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Indaial – 2021 Homilética e Hermenêutica Prof. Roney Cozzer 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2021 Elaboração: Prof. Roney Cozzer Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: apresentação Seja bem-vindo ao Livro Didático Homilética e Hermenêutica. Neste livro didático, estudaremos duas disciplinas em conjunto que são muito importantes para os estudos teológicos e bíblicos: Hermenêutica Bíblica e Homilética. E não apenas isso: elas são fundamentais, também, para a vida Ekklesia, isto é, da Igreja, em suas variadas manifestações denominacionais. E pode ser que você esteja já se perguntando: afinal de contas, por que estudar duas disciplinas da Teologia, com suas especificidades, num mesmo livro? A razão é que essas duas disciplinas, Hermenêutica e Homilética, “conversam” muito entre si e mantêm uma importante relação. Alguns autores, raramente, é verdade, mas há casos, chegam a denominar essa correlação de “Hermelética”. É interessante pensar a relação entre a Homilética e a Hermenêutica nos seguintes termos: a Homilética, de certo modo, utiliza-se dos resultados do trabalho da Hermenêutica. É que enquanto a Hermenêutica preocupa-se e ocupa-se do estudo da adequada interpretação do texto bíblico, a Homilética se preocupa e se ocupa do estudo de como comunicar a mensagem desse texto bíblico de modo contextualizado e leal às Escrituras Sagradas. Este livro é estruturado em três unidades, em que abordaremos os aspectos conceituais da Hermenêutica e da Homilética. Começaremos refletindo sobre as bases bíblicas e teológicas da pregação cristã, tanto com base no Antigo Testamento como com base no Novo Testamento. Nas unidades dois e três, discorreremos sobre a origem e o desenvolvimento da Hermenêutica Bíblica e a interpretação bíblica. Por fim, na unidade três, trabalharemos com alguns conceitos e princípios essenciais a uma boa interpretação do texto bíblico. São temas comuns e amplamente abordados pelos diversos autores que se debruçam sobre os estudos em Hermenêutica Bíblica. Questões como a dos distanciamentos em Hermenêutica e a sua importância, as figuras de linguagem da Bíblia e os hebraísmos, bem como a Hermenêutica na pós-modernidade. Agora, mãos à obra. E vamos nos aprofundar nessas disciplinas maravilhosas, Homilética e Hermenêutica. Boa leitura e bons estudos! Prof. Roney Cozzer Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi- dades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra- mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilida- de de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assun- to em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complemen- tares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE sumário UNIDADE 1 — HOMILÉTICA – DOS CONCEITOS BÁSICOS AO ENSINO E À PREGAÇÃO BÍBLICA ..................................................................... 1 TÓPICO 1 — FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E TEOLÓGICOS DA PREGAÇÃO............... 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3 2 BASES ANTIGOTESTAMENTÁRIAS ............................................................................................ 4 3 BASES NEOTESTAMENTÁRIAS .................................................................................................... 8 4 A PREGAÇÃO NA HISTÓRIA DO CRISTIANISMO: BREVE EXCURSÃO ....................... 15 5 BASES BÍBLICO-TEOLÓGICAS DA PREGAÇÃO .................................................................... 20 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 22 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 23 TÓPICO 2 — PARTES QUE COMPÕEM O SERMÃO ................................................................. 25 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 25 2 A IMPORTÂNCIA DE CONHECER A ESTRUTURA DE UM SERMÃO ............................. 27 3 O TEMA E A INTRODUÇÃO DO SERMÃO .............................................................................. 35 4 O DESENVOLVIMENTO DO SERMÃO...................................................................................... 38 5 A CONCLUSÃO DO SERMÃO ...................................................................................................... 39 6 O APELO: É PARTE DO SERMÃO? .............................................................................................. 40 7 REFERENCIANDO BIBLIOGRAFICAMENTE O SERMÃO ................................................... 41 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 42 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 43 TÓPICO 3 — A PREGAÇÃO EXPOSITIVA, TEMÁTICA E TEXTUAL .................................... 45 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 45 2 O SERMÃO EXPOSITIVO............................................................................................................... 45 3 O SERMÃO TEMÁTICO ................................................................................................................. 47 4 O SERMÃO TEXTUAL ..................................................................................................................... 48 5 AFINAL DE CONTAS, QUAL O MELHOR? ............................................................................... 49 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 50 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 52 AUTOATIVIDADE ..............................................................................................................................53 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 55 UNIDADE 2 — ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DA HERMENÊUTICA .......................... 57 TÓPICO 1 — ORIGEM, DEFINIÇÃO E CONCEITOS ................................................................. 59 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 59 2 DEFINIÇÃO ETIMOLÓGICA ........................................................................................................ 60 3 DEFINIÇÃO TEOLÓGICA .............................................................................................................. 61 4 TRÊS PRESSUPOSTOS FUNDAMENTAIS NA HERMENÊUTICA BÍBLICA .................... 67 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 72 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 73 TÓPICO 2 — A HERMENÊUTICA NO CRISTIANISMO PRIMITIVO E MEDIEVAL ........ 75 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 75 2 A ESCOLA DE ALEXANDRIA ....................................................................................................... 77 3 A ESCOLA DE ANTIOQUIA .......................................................................................................... 80 4 A HERMENÊUTICA NA IDADE MÉDIA .................................................................................... 82 5 A HERMENÊUTICA NA REFORMA PROTESTANTE ............................................................. 83 6 A HERMENÊUTICA NA MODERNIDADE ................................................................................ 84 7 A HERMENÊUTICA NA PÓS-MODERNIDADE ...................................................................... 86 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 88 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 89 TÓPICO 3 — MÉTODOS HERMENÊUTICOS NA MODERNIDADE ..................................... 91 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 91 2 O MÉTODO HISTÓRICO-CRÍTICO ............................................................................................ 92 3 O MÉTODO HISTÓRICO-GRAMATICAL ................................................................................. 93 4 O LIBERALISMO TEOLÓGICO .................................................................................................... 95 5 A REAÇÃO ORTODOXA ................................................................................................................ 96 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 101 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 105 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 106 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 108 UNIDADE 3 — A INTERPRETAÇÃO BÍBLICA .......................................................................... 111 TÓPICO 1 — O ABISMO CULTURAL, LITERÁRIO E GRAMATICAL ................................. 113 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 113 2 O QUE SÃO OS DISTANCIAMENTOS EM HERMENÊUTICA .......................................... 116 3 A IMPORTÂNCIA DOS DISTANCIAMENTOS ...................................................................... 119 4 COMO DIMINUIR OS DISTANCIAMENTOS ........................................................................ 123 RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 126 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 127 TÓPICO 2 — AS FIGURAS DE LINGUAGEM ............................................................................ 129 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 129 2 O QUE SÃO AS FIGURAS DE LINGUAGEM NA BÍBLIA .................................................... 130 3 AS FIGURAS DE COMPARAÇÃO E AS DE RELAÇÃO ........................................................ 134 4 AS FIGURAS DE DICÇÃO ............................................................................................................ 135 5 AS FIGURAS DE CONTRASTE ................................................................................................... 136 6 AS FIGURAS DE ÍNDOLE PESSOAL ......................................................................................... 139 7 OS HEBRAÍSMOS ........................................................................................................................... 140 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 142 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 143 TÓPICO 3 — A HERMENÊUTICA E A CONTEMPORANEIDADE ....................................... 145 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 145 2 HERMENÊUTICAS PÓS-MODERNAS ...................................................................................... 149 3 HERMENÊUTICA E O AUTOR .................................................................................................... 150 4 HERMENÊUTICA E O LEITOR CONTEMPORÂNEO ........................................................... 151 5 O PROBLEMA DO “ANACRONISMO HERMENÊUTICO” ................................................. 152 6 CONCLUSÃO ................................................................................................................................... 154 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 155 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 160 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 161 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 163 1 UNIDADE 1 — HOMILÉTICA – DOS CONCEITOS BÁSICOS AO ENSINO E À PREGAÇÃO BÍBLICA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • conhecer os fundamentos históricos e teológicos da pregação cristã; • compreender o que é a Homilética; • entender como o sermão deve ser estruturado; • estruturar o sermão, conhecendo adequadamente cada uma das partes que o constitui; • referenciar bibliograficamente um sermão, dando a ele bom aporte teó- rico-teológico; • saber diferenciar os três tipos clássicos de sermão, a saber: expositivo, temático e textual. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo dereforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E TEOLÓGICOS DA PREGAÇÃO TÓPICO 2 – PARTES QUE COMPÕEM O SERMÃO TÓPICO 3 – A PREGAÇÃO EXPOSITIVA, TEMÁTICA E TEXTUAL Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 — UNIDADE 1 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E TEOLÓGICOS DA PREGAÇÃO 1 INTRODUÇÃO Prezado acadêmico, neste tópico, o primeiro de nosso livro, “conversaremos” sobre os fundamentos históricos e, também, teológicos da pregação. Essa reflexão é fundamental para entender a pregação, sua natureza, seu propósito e, claro, sua fundamentação bíblica, histórica e teológica. A partir da compreensão dos elementos anteriormente mencionados, pode-se refletir sobre a grande importância que a pregação tem para a vida das diferentes comunidades de fé cristãs. É por meio da pregação que se comunica vida, esperança, otimismo, o Evangelho. Todavia, a pregação, mal compreendida e mal utilizada, dá lugar a conceitos que empobrecem os nossos discursos de fé e que, longe de “elevarem” as pessoas, contribuem para apequenar a vida cristã. A pregação deve ser usada fundamentalmente para a proclamação do Evangelho. O púlpito cristão deve ter como destinação maior e prioritária a exposição bíblica pura. E o pregador deve ter consciência de que o espaço de que dispõe, perante a congregação, deve ser usado com essa finalidade. Dito isso, prosseguiremos, então, considerando fundamentos que são encontrados no Antigo Testamento, no Novo Testamento e noções teológicas sobre a pregação desenvolvidas e afirmadas ao longo da história do cristianismo. Devemos lembrar que estamos na ponta de uma longa tradição Homilética e, nesse sentido, vale muito a pena “ouvir” vozes antigas e o que elas entenderam da pregação cristã. Prezado acadêmico, adiante você encontrará um quadro contendo algumas definições muito úteis sobre a Homilética. Essas definições são contribuições de importantes teólogos cristãos que auxiliam na compreensão do objeto de estudo da Homilética e da sua contribuição prática para a Igreja. O quadro está disponível no Tópico 2, quando discorreremos sobre as partes que compõem o sermão. ESTUDOS FU TUROS UNIDADE 1 — HOMILÉTICA – DOS CONCEITOS BÁSICOS AO ENSINO E À PREGAÇÃO BÍBLICA 4 Em nosso contexto, os fundamentos ou bases significam muito, pois é o conhecimento dos fundamentos elementares de uma disciplina que permite ao estudante articulá-la com a prática, entendendo-a de modo adequado. Não é possível começar uma casa pelo telhado. É preciso primeiro construir as bases, isto é, os fundamentos. Quando pensamos isso em relação a uma disciplina teológica ou não, podemos concluir que primeiro é necessário entender sobre quais conceitos principais ela se assenta e é construída (elaborada). É justamente o que se faz aqui. Vejamos, a seguir, alguns desses fundamentos para a Homilética. 2 BASES ANTIGOTESTAMENTÁRIAS FIGURA 1 – FUNDAMENTOS FONTE: <https://shutr.bz/2Yydo6s>. Acesso em: 4 ago. 2021. Começaremos este subtópico com uma pergunta provocadora: “Não seria uma espécie de anacronismo buscar no Antigo Testamento bases para a Homilética e, por extensão, para a pregação cristã?” O que ocorre é que a pregação como nós a conhecemos hoje, evidentemente, não acontece nos tempos do Antigo Testamento. Todavia, isso significa dizer que não se pode encontrar bases para a prática da pregação nesse conjunto de livros que constituem o Antigo Testamento? Respondemos a isso afirmando que não, necessariamente. É possível, porém, uma fundamentação da Homilética e da pregação cristã a partir do Antigo Testamento sem incorrer em anacronismo. Porém, inicialmente, é preciso conceituar o termo “pregação” (com seus cognatos), o objeto de estudo da Homilética. Qual o seu significado? Consideremos os sentidos de pregação na perspectiva teológica e etimológica. TÓPICO 1 — FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E TEOLÓGICOS DA PREGAÇÃO 5 FONTE: <https://shutr.bz/3AoDNRz>. Acesso em: 4 ago. 2021. Do ponto de vista etimológico, a palavra “pregação” pode ser definida pelo menos a partir de três línguas que interessam aqui em nosso estudo: o hebraico (língua em que foi escrito o Antigo Testamento), o grego (língua em que foi escrito o Novo Testamento) e o latim. Em grego, a palavra mais comum é kerusso e ela ocorre sessenta vezes aproximadamente em toda a extensão do Antigo Testamento. Kerusso significa “proclamar como um arauto”. E há uma segunda palavra muito importante, que ocorre aproximadamente cinquenta vezes, euaggelizomai, que enfatiza a boa qualidade da mensagem e das boas-novas do Evangelho (PFEIFFER; HOWARD; REA, 2007, p. 1589). O estudo em torno desses termos a partir das línguas bíblicas nos remete a outra questão de grande importância: qual o conteúdo da pregação cristã? Com efeito, a Homilética não se preocupa apenas com o como se deve pregar, mas, também, com o conteúdo da pregação. No Dicionário Bíblico Wycliffe (2007), pode- se ler o seguinte: A natureza da pregação bíblica depende de seu conteúdo específico e da audiência à qual ela é dirigida. Considera-se que, normalmente, o conteúdo da pregação das epístolas seja o “evangelho” (Rm 1.15; 15.20; 1 Co 1.17) com algumas variações, como “Cristo” (1 Co 15.12), “Cristo crucificado” (1 Co 1.23) ou a “palavra da fé” (Rm 10.8), que são mensagens para o mundo não cristão (PFEIFFER; HOWARD; REA, 2007, p. 1589). Devemos levar em conta, ainda, a palavra latina praedicare, que significa basicamente “proclamar”. O teólogo pentecostal Claudionor Corrêa de Andrade articula o significado da palavra “pregação” com praedicare, afirmando o seguinte: “pregação” vem do latim praedicare e significa “proclamação da Palavra de Deus”, visando a divulgação do conhecimento divino, a conversão dos pecadores e a consolação dos fiéis. A pregação deve ter FIGURA 3 – BASES BÍBLICAS UNIDADE 1 — HOMILÉTICA – DOS CONCEITOS BÁSICOS AO ENSINO E À PREGAÇÃO BÍBLICA 6 um caráter bíblico, evangélico e profético. Além de ter a Bíblia como base, há de mencionar a obra salvífica de Cristo, e mover o pecador a arrepender-se de seus pecados (ANDRADE, 2010, p. 303). A pregação cristã, com efeito, assume esse sentido genérico de proclamar, de anunciar e de comunicar uma mensagem, e em seu caso, naturalmente, a mensagem de Jesus. Pode-se afirmar que desde os tempos do Novo Testamento, como temos descrito no Livro de Atos de Apóstolos, a pregação cristã vem cumprindo esse papel e vai se desenvolvendo na medida em que a atividade missionária dos discípulos aumenta, alcançando diversos lugares do Império Romano. Adiante, consideraremos um pouco mais esse desenvolvimento, quando refletirmos sobre as bases neotestamentárias para a pregação. Todavia, que outros fundamentos bíblicos podemos identificar para a pregação cristã, no Antigo Testamento? Já mencionamos anteriormente que não podemos, de fato, encontrar muitos textos antigotestamentários que nos permitam afirmar que a pregação encontra sua forma atual nesses textos. Seria impróprio, sem dúvida. Porém, também vimos que, de modo embrionário, encontramos bases bíblicas para a pregação no Antigo Testamento. Já foi apresentada uma definição de natureza etimológica e agora serão considerados alguns aspectos bíblicos e teológicos. O ato de profetizar no Antigo Testamento evoca a ideia de comunicar uma mensagem que vem de Deus. O pregador também é entendido como alguém que foi vocacionado para comunicar uma mensagem que não é dele próprio, mas do Senhor, o Evangelho. Werner Kaschel e Rudi Zimmer (2005, p. 129) definem a pregação da seguinte forma: “anúncio da mensagem divina, tanto no Antigo Testamento (Is 53.1) como no Novo Testamento (1 Co 1.21)”. Em Isaías 53.1, encontra-se a palavra hebraica sh^emuw ( ), que signi- fica “notícia, novas, rumor; notícia, novidades, novas; menção” (STRONG, 2002,H08052). O profeta, no Antigo Testamento, era aquele que anunciava a mensa- gem que recebia de Iavé. Em Ezequiel 3, o profeta é comparado a uma atalaia, outra imagem importante para a pregação cristã. Ali, pode-se ler o seguinte: “ Fil- ho do homem, eu te dei por atalaia sobre a casa de Israel; da minha boca ouvirás a palavra e os avisarás da minha parte” (BÍBLIA, 1993, Ez. 3,17). Na atualidade, e também na História da Igreja, essas imagens, a do profeta e a da atalaia, têm servido para alimentar o sentido do papel do pregador cristão. Todavia, é preciso ter claro que são contextos diferentes. Na verdade, a Igreja incorpora essas imagens, mas adaptando-as a sua própria realidade. Stott (1989), no entanto, procura demonstrar que a imagem do profeta, usada para definir o papel do pregador, é imprópria, ao menos no sentido bíblico do termo “profeta” no Antigo Testamento. Ele entende que a imagem mais adequada para o pregador é a do despenseiro, uma imagem presente no Novo Testamento, na epístola do apóstolo Paulo aos Coríntios, que exploraremos adiante. TÓPICO 1 — FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E TEOLÓGICOS DA PREGAÇÃO 7 Stott, em seu livro O Perfil do Pregador (1989), oferece excelente contribuição no sentido de definir a missão do pregador. Mas a despeito da recusa de Stott quanto à imagem do profeta, no Antigo Testamento, aplicada ao pregador, é fato que a Igreja sempre fez essa associação: o pregador é visto como um profeta, mas também é visto pela imagem da atalaia. Nosso entendimento é que essas comparações são importantes para evidenciar os fundamentos da pregação cristã no Antigo Testamento. Elas demonstram que Deus sempre se preocupou, no sentido de que seu povo recebesse sua mensagem. Pode-se notar, na verdade, que todo o Antigo Testamento é perpassado por essa comunicação. Deus fala com Adão e Eva, com os patriarcas, com reis pagãos, com as tribos de Israel em Josué e Juízes, com os reis de Israel e de Judá e com os repatriados, depois do cativeiro babilônico. O autor da Epístola aos Hebreus reflete esse processo comunicacional: “Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas [...]” (BÍBLIA, 1993, Hb. 1,1). Dessas duas imagens – profeta e atalaia – aplicadas ao pregador, pode- se chegar a alguns pressupostos fundamentais para a pregação cristã. Tanto a imagem do profeta como a da atalaia sinalizam para o fato de que o pregador é portador de uma mensagem que é anterior a ele próprio, e que o transcende, mensagem que ele deve transmitir, levar adiante. Não é exatamente essa convicção que se encontra no apóstolo Paulo? Ele escreve: “ Se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois sobre mim pesa essa obrigação; porque ai de mim se não pregar o evangelho!” (BÍBLIA, 1993, 1Co. 9,16). FIGURA 4 – RETRATAÇÃO DO PROFETA EZEQUIEL FONTE: <https://shutr.bz/3lsQPZM>. Acesso em: 4 ago. 2021. Essa expressão evidencia um elemento que, de certo modo, também é visto nos profetas do Antigo Testamento e com muita força: uma espécie de compulsão divina. O teólogo batista Russell P. Shedd afirma que “atrás de toda pregação UNIDADE 1 — HOMILÉTICA – DOS CONCEITOS BÁSICOS AO ENSINO E À PREGAÇÃO BÍBLICA 8 autêntica, há uma compulsão divina” (SHEDD, 1997, p. 1617). O profeta dos tempos bíblicos, do Antigo Testamento, falava também por inspiração. Era muito comum a expressão “assim diz o Senhor”. Essa expressão é tão recorrente que aparece 2.800 vezes em toda a extensão da Bíblia (COZZER, 2020, vol. 1, p. 289). E ela é entendida como uma espécie de autenticação da origem da mensagem que o profeta comunicava, e essa origem era o próprio Iavé. Ainda que não se deva encarar a pregação cristã sob esse mesmo entendimento, paralelos úteis são traçados na sua Teologia. O pregador, assim entende-se, é também inspirado a comunicar com alegria a mensagem do evangelho, não nos moldes do profetismo do Antigo Testamento, mas como portador de boas-novas de salvação, em Cristo Jesus. 3 BASES NEOTESTAMENTÁRIAS O Livro de Atos dos Apóstolos é muito importante para a Teologia da pregação. Nele encontra-se aquela que podemos considerar a primeira pregação cristã de que se tem registro, em seu segundo capítulo, pregação que foi proferida pelo apóstolo Pedro no dia de Pentecostes. FIGURA 5 – O NOVO TESTAMENTO FONTE: <https://shutr.bz/3ludNjn>. Acesso em: 4 ago. 2021. Ao ler aquele sermão proferido por Pedro, pode-se encontrar aportes fundamentais para a prática do sermão, nas comunidades de fé cristãs. E há outros textos em Atos dos Apóstolos que registram outros sermões proferidos, inclusive por Paulo, em outras ocasiões. Também no corpus paulinum encontram- se diversos aportes teológicos para a pregação aos quais devemos recorrer para aprofundar nossa compreensão do tema. TÓPICO 1 — FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E TEOLÓGICOS DA PREGAÇÃO 9 O apóstolo Pedro destaca-se como pregador em Atos. Nesse livro, encontram-se registrados pelo menos cinco grandes sermões pregados por ele: do lado de fora da casa onde o Espírito Santo havia enchido os primeiros cristãos (BÍBLIA, 1993, At. 2,14-40), no pórtico de Salomão (BÍBLIA, 1993, At. 3,11-26), perante as autoridades e dos anciãos do povo (BÍBLIA, 1993, At. 4,8-12), diante do Sinédrio (BÍBLIA, 1993, At. 5,29-32) e diante de Cornélio e seus convidados (BÍBLIA, 1993, At. 10,34-43). Outro “sermão” notável que precisa ser destacado é o que foi proferido por Estêvão, diante do Sumo Sacerdote e do Sinédrio, registrado em Atos 7. Há outros discursos registrados nesse livro que, com efeito, pode ser considerado o livro mais homilético do Novo Testamento. Como fundamento bíblico para a pregação a partir de Atos, podemos destacar o fato de que a pregação cristã precisa ser cristocêntrica. Ao ler o sermão de Pedro, no dia de Pentecostes, que está registrado em Atos 2, fica evidente a sua ênfase na pessoa de Jesus. Note que quando se fala desse aspecto cristológico da pregação, isso implica referir-se ao conteúdo da pregação. E esse conteúdo precisa abordar a vida e a obra de Jesus. Após a experiência do Pentecostes, o relato bíblico registra que Pedro colocou-se de pé perante os presentes, juntamente com os onze, e dirigiu-lhes a palavra afirmando que aqueles que haviam sido cheios do Espírito Santo não estavam embriagados, mas que estava se cumprindo, naquele dia e naquelas pessoas, a promessa feita pelo profeta Joel, a respeito do derramar do Espírito (BÍBLIA, 1993, At. 2,22-24). O próprio conteúdo da pregação cristã é o Senhor Jesus. Infelizmente, em nossos dias, tornou-se muito comum que a pregação cristã se confunda com discursos de autoajuda, de violência contra o próximo e de autoafirmações que denotam arrogância religiosa e até mesmo teológica. O centro da pregação, contudo, precisa ser a vida e obra do Senhor Jesus Cristo e daquilo que diz respeito, de fato, à vida cristã genuína. Mais adiante, no livro de Atos, encontram-se outras pregações, como a que é registrada no capítulo 17, por ocasião da estada de Paulo na cidade de Atenas. No versículo 18, pode-se ler o seguinte: “e alguns dos filósofos epicureus e estóicos contendiam com ele, havendo quem perguntasse: que quer dizer esse tagarela? E outros: parece pregador de estranhos deuses; pois pregava a Jesus e a ressurreição” (BÍBLIA, 1993, At. 17,18). Note que o que gerava contenda da parte dos filósofos epicureus e estoicos com Paulo era, na verdade, a pessoa do Senhor Jesus e a ressurreição dos mortos. Esse conteúdo cristocêntrico da pregação dos primeiros cristãos é recorrente em todo o livro de Atos. Devemos recordar que já em Atos 9, por ocasião do chamamento de Saulo de Tarso, o discípulo Ananias ouviu do Senhor a seguinte afirmação a respeito de Saulo: “vai, porque este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel” (BÍBLIA, 1993, At. 9,15). UNIDADE 1 — HOMILÉTICA – DOS CONCEITOS BÁSICOS AO ENSINO E ÀPREGAÇÃO BÍBLICA 10 Reiteramos que o centro da pregação cristã precisa ser a vida e obra do Senhor Jesus Cristo e daquilo que diz respeito de fato à vida cristã genuína, no seguimento desse Cristo que nos amou e rendeu sua vida por nós. Essa conclusão de que a pregação precisa ser essencialmente cristocêntrica pode ser feita não apenas com base em Atos dos Apóstolos, mas também em outros textos do Novo Testamento. Nos Evangelhos, Mateus, Marcos, Lucas e João, a ênfase é no Reino de Deus. São diversos os textos em que se anuncia a chegada do Reino de Deus, inclusive por Jesus. O assunto do Reino de Deus é relativo ao próprio Cristo e ao discipulado cristão. O evangelista Lucas registra: “Interrogado pelos fariseus sobre quando viria o reino de Deus, Jesus lhes respondeu: Não vem o reino de Deus com visível aparência. Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Lá está! Porque o reino de Deus está dentro de vós” (BÍBLIA, Lc. 17,20-21). Essa compreensão do que é o Reino de Deus e do que é Evangelho é fundamental à pregação. Constitui aquela que consideramos ser a principal base neotestamentária para a pregação cristã. E sem essa compreensão, a pregação fica comprometida, como de fato está hoje. Basta acessar as pregações disponíveis na internet, em sites como o YouTube, por exemplo, para perceber isso. Pouco ou quase nada se fala sobre o Evangelho, de fato. FIGURA 6 – PALAVRA DE DEUS FONTE: <https://shutr.bz/302S6yv>. Acesso em: 4 ago. 2021. Outra importante base teológica neotestamentária para a pregação é a compreensão paulina a respeito das boas-novas. E por qual razão destacar a perspectiva paulina? Uma razão possível para esse interesse, e muito coerente, é o volume de material disponível no Novo Testamento que é atribuído ao apóstolo Paulo. TÓPICO 1 — FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E TEOLÓGICOS DA PREGAÇÃO 11 FONTE: <https://shutr.bz/3oPKn1i>. Acesso em: 4 ago. 2021. Todo esse volume literário é chamado de corpus paulinum. Cozzer (2020) descreve, de maneira bem sucinta, a maneira como o Novo Testamento é organizado e o conteúdo desse conjunto de textos do Novo Testamento chamado de corpus paulinum: Epístolas Esta seção do Novo Testamento é também chamada de doutrina; é a seção epistolar, pois é constituída somente de epístolas. Ela está subdividida em três partes principais: 1) Epístolas Paulinas, que são as epístolas escritas por Paulo e daí receberem esse nome; essas, por sua vez, podem ser catalogadas em quatro partes: a) primeiras epístolas; b) grandes epístolas; c) epístolas da prisão, e d) epístolas pastorais; 2) Epístola aos Hebreus, endereçada a crentes judeus que passavam por aflições; esta carta aparece de forma destacada por seu conteúdo ser bem distinto das demais; e, 3) Epístolas Gerais ou Universais, escritas por autores diversos, endereçadas a todos os cristãos, indistintamente. São também chamadas de Epístolas Católicas [...]. Profecia Esta última seção em que está dividido o Novo Testamento também se constitui de um livro apenas, o Apocalipse [...]. (COZZER, 2020, vol. 1, p. 293-295). Com relação ao corpus paulinum e sua utilização do termo (e do conceito) a respeito do evangelho, Wright (2012, p. 227-237) comenta que leu todo o corpus paulinum em busca de entender como “Paulo pensava e falava acerca do evangelho”. A partir dessa extensa pesquisa, ele discorre a respeito de pelo menos seis abreviações que foram utilizadas por Paulo e que refletem a compreensão desse apóstolo a respeito do evangelho. Vejamos uma síntese a seguir a respeito de cada uma dessas abreviações delineadas por Wright. FIGURA 7 – BOA-NOVA DO EVANGELHO UNIDADE 1 — HOMILÉTICA – DOS CONCEITOS BÁSICOS AO ENSINO E À PREGAÇÃO BÍBLICA 12 Prezado acadêmico, observe que os comentários que se seguem nesse diálo- go com a obra de Wright (2012), fornecem ao pregador uma série de subsídios para produ- zir sermões. Por isso é importante que você já inicie a leitura dos subtópicos a seguir com esta noção em mente, a fim de fazer melhor aproveitamento do conteúdo que se segue. • O evangelho é a história de Jesus à luz das Escrituras. O Evangelho deve ser entendido como uma mensagem que está ancorada em fatos históricos sobre Jesus. E esse Jesus histórico esteve na Terra para realizar uma obra de salvação prometida no Antigo Testamento e cumprida nele. Wright (2012, p. 227) co- menta que “[...] o evangelho é um relato dos acontecimentos da morte e da ressurreição de Jesus, entendido à luz das Escrituras do Antigo Testamento. A boa-nova é o que Deus prometeu na Escritura e, depois, concluiu em Jesus”. Essa compreensão do Evangelho como história é fundamental para que se com- preenda a expressão do Novo Testamento que afirma em termos de “recepção do evan- gelho”, como em 1 Coríntios 15.1: “Também vos notifico, irmãos, o evangelho que já vos tenho anunciado, o qual também recebestes e no qual também permaneceis” (BÍBLIA, 1993, 1Co. 15,1). Por que a palavra “recebestes”? Justamente porque esse Evangelho não foi uma criação de Paulo, que havia trabalhado entre os coríntios por um período de dezoito me- ses. Com a palavra “recebestes” ele estava indicando que o Evangelho era anterior a ele mesmo e constitui uma mensagem que registra eventos que ocorreram factualmente en- volvendo Jesus. Paulo prossegue, em 1 Coríntios 15, afirmando o seguinte: Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e que foi visto por Cefas e depois pelos doze. Depois, foi visto, uma vez, por mais de quinhentos irmãos, dos quais vive ainda a maior parte, mas alguns já dormem também. Depois, foi visto por Tiago, depois, por todos os apóstolos e, por derradeiro de todos, me apareceu também a mim, como a um abortivo (BÍBLIA, 1993, 1Co. 15,3-8). Note que Paulo alude a testemunhas oculares: Jesus “[...] foi visto, uma vez, por mais de quinhentos irmãos, dos quais vive ainda a maior parte [...]”. (BÍBLIA, 1993, 1Co. 15,6). Seria absurdo ele aludir a testemunhas oculares e afirmar aos seus leitores que grande par- te delas estavam vivas ao tempo em que ele escreve seu texto, se ele não cresse realmente que os eventos que haviam sido testemunhados por essas pessoas não fossem factíveis. Logo, o Evangelho está assentado sobre fatos. E é nessa perspectiva que Paulo opera, em grande medida. Wright (2012, p. 228) afirma que o “[...] evangelho de Paulo, portanto, está arrai- gado nas Escrituras e é moldado pelo reino de Deus. Ele é constituído da consumação de Jesus como Messias, cumprindo as Escrituras e encarnando o Messias”. Wright prossegue afirmando que a “[...] boa-nova é que o reino de Deus, prometido e definido nas Escrituras, agora é chegado na pessoa e na obra do Messias Jesus”. (WRIGHT, 2012, p. 228). ATENCAO TÓPICO 1 — FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E TEOLÓGICOS DA PREGAÇÃO 13 • O evangelho é uma nova humanidade redimida, uma única família de Deus. A mensagem do Evangelho é para todas as nações, para o mundo inteiro. O Evangelho cumpre, de certo modo, o plano divino no sentido de abençoar, em Abraão, todas as nações da Terra. Como afirma Wright, os acontecimentos relativos ao anúncio do Evangelho e da vida de Jesus “[...] tinha também raízes profundas no Antigo Testamento” (WRIGHT, 2012, p. 228). Isso rompe com paradigmas muito profundos nos tempos bíblicos, sejam os an- teriores à Era Cristã, sejam os do primeiro século depois de Cristo. Os judeus sempre nu- triram um profundo nacionalismo, e esse é um dos paradigmas que marcam a história dos hebreus. Wright comenta: As nações, ao que parecia, estavam completamente alienadas e fora do centro da família de Deus. Deus havia entrado em aliança com Israel, redimindo-os e dando-lhes sua Lei, havia lhes dado promessas e esperança, havia descido e feito sua morada entre eles. As nações, ao contrário, poderiam ser precisamente descritas por Paulo da seguinte maneira:Portanto, lembrai-vos de que, no passado, vós, gentios por natureza, chamados incircuncisão pelos que se chamam circuncisão, feita pela mão de homens, estáveis naquele tempo sem Cristo, separados da comunidade de Israel, estranhos às alianças da promessa, sem esperança e sem Deus no mundo. (Ef 2.11,12) (WRIGHT, 2012, p. 229). Com Jesus Cristo, contudo, as barreiras caíram. Cristo é quem une a todos e nivela todos os homens. Em Colossenses (3,11), pode-se ler que nessa nova vida em Cris- to “[...] já não há diferença entre grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro e cita, escravo e livre, mas Cristo é tudo e está em todos” (BÍBLIA, 2021, Cl. 3,11). O Evangelho, portanto, acaba com esse estado de separação entre povos, judeus e gentios, entre senhor e servo, entre livres e escravos e entre homem e mulher. O texto de Efésios (2,13-18) é marcante nesse sentido. Essa é a nova humanidade a que Wright se refere quando afirma que o evangelho é uma nova humanidade redimida, uma única família de Deus. Aqui, pode-se estabelecer um link com a compreensão cristã a respeito da Ekklesia, isto é, da Igreja universal que congrega pessoas que procedem de toda “[...] tribo, língua, povo e nação” (BÍBLIA, 1993, Ap. 5,9). • O evangelho é uma mensagem a ser transmitida ao mundo todo. A compreensão de que o Evangelho é mensagem que precisa ser proclamada a todo o mundo é uma das bases neotestamentárias para a pregação mais importantes que podemos destacar. Wright comenta que “[...] a própria natureza do evangelho é que ele é uma boa-nova que simplesmente tem que ser anunciada [...]” e que “[...] deve ser ouvido como a ‘palavra da verdade’ (Efésios 1.13; Colossenses 1.5,23)” (WRIGHT, 2012, p. 230). O Evangelho deve ser pregado a todas as nações indistintamente porque em Cristo todos são alcançados. As barreiras caíram e não deve haver distinção, como havia por parte dos judeus em relação aos gentios. O Evangelho “[...] é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego” (BÍBLIA, 1993, Rm. 1,16). • O evangelho é transformação ética. UNIDADE 1 — HOMILÉTICA – DOS CONCEITOS BÁSICOS AO ENSINO E À PREGAÇÃO BÍBLICA 14 A pregação do Evangelho possui um forte teor ético, que precisa ser levado em conta. Quando se pensa na proclamação do Evangelho, pode-se ter em mente que ela in- clui convidar as pessoas a aceitarem essa ética do Evangelho em suas vidas. Do contrário, isto é, se esse apelo não existe, pode-se até questionar a legitimidade desse “evangelho” que se está pregando. É preciso destacar que no Evangelho não é possível separar a crença doutrinária do modo de viver. É que as “[…] duas coisas são intrínsecas ao próprio evangelho […]”, con- forme afirma Wright (2012, p. 232). É parte da ação do Evangelho no homem modificá-lo para melhor. O ensino paulino afirma que somos obra de Deus, criados para as boas obras (BÍBLIA, 1993, Ef. 2,8-10). Concluindo este subtópico, é importante destacar que no Novo Testamento tan- to o ato de crer no Evangelho como o ato de obedecer ao Evangelho estão intimamente correlacionados. E essa precisa ser uma tônica da pregação cristã. Precisa ser e continuar sendo uma de suas bases neotestamentárias fundamentais, para que não sofra o prejuízo de se descaracterizar como Evangelho de fato. • O evangelho é a verdade a ser defendida. Há, também, outra base neotestamentária para se compreender a pregação: ela possui um caráter apologético. Uma vez que se compreende que a verdade do Evangelho precise ser defendida, a pregação assume esse caráter. Wright afirma: “As boas-novas tam- bém podem ser uma má notícia para aqueles cujos interesses pessoais sejam ameaçados por elas. Por essa razão, há uma batalha a ser travada, a fim de garantirmos que a verdade do evangelho seja preservada, esclarecida e defendida contra negações, distorções e trai- ções” (WRIGHT, 2012, p. 235). Pensar sobre a questão apologética em relação ao Evangelho é fundamental, por- que nos conduz a refletir sobre o que é o Evangelho de fato, e o que ele não é. E hoje con- vivemos com diversos tipos de pregações que, conquanto se apresentem como “pregação do evangelho”, na verdade constituem discursos alienados da essência do Evangelho. Podem ser citados diversos exemplos desse fato. Ouve-se muitos discursos de autoajuda como se fossem a mensagem do Evangelho. Mas esses discursos se distanciam do cerne do Evangelho, porque eles buscam no próprio sujeito a orientação e o esforço necessários para o seu progresso pessoal, numa espécie de empreendedorismo individual, o que de per si não é negativo, quando não é apresentado como a mensagem do Evan- gelho. O conteúdo da pregação cristã é o próprio Cristo, sua obra salvadora e sua vida em nós. Outros apresentam um discurso extremamente radical relacionado à moralidade cristã, que geralmente é fruto de fundamentalismo religioso. Esse tipo de conteúdo é apresentado como “defesa do Evangelho” e da verdade, mas quem opera com esse tipo de abordagem parece não levar em conta o fato de que a graça de Deus foi dada a homens pecadores, que continuam sendo pecadores mesmo depois de alcançados pela graça. Não se está afirmando com isso que deva haver leniência para com o pecado e com atos e comportamentos que são contrários a uma vida de verdadeiro discipulado. Como pode se depreender do comentário no subtópico anterior, nossa abordagem não é de legitimação do pecado, mas podemos entender que a condição humana é marcada por problemas e limitações. Pregações marcadas por radicalismo religioso tendem a criar ou vender a ima- gem do “super cristão”, levando as pessoas a acreditarem numa espécie de utopia existen- cial, que consiste em crer que é possível alcançar um elevadíssimo padrão de moralidade que, na prática, nunca será alcançado por ninguém. Mesmo aqueles cristãos mais com- prometidos com Cristo e com a Igreja que conhecemos pessoalmente, e sobre os quais TÓPICO 1 — FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E TEOLÓGICOS DA PREGAÇÃO 15 podemos ler na história do cristianismo, possuem e possuíram falhas morais, algumas gravíssimas, inclusive. É preciso equilíbrio entre a convicção de que é possível ser melhor sem ser perfeito. Devemos lembrar que a humanidade, em sua história, sempre foi marcada por egoísmo, hedonismo, violência sem limites, sexo irresponsável, ganância, engano e tan- tos outros males que poderiam ser elencados. Por mais que a humanidade não deva ser encarada e entendida apenas nesses termos (seria impróprio), mas é fato que esses males assolam o homem há muitos séculos. Nesse sentido, o Evangelho é boa-nova, boa notícia, mas, também, confrontação, porque com efeito o homem é mau em seu coração e sente prazer na prática contínua de muitos desses males. O Evangelho confronta as condutas incorretas que praticamos, mas ele também é poder de Deus para modificar nossa ética no mundo da vida. É o que veremos no próximo subtópico. • O evangelho é o poder de Deus transformando o universo. O Evangelho é o poder de Deus agindo no mundo, na vida das pessoas, provocando transformações profundas. A obra de Cristo, seu ministério, sofrimento, sua morte e res- surreição possibilitam que os homens tenham acesso a Deus e possam, assim, ser trans- formados à imagem do próprio Cristo. O ensino bíblico é no sentido de que o verdadeiro seguimento de Cristo não consiste só ou exclusivamente de uma compreensão intelectual de determinada verdade, mas em que se internalize na própria vida essa verdade. E aí está um elemento fundamental à fé cristã: a vivência concreta dos princípios do Evangelho. É só após a análise da importância cósmica de Cristo, de sua igreja e de sua cruz é que Paulo passa para a reconciliação pessoal dos cristãos. Os cristãos em Colossos poderiam ficar firmes em sua fé e esperança (Colossenses 1.23), porque a sua salvação estava atrelada à agenda do evangelho, a qual possui um alcance cósmico, englobando todo o espaço e o tempo. Não éde admirar que Paulo diga que ele está sendo proclamado “a toda a criatura debaixo do céu” (Colossenses 1.23). (WRIGHT, 2012, p. 236). As compreensões de Wright, com as quais dialogamos até aqui, são importantes para que se possa perceber as bases bíblicas da pregação cristã no Novo Testamento. As definições apresentadas pelo referido autor, e aqui desdobradas, auxiliam nessa compre- ensão. E pode-se perceber que com o passar do tempo, na história do cristianismo, tais compreensões têm sido sustentadas e servido de baliza para a proclamação do Evangelho. A seguir, faremos uma breve excursão pela história da pregação cristã. 4 A PREGAÇÃO NA HISTÓRIA DO CRISTIANISMO: BREVE EXCURSÃO A história da pregação cristã se confunde com a própria história do cristianismo. O cristianismo sempre foi uma religião de proclamação e de argumentação em favor da fé cristã. Não por acaso ele formou não apenas teólogos brilhantes, mas, também, pregadores incríveis. E essa característica do cristianismo reflete muito sua dinamicidade ao longo de gerações. UNIDADE 1 — HOMILÉTICA – DOS CONCEITOS BÁSICOS AO ENSINO E À PREGAÇÃO BÍBLICA 16 FIGURA 8 – PÚLPITO CRISTÃO FONTE: <https://shutr.bz/3luFbxE>. Acesso em: 4 ago. 2021. Um estudo dessa natureza, que busca considerar a história da pregação e, por que não dizer, da própria Homilética (por extensão), é importante porque nos permite perceber que a pregação não é uma prática que surge na Reforma Protestante, ou no grande avivamento da Inglaterra no século XVIII, com os Wesley. Muitos pregadores e teólogos reformados enfatizam tanto a pregação em Calvino e em outros reformadores, que fica a impressão de que a pregação surge com eles. Mas na verdade não foi assim. Houve oradores notáveis que precederam o próprio Calvino, como Lutero, Agostinho e Orígenes. Na verdade, é correto compreender que Calvino não surge como pregador no vácuo, a partir do nada. Ele prega e se torna um pregador dentro de um contexto maior construído por outros que o precederam. A própria Reforma Protestante pode ser considerada um movimento de grandes proporções com ideias e conceitos comuns a diversos reformadores que os repetiram e corroboraram, como os cinco “somentes” da Reforma: somente a fé, somente a escritura, somente a graça, somente Cristo e glória somente a Deus (em latim, sola fide, sola escriptura, sola gratia, solus Christus e soli Deo gloria). A história da pregação deve remontar até o primeiro século, ao registro que temos dela no Livro de Atos. Conforme comentado anteriormente, a pregação proferida por Pedro no dia de Pentecostes, de acordo com registro de Atos 2, coloca-se como uma amostra da ênfase que o Livro de Atos dá à pregação. Há outras ocasiões em que sermões são proferidos, como a pregação de Pedro, quando no alpendre de Salomão (BÍBLIA, 1993, At. 3,12), ou Paulo, na sinagoga de Antioquia da Pisídia (BÍBLIA, 1993, At. 13,16). É preciso levarmos em conta que o Livro de Atos é uma importante fonte de informação histórica sobre a pregação cristã, já que não dispomos de muito material a esse respeito no texto bíblico. Temos, ali, material suficiente para perceber o caráter da pregação apostólica, mas não exaustivo. Também não dispomos de muito material no que se refere à pregação entre o período apostólico e o tempo de Orígenes, que viveu entre os séculos II e III. TÓPICO 1 — FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E TEOLÓGICOS DA PREGAÇÃO 17 A despeito dessa ausência de material para maior pesquisa, acredita-se que a pregação era lida e explicada para a assembleia presente, seguindo um modelo que inicia no Novo Testamento. Mas em Orígenes acontece uma guinada na pregação, porque diferentemente de seus predecessores, ele não parte de um tema escolhido para a pregação, mas parte do próprio texto bíblico. A pregação era pautada por essa tendência de se escolher um tema e buscar textos bíblicos para confirmar o tema. Orígenes, por sua vez, transforma a homilia numa exposição das partes do texto bíblico escolhido, o que chamaríamos hoje de sermão expositivo. Importante destacar ainda que “[...] as homilias mais antigas que ficaram preservadas até nós são as de Orígenes” (CHAMPLIN, 1991, vol. 3, p. 154). FIGURA 9 – REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DE ORÍGENES FONTE: <https://bit.ly/3oLL9wc>. Acesso em: 20 ago. 2021. Orígenes acreditava tanto na capacidade inata do pregador como no dom divino. E confiava mais na exposição simples e clara da palavra de Deus do que na retórica pagã. Uma vez que o sermão deve ter como fonte a palavra de Deus, o seu objetivo maior deveria ser a edificação espiritual do ouvinte. Porém, é preciso lembrar que Orígenes interpretava as Escrituras – isto é, sua Hermenêutica – a partir da alegorização (PARKER, 2019). Na Bíblia, encontra-se alegorias, mas podemos falar de alegoria em termos de um modo de interpretar as Escrituras, modo esse que foi superado em definitivo na Reforma Protestante, que valorizou a interpretação gramatical do texto. A alegorização da Bíblia consiste em uma espécie de espiritualização do texto bíblico, mas de maneira forçosa. Trata-se de um método de interpretação que acabou contribuindo para interpretações distantes do que de fato o texto bíblico está afirmando, dando lugar, algumas vezes, a interpretações, no mínimo, inusitadas. UNIDADE 1 — HOMILÉTICA – DOS CONCEITOS BÁSICOS AO ENSINO E À PREGAÇÃO BÍBLICA 18 Na Patrística, a pregação foi marcada pela preocupação em demonstrar o verdadeiro evangelho resguardando-o das heresias. Esse período que se estende por pelo menos cinco séculos (para citar uma contagem mais “econômica”), é o período da gênese da literatura cristã. Movimentos como o Gnosticismo recebiam refutação dos primeiros teólogos da Igreja. Deve-se lembrar, inclusive, que a Patrística é justamente o período que abrange os primeiros séculos da Era Cristã, nos quais despontaram grandes teólogos que deixaram para a posteridade obras de grande importância, como Contra as Heresias, de Irineu. Um aspecto muito importante da Teologia patrística é o seu inegável déficit para com a Filosofia grega. Ao ponto, inclusive, de ser considerada a primeira fase da Filosofia medieval, já que a Patrística é o período de tempo que decorre entre a Antiguidade e o início da Idade Média. Esse foi, sem dúvida, um período muito importante e produtivo para o Cristianismo. E esse vínculo com a Filosofia grega tinha razão de ser, já que o mundo, naquele tempo, a cultura helênica influenciava todo o mundo. A Filosofia era usada, inclusive, de modo racional, para defender o dogma contra aqueles que o atacavam. Havia certa semelhança entre ensinamentos cristãos e ensinamentos de filósofos gregos, de modo que isso serviu a esses teólogos. Essa era, a Patrística, pode ser considerada a era dos grandes apologistas cristãos que buscavam defender com veemência a fé cristã. E faziam essa defesa com base filosófica, conforme mencionado acima. Destacam-se assim pensadores cristãos como Justino, Irineu de Lião, Orígenes, Clemente de Alexandria, dentre outros). Embora utilizando-se da Filosofia, é fato que esses pais apostólicos amavam muito as Escrituras e as utilizavam intensamente. Em que pese o fato de que eles deixaram muitos comentários às Escrituras. Os textos escriturísticos eram usados para a elaboração da defesa da fé cristã e para a sustentação dos argumentos apresentados por esses teólogos antigos. A filosofia era usada como uma espécie de etapa preparatória para a reflexão e a pregação cristã. Parker (2019) comenta que os escolásticos contribuíram para a pregação ao dispensarem o formato de homilia, que não apresentava uma estrutura para o sermão, e adotaram uma estrutura formal em seus sermões. Segundo o autor: Os escolásticos dispensaram a homilia e empregaram uma estrutura formal nos seus sermões. Esse formato foi empregado universalmente nos sermões acadêmicos, e como os estudantes eram treinados nesse método nas universidades, esse foi amplamente utilizadonas paróquias, apesar de a homilia nunca ter se extinguido completamente. Aqui, só é possível apresentar uma esquemática mínima desse formato incrivelmente complicado e sutil. O sermão era dividido em cinco partes: TÓPICO 1 — FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E TEOLÓGICOS DA PREGAÇÃO 19 Tema ou texto. Pré-tema, para despertar o interesse das pessoas. Introdução ao tema, para explicar seu significado. Divisão em partes. Desenvolvimento das partes (PARKER, 2019, p. 21). Nos dois séculos que precederam a Reforma Protestante, a pregação escolástica declinou, reduzindo-se, por vezes, ao humorístico e ao burlesco, ainda que sempre tenha havido pregadores sérios e zelosos (PARKER, 2019, p. 22). É na Era Escolástica que surge um homem muito importante na história do cristianismo, estudioso profundo e altamente competente, que trabalhou para traduzir a Bíblia para a língua inglesa, John Wycliffe (1328-1384). Parker (2019, p. 22) comenta que Wycliffe: [...] se distanciou decisivamente da pregação medieval tanto em forma como em conteúdo. Ele retornou à homilia e fez da pregação a simples exposição das Escrituras. Em segundo lugar, ele delineia uma doutrina da Palavra que não parece ser fundamentalmente diferente daquela de Lutero ou Calvino. Lutero, já no período da Reforma Protestante, pregou de modo expositivo, em alemão, entendendo que a pregação era a exposição da Palavra de Deus e que devia ter uma posição central na Igreja. O reformador Zuínglio, por sua vez, usou a homilia e pregou livros inteiros da Bíblia, de maneira continuada, iniciando esse esforço em 1519, em Zurique, com o Evangelho de Mateus (PARKER, 2019, p. 24). Calvino, que pode ser considerado como pertencente a uma segunda geração de reformadores, contribuiu com a Homilética no que tange à sistematização e à análise do sermão. Ele, juntamente com Lutero, Zuínglio e outros reformadores, pode ser considerado representante do modelo de pregação que prevaleceu no período da Reforma Protestante, um modelo que valorizava explorar o texto bíblico e que reconheceu a pregação da palavra de Deus como uma atividade fundamental e central do ministério cristão. No período da Reforma, afirma Parker (2019, p. 24) que “[...] a missa foi destronada de seu reinado usurpado na igreja, e o sermão colocado em seu lugar. O púlpito, em vez T. H. L. Parker (2019, p. 18) apresenta uma importante distinção que precisamos considerar aqui, ok? Veja só: ele distingue, na história da pregação cristã, o conceito de “homilia” do conceito de “kerygma”. A pregação como homilia era direcionada exclusivamente à igreja, ao passo que a pregação como kerygma era direcionada ao mundo pagão e tinha um caráter mais profético e agressivo. ATENCAO UNIDADE 1 — HOMILÉTICA – DOS CONCEITOS BÁSICOS AO ENSINO E À PREGAÇÃO BÍBLICA 20 do altar, tornou-se o ponto central nas igrejas luteranas, calvinistas e anglicanas. A pregação foi vinculada às Escrituras tanto em forma quanto em substância”. Ele prossegue, apontando que o: [...] propósito da pregação, de acordo com os Reformadores, era expor e interpretar a Palavra de Deus nas Escrituras. Desse modo, eles promulgaram as Escrituras como o critério a partir do qual toda sua pregação deveria ser julgada. A pregação era a serva da Palavra eterna que Deus uma vez “pronunciou” e da qual foram testemunhas as palavras dos profetas e dos apóstolos. (PARKER, 2019, p. 24) 5 BASES BÍBLICO-TEOLÓGICAS DA PREGAÇÃO A pregação cristã precisa ter como um de seus fundamentos teológicos a compreensão de que ela é parte da própria missão da Igreja. E a missão da Igreja inclui proclamar o evangelho, levando o kerigma ao mundo perdido e carente de salvação em Cristo. É claro que a missão da Igreja assume diferentes aspectos, como ser, também, educadora. Cozzer (2020) afirma o seguinte: A missão da Igreja, em sua anunciação do evangelho de Cristo, requer dela uma postura educadora. E ela vem assumindo isso ao longo dos séculos trazendo, inclusive, benefícios, no âmbito da Educação Pública. A Reforma Protestante teve como um de seus grandes ideais justamente o acesso à educação, ainda que básica, para a sociedade (COZZER, 2020, vol. 1, p. 367). A missão da Igreja é anunciar boas-novas. E esse anúncio de boas-novas se dá com o próprio Jesus e, também, no corpus paulinum. Nesses, com maior ênfase, mas não apenas neles. Todo o Novo Testamento enfatiza as boas-novas de salvação em Jesus. Jesus é aquele que cumpre o sentido maior das profecias messiânicas de Isaías, vindo para reinar, fazendo crescer o seu reino de paz no mundo. FIGURA 10 – PÚLPITO FONTE: <https://shutr.bz/3BvnljI>. Acesso em: 4 ago. 2021. TÓPICO 1 — FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E TEOLÓGICOS DA PREGAÇÃO 21 Outra base bíblica e teológica para a pregação é a eclesiológica. A Eclesiologia, enquanto disciplina teológica, é “[...] muito importante no âmbito da Teologia Sistemática e para a vida da Igreja do Senhor, bem como para a comunidade de fé local, que se reúne regularmente para cultuar a Deus” (COZZER, 2020, vol. 1, p. 767). Certo, mas como essa relação Igreja/pregação pode ser entendida como base teológica para a teologia da pregação? Compreender que a pregação como parte da missão da Ekklesia constitui em si uma importante base teológica para a Igreja. Nosso entendimento é que a correta compreensão da Igreja e de sua missão incidirá na qualidade da pregação. E o fluxo de volta também é verdadeiro: a correta compreensão da pregação reflete diretamente na qualidade de nossas comunidades de fé. Por isso, a pregação é assunto tão importante em Teologia. A seguir, refletiremos sobre o nosso principal objeto de estudo, o sermão. Avançamos agora para uma parte mais prática do nosso estudo: considerar as partes que compõem um sermão, cada uma delas, entendendo a sua finalidade na pregação e como preparar cada uma. Todas essas seções são fundamentais, e, quando bem-preparadas, contribuem diretamente para a qualidade da homilia, tanto no que se refere a sua qualidade teológica como no que se refere à qualidade da sua exposição perante a congregação. 22 Neste tópico, você aprendeu que: • Os fundamentos históricos e teológicos da pregação cristã, bem como suas bases no Antigo Testamento, no Novo Testamento e algumas bases de natureza teológica. • A história da pregação, o que permitiu uma visão panorâmica a respeito de como a pregação foi praticada ao longo da história do cristianismo. • As diversas características do Evangelho a partir do corpus paulinum, conforme analisado por Wright (2012), características essas que devem refletir diretamente na pregação e na própria vida do cristão. RESUMO DO TÓPICO 1 23 1 Uma classificação muito tradicional para os sermões é aquela que os organiza em sermões expositivos, temáticos e textuais. Com base na definição de sermão expositivo, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) É o sermão elaborado a partir de um tema, logo, da cabeça do pregador. As divisões do sermão são articuladas com o tema. b) ( ) É o sermão que é elaborado a partir do texto bíblico, que se utiliza de uma porção pequena de versículos, em geral um ou dois versículos. c) ( ) É o sermão elaborado a partir do texto bíblico e que se utiliza de um grupo maior de versículos, podendo chegar a fazer uso de um livro inteiro. d) ( ) É o sermão que tende a ser mais fácil de ser preparado e cuja aplicação é, também, mais simples. 2 A pregação cristã encontra suas bases tanto no Antigo e Novo Testamentos como na própria reflexão teológica. Em relação ao material bíblico, sabe- se que há palavras importantes que refletem a ideia de comunicar uma mensagem, que é basicamente o objetivo da pregação cristã. E há bases bíblico-teológicas importantes para a pregação que precisam ser conhecidas pelo pregador. Tendo as bases bíblico-teológicas para a pregação em mente, analise as sentenças a seguir: I- Uma dessas bases é a compreensão de que a pregação é parte da própria missão da Igreja.II- Uma dessas bases é a compreensão de que a pregação implica proclamar o evangelho do Senhor Jesus. III- A base eclesiológica é também muito importante, mas sem relação com a questão da pregação, uma vez que ela tem que ver diretamente com a doutrina da Igreja. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As sentenças I e III estão corretas. b) ( ) Somente a sentença II está correta. c) ( ) As sentenças I e II estão corretas. d) ( ) As sentenças II a III estão corretas. 3 O sermão é constituído por diversas partes. O pregador precisa conhecer essas partes de modo adequado para que tenha condições tanto de preparar adequadamente o sermão como de expô-lo com clareza. Uma dessas partes constitutivas do sermão deve ter como qualidades a clareza, concisão e a brevidade. Ela aparece no início do sermão e serve para que, por meio dela, o pregador anuncie o conteúdo do que será ministrado. Pensando em qual parte aparece no início do sermão, assinale a alternativa CORRETA: AUTOATIVIDADE 24 a) ( ) A introdução. b) ( ) A conclusão. c) ( ) O apelo. d) ( ) O desenvolvimento. 4 Ao longo da história do cristianismo, a pregação sempre foi uma constante. Em cada período, ela se apresenta com determinadas características. Com efeito, a história da pregação quase se confunde com a história da Igreja. Disserte a respeito das características da pregação na Era Apostólica, no primeiro século. 5 Refletir sobre as bases teológicas da pregação leva a considerar o corpus paulinum, que representa uma grande parte do Novo Testamento. São ao todo treze epístolas e deve-se mencionar ainda a própria vida de Paulo, que foi dedicada em grande medida à atividade missionária e, por extensão, à pregação. Consciente desse fato, disserte a respeito da concepção paulina, presente no corpus paulinum do Evangelho. 25 TÓPICO 2 — UNIDADE 1 PARTES QUE COMPÕEM O SERMÃO 1 INTRODUÇÃO Muitas pessoas que se convertem ao Evangelho logo nos seus primeiros anos ou, por que não dizer, em seus primeiros meses de conversão, já começam a “pregar”. E há muitos cristãos que prosseguirão durante anos fazendo uso da Palavra ao púlpito de suas igrejas sem de fato entenderem como estruturar um sermão e em seguida expô-lo. A qualidade da exposição do sermão está diretamente ligada à forma como ele é pensado e preparado previamente. Para tratar dessa temática, é necessário aprofundarmos nossos conhecimentos sobre a Homilética. FIGURA 11 – SERMÃO FONTE: <https://shutr.bz/3anoUUU>. Acesso em: 4 ago. 2021. Uma definição clássica para a Homilética é a seguinte: “é a técnica e arte da preparação e exposição de sermões”. É técnica porque envolve objetivos, conhecimento do assunto a ser abordado no sermão, elaboração intelectual e organização. Mas é arte porque requer do pregador sensibilidade e percepção de natureza espiritual, racional e emocional. Vejamos, na tabela a seguir, outras importantes e muito úteis definições de Homilética e alguns comentários relativos a ela de grandes teólogos cristãos e em obras teológicas cristãs. É muito importante conhecer as contribuições desses pensadores da fé cristã, porque isso nos possibilita ter uma visão mais abrangente 26 UNIDADE 1 — HOMILÉTICA – DOS CONCEITOS BÁSICOS AO ENSINO E À PREGAÇÃO BÍBLICA e perceber a disciplina Homilética e a prática da pregação por meio de diferentes perspectivas que, em grande medida, são complementares. Tendo considerado essas conceituações, avançaremos para o estudo das partes que compõem o sermão. QUADRO 1 – DEFINIÇÕES DE HOMILÉTICA FONTE: O autor Devemos destacar um ponto, ainda, muito importante: a estreita correlação que há – ou que deve haver – entre a pregação e a Hermenêutica Bíblica. Neste subtópico, o objetivo é estudar as partes que compõem o sermão, mas há um elemento fundamental que antecede a elaboração dessas partes. E que elemento é esse? TÓPICO 2 — PARTES QUE COMPÕEM O SERMÃO 27 2 A IMPORTÂNCIA DE CONHECER A ESTRUTURA DE UM SERMÃO O conhecido homileta brasileiro Jilton Moraes, já no início de sua obra Homilética: da pesquisa ao púlpito (2007), comenta que utiliza o método de H. C. Brown Jr., considerado pioneiro no estudo da elaboração de sermões a partir de vários passos, de modo que o primeiro desses passos é a interpretação correta do texto bíblico. Assim, Moraes comenta o seguinte: O desafio do método Brown é equipar o pregador para elaborar sermões textuais e expositivos a partir do aprofundamento da pesquisa do texto básico. Segundo esse método, a tarefa do preparo do esboço não começa com o título, divisões, introdução ou conclusão, com a elaboração da pesquisa que antecede essa tarefa. Ou seja, o pregador só está apto a iniciar o trabalho das divisões, da introdução e da conclusão depois de ter elaborado tal pesquisa preliminar, que vai da correta interpretação do texto até a escolha do título (MORAES, 2007, p. 14). Outro ponto muito importante que deve ser destacado é sobre a importância das partes do sermão. O Dr. Juan C. de la Cruz (2016) comenta que “[...] casi cualquier libro sobre predication que pretenda ser prático, proponderá em algún modo um orden que guie al predicador a passar del texto bíblico y del mensaje a la audiência del mundo bíblico, al mensaje bíblico al mundo actual del precador” (CRUZ, 2016, s.p.). Esse costume de estruturar o sermão em partes é fundamental para que ele possa ter concatenação nas ideias que apresenta, sequência lógica e organização. Antes de prosseguirmos na análise dessas partes constitutivas do sermão, considere os dois exemplos de sermões a seguir, um expositivo e outro temático, extraídos da Enciclopédia Teológica numa perspectiva transdisciplinar (COZZER, 2020). Esses modelos ajudarão você, acadêmico, a perceber tanto as especificidades de cada um como, também, as diferenças entre tipos de sermões e como suas partes são organizadas. Conquanto a estrutura básica de um sermão seja TEMA – TEXTO BÍBLICO – INTRODUÇÃO – TÓPICOS – CONCLUSÃO, os esboços, conforme o tipo de sermão, podem apresentar certas diferenças. Esse esforço para exemplificar os diferentes tipos de sermão é muito importante. Os sermonários, que são aqueles livros que contêm apenas esboços de sermões, são ferramentas muito úteis nesse sentido, justamente porque a consulta a eles permite visualizar de modo prático a elaboração de sermões. 28 UNIDADE 1 — HOMILÉTICA – DOS CONCEITOS BÁSICOS AO ENSINO E À PREGAÇÃO BÍBLICA Os seguintes títulos auxiliarão muito você, estudante, nessa jornada. São obras que, para mim mesmo, têm sido muito úteis ao longo dos anos, compartilhando a Palavra de Deus: • BOYER, O S. 150 estudos e mensagens de Orlando Boyer. 6. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2005. • MARINHO, R. M. A arte de pregar: como alcançar o ouvinte pós-moderno. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Vida Nova, 2008, Apêndices 1 e 2, nas páginas 261-72. • MESQUITA, A. Ilustrações para enriquecer suas mensagens. Rio de Janeiro: CPAD, 2005. • PERES, A. C. Ilustrações selecionadas: pequenas histórias e experiências para ser- mões e estudos bíblicos. 16. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2006. DICAS A seguir, veremos um exemplo de sermão expositivo, retirado de Cozzer (2020, vol. 1, p. 755-761) e um exemplo sermão temático, retirado de Cozzer (2020, vol. 1, p. 788-790). • Exemplo de esboço de sermão expositivo Tema do sermão: A premente necessidade de obedecer aos preceitos do senhor Texto bíblico de base: “E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração” (BÍBLIA, 1993, Dt. 6,6). INTRODUÇÃO O Livro de Deuteronômio faz parte do Pentateuco e é tradicionalmente atribuído a Moisés, tanto entre cristãos quanto entre judeus. Um fato interessante sobre o título grego do livro é que ele seria uma interpretação equivocada de 17.18, que conclui ser uma “segunda lei”, quando na verdade não se trata de uma segunda (outra) lei, mas, sim, da repetição da mesma Lei do Senhor, às vésperas de adentrarem na terra da promessa (CARSON et al., 2009).Assim, o livro reafirma e reaplica preceitos que estão contidos nos livros anteriores do Pentateuco para o povo de Israel. Embora se admita que Moisés seja o seu autor, é inegável que houve o trabalho de um editor posterior, até pelo fato de o livro trazer o relato da morte de Moisés, no capítulo 34. O postulado defendido pela hipótese documentária de que o livro seria resultado de vários autores, oriundos de várias escolas, é rejeitada neste esboço. No próprio Novo Testamento (e mesmo no Antigo) TÓPICO 2 — PARTES QUE COMPÕEM O SERMÃO 29 encontramos claras evidências de que Moisés foi o autor desse grupo de livros que contém importantes preceitos, que são, vários deles, reiterados nos textos neotestamentários. Esta teoria, atualmente, não se acha mais em sua forma original, mas seus desdobramentos continuam sendo uma constante na Academia Teológica. Com efeito, muitos comentadores bíblicos adotam as posições relacionadas à esta teoria. Todavia, a Hipótese Documentária vem sofrendo questionamentos e mesmo autores que a adotam reconhecem que ela possui sim suas limitações (BROWN; FITZMYER; MURPHY, 2007). ESBOÇO RESUMIDO 1. Introdução e chamado a obedecer aos preceitos que seguem (vv. 1-3). 2. O Shemá de Israel e o chamado à obediência (vv. 4-9). 3. O Senhor faz promessas ao seu povo quanto à posse da terra (vv. 10, 11). 4. Instruções diversas ao povo sobre como proceder na terra da promessa (vv. 12-19). 5. Instruções quanto às gerações futuras (vv. 20-25). ESBOÇO HOMILÉTICO O presente sermão reflete sobre a importância de obedecer aos preceitos do Senhor. Note-se que já no início do capítulo 6 do Livro de Deuteronômio, o povo é convidado a obedecer a Iavé, pondo em prática os seus mandamentos. Introdução e chamado a obedecer aos preceitos que seguem (vv. 1-3) É interessante observar que Moisés orienta o povo a respeito dos “[...] mandamentos, os estatutos e as normas que Iahweh vosso Deus ordenou ensinar- vos, para que os coloqueis em prática [...]” (v. 1, BJ). Esses preceitos deveriam ser postos em prática na terra que agora o povo passava a dominar. A bênção de Deus por vezes é condicional. Conquanto Deus prometa a bênção e a ministre sobre seus filhos, em muitos momentos ela vem mediante a observância de preceitos ao longo de nossa vida. Deus estabelece seus preceitos (v. 1) “Estes, pois, são os mandamentos [...]” (v. 1, ARC). Os mandamentos de Deus precisam ser conhecidos para então serem obedecidos. O salmista escreveu: “Tu ordenaste os teus mandamentos, para que diligentemente os observássemos” (Sl. 119,4). 30 UNIDADE 1 — HOMILÉTICA – DOS CONCEITOS BÁSICOS AO ENSINO E À PREGAÇÃO BÍBLICA O temor ao Senhor na observância dos mandamentos (v. 2) “Para que temas ao Senhor, teu Deus” (v. 2). O temor do Senhor é o princípio da sabedoria, como ensina o Livro de Provérbios (1,7). O temor do Senhor, não o medo, leva-nos a evitar o mal. Um ser humano que não teme nada e nem ninguém tende a ser inconsequente em suas ações. O Shemá de Israel e o chamado à obediência (vv. 4-9) Deparamo-nos agora com um dos textos mais conhecidos do Antigo Testamento, tanto entre judeus como entre cristãos. É um texto que exalta o Senhor, o Deus de Israel, como o único deus verdadeiro. Esse texto tem servido como um pilar ao monoteísmo judeu e ao monoteísmo cristão, ainda que cada uma dessas religiões entenda o monoteísmo ao seu próprio modo. Moisés instrui o povo na vontade de Deus Nesta seção, temos o conteúdo transmitido por Moisés ao povo quanto ao seu procedimento na terra da promissão. O texto começa conclamando Israel a ouvir: “Ouve, Israel [...]” (v. 4). Obedecer ou não aos mandamentos e preceitos que se seguem serão determinantes sobre o futuro de Israel. Ouvir aqui é muito mais do que um simples escutar. É atentar. Um olhar sobre o futuro é lançado nesta passagem. Vale ressaltar que toda a religião e vida do povo israelita deve girar em torno da verdade de que “o Senhor nosso Deus, é o único Senhor” (v. 4). A adoração e o serviço de Israel devem ser exclusivos a Iavé. “As quatro palavras (Javé, nosso Deus, Javé, Um) podem ser traduzidas de diversas maneiras, mas destacam que o Deus de Israel não era um de um panteão, mas soberano e objeto de toda a dedicação” (COUSINS apud BRUCE, 2009, p. 363). A preservação deste ensino Um fato interessante que se observa em Deuteronômio, capítulo 6, é o cuidado exigido por Deus ao povo no sentido de que ele preservasse “estas palavras” (v. 6). As gerações futuras precisam ser cientificadas deste ensino. Essas palavras deveriam fazer parte da rotina do povo, de sua vivência diária e não apenas num dia específico da semana (o sábado). Com efeito, esta preocupação deve fazer parte, também, da realidade da Igreja no século XXI. O cuidado com o ensino das verdades bíblicas é essencial para que tenhamos filhos saudáveis e adultos tementes a Deus. Deuteronômio 6, neste sentido, pode ser unido a outros diversos textos, inclusive os neotestamentários, que tratam da questão da instrução e do ensino bíblico. TÓPICO 2 — PARTES QUE COMPÕEM O SERMÃO 31 O Senhor faz promessas ao seu povo (vv. 10,11) Embora Israel, ao longo de sua trajetória, tenha sido por vezes infiel ao Senhor, Ele, contudo, reitera sua aliança com seu povo. Essa aliança retorna aos antepassados dos israelitas: “[...] na terra que jurou a teus pais, Abraão, Isaque e Jacó” (v. 10). Deus não esquece as suas promessas. Ele as cumpre no tempo devido. Interessante considerar que o povo sofredor no Egito havia esquecido essa promessa, mas Deus não! O que os israelitas estavam para ver com seus olhos era uma terra desejada por um povo do deserto, mas o desfrute dessa dádiva de Deus estava condicionado a que as pessoas ouvissem os preceitos do Altíssimo. O recebimento de uma promessa de Deus requer responsabilidade também. Mais do que pedirmos a Deus para que Ele cumpra o que nos tem prometido, devemos pedir que Ele nos dê estrutura e sabedoria para receber suas dádivas e para as administrarmos com prudência. Riquezas nas mãos de tolos podem ser destrutivas e reduzidas a nada. Advertências ao povo (vv. 12-19) Encontram-se neste trecho algumas advertências ao povo de Israel. Essas advertências podem ser contextualizadas para nós, hoje, e nos trazer, assim, orientação. É interessante lembrar que por ocasião de sua tentação no deserto, o Senhor Jesus usou versículos desta seção. O povo deve cuidar para não se esquecer do Senhor, seu Deus Aqui, o Decálogo, ou seja, os dez mandamentos, é reiterado. Na prosperidade a que estavam prestes a ser introduzidos, o povo não deveria esquecer-se do seu Deus. A idolatria tão presente entre os povos ao redor deveria ser evitada, sempre: “Não seguireis outros deuses, os deuses dos povos que houver à roda de vós” (v. 14). O versículo 13 viria a ser usado séculos mais tarde pelo Redentor para repelir uma das tentações de Satanás contra Ele, o que sugere que o valor doutrinário deste texto não está confinado aos tempos de Israel no deserto ou mesmo em Canaã. Noutras palavras, este versículo foi reatualizado em uma circunstância específica vivida por Jesus e pode ser reatualizado também em nossas vidas. Advertência contra o perigo de se tentar o Senhor Massá é lembrado como um evento que pode ensinar o povo (v. 16. cf.: Êxodo 17.1ss), que deve aprender as lições do passado. Jesus reiterou isso ao responder a Satanás: “Também está escrito: Não tentarás o Senhor, teu Deus” (Mt. 4,7), citando justamente Deuteronômio 6.16. “Pôr Deus à prova é tentar forçá-lo a demonstrar a sua divindade ao impor condições a ele” (COUSINS apud BRUCE, 2009, p. 364). Deus está para muito além desse tipo de categoria humana. 32 UNIDADE 1 — HOMILÉTICA – DOS CONCEITOS BÁSICOS AO ENSINO E À PREGAÇÃO BÍBLICA O povo deve ser contínuo em observar os mandamentos do Eterno A palavra usada é “diligentemente” (v. 17). Essa observância é para a vida. É diária. É contínua. Como visto em 6.6,7: “E estas palavras
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