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294 – A S S I S T Ê N C I A AO R E C É M - N A S C I D O D E R I S CO | 4 ª E D I Ç ÃO - 2 0 2 1 – 9.1. ARRITMIAS CARDÍACAS/INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA/ CARDIOPATIAS CONGÊNITAS Elysio Moraes Garcia O coração do recém-nascido O coração do recém-nascido apresenta algumas peculiaridades anátomo-fisiológicas, que diferem do coração da criança maior, cujo conhecimento é útil para a compreensão das alterações cardíacas que podem ocorrer nesta fase da vida. Tentaremos sumarizar estes conceitos enfocando o essencial para o entendimento do presente capítulo. Introdução A embriogênese do coração estará completa a partir da quarta semana do desenvolvimento fetal, quando todas as estruturas cardíacas estarão formadas como no adulto. Durante o restante da gestação, o cora- ção do feto crescerá pelo ganho de massa. Desta forma, o primeiro mês de gestação é a fase na qual os agentes teratogênicos têm maior importância na gênese das cardiopatias estruturais. O coração é um órgão vital que podemos representar esquemati- camente como duas bombas hidráulicas funcionando em série (figura 1). O lado direito, átrio e ventrículo direito, recebendo o sangue venoso das veias cavas e direcionando para os pulmões através da artéria pulmonar; e o lado esquerdo, átrio e ventrículo esquerdo, recebendo o sangue, oxi- genado nos pulmões, pelas quatro veias pulmonares e encaminhando-o para distribuição no organismo através da artéria aorta. Figura 1 – Representação esquemática do coração como duas bombas hidráulicas Circulação fetal No feto, a placenta é o órgão responsável pela oxigenação sanguí- nea, e como os pulmões não estão funcionando, o sangue fetal deverá percorrer um trajeto diferente, com alguns desvios necessários (Moore, 2012). O sangue oxigenado na placenta passa pela veia umbilical em di- reção à veia cava inferior, sendo grande parte desviado do sistema porta através do ducto venoso (primeiro desvio). Ao chegar ao átrio direito, a maior parte é direcionada ao forame oval (segundo desvio), átrio esquer- do, ventrículo esquerdo e aorta. A outra parte irá misturar-se ao sangue proveniente da veia cava superior, seguindo para o ventrículo direito, artéria pulmonar e pelo ducto arterial (terceiro desvio), atingindo a aorta descendente. Este trajeto privilegia o pólo cefálico fetal com um sangue mais saturado de oxigênio. Figura 2 – Representação esquemática da circulação fetal Transição da circulação fetal para a do recém-nascido Ao nascimento, com a interrupção do fluxo da veia umbilical e a expansão dos pulmões, ocorre queda da pressão arterial pulmonar e aumento do fluxo pulmonar com consequente incremento do retorno de sangue ao átrio esquerdo através das veias pulmonares. O aumento da pressão no AE levará ao fechamento fisiológico do forame oval. O fecha- mento anatômico ocorrerá posteriormente, com a fusão da membrana do forame oval à parede do átrio esquerdo, o que pode ocorrer meses após o nascimento. Paralelamente, o aumento da saturação de oxigênio no sangue e a ação de algumas substâncias vasoconstritoras (Gournay, 2011) estimula- rão a contração e o fechamento do canal arterial, que ocorrerá durante a primeira semana de vida. Os mecanismos responsáveis pela manutenção do canal arterial aberto serão discutidos posteriormente. Diferenças entre o coração do recém-nascido e das crianças maiores Macroscopicamente comparando o coração do recém-nascido com o de uma criança com mais de 1 ano de vida, observa-se um maior volume do átrio direito e uma hipertrofia relativa das paredes do ventrículo direito, que ocorre devido às características da circulação fetal. No feto, tanto o ventrículo esquerdo quanto o direito estão em con- tato direto com a aorta torácica, ambos trabalhando contra a pressão sistê- mica, ocasionando uma simetria das paredes e cavidades destas câmaras. O átrio direito é o responsável pela distribuição de todo o volume sanguíneo das duas circulações. Para o ventrículo direito, através da valva tricúspide, e para o ventrículo esquerdo, através do forame oval, átrio es- querdo e valva mitral. Este fato explica a sobrecarga volumétrica do átrio direito observada em recém-nascidos. Há, também, diferenças microscópicas. Durante a vida fetal, o coração ganha massa muscular, principalmente devido à multiplicação celular com aumento do número de miócitos (fase hiperplásica). Com a proximidade do termo, há uma tendência à redução da atividade mitótica, com o ganho de massa ocorrendo também por crescimento celular (hi- pertrofia). Nos primeiros 5 dias de vida, observa-se crescimento tanto por hiperplasia quanto hipertrofia celular (fase intermediária). A partir do 14º dia de vida, instala-se a fase definitiva (fase hipertrófica), quando o coração – CAPÍTUL 9 | 9.1. ARRITMIAS CARDÍACAS/INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA/ CARDIOPATIAS CONGÊNITAS – 295 só crescerá por aumento do tamanho dos miócitos, não ocorrendo mais multiplicação celular (Santana, 2000). Atividade elétrica do coração As células cardíacas têm a capacidade de gerar atividade elétrica através da despolarização ocasionada pelo movimento de íons por meio das membranas celulares. Alguns grupos de células possuem características que as possibili- tam comandar a geração e a propagação do impulso elétrico, e compõem um tecido especializado de geração e condução elétrica. São eles: o nó sinoatrial, localizado na região póstero-superior do átrio direito, próximo à entrada da veia cava superior; as fibras internodais; o nó atrioventricular, localizado próximo à valva tricúspide; o feixe atrioventricular, com seus ramos direito e esquerdo; e as fibras de Purkinje nos ventrículos (figura 3). O impulso elétrico origina-se no nó sinoatrial (NSA), dirige-se ao nó atrioventricular (NAV), onde ocorre um retardo de condução, e desce para os ventrículos por meio do feixe atrioventricular e das fibras de Purkinje . Figura 3 – Representação das vias de condução O músculo cardíaco possui propriedades morfológicas que permitem a propagação rápida da onda de ativação, comportando-se funcionalmente como um sincício. Entretanto, os átrios e os ventrículos estão separados por um tecido fibroso, que inclui as valvas, constituindo uma barreira à passagem do impulso proveniente dos átrios. O nó atrio- ventricular é a única porção muscular por onde o impulso, após sofrer um retardo, atinge os ventrículos. Essas características permitem que os átrios contraiam-se antes dos ventrículos, tornando mais eficiente a função de bomba do coração. Eletrocardiograma O eletrocardiograma é o registro periférico dos impulsos elétricos gerados no coração. Esses impulsos podem ser registrados em qualquer região do corpo e, dependendo do local do registro, terão um traçado diferente. Principais derivações de registro do eletrocardiograma: Periféricas: bipolares – D1, D2, D3. unipolares – aVR, aVL, aVF. Precordiais: V4R, V3R, V1, V2, V3, V4, V5, V6. O traçado do eletrocardiograma reflete a sequência dos eventos elétricos do coração. De forma simplificada, podemos dividi-lo em (figura 4): Onda P – ativação atrial. Complexo QRS – ativação ventricular. Onda T – despolarição ventricular. Espaço PR – retardo da onda de ativação no nó atrioventricular. Figura 4 Leitura eletrocardiográfica: a interpretação do ECG requer uma abordagem ordenada passo a passo, evitando-se que detalhes importan- tes passem despercebidos. Sugerimos a sequência de leitura abaixo: a. Ritmo: o ritmo é a origem do batimento cardíaco e a sua re- gularidade. A maioria dos traçados demonstra ritmo sinusal, quando o estímulo tem origem no nódulo sinoatrial; nesses casos, o ECG apresenta onda P precedida de QRS, com eixo médio normal (“P” positiva em D1 e aVF). b. Frequência cardíaca: calcula-se a FC dividindo-se 1.500 pelo número de quadrados pequenos entre dois complexos QRS. c. Onda “P”: a onda P normal é formada pela soma das despola- rizacões dos átriosdireito e esquerdo. Valores normais – dura- ção < 0,10 s; amplitude < 2,5 mm. d. Segmento PR: representa a despolarização atrial mais o tem- po necessário para o impulso atravessar o tecido de condução AV. Valores normais – RN = 0,11s; criança = 0,14s; adolescente = 0,16s. e. QRS: representa a ativação ventricular. O intervalo deve ser menor que 0,10 segundos. A duração aumentada sugere condução ventricular retardada. f. Cálculo do eixo do QRS (ÂQRS): as forças elétricas re- presentadas pelo QRS apresentam uma magnitude e uma direção, podendo, desta forma, serem representadas por um vetor. Quando construído a partir das seis derivações do plano frontal (D1, D2, D3, aVL, aVR e aVF), teremos o eixo do QRS médio. Na prática clínica, a localização do quadrante é suficiente para a orientação diagnóstica; para tanto, basta que sejam analisadas as derivações D1 e aVF, conforme esquema abaixo (figura 5): • D1 positivo, aVF positivo – quadrante 1 (inferior esquerdo). • D1 negativo, aVF positivo – quadrante 2 (inferior direito). • D1 positivo, aVF negativo – quadrante 3 (superior esquerdo). • D1 negativo, aVF negativo – quadrante 4 (superior direito). Figura 5 – Representação dos eixos das derivações periféricas do ECG No recém-nascido normal, o eixo do QRS (ativação ventricular) ge- ralmente se encontra no quadrante inferior direito, com o D1 negativo e aVF positivo, como no exemplo abaixo (figura 6): 296 – A S S I S T Ê N C I A AO R E C É M - N A S C I D O D E R I S CO | 4 ª E D I Ç ÃO - 2 0 2 1 – Figura 6 – ECG de um RN normal Reconhecimentos das principais alterações no ECG do recém-nascido Aumento atrial: a onda P é formada pela soma das despolariza- ções dos átrios direito e esquerdo. Deste modo, quando ocorre aumento do átrio direito, a onda P aumentará a amplitude, tomando um formato apiculado, enquanto no aumento do átrio esquerdo, a onda P estará aumentada em sua duração, podendo estar entalhada (figuras 7 e 8). Figura 7 – Onda P apiculada em D1 e D2 por sobrecarga atrial direita Figura 8 – Onda P entalhada em D1 e D2 por sobrecarga atrial esquerda Hipertrofia ventricular direita (HVD): a análise das forças geradas pelos ventrículos é mais bem realizada nas derivações precordiais. As de- rivações V3R e V1 estão mais próximas do VD, e, por isso, ilustram melhor a presença de hipertrofia do ventrículo direito (HVD). No RN normal, o padrão do QRS é um R > S (Rs) em V1. O diagnóstico de HVD pode ser sugerido quando ocorre, na derivação V1, o seguinte em v1 (figura 9): a. Padrão rR (onda r pequena seguida de R’ maior) ou R puro. b. R > 20mm. c. Padrão qR. d. No RN normal, a onda T é positiva em V1 até aproximadamen- te o 3º dia de vida, quando torna-se negativa. A persistência de onda T positiva em V1 no RN com mais de 72 horas pode ser um sinal de HVD. – CAPÍTUL 9 | 9.1. ARRITMIAS CARDÍACAS/INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA/ CARDIOPATIAS CONGÊNITAS – 297 Figura 9 – Exemplo de ECG no RN com sinais de HVD Hipertrofia ventricular esquerda (HVE): a HVE causa aumento das forças esquerdas e posteriores do QRS. Essas alterações são refletidas no ECG pela presença de ondas S mais profundas nas derivações precordiais direitas (V1) e ondas mais altas nas esquerdas (V6). Valores normais no RN: os valores abaixo foram baseados no “Gui- deline ECG Neonatal”, da Sociedade Europeia de Cardiologia (2002). Tabela 1 Idade (dias) frequência cardíaca (bpm) ÂQRS (grau) P (ms) QRS (ms) 0-1 93-154 +59/+192 2.8 0,02-0,08 1-3 91-159 +64/+197 2.8 0,02-0,07 3-7 90-166 +77/+187 2.9 0,02-0,07 7-30 107-182 +65/+160 3.0 0,02-0,08 Fonte: Elaboração do autor com base em Sociedade Europeia de Cardiologia (2002). Principais distúrbios do ritmo cardíaco dos recém- nascidos e conduta A maioria dos distúrbios do ritmo na infância tem um bom prognós- tico, não necessitando de nenhum tratamento. No entanto, em determi- nadas situações, as arritmias envolvem um alto risco, e torna-se essencial o conhecimento das peculiaridades destes distúrbios. Na criança, a frequência cardíaca apresenta ampla variação devido a diversos fatores, como idade, sono, atividade física, choro, anemia e temperatura corporal. a. Arritmia sinusal: Alteração do ritmo, de ocorrência normal em crianças. O diagnósti- co baseia-se na variação cíclica dos intervalos R-R, geralmente ocorrendo um aumento da FC no final da inspiração e uma lentificação durante a expiração. Não exige nenhum tratamento. Ocasionalmente, a fase lenta propicia o aparecimento de ritmos de escape atrial. No RN, os ritmos de escape ocorrem especialmente durante o sono, são comuns e tendem a desaparecer espontaneamente nos primeiros meses de vida. b. Marcapasso mutável: Qualquer fator que propicie a diminuição de FC, por exemplo, efeito vagal, uso de drogas, hipertensão intracraniana, arritmia sinusal, favorece o aparecimento do marca-passo mutável. O diagnóstico é feito pelo achado de ondas P com morfologias e/ ou orientações diversas em uma mesma derivação do ECG. Não exige tratamento. c. Extrassístoles atriais: É o impulso precoce que despolariza os átrios em uma sequência anormal. O ECG evidencia ondas P prematuras, com morfologias e/ou orientação diferentes das ondas P sinusais. O QRS é normal, a não ser que ocorra condução aberrante para os ventrículos. São comuns no RN, em consequência da imaturidade do sistema adrenérgico, e tendem a desaparecer nas primeiras semanas de vida. d. Taquicardias supraventriculares: É o ritmo resultante de um mecanismo anormal que se origina em um ponto do coração próximo à bifurcação do feixe de HIS. Admite-se que existam três mecanismos básicos na gênese dessas arritmias: automatismo anormal (foco ectópico), por reentrada e arritmia deflagrada. Na criança, o mecanismo mais envolvido parece ser a reentra- da por uma conexão anômala (síndromes de pré-exitação). É a arritmia sintomática mais comum na criança, com maior fre- quência no primeiro ano, especialmente no primeiro semestre de vida. Mais da metade das crianças com esta arritmia não apresentam nenhuma anomalia estrutural do coração predisponente. De 20 a 30% apresentam evidências de pré-excitação (Wolff-Parkinson-White e Lown- -Ganong-Levine). O ECG, durante os episódios, revela frequência cardíaca (FC) entre 150 e 300 bpm, sendo que, no RN, os valores encontrados situam-se acima de 200 bpm. O QRS apresenta morfologia normal (QRS estreito) e as ondas P podem ser visíveis. Tratamento: Crises esporádicas, de curta duração e com reversão espontânea, geralmente não necessitam de tratamento. Entretanto, ao depararmos com RN com TSV mantida, deveremos realizar os seguintes procedimen- tos: • Manobra vagal: deve ser a primeira tentativa de reverter a taquicardia. Tais manobras retardam a condução AV e prolon- gam seu período refratário, e, no RN, consiste em colocação de saco plástico com água gelada sobre a face, durante 10 a 15 segundos. Em crianças maiores, pode-se tentar a massagem do seio carotídeo ou manobra de Vasalva. • Adenosina: 0,1 a 0,2 mg/Kg EV rápido (1 a 2 segundos) em bolus, máximo 12 mg. Poderá ser repetida a cada 2-4 minutos. Não exceder 0,25 mg/kg ou 12 mg no total. • Apresentação: AdenocardR: ampola de 2 ml com 6 mg (diluir 1 ml, que corresponde a 3000 mcg, em 9 ml de soro fisiológico a 0,9%, formando uma solução final com 300 mcg/ml). Não refrigerar (ocorre cristalização). As metilxantinas são antago- nistas específicos da adenosina. • Cardioversão elétrica: quando houver sinais de baixo débito, deverá ser a conduta de escolha, ou quando as outras me- didas não tiveram sucesso. 0,25 a 1 joule/kg após sedação. • Profilaxia das recorrências: para o tratamento de manu- tenção, recomenda-se o uso de Propranolol ou Digoxina nas doses de manutenção (Sanatani et al., 2012). A digoxina é contraindicada nos pacientes portadores de Wolff-Parkin- son-White (WPW). 298 – A S S I S T Ê N C I A AO R E C É M - N A S C I D O D E R I S CO| 4 ª E D I Ç ÃO - 2 0 2 1 – e. Síndromes de pré-exitação: Nestas síndromes, o ventrículo é ativado precocemente através de via de condução acessória. Na síndrome de Wolff-Parkinson-White (WPW), o ECG mostra um intervalo PR curto (menor que 0,08 s), com um QRS anormalmente pro- longado. A porção inicial alargada é chamada de onda delta, devido à ativação dos ventrículos através da via anômala. Cerca de metade dos pacientes com WPW evoluem com episódios de taquicardia atrial paro- xística. Na síndrome de Lown-Ganong-Levine, o intervalo PR também é en- curtado, porém o QRS é normal, sem onda delta. O diagnóstico é realizado através do ECG. O RN portador desta anomalia deverá ser encaminhado para acompanhamento especializado devido ao risco do desenvolvimento de taquiarritmias. f. Flutter atrial: O Flutter é uma condição rara em crianças. Caracteriza-se pela forma de despolarização atrial anômala, rápida e regular. O ECG mostra características ondas em forma de dente-de-serra, com frequência atrial média de 300 bpm. O tratamento imediato está indicado pela alta incidência de insuficiência cardíaca congestiva (ICC). O digital é a droga mais utilizada, com boa resposta sintomática e redução da frequência cardíaca, porém com baixo índice de reversão ao ritmo sinusal. A cardio- versão elétrica é um método eficaz para a restauração do ritmo. Outras possibilidades incluem o propranolol, a quinidina e a estimulação transesofágica. g. Extrassístoles ventriculares: As extrassístoles ventriculares são raras no período neonatal, poden- do ser encontradas nos casos de Miocardite e pós-operatório de cirurgia cardíaca. Outras causas se devem a situações extracardíacas, como aci- dose metabólica, hipóxia, uso de drogas como cafeína, nicotina e aminas. Podem se reconhecidas no ECG da seguinte forma: • QRS prematuro, ou seja, ocorre mais que 0,08s antes do pró- ximo QRS. • QRS alargado ( >0,08s ), com morfologia diferente e sem onda P. • Onda T geralmente tem orientação oposta à do QRS prema- turo. Tratamento: Quando a extrassístole é de aparecimento recente, a simples retirada dos fatores listados acima pode interromper a arritmia. Em raros casos em que haja comprometimento hemodinâmico, estará indicado o tratamento medicamentoso, que deverá ser prescrito por especialista. h. Taquicardia ventricular: É rara em recém-nascidos, definida como uma série de três ou mais extrassístoles ventriculares. Ao ECG, os QRS são alargados com duração de mais que 0,08s e com morfologia diferente dos complexos normais. As causas mais frequentes são as mesmas descritas acima para extrassístoles ventriculares. Quando mantém uma frequência ventricular alta, está associada à síndrome de baixo débito, tratando-se, então, de uma emergência médi- ca, e necessitando de abordagem imediata. Tratamento: • Cardioversão elétrica 0,5 a 1,5 joules/kg. • Tratar as causas agudas possíveis. • Lidocaína EV 1mg/kg/dose bolus. Apresentação: 20 mg/ml (adicionar 6 ml de lidocaina a 44 ml de soro glicosado a 5%, formando uma solução de 50 ml, contendo 2,4 mg/ml). i. Bloqueio atrioventricular total (BAV): Implica contração dos átrios independentemente dos ventrículos, em virtude do bloqueio no nó atrioventricular da onda de ativação elétri- ca originada no nó sinoatrial. Pode ser congênito ou adquirido. As colagenoses maternas parecem ser o fator etiológico mais importante do BAV congênito. Admite-se que, nessas doenças, especial- mente o Lupus, anticorpos maternos atravessam a placenta e afetam o sistema de condução fetal em desenvolvimento. A associação de BAV congênito com cardiopatias estruturais é fre- quente, ocorrendo em 50% dos casos. O BAV adquirido pode ser secundário à cirurgia cardíaca e miocar- dites. O ECG do bloqueio atrioventricular total (BAVT) revela dissociação entre as despolarizações atrial e ventricular. Nos recém-nascidos, a fre- quência ventricular situa-se abaixo de 100 bpm, e frequência atrial acima de 120. Tratamento: Todo BAVT sintomático (com sinais de baixo débito) tem indicação de estimulação artificial, com o implante de marca-passo. Alguns recém-nascidos podem suportar frequências de até 55 bpm, sem apresentarem sinais de baixo-débito e sem a necessidade de marca-passo. Algumas drogas podem ser utilizadas na tentativa de aumento da frequência, como Salbutamol e Adrenalina; entretanto, geralmente com resultados limitados. Reconhecimento e tratamento do recém-nascido com insuficiência cardíaca Definição: Insuficiência cardíaca é a incapacidade de o coração manter uma oferta sanguínea suficiente às necessidades metabólicas do organismo. Fisiopatologia: Pode ser classificada quanto à sua gênese em quatro tipos: 1. Comprometimento da função miocárdica, ou seja, alteração da contratilidade, como nos casos das miocardiopatias. 2. Sobrecarga do trabalho imposto ao músculo cardíaco, seja por aumento da pressão ventricular, como nos casos de estenose aórtica e coarctação da aorta, seja por aumento do volume, como nos casos das cardiopatias com “shunt”, como as comu- nicações interventriculares. 3. Comprometimento do enchimento ventricular, ou seja, disfunção diastólica, como nas miocardiopatias hipertróficas, onde pode não haver alteração da contratilidade, mas difi- culdade no enchimento do ventrículo devido à hipertrofia e consequente redução do débito cardíaco. 4. Distúrbios do ritmo. O coração do recém-nascido apresenta diferenças em relação às crianças maiores, que o tornam mais suscetível ao desenvolvimento de insuficiência cardíaca. As principais diferenças são: • Há um menor número de miofibrilas e maior quantidade de tecido conjuntivo. • As miofibrilas estão em arranjo não linear. • Os retículos endoplasmáticos do miocárdio neonatal apresen- tam menor capacidade de estocagem de cálcio, íon essencial à contração do músculo cardíaco. Manifestações clínicas: Nos recém-nascidos, devido à imaturidade miocárdica, conforme foi descrito acima, a insuficiência cardíaca é mais grave e de instalação mais aguda do que nas crianças maiores. Os sinais de insuficiência cardíaca nos neonatos refletem basica- mente a congestão venosa sistêmica, congestão pulmonar e diminuição da perfusão sistêmica. Listamos abaixo os mais importantes: • Taquipneia e dispneia – são sinais presentes em todos os casos de ICC e denotam a congestão pulmonar. • Ruídos pulmonares – podem ser encontrados estertores crepi- tantes, subcrepitantes, roncos e sibilância. • Taquicardia – normalmente, os recém-nascidos têm frequên- cias cardíacas que podem variar de 100 a 160 bpm. Valores acima de 160 bpm, geralmente acima de 200 bpm, podem representar um mecanismo compensatório da falência circu- latória ou sua própria causa, como nas taquiarritmias. • Pulsos periféricos diminuídos – sinal de baixo débito cardíaco. – CAPÍTUL 9 | 9.1. ARRITMIAS CARDÍACAS/INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA/ CARDIOPATIAS CONGÊNITAS – 299 • Edema – menos comum em recém-nascidos como causa de insuficiência cardíaca e, quando presente, geralmente é gene- ralizado, sugerindo uma maior gravidade do caso. Tratamento: a. Medidas gerais: • Aporte nutricional. • Ventilação adequada com suprimento de oxigênio, se neces- sário. • Correção de anemia, distúrbios hidroeletrolíticos e ácidos básicos. • Manutenção de ambiente térmico adequado para reduzir a demanda metabólica. b. Drogas: Digital – em recém-nascidos, o seu uso é controverso, já que, devido à imaturidade miocárdica, há uma resposta inotrópica limitada, além de ter uma dose terapêutica próxima ao limiar de intoxicação. Deve ser reservado para os casos em que há comprometimento da contratili- dade. Está contraindicado na miocardiopatia hipertrófica, pois piora a obstrução da via de saída ventricular esquerda É um glicosídeo que atua na bomba de sódio, inibindo a ATP-ase sódio-potássio, com diminuição da saída de sódio celular e consequente acúmulo de cálcio intracelular favorecendoa contração miocárdica. Doses: • Nos recém-nascidos a termo, a dose é de 0,01 mg/kg/dia VO, dividida em duas tomadas. • Em pré-termo, de 0,005 mg/kg/dia, dividida em duas tomadas VO. • Quando utilizado por via parenteral, a dose deverá ser 75% da oral. • As doses de ataque não são mais utilizadas devido ao alto índice de intoxicações. • Apresentação: » Digoxina WelcomeR: elixir pediátrico: 0,05 mg/ml. » Digoxina WelcomeR: solução: 0.5 mg/ml. » Digoxina injetável: ampola de 2 ml com 0,25 mg/ml. » Lanatosídeo C (CedilanideR): ampola de 2 ml com 0,2 mg/ml. Diluindo 2 ml em 8 ml de água destilada, 1 mL = 0,04mg. Catecolaminas – atuam através da estimulação dos receptores beta-adrenérgicos miocárdicos. São as principais drogas utilizadas nas situações de insuficiência cardíaca, quando se deseja um efeito rápido (consulte o capítulo de “Choque séptico”). 1. Dopamina: age estimulando os receptores beta-1-adrenérgi- cos pós-sinápticos miocárdicos, aumentando a contratilidade. Atua também como vasoconstrictor sistêmico e pulmonar, através da ação em receptores alfa-1 e alfa-2 pós-sinápticos. Pela ação em receptores dopaminérgicos, promovem va- sodilatação em território renal, esplâncnico, coronariano e cerebral. Aumenta o débito cardíaco, a frequência e a pressão arterial sistêmica. • Efeitos indesejados: » Aumenta a resistência vascular pulmonar. Não deve ser usada em pós-operatório cardíaco. » Aumento do consumo de oxigênio pelo miocárdio. » Pode causar necrose por extravasamento quando usada em veia periférica. • Doses: » Dose entre 2 e 8 mcg/kg/min em infusão IV contínua. Começar com doses baixas e titular, monitorando os efeitos. Usar acessos centrais de preferência. Nos RNs pré-termo, mesmo doses baixas podem levar à ativação dos receptores alfa, precedendo a ativação dos receptores beta. Por ter menos terminações simpáticas no miocárdio, pode não secretar noradrenalina suficiente para efeito beta desejado. Dopamina=peso X dose X 1440 5000 2. Dobutamina: é uma amina sintética. Difere da dopamina por não liberar noradrenalina endógena e ter pouca ação nos vasos periféricos. Aumenta o débito cardíaco e reduz a resis- tência vascular sistêmica. Tem efeito cronotrópico positivo, elevando a frequência cardíaca. • Efeitos indesejados: » Aumenta a frequência cardíaca. • Doses: » Dose entre 2 e 25 mcg/kg/min em infusão IV contínua. Co- meçar com doses baixas e titular, monitorando os efeitos. Usar acessos centrais, de preferência. Dobutamina=peso X dose X 1440 12500 3. Adrenalina: é uma catecolamina endógena, liberada da me- dula adrenal e derivada da noradrenalina. Atua em receptores alfa, beta-1 e beta-2, aumentando a frequência cardíaca, pressão arterial sistólica, diminui a pressão arterial diastólica e vasodilata o leito vascular periférico. • Efeitos indesejados: » Arritmias. » Vasoconstrição periférica. • Doses: » 0,03 a 0,1 ug/kg/min – efeitos beta-1 e beta-2. » 0,1 a 0,2 ug/kg/mim – efeito beta e alfa. » Acima de 0,2 ug/kg/mim – predomínio do efeito alfa. 4. Isoproterenol: é um análogo sintético da norepinefrina, um beta agonista que estimula os receptores beta-1 miocárdicos, com efeito inotrópico positivo, e os receptores beta-2 periféri- cos com vasodilatação. Pode ser usado em neonatos nos casos de baixo débito secundário à hipertensão arterial persistente. • Efeitos indesejados: » Aumento da frequência cardíaca. » Aumento do consumo de oxigênio miocárdico com isquemia. » Arritmias. • Doses: › 0,01 a 0,05 mcg/kg/mim, para bradicardia sintomática. › 0,05 a 0,1 mcg/kg/mim, como inotrópico positivo › Apresentação: 0,2 mg/ml: adicionar 3 ml de isoprote- renol a 47 ml de soro glicosado a 5%, formando uma solução com 12 mcg/ml. Inibidores da fosfodiesterase – inibem seletivamente a nu- cleotídeo-fosfodiesterase cíclica, aumentando o AMPc vascular e no miocárdio, independentemente dos receptores beta. Indicados nos casos de insuficiência cardíaca por disfunção miocárdica com elevação da resistência vascular sistêmica. 1. Amrinona: • Dose: » Ataque 3 a 4,5 mg/kg. » Manutenção – 5 a 15 mg/kg/mim. Apresentação: Primacor® (1 mg/1 ml-frasco de 20 ml). Vasodilatadores – usados na insuficiência cardíaca com o objetivo de melhorar a performance cardíaca, reduzindo a impedância à ejeção ventricular (pós-carga), pela vasodilatação arteriolar, e/ou reduzindo o retorno venoso (pré-carga), pela venodilatação. 2. Inibidores da ECA – inibem a formação de angiotensina II, que é um potente vasoconstritor, promovendo a redução da resis- tência periférica e o aumento da capacitância venosa. • Dose: » Captopril – 0,25 a 3 mg/kg/dia VO divididos em duas a quatro tomadas. Apresentação: CapotenR: 1 comp = 12.5, 25 e 50mg 3. Nitroprussiato de sódio – produz vasodilatação arteriolar e venosa, agindo através do GMPc. Com ação rápida e efeitos em poucos minutos. 300 – A S S I S T Ê N C I A AO R E C É M - N A S C I D O D E R I S CO | 4 ª E D I Ç ÃO - 2 0 2 1 – • Efeitos indesejados: » Intoxicação pelo cianeto e tiocianato, que são seus me- tabólitos. » Hipotensão arterial. • Dose: » Dose inicial entre 0,25 e 0,5 mcg/kg/min em infusão IV contínua. Começar com doses baixas e aumentar a cada 20 minutos para o efeito desejado. Pode ser aumentada até 10 mcg/kg/min. A dose de manutenção, em geral, é < 2 mcg/kg/min. Usar acessos centrais, de preferência (consulte o capítulo de “Choque séptico”). Apresentação: NiprideR: frasco-ampola (2 ml) = 50 mg. Diuréticos – são usados para promover a excreção de sal e água, cuja retenção é uma consequência dos mecanismos adaptativos da insu- ficiência cardíaca. 1. Furosemida – é o mais usado e tem ação nas porções distais da alça de Henle, inibindo a reabsorção ativa de cloretos e passiva de sódio e água. Ocorre também a perda de potássio. • Dose – 0,5 a 4 mg/kg/dia IV ou VO, divididos em duas a quatro tomadas. 2. Espironolactona – é um antagonista específico da aldoste- rona. Reduz a reabsorção de sódio e a secreção de potássio, sendo considerada como retentora deste íon. Não promove a perda de água livre. Geralmente, é usada em associação com a furosemida, objetivando a potencialização dos seus efeitos e a minimização das perdas de potássio. • Dose – 1 a 3 mg/kg/dia VO, divididos em duas tomadas. Apresentação: Aldactone –AR: comprimidos com 25 mg. Principais manifestações das cardiopatias congênitas no recém- nascido As cardiopatias congênitas são responsáveis por 3 a 5% das mortes no período neonatal e, isoladamente, constituem a anomalia congênita mais comum. Nos últimos anos, com o aperfeiçoamento dos métodos diagnósti- cos e das técnicas cirúrgicas, houve uma melhora dos índices de morbi- mortalidade. O reconhecimento das manifestações clínicas das cardiopatias congênitas no recém-nascido, com o diagnóstico da síndrome clínica, na maioria das vezes, é suficiente para o início da terapia e o encaminha- mento para Serviço especializado. Podemos resumir as apresentações das diversas cardiopatias congê- nitas em três grupos principais: 1. Com cianose: A cianose é uma observação clínica da cor azulada da pele e mu- cosas, e ocorre quando a concentração de hemoglobina reduzida atinge valores acima de 5 g/100 ml. A cianose pode ocorrer por causa de fluxo lento sanguíneo, que permite maior extração de oxigênio, como na acrocianose, ou mãos e pés azuis. Pode ocorrer se o sangue não for eficientemente oxigenado pelos pulmões, sendo frequentes as causas pulmonares no neonato. E, finalmente, devido a malformações congênitas do coração. Diante de um recém-nascido com cianose, o neonatologista deverá seguir os seguintes passos: • Avalie se a cianose é periférica (acrocianose) ou central. • Monitorize a saturação de oxigênio com oxímetro de pulso ou gasometria arterial. • Realize o teste de hiperóxia, que consiste em ofertar oxigênio a 100% durante 10 minutos. Em bebês portadores de pneu- mopatias,geralmente há um aumento da paO 2 acima do 150 mmHg; já nos portadores de cardiopatia congênita cianogê- nica, não deverá ocorrer aumento significativo da saturação de oxigênio. • Observe o padrão respiratório. Nas cardiopatias congênitas cianóticas, em que não há insuficiência cardíaca, geralmente há uma leve taquipneia, diferentemente das pneumopatias com quadro de evidente dispneia. • Avalie os pulsos dos membros superiores e inferiores. A dificul- dade na palpação dos pulsos dos membros inferiores sugere presença de coarctação da aorta, que, embora isoladamente não curse com cianose, mas com ICC, pode vir acompanhada de cardiopatias complexas. • Observe a presença de sopros cardíacos, que podem sugerir a presença e o tipo de cardiopatia. A ausência de sopro não afas- ta o diagnóstico. Frequentemente, as cardiopatias congênitas cianóticas graves cursam com precórdio silencioso. • Providencie radiografia de coração e vasos da base. • Caso haja suspeição de cardiopatia, providencie eletrocardio- grama e ecocardiograma. As principais cardiopatias congênitas cianóticas no período neona- tal são: a. Por circulação pulmonar e sistêmica independentes – cianose severa, paO 2 entre 20 e 50 mmHg: » Transposição dos grandes vasos da base sem comunica- ção intraventricular (CIV). b. Por fluxo sanguíneo pulmonar inadequado – cianose severa: » Atresia da valva tricúspide. » Atresia da valva pulmonar sem CIV. » Tetralogia de Fallot com estenose pulmonar crítica. » Anomalia de Ebstein. c. Por mistura de sangue venoso com arterial – cianose modera- da, paO2 entre 50 e 80 mmHg: » Drenagem anômala total das veias pulmonares. 2. Com insuficiência cardíaca: As cardiopatias congênitas que se apresentam no período neonatal sem cianose e com quadro de insuficiência cardíaca geralmente são devi- das à obstrução à ejeção ventricular ou à sobrecarga volumétrica devido a “shunts” com hiperfluxo pulmonar. A precocidade no aparecimento dos sintomas sugere uma maior gravidade do quadro. As principais causas são: a. Obstrutivas: » Síndrome do coração esquerdo hipoplásico. » Coarctação da aorta. » Estenose aórtica » Interrupção do arco aórtico. b. Por “shunts”: » CIV grande. » PCA (persistência do canal arterial). » Drenagem anômala total das veias pulmonares. 3. Mistas: Algumas cardiopatias congênitas apresentam-se com cianose e insuficiência cardíaca. Nesse grupo, geralmente estão as cardiopatias complexas, em que há a presença de mistura de sangue venoso, com arterial que levaria à cianose, e fluxo pulmonar aumentado, ocasionando o quadro de insuficiência cardíaca. São elas: • Transposição dos grandes vasos da base com CIV. • Ventrículo único. • Dupla via de saída do ventrículo direito. • Drenagem anômala total das veias pulmonares. Cardiopatias congênitas cujo reconhecimento é importante no período neonatal Abaixo estão listadas as principais cardiopatias congênitas com importância no período neonatal, devido à precocidade do aparecimento dos sintomas e gravidade. – CAPÍTUL 9 | 9.1. ARRITMIAS CARDÍACAS/INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA/ CARDIOPATIAS CONGÊNITAS – 301 A. Síndrome do coração esquerdo hipoplásico: Figura 10 Definição: Conjunto de malformações congênitas caracterizadas pela hipopla- sia das estruturas esquerdas com estenose ou atresia das valvas aórtica e mitral, hipoplasia do ventrículo esquerdo e da aorta ascendente. Sua incidência é alta, representando 7 a 9% das cardiopatias congênitas. Com alta mortalidade, 25% na primeira semana, até poucos anos era considerada inoperável e fatal. Hoje, com o aperfeiçoamento das téc- nicas cirúrgicas em alguns Centros especializados, é possível a realização de cirurgias que transformam o ventrículo direito no ventrículo sistêmico, permitindo o aumento da sobrevida e a redução da mortalidade. Diagnóstico: Geralmente, são bebês que nascem bem, com Apgar 9/10 e bom peso, uma vez que as características da circulação fetal permitem um desenvolvimento fetal normal. Iniciam quadro de insuficiência cardíaca na primeira semana de vida, com baixo débito importante, insuficiência renal por baixa perfusão e insuficiência coronariana. Evoluem com deterioração progressiva do quadro e êxito fatal se nenhuma medida for tomada. Ao exame físico, apresenta sinais de baixa perfusão periférica, com palidez cutânea, hipotermia, hipotensão e pulsos finos. A ausculta revela segunda bulha única e um sopro sistólico ejetivo em borda esternal es- querda. A confirmação diagnóstica é feita com a realização de ecocardiogra- ma, que é capaz de definir toda a anatomia. Tratamento: Medidas de suporte: • Prostaglandina E na dose de 0,05 a 0,1 mcg/kg/min visa à manutenção do canal arterial aberto, já que toda a circulação sistêmica depende dele. • Uso de drogas vasoativas com Dopamina e Dobutamina, se necessário. • Correção dos distúrbios ácido-básicos. • Ventilação adequada. ProstinR (Prostaglandina E 1 ) EV contínua → 0,05 até 0,1 mcg/Kg/ min; dose máxima: 0,4 mcg/kg/min. Obtendo-se aumento da PaO 2 e do pH, deve-se diminuir a dose até 0,01 mcg/Kg/min para evitar efeitos colaterais como apneia (12%), febre (14%), rubor (15%). Os efeitos cola- terais menos comuns são taquicardia ou bradicardia, hipotensão arterial e parada cardíaca. Monitorizar acidose metabólica. Prostin: 1 ml = 500 mcg – como usar: peso x dose x 1440. 500 Cirurgia: alta mortalidade: • Operação de Norwood com primeiro estágio em neonatos. • Cirurgia de Hemi-Fontan aos 6 meses de vida. • Cirurgia de Fontan com 18 meses. B. Transposição das grandes artérias (TGA): Figura 11 Definição: Cardiopatia congênita cianótica, produzida por um defeito em- brionário isolado, resultado da septação anormal do tronco arterial. Os grandes vasos estão transpostos com a aorta originando-se no ventrículo direito, e a artéria pulmonar no ventrículo esquerdo. Isso resulta em uma circulação paralela com o sangue venoso que vem das veias cavas, átrio direito e ventrículo direito retornando à circulação sistêmica sem passar pelos pulmões, e o sangue oxigenado nos pulmões para o átrio esquerdo, ventrículo esquerdo, retornando aos pulmões. Esta anomalia não é um problema para o feto, quando a circulação é em paralelo, mas não pode persistir após o nascimento, sendo incompatível com a vida, a menos que uma mistura seja possível através da existência de forame oval permeável, CIA, CIV ou PCA. Apresentação clínica: Os neonatos com TGV apresentam cianose ao nascimento, peso normal e discreta taquipneia. Este quadro confunde-se com a maioria dos RNs normais no período de transição. Com a contração do canal arterial, a cianose agrava-se, com desenvolvimento de severa hipoxemia e acidose metabólica progressiva. A ausculta cardíaca demonstra uma segunda bulha única, e, geralmente, sem sopros. Caso não seja ministrada a pros- taglandina E, para manter o canal arterial aberto, haverá deterioração do quadro e evolução para o óbito. Nos casos em que há defeitos associados, com uma CIV grande, a hipoxemia não será tão acentuada, com um quadro menos dramático, po- dendo ser constatado sopro cardíaco da CIV. Nestes casos, à medida que a resistência pulmonar for caindo, surgirão sinais de insuficiência cardíaca. Figura 12 – Tamanho do coração normal, com um formato típico que lembra um ovo deitado Eletrocardiograma: Geralmente é normal. Tratamento: Medidas iniciais: • Prostaglandina E. • Correção dos distúrbios ácidos-básicos. • Evitar a administração de oxigênio em altas concentrações, já que este estimula o fechamento do canal arterial. • Atrioseptostomia com cateter balão, que constitui a intro- dução no átrio direito de cateter com balão desinflado em sua extremidade, passando pelo forame oval para o átrio esquerdo, onde o balão é inflado, sendo este recuado para o átrio direito, rompendo-se o septo interatrial e formando-seuma grande CIA, aumentando a mistura sanguínea. 302 – A S S I S T Ê N C I A AO R E C É M - N A S C I D O D E R I S CO | 4 ª E D I Ç ÃO - 2 0 2 1 – Cirurgia: • Cirurgia de Jatene – correção anatômica com reposiciona- mento das grandes artérias e coronárias. Atualmente, é realiza- da em Centros especializados no período neonatal. • Cirurgia de Mustard e Senning – correção funcional a nível atrial, com redirecionamento do sangue venoso para o ven- trículo esquerdo e do sangue arterial para o ventrículo direito. Menos utilizada na atualidade e realizada após os 3 meses de vida. C. Tetralogia de Fallot: Figura 13 Definição: Descrita, em 1888, por Etienne Fallot, com observações clínicas relacionadas à cardiopatia constituída por quatro defeitos: comunicação interventricular; estenose pulmonar infundibular; dextroposição da aorta; e hipertrofia do ventrículo direito. Esses defeitos derivam do deslocamento anterior do septo infundi- bular, que divide os tratos de saída dos ventrículos. Apresentação clínica: Depende do grau de obstrução da via de saída do ventrículo direito (estenose infundibular), variando desde neonatos acianóticos, nos casos leves, que poderão desenvolver cianose tardiamente, até quadro de im- portante hipoxemia, logo ao nascer. A ausculta apresenta segunda bulha, com um só componente, e sopro sistólico do tipo ejetivo, com intensidade variável, dependendo do grau de obstrução pulmonar. Nos casos mais graves, com hipoxemia severa, haverá a instalação progressiva de acidose metabólica, com necessidade de intervenção precoce. Radiografia de tórax: O tamanho do coração é normal com o ápice levantado, devido à hipertrofia do ventrículo direito, e com o arco médio escavado, lembrando o formato de uma bota. Vascularização pulmonar normal ou diminuída. Figura 14 Eletrocardiograma: Sinais de hipertrofia do ventrículo direito é o achado mais frequente. Ecocardiograma: Confirma o diagnóstico, define a anatomia e a gravidade da obstru- ção da via de saída do ventrículo direito. Tratamento: A maioria dos casos não necessitará de tratamento no período neonatal, apenas encaminhamento a Serviço especializado para acompa- nhamento. Os recém-nascidos com hipoxemia importante e acidose metabó- lica serão tratados como cardiopatia congênita cianótica dependente de canal arterial com Prostaglandina E, para manter o canal arterial aberto, e encaminhados para avaliação da cirurgia cardíaca quanto à necessidade de realização de “shunt” sistêmico-pulmonar do tipo Blalock-Tausing. D. Atresia pulmonar com CIV: Figura 15 Definição: Cardiopatia congênita cianótica com atresia da valva pulmonar e comunicação interventricular. Também era conhecida como Fallot extremo devido a semelhanças anatômicas com esta entidade. O fluxo pulmonar é dependente do canal arterial ou de artérias colaterais que suprem segmentos pulmonares. A presença da CIV, geralmente grande, faz com que a pressão de ambos os ventrículos seja igual, com grande mistura sanguínea. Apresentação clínica: O quadro clínico é dependente do tipo de suprimento sanguíneo aos pulmões. Se há apenas o canal arterial, o quadro predominante será de hipoxemia, que se agrava com o fechamento do canal arterial. Se há colaterais da aorta para as artérias pulmonares suprindo parte ou todos os pulmões, o quadro será de pouca cianose e, em alguns casos, insuficiência cardíaca por hiperfluxo pulmonar. Na ausculta, a primeira bulha pode estar desdobrada por clique aórtico, devido à dilatação da raiz aórtica. Podem ser auscultados sopros sistólicos ou contínuos, produzidos pelo canal arterial. Rx de tórax: O aspecto radiológico é semelhante à tetralogia de Fallot. Eletrocardiograma: Os achados frequentes são sobrecarga atrial direita e hipertrofia ventricular direita. Ecocardiograma: Confirma o diagnóstico, define a anatomia, o tamanho da PCA e a presença de colaterais. Tratamento: Os neonatos com circulação pulmonar canal-dependente devem ser tratados com prostaglandina E, enquanto esperam realização de cirur- gia paliativa, geralmente confecção de “shunt” tipo Blalock-Tausing. Para os recém-nascidos com grandes artérias colaterais e clínica de insuficiência cardíaca, deverá ser instituída terapia específica para a ICC, como discutido no respectivo item. O tratamento cirúrgico, nestes casos, é complexo, e poderá requerer estudo hemodinâmico para traçar a estra- tégia cirúrgica, que, geralmente, consiste na união das colaterais (cirurgia de unifocalização). – CAPÍTUL 9 | 9.1. ARRITMIAS CARDÍACAS/INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA/ CARDIOPATIAS CONGÊNITAS – 303 E. Atresia pulmonar com septo íntegro: Figura 16 Definição: Cardiopatia congênita cianótica complexa que se caracteriza pela ausência da continuidade entre o ventrículo direito e a artéria pulmo- nar. Frequentemente associado a variados graus de hipoplasia da valva tricúspide e do ventrículo direito, sendo também chamada Síndrome do Coração Direito Hipoplásico. É obrigatória a presença de comunicação interatrial ou forame oval patente, pois é a única via possível do sangue proveniente das veias cavas. Na ausência de CIA e com forame oval res- tritivo, aparecerão sinais de congestão venosa sistêmica e baixo débito. O fluxo pulmonar é dependente exclusivamente do canal arterial. Apresentação clínica: Cianose ao nascimento com intensidade dependendo do tamanho e do fechamento do canal arterial. Quando ocorre o fechamento do canal, os bebês apresentam hipoxemia severa, com acidose metabólica e síndro- me de baixo débito. Na ausculta, observa-se segunda bulha única, e pode-se auscultar sopro sistólico ou contínuo do canal arterial. Quando há insuficiência tricúspide importante, há sinais de cardio- megalia, devido ao aumento do átrio direito, e sinais de insuficiência car- díaca. Nestes casos, é possível ouvir sopro holossistólico baixo em borda esternal esquerda da insuficiência tricúspide. Rx de tórax: Vascularização pulmonar diminuída. Pode apresentar discreta car- diomegalia devido ao aumento do átrio direito. Nos casos de insuficiência tricúspide importante, observa-se cardiomegalia acentuada devido a grande aumento do átrio direito. Eletrocardiograma: Eixo QRS entre 30 e 90 graus, com sinais de sobrecarga atrial direita. Ecocardiograma: Define a anatomia, mede o anel da valva tricúspide. A relação entre o diâmetro da valva tricúspide e da valva mitral define o grau de hipopla- sia do ventrículo direito, informação importante para a definição do tipo de cirurgia a ser realizado. Hemodinâmica: O cateterismo pode ser necessário para complementar o estudo da anatomia, feito pelo ecocardiograma como a confirmação da presença de sinusoides. Tratamento: Clínico: • Prostaglandina E e correção da acidose metabólica. Cirúrgico: • Geralmente, em um primeiro momento, consiste na confecção de derivação sistêmico-pulmonar tipo Blalock-Tausing. O tipo de cirurgia a ser realizado em um segundo tempo dependerá do grau de hipoplasia do ventrículo direito. F. Atresia tricúspide: Figura 17 Definição: É a terceira cardiopatia cianótica mais frequente; consiste na agene- sia completa da valva tricúspide e ausência de comunicação entre o átrio direito e o ventrículo direito. A CIA é obrigatória, pois é a única via possível do sangue provenien- te das veias cavas; quando restritiva, produz uma dilatação do átrio direito e congestão venosa sistêmica. Dependendo dos defeitos associados, a atresia tricúspide pode ser classificada em três tipos, dependendo da presença de CIV, estenose pulmonar ou transposição das grandes artérias. Apresentação clínica: Há um grande espectro de apresentações, dependendo dos defei- tos associados, ou seja, na presença de grande CIV sem estenose pulmo- nar, haverá quadro de insuficiência cardíaca predominante. Nos casos de CIV pequena e estenose pulmonar, o predomínio será da hipoxemia. Rx de tórax: O quadro radiológico é variável, dependendo do tipode defeito associado. Desde corações pequenos, com hipofluxo pulmonar, até car- diomegalia, com hiperfluxo pulmonar. Eletrocardiograma: Característico com eixo do QRS desviado para esquerda e ausência de potenciais de ventrículo direito nas derivações precordiais. Ecocardiograma: Define a anatomia. Tratamento: Para escolha do tratamento, devem ser levados em conta os seguin- tes aspectos: Fluxo pulmonar: • Se diminuído com hipoxemia, iniciar prostanglandina E e encaminhar para cirurgia para colocação de Blalock-Tausing. • Se aumentado – tratamento da ICC e cerclagem da artéria pulmonar. Fluxo através da CIA: • Se restritivo, encaminhar para ampliação da CIA, que poderá ser feita através de cateterismo cardíaco com atrioseptostomia com cateter balão ou cirurgia. Posteriormente, estas crianças serão encaminhadas para a realização de cirurgia do tipo univentricular, direcionando a circulação venosa sistê- mica (veias cavas) diretamente para a artéria pulmonar, que é realizada em dois tempos nos primeiros anos de vida (técnica de Glenn e Fontan). g. Coarctação da aorta: 304 – A S S I S T Ê N C I A AO R E C É M - N A S C I D O D E R I S CO | 4 ª E D I Ç ÃO - 2 0 2 1 – Figura 18 Definição: Estreitamento congênito da aorta descendente, com localização geralmente abaixo da artéria subclávia esquerda, ou da região do canal arterial. Apresentação clínica: A apresentação clínica é variável e depende da idade, do grau de obstrução e outras anomalias cardíacas associadas. Nos neonatos, as manifestações são de insuficiência cardíaca. Estas manifestações, geralmente, são consequência de obstruções importantes e presença de defeitos associados, como CIV. Um dado muito importante no exame físico é a palpação dos pulsos periféricos. A constatação de pulsos diminuídos ou ausentes nos mem- bros inferiores é fortemente sugestiva de coarctação da aorta. Na ausculta cardíaca, geralmente se observa sopro sistólico suave, mais audível no dorso. A segunda bulha pode estar hipofonética. Eletrocardiograma: É inespecífico, com variações do normal até sinais de importante sobrecarga biventricular ou hipertrofia do ventrículo direito. Rx de tórax: No recém-nascido, não são observados os sinais clássicos de coarc- tação da aorta, como corrosão dos arcos costais. Nos bebês com insufi- ciência cardíaca, há aumento global da área cardíaca e sinais de congestão venosa pulmonar. Tratamento: Tratamento da insuficiência cardíaca. Nos neonatos com sinais de baixo débito e comprometimento da função renal por baixo fluxo, iniciar prostaglandina, para manter o canal arterial aberto. H. Comunicação intraventricular: Figura 20 Definição: Solução de continuidade do septo interventricular. Pode ter várias localizações, sendo as mais frequentes nas regiões perimembranosa e muscular. Apresentação clínica: Geralmente, não apresenta sintomas nos neonatos devido à resis- tência pulmonar elevada. Nas grandes comunicações interventriculares, sugirão sintomas de insuficiência cardíac,a com a queda de resistência pulmonar, que ocorrerá em torno da 4ª semana de vida. Conduta: Encaminhar para acompanhamento especializado. I. Comunicação interatrial: Figura 21 Definição: Solução de continuidade do septo interarial. Pode ter várias localiza- ções, sendo a mais frequente na região do forame oval. Apresentação clínica: Isoladamente, não apresenta sintomas. Conduta: Encaminhar para acompanhamento especializado. J. Drenagem anômala total das veias pulmonares: Figura 22 Definição: Durante a formação do coração, pode ocorrer um erro na conexão de uma ou mais veias pulmonares ao átrio esquerdo. A drenagem anôma- la total (DATVP), quando as quatro veias pulmonares não estão drenando no átrio esquerdo, é uma anomalia congênita rara, correspondendo a, aproximadamente, 1% de todas as cardiopatias congênitas (Geva, 1995). Os principais tipos são: 1. Drenagem supracardíaca (figura 22): é a forma mais frequente e feita com a união das quatros veias pulmonares em um lago venoso comum, que se conecta à veia cava superior através de uma veia vertical acessória. 2. Drenagem cardíaca: quando as quatro veias drenam dire- tamente no átrio direito, mais comumente através do seio coronariano. COARTAÇÃO – CAPÍTUL 9 | 9.1. ARRITMIAS CARDÍACAS/INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA/ CARDIOPATIAS CONGÊNITAS – 305 3. Drenagem infracardíaca: quando a drenagem ocorre através de uma veia acessória para aveia cava inferior. As apresentações clínicas podem ser variáveis, dependendo do tipo e das malformações associadas, podendo ter desde quadros estáveis, com fluxos pulmonar e sistêmico balanceados e discreta hipoxemia, até quadros de hiperfluxo pulmonar, com edema pulmonar exuberante. Na DATVP, a presença de uma comunicação interatrial (CIA) é obriga- tória, visto que é a única via sanguínea para o átrio esquerdo e, consequen- temente, para circulação sistêmica. A restrição ao “shunt” direito/esquerdo pela CIA levará a um quadro de baixo débito e agravamento da cianose. Nesses casos, estaria indicada a ampliação da CIA, que é realizada, geralmente, à beira do leito, através da introdução de um cateter balão (atrioseptostomia). Em alguns casos, pode ocorrer estenose de uma ou mais veias pulmonares, o que poderá levar à congestão pulmonar, com deterioração precoce da clinica e piora do prognóstico. Apresentação clínica: Nos neonatos, as manifestações são de insuficiência cardíaca, com gravidade dependendo da queda da resistência pulmonar e da presença de obstrução das veias pulmonares. Na ausculta cardíaca, geralmente se observa sopro sistólico suave, mais audível no dorso. A segunda bulha pode estar hipofonética. Eletrocardiograma: Sinais de sobrecarga das câmaras direitas. Rx de tórax: Geralmente, há um grande aumento da área cardíaca e sinais de hiperfluxo pulmonar. Nos casos de drenagem supracardíaca, as radiogra- fias podem apresentar um aspecto de “boneco de neve” em virtude da sobreposição da veia vertical com a sombra cardíaca. Ecocardiograma: Define a anatomia. Tratamento: Clínico – controle da insuficiência cardíaca. Cirúrgico – deve ser encaminhado logo quando do diagnóstico. Isquemia miocárdica transitória do RN Ocorre necrose subendocárdica nos músculos papilares e outras áreas dos ventrículos do RN com hipóxia perinatal. Causa: Vasoconstricção pulmonar hipóxica levando a um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de O 2 para o miocárdio. Estes RNs, usual- mente, têm hipertensão pulmonar, shunt bidirecional a nível atrial e ductal + insuficiência tricúspide com vários graus de disfunção ventricular no ecocardiograma. A clínica depende da severidade (taquipneia transitória, na forma mais leve), e deve-se à retenção de fluido e edema pulmonar levando à diminuição da complacência pulmonar. A insuficiência tricúspide/insuficiência mitral transitória resultam de infarto nos músculos papilares (nestes casos, há aumento do nível da fração MB da creatina fosfoquinase). A ICC grave com choque ocorre em casos mais severos. Clínica: RNs a termo com Apgar < 6 no 1º minuto usualmente desenvolvem taquipneia e cianose leve. Ausculta: Sopro sistólico em foco tricúspide ou foco mitral com ICC e galope ocorre em 1/3 dos pacientes. Raramente há hipotensão e choque. Eletrocardiograma: Ondas T achatadas e segmento ST deprimido (reflexo de isquemia subendocárdica). Estas alterações também podem ser vistas em RNs normais. Onda Q anormal sugere infarto anterior ou inferior (vista em membros e derivações precordiais). Rx: Cardiomegalia variável, congestão venosa pulmonar (pulmão úmi- do) em casos mais severos. Ecocardiograma: Aumento do átrio esquerdo e do ventrículo esquerdo, diminuição da contratilidade do ventrículo esquerdo, principalmente da parede pos- terior, com diminuição da fração de encurtamento, insuficiência mitral (estas alterações melhoram de uma a duas semanas). Laboratório: • Diminuiçãodiscreta da paO 2 e pH sem retenção da paCO 2 . • Hipoglicemia. • Aumento da CKMB e troponina. • Perfusão miocárdica (teste do Gálio 201) revela distribuição irregular. • O teste do Gálio 201 deve ser realizado em casos nos quais miocardite é suspeita (neste caso, a perfusão miocárdica é normal). Tratamento: • Casos leves: O 2 , corrigir a acidose e a hipoglicemia (a lesão é autolimitada). • Ventilação mecânica, em casos severos. • Restrição hídrica e diuréticos são benéficos. • Agentes inotrópicos, como Dopamina ou Dobutamina, e va- sodilatadores devem ser considerados em casos severos: Captopril (CapotenR): 0,1 - 0,4 mg/kg/dia VO – 2 a 3 doses. Comprimido de 12,5-25-50 mg. Prognóstico: Os RNs usualmente se recuperam, a menos que haja acidose severa, lesão em sistema nervoso central ou sepse. A melhora clínica ocorre com poucos dias de tratamento. A insuficiência tricúspide e as alterações no eletrocardiograma regridem em poucos meses. Não está claro se estes pacientes desenvolvem cardiomiopatia, arritmias e prolapso da válvula mitral tardiamente. Recém-nascido de diabética Patologia: Ocorre efeito teratogênico em vários sistemas. A prevalência de cardiopatia congênita é de 6-9% (três a quatro vezes maior que na popu- lação em geral). O grupo de maior risco são os RNs de mães insulino-de- pendentes. Mães não insulino-dependentes parecem não ter risco para malformação congênita. Os RNs têm maior prevalência de cardiopatia congênita, cardio- miopatias e padrão pulmonar fetal. O risco de cardiopatia congênita é três a quatro vezes maior do que na população geral (CIV, D-TGA, CoAo). • Com base em evidências no que se refere às malformações dos recém-nascidos de diabéticas tipo 1 e diabetes gestacio- nal que necessitaram de insulina (esta, na verdade, pode ser a expressão de um diabetes tipo 2), está recomendado o ecocardiograma, quando possível (certas patologias graves podem não ser detectadas pelo teste da oximetria de pulso) e a ecografia cerebral (vide capítulo de “Malformações cere- brais”). Mais de 50% destas malformações afetam os sistemas nervoso central (OR= 1.55, 95%, IC: 1.13–2.13) e cardiovas- cular (OR= 2.20, 95%, IC: 1.88–2.58). O insulto teratogênico na embriopatia diabética ocorre da 3ª a 7ª semana de gestação no início da organogênese. Diferentemente do que ocorre nos RNs de diabética gestacional que não necessi- tou de insulina (diabetes mellitus gestacional), desenvolve-se por volta da 24ª semana de gestação, após a embriogênese estar completa, o que significa que não contribui diretamente para a embriopatia diabética), e muito menos em todos os RNs GIG independentemente da causa (estes não necessitam de ecocardiograma, a não ser, como todos os recém-nascidos, se houver alterações na oximetria de pulso; e muito menos de ecografia cerebral). O risco de anomalias congênitas está aumentado em mulheres com diabetes mellitus gestacional com necessidade de insulinoterapia. Isto se deve, presumivel- mente, a uma maior severidade da hiperglicemia nestes casos, e à inclusão, neste grupo, das mulheres com diabetes tipo 2 não diagnosticado até a gravidez, o que levaria à exposição do feto à hiperglicemia durante a embriogênese do primeiro trimestre. 306 – A S S I S T Ê N C I A AO R E C É M - N A S C I D O D E R I S CO | 4 ª E D I Ç ÃO - 2 0 2 1 – Cardiomiopatia hipertrófica por Paulo R. Margotto Causa obstrução na via de saída do ventrículo esquerdo em 10 a 20% dos casos. Há aumento do tamanho e do número de miócitos; não há excesso de glicogênio, como se pensava. A hipertrofia ocorre devido à hiperinsulinemia. O septo interventri- cular é mais hipertrofiado do que a parede posterior do ventrículo esquer- do (hipertrofia septal assimétrica). Os mecanismos pelos quais a insulina provoca hipertrofia ventricu- lar não foram descritos, mas o coração é um importante alvo de insulina, e expressão de receptores de insulina funcionais pelos cardiomiócitos é comparável com outras células sensíveis à insulina. A glicogênio-sintetase -quinase-3ß regula negativamente a hipertrofia cardíaca e, uma vez que a expressão desta enzima é inibida pela insulina, é um mecanismo potencial para miocardiopatia hipertrófica no feto hiperinsulinêmico. Apesar da sua inefetividade no tratamento do hiperinsulinismo, os corticosteroides são frequentemente prescritos para crianças com hipoglicemia, e também foram implicados no desenvolvimento da miocardiopatia hipertrófica (sete de dez foram tratados antes de serem referidos!). Com o tratamento do hiperinsulinismo, a miocardiopatia hipertrófica melhorou/resolveu em todos os pacientes. Considerar a realização do ecocardiograma nestes recém-nascidos. Há risco maior para a persistência do padrão de circulação fetal devido à maior incidência de hipoglicemia, asfixia perinatal, dificuldade respiratória e policitemia nestes RNs. Portanto, os recém-nascidos de mães diabéticas insulino-depen- dentes e diabetes gestacional que necessitaram de insulina devem ser submetidos a ecocardiografia. Clínica: Taquidispneia desde o nascimento, pletora, cianose discreta, ta- quicardia (> 160 bpm), ICC em 5-10%, sopro sistólico em borda esternal esquerda baixa (obstrução da via de saída ventricular esquerda ou por cardiopatia congênita associada). Rx: Cardiomegalia variável, trama vascular pulmonar normal ou discre- tamente aumentada por congestão venosa pulmonar. Eletrocardiograma: Normal ou com QT longo (devido ao aumento do ST) devido à hipocalcemia. Ocasionalmente, há sobrecarga ventricular direita, sobre- carga ventricular esquerda, sobrecarga biventricular. Ecocardiograma: Hipertrofia septal assimétrica relacionada com a severidade do dia- bete materno. Há contratilidade aumentada do ventrículo esquerdo, obs- trução da via de saída do ventrículo esquerdo (por movimento sistólico do folheto anterior da válvula mitral em 50% dos casos e ondulação na valva aórtico). Raramente há dilatação do ventrículo esquerdo, com diminuição da contratilidade deste. Tratamento: • Suporte geral: hidratação venosa; corrigir hipoglicemia; hipo- calcemia; suporte ventilatório, se indicado. • A hipertrofia do ventrículo esquerdo se resolve em 6 a 12 meses. • Agente b-bloqueador (Propranolol): melhora a obstrução da via saída ventricular esquerda. • Dose do Propranolol: oral: 1 a 5 mg/kg/dia divididos de 6/6 horas ou 8/8 horas. • Apresentação: Inderal: 1 comprimido = 10 mg = 1 mg. • Nota: em situações emergenciais, usar endovenoso: Metoprolol (SelokenR): 0,1-0,2 mg/kg duas vezes, com aumento progressivo até 0,9 mg/kg/dia. Apresentação: ampola de 5 ml com 5 mg. • Digital é contraindicado (piora a obstrução da via saída ventricular esquerda). – CAPÍTUL 9 | 9.2. PERSISTÊNCIA DO CANAL ARTERIAL – 307 9.2. PERSISTÊNCIA DO CANAL ARTERIAL Paulo R. Margotto, Viviana I. Sampietro Serafin Epidemiologia O canal arterial é uma questão de desenvolvimento. Intraútero, o ca- nal arterial tem que estar aberto. O fechamento funcional do canal arterial do recém-nascido (RN) de termo ocorre em 48 horas após o nascimento e em até 72 horas em 90% dos recém-nascidos com mais de 30 semanas de idade gestacional. Quando o ducto permanece aberto após 72 horas, podemos considerar a persistência do canal arterial (PCA). A PCA ocorre em cerca de 2/3 das crianças que nasceram com extremo baixo peso, e 75% destas nasceram antes de 28 semanas de gestação. Em 80% dos RNs pré-termo extremos (< 28 semanas), o canal está aberto no 4o dia de vida. Na Unidade de Neonatologia do Hospital Regional da Asa Sul/ Hospital Materno Infantil de Brasília (HRAS/HMIB), o diagnóstico de PCA ocorreu em 44% dos RNs pré-termo extremos (entre 25 sem. e 27 sem. 6 dias), de acordo com o estudo de Castro et al (2012). No estudo de Rolland et al. (2015), sem qualquer tratamento es- pecífico voltado para fechar o canal arterial, foi observada uma taxa de fechamento espontâneode 73% nos RNs com idade gestacional < 28 se- manas (60% nas crianças com 24-25 semanas; 80% nas crianças com 26-27 semanas), não havendo, inclusive, diferença de fechamento espontâneo dos canais com ou sem significância hemodinâmica (pelo ecocárdio)! Collins et al. (2018), em uma análise multivariada incluindo 1.090 prematuros de baixo peso ao nascer, sendo 135 com PCA, demonstraram não haver diferenças no desenvolvimento cognitivo ou competência comportamental entre os grupos com PCA, independentemente do tra- tamento usado, e sem PCA, na idade de 3, 8 e 18 anos. Mais recentemente, Kaga et al. (2019) evidenciaram que a abor- dagem conservadora da PCA, mesmo no caso de PCA prolongada, não aumenta o risco de comprometimento do neurodesenvolvimento aos 5 anos de idade corrigida em prematuros < 29 semanas e peso ao nascer < 1250 g. Fisiologia Enquanto a pressão arterial pulmonar é alta, não há sintomas, mas, à medida que a pressão diminui, começa a haver shunt esquerda-direita (E-D), aumentando o fluxo de sangue ao pulmão, com sobrecarga do ven- trículo esquerdo (VE). Este aumento da pressão vascular pulmonar pode determinar a ocorrência de um extravasamento pelos capilares pulmo- nares, com edema pulmonar, aumento da resistência das vias aéreas (são mais edematosas), e, à medida que o tempo passa, as condições do RN pioram (o pulmão fica mais rígido). Há um roubo diastólico (roubo sistêmico) de sangue que pode gerar hipotensão arterial. Esta se deve, principalmente, à queda da pressão dias- tólica, com deficiente perfusão dos órgãos (intestino e rins, principalmen- te), com o risco de enterocolite necrosante. A piora da perfusão cerebral e a alteração do fluxo sanguíneo cerebral podem predispor à leucomalácia periventricular e à hemorragia intraventricular. Na hipotensão refratária, considerar a presença de canal arterial hemodinamicamente significativo. O aumento do fluxo sanguíneo para os pulmões pode levar à he- morragia (uma complicação catastrófica na UTI Neonatal), com redução significativa da complacência pulmonar, secundária ao dano dos capilares pulmonares em consequência ao aumento do fluxo sanguíneo aos pul- mões. Assim, vejam que há várias repercussões agudas do aumento do fluxo sanguíneo pulmonar. Quanto à displasia broncopulmonar (DBP): metanálise de Clyman (1996) mostrou redução significativa do risco de ocorrência nos RNs pré- -termo com canal arterial hemodinamicamente significativo tratados em relação ao grupo com tratamento profilático. Diagnóstico do canal arterial Muitos clínicos ainda se baseiam no sopro, no aumento da pressão de pulso ou no precórdio ativo para firmar o diagnóstico. Estes sinais ma- nifestam-se mais tardiamente (em torno do 4º-5º dia), e não são tão sensí- veis nos primeiros dias. É neste momento que se torna importante que o clínico detecte o canal arterial pérvio com o ultrassom e, com isso, possa compreender os efeitos hemodinâmicos associados aos efeitos clínicos. O estudo de Skelton et al. (1994) mostrou que, no dia 1, a sensibilidade dos sinais clínicos foi zero, com melhora razoável somente no 5o dia. O desenvolvimento de significância ecográfica hemodinâmica precede o desenvolvimento de sinais físicos em uma média de 1,8 dia. Kluckow et al. (2014) evidenciaram a viabilidade da realização do ecocardiograma precoce no manuseio do canal arterial em um grupo selecionado de recém-nascidos pré-termo extremos. Assim, foi possível identificar e tratar aqueles com canal arterial hemodinamicamente sig- nificativo. Os autores relataram diminuição significativa da hemorragia pulmonar, em relação a uma conduta expectante (um número necessário para tratamento de 5,4 para prevenir uma hemorragia pulmonar). Os RNs com PCA pequena nas primeiras 12 horas de vida tiveram uma chance de 80% de fechamento espontâneo, tornando esta estratégia um rastreio clinicamente útil. Os RNs nascidos antes de 28 semanas com PCA tiveram maior chance de apresentarem morbimortalidade neonatal grave (displasia broncopulmonar, hemorragia intraventricular e hemorra- gia pulmonar) em comparação aos RNs sem PCA de idade gestacional semelhante. Para os RNs < 28 semanas: o ecocardiograma deve ser realizado com intervalo entre 18-30 horas de vida. Para os RNs ≥ 28 semanas: o ecocardiograma deve ser realizado com 48 a 60 horas, exceto na presença de fatores como: • Doença da membrana hialina necessitando do uso de mais de uma dose de surfactante. • Sepse (diagnóstico clínico ou laboratorial). • Contagem de plaquetas diminuídas (menor que 100.000/ mm3). • Parâmetros ventilatórios elevados após 24 horas de vida (map ≥ 8 ou fio2 ≥ 0,4). • Necessidade de droga vasoativa nas primeiras 24 horas de vida. Definição de canal arterial hemodinamicamente significativo PCA não é o mesmo que um canal arterial hemodinamicamente significativo (CAHS). A falta de uma abordagem padronizada para definir CAHS faz o seu impacto clínico e sua contribuição para morbidades neonatais difíceis de definir. Há falta de um consenso internacional na definição do CAHS. O achado ecocardiográfico de importante shunt transductal da esquerda para a direita, com efeitos hemodinamicamente mensuráveis levando à instabilidade clínica, é a base para a definição do CAHS. O fenô- meno do CAHS é um continuum de normalidade fisiológica a um estado patológico de doença, com instabilidade clínica e efeitos variados em órgãos corporais. Na definição do CAHS, considerar as características ecocardiográfi- cas que avaliam o tamanho do canal: 1. Relação do diâmetro do canal com o ramo esquerdo da pul- monar. 2. Padrão de fluxo ductal com Doppler colorido. 3. Tamanho do átrio esquerdo (expresso na relação átrio esquer- do [ae] para a aorta [ao]). 4. Ausência ou inversão do fluxo diastólico final nas artérias me- sentéricas superiores, artéria cerebral média ou artéria renal. 5. Pressão de enchimento do ventrículo esquerdo (expressa como a relação entre a fase de enchimento rápido e contração atrial [e/a] ou o tempo de relaxamento isovolumétrico). A classificação foi baseada, predominantemente, na gravidade da doença e na magnitude de doenças cardiovasculares, respiratória e pro- blemas gastrointestinais. 308 – A S S I S T Ê N C I A AO R E C É M - N A S C I D O D E R I S CO | 4 ª E D I Ç ÃO - 2 0 2 1 – Na Unidade de Neonatologia do HRAS/HMIB, são considerados os seguintes marcadores ecocardiográficos para o diagnóstico de canal hemodinamicamente significativo (CAHS): • Relação do diâmetro do canal/ramo esquerdo da pulmo- nar ≥ 0,5 (15 vezes mais o risco de um CAHS). • Fluxo reverso na aorta descendente ao nível do diafrag- ma. • Velocidade diastólica no ramo esquerdo da pulmonar: ≥ 3m/s. • Fluxo transductal pulsátil não restritivo. • Relação átrio esquerdo (AE)/aorta (Ao): > 1,5 (reflete a dilatação atrial esquerda; prevê o tamanho do canal arterial, uma vez que o diâmetro da aorta é fixo, enquanto o do AE aumenta devido ao maior retorno sanguíneo pulmonar). • Fluxo transmitral: relação E/A > 1 (E-fluxo transmitral pas- sivo e A-fluxo transmitral ativo: avalia a carga de pressão no coração esquerdo; no prematuro, E <A, resultando em uma relação E/A<1). No CAHS, há um aumento do E devido ao aumento da pressão do átrio esquerdo, que leva a uma pseu- donormalização da relação E/A>1, como normalmente ocorre no RN a termo. Isoladamente, têm pouca sensibilidade e especificidade quando comparados ao diâmetro transductal, mas, juntos, proporcionam uma forma mais compreensiva da avaliação do canal arterial, facilitando a dife- renciação de um CAHS e de canal inocente. Parece muito simples tomar decisões para o tratamento com base apenas no diâmetro transductal, uma vez que este varia com a saturação de oxigênio, tratamento com o surfactante ou uso de furosemide, além de ser examinador dependente Juntamente aos achados ecocardiográficos, considerar presença de hemorragia pulmonar (secreção sanguinolentapersistente no tubo endotraqueal) isoladamente (Schena et al., 2015), ou pelo menos dois dos achados clínicos, laboratoriais e radiológicos, como: • Presença de taquicardia, sopro cardíaco, precórdio pulsá- til, pulsos amplos, pressão arterial diastólica <30 mmhg. • Necessidade de parâmetros ventilatórios altos (MAP > 8, fio2 > 0.4). • Oligúria < 1 ml/kg/hora ou creatinina > 1,7 mg/dl. • Acidose persistente (ph < 7,2 e B E> -10meq/L). • Área cardíaca aumentada e sinais de congestão pulmonar ao Rx. • Necessidade de droga vasoativa ou diurético. Em 2015, Schena et al. avaliaram a duração da magnitude do shunt pelo canal arterial em 242 RNs ≤ 28 semanas, nascidos entre 2007 e 2012, sendo divididos em dois grupos: 1) desenvolveram DBP ou morreram; e 2) não desenvolveram DBP. A DBP ocorreu no grupo com CAHS, não ocorrendo no grupo com canal arterial pequeno e não significativo. Para cada semana de CAHS, adicionou-se um risco de DBP de 1,7; a duração do pequeno canal arterial não significativo não se associou à DBP. Assim, um sistema de pontuação compartilhada da gravidade de shunt ductal é útil para avaliar corretamente a associação entre morbidades do canal arterial, comparar estudos científicos e orientar o tratamento. Tratamento a. Conservador: É um tratamento complementar ao farmacológico, ou quando há contraindicação a este. Inclui: • Controle da oxigenação: manter a SatO 2 entre 90-95%. • Em ventilação mecânica: manter a expansibilidade pulmonar com a presença de 9 espaços intercostais (para isto, ajustar a PEEP conforme Rx). • Drogas vasoativas: somente nos quadros de CAHS: » Dopamina (5 µg/kg/min): se pressão arterial média inferior à idade gestacional e presença de sinais de hiperfluxo pulmonar. » Dobutamina (5 µg/kg/min): se fração de encurtamento < 28%: › Deve ser evitada a hipertensão arterial sistêmica e taquicardia. • Oferta hídrica: adequar a oferta hídrica de acordo com o sódio sérico e balanço hídrico: » Manter sódio entre 130-145 mEq/l. » Manter balanço hídrico negativo (no máximo em torno de 20 ml/kg/dia). Nos RNs com DBP, a restrição hídrica (em torno de 150-170 ml/kg) não deve comprometer a oferta proteico-calórica (a DBP é uma doença inflamatória proteolítica). Consulte o capítulo de “Displasia broncopul- monar”. » Diurético (furosemide): não há evidência científica que dê suporte ao uso rotineiro de diurético para a prevenção ou mesmo tratamento da insuficiência cardíaca congestiva do CAHS. A furosemide aumenta a produção de prostan- glandinas, podendo reduzir a resposta do canal à indome- tacina. Anos atrás se usou clorotiazida ou furosemide de forma aleatória e se observou que, com o furosemide, ha- via menor resposta à indometacina. Além disto, aumentou o risco para hipocalemia, hipercalciúria, alcalose metabó- lica. Nos RNs recebendo gentamicina com furosemide, há aumento de hipoacusia. O furosemide não é benéfico nos prematuros com PCA. No entanto, após adotar as medidas anteriores, se houver oligúria ou parâmetros elevados no respirador (pressão média das vias aéreas – MAP – > 8 cmH2O, FiO 2 > 40%) para manter PaCO 2 < 60mmHg e SatO 2 entre 90-95%, usar a furosemide: Dose: 1 mg/kg/dose. O diurético não deve ser prescrito de horário. Acompanhamento ecocardiográfico a cada 24 a 48 horas. b. Farmacológico: A literatura diverge quanto à abordagem ativa para estes RNs, face a recentes resultados de seguimento em RNs < 29 semanas tratados (coorte australiana com 2.701 RNs, sendo que 58% não necessitaram de tratamento, 37% foram tratados farmacologicamente e 4,6% submetidos a tratamento cirúrgico). Tanto o tratamento farmacológico quanto o cirúr- gico associaram-se a piores resultados (desabilidade funcional, atraso no desenvolvimento, perda auditiva e deficiência motora), o que deu suporte à “tolerância permissiva com o canal arterial”. Há de se considerar que a PCA foi considerada pequena, na grande maioria das crianças que demonstraram fechamento espontâneo após a alta. Para a maioria dos neonatologistas, o problema está em situações em que o canal arterial é classificado como de moderado a grande, e pode exigir alguma forma de intervenção. Ainda não está claro, quanto à segurança, se estes canais podem ficar sem tratamento. Evidentemente, seria muito simplicista tratar todos os canais (pode ser até pior!). Grupos selecionados de RNs devem ser reconhecidos, principalmente os pré-terno extremos que apresentam a combinação de marcadores clínicos e ecocardiográficos que avaliem o impacto do shunt pelo canal arterial. Assim, pode-se ponderar o maior risco de hemorragia pulmonar (uma catástrofe!) e, possivelmente, maior incidência de DBP. Os RNs em uso de anti-inflamatórios não estereoidais sem canal arterial significativo (CAHS) podem sofrer efeitos adversos com a medi- cação, como uma redução do fluxo cerebral, mudanças na complacência pulmonar e desenvolvimento de doença pulmonar crônica, que, por si só, representam marcadores de um deficiente neurodesenvolvimento. Portanto, o canal arterial pérvio pode representar uma adaptação fisiológica normal, que desempenha papel importante no apoio ao fluxo sanguíneo pulmonar no pulmão de transição. A decisão de intervir deve se basear na documentação ecocardiográfica de um importante shunt transductal da esquerda para a direita, com efeitos hemodinâmicos mensuráveis, levando à instabilidade clínica. Por exemplo, um canal me- dindo 3,0 mm em um recém-nascido assintomático de 32 semanas difere acentuadamente de um canal de comparável tamanho em um RN de 24 semanas com 2 dias de vida com insuficiência respiratória e instabilidade hemodinâmica. Portanto, priorizar os RNs de risco, combinando os achados ecocardiográficos com os clínicos na decisão do fechamento do canal arterial. b.1. Ibuprofeno (via sonda orogástrica): Como atua: Como a indometacina, o ibuprofeno pertence ao grupo dos anti- -inflamatórios não esteroidais e inibidores da ciclo-oxigenase, prevenindo – CAPÍTUL 9 | 9.2. PERSISTÊNCIA DO CANAL ARTERIAL – 309 a conversão do ácido aracquidônico em PGE2, bem como a patência do canal arterial. Contraindicações: • Contagem de plaquetas < 100.000/mm3. • Distensão abdominal, com intolerância à dieta (suspeita de enterocolite necrosante). • Sangramento gastrintestinal ativo. • Oligúria (< 1 ml/kg/h ou creatinina > 1,7 mg% (> 48 horas de vida). • Malformação gastrintestinal e renal. • Em uso de corticosteroide. • Hiperbilirrubinemia grave. • Perfurações intestinais. Dose: A administração oral é tão eficaz quanto a administração endoveno- sa de ibuprofeno e/ou indometacina. 10 mg/kg-ataque e mais duas doses de 5 mg/kg com intervalo de 24 horas. Apresentação: solução oral com 50 mg/ml. Preparar imediatamente antes do uso, não sendo possível armazenamento: Diluição: 1 ml (50 mg) + 4 ml de água destilada = 50 mg/5 ml ou 10 mg/ml. Administração (Brunner et al., 2013): 1 hora antes da dieta. Lavar a SOG com 1 ml de água destilada após a administração da medicação. Repetição do ecocadiograma: 24 horas após a 3a dose. Tratamento prolongado (uso de 2o ciclo): Se comprovada a persistência de repercussão hemodinâmica, ini- ciar segundo ciclo de ibuprofeno, repetindo o ecocardiograma 24 horas após o término do tratamento. b.2. Paracetamol: Como atua: O complexo prostaglandina H2 sintetase tem dois sítios, a COX (ci- clo-oxigenase) e o POX (peroxidade). A COX converte o ácido aracdônico à PGG2 por oxidação, que é, em seguida, convertida à PGH2 pela POX. Os inibidores não seletivos da COX (indometacina, ibuprofeno) inibem o sítio da COX, e o paracetamol inibe o sítio da POX, ou seja, atua no segmento da peroxidase desta enzima. Indicação: Na presença de situações que contraindicam o uso de ibuprofeno e quando não há resposta ao 2º ciclo de ibuprofeno. Tem reduzido em 50-70% a indicação cirúrgica de CAHS não responsívelao ibuprofeno. Dose: Oral e endovenosa. A dose efetiva para o fechamento do canal arterial é desconhecida. Segundo estudo de Kessel et al. (2014), uma dose de 15 mg/kg/dose de 6/6 horas (60 mg/kg/dia) não excedeu o nível plasmático recomendado de 10-20 mg/l para o controle de dor e febre (sete de nove estudos usa- ram 60 mg/kg/dia; e dois estudos usam 30-45 mg/kg/dia). Duração: tem variado entre os estudos, de dois a sete dias. Há evidências de que a res- posta ao paracetamol é dose-dependente e deve ser usado acima de dois dias. Deve ser usado, preferencialmente, antes de duas semanas de vida. A eficácia tem sido menor que a do ibuprofeno nos prematuros extremos antes de 14 dias de vida. Evidências mostram que associado ao ibuprofeno dobra a eficácia. Não administrar em infusão contínua ( maior risco de displasia broncopulmonar) Sendo assim, à luz de recente estudo farmacocinético: 15 mg/kg/dose de 6/6 horas por três dias. • Repetição do ecocadiograma: 24 horas após a 3a dose. • Tratamento prolongado (uso de 2o ciclo). Se persistência comprovada de repercussão hemodinâmica, iniciar o segundo ciclo de paracetamol, repetindo o ecocardiograma 24 horas após o término do tratamento Intoxicação: N-acetilcisteína (via oral) na dose inicial de ataque de 140 mg/kg diluídos em 200 mL de solução de glicose a 5%; dose de manutenção de 70 mg/kg diluídos em solução de glicose a 5% a cada 4 horas em 17 doses consecutivas ou até zerar o nível sérico de paracetamol. Age como um doador de grupo sulfidrila, substituindo o glutation hepático e fazendo com que uma menor quantidade do metabólito tóxico seja produzida. Brener et al. (2013) relataram um caso em que o RN recebeu 20 vezes a dose normal de paracetamol, com níveis séricos de 480 µg/ml, sendo os níveis terapêuticos: ≤ 10 µg/ml. Comparando indometacina, ibuprofeno e paracetamol no fecha- mento do canal arterial, El-Mashad et al. (2017) mostraram que o para- cetamol foi tão efetivo quanto aos dois primeiros e teve menos efeitos colaterais, principalmente na função renal, contagem de plaquetas e sangramento gastrintestinal. Nota: Restrição hídrica na PCA hemodinamicamente significativa: es- tudo de Buyst et al. (2012) em RNs ≥ 24 semanas e < 32 semanas, com mais de 10 dias de vida, mostrou significante diminuição do fluxo sanguíneo na veia cava superior (40%) com a restrição hídrica; não houve alteração do diâmetro interno da PCA nem das velocidades do fluxo sanguíneo pulmo- nar esquerdo ou na razão átrio esquerdo/aorta, indicando que a ingesta restrita de líquidos não reduziu a sobrecarga da circulação pulmonar. O fluxo na veia cava superior representa o fluxo de sangue que retorna ao coração a partir da parte superior do corpo e avalia o débito cardíaco que não é influenciado pelo shunt pela PCA ou pela comunicação atrial. Assim, não há suporte para a recomendação habitual de restrição hídrica em prematuros com PCA hemodinamicamente significativa depois de alguns dias de vida. b.3. Tratamento cirúrgico: Indicações: Na presença de deterioração respiratória ou sistêmica com sinais de repercussão hemodinâmica na ecocardiografia após o tratamen- to farmacológico ou conservador. A decisão pelo tratamento cirúrgico deve ser da equipe médica; no entanto, o momento mais apropriado para este procedimento é objeto de muito debate e controvérsia. Raramente é indicado nos recém-nascidos pré-termo não ventilados. Sinais respiratórios: Aumento de parâmetros ventilatórios: MAP > 8 ou FiO 2 > 40% para manter Saturação O 2 entre 90-95% e PaCO2 < 60 mmHg ou necessidade de uso de diurético. Sinais sistêmicos: Diminuição do débito urinário, elevação dos níveis de creatinina, insucesso na progressão da dieta enteral, ganho de peso inadequado, Doppler da artéria cerebral alterado ou necessidade de uso de drogas vasoativas ou de diurético. Complicações do tratamento cirúrgico: Hipotensão, paralisia de cordas vocais, deficiente neurodesenvolvi- mento, pneumotórax, quilotórax, infecção, deficiente autorregulação do fluxo sanguíneo cerebral (principalmente 6 horas após a cirurgia) e sín- drome cardíaca pós-ligação. No entanto, estudo recente com uma coorte de pré-termo extremos (<27 sem. 6 dias) mostrou menor mortalidade até aos 28 dias de vida nos que receberam tratamento cirúrgico versus os RNs que não receberam tratamento cirúrgico, embora possa haver um viés de sobrevivência (excluídos bebês que morreram durante o período de alta mortalidade precoce) ou devido ao reduzido poder estatístico. Também não houve diferenças entre os grupos quanto à displasia broncopulmonar, retinopatia da prematuridade e deficiente neurodesenvolvimento. Os RNs ≥ 28 semanas de gestação ao nascimento têm uma maior probabilidade de fechamento ductal espontâneo e redução da morbidade respiratória. Alternativa recente ao fechamento cirúrgico tem sido a utilização de um device transcateter através de uma abordagem transfemoral com um cateter indo até o ventrículo direito acessando a PCA na artéria pulmonar (Amplatzer Picollo Occluder-4 mm de largura quando implantado) com êxito em 96% dos casos em bebês abaixo de 1500g ( 8% de efeitos adver- sos e mortalidade de 2%). Síndrome cardíaca pós-ligação (ocorre em mais de 50% e com mortalidade de 33%) Torna-se de grande importância a compreensão fisiológica da adap- tação cardiovascular e pulmonar após a ligação do canal arterial nos RNs pré-termo (principalmente nos RNs < 26 semanas de idade gestacional e 310 – A S S I S T Ê N C I A AO R E C É M - N A S C I D O D E R I S CO | 4 ª E D I Ç ÃO - 2 0 2 1 – peso ao nascer < 1000 g), para que possamos ter uma adequada aborda- gem às consequências desta adaptação. No CAHS, o ventrículo esquerdo (VE) está adaptado a uma pós- -carga diminuída e à pré-carga elevada (devido ao shunt do canal), com aumento do volume diastólico final e fração de encurtamento. Com a ligação do canal, ocorre mudança da pré-carga e pós-carga do VE, ocasio- nando um estresse miocárdico e disfunção sistólica e diastólica. Há uma súbita queda do débito do VE (< 170 ml/kg/minuto). Os efeitos clínicos deste baixo débito cardíaco manifestam-se entre 6-12 horas após a ligação: • Hipotensão arterial sistêmica. • Labilidade de oxigenação. • Introdução ou necessidade de aumento da dose de drogas vasoativas. • Aumento de parâmetros ou mudança de modo ventilatório. Abordagem Na abordagem destes pacientes, devem ser levados em considera- ção as consequências fisiológicas da pós-carga e o deficiente desempe- nho do VE, bem como as consequências patológicas do procedimento, como pneumotórax, hiperinsuflação pulmonar e possível supressão da suprarrenal. O ecocardiograma deve avaliar a função miocárdica pós-operatória, orientando o tratamento. Débito cardíaco esquerdo (DCE) < 200 ml/kg/ minuto é considerado de alto risco para o desenvolvimento da síndrome cardíaca pós-ligação. Vasopressores, tais como a dopamina e a epinefrina, devem ser evitados face ao aumento da pós-carga, com preferencial consideração a agentes que reduzem a pós-carga (por exemplo, milrinona, dobu- tamina) e melhoram a contratilidade. A administração de volume deve ser considerada face à redução da pré-carga. 1. Veia cava inferior (VCI) colabada: expansão com 10 ml/kg em 30 minutos. 2. DCE > 200 ml/kg/min e fração de encurtamento > 30%: obser- vação cardiorrespiratória. Havendo deterioração clínica, repetir o ecocardiograma e, se DCE < 200 ml/kg/min e/ou fração de encurtamento < 28%, avaliar a pressão arterial média (PAM): • Se PAM > 30 mmHg: milrinona: 0,33 µg/kg/min. • Se PAM < 30 mmHg e VCI ingurgitada: dobutamina com au- mento da dose até melhora da PAM. Com PAM > 30mmHg, introduzir milrinona. Se necessário: » Hidrocortisona (se dose de dobutamina > 15 µg/kg/min): ataque com 1 mg/kg e manutenção de 0,5 mg/kg/dose a cada 12 horas por 48 horas. » Adrenalina na dose de 0,1 µg/kg/min, ajustando dose até PAM > 30 mmHg, para a introduçãoda milrinona. Os neonatologistas têm a obrigação ética de conduta ade- quada com critérios objetivos para a terapia de fechamento da PCA. Devemos lembrar sempre: na UTI, identificar subgrupos de neonatos com maior risco para resultados adversos (e nestes, somente nestes, atuar!). Como disse Descartes, em 1636, “eu fui inundado com tantas dú- vidas e tantos erros e aparentemente o único benefício que tive através da educação e instrução, é que cada vez mais eu continuo a descobrir a minha própria ignorância” (Janz-Robinson et al., 2015), razão pela qual de- vemos buscar diuturnamente a certeza no exercício da melhor Medicina. Em resumo, as morbidades associadas ao canal arterial, como hemorragia pulmonar, hipotensão arterial refratária, hemorragia intraven- tricular, displasia broncopulmonar, enterocolite necrosante, levar-nos-iam à conduta simplicista de fechar todos os canais. No entanto, as evidências mostram que os resultados desta conduta podem ser piores com o tra- tamento agressivo, principalmente com o tratamento cirúrgico precoce, levando ao aumento de enterocolite necrosante, displasia broncopul- monar, além de outras complicações relacionadas ao neurodesenvolvi- mento. A identificação precoce de canais arteriais hemodinamicamente significativos em recém-nascidos pré-termo extremos (RNs < 28 semanas), associados a achados clínicos relevantes, possibilita selecionar os recém- -nascidos com maior possibilidade de tratamento e com menor risco de morbidades, principalmente com menores taxas de hemorragia pulmo- nar e, possivelmente, menor incidência de displasia broncopulmonar. No tratamento farmacológico, surge nova opção quando não é possível o uso de anti-inflamatórios não esteroidais (indometacina, ibuprofeno), como o paracetamol, que atua inibindo o sítio da peroxidase do complexo pros- taglandina H2 sintetase, sem os efeitos adversos daqueles. No pós-ope- ratório da ligação cirúrgica do canal arterial, o neonatologista deve estar atento às complicações hemodinâmicas associadas à síndrome cardíaca pós-ligação, conhecendo a fisiopatologia para a melhor opção terapêu- tica. Evidências de vários estudos retrospectivos sugerem que o manejo pode ser modificado com o aumento do uso de tratamento conservador. Uma mudança de paradigma resultou em diminuição do uso de trata- mentos para fechamento da PCA em alguns Centros. Esta abordagem cita a falta de melhora nos desfechos respiratórios e neurodesenvolvimento de curto e longo prazos como um argumento. A falta de evidências que apoiam as estratégias terapêuticas destinadas a alcançar o fechamento da PCA levou à adoção generalizada de um tratamento conservador com o objetivo de atenuar o impacto do volume do shunt sem alcançar o fecha- mento do ducto. Agradecimento Agradecemos ao Dr. Elysio Moraes Garcia, cardiologista infantil do HMIB/SES-DF, pelas orientações na interpretações dos achados ecocardio- gráficos do canal arterial. – CAPÍTUL 9 | 9.3. CUIDADOS NO PÓS-OPERATÓRIO DE CIRURGIA CARDÍACA NEONATAL – 311 9.3. CUIDADOS NO PÓS-OPERATÓRIO DE CIRURGIA CARDÍACA NEONATAL Ana Carolina Kozak, Jorge Yussef Afiune Introdução A terapia intensiva cardíaca neonatal evoluiu muito nos últimos anos, com a melhoria das técnicas cirúrgicas, o aprimoramento dos cuidados com a circulação extracorpórea (CEC) e a maior especialização dos profissionais que trabalham nas Unidades de Terapia Intensiva Neo- natal (UTINs). Contamos com o diagnóstico mais precoce, muitas vezes realizado através da ecocardiografia fetal, e o rápido reconhecimento da gravidade do bebê ainda na sala de parto. Estima-se que, a cada 1.000 recém-nascidos vivos, teremos de dois a quatro bebês com cardiopatia congênita grave. Estes bebês necessita- rão de abordagem ainda no período neonatal. Faz-se, então, necessária especialização da equipe multidisciplinar para prestar os cuidados a esse paciente, tanto em uma Unidade de Terapia Intensiva Cardiológica quanto na UTIN. O período perioperatório exigirá uma equipe multiprofissional integrada envolvendo neonatologista, cardiologista pediátrico, cirurgião cardíaco pediátrico, anestesista, perfusionista, enfermeiro, fisioterapeuta, nutricionista, psicólogo etc. Outro importante componente desse “time” é a família do bebê, a qual deve ser acolhida pela equipe e ter sua participa- ção garantida nos cuidados do recém-nascido e nas decisões principais. A equipe deve estar ciente de que o neonato com cardiopatia con- gênita necessita de monitoração especializada, espaço físico adequado para procedimentos e realização de exames de imagem, disponibilidade rápida de medicações, e que todos os profissionais envolvidos nos cuida- dos tenham conhecimento fisiopatológico em relação às principais car- diopatias neonatais, o que torna necessário um programa de treinamento contínuo dos profissionais envolvidos no cuidado do RN com cardiopatia. A maioria das cardiopatias que se apresentam no período neonatal necessitará de uma cirurgia cardíaca ou de um cateterismo intervencio- nista ainda no período neonatal. Muitos dos princípios utilizados nos cuidados intensivos desses bebês são utilizados tanto no período pré- -operatório quanto no pós-operatório, e serão discutidos neste capítulo. Principais cuidados no período pré- operatório O cuidado ao recém-nascido com cardiopatia grave começa coma a realização de um diagnóstico preciso. Para isso, o ecocardiograma é a ferramenta mais utilizada atualmente, sendo que, em algumas situações, outros exames de imagem poderão ser necessários, tais como tomografia, ressonância magnética ou cateterismo cardíaco. Tão importante quanto o diagnóstico anatômico é o entendimento correto da fisiopatologia daquela cardiopatia, o que é fundamental para tomar as medidas tera- pêuticas acertadas para cada caso. Algumas peculiaridades dessa faixa etária devem ser lembradas. Uma delas é a imaturidade do miocárdio neonatal. O coração do RN apresenta a contratilidade e a complacência ventricular reduzidas, possui menor número de sarcômeros, miofibrilas e mitocôndrias, além de menor estoque de cálcio no retículo sarcoplasmático, fatores estes que reduzem a eficiência da função sistólica e diastólica miocárdica neonatal. A transição da circulação fetal para neonatal é o momento mais crí- tico, pois, na maior parte dos casos, a cardiopatia congênita grave evoluiu bem no período fetal, porém entra em desequilíbrio no período pós-natal, após as modificações nas resistências vasculares sistêmica e pulmonar e fechamentos de “shunts” fisiológicos (forame oval e canal arterial). O maior objetivo no manejo do RN com cardiopatia congênita grave é garantir a oxigenação adequada a todos os órgãos do corpo. O coração de um bebê cardiopata pode ter dificuldade em manter um débito cardía- co eficiente, tanto por alteração dos fluxos venosos e arteriais, como, por exemplo, nos shunts intracavitários ou nas insuficiências valvares, quanto por deficiência na função de bomba contrátil, como nas miocardiopatias. O débito cardíaco é resultante do produto entre frequência car- díaca (FC) e volume sistólico (VS). Por sua vez, o VS é dependente da pré-carga (retorno venoso), da contratilidade miocárdica e da pós-carga dos ventrículos direito e esquerdo (resistência vascular pulmonar e sis- têmica). Como na maioria das cardiopatias neonatais existem defeitos anatômicos que acarretam grandes misturas entre a circulação direita e a esquerda, os fluxos sistêmico e pulmonar efetivos são determinados por essas variantes. O bem estar circulatório do bebê dependerá de um adequado balanço entre essas circulações, o que se consegue por meio de uma adequada manipulação dessas variantes, tanto do ventrículo es- querdo (sistêmico) quanto do ventrículo direito (pulmonar) (quadro 1). Quadro 1 – Fatores que interferem no comportamento da resistência vascular pulmonar (RVP) e sistêmica (RVS) neonatal Fatores que alteram a resistência vascular pulmonar (RVP): ↑RVP ↓RVP HipoxemiaHiperoxia Acidose Alcalose respiratória Hipoventilação Hiperventilação Agitação e dor Sedação e analgesia adequadas Dopamina e epinefrina Prostaglandina E1 e Milrinona Fatores que alteram a resistência vascular sistêmica (RVS): ↑RVS ↓RVS Dopamina, Epinefrina, Norepinefrina em doses elevadas Dobutamina, Milrinona Agitação e dor Sedação e analgesia adequadas Pressão intratorácica negativa – esforço ventilatório Ventilação com pressão positiva O manuseio adequado do recém-nascido cardiopata no período pré-operatório é fundamental para o sucesso do tratamento cirúrgico. A maioria das cardiopatias neonatais se apresenta clinicamente através de dois cenários principais: hipoxemia ou insuficiência cardíaca. Além disso, a circulação pulmonar ou sistêmica é dependente do canal arterial, o que torna praticamente obrigatório o uso imediato de prostaglandina em qualquer recém-nascido com suspeita de cardiopatia crítica. Naquelas cardiopatias que se manifestam com insuficiência cardía- ca, geralmente existe um quadro de hiperfluxo ou congestão pulmonar, o que torna necessário por adequar a oferta hídrica e utilizar diuréticos. Uma oferta hídrica em torno de 70 ml/Kg/dia, com adequadas taxas de glicose e eletrólitos, pode suprir bem as necessidades do recém-nascido nesta fase. Por outro lado, nas cardiopatias que se manifestam com hipoxemia, geralmente existe um quadro de hipofluxo pulmonar. Nesta situação, deve-se evitar a hipovolemia e a hipotensão arterial sistêmica. Deve-se manter o canal arterial patente, além de tomar medidas que reduzam a resistência vascular pulmonar, o que pode aumentar o fluxo pulmonar. Algumas cardiopatias neonatais necessitarão, além do canal arte- rial patente, de uma comunicação interatrial também patente e ampla, como no caso da transposição de grandes artérias (TGA). Nesta situação, poderá ser necessária a realização de uma atriosseptostomia por cateter 312 – A S S I S T Ê N C I A AO R E C É M - N A S C I D O D E R I S CO | 4 ª E D I Ç ÃO - 2 0 2 1 – balão através de um cateterismo cardíaco, para melhor estabilização do recém-nascido. Nos quadros de insuficiência cardíaca e hipoxemia, a melhora da função cardíaca pode ser fundamental para a estabilidade pré-operatória. Isso pode ser conseguido através do uso inotrópicos (ex.: Dobutamina, Epinefrina) e de vasodilatadores (ex.: Milrinona). Em algumas situações, o aumento da pré-carga pode ser necessário para manutenção de um débito cardíaco adequado (reposição de volume). Para uma condução mais segura dos quadros citados acima, geral- mente um acesso venoso central é necessário, podendo ser obtido por via periférica (PICC), umbilical ou outros sítios venosos, tais como jugular, subclávia ou femural. Cirurgias cardíacas realizadas no período neonatal A maioria das cardiopatias congênitas neonatais necessitará de tratamento cirúrgico nos primeiros dias de vida. Estas cirurgias podem ser agrupadas em cirurgias corretivas e cirurgias paliativas. Nas cirurgias corretivas, o objetivo principal é o de se buscar uma correção anatômica e/ou funcional total, em que se estabelece uma circulação em série, sem misturas residuais entre território sistêmico e pulmonar. Já nas cirurgias paliativas, o objetivo principal é o de se obter uma adequada relação entre as circulações pulmonar e sistêmica, apesar de não se corrigir totalmente os defeitos cardíacos. Para a realização de boa parte das cirurgias cardíacas no período neonatal, poderá ser necessária a utilização de circulação extracorpórea (CEC). Esta técnica utiliza cânulas arteriais e venosas que conectam o bebê a um circuito formado por uma bomba, oxigenador e filtros que aspiram o sangue do bebê, promovem as trocas gasosas necessárias e devolvem o sangue já oxigenado ao bebê. Esse sistema, por ter uma grande super- fície de contato com o sangue circulante, acarreta grandes alterações fisiológicas, tanto durante a cirurgia quanto no período pós-operatório. As principais alterações ocorrem na modificação da permeabilidade vascular, dificuldade de regulação térmica, função pulmonar e na resposta imuno- lógica exacerbada. Como o recém-nascido apresenta certa imaturidade de órgãos e sistemas, é natural que esse grupo de paciente tenha uma vulnerabilidade maior à CEC. As principais alterações sistêmicas decorren- tes da CEC são: • Alterações hematológicas e hemostáticas: o contato do san- gue com as paredes do circuito aumenta a aderência plaque- tária e altera o fator XII, acarretando distúrbios na cascata de coagulação: » Resultado: ativação, amplificação e propagação da respos- ta inflamatória • Resposta inflamatória: ativação de complemento através da via clássica e via alternativa: » Resultado: hipertermia, leucocitose, catabolismo proteico, alteração de permeabilidade vascular, edema, liberação de interleucinas. • Resposta pulmonar: lavagem de surfactante, atelectasias seg- mentares, edema intersticial, lesão endotelial: » Resultado: congestão pulmonar, ineficiência de trocas gasosas, diminuição de complacência pulmonar. • Alterações renais: liberação de renina-angiotensina, catecola- minas e hormônio antidiurético: » Resultado: vasoconstrição com diminuição de fluxo sanguíneo renal e consequente comprometimento da função renal e da diurese. • Comprometimento cerebral: alteração de permeabilidade vascular cerebral, hipotermia e parada circulatória total podem causar danos às células e conexões cerebrais: › Resultado: elevada incidência de convulsões no pós- -operatório ou coreoatetose. As principais cirurgias paliativas e/ou estagiadas realizadas no período neonatal são: a. Cirurgias para síndrome de hipoplasia do coração esquerdo: A síndrome da hipoplasia do coração esquerdo (SHCE) é uma das cardiopatias congênitas críticas de maior gravidade, que consiste em um conjunto de anomalias do lado esquerdo do coração, que inclui hipopla- sia ou atresia da valva mitral e aórtica, hipoplasia da aorta ascendente e do arco aórtico e hipoplasia do ventrículo esquerdo. O fluxo sistêmico é de- pendente do canal arterial e do equilíbrio entre as resistências vasculares sistêmica e pulmonar. O quadro clínico inicial é de insuficiência cardíaca e baixo débito sistêmico (figura 1). O tratamento definitivo desta cardiopatia é cirúrgico, sendo reali- zado de forma estagiada, sendo que a primeira etapa deve ser feita ainda no período neonatal. As principais opções cirúrgicas são a operação de Norwood e o procedimento híbrido. Na operação de Norwood, realiza-se a anastomose do tronco pul- monar com a aorta ascendente e arco aórtico, abertura do septo atrial (atriosseptectomia), e o fluxo pulmonar é mantido através de shunt sistêmico-pulmonar tipo Blalock-Tomas-Taussig (interposição de tubo de politetrafluoretileno entre a artéria subclávia e artéria pulmonar), ou através de tubo, conectando o ventrículo direito com a artéria pulmonar (operação de Norwood-Sano). Esta operação é realizada com uso de CEC, sendo considerada uma das cirurgias mais complexas do período neona- tal (figura 1). No procedimento híbrido, realiza-se a bandagem cirúrgica dos ramos pulmonares para reduzir o fluxo pulmonar, além do implante, por cateterismo, de um “stent” no canal arterial com o objetivo de manter o flu- xo sistêmico. Nesta estratégia, a ideia é fazer um procedimento de menor risco, deixando a operação de Norwood para ser realizada alguns meses depois. Nesta estratégia, não se utiliza circulação extracorpórea. Figura 1 – Desenho esquemático da síndrome de hipoplasia do coração esquerdo com atresia aórtica e atresia mitral (A) e operação de Norwood 1o estágio com shunt sistêmico pulmonar tipo Blalock-Taussig (B) Nota: AD = átrio direito; VD = ventrículo direito; AE = átrio esquerdo; VE = ventrículo esquerdo; CA = canal arterial; BT = Blalock-Taussig. b. Anastomose sistêmico-pulmonar (operação de Blalock-To- mas-Taussig): São cirurgias realizadas em cardiopatias que apresentam fluxo pulmonarrestritivo dependente do canal arterial, tais como tetralogia de Fallot com atresia pulmonar, atresia pulmonar com CIV, atresia pulmonar com septo ventricular integro e hipoplasia de ventrículo direito, ventrí- culo único funcional com atresia pulmonar. Nesta operação, utiliza-se a interposição de um tubo de politetrafluoretileno (PTFE) entre uma artéria sistêmica (artéria subclávia ou tronco braquiocefálico) e a artéria pulmonar. Nesta situação, o fluxo pulmonar passa a depender do fluxo efetivo através deste tubo, que, por sua vez, dependerá do diâmetro e do comprimento dele. Shunts realizados com tubos grandes podem evoluir com hiperfluxo pulmonar e roubo de fluxo sistêmico. Por outro lado, shunts pequenos podem reduzir o fluxo pulmonar e aumentar o risco de trombose com consequente hipoxemia, acidose e instabilidade hemodi- nâmica. Esta cirurgia pode ser feita sem a utilização de CEC, embor,a em algumas situações especiais, a CEC possa ser necessária. Sugere-se uso de anticoagulante e antiadesivos plaquetários nos primeiros dias de cirurgia pelo risco de trombose no tubo (figura 2). Figura 2 – Desenho esquemático de uma atresia pulmonar com CIV e fluxo pulmonar dependente de canal arterial (A) e operação de shunt sistêmico pulmonar com tubo, conectando o tronco braquiocefálico direi- to com artéria pulmonar direita (Blalock-Thomas-Taussig) (B) – CAPÍTUL 9 | 9.3. CUIDADOS NO PÓS-OPERATÓRIO DE CIRURGIA CARDÍACA NEONATAL – 313 Nota: AD = átrio direito; VD = ventrículo direito; AE = átrio esquerdo; VE = ventrículo esquerdo; CA = canal arterial; BT = Blalock-Taussig. c. Bandagem de artéria pulmonar: Algumas cardiopatias congênitas evoluem com quadro de hiper- fluxo pulmonar já nos primeiros dias de vida. Neste grupo, enquadram-se diversos tipos de ventrículo único funcional (ex.: dupla via de entrada ventricular sem estenose pulmonar, atresia tricúspide ou mitral sem es- tenose pulmonar), dupla via de saída de ventrículo direito sem estenose pulmonar, defeito do septo atrioventricular desbalanceado, CIVs múltiplas. A bandagem do tronco pulmonar é uma cirurgia que tem como objetivo limitar o fluxo pulmonar através da redução do diâmetro do tron- co pulmonar com a colocação de fita cirúrgica nesta região, acarretando, por consequência, a redução da pressão pulmonar. É uma operação tecnicamente fácil, realizada sem a utilização de CEC, porém de altíssi- ma gravidade, pois o ajuste adequado da bandagem para se conseguir uma redução efetiva do fluxo pulmonar sem causar grande sofrimento ao ventrículo subpulmonar é tarefa muito difícil (figura 3). A bandagem pulmonar é considerada uma cirurgia paliativa de curto prazo, e deve ser avaliada a correção total da cardiopatia em poucas semanas ou meses. Figura 3 – Desenho esquemático de uma dupla via de entrada de ventrículo único tipo esquerdo com transposição das grandes artérias e hipertensão e hiperfluxo pulmonar (A) e operação de bandagem do tron- co pulmonar (seta) para reduzir o fluxo pulmonar (B) Nota: AD = átrio direito; VD = ventrículo direito; AE = átrio esquerdo; VE = ventrículo esquerdo; AO = aorta; AP = artéria pulmonar. Principais cirurgias cardíacas corretivas realizadas no período neonatal: a. Operação de Jatene: Esta operação é utilizada para a correção anatômica da transposição das grandes artérias (TGA) ainda no período neonatal. Na TGA clássica, o ventrículo direito está conectado com a aorta, e o ventrículo esquerdo com a artéria pulmonar, havendo um sistema de circulação em paralelo com hipoxemia acentuada. No período pré-operatório, a estabilidade hemodinâmica é obtida com a utilização de prostaglandina para manter o canal arterial aberto e a realização de uma atriosseptostomia, quando necessário. A operação de Jatene, ou correção arterial da TGA, consiste em realizar a troca arterial entre aorta e pulmonar, além de translocar as coronárias para a nova aorta (figura 4). Para o sucesso desta operação, é importante que o ventrículo esquerdo consiga se adaptar à resistência vascular sistêmica (pós-carga elevada) após a cirurgia. Em decorrência disso, a operação de Jatene deve ser realizada dentro do 1º mês de vida, ocasião em que o ventrículo esquerdo ainda tem condições de se adaptar rapidamente a esta sobrecarga de pós-carga. Outro ponto crítico nesta técnica é a translocação adequada das coronárias, o que eleva o risco de infarto ou isquemia miocárdica perioperatória. Esta operação é sempre realizada com utilização de CEC. Figura 4 – Desenho esquemático de uma transposição das grandes artérias com septo ventricular íntegro (A) e operação de Jatene (troca arterial) realizada para correção anatômica da TGA (B) Nota: AD = átrio direito; VD = ventrículo direito; AE = átrio esquerdo; VE = ventrículo esquerdo; AO = aorta; AP = artéria pulmonar. b. Operação de Rastelli e operação de Miguel-Barbero-Marcial: Esta operação é realizada em bebês portadores de tronco arterial comum (TAC). No TAC existe apenas um tronco arterial com valva arterial única, que se origina dos ventrículos direito e esquerdo através de uma grande CIV. Este tronco arterial único dá origem à aorta, às artérias pulmo- nares e às artérias coronárias (figura 5). O quadro clínico principal é o de insuficiência cardíaca, hiperfluxo com hipertensão pulmonar acentuada, além de hipoxemia discreta. A correção desta cardiopatia faz-se através do fechamento da CIV com retalho além da conexão do ventrículo direito com as artérias pulmonares, o que pode ser feito com tubo extracardíaco (operação de Rastelli) ou através de conexão direta VD-artérias pulmonares com uma monocúspide pulmonar (operação de Miguel-Barbero-Marcial) (figura 5). Esta é uma operação realizada com uso de CEC. O pós-opera- tório exige muita atenção, principalmente em decorrência de possíveis crises de hipertensão pulmonar. Figura 5 – Desenho esquemático de um tronco arterial comum em que um tronco arterial único dá origem à aorta, às artérias pulmonares e coronárias (A) e operação de Rastelli realizada para correção do tronco arterial comum (fechamento da CIV com retalho e conexão entre o ventrí- culo direito e a artéria pulmonar com tubo extracardíaco) (B) Nota: AD = átrio direito; VD = ventrículo direito; AE = átrio esquerdo; VE = ventrículo esquerdo; AO = aorta; AP = artéria pulmonar; TAC = tronco arterial comum. c. Cirurgias para correção de coarctação de aorta e interrupção do arco aórtico com CIV (figura 6): Nestas patologias, existe uma obstrução ao fluxo sistêmico na re- gião do istmo aórtico. Em decorrência do fechamento do canal arterial, sinais de baixo débito sistêmico podem surgir nos primeiros dias de vida. Na interrupção do arco aórtico, não existe continuidade anatômica en- tre a aorta proximal e a aorta distal, sendo que o local mais comum de interrupção ocorre imediatamente antes da emergência da subclávia es- querda. Já na coarctação de aorta, existe continuidade anatômica, porém a obstrução na região do istmo aórtico é muito acentuada e, por vezes, 314 – A S S I S T Ê N C I A AO R E C É M - N A S C I D O D E R I S CO | 4 ª E D I Ç ÃO - 2 0 2 1 – chega a apresentar-se como uma interrupção do arco. Comunicação interventricular ocorre em praticamente todos os casos de interrupção do arco aórtico, podendo, também, ocorrer nos casos de coarctação de aorta. A estratégia cirúrgica é determinada de acordo com a avaliação da anatomia do arco aórtico e da necessidade ou não de fechamento de defeitos intracardíacos associados, principalmente comunicação interven- tricular. Nos casos de coarctação de aorta isolada, opta-se pela realização de uma istmoplastia aórtica término-terminal através de toracotomia lateral esquerda, sem a utilização de CEC. Por outro lado, nos casos de interrupção do arco aórtico com CIV ou coarctação de aorta com CIV grande, pode-se optar por realizar a correção total do defeito através do fechamento da CIV com retalho e istmoplastia aórtica, com utilizaçãode CEC. A outra possibilidade é a de se realizar a istmoplastia aórtica associa- da a uma bandagem de artéria pulmonar, sem CEC, deixando a correção do defeito intracardíaco para um momento posterior. Figura 6 – Desenho esquemático de uma interrupção do arco aórtico com comunicação interventricular. A interrupção do arco aórtico está localizada entre a carótida esquerda e a subclávia esquerda, e o fluxo sistêmico da aorta descendente é dependente do canal arterial (A) e cor- reção cirúrgica total realizada através do fechamento da CIV com retalho (1) e de uma istmoplastia aórtica (2) (B) Nota: AD = átrio direito; VD = ventrículo direito; AE = átrio esquerdo; VE = ventrículo esquerdo; AO = aorta; AP = artéria pulmonar. O atendimento ao recém-nascido no período pós-operatório Antes mesmo da chegada do paciente à UTI, as informações dos acontecimentos do Centro Cirúrgico devem ser passadas à equipe da UTI Neonatal. A equipe de Enfermagem responsável pelo paciente deve estar ciente da posição dos dispositivos (ex.: cateteres, drenos e sondas), das medicações infundidas e de toda a monitorização utilizada. A criança deve ser transportada para a UTI por uma equipe multidisciplinar idealmente composta por anestesista, cirurgião cardíaco, enfermeiros e auxiliares de Enfermagem. Deve-se ter muita atenção neste momento, pois inúmeras intercorrências de risco podem acontecer nesta fase. Isto pode ser bastan- te reduzido através de um planejamento adequado do transporte e da passagem do “caso” para a equipe da UTI Neonatal. Monitorização no pós-operatório Os principais parâmetros de monitorização utilizados no pós- -operatório são os seguintes (figura 7): • Traçado eletrocardiográfico contínuo: traçados de dois ou três derivações devem ser monitorados continuamente, e um ECG de 12 derivações dever ser realizado logo após a chegada do bebê na UTI. Isso permitirá identificar precocemente arritmias que podem deteriorar o estado do paciente em poucas horas. Outro aspecto importante no ECG é a identificação de possí- veis sinais de isquemia, tais como supra ou infradesnivelamen- to de segmento ST. • Pressão arterial sistêmica: através de um cateter introduzido em artéria radial, pediosa, femoral ou mesmo umbilical, de- ve-se monitor a pressão arterial sistêmica de forma contínua, sendo este um dos principais parâmetros hemodinâmicos ne- cessários para avaliação no pós-operatório. Diante das peque- nas dimensões das artérias dos recém-nascidos, deve-se ter muito cuidado no manuseio destes cateteres com o objetivo de evitar trombose ou isquemia arterial. Na impossibilidade de se utilizar a pressão arterial invasiva, podemos realizar a men- suração da pressão arterial de forma não invasiva, lembrando, entretanto, que esta não é considerada ideal no pós-operató- rio devido à reduzida acurácia desta medida em situações de baixo débito cardíaco e hipotensão arterial. • Pressão venosa central: em geral, reflete a pré-carga cardíaca e o estado de volemia do bebê, sendo aferida de forma con- tínua através de um cateter venoso central proveniente de veia jugular, subclávia ou femoral, ou, ainda, através de um cateter inserido diretamente no átrio direito (durante a cirurgia cardíaca). Deve-se ter bastante cuidado no manuseio destes cateteres pelo risco de embolia gasosa ou trombos para cir- culação sistêmica. • Pressão de átrio esquerdo: em algumas situações, pode ser ne- cessário monitorar a pressão do átrio esquerdo, tais como pós- -operatório de cirurgia de Jatene ou outras situações em que haja disfunção ventricular acentuada. Um cateter é colocado diretamente no átrio esquerdo durante a cirurgia cardíaca e, posteriormente, monitorado durante o pós-operatório. • Frequência respiratória: obtida através da monitoração contí- nua por um dos eletrodos do próprio ECG ou através do venti- lador, enquanto a criança estiver em ventilação mecânica. • Oximetria de pulso: deve ser utilizada em todo pós-operatório, devendo-se posicionar o oxímetro preferencialmente nos membros superiores (mão direita ou esquerda). A leitura ade- quada da oximetria dependerá de um bom fluxo sanguíneo para os membros, sendo que, em situações de baixo débito sistêmico, esta leitura poderá não ser adequada. • Capnografia: método bastante eficiente para se monitorizar a ventilação e a perfusão pulmonar. Valores elevados de CO2 exalado (ETCO2>50) podem sugerir hipoventilação, acidose respiratória, enquanto valores reduzidos (ETCO<20) podem indicar hiperventilação ou baixo débito pulmonar. A perda da curva de leitura do ETCO2 pode alertar para a possibilidade de extubação acidental ou obstrução total do tubo traqueal. • Temperatura central: através de um termômetro esofágico ou retal, podemos monitorar continuamente a temperatura central do bebê, que é a temperatura mais adequada a ser controlada. Além disso, podemos avaliar o gradiente térmico, que é a medida da diferença entre temperatura central e axilar. Situações de baixo débito sistêmico costumam apresentar gradiente térmico elevado (> 3oC). • Drenos mediastinais ou torácicos: de acordo com a incisão ci- rúrgica, drenos mediastinais ou torácicos são inseridos duran- te a cirurgia. A drenagem através destes drenos deve ser ob- servada atentamente, principalmente nas primeiras 24 horas de pós-operatório. O volume esperado de débito através de um dreno mediastinal não deve exceder 10 mL/Kg/hora nas primeiras 6 horas e 5 ml/kg/hora nas horas seguintes. Diante de drenagem de grandes volumes, deve-se avaliar o estado de coagulação do bebê, bem como avaliar a possibilidade de sangramento de causa cirúrgica. Recém-nascidos, após cirur- gias com CEC, geralmente apresentam deficiência de fatores de coagulação e fibrinogênio, além de plaquetopenia, o que pode manter um sangramento pelos drenos mais elevado. • Sondagem vesical: o débito urinário é um dos sinais mais im- portantes para avaliação do estado hemodinâmico pós-ope- ratório e deve ser monitorado atentamente desde a 1a hora de chegada à UTI. Essa monitoração deve ser feita através de uma sondagem vesical de demora, e o débito urinário esperado costuma ser maior que 2 mL/kg/hora. • Sonda gástrica: deve-se manter uma sonda oro ou nasogás- trica em drenagem aberta nas primeiras horas de vida com o objetivo de descomprimir o estômago, bem como o de avaliar o aspecto do líquido de drenagem. Em situações de baixo débito sistêmico, é muito comum observarmos sinais de sangramento gástrico precoce. Figura 7 – Criança de 40 dias em pós-operatório imediato de ope- ração de Jatene. Monitor multiparamétrico mostrando o traçado eletro- cardiográfico contínuo com FC de 165 bpm. A curva de pressão arterial invasiva contínua (vermelho) mostra uma PA de 73/46 mmHg. Outras duas curvas pressóricas estão mostradas, sendo elas: a pressão venosa central (20 mmhg) e a pressão de átrio esquerdo (8 mmhg). Oximetria de pulso contínua (99%), capnografia (CO2 exalado de 15) e temperatura central contínuas (35,5oC) completam a monitorização – CAPÍTUL 9 | 9.3. CUIDADOS NO PÓS-OPERATÓRIO DE CIRURGIA CARDÍACA NEONATAL – 315A prescrição básica do pós-operatório A seguir, descreveremos os tópicos principais da prescrição de um recém-nascido no pós-operatório de cirurgia cardíaca: a. Nutrição: no pós-operatório imediato, recomenda-se manter o RN em jejum com sonda gástrica aberta por um período inicial de 12 a 24 horas. Após este período, dieta por via gástrica ou enteral pode ser iniciada, sendo o leite materno o mais indica- do. Pequenas quantidades são oferecidas nas primeiras dietas, e o aumento progressivo deve ser feito de acordo com a tolerância do bebê, devendo-se tentar chegar ao volume total de dieta em torno do 4o dia de pós-operatório. Instabilidade hemodinâmica com necessidade de elevadas doses de drogas vasoativas geralmente impossibilita um aumento do volume da dieta, mas, mesmo nestas situações, recomenda-se manter uma dieta trófica para tentar evitar translocaçãobacteriana. Nutrição parenteral é indicada quando não há trânsito gástrico para dieta enteral ou para sua progressão. b. Oferta hidroeletrolítica básica: a oferta hídrica inicial deve ser um pouco mais restritiva para tentar compensar os efeitos de edema e retenção hídrica decorrentes da CEC. Os bebês de- vem ser mantidos um pouco mais “secos”, porém hipovolemia sintomática deve ser prontamente corrigida através de reposi- ção rápida de volume (5 a 10 mL/kg de solução fisiológica em 20 a 30 minutos). A hidratação venosa inicial deve conter uma taxa mínima de glicose, além de ofertas básicas de potássio, sódio e cálcio. A composição inicial da hidratação no pós-operatório imediato é a seguinte: • Oferta hídrica: 40 a 60 mL/kg/dia. • Glicose: 3 a 5 mg/kg/min. • Potássio: 2,5 a 3,0 mEq/Kg/dia. • Sódio: 2,0 a 3,0 mEq/Kg/dia. • Cálcio: 0,5 a 1,0 mEq/Kg/dia. c. Profilaxia antimicrobiana: antibioticoterapia profilática é utili- zada no ato operatório até 48 horas de pós-operatório, sendo a cefalosporina de segunda geração (cefuroxima) uma das mais utilizadas. Caso o bebê já esteja em uso de antibioticote- rapia por algum motivo, este deve ser mantido durante o ato operatório e no pós-operatório, porém pode ser necessário associarmos outro antimicrobiano para ampliar cobertura de germes Gram-positivos (ex.: vancomicina). Em situações nas quais o RN volta do Centro Cirúrgico com o tórax (esterno) aberto, a profilaxia deve ser mantida até 24 horas após o fe- chamento do esterno. • Sedação e analgesia: o objetivo principal é reduzir a inten- sidade de dor e ansiedade, sem que, entretanto, ocorram alterações deletérias na hemodinâmica do recém-nascido. Analgesia é obtida com utilização de fármacos de rápido início de ação e meia-vida curta, com poucos efeitos colaterais e pequenas interações com outros medicamentos, sendo os opioides os mais comumente utilizados. Em bebês que este- jam em ventilação mecânica, utilizamos o fentanil nas doses de 1 a 2 mcg/Kg/dose, ou em infusão contínua na dose de 1 a 5 mcg/kg/hora. Em bebês que estejam extubados, geral- mente utilizamos morfina na dose de 0,05 a 0,10 mg/Kg/dose. Através de uma analgesia adequada, o recém-nascido pode per- manecer tranquilo e pouco agitado. Existem situações, entretanto, em que será necessário associarmos o uso de algum sedativo. Nestes casos, geralmente associamos algum benzodiazepínico, sendo o midazolam o mais utilizado (doses entre 0,1 e 0,5 mg/Kg/hora). Outra opção de sedação é a dexmedetomidina (droga alfa-2 adrenérgica agonista), que tem sido muito utilizada em conjunto com os benzodiazepínicos e opioides com o intuito de diminuir as doses destes últimos, causando menos efeitos colaterais e menor chance de síndrome de abstinência. A dose terapêutica varia de 0,25 a 1,0 mcg/Kg/hora, e um efeito colateral frequente é bradi- cardia sinusal, o que pode comprometer o débito cardíaco em algumas situações. Rotina laboratorial e de exames de imagem: Exames laboratoriais e radiológicos são obrigatórios em todo pós-operatório de cirurgia cardíaca neonatal. A frequência de realização desses exames dependerá da gravidade e da complexidade da correção cirúrgica, bem como da evolução clínica do bebê. Nossa recomendação é a de se realizar uma avaliação laboratorial na 1ª hora de pós-operatório e a cada 6 horas nas 24 a 48 horas seguintes. Os principais exames laborato- riais solicitados são os seguintes: • Gasometria arterial e venosa, lactato. • Glicemia, eletrólitos (sódio, potássio, cálcio, magnésio). • Ureia, creatinina, transaminases. • Hemograma. • Coagulação: atividade de protrombina, tempo de tromboplas- tina parcial ativada e fibrinogênio. Dosagem de enzimas cardíacas (troponina T) é realizada em situa- ções em que há suspeita de isquemia miocárdica, como pode acontecer durante operação de Jatene ou em correção de coronária anômala. Avaliação radiológica (radiografia de tórax em PA) deve ser realizada dentro das primeiras horas de chegada à UTI com o objetivo de checar a posição de todos os dispositivos (ex.: cateteres, sondas, drenos torácicos, cânula traqueal, fios de marca-passo, termômetro esofágico etc.), bem como avaliar a área cardíaca e os campos pulmonares. Em bebês de maior gravidade e que se mantenham em ventilação mecânica, mantemos a rotina de realizar uma radiografia de tórax diariamente nos primeiros cinco dias de pós-operatório. Eletrocardiograma também deve ser realizado na 1ª hora de chega- da à UTI, com objetivo de avaliar adequadamente o ritmo cardíaco, além de poder identificar sinais de bloqueios atrioventriculares, extrassístoles ou alterações de repolarização e sinais sugestivos de isquemia. Um ecocardiograma transtorácico deve ser realizado nas primeiras 6 a 12 horas de pós-operatório com o objetivo de avaliar o resultado cirúrgi- co, detectar possíveis lesões residuais, avaliar a função ventricular direita e esquerda e estimar a medida da pressão pulmonar. Essas informações são muito importantes para um adequado entendimento do estado hemodi- nâmico do bebê e permitirá um planejamento da terapia a ser seguida ao longo do pós-operatório. Suporte hemodinâmico e inotrópico: Drogas vasoativas são utilizadas com muita frequência no pós- -operatório de cirurgia cardíaca neonatal. Isso decorre da elevada taxa de síndrome de baixo débito sistêmico que ocorre após a realização de cirurgias cardíacas com CEC no recém-nascido. O baixo débito sistêmico pós-operatório pode ser decorrente de diversas causas, sendo a principal a disfunção miocárdica pós-operatória, além de situações de vasoplegia 316 – A S S I S T Ê N C I A AO R E C É M - N A S C I D O D E R I S CO | 4 ª E D I Ç ÃO - 2 0 2 1 – periférica (síndrome inflamatória sistêmica) ou de elevada resistência periférica. Diante disso, drogas inotrópicas e vasoativas (vasopressoras ou vasodilatadoras) podem ser utilizadas nesta fase. As principais drogas utilizadas estão listadas na tabela 1. Tabela 1 – Drogas inotrópicas e vasoativas utilizadas no pós-operatório de cirurgia cardíaca neonatal Droga Tipo Ação principal Dose terapêutica Efeitos colaterais Dopamina Agonista adrenérgico Inotrópico em doses baixas, e vasoconstritor em doses elevadas 3 a 20 mcg/kg/min Aumento da RVS Dobutamina Agonista adrenérgico Inotrópico e vasodilatador sistêmico 3 a 20 mcg/kg/min Taquicardia e arritmias Milrinona Inibidor fosfodiesterase III Inotrópico, vasodilatador sistêmi- co e pulmonar 0,25 a 1,0 mcg/kg/min Hipotensão arterial Epinefrina Agonista adrenérgico Inotrópico em doses baixas, e vasoconstritor em doses elevadas 0,05 a 0,3 mcg/kg/min Arritmias e consumo da glicose Norepinefrina Agonista adrenérgico Vasoconstritor 0,05 a 0,3 mcg/kg/min Isquemia mesentérica e renal Vasopressina Análogo do hormônio antidiurético Vasoconstritor 0,0002 a 0,0003 u/Kg/min Intoxicação hídrica e hipo- natremia Nitroprussiato de sódio Relaxamento vascular, através do GMPc Vasodilatador 0.5 a 10 mcg/Kg/minuto Intoxicação por cianeto Ventilação mecânica: A maioria dos recém-nascidos submetidos à cirurgia cardíaca ne- cessitará de ventilação mecânica nos primeiros dias de pós-operatório. O objetivo dessa ventilação deve ser o de se conseguir uma adequada ventilação e oxigenação sem prejudicar o retorno venoso sistêmico e o débito cardíaco sistêmico. De acordo com a fisiologia circulatória da cardiopatia e da cirurgia realizada, alvos terapêuticos de oxigenação e ventilação são definidos para cada situação. Nas situações de cardiopatias com circulação biventri- cular submetidas à correção cirúrgica total sem comunicação residual (ex.: operação de Jatene, operação de Rastelli etc.), a SpO 2 esperada é ≥ 95%. Por outro lado, nas cardiopatias com circulação univentricular submetidas a cirurgias estagiadas (ex.: Norwood, Blalock-Taussig etc.), a SpO 2 esperada está entre 80 e 90%. Tanto a hipoxemia quanto a hiperoxia podem ser muito deletérias, e a ventilação adequada é fundamentalpara manter o bebê dentro da faixa de SpO2 adequada. O modo de ventilação inicial é ciclado à pressão e tempo e, geral- mente, mantemos uma PEEP em torno de 6 cmH 2 O com uma pressão de platô suficiente para se atingir o volume corrente de 5 a 7 mL/kg. A FiO 2 inicial está entre 40 e 50% e, posteriormente, é adequada de acordo com a SpO 2 do bebê e o alvo terapêutico. Em situações de disfunção ventricular esquerda ou de risco para crise de hipertensão pulmonar (ex.: correção de tronco arterial comum, interrupção do arco aórtico com CIV), devemos procurar manter certa hiperventilação e hiperoxigenação, com objetivo de reduzir a resistência vascular pulmonar e reduzir o trabalho do ventrículo esquerdo. Por outro lado, nas situações de shunt sistêmico-pulmonar, deve- mos ter preocupação com o possível roubo de fluxo sistêmico para o território pulmonar, e, por isso, não podemos ventilar de forma que haja grande redução da resistência vascular pulmonar, pois isso acentuaria o quadro de baixo débito sistêmico. Os bebês que apresentam disfunção de ventrículo direito depen- dem muito de uma pré-carga adequada, e, nessa situação, o ideal é ven- tilar com pressões baixas, baixo tempo inspiratório, mantendo FiO2 mais elevada (Meliones et al., 1991). O momento de se realizar a extubação do recém-nascido depende- rá de alguns fatores: estabilidade hemodinâmica, ausência de lesões resi- duais significativas, ausência de complicações pulmonares significativas, bom nível de consciência e tolerância ao desmame do ventilador. Mesmo seguindo estes critérios, a taxa de falha de extubação em recém-nascidos submetidos à cirurgia cardíaca é relativamente elevada, estando em torno de 15 a 20%. Sistema renal: Injúria renal aguda (IRA) é muito frequente no pós-operatório de cirurgia cardíaca neonatal, com uma incidência que pode chegar a 30%. Tempo de CEC prolongado (≥ 100 minutos), parada circulatória total, bai- xo débito sistêmico, hipotensão prolongada e hemoglobinúria são alguns dos fatores de risco para IRA em recém-nascidos. Oligúria (débito urinário ≤1 mL/Kg/hora), elevação dos marcadores renais (ureia e creatinina), sinais de hipervolemia, acidose metabólica e distúrbios eletrolíticos, tais como hiperpotassemia e hipocalcemia, são os principais sinais de IRA. O diagnóstico é confirmado pelo achado de uma redução do clearance de creatinina de, pelo menos, 25%, sendo que redu- ções maiores que 75% indicarão um estado de falência renal (pRIFLE score). Medidas para prevenção de IRA já devem ser iniciadas durante o intraoperatório, tais como manter pressão arterial sistêmica adequada, evitar hipovolemia, reduzir o tempo de CEC, além de utilizar ultrafiltração ao final da CEC para remover o excesso de água e retirar fatores inflamató- rios que são deletérios aos rins. Na UTI, a terapêutica consiste em tentar se evitar o estado de hipervolemia através de um controle rigoroso do volume de líquidos infundidos no bebê, bem como na tentativa de manter um débito uri- nário adequado (geralmente ≥ 3 ml/kg/hora). Para isso, é quase sempre necessário utilizar diuréticos de ação rápida, sendo a furosemida o mais indicado. A furosemida pode ser feita em doses intermitentes de 0,5 a 1,0 mg/kg/dose, podendo a dose diária final chegar até 6 ou 8 mg/kg/ dia, de acordo com a necessidade de cada bebê. A furosemida também pode ser infundida de forma contínua na dose de 0,1 a 0,4 mg/Kg/hora. Vale lembrar que doses elevadas de furosemida podem acarretar alcalose metabólica, hipopotassemia, além de ototoxidade. Nas situações em que o balanço hídrico se mantenha positivo por várias horas de dias, apesar do uso de diuréticos em doses elevadas, não se deve retardar a realização de diálise (peritoneal ou hemodiálise). Nas cirurgias neonatais mais complexas, é comum realizar a passa- gem de um cateter de diálise peritoneal durante ao ato operatório. Este cateter é muito utilizado no pós-operatório para permitir a drenagem espontânea de líquidos e fatores inflamatórios, o que é muito útil para se conseguir um balanço hídrico negativo nas primeiras horas de pós-opera- tório, além de facilitar a realização de diálise no pós-operatório. Algumas situações clínicas no pós- operatório Síndrome do baixo débito cardíaco: a. Apresentação clínica: Síndrome clínica decorrente da ineficiência do débito cardíaco em suprir as necessidades metabólicas dos tecidos. Ocorre em 20 a 30% das cirurgias cardíacas neonatais com CEC, sendo, geralmente, causada por comprometimento coronariano (lesão direta ou proteção inadequada), incisões cirúrgicas miocárdicas, uso de retalhos intracardíacos, hipotermia intraoperatória ou síndrome da resposta inflamatória sistêmica pós-CEC. Uso de catecolaminas exógenas ou vasoconstritores no perioperatório também pode prejudicar a função miocárdica por aumentar a pós-carga ventricular. Além disso, alguns fatores hormonais, tais como deficiência de cortisol e hormônio tireoidiano, também podem contribuir para o quadro de baixo débito pós-operatório. • As principais manifestações clínicas da síndrome de baixo débito pós-operatório são: • Taquicardia sinusal (FC acima de 180 bpm). – CAPÍTUL 9 | 9.3. CUIDADOS NO PÓS-OPERATÓRIO DE CIRURGIA CARDÍACA NEONATAL – 317 • Perfusão periférica lentificada (enchimento capilar > 3 segun- dos). • Pulsos periféricos com amplitude diminuída e pressão de pulso < 25 mmhg. • Tendência à hipotensão arterial sistêmica (PA sistólica < 55 mmhg ou PA média < 35 mmhg). • Gradiente térmico periférico-central: diferença entre a tempe- ratura central (esofágica ou retal) e a temperatura axilar maior que 2oC. • Redução do débito urinário (abaixo de 1 ml/kg/h). • Saturação venosa central (colhida nas veias cavas superior ou inferior) < 60% ou diferença entre saturação venosa e arterial > 30%. • Lactato arterial elevado (> 20mg/dl). b. Tratamento: • Adequação da pré-carga: hipovolemia intravascular costuma ocorrer na fase inicial do pós-operatório devido à alteração da permeabilidade vascular causada pela CEC, com extra- vazamento de líquido para o extravascular. Nesta situação, reposição de volume deve ser feita de forma rápida através de infusões de 5 a 10 ml/kg, porém com muito cuidado, devido ao potencial risco de disfunção ventricular e pequena capaci- dade deste miocárdio em se adaptar a esta infusão. Em situa- ções de hipovolemia, espera-se melhora imediata dos sinais de baixo débito sistêmico. Por outro lado, hipervolemia com sinais de congestão pulmonar e pressão de átrio esquerdo elevada deve ser tratada rapidamente com uso de diuréticos e redução da oferta hídrica. • Melhora da contratilidade miocárdica: na presença de disfun- ção ventricular sistólica, o uso de inotrópicos torna-se obriga- tório. As drogas mais indicadas são dobutamina, milrinona e epinefrina. Caso a disfunção seja principalmente diastólica, milrinona seria a primeira escolha. • Adequação da resistência vascular sistêmica: situação de baixo débito sistêmico, com sinais de resistência vascular sistêmica elevada, pode se beneficiar do uso de vasodilatadores, tais como milrinona ou até mesmo nitroprussiato de sódio. Nesta situação, pode até ocorrer uma redução transitória da pressão arterial, porém os benefícios ocorrem através da melhora do fluxo sistêmico decorrente da redução da pós-carga. Por outro lado, nas situações de resposta inflamatória sistêmica com bai- xo débito, o uso de vasoconstritores, tais como norepinefrina ou epinefrina, é necessário. Crise de hipertensão pulmonar pós-operatória (HAP): c. Apresentação clínica: Cardiopatias congênitas com hipertensão pulmonar acentuada no pré-operatório podem apresentar quadro de crise de hipertensão pulmo- nar pós-operatória. Esta crise é decorrente de aumento súbito ou gradual da resistência vascular pulmonar no pós-operatório imediato e precoce que acarreta uma sobrecarga aguda no ventrículo direito, o qual pode en- trar em disfunção aguda. A pressão pulmonar eleva-serapidamente, en- quanto a pressão sistêmica diminui, sendo que a pressão pulmonar pode ficar maior que a pressão sistêmica. O quadro clínico principal é baixo débito sistêmico, porém, pode ser precedido de hipoxemia e cianose caso o paciente ainda apresente uma comunicação entre os átrios ou ventrícu- los (shunt direita-esquerda). Esta complicação é muito grave e apresenta elevada mortalidade. As cardiopatias congênitas que mais comumente apresentam essas crises no pós-operatório são conexão anômala total de veias pulmonares forma obstrutiva, tronco arterial comum, defeito do sep- to atrioventricular forma total. Para esses bebês, sugere-se que seja feita uma monitorização adequada da pressão pulmonar nos primeiros dias de pós-operatório. Geralmente, o quadro clínico de baixo débito secundário à crise de hipertensão pulmonar acontece alguns minutos após o aumen- to da pressão pulmonar. Sendo assim, reconhecer o aumento da pressão pulmonar através do monitor pode antecipar as medidas terapêuticas e evitar um cenário clínico mais grave. d. Tratamento: • Os princípios da terapia da crise de hipertensão pulmonar pós-operatória são os seguintes: • Atenção redobrada durante a realização de procedimentos, principalmente aspiração de cânula traqueal, visto que muitas crises são precipitadas por esta manipulação. • Ventilação mecânica otimizada com objetivo de evitar acidose respiratória, mantendo um volume corrente entre 7 e 10 ml/ kg, desde que não ocorra distensão alveolar significativa. • Sedação e analgesia adequadas, sendo que, em algumas situa- ções, pode ser necessário uso de bloqueadores musculares. • Suporte inotrópico ao ventrículo direito: epinefrina e mil- rinona são as drogas mais indicadas (isoladamente ou em associação). • Vasodilatador pulmonar seletivo: óxido nítrico deve ser inicia- do de forma rápida, se possível desde a sala operatória. Utiliza- mos doses iniciais em torno de 20 ppm, podendo chegar até 80 ppm nos casos mais graves. • Suporte circulatório mecânico (ECMO) nos casos em que não haja melhora com as medidas anteriores.