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1 No çõ es d e Ét ic a e Fi lo so fi a Câmara de São Gonçalo-RJ Noções de Ética e Filosofia 1. Fundamentos da Filosofia ................................................................................................ 1 2. Filosofia moral: Ética ou filosofia moral ............................................................................ 2 3. Consciência crítica e filosofia ......................................................................................... 11 4. A relação entre os valores éticos ou morais e a cultura ................................................. 14 5. Juízos de fato ou de realidade e juízos de valor ............................................................ 19 6. Ética e cidadania ............................................................................................................ 20 7. Racionalismo ético ......................................................................................................... 29 8. Ética e liberdade ............................................................................................................ 32 Olá Concurseiro, tudo bem? Sabemos que estudar para concurso público não é tarefa fácil, mas acreditamos na sua dedicação e por isso elaboramos nossa apostila com todo cuidado e nos exatos termos do edital, para que você não estude assuntos desnecessários e nem perca tempo buscando conteúdos faltantes. Somando sua dedicação aos nossos cuidados, esperamos que você tenha uma ótima experiência de estudo e que consiga a tão almejada aprovação. Pensando em auxiliar seus estudos e aprimorar nosso material, disponibilizamos o e-mail professores@maxieduca.com.br para que possa mandar suas dúvidas, sugestões ou questionamentos sobre o conteúdo da apostila. Todos e-mails que chegam até nós, passam por uma triagem e são direcionados aos tutores da matéria em questão. 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Para os Pré-Socráticos: a physis; Para a Filosofia Antiga: a atividade política, técnicas e ética do homem; Para a Filosofia Medieval, o conflito entre fé e razão, os Universais, a existência de Deus, a conciliação entre Presciência divina e Livre-arbítrio; Para a Filosofia Moderna, o empirismo e o racionalismo; Para a Filosofia Contemporânea, diversos problemas a respeito da existência, da linguagem, da arte, da ciência, entre outros. A Filosofia, como conhecemos hoje, ou seja, no sentido de um conhecimento racional e sistemático, foi uma atividade que, segundo se defende na história da filosofia, iniciou na Grécia Antiga formada por um conjunto de cidades-Estado (pólis) independentes. Isso significa que a sociedade grega reunia características favoráveis a essa forma de expressão pautada por uma investigação racional. Essas características eram: poesia, religião e condições sociopolíticas. A partir do século VII a.C., os homens e as mulheres não se satisfazem mais com uma explicação mítica da realidade. O pensamento mítico explica a realidade a partir de uma realidade exterior, de ordem sobrenatural, que governa a natureza. O mito não necessita de explicação racional e, por isso, está associado à aceitação dos indivíduos e não há espaço para questionamentos ou críticas. É em Mileto, situado na Jônia (atual Turquia), no século VI a.C. que nasce Tales que, para Aristóteles é o iniciador do pensamento filosófico que se distingue do mito. No entanto, o pensamento mítico, embora sem a função de explicar a realidade, ainda ecoa em obras filosóficas, como as de Platão, dos neoplatônicos e dos pitagóricos. A autoria da palavra “filosofia” foi atribuída pela tradição a Pitágoras. As duas principais fontes sobre isso são Cícero e Diógenes Laércio. Percebemos, por meio Cícero que: 1) A fonte na qual ele se baseia para escrever sobre Pitágoras é Heráclides Pontico, discípulo de Platão, mas que era também influenciado pelos pitagóricos. No entanto, não se sabe da veracidade a respeito dessa informação, como nota Ferrater Mora que também observa que não é possível saber se “filósofo” para Pitágoras significa o mesmo que significaria para Platão ou Aristóteles. 2) Pitágoras em vez de se denominar como “sábio”, prefere se denominar “filósofo”, ou seja, aquele que tem amor pela sabedoria. Também percebemos que aparece nome “filósofo” e não “Filosofia” que, como atividade, tem origem posterior. O que alguns filósofos dizem sobre O que é a Filosofia: Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.): “A admiração sempre foi, antes como agora, a causa pela qual os homens começaram a filosofar: a princípio, surpreendiam-se com as dificuldades mais comuns; depois, avançando passo a passo, tentavam explicar fenômenos maiores, como, por exemplo, as fases da lua, o curso do sol e dos astros e, finalmente, a formação do universo. Procurar uma explicação e admirar-se é reconhecer-se ignorante.” Epicuro (341 a.C. - 270 a.C.): “Nunca se protele o filosofar quando se é jovem, nem o canse fazê-lo quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro nem demasiado maduro para conquistar a saúde da alma. E quem diz que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz.” 1 PEREIRA, Wigvan. http://atividadesparaprofessores.com/a-filosofia/?print=print 1. Fundamentos da Filosofia 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 2 Edmund Husserl (1859 - 1938): “O que pretendo sob o título de filosofia, como fim e campo de minhas elaborações, sei-o naturalmente. E contudo não o sei... Qual o pensador para quem, na sua vida de filósofo, a filosofia deixou de ser um enigma?” Friedrich Nietzsche (1844 - 1900): “Um filósofo: é um homem que experimenta, vê, ouve, suspeita, espera e sonha constantemente coisas extraordinárias; que é atingido pelos próprios pensamentos como se eles viessem de fora, de cima e de baixo, como por uma espécie de acontecimentos e de faíscas de que só ele pode ser alvo; que é talvez, ele próprio, uma trovoada prenhe de relâmpagos novos; um homem fatal, em torno do qual sempre tomba e rola e rebenta e se passam coisas inquietantes.” Kant (1724 - 1804): “Não se ensina filosofia, ensina-se a filosofar.” Ludwig Wittgenstein (1889 - 1951): “Qual o seu objetivo em filosofia? - Mostrar à mosca a saída do vidro.” Maurice Merleau-Ponty (1908 - 1961): “A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo.” Gilles Deleuze (1925 - 1996) e Félix Guattari (1930 - 1993)2: “A filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos... O filósofo é o amigo do conceito, ele é conceito em potência... Criar conceitos sempre novos é o objeto da filosofia." Karl Jaspers (1883 - 1969): “As perguntas em filosofia são mais essenciais que as respostas e cada resposta transforma-se numa nova pergunta”3. García Morente (1886 - 1942): “Para abordar a filosofia, para entrar no território da filosofia, é absolutamente indispensável uma primeira disposição de ânimo. É absolutamente indispensável que o aspirante a filósofo sinta a necessidade de levar seu estudo com uma disposição infantil. (…)Aquele para quem tudo resulta muito natural, para quem tudo resulta muito fácil de entender, para quem tudo resulta muito óbvio, nunca poderá ser filósofo”.4 Ética Ou Filosofia Moral Toda cultura e cada sociedade institui uma moral, isto é, valores concernentes ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido, e à conduta correta, válidos para todos os seus membros. Culturas e sociedades fortemente hierarquizadas e com diferenças muito profundas de castas ou de classes podem até mesmo possuir várias morais, cada uma delas referida aos valores de uma casta ou de uma classe social. No entanto, a simples existência da moral não significa a presença explícita de uma ética, entendida como filosofia moral, isto é, uma reflexão que discuta, problematize e interprete o significado dos valores morais. Podemos dizer, a partir dos textos de Platão e de Aristóteles, que, no Ocidente, a ética ou filosofia moral inicia-se com Sócrates. Percorrendo praças e ruas de Atenas – contam Platão e Aristóteles -, Sócrates perguntava aos atenienses, fossem jovens ou velhos, o que eram os valores nos quais acreditavam e que respeitavam ao agir. Que perguntas Sócrates lhes fazia? Indagava: O que é a coragem? O que é a justiça? O que é a piedade? O que é a amizade? A elas, os atenienses respondiam dizendo serem virtudes. Sócrates voltava a indagar: O que é a virtude? Retrucavam os atenienses: É agir em conformidade com o bem. E Sócrates questionava: Que é o bem? (...) Nossos sentimentos, nossas condutas, nossas ações e nossos comportamentos são modelados pelas condições em que vivemos (família, classe e grupo social, escola, religião, trabalho, circunstâncias políticas, etc.). Somos formados pelos costumes de nossa sociedade, que nos educa para respeitarmos e reproduzirmos os valores propostos por ela como bons e, portanto, como obrigações e deveres. 2 GALLO; Sílvio. “Ética e Cidadania – Caminhos da Filosofia, p. 22 3 Introdução ao pensamento filosófico, p. 140. 4 Fundamentos de filosofia, p. 33-34 2. Filosofia moral: Ética ou filosofia moral 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 3 Dessa maneira, valores e maneiras parecem existir por si e em si mesmos, parecem ser naturais e intemporais, fatos ou dados com os quais nos relacionamos desde o nosso nascimento: somos recompensados quando os seguimos, punidos quando os transgredimos. Sócrates embaraçava os atenienses porque os forçava a indagar qual a origem e essência das virtudes (valores e obrigações) que julgavam praticar ao seguir os costumes de Atenas. Como e por que sabiam que uma conduta era boa ou má, virtuosa ou viciosa? Por que, por exemplo, a coragem era considerada virtude e a covardia, vício? Por que valorizavam positivamente a justiça e desvalorizavam a injustiça, combatendo-a? Numa palavra: o que eram e o que valiam realmente os costumes que lhes haviam sido ensinados? Os costumes, porque são anteriores ao nosso nascimento e formam o tecido da sociedade em que vivemos, são considerados inquestionáveis e quase sagrados (as religiões tendem a mostrá-los como tendo sido ordenados pelos deuses, na origem dos tempos). Ora, a palavra costume se diz, em grego, ethos – donde, ética – e, em latim, mores – donde, moral. Em outras palavras, ética e moral referem-se ao conjunto de costumes tradicionais de uma sociedade e que, como tais, são considerados valores e obrigações para a conduta de seus membros. Sócrates indagava o que eram, de onde vinham, o que valiam tais costumes. No entanto, a língua grega possui uma outra palavra que, infelizmente, precisa ser escrita, em português, com as mesmas letras que a palavra que significa costume: ethos. Em grego, existem duas vogais para pronunciar e grafar nossa vogal e: uma vogal breve, chamada epsilon, e uma vogal longa, chamada eta. Ethos, escrita com a vogal longa (ethos com eta), significa costume; porém, escrita com a vogal breve (ethos com epsilon), significa caráter, índole natural, temperamento, conjunto das disposições físicas e psíquicas de uma pessoa. Nesse segundo sentido, ethos se refere às características pessoais de cada um que determinam quais virtudes e quais vícios cada um é capaz de praticar. Refere-se, portanto, ao senso moral e à consciência ética individuais. Dirigindo-se aos atenienses, Sócrates lhes perguntava qual o sentido dos costumes estabelecidos (ethos com eta: os valores éticos ou morais da coletividade, transmitidos de geração a geração), mas também indagava quais as disposições de caráter (ethos com epsilon: características pessoais, sentimentos, atitudes, condutas individuais) que levavam alguém a respeitar ou a transgredir os valores da cidade, e por quê. Ao indagar o que são a virtude e o bem, Sócrates realiza na verdade duas interrogações. Por um lado, interroga a sociedade para saber se o que ela costuma (ethos com eta) considerar virtuoso e bom corresponde efetivamente à virtude e ao bem; e, por outro lado, interroga os indivíduos para saber se, ao agir, possuem efetivamente consciência do significado e da finalidade de suas ações, se seu caráter ou sua índole (ethos com epsilon) são realmente virtuosos e bons. A indagação ética socrática dirige-se, portanto, à sociedade e ao indivíduo. As questões socráticas inauguram a ética ou filosofia moral, porque definem o campo no qual valores e obrigações morais podem ser estabelecidos, ao encontrar seu ponto de partida: a consciência do agente moral. É sujeito ético moral somente aquele que sabe o que faz, conhece as causas e os fins de sua ação, o significado de suas intenções e de suas atitudes e a essência dos valores morais. Sócrates afirma que apenas o ignorante é vicioso ou incapaz de virtude, pois quem sabe o que é o bem não poderá deixar de agir virtuosamente(...). Aristóteles acrescenta à consciência moral, trazida por Sócrates, a vontade guiada pela razão como o outro elemento fundamental da vida ética. A importância dada por Aristóteles à vontade racional, à deliberação e à escolha o levou a considerar uma virtude como condição de todas as outras e presente em todas elas: a prudência ou sabedoria prática. O prudente é aquele que, em todas as situações, é capaz de julgar e avaliar qual a atitude e qual a ação que melhor realizarão a finalidade ética, ou seja, entre as várias escolhas possíveis, qual a mais adequada para que o agente seja virtuoso e realize o que é bom para si e para os outros. Se examinarmos o pensamento filosófico dos antigos, veremos que nele a ética afirma três grandes princípios da vida moral: 1. por natureza, os seres humanos aspiram ao bem e à felicidade, que só podem ser alcançados pela conduta virtuosa; 2. a virtude é uma força interior do caráter, que consiste na consciência do bem e na conduta definida pela vontade guiada pela razão, pois cabe a esta última o controle sobre instintos e impulsos irracionais descontrolados que existem na natureza de todo ser humano; 3. a conduta ética é aquela na qual o agente sabe o que está e o que não está em seu poder realizar, referindo-se, portanto, ao que é possível e desejável para um ser humano. Saber o que está em nosso poder significa, principalmente, não se deixar arrastar pelas circunstâncias, nem pelos instintos, nem por uma vontade alheia, mas afirmar nossa independência e nossa capacidade de autodeterminação(...). 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 4 Os filósofos antigos (gregos e romanos) consideravam a vida ética transcorrendo como um embate contínuo entre nossos apetites e desejos – as paixões – e nossa razão. Por natureza, somos passionais e a tarefa primeira da ética é a educação de nosso caráter ou de nossa natureza, para seguirmos a orientação da razão. A vontade possuía um lugar fundamental nessa educação, pois era ela que deveria ser fortalecida para permitir que a razão controlasse e dominasse as paixões. O passional é aquele que se deixa arrastar por tudoquanto satisfaça imediatamente seus apetites e desejos, tornando-se escravo deles. Desconhece a moderação, busca tudo imoderadamente, acabando vítima de si mesmo. Podemos resumir a ética dos antigos em três aspectos principais: 1. o racionalismo: a vida virtuosa é agir em conformidade com a razão, que conhece o bem, o deseja e guia nossa vontade até ele; 2. o naturalismo: a vida virtuosa é agir em conformidade com a Natureza (o cosmos) e com nossa natureza (nosso ethos), que é uma parte do todo natural; 3. a inseparabilidade entre ética e política: isto é, entre a conduta do indivíduo e os valores da sociedade, pois somente na existência compartilhada com outros encontramos liberdade, justiça e felicidade. A ética, portanto, era concebida como educação do caráter do sujeito moral para dominar racionalmente impulsos, apetites e desejos, para orientar a vontade rumo ao bem e à felicidade, e para formá-lo como membro da coletividade sociopolítica. Sua finalidade era a harmonia entre o caráter do sujeito virtuoso e os valores coletivos, que também deveriam ser virtuosos. Cristianismo: Interioridade e Dever Diferentemente de outras religiões da Antiguidade, que eram nacionais e políticas, o cristianismo nasce como religião de indivíduos que não se definem por seu pertencimento a uma nação ou a um Estado, mas por sua fé num mesmo e único Deus. Em outras palavras, enquanto nas demais religiões antigas a divindade se relacionava com a comunidade social e politicamente organizada, o Deus cristão relaciona- se diretamente com os indivíduos que nele creem. Isso significa, antes de qualquer coisa, que a vida ética do cristão não será definida por sua relação com a sociedade, mas por sua relação espiritual e interior com Deus. Dessa maneira, o cristianismo introduz duas diferenças primordiais na antiga concepção ética: em primeiro lugar, a ideia de que a virtude se define por nossa relação com Deus e não com a cidade (a polis) nem com os outros. Nossa relação com o outros depende da qualidade de nossa relação com Deus, único mediador entre cada indivíduo e os demais. Por esse motivo, as duas virtudes cristãs primeiras e condições de todas as outras são a fé (qualidade da relação de nossa alma com Deus) e a caridade (o amor aos outros e a responsabilidade pela salvação dos outros, conforme exige a fé). As duas virtudes são privadas, isto é, são relações do indivíduo com Deus e com os outros, a partir da intimidade e da interioridade de cada um; em segundo lugar, a afirmação de que somos dotados de vontade livre – ou livre-arbítrio – e que o primeiro impulso de nossa liberdade dirige-se para o mal e para o pecado, isto é, para a transgressão das leis divinas. Somos seres fracos, pecadores, divididos entre o bem (obediência a Deus) e o mal (submissão à tentação demoníaca). Em outras palavras, enquanto para os filósofos antigos a vontade era uma faculdade racional capaz de dominar e controlar a desmesura passional de nossos apetites e desejos, havendo, portanto, uma força interior (a vontade consciente) que nos tornava morais, para o cristianismo, a própria vontade está pervertida pelo pecado e precisamos do auxílio divino para nos tornarmos morais. Qual o auxílio divino sem o qual a vida ética seria impossível? A lei divina revelada, que devemos obedecer obrigatoriamente e sem exceção. O cristianismo, portanto, passa a considerar que o ser humano é, em si mesmo e por si mesmo, incapaz de realizar o bem e as virtudes. Tal concepção leva a introduzir uma nova ideia na moral: a ideia do dever. Por meio da revelação aos profetas (Antigo Testamento) e de Jesus Cristo (Novo Testamento), Deus tornou sua vontade e sua lei manifestas aos seres humanos, definindo eternamente o bem e o mal, a virtude e o vício, a felicidade e a infelicidade, a salvação e o castigo. Aos humanos, cabe reconhecer a vontade e a lei de Deus, cumprindo-as obrigatoriamente, isto é, por atos de dever. Estes tornam morais um sentimento, uma intenção, uma conduta ou uma ação. Mesmo quando, a partir do Renascimento, a filosofia moral distancia-se dos princípios teológicos e da fundamentação religiosa da ética, a ideia do dever permanecerá como uma das marcas principais da concepção ética ocidental. Com isso, a filosofia moral passou a distinguir três tipos fundamentais de conduta: 1. a conduta moral ou ética, que se realiza de acordo com as normas e as regras impostas pelo dever; 2. a conduta imoral ou antiética, que se realiza contrariando as normas e as regras fixadas pelo dever; 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 5 3. a conduta indiferente à moral, quando agimos em situações que não são definidas pelo bem e pelo mal, e nas quais não se impõem as normas e as regras do dever. Juntamente com a ideia do dever, a moral cristã introduziu uma outra, também decisiva na constituição da moralidade ocidental: a ideia de intenção. Até o cristianismo, a filosofia moral localizava a conduta ética nas ações e nas atitudes visíveis do agente moral, ainda que tivessem como pressuposto algo que se realizava no interior do agente, em sua vontade racional ou consciente. Eram as condutas visíveis que eram julgadas virtuosas ou viciosas. O cristianismo, porém, é uma religião da interioridade, afirmando que a vontade e a lei divinas não estão escritas nas pedras nem nos pergaminhos, mas inscritas no coração dos seres humanos. A primeira relação ética, portanto, se estabelece entre o coração do indivíduo e Deus, entre a alma invisível e a divindade. Como consequência, passou-se a considerar como submetido ao julgamento ético tudo quanto, invisível aos olhos humanos, é visível ao espírito de Deus, portanto, tudo quanto acontecem nosso interior. O dever não se refere apenas às ações visíveis, mas também às intenções invisíveis, que passam a ser julgadas eticamente. Eis por que um cristão, quando se confessa, obriga-se a confessar pecados cometidos por atos, palavras e intenções. Sua alma, invisível, tem o testemunho do olhar de Deus, que a julga. Natureza Humana e Dever O cristianismo introduz a ideia do dever para resolver um problema ético, qual seja, oferecer um caminho seguro para nossa vontade, que, sendo livre, mas fraca, sente-se dividida entre o bem e o mal. No entanto, essa ideia cria um problema novo. Se o sujeito moral é aquele que encontra em sua consciência (vontade, razão, coração) as normas da conduta virtuosa, submetendo-se apenas ao bem, jamais submetendo-se a poderes externos à consciência, como falar em comportamento ético por dever? Este não seria o poder externo de uma vontade externa (Deus), que nos domina e nos impõe suas leis, forçando-nos a agir em conformidade com regras vindas de fora de nossa consciência? Em outras palavras, se a ética exige um sujeito autônomo, a ideia de dever não introduziria a heteronomia, isto é, o domínio de nossa vontade e de nossa consciência por um poder estranho a nós? Um dos filósofos que procuraram resolver essa dificuldade foi Rousseau, no século XVIII. Para ele, a consciência moral e o sentimento do dever são inatos, são “a voz da Natureza” e o “dedo de Deus” em nossos corações. Nascemos puros e bons, dotados de generosidade e de benevolência para com os outros. Se o dever parece ser uma imposição e uma obrigação externa, imposta por Deus aos humanos, é porque nossa bondade natural foi pervertida pela sociedade, quando esta criou a propriedade privada e os interesses privados, tornando-nos egoístas, mentirosos e destrutivos. O dever simplesmente nos força a recordar nossa natureza originária e, portanto, só em aparência é imposição exterior. Obedecendo ao dever (à lei divina inscrita em nosso coração), estamos obedecendo a nós mesmos, aos nossos sentimentos e às nossas emoções e não à nossa razão, pois esta é responsável pela sociedade egoísta e perversa. Uma outra resposta, também no final do século XVIII, foi trazida por Kant. Opondo-se à “moral do coração”de Rousseau, Kant volta a afirmar o papel da razão na ética. Não existe bondade natural. Por natureza, diz Kant, somos egoístas, ambiciosos, destrutivos, agressivos, cruéis, ávidos de prazeres que nunca nos saciam e pelos quais matamos, mentimos, roubamos. É justamente por isso que precisamos do dever para nos tornarmos seres morais. A exposição kantiana parte de duas distinções: 1. a distinção entre razão pura teórica ou especulativa e razão pura prática; 2. a distinção entre ação por causalidade ou necessidade e ação por finalidade ou liberdade. Razão pura teórica e prática são universais, isto é, as mesmas para todos os homens em todos os tempos e lugares – podem variar no tempo e no espaço os conteúdos dos conhecimentos e das ações, mas as formas da atividade racional de conhecimento e da ação são universais. Em outras palavras, o sujeito, em ambas, é sujeito transcendental, como vimos na teoria do conhecimento. A diferença entre razão teórica e prática encontra-se em seus objetos. A razão teórica ou especulativa tem como matéria ou conteúdo a realidade exterior a nós, um sistema de objetos que opera segundo leis necessárias de causa e efeito, independentes de nossa intervenção; a razão prática não contempla uma causalidade externa necessária, mas cria sua própria realidade, na qual se exerce. Essa diferença decorre da distinção entre necessidade e finalidade/liberdade. A Natureza é o reino da necessidade, isto é, de acontecimentos regidos por sequências necessárias de causa e efeito – é o reino da física, da astronomia, da química, da psicologia. Diferentemente do reino da Natureza, há o reino humano das práxis, no qual as ações são realizadas racionalmente não por necessidade causal, mas por finalidade e liberdade. 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 6 A razão prática é a liberdade como instauração de normas e fins éticos. Se a razão prática tem o poder para criar normas e fins morais, tem também o poder para impô-los a si mesma. Essa imposição que a razão prática faz a si mesma daquilo que ela própria criou é o dever. Este, portanto, longe de ser uma imposição externa feita à nossa vontade e à nossa consciência, é a expressão da lei moral em nós, manifestação mais alta da humanidade em nós. Obedecê-lo é obedecer a si mesmo. Por dever, damos a nós mesmos os valores, os fins e as leis de nossa ação moral e por isso somos autônomos. Resta, porém, uma questão: se somos racionais e livres, por que valores, fins e leis morais não são espontâneos em nós, mas precisam assumir a forma do dever? Responde Kant: porque não somos seres morais apenas. Também somos seres naturais, submetidos à causalidade necessária da Natureza. Nosso corpo e nossa psique são feitos de apetites, impulsos, desejos e paixões. Nossos sentimentos, nossas emoções e nossos comportamentos são a parte da Natureza em nós, exercendo domínio sobre nós, submetendo-se à causalidade natural inexorável. Quem se submete a eles não pode possuir a autonomia ética. A Natureza nos impele a agir por interesse. Este é a forma natural do egoísmo que nos leva a usar coisas e pessoas como meios e instrumentos para o que desejamos. Além disso, o interesse nos faz viver na ilusão de que somos livres e racionais por realizarmos ações que julgamos terem sido decididas livremente por nós, quando, na verdade, são um impulso cego determinado pela causalidade natural. Agir por interesse é agir determinado por motivações físicas, psíquicas, vitais, à maneira dos animais. Visto que apetites, impulsos, desejos, tendências, comportamentos naturais costumam ser muito mais fortes do que a razão, a razão prática e a verdadeira liberdade precisam dobrar nossa parte natural e impor-nos nosso ser moral. Elas o fazem obrigando-nos a passar das motivações do interesse para o dever. Para sermos livres, precisamos ser obrigados pelo dever de sermos livres. Assim, à pergunta que fizemos no capítulo anterior sobre o perigo da educação ética ser violência contra nossa natureza espontaneamente passional, Kant responderá que, pelo contrário, a violência estará em não compreendermos nossa destinação racional e em confundirmos nossa liberdade com a satisfação irracional de todos os nossos apetites e impulsos. O dever revela nossa verdadeira natureza. O dever, afirma Kant, não se apresenta através de um conjunto de conteúdos fixos, que definiriam a essência de cada virtude e diriam que atos deveriam ser praticados e evitados em cada circunstância de nossas vidas. O dever não é um catálogo de virtudes nem uma lista de “faça isto” e “não faça aquilo”. O dever é uma forma que deve valer para toda e qualquer ação moral. Essa forma não é indicativa, mas imperativa. O imperativo não admite hipóteses (“se… então”) nem condições que o fariam valer em certas situações e não valer em outras, mas vale incondicionalmente e sem exceções para todas as circunstâncias de todas as ações morais. Por isso, o dever é um imperativo categórico. Ordena incondicionalmente. Não é uma motivação psicológica, mas a lei moral interior. O imperativo categórico exprime-se numa fórmula geral: Age em conformidade apenas com a máxima que possas querer que se torne uma lei universal. Em outras palavras, o ato moral é aquele que se realiza como acordo entre a vontade e as leis universais que ela dá a si mesma. Essa fórmula permite a Kant deduzir as três máximas morais que exprimem a incondicionalidade dos atos realizados por dever. São elas: 1. Age como se a máxima de tua ação devesse ser erigida por tua vontade em lei universal da Natureza; 2. Age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre como um fim e nunca como um meio; 3. Age como se a máxima de tua ação devesse servir de lei universal para todos os seres racionais(...). As respostas de Rousseau e Kant, embora diferentes, procuram resolver a mesma dificuldade, qual seja, explicar por que o dever e a liberdade da consciência moral são inseparáveis e compatíveis. A solução de ambos consiste em colocar o dever em nosso interior, desfazendo a impressão de que ele nos seria imposto de fora por uma vontade estranha à nossa. Cultura e Dever Rousseau e Kant procuraram conciliar o dever e a ideia de uma natureza humana que precisa ser obrigada à moral. No entanto, ao enfatizarem a questão da natureza (Natureza e natureza humana), tenderam a perder de vista o problema da relação entre o dever e a Cultura, pois poderíamos repetir, agora, a pergunta que fizemos antes: Se a ética exige um sujeito consciente e autônomo, como explicar que a moral exija o cumprimento do dever, definido como um conjunto de valores, normas, fins e leis estabelecidos pela Cultura? Não estaríamos de volta ao problema da exterioridade entre o sujeito e o dever? A resposta a essa questão foi trazida, no século XIX, por Hegel. Hegel critica Rousseau e Kant por dois motivos. Em primeiro lugar, por terem dado atenção à relação sujeito humano-Natureza (a 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 7 relação entre razão e paixões), esquecendo a relação sujeito humano-Cultura e História. Em segundo lugar, por terem admitido a relação entre a ética e a sociabilidade dos seres humanos, mas tratando-a a partir de laços muito frágeis, isto é, como relações pessoais diretas entre indivíduos isolados ou independentes, quando deveriam tê-la tomado a partir dos laços fortes das relações sociais, fixadas pelas instituições sociais (família, sociedade civil, Estado). As relações pessoais entre indivíduos são determinadas e mediadas por suas relações sociais. São estas últimas que determinam a vida ética ou moral dos indivíduos. Somos, diz Hegel, seres históricos e culturais. Isso significa que, além de nossa vontade individual subjetiva (que Rousseau chamou de coração e Kant de razão prática), existe uma outra vontade, muito mais poderosa, que determina a nossa: a vontade objetiva,inscrita nas instituições ou na Cultura. A vontade objetiva – impessoal, coletiva, social, pública – cria as instituições e a moralidade como sistema regulador da vida coletiva por meio de mores, isto é, dos costumes e dos valores de uma sociedade, numa época determinada. A moralidade é uma totalidade formada pelas instituições (família, religião, artes, técnicas, ciências, relações de trabalho, organização política, etc.), que obedecem, todas, aos mesmos valores e aos mesmos costumes, educando os indivíduos para interiorizarem a vontade objetiva de sua sociedade e de sua cultura. A vida ética é o acordo e a harmonia entre a vontade subjetiva individual e a vontade objetiva cultural. Realiza-se plenamente quando interiorizamos nossa Cultura, de tal maneira que praticamos espontânea e livremente seus costumes e valores, sem neles pensarmos, sem os discutirmos, sem deles duvidarmos, porque são como nossa própria vontade os deseja. O que é, então, o dever? O acordo pleno entre nossa vontade subjetiva individual e a totalidade ética ou moralidade. Como consequência, o imperativo categórico não poderá ser uma forma universal desprovida de conteúdo determinado, como afirmara Kant, mas terá, em cada época, em cada sociedade e para cada Cultura, conteúdos determinados, válidos apenas para aquela formação histórica e cultural. Assim cada sociedade, em cada época de sua História, define os valores positivos e negativos, os atos permitidos e os proibidos para seus membros, o conteúdo dos deveres e do imperativo moral. Ser ético e livre será, portanto, pôr-se de acordo com as regras morais de nossa sociedade, interiorizando-as. Hegel afirma que podemos perceber ou reconhecer o momento em que uma sociedade e uma Cultura entram em declínio, perdem força para conservar-se e abrem-se às crises internas que anunciam seu término e sua passagem a uma outra formação sociocultural. Esse momento é aquele no qual os membros daquela sociedade e daquela Cultura contestam os valores vigentes, sentem-se oprimidos e esmagados por eles, agem de modo a transgredi-los. É o momento no qual o antigo acordo entre as vontades subjetivas e a vontade objetiva rompem-se inexoravelmente, anunciando um novo período histórico. Numa perspectiva algo semelhante à hegeliana encontra-se, no século XX, o filósofo francês Henri Bergson. Como Hegel, Bergson procura compreender a relação dever-Cultura ou dever-História e, portanto, as mudanças nas formas e no conteúdo da moralidade. Distingue ele duas morais: a moral fechada e a aberta. A moral fechada é o acordo entre os valores e os costumes de uma sociedade e os sentimentos e as ações dos indivíduos que nela vivem. É a moral repetitiva, habitual, respeitada quase automaticamente por nós. Em contrapartida, a moral aberta é uma criação de novos valores e de novas condutas que rompem a moral fechada, instaurando uma ética nova. Os criadores éticos são, para Bergson, indivíduos excepcionais – heróis, santos, profetas, artistas -, que colocam suas vidas a serviço de um tempo novo, inaugurado por eles, graças a ações exemplares, que contrariam a moral fechada vigente. Hegel diria que a moral aberta bergsoniana só pode acontecer quando a moralidade vigente está em crise, prestes a terminar, porque um novo período histórico-cultural está para começar. A moral fechada quando sentida como repressora e opressora, e a totalidade ética, quando percebida como contrária à subjetividade individual, indicam aquele momento em que as normas e os valores morais são experimentados como violência e não mais como realização ética. História e Virtudes(...) Para Espinosa, somos seres naturalmente passionais, porque sofremos a ação de causas exteriores a nós. Em outras palavras, ser passional é ser passivo, deixando-se dominar e conduzir por forças exteriores ao nosso corpo e à nossa alma. Ora, por natureza, vivemos rodeados por outros seres, mais fortes do que nós, que agem sobre nós. Por isso, as paixões não são boas nem más: são naturais. Três são as paixões originais: alegria, tristeza e desejo. As demais derivam-se destas. Assim, da alegria nascem o amor, a devoção, a esperança, a segurança, o contentamento, a misericórdia, a glória; da 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 8 tristeza surgem o ódio, a inveja, o orgulho, o arrependimento, a modéstia, o medo, o desespero, o pudor; do desejo provém a gratidão, a cólera, a crueldade, a ambição, o temor, a ousadia, a luxúria, a avareza. Uma paixão triste é aquela que diminui a capacidade de ser e agir de nosso corpo e de nossa alma; ao contrário, uma paixão alegre aumenta a capacidade de existir e agir de nosso corpo e de nossa alma. No caso do desejo, podemos ter paixões tristes (como a crueldade, a ambição, a avareza) ou alegres (como a gratidão e a ousadia). Que é o vício? Submeter-se às paixões, deixando-se governar pelas causas externas. Que é a virtude? Ser causa interna de nossos sentimentos, atos e pensamentos. Ou seja, passar da passividade (submissão a causas externas) à atividade (ser causa interna). A virtude é, pois, passar da paixão à ação, tornar-se causa ativa interna de nossa existência, atos e pensamentos. As paixões e os desejos tristes nos enfraquecem e nos tornam cada vez mais passivos. As paixões e os desejos alegres nos fortalecem e nos preparam para passar da passividade à atividade. Como sucumbimos ao vício? Deixando-nos dominar pelas paixões tristes e pelas desejantes nascidas da tristeza. O vício não é um mal: é fraqueza para existir, agir e pensar. Como passamos da paixão à ação ou à virtude? Transformando as paixões alegres e as desejantes nascidas da alegria em atividades de que somos a causa. A virtude não é um bem: é a força para ser e agir autonomamente. Observamos, assim, que a ética espinosista evita oferecer um quadro de valores ou de vícios e virtudes, distanciando-se de Aristóteles e da moral cristã, para buscar na ideia moderna de indivíduo livre o núcleo da ação moral. Em sua obra, Ética, Espinosa jamais fala em pecado e em dever; fala em fraqueza e em força para ser, pensar e agir. As virtudes aristotélicas inserem-se numa sociedade que valorizava as relações sociopolíticas entre os seres humanos, donde a proeminência da amizade e da justiça. As virtudes cristãs inserem-se numa sociedade voltada para a relação dos humanos com Deus e com a lei divina. A virtude espinosista toma a relação do indivíduo com a Natureza e a sociedade, centrando-se nas ideias de integridade individual e de força interna para relacionar-se livremente com ambas. Como, porém, vivemos numa cultura cristã, a perspectiva do cristianismo, embora historicamente datada, tende a ser dominante, ainda que se altere periodicamente para adaptar-se a novas exigências históricas. Assim, no século XVII, Espinosa abandona as noções cristãs de pecado e dever que, no século XVIII, reaparecem com Kant. Razão, Desejo e Vontade A tradição filosófica que examinamos até aqui constitui o racionalismo ético, pois atribui à razão humana o lugar central na vida ética. Duas correntes principais formam a tradição racionalista: aquela que identifica razão com inteligência, ou intelecto – corrente intelectualista – e aquela que considera que, na moral, a razão identifica-se com a vontade – corrente voluntarista. Para a concepção intelectualista, a vida ética ou vida virtuosa depende do conhecimento, pois é somente por ignorância que fazemos o mal e nos deixamos arrastar por impulsos e paixões contrários à virtude e ao bem. O ser humano, sendo essencialmente racional, deve fazer com que sua razão ou inteligência (o intelecto) conheça os fins morais, os meios morais e a diferença entre bem e mal, de modo a conduzir a vontade no momento da deliberação e da decisão. A vida ética depende do desenvolvimento da inteligência ou razão, sem a qual a vontade não poderá atuar. Para a concepção voluntarista, a vida ética ou moral depende essencialmenteda nossa vontade, porque dela depende nosso agir e porque ela pode querer ou não querer o que a inteligência lhe ordena. Se a vontade for boa, seremos virtuosos, se for má, seremos viciosos. A vontade boa orienta nossa inteligência no momento da escolha de uma ação, enquanto a vontade má desvia nossa razão da boa escolha, no momento de deliberar e de agir. A vida ética depende da qualidade de nossa vontade e da disciplina para forçá-la rumo ao bem. O dever educa a vontade para que se torne reta e boa. Nas duas correntes, porém, há concordância quanto à ideia de que, por natureza, somos seres passionais, cheios de apetites, impulsos e desejos cegos, desenfreados e desmedidos, cabendo à razão (seja como inteligência, no intelectualismo, seja como vontade, no voluntarismo) estabelecer limites e controles para paixões e desejos. Egoísmo, agressividade, avareza, busca ilimitada de prazeres corporais, sexualidade sem freios, mentira, hipocrisia, má-fé, desejo de posse (tanto de coisas como de pessoas), ambição desmedida, crueldade, medo, covardia, preguiça, ódio, impulsos assassinos, desprezo pela vida e pelos sentimentos alheios são algumas das muitas paixões que nos tornam imorais e incapazes de relações decentes e dignas com os outros e conosco mesmos. Quando cedemos a elas, somos viciosos e culpados. A ética apresenta-se, assim, como trabalho da inteligência e/ou da vontade para dominar e controlar essas paixões. Uma paixão – amor, ódio, inveja, ambição, orgulho, medo – coloca-nos à mercê de coisas e pessoas que desejamos possuir ou destruir. O racionalismo ético define a tarefa da educação moral e da conduta 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 9 ética como poderio da razão para impedir-nos de perder a liberdade sob os efeitos de paixões desmedidas e incontroláveis. Para tanto, a ética racionalista distingue necessidade, desejo e vontade. A necessidade diz respeito a tudo quanto necessitamos para conservar nossa existência: alimentação, bebida, habitação, agasalho no frio, proteção contra as intempéries, relações sexuais para a procriação, descanso para desfazer o cansaço, etc. Para os seres humanos, satisfazer às necessidades é fonte de satisfação. O desejo parte da satisfação de necessidades, mas acrescenta a elas o sentimento do prazer, dando às coisas, às pessoas e às situações novas qualidades e sentidos. No desejo, nossa imaginação busca o prazer e foge da dor pelo significado atribuído ao que é desejado ou indesejado. A maneira como imaginamos a satisfação, o prazer, o contentamento que alguma coisa ou alguém nos dão transforma esta coisa ou este alguém em objeto de desejo e o procuramos sempre, mesmo quando não conseguimos possuí-lo ou alcançá-lo. O desejo é, pois, a busca da fruição daquilo que é desejado, porque o objeto do desejo dá sentido à nossa vida, determina nossos sentimentos e nossas ações. Se, como os animais, temos necessidades, somente como humanos temos desejos. Por isso, muitos filósofos afirmam que a essência dos seres humanos é desejar e que somos seres desejantes: não apenas desejamos, mas sobretudo desejamos ser desejados por outros. A vontade difere do desejo por possuir três características que este não possui: 1. o ato voluntário implica um esforço para vencer obstáculos. Estes podem ser materiais (uma montanha surge no meio do caminho), físicos (fadiga, dor) ou psíquicos (desgosto, fracasso, frustração). A tenacidade e a perseverança, a resistência e a continuação do esforço são marcas da vontade e por isso falamos em força de vontade; 2. o ato voluntário exige discernimento e reflexão antes de agir, isto é, exige deliberação, avaliação e tomada de decisão. A vontade pesa, compara, avalia, discute, julga antes da ação; 3. a vontade refere-se ao possível, isto é, ao que pode ser ou deixar de ser e que se torna real ou acontece graças ao ato voluntário, que atua em vista de fins e da previsão das consequências. Por isso, a vontade é inseparável da responsabilidade. O desejo é paixão. A vontade, decisão. O desejo nasce da imaginação. A vontade se articula à reflexão. O desejo não suporta o tempo, ou seja, desejar é querer a satisfação imediata e o prazer imediato. A vontade, ao contrário, realiza-se no tempo; o esforço e a ponderação trabalham com a relação entre meios e fins e aceitam a demora da satisfação. Mas é o desejo que oferece à vontade os motivos interiores e os fins exteriores da ação. À vontade cabe a educação moral do desejo. Na concepção intelectualista, a inteligência orienta a vontade para que esta eduque o desejo. Na concepção voluntarista, a vontade boa tem o poder de educar o desejo, enquanto a vontade má submete- se a ele e pode, em muitos casos, pervertê-lo. Consciência, desejo e vontade formam o campo da vida ética: consciência e desejo referem-se às nossas intenções e motivações; a vontade, às nossas ações e finalidades. As primeiras dizem respeito à qualidade da atitude interior ou dos sentimentos internos ao sujeito moral; as últimas, à qualidade da atitude externa, das condutas e dos comportamentos do sujeito moral. Para a concepção racionalista, a filosofia moral é o conhecimento das motivações e intenções (que movem interiormente o sujeito moral) e dos meios e fins da ação moral capazes de concretizar aquelas motivações e intenções. Convém observar que a posição de Kant, embora racionalista, difere das demais porque considera irrelevantes as motivações e intenções do sujeito, uma vez que a ética diz respeito à forma universal do ato moral, como ato livre de uma vontade racional boa, que age por dever segundo as leis universais que deu a si mesma. O imperativo categórico exclui motivos e intenções (que são sempre particulares) porque estes o transformariam em algo condicionado por eles e, portanto, o tornariam um imperativo hipotético, destruindo-o como fundamento universal da ação ética por dever. Ética das Emoções e do Desejo(...) Há ainda uma outra concepção ética, francamente contrária à racionalista (e, por isso, muitas vezes chamada de irracionalista), que contesta à razão o poder e o direito de intervir sobre o desejo e as paixões, identificando a liberdade com a plena manifestação do desejante e do passional. Essa concepção encontra-se em Nietzsche e em vários filósofos contemporâneos. Embora com variantes, essa concepção filosófica pode ser resumida nos seguintes pontos principais, tendo como referência a obra nietzscheana A genealogia da moral: a moral racionalista foi erguida com finalidade repressora e não para garantir o exercício da liberdade; a moral racionalista transformou tudo o que é natural e espontâneo nos seres humanos em vício, falta, culpa, e impôs a eles, com os nomes de virtude e dever, tudo o que oprime a natureza humana; paixões, desejos e vontade referem-se à vida e à 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 10 expansão de nossa força vital, portanto, não se referem, espontaneamente, ao bem e ao mal, pois estes são uma invenção da moral racionalista; a moral racionalista foi inventada pelos fracos para controlar e dominar os fortes, cujos desejos, paixões e vontade afirmam a vida, mesmo na crueldade e na agressividade. Por medo da força vital dos fortes, os fracos condenaram paixões e desejos, submeteram a vontade à razão, inventaram o dever e impuseram castigos para os transgressores; transgredir normas e regras estabelecidas é a verdadeira expressão da liberdade e somente os fortes são capazes dessa ousadia. Para disciplinar e dobrar a vontade dos fortes, a moral racionalista, inventada pelos fracos, transformou a transgressão em falta, culpa e castigo; a força vital se manifesta como saúde do corpo e da alma, como força da imaginação criadora. Por isso, os fortes desconhecem angústia, medo, remorso, humildade, inveja. A moral dos fracos, porém, é atitude preconceituosa e covarde dos que temem a saúde e a vida, invejam os fortese procuram, pela mortificação do corpo e pelo sacrifício do espírito, vingar-se da força vital; a moral dos fracos é produto do ressentimento, que odeia e teme a vida, envenenando-a com a culpa e o pecado, voltando contra si mesma o ódio à vida; a moral dos ressentidos, baseada no medo e no ódio à vida (às paixões, aos desejos, à vontade forte), inventa uma outra vida, futura, eterna, incorpórea, que será dada como recompensa aos que sacrificarem seus impulsos vitais e aceitarem os valores dos fracos; a sociedade, governada por fracos hipócritas, impõe aos fortes modelos éticos que os enfraqueçam e os tornem prisioneiros dóceis da hipocrisia da moral vigente; é preciso manter os fortes, dizendo-lhes que o bem é tudo o que fortalece o desejo da vida e o mal tudo o que é contrário a esse desejo. Para esses filósofos, que podemos chamar de anti-racionalistas, a moral racionalista ou dos fracos e ressentidos que temem a vida, o corpo, o desejo e as paixões é a moral dos escravos, dos que renunciam à verdadeira liberdade ética(...) Essa concepção da ética suscita duas observações. Em primeiro lugar, lembremos que a ética nasce como trabalho de uma sociedade para delimitar e controlar a violência, isto é, o uso da força contra outrem. Vimos que a filosofia moral se ergue como reflexão contra a violência, em nome de um ser humano concebido como racional, desejante, voluntário e livre, que, sendo sujeito, não pode ser tratado como coisa. A violência era localizada tanto nas ações contra outrem – assassinato, tortura, suplício, escravidão, crueldade, mentira, etc. – como nas ações contra nós mesmos – passividade, covardia, ódio, medo, adulação, inveja, remorso, etc. A ética se propunha, assim, a instituir valores, meios e fins que nos libertassem dessa dupla violência. Os críticos da moral racionalista, porém, afirmam que a própria ética, transformada em costumes, preconceitos cristalizados e sobretudo em confiança na capacidade apaziguadora da razão, tornou-se a forma perfeita da violência. Contra ela, os anti-racionalistas defendem o valor de uma violência nova e purificadora – a potência ou a força dos instintos -, considerada libertadora. O problema consiste em saber se tal violência pode ter um papel libertador e suscitar uma nova ética. Em segundo lugar, é curioso observar que muitos dos chamados irracionalistas contemporâneos baseiam-se na psicanálise e na teoria freudiana da repressão do desejo (fundamentalmente, do desejo sexual). Propõem uma ética que libere o desejo da repressão a que a sociedade o submeteu, repressão causadora de psicoses, neuroses, angústias e desesperos. O aspecto curioso está no fato de que Freud considerava extremamente perigoso liberar o id, as pulsões e o desejo, porque a psicanálise havia descoberto uma ligação profunda entre o desejo de prazer e o desejo de morte, a violência incontrolável do desejo, se não for orientado e controlado pelos valores éticos propostos pela razão e por uma sociedade racional. Essas duas observações não devem, porém, esconder os méritos e as dificuldades da proposta moral anti-racionalista. É o seu grande mérito desnudar a hipocrisia e a violência da moral vigente, trazer de volta o antigo ideal de felicidade que nossa sociedade destruiu por meio da repressão e dos preconceitos. Porém, a dificuldade, como acabamos de assinalar acima, está em saber se o que devemos criticar e abandonar é a razão ou a racionalidade repressora e violenta, inventada por nossa sociedade, que precisa ser destruída por uma nova sociedade e uma nova racionalidade. Sob esse aspecto, é interessante observar que não só Freud e Nietzsche criticaram a violência escondida sob a moral vigente em nossa Cultura, mas a mesma crítica foi feita por Bergson (quando descreveu a moral fechada) e por Marx, quando criticou a ideologia burguesa. Marx afirmava que os valores da moral vigente – liberdade, felicidade, racionalidade, respeito à subjetividade e à humanidade de cada um, etc. – eram hipócritas não em si mesmos (como julgava Nietzsche), mas porque eram irrealizáveis e impossíveis numa sociedade violenta como a nossa, baseada na exploração do trabalho, na desigualdade social e econômica, na exclusão de uma parte da sociedade dos direitos políticos e culturais. A moral burguesa, dizia Marx, pretende ser um racionalismo humanista, mas as condições materiais concretas em que vive a maioria da sociedade impedem a existência plena de um ser humano que realize os valores éticos. Para Marx, portanto, tratava-se de mudar a sociedade para que a ética pudesse concretizar-se. 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 11 Críticas semelhantes foram feitas por pensadores socialistas, anarquistas, utópicos, para os quais o problema não se encontrava na razão como poderio dos fracos ressentidos contra os fortes, mas no modo como a sociedade está organizada, pois nela o imperativo categórico kantiano, por exemplo, não pode ser respeitado, uma vez que a organização social coloca uma parte da sociedade como coisa, instrumento ou meio para a outra parte5. CONSCIENCIA E FILOSOFIA Filosofar resulta quase sempre no estranhamento, na dúvida e no questionamento, constituindo um novo método de observação e de relação com o mundo em que os indivíduos pertencem6. Assim, se forma o que é chamamos de senso crítico. O Senso Comum Para o desenvolvimento do senso crítico, devemos refletir alguns importantes aspectos sobre as noções do senso comum em nossa vida cotidiana. Em diálogos diários de nossas vidas é comum surgirem algumas explicações e opiniões sobre diversos assuntos. Algumas destas ideias chegam à uma concordância entre a maioria das pessoas em sociedade. Estes conceitos e ideias, por vezes são transmitidas ou repassadas de geração em geração. Em contrapartida a isso, a divulgação de ideias, pensando na mídia como um todo, jornais, revistas, internet, rádios e tv’s podem vir a ser altamente aceitas por vários segmentos da sociedade e por isso, consideradas “naturais”, “necessárias”, ou como “verdades absolutas”. Estas várias concepções, em muitas ocasiões tem alto grau de aceitação em determinados meios sociais, e essa aceitação é denominada de senso comum. O senso comum é refletido socialmente através de generalizações, conceito este que são encontrados no que é chamado de “frases feitas”, ou os ditados populares. Exemplos: “Jogo é jogo e treino é treino.” “Deus ajuda a quem cedo madruga.” “O trabalho dignifica o homem.” Frases deste tipo são geralmente repetidas sem reflexão, e assim, gerando e manifestando-se através de formas parciais, falsas e preconceituosas da realidade. Em suma, o senso comum está refletido em nossas opiniões cotidianas e a ciência, após estudos minuciosos, vai expor seus resultados. Por exemplo: Senso comum: o Sol é menor do que a Terra; o Sol se move em torno da Terra, que permanece imóvel. Ciência: a astronomia demonstra que o Sol é muitas vezes maior do que a Terra e, desde Copérnico, que é a Terra que move em torno do Sol. Senso comum: as cores existem em si mesmas e ninguém duvida que passamos a vida vendo rosas vermelhas, amarelas, brancas; que o céu é azul; que as árvores são verdes; etc. Ciência: A óptica demonstra que as cores são ondas luminosas, obtidas pela refração e reflexão ou decomposição da luz branca. Senso comum: cada gênero ou espécie de animais já surgiu tal como conhecemos. Em religião, como a judaica, a cristã e a islâmica, os livros sagrados ensinam que a divindade criou de uma só vez todos os animais, num só dia. Ciência: a biologia demonstra que os gêneros e as espécies de animais se formaram lentamente, no curso de milhares de anos, a partir de modificações de microrganismos extremamente simples. Senso comum: a família é uma realidade natural criada pela natureza para garantir a sobrevivência humana e para atender à afetividade natural dos humanos, que sentem a necessidade deviver juntos. 5 Extraído p/ fins didáticos de Convite à Filosofia - de Marilena Chauí - Ed. Ática, São Paulo, 2000. http://www.projeto.unisinos.br/humanismo/etica/histetica.pdf. 6 Miranda, L. T. Araujo, S. Domingos, P. Consciência e Filosofia. Revista Pandora Brasil. http://revistapandorabrasil.com/revista_pandora/projetos_75/consciencia_6.pdf. 3. Consciência crítica e filosofia 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 12 Não podemos duvidar disso, se vemos, no mundo inteiro, no passado e no presente, a família existindo naturalmente e sendo a célula primeira da sociedade. Ciência: historiadores e antropólogos mostram que a família (pai, mãe, filhos; esposa, marido, irmãos) é uma instituição social muito recente – data do século XV – e própria da Europa ocidental, não existindo na Antiguidade nem às sociedades africanas, asiáticas e americanas pré-colombianas; também não é um fato natural, mas uma criação humana, exigida por condições históricas determinadas. Senso comum: a etnia (antigamente conhecida como raça) é uma realidade natural ou biológica produzida pela diferença dos climas, da alimentação, da geografia e da reprodução sexual. Ninguém duvida que os africanos são negros, os asiáticos são amarelos de olhos puxados, os índios são vermelhos e os europeus, brancos. Ciência: sociólogos e antropólogos mostram que a ideia de etnia também é recente (data do século XVIII) sendo usada por pensadores que procuravam uma explicação para as diferenças físicas e culturais entre os europeus e os povos que se tornaram conhecidos dos europeus a partir do século XIV, com as viagens de Marco Polo, e do século XV, com as Grandes Navegações e as descobertas de continentes ultramarinos. Certezas como essas formam nossa vida e o sendo comum de nossa sociedade, transmitido de geração para geração e, muitas vezes, ao se transformar em crença religiosa, torna-se uma doutrina inquestionável e, percebemos que há uma grande diferença entre nossas certezas cotidianas e o conhecimento científico. Crítica A palavra crítica provém do grego e tem três sentidos principais: - Capacidade de julgar. - Discernir e decidir corretamente. - Exame racional, sem preconceito e sem julgamento de todas as coisas. - Atividade de examinar e avaliar detalhadamente uma ideia, um valor, um costume, um comportamento. - Uma obra artística ou científica. “A atividade filosófica é, portanto, uma análise, uma reflexão e uma crítica.” SENSO CRÍTICO7 O senso crítico ou pensamento crítico, em geral, significa pensamento de alta ordem que questiona as mais diversas suposições. É uma forma de decidir quando uma afirmação é verdadeira, falsa, ou as vezes verdadeira e as vezes falsa, ou parcialmente verdadeira e parcialmente falsa. O conceito propriamente dito é contestado dentro do âmbito da educação, devido as múltiplas possibilidades de significado. A origem do pensamento crítico pode ser traçado no ocidente até o método socrático, na Grécia antiga. O pensamento crítico é um importante componente de várias profissões e constitui a base do pensamento científico. Ele faz parte do processo de educação e aumenta significantemente conforme os estudantes progridem da educação formal para a universidade. Definições O senso crítico tem recebido, com o passar dos tempos, várias definições. Vejamos algumas delas: - pensamento racional, reflexivo, focado em decidir no que acreditar ou o que fazer; - pensamento sobre o pensamento; - pensamento de segunda ordem; - processo intelectual de conceituação ativa, aplicação, análise, síntese, e/ou avaliação de informações reunidas por observações, experiências, reflexões, raciocínios ou comunicações, como um guia para crenças e ações; - processo de decisão, juízo autorregulatório, que usa considerações ponderadas para evidências, contextos, conceitualizações, métodos e critérios. 7 PORTO, TIAGO. Senso crítico. Disponível em: < https://bit.ly/2VFNKWR > 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 13 História e Significado O pensamento crítico filosófico remonta às raízes da filosofia analítica e ao construtivismo pragmático, assim como aos ensinamentos budistas e a tradição socrática grega, em que o questionar era usado para determinar quando o conhecimento baseado na autoridade poderia ser racionalmente justificado com clareza e consistência lógica. O pensamento crítico clarifica objetivos, examina suposições, discerne valores ocultos, avalia evidências, alcança méritos e acessa a conclusões. “Crítico” como é usado na expressão “pensamento crítico” conota a importância ou centralidade do pensamento para a solução de um assunto, questão ou problema vigente. “Crítico”, nesse contexto, não significa “desaprovação” ou “negatividade”. Existem várias formas positivas e usos práticos do pensamento crítico, por exemplo formular uma solução aplicável para um problema pessoal complexo, deliberar com um grupo sobre o curso de ação a ser tomado, ou analisar uma suposição e a qualidade dos métodos usados na prática científica em um nível racional de confiança sobre determinada hipótese. Usando um forte raciocínio crítico nós podemos avaliar um argumento, por exemplo, o quão digno é de aceitação e se é válido (baseados em premissas verdadeiras). Após a reflexão, qualquer pessoa pode avaliar a credibilidade da fonte de conhecimento em determinado tópico. O senso crítico pode ocorrer quando alguém julga, decide ou resolve um problema; em geral, quando alguém precisa entender o que acredita ou o que deve fazer, e o faz de maneira racional e reflexiva. Ler, escrever, falar e ouvir podem ser feitos de forma crítica ou acrítica. O senso crítico é crucial para a formação de pesquisadores e escritores expressivos. Em termos gerais, o pensamento crítico é “a forma de resolver os problemas da vida”. Habilidades A lista de habilidades centrais do senso crítico inclui observação, interpretação, análise, inferência, avaliação, explicação e metacognição. Há um nível racional de consenso entre os especialistas em que um indivíduo ou um grupo dotado de forte senso crítico deve considerar: - evidências através de observação; - contexto; - critério de relevância para julgar com acerto; - métodos aplicáveis ou técnicas para formar juízos; - construção teórica aplicável para entender os problemas e as questões presentes. Adicionalmente, o indivíduo precisa estar disposto a se envolver com a solução de problemas e decisões utilizando estas habilidades. O pensamento crítico emprega não apenas lógica mas vasto critério intelectual, como clareza, credibilidade, precisão, prontidão, relevância, profundidade, amplitude, significância e justiça. Procedimentos O senso crítico requer os seguintes procedimentos por parte dos indivíduos: - reconhecer problemas, encontrar meios funcionais de resolução para problemas; - entender a importância de priorizar e ordenar os precedentes na resolução de problemas; - agrupar e ordenar informações relevantes; - compreender e usar a linguagem com precisão, clareza e discernimento; - interpretar dados, avaliar evidencias e valorizar argumentos; - reconhecer a existência (ou não-existência) de relação lógica entre proposições; - traçar conclusões garantidas e generalizações; - reconstruir padrões de crenças baseadas em amplas experiências; - testar exaustivamente as conclusões e generalizações as quais chegou; - prestar julgamento apurado sobre coisas especificas e características na vida diária. Resumindo, o senso crítico é um persistente esforço de examinar qualquer crença ou suposta forma de conhecimento sob a luz de evidências que as suportam e as conclusões as quais elas tendem a produzir. 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 14 Este texto8 é de, algum modo, uma marcha ao passado com o intuito de pensar as possíveis relações entreo conceito de Cultura, de origem latina (colere: cultivar), e o Éthōs grego, que etimologicamente remonta à união de duas palavras que se diferenciam somente pela vogal inicial e/)qoj e h)/qoj. A primeira diz respeito a uso, costumes, tradição e hábitos; a segunda se traduz por morada, estância e residência, e retoma os significados de uso e costumes aplicados à primeira, passando a significar também caráter e/ou maneira de ser. O antropólogo inglês Edward Burnett Tylor (1832-1917), considerado o pai do conceito moderno de Cultura, afirma que esta diz respeito ao conhecimento, às crenças, à arte, à moral, à lei, aos costumes e a todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Esta definição, grosso modo arraigada no senso comum cotidiano, nos leva a refletir sobre a origem de Cultura, enquanto um conceito, uma ideia: mais que à expressão de um conceito, a definição de Tylor se dirige, a nosso ver, a uma enumeração de sinônimos, que não nos parecem definir aquilo que seja a própria Cultura. O que vem a ser então, propriamente dita, a Cultura? Por que a cultura pode ser pensada através da arte, do conhecimento, das crenças, da moral, dos costumes, dos hábitos, da tradição? A cultura é algo simbólico ou diz respeito à própria realidade? (Cassirer). A cultura é um conjunto de ideias relativas à diversidade humana ou é a manifestação do pensamento humano sobre o mundo, a vida, a realidade? (Lévi-Strauss). Qual a essência da cultura? Há uma cultura ou culturas? A cultura é por si mesma ou é um processo que se dá pela alteridade? (Max Scheler). A cultura á algo que se ensina e aprende ou nos é inata? Para que possamos refletir acerca de tantas inquietações, seguiremos o conselho de Joachim Winckelmann: retornaremos aos antigos, eles são ao mesmo tempo originais e eternos, talvez possam nos guiar na tentativa de compreender o conceito que norteia nossa pesquisa: Cultura. De início, portanto, buscaremos apresentar as palavras gregas que possam nos remeter ao termo Cultura, quais sejam, gewrge/w (cultivar) e a)/skhsij (ascese). Estas palavras, por sua vez, conduzir-nos- ão a outras: te/xnh (técnica, arte), politei/a (modo de vida do cidadão, política) e paide/ia (Paideia, educação). Em um segundo momento, aprofundando-nos nesta busca filológico-filosófica, trabalharemos com o conceito alemão Bildung, que juntamente com seu duplo germânico Kultur, pode nos abrir horizontes para uma significância mais profícua do termo Cultura. Por fim, buscaremos relacionar a estes conceitos o Éthōs (e/)qoj e h)/qoj) grego, que, parece-nos, ainda que não tenha nenhuma relação etimológica com a palavra Cultura, estar em sua raiz. Das palavras gregas e/)qoj e h)/qoj deriva-se o termo ética, que, em latim, corresponde a mores (moral). Acreditamos que mesmo em constâncias diferentes, há uma relação muito estreita entre moralidade e cultura, principalmente se entendermos Cultura como um processo de formação, de transformação, tal como tentaremos apresentar neste trabalho. Cultura – Cultivo O verbete Cultura, segundo o dicionário Aurélio, é um substantivo feminino, cujos dois significados principais são: 1) ato, efeito ou modo de cultivar; 2) o complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições, das manifestações artísticas, intelectuais, etc., transmitidos coletivamente e típicos de uma sociedade. O primeiro significado parece remeter-se ao verbo latino colere e ao grego gewrge/w, que podem ser traduzidos por cultivar. Sendo cultivar um verbo transitivo direto, necessariamente pede um complemento, donde a pergunta ‘cultivar o que?’. Buscando respostas nas raízes etimológicas, vemos que ambos os verbos dizem respeito ao cultivo da terra, à agricultura. Reportam-se ao trabalho agrícola, ao cultivo do solo e a suas culturas, entendidas aqui como plantações. Indo um pouco além, percebemos que o verbo gewrge/w possui estreita relação com o substantivo e)/rgon: ação, realização, execução, obra, trabalho, ocupação. Nesse sentido, gewrge/w não diz respeito a uma simples ação ou trabalho, mas a um cultivo que envolve cuidado, de modo que cultivar a terra significa cuidar da terra, fertiliza-la e prepara-la para receber boas sementes. Feito isso, continua o trabalho, ou seja, o cuidado para que as sementes possam vir-a-ser bons frutos. Já grandes, os frutos serão colhidos, mas o cultivo não cessa, ele é um cuidado que sempre recomeça, é um processo, sentido 8 Texto completo adaptado de MORAES, E. V. H. 4. A relação entre os valores éticos ou morais e a cultura 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 15 que também podemos aplicar ao colere latino. Este ainda pode ser entendido como criar, tomar conta, cuidar. O homem cultiva a terra e aquele que trata a terra é o que nela habita. Nesse sentido, para que o cuidado seja dado a terra para extrair dela o que há de melhor, o homem edifica para si, junto a terra, o seu habitat. O lugar da cultura, do cultivo torna-se o lugar do próprio homem que cultiva. Surge, aí, uma primeira relação com o substantivo h)/qoj: o lugar, a morada, a estância humanos. Em sua origem, podemos dizer que os romanos eram povos agrícolas, o que explica grande parte de seu vocabulário remeter à vida campesina. À medida que cultivavam a terra e nela edificavam sua morada, os primeiros romanos passam a honrar e venerar deuses, pretendendo fartas colheitas e também a honrar os amigos de labor, com quem partilhavam o trato da terra. Cultivar a terra passa a significar assim culto aos deuses e aos amigos. O trato dado à natureza volta- se, portanto para o próprio homem, que passa a cuidar de sua própria natureza, cultiva e cuida de seu espírito. Ao cuidado dispensado à natureza, à própria vida, aos amigos e aos deuses, os romanos denominariam posteriormente civilitas (civilização). No que diz respeito aos povos gregos, não há muita diferença. No período homérico (séc. XII – VII a.C.), a sociedade grega estava dividida em genos, uma espécie de clã familiar cujos membros descendiam de um antepassado em comum e que cultuavam um deus protetor. Predominava nos genos uma economia agrícola, pastoril e autossuficiente. No final do período homérico, o crescimento populacional somado à falta de terras produtivas e à crise de produção de alimentos deu origem a vários conflitos e resultou na divisão dos genos e no surgimento da vida urbana, com predomínio do comércio e do artesanato, desenvolvendo técnicas de fabricação e de troca e diminuindo o prestígio das famílias da aristocracia proprietárias de terras. O surgimento da vida urbana representa o que se pode denominar de nascimento da polis e, consequentemente, da politei/a (política). Com o surgimento da polis surge à ideia de lei como expressão da vontade de uma coletividade humana, de algum modo resumida nos hábitos e tradições (e/)qoj) daqueles que constituem a cidade. O culto e cultivo dessas tradições determinará a própria vida social, chamada pelos gregos de politei/a, para qual há a necessidade de educar os homens. Essa formação, educação do corpo e do espírito dos membros da sociedade corresponde ao que os gregos chamavam de paide/ia. Resumindo o que foi dito até aqui, Cultura, em seu primeiro sentido – ato, efeito ou modo de cultivar - , remete ao verbo latino colere e ao verbo grego gewrge/w. De modo sucinto, cultura nesse sentido, significa o cuidado do homem com a natureza, o cuidado do homem com os deuses e o cuidado do homem com o próprio homem, isto é, sua educação. Este último significado remete-nos à paide/ia e, consequentemente, as suas implicações éticas e políticas de formar o homem em todas as instâncias para a vida social. Deste modo, podemos pensar, com Marrou, “a Paidéia como cultura entendida no seu sentido perfectivo que a palavra tem hoje entre nós: o estado de um espírito plenamente desenvolvido, tendo desabrochado todas as suas virtualidades, o dohomem tornado verdadeiramente homem”. Antes, porém de refletirmos sobre a equivalência existente entre Cultura e Paideia, é preciso lançar mão de outro termo grego, de modo que possamos corroborar esta equivalência. Referimo-nos ao substantivo a)/skhsij que significa tanto exercício prático, quanto ascese. Deriva do verbo a)ske/w: trabalhar, adornar, exercitar. Que relações essas duas palavras podem ter com cultura? Se pensarmos cultura enquanto cultivo, cuidado, perceberemos que o homem é o ser que pode não somente trabalhar a natureza, mas que pode trabalhar sobre si mesmo. O exercício prático a que se refere a ascese é o exercício do próprio homem sobre si mesmo, no cultivo, por exemplo, da sabedoria e da memória. Essa relação nos ajuda a entender frases como Aquele homem é culto e aquele outro é inculto. Parece-nos que, desde sua origem, a cultura está relacionada ao cultivo, que ultrapassando a esfera do domínio sobre a natureza, recai sobre o domínio ou sobre a possibilidade de domínio do conhecimento e da sabedoria. Se hoje relacionamos, de algum modo, sabedoria e cultura, podemos pensar que esta relação surge quando o homem se eleva (ascende) a si mesmo, quando olha para si e se percebe enquanto objeto a ser cultivado. Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco nos convida a essa cultura: cultivar a sabedoria, a sabedoria prática (sofi/a) é saber viver. E essa sabedoria é e noz conduz à felicidade, entendida como eu)daimoni/a: bom caminho e equilíbrio. Para o estagirita, cultivar a sabedoria requer a prática de bons hábitos. Precisamos, segundo ele, nos habituar a fazer coisas boas, a agir bem. Há, portanto, uma ética no culto da sabedoria, na cultura da vida prática: os bons costumes, os bons hábitos despertam em nós um bom modo se ser, um bom caráter. O homem de bom caráter é virtuoso, conhece e cuida de si mesmo. Torna-se fruto de sua própria cultura, cria-se, cultiva-se, transcende-se, caminha na direção de um mundo novo: A Cultura é o mundo próprio do homem. O homem vive na natureza e é natureza, mas pelo espírito, transcende a natureza, cria a cultura. É esta que o humaniza e a história dessa humanização é a história 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 16 da cultura. Por isso a Filosofia da Cultura é também a filosofia da existência humana, e não apenas as investigações. Com as criações que realiza, o homem conhece superações, vence o demoníaco em grande parte, salva-se do domínio absoluto do demoníaco. Por isso, pode-se dizer que a cultura é também um meio de salvação. O homem, aprendendo a cultivar a natureza, aprende também a cultivar a si mesmo, eleva-se a si mesmo, torna-se objeto de cultivo. O homem passa a ser cultura, aquilo que é criado, cultivado. Pode, segundo alguns filósofos – Plotino e Foucault, por exemplo-, tornar-se até artista de si mesmo. Cultura – Processo – Formação Em um segundo sentido, Cultura diz respeito aos padrões de comportamento, às crenças, às instituições, às manifestações artísticas, intelectuais, etc., transmitidos coletivamente e típicos de uma sociedade. Em outras palavras, a partir, especialmente do século XVIII, Cultura passa a significar os resultados e as consequências daquela formação ou educação dos seres humanos, os resultados e as consequências dos cuidados e cultivos humanos, expressos em obras, feitos, ações e instituições. Cultura passa a dizer respeito às técnicas, aos ofícios, às artes, às religiões, às ciências, à filosofia, à vida moral e à vida política. Ao longo da história da humanidade, percebemos que o homem descobre técnicas para transformar e dominar o mundo que o rodeia. Não obstante, precisa aprender a conviver em sociedade, desenvolvendo relações políticas. Esse processo de desenvolver técnicas, artes e também habilidades políticas se dá, em geral, pelo que podemos chamar educação ou mesmo cultura. Os gregos nomearam este processo de paide/ia. Segundo Jaeger, autor de um dos mais conhecidos e importantes trabalhos sobre o assunto, os gregos deram o nome de Paidéia a todas as formas e criações espirituais e ao tesouro completo de sua tradição, tal como nós o designamos por Bildung ou pela palavra latina Cultura (Kultur). Daí que, para traduzir o termo Paidéia não se possa evitar o emprego de expressões modernas como civilização, tradição, literatura ou educação; nenhuma delas coincidindo, porém, com o que os gregos entendiam por Paidéia. Cada um daqueles termos se limita a exprimir um aspecto daquele conceito global. Para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de empregá- los todos de uma só vez. Como vimos até aqui, tradição diz respeito a e/)qoj, criação nos lembra de cuidado, cultivo e, portanto, remete-nos a colere e gewrge/w. Este, por sua vez, nos conduz a a)/skhsij, ou seja, o exercício que o homem faz sobre si mesmo, especialmente em direção à sabedoria e ao conhecimento. Na busca do conhecimento, o homem desenvolve técnicas, do grego te/xnai – do qual deriva o termo latino ars – arte -, de modo a facilitar a sua relação e a transformação da natureza. Por não viver sozinho, o homem aprende também a tecer relações sociais e desenvolve o que chamamos de política (politei/a) e civilização (civilitas). Juntas, todas estas informações dizem respeito a um processo, à formação do homem, digamos, enquanto propriamente homem. Esse processo é o que os gregos chamam de Paidéia. Os alemães o designam por Bildung, ingenuamente traduzido, às vezes, por Cultura ou Educação. Este conceito alemão nos ajudará a compreender melhor aquilo que se denominou Paidéia, visto que, como dito por Jaeger, não se pode acreditar que cultura e educação sejam palavras suficientemente fortes para traduzi-la. Do mesmo modo, não o são para explicar Bildung. Segundo Hans Gadamer, no livro Verdade e Método, o conceito de Bildung é sem dúvida alguma, a ideia mais importante do século XVIII e é precisamente esse conceito que designa o elemento aglutinador das ciências do espírito do século XIX. (...) O conceito de Bildung torna evidente a profunda transformação espiritual que fez do século de Goethe ainda um nosso contemporâneo, ao passo que o do Barroco nos soa hoje como antiguidade histórica. Nessa época, os conceitos e termos decisivos com os quais ainda hoje operamos adquirem seu significado. Em um artigo intitulado “Nota sobre o conceito de Bildung”, Rosana Suarez apresenta um breve estudo sobre o conceito alemão, com base no escrito “Bildung et Bildungsroman” (Formação cultural e romance de formação), de Antoine Berman. Suarez aproxima-nos do autor francês, ainda pouco conhecido no Brasil e serve-nos de apoio para uma compreensão mais pormenorizada da Paidéia grega, através do conceito de Bildung: A palavra alemã Bildung significa, genericamente, “cultura” e pode ser considerada o duplo germânico da palavra Kultur, de origem latina. Porém, Bildung remete a vários outros registros, em virtude, antes de tudo, de seu riquíssimo campo semântico: Bild, imagem, Einbildungskraft, imaginação, Ausbildung, desenvolvimento, Bildsamkeit, flexibilidade ou plasticidade, Vorbild, modelo, Nachbild, cópia, e Urbild, arquétipo. Utilizamos Bildung para falar no grau de “formação” de um indivíduo, um povo, uma língua, uma arte: e é a partir do horizonte da arte que se determina, no mais das vezes, Bildung. Sobretudo, a palavra alemã tem uma forte conotação pedagógica e designa a formação como processo. Por exemplo, os anos de juventude de Wilhelm Meister, no romance de Goethe, são seus 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 17 Lehrjahre, seus anos de aprendizado, onde ele aprende somente uma coisa, sem dúvida decisiva: aprende a formar-se (sich bilden). Na esteira de Berman, Suarez resume o dinamismo de Bildung: seu caráter de processo, prática, trabalho, viagem, romance, alteração, identificação, tradução. Em grande parte, estas definições exemplares encontram-se em Goethe, Hegel,nos Românticos de Iena (Friedrich e August Schlegel) e também em Nietzsche. A “grande viagem” que caracteriza Bildung não consiste, segundo a autora, “em ir a um lugar qualquer, não importa aonde, mas, sim, lá onde possamos nos formar e educar. Na concepção de Friedrich Schlegel, esse tour formador tem o caráter de um romance. Diz Schlegel: Todo homem que é culto (gebildet) e se cultiva também contém um romance em seu interior”. Percebemos, portanto, que Bildung é o processo e também o resultado do processo cultural, é formação prática para a vida. Talvez possamos, nessa acepção, entender a Paideia grega: uma junção entre Kultur, no sentido de cultivo, cuidado, e Bildung, enquanto processo resultado do cultivo e do cuidado. Cultura – Cultivo, Processo, Formação, Resultado Enquanto Bildung parece, ainda que em um caráter de formação moral, remontar diretamente à arte, à literatura, à música, ao romance, Paidéia nos lembra a)reth/, e)/qoj, h)/qoj (virtude, ética, formação moral) e poli/teia (política). Ou seja, na raiz do processo de formação educacional e cultural gregas, encontramos uma acepção ética e política que, norteará, segundo nosso entender, todas as formas pelas quais podemos pensar hoje, o conceito de Cultura. Do trato com a natureza ao trato da própria vida, o homem parece ter descoberto o conceito de bem e, com ele, os de Beleza e Justiça. Desde o início de sua formação, o homem grego pauta-se pelos conceitos de belo e bom (kalo\j kai\ agaqo/j). Ser belo e bom significava, desde Homero, ser virtuoso, ser melhor. Isto se refletia e reflete-se ainda hoje, tanto nas ações (vida prática), quanto nas artes. A cultura nasce, assim, pelo cultivo, pela educação, pela formação para o que é Belo e Bom. A cultura é aquilo que pode fazer do homem um homem melhor. Nesse sentido, questionamo-nos se a cultura é algo inato, que faz parte da própria natureza humana ou se é possível adquirir cultura. Para Platão, grosso modo ninguém aprende o que é o Bem ou o Belo, estas ideias nos são inatas, nossa tarefa é a de lembrar o que todos nós já conhecemos e esquecemos por nos prendermos à aparência das coisas. Para ele, tornar-se melhor é uma questão de autoconhecimento, tal qual no oráculo délfico Nosce te ipsum (Conhece-te a ti mesmo). Podemos pensar a Paideia platônica como anamnese, como ascese, como movimento dialético; memória e elevação, como caminho, processo de formação. Nesse sentido, a cultura seria um reflexo daquilo que nós somos, ela faz parte de nós, está em nós. Em contraposição, Aristóteles, nos diz que é possível aprender a sermos bons. A prática de bons hábitos e boas virtudes nos torna melhores. Nesse processo ético, aprendemos a cultivar o Bem, o que nos permite dizer que a Cultura é uma prática que se realiza na medida em que agimos em que manifestamos nosso cuidado com o mundo e conosco. Dadas estas considerações, voltamos ao estatuto, ao fundamento da própria cultura. Qual o modo de ser, qual o h)/qoj da cultura? Preferimos pensar que este h)/qoj é formação permanente, é busca incessante, processo, resultado e resultante. Remontar à ideia de cultivo, de cuidado, associá-la à busca de uma vida melhor, manifestá-la através das artes, das crenças, das instituições, da moralidade, do conhecimento talvez possam nos ajudar a decifrar o enigma da cultura. Não podemos defini-la aqui, de forma definitiva. O que podemos afirmar é que o homem é cultura e cultural. Há nele algo inato, que o impele ao cultivo, ao cuidado. Há também algo de vir-a-ser, pelo qual ele se torna, junto com o mundo, objeto de cultivo e cuidado. Se alguém conseguir nos dizer o que é propriamente o homem, talvez aí, possamos entender o conceito e o te/loj (finalidade) da cultura. 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 18 CONCEITOS DE ÉTICA E MORAL COM BASE EM FILÓSOFOS Distinção entre Ética e Moral9 Os conceitos de moral e ética, embora sejam diferentes, são com frequência usados como sinônimos. Aliás, a etimologia dos termos é semelhante: moral vem do latim mos, moris, que significa “maneira de se comportar regulada pelo uso”, daí “costume”, e de moralis, morale, adjetivo usado para indicar o que é “relativo aos costumes”. Já ética vem do grego ethos, que tem o mesmo significado de “costume”. Segundo Adolfo Sánchez Vásquez, tanto ethos como mos indicam um tipo de comportamento propriamente humano que não é natural, o homem não nasce com ele como se fosse um instinto, mas que é “adquirido ou conquistado por hábito”. Lembrando a afirmação de filósofos como Aristóteles, para o qual o homem é um animal por natureza social, político, e Thomas Morus, que afirmava que “nenhum homem é uma ilha”, podemos afirmar que a moral tem um papel social, afinal, é o conjunto de regras que determinam como deve ser o comportamento dos indivíduos em grupo, mas, ademais, é preciso ressaltar que ela também está relacionada com a livre e consciente aceitação das normas. Dessa forma, o homem ocupa um papel ambíguo, de herdeiro e criador de cultura, só conseguindo ter uma vida autenticamente moral quando, a partir da moral herdada, é capaz de propor uma moral forjada em suas experiências de vida. Já a ética é a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam a vida moral. Essa reflexão pode seguir as mais diversas direções, dependendo da concepção de homem que se toma como ponto de partida e, ao longo da história, filósofos foram responsáveis por diversas concepções de vida moral, como veremos a seguir. Concepção de Ética e Moral ao Longo do Tempo No período clássico da filosofia grega, os sofistas rejeitam a tradição mítica ao considerar que os princípios morais resultam de convenções humanas. Embora na mesma linha de oposição aos fundamentos religiosos, Sócrates se contrapõe aos sofistas ao buscar aqueles princípios não nas convenções, mas na natureza, o que se apreende em inúmeros diálogos de Platão, nos quais são descritas as discussões socráticas a respeito das virtudes e da natureza do bem. Resulta daí a convicção de que a virtude se identifica com a sabedoria e o vício com a ignorância: portanto, a virtude não pode ser aprendida. Platão, como Sócrates, combate o relativismo moral dos sofistas. Sócrates estava convencido que os conceitos morais se podiam estabelecer racionalmente mediante definições rigorosas. Estas definições seriam depois assumidas como valores morais de validade universal. Platão atribui a estes conceitos ético-políticos o estatuto de Ideias (Justiça, Bondade, Bem, Beleza etc.), pressupondo que os mesmos são eternos e estão inscritos na alma de todos os homens. Para Platão a Justiça consiste no perfeito ordenamento das três almas e das respectivas virtudes que lhe são próprias, guiadas sempre pela razão. A felicidade, portanto, consiste neste equilíbrio. Herdeiro do pensamento de Platão, Aristóteles aprofunda a discussão a respeito das questões éticas, mas, para ele, o homem busca a felicidade, que consiste na vida teórica e contemplativa cuja plena realização coincide com o desenvolvimento da racionalidade. O que há de comum no pensamento dos filósofos gregos é a concepção de que a virtude resulta do trabalho reflexivo, da sabedoria, do controle racional dos desejos e paixões. Além disso, o sujeito moral não pode ser compreendido ainda, como nos tempos atuais, na sua completa individualidade. Os homens gregos são antes de tudo cidadãos, membros integrantes de uma comunidade, de modo que a Ética se acha intrinsecamente ligada à política. Durante a Idade Média, a visão teocêntrica do mundo fez com que os valores religiosos impregnassem as concepções éticas, de modo que os critérios de bem e de mal se achavam vinculados à fé e dependiam da esperança de vida após a morte. Na perspectiva religiosa, os valores são considerados transcendentes, porque resultam de doação divina, o que determina aidentificação do homem moral com o homem temente a Deus. No entanto, a partir da Idade Moderna, culminando no movimento do Iluminismo, no século, XVIII, a moral se torna laica, ou seja, ser moral e ser religioso não são pólos inseparáveis, sendo possível um homem ateu ser moral, afinal, o fundamento dos valores não está em Deus, mas no próprio homem. O Iluminismo exalta a capacidade humana de conhecer e agir à luz da razão. No lugar de explicações religiosas, fornece três tipos de justificação para a norma moral: ela se funda na lei natural (teses 9 GÓES, K, Elizabeth. Conceitos de ética e moral com base em filósofos. < https://karenelisabethgoes.jusbrasil.com.br/artigos/145251612/conceitos-de-etica-e- moral-com-base-filosofica>. 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 19 jusnaturalistas), no interesse (teses empiristas, que explicam a ação humana como busca do prazer e evitação da dor) e na própria razão (tese Kantiana). A máxima expressão do pensamento iluminista se encontra em Kant, o qual, analisando os princípios da consciência moral, conclui que a vontade humana é verdadeiramente moral quando regida por imperativos categóricos, que são assim chamados por serem incondicionados, absolutos, voltados para a realização da ação tendo em vista o dever. Nesse sentido, Kant rejeita as concepções que predominam até então, quer seja da filosofia grega, quer seja da cristã, e que norteiam a ação moral a partir de condicionantes como a felicidade ou o interesse. Para Kant, o agir moralmente se funda exclusivamente na razão. A lei moral que a razão descobre é universal, pois não se trata de descoberta subjetiva (mas do homem enquanto ser racional), e é necessária, pois é ela que preserva a dignidade dos homens, o que pode ser sintetizado na seguinte afirmação: “Age de tal modo que a máxima de tua ação possa sempre valer como princípio universal de conduta”. No século XIX, as relações entre capitalistas e proletariados atingiram níveis agudos de antagonismo, fazendo surgir os movimentos de massa e a tentativa de teorização desses fenômenos. Deriva daí a preocupação empírica em examinar a situação concreta vivida pelos homens nas suas relações sociais. Para Marx, “o modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral”. Isso significa que as expressões da consciência humana – inclusive a moral – são o reflexo das relações que os homens estabelecem na sociedade para produzirem sua existência, e, portanto, mudam conforme mudam os meios de produção. Ainda no século XIX, Nietzsche faz a análise histórica da moral, critica Sócrates por ter encaminhado pela primeira vez a reflexão moral em direção ao controle racional das paixões, pois, segundo Nietzsche, “nasce aí o homem desconfiado de seus instintos”, e denuncia a incompatibilidade entre a moral e a vida, afinal, para ele, o homem sob o domínio da moral se enfraquece, tornando-se doentio e culpado. Ao criticar a moral tradicional, Nietzsche preconiza a “transvaloração de todos os valores”. Denuncia a falsa moral, “decadente”, “de rebanho”, “de escravos”, cujos valores seriam a bondade, a humildade, a piedade e o amor ao próximo. Contrapõe a ela a moral “de senhores”, uma moral positiva que visa à conservação da vida e dos seus instintos fundamentais. Também do século XIX, Sartre afirma que: “O conteúdo [da moral] é sempre concreto e, por conseguinte, imprevisível; há sempre invenção. A única coisa que conta é saber se a invenção que se faz, se faz em nome da liberdade”. A decorrência desse pensamento é a dificuldade em estabelecer os critérios para a fundamentação da moral. Sartre prometeu e não conseguiu cumprir a elaboração de uma ética que não sucumbisse ao individualismo e relativismo já que, segundo ele, “cada homem é responsável por toda humanidade”. No mundo contemporâneo, a situação da moral e da ética, em síntese, nos lança diante de um impasse: de um lado prevalece a ordem subjetiva das vivências e emoções, a anarquia dos princípios ou a simples ausência deles; de outro lado, a razão dominadora, instrumento de repressão, como nos denuncia Marx e Nietzsche, entre outros. Dessa forma, conclui-se que, apesar de serem etimologicamente semelhantes, a moral e a ética são distintas, tendo a moral um caráter prático imediato e restrito, visto que corresponde a um conjunto de normas que regem a vida do indivíduo e, consequentemente, da sociedade, apontando o que é bom e o que é mal, influenciando os juízos de valores e as opiniões. Em contrapartida, a ética caracteriza-se como uma reflexão filosófica de caráter universalista sobre a moral, a fim de analisar os princípios, as causas, mas, também as consequências das ações dos indivíduos para a sociedade. JUÍZO DE FATO E JUÍZO DE VALOR Um juízo de fato é uma afirmação que se propõe a retratar ou descrever algum aspecto da realidade. Se digo “Marcelo tem 70 quilos” ou “existem onças nas florestas brasileiras” estou fazendo um juízo dessa natureza. Um juízo de fato é qualquer afirmação que pode ser verdadeira ou falsa, dependendo do fato de existir ou não a realidade descrita pela afirmação. Se afirmo “existem elefantes nas florestas brasileiras”, posso considerar esse um juízo de fato?10 10 Filosofia na Escola. Juízos de Fato e Juízos de Valor. http://twixar.me/Z501. 5. Juízos de fato ou de realidade e juízos de valor 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 20 A resposta é sim. Mesmo que essa afirmação seja falsa e não existam elefantes por aqui, ela pretendia descrever algo supostamente real, embora não tenha sido bem-sucedida. Um juízo de valor, por outro lado, não pretende descrever um aspecto da realidade, mas avaliar esse aspecto como bom ou ruim. Se afirmo que “Marcelo é uma pessoa boa”, não estou fazendo uma descrição, estou avaliando o comportamento dessa pessoa. Da mesma forma, se digo que “a desigualdade de riqueza existente no Brasil é injusta”, não estou apenas afirmando que existe desigualdade no Brasil. Estou atribuindo um valor negativo a essa realidade. Juízos de fato são também chamado de juízos descritivos, na medida em que se limitam a fornecer informações sobre a realidade. Eles descrevem a realidade para que possamos conhece-la. Juízos de valor, ao contrário, são normativos ou prescritivos. Eles são usados, na maioria das vezes, para influenciar o comportamento das pessoas. Se digo que a desigualdade no Brasil é injusta, quero influenciar o comportamento das pessoas de alguma forma, para que essa realidade injusta deixe de existir. Assim, um juízo de valor negativo serve para tentar fazer com que o fato avaliado negativamente deixe de existir. Um juízo positivo, por sua vez, serve para que o fato avaliado positivamente passe a existir ou continue existindo. Ética: Ética é uma palavra de origem grega – ethos – que significa caráter. Diferentes filósofos tentaram conceituar o termo ética: Sócrates ligava-o à felicidade de tal sorte que afirmava que a ética conduzia à felicidade, uma vez que o seu objetivo era preparar o homem para o autoconhecimento, conhecimento esse que constitui a base do agir ético. A ética socrática prevê a submissão do homem e da sua ética individual à ética coletiva que pode ser traduzida como a obediência às leis. Para Platão a ética está intimamente ligada ao conhecimento dado que somente se pode agir com ética quando se conhece todos os elementos que caracterizam determinada situação posto que somente assim, poderá o homem alcançar a justiça. Para José Renato Nalini11 “ética é a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade.12 É uma ciência, pois tem objeto próprio, leis próprias e método próprio, na singela identificação do caráter científico de um determinado ramo do conhecimento.13 O objeto da Ética é a moral. A moral é um dos aspectos do comportamento humano. A expressão moralderiva da palavra romana mores, com o sentido de costumes, conjunto de normas adquiridas pelo hábito reiterado de sua prática. Com exatidão maior, o objeto da ética é a moralidade positiva, ou seja, "o conjunto de regras de comportamento e formas de vida através das quais tende o homem a realizar o valor do bem".14 A distinção conceitual não elimina o uso corrente das duas expressões como intercambiáveis. A origem etimológica de Ética é o vocábulo grego "ethos", a significar "morada", "lugar onde se habita". Mas também quer dizer "modo de ser" ou "caráter". Esse "modo de ser" é a aquisição de características resultantes da nossa forma de vida. A reiteração de certos hábitos nos faz virtuosos ou viciados. Dessa forma, "o ethos é o caráter impresso na alma por hábito".15” Perla Müller16 explica vários aspectos da ética, quais sejam: ética especulativa que é aquela que busca responder, de forma não definitiva, indagações acerca da moral e de seus princípios de sorte que, utilizando-se de investigação teórica é possível à ética explicar algumas realidades sociais. Para a mesma, a ética é ainda pedagogia do espírito, posto que é o estudo dos ideais da educação moral. A ética pode ser vista também como a medida que o indivíduo toma de si, portanto, é pessoal e voluntária. 11 NALINI, José Renato. Conceito de Ética. Disponível em: www.aureliano.com.br/downloads/conceito_etica_nalini.doc. 12 ADOLFO SÁNCHEZ V ÁZQUEZ, Ética, p. 12. Para o autor, Ética seria a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. 13 Ciência, recorda MIGUEL REALE, é termo que "pode ser tomado em duas acepções fundamentais distintas: a) como 'todo conjunto de conhecimentos ordenados coerentemente segundo princípios'; b) como 'todo conjunto de conhecimentos dotados de certeza por se fundar em relações objetivas, confirmadas por métodos de verificação definida, suscetível de levar quantos os cultivam a conclusões ou resultados concordantes'" (Fílosofia do direito, p. 73, ao citar o Vocabulaire de Ia phílosophie, de LALANDE). 14 EDUARDO GARCÍA MÁYNEZ, Ética - Ética empírica. Ética de bens. Ética formal. Ética valorativa, p. 12. 15 ADELA CORTINA, Ética aplicada y democracia radical, p. 162. 16 MÜLLER, Perla. Noções de Ética no Serviço Público. Salvador: Jus Podivm, 2014. 6. Ética e cidadania 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 21 Em suma: “ser ético significa conhecer e cumprir o dever; a ética é a condição que possibilita o conhecimento do dever. O ‘dever’ repousa, antes de qualquer coisa, no reconhecimento da necessidade de respeitar a todos como fins em si mesmos e não como meios para qualquer outro objetivo”. A ética guarda estreita relação com a moral e os princípios, porém com esses não se confunde. A ética é a ciência que busca estudar a melhor forma de convívio humano. No convívio social se faz necessário a obediência de certas normas que visam impedir conflitos e promover a paz social, essas são as normas éticas. Toda sociedade possui preceitos éticos e esses baseiam-se nos valores e princípios dessa mesma sociedade e influenciam a formação do caráter individual do ser humano que nessa convive. Os valores de uma sociedade são baseados no chamado senso comum, ou seja, nos conceitos aceitos e sentidos por um número indeterminado de pessoas. Quando se fala em valores, necessariamente deve-se tratar de juízo de aprovação ou reprovação, ou seja, para determinada sociedade um comportamento pode ser tido como bom e, portanto, aprovado, enquanto outro é reprovado por ser considerado ruim. O ser humano é influenciado por esses valores estabelecidos no meio social em que convive de sorte que passa a adotá-los ainda que inconscientemente. Contudo, para agir com ética é preciso que o homem reflita sobre seus passos, de forma a adotar determinado comportamento porque, após a devida reflexão, considerou-o justo. Não existe ética onde há ausência de pensamento. Tem-se como valores éticos aqueles sobre os quais o homem exerceu atividade intelectual. Ao estabelecer juízo de valores sobre determinadas situações ou coisas o homem está atribuindo a esses conceitos morais. A moral, portanto, é o fator que determina se algo é bom ou ruim. Pertence à ética, mas, com essa não se confunde, haja vista que a ética tem como objeto de estudo o comportamento humano em sua forma mais abrangente e a moral é uma expressão dos valores humanos, ou seja, quando o homem classifica algo como bom ou como ruim, está expressando seus valores. São esses valores que vão pautar seu comportamento. Os atos morais possuem dois aspectos, quais sejam: o aspecto normativo que se traduz nas normas e imperativos que revelam o dever ser e o aspecto factual que é a aplicação dessas normas no convívio social. Os princípios são as regras de boa conduta, ou seja, são os conceitos estabelecidos que regem o comportamento humano por serem aceitos como bons, portanto, refletem a moral social. Características da Ética: Imutabilidade: a mesma ética de séculos atrás está vigente hoje; Validade universal: no sentido de delimitar a diretriz do agir humano para todos os que vivem no mundo. Não há uma ética conforme cada época, cultura ou civilização. A ética é uma só, válida para todos eternamente, de forma imutável e definitiva, por mais que possam surgir novas perspectivas a respeito de sua aplicação prática. Para melhor compreensão, elencamos demais definições de Ética: - Ciência do comportamento adequado dos homens em sociedade, em consonância com a virtude. - Disciplina normativa, não por criar normas, mas por descobri-las e elucidá-las. Seu conteúdo mostra às pessoas os valores e princípios que devem nortear sua existência. - Doutrina do valor do bem e da conduta humana que tem por objetivo realizar este valor. - Saber discernir entre o devido e o indevido, o bom e o mau, o bem e o mal, o correto e o incorreto, o certo e o errado. - Fornece as regras fundamentais da conduta humana. Delimita o exercício da atividade livre. Fixa os usos e abusos da liberdade. - Doutrina do valor do bem e da conduta humana que o visa realizar. “Em seu sentido de maior amplitude, a Ética tem sido entendida como a ciência da conduta humana perante o ser e seus semelhantes. Envolve, pois, os estudos de aprovação ou desaprovação da ação dos homens e a consideração de valor como equivalente de uma medição do que é real e voluntarioso no campo das ações virtuosas”17. Podemos dizer, de um modo geral, que ética é o conhecimento que oferta ao homem critérios para a eleição da melhor conduta, tendo em conta o interesse de toda a comunidade humana.18 17 SÁ, Antônio Lopes de. Ética profissional. 9ª. ed. São Paulo: Atlas, 2010. 18 ALMEIDA, Guilherme de Assis; CHRISTMANN, Martha Ochsenhofer. Ética e direito: uma perspectiva integrada. 3ª edição, São Paulo: Atlas, 2009, p.4. 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 22 Para entender a diferença entre Ética e Moral Podemos responder à pergunta: “Qual é a diferença entre ética e moral? ”, utilizando de uma parábola árabe, de Gustavo Bernardo19. “Certa vez, um homem fugia de uma quadrilha de bandidos violentos quando encontrou, sentado na beira do caminho, o profeta Maomé. Ajoelhando-se à frente do profeta, o homem pediu ajuda: essa quadrilha quer o meu sangue, por favor, proteja-me! O profeta manteve a calma e respondeu: continue a fugir bem à minha frente, eu me encarrego dos que o estão perseguindo. Assim que o homem se afastou correndo, o profeta levantou-se e mudou de lugar, sentando-se na direção de outro ponto cardeal. Os sujeitos violentos chegaram e, sabendo que o profeta só podia dizer a verdade, descreveram o homem que perseguiam, perguntando-lhe se o tinha visto passar. O profeta pensou por um momento e respondeu: falo em nome daquele que detém em sua mão a minha alma de carne: desde que estou sentado aqui, não vi passarninguém. Os perseguidores se conformaram e se lançaram por um outro caminho. O fugitivo teve a sua vida salva”. Enquanto a Ética está contida na reflexão, a Moral está contida na ação. A Moral, verificada na ação reiterada no tempo e espaço (costume, hábito), é tida como particular. A Ética, de cunho filosófico, é tida como universal. Se o profeta fosse apenas um moralista, seguindo as regras sem pensar sobre elas, sem avaliar as consequências da sua aplicação irrefletida, ele não poderia ajudar o homem que fugia dos bandidos, a menos que arriscasse a própria vida. Ele teria de dizer a verdade, mesmo que a verdade tivesse como consequência a morte de uma pessoa inocente. Se avaliarmos a ação e as palavras do profeta com absoluto rigor moral, temos de condená-lo como imoral, porque em termos absolutos ele mentiu. Os bandidos não podiam saber que ele havia mudado de lugar e, na verdade, só queriam saber se ele tinha visto alguém, e não se ele tinha visto alguém “desde que estava sentado ali”. Se avaliarmos a ação e as palavras do profeta, no entanto, nos termos da ética filosófica, precisamos reconhecer que ele teve um comportamento ético, encontrando uma alternativa esperta para cumprir a regra moral de dizer sempre a verdade e, ao mesmo tempo, ajudar o fugitivo. Ele não respondeu exatamente ao que os bandidos perguntavam, mas ainda assim disse rigorosamente a verdade. Os bandidos é que não foram inteligentes o suficiente, como de resto homens violentos normalmente não o são, para atinarem com a malandragem da frase do profeta e então elaborarem uma pergunta mais específica, do tipo: na última meia hora, sua santidade viu este homem passar, e para onde ele foi? Logo, embora seja possível ser ético e moral ao mesmo tempo, como de certo modo o profeta o foi, ética e moral não são sinônimas. Também é perfeitamente possível ser ético e imoral ao mesmo tempo, quando desobedeço uma determinada regra moral porque, refletindo eticamente sobre ela, considero-a equivocada, ultrapassada ou simplesmente errada. Um exemplo famoso é o de Rosa Parks, a costureira negra que, em 1955, na cidade de Montgomery, no Alabama, nos Estados Unidos, desobedeceu à regra existente de que a maioria dos lugares dos ônibus era reservada para pessoas brancas. Já com certa idade, farta daquela humilhação moralmente oficial, Rosa se recusou a levantar para um branco sentar. O motorista chamou a polícia, que prendeu a mulher e a multou em dez dólares. O acontecimento provocou um movimento nacional de boicote aos ônibus e foi a gota d’água de que precisava o jovem pastor Martin Luther King para liderar a luta pela igualdade dos direitos civis. No ponto de vista dos brancos racistas, Rosa foi imoral, e eles estavam certos quanto a isso. Na verdade, a regra moral vigente é que estava errada, a moral é que era estúpida. A partir da sua reflexão ética a respeito, Rosa pôde deliberada e publicamente desobedecer àquela regra moral. Entretanto, é comum confundir os termos ética e moral, como se fossem a mesma coisa. Muitas vezes se confunde ética com espírito de corpo, que tem tudo a ver com moral mas nada com ética. Um médico seguiria a “ética” da sua profissão se, por exemplo, não “dedurasse” um colega que cometesse um erro grave e assim matasse um paciente. Um soldado seguiria a “ética” da sua profissão se, por exemplo, não “dedurasse” um colega que torturasse o inimigo. Nesses casos, o tal do espírito de corpo tem nada a ver com ética e tudo a ver com cumplicidade no erro ou no crime. 19 BERNARDO, Gustavo. Colunas: “Qual é a diferença entre ética e moral?” Disponível em: http://www.revista.vestibular.uerj.br/coluna/coluna.php?seq_coluna=68. 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 23 Há que proceder eticamente, como o fez o profeta Maomé: não seguir as regras morais sem pensar, só porque são regras, e sim pensar sobre elas para encontrar a atitude e a palavra mais decentes, segundo o seu próprio julgamento. A Moral, portanto, é influenciada por fatores sociais e históricos (espaço – temporais), havendo diferenças entre os conceitos morais de um grupo para outro (relativismo), diferentemente da Ética que, pauta-se pela universalidade (absolutismo), valendo seus princípios e valores para todo e qualquer local, em todo e qualquer tempo. Comportamento Ético:20 Comportamento Ético é uma consciência moral, atribuída a boa conduta e procedimentos individuais, é agir com autodeterminação, autocontrole e de forma ordenada em qualquer situação e fundamental em todos os momentos da vida. O comportamento ético é pessoal, não coletivo. O comportamento ético, não se divulga, mas seus efeitos refletem em todos. O comportamento ético é nato, mas é também uma escolha. Agir eticamente é uma escolha sempre foi e será uma decisão pessoal de consciência para consciência, porém nossas escolhas determinam quem somos, ter valores morais é fundamental para vida pessoal e profissional. Platão acredita que exista o agente acrítico (Fraqueza na vontade), Sócrates acredita que os atos são sempre pensados sempre vindos da razão, sempre são explicados por um pensamento. A ética define padrões sobre o que julgamos ser certo ou errado, bom ou mau, justo ou injusto, legal ou ilegal na conduta humana e na tomada de decisões em todas as etapas e relacionamentos da nossa vida. Não é difícil imaginar o que leva uma pessoa a desviar sua conduta e manifestar um comportamento condenável ante o padrão estabelecido pela sociedade em geral. Naturalmente, ser ou não ser ético depende muito dos valores envolvidos em cada situação, da sua formação educacional e religiosa, da sua experiência de vida e também do ambiente onde as pessoas estão inseridas. O fato é que não se pode desprezar o conceito, pois onde quer que você vá, as pessoas estão promovendo julgamentos de toda ordem sobre aquilo que você pensa, diz, realiza e escreve. Ética Profissional A Ética profissional nada mais é do que proceder bem, correto, justo, agir direito, sem prejudicar os outros, é estar tranquilo com a consciência pessoal. É também agir de acordo com os valores morais de uma determinada sociedade. A maioria das profissões possuem seu próprio Código de Ética, Todos os códigos de ética profissionais, trazem em seu texto a maioria dos seguintes princípios: honestidade no trabalho, lealdade na empresa, alto nível de rendimento, respeito à dignidade humana, segredo profissional, observação das normas administrativas da empresa e muitos outros. Agir corretamente hoje não é só uma questão de consciência. É um dos quesitos fundamentais para quem quer ter uma carreira longa e respeitada. Em escolhas aparentemente simples, muitas carreiras brilhantes podem ser jogadas fora. Atualmente, mais do que nunca, a atitude dos profissionais em relação às questões éticas pode ser a diferença entre o seu sucesso e o seu fracasso. Ter um comportamento ético profissional é uma característica fundamental, valorize a ética na sua vida e no ambiente de trabalho. Ser Ético: Você se considera uma pessoa ética? Ser ético nada mais é do que agir direito, proceder bem, sem prejudicar os outros. É ser altruísta, é estar tranquilo com a consciência pessoal. É, também, agir de acordo com os valores morais de uma determinada sociedade. Essas regras morais são resultado da própria cultura de uma comunidade. Elas variam de acordo com o tempo e sua localização no mapa. A regra ética é uma questão de atitude, de escolha. 20 ALVES, Clecia. Ética e Comportamento Ético. Disponível em: http://equipeetica.blogspot.com.br/p/teste-de-etica.html. 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 24 Além de ser individual, qualquer decisão ética tem por trás um conjunto de valores fundamentais. Muitas dessas virtudes nasceram no mundo antigo e continuam válidas até hoje. Eis algumas das principais: a). Ser honesto em qualquer situação: a honestidadeé a primeira virtude da vida nos negócios, afinal, a credibilidade é resultado de uma relação franca; b). Ter coragem para assumir as decisões: mesmo que seja preciso ir contra a opinião da maioria; c). Ser tolerante e flexível: muitas ideias aparentemente absurdas podem ser a solução para um problema. Mas para descobrir isso é preciso ouvir as pessoas ou avaliar a situação sem julgá-las antes; d). Ser íntegro: significa agir de acordo com os seus princípios, mesmo nos momentos mais críticos; e). Ser humilde: só assim se consegue ouvir o que os outros têm a dizer e reconhecer que o sucesso individual é resultado do trabalho da equipe. A ética define padrões sobre o que julgamos ser certo ou errado, bom ou mau, justo ou injusto, legal ou ilegal na conduta humana e na tomada de decisões em todas as etapas e relacionamentos da nossa vida. O fato, porém, é que cada vez mais essa é uma qualidade fundamental para quem se preocupa em ter uma carreira longa, respeitada e sólida. Ética – Uma questão de sobrevivência Na atualidade, falar sobre Ética é um grande desafio. O Brasil vive um momento onde os valores éticos, de forma geral, têm sido discutidos pelos diversos meios de comunicação e pela comunidade. São escândalos constantes, envolvendo personalidades públicas onde se tem colocado à prova os valores de nossa sociedade. Isto reflete diretamente nas empresas e nos consumidores de todo o mundo que estão mais atentos à Ética do que nunca. Nos últimos anos, as empresas têm dado uma atenção especial à ética corporativa promovendo debates com os funcionários e chegando, inclusive, a criar um instrumento que esclarece as diretrizes e as normas da organização: o código de ética. Enquanto a ética profissional está voltada para as profissões, os trabalhadores, as associações e as entidades de classe do setor correspondente, a ética empresarial atinge as empresas e as organizações em geral. A empresa necessita desenvolver-se de tal forma que a ética, a conduta ética de seus integrantes, bem como os valores e as convicções primárias da organização tornem-se parte de sua cultura. É importante destacar que a ética empresarial não consiste somente no conhecimento de ética, mas na sua prática. É fundamental praticá-la diariamente e não apenas em ocasiões especiais ou geradoras de opinião. O código de ética tornou-se um instrumento para a valorização dos princípios, da visão e da missão da empresa. Serve para orientar as ações de seus colaboradores e explicitar a postura social da empresa face aos diferentes públicos com os quais interage. É da máxima importância que seu conteúdo seja refletido nas atitudes das pessoas e que encontre respaldo na alta administração da empresa, pois até mesmo o último empregado contratado terá a responsabilidade de vivenciá-la. A definição de diretrizes e padrões de integridade e transparência obriga e deve ser observada por todos e em todos os níveis da organização. Seu contexto, por sua vez, estabelece as diretrizes e os padrões de integridade e transparência aos quais todos devem aderir e que passarão a incorporar no Contrato de Trabalho de cada colaborador. Desta forma, costuma trazer para ética empresarial a harmonia, a ordem, a transparência e a tranquilidade, em razão dos referenciais que cria, deixando um lastro decorrente do cumprimento de sua missão e de seus compromissos. Assim como as empresas, as pessoas também passam por uma profunda crise de identidade ética. Há muito tempo que a criatividade, característica de nosso povo, deu espaço ao "jeitinho" ou à famosa "lei de Gerson", onde levar vantagem é fundamental. O mercado profissional, os meios de ensino e a sociedade capitalista vêm formando nas pessoas um comportamento de competição acirrada e de busca pelo sucesso profissional a qualquer preço. Com isto, muitos se esquecem ou desaprendem um dos valores básicos da convivência em sociedade que é o respeito à individualidade do outro. Algumas pessoas e empresas perceberam que competir com ética é a saída para o crescimento pessoal, profissional e de mercado, bem como de nossa sociedade. Portanto, cada vez mais reaprender as "boas maneiras" do comportamento profissional é fundamental. 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 25 Como ter atitudes éticas no ambiente de trabalho21 Hoje, os profissionais requisitados pelos recrutadores devem ter inúmeras qualidades para obter sucesso na carreira profissional. Porém, apesar dos diversos conhecimentos que as pessoas possuem, existe algo que é um pré-requisito para alcançar qualquer posição: a ética. Este termo deve ser conhecido e praticado dentro e fora das empresas. Muitos estudiosos, como Platão, Aristóteles e Sócrates, aprofundaram suas pesquisas sobre este assunto. Apesar das divergências das linhas teóricas e de como o comportamento é regido, existe um significado para ética que é imutável: ela corresponde aos valores morais que guiam o comportamento de um indivíduo. Ser ético está relacionado a seguir os padrões da sociedade e as regras e políticas das organizações. Para que você não fique confuso ao tomar uma decisão em sua carreira, veja algumas dicas para garantir a ética profissional: Humildade: Esteja pronto para ouvir sugestões, elogios e críticas. Você pode aprender muito com seus colegas de trabalho. Portanto, seja flexível às opiniões. Honestidade: Ninguém perde por ser honesto. Aliás, a honestidade traz dignidade. Esta é a hora de mostrar seu caráter e ser um profissional ético. Privacidade: Dentro das organizações, existem assuntos sigilosos e que devem ser tratados de forma discreta. Seja algo de clientes ou colegas de trabalho, o seu dever é manter segredo e não expor informações que são exclusividades da empresa. Respeito: Seja com o chefe ou com o subordinado, você deve ser respeitoso com os colegas de trabalho. Evite falar mal daqueles que te incomodam, isso não irá te acrescentar nada e poderá prejudicar sua imagem dentro da empresa. Portanto, siga essas dicas para que você continue com atitudes e comportamentos éticos diante da empresa e da sociedade. A ética revela seu caráter, sendo assim, seja ético e isso poderá te proporcionar inúmeras conquistas profissionais. Comportamento Profissional: é o conjunto de atitudes esperadas do servidor no exercício da função pública, consolidando a ética no cotidiano das atividades prestadas, mas indo além desta ética, abrangendo atitudes profissionais como um todo que favorecem o ambiente organizacional do trabalho. Quando se fala num comportamento profissional conforme à ética busca-se que a atitude em serviço por parte daquele que desempenha o interesse do Estado atenda aos ditames éticos. “Hoje em dia, cada vez mais as empresas procuram “verdadeiros” profissionais para trabalharem nelas. Com isso, é evidente que não há mais espaço no mercado de trabalho para profissionais medíocres, desqualificados e despreparados para a função a ser exercida, mas sim para profissionais habilidosos, com pré-disposição para o trabalho em equipe, com visão ampliada, conhecimento de mercado, iniciativa, espírito empreendedor, persistente, otimista, responsável, criativo, disciplinado e outras habilidades e qualificações. É importante que você profissional, procure estar preparado para o mercado de trabalho, a qualquer momento da sua vida, independentemente do fato de estar ou não empregado. A história do mercado de trabalho atual tem mostrado que independentemente do cargo que você exerça, você deve estar sempre preparado para mudanças que poderão surgir e mudarão todo o rumo da sua carreira. As empresas não são eternas e nem os seus empregos. Não se engane, não existem mais quaisquer garantias de emprego por parte das empresas, trazendo aos profissionais empregados um ônus constante para manter o seu emprego. Se para aqueles que estão empregados manter a sua empregabilidade não é uma tarefa fácil, para aqueles que estãoingressando no mercado de trabalho atual, as dificuldades serão ainda maiores. Portanto, a seguir vou discorrer sobre algumas das características dos bons profissionais: Preparado para mudanças As empresas buscam por profissionais adaptáveis porque tudo no mundo moderno muda. As tecnologias, as relações de emprego, o mercado, os valores e o modo encontrar soluções para os problemas mudaram, enfim tudo mudou significativamente nos últimos anos e continuarão mudando. Portanto temos de acompanhar o ritmo das coisas. Muitos profissionais pensam que podem fazer as mesmas coisas e do mesmo modo durante toda a vida e depois reclamam porque não são bem sucedidos. 21 MARQUES, José Roberto. Como ter atitudes éticas no ambiente de trabalho. Disponível em: http://economia.terra.com.br/blog-carreiras/blog/2014/05/29/como- ter-atitudes-eticas-no-ambiente-de-trabalho/. 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 26 Competência Competência é uma palavra de senso comum, utilizada para designar uma pessoa capaz de realizar alguma coisa. O antônimo disso, ou seja, incompetência, implica não só na negação dessa capacidade como também na depreciação do indivíduo diante do circuito do seu trabalho ou do convívio social. Para ser contratado em uma empresa ou para a sua manutenção de emprego não basta ter diplomas e mais diplomas se não existir competência. Por exemplo, um profissional que se formou em direito, até mesmo na melhor universidade, mas que não sabe preparar uma peça processual não terá valor competitivo quer como profissional empregado, quer como prestador de serviços. Diplomas servirão para dar referencial ao profissional ou até mesmo para enfeitar a parede da sua sala, mas a competência é o fator chave que atrelada à diplomação lhe dará subsídios profissionais para ser bem sucedido. Por isso podemos afirmar categoricamente que a competência não é composta pelo diploma por si só, apesar de que ele contribui para a composição da competência. Espírito empreendedor Os dias do funcionário que se comporta como funcionário pode estar com os dias contados. A visão tradicionalista de empregador e empregado, chefe e subordinado estão caminhando para o desuso. As empresas com visão moderna estão encarando seus funcionários como colaboradores ou parceiros e implementando a visão empreendedora. Isso significa que os empresários perceberam que dar aos funcionários a possibilidade de ganhar mais do que simplesmente o salário mensal fixo, tem sido um bom negócio, pois faz com que o profissional dê maiores contribuições à organização, garantindo assim o comprometimento da equipe na busca de resultados positivos. Equilíbrio emocional O que quero dizer com o equilíbrio emocional? Bem, dito de modo simples, é o preparo psicológico para superar adequadamente as adversidades que surgirão na empresa e fora dela. Vamos chamar o conjunto de problemas que todos nós possuímos de saco de problemas. As empresas querem que deixemos o nosso saco de problemas em casa. Por outro lado, os nossos familiares querem que deixemos nosso saco de problemas no trabalho. Diante disso, a pergunta que surge é: onde colocar nosso saco de problemas? Realmente é uma boa pergunta. E é justamente por isso que para tornar-se um profissional de sucesso é necessário que tenhamos equilíbrio emocional, pois não importa quais problemas tenhamos de caráter pessoal, nossos colegas de trabalho, subordinados, diretores e gerentes, enfim, as pessoas como um todo não tem culpa deles e não podemos descarregar esses problemas neles. Quando falamos em equilíbrio, emocional, é importante avaliar também as situações adversas pelas quais todos os profissionais passam. É justamente aí que surge o momento da verdade que o profissional mostrará se tem o equilíbrio emocional. Marketing Pessoal O marketing pessoal pode ser definido como o conjunto de fatores e atitudes que transmitem uma imagem da pessoa. Os fatores a que me refiro incluem vestimenta como um todo, os modos pessoais, o modo de falar e a postura do profissional diante dos demais. Referindo-se à vestimenta, cabe salientar que o profissional deve vestir-se adequadamente ao ambiente em que está inserido. Se a sua empresa adota um padrão formal, obviamente a sua vestimenta deve estar em conformidade com ela e o mesmo se refere a uma entrevista de emprego. Da mesma forma, seria um contrassenso usar terno e gravata para trabalhar em uma linha de produção. Portanto, a regra básica é vestir-se em conformidade com o ambiente de trabalho. Comportamentos que o profissional deve evitar Vou destacar alguns dos defeitos que além de prejudicar a ambientalização dentro da empresa, caracterizam tais pessoas como maus profissionais: Aquele que fala demais: Já viu aqueles profissionais que são os primeiros a propagar as notícias ou as “fofocas” dentro da empresa? Costumo chamar tais profissionais de locutores da “rádio peão”. Recebem uma informação, sequer sabem se são confiáveis, mas passam adiante e o que é pior, incluindo informações que sequer existiam inicialmente, alterando totalmente a informação recebida. Cuidado para não ser um destes. Aquele que fala mal dos outros: São aqueles profissionais, se é que existe algum profissionalismo nisso, que insistem em falar sobre seus colegas de trabalho, longe destes é claro, aquilo que com certeza não seriam capazes de falar na 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 27 frente deles. Por isso, a regra é: Se você não tem coragem de falar algo na frente do seu colega, nunca fale pelas suas costas. Aquele que vive mal-humorado: Esses são, sem dúvida, uns dos mais evitados pelos outros colaboradores. Existe algo pior do que conviver com quem vive reclamando da vida ou que vive de mau humor? Pessoas de “mal com a vida”, repelem as outras pessoas de perto delas. Ninguém tem a obrigação de estar sorrindo todos os dias, mas isso não significa que temos o direito de estar sempre de mau humor. A propósito, como está seu humor hoje? Aquele que não tem higiene pessoal: Somente o próprio profissional é capaz de conseguir conviver com ele mesmo. Isso porque o corpo dele está condicionado a suportar isso. Conheço pessoas, que tem um odor tão acentuado (falando de forma educada), que não consigo permanecer mais do que cinco minutos conversando com elas. Um bom banho faria bem não só a ele, mas como todos a sua volta. Aquele que não respeita os demais: O respeito aos outros é fundamental para o convívio em grupo. Já presenciei casos extremos de falta de respeito, pois existem profissionais que não sabem respeitar seus colegas. Infelizmente, parte dessas pessoas estão em cargos de direção. Tive um chefe no meu primeiro emprego que tinha uma campainha para chamar as pessoas. Quando ele tocava uma vez, secretária atendia, quando ele tocava duas vezes, era eu, o office-boy. Bem, além de ser uma falta de respeito usar uma campainha para chamar “seres humanos” muitas vezes fui chamado lá e ele nem sabia porque tinha me chamado. A maior lição que tirei disso é que eu não devia nunca mais ter chefe. Por isso me tornei empreendedor. Aquele que é egoísta: O egoísmo é algo difundido nas empresas até mesmo porque a competitividade interna é muito grande. Pensar somente em si mesmo o tempo todo não é a melhor alternativa para o profissional. Por isso cuidado, pois um dia a vítima pode ser o próprio egoísta. Aquele que brinca demais: Brincar é bom, desde que as brincadeiras sejam saudáveis, num clima de respeito e equilíbrio. Aqueles que brincam a todo o momento são pessoas extremamente inconvenientes e irritam quem está a sua volta. Isso tira a credibilidade do profissional e pode lhe trazer problemas com a ambientalização. Aqueles que são inflexíveis: Já observou aqueles profissionais que são os únicos que se acham certos? Pois bem, isso é um grande problema paraa convivência em grupo. É importante que todos nós tenhamos em mente que não estamos certos o tempo todo e nem tampouco precisamos fazer valer perante os outros as nossas próprias ideias a todo o momento. As qualificações, comportamentos e atitudes dos bons profissionais são muitas e estão em constante mudança. Mas com certeza aqueles que procuram o auto aprimoramento estarão mais bem preparados para tornarem-se excelentes profissionais”22. Atitudes em serviço: ações que o servidor toma quando no desempenho de suas funções, acarretando benefícios quando cumpridoras da ética e prejuízos quando não. Na verdade, trata-se de exteriorização do comportamento profissional. Os pilares do comportamento profissional adequado são: “Integridade – agir de maneira honesta e confiável. Modos – nunca ser egoísta, rude ou indisciplinado. Personalidade – expressar os próprios valores, atitudes e opiniões. Aparência – apresentar-se sempre da melhor maneira possível. Consideração – ver-se do ponto de vista da outra pessoa. Tato – refletir antes de fala”23. 22 Disponível em: <http://www.vocevencedor.com.br/artigos/recursos-humanos/principais-atitudes-e-comportamentos-dos-bons-profissionais>. 23 Disponível em: <http://imagempessoal.band.uol.com.br/seis-principais-habilidades-pessoais-para-aprimorar-seu-comportamento-profissional/>. 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 28 Noções de Cidadania Conforme texto de Orson Camargo24, temos que, no decorrer da história da humanidade surgiram diversos entendimentos de cidadania em diferentes momentos – Grécia e Roma da Idade Antiga e Europa da Idade Média. Contudo, o conceito de cidadania como conhecemos hoje, insere-se no contexto do surgimento da Modernidade e da estruturação do Estado-Nação. O termo cidadania tem origem etimológica no latim civitas, que significa "cidade". A palavra cidadania foi usada na Roma antiga para indicar a situação política de uma pessoa e os direitos que essa pessoa tinha ou podia exercer. Estabelece um estatuto de pertencimento de um indivíduo a uma comunidade politicamente articulada – um país – e que lhe atribui um conjunto de direitos e obrigações, sob vigência de uma constituição. O termo cidadão refere-se ao habitante da “cidade”, o indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um determinado Estado. Segundo Dalmo Dallari: “A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social”.25 Ao contrário dos direitos humanos – que tendem à universalidade dos direitos do ser humano na sua dignidade –, a cidadania moderna, embora influenciada por aquelas concepções mais antigas, possui um caráter próprio e possui duas categorias: formal e substantiva. A cidadania formal é, conforme o direito internacional, indicativo de nacionalidade, de pertencimento a um Estado-Nação, por exemplo, uma pessoa portadora da cidadania brasileira. Em segundo lugar, na ciência política e sociologia o termo adquire sentido mais amplo, a cidadania substantiva é definida como a posse de direitos civis, políticos e sociais. Essa última forma de cidadania é a que nos interessa. A compreensão e ampliação da cidadania substantiva ocorrem a partir do estudo clássico de T.H. Marshall – Cidadania e classe social, de 1950 – que descreve a extensão dos direitos civis, políticos e sociais para toda a população de uma nação. Esses direitos tomaram corpo com o fim da 2ª Guerra Mundial, após 1945, com aumento substancial dos direitos sociais – com a criação do Estado de Bem- Estar Social (Welfare State) – estabelecendo princípios mais coletivistas e igualitários. Os movimentos sociais e a efetiva participação da população em geral foram fundamentais para que houvesse uma ampliação significativa dos direitos políticos, sociais e civis alçando um nível geral suficiente de bem-estar econômico, lazer, educação e político. A cidadania esteve e está em permanente construção; é um referencial de conquista da humanidade, através daqueles que sempre buscam mais direitos, maior liberdade, melhores garantias individuais e coletivas, e não se conformando frente às dominações, seja do próprio Estado ou de outras instituições. No Brasil ainda há muito que fazer em relação à questão da cidadania, apesar das extraordinárias conquistas dos direitos após o fim do regime militar (1964-1985). Mesmo assim, a cidadania está muito distante de muitos brasileiros, pois a conquista dos direitos políticos, sociais e civis não consegue ocultar o drama de milhões de pessoas em situação de miséria, altos índices de desemprego, da taxa significativa de analfabetos e semianalfabetos, sem falar do drama nacional das vítimas da violência particular e oficial. Conforme sustenta o historiador José Murilo de Carvalho, no Brasil a trajetória dos direitos seguiu lógica inversa daquela descrita por T.H. Marshall. Primeiro “vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão dos direitos políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se tornou popular (Getúlio Vargas). Depois vieram os direitos políticos... a expansão do direito do voto deu-se em outro período ditatorial, em que os órgãos de repressão política foram transformados em peça decorativa do regime [militar]... A pirâmide dos direitos [no Brasil] foi colocada de cabeça para baixo”.26 Nos países ocidentais, a cidadania moderna se constituiu por etapas. T. H. Marshall afirma que a cidadania só é plena se dotada de todos os três tipos de direito: 1. Civil: direitos inerentes à liberdade individual, liberdade de expressão e de pensamento; direito de propriedade e de conclusão de contratos; direito à justiça; que foi instituída no século 18; 2. Política: direito de participação no exercício do poder político, como eleito ou eleitor, no conjunto das instituições de autoridade pública, constituída no século 19; 3. Social: conjunto de direitos relativos ao bem-estar econômico e social, desde a segurança até ao direito de partilhar do nível de vida, segundo os padrões prevalecentes na sociedade, que são conquistas do século 20. 24 O QUE É CIDADANIA? Disponível em http://www.brasilescola.com/sociologia/cidadania-ou-estadania.htm. 25 DALLARI, Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. p.14 26 CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. pp. 219-29. 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 29 Ainda com base no que dispõe a doutrina, o conceito de cidadania comporta duas concepções, sendo estas de cidadania em sentido estrito e em sentido amplo. A cidadania em sentido estrito, de acordo com a terminologia tradicional, adotada pela legislação infraconstitucional e pela quase unanimidade dos autores de direito constitucional, é o direito de participar da vida política do País, da formação da vontade nacional, abrangendo os direitos de votar e ser votado. É uma qualidade própria do cidadão, que é justamente o nacional no gozo de direitos políticos. Por sua vez, a cidadania em sentido amplo, quer significar a participação do cidadão em diversas atividades ligadas ao exercício de direitos individuais, fundamentando-se, então, no artigo 1º da Constituição da República. Esta tem um alcance maior. Adotado este sentido mais abrangente, os nacionais identificam-se como os cidadãos de um Estado. Existem duas espécies de cidadania: ativa e passiva. A primeira é o direito de votar, enquanto a segunda, o de ser votado. A Constituição Federal (CF/88), chamada de “constituição cidadã”, por ser considerada a mais completa entre as constituições brasileiras, com destaque para os vários aspectos que garantem o acesso à cidadania, traz já em seu artigo 1º, incisoII, a cidadania como direito fundamental.27 A preocupação com os direitos do cidadão é claramente uma resposta ao período histórico diretamente anterior ao da promulgação da constituição. Eu Racional: introdução ao sujeito ético Uma das questões mais complexas do mundo científico, teológico e filosófico contemporâneo é oferecer uma boa compreensão do significado preciso de palavras como eu, sujeito, subjetividade, pessoa etc... Essas instâncias são ora afirmadas como entidades, ora negadas; ora exaltadas como centrais em toda reflexão humana, ora humilhadas... (conforme a expressão famosa de Ricoeur). Em nossa perspectiva consideramos o sujeito um aspecto fundamental para que possamos pensar e falar em ética. A ética implica um sujeito que possa assumir a responsabilidade por atos praticados (seja ele pessoal, comunitário, institucional, ou outro) diante de outros. Em vista desse aspecto de nosso tema, daremos especial atenção à constituição do sujeito: como chegamos a constituir um sujeito com certa autonomia? O eu e a subjetividade não são uma condição inata a todo ser humano? Se o “eu” não é inato, como o “eu” e a “subjetividade” se constituem em nós? Como nos tornamos seres “responsáveis”? Como se constitui o que chamamos “liberdade”? Uma das tarefas primeiras da ética é, pois, a de fundamentar o aparecimento dessas instâncias. Procuraremos precisar a constituição do sujeito em seu entrelaçamento com o desenvolvimento da capacidade responsiva do ser humano e o progressivo incremento da capacidade de se auto reconhecer até alcançar uma autonomia relativa. O discurso ético afirma que somos livres e responsáveis e assumimos em nós mesmos o ato ético e suas consequências enquanto ações significativas. Por outro lado, perguntamos até que ponto podemos ser éticos, livres e responsáveis, numa estrutura de pecado e com a constituição de sujeitos dentro dessa estrutura. Nossa abordagem do tema será feita a partir da pergunta-tema: 1. Como se constitui o sujeito? 2. Como se forma o sujeito ético? Propomos uma breve descrição da experiência de “ser sujeito” (acompanhada de indicações dadas pela análise genético/generativa da manifestação do sujeito) como pano de fundo interpretativo de nós mesmos. Usamos o método enomenológico de Husserl e descartamos qualquer explicação prévia, filosófica ou científica. A nossa experiência humana não é vista como confinada aos processos definidos como natureza, nem a vida humana pode ser confinada à fisiologia, por exemplo. Isso indica a distância que mantemos do chamado naturalismo científico. 27 CF/88: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. 7. Racionalismo ético 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 30 A abordagem originária do ser humano nunca é “científica” no sentido de objetivismo factual; mais que natureza, somos também cultura e a sociedade é também nossa convivência cotidiana, é corpo e também é uma abrangência de nosso ser humano como um todo. O conhecimento não se produz do sujeito para seu entorno, nem do seu entorno para o sujeito, é uma integração com a vida. A experiência de ser sujeito é ampliada no sentido de abarcar a vida, integrando vida e subjetividade, subjetividade e vida. Na correlação sujeito e vida afirmamos a superação de todo dualismo sujeito/objeto desenvolvido a partir da ciência moderna (especialmente depois de Descartes). Construção do sujeito ético28 O sujeito ético é um ser racional e consciente que sabe o que faz, como um ser livre que decide e escolhe o que faz e como um ser responsável que responde pelo que faz. A ação ética é balizada pelas ideias de bem e mal, justo e injusto, virtude e vício. Assim, uma ação só será ética se consciente, livre e responsável e será virtuosa se realizada em conformidade com o bom e o justo. A ação ética só é virtuosa se for livre e só o será se for autônoma, isto é, se resultar de uma decisão interior do próprio agente e não de uma pressão externa. Evidentemente, isso leva a perceber que há um conflito entre a autonomia da vontade do agente ético (a decisão emana apenas do interior do sujeito) e a heteronomia dos valores morais de sua sociedade (os valores são dados externos ao sujeito). Esse conflito só pode ser resolvido se o agente reconhecer os valores de sua sociedade como se tivessem sido instituídos por ele, como se ele pudesse ser o autor desses valores ou das normas morais, pois, nesse caso, ele será autônomo, agindo como se tivesse dado a si mesmo sua própria lei de ação. Enfim, a ação só é ética se realizar a natureza racional, livre e responsável do sujeito e se este respeitar a racionalidade, liberdade e responsabilidade dos outros agentes, de sorte que a subjetividade ética é uma intersubjetividade socialmente determinada. Como se constitui o sujeito? - Gênese do sujeito Quando fazemos a pergunta “quem somos nós?”, temos a tendência de tentar respondê-la a partir da reflexão sobre nós mesmos. Isso é uma grande ilusão. Essa pergunta só pode ser respondida a partir de nossos relacionamentos com os outros. Sem o outro não somos nada. Nossa constituição tem o ponto focal na presença do outro. Nascemos da vida dos outros fisiologicamente, psicologicamente, culturalmente, e mesmo religiosamente (no cristianismo isso é claro se atentamos para as expressões de Cristo ou de Paulo que nos veem como seres de relação com o próximo e com Deus). A ilusão de consciência autônoma, que habitaria em nós desde o início em forma potencial e natural, como condição inata do ser. Correlação implica que um polo não pode ser isolado ou concebido sem o outro polo. Não podemos conceber objetividade sem o polo da subjetividade. Nem podemos conceber o sujeito ou a subjetividade sem o polo da objetividade constituída na correlação. Toda “co-instituição” implica em alguma forma de correlação. Há muitos estudos sobre as etapas do desenvolvimento humano. Quase todos partem do princípio que o desenvolvimento é um processo de unidade da pessoa e seu entorno. Quase todos apontam a grande distância entre o que fomos quando criança e o que somos como adultos. A unidade é atribuída a constâncias biológicas, psicológicas, sociológicas, culturais. Entretanto, não podemos mais pressupor uma substância humana em desenvolvimento que possua em si mesma as virtudes centrais desse desenvolvimento. Nossa abordagem desloca o centro formador não para o exterior, mas para a correlação entre o que o outro nos aporta e nossa capacidade de responder, responsividade que se revela desde a nossa mais remota formação como bebê ou mesmo na condição de feto. Se para o bebê não houver as condições necessárias relacionais e como entorno de ser humano, especialmente outras pessoas, o ser humano não emerge em suas condições essenciais. Ser pessoa, ser livre, transcender o tempo e espaço, utilizar a linguagem, são condições que não se desenvolvem por si. O desenvolvimento está condicionado à presença de outros O “eu” não se desenvolve pelo crescimento físico, mesmo que dependa de uma base fisiológica para que isso seja possível. O eu não é uma substância. O sujeito acontece: ele é e existe em atos, e ele se forma e se revela em eventos, e se dá conta de si por se auto reconhecer em atos. O sujeito se forma e se revela na relação de alteridade. O sujeito é constituído como evento, ele acontece na trama que se estabelece em relação com outros seres humanos (mãe,família, grupos humanos) e como resposta a eventos: o “eu” provém das respostas a outro/a. De início, um centramento na pura corporeidade do recém formado, e cuja autonomia se constitui progressivamente a partir da não- 28 Texto completo adaptado de JOSGRILBERG, R. S. A Constituição do Sujeito Ético. 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 31 autonomia (quando a responsividade é ainda uma pura partilha do que recebemos). É uma sequência de eventos que faz emergir a identidade egóica através das respostas e da estrutura que a pessoa vai constituindo. O sujeito autônomo emerge de modo relativo e descontinuamente, isto é, o sujeito autônomo não é uma constante linear sem interrupções. A vida testemunha muitas situações em que não podemos pressupor o sujeito como plenamente autônomo: uma simples febre pode aniquilar ou limitar a autonomia de um sujeito. Chegamos ao ponto de estabelecermos uma compreensão de princípio constatado puramente a partir da vivência e da reflexão retroativas: – sujeito é uma constituição que acontece em torno de eventos relacionais e respostas a esses eventos. Somos interpelados na convivência desde a mais tenra idade e nos formamos como respondentes. O cenário originário de constituição subjetiva é formado por relações provocadoras, interpeladoras e em respostas; estas, acompanhadas das interpelações formam sedimentos habituais que nos permitem reconhecer a nós mesmos. Produz-se uma trama de interpelações e respostas. Essa trama é o nosso próprio pano de fundo. O sujeito revela-se como um pertencente à ordem do “evento” entre pessoas, e não à ordem das coisas. A constituição de sedimentos espirituais – em que ocorrem sentimentos, linguagens, atitudes, criações culturais do espírito (lógicas, estéticas, éticas, religiosas...) etc. – acontecem no campo humano de interações humanas dialógicas. O si mesmo (self) se constitui em relações concretas de trabalho, relações de corporeidade, relações de família, onde eu sou testemunha de mim mesmo e capaz de narrar minha trajetória longa ou curta. Refletividade sobre mim mesmo e minhas relações me permitem dizer “eu” como fonte de uma trama com os outros e na qual me encontro (co-) respondido, rejeitado, remetido a mim mesmo pelo outro e onde me reconheço como sujeito. A trama de aceitação e rejeição é basilar no processo de constituição de si mesmo. Essa trama aparece na narratividade. As obras narrativas como mitos, lendas, romance, diálogos, novelas, a Bíblia, narrativas de aventuras, história e estórias etc. refletem como tela de fundo essa trama essencial. A narratividade encarna a trama de sujeitos. Daí a grande importância e sedução da literatura. Muitas narrativas nos ajudam a constituir a consciência de nós mesmos. Ricoeur cunhou s expressão “identidade narrativa” que descreve bem esse processo Narrativas revelam as tramas que constituem os sujeitos numa cultura, dão o significado e origens das instituições como sedimentação de certa responsividade coletiva. Ainda que o polo dinâmico da constituição de si esteja originariamente localizado na alteridade, no outro, o centramento de si mesmo possui uma dimensão transcendental de pessoalidade que constitui a intersubjetividade humana. A vida humana intersubjetiva em suas muitas sedimentações constitui-se no solo último e concentra as condições interpessoais de vida cotidiana. Que a intersubjetividade e a vida cotidiana possuam dimensões transcendentais é uma das descobertas axiais do pensamento contemporâneo. A unidade além de si mesmo, a significação intersubjetiva, a fundação não natural, apontam para a dimensão transcendental dessa constituição. Viemos dos outros e geramos outros fisiologicamente, culturalmente, socialmente... O caminho da autonomia é, paradoxalmente, outro dependente. O ser humano não nasce “naturalmente”, por assim dizer. O ser humano acontece na dimensão intersubjetiva da vida humana e na dialética da interpelação e reposta, como caminho para atingir a autonomia ética. Como se constitui o sujeito ético? Vimos que o sujeito ético é uma autonomia alcançada através da alteridade. Nele o acontecimento é um evento (no sentido de que ele vem a nós e nos interpela). A decisão ou atitude ética é um modo de ser humano na vida concreta entre pessoas. O sujeito ético é parte de uma humanidade social em que se constitui como indivíduo a partir dela e por refleti-la. Ser outro-dependente (não confundir com subserviência ou dominação) é parte da autonomia do sujeito ético. A autonomia se constitui nessa dialética. Todo sujeito possui uma trama narrativa e pode testemunhar uma autobiografia. Temos biografia e fazemos história. Todos esses elementos são constitutivos da personalidade ética. O sujeito ético, na trama dialógica da interpelação e da resposta, encontra um mundo de validades éticas e é impelido a agir em consonância com essas validades específicas. É a atitude e o comportamento face às validades que agregam valor ético à ação: a ação pode ser boa ou má. É na medida em que respondo por essas validades que me torno sujeito responsável eticamente. As validades éticas são reconhecidas no outro, na natureza, na sociedade, no trabalho, nas instituições, no cotidiano, em situações limites etc. O sujeito ético age, de modo geral, em relação às possibilidades que tem de sustentar e encarnar valores que são reconhecidos e hierarquizados. Os valores mais fundamentais são 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 32 reconhecidos de modo a priori e com fundamento transcendental. Assim acontece, por exemplo, com o amor, a justiça e a pessoa enquanto reconhecidos como validades transcendentais. Esses valores são descobertos ou encobertos, afirmados ou negados, realizados ou falhados. Como tais, não são meros produtos de algo ou de alguém. Valores são, pois, referências transcendentais necessárias à constituição do sujeito ético. O sujeito ético avalia a partir de um mundo com universalidade abrangente e a partir de muitos mundos particulares possíveis. Essa dialética entre um mundo e muitos mundos em correlação é um dos avanços fundamentais proporcionados por Husserl em sua análise do mundo da vida (Lebenswelt). A ética pode ser vista, ao mesmo tempo, como a correlação entre a unidade de um mundo e a pluralidade dos muitos mundos culturais e pessoais possíveis. RACIONALIDADE, LIBERDADE E AUTONOMIA29 A crítica pela crítica é uma atitude estéril. Acreditar que as mudanças ocorrem pelo andar natural da casualidade e dos movimentos contínuos do destino proporciona uma derrota para aqueles que acreditam ser o determinismo concepção falida. Os pressupostos da crítica, dessa forma, não podem significar ações infundadas, sem o uso da razão condutora. Evidente que todo interesse por gerar mudanças está amparado por um sentir emocional, o que não significa ofuscar o uso racional das argumentações. DAMÁSIO (2000) afirma que os aspectos emocionais são elementos fundamentais na elaboração da razão. Criticar, antes de tudo, é refletir sobre a prática da própria crítica. Elaborar argumentos críticos não deve ser estagnado por interesses particulares e dogmáticos, uma vez que está na natureza intrínseca da crítica, na sua essência, a fuga de qualquer forma de dogmatização, a fuga por qualquer forma totalitária de pensamento e concepção teórica explicativa para o todo. Essa mesma ideia é defendida, com muita propriedade, por HORKHEIMER (1991). No seu ensaio “Teoria Tradicional e Teoria Crítica” é possível verificar a repulsa pela tentativa do Positivismo de se impor como modelo de explicação para todas as ciências. Segundo Horkheimer, quando uma linha epistemológica tenta dominar uma ciência, o que está em jogo, na realidade, é a permanência da heterogeneidade do pensamento e, consequentemente, da livre iniciativa da crítica. Essas colocações iniciais têm como objetivo questionaras atuais estruturas da disseminação do conhecimento, consolidando um novo período da história com nova faceta da sociedade, menos heterogênea e mais pragmática. Na atualidade, muito em consequência da expansão da racionalidade instrumental, as relações humanas e sociais firmaram-se de forma utilitarista. Essa prática é devida, em parte, ao advento de uma ideologia capitalista mediada por interesses específicos, tornando os indivíduos reificados por um sistema, que tende fazer do homem mero instrumento, destituindo-o da capacidade crítica. Não é raro, portanto, encontrar pessoas inseridas no bolsão de opiniões maçantes e repetitivas, chegando ao exagero de se tornarem clichês sociais. ADORNO e HORKHEIMER (1985), com sua crítica à Indústria Cultural, responsabilizam, em parte, a mídia por disseminar a ideologia dominante. Assim, as informações propagadas são formas de controles sociais agravadas pela máscara de uma “pseudocrítica”, ou seja, o debate de ideias, em última instância, não propicia mudanças qualitativas e quantitativas para a coletividade. Portanto, a própria crítica está envolvida pelos controles sociais instituídos, de tal modo que suas possibilidades de fuga restringem-se ao que é permitido. O que está perdido, nessa situação, não é a liberdade; mas sim, a autonomia do indivíduo, que apesar de absorver ideias e pensamentos, transpõe ideias “prontas”, cuja aparência crítica oculta produtos elaborados e prontos para serem consumidos sem o devido questionamento do conteúdo a ingerir. Cultiva o fetiche pela embalagem e a despreocupação real com o conteúdo. A autonomia, ao contrário da liberdade, requer o esforço do questionamento das práticas ocorrentes, pelo uso da razão. Quando se aceita uma ideia, já se realiza o exercício da liberdade; contudo, para o exercício da autonomia o esforço é maior, requer a capacidade de questionar e avaliar criticamente o porquê de se aceitar tal ideia. Somente por meio de análises reflexivas pode-se libertar as ideias de uma prática subordinativa e dogmática. Nas palavras de HORKHEIMER (2000, p.31) encontra-se semelhante pensamento: “A verdade e as ideias foram radicalmente funcionalizadas e a linguagem é considerada 29 MENEGHETTI, K. FRANCIS. Liberdade ou autonomia: Reflexões críticas sobre as organizações. EnANPAD. http://www.anpad.org.br/admin/pdf/EOR- C1430.pdf 8. Ética e liberdade 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 33 como um mero instrumento, seja para a estocagem e a comunicação dos elementos intelectuais da produção, seja para a orientação das massas”. Assim, a crítica é a prática da autonomia, respeitando-se a ética coletiva sem, contudo, ofuscar a ética individual. Essa conciliação do nível individual com o coletivo guia e alicerça o pensamento crítico e sua execução transpõe qualquer forma de totalização de pensamento e uniformização de ideias. Da liberdade à Autonomia: Transformando as Relações Para falar sobre a autonomia com propriedade, antes é necessário falar sobre a práxis. Entendida a práxis como a transformação da realidade feita pela consciência formada por um indivíduo ou por uma sociedade, sua função essencial nesse processo de mudança somente se efetiva, quando as relações materiais permitem tal feito. A autonomia, quando se refere às relações de trabalho ou às relações organizacionais, não é a utilização incondicional da liberdade individual. Sua limitação está sujeita às determinações materiais das relações sociais. A práxis criadora (VÁZQUEZ, 1977, p. 247-253) não é um movimento disforme das alterações materiais, apesar de os analistas nem sempre entenderem dessa forma. Os processos de formação da consciência dos indivíduos são construídos pelas alterações efetuadas pelas relações de produção. Assim, um operário, que sente os efeitos da reestruturação produtiva do seu setor, se vê objeto das modificações materiais, seja por meio de sua exclusão ou pela necessidade de nova qualificação para se adaptar às novas condições de produção. Nesse simples exemplo, é possível perceber que, quando submetido a tais modificações das relações de produção, o indivíduo isolado perde seu poder de reivindicação frente às novas realidades materiais. A autonomia, nesse caso, se dá pelo poder coletivo. Do indivíduo ao coletivo, a autonomia percorre caminhos que lutam contra o individualismo apresentado como valor moral do atual modelo econômico. Não só a autonomia passa a ser uma condição material de existência, mas, também, os valores morais e o imaginário dela provenientes. Substituição da coletividade pelo individualismo e do colaboracionismo pelo particularismo são alguns dos exemplos de ações em que a autonomia perdeu espaço para uma ideologia que nos transforma em sociedade de produtores e consumidores, caminhando em velocidade cada vez maior na direção do engessamento social. Na autonomia, os indivíduos, quando articulados em grupos democraticamente formados, não são meros coadjuvantes do processo de decisão. Sua ação é voltada para a participação efetiva, sem cair nos discursos do falso participacionismo. Os indivíduos têm um papel ativo e significativo na formação da consciência social (na cultura, na educação, na política, enfim, na vida pública) e são responsáveis por realizar concretamente as transformações sociais, tornando-se cientes desse processo histórico. Essas afirmações não deixam de ser, até certo ponto, idealistas, uma vez que a cooperação integral da sociedade é uma utopia. Todavia, uma sociedade mais participativa e cônscia da sua história é perfeitamente possível e, para que isso ocorra, pelo viés da perspectiva materialista, é necessária nova configuração das condições materiais de existência e das relações de produção. Conforme Marx afirma, não é a consciência que transforma a realidade material, mas, sim, é esta que favorece a formação da consciência individual e coletiva, logo, a liberdade é limitada pela própria materialidade do mundo. As limitações biológicas e psíquicas levam à suposição do que seria a liberdade incondicional, embora a realidade possível seja condizente com as transformações possíveis em uma consciência coletiva. Nesse sentido é que as transformações são possíveis sem, contudo, cair no discurso infundado da liberdade irrestrita. As transformações de uma sociedade que “progride” não se dão ao acaso ou por simples voluntarismo dos seus agentes. As determinações surgem em uma realidade já concreta, mas interagem constantemente com a natureza (incluindo os indivíduos). Assim, é possível falar de autonomia individual e coletiva, entretanto, não é possível subjugá-la como sinônimo de liberdade total. As determinações das determinações são fundamentais para entender a limitação das ações humanas. Outro fator diz respeito à interação da realidade concreta com a vontade humana. Ambas são transformadas pela consciência formada na práxis, que se qualifica, em muitos momentos, como reprodução da realidade, mas que não deixa de ter sua dimensão voltada para as transformações sociais. Questões 01. (CISLIPA – Assistente Administrativo – FAFIPA) A dignidade, o decoro, o zelo, a eficácia e a consciência dos princípios morais são primados maiores que devem nortear o servidor público, seja no exercício do cargo ou função, ou fora dele, já que refletirá o exercício da vocação do próprio poder estatal. Seus atos, comportamentos e atitudes serão direcionados para a preservação da honra e da tradição dos 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 34 serviços públicos. Desta forma, a respeito da ética na Administração Pública, assinale a alternativa CORRETA: (A) A moralidade da Administração Pública não se limita à distinção entre o bem e o mal, devendo ser acrescida da ideia de que o fim é sempre o bem comum. (B) Não é vedado ao servidor público ser, em função de seu espírito de solidariedade, conivente com erro ou infraçãoa este Código de Ética ou ao Código de Ética de sua profissão. (C) Apenas e exclusivamente nos órgãos da Administração Pública Federal Direita é que deverá ser criada uma Comissão de Ética, encarregada de orientar e aconselhar sobre a ética profissional do servidor, no tratamento com as pessoas e com o patrimônio público, competindo-lhe conhecer concretamente de imputação ou de procedimento susceptível de censura. (D) É vedado ao servidor público comunicar imediatamente a seus superiores todo e qualquer ato ou fato contrário ao interesse público, devendo primeiro o servidor público efetuar diligências, a fim de arrecadar provas sobre o ato ou fato que sobre seu entendimento é contrário ao interesse público. 02. (TJ/DFT – Todos os cargos – CESPE) Julgue o item subsequente, relativo à ética no serviço público. A qualidade dos serviços públicos depende fortemente da moralidade administrativa e do profissionalismo de servidores públicos. (....) Certo (....) Errado 03. (Colégio Pedro II – Auxiliar de Biblioteca – Acesso Público) Rodrigo tem em mente que o elemento ético no exercício do cargo público é fundamental para o bom andamento do serviço. Seu atos, comportamentos e atitudes deverão ser sempre direcionados para a preservação da honra e tradição dos serviços públicos. Diante dos fatos assinale a alternativa errada: (A) Não é vedado ao servidor público usar informações privilegiadas obtidas no âmbito interno de seu serviço, em benefício próprio. (B) Rodrigo tem o dever de tratar cuidadosamente os usuários dos serviços públicos. (C) É dever do servidor público o cumprimento de ordens superiores, desde que a ordem não seja manifestamente ilegal. (D) É vedado ao Rodrigo o uso do cargo para obter qualquer favorecimento, para si ou para outrem. (E) A assiduidade e frequência do servidor público em seu ambiente de trabalho, além de ser um dever, reflete positivamente em todo o sistema. 04. (MPOG – Atividade Técnica – FUNCAB) A ética pode ser definida como: (A) um conjunto de valores genéticos que são passados de geração em geração. (B) um princípio fundamental para que o ser humano possa viver em família. (C) a parte da filosofia que estuda a moral, isto é, responsável pela investigação dos princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano em sociedade. (D) um comportamento profissional a ser observado apenas no ambiente de trabalho. (E) a boa vontade no comportamento do servidor público em quaisquer situações e em qualquer tempo de seu cotidiano. 05. (MPE/SC – Motorista – FEPESE) Assinale a alternativa correta em relação à ética no serviço público. (A) Em razão do interesse público indireto, os atos administrativos não precisam ser publicados. (B) O conceito de moralidade da Administração Pública é restrito aos procedimentos internos praticados pelos servidores. (C) O servidor poderá omitir ou falsear a verdade, quando necessário aos interesses da Administração Pública. (D) O desempenho da função pública não demanda profissionalismo, uma vez que tal princípio é inerente à iniciativa privada que busca lucros e resultados (E) A moralidade administrativa se integra ao Direito como elemento indissociável dos atos praticados pela administração pública, e, como consequência, atua como fator de legalidade. 06. (ANATEL – Analista Administrativo – CESPE) Com relação ao comportamento profissional do servidor previsto no Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, julgue o item subsequente. É vedado ao servidor público manter-se habitualmente embriagado, ainda que fora do serviço. (....) Certo (....) Errado 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 35 07. (Prefeitura de Canavieira/PI – Auxiliar em Serviços Gerais – IMA) Conjunto de atitudes e valores positivos aplicados no ambiente de trabalho, sendo de fundamental importância para o bom funcionamento das atividades da empresa e das relações de trabalho entre os funcionários. São normas que formam a consciência do profissional e representam imperativos de sua conduta. O conceito refere- se à definição de: (A) Comportamento no local de trabalho. (B) Relações Humanas. (C) Relações Interpessoais. (D) Ética Profissional. 08. (FMSFI – Assistente Administrativo – FAUEL) A ética é indispensável ao profissional e é o primeiro passo para aproximar-se do comportamento correto. Assinale a alternativa que contém atitudes que NÃO devem ser cultivadas pelo funcionário em um ambiente de trabalho: (A) ser capaz de cultivar valores como: justiça, tolerância, solidariedade e atitudes positivas. (B) ser intolerante, manter-se isolado do grupo, não cumprimentar as pessoas que não conhece. (C) saber ouvir e conversar educadamente. (D) respeitar e tratar bem a todos. 09. (Prefeitura de Nova Friburgo/RJ - Inspetor de Alunos - EXATUS-PR) Qual o significado de Cidadania? (A) cidadania significa a atitude e o comportamento do indivíduo na sociedade. (B) cidadania significa somente que o indivíduo tem direito a um trabalho garantido. (C) cidadania significa o conjunto de direitos e deveres pelo qual o cidadão, o indivíduo se relaciona com a sociedade em que vive. O termo cidadania vem do latim, “civitas" que quer dizer “cidade". (D) falar que uma pessoa é cidadã é o mesmo que dizer que ela pode ter lazer nos finais de semana. Gabarito 01.A / 02.Certo / 03.A / 04.C / 05.E / 06.Certo / 07.D / 08.B / 09.C Comentários 01. Resposta: A. A) MAZZA (2014) — Conteúdo jurídico da moralidade administrativa O Texto Constitucional de 1988, em pelo menos três oportunidades, impõe aos agentes públicos o dever de observância da moralidade administrativa. Primeiro no art. 5º, LXXIII, autorizando a propositura de ação popular contra ato lesivo à moralidade administrativa: “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”. Além disso, o art. 37, caput, elenca a moralidade como princípio fundamental aplicável à Administração Pública: “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. E ainda o art. 85, V, que define como crime de responsabilidade do Presidente da República os atos que atentarem contra a “probidade na administração”. Com isso, pode-se constatar que a moralidade administrativa constitui requisito de validade do ato administrativo. É importante ressaltar que, quando a Constituição de 1988 definiu a moralidade como padrão de comportamento a ser observado pelos agentes públicos, não houve juridicização de todas as regras morais vigentes na sociedade. Fosse assim, bastaria a legalidade. Cumprindo a lei automaticamente, a moralidade seria atendida. A moralidade administrativa difere da moral comum. O princípio jurídico da moralidade administrativa não impõe o dever de atendimento à moral comum vigente na sociedade, mas exige respeito a padrões éticos, de boa-fé, decoro, lealdade, honestidade e probidade incorporados pela prática diária ao conceito de boa administração. Certas formas de ação e modos de tratar com a coisa pública, ainda que não impostos diretamente pela lei, passam a fazer parte dos comportamentos socialmente esperados de um 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 36 bom administrador público, incorporando-se gradativamente ao conjunto de condutas que o Direito torna exigíveis. 02. Resposta: Certo. A presente questão é extremamenteintuitiva, de modo que não apresenta maiores dúvidas, a meu sentir. De fato, parece bastante difícil imaginar que um serviço público possa ser prestado com qualidade, mas de forma imoral. São ideias que não têm como ser conciliadas. Ora, é evidente que todo e qualquer serviço público que não observe a moralidade administrativa não terá como ser, ao mesmo tempo, um serviço de qualidade. Haverá, em suma, espaço para desonestidades, condutas antiéticas, corrupção, privilégios odiosos, perseguições indevidas, etc. Neste cenário desalentador, há condições de, ainda assim, ser prestado um serviço público de qualidade? É óbvio que não. O mesmo pode se dizer em relação ao requisito do profissionalismo, exigido dos servidores públicos, o que, aliás, consta de forma expressa do Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, aprovado pelo Decreto 1.171/94, verbis: " VI - A função pública deve ser tida como exercício profissional e, portanto, se integra na vida particular de cada servidor público. Assim, os fatos e atos verificados na conduta do dia-a-dia em sua vida privada poderão acrescer ou diminuir o seu bom conceito na vida funcional." Inteiramente correta, portanto, apresente assertiva.30 03. Resposta: A. DECRETO Nº 1.171, DE 22 DE JUNHO DE 1994 Seção III Das Vedações ao Servidor Público XV - E vedado ao servidor público; m) fazer uso de informações privilegiadas obtidas no âmbito interno de seu serviço, em benefício próprio, de parentes, de amigos ou de terceiros. 04. Resposta: C. A ética é a parte da filosofia que estuda a moral, (filosofia moral ou de costumes), reflete sobre os valores em sociedade na busca da moralidade e consciência para alcançar esses valores morais, porém a ética inicialmente não estabelece regras. A ética, portanto, é um termo grego “ETHIKÓS” que significa “modo de ser”, que em aspectos filosóficos traduz-se o estudo dos juízos na conduta do ser, que é passível do bem e o mal, presente neste único ser ou em grupo e/ ou sociedade. Está presente em todas as ordens vigentes no mundo, na escola, na política, no esporte, nas empresas e é de vital importância nas profissões, principalmente nos dias atuais. Fonte: http://www.acervosaber.com.br/trabalhos/chs1/etica_2.php. 05. Resposta: E. e) A moralidade administrativa se integra ao Direito como elemento indissociável dos atos praticados pela administração pública, e, como consequência, atua como fator de legalidade. 06. Resposta: Certo. DECRETO Nº 1.171, DE 22 DE JUNHO DE 1994 Seção III Das Vedações ao Servidor Público XV - E vedado ao servidor público; n) apresentar-se embriagado no serviço ou fora dele habitualmente. 07. Resposta: D. Ética profissional é o conjunto de normas éticas que formam a consciência do profissional e representam imperativos de sua conduta. Ética é uma palavra de origem grega (éthos), que significa “propriedade do caráter”. Ser ético é agir dentro dos padrões convencionais, é proceder bem, é não prejudicar o próximo. Ser ético é cumprir os valores estabelecidos pela sociedade em que se vive. O indivíduo que tem ética profissional cumpre com todas as atividades de sua profissão, seguindo os princípios determinados pela sociedade e pelo seu grupo de trabalho. 30 Autor: Rafael Pereira, Juiz Federal - TRF da 2ª Região. 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO 37 Cada profissão tem o seu próprio código de ética, que pode variar ligeiramente, graças a diferentes áreas de atuação. No entanto, há elementos da ética profissional que são universais e por isso aplicáveis a qualquer atividade profissional, como a honestidade, responsabilidade, competência e etc. 08. Resposta: B. Atitudes que devem ser cultivadas pelo funcionário em um ambiente de trabalho: Humildade: Esteja pronto para ouvir sugestões, elogios e críticas. Você pode aprender muito com seus colegas de trabalho. Portanto, seja flexível às opiniões. Honestidade: Ninguém perde por ser honesto. Aliás, a honestidade traz dignidade. Esta é a hora de mostrar seu caráter e ser um profissional ético. Privacidade: Dentro das organizações, existem assuntos sigilosos e que devem ser tratados de forma discreta. Seja algo de clientes ou colegas de trabalho, o seu dever é manter segredo e não expor informações que são exclusividades da empresa. Respeito: Seja com o chefe ou com o subordinado, você deve ser respeitoso com os colegas de trabalho. Evite falar mal daqueles que te incomodam, isso não irá te acrescentar nada e poderá prejudicar sua imagem dentro da empresa. 09. Resposta: C. Diante dos ensinamentos esculpidos pela doutrina cidadania significa o conjunto de direitos e deveres pelo qual o cidadão, o indivíduo se relaciona com a sociedade em que vive. O termo cidadania vem do latim, “civitas" que quer dizer “cidade". 1661980 E-book gerado especialmente para ALESSANDRA LIMA MARCELINO