em tempo de paz, pode abraçar aquele que outrora foi seu inimigo.³ Mas também se pode pensar de maneira mais ampla: há tempos apropriados para abraçar, como quando uma pessoa se casa, e tempos apropriados para afastar-se, como quando alguém contrai lepra ou outra enfermidade contagiosa. Verso 6: Tempo de buscar e tempo de perder; tempo de guardar e tempo de deitar fora. Há tempo apropriado para buscar, isto é, adquirir posses,³⁷ e tempo apropriado para perder posses. “A referência pode ser à família, quando as mulheres procuravam alguma coisa (como na parábola da dracma perdida) que tinha sido perdida. Facilmente se pode pensar em várias circunstâncias em que procurar era oportuno e em que uma busca infrutífera finalmente justificava a decisão de considerar o objeto permanentemente perdido”.³⁸ Esta linha está em par com “tempo de guardar e tempo de deitar fora”. Há um tempo apropriado para guardar posses, mas também há um tempo apropriado para “deitar fora”, descartar posses. Uma fonte antiga “menciona o descarte da carga de um navio em uma tempestade”.³ Pense nos marinheiros do barco onde estava Jonas lançando a carga no mar para aliviar a embarcação durante a tempestade. Ainda hoje, com o declínio da atividade comercial, as pessoas podem pensar que este é o tempo adequado para liquidar certos estoques. Certamente para os casais mais velhos chega o tempo de “abrir mão”. Verso 7: Tempo de rasgar e tempo de coser. Esta linha se refere claramente a antigas práticas de demonstração de tristeza. Quando as pessoas pranteavam a morte de um ente querido, expressavam sua tristeza rasgando suas roupas. Por exemplo, quando Rubem pensou que seu irmão mais novo, José, havia sido morto, ele “rasgou as suas vestes”. Quando mais tarde Jacó pensou que seu filho preferido estava morto, ele “rasgou as suas vestes” (Gn 37.29,34).⁴ Mas, quando o tempo de prantear passava, as pessoas costuravam suas roupas de novo. Esta linha está emparelhada com “tempo de estar calado e tempo de falar”. As pessoas expressavam a tristeza pelamorte de um ente querido mantendo silêncio. Os amigos de Jó “sentaram-se com ele na terra, sete dias e sete noites; e nenhum lhe dizia palavra alguma, pois viam que a dor era muito grande” (Jó 2.13). Quando o tempo de prantear terminava, era novamente “tempo de falar”. Mas o “tempo de estar calado” não precisava ser restrito a um tempo de tristeza. “O foco... pode estar associado ao importantíssimo tema sapiencial de saber o tempo adequado para falar e para abster-se de falar”.⁴¹ As linhas finais do poema estão no verso 8: Tempo de amar e tempo de aborrecer;⁴² Tempo de guerra e tempo de paz. “Tempo de aborrecer” está ligado a “tempo de guerra”, enquanto “tempo de amar” está ligado a “tempo de paz”. O poema termina com este grande contraste: “Tempo de guerra e tempo de paz”. “De acordo com a Midrash [uma exposição judaica], este par resume vários outros, a saber, arrancar/plantar, buscar/perder, derrubar/edificar, matar/curar, rasgar/coser e odiar/amar”.⁴³ O poema se parece muito com o poema sobre os ciclos da natureza, no capítulo 1: Geração vai e geração vem... Levanta-se o sol e põe-se o sol... O vento vai para o sul e faz o seu giro para o norte... (1.4-6). Assim como vemos estes ciclos repetidos na natureza, também observamos tempos determinados para a vida na terra: (...) tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou (...) – e assim por diante. E assim como o Pregador levantou a questão no capítulo 1, “que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol” (1.3), aqui, ele levanta a questão no verso 9: “Que proveito tem o trabalhador naquilo com que se afadiga?” A resposta esperada é a mesma. O trabalhador não tem nenhum proveito em seu trabalho. Percebe como um tempo anula o outro? “Tempo de nascer e tempo de morrer”. Nada resta. Um tempo de plantar nossas flores na primavera e tempo de arrancá-las no outono. Não há ganho. “Tempo de derrubar e tempo de edificar”. Nada mudou. “Que proveito o trabalhador tem naquilo com que se afadiga?” Absolutamente nenhum.⁴⁴ Até aqui o Pregador não disse nada sobre o modo e a razão dos tempos. Ele meramente ilustrou que há tempo para tudo e que esses tempos se anulam. Mas quem estabeleceu esses tempos? E por quê? Na próxima seção, ele responderá a essas perguntas importantes. Ele escreve nos versos 10 e 11: “Vi o trabalho⁴⁵ que Deus impôs aos filhos dos homens, para com ele os afligir. Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo (...)”. O Deus soberano estabeleceu os tempos. Ele é aquele que fez “tudo formoso no seu devido tempo”. O “tudo” refere-se ao verso 1, “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo...” Isso inclui os tempos de nascer e morrer, plantar e arrancar, guerra e paz. Deus soberanamente estabeleceu todos esses tempos. Deus também estabeleceu o tempo em que Jesus nasceria. O Novo Testamento o chama de “plenitude do tempo”. Paulo escreve: “vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4.4-5). Jesus estava muito consciente dos tempos estabelecidos por Deus. Ele começou seu ministério pregando: “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc 1.15). Jesus também sabia que Deus tinha estabelecido um tempo para sua morte. Pouco antes de sua crucificação, Jesus disse aos seus discípulos: “Ide à cidade ter com certo homem, e dizei-lhe: O Mestre manda dizer: O meu tempo está próximo; em tua casa celebrarei a Páscoa com os meus discípulos” (Mt 26.18). Naquela noite, Jesus transformou a Páscoa do Antigo Testamento na Ceia do Senhor. Ele “(...) tomou um cálice e, tendo dado graças, o deu aos discípulos, dizendo: Bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados. E digo-vos que, desta hora em diante, não beberei deste fruto da videira, até aquele dia em que o hei de beber, novo, convosco, no reino de meu Pai” (Mt 26.27-29). Jesus morreu e, no tempo determinado (Mc 8.31), ressuscitou dos mortos. Antes de subir ao céu, Jesus se encontrou com seus discípulos. Eles lhe perguntaram: “Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel?” Jesus respondeu: “Não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai reservou pela sua própria autoridade.” Deus soberanamente estabeleceu os tempos. Mas os anjos asseguraram aos discípulos: “Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir” (At 1.6-7,11). No tempo de Deus, Jesus virá novamente para estabelecer o reino de Deus na terra com perfeição. “Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo”. O Pregador continua, no verso 11: “Também pôs a eternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até ao fim”. Assim como Jesus disse aos seus discípulos “não vos compete conhecer tempos”, assim também o Pregador do Antigo Testamento declara que o ser humano não pode “descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até ao fim”. Não sabemos o que Deus fez no passado distante nem o que fará no futuro distante. Na verdade, o Pregador também diz aqui que Deus “pôs a eternidade no coração do homem”. Diferentemente dos animais, que vivem somente o presente, podemos estudar o passado e contemplar o futuro. Deus nos deu o tipo de autoconsciência que nos permite transcender o presente e refletir sobre o passado e o futuro.⁴ Mas ainda não conseguimos compreender o quadro inteiro. “Somos como uma pessoa desesperadamente míope, tateando uma grande tapeçaria ou um afresco para tentar compreendê-lo. Vemos o suficiente para reconhecer algo de sua qualidade, mas o grande desenho nos escapa, pois nunca conseguimos recuar o suficiente para vê-lo como o Criador vê, tudo ao mesmo tempo, do início ao fim”.⁴⁷ Como somos incapazes de entender completamente o significado dos tempos de Deus, o Pregador conclui, nos versos 12 e 13: “Sei que nada há melhor para o homem do que se regozijar e levar vida regalada; e também que é dom de Deus que possa o homem comer, beber e desfrutar o bem de todo o seu trabalho”. Este conselho é um eco da conclusão anterior: como todos os esforços humanos são vaidade, “nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que sua alma goze o bem do seu trabalho. No entanto, vi também que isto vem da mão de Deus” (2.24). Nesse caso, como os seres humanos não conseguem entender os tempos que Deus estabeleceu, muito menos controlá-los, é melhor se concentrarem no presente: desfrutar das dádivas de comida, bebida e trabalho.⁴⁸ Mas há mais. O verso 14 é o verso-chave de toda esta passagem: “Sei que tudo quanto Deus faz⁴ durará eternamente;⁵ nada se lhe pode acrescentar e nada lhe tirar; e isto faz Deus para que os homens temam diante dele”. Aqui finalmente temos uma resposta à pergunta “por que Deus estabeleceu os tempos?” O Pregador diz: “Tudo quanto Deus faz durará eternamente”. Os tempos que Deus estabeleceu são permanentes e imutáveis.⁵¹ “Nada se lhe pode acrescentar e nada lhe tirar”. Não podemos acrescentar nada ao passado nem tirar nada dele. Da mesma forma, não podemos acrescentar nada ao futuro, nem tirar nada dele. O ponto é que “aquilo que Deus fizer invariavelmente será feito, e nenhum ser humano pode esperar alterar o curso das coisas por seu próprio esforço”.⁵² “Isto faz Deus”, conclui o Pregador no verso 14, “(...) para que os homens temam diante dele”. Foi por isso que Deus estabeleceu os tempos: “Para que os homens temam diante dele”. Este foi o propósito de Deus⁵³ ao estabelecer os tempos. Os tempos de Deus nos deixam conscientes de nossa impotência: não podemos controlar os tempos. Os tempos de Deus nos deixam conscientes de nossa total dependência de Deus: não podemos sequer conhecer os tempos. A consciência de nossa impotência e dependência nos faz temer diante de Deus. Ele é o Deus soberano que controla todas as coisas. Jesus diz: “Não se vendem dois pardaispor um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento do vosso Pai. E, quanto a vós outros, até os cabelos todos da cabeça estão contados” (Mt 10.29-30). Deus estabeleceu os tempos; ele controla todas as coisas. No verso 15, o Pregador reitera mais uma vez sua afirmação de que Deus controla todas as coisas: “O que é já foi, e o que há de ser também já foi”. Isto é, o presente já esteve no passado e o futuro já está no presente. Em outras palavras, “passado, presente e futuro estão unidos”.⁵⁴ O fim do verso 15 repete esta noção: “Deus fará renovar-se o que se passou”,⁵⁵ isto é, Deus renova os eventos do passado e os traz à existência.⁵ O pensamento é similar ao do poema inicial: “O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol” (1.9). Os tempos de Deus não apenas “durarão eternamente” (v.14a), mas também formam um todo coerente (v.15). O ponto é que Deus está no controle dos tempos. E, como o verso 14 afirma, “isto [ie., o estabelecimento dos tempos para sempre] faz Deus para que os homens temam diante dele”. O Deus soberano estabeleceu os tempos para sempre, diz o texto, literalmente, “para que todos temam diante dele” – para que todos reverenciem a Deus; para que todos honrem a Deus como o Deus soberano.⁵⁷ Por que geralmente não tememos a Deus? Por que geralmente pensamos que só nós estamos no comando e nos esquecemos de Deus? Por que é que mesmo quando nos lembramos de Deus e nos aproximamos dele em oração fazemos isso com falta de reverência como se ele fosse nosso colega ou procuramos manipulá-lo? Por que é que geralmente não reverenciamos a Deus? Será que não o reverenciamos porque não o vemos? Quando vemos um fogo aceso perto de nós, tememos. Quando vemos um tornado se aproximando, tememos. Quando Israel viu os relâmpagos no Monte Sinai e ouviu o trovão, “todo o povo que estava no arraial estremeceu” (Êx 19.16). Mas, quando os sinais da terrível presença de Deus foram embora, eles logo se rebelaram contra Deus. Devido à nossa falta de temor diante de Deus, o Pregador nos leva a considerar a mão de Deus que vemos na criação ao nosso redor. Deus estabeleceu os tempos aos quais estamos sujeitos. Deus estabeleceu o tempo para nosso nascimento e para nossa morte e para tudo o que acontece entre uma e outra. Em outras palavras, Deus está no controle e somos completamente dependentes dele. Quando refletimos profundamente sobre a grandeza de Deus e nossa dependência de Deus, somos obrigados a temer diante dele. Jesus também nos ensinou a temer diante de Deus. Ele disse: “Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo” (Mt 10.28). Jesus também nos instruiu a nos dirigirmos a Deus como “Pai nosso, que estás nos céus” (Mt 6.9). Deus está no céu.⁵⁸ Isso significa que Deus é totalmente diferente de nós, suas criaturas. Ele é infinito e nós somos finitos. Ele tem toda autoridade e nós somos seus súditos. Ele controla os tempos, e nós somos sujeitos aos tempos. Só há um modo de abordarmos esse Deus, e esse modo é o temor. Quer busquemos Deus em oração pessoal ou o adoremos com seu povo, quer estudemos sua palavra ou sua criação, só há um modo de nos aproximarmos de Deus – com reverência e temor. Como diz o autor de Hebreus, “(...) recebendo nós um reino inabalável, retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus de modo agradável, com reverência e santo temor; porque o nosso Deus é fogo consumidor” (Hb 12.28-29). Devemos sempre nos aproximar de Deus com reverência e temor.⁵ ¹ Esta é a única passagem de Eclesiastes que o Revised Common Lectionary atribui aos Anos ABC. ² Provan, Ecclesiastes, 88, escreve: “Parece mais provável... que esta linha em 3.5 se refere ao acúmulo e à distribuição de bens e que a imagem de ajuntar pedras é usada para se referir à prática de acumulação. O hebraico (pedra) pode ser usado para fazer referência a pedras preciosas”. ³ Crenshaw, Ecclesiastes, 97. ⁴ Ibid., 100. ⁵ Wright, “Riddle of the Sphinx Revisited”, CBQ 42 (1980) 49. Veja seu diagrama na p. 21, acima. Murphy, Ecclesiastes, 28-39, sugere a mesma unidade sob o título “Uma reflexão sobre tempo e trabalho”. Juntamente com outros comentaristas, Murphy, ibid., 31, subdivide esta unidade “do ponto de vista do conteúdo” em quatro partes: 3.1-15; 3.16-22; 4.1-3; 4.4-6. Provan, Ecclesiastes, 91, 92. Na verdade, pode-se lidar com uma unidade maior em um comentário do que em um sermão, que requer um foco único. ⁷ Whybray, Ecclesiastes, 65. Cf. Ogden, Qoheleth, 51: “Esta seção tem um tema distintivo – tempo – que a separa do capítulo anterior. Podemos fixar seu ponto terminal em 3.15 com base no fato de que os versos 16-22 tratam de um tópico diferente”. ⁸ Joseph Blenkinsopp, “Ecclesiastes 3:1-15: Another Interpretation”, JSOT 66 (1995) 63. Seow, Ecclesiastes, 169. ¹ “Sendo um provérbio, não nos surpreende encontrar declarações que usam um vocabulário quase idêntico em outros lugares (Dt 4.2; 13.1 [12.32]; e, em parte, em Pv 30.6).” Longman, Book of Ecclesiastes,123. ¹¹ Para uma rápida revisão dos diferentes tipos de paralelismo, veja p. 50, acima. Para exemplo de paralelismo sintético, veja o verso 4 em “Exposição do sermão”, abaixo. ¹² Para um exemplo concreto de como a consciência de paralelismo pode ajudar na interpretação, veja nota 36, abaixo. ¹³ Crenshaw, Ecclesiastes, 93. ¹⁴ Whybray, Ecclesiastes, 68. Este mecanismo poético é chamado de “merisma”. ¹⁵ Murphy, Ecclesiastes, 31. Loader, Ecclesiastes, 33-38, apresenta um padrão mais elaborado para o poema, baseado naquilo que considera tempos favoráveis e desfavoráveis. Mas suas decisões sobre o que é favorável às vezes são especulativas e forçam uma interpretação específica do texto” (e.g., veja v.5a). Para uma crítica do padrão de Loader, veja Whybray, Ecclesiastes, 69, e Seow, Ecclesiastes, 170-71. ¹ Leupold, Exposition of Ecclesiastes, 81 (ênfase sua). Leupold justifica sua interpretação alegórica como segue “Pois assim, indica Jerônimo, esta passagem era interpretada desde os dias antigos pelo judeus no Targum... como referindo- se a Israel... Também pode ser demonstrado que todas essas atividades para as quais se diz que há tempo específico são mencionadas, em outros lugares da Escritura, como formas de atividade em que Deus, em um momento ou outro, engajou-se para a correção ou para o livramento da igreja”. Ibid., 81-82. ¹⁷ Ibid., 84. ¹⁸ Kaiser, Ecclesiastes, 63. ¹ Murphy, Ecclesiastes, 33. Cf. Seow, Ecclesiastes, 160: “O sentido literal é adequado, embora também seja possível que esta linha continue o tema do verso 2a, como muitos estudiosos sugerem. Isto é, ‘plantar’ pode ser uma metáfora para vida e ‘arrancar’, para morte”. ² Provan, Ecclesiastes, 88. ²¹ Loader, Ecclesiastes, 36. A razão de Loader para esta interpretação é que ele reforça seu padrão geral: “A primeira linha no verso 3 é expandida pela segunda”. ²² Murphy, Ecclesiastes, 33. Murphy continua: “K. Galling, que salienta que, de outra forma, a metáfora está ausente nos versos 2-8, sugere que se trata de pedras para contagem, usadas em transações comerciais. H. Hertzberg refere-se às ações de um fazendeiro que trabalha em seu campo”. ²³ Para detalhes, veja Seow, Ecclesiastes, 161. ²⁴ Veja J. Robert Wright, Proverbs, Ecclesiastes, 223-25. Por exemplo, Wright cita Agostinho, The Excellence of Widowhood 8.11: “Quanto a vocês, vocês têm filhos e vivem naquele fim do mundo em que já não é tempo para ‘espalhar pedras, mas de ajuntar; não de abraçar, mas de afastar-se’. [Este é um tempo] quando o apóstolo clama: ‘Mas digo isto, irmãos, o tempo é curto; aqueles que têm esposa devem viver como se não tivessem’”. ²⁵ Seow, Ecclesiastes, 169. Seow continua: “Colocado adequadamente em seu presente contexto, contudo, torna-se claro que o poema não fala sobre a determinação humana de eventos, nem sobre o discernimento humano de tempos e estações. Ele fala sobre a atividade de Deus e a apropriada resposta humana a eles”.Ibid. ² Brown, Ecclesiastes, 42. ²⁷ Whybray, Ecclesiastes, 65-66. ²⁸ Provan, Ecclesiastes, 94-95. ² Veja ibid. ³ Loader, Ecclesiastes, 35. ³¹ Longman, Book of Ecclesiastes, 115. Longman adverte: “Não se pode forçar demais este argumento, pois as palavras são amplamente usadas fora do contexto de guerra”. ³² Crenshaw, Ecclesiastes, 94. ³³ Veja Loader, Ecclesiastes, 36, com referências ao salmo 114.4,6, em que o mesmo verbo é usado. ³⁴ Crenshaw, Ecclesiastes, 94. Cf. Fox, A Time to Tear Down, 208. ³⁵ Ibid. Veja Isaías 5.2. ³ Esta interpretação é justificada porque o paralelismo invertido (AB. B’A’) está em linha com o paralelismo invertido do verso 8 e liga o paralelismo entre a sétima e a décima-quarta linha do poema: em tempo de guerra, “espalhar pedras”; em tempo de paz, “ajuntar pedras” (v.5a) e “tempo de guerra e tempo de paz” (v.8b). ³⁷ Veja Murphy, Ecclesiastes, 34. ³⁸ Crenshaw, Ecclesiastes, 95. Seow, Ecclesiastes, 162, observa que “o verbo [para perder] é usado em Jeremias 23.1 para fazer referência a pastores que dispersam as ovelhas – deixam-nas perecer”. ³ Targum; Fox, Ecclesiastes, 22. ⁴ Veja também 2Samuel 1.11; 3.31; e 13.31. ⁴¹ Longman, Book of Ecclesiastes, 117, com referência a Provérbios 10.19; 13.3; 16.24; 17.27;21.23; 25.11 e especialmente 15.23. ⁴² “Até mesmo o ódio tem seu tempo, como é demonstrado nos Salmos imprecatórios (por exemplo, Sl 58.6-11; 137.7-9; 139.19-22; cf. Ec 2.18). Cada atividade tem seu valor e sua utilidade relativos, seu “lugar” no grande esquema providencial.” Brown, Ecclesiastes, 41. É claro, Jesus disse: “Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mt 5.43-44). ⁴³ Fox, Ecclesiastes, 22. ⁴⁴ “Assim como os rios correm continuamente para o mar sem efeito (1.7), assim também o trabalho incessante continua sem ter sequer o prospecto de garantir ganho tangível. Dentro de um estado de existência frágil com a interminável reciclagem da atitvidade humana (3.2-8), a questão do ganho continua para sempre um non sequitur”. Brown, “‘Whatever Your Hand Finds to Do’,” Int 55/3 (2001) 277. ⁴⁵ “O ‘trabalho’ em questão é descrito no verso seguinte: tentar entender o que Deus traz à existência, o que é, sem dúvida, uma tarefa impossível de ser realizada”. Fox, Ecclesiastes, 22. Cf. Eclesiastes 8.17: “Então, contemplei toda a obra de Deus e vi que o homem não pode compreender a obra que se faz debaixo do sol; por mais que trabalhe o homem para a descobrir, não a entenderá; e, ainda que diga o sábio que a virá a conhecer, nem por isso a poderá achar”. ⁴ “Os seres humanos são dotados com a facilidade de se afastar de situações imediatas e eventos específicos que requerem sua atenção para ter um vislumbre da totalidade da existência, inclusive a sua própria. Este é o objetivo da autoconsciência. No entanto, eles permanecem ignorantes da providência intencional que serve de base para a totalidade... A capacidade de transcender a si mesmo, de fato, aponta para o enigma da existência humana para o Qohelet. Os seres humanos são dotados com a capacidade de olhar para a além da imediaticidade da vida, elevar-se, delicadamente, acima das circunstâncias para sentir o eterno, mas nunca são totalmente capazes de entender seu sentido”. Brown, Ecclesiastes,43, 44. ⁴⁷ Kidner, A Time to Mourn, 39. ⁴⁸ “Uma vez que a busca pelo sentido básico da vida é frustrada, o melhor a se fazer é buscar os pequenos e sensuais prazeres da vida”. Longman, Book of Ecclesiastes, 121. ⁴ “Com esta expressão, [o Pregador] certamente se refere a ‘fez’ (v.11) Deus formoso no seu devido tempo, e, assim, recupera os versos 1-8”. Longman, ibid., 123. ⁵ “Eternamente. Quer dizer, não limitado pelo tempo e existindo invariavelmente ( ). O sentido de é esclarecido pela linha seguinte: ‘nada se lhe pode acrescentar e nada lhe tirar’” Seow, Ecclesiastes, 164. ⁵¹ Veja Murphy, Ecclesiastes 35. ⁵² Seow, Ecclesiastes, 174. ⁵³ Fox traduz: “Deus quer que os homens temam diante dele” (assim introduz uma cláusula de propósito)”. A Time to Tear Down, 212-13. ⁵⁴ Ogden, Qoheleth, 57. ⁵⁵ Estou seguindo a interpretação dada na tradução da NRSV. Também se pode usar uma interpretação diferente usando uma nota de rodapé, “heb.o que é buscado”. A questão é: O que é precisamente que Deus renova? Seow, Ecclesiastes, 174, escreve: “A frase final... parece sugerir que é Deus quem cuidará do que é buscado, a saber, de todos aqueles assuntos que estão além do conhecimento humano”. Cf. ibid., 166. Cf. Brown, Ecclesiastes, 46: “Somente Deus tem êxito em renovar e apreender tudo o que é visto (por Deus ou pelo ser humano). Somente Deus determina o resultado, tais como quem vencerá a batalha, quem receberá o ganho de outro e quem será bem-sucedido (cf. Pv 16.1,9; 21.31)”. ⁵ Cf.Murphy, Ecclesiastes, 30: “A referência, então, é ao passado ou aos eventos do passado, que Deus chamará de volta à existência, em harmonia com o pensamento do verso 15a”. Veja ibid., nota 15, para várias opções de interpretação desta difícil sentença. Crenshaw, Ecclesiastes, 100, sugere que “Deus assegura que eventos que acabaram de ocorrer não evaporam no ar. Deus os traz de volta mais uma vez, de modo que o passado circula o presente”. Cf. Blenkinsopp, “Ecclesiastes 3:1-15,” JSOT 66 (1995) 62-63: “Deus renova o que se passou, isto é, Deus chama de volta ocorrências que se moveram do futuro para o presente e dali para o passado para que possam ser recicladas eventualmente em um novo presente”. ⁵⁷ “A reverência a Deus é baseada em uma aguda consciência da finitude da pessoa diante de Deus, o totalmente Outro e totalmente soberano... Temor é a resposta apropriada ao mysterium tremendum”. Brown, Ecclesiastes, 45. Cf.Murphy, Ecclesiastes, lxiv: “O sentido fundamental é reverência diante do numinoso, do tremendum (Êx 20.18-21)”. ⁵⁸ Cf. Eclesiastes 5.2, “Deus está nos céus, e tu, na terra”. ⁵ Uma meditação baseada nesta pesquisa é encontrada no Apêndice 3, abaixo. CAPÍTULO 5 Trabalhando em um mundo ímpio Eclesiastes 3.16–4.6 Melhor é um punhado de descanso do que ambas as mãos cheias de trabalho e correr atrás do vento. (Ec 4.6) Esta passagem trata do trabalho em um mundo cheio de competição implacável, impiedade, opressão e inveja. Como todos nós precisamos trabalhar, este é um bom texto de pregação para qualquer época, mas especialmente para o domingo anterior ao Dia do Trabalho. Um importante desafio será descobrir alguma progressão lógica de pensamento em uma passagem que, à primeira vista, parece desarticulada. Além disso, o significado de algumas palavras e sentenças não é claro. Por exemplo, como Deus está “provando” os seres humanos (3.18)? Qual é o significado de “quem o fará voltar para ver o que será depois dele?” (3.22). O que é exatamente “um punhado de descanso” (4.6)? E, finalmente, como lidar com conceitos que são contrários aos ensinos do Novo Testamento – conceitos como o de que seres humanos não têm vantagem sobre os animais (3.19); ou que seres humanos e animais vão para o mesmo lugar (3.20) e ainda, que os mortos são mais felizes que os vivos (4.2)? Texto e contexto Eclesiastes 3.16 começa uma nova unidade literária com seu “Vi ainda...” e a mudança de assunto dos tempos que Deus estabeleceu para a impiedade no mundo. A pergunta é: Onde esta unidade termina? A maioria dos comentaristas trata 3.16-22 como uma unidade e 4.1-16 como outra. O verso 22 de fato forma uma conclusão natural para esta seção: “Pelo que vi não haver coisa melhor do que se alegrar o homem nas suas obras, porque essa é a sua recompensa”. Pode- se, portanto, selecionar como texto de pregação Eclesiastes 3.16-22. O problema com essa escolha em uma série de sermões sobre Eclesiastes é que a repetição, pelo Pregador, do tema de desfrutar do trabalho conduz virtualmente ao mesmo tema de sermão de Eclesiastes 1.12–2.26 (veja acima). Além disso, 4.1 continua o tema da impiedade, desta vez na forma de opressão. Crenshaw, portanto,discute a unidade de 3.16–4.3 sob o tema: “As lágrimas dos oprimidos”.¹ Novamente, seria possível pregar um sermão sobre esta unidade, mas isso deixa 4.4-6 como um texto órfão. Baseado no refrão “isto é vaidade e correr atrás do vento” e “correr atrás do vento” (4.4,6), 4.4-6 forma a conclusão de uma unidade maior, que vai de 3.1 a 4.6² e, portanto, deve ser incluído neste texto de pregação. Embora estes versos que tratam do trabalho pareçam se mover para um tópico diferente de opressão, o trabalho que “provém da inveja do homem contra o seu próximo” (4.4) é uma forma de opressão.³ Além disso, a conclusão, “melhor é um punhado de descanso” (4.6), matiza a conclusão anterior, “vi não haver coisa melhor do que se alegrar o homem nas suas obras” (3.22). Portanto, selecionaremos Eclesiastes 3.16–4.6 como nosso texto de pregação. Esta passagem está ligada à anterior e à seguinte. Sintaticamente, o Pregador estabelece o elo com a passagem anterior com sua observação: “Vi ainda”.⁴ Em termos de conteúdo, sua afirmação de que “há tempo para todo propósito e para toda obra” (3.17) retoma seu tema anterior de Deus estabelecendo os tempos (3.1-15). Ele levanta aqui pela primeira vez o tema da impiedade no mundo (3.16) – tema que ele levantará novamente na sequência (5.8; 8.10-15; 9.13-16; 10.5-7). Ele também menciona aqui pela primeira vez que “Deus julgará o justo e o perverso” (3.17) – crença que será revisitada mais tarde (11.9) e que também será reiterada no último verso do livro: “Deus há de trazer a juízo todas as obras, até as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más” (12.14). Ele também afirma aqui, pela primeira vez, que, na morte, “todos vão para o mesmo lugar” (3.20) – uma convicção que mencionará novamente mais tarde (6.6; 9.10). O Pregador repete em 3.22 seu conselho anterior de “comer, beber e fazer que a sua alma goze do bem do seu trabalho” (2.24; cf. 3.12-13) – conselho que ele reiterará na sequência (5.18-20; 8.15; 9.7-9; 11.8-9). Elementos literários Esta passagem é composta de várias formas de sabedoria. O Pregador começa com uma observação sobre a impiedade neste mundo (“Vi ainda debaixo do sol”, 3.16), que ele acompanha com uma reflexão sobre o juízo de Deus (“disse comigo”, 3.17). Depois desta reflexão ele faz outra, sobre Deus nos mostrando que somos apenas animais (“disse ainda comigo”, 3.18) e uma conclusão dizendo para nos alegrarmos com nosso trabalho (3.22). Em 4.1, o Pregador faz outra observação (“Vi ainda... debaixo do sol”), desta vez sobre opressões no mundo. Esta observação leva a uma reflexão (“tenho”, 4.2) que inclui um provérbio “melhor que” (4.3). Finalmente, em 4.4 o Pregador acrescenta obra observação/reflexão⁵ (“Então, vi”), desta vez sobre trabalho motivado pela inveja. Esta reflexão inclui um provérbio sobre o tolo (4.5) e outro provérbio “melhor... que...” (4.6). Em adição às formas literárias, a repetição dá pistas para se chegar à mensagem do autor. Em 3.16, o Pregador usa paralelismo sinônimo para enfatizar a impiedade que observou “debaixo do sol”: Vi ainda debaixo do sol que no lugar do juízo reinava a maldade e no lugar da justiça, maldade ainda. De maneira similar, o Pregador enfatiza em 4.1 as opressões que também observou “debaixo do sol”. Desta vez ele repete três vezes uma forma da palavra “opressão” e duas vezes que não havia consolo: Vi ainda todas as opressões que se fazem debaixo do sol: vi as lágrimas dos que foram oprimidos, sem que ninguém os consolasse; vi a violência na mão dos opressores, sem que ninguém consolasse os oprimidos. Estrutura textual As formas literárias descobertas acima nos permitem traçar a estrutura do texto, que nos ajudará a ver o fluxo do argumento do Pregador. I. Observação: Vi, debaixo do sol, no lugar da justiça, impiedade (3.16) A. Reflexão: Deus julgará o justo e o perverso (3.17a) 1. Razão: Deus estabeleceu um tempo para juízo (3.17b) B. Mais reflexão: Deus está mostrando às pessoas que são apenas animais (3.18) 1. Razão: o destino dos humanos e dos animais é o mesmo (3.19a) a. Como morre um, assim morre o outro (3.19b) i. Todos eles têm o mesmo fôlego (3.19c) ii. Os humanos não têm vantagem sobre os animais (3.19d) iii. Porque tudo é vaidade (3.19e) b. Todos vão para o mesmo lugar (3.20a; cf. 6.6) i. Todos vêm do pó e ao pó tornarão (3.20b; cf.12.7) ii. Ninguém sabe se o espírito humano vai para cima (3.21) C. Conclusão: Não há nada melhor que todos desfrutarem do seu trabalho (3.22a) 1. Pois esta é a nossa recompensa (3.22b) 2. Não sabemos o que será depois de nós (3.22c) II. Observação: Novamente vi as opressões que são praticadas debaixo do sol (4.1a) A. Reflexão: Vi as lágrimas dos oprimidos (4.1b) 1. Não havia consolo para eles (4.1c) B. Ao lado dos seus opressores está o poder (4.1d) 1. Não há quem os console (4.1e) C. Conclusão: Os mortos são mais felizes que os vivos (4.2) 1. Mas melhores que ambos são os que não nasceram (4.3a) a. Pois não viram os atos maus que são praticados debaixo do sol (4.3b) III. Observação/reflexão: Vi que todo trabalho provém da inveja do homem (4.4a) A. Isto também é vaidade e correr atrás do vento (4.4b) B. O tolo cruza os braços (não trabalha) (4.5a) 1. E consome sua própria carne (4.5b) C. Melhor é um punhado de descanso (4.6a) 1. Que duas mãos cheias de trabalho (4.6b) a. E correr atrás do vento (4.6c) Interpretação teocêntrica Esta passagem tem somente duas referências a Deus. Observando a impiedade totalmente abrangente em sua sociedade, o Pregador responde com um provérbio com a resposta padrão da Bíblia à impiedade⁷: Deus julgará o justo e o perverso; Pois há tempo para todo propósito e toda boa obra (3.17); Mas uma reflexão mais profunda leva o Pregador para além dessa resposta padrão: “é por causa dos filhos dos homens, para que Deus os prove, e eles vejam que são em si mesmos como animais” (3.18). Tema e objetivo textual O Pregador começa enfatizando a impiedade que observa debaixo do sol. No exato lugar onde se espera encontrar justiça, havia impiedade: (...) no lugar do juízo reinava a maldade e no lugar da justiça, maldade ainda (3.16). Depois de dar a resposta padrão à impiedade –“Deus julgará o justo e o perverso” –, o Pregador reflete que, não desarraigando a impiedade, Deus está provando as pessoas para lhes mostrar que são apenas animais. Como os seres humanos morrem como os animais e como não sabemos se, na morte, o espírito humano vai para cima ou para baixo, ele conclui que não há “coisa melhor do que se alegrar o homem nas suas obras” (3.22). Em seguida o Pregador observa a impiedade sob a forma de opressões. Graficamente ele descreve “as lágrimas dos que foram oprimidos, sem que ninguém os consolasse” (4.1). Ele conclui que os mortos, que não veem mais essa impiedade, estão em situação melhor que os vivos, que a presenciam todos os dias. “Porém mais que uns e outros tenho por feliz aquele que ainda não nasceu e não viu as más obras que se fazem debaixo do sol” (4.3). Finalmente, o Pregador observa ainda outra forma de impiedade: “(...) todo trabalho e toda destreza em obras provêm da inveja do homem contra o seu próximo” (4.4). A inveja é o motor que orienta nossa ética do trabalho. Como reagir corretamente a essa realidade? Os tolos respondem renunciando ao trabalho – com o trágico resultado de que comem sua própria carne (4.5). Outros são consumidos por sua inveja e se tornam escravos de seu trabalho para ajuntar o máximo possível. Infelizmente, essa atitude resulta em ficar com “ambas as mãos cheias de trabalho e correr atrás do vento” (4.6). A resposta do Pregador a esse problema do trabalho motivado pela inveja fica entre as respostas dos tolos preguiçosos que renunciam ao trabalho e a dos viciados em trabalho, que trabalham para ter as duas mãos cheias: “Melhor é um punhado de descanso” (4.6) ou “tranquilidade” (TNIV) ou “paz mental” (NEB). Podemos resumir a mensagem do Pregador em uma sentença: Tendo em vista a impiedade, as opressões e a inveja neste mundo,desfrute do seu trabalho com tranquilidade. Esta passagem revela muito claramente a questão por trás do texto. O Pregador está enviando sua mensagem primariamente aos leitores jovens do sexo masculino que vivem em um mundo volátil e estão fascinados pelas possibilidades de fazer fortuna.⁸ Como o Pregador repetida e vividamente descreve a impiedade neste mundo, seu objetivo é mais do que simplesmente encorajar seus leitores a fazerem isso. Seu objetivo é estimular seus leitores, em vista de impiedade, das opressões e da inveja neste mundo, a não se escravizarem em uma competição implacável com o próximo , mas a desfrutarem de seu trabalho e de seus frutos com tranquilidade. Maneiras de pregar Cristo Como podemos nos mover, no sermão do tema do Pregador, “desfrutar do trabalho com tranquilidade”, para Jesus Cristo, no Novo Testamento? Não há promessa de Cristo nesta passagem, nem um tipo de Cristo. Isso nos deixa cinco opções a serem exploradas. Como a progressão histórico-redentiva e os temas longitudinais estão novamente entrelaçados, nós os combinaremos nesta investigação. Progressão histórico-redentiva/temas longitudinais Embora traçar, em todo o Antigo Testamento até Jesus Cristo, no Novo Testamento, o tema “encontrar alegria no trabalho” (veja p. 72–73, acima), é melhor, aqui, traçar o tema mais específico de “desfrutar do trabalho com tranquilidade”. Podemos começar com o jardim do Éden, onde o trabalho significativo era recompensado com o prazer de comer livremente “de toda árvore do jardim” (Gn 2.16). Embora o desejo de Adão e Eva de serem como Deus (Gn 3.5) os tenha privado de seu contexto de tranquilidade, Deus prometeu levar seu povo para outro “jardim do Senhor” (Gn 13.10): “(...) desci a fim de livrá-lo da mão dos egípcios e para fazê-lo subir daquela terra a uma terra boa e ampla, terra que mana leite e mel (...)” (Êx 3.8). Nessa terra, em contraste com o Egito, Israel poderia desfrutar do fruto de seu trabalho com tranquilidade e confiança. Aqui poderia confiantemente confessar: O Senhor é o meu pastor; Nada me faltará. Ele me faz repousar em pastos verdejantes. Leva-me para junto das águas de descanso; refrigera-me a alma (Sl 23.1-3). O ideal em Israel era voltar ao contexto tranquilo do paraíso: todos vivendo em segurança, “(...) cada um debaixo da sua videira e debaixo da sua figueira (...)” (1Rs 4.25; cf. Is 36.16; 65.21-25). No Novo Testamento, João Batista advertiu os soldados que foram até ele em busca de conselhos: “A ninguém maltrateis, não deis denúncia falsa e contentai- vos com o vosso soldo” (Lc 3.14). Jesus advertiu semelhantemente: “Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui” (Lc 12.15). Jesus orientou seus seguidores a mudar o foco na vida, de posses para o reino de Deus. “buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas [comida, bebida, vestes] vos serão acrescentadas” (Mt 6.33). Paulo, mais tarde, escreve: “(...) aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez” (Fp 4.11-13). Ele também exclama: “(...) grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes” (1Tm 6.6-8). Mas, como o Pregador de Eclesiastes, Paulo também adverte contra retirar-se da força de trabalho: “(...) estamos informados de que, entre vós, há pessoas que andam desordenadamente, não trabalhando; antes, se intrometem na vida alheia. A elas, porém, determinamos e exortamos, no Senhor Jesus Cristo, que, trabalhando tranquilamente, comam o seu próprio pão. E vós, irmãos, não vos canseis de fazer o bem” (2Ts 3.11-13). Analogia A mensagem do Pregador de desfrutar do trabalho com tranquilidade encontra eco no Novo Testamento. Paulo escreve aos tessalonicenses: “(...) vos exortamos, irmãos, a progredirdes cada vez mais... diligenciardes por viver tranquilamente, cuidar do que é vosso e trabalhar com as próprias mãos, como vos ordenamos; de modo que vos porteis com dignidade para com os de fora e de nada venhais a precisar” (1Ts 4.10-12). Paulo dá esta instrução “no Senhor Jesus” (1Ts 4.2). Em sua primeira carta a Timóteo, Paulo enfatiza a importância do contentamento. Ele escreve: (...) grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento (...) Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores (1Tm 6.6-10). O autor de Hebreus reflete esse sentimento: “Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as coisas que tendes” (Hb 13.5). Para estabelecer a conexão com Jesus diretamente, ligue as duas últimas passagens aos ensinos de Jesus sobre o perigo do amor ao dinheiro e o valor do contentamento (por exemplo, Mt 6.19-33). Referências do Novo Testamento O Novo Testamento não cita esta passagem de Eclesiastes nem faz alusão a ela. Contraste Algumas das ideias desta passagem mostram uma surpreendente descontinuidade com os ensinamentos do Novo Testamento. O Pregador não vê qualquer evidência de que a morte dos seres humanos seja diferente da dos animais. Ele escreve: O mesmo lhes sucede; como morre um, assim morre o outro, todos têm o mesmo fôlego de vida, e nenhuma vantagem tem o homem sobre os animais; porque tudo é vaidade. Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do pó e ao pó tornarão. Quem sabe se o fôlego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima e o dos animais para baixo, para a terra?” (3.19-21). Em contraste, o Novo Testamento ensina que o espírito humano sobrevive à morte. Paulo escreve: Sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos da parte de Deus um edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos céus. (...) Temos, portanto, sempre bom ânimo, sabendo que, enquanto no corpo, estamos ausentes no Senhor; visto que andamos por fé e não pelo que vemos. Entretanto, estamos em plena confiança, preferindo deixar o corpo e habitar com o Senhor (2Co 5.1,6-8).¹ O Pregador parece ter a ideia de que Deus estabeleceu um tempo determinado para o juízo, mas sua posição sobre a finalidade da morte não deixa lugar para um juízo depois da morte. Em contraste, o Novo Testamento ensina que o juízo final acontecerá depois da morte e da ressurreição. Jesus declara: “(...) vem a hora em que todos os que se acham nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão: os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição do juízo” (Jo 5.28-29). Além destes contrastes, devemos mencionar também o contraste entre a mensagem do Pregador para desfrutarmos do nosso trabalho com tranquilidade em um mundo ímpio e a mensagem neotestamentária para nos opormos à impiedade. A lei do Antigo Testamento já estimulava Israel a se opor à injustiça. Por exemplo: “Não farás injustiça no juízo. Nem favorecendo o pobre, nem comprazendo-se ao grande; com justiça julgarás o teu próximo” (Lv 19.15-16; cf. Dt 16.20). Os profetas especialmente clamavam por justiça. Miqueias pregou: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom e o que é que o Senhor pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus” (Mq 6.8-9). E Amós clamou: “(...) corra o juízo como as águas; e a justiça, como ribeiro perene” (Am 5.24). No Sermão do Monte, Jesus proclamou: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos. (...) Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus” (Mt 5.6,10). Jesus repreendeu os líderesreligiosos que pervertiam a justiça: “(...) ai de vós, fariseus! Porque dais o dízimo da hortelã, da arruda e de todas as hortaliças e desprezais a justiça e o amor de Deus; devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas” (Lc 11.42-43). Tema e objetivo do sermão Formulamos o tema textual como “Tendo em vista a impiedade, as opressões e a inveja neste mundo, desfrute do seu trabalho com tranquilidade”. Mas “Contraste”, acima, mostra que, em um mundo injusto, Jesus e o Antigo Testamento requerem muito mais de nós do que simplesmente que desfrutemos do nosso trabalho com tranquilidade. Jesus claramente requer nosso engajamento neste mundo para lutarmos contra a impiedade em todas as suas formas e promover a justiça. A questão é: Devemos mudar o tema do sermão nesta direção de promoção da justiça? Em outras palavras, devemos enfatizar a descontinuidade entre a mensagem do Pregador e a de Jesus (contraste) ou devemos optar pela continuidade (analogia)? Embora possamos ser tentados a mudar o tema para a promoção da justiça porque isso parece ser muito mais relevante e atraente, este procedimento é problemático porque o texto de pregação de Eclesiastes não o aborda. Além disso, se alguém desejar pregar sobre a promoção da justiça neste mundo ímpio, encontrará muitos textos no Antigo Testamento e no Novo que tratam deste tema direta e vigorosamente. Na pregação desta passagem de Eclesiastes, contudo, devemos salientar a continuidade entre a mensagem do Pregador e a de Jesus. A principal vantagem é que o texto de pregação escolhido aborda o tema do sermão. Além disso, a mensagem do Pregador orientando-nos a desfrutar do nosso trabalho com tranquilidade não é menos relevante que o tema da promoção da justiça. Em um mundo ímpio, muitas pessoas odeiam seu trabalho, chamam-no de correria e querem se aposentar o mais rápido possível ou são escravizadas pelo seu trabalho. Portanto, esta mensagem é extremamente relevante. Assim, manteremos o tema textual como tema do nosso sermão: Tendo em vista a impiedade, as opressões e a inveja neste mundo, desfrute do seu trabalho com tranquilidade. Formulamos o objetivo textual como “estimular seus leitores, em vista de impiedade, das opressões e da inveja neste mundo, a não se escravizarem em uma competição implacável com o próximo, mas a desfrutarem de seu trabalho e de seus frutos com tranquilidade”. Nosso objetivo ao pregar o sermão deve estar em harmonia com o objetivo do autor e se harmonizar com o tema do sermão. Já que podemos adotar o tema do autor como tema do sermão, também podemos fazer de seu objetivo o objetivo do sermão: estimular seus leitores, em vista de impiedade, das opressões e da inveja neste mundo, a não se escravizarem em uma competição implacável com o próximo, mas a desfrutarem de seu trabalho e de seus frutos com tranquilidade. Este objetivo revela a necessidade que será tratada neste sermão. A necessidade é que muitas pessoas hoje não desfrutam de seu trabalho, mas se escravizam em uma competição interminável com o próximo. O sermão deve responder à pergunta: Como o poder de Deus trabalha em uma sociedade cheia de impiedade, opressões e inveja? Exposição do sermão Como os cristãos devem trabalhar em um mundo em que um come o outro? A competição é terrível aqui. Empresas competem com outras empresas para controlar o mercado. Estão prontas a destruir umas às outras. Dentro das empresas, os funcionários competem entre si, tentando subirem sua hierarquia. Eles, também, estão prontos a destruir uns aos outros. Como os cristãos devem trabalhar num mundo assim? Alguns tentam escapar dessa confusão retirando-se logo que possível para uma comunidade murada. Outros se juntam à confusão e dedicam todo o seu tempo e toda a sua energia à empresa. Vendem sua alma à empresa. A competição é terrível ali. As coisas não eram muito diferentes quando o Pregador escreveu Eclesiastes. Devido à expansão do comércio internacional, a economia estava crescendo rapidamente. Fortunas podiam ser feitas da noite para o dia e perdidas ainda mais rapidamente. A competição era terrível e implacável. Como o povo de Deus deve trabalhar em um mundo cheio de impiedade, opressões e inveja? O sábio pregador que escreveu Eclesiastes reflete sobre esse dilema. Ele está bem consciente da impiedade neste mundo caído. Ele começa, em 3.16: “Vi ainda debaixo do sol que no lugar do juízo reinava a maldade e no lugar da justiça, maldade ainda”. “No lugar da justiça”, isto é, na corte de justiça. Se há algum lugar no mundo em que se espera encontrar justiça, é na corte de justiça. No mundo ocidental, geralmente uma corte de justiça pode ser identificada pela escultura de uma mulher segurando uma balança de pratos. A mulher é a Justiça. Ela pesa cuidadosamente o que é justo e o que é injusto, o que é certo e o que é errado. Se há um lugar neste mundo em que se espera encontrar justiça, é na corte. Mas o pregador observa justamente o oposto: “No lugar do juízo reinava a maldade”. Para enfatizar, ele repete: “No lugar da justiça, maldade ainda”. A maldade estava totalmente infiltrada na sociedade. Esta era uma situação terrível. Impiedade. Impiedade! Isaías descreve essa impiedade no lugar da justiça: “Por suborno, justificam o perverso e ao justo negam justiça”.¹¹ O próprio Pregador escreve em Eclesiastes 5.8: “Se vires em alguma província opressão de pobres e o roubo em lugar do direito e da justiça, não te maravilhes de semelhante caso”. A impiedade está tão infiltrada na sociedade, diz ele, que não devemos nos espantar com isso. Mas isso não está certo. Algo está terrivelmente errado quando a impiedade é encontrada até mesmo na corte de justiça. Algo está terrivelmente errado quando os juízes “por suborno, justificam o perverso e ao justo negam justiça”. Algo está terrivelmente errado quando o ímpio prospera e o pobre é oprimido. Compensa ser ímpio? O Pregador reflete sobre esta questão e, primeiro, responde do modo como a Bíblia geralmente responde a esta pergunta.¹² Verso 17: “(...) disse comigo: Deus julgará o justo e o perverso; pois há tempo para todo propósito e para toda obra”. Esta é uma boa resposta. O ímpio nunca se livrará com seus atos maus. Ainda existe um Deus, e Deus vê seus atos maus. “Deus julgará o justo e o perverso”, isto é, Deus determinará quem é justo e quem é ímpio. O Pregador não está falando do juízo final de Deus, no fim dos tempos. Ele não tem uma ideia clara de um juízo final depois da morte. Ele está dizendo simplesmente que “Deus julgará em seu próprio tempo”.¹³ Em seu próprio tempo, Deus endireitará as coisas. “Deus intervirá em favor das vítimas de injustiça”.¹⁴ Como o Pregador afirmou no início do capítulo, Deus está no controle dos tempos. Ele estabeleceu os tempos, “tempo de nascer e tempo de morrer” (3.2). Além disso, “tudo fez Deus formoso no seu devido tempo” (3.11). Portanto, deve haver um tempo em que “Deus julgará o justo e o perverso; pois há tempo para todo propósito e para toda obra” (3.17). Mas não sabemos quando isso acontecerá. Pelo que podemos observar na vida, esse tempo não é agora. O ímpio continua a prosperar e o pobre continua a ser oprimido. Esse pensamento leva o Pregador a outra reflexão. Verso 18: “Disse ainda comigo: É por causa dos filhos dos homens, para que Deus os prove, e eles vejam que são em si mesmos como os animais”. O adiamento do julgamento da impiedade por parte de Deus permite que Deus prove¹⁵ os seres humanos para ver se estão, de fato, inclinados a todo mal. Como o Pregador dirá em Eclesiastes 8.11, “Visto como não se executa logo a sentença sobre a má obra, o coração dos filhos dos homens está inteiramente disposto a praticar o mal”.¹ A impiedade crescente na sociedade humana mostra às pessoas que elas são “como os animais”. Os animais não têm conceito de certo e errado, de justiça ou injustiça. Permitindo que a impiedade se inflame na sociedade humana, Deus está testando as pessoas para que fique evidente que elas são “como os animais”. Muitos exemplos antigos de comportamentobárbaro, animalesco, podem ser dados. Exemplos modernos de comportamento animalesco incluem o holocausto de Hitler na Europa, a intoxicação por gases feita por Saddam Hussein em seu próprio povo, na Ásia, e rebeliões que promovem sequestros e assassinatos na África e na América do Sul. O Pregador sustenta a ideia de que os seres humanos são “como os animais” com dois argumentos. O primeiro é que o destino¹⁷ dos seres humanos e dos animais é o mesmo. Verso 19: “Porque o que sucede aos filhos dos homens sucede aos animais; o mesmo lhes sucede; como morre um, assim morre o outro, todos têm o mesmo fôlego de vida, e nenhuma vantagem tem o homem sobre os animais; porque tudo é vaidade”. O destino dos seres humanos e dos animais é o mesmo. Ambos morrem. Isso acontece porque ambos têm o mesmo fôlego de vida. Quando Deus tira esse fôlego de vida, eles morrem.¹⁸ O Pregador conclui que “nenhuma vantagem tem o homem sobre os animais; porque tudo é vaidade”. Tudo é passageiro, transitório.¹ Os seres humanos são como animais no sentido de que não têm vantagem sobre os animais com respeito à morte. Seu segundo argumento para sustentar sua afirmação de que os seres humanos são “como os animais” é que, na morte, seres humanos e animais vão para o mesmo lugar. Verso 20: “Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do pó e ao pó tornarão”. “Todos procedem do pó e ao pó tornarão” é uma referência a Gênesis 3, em que Deus puniu com a morte a tentativa humana de ser igual a Deus: “(...) tu és pó e ao pó tornarás” (Gn 3.19). O lugar ao qual os seres humanos e os animais vão é o pó.² Mas não há algo especial sobre os humanos? No verso 21, o Pregador levanta a questão: “Quem sabe se o fôlego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima e o dos animais para baixo, para a terra?” A resposta esperada a esta pergunta é: “Ninguém sabe”. Quando observamos a morte de um ser humano e a morte de um animal, não podemos dizer se o espírito de um vai para cima e o do outro vai para baixo. O Novo Testamento, é claro, vai além do Antigo Testamento e ensina claramente que o espírito humano sobrevive à morte. Na morte de seu amigo Lázaro, Jesus consolou Maria: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11.25). Mais tarde, Jesus disse aos seus discípulos: “(...) quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, estejais vós também” (Jo 14.3). Jesus e o Novo Testamento ensinam que o espírito ou alma humana sobrevive à morte. Mas o argumento do Pregador é: quando observamos o mundo por uma perspectiva secular (“debaixo do sol”, 3.16), não podemos dizer, na morte dos seres humanos, que seu espírito, em distinção ao dos animais, vai para cima. Assim, pela propagação da impiedade neste mundo, Deus mostra aos seres humanos que eles são “como os animais”. Eles não são como Deus. Eles têm o mesmo destino que os animais: eles morrem e vão para o mesmo lugar que os animais: voltam ao pó. Como, então, o povo de Deus deve trabalhar durante sua curta vida neste mundo ímpio? O Pregador oferece seu conselho no verso 22: “(...) vi não haver coisa melhor do que se alegrar o homem nas suas obras, porque essa é a sua recompensa; quem o fará voltar para ver o que será depois dele?” “Vi não haver coisa melhor do que se alegrar o homem nas suas obras”. O Pregador já deu este conselho antes. Em 2.24, ele escreveu: “Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que sua alma goze o bem do seu trabalho”. Em 3.12, ele disse: “Sei que nada há melhor para o homem do que se regozijar e levar vida regalada”. Nesta passagem, ele foca especificamente em nosso trabalho e nas posses obtidas pelo trabalho.²¹ Ele diz no verso 22: “(...) vi não haver coisa melhor do que se alegrar o homem nas suas obras, porque esta é a sua recompensa (...)”. Todos nós temos que trabalhar para ganhar a vida. Então também podemos desfrutar do nosso trabalho e de seus frutos. Ele pergunta: “Quem o fará voltar para ver o que será depois dele?” Novamente a resposta esperada é: “Ninguém”. Ninguém pode nos trazer para ver o que acontecerá depois de nós, isto é, depois da nossa morte.²² Com base em nossas observações da vida no mundo, não sabemos se, na morte, o espírito humano vai para cima nem o que acontecerá depois da morte. Portanto, podemos aproveitar nossa curta vida neste mundo desfrutando do nosso trabalho e de seus frutos. Mas este não é o fim de seu conselho. O Pregador não deixa a impiedade neste mundo. Ele volta a ela novamente com sua descrição gráfica de opressões na sociedade humana. Três vezes ele se refere à opressão: “opressões”, “oprimidos” e “opressores”. “Na Bíblia, a opressão envolve fraudar o próximo em alguma coisa (Lv 6.2-5), defraudá-lo e roubá-lo... Opressão é acumulação – a busca de ganho – sem levar em conta a natureza, as necessidades e os direitos de outras pessoas”.²³ O Pregador escreve, em 4.1: “Vi ainda todas as opressões que se fazem debaixo do sol: vi as lágrimas dos que foram oprimidos, sem que ninguém os consolasse; vi a violência na mão dos opressores, sem que ninguém consolasse os oprimidos”.“Veja, as lágrimas dos oprimidos!” Pessoas estão sofrendo terrivelmente. Elas choram para dormir à noite. E não há consolo para elas. O Pregador acrescenta: “(...) vi a violência na mão dos opressores”. Depois, ele repete a ênfase: “(...) sem que ninguém consolasse os oprimidos”. Não há ninguém que console os oprimidos, protegendo-os do abuso de seus opressores.²⁴ Essa impiedade, a ponto de ninguém se apresentar para ajudar os oprimidos que clamam por ajuda é tão repulsiva que o Pregador conclui, no verso 2: “(...) tenho por mais felizes os que já morreram, mais do que os que ainda vivem”. Os mortos, pelo menos, não têm mais que ver essa demonstração de impiedade na sociedade humana. Mas ele acrescenta no verso 3: “(...) porém mais que uns e outros tenho por feliz aquele que ainda não nasceu e não viu as más obras que se fazem debaixo do sol”. Os que ainda não nasceram são mais felizes que os vivos e os mortos porque não viram “as más obras que se fazem debaixo do sol”. Os que ainda não nasceram não viram que os seres humanos, por estarem centrados no seu próprio proveito, ignoram as lágrimas dos oprimidos.²⁵ O Pregador, até aqui, mencionou duas formas de impiedade: impiedade até nas cortes de justiça e pessoas sendo oprimidas sem que haja quem as ajude. Finalmente ele menciona uma outra forma de impiedade que permeia a sociedade: a inveja. Em 4.4, ele escreve: “(...) vi que todo trabalho e toda destreza em obras provêm da inveja do homem contra o seu próximo”. A TNIV traduz: “Vi que todo trabalho e toda realização vêm da inveja de uma pessoa por outra”. O foco em nosso trabalho é a realização. O que orienta nosso trabalho e nossa realização? Aqui, pela primeira vez, o Pregador expõe o que está por trás do nosso trabalho. É a inveja. “A inveja inspira competição e, assim, distorce o sentido nobre da vocação em um exercício de rivalidade, uma busca de domínio que leva à violência. A inveja por uma outra pessoa (lit. pelo “próximo”) foge diante do grande mandamento encontrado em Levítico e nos lábios de Jesus: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’” (Lv 19.18b; Mt 22.39).² Mas a inveja orienta nosso mundo de negócios. Tentamos sobrepujar uns aos outros, geralmente em detrimento do outro. No mundo corporativo, as pessoas sobem sobre cadáveres para chegar ao topo. Provérbios 27.4 diz: “Cruel é o furor, e impetuosa, a ira, mas quem pode resistir à inveja?” “Também isto é vaidade e correr atrás do vento”, diz o Pregador. Nossa competição implacável uns contra os outros para obter maior ganho é vaidade. É fútil! É “correr atrás do vento” – isto é, deixa-nos de mãos vazias. Como o povo de Deus pode trabalhar neste mundo ímpio, competitivo? O Pregador esboça graficamente as três opções que temos. Como geralmente trabalhamos com as mãos, ele esboça as três opções com três posições das nossas mãos. A primeira posição é com as mãos fechadas. Verso 5: O tolocruza os braços* e come a própria carne. A pessoa que fecha as mãos não pode usá-las para o trabalho. Mãos fechadas mostram que a pessoa não quer trabalhar. Essas pessoas optam por ficar fora da força de trabalho. Esta não é uma boa opção. O Pregador chama essas pessoas de “tolos”. O livro de Provérbios adverte: “Um pouco para dormir, um pouco para tosquenejar, um pouco para encruzar os braços em repouso, assim sobrevirá a tua pobreza como um ladrão, e a tua necessidade, como um homem armado” (Pv 6.10-11; 24.33-34). O Pregador coloca a pobreza resultando de uma forma ainda mais gráfica: “O tolo cruza os braços e come a própria carne”.²⁷ Eles acabam comendo a si mesmos. Como não há nada mais para comer, comerão suas economias e morrerão. São “tolos”. Ficar fora da força de trabalho não é uma opção sábia. A segunda opção é a de mãos abertas em forma de cuia para adquirir o máximo possível. Quando as crianças saem para o Halloween, geralmente colocam as mãos juntas, em forma de cuia. Duas mãos juntas em forma de cuia podem reter muito mais do que uma mão aberta.²⁸ Verso 6: Melhor é um punhado de descanso Do que ambas as mãos cheias de trabalho E correr atrás do vento. À primeira vista, as “duas mãos cheias” parecem algo muito desejável. Quem não prefere ter duas mãos cheias em vez de uma? Em nossa sociedade, logo aprendemos que maior é melhor: mais dinheiro é melhor que menos; uma Ferrari Testarosa é melhor que um fusca; uma mansão é melhor que um barraco; um grande negócio é melhor que um pequeno. Maior é melhor. É melhor ter duas mãos cheias do que uma. Mas há um aspecto negativo em escolher as duas mãos cheias. O Pregador diz: “Ambas as mãos cheias de trabalho e correr atrás do vento”. Para ter as duas mãos cheias, as pessoas têm que trabalhar sem descanso: trabalho, trabalho, trabalho.² E, no fim, isso se torna “correr atrás do vento”. As pessoas acabam com as duas mãos cheias de vento, isto é, cheias de nada. A terceira opção é uma mão cheia. Verso 6: “Melhor é um punhado de descanso”. Um punhado é uma quantidade muito pequena.³ Mas se o punhado vem com “descanso”, “tranquilidade” (TNIV), com “paz mental” (NEB), este é o modo recomendado pelo Pregador para que o povo de Deus trabalhe em um mundo ímpio. “Melhor é um punhado de descanso do que ambas as mãos cheias de trabalho e correr atrás do vento”. O conselho do Pregador, aqui, segue outras declarações sapienciais do Antigo Testamento: Melhor é o pouco, havendo o temor do Senhor , Do que grande tesouro onde há inquietação (Pv 15.16). Melhor é o pouco, havendo justiça, Do que grandes rendimentos com injustiça (Pv 16.8). Melhor é um bocado seco e tranquilidade Do que a casa farta de carnes e contendas (Pv 17.1).³¹ O conselho do Pregador, então, é não somente a conclusão dada em 3.22 de que “vi não haver coisa melhor do que se alegrar o homem nas suas obras”. Como o trabalho, em nossa sociedade, é orientado pela inveja, ainda temos que fazer escolhas quanto a para que trabalharemos. Cruzaremos os braços e optaremos por sair da força de trabalho? Uniremos as duas mãos em cuia e nos tornaremos viciados em trabalho? Ou nos contentaremos com um punhado? O Pregador aconselha: Melhor é um punhado de descanso Do que ambas as mãos cheias de trabalho E correr atrás do vento. Seu argumento, então, é que, em vista das muitas formas de impiedade que existem neste mundo, devemos ficar satisfeitos com um punhado e desfrutar do nosso trabalho com tranquilidade. Em nosso mundo hoje podemos observar as mesmas formas de impiedade que o Pregador viu. Nos tribunais ao redor do mundo, vemos impiedade. Em incontáveis países, vemos “as lágrimas dos que foram oprimidos, sem que ninguém os consolasse”. No mundo dos negócios, vemos que o trabalho é orientado pela inveja, o que resulta em competição implacável. O Pregador nos ordena: Tendo em vista a impiedade, as opressões e a inveja neste mundo, desfrute de seu trabalho com tranquilidade. Mas isso é suficiente? É suficiente, em um mundo ímpio, simplesmente desfrutarmos do nosso trabalho com tranquilidade? Não, não é. Muitos profetas do Antigo Testamento e Jesus (por exemplo, em Mt 25.31-46) nos estimulam a lutar por justiça, consolar e ajudar os oprimidos.³² Mas este é outro sermão. O ponto desta passagem é que devemos nos contentar com um punhado e desfrutar do nosso trabalho com tranquilidade. Jesus também adverte contra o desejo de adquirir duas mãos cheias. Ele diz: “Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui” (Lc 12.15). Jesus conta a parábola do rico insensato que achava que tinha o suficiente para muitos anos. O homem era rico, mas Deus o chamou de louco. “Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus” (Lc 12.21), disse Jesus. Jesus quer que foquemos nossa vida não em ajuntar posses, mas em Deus, em promover o reino de Deus e sua justiça. Que dizer, então, sobre comida, bebida e vestes? Jesus diz: “(...) não vos inquieteis, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? Porque os gentios é que procuram todas estas coisas; pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas; buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6.31-33). Em harmonia com o ensino de Jesus, o apóstolo Paulo também estimula os cristãos a se contentarem com o que têm. Ele escreve: (...) grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. (...) Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores (1Tm 6.6,8-10). O autor de Hebreus reflete esse sentimento: “Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as coisas que tendes” (Hb 13.5). Ainda hoje, com toda a impiedade que observamos neste mundo, o conselho do Pregador do Antigo Testamento deve ser ouvido: Melhor é um punhado de descanso Do que ambas as mãos cheias de trabalho E correr atrás do vento. Desfrutar do nosso trabalho com tranquilidade nos permitirá experimentar novamente um pouquinho da tranquilidade do paraíso. Podemos trabalhar com tranquilidade, com paz mental, confiando que nosso Pai celestial nos dará comida, bebida, vestes e abrigo. Em um deserto de impiedade – competição implacável, confusão, um “comendo” o outro –, podemos experimentar um oásis de alegria e tranquilidade quando não seguimos a multidão que trabalha para acumular posses. Desfrute do seu trabalho com tranquilidade, e seu Pai celestial suprirá todas as suas necessidades. ¹ Crenshaw, Ecclesiastes, 101-6. ² Veja a análise de Wright na p. 39, acima. Veja também Murphy, Wisdom Literature, 136. ³ Veja Brown, Ecclesiastes, 49. ⁴ Heb. . Provan, Ecclesiastes, 92. Cf. Longman, Book of Ecclesiastes, 126. ⁵ Como pode ser visto nesta passagem, a observação às vezes antecede a reflexão, outras vezes é parte dela. Veja Longman, Book of Ecclesiastes, 126-38. ⁷ Veja p. 116–117, nota 12, abaixo. ⁸ Aqui é útil lembrar que a audiência original do Qohelet era provavelmente composta por homens jovens ansiosos para ter sucesso em uma sociedade urbana que estava muito distante do ideal bíblico de comunidade, a saber, as vilas de seus ancestrais. Davis, Proverbs, Ecclesiastes, Song of Songs, 190. A tradução usada pelo autor traz “a inveja de uma pessoa contra outra”, mas o texto literalmente diz “a inveja de um homem contra o seu próximo”, como na ARA. ¹ Cf. Filipenses 1.21-23: “(...) para mim, o viver é Cristo e o morrer é lucro. Entretanto, se o viver na carne traz fruto para o meu trabalho, já não sei o que hei de escolher. Ora, de um e outro lado, estou constrangido, tendo o desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor”. ¹¹ Isaías 5.23; cf. 1.21.¹² Veja, e.g., Gênesis 18.25, “Longe de ti o fazeres tal coisa, matares o justo com o ímpio, como se o justo fosse igual ao ímpio; longe de ti. Não fará justiça o Juiz de toda a terra?”; Deuteronômio 1.17: “(...) o juízo é de Deus...”; Jó 19.29: “(...) temei, pois, a espada, porque tais acusações merecem o seu furor, para saberdes que há um juízo”; salmo 9.8: “... [O Senhor] julga o mundo com justiça; administra os povos com retidão”; salmo 94.2: “Exalta-te, ó juiz da terra; dá o pago aos soberbos”. ¹³ Seow, Ecclesiastes, 166. Também Murphy, Ecclesiastes, 36. ¹⁴ Ogden, Qoheleth, 60. Outros comentaristas, como Loader, Ecclesiastes, 43, acreditam que “o juízo de Deus sobre os dois grupos pode se referir somente à morte, que vem sobre ambos, sem discriminação”. Esta interpretação levanta mais perguntas que respostas. ¹⁵ “A nuance precisa do propósito divino permanece ambígua... Se for interpretada como significando ‘testar’, pode consistir na manifesta injustiça em assuntos humanos (v.16), que mostra se os seres humanos vão se libertar das restrições morais, já que não há princípio de justiça em atividade em sua experiência (cf. 8.11)”. Murphy, Ecclesiastes 36. ¹ Cf. Apocalipse 22.10-11: “Não seles as palavras da profecia deste livro, porque o tempo está próximo. Continue o injusto fazendo injustiça, continue o imundo ainda sendo imundo; o justo continue na prática da justiça, e o santo continue a santificar-se”. ¹⁷ “A palavra-chave deste verso... é destino ( ). Mas, como em 2.24, esta não é uma força maligna e impessoal. ‘Destino’ é simplesmente o que acontece a uma pessoa ou a qualquer criatura viva; e o ‘acontecimento’ final, tanto para os seres humanos quanto para os animais, é a morte”. Whybray, Ecclesiastes, 79. ¹⁸ “Os seres humanos e os animais compartilham o mesmo , ‘espírito’ ou ‘fôlego de vida’. Todos os seres vivos têm um corpo (comumente chamado de ‘carne’) e um . Esse não é uma alma imortal, mas o fôlego de vida, a força que dá e preserva a vida. Quando Deus o retira, a criatura morre (Sl 104.29; Jó 34.14- 15)”. Fox, Ecclesiastes, 26. ¹ “O sentido de provavelmente é ‘passageiro’, ‘efêmero’, ‘transitório’. Crenshaw, Ecclesiastes, 104. Também Murphy, Ecclesiastes, 79. ² Alguns comentaristas, por exemplo,Whybray, Ecclesiastes, 80, afirmam que “a referência [ao mesmo lugar] é ao Seol: cf. 9.10”. Embora essa interpretação seja possível, o contexto aqui se refere à volta ao pó. Cf. Murphy, Ecclesiastes, 37: “O ‘mesmo lugar’ para o qual todos vão é especificado como sendo o ‘pó’ (cf. 6.6), embora o Qohelet reconheça a existência do Seol (9.10). O tema da volta ao pó é frequente (Jó 10.9; 34.15; Sl 104.29; 146.4; Sir 40.11)”. ²¹ “Heb. (lit. ‘suas obras’), aquilo que uma pessoa adquiriu e agora possui”. Fox, Ecclesiastes,26. ²² “ tem sido entendido de três maneiras: (1) ‘Depois dele’, com referência ao que acontece a um indivíduo depois de sua morte (Delitzsch, Crenshaw). (2) ‘Depois dele’, com referência ao que acontece no mundo depois da morte de uma pessoa (Rashbaum, Murphy). (3) ‘Depois’, com referência ao que acontece no mundo dentro do período de vida de uma pessoa (Podechard, Gordis, Fox1987)... No presente contexto, depois de um verso que declara a ignorância humana sobre o que acontece depois da morte, provavelmente a primeira alternativa é a correta”. Fox, A Time to Tear Down, 217. Cf.Longman, Book of Ecclesiastes, 131: “A frase depois dele é um modo de dizer ‘depois de sua morte’ Como acima [v.21], aqui o Qohelet não tem certeza se (e provavelmente duvida que) a vida continua depois da morte. Ninguém sabe com certeza”. ²³ Provan, Ecclesiastes, 103. ²⁴ Davis, Proverbs, Ecclesiastes, Song of Songs, 189, está errada quando entende a repetição de “sem que ninguém os consolasse” como ninguém para consolar os oprimidos e ninguém para consolar o opressor: “Escravo e proprietário de escravo, prisioneiro e carcereiro, mulher espancada e homem espancador – é preciso ter piedade de ambos, pois estão no mesmo sistema, ‘sem que ninguém os console’”. Pelo contrário, a repetição enfatiza a condição dos oprimidos. Cf. Brown, Ecclesiastes, 48: “Sozinha, a primeira menção a ‘consolo’, no verso 1, pode comunicar meramente o contido de consolação. Sua segunda ocorrência, contudo, sugere mais do que simplesmente prover o tecido proverbial para enxugar as lágrimas da vítima. Aqui, o consolador assume um papel ativo que tem como objetivo a proteção dos fracos contra o abuso dos poderosos. O consolador, em resumo, é um defensor... Essa defesa acarreta um investimento de poder em favor dos fracos”. ²⁵ “Se a melancolia do Qohelet nos parece excessiva neste ponto, é necessário perguntar se nossa posição mais agradável nasce da esperança, não da complacência. Embora nós, como cristãos, vejamos mais longe do que ele poderia ver, isso não é razão para nos pouparmos das realidades do presente”. Kidner, Time to Mourn, 44. ² Brown, Ecclesiastes, 49. ²⁷ “O Qohelet está usando a imagem grotesca de autocanibalismo para representar autodestruição. Os tolos que são tão preguiçosos acabarão devorando a si mesmos”. Seow, Ecclesiastes, 179. ²⁸ “O Qohelet imagina uma palma aberta versus duas mãos unidas em forma de cuia para reter o máximo”. Crenshaw, Ecclesiastes, 109. ² “Para o Qohelet, a incessante orientação do indivíduo para o trabalho, mesmo que seja para seu próprio enriquecimento, não é diferente da opressão imposta por um capataz implacável... Sem o benefício do descanso, até mesmo o enriquecimento pessoal é escravidão”. Brown, Ecclesiastes, 50. ³ “O hebraico refere-se a uma quantidade muito pequena (cf. 1Rs 17.12). A ênfase é na natureza limitada de um punhado, não na totalidade”. Seow, Ecclesiastes, 180. ³¹ Cf. salmo 37.16: “Mais vale o pouco do justo que a abundância de muitos ímpios”. ³² Assim como o Pregador, Jesus também admite que “os pobres, sempre os tendes convosco” (Mc 14.7). * Na tradução do autor, “o tolo fecha as mãos”. Embora as palavras usadas nas traduções sejam diferentes, o sentido de inatividade, pretendido pelo autor, é mantido (N. do T.). CAPÍTULO 6 Trabalhando juntos Eclesiastes 4.7-16 Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho. (Ec 4.9) Eclesiastes 4.7-16 é um bom antídoto para o individualismo que infecta nossa sociedade e que também contamina a comunidade cristã. Um dos desafios, novamente, é selecionar uma unidade textual adequada. Embora esteja claro que esta passagem contém três subunidades (v.7-8, 9-12, 13-16), a questão é quantas delas constituem o texto de pregação. Se escolhermos as três subunidades, a questão é: Qual tema as une? Whybray, por exemplo, não reconhece “continuidade temática” entre as duas primeiras unidades¹ – muito menos nas três – e trata cada seção separadamente. Outro desafio é interpretar a terceira unidade, sobre o jovem sábio e o rei insensato (v.13-16). Os estudiosos são pessimistas sobre a solução deste enigma. Murphy escreve: “Toda tradução, e, portanto, interpretação dos versos 13-16 é incerta, por causa da falta de clareza do texto”.² E um desafio final é pregar Cristo com base em um texto que nem sequer menciona Deus. Texto e Contexto Eclesiastes 4.7 começa uma nova unidade com “Então, considerei outra vaidade debaixo do sol”. Esta unidade sobre o trabalho de um indivíduo solitário é concluída no verso 8 com uma inclusio, “também isto é vaidade e enfadonho trabalho”. Pode-se selecionar esta subunidade como texto de pregação, mas a próxima unidade, sobre o valor de se ter um companheiro (v. 9-12), complementa a primeira, sobre o indivíduo solitário. É tentador, portanto, selecionar como texto de pregação somente os versos 7-12. Isso simplificaria a formulação do tema e evitaria muitas dificuldades para interpretar corretamente a unidade seguinte, sobre o jovem sábio e o rei insensato. O problema com esta opinião é que o Pregador claramente tentou associar esta terceira unidade às duas anteriores. Provan observa: “Os versos finais do capítulo 4 (v. 13-16), embora sua relação precisacom o que os precede confunda os comentaristas, parecem claramente ligados aos versos que os precedem pelo tema e pela linguagem (observe a referência comum ao que é ‘melhor’ nos versos 6, 9, 13; a referência a uma “segunda pessoa” [ ], nos versos 8 e 15... e a ocorrência de ‘não cessa’ [ ], nos versos 8 e 16)”.³ Além disso, cortar o texto de pregação no verso 12 deixa os versos 13-16 órfãos, pois 6.16 encerra a unidade maior com “também isto é vaidade e correr atrás do vento”, enquanto 5.1 começa uma nova unidade com um assunto diferente. Portanto, selecionamos como nosso texto de pregação Eclesiastes 4.7-16. Quanto ao seu contexto, o tema do trabalho, nos versos 4-6, é continuado nesta passagem, nos versos 7-9. O “melhor que” do verso 6 é repetido nos versos 9 e 13. Seu “olhos não se fartam de riquezas” recupera 1.8, “olhos não se fartam”, e será retomado novamente em 5.10, “quem ama o dinheiro jamais dele se farta”. A história sobre o jovem pobre, mas sábio, parece similar à história de 9.15-16: “Encontrou-se nela um homem pobre, mas sábio, que a livrou pela sua sabedoria; contudo, ninguém se lembrou mais daquele pobre”. O “tampouco os que virão depois dele se hão de regozijar nele” (v.16) parece refletir 1.11: “Já não há lembrança das coisas que precederam” (cf. 2.16). Elementos literários Observar as formas de literatura sapiencial neste texto nos ajudará a esboçar a “Estrutura textual”, abaixo. “Então, considerei outra (...)” (v. 7) indica que esta é uma observação que inicia uma reflexão. A reflexão consiste de uma anedota sobre um solitário avarento e inclui sua pergunta retórica: “Para quem trabalho eu, se nego à minha alma os bens da vida?” Esta unidade termina com a exclamação “também isto é vaidade” (v. 8), que forma um inclusio com “vaidade” do verso 7. A unidade seguinte começa com um provérbio “melhor que” (“Melhor é serem dois do que um”, v. 9), que é fortalecido por duas ilustrações (v. 10-12a). O Pregador reforça o argumento de cada ilustração respectivamente com um oráculo “ai” (v. 10b), uma pergunta retórica (v. 11b) e um provérbio final (“o cordão de três dobras não se rebenta com facilidade”, v. 12b). A unidade final novamente começa com um provérbio “melhor que” (“melhor é o jovem pobre e sábio do que o rei velho e insensato”, v. 13). Ele é seguido por uma anedota (v. 14-16b) e concluído com o refrão “também isto é vaidade e correr atrás do vento” (v. 16c). Novamente é importante observar as repetições, pois elas nos ajudarão a discernir o tema do Pregador. A palavra “vaidade” é repetida três vezes (v. 7, 8, 16), assim como a palavra “trabalho” (v. 8 [2 vezes],9). Mas as palavras-chave primárias desta passagem são os números um e dois (segundo). O Pregador usa “um” ( ) cinco vezes (v. 8,9,10,11,12) e “dois”, “segundo” ( , ), seis vezes (v. 8 [“solitário” é, literalmente, “não um segundo”], 9,10,11,12,15). Estrutura Textual As formas descobertas em nossa análise literária nos permitem esboçar a estrutura textual: I. Observação/Reflexão: Novamente vi vaidade debaixo do sol (4.7) A. História sobre alguém sem um segundo, sem filhos ou irmãos (4.8a) 1. Contudo, não cessa de trabalhar (4.8b) 2. Seus olhos não se fartam de riquezas (4.8c) B. Pergunta: Para quem trabalho eu, se nego à minha alma os bens da vida? (4.8d) C. Conclusão: Também isto é vaidade e enfadonho trabalho (4.8e) II. Provérbio: Melhor é serem dois do que um (4.9a) A. Porque têm uma boa recompensa pelo seu trabalho (4.9b) 1. Pois, se caírem, um levanta o outro (4.10a) a. Mas ai do que estiver sozinho e cair, pois não haverá quem o ajude (4.10b) 2. Novamente, se dois estiverem juntos, se aquentarão (4.11a) a. Mas como pode se esquentar quem está sozinho? (4.11b) 3. Dois resistem a um (observe o inverso, 4.12b) a. Embora um possa prevalecer contra outro (4.12a) B. Provérbio final: um cordão de três dobras não se rompe com facilidade (4.12c) III. Provérbio: Melhor é o jovem pobre e sábio do que o rei velho e insensato, que já não se deixa admoestar (4.13) A. Anedota para confirmar o provérbio 1. Uma pessoa pode sair da prisão para reinar (4.14a) a. Mesmo que nasça pobre no reino (4.14b) 2. Todos os viventes seguem o jovem que substituirá o rei (4.15)⁴* 3. Era sem conta o povo que o seguia (4.16a) B. A brevidade da fama política: os que vierem depois não se alegrarão nele (4.16b) C. Conclusão: Certamente isso também é vaidade e correr atrás do vento (4.16c) Interpretação teocêntrica Esta seção pode ser muito breve, porque não há referência a Deus nesta passagem. Contudo, como a literatura de sabedoria reflete as “ordens costumeiras” na criação de Deus, o conselho dado pelo Pregador inspirado pode ser entendido como conselho de Deus sobre como as pessoas devem viver em harmonia com o mundo criado.⁵ Tema e objetivo textual O texto de pregação selecionado contém três subunidades. Uma forma de descobrir o tema textual é observar a estrutura do texto. Como vimos acima, a estrutura geral do texto é um quiasma simples, ABA, com o ponto focal em B. A. Anedota de um rico solitário cuja vida é vaidade B. Provérbio: Melhor é serem dois do que um A’. Anedota de um rei popular cuja vida é vaidade O Pregador também mostra que quer enfatizar B para confirmar o provérbio “Melhor é serem dois do que um” com não menos que três ilustrações. Assim, podemos formular o tema desta passagem simplesmente como “melhor é serem dois do que um”. Para confirmar nossa tentativa inicial de encontrar um tema, devemos verificar se esse tema, de fato, é o fio que une as três seções. A anedota do rico solitário, marcada por “vaidade”, confirma que “melhor é serem dois do que um”. Embora a anedota do rei que é esquecido seja mais difícil de encaixar, ela termina com um sentimento de isolamento ainda maior que o do rico: “(...) tampouco os que virão depois se hão de regozijar nele” (4.16b). E aqui, também, o veredito é: “Na verdade, também isto é vaidade e correr atrás do vento” (4.16c). Esse veredito de vaidade confirma o foco textual em “melhor é serem dois do que um”. Este tema, contudo, não faz justiça a todo o texto. Embora seja um bom tema para os versos 9-12, não dá ênfase suficiente ao isolamento experimentado pelo rico e pelo rei (as extremidades). Para abranger totalmente essa ênfase, podemos formular o tema textual da seguinte forma: Já que trabalhar sozinho é fútil, devemos cooperar com os outros. O objetivo do Pregador pode ser derivado tanto do tema quanto das circunstâncias históricas por trás do texto. Essas circunstâncias, como vimos, são uma economia orientada pelo individualismo egoísta. Fortunas podiam ser rapidamente feitas e perdidas. As pessoas competiam umas com as outras por inveja (4.4). Era um mundo em que um “comia” o outro. Mais que isso, já que usa três ilustrações para reforçar esse ponto, ele procura não somente encorajar seus leitores, mas persuadi-los. Assim, podemos formular o objetivo do Pregador como persuadir seus leitores a não trabalhar sozinhos, mas a cooperar uns com os outros. Maneiras de pregar Cristo Para pregar um sermão cristocêntrico, os pregadores têm frequentemente submetido esta passagem à interpretação alegórica. “Ambrósio via Cristo como aquele que levanta seu companheiro (v. 10) e o aconselha (v. 11) e como aquele que saiu da prisão para reinar (v. 13)”. Jerônimo também viu a Trindade na declaração do Qohelet sobre o cordão de três dobras”. Mais recentemente, o comentário de Matthew Henry diz: “Dois juntos são um cordão de três dobras; onde dois estão intimamente unidos em santo amor e comunhão, Cristo, por meio de seu Espírito, vem até eles e faz o terceiro, como ele se uniu aos dois discípulos no caminho de Emaús; Então há um cordão de três dobras que nunca será quebrado”.⁷ Podemos evitar a interpretação alegórica e ainda pregar um sermão cristocêntrico investigando os sete caminhos cristocêntricos. Esta passagem não contém promessa de Cristo nem tipo de Cristo. A progressão histórico-redentiva e o contraste também não servem para daruma ponte para Cristo, no Novo Testamento. Isso nos deixa com três opções a explorar: analogia, temas longitudinais e referências no Novo Testamento. Analogia A pergunta é: Jesus, como o Pregador do Antigo Testamento, também ensina que trabalhar sozinho é vaidade e que devemos cooperar com os outros? Jesus certamente se opôs à ganância – uma forma extrema de egoísmo que nos isola uns dos outros. A parábola do rico insensato, contada por Jesus, é uma anedota sobre o homem rico da nossa passagem. O rico insensato também tinha “em depósito muitos bens para muitos anos”. Apesar disso, sabemos que ele não tinha companhia (“segundo”) com quem compartilhar sua riqueza, pois Deus lhe disse: “Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?” (Lc 12.19-20). A pergunta de Deus na parábola de Jesus se parece muito com a pergunta do rico em nosso texto: “Para quem trabalho eu?” (4.8). De qualquer maneira, Jesus advertiu: “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam” (Mt 6.19). Em vez disso, ele ordenou: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22.39). Quando Jesus, subsequentemente, foi perguntado “quem é o meu próximo?”, ele contou a parábola do bom samaritano. O próximo foi aquele que “usou de misericórdia”. Jesus enfatizou o que queria dizer, afirmando: “Vai e procede tu de igual modo” (Lc 10.29,37). O próprio Jesus enviou seus discípulos não como indivíduos, mas “dois a dois” (Mc 6.7). Ele também orientou seus seguidores: Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça. (...) Em verdade também vos digo que, se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem a respeito de qualquer coisa que, porventura, pedirem, ser-lhes-á concedida por meu Pai, que está nos céus. Porque onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles (Mt 18.16,19-20). Temas longitudinais Pode-se chegar a Cristo também traçando o tema do companheirismo do Antigo Testamento até Jesus, no Novo Testamento. Deus criou os seres humanos para o companheirismo. No paraíso, Deus declarou: “Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea” (Gn 2.18). Deus criou os seres humanos como seres sociais. Eles foram feitos para trabalhar juntos e ajudar uns aos outros. “Israel é chamado para fora do Egito para mostrar ao mundo como uma comunidade justa deve funcionar”.⁸ Deus deu a Israel muitas leis que exigem o cuidado com o próximo, sendo seu clímax: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19.18). O Pregador reflete esta lei em Eclesiastes 4 chamando a vida solitária de “vaidade”, fútil e inútil e ilustrando que “melhor é serem dois do que um”. Jesus reconheceu essa sabedoria ao reunir seus discípulos e enviá-los de “dois em dois” (Mc 6.7). Jesus também reiterou o mandamento do amor: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22.39). Os cristãos primitivos expressavam esse mandamento de amor ficando juntos e tendo “(...) tudo em comum. Vendiam suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade” (At 2.44-45). Paulo instrui a igreja: Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias, completai a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento. Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo. Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros (Fp 2.1-4; veja também 1Co 12–13 sobre a igreja como corpo de Cristo, com muitos membros). Referências do Novo Testamento O Novo Testamento não cita esta passagem nem faz alusão a ela. Mas também podem-se procurar passagens no Novo Testamento que tenham uma posição similar à do Pregador (veja as passagens neotestamentárias que servem de suporte para as duas maneiras acima). Consequentemente, também se pode considerar usar como ponte para Cristo a história sobre Jesus e Zaqueu. Zaqueu é descrito como “maiorial dos publicanos e rico”. Ele nos lembra o homem rico de Eclesiastes 4. Quando Jesus se convida para jantar na casa de Zaqueu, este o recebe e diz: “Senhor, resolvo dar aos pobres a metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, restituo quatro vezes mais”. Zaqueu declara que desistirá de sua solitária busca por riquezas à custa do próximo e restituirá segundo a lei de Deus, que requeria que um ladrão fizesse restituição “quatro ovelhas por uma ovelha” (Êx 22.1). Não é de se espantar que Jesus lhe tenha dito: “Hoje, houve salvação nesta casa, pois que também este é filho de Abraão” (Lc 19.1-9). Por meio de Jesus, Zaqueu descobriu que Deus nos criou não como exploradores solitários, mas como criaturas sociais que são obrigadas a ajudar umas às outras. Tema e objetivo do sermão Formulamos o tema textual como “Já que trabalhar sozinho é fútil, devemos cooperar com os outros”. Como o Novo Testamento, como vimos, defende este tema, o tema textual pode funcionar como tema do sermão: Já que trabalhar sozinho é fútil, devemos cooperar com os outros. Formulamos o objetivo textual como “persuadir seus leitores a não trabalhar sozinhos, mas a cooperar uns com os outros”. Podemos manter o mesmo objetivo para o sermão: persuadir nossos ouvintes a não trabalhar sozinhos, mas a cooperar uns com os outros. Este objetivo revela o alvo deste sermão: a necessidade tratada é o individualismo rigoroso, egoísta, em nossa cultura e seus efeitos sobre os cristãos. Exposição do sermão A introdução do sermão pode contar a história de uma pessoa contemporânea que andou sobre cadáveres para enriquecer. Então faça a pergunta: Será que o individualismo egoísta está influenciando a igreja e seus membros? Israel frequentemente demonstrava individualismo egoísta. Quando Deus tirou Israel do Egito para formar seu povo da aliança, ele ordenou repetidamente que os israelitas não explorassem seus irmãos: “Não furtarás. Não dirás falso testemunho contra o teu próximo. Não cobiçarás a casa do teu próximo (...) nem coisa alguma que pertença ao teu próximo” (Êx 20.15-17). “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19.18). Séculos mais tarde, os profetas tiveram que advertir aos israelitas para não explorarem o próximo, mas cuidarem dele: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o Senhor pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus” (Mq 6.8). O Pregador em Eclesiastes também trata desta questão de individualismo egoísta. Como lemos em 4.4, pouco antes do nosso texto, “(...) vi que todo trabalho e toda destreza em obras provêm da inveja do homem contra o seu próximo”. As pessoas trabalhavam não apenas para suprir suas necessidades, mas para superar as outras. As pessoas estavam interessadas em enriquecer. Não tinham interesse pela necessidade do próximo. Aquele era um mundo de competição selvagem. O Pregador começa, em 4.7-8: “Então, considerei outra vaidade debaixo do sol, isto é, um homem sem ninguém, não tem filho nem irmã; contudo, não cessa de trabalhar, e seus olhos não se fartam de riquezas”. O Pregador chama atenção para aquilo que chama de “vaidade”, isto é, futilidade, inutilidade. Ele chama atenção para um indivíduo solitário. O original diz: “Há uma pessoa e ela não tem uma segunda”. Ele é totalmente sozinho em suas ocupações. Ele “não tem segundo” nem companhia. O texto diz que ele não tem nem mesmo “filho nem irmã”, isto é, “as relações mais próximas ao longo de duas gerações e os dois parentes que podiam se beneficiar do seu trabalho por meio de herança”.¹ Essa pessoa cortou todas as suas relações para se concentrar no único objetivo de sua vida: “Afligido por um apetite insaciável por riquezas, o solitário é consumido pelo trabalho”.¹¹ Essa sede por riquezaretorna ao verso 6, imediatamente antes do nosso texto. “Melhor é um punhado de descanso do que ambas as mãos cheias de trabalho e correr atrás do vento”. Muitas pessoas hoje estão insatisfeitas com um punhado. Querem mais e mais: pelo menos duas mãos cheias. Mas somos advertidos que duas mãos cheias vêm com “trabalho”. O Pregador escreve, no verso 8, que essa pessoa gananciosa “não cessa de trabalhar”. Por que ela não cessa de trabalhar? Porque, diz o Pregador, “seus olhos não se fartam de riquezas” (v. 8; cf. 1.8).¹² “O olho, o órgão do desejo, não consegue ficar satisfeito”.¹³ Isso leva a ainda mais trabalho para satisfazer aos olhos. Essa pessoa é pega em um ciclo vicioso: “não cessa de trabalhar”. Finalmente, o rico desperta para sua situação desagradável. Ele faz a si mesmo a pergunta crucial: “Para quem trabalho eu, se nego à minha alma os bens da vida?” A resposta esperada é: “Para ninguém”. Ele “não tem segundo”, nem companheira que possa se beneficiar de toda a sua riqueza. Ele não tem sequer filhos ou irmãos que possam receber sua herança. Ele está sozinho. E ele nem sequer beneficia a si mesmo, pois, como ele diz, está se privando dos “bens da vida”. Ele não encontra prazer na vida. O trabalho não lhe dá prazer porque ele se tornou um escravo do trabalho. Comer e beber não lhe dão prazer porque ele dificilmente reserva tempo para isso. O descanso não lhe dá prazer, porque ele é orientado pelo trabalho e tem pouco tempo para descansar. Ele “não cessa de trabalhar”.¹⁴ O Pregador resume, no fim do verso 8: “Também isto é vaidade e enfadonho trabalho”. A vida dessa pessoa é “vaidade”, isto é, literalmente, “vapor”. Sua vida é fútil, inútil. Ela não tem substância¹⁵ porque ele é sozinho: “ele ‘não tem segundo’– ninguém com quem compartilhar os frutos de seu labor de algum modo; seu trabalho não beneficia a ninguém mais”.¹ O Pregador conclui que a vida desse rico solitário é um “enfadonho trabalho”. Contraste a vida dessa pessoa solitária com a de uma pessoa que tem “um segundo”, um companheiro. Verso 9: “Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho”. “Melhor é serem dois do que um”. Quando se trata de riquezas, o Pregador disse, em 4.6: mais não é melhor. “Melhor é um punhado de descanso do que ambas as mãos cheias de trabalho”. Mas, quando se trata de relacionamentos humanos, mais é melhor. “Melhor é serem dois do que um”. “O ‘um’ a que ele se refere é, sem dúvida, o trabalhador solitário cujo objetivo é o acúmulo de ganho material, o que não pode, por fim, trazer satisfação. De mais valor... são os “dois” que, pelo menos, compartilham os frutos de seu trabalho”.¹⁷ De fato, dois podem fazer muito mais do que compartilhar os frutos de seu trabalho. O Pregador dá três ilustrações de como duas pessoas podem se ajudar mutuamente. Primeiro, verso 10: “Se caírem, um levanta o seu companheiro; ai, porém, do que estiver só, pois, caindo, não haverá quem o levante”. O Pregador está pensando aqui nas pessoas que viajavam no Oriente Médio. Isso podia ser perigoso, especialmente em noites escuras. Não havia ruas nem iluminação pública. Nem mesmo lanternas. Andando por caminhos que frequentemente acompanhavam a borda de barrancos, as pessoas podiam facilmente tropeçar e cair. A paisagem também era salpicada de poços – poços de betume (vf. Gn 14.10) ou de buracos escondidos para capturar animais.¹⁸ Em uma de suas parábolas, Jesus se referiu ao perigo de cair em um desses buracos. Ele perguntou: “Pode, porventura, um cego guiar a outro cego? Não cairão ambos no barranco?” (Lc 6.39). Portanto, era perigoso viajar sozinho pelo Oriente Médio. Mas “melhor é serem dois do que um... Porque, se caírem [i.e., se um ou outro cair¹ ], um levanta o seu companheiro”. Como estão juntos, podem se ajudar mutuamente e sobreviver. “Mas ai do que estiver só; pois, caindo, não haverá quem o levante”. A pessoa solitária perecerá. Hoje ainda aplicamos essa sabedoria de que é melhor serem dois do que um. Quando crianças vão acampar, elas aprendem o “sistema companheiro”: cada criança forma dupla com outra, de modo que possam se ajudar mutuamente. “Melhor é serem dois do que um”. A segunda ilustração do Pregador é feita no verso 11: “Também, se dois dormirem juntos, eles se aquentarão; mas um só como se aquentará?” Essa ilustração também é extraída dos perigos de se viajar pelo Oriente Médio. Os viajantes geralmente passavam as noites ao relento. Quando Jacó fugiu da fúria de Esaú, ele viajou para o norte até o sol se pôr. Então, dormiu ao relento com uma pedra como travesseiro (Gn 28.11). Mas como uma pessoa sozinha pode se aquecer em noites frias? As pessoas não levavam sacos de dormir nem cobertas. Tudo o que tinham para se cobrir era sua capa (veja Êx 22.26-27). Em noites frias, isso não era suficiente. Então as pessoas podiam ficar juntas, compartilhando suas capas e o calor do corpo. “Melhor é serem dois do que um”, pois podem ficar juntas e “se aquentarão; mas um só como se aquentará?” O Pregador acrescenta uma terceira ilustração no verso 12: “Se alguém quiser prevalecer contra um, os dois lhe resistirão”. Novamente, esta ilustração é extraída dos perigos das viagens pelo Oriente Médio. Longe da segurança de vilas e cidades, havia o perigo de ladrões, que perambulavam pelo interior. Pense na parábola de Jesus sobre um homem que foi de Jerusalém a Jericó. Ele “veio a cair em mãos de salteadores, os quais, depois de tudo lhe roubarem e lhe causarem muitos ferimentos, retiraram-se, deixando-o semimorto” (Lc 10.30). Sozinho, o homem não teria chance. “Se alguém [um ladrão] quiser prevalecer contra um [viajante], os dois [companheiros] lhe resistirão”. Ainda hoje, agimos com base nessa sabedoria, advertindo as pessoas a nunca fazerem corridas ou caminhadas sozinhas. Essas três ilustrações dão três exemplos das vantagens de se ter um “segundo”. No entanto, elas se aplicam em uma área muito maior que a de viagens. Já no paraíso, Deus disse: “Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea” (Gn 2.18). Deus nos criou não como seres solitários, mas como seres sociais. Há muitas vantagens para marido e esposa trabalharem juntos, para se completarem nos assuntos da casa, na criação dos filhos e, finalmente, na aposentadoria. Pesquisas hoje mostram que, em contraste com os solteiros, “pessoas casadas vivem mais e com mais saúde nesses anos extras”.² Também há muitas vantagens para colegas de trabalho que trabalham juntos e se complementam em seu trabalho. Há muita vantagem em se ter um piloto e um copiloto no controle de um avião, em vez de apenas um piloto. O Pregador resume sua mensagem no fim do verso 12 com um provérbio: “O cordão de três dobras não se rebenta com facilidade”. O Pregador “provavelmente está fazendo alusão a um conhecido provérbio antigo do Oriente Próximo a respeito dos benefícios da amizade”.²¹ Um cordão de três dobras é uma corda com três fios torcidos juntos. Um cordão simples pode ser rompido facilmente. Como vimos nas ilustrações, uma pessoa sozinha não consegue sobreviver à queda, não consegue se aquecer em uma noite fria e não consegue resistir a um ladrão. Um cordão simples pode ser facilmente rompido. Dois cordões combinados são muito mais fortes. Como vimos nas ilustrações, dois podem sobreviver à queda, podem se aquecer e podem resistir a um ladrão. Mas três cordões entretecidos juntos são ainda mais fortes. “O cordão de três dobras não se rebenta com facilidade”. Pela repetição de dois, dois, dois, o Pregador se move para o clímax de três.²² O movimento de dois para três pode ser “uma pista de que não há nada sacrossanto no par e de que a companhia pode funcionar em números maiores”.²³ Há muitas vantagens para um time de futebol quando os jogadores funcionam como uma equipe, não como estrelas individuais. Há muitas vantagens para uma igreja quando seus membros trabalham juntos completando uns aos outros pelo uso de seus dons individuais para benefício da igreja. Como trabalhar sozinho é fútil, a mensagem do Pregador é quedevemos cooperar uns com os outros. Deus criou os seres humanos para companhia – como seres sociais. Deus deu a Israel muitas leis que exigiam o cuidado com o próximo. Essas leis alcançaram o clímax em Levítico 19: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19.18). No Novo Testamento, Jesus reiterou que não devemos ser solitários egoístas, mas cuidar do próximo. Jesus também ordenou: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22.39). O próprio Jesus agiu com base na sabedoria de que “melhor é serem dois do que um”. Em vez de ser um vulto solitário, ele reuniu discípulos ao seu redor. Além disso, ele os enviou de “dois em dois” (Mc 6.7). Jesus também instruiu aos seus seguidores: Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça. (...) Em verdade também vos digo que, se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem a respeito de qualquer coisa que, porventura, pedirem, ser-lhes-á concedida por meu Pai, que está nos céus. Porque onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles (Mt 18.16,19-20). Os cristãos primitivos não eram solitários. Lucas relata que “todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade” (At 2.44-45). Paulo rogou à igreja: Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias, completai a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento. Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo. Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros (Fp 2.1-4). A igreja é uma comunidade. Muito embora tenha muitos membros, esses membros formam um corpo – o corpo de Cristo. Como membros, temos que trabalhar juntos pelo bem comum (1Co 12–13). O Pregador do Antigo Testamento continua sua mensagem com uma última história. Verso 13: “Melhor é o pobre jovem e sábio do que o rei velho e insensato, que já não se deixa admoestar”. O rei velho e insensato é uma figura trágica. Provérbios 12.15 diz: “O caminho do insensato aos seus próprios olhos parece reto, mas o sábio dá ouvidos aos conselhos”. Em Israel, os anciãos eram considerados sábios. Certamente o rei deveria ser sábio. Mas aqui temos um “rei velho e insensato, que já não se deixa admoestar”. Esse rei tolo é tão isolado quanto o homem rico da primeira história. O homem rico dedicou toda a sua vida a acumular riquezas e perdeu suas companhias, até mesmo seus filhos e irmãos. Ele era uma figura solitária, sem “um segundo”. O “rei velho e insensato... não se deixa admoestar”. Ele demitiu seus conselheiros.²⁴ Ele seguirá sozinho. Ele, também, é uma figura solitária, não tem “um segundo”. Ou há “um segundo”? Sim, há. O segundo é o sucessor do velho rei.²⁵ Ele está esperando na prisão. O verso 14 diz: “Ainda que aquele² saia do cárcere para reinar ou nasça pobre no reino deste”. O jovem pobre e sábio pode sair da prisão para reinar. Um exemplo de jovem sábio que saiu da prisão para reinar é o “jovem” (Gn 37.30) José, que saiu da prisão no Egito e passou a governar a nação. Faraó lhe disse: “Vês que te faço autoridade sobre toda a terra do Egito” (Gn 41.41).²⁷ O verso 15 continua: “Vi todos os viventes que andam debaixo do sol com o jovem sucessor, que ficará em lugar do rei”. “Todos os viventes” seguiam “o jovem [o segundo]²⁸ que ficará em lugar do rei”. Ele não era solitário como o rei velho e insensato. Ele era um com todas as pessoas que liderava. Este jovem sábio se tornou um rei sábio. O verso 16 diz: “Era sem conta todo o povo que ele dominava”. Os comentaristas estranham frases como “todos os viventes” seguindo o jovem e “era sem conta todo o povo que ele dominava”. É uma hipérbole? É um exagero? Provavelmente. Mas nos faz pensar novamente em José, sobre quem lemos em Gênesis 41.57: “(...) todas as terras vinham ao Egito, para comprar de José, porque a fome prevaleceu em todo o mundo”. O Pregador tem em mente um grande e sábio rei como José. Mas ele continua, no verso 16: “tampouco os que virão depois dele se hão de regozijar nele”. As pessoas se tornarão críticas e não mais seguirão o rei.² Eles o rejeitarão. A fama política é de curta duração. “As pessoas são volúveis e podem estender as palmas diante de um recém-chegado e clamar “crucifica-o” poucos dias depois”.³ Com sua afirmação de que “tampouco os que virão depois dele se hão de regozijar nele”, o Pregador pode sugerir que o rei sábio logo será esquecido. Em 9.15, o Pregador conta uma história similar sobre um homem pobre e sábio: “Encontrou-se nele um homem pobre, porém sábio, que a livrou pela sua sabedoria; contudo, ninguém se lembrou mais daquele pobre”. Como o Pregador disse em 2.16, “(...) tanto do sábio como do estulto, a memória não durará para sempre; pois, passados alguns dias, tudo cai no esquecimento” (cf. 1.11). Novamente podemos pensar em José. Um rei tão sábio, com tanta sabedoria. Mas lemos em Êxodo 1.8: “Entrementes, se levantou novo rei sobre o Egito, que não conhecera a José”. Aqueles que vieram depois de José se esqueceram dele. Um rei tão grande foi esquecido. O Pregador conclui: “Na verdade, que também isto é vaidade e correr atrás do vento”. Até mesmo uma vida orientada por sabedoria, até mesmo uma vida que alcança o pináculo da realização humana, até mesmo uma vida que é exaltada pela adoração de milhões é fútil, inútil, no fim. O Pregador chama isso de “correr atrás do vento”. É vazio, não tem substância. O grande rei e seus atos maravilhosos são esquecidos. Com esta história, o Pregador está nos advertindo de que há um limite para onde a sabedoria pode nos levar nesta vida. Certamente ele nos adverte a não seguirmos sozinhos. Isso é seguramente fútil. De muitas maneiras, é melhor serem dois do que um. Um cordão de três dobras é ainda melhor: não se rompe com facilidade. Devemos cooperar uns com os outros nesta vida. Mas devemos perceber que esta vida terrena terá um fim, e nossas maiores realizações logo serão esquecidas. A percepção da brevidade do nosso legado neste mundo deve nos manter humildes mesmo quando trabalhamos junto com outras pessoas. Assim o Pregador nos desafia a não trabalharmos sozinhos e para nós mesmos, mas humildemente com e para outros. Seguir sozinho é fútil. Trabalhar juntos oferece muitas vantagens. Jesus também nos orienta a viver não para nós mesmos, mas a amar o próximo como a nós mesmos (Mt 22.39). Paulo diz que somos todos membros de um só corpo – o corpo de Cristo. Como membros de um só corpo, não devemos seguir sozinhos, mas trabalhar juntos. “Não podem os olhos dizer à mão: Não precisamos de ti; nem ainda a cabeça, aos pés: Não preciso de vós” (1Co 12.21). Nossa cultura é marcada por severo individualismo. O trato egoísta também tende a se infiltrar na igreja. Mas os cristãos não podem ser individualistas porque são membros de uma comunidade. Somos todos membros do corpo de Cristo. Como membros do corpo de Cristo, devemos trabalhar juntos pela vinda do reino de Deus ao mundo. Todas as nossas realizações individuais serão esquecidas no futuro, mas o que fazemos juntos pelo reino de Deus permanecerá. Paulo nos encoraja: “(...) meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão” (1Co 15.58). ¹ “Não há continuidade temática aqui”. Whybray, Ecclesiastes, 86. ² Murphy, Ecclesiastes, 42. Cf. Fox, Ecclesiastes, 30: “O texto hebraico desta passagem é muito difícil... Em hebraico, geralmente não é claro a que pronomes e verbos se referem, e não é certo sequer quantos “jovens” aparecem na história, dois ou três”. Cf. Delitzsch, Ecclesiastes, 280: “Gratz acha que os versos 13-16 levam os expositores ao desespero”. Para um panorama clarodas diferentes opiniões entre os comentaristas, veja A. D.Wright, “The Poor but Wise Youth and the Old but Foolish King”, 142-48. ³ Provan, Ecclesiastes, 106-7. Cf.Murphy, Wisdom Literature, 137: “Esta unidade [4.7-16] é unida pela repetição da palavra-chave, ( , v.8,10,15; , v. 9, 1, 12) e a frase característica ‘vaidade e correr atrás do vento’ termina a unidade”. ⁴ Tendo em vista a incerteza da tradução do hebraico (veja p. 125, nota 2, acima), por enquanto estou seguindo a tradução (e interpretação) da NRSV. ⁵ Veja von Rad, Wisdom in Israel, 92-95. Jarick, Gregory Thaumaturgos’ Paraphrase, 359-60, n. 49, citado por Longman, Book of Ecclesiastes, 143. * A publicação em português continua seguindo a ARA (N. do T.). ⁷ Matthew Henry e Thomas Scott, Commentary on the Holy Bible, Vol. 3 (Grand Rapids: Baker, 1960, reimpressão), 413. ⁸ Provan, Ecclesiastes, 110. Veja ali também várias leis que requerem cuidado com o próximo. “A frase hebraica que era totalmente sozinho ( ) é uma frase geral que indica que o homem não tinha amigo, nem colega de trabalho, nem esposa (contra todos os comentaristas que têm tentado especificar uma dessas relações)”. Longman, Book of Ecclesiastes, 140. Seow, Ecclesiastes,188, salienta que “o comentarista medieval Rashbam especula que este verso se refere a avarentos que se recusam a aceitar qualquer pessoa como companheira, porque não querem compartilhar sua riqueza”. ¹ Longman, ibid. ¹¹ Brown, Ecclesiastes, 51. Cf. Provérbios 18.1. ¹² “No verso 8b, é uma conjunção coordenativa... Em outras palavras, há dois fatores no comportamento deste homem: externo – ele nunca cessa de trabalhar – e interno – nunca fica satisfeito com o que tem”. Fox, Qohelet, 204. ¹³ Crenshaw, Ecclesiastes, 110. ¹⁴ “O espírito competitivo que orienta a pessoa para melhor desempenho precisa ser equilibrado com o perigo de ação compulsiva. Quando o trabalho se torna uma busca irrefletida por riquezas, ele deixa de ter sentido”. Ogden, Qoheleth, 69. ¹⁵ “As duas ocorrências de em 4.7-8 referem-se à falta de substância do vapor para descrever o trabalho fútil”. Miller, “Power in Wisdom”, 157, nota 35. ¹ Wright, “The Poor butWise Youth”, 148-49. Cf. Brown, Ecclesiastes, 51: “A vaidade de tudo isso é que a determinação incansável e a diligência focada produzem não autorrealização, mas autoprivação”. ¹⁷ Ogden, “The Mathematics of Wisdom”, VT 34/4 (1984) 450. ¹⁸ Veja Eclesiastes 10.8; Provérbios 26.27; 28.10. ¹ “O hebraico é estritamente plural (‘se caírem’), mas, ocasionalmente, o plural pode ‘denotar um singular indefinido’ e, assim, significar ‘se algum deles cair...’” Eaton, Ecclesiastes, 94. ² Conforme registrado em Time, 28 de janeiro de 2008, 75. O artigo explica que “estudos associaram o casamento a taxas menores de enfermidades cardiovasculares, câncer, doenças respiratórias e mentais. O casamento ajuda os cônjuges a lidar melhor com o stress”. ²¹ Longman, Book of Ecclesiastes, 143. Veja também Fox, A Time to Tear Down, 223. ²² “A sequência numérica X, X + 1 é muito comum no Antigo Testamento (cf. Ec 11.2; Am 1.3, etc.) e geralmente indica uma medida cheia daquilo que está sendo mencionado”. Eaton, Ecclesiastes,95. ²³ Ibid. ²⁴ O rei velho e sábio “se torna vulnerável a ser substituído por um que seja receptivo ao conselho sábio”. Brown, Ecclesiastes, 53. Veja Provérbios 15.22: “Onde não há conselho fracassam os projetos, mas com os muitos conselheiros há bom êxito”. Cf. Provérbios 11.14: “Não havendo sábia direção, cai o povo, mas na multidão de conselheiros há segurança”. ²⁵ “O objetivo primário da narrativa em seu presente contexto é que “um segundo” nem sempre é uma vantagem”. Wright, “The Poor but Wise Youth”, 154. ² A questão é: Quem é “aquele”? É o rei insensato ou o jovem sábio? Wright, “The Poor but Wise Youth”, 152, argumenta que o velho rei continua sendo o sujeito do relato: “Ele (o rei) veio da prisão e da pobreza; o jovem ficaria no lugar do rei; o rei estava acima de todos eles; os que viessem depois não se alegrariam no rei”. Outros comentaristas argumentam que é o jovem sábio, que se torna rei (veja Eaton, Ecclesiastes, 96, com referências a Gordis e Aalders; e Longman, Book of Ecclesiastes, 146). Como a ambiguidade não muda o foco da história, seguirei a interpretação da NRSV, que é a interpretação da maioria dos comentaristas. ²⁷ A maioria dos comentaristas argumenta que o Pregador não tem um vulto histórico específico em mente. Ogden é uma das exceções. “Outra evidência de que o Qohelet tem a história de José em mente é seu uso, em várias ocasiões (7.9; 8.8; 10.5) do termo usado somente em uma outra ocasião, em Gênesis 42.6, para descrever o ofício de José como conselheiro”. Qoheleth, 72. ²⁸ Por causa da palavra “segundo”, muitos comentaristas argumentam que há dois jovens (alguns, até três) na história: o jovem A (v.13) e o jovem B (v.15). Veja, e.g., Murphy, Ecclesiastes, 42-43; Whybray, Ecclesiastes, 89-90; Longman, Book of Ecclesiastes, 146-47; Fox, Ecclesiastes, 31; e Seow, Ecclesiastes, 191. Wright, “The Poor but Wise Youth”, 149-50, apresenta um argumento atraente em favor de um só jovem: “O significado da palavra ‘o segundo’ no verso 15 é determinado por seu uso nos versos 8 e 10, em que foi empregada pela primeira vez... Significa ‘companhia’ ou ‘associado’, como todos os tradutores reconhecem. Não há um jovem B na história, porque a palavra ‘segundo’ não é usada em sentido enumerativo (i.e., segundo, terceiro, quarto), mas no sentido de ‘companhia/associado’. O jovem descrito como ‘o segundo’ não é um segundo em relação ao jovem já mencionado no verso 13... É segundo em relação ao rei, isto é, um associado ou, neste caso, futuro sucessor”. ² “A expressão [‘regozijar-se nele’]... pode indicar aceitação do governo do rei”. Seow, Ecclesiastes,192. Cf. Juízes 9.19. ³ Eaton, Ecclesiastes, 96. CAPÍTULO 7 Adorando na casa de Deus Eclesiastes 5.1-7 ¹ Guarda o teu pé, quando entrares na casa de Deus. (Ec 5.1) Eclesiastes 5.1-7 é um texto único em Eclesiastes porque foca a adoração no templo de Deus. Este é um texto de pregação ideal para resistir à tendência contemporânea de transformar a adoração a Deus em entretenimento social ou em um espetáculo pomposo. O grande desafio ao pregar nesta passagem é conseguir entendimento adequado de algumas frases obscuras. Veja, por exemplo, a sentença “chegar-se para ouvir é melhor do que oferecer sacrifícios de tolos” (5.1). O que é “sacrifício de tolos”? Longman pergunta: “Como ele está encorajando a ouvir e não a prestar um sacrifício alternativo, isso significa que todos os sacrifícios são sacrifícios de tolos?”² É ainda mais difícil interpretar a linha seguinte, que diz, literalmente: “Pois não sabem como fazer mal”. O Pregador está dizendo que os tolos “não sabem como fazer mal”?³ E como lidar, no sermão, com 5.7a: “Como na multidão dos sonhos há vaidade, assim também, nas muitas palavras”? A NRSV observa: “significado do hebraico incerto”. “A NAB e a NEB o omitem totalmente”.⁴ Texto e contexto Os limites desta unidade textual são identificados muito facilmente. Eclesiastes 5.1 começa uma nova unidade literária com “Guarda o pé, quando entrares na casa de Deus”. Ir à casa de Deus indica um novo tópico. Além disso, “guarda o pé” sinaliza “uma nova unidade literária, pela mudança de tom. A linguagem de reflexão em 4.1-16 dá lugar à linguagem de instrução em 5.1-7”.⁵ A única questão é onde a unidade termina. Alguns comentaristas estendem o texto até o verso 9 porque os versos 8 e 9 continuam “o discurso em segunda pessoa – exatamente como o restante do poema que os precede”. Mas o Pregador, em outros lugares, emprega uma ponte de uma unidade para outra – o que torna necessária uma decisão de se a ponte deve ser incluída no primeiro texto de pregação ou no segundo (veja, por exemplo, 3.16-17; 8.16-17; 9.11-12; e 11.7- 8). Nesse caso, ele indica que os versos 1-7 são uma unidade, que forma uma inclusio com os imperativos “Guarda o teu pé quando entrares na casa de Deus” (v. 1) e“teme a Deus” (v. 7). O imperativo conciso, “teme a Deus”, forma uma poderosa conclusão para a unidade literária. Em adição, no verso 8, ele muda do tópico da adoração no templo para “a opressão ao pobre”. Portanto, podemos selecionar Eclesiastes 5.1-7 como nosso texto de pregação. Como esta passagem trata de um tópico totalmente novo, há apenas algumas conexões com seu contexto. O pregador usa a palavra “tolo” três vezes. Ele havia escrito sobre tolos antes (2.14,15,16,19; 4.5,13) e fará isso novamente adiante (6.8; 7.6,17,25; 10.2,3,12,14,15). Mais importante, a admoestação “teme a Deus” ecoa uma conclusão anterior de que Deus estabeleceu os tempos “para que os homens temam diante dele” (3.14). O mesmo tema de temor a Deus será mencionado novamente na sequência (7.18; 8.12-13) e, por fim, na conclusão do livro (12.13). Elementos literários Esta passagem contém várias formas de sabedoria. Os imperativos indicam que a forma geral é de instrução.⁷ O Pregador usa “quatro admoestações ou imperativos relacionados à atividade cúltica. Cada um deles é fortalecido por uma cláusula motora, e, também, há citações ou comentários que dão força à ordem”.⁸ Podemos descrever a estrutura básica da seguinte forma: I. Admoestação A. Cláusula motora (razão para obedecer à admoestação) 1. Provérbio adicional de reforço A primeira admoestação, “Guarda o pé quando entrares na casa de Deus”, é reforçada por uma cláusula motora que consiste de um provérbio “melhor que”: “Chegar-se para ouvir é melhor do que oferecer sacrifícios de tolos” (v. 1). A segunda admoestação consiste de um paralelismo sinônimo: “Não te precipites com a tua boca, nem com o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus”. Ela é reforçada por uma cláusula motora que consiste de um provérbio com paralelismo antitético: “Porque Deus está nos céus, e tu, na terra” (v. 2) e por um provérbio com paralelismo sinônimo: “Porque dos muitos trabalhos vêm os sonhos, e do muito falar, palavras néscias” (v. 3). A terceira admoestação, “quando fizeres a Deus algum voto, não tardes em cumpri-lo”, é reforçada pela cláusula motora, “porque não se agrada de tolos” (v. 4), e concluída com um provérbio “melhor que”: “Melhor é que não votes do que votes e não cumpras” (v. 5). A admoestação final consiste de paralelismo sintético: “Não consintas que a tua boca te faça culpado, nem digas diante do mensageiro de Deus que foi inadvertência”. Ela é reforçada por uma cláusula motora na forma de uma pergunta retórica: “por que razão se iraria Deus por causa da tua palavra...?” (v. 6), bem como um provérbio com paralelismo sinônimo, “como na multidão dos sonhos há vaidade, assim também, nas muitas palavras” (v.7) e concluída com o imperativo: “Teme a Deus”. Essas formas de sabedoria nos ajudarão a esboçar a estrutura do texto. A repetição pode novamente dar pistas do tema do autor. Deve-se observar que, nesta curta passagem, o Pregador menciona “Deus” seis vezes e se refere aos “tolos” três vezes. Graham Ogden afirma: “O teor das admoestações e a menção ao tolo em três ocasiões sugere que o Qohelet está interessado em que o povo evite os tipos de erro que os tolos podem cometer na área cúltica. O uso frequente de vocabulário ligado à comunicação verbal ( , , , , ) [dizer, palavra, boca, voz, voto] foca nos perigos de fala descuidada, à qual o tolo é especialmente inclinado”.¹ Estrutura textual A melhor pregação expositiva foi descrita com a imagem vívida do pregador tocando o texto “com um martelo de prata e imediatamente quebrando-o em divisões naturais e memoráveis”.¹¹ Neste estágio de nosso estudo, procuramos as “divisões naturais” e suas subdivisões no texto de pregação. Nesta passagem, as quatro admoestações oferecem os pontos principais da estrutura textual: I. Guarda o pé, quando entrares na casa de Deus (v. 1a) A. Razão: Chegar-se para ouvir é melhor do que oferecer sacrifícios de tolos (v. 1b) 1. Pois não sabem que fazem mal (v. 1c) II. Não te precipites com a tua boca (v. 2a) nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus A. Razão: Porque Deus está nos céus e tu, na terra (v. 2b) B. Conclusão: Portanto, sejam poucas as tuas palavras (v. 2c) C. Provérbio de reforço e ordem: Porque dos muitos trabalhos vêm os sonhos, e do muito falar, palavras néscias (v. 3) III. Quando a Deus fizeres algum voto, não tardes em cumpri-lo (v. 4a) A. Razão: Porque [Deus] não se agrada de tolos (v. 4b) B. Conclusão: Cumpre o voto que fazes (v. 4c) C. Provérbio de reforço e ordem: Melhor é que não votes (v. 5) do que votes e não cumpras IV. Não consintas que a tua boca te faça culpado (v. 6a) nem digas diante do mensageiro de Deus que foi inadvertência A. Razão: Por que razão se iraria Deus por causa da tua palavra (v. 6b) a ponto de destruir as obras das tuas mãos? B. Provérbio de reforço e ordem: Como na multidão dos sonhos há vaidade (v. 7a), assim também nas muitas palavras (cf. v. 3) C. Conclusão: Tu, porém, teme a Deus (v.7b)¹² Interpretação teocêntrica Como mencionado, esta passagem se refere a Deus não menos de seis vezes – uma concentração notável para o livro de Eclesiastes. Essa concentração se deve ao fato de que esta passagem trata do comportamento no templo de Deus. Mais importante é a afirmação teológica do Pregador: “Deus está nos céus, e tu, na terra” (v. 2). Esta convicção da transcendência de Deus é o fundamento para as quatro admoestações. “A consciência da transcendência divina sustenta uma economia de discurso humano, afirma o Qohelet. Se Deus fosse totalmente imanente, residindo totalmente dentro do coração da pessoa, como alguns hoje alegam, então seria dada liberdade total ao discurso e à imaginação humana, como a lógica do Qohelet sugere... ‘Deus está nos céus’ e o abismo que separa a criatura do Criador requer economia de palavras, que reflita integridade e reverência adequadas. Como totalmente Outro, Deus responsabiliza as pessoas pelo que dizem e fazem”.¹³ Tema e objetivo textual Michael Fox alega que “o tema principal da presente unidade é o cuidado em fazer votos. As observações sobre ir ao templo, oferecer sacrifícios, evitar a fala precipitada e temer a Deus são todas organizadas em torno desse tema e devem ser interpretadas nesse contexto”.¹⁴ Mas sua proposta é restrita demais, pois vemos na estrutura textual acima que os votos só são mencionados no terceiro ponto principal. Devemos formular um tema que abranja todos os pontos da passagem: guardar o pé, ouvir, orar, cumprir os votos, não considerar o voto um erro e temer a Deus. Todos esses componentes são unidos pelo tema de adorar a Deus em seu templo. Como diz Seow: O tema comum nestes versos é a atitude da pessoa diante de Deus, com o Qohelet aconselhando cuidado, reverência, comedimento, moderação e sinceridade. A ênfase em toda a passagem é a necessidade de se respeitar a distância entre a humanidade e Deus, ênfase que é condensada pelas admoestações ‘guarda o pé’ (5.1) e ‘teme a Deus’ (5.7)”.¹⁵ Esses dois imperativos, como vimos, formam uma inclusio para nosso texto. Portanto, podemos alcançar os vários elementos deste texto com o tema abrangente: “Adore a Deus em sua casa com temor”. Contudo, como os temas devem ser claros como cristal, temos que esclarecer a palavra “temor”, que está sujeita à má interpretação. Perdue fala em favor daqueles que entendem “temor” como “medo”, “terror”, “ter medo de Deus”. Ele escreve: “Diferentemente do significado da frase em Provérbios, o Qohelet entende que ‘temor a Deus’ é medo, até mesmo terror, evocado pela insondável soberania da história humana”.¹ Mas dadas as quatro admoestações, faz pouco sentido dizer: “Adore a Deus em sua casa com terror e medo”. Além disso, não há razão válida para entender o uso que o Pregador faz da frase “temor a Deus” de modo diferente do modo como é entendida no epílogo (12.13) e em outros lugares do Antigo Testamento.¹⁷ Temer a Deus é reverenciar a Deus, ter reverência a Deus, aproximar-se dele com reverência.¹⁸ Podemos, portanto,formular o tema textual como: Adorar a Deus em sua casa com reverência. O objetivo do Pregador ao enviar essa mensagem é mais urgente do que simplesmente encorajar os israelitas a fazer alguma coisa. Os imperativos indicam que ele está ordenando, orientando. Assim, podemos formular o objetivo textual da seguinte forma: orientar Israel a adorar a Deus em sua casa com reverência. Maneiras de pregar Cristo Como esta passagem não contém nem uma promessa nem um tipo de Cristo, exploraremos os outros cinco caminhos para se chegar a Cristo, no Novo Testamento. Progressão histórico-redentiva O Pregador orienta Israel a adorar a Deus em sua casa com reverência. A casa de Deus naqueles dias era o segundo templo. Nos tempos do Antigo Testamento, as pessoas precisavam levar seus sacrifícios (5.1) ao templo em Jerusalém. Mas a vinda de Jesus provocou uma grande mudança com respeito aos sacrifícios animais e ao lugar de adoração. Quando a mulher samaritana disse a Jesus “Nossos pais adoravam neste monte; vós, entretanto, dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar”, ele respondeu: “Mulher, podes crer-me que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai... vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade” (Jo 4.20-23). As pessoas agora podem adorar o Pai sempre que duas ou três pessoas estiverem reunidas em nome de Jesus (Mt 18.20). O Pregador também nos exorta com “sejam poucas as tuas palavras” por causa da distância entre Deus e nós: “Deus está nos céus, e tu, na terra”. Mas, com a vinda de Jesus, o Mediador, a distância entre Deus e nós foi coberta por uma ponte. Jesus instruiu seus seguidores a respeito da oração: “(...) tudo quanto pedirdes em meu nome, isso farei, a fim de que o Pai seja glorificado no Filho. Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei” (Jo 14.13-14). Paulo, também, escreve que, por intermédio de Cristo Jesus, “temos acesso ao Pai em um Espírito” (Ef 2.18). O autor de Hebreus também nos encoraja: “Tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo grande sacerdote sobre a casa de Deus, aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura” (Hb 10.19-22). Analogia O Pregador nos orienta a adorar a Deus em sua casa com reverência porque “Deus está nos céus, e ti, na terra”. Jesus também nos ensina a lembrar de que Deus está nos céus; aliás, ele nos ensina a nos dirigirmos a Deus como “Pai nosso que estás nos céus” (Mt 6.9). Durante seu ministério terreno, Jesus também orientou a adoração reverente no templo. Quando Jesus viu que os átrios do templo tinham sido transformados em um mercado livre, ele “expulsou todos os que ali vendiam e compravam; também derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas. E disse-lhes: Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração; vós, porém, a transformais em covil de salteadores” (Mt 21.12-13). Também devemos observar analogias em detalhes das instruções do Pregador e das de Jesus. Como o Pregador do Antigo Testamento, Jesus nos orienta a que nossas palavras sejam poucas: “(...) orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos. Não vos assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais” (Mt 6.7-8). A respeito dos votos, Jesus chama os escribas e fariseus de “hipócritas” e “guias cegos” por ensinarem que não há necessidade de se cumprir os votos. Eles ensinavam: “Quem jurar pelo santuário, isso é nada; mas, se alguém jurar pelo ouro do santuário, fica obrigado pelo que jurou!” (Mt 23.16; cf. v.18). De fato, a respeito dos votos feitos ao Senhor, Jesus disse: “(...) de modo algum jureis; nem pelo céu, por ser o trono de Deus; nem pela terra, por ser estrado de seus pés (...) Seja, porém, a tua palavra: Sim, sim; não, não” (Mt 5.34-37). Como o Pregador do Antigo Testamento, Jesus também nos instrui a “temer a Deus”. Ele disse: “Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo” (Mt 10.28). Temas longitudinais O Pregador insiste que adoremos a Deus com reverência ouvindo, não falando. O grande mandamento do antigo povo da aliança de Deus era: “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força” (Dt 6.4-5). O mandamento divino de ouvir é repetido muitas vezes no Antigo Testamento (por exemplo, Dt 4.10; 5.1; 6.3, 4; 9.1; 12.28; 20.3; 31.12,13; Is 1.10; 7.13; 28.14). Provan observa: “Sem ouvir não pode haver entendimento do reino de Deus; por isso, Jesus repete: ‘Quem tem ouvidos [para ouvir], ouça’ (por exemplo, Mt 11.15; 13.9,43; Jo 8.47)”.¹ Referências do Novo Testamento Além das referências no Novo Testamento que servem de base para os caminhos para se chegar a Cristo apresentados acima, também se pode usar Hebreus 12.28- 29: “(...) recebendo nós um reino inabalável, retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus de modo agradável, com reverência e santo temor; porque o nosso Deus é fogo consumidor”. Contraste A não ser pelos contrastes observados na progressão histórico-redentiva, acima, não há contraste entre a mensagem do Pregador e a do Novo Testamento. Tema e objetivo do sermão Formulamos o tema textual como “Adorar a Deus em sua casa com reverência”. Em nosso texto, a “casa” de Deus é entendida como sendo o templo de Deus. Como foi observado acima, a vinda de Jesus muda o lugar de adoração do templo de Jerusalém para onde estiverem dois ou três reunidos em seu nome (Mt 18.20; Jo 4.20-23). Mas, como ainda falamos de cada um desses lugares de reunião como “casa de adoração”, devemos manter o tema textual como tema do sermão: Adorar a Deus em sua casa com reverência. O objetivo do Pregador foi “orientar Israel a adorar a Deus em sua casa com reverência”. Nosso objetivo ao pregar este sermão pode ser praticamente o mesmo: orientar os ouvintes a adorar a Deus em sua casa com reverência. O objetivo do sermão revela a necessidade tratada neste sermão: as pessoas não estão adorando a Deus com reverência. Provan observa que “‘cultos de adoração’ dão pouca oportunidade para a reverência silenciosa na presença de Deus, mas muita oportunidade para performances por parte de alguns oradores e músicos profissionais selecionados, que ocupam todo o tempo com suas palavras e sons”. Ele também observa que nossa cultura narcisista está invadindo a igreja: “Um panorama de sermões pregados por ministros evangélicos entre 1985 e 1990 sugere, de fato, que cerca de 80% deles fizeram Deus e sua palavra girarem em torno do eu. Isso está relacionado à profissionalização do ministério, na qual o ponto de articulação em torno do qual o ministério gira não é mais Deus, mas a igreja, que, por sua vez, passa a ser um tipo de ídolo”.² Exposição do sermão Pode-se começar o sermão com uma ilustração contemporânea da necessidade tratada. Muitos vêm a igreja sem a reverência adequada. Alguns vêm por costume ou superstição; outros, para serem entretidos; ainda outros, para serem vistos e ouvidos. Isso acontecia também em Israel. As pessoas ainda iam ao templo, mas não se aproximavam de Deus com reverência. A adoração a Deus tinha se tornado mera formalidade. De fato, sabemos, por Malaquias,²¹ que Israel desonrou a Deus em seu templo. Enquanto Deus requeria que as pessoas trouxessem os melhores animais para serem sacrificados, elas apresentavam como oferta os animais que não tinham mais utilidade para si mesmas: animais cegos, coxos e doentes. Em vez de abençoar seus adoradores, Deus disse: “Maldito seja o enganador, que, tendo um animal sadio no seu rebanho, promete e oferece ao Senhor um defeituoso” (Ml 1.14). Além disso, as pessoaseram rápidas em fazer votos a Deus; eram rápidas em fazer promessas a Deus, mas também eram rápidas “em retratarem-se por elas mais tarde, quando percebiam as implicações de suas palavras (veja Pv 20.25)”.²² Contra este pano de fundo no qual Deus amaldiçoa seus adoradores, ouvimos a urgência da mensagem do Pregador em Eclesiastes. Ele dá a Israel uma série de ordens sobre sua conduta na adoração a Deus em seu templo. Ele começa em 5.1: “Guarda o pé, quando entrares na casa de Deus”. Tenha cuidado quando entra no templo. Pense no que está prestes a fazer. Você não está fazendo uma visita informal a um amigo para bater papo. Você não está apenas passando tempo com um amigo. Você está indo à “casa de Deus”. Você está indo ao lugar onde o Criador Todo-Poderoso se abaixa para se encontrar com você. “Guarda o pé”. Pense em Moisés se encontrando com Deus na sarça ardente. Deus lhe disse: “Não te chegues para cá; tira as sandálias dos pés, porque o lugar onde estás é terra santa” (Êx 3.5). “Guarda o pé”. Como devemos guardar o pé? O Pregador explica na linha seguinte: “Chegar-se para ouvir é melhor do que oferecer sacrifícios de tolos”. No templo, enquanto os sacrifícios eram oferecidos a Deus, “o silêncio reinava, alimentando o sentimento da presença divina e da receptividade humana”.²³ Então o sacerdote lia a lei de Deus e explicava o que era lido. Ele fazia orações e o povo respondia com cânticos. E, finalmente, o sacerdote colocava a bênção de Deus sobre seu povo. “Chegar-se para ouvir é melhor do que oferecer sacrifícios de tolos”. Tolos eram aqueles que ofereciam sacrifícios inaceitáveis a Deus. As pessoas são tolas quando apresentam a Deus o que elas mesmas não podem usar: animais cegos, coxos e doentes. Os tolos também “creem que seus sacrifícios automaticamente apagam seus pecados, sem necessidade de arrependimento”.²⁴ Os tolos, diz o Pregador, no fim do verso 1, “não sabem que fazem mal”. Eles fazem o mal até mesmo quando vão à casa de Deus.²⁵ O ponto é: devemos ir à casa de Deus, antes de tudo, para ouvir o que Deus tem a nos dizer.² Muitas vezes, Deus disse a Israel: “Ouve, Israel”.²⁷ Israel devia ouvir, antes de tudo, a instrução de Deus. Jesus também diz à sua igreja repetidamente: “Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça”.²⁸ Paulo escreve que “A fé vem pela pregação [pelo ouvir], e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm 10.17). E Tiago admoesta: “Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar” (Tg 1.19). Devemos ir à casa de Deus primeiramente para ouvir. O segundo ponto que o Pregador quer enfatizar sobre a adoração a Deus com reverência tem a ver com a oração. Ele escreve, no verso 2: “Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus”. As palavras “diante de Deus” “geralmente significam no templo, na presença de Deus”.² Assim, não devemos ser precipitados com a nossa boca. Não devemos ser rápidos para falar quando oramos na casa de Deus. Por que o Pregador nos adverte a sermos moderados ao falarmos diante de Deus? Ele responde: “Porque Deus está nos céus, e tu, na terra”. O Pregador nos faz lembrar a tremenda distância que há entre Deus e nós. Deus está nos céus, nós, na terra. Deus está muito acima de nós, é muito superior a nós. Deus é o Rei Criador Todo-Poderoso. Mesmo quando nos encontramos com reis e rainhas humanos, devemos ser moderados em nosso falar. Por isso, certamente devemos controlar nossa língua quando nos encontramos com o Deus Todo-Poderoso em sua casa. Somos meros seres terrenos. Mostramos reverência a Deus quando não somos rápidos para falar.³ O Pregador repete sua ordem no fim do verso 2: “Portanto, sejam poucas as tuas palavras”. Sua primeira orientação para uma adoração reverente foi “chegar-se para ouvir”. A segunda é “sejam poucas as tuas palavras”, porque Deus está nos céus. Jesus também nos ensina a moderar as palavras. Ele nos instrui: “Orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos. Não vos assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais”. Então, curiosamente, Jesus diz: “Vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos céus” (Mt 6.7-9). Como o Pregador do Antigo Testamento, Jesus nos lembra de que Deus está no céu e nós, na terra. Assim, por reverência ao Deus Todo-Poderoso, nossas palavras devem ser poucas. Mas Jesus acrescenta que nossas palavras podem ser poucas porque estamos orando ao nosso “Pai, que está nos céus”, e ele “sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais”. O Pregador reforça sua segunda orientação, “sejam poucas as tuas palavras”, com um provérbio, no verso 3: “Dos muitos trabalhos vêm os sonhos, e do muito falar, palavras néscias”. O provérbio admite que muitas preocupações levam a sonhos. Um segue o outro. Assim também a voz de um tolo leva a “palavras néscias”.³¹ Como em sua primeira orientação, na qual contrastou o chegar-se para ouvir com o “sacrifício de tolos”, aqui ele contrasta sua orientação “sejam poucas as tuas palavras” com a voz de um tolo que fala “palavras néscias”. Mais adiante, em seu livro, o Pregador dirá que “o estulto multiplica palavras” (10.14). Não devemos ser tolos em nossa adoração ao Deus Todo-Poderoso. Tendo orientado que devemos adorar a Deus com reverência quando vamos à sua casa, primeiro, para ouvir, e de que devemos usar poucas palavras em oração, o Pregador passa ao terceiro ponto. Esse ponto tem a ver com votos. Verso 4: “Quando a Deus fizeres algum voto, não tardes em cumpri-lo; porque não se agrada de tolos”. Novamente o Pregador se refere aos tolos. Deus não tem prazer em tolos, por isso devemos ser sábios quando adoramos o Deus Todo- Poderoso. E somos sábios quando não demoramos em cumprir um voto feito a Deus. O Pregador faz alusão, aqui, à lei de Deus em Deuteronômio 23.21-22, que diz: “Quando fizeres algum voto ao Senhor, teu Deus, não tardarás em cumpri-lo; porque o Senhor, teu Deus, certamente o requererá de ti, e em ti haverá pecado. Porém, abstendo-te de fazer o voto, não haverá pecado em ti” (cf. Nm 30.2). Um voto é geralmente uma promessa condicional feita a Deus. Se Deus fizer alguma coisa pelo adorador, o adorador fará isso ou aquilo para Deus.³² Por exemplo, a estéril Ana votou: “Senhor dos Exércitos, se benignamente atentares para a aflição da tua serva, e de mim te lembrares, e da tua serva te não esqueceres, e lhe deres um filho varão, ao Senhor o darei por todos os dias da sua vida, e sobre a sua cabeça não passará navalha” (1Sm 1.11). Quando Deus respondeu à sua oração com a concepção e nascimento de Samuel, ela cumpriu seu voto, levando-o “à Casa do Senhor, em Silo” e “devolvendo-o” ao “Senhor, por todos os dias que viver” (1Sm 1.24,28). Ana cumpriu seu voto logo que pôde – depois que Samuel foi desmamado. Infelizmente, os adoradores são tentados a não cumprir seu voto depois que Deus atendeu ao seu pedido. Por isso o Pregador continua, no verso 5: “Melhor é que não votes do que votes e não pagues”. O Novo Testamento oferece um exemplo surpreendente da ira de Deus quando a pessoa não cumpre seus votos. Ananias e Safira aparentemente votaram que entregariam o dinheiro da venda de uma propriedade à igreja para a distribuição aos necessitados. Mas, secretamente, retiveram para si parte do dinheiro. Pedro disse a Ananias: “Conservando-o, porventura, não seria teu? E, vendido, não estaria em teu poder?” Pela mentira, Ananias e Safira foram punidos com a morte, “e sobreveio grande temor a toda a igreja e a todos quantos ouviram a notícia desses acontecimentos” (At 5.4,11). A tradição judaica ressaltava a seriedade de se fazer votos a Deus jurando por algum objeto. Como hoje podemos jurar com a mão sobre a Bíblia, eles juravam pelo céu, pela terra, pelo santuário, pelo ouro do santuário, pelo altar ou pela oferta sobre o altar. Jesus acusou os escribas e fariseus por fazerem engenhosas distinções entre esses votos, pois alguns votos tinham que ser cumpridos, enquanto outrospodiam ser desconsiderados. Por exemplo, eles ensinavam: “Quem jurar pelo santuário, isso é nada; mas, se alguém jurar pelo ouro do santuário, fica obrigado pelo que jurou” (Mt 23.16-22). Jesus, ao contrário, ensinou que todos os votos a Deus devem ser cumpridos. Mas ele simplificou a questão. A respeito dos votos feitos ao Senhor, ele disse: “De modo algum jureis; nem pelo céu, por ser o trono de Deus; nem pela terra, por ser o estrado de seus pés; nem por Jerusalém, por ser a cidade do grande Rei; nem jures pela tua cabeça, porque não podes tornar um cabelo branco ou preto. Seja, porém, a tua palavra: Sim, sim; não, não. O que disto passar vem do maligno” (Mt 5.34-37). Hoje, na igreja, ainda fazemos votos a Deus. Quando nos casamos, prometemos diante de Deus vivermos juntos como marido e esposa “até que a morte nos separe”. Quando apresentamos nossos filhos para o batismo, prometemos instruí-los na fé cristã e conduzi-los no discipulado cristão. Quando somos ordenados como oficiais da igreja, prometemos cumprir fielmente esse chamado. Também podemos fazer promessas particulares a Deus na igreja: “Se Deus me curar, eu...” E, em um número surpreendente de hinos, fazemos promessas a Deus. Por exemplo: “Ó, Jesus, prometo te servir até o fim”;³³ “Tome minha prata e meu ouro; nem uma migalha vou reter”;³⁴ “Ensina-me, ó Senhor, teu caminho de verdade, e dele não me apartarei”;³⁵ “Vimos com ofertas à tua casa, e aqui pagamos os solenes votos que fizemos em angústia”;³ “Adiante em teu nome, ó Senhor, vou meu labor diário cumprir – tu somente, Senhor, sabes tudo o que penso, falo ou faço”;³⁷ “Eu te seguirei por todos os meus dias”.³⁸ O ponto é: devemos cumprir essas promessas se quisermos adorar a Deus com reverência. Essa admoestação é tão séria que o Pregador a reforça com sua orientação final. Verso 6: “Não consintas que a tua boca te faça culpado, nem digas diante do mensageiro de Deus que foi inadvertência”. O Pregador, aqui, parece estar se referindo a pessoas que fazem votos para serem pagos com uma certa quantia ao tesouro do templo. Quando deixam de pagar o que tinham prometido, o sacerdote ou algum mensageiro do templo as visitava para lembrar-lhes do voto.³ Então as pessoas podiam dizer que seu voto foi “inadvertido”, foi um “erro”. Diziam que o voto não foi intencional.⁴ Essa conduta era tola. Eles realmente achavam que Deus não via através desse artifício? O Pregador pergunta: “Por que razão se iraria Deus por causa da tua palavra, a ponto de destruir as obras das tuas mãos?” Deus pune as pessoas por não cumprirem seus votos e as punirá por suas desculpas esfarrapadas. O Pregador conclui com o verso 7: “Como na multidão dos sonhos há vaidade, assim também, nas muitas palavras;⁴¹ tu, porém, teme a Deus”. A primeira parte deste verso parece ser outro provérbio que reforça a orientação de que não devemos deixar que a boca nos leve ao pecado.⁴² Como muitos sonhos são vaidades, isto é, vazios e fúteis, assim também uma multidão de palavras na adoração é vazia e fútil. Até mesmo nossa adoração a Deus pode ser sem substância, fútil, por causa da “multidão de palavras”. Consequentemente, o Pregador conclui com uma última ordem: “Teme a Deus”. Em vez de⁴³ usar palavras vazias, tema a Deus. O livro de Provérbios enfatiza que “o temor do Senhor é o princípio do saber” (1.7; cf. 9.10; 31.30). O Pregador diz que o temor do Senhor é o princípio da adoração. Temer a Deus não significa que devemos ter medo de Deus ou ficar aterrorizados quando estamos na sua presença. Temer a Deus significa que reverenciamos a Deus, que temos reverência por ele, que comparecemos à sua presença com reverência. Jesus concorda com o Pregador do Antigo Testamento que devemos adorar a Deus em sua casa com reverência. Jesus ficou muito irado quando viu que os átrios do templo tinham se transformado em um mercado. Lemos em Mateus 21, que ele “(...) expulsou todos os que ali vendiam e compravam; também derribou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas. E disse-lhes: Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração; vós, porém, a transformais em covil de salteadores” (Mt 21.12-13). “A minha casa será chamada casa de oração”. Devemos adorar a Deus em sua casa com reverência. A reverência a Deus nos fará guardar o pé quando entrarmos na casa de Deus. A reverência a Deus nos fará chegar para ouvir, em vez de tagarelar como tolos. A reverência a Deus nos fará não sermos precipitados em nosso falar. A reverência a Deus nos fará cumprir prontamente quaisquer promessas que tivermos feito a Deus. A reverência a Deus nos fará abandonar as desculpas esfarrapadas por não cumprirmos nossas promessas. Em resumo, a reverência a Deus tornará nossa adoração verdadeiramente impressionante. ¹ Na Bíblia hebraica, 4.17–5.6. ² Longman, Book of Ecclesiastes, 150. ³ Fox, Qohelet, 210-11, reconhece abertamente: “O fim de 4.17 [heb.] é um problema... Já que o MT é claro e gramaticalmente possível, traduzo a sentença sem entender o objetivo de seu contexto”. ⁴ Eaton, Ecclesiastes, 100. Crenshaw, Ecclesiastes, 118, observa: “Nenhuma solução parece ser totalmente satisfatória”. ⁵ Seow, Ecclesiastes, 197. Loader, Ecclesiastes, 57. Veja também Crenshaw, Ecclesiastes, 115. ⁷ Murphy, Wisdom Literature, 138-39. ⁸ Ogden, Qoheleth, 75. As quatro admoestações são encontradas em 5.1; 5.2; 5.4; 5.6. Para algumas dessas formas, veja Longman, Book of Ecclesiastes, 151-56. ¹ Ogden, Qoheleth, 75-76. ¹¹ W. R. Nicoll, descrevendo os sermões de Alexander McLaren; citado por John Stott, Between Two Worlds: The Art of Preaching in the Twentieth Century (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), 230. ¹² Cf. Murphy, Wisdom Literature, 138, que esboça esta passagem de A a J e Fletcher,“Ecclesiastes 5:1-7”, Int 55/3 (2001) 296. ¹³ Brown, Ecclesiastes, 56. ¹⁴ Fox, Ecclesiastes, 32. Cf. seu Qohelet, 209. ¹⁵ Seow, Ecclesiastes, 197. ¹ Perdue, Wisdom Literature, 201. Cf. Shepherd, “Ecclesiastes”, 304, que diz que o Qohelet não quer dizer “o que o narrador quer dizer em 12.13 quando diz ‘teme a Deus’, embora use palavras idênticas... A admoestação do Qohelet aqui não é que se deve ter um medo ‘reverencial’ de Deus, mas que se deve verdadeiramente ter medo de Deus”. Cf. Longman, Book of Ecclesiastes, 124. ¹⁷ As diferentes interpretações se devem a diferentes pressupostos. Veja acima, p. 21–27. Cf. Whybray, Ecclesiastes, 75: “A ideia de que o conceito do Qohelet de ‘temor a Deus’ é essencialmente diferente de seu sentido usual no Antigo Testamento (devoção a Deus, adoração a Deus ou pronta obediência aos seus mandamentos) é derivada de uma interpretação particular do pensamento do Qohelet em geral, não do uso real da frase. Seu significado é que Deus corretamente requer ‘temor’ dos homens, no sentido de reconhecimento de sua diferença essencial de suas criaturas (cf. 5.2)”. ¹⁸ “A noção de ‘temor a Deus... de modo nenhum denota terror. Em vez disso, o conceito de temor a Deus, aqui, como em outros lugares da literatura sapiencial israelita, enfatiza a distância entre divindade e humanidade”. Seow, Ecclesiastes, 174. Cf. Whybray, “Qoheleth as a Theologian”, 264: “A posição comumente defendida de que o ‘temor a Deus’ que o Qohelet recomendou aos seus leitores era medo – isto é, terror – no sentido mais literal não pode ser sustentada. Não há base para isso no texto”. Cf. Provan, Ecclesiastes, 118: “O leitor é exortado a se manter na realidade: ‘Mantenha o temor a Deus’”. Cf. Von Rad, Wisdom in Israel, 66: “O leitor moderno deve... eliminar, no caso da palavra ‘temor’, a ideia de algo emocional, de uma forma psíquica específica da experiência de Deus”. ¹ Provan, Ecclesiastes, 119. Veja também Apocalipse 2.7,11,17,29; 3.6,13,22. ² Ibid., 121-22. ²¹ Malaquias escreveu seu livro por volta de 430 a.C. – um ou dois séculos antes de Eclesiastes. ²² Seow, Ecclesiastes, 200. Seow, ibid., 200-201, continua: “A Mishnah, de fato, fala de uma série de justificativas que as pessoas podiam apresentar para não cumprirem seus votos” (Ned. 9)”. ²³Brown, Ecclesiastes, 55. ²⁴ Whybray, Ecclesiastes, 93: “O ‘tolos’ que o Qohelet tem em mente são presumivelmente, aqueles que acreditam que seus sacrifícios automaticamente apagarão seus pecados sem necessidade de arrependimento, e também estão oferecendo sacrifícios que em si mesmos são essencialmente ímpios e merecem a ira de Deus”. Provan, Ecclesiastes, 116-17, sugere: “O ‘sacrifício de tolos’ é... a observância descuidada da religião, desvinculada de qualquer movimento genuíno da alma em direção a Deus e realizado por costume, pressão ou hábito”. Shepherd, “Ecclesiastes”, 302, argumenta: “Designando o ouvir como a coisa mais apropriada a se fazer na presença de Deus, a implicação é que o ‘sacrifício de tolos’ é o falar excessivo; esta implicação se torna explícita no verso 2”. As últimas duas interpretações não consideram “sacrifício” literalmente, mas entendem a palavra como uma metáfora. ²⁵ O hebraico diz, literalmente: “pois eles não sabem de fazer mal”. A NRSV interpreta isso como: “Pois eles não sabem como deixar de fazer mal”; A NASB traz: “Pois eles não sabem que estão fazendo mal”; e a TNIV traz: “Quem não sabe que eles fazem mal”. Como esta frase não é importante e para não confundir seus ouvintes, acho melhor seguir a tradução da Bíblia que o povo usa. ² Muitos comentaristas ligam este verso a 1Samuel 15.22, “obedecer é melhor que sacrificar”, e igualam ouvir a obedecer. Mas o contraste, neste contexto, é entre ouvir e se precipitar com a boca. “Em contraste com a abordagem de tolos barulhentos, é melhor ouvir do que falar”. Seow, Ecclesiastes, 194. ²⁷ E.g., Deuteronômio 4.10; 5.1; 6.3,4; 9.1; 12.28; 20.3; 31.12,13; Isaías 1.10; 7.13; 28.14 ²⁸ E.g., Mateus 11.15; 13.9,43; João 8.47; Apocalipse 2.7,11,17,29; 3.6,13,22. ² Fox, Ecclesiastes, 33. ³ “Para o Pregador, o ato supremo de impiedade é a presunção de que a pessoa está na posição de controle quando trata com Deus”. Garrett, Proverbs, Ecclesiastes, 311. ³¹ Veja Whybray, Ecclesiastes, 94. ³² “Os votos no templo eram um elemento comum na adoração do Antigo Testamento e envolvia promessas de consagrar coisas como sacrifício ou dinheiro a Deus para garantir um pedido feito em oração (Lv 7.16-17; 22.18-23; 27.1-25; Nm 6). A tentação apresentada ao adorador era evitar cumprir o voto depois que a oração fosse respondida” Provan, Ecclesiastes, 117. ³³ John E. Bode, 1869. ³⁴ Frances R. Havergal, 1874. ³⁵ salmo 119.33. ³ salmo 66.13-14. ³⁷ Charles Wesley, 1749. ³⁸ Rich Mullins, 2005. ³ Para esta interpretação, veja Longman, Ecclesiastes, 154, e Crenshaw, Ecclesiastes, 117. Leupold, Exposition of Ecclesiastes, 121-22, entende o “mensageiro” como o sacerdote a quem se pede para fazer uma “correção de oferta” para o votante se livrar do pecado. Whybray, Ecclesiastes, 96, concorda que o “mensageiro” “é o sacerdote, a quem é feita confissão (neste caso, falsa)”. ⁴ Para a distinção entre pecados intencionais e não intencionais, veja Levítico 4.2-35 e Números 15.22-31. ⁴¹ “Não há verbo no hebraico, e três substantivos – sonhos, “futilidades” ( , no plural) e palavras – são unidos simplesmente pelo (normalmente, “e”), sugerindo que formam uma lista”. Whybray, Ecclesiastes, 96. A falta de um verbo leva a muitas traduções e intrepretações diferentes (see Seow, Ecclesiastes, 197). Por exemplo, a TNIV traduz: “Muitos sonhos e muitas palavras são sem significado”. Como antes, no verso 3, acho que é melhor, no sermão, seguir a tradução/interpretação da Bíblia que os ouvintes usam. ⁴² “O verso começa com [‘porque’, omitido na maioria das traduções], que eu, aqui, interpreto em um sentido casual, identificando a primeira parte do verso como uma cláusula motora. Isso dá uma razão final para a cautela na prática cúltica”. Longman, Book of Ecclesiastes, 156. ⁴³ “O Qohelet insiste que, em vez disso (o é adversativo) seus ouvintes/leitores devem temer a Deus”. CAPÍTULO 8 O amor ao dinheiro Eclesiastes 5.8–6.9 ¹ Quem ama o dinheiro jamais dele se farta; e quem ama a abundância nunca se farta da renda (Ec 5.10) Eclesiastes 5.8–6.9 conclui a primeira metade do livro.² Este é um texto de pregação ideal para combater o materialismo de nossa sociedade e seu impacto sobre a igreja e seus membros. Como acontece com outros textos de pregação, ele confronta os pregadores com vários desafios. Como “não há entendimento entre os estudiosos sobre os limites da passagem”,³ a primeira questão a resolver é a escolha de uma unidade textual adequada. Se 5.8-9 for, de fato, parte desta unidade, a próxima questão é como a “opressão de pobres” (v. 8) está relacionada a “quem ama o dinheiro” (v. 10). Também enfrentamos o problema de interpretar algumas palavras e frases hebraicas obscuras. Por exemplo, qual é o significado de 5.9, “o rei se serve do campo”?⁴ Além disso, devemos entender frases como “nas trevas, comeu em todos os seus dias” (5.17) literal ou figuradamente? E, finalmente, como veremos, a estrutura dessa passagem levanta uma importante questão para o sermão. Texto e Contexto Começamos procurando os limites do texto. Onde começa a unidade literária? Alguns comentaristas consideram que 5.8-9 pertence à unidade literária precedente (5.1-7),⁵ enquanto outros argumentam que formam uma unidade em separado. Esses comentaristas, então, começariam a unidade maior em 5.10. Mas outros comentaristas começam a unidade em 5.8.⁷ Há divergência semelhante sobre o fim da unidade – alguns a terminam em 5.20; outros, em 6.9; ainda outros, em 6.12. Seja qual for a unidade que selecionemos, fica claro, pelo conteúdo, que a exclamação do Pregador, “Eis o que eu vi...” (5.18-20), é o clímax do texto de pregação. Um bom texto de pregação, portanto, seria 5.10-20. Contudo, de acordo com a análise de Wright da estrutura de Eclesiastes (veja p. 39, acima), 6.9, com uma repetição final do duplo “também isto é vaidade e correr atrás do vento”, marca o fim da primeira metade do livro. Ficamos, portanto, com duas questões: Devemos incluir 6.1-9 em nosso texto de pregação e adicionar 5.8-9 ao seu início? A resposta a essas perguntas foi indefinível até 1989, quando Daniel Fredericks publicou um artigo intitulado “Quiasma e estrutura paralela em Qohelet 5.9 [ing. 5.10]–6.9”.⁸ Enfatizando as palavras hebraicas paralelas, Fredericks argumentou em favor da estrutura quiástica: A (5.10-12); B (5.13-17); C (5.18-20); C’ (6.1- 2); B’ (6.3-6); A’ (6.7-9). Em 1997, Seow refinou a proposta de Fredericks, incluindo 5.8-9 no quiasma e centrando-o em 5.20. Ele observou os seguintes paralelos:¹ A 5:8-12 O pobre (v. 8) Não satisfeito (v. 10) Que proveito (v. 11) Ver com os olhos (v. 11) B 5:13-17 Filho que gerou (v. 14) Indo como veio (v. 15) Nas trevas, comeu (v. 17) C 5:18-19 Boa (v. 18) Deus conferiu (v. 19) Isto é dom (v. 19) D 5:20 Não se lembrará muito Deus lhe enche o coração de alegria Consequentemente, Seow propôs a seguinte estrutura quiástica:¹¹ A Pessoas que não podem ser satisfeitas (5.8-12) B Pessoas que não podem desfrutar (5.13-17) C O que é bom (5.18-19) D Desfrute o momento (5.20)¹² C’ O que é mau (6.1-2) B’ Pessoas que não podem desfrutar (6.3-6) A’ Pessoas que não podem ser satisfeitas (6.7-9) Todos esses paralelos não podem ser coincidência. O Pregador deve ter deliberadamente estruturado Eclesiastes 5.8–6.9 como um quiasma. Como o autor pretendeu apresentar os versos como uma unidade, devemos usar toda a unidade como nosso texto de pregação. Quanto ao contexto, o Pregador começa o texto com a opressão do pobre e a injustiça na terra (5.8) – tópico tratado pela primeira vez em 4.1-3. Ele salienta que “quem ama o dinheiro jamais dele se farta” e que o apetite humano jamais “se farta” (5.10; 6.7). Ele já fez uma afirmação semelhante anteriormente: “Os olhos não se fartam de ver” (1.8) e, especificamente sobre indivíduos solitários que trabalham duro, disse: “Seus olhos não se fartam de riquezas” (4.8). O Pregador conclui que devemos desfrutar de nossa comida, bebida e trabalho (5.18-20), como havia feito anteriormente (2.24-26;3.12-13,22) e fará novamente na sequência (8.15; 9.7-10). Elementos literários Em adição às repetições, paralelos e estrutura quiástica citados acima, também devemos observar as outras formas literárias presentes na passagem. O Pregador começa com uma instrução sobre opressão ao pobre e injustiça, incluindo a proibição “não te maravilhes de semelhante caso” (5.8) e um provérbio sobre o rei (5.9). Em seguida, menciona um provérbio sobre aquele que ama o dinheiro, que não fica satisfeito (paralelismo sinônimo) e sua confirmação, “também isto é vaidade” (5.10). O Pregador continua com um provérbio sobre o aumento de bens e o aumento daqueles que os comem (paralelismo sinônimo) e sua confirmação, com a pergunta: “Que mais proveito, pois, têm os seus donos do que os verem com seus olhos?” (5.11). Ele encerra esta seção com um quarto provérbio, comparando o doce sono do trabalhador com a falta de sono do rico (paralelismo antitético; 5.12). O Pregador continua com uma reflexão, “Grave mal vi debaixo do sol” (5.13a). Ele relata uma anedota sobre uma pessoa rica que perdeu suas riquezas em uma má ventura e ficou sem ter o que passar aos seus filhos (5.13-17). Ele inclui na anedota uma declaração popular (5.15) similar a Jó 1.21: “Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei”, e faz outra pergunta retórica: “Que proveito lhe vem de haver trabalhado para o vento?” (5.16). Em seguida, o Pregador faz uma reflexão sobre o que viu de bom: “Boa e bela coisa é comer e beber e gozar cada um do bem de todo o seu trabalho, com que se afadigou debaixo do sol” (5.18-19). Ele conclui essa reflexão com a segurança de que “Deus lhe enche o coração de alegria” (5.20). Depois, o Pregador faz outra reflexão sobre o que viu de mal “debaixo do sol” (6.1). Aqui ele relata uma anedota sobre uma pessoa que tem tudo o que seu coração desejar, “mas Deus não lhe concede que disso coma” (6.2). Ele também chama isso de “grave mal” (6.3; cf. 5.13). Nessa anedota, ele usa hipérbole: “cem filhos” e viver “duas vezes mil anos” (6.3,6). O Pregador conclui esta passagem com um provérbio sobre o apetite não satisfeito (paralelismo sintético; 6.7), duas perguntas retóricas (6.8), um provérbio “melhor que” (6.9a) e sua avaliação final: “Também isto é vaidade e correr atrás do vento” (6.9b).¹³ Se impusermos nossas descobertas sobre a estrutura quiástica, descobriremos que até mesmo as formas de sabedoria, grosso modo, confirmam o quiasma: A Pessoas que não podem ser satisfeitas (5.8-12) instrução/quatro provérbios B Pessoas que não podem desfrutar (5.13-17) reflexão/anedota C O que é bom (5.18-19) reflexão D Desfrute o momento (5.20) conclusão C’ O que é mau (6.1-2) reflexão B’ Pessoas que não podem desfrutar (6.3-6) anedota A’ Pessoas que não podem ser satisfeitas (6.7-9) dois provérbios Estrutura textual Com a estrutura quiástica e as formas literárias em mente, estamos prontos para expor o esboço lógico do texto. I. Instrução: Não se surpreenda com a opressão ao pobre (5.8a) E a violação da justiça e do direito A. Razão: Pois o alto oficial é vigiado por um ainda maior (5.8b) 1. No entanto, um rei pode ser uma vantagem para a terra (5.9) B. Provérbio: Aquele que ama o dinheiro não se farta dele (5.10) E o que ama a riqueza não se farta da renda 1. Isso também é vaidade 2. Quando os bens aumentam, aumentam seus consumidores (5.11) 3. O pobre dorme bem, mas o rico não consegue dormir (5.12) II. Reflexão sobre um “grave mal” (5.13-17) A. Anedota sobre um rico que perde suas riquezas em uma má ventura (5.13b- 14a) 1. Não tem nada para deixar ao seu filho (5.14b) 2. Não tem proveito de todo o seu trabalho (5.15-16) 3. Acaba comendo em trevas e ressentimento (5.17) III. Reflexão sobre o que é visto ser bom (5.18-20) A. é bom comer, beber e encontrar alegria no trabalho (5.18a) 1. Esta é a nossa porção (5.18b) 2. Deus dá riqueza e posses, bem como a capacidade de desfrutar delas (5.19) B. Razão: não se lembrará muito dos dias da sua vida, pois Deus lhe dá alegria (5.20) IV. Reflexão sobre o que é visto ser mau: um “grave mal” (6.1-6) A. Anedota sobre uma pessoa rica que não tem falta de nada (6.2a) 1. Mas não permite que desfrute de sua riqueza (6.2b) B. Uma pessoa pode ter cem filhos, vida longa e não ter alegria (6.3a) 1. Um filho que ainda não nasceu é melhor que ela (6.3b-6) a. Pois não tem conhecimento de nada (6.4-5a) b. Tem mais descanso que o rico (6.5b) V. Provérbio: Todo o trabalho humano é para sua boca (6.7), Mas o apetite não fica satisfeito A. Razão: Pois o sábio não tem vantagem sobre o tolo (6.8a) 1. Mas o pobre pode ter vantagem sobre o rico (6.8b) B. Provérbio: Melhor é a vista dos olhos do que o delírio do desejo (6.9a) 1. O delírio do desejo (o apetite humano) é vaidade (6.9b) E correr atrás do vento Interpretação teocêntrica Derek Kidner escreve: “À primeira vista, esta passagem pode parecer mero elogio à simplicidade e à moderação; mas, de fato, a palavra-chave é Deus, e o segredo da vida nos é revelado, a saber, sinceridade com ele: prontidão de receber o que vem a nós como enviado pelo céu, seja em trabalho, riqueza ou em ambos”.¹⁴ De fato, é notável que nesta passagem relativamente breve o Pregador mencione Deus não menos que seis vezes e que as coloque no coração da passagem: “Os poucos dias da vida que Deus lhe deu” (5.18); “Deus conferiu riquezas e bens e lhe deu poder para deles comer e receber a sua porção, e gozar do seu trabalho, isto é dom de Deus” (5.19); “Deus lhe enche o coração de alegria” (5.20); “A quem Deus conferiu riquezas, bens e honra... mas Deus não lhe concede que disso coma” (6.2). É claro que esta passagem é centrada em Deus: O Deus soberano nos dá nossa vida, nossa riqueza e nossos bens e a capacidade de desfrutar deles. O Pregador enfatiza que Deus é o grande Doador, repetindo em 5.19 que “isto é dom de Deus”. Deus é bom: ele “enche de alegria o coração” das pessoas (5.20). Mas Deus também pode reter esses dons: os pobres são oprimidos (5.8); os “poucos dias” de nossa vida chegarão ao fim (5.18); Deus também pode reter a alegria (6.2). Deus pode fazer tudo isso porque é soberano. Tema e objetivo textual O centro da estrutura quiástica frequentemente foca no tema. Nesta passagem, o centro é a conclusão, em 5.20. Deus mantém o povo ocupado com alegria. Mas essa conclusão é alcançada por meio de advertências sobre buscar saúde e encorajamento para desfrutar dos dons diários de Deus, comida, bebida e trabalho. Portanto, a questão é: O foco desta passagem está em Deus dando alegria ou no encorajamento para que nós desfrutemos dos dons diários de Deus, ou ambos? Acho que podemos manter o foco duplo no sermão: a mensagem do Pregador é: Desfrute dos dons diários de Deus. Depois de seguir esta orientação, reconheceremos que foi Deus quem nos deu essa alegria. Mas, para termos um sermão unificado, devemos formular um tema único. Levando em conta as advertências do Pregador sobre as riquezas, podemos formular o tema textual: Em vez de buscar riqueza, desfrute dos dons diários de Deus. Quanto ao objetivo em enviar esta mensagem, Ellen Davis afirma que o Pregador “mostra mais consciência dos perigos do acúmulo de riquezas que qualquer outro escritor do Antigo Testamento. Isso reflete o fato de que, no século 3º a.C., muitos judeus estavam ansiosos por participar da economia mercantil altamente agressiva desenvolvida pelos governantes ptolomeus no Egito, cujo poder se estendia por toda a Palestina”.¹⁵ Contra este pano de fundo histórico, o objetivo duplo¹ do Pregador foi advertir Israel a não buscar riqueza e encorajá-lo a desfrutar os dons diários de Deus. Maneiras de pregar Cristo Com o tema em mente, devemos agora perguntar como podemos movê-lo a Jesus, no Novo Testamento. A progressão histórico-redentiva não oferece uma boa ponte; o mesmo acontece com promessa-cumprimento, tipologia e contraste. Isso nos deixa três caminhos a explorar: analogia, temas longitudinais e referências no Novo Testamento. AnalogiaA analogia sustentada por referências neotestamentárias oferece a ponte mais óbvia da mensagem do Pregador, no Antigo Testamento, para Jesus, no Novo Testamento, pois, em muitas ocasiões, Jesus advertiu contra a busca de riquezas. Ele disse: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas” (Mt 6.24). Jesus advertiu seus discípulos: “Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui”. Para salientar seu ensino, Jesus contou a parábola do rico insensato que construiu celeiros maiores para estocar toda a sua produção e seus bens. O rico insensato disse: “Tens em depósito para muitos anos; descansa, come, bebe, regala-te”. Mas Deus lhe disse: “Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens, para quem será?” Jesus concluiu: “Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus” (Lc 12.15-21). Jesus também contou a parábola do semeador cuja semente caiu em diferentes tipos de solo: pelo caminho, em terreno rochoso, entre espinhos e em bom solo. Para nosso propósito, o ponto relevante é a semente que caiu entre espinhos, pois Jesus, posteriormente, explicou: “O que foi semeado entre os espinhos é o que ouve a palavra, porém os cuidados do mundo e a fascinação das riquezas sufocam a palavra, e fica infrutífera” (Mt 13.22). Além disso, Jesus disse aos seus discípulos: “Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas!... é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus”. Quando seus ouvintes perguntaram “então, quem pode ser salvo?”, Jesus respondeu: “Para os homens é impossível; contudo, não para Deus, porque para Deus tudo é possível” (Mc 10.23,26-27). É preciso nada menos que o Deus Todo-Poderoso para salvar os ricos. Jesus também advertiu aos seus seguidores: “Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna, a qual o Filho do Homem vos dará” (Jo 6.27).¹⁷ Por isso Jesus orientou a multidão: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. Quem quiser, pois, salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por causa de mim e do evangelho salvá-la-á. Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Que daria um homem em troca de sua alma? Porque qualquer que, nesta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de mim e das minhas palavras, também o Filho do homem se envergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai com os santos anjos (Mc 8.34-38). Além disso, Jesus ensinou aos seus seguidores que não precisavam se preocupar com comida e bebida. Ele observou que “(...) os gentios é que procuram todas estas coisas”. Jesus assegurou aos seus seguidores que não deviam se esforçar por comida e bebida, “(...) pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas; buscai, pois, em primeiro lugar o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6.32-33). A implicação é que, em vez de nos preocuparmos com comida e bebida, devemos confiar em Deus e desfrutar de suas boas dádivas todos os dias. De fato, Jesus ensinou que até mesmo quando sofremos perseguição podemos nos regozijar e exaltar (Mt 5.12). Paulo, semelhantemente, instruiu a igreja: “Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo: alegrai-vos” (Fp 4.4). Temas longitudinais Podemos traçar do Antigo ao Novo Testamento o tema longitudinal do encontro da alegria nos dons diários de Deus, comida, bebida e trabalho – como fizemos no capítulo 3, acima. Como esta passagem, em adição, adverte contra a busca de riquezas, também podemos traçar o tema do perigo de se buscar riquezas. Em sua lei, Deus advertiu: “Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma que pertença ao teu próximo” (Êx 20.17). Os profetas também advertiram contra a busca de riquezas. Por exemplo, Isaías proclamou: Ai dos que ajuntam casa a casa reúnem campo a campo, até que não haja mais lugar, e ficam como únicos moradores no meio da terra! A meus ouvidos disse o Senhor dos Exércitos: Em verdade, muitas casas ficarão desertas, até as grandes e belas, sem moradores (Is 5.8-9).¹⁸ A literatura de sabedoria contém advertências similares contra a busca de riquezas não somente em Eclesiastes, mas também em Provérbios. Por exemplo, Provérbios 23.4-5 adverte: Não te fatigues para seres rico; Não apliques nisso a tua inteligência. Porventura, fitarás os olhos naquilo que não é nada? Pois, certamente, a riqueza fará para ti asas, Como a águia que voa pelos céus. E Provérbios 28.22 afirma: “Aquele que tem olhos invejosos corre atrás das riquezas; Mas não sabe que há de vir sobre ele a penúria.” O Novo Testamento continua esse tema. Muitas vezes Jesus advertiu contra a busca de riquezas (veja “Analogia”, acima). Paulo prescreveu que o bispo deve ser “irrepreensível... não avarento” (1Tm 3.2-3). Em 1Timóteo 6, Paulo reflete muitos dos pensamentos do Pregador em nosso texto. Paulo chama suas próprias palavras de “sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Tm 6.3): De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores... Exorta os ricos do presente século que não sejam orgulhosos, nem depositem a sua esperança na instabilidade da riqueza, mas em Deus, que tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento (1Tm 6.6-10,17). Referências do Novo Testamento Além das referências neotestamentárias acima, podemos usar algumas palavras de Paulo. A respeito da alegria, Filipenses 4.4-7: “Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo: alegrai-vos... E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus” (Fp 4.4-7). E a respeito do contentamento, Filipenses 4.11-13: “(...) aprendi a viver contente em toda e qualquer situação... de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece”.¹ Tema e objetivo do sermão Formulamos o tema textual como: “Em vez de buscar riqueza, desfrute dos dons diários de Deus”. Como o Novo Testamento não muda a mensagem, podemos usar o tema textual como tema do sermão: Em vez de buscar riqueza, desfrute dos dons diários de Deus. Formulamos o objetivo do sermão como: “advertir Israel a não buscar riqueza e encorajá-lo a desfrutar os dons diários de Deus”. Este objetivo revela a necessidade tratada: as pessoas são tentadas a buscar riquezas e, assim, não desfrutam dos dons diários de Deus. Forma do sermão A forma do texto, como vimos, é um quiasma. Isso levanta a questão de se um sermão expositivo seguiria a forma quiástica ou a mudaria para uma forma mais convencional para ouvintes ocidentais – isto é, se haveria uma reorganização das partes para que o clímax de 5.18-20 venha no fim, não no meio. Podemos realizar essa mudança combinando cada um dos pares de paralelos (como A e A’) como pontos do sermão. Essa reorganização pode ser descrita da seguinte forma: Essa reorganização do texto tem várias vantagens: podemos combinar os sete pontos textuais em quatro pontos do sermão; podemos enfatizar as similaridades e diferenças entre as partes paralelas; e podemos encerrar o sermão com o clímax da passagem. Uma desvantagem, é claro, é que precisaremos ir para frente e para trás no sermão, de uma parte do texto para outra. Podemos reduzir essas idase vindas, contudo, combinando C’ e B’ (6.1-2,3-6), de modo que seja paralelo à reflexão e anedota de B (5.13-17). Também podemos combinar C e D como ponto-final (5.18-20). O esboço de sermão resultante é um claro sermão de três pontos: I. Pessoas que buscam riquezas não ficarão satisfeitas (5.8-12; 6.7-9) – instrução/provérbios II. O mal de as pessoas não desfrutarem a vida (5.13-17; 6.1-6) – duas reflexões/duas anedotas III. Desfrute os dons diários de Deus (5.18-20) – reflexão Exposição do sermão Em todos os tempos e lugares, as pessoas parecem estar interessadas em acumular riqueza. As pessoas querem ser ricas. No passado, milhares participaram da corrida do ouro. Hoje as pessoas buscam empregos que tenham altos salários. Alguns se esforçam para ser o CEO da empresa para que recebam ricos bônus e opções sobre ações. Outros vão a cassinos tentar ganhar uma bolada. Quando o prêmio da loteria chega a cem milhões, as pessoas vão em bandos para as lotéricas fazer suas apostas. Elas estão sempre querendo mais. Alguns pregadores até exploram essa ânsia humana de riqueza. Prometem que Deus abençoará seus ouvintes com saúde e prosperidade se tiverem fé e derem um “dinheiro semente”. Havia uma ânsia de riquezas também quando o Pregador escreveu Eclesiastes. A terra de Israel tinha se tornado uma província no imenso império governado pelos ptolomeus de Alexandria, no Egito. O comércio internacional está em plena atividade. Algumas pessoas ficaram ricas; outras fariam tudo para ficar. O Pregador quer advertir as pessoas contra a busca por riquezas e encorajá-las a desfrutar os dons diários de Deus. Ele apresenta sua mensagem em uma forma estimada no antigo Oriente Próximo. Essa forma se chama quiasma. Podemos descrever um quiasma como uma pirâmide: O Pregador sobe a pirâmide fazendo pontos 1a e 2a até alcançar o clímax, no ponto 3. Então ele desce pelo outro lado da pirâmide, fazendo pontos paralelos, 2b e 1b. No Ocidente, preferimos uma estrutura mais linear, fazendo vários pontos e terminando com o clímax. Neste sermão, portanto, combinaremos os passos paralelos, como 1a e 1b, e terminaremos com o clímax. O primeiro ponto do Pregador é afirmar que pessoas que buscam riquezas nunca ficarão satisfeitas. Mas ele começa esse ponto de um modo estranho. Ele escreve em 5.8: “Se vires em alguma província² opressão de pobres e o roubo em lugar do direito e da justiça, não te maravilhes de semelhante caso”. O Pregador quer advertir contra a busca da riqueza, mas começa com os pobres. Por que ele faz isso? E por que escreve sobre eles desse modo? Podíamos esperar algo assim: “Se vires em alguma província opressão de pobres e o roubo em lugar do direito e da justiça, faça algo sobre isso”. Mas o Pregador adverte: “Não te maravilhes de semelhante caso”. Por que não devemos nos maravilhar? Porque, ele explica, “o que está alto tem acima de si outro mais alto que o explora, e sobre estes há ainda outros mais elevados que também exploram”. “‘Acima de si’ significa que o alto e poderoso ‘responde’ a outro, de modo que não há chance de justiça para o pobre”.²¹ Os altos oficiais estão interessados somente em encher os bolsos. Eles não se importam com os pobres. De fato, eles espoliam os pobres para que possam encher as mãos, mesmo que isso viole a justiça.²² Com tanta corrupção no governo, o Pregador diz: “Não te maravilhes... se vires... opressão de pobres e o roubo em lugar do direito e da justiça”. Tudo isso é resultado da ganância – a ganância e a corrupção de oficiais arrogantes. Mas, considerando todas as coisas, ele continua: “O proveito da terra é para todos; até o rei se serve do campo”. Pode ser que essas pessoas ricas comprem terras como investimento²³ e as deixem sem cultivo. Assim, o pobre seria privado até do seu direito de rebuscar os campos para obter comida. Então, seria uma vantagem para a terra se o rei restaurasse a terra ao seu uso próprio, a saber, produzir alimento. Isso proveria alimento não apenas para o proprietário, mas também para o pobre. Infelizmente, a ganância humana impede que haja justiça para o pobre. Por isso, “não te maravilhes” quando vires “opressão de pobres e o roubo em lugar do direito e da justiça”. Em seguida o Pregador adverte aqueles que buscam riquezas. Verso 10: “Quem ama o dinheiro jamais dele se farta; e quem ama a abundância nunca se farta da renda”. Este verso, com sua repetição de “quem ama o dinheiro” e “quem ama a abundância”, foca naqueles que colocam o dinheiro e a prosperidade antes de tudo o mais em sua vida. Vivem para o dinheiro – nunca se importam de violar a justiça. Buscam o dinheiro como seu objetivo na vida. Mas esse é um objetivo inatingível. O Pregador adverte que “quem ama o dinheiro jamais dele se farta”.²⁴ “A riqueza em si não é o problema aqui, mas a instabilidade daqueles que amam o dinheiro. Há sempre mais coisas que querem, sempre algo mais”.²⁵ O Pregador resume sua posição sobre a busca de dinheiro: “Também isto é vaidade”, isto é, é como buscar vapor, é vazio, é fútil, não satisfaz. Como o Pregador, o apóstolo Paulo adverte: “(...) o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores” (1Tm 6.10). Paulo chama esse ensino de “sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Tm 6.3). O próprio Jesus advertiu seus discípulos: “Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui”. Para salientar seu ensino, Jesus contou a parábola do rico insensato, que construiu celeiros maiores para estocar sua colheita e suas posses. Esse rico insensato disse à sua alma: “tens em depósito para muitos anos; descansa, come, bebe, regala-te. Mas Deus lhe disse: Louco! Esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?” Jesus concluiu: “Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus” (Lc 12.15-21). No verso 11, o Pregador escreve: “Onde os bens se multiplicam, também se multiplicam os que deles comem; que mais proveito, pois, têm os seus donos do que os verem com seus olhos?” Quando os bens aumentam, aumentam aqueles que os consomem. Quando as pessoas se tornam ricas, precisam de uma empregada para limpar a casa, de um jardineiro, de uma babá, de um motorista, de um contador, de um corretor, de um guarda-costas. Todas essas pessoas terão que ser pagas. Além disso, o imposto será mais alto, e as obras de caridade encherão sua caixa postal com pedidos de doações. Quem fica rico também descobre que tem muitos “amigos” que gostariam de ajudá-lo a se livrar de seu dinheiro. “Onde os bens se multiplicam, também se multiplicam os que deles comem; que mais proveito, pois, têm os seus donos do que os verem com seus olhos?” Nenhum! Não há proveito. Tudo o que o dono do dinheiro faz é vê-lo “com seus olhos”. Ele meramente vê outros consumirem seus bens. Não há proveito para o dono. Não apenas não há proveito para o dono da riqueza, mas também há as responsabilidades do rico. Verso 12: “Doce é o sono do trabalhador, quer coma pouco quer muito; mas a fartura do rico não o deixa dormir”. O “trabalhador” pode ser o pobre mencionado no verso 8.² Às vezes, tem apenas um pouco de comida. Mas quer tenha pouco ou muito, dorme bem. Em contraste, “a fartura do rico não o deixa dormir”. O rico se preocupa com suas riquezas. Ele a vê escorrendo pelos dedos quando uma quantidade cada vez maior de pessoas quer seu pedaço do bolo. Ele se preocupa com a segurança de seus investimentos e fica ansioso com uma recessão. Ele perderá tudo pelo que trabalhou tanto? Tais pensamentos são suficientes para mantê-lo acordado à noite.²⁷ Neste primeiro ponto, o Pregador deu três razões pelas quais as pessoas que buscam riquezas não ficam satisfeitas: “Quem ama o dinheiro jamais dele se farta”; “onde os bens se multiplicam, também se multiplicam os que deles comem”; “a fartura do rico não o deixa dormir”. Em seu ensino final, o último degrau na descida da pirâmide, o Pregador acrescenta