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Acervo Claudio Ulpiano
vida, obra, aulas e conjugações
Velocidade e Acidente Integral – entrevista de
Paul Virilio
A velocidade é um imperialismo tirânico, dominadora da organização social e do
controle político. Uma nova democracia virtual, cibernética, ameaça a liberdade por
meio do reflexo condicionado. As sondagens substituirão a eleição. O homem-prótese
se alimentará de comida energética e criará um novo gênero humano. A bomba
atômica, a bomba informática e a bomba genética, vaticinadas por Einstein, estão no
meio de nós. É imperativo estabelecer uma inteligência política do tempo. O acidente
integral é a nova arma fatal, global, ambicionada pela grande potência – os Estados
Unidos. Os alertas, quase infindáveis, provêm do francês Paul Virilio, urbanista de
formação e, sem dúvida, um dos pensadores mais originais, ousados e corajosos da
paisagem intelectual francesa. Autor do ruidoso livro Velocidade e Política, de 1977,
Virilio tem, desde esse tempo, desenvolvido seus estudos sobre o que denominou de
“dromologia” (ciência da velocidade) e suas variantes, em inúmeras obras (Estratégia
da decepção, A máquina da visão, A bomba informática, ou O espaço crítico e as
perspectivas do tempo real).
Habituado à catilinária de seus opositores, que o acusam de “apocalíptico e fatalista”
ou reduzem seu inimitável currículo intelectual às alcunhas de “pensamento-óvni” ou
“teólogo da Idade da Mídia”, Virilio não desarma sua vigilância diante de nenhuma
provocação. Sua missão no campo das ideias se impõe também como estratégia quase
militar. “Sou um resistente”, diz, com a determinação de quem conhece a iniquidade da
guerra, as preferências da mídia e as intemperanças do pensamento único. Em uma
longa conversa, assentado num de seus bistrôs favoritos no Boulevard Raspail, em
Paris, Paul Virilio fez a retrospectiva e a predição de suas inquietantes teses. Ao
término do encontro, após nossas despedidas na calçada, enquanto já caminhava
distante alguns passos, ele virou o corpo repentinamente para pronunciar uma
derradeira frase, gravada pela fina chuva que caía com a noite: “Sejamos resistentes!”.
Fernando Eichenberg: O senhor se refere constantemente ao imperialismo da
velocidade. Diz que lutamos contra a tirania do tempo real. Como foi que chegamos a
esse estágio ou a esse fim?
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Paul Virilio: O mundo todo é consciente de que há uma economia política da
riqueza. O poder está ligado à riqueza. Mas se esquece de dizer que a riqueza está
ligada à velocidade. Na época greco-latina, os banqueiros eram cavaleiros ou
navegadores. A mais-valia estava ligada à velocidade dos navios no Mediterrâneo –
reler Fernand Braudel – ou à velocidade dos cavaleiros, aqueles que levavam as
mensagens, transportavam as ordens. Quando se diz que tempo é dinheiro, quer-se
dizer que a velocidade é poder. Desde os anos 1960, interesso-me por essa ciência –
ainda não é ciência, mas poderá se tornar uma -, a que chamei de dromologia.
Dromos vem do grego e significa “corrida”. Durante 25 anos tentei mostrar como,
por meio da velocidade dos transportes, a velocidade fez história da mesma maneira
que riqueza. Não se pode separar as duas. Evidentemente, há também a velocidade
de transmissão: o telégrafo, o telefone, a telegrafia sem fio, enfim, o rádio, a televisão
e, hoje, a Internet. A velocidade dos transportes foi ultrapassada por uma velocidade
absoluta, de ondas eletromagnéticas, que possibilitam a telecomunicação, o
teletrabalho, a teleatividade e também a estratégia.
Fernando Eichenberg: Estratégia em que sentido?
Paul Virilio: Minha consciência da velocidade é devida ao fato de eu ser o que se
chama na França de um “intelectual de defesa”. É uma denominação bem francesa
para dizer que há civis que têm um conhecimento e uma cultura militar que lhes
permitem dialogar de igual para igual com generais e almirantes. Minha
compreensão da velocidade se fez também porque sou um warchild, um filho da
guerra. Vivi as blitzkriege [velozes ataques aéreos nazistas]. Era criança na Segunda
Guerra Mundial, mas consciente da rapidez da ameaça da ocupação. Dei-me conta
de que não se podia compreender a história econômica nem a história estratégica
sem a força da velocidade. A velocidade da cavalaria fez história desde Gengis Khan.
Sem esquecer “meu reino por um cavalo”, de Ricardo III, de Shakespeare. O preço de
um cavalo de corrida na Idade Média, de um cavalo de guerra, equivalia ao preço de
uma província. Por quê? Porque a velocidade é o poder. A cavalaria representou
esse poder antes da chegada dos tanques soviéticos ou dos aviões de combate da
Segunda Guerra. A dromologia se dá entre a economia política – não somente da
riqueza, mas também da velocidade -, a geoestratégia e a geopolítica. Não se possui
um território se não se é capaz de percorrê-lo o mais rápido possível.
Fernando Eichenberg: O senhor diz que atingimos o limite, a barreira da velocidade.
Paul Virilio: Conquistamos a velocidade da luz, a velocidade absoluta. Todas as
revoluções anteriores trataram da velocidade relativa. As velocidades do cavalo, do
trem, do avião e mesmo a do supersônico são relativas. Com as transmissões
eletrônicas ao vivo alcançamos o muro da velocidade, o muro da luz. Lembre-se de
que há três barreiras: a do som – ultrapassada nos anos 1950 -, a do calor – a
velocidade de liberação, ultrapassada pelos foguetes a 28 mil km/h, e a velocidade de
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escape, a 40 mil km/h, que permite ir à Lua -, e, por fim, a barreira da luz, as ondas
eletromagnéticas. A única coisa que ainda não atingiu a velocidade das ondas
eletromagnéticas é o cálculo do computador. Os computadores eletrônicos ainda são
muito lentos. Por isso que se tenta inventar computadores quânticos. A velocidade
de cálculo não está à altura da velocidade de transmissão. No dia que tivermos um
computador que calculará à velocidade da luz, sua potência será infinita. A
revolução não é apenas industrial, mas também dromológica, revolução da
velocidade.
Fernando Eichenberg: Qual é o limite?
Paul Virilio: Paul Virilio: Atingimos o limite num planeta reduzido; o planeta Terra é pequenino.Atingimos o limite num planeta reduzido; o planeta Terra é pequenino.
A velocidade da luz no universo não é nada: são necessários muitos anos, mesmo àA velocidade da luz no universo não é nada: são necessários muitos anos, mesmo à
velocidade da luz, para ir ao fim do universo. Mas o mundo nós reduzimos. Avelocidade da luz, para ir ao fim do universo. Mas o mundo nós reduzimos. A
globalização é uma clausura. Somos hoje como peixes numa redoma, numa terraglobalização é uma clausura.
extremamente pequena. Para as telecomunicações, a Terra é muito pequena. Tudo
vai muito rápido. Hoje há duas ecologias: a ecologia verde, que se interessa pela
poluição das substâncias – do ar, da água, da fauna e da flora -, e a ecologia cinza,
que se preocupa com a poluição das distâncias, a redução a nada das distâncias no
mundo. Ora, o homem não vive somente de ar puro, de água, de carne; nós vivemos
também de distâncias. Temos necessidade de distância, senão é o encarceramento, o
sentimento de aprisionamento. Michel Foucault disse que o século XVIII era o século
do grande aprisionamento. Não é, pois ele ainda está diante de nós. Amanhã, a
humanidade vai se sentir aprisionada numa Terra infinitamente pequena, sabendo
que não há nenhum planeta habitável à volta. Esse sentimento corre o risco de ser
um dos dramas do futuro, um tipo de claustrofobia da humanidade. Não somos
apenas animal,mas também geometral. Somos proporções. As proporções fazem
parte da vida, tanto geográficas quanto humanas, fisiológicas. O fato de ter atingido
a velocidade da luz nos coloca numa situação do peixe contra o vidro da redoma.
Fernando Eichenberg: Com essa revolução da velocidade, como fica o tempo da
História?
Paul Virilio: A partir do momento em que atingimos a velocidade da luz, o live [ao
vivo] se torna o tempo de referência da história, o tempo real. O live, a
instantaneidade, o imediatismo, a ubiquidade se tornam o espaço-tempo da História.
Não vivemos mais o tempo local. A história do Brasil não é a história de Paris. A
História se escreve no tempo local, no tempo das regiões, a dos países. No entanto,
hoje, conta o tempo global, o tempo mundial, aquilo a que os astrônomos chamam
de tempo astronômico. Existe um tempo astronômico da Terra que não é o mesmo
da Lua ou de Marte. Hoje, por causa do tempo real, o tempo astronômico passou a
dominar todos os tempos locais. Estamos à beira de um novo tempo. Não é o fim da
história, como disse o historiador norte-americano Francis Fukuyama; isso é
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totalmente idiota. É o fim de um tempo histórico. O tempo histórico de Fernand
Braudel, de grandes historiadores, era o tempo local. Hoje o tempo é global. Não se
pode entender a globalização, o mercado único, sem pensar que há um tempo único.
Quando se diz que há um pensamento único, um mercado único, é porque há um
tempo único.
Há aquela frase em Hamlet, de Shakespeare: “O tempo está fora de lugar”. A Terra
gira. Há o dia, a noite, e um outro dia. Esse é o tempo local, o tempo dos fusos
horários. O próprio do tempo astronômico, do tempo mundial, é que ele não tem
nada a ver com o eixo do tempo e dos dias. Ele está no imediatismo, na ubiquidade e
na instantaneidade. O que acontece nos bancos? Sete dias sobre sete, 24 horas sobre
24 horas, live. As cotações são automáticas em todas as bolsas do mundo,
instantâneas. Não há mais dia e noite, há um tempo único. Antes, as bolsas estavam
ligadas ao tempo local. Hoje, temos os satélites. O primeiro satélite civil foi lançado
pelo Citibank, para poder interligar seus bancos.
Fernando Eichenberg: A teoria diz que o progresso da velocidade técnica deveria ser
acompanhado pelo progresso da democracia. Como é, na prática?
Paul Virilio: Não há democracia automática. Mesmo a democracia direta, nos
cantões suíços, é uma democracia feita por meio da reflexão comum. Depois da
reflexão, as pessoas se reúnem numa praça de aldeia e levantam a mão para votar a
favor ou contra. Hoje, tenta-se implantar uma democracia virtual, equivalente às
sondagens da televisão: o voto será substituído pelas pesquisas. A reflexão em
comum será substituída pelo reflexo condicionado. Chegaremos a uma democracia
ultrarrápida, de resultado imediato, mas não será uma democracia. Será uma
democracia cibernética. O reflexo é algo que condiciona a opinião. Vê-se isso muito
bem nas pesquisas de opinião, que não têm nada a ver com a sofisticação da
inteligência democrática; é um fenômeno publicitário, televangelista. Como nos
programas de auditório: “Vocês são a favor de Milesovic? A favor do genocídio?
Não?”. Isso é uma negação da democracia.
Há, hoje, a ameaça da substituição da democracia por uma democracia virtual, isto
é, uma democracia de reflexos condicionados. A palavra grega kybernos quer dizer
“comandar”; a cibernética é a ciência da máquina da interface homem-máquina.
Isso é maravilhoso, como provam o piloto automático e tudo o mais. Mas o inventor
da primeira cibernética, Norbert Wiener, nos anos 1940 e 50, dizia que seu uso na
política seria um horror. Hoje, por meio da Internet, estamos dizendo que será bom.
Sei, como Norbert Wiener, que será uma tirania cibernética.
Fernando Eichenberg: O senhor denuncia as bombas atômicas, informática e
genética, a que Albert Einstein chamou de demográfica.
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Paul Virilio: Pouco antes de sua morte, Einstein disse que existem três bombas. A
primeira é a bomba atômica. É a discussão nuclear, a política de blocos, o equilíbrio
do terror, o complexo de destruição mútua assegurado. Vivemos durante trinta anos
sob a ameaça da destruição pela bomba atômica. A segunda, diz Einstein, é a bomba
da informação. A palavra “informática” não existia na época. Einstein diz: “Quando
todo mundo souber tudo, será terrível”. Não podemos saber o que isso significa: a
possibilidade de uma informação mundial, e não simplesmente de uma informação
local, ligada a uma classe política, a uma nação, a uma elite, religiosa ou civil. E Por
fim, ele diz que a terceira será a bomba demográfica. Ora, estamos entrando na era
da terceira bomba. A bomba informática está explodindo por meio da Internet, em
particular, e por meio da globalização. Quando o computador foi inventado, ele
serviu às pesquisas militares sobre a bomba atômica. Bomba atômica e bomba
informática reforçam-se mutuamente.
Por que hoje, à parte Índia e Paquistão, não se fazem mais explosões atômicas?
Porque podemos simular num computador o resultado de uma explosão nuclear. Ao
mesmo tempo, a bomba informática prepara a terceira bomba, a bomba genética.
Einstein via a possibilidade de uma demografia galopante. O que vejo é a ameaça de
decodificação de milhares de genes que integram a árvore da vida, o DNA, e a
possibilidade de uma biotecnologia do ser vivo. A bomba informática permitirá, no
futuro, a industrialização, a programação do ser vivo. As três bombas de Einstein já
estão entre nós.
Fernando Eichenberg: Como se desenvolverá a terceira bomba, a genética?
Paul Virilio: É muito simples. A ameaça demográfica é uma realidade. Não se pode
entender a seleção genética sem a vontade de haver uma eugenia que permita
eliminar os menos bons. A seleção natural é Darwin, e a seleção artificial é Galton
[Francis Galton, cientista e explorador inglês cujos trabalhos sobre hereditariedade
conduziram ao desenvolvimento da eugenia]. Não podemos interpretar as pesquisas
genéticas, as experiências transgênicas a não ser como uma forma de eugenia
artificial, de seleção. Chegamos a um ponto no qual, diante de um aumento
demográfico, da bomba demográfica, a possibilidade de uma seleção dos melhores e
da eliminação, entre aspas, dos ruins está de novo em pauta. É um novo tipo de
seleção. Não mais racista, no sentido de raça, mas no sentido do gênero humano.
Se continuarmos com a bomba genética teremos diferentes gêneros humanos. No
momento, temos várias raças, mas um só gênero humano. Nenhum racista diria que
um negro não é um homem. Ele pode dizer que ele é ruim, ele é negro, mas é um
homem. Quando tivermos seres originados da mulher e seres fabricados em
laboratório, teremos dois gêneros humanos.
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Estamos bem no meio das três bombas de Einstein, e a informática foi o meio para
tudo isso. Referi-me à potência de um computador. Um computador é a sua potência
de cálculo, e, dito de outra forma, sua velocidade. Estamos entrando num novo
século inquietante, porque depois da industrialização dos objetos, no século XIX,
prepara-se a sucessão para a industrialização da vida. Conheço o doutor Jacques
Testard, um dos pioneiros nas pesquisas com bebês de proveta, in vitro. O primeiro
bebê de proveta foi feito para ajudar a procriação de casais que não podiam ter
filhos. Mas umdia ele vou chegar jovens saudáveis que disseram: “Queremos um
bebê”. Ele respondeu: “Mas vocês não têm nenhum problema. Basta uma cama, e
pronto”. “Mas não é a moda?”, retrucaram os jovens. Ele parou de fazer pesquisas
genéticas.
Fernando Eichenberg: Será a revolução do homem-prótese?
Paul Virilio: Depois da revolução industrial e da revolução de transmissão, prepara-
se a revolução de transplantação – a possibilidade de anexar próteses ao corpo do
homem por meio de transplantes de órgãos animais, mas também outros, como
estimuladores cardíacos. E logo virão aceleradores, memórias adicionais e
computadores implantados atrás da orelha. O estimulador cardíaco foi feito para os
doentes, e agora preparamos estimuladores para ser mais forte, mais Rambo, rápido
e mais interativo com a máquina. No futuro, o homem também será alimentado pela
comida energética ou eletrônica. Estamos nesse caminho. É uma ameaça para o ser,
o homem de carne e osso, o homem, entre aspas, natural, em proveito do mito do
super-homem, mito fascista por excelência. Cada vez que falamos de um homem
superior, o fascismo    retorna. O fascismo está ligado à vontade de poder do
Ocidente, à performance e à potência puras. Não enxergamos o que há de
profundamente contemporâneo no fascismo. Não tem nada a ver com Hitler e a cruz
gamada. É pior, pois vem de todo lado, por meio da performance técnica. É o que se
vê hoje na engenharia genética, nessa ideia de uma humanidade superior
melhorada pela ciência, o retorno do eugenismo. É uma das ameaças do século XXI.
Fernando Eichenberg: O que é “o acidente integral, geral”, que o senhor considera
outra grande ameaça para o ser humano desse novo milênio?
Paul Virilio: A interatividade está para a informação como a radioatividade está
para a energia na bomba atômica. O feedback da informação em escala mundial é
um potencial comparável à radioatividade da arma atômica. Uma energia colossal. É
por isso que Einstein tem razão ao usar o termo “bomba”. Com relação ao acidente, é
preciso dizer que não há ganho sem perda. Cada vez que se inventa um objeto
técnico, inventa-se um acidente. Quando inventamos o navio, inventamos o
naufrágio. Todos os navios são passíveis de afundar, porque flutuam. É o Titanic. Os
aviões comportam a potencialidade de cair. É inevitável. Inventar hoje um avião de
mil lugares é inventar um acidente de mil mortos. Não sou pessimista, é uma
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realidade. Se amanhã inventássemos um avião que pudesse transportar seis bilhões
de passageiros, a população da Terra, o acidente seria o acidente da humanidade.
Quando inventamos o trem, inventamos o descarrilamento. Se houve um progresso
do trem, é porque criamos uma lógica do trajeto, a engenharia de tráfego. No século
XIX, os trens descarrilavam seguidamente. Em 1890, foram reunidos em Bruxelas os
responsáveis das companhias ferroviárias europeias, e eles inventam o bloc system,
o sistema de sinais que organiza a circulação dos trens. Com isso foi possível
desenvolver a velocidade dos trens e construir uma rede ferroviária. Inventou-se
algo extraordinário: o tráfego.
Até então, o tráfego não existia. Só existiam viagens. Viajava-se de trem. Mas o trem
não é uma viagem. Se você vai a Santiago de Compostela à pé, com seu bastão, é uma
viagem. Se você entra num vagão de trem, você não está em viagem, está no tráfego.
Se caminho na calçada e esbarro numa mulher, não é um tráfego, é um acidente de
circulação, não é perigoso. Mas, se estamos cada um num carro, são duas mortes.
Veja até que ponto a velocidade modifica o que não era nada. A velocidade dá uma
força dramática ao transporte. Antes tínhamos acidentes locais. O trem descarrilava
em determinado lugar, um navio afundava em outro. Nossa época inventou o
acidente global. O acidente pode se produzir de uma só vez, no mesmo instante. O
bug, por exemplo, é um erro de programação. Fixamos a data do acidente, e, mesmo
que não tenham ocorrido maiores estragos, gastaram bilhões de dólares para evitar
uma catástrofe.
Hoje, no século XXI, entramos na possibilidade de acidentes cibernéticos, que dirão
respeito ao mundo inteiro, acidente integrais. O crack da bolsa é a imagem desse tipo
de acidente. Com a recente crise na Ásia, passou-se a falar de risco sistêmico, o efeito
de reação em cadeia, interatividade-radioatividade. Não digo isso porque sou
apocalíptico ou triste. Digo apenas que os navios afundam, os aviões caem – é de sua
natureza. Será preciso efetivar uma inteligência do acidente, que será uma
inteligência da velocidade. A velocidade está na base de todos os acidentes.
Fernando Eichenberg: Como deverá ser essa inteligência da velocidade?
Paul Virilio: Será preciso entrar numa inteligência política do tempo. O tempo está
na base da História, mas o tempo cronológico, não o tempo da aceleração. O live, o
tempo real, é a aceleração da realidade histórica. Não é mais a história do passado,
do presente e do futuro que é acelerada, mas a própria realidade. Atingimos o
estágio de necessidade de uma economia política da velocidade. Essa inteligência é
um trabalho a ser feito no espaço-tempo. A relatividade de Einstein, que era uma
visão astronômica, terá de ser estudada em nível físico, da vida cotidiana. Como uma
ciência política da aceleração. Aprendi a dirigir no serviço militar, num caminhão.
Comecei com 30 km/h e, pouco a pouco, aprendi a velocidade. E evitava os acidentes.
Conduzir, pilotar, nada mais é do que evitar acidentes. Como evitar acidentes?
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Aprendendo a conduzir não apenas carros e caminhões, mas também relações
sociais. Mais um exemplo: a revolução industrial promoveu a estandardização dos
produtos e também das opiniões. À revolução informacional, vemos acrescentada a
sincronização: o tempo foi estandardizado, industrializado, por meio da
sincronização. O tempo das relações foi estandardizado.
Fernando Eichenberg: O senhor não trata do sujeito ou do objeto, mas do trajeto.
Paul Virilio: Há dois aspectos importantes na filosofia: o sujeito e o objeto,
objetividade e subjetividade. Nenhum dos dois é completo sem o trajeto. O trem e a
via férrea não são tudo: o essencial é o trajeto. Ser humano é ser trajeto. Ao lado da
subjetividade e da objetividade deve emergir o que chamo de trajetividade. Nesse
momento, poderemos ter uma inteligência do ser vivo, que será uma inteligência
dromológica. Um cavalo em si não é um trajeto. Quando Ricardo III diz “Meu reino
por um cavalo!”, não é o animal que ele quer, mas o trajeto; um cavalo que corra,
um cavalo de guerra. Somos vivos e somos velocidade. Nosso trajeto se liga à nossa
vida, nossa vivacidade.
Fernando Eichenberg: O mundo virtual não acabou com o trajeto?
Paul Virilio: A realidade é composta dos dois, do virtual e do real. Não se pode
colocá-los em oposição. Há uma virtualidade nos meus sonhos, no meu pensamento,
que faz parte da minha realidade. A oposição é entre o real e o atual. O atual é a
passagem ao ato. A novidade, hoje, é que tentamos construir um mundo virtual, uma
realidade virtual, ao lado da realidade atual. A realidade, até o presente, falava de
sonhos, da virtualidade, mas o essencial da vida ocorria na atualidade, na passagem
ao ato.
Hoje, a indústria cibernética inventou instrumentos que fazem com que o virtual se
desenvolva em concorrência com o atual. Vamos em direção a uma “estéreo-
realidade”. Temos os graves e agudos, o hi-fi, a alta fidelidade. De um lado, o mundo
atual dos graves, que continua a existir, é o mundo da geografia, da política, da vida.
E, de outro, o mundo dos agudos, arealidade virtual. Algumas pessoas são capazes
de viver no equilíbrio dos dois, estão no eixo entre os graves e agudos. Outras são
completamente atraídas pelo virtual e adoecem de IAD, Internet Addiction Disorder
[Transtorno do Vício da Internet]. Esse mundo da realidade virtual não vai
desaparecer. Será necessário pilotá-lo, criar um tipo de equilíbrio entre os graves e
os agudos.
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Fernando Eichenberg: O senhor diz que os poetas, artistas, cineastas souberam ser
homens de divergência e que a dúvida hoje é se os cientistas também saberão ser
críticos.
Paul Virilio: Se não há ganho sem perda, não há progresso sem crítica. Aquele que
critica é, na verdade, um inovador, um homem que favorece o progresso. É o caso do
bloc system. Se os engenheiros não tivessem feito a crítica do tráfego, não teríamos o
trem a grande velocidade, o TGV. Não sou pessimista, como muitos dizem, sou um
adorador da técnica. Nunca disse que deveríamos retornar ao carrinho de mão.
Fernando Eichenberg: Mas o senhor diz que devemos tomar a escada, em vez de usar
o elevador.
Paul Virilio: Disse simplesmente que há uma perda, algo grave. Quando se inventa o
elevador, perde-se a escada. A escada continua a existir, mas as pessoas não a
utilizam mais. É a lei da menor ação, do menor esforço. Diante de uma escada que
vai ao segundo andar, ou mesmo ao primeiro, as pessoas tomam o elevador para não
se cansar. A escada não é mais um elemento determinante da arquitetura. No
passado, a escada era um dos elementos mais belos. Com o elevador, tornou-se
escada de emergência, algo sem interesse, que ninguém utiliza, exceto quando há
pane de eletricidade. A escada é desqualificada, desacreditada, considerada
primitiva. Quando se inventa o jato que atravessa o Atlântico, perde-se o paquete,
que se torna um navio de transporte de contêineres. Perde-se o navio e, com ele, o
Atlântico, que se torna uma área de brinquedo – que as pessoas atravessam a remo,
ou em pedalinho – e um lugar de riscos de poluição pelos grandes cargueiros. Antes,
era o Oceano fabuloso; hoje é um gadget, perdeu sua qualidade. Se continuarmos
assim, o mundo se tornará um mundo de emergência, um mundo desqualificado em
prol de domínios virtuais, domínios de alta velocidade. Teremos perdido o mundo,
teremos perdido a nós mesmos. Precisamos do trajeto, do percurso.
Fernando Eichenberg: Como o senhor, um urbanista, vê o futuro das grandes
cidades, como São Paulo, por exemplo?
Paul Virilio: Vemos um fenômeno de metropolização nos países, de atração sobre
algumas cidades. Havia na França doze metrópoles em equilíbrio. Hoje não há mais
do que três. Algumas cidades, como Paris e Lyon, são lugares de atração em
detrimento de outras cidades. Atração em termos de emprego, qualidade de vida.
Assistimos a um movimento metropolitano em todos os países. É a
metropolarização, ou metropolização. E o campo está sendo desqualificado, se
tornando, como a escada, um campo de emergência: não mais do que um resto,
usado somente para as férias, para o lazer. E antes era maravilhoso. São Paulo,
Tóquio, Cidade do México, Londres, Bombaim, Calcutá são cidades que não são mais
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cidades: são catástrofes humanas. A socialização funciona ao inverso. Na cidade
dissocializa-se, não se reproduz.
Mais o lugar de povoamento se estendeu, mais a unidade de povoamento, a família,
se dissolveu. As sociedades antigas, nas aldeias, eram tribos. Depois chegamos ao
burgo, com famílias maiores. Com a revolução industrial tivemos a família nuclear,
pai-mãe-filhos. A revolução do século XX criou a família monoparental. Casal não
coabitante faz amor e se separa. E as crianças são, como digo, peças desprendidas do
amor. Não são mais descendentes. Na tribo se faz descendência: quanto mais se tem
filhos, mais se é forte, maior será o poder de ocupação de um território, se poderá
fazer cultura. Hoje é o contrário, atingimos a solidão. As crianças são abandonadas e
se tornam animais selvagens. Quanto mais a cidade se desenvolveu, mais a família
se dissolveu. Não por razões morais, mas de sobrevivência.
Fernando Eichenberg: Que sequelas causará a família monoparental?
Paul Virilio: O pior de tudo é o divórcio da copulação. Temos o divórcio do casal, a
vida monoparental. De um lado, temos a sexualidade física, tradicional, feita sem
nenhuma referência à descendência, à procriação. De outro lado, a Aids. O
preservativo se torna uma questão de vida e morte. Não é mais um problema de
sexo, de não geração, mas de sobrevivência. Entrevê-se a ideia de um preservativo
universal, que impediria definitivamente a procriação. Há a bomba demográfica por
trás disso. Agora, se inventa a cibersexualidade: viver sensações sexuais à distância.
Isso é o divórcio da copulação. Se no futuro alcançarmos uma cibersexualidade
muito sofisticada – e os japoneses trabalham nisso -, ela poderá ser superior à
sensação física alcançada diretamente entre a mulher e o homem. A partir daí, é o
fim. Chegaremos ao dia em que o gozo sexual será infinitamente superior na
máquina do que no sexo do outro. Sem o prazer do sexo não há geração, não há
demografia. Entra aqui de novo a engenharia genética. O prazer será com a
máquina. Isso também é uma bomba.
Fernando Eichenberg: Qual é o efeito da velocidade e da bomba informática nas
cidades?
Paul Virilio: É um outro fenômeno: o surgimento de cidades-mundo, um
hipercentro no qual o centro está por toda parte e a periferia em lugar nenhum.
Toda cidade possui um centro e uma periferia, no espaço real. Mas caminhamos
para a constituição de uma cidade virtual. Um hipercentro do tempo real, criado por
meio de satélites, cotações, velocidade da luz e tudo a que já me referi. Todas as
metrópoles, megalópoles do mundo se tornam bairros residenciais de um
hipercentro virtual, que está em todo lugar e em lugar nenhum. Isso é a urbanização
do tempo real. Antes, a geografia urbanizava. Hoje, a geografia é urbanizada por
meio das megalópoles e, além do mais, se urbaniza o tempo. O hipercentro virtual
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condiciona a qualidade da cidade. Singapura tem um satélite bem acima dela, que a
torna uma cidade-mundo por meio das telecomunicações. Ela participa do
hipercentro e, no plano geográfico, não é nada.
Fernando Eichenberg: Há ainda uma enorme distância de velocidade entre o mundo
desenvolvido e o subdesenvolvido, entre o Norte e o Sul.
Paul Virilio: O fenômeno migratório sul-norte, por exemplo, tem uma explicação
simples. Nos países pobres, as pessoas estão morrendo. Vivemos a eliminação do
homem como produtor. O homem/mulher era útil por três razões. Primeiro, como
procriador – a força da tribo é a força de homens que fazem filhos. Segundo, como
força de trabalho – o produtor, o operário. Terceiro, como soldado – o destruidor, o
grande guerreiro. A história do homem se desenvolve nesses três tipos. Hoje, o
procriador está misturado à engenharia genética. Com o automatismo não se precisa
mais do operário – o desemprego não é mais conjuntural, mas estrutural. E do
guerreiro, vide a guerra do Kosovo: não se viu uma só vítima dos aliados.
Resumindo, o homem não serve mais como procriador, produtor ou guerreiro. Não
serve para mais nada, pode ser eliminado: é simples. E há quem pensenisso. Isso é o
fascismo, também. No passado éramos o centro do mundo. O homem era a medida
do universo, a imagem de Deus. E hoje? Os habitantes de países pobres morrem de
fome, não têm mais nada. Foram explorados pelos ricos e são conscientes de que
diante deles não há futuro. Tentam sobreviver. Atravessam o estreito de Gibraltar
em botes e morrem afogados. Embarcam agarrados nos trens de aterrissagem de
aviões e morrem congelados. Meu pai era um imigrante italiano. Sou membro de
associações que se ocupam dos sem-teto. Passei o natal com eles. Sei que é uma
mutação, como a mutação industrial. Só que esta última transformava o camponês
em proletariado. Necessitava-se de operários. As três utilidades do homem ainda
estavam intactas. No fim do século XX, elas se acabaram. É uma constatação. Se não
estivermos convictos disso, teremos o mesmo destino do que se passa na África e em
outros lugares: populações inúteis.
Fernando Eichenberg: O senhor coloca o homem hoje entre duas escolhas: o
integrismo técnico ou o Deus da transcendência.
Paul Virilio: Uma das questões da atualidade é o integrismo místico [apego
demasiado à fórmula da religião]. Ressalto que sou cristão, convertido, sério. Meu pai
era comunista, eu sou um homem de esquerda. Mas o integrismo místico é temeroso.
Por meio do islã, do judaísmo e do catolicismo-cristianismo há possibilidade de
guerras de religião, que são as piores: são guerras sem perdão. É uma grave ameaça.
Vide a Argélia. Mas há também um integrismo da técnica, a crença num deus ex
machina. Isso é o fascismo: crer num poder pelo poder, divinizar o poder, a
tecnociência, a máquina. Não há ateus hoje. Há aqueles que creem em Deus e os que
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creem no deus-máquina, por meio da ciência. Não se pode idealizar a ciência. Do
contrário, ela não será uma sabedoria, mas um delírio místico, deus ex machina.
Fernando Eichenberg:  O senhor alerta para a ameaça de uma retomada do
complexo militar-industrial.
Paul Virilio: Ele foi relançado. Havia sido abandonado com a decomposição da
União Soviética e o fim da política de blocos, mas foi retomado pelos Estados Unidos
e vai deflagrar complexos militares-industriais em muitos outros países, como na
China ou mesmo na Rússia. A guerra da Chechênia, de algum modo, é herdeira da
guerra de Kosovo. As técnicas empregadas pelos russos são muito semelhantes às da
Otan. A guerra do Kosovo não passou de uma guerra de enganos – todo mundo saiu
perdendo, não somente os sérvios, mas também os kosovares. O único beneficiado
foi o Pentágono, que fez o que se chama em termos militares de uma “manobra de
armamento”. Puderam experimentar, testar tecnologias. Puderam também agir sem
uma verdadeira direção política. Foi uma guerra sem chefes de guerra. Bill Clinton
não foi o chefe. O caso Monicagate [a estagiária da Casa Branca Monica Lewinsky] o
desacreditou como chefe de guerra. Foi uma guerra quase como um putsch, que
escapa ao poder político. Foi iniciado um combate a uma purificação étnica feita
pelo lado dos albaneses. Em resumo, o resultado é absolutamente nada. Isso é que é
terrível.
Fernando Eichenberg: Como o senhor analisa a questão da informação na guerra do
Kosovo?
Paul Virilio: A revolução da informação é também a revolução da desinformação. A
censura, como nessa guerra, não se faz mais pelo menos, mas pelo mais. Nas
sociedades antigas, a censura era a tesoura. Isso foi verdade até a época do império
soviético. Hoje, censura-se pelo excesso de informação. Nos vemos diante de um tipo
de confusão. Quando vemos como se desenrolou essa guerra, em relação à guerra do
Golfo, percebemos que houve um certo televangelismo. Jamie Shea, o porta-voz da
Otan, era um pouco o grande padre, como Billy Graham [pastor televangélico norte-
americano]. Assistimos a algo como um televangelismo da guerra humanitária, que
de algum modo mascarava o que estava em jogo. Vimos o começo da extrapolação
da guerra clausewitziana [referência a Karl von Clausewitz, general prussiano que
escreveu o tratado Da Guerra].
Fernando Eichenberg: Em que termos se dá essa extrapolação?
Paul Virilio: Clausewitz diz que a guerra é a prolongação da política por outros
meios. Os norte-americanos experimentaram uma fórmula pós-clausewitziana: o
acidente geral pode ser a prolongação da política por outros meios. A guerra total é
uma forma de guerra integral que pode ocasionar até o fim do mundo. A guerra se
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torna exterminadora do mundo. Estivemos quase lá, primeiro com a guerra
hitleriana, e, depois, com a dissuasão nuclear. Hoje, o acidente integral pode ser uma
ameaça comparável à guerra total, atômica ou outra. A guerra do Kosovo utilizou
armamentos que não têm nada a ver com os armamentos tradicionais. Vimos a
destruição de centros de comunicação, da televisão de Belgrado, desligamento de
satélites e, sobretudo, a bomba de grafite, que corta a eletricidade numa cidade.
Pode-se provocar um acidente integral simplesmente cortando a eletricidade num
país. Os aviões caem, os trens se chocam, as pessoas morrem de frio, as fábricas
param; é a morte. Isso foi testado com a bomba de grafite. É a militarização do
acidente. Um acidente cibernético, um ataque às raízes energéticas de um país, aos
seus meios de comunicação. Caminhamos rumo à dissuasão cibernética, que, de
algum modo, recriaria para os Estados Unidos uma situação comparável aos anos
pós-1945, em que os norte-americanos eram os únicos a possuir a bomba atômica.
Fernando Eichenberg: Não há mais conceitos de guerra justa e injusta?
Paul Virilio: Diz-se que essa guerra [contra a Iugoslávia] é a primeira na História na
qual foram utilizadas em profusão armas de alta precisão. Parece uma afirmação
banal, mas não é. Os norte-americanos querem apregoar que uma guerra é justa
quando se mira justo, quando se pode colocar a bomba no olho de Milosevic, e no
instante desejado. Veja a que ponto isso altera a noção de guerra justa e injusta. Quer
dizer que a guerra justa é uma guerra de armas de alta precisão, ou seja, dos países
mais sofisticados. É a invenção de um novo tipo de guerra justa, na qual a justiça
dependeria da ciência dos armamentos. Isso é um evento considerável. Chegamos
além de Clausewitz, da política. Atingimos a arrogância da época desenvolvida.
 
Fonte da entrevista:
EICHENBERG, Fernando. Entre aspas: volume I. Porto Alegre, RS: L&PM, 2016.
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