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1 A ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA EM CONTEXTOS DE DESIGUALDADE SOCIAL: UMA INTERPRETAÇÃO MARXISTA THE PERFORMANCE OF PSYCHOLOGY IN CONTEXTS OF SOCIAL INEQUALITY: A MARXIST VIEW Dayanne Antunes Alexandre1 Dayane Patrícia Fernandes dos Santos2 Rogéria Paula de Jesus Silva3 Rômulo Silva dos Santos4 Resumo: A desigualdade socioeconômica é um fenômeno social debatido em diversos campos de estudo. No ramo da psicologia, esse tema também pode ser explorado e estudado em diferentes perspectivas. Neste artigo, busca-se compreender o papel do psicólogo mediante os impactos psicossociais da desigualdade econômica, dando ênfase na parcela populacional de baixa renda. Para isso, foi realizada uma revisão bibliográfica narrativa que analisou publicações de teóricos da psicologia social latino-americana e, também, publicações sobre a atuação da psicologia das políticas públicas. Através da leitura e análise crítica da bibliografia, compreendeu-se os impactos da pobreza tanto na construção da identidade dos indivíduos, afetando no desenvolvimento das potencialidades, como também na precarização da qualidade de vida da população pobre. O papel do psicólogo é de romper os processos de fragilização presentes na sociedade, a partir de uma atuação crítica e do posicionamento frente à realidade social, além de auxiliar na transformação desta realidade para promover reflexões, emancipação e autonomia dos sujeitos. Palavras-chave: Desigualdade, Pobreza no Brasil, Psicologia, Marxismo, Políticas Públicas. Abstract: Socioeconomic inequality is a social phenomenon debated in several fields of study. In the field of psychology, this topic can also be explored and studied from different perspectives. This article seeks to understand the role of the psychologist through the psychosocial impacts of economic inequality, emphasizing the low-income population. For this, a narrative bibliographic review 1Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário UNA. E-mail: dany_antunes.14@hotmail.com 2Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário UNA. E-mail: dayapatricia.dp@gmail.com 3Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário UNA. E-mail: rogeriapaula80@gmail.com 4Acadêmico do curso de Psicologia do Centro Universitário UNA. E-mail: romulos271@gmail.com Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Psicologia do Centro Universitário UNA. 2022. Orientador: Prof. Acríssio Luiz Gonçalves, Doutor. 2 was carried out that analyzed publications by Latin American social psychology theorists and, also, publications on the performance of public policy psychology. Through the reading and critical analysis of the bibliography, the impacts of poverty were understood both in the construction of the identity of individuals, affecting the development of potentialities, as well as in the precariousness of the quality of life of the poor population. The psychologist's role is to break the processes of fragility present in society, from a critical action and positioning in the face of social reality, in addition to helping in the transformation of this reality to promote reflections, emancipation, and autonomy of the subjects. Keywords: Inequality, Poverty in Brazil, Psychology, Marxism, Public Policy. 1. INTRODUÇÃO A pobreza é um fenômeno multidimensional, que pode ser entendido como uma cadeia completa de privações no qual se vivencia a escassez de bens, até uma camada simbólica onde se encontram questões de ordem política e ideológicas (ALBERNAZ; GUROVITZ, 2002). Atualmente, vivenciamos no Brasil um cenário onde a desigualdade econômica e a pobreza chamam atenção. O desemprego e a baixa da renda per capita (IBGE 2021), o índice de pessoas em situação de miséria, a fome e a precariedade das condições de moradia, saúde e higiene pessoal desencadeiam um conjunto de consequências prejudiciais à integridade e bem-estar físico e psíquico. De acordo com os últimos dados coletados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD, divulgados pelo IBGE, em 2020, o Brasil apresentou 14,9% de desempregados, tendo diminuído essa taxa no 4° trimestre de 2021, com 11,1% de desempregados. A alta da inflação também chama atenção para a situação econômica do país, sendo o IPCA acumulado nos últimos 12 meses de 10,54% (fevereiro de 2021 a fevereiro de 2022). O aumento anual do salário-mínimo por sua vez não acompanha a inflação, ficando 0,14% abaixo no ano de 2022. Devemos considerar ainda as variáveis como a renda familiar per capita, calculada pela somatória de renda de todos os moradores de uma residência, dividida pela quantidade de pessoas que vivem na mesma residência. A média de renda familiar per capita varia muito também de acordo com o Estado; em algumas regiões, como Alagoas e Piauí, a média registrada em 2021 foi de R$777,00 e R$837,00 respectivamente. Neste mesmo ano o salário-mínimo estipulado era 3 de R$1.100,00, logo, percebemos que em alguns estados a realidade familiar não acompanha sequer o mínimo para suprir as necessidades básicas. Essa é uma situação que já perpetua historicamente, pela desigualdade e a exploração dos mais vulneráveis a longas gerações. No percurso histórico social, a pobreza se manifesta em diferentes perspectivas e formas. Na era do pré-capitalismo europeu, a pobreza era vista como algo natural e de ordem divina. Ou seja, não existia de fato uma problematização em cima desta, as pessoas eram predestinadas à classe social a qual nasciam, portanto, por ordem natural, aqueles que nasciam em famílias sem títulos e patrimônios assim deveriam permanecer até o fim da vida, no lugar tal qual pertenciam (ANDRADE, 1989). Com as mudanças nos moldes econômicos, o surgimento da burguesia e da revolução industrial, a pobreza passa ocupar um novo lugar, vista como sinônimo de vagabundagem, enfermos, desempregados, todos englobados no mesmo círculo: “desajustados e potencialmente criminosos”. Esse é um estigma que vivenciamos ainda hoje. Moura (2012) afirma que as pessoas pobres são geralmente expostas a variadas formas de discriminação, sendo concebidas como criminosas, violentas, culpadas pela sua situação de pobreza, vagabundas, sujas, doentes e causadoras de mazelas sociais. No que se refere ao fenômeno da vulnerabilidade social, o mesmo pode ser compreendido a partir da dialética inclusão/exclusão, como uma combinação de fatores que afetam o bem-estar pessoal e social de diferentes formas. A exclusão social trata-se da não ocupação de um lugar por parte dos sujeitos inseridos em contextos de vulnerabilidade social, sendo estes sujeitos privados de acesso aos recursos, aos espaços, e às esferas políticas e sociais. O sujeito em vulnerabilidade social é, portanto, aquele que demanda assistência e se encontra excluído das esferas sociais sejam elas de ordem simbólica, material ou geográfica (ALMEIDA, PINTO, & CARDOSO, 2021). O psicólogo por sua vez tem um papel importante para com a comunidade, considerando-se fundamental o direito de todos os indivíduos, independentemente da classe social pertencente, o acesso aos serviços, saberes e a ciência da psicologia (CFP, 2005). Dado o compromisso e o papel que a psicologia exerce socialmente, pensando em aprimorar as práticas de 4 atuação em prol das populações em vulnerabilidade social, o conselho criou o CREPOP – Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas, com intuito de identificar, elaborar e organizar estratégias para contribuir na melhoria dos serviços prestados. O presente estudo tem, portanto, como principal objetivo, compreender e identificar a atuação do psicólogo perante a população em estado de pobreza e vulnerabilidade social, a fim de buscar recursos e ferramentas, capazes de fornecer aos indivíduos melhores condições relacionadas à saúde mental e a compreensão docontexto em que estão inseridos. 2. MÉTODO Este trabalho e todo seu processo de construção tem como critério metodológico a revisão bibliográfica narrativa, que consiste na análise da literatura publicada em livros, artigos de revista impressas e/ou eletrônicas e na interpretação e análise crítica destas (ROTHER, 2007). Por meio deste, buscamos expandir o conhecimento teórico e as noções do campo de atuação profissional do psicólogo mediante o cenário de desigualdade econômica e pobreza, tanto no que se refere aos aspectos sociais dos coletivos, quanto no que diz respeito a individualidade e a subjetividade neste contexto. Para tal e no decorrer deste, analisaremos o que configura e como vem se mantendo por gerações a alta parcela populacional em situação de pobreza, utilizando da visão Marxista como perspectiva e direcionamento para tal análise. Buscaremos observar os impactos deste fenômeno nos grupos e nos indivíduos. Por fim, analisaremos como a psicologia e as políticas públicas têm trabalhado para amenizar e auxiliar essa população em vulnerabilidade econômica. Para este fim, será explorada uma parcela de artigos e publicações disponíveis nas plataformas e bases de dados científicos, sendo elas: SciELO, e Pepsic, com as palavras chaves: Desigualdade econômica, pobreza, marxismo, psicologia, políticas públicas. Além disso, também foram utilizados os conteúdos disponibilizados e publicados pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), como Código de Ética do Profissional Psicólogo (2005), e pelo Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP), como o “Referências 5 técnicas para Práticas de Psicólogas(os) no Centro de Referência Especializado da Assistência Social – CREAS” (2012). 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 A POBREZA E SUA EXPRESSÃO NUMA PERSPECTIVA MARXISTA Ao debatermos o conceito de pobreza, adentramos uma gama complexa de fatores que podem ser discutidos sob diferentes perspectivas. Aqui, nos referimos à pobreza como a escassez, como a ausência de condições dignas de vida. Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos 1984, artigo 25, é de direito de todos acesso a condições dignas de saúde, bem estar, alimentação, vestuário e moradia. Observamos, entretanto, que na pobreza o indivíduo é privado de tal direito por ausência de capital. O sujeito pobre é, portanto, desumanizado, dada a ausência de dignidade humana. Para entender a pobreza, faz-se necessário refletirmos sobre o contexto social em que ela se faz presente, analisando criticamente os pilares da sociedade e os fatores de contribuição e manutenção desta. Na história da humanidade observamos alguns pontos que foram marcantes para compreensão da sociedade atual, como a queda do sistema feudal, o surgimento da burguesia, do capitalismo e as revoluções industriais. Segundo Marc Bloch (1987), a sociedade feudal pode ser considerado um sistema de civilização que se instalou num amplo território do ocidente durante a idade média central, associada a um modo de vida e a práticas comuns, sendo uma destas o próprio feudalismo, que funcionava como um subsistema econômico. Tal modelo ganha força com a queda do império romano e as invasões das cidades pelos bárbaros. Com a migração de pessoas para o interior, os donos de terra passaram a obter poder e o modo de produção feudal incluía, desta forma, um sistema senhorial de exploração, onde a terra e agricultura supriam as necessidades da crescente população que em troca serviam nos feudos. 6 Esse sistema econômico entrou em crise com o renascimento urbano e comercial nas cidades, logo após o fim das cruzadas e a reabertura do mediterrâneo. Com o comércio em alta, surge a classe denominada burguesia, que logo aliam-se aos reis em busca de apoio e crescimento, formando assim os Estados Nacionais Absolutistas. Este momento de aliança entre a classe dos comerciantes e a realeza é o marco para o surgimento da nova era econômica. (OLIVEIRA, 1987). Com o poder da burguesia e crescente expansão comercial dadas as explorações marítimas, a sociedade passa a moldar-se a um novo modelo econômico, que conhecemos como capitalismo. O capitalismo inicia-se então entre os séculos XIII e XIV, mas tem de fato sua consolidação com a Primeira Revolução Industrial (OLIVEIRA, 1987). Através da grande demanda comercial e da expansão do modelo econômico surgem as indústrias e a figura do operário (trabalhador) em busca de subsistência, dada está por meio do salário. As condições de vida nas cidades eram precárias, a grande população à mercê da pobreza e da ausência de recursos foi a chave para o crescimento e acúmulo de capital por parte das grandes indústrias. Os operários dados as circunstâncias e as necessidades eram exploradas através de cargas horárias de trabalho altíssimas e baixa remuneração, o que consequentemente gerava para a empresa lucro gigantesco, alta produção por um baixíssimo custo de mão de obra. Era, portanto, uma pequena minoria detentora dos meios de produção a favorecido economicamente, enquanto a grande maioria sobrevivia sob domínio desta. (GIANNOTTI, 2007) Quanto maior o crescimento do capitalismo e o poder da revolução industrial, mais pessoas migravam para as cidades em busca de oportunidades. Com isso, houve uma demanda de pessoas superior à demandada de empregos, surgindo assim a marginalização nas grandes cidades e uma nova concepção social de pobreza. Segundo Neto (2010, p. 40, 41, 45, 47): As indústrias se expandem, mas simultaneamente ocorre um processo de pauperização da população, com aumento descontrolado da mendicância e dos trabalhadores empobrecidos e socialmente desprotegidos (...) com a dissolução dos feudos, da vassalagem, 7 imensos contingentes é expulso das terras, sem direitos... (...) A pauperização do trabalhador empurra, para o mercado produtivo, mulheres e crianças em tenra idade, cujo envolvimento na luta pela sobrevivência não é suficiente para a reprodução digna da vida humana. (...) O processo de organização do trabalho do capital tem por finalidade última a expansão e a concentração do próprio capital. Ainda hoje observamos o constante poder e crescimento do modelo capitalista na sociedade contemporânea. Ao analisarmos a perspectiva de pobreza neste contexto faz-se de importante valia os estudos de Karl Marx (1818-1883). Marx foi o primeiro autor a analisar criticamente o modelo econômico capitalista em sua obra “O Capital”. Suas contribuições permitem uma reflexão sobre o fenômeno da desigualdade econômica e a manutenção da pobreza na sociedade, para tal citamos aqui os capítulos “A Assim Chamada Acumulação Primitiva”, e “Lei Geral da Acumulação Capitalista”. Em “O Capital”, Marx (1985, p. 261) explica que o período da “acumulação primitiva” precede à acumulação capitalista, sendo o ponto de partida do modo de produção capitalista. Este período nasce com o início do processo de dissociação do trabalhador de seus meios de produção. Após a era feudal, o trabalhador ‘’livre” da servidão encontrava-se “solto”, sem quaisquer recursos e meios de subsistência, visto que este não possui meios de produção. Estava, assim, à mercê das condições tendo como única mercadoria possível para venda sua própria força de trabalho, ou seja, mão de obra. Surge, assim, a figura do trabalhador assalariado, e a classe denominada proletariado. Logo, a chamada acumulação primitiva é, portanto, marcada como o processo histórico da separação entre produtor (trabalhador) e meios de produção. (MARX, 1985, p.262). A acumulação primitiva torna-se o capitalismo propriamente dito com o crescimento do sistema de exploração por meio da mais valia, ou seja, salários baixos por altas horas de jornada de trabalho, onde a produção e o lucro gerado são muito maiores que o proporcionalmente pago aos trabalhadores. Tal exploraçãopermitiu com que fosse dessa forma gerado um imenso acúmulo de capital nas mãos de poucos, sendo estes os detentores dos meios de produção, 8 enquanto a classe trabalhadora explorada dependia cada vez mais dos salários e era submetida às condições impostas. Observamos assim que o modo de produção capitalista nasce por consequente à crescente acumulação de uma minoria explorando a força de trabalho da maioria. Viu-se como o dinheiro é transformado em capital, como por meio do capital é produzida mais-valia e da mais-valia mais capital. A acumulação do capital, porém, pressupõe a mais-valia, a mais-valia a produção capitalista, e esta, por sua vez, a existência de massas relativamente grandes de capital e força de trabalho nas mãos de produtores de mercadorias. Todo esse movimento parece, portanto, girar num círculo vicioso, do qual só podemos sair supondo uma acumulação “primitiva”, precedente à acumulação capitalista, uma acumulação que não é resultado do modo de produção capitalista, mas sim seu ponto de partida (MARX, 1984, p. 261). Com o capitalismo já estruturado em vigor na sociedade, podemos analisar o que Marx define como “Lei Geral da Acumulação Capitalista” o que explicaria a grande massa de pessoas em situação de pobreza. O acúmulo de capital como dito previamente deu-se pela mais valia: parte do lucro que é obtido por meio desta é utilizado para aumentar e alimentar a cadeia produtiva, ou seja, comprando mais meios de produção (capital constante) e mais mão de obra (capital variável). Nessa cadeia produtiva o trabalhador produz não para a satisfação das necessidades individuais do produtor, mas sim para a produção incessante de mais-valia, valorizando o capital. Para que o sistema funcione, somente parte do capital é acumulada e a outra parte é aplicada. Adentramos neste ponto no conceito de capital constante, ou seja, para que a cadeia produtiva possa continuar aumentando, a parte aplicada deve ser sempre dividida proporcionalmente entre a compra dos meios de produção e da compra de mão-de-obra, de modo que gradualmente a aplicação vai crescendo, e consequentemente maior produção de mais valia, que alimenta o ciclo e concentra cada vez mais a riqueza na mão do capitalista. Em contrapartida, o proletariado deve permanecer pobre e dependente deste sistema, afinal, se os salários ou a oferta de empregos aumentassem de forma 9 a perder a mais valia, o capitalista deixaria de se beneficiar perdendo poder de compra futuramente, e o sistema entraria em colapso. Enquanto o capital constante deve crescer, o capital variável jamais poderá crescer proporcionalmente, deste modo sempre haverá uma massa de pessoas desempregadas. Marx (1985) chamou esta massa de “exército industrial de reserva” ou “superpopulação relativa”. Mas, se uma população trabalhadora excedente é produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza com base no capitalismo, essa superpopulação torna-se, por sua vez, a alavanca da acumulação capitalista, até uma condição de existência do modo de produção capitalista. Ela constitui um exército industrial de reserva disponível, que pertence ao capital de maneira tão absoluta, como se ele o tivesse criado à sua própria custa (MARX, 1985, p. 200). Essa população, constitui-se de trabalhadores desempregados que não conseguem vender sua força de trabalho em troca de um salário. Entretanto, essa população é extremamente importante para o capital, uma vez que são trabalhadores prontos e à disposição do capital. Deste modo sempre haverá um controle sobre classe trabalhadora, sendo quais forem as condições de trabalho, sempre haverá procura dada a necessidade deste “exército industrial de reserva’’. Ou seja, a quantidade de pessoas em situação de pobreza e desemprego é um fator favorável e que serve como base para permanência e prosperidade do sistema capitalista. Portanto, é possível observar que o sistema capitalista se beneficia da situação pobreza de grande parcela populacional, assim como também controla para que se permaneça desta forma. O capitalismo, desde sua origem até os dias atuais, passou por diversas mudanças significativas, principalmente no que se refere ao mercado de trabalho. Constituem-se atualmente novas formas de exploração que acompanham o desenvolvimento de uma nova era, globalizada e tecnológica. Em um mercado de trabalho altamente competitivo, observamos a exploração pelo viés do capital humano. O capital humano, segundo Theodore W. Schultz (1973), é um conjunto de habilidades e competências que um trabalhador possui como valor para uma empresa. Pelo viés do capital humano, promove-se a desigualdade e discrepância salarial entre cargos. Para explicar as diferenças salariais, este sistema pauta- 10 se na preferência e valorização de certas características e atributos produtivos em contrapartida à desvalorização e discriminação de outros (COSTANZI, 2005). Como exemplo dessa realidade temos a divisão de setores em um grupo empresarial, em uma hierarquia onde o setor operacional composto por faxineiros, cozinheiros e porteiros recebem uma base salarial mínima e, em contrapartida, os funcionários do setor administrativo que pode chegar a receber três vezes essa base. Através da leitura de Costanzi (2005), podemos dizer que este sistema promove um tipo de ideia onde o sujeito, através de seu esforço e dedicação, irá alcançar a ascensão profissional e, através desta, colher os frutos de uma vida economicamente estável. Entretanto, a realidade que se faz presente na sociedade desmente tal ideia, visto que os fatores socioculturais que perpetuam famílias pobres, geração após geração, dificultam a chegada aos cargos "altos" e a construção de negócios empresariais, em contrapartida ao que ocorre na vivência de pessoas já estruturalmente ricas. Em suma, com a expansão do mercado no sistema capitalista, houve diversas mudanças para classe trabalhadora, surgindo uma vasta gama de cargos, funções e a necessidade do desenvolvimento de qualificações e capacitações, entretanto, estas não excluem a desigualdade e a exploração em prol de poder e acúmulo de capital da classe rica. 3.2 IMPACTOS PSICOSSOCIAIS DA POBREZA E DA VULNERABILIDADE SOCIAL Para avaliarmos os impactos psicossociais da pobreza, devemos primeiramente observar os elementos que compõem a identidade e a subjetividade humana. Para tal entendimento, seguimos aqui a linha da psicologia social crítica. A subjetividade, no campo da psicologia social crítica, é vista como expressão de singularidade e também fruto do produto social. Entendemos como produto social as relações histórico-sociais, a transmissão de conhecimento e a comunicação que perpassam as gerações, sendo elementos culturais e simbólicos partes desta transmissão. É desse modo, portanto, que entendemos 11 a subjetividade, como um conjunto de características pertencentes a um indivíduo, as quais são influenciadas e moldadas pelas interações sociais e a absorção e interpretação destas (ALMEIDA; PINTO; CARDOSO, 2021). Segundo Sawaia (2009), a identidade pode ser vivenciada por meio da constante transformação que ocorre através das relações sociais e de fatores de ordem biológica, ou seja, adquirida durante o desenvolvimento, proporcionada ao sujeito. Diante disso, percebemos que o indivíduo cria sua identidade ao decorrer de sua vida, mudando ideias e comportamentos e se adaptando muitas vezes à realidade que lhe é proposta. Então, podemos dizer que a identidade pessoal e social é a atividade humana, o movimento contínuo que se o indivíduo constrói diariamente. Dentro de um cenário de desigualdade social, considerando a hierarquia da sociedade, aqueles em situação de pobreza possuem clara desvantagem em relação às classes mais ricas, sendo estabelecida a limitação de possibilidades por posição social baixa e ausênciade recursos financeiros. Dessa forma, o indivíduo é privado do acesso a boa parte da produção social, seja no âmbito material ou intelectual. Tal posição implica diretamente no desenvolvimento das potencialidades e no caráter de formação da identidade (SAWAIA, 2009). Segundo Lane (1989), os seres humanos são formados a partir dos contextos que fazem parte, ou seja, dentro de um campo de possibilidades. Sendo assim, em um contexto de vulnerabilidade socioeconômica, onde a liberdade encontra-se restrita, a torna-se identidade condicionada à opressão. Em direção semelhante, Góis (2008) destaca que a identidade que se molda a partir de uma realidade opressora, em um contexto de escassez e pobreza, pode ser interpretada como um modo de sobrevivência social, biológica e psicológica. É um tipo de identidade que não integra socialmente os indivíduos e os mantém separados, individualizados, dentro de sua coletividade, em uma tentativa de resistir à exploração, à doença e à morte imposto pela classe dirigente (GÓIS, 2008, p. 61-62). A opressão aos pobres é promovida e mantida pela hierarquia e o status dos papéis sociais, pelos estigmas e estereótipos que vem destes papéis, sendo estes pautados nas ideais capitalistas da era contemporânea. Dentro desses 12 ideais, aqueles que são pobres são culpabilizados pela própria pobreza, vivendo de tal modo sob o estereótipo da marginalização e sob condições excludentes (VAZQUEZ; PANADERO, 2009). Conforme Ferreira (2004) nos mostra, a culpabilização do indivíduo pobre parte de: [...] uma legitimação ideológica que suporta a criação e reprodução das relações de exploração e dominação no capitalismo. Frente à pseudo igualdade e à competitividade inerente ao ideal liberal, qualquer problemática que envolva a inserção do indivíduo no sistema produtivo é alvo de um reducionismo que o descontextualiza da sociedade e transfere-lhe a culpa e responsabilidade por sua condição (MATTOS; FERREIRA, 2004, p. 49). Segundo Lane (1989), os papéis sociais constituem uma forma de dominação naturalizada e ideológica, de modo a manter a ordem social, ou seja, para que os pobres permaneçam em suas devidas posições, de modo que não ameacem a estrutura atual da sociedade. Deste modo, entendemos que em um sistema onde a riqueza vigora através da exploração e da pobreza, a opressão é "arma" social que delimita as identidades, sendo de tal modo a barreira do potencial humano. Os impactos da desigualdade social se devem à má administração dos recursos públicos, falta de investimentos em políticas públicas, corrupção e desemprego. Além disso, percebemos esses impactos de diferentes formas, sendo pelo acesso à educação que continua sendo muito precária nesta presente época e, no ápice da pandemia pudemos perceber que as escolas particulares por mais que se fecharam, as aulas continuaram por meio do acesso online e não tiveram problemas quanto ao acesso à internet, enquanto grande parte da população pobre, além de não ter uma educação de qualidade, não possuíam nenhum meio eletrônico para que acessassem às aulas, o que fez com que ficassem ainda mais atrasados no aprendizado. Também há uma precariedade no acesso à saúde e alta mortalidade infantil que “em 2010, o Brasil registrou uma Taxa de Mortalidade Infantil (TMI) de 16,0 por mil nascidos vivos (NV)” e, de acordo com o estudo que foi realizado na região Nordeste, por mais que houve redução dessa taxa de mortalidade 13 infantil, “a desigualdade no risco de morte infantil aumentou nos bairros com piores condições de vida em relação àqueles de melhores condições” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021, p. 1). Ainda que houvesse melhorias em alguns hospitais grandes, a demora nos atendimentos em unidades de saúde continua constante, além da falta de profissionais que se dá principalmente pela falta de reconhecimento da profissão. Na pandemia, percebemos que esses profissionais adoeceram devido à alta demanda de pacientes com a doença (FENAM, 2022). O desemprego também é algo que ainda está muito presente na atualidade, sobretudo com relação ao sexo e a raça/cor das pessoas. Como exemplo disso, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2018) mostra a diferença de salários de pessoas pardas ou negras, R$1.608, enquanto os brancos ganham em média R$2.796. A dificuldade de acesso à moradia também é algo muito presente, aumentando o número de pessoas em situação de rua, sendo famílias muitas vezes. O acesso ao saneamento básico é outro ponto que se faz presente em muitas cidades e bairros mais pobres do Brasil, além de ruas esburacadas e falta de asfalto. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) identifica que: [...] as pessoas em situação de rua constituem uma parcela da população brasileira nos limites inferiores de pobreza e de vulnerabilidade. É uma população que, além de extremamente pobre, é escassamente escolarizada e se compõe predominantemente de negros, que, embora estando predominantemente em idade economicamente ativa, não conseguem inserção no mercado formal de trabalho (BRASIL, 2009, p. 101). Diante dos dispostos acima, podemos perceber que os impactos da pobreza atingem demasiada parcela da população brasileira e são condições mínimas necessárias de sobrevivência. É fato que a população tem crescido muito nos últimos anos, porém, é primordial que o Estado cumpra seu papel liberando os recursos devidos para essas condições, para que a população tenha seus direitos garantidos, conforme a Declaração de Direitos Humanos (1948, Art. XXV) preconiza: 14 Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. Neste sentido, observamos o papel do estado e das políticas públicas como fundamentais para garantir o mínimo de dignidade humana e assistência à população em situação de pobreza. Entretanto, pela realidade social, é possível deduzir que as mesmas têm sido poucos eficientes em termos de melhorias significativas. 3.3 A ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA FRENTE À POBREZA Em 1968, um psicólogo francês chamado Marc Richelle se questionava sobre o pra quê do fazer psicológico, devido à "inquietante proliferação de uma espécie nova” (Richelle, 1968, p. 7), ou seja, o crescimento dos profissionais na época. O francês Didier Deleule, na mesma época, respondeu a essa questão dizendo que essa proliferação se devia ao fato de que a psicologia estava assumindo na sociedade contemporânea a função de “oferecer soluções alternativas para os conflitos sociais” que se tratava de “mudar o indivíduo preservando a ordem social” … “ou gerando a ilusão de que talvez, ao mudar o indivíduo também se mudaria a ordem social” … (DELEULE, 1972 apud MARTIN-BARÓ, 1996, p. 12). Desta forma, percebemos que a psicologia era uma área na saúde que estava em constante crescimento em todo mundo, e além disso, psicólogos que já atuavam minimamente na questão individual/pessoal do sujeito se questionavam sobre como isso poderia impactar e transformar o social. Mesmo que Deleule possa estar correto nesse questionamento, Martin Baró nos faz refletir em algo mais profundo, que seria: qual o caminho que o psicólogo vai seguir com seus fundamentos? Como seria esse fazer psicológico? E “que efeito objetivo a atividade psicológica produz em uma determinada sociedade”? (MARTIN-BARÓ, s. d.). Outra questão muito importante que apareceu nessa época que são críticas quanto o fazer psicológico no âmbito da América Central, é de que os 15 psicólogos dedicavam suaatenção à população mais rica. Conforme Zuniga (1976) a atividade do psicólogo centra sua atenção às raízes pessoais dos problemas, se esquecendo dos fatores sociais. Percebemos que, na época, os psicólogos compactuavam com o status quo, ignorando a população pobre que também necessitava de ajuda psicológica. Além disso, frequentemente tais teóricos desconsideravam que os fatores sociais, tanto quanto os fatores de ordem biológica interferem no comportamento do sujeito. Segundo Martín Baró, para se saber sobre o papel do psicólogo é necessário voltar às raízes históricas da psicologia, ou seja, é preciso que se volte o olhar para a consciência humana, não supervalorizando a consciência enquanto privada, mas a partir do impacto refletido do ser e do fazer em sociedade, para que o sujeito construa uma identidade pessoal e social precisa assumir e elaborar um saber sobre si mesmo e sobre sua realidade. Segundo Lane e Codó (1989), o psicólogo social possui uma visão do homem como um ser que vive em grupos, sociedades, culturas e organiza sua vida em relação a outros seres humanos, influencia e é influenciado pela história, pelas instituições e pelos comportamentos. Já Almeida (2018, p. 5) nos diz que o trabalho do psicólogo serve de auxílio para compreender a necessidade que se sente do outro e “a importância da comunicação frente ao comportamento alheio”. Além disso, o interesse dos psicólogos sociais é de saber a influência das pessoas umas com a outras na sociedade, para entender “as atitudes, como o preconceito”, para saber se as pessoas se comportam diferentes sozinhas ou em grupo. O autor também salienta sobre o dever do psicólogo social: É função do psicólogo social colaborar na luta contra o rompimento dos entraves sociais, tais como: preconceitos, estigmas, estereótipos e estigmas, mostrando através de intervenções que somos pessoas de direito, capazes de combater as desigualdades sociais, assim como compreender suas causas e efeitos (ALMEIDA, 2018, p. 6). As políticas públicas são pensadas como ferramentas para que o estado possa atender as necessidades da sociedade (ALMEIDA; PINTO; CARDOSO, 2021), ou seja, metas e planos que os governos traçam para alcançar o bem- estar da coletividade. Diante da condição de vulnerabilidade, o Estado deve 16 assumir o papel crucial de forma que mude a realidade vivida por essa população. Para identificar o grau de prioridade as políticas públicas passam por análise quando criadas, sendo selecionadas e implementadas para atender ao menos de forma parcial à demanda que aquela população necessita, por exemplo, o direcionamento de dinheiro público para áreas que sofrem com enchentes. No contexto Brasileiro, um avanço histórico foi a criação da Lei 8742, a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), que surgiu em 1988 equiparando os direitos de assistência social com os direitos de acesso à saúde e à previdência social. Ela assegura que a assistência social deve ser direito do cidadão e dever do Estado (ALMEIDA; PINTO; CARDOSO 2021). Também podemos citar o “Sistema Único de Assistência Social” (SUAS), criado em 7 de dezembro de 1993, conforme estabelece a Lei Federal nº 8.742, cujo objetivo é de assegurar a proteção social aos cidadãos, ou seja, proporcionar apoio a indivíduos, famílias e à comunidade no enfrentamento de suas dificuldades, por meio de serviços, benefícios, programas e projetos (MINISTÉRIO DA CIDADANIA, 2015). Ao lidarmos com a efetividade das Políticas Públicas que promovem o enfrentamento ao fenômeno da vulnerabilidade econômica, não se ataca só o problema da forma como ele se apresenta a posteriori. Pondera-se, também, a respeito da construção das subjetividades dos sujeitos presentes nos contextos vulneráveis, ao assumir que, ao traçar movimentos que buscam a alteração da realidade material, formam-se novos sujeitos, novas subjetividades, a partir da interseção com o mundo simbólico, que é social (BOCK, 2004). Mediante a atuação da psicologia em contexto de vulnerabilidade social podemos citar, por exemplo, a “Referência Técnica para atuação de psicólogas (os) nos Centros de referência Especializado de Assistência Social – CREAS” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2012). Conforme as referências técnicas apontam, o atendimento psicossocial realizado no CREAS tem um efeito terapêutico na medida em que o psicólogo busca compreender o sofrimento dos sujeitos e suas famílias em situações de violação de direito, visando a autonomia dos sujeitos e às mudanças que impactam na superação da realidade vivida (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2012). 17 Na política de assistência social, é estabelecido um vínculo entre o profissional e o público do CREAS, devendo este ser construído a partir do reconhecimento da história de vida do sujeito considerando o contexto social. Com isto, devem ser pensadas atividades que provoquem reflexões e, consequentemente, gerem novos pertencimentos sociais (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2012). A atuação da Psicologia na Política de Assistência Social vem sendo construída a partir de uma reflexão crítica sobre seu potencial e papel na sociedade. Conforme Sawaia (2009) explica, a Psicologia nas políticas públicas acontece de forma a reforçar alguns paradigmas na concepção de que “as políticas públicas, por seu caráter abrangente, se fazem antagônicas à subjetividade e à singularidade” (SAWAIA, 2009, p. 365). O trabalho da Psicologia no CREAS, portanto, tem muito a contribuir com a proteção social de famílias e/ou indivíduos com foco na subjetividade e nos processos psicossociais. Para isso, a psicologia deve ter sua atuação de maneira interdisciplinar com outros profissionais que atuam no CREAS (advogados e assistentes sociais) para construir novos saberes conjuntos (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2012). Neste sentido, é importante que o Psicólogo trabalhe conceitos como vulnerabilidade social, desigualdade social, pobreza e violação de direitos, sendo os princípios norteadores: o respeito aos direitos humanos, democracia, emancipação e autonomia dos sujeitos, para que se tenha uma prática profissional comprometida ética e politicamente com a transformação social. Vale salientar que a(o) psicóloga(o) deve sair do lugar que identifica “problemas”, que culpabiliza ou busca responsáveis, para o lugar que proporcione espaços criativos para que os sujeitos em situação de violação encontrem alternativas individuais e coletivas para superação. Deste modo, pode-se compreender que a prática dos profissionais da psicologia traz inúmeras indagações e reflexões, em busca de romper com os processos de fragilização inseridos na sociedade, através de um olhar crítico e do posicionamento frente a realidade social. Para tal, se faz necessário um planejamento estratégico, indo além dos modelos teóricos, devendo o psicólogo assumir a função social, percebendo-se como sujeito desta prática. 18 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Através do presente estudo, foi possível analisar a realidade da desigualdade social e da pobreza como um fenômeno multidimensional. Tal fenômeno é fortalecido por um modelo econômico pautado na exploração e no acúmulo de capital de uma minoria, que consequentemente precariza a vida de uma grande maioria privada de recursos e de condições dignas para viver. Esse modelo econômico que tem suas origens próximas à revolução industrial e que se mantém em constante crescimento até o presente momento, denominado capitalismo. A partir dos estudos de Karl Marx, foi possível observar criticamente tal modelo econômico, compreendendo a exploração por meio da mais valia e o crescimento da riqueza burguesa por meio desta. Pela perspectiva marxista, entende-se a riqueza como o reflexo da exploração e da pobreza, sendo por meio do controle, da fragilidade e da necessidade econômica de uma grande camada populacional queo sistema vigora e perpetua em nossa sociedade. O capitalismo está em constante mudança, em um processo que acompanha o desenvolvimento das sociedades; entretanto, tais mudanças constituem sempre em novas formas de exploração. Pautados nas ideias capitalistas estão uma série de estereótipos sociais, que classificam e rotulam a população pobre sofrendo diversas formas de discriminação, sendo concebidas como criminosas, violentas e culpadas pela sua situação de pobreza, vistas como vagabundas, sujas doentes e causadoras de mazelas sociais. Notamos que os papéis sociais impostos pela sociedade, a opressão e a falta de acesso a recursos para o desenvolvimento das potencialidades são instituídas justamente para que o pobre não saia da posição de subordinado e seja dependente do Estado. Várias são as privações que os pobres enfrentam e muito ainda deve ser feito. Para isso, é necessário, primeiramente, que os recursos enviados para as cidades sejam distribuídos sem desvios, proporcionando à população o acesso aos serviços básicos de qualidade como a educação, saúde, acesso à moradia, saneamento básico, e que todos 19 consigam emprego para dar sustento às suas famílias, ou seja, o mínimo de sobrevivência, como assegura a Declaração dos Direitos Humanos de 1948. No Brasil, como forma de enfrentamento dessa realidade temos, atualmente em vigor, algumas políticas públicas como a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), que assegura os direitos à saúde e à previdência social. Contamos, também, com o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) que garante a proteção e o apoio aos cidadãos no enfrentamento de sua dificuldade por meios de programas, projetos e benefícios. A psicologia enquanto ciência e profissão também tem o compromisso e o dever de auxiliar no combate à desigualdade social. Para isso, deve-se buscar ferramentas capazes de fornecer aos indivíduos melhores condições de vida, saúde mental e meios de compreender essa realidade para ajudar na transformação social. Foi possível observar que a psicologia tem atuado por meio das políticas públicas visando dar assistência aos mais vulneráveis. Como parte das ferramentas utilizadas pela psicologia, podemos citar as referências técnicas disponíveis no CREPOP, as quais ajudam a conduzir a prática profissional. Vale salientar que as referências técnicas demonstram a importância do exercício criativo, democrático e participativo, sempre respeitando as diferenças e complexidades de sujeitos e dos contextos sociais. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Flávio Aparecido de. A Psicologia Social e o papel do Psicólogo na sociedade contemporânea. Psicologia.pt O PORTAL DOS PSICOLOGOS. jul 2018, p 1-7. 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