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ASSÉDIO MORAL, SEXUAL E VIOLÊNCIA DE GÊNERO: AS FACES DO PODER MALÉVOLO NAS ORGANIZAÇÕES. MORAL, SEXUAL HARASSMENT AND GENDER VIOLENCE: THE FACES OF MALEVOLOUS POWER IN ORGANIZATIONS. Bruna Istefany Novaes Rocha1 Valquíria de Araújo Zetóle2 RESUMO: O presente artigo trata sobre o assédio moral, sexual, e a violência de gênero nas organizações. Tem por objetivo apresentar como essas condutas se manifestam perante a sociedade, e como as organizações políticas devem atuar para promover a eficácia das leis vigentes que asseguram as mulheres igualdade de gênero. Metodologicamente, utilizou-se a pesquisa bibliográfica mediante pesquisa em artigos, jurisprudência e livros para fundamentação do estudo. Ao final verificou- se que a melhor medida a ser tomada pelas organizações governamentais não se limitam na punição, mas também na implementação de políticas públicas de prevenção e conscientização, visando descontruir uma cultura enraizada na sociedade em que o homem é colocado em posição superior e que as mulheres devem se submeter hierarquicamente. Ademais, a regulamentação da participação política das mulheres é uma forma de combater essa violência e garantir uma democracia mais representativa e igualitária. PALAVRAS-CHAVE: Assédio moral; Assédio sexual; Violência de gênero; Abuso de poder. ABSTRACT: This article deals with moral and sexual harassment and gender-based violence in organizations. It aims to present how these behaviors manifest themselves in society, and how political organizations should act to promote the effectiveness of current laws that guarantee gender equality for women. Methodologically, bibliographical research was used through research in articles, 1 Acadêmicas do curso de Direito do Centro Universitário (UNIFG) da rede Ânima Educação. E-mail: brunaistefany0569@gmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito do Centro Universitário (UNIFG) da rede Ânima Educação. 2023. Orientador: Prof.ª Ma. Fernanda Beatriz Nascimento Silva Xará. 2 Acadêmica do curso de Direito do Centro Universitário (UNIFG) da rede Ânima Educação. E-mail: valquiriazetole07@hotmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito do Centro Universitário (UNIFG) da rede Ânima Educação. 2023. Orientador: Prof.ª Ma. Fernanda Beatriz Nascimento Silva Xará. mailto:valquiriazetole07@hotmail.com. 2 case law and books to support the study. In the end, it was found that the best measure to be taken by government bodies is not limited to punishment, but also to the implementation of public prevention and awareness policies, aiming to deconstruct a culture rooted in society in which men are placed in a situation superior position and that women must submit hierarchically. Furthermore, regulating women's political participation is a way to combat this violence and guarantee a more representative and egalitarian democracy. KEYWORDS: Moral harassment; Sexual harassment; Gender-based violence; Power abuse. 1 INTRODUÇÃO O presente estudo tem por objetivo discutir acerca do assédio moral, sexual, e a violência de gênero nas organizações. Inicialmente cumpre destacar que a violência de gênero é originada na hierarquia e disparidade entre os gêneros masculino e feminino. Sua existência não é meramente atribuível ao agressor, mas também decorre da cultura equivocada de autoridade masculina e submissão da mulher (TELES, 2012). Nesse contexto, a fim de compreender a temática proposta, foi necessário apresentar o conceito de violência de gênero, as suas formas de manifestações perante a sociedade, que mesmo após anos de luta a fim de diminuir a discrepância entre os gêneros, é notório a forma como a classe feminina ainda é, muitas vezes, tratada com inferioridade (KEYNES, 2010). A cada dia que passa, percebe-se que as mulheres vêm demonstrando exemplos de disciplina, desempenho e coragem para exercer atividades que antes eram exclusivas do público masculino. Entretanto, as grandes organizações, em sua maioria lideradas por homens não conseguem reconhecer tais habilidades (KEYNES, 2010). Tendo em vista que a sociedade atual, em que pese todos os avanços adquiridos em prol da igualdade de gêneros, o qual encontra guarida na própria Carta Magna, ainda reflete condutas discriminatórias e desiguais (BRASIL, 2006). Submetendo inúmeras mulheres a constrangimentos e abusos das mais diversas modalidades, que podem ser agressões físicas, violência psicológica, moral ou até mesmo patrimonial, de acordo com a legislação pátria (BRASIL, 2006). 3 O papel da sociedade para que ocorra um tratamento igualitário, tal como, o reconhecimento e respeito, influência nas decisões e autonomia da vida feminina, vez que, as mulheres estão cada vez mais aptas a desempenhar diversas atividades com maestria, podendo desenvolver intervenções e ideias para crescimento próprio e da equipe a qual estiver vinculada (VIGANO; LAFFIN, 2019). Deste modo, entre as medidas a serem tomadas para diminuir as desigualdades, citemos as políticas públicas, que desempenham uma função essencial no caminho contra a violência de gênero no Brasil (VIGANO; LAFFIN, 2019). Os diversos tipos de assédio são praticados, em sua grande maioria, por pessoas próximas a vítima, como colegas de trabalho, a exemplo, os colaboradores de uma organização; e, ainda, aquelas pessoas a qual a vítima tem uma estima de amizade e até os próprios familiares (TELES, 2012). O assédio sexual contra mulheres e a dificuldade de sua inclusão em postos de comando são situações veementemente corriqueiras. Com isso, devemos considerar e observar que essa ação é muito comum, principalmente no local de trabalho e o quanto isso afeta a autonomia do desempenho profissional (SANCHES, FRACHONE, 2019). Nessa perspectiva, entende-se como legítima a necessidade de serem inseridas dentro das organizações ações afirmativas para promover direitos fundamentais estabelecidos legalmente, tanto na Constituição Federal, quanto na legislação infra para prevenir e combater a violência de gênero (VIGANO; LAFFIN, 2019). Sendo assim, o presente estudo, portanto, possui relevância social e jurídica, pois a partir dele, serão apresentados os entendimentos de decisões jurisprudenciais, bem como da literatura, que apresentam possíveis soluções para o combate e prevenção da violência de gênero, com a garantia dos demais direitos fundamentais regulamente previstos, para promoção de uma sociedade mais justa e igualitária. 2 BREVE HISTÓRICO SOBRE VIOLÊNCIA DE GÊNERO A trajetória histórica da violência de gênero é marcada por uma evolução complexa, refletindo mudanças sociais, culturais e jurídicas ao longo do tempo. Antes do advento da Lei n° 11.340 de 2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, a violência contra as mulheres era frequentemente minimizada e, em muitos 4 casos, aceita como parte da ordem social estabelecida (SILVA; COELHO; CAPONI, 2007). Tanto é verdade que na própria legislação pátria, ao tipificar algumas condutas delituosas, mesmo que essas condutas eram ilícitas, faziam parte do título denominado como Crimes Contra os Costumes (BRASIL, 1940). Entretanto, antes de adentrar nos marcos históricos da legislação pátria, se faz necessário apontarmos alguns diferentes momentos da história, em que as mulheres desempenharam um papel importante na luta pelo reconhecimento de direitos. Os primeiros registros de movimentos e ações feministas brasileiras no século XIX. Foi a partir desse período que as mulheres começaram a ter alguma consciência de que seus papéis sociais não deveriam se limitar à vida familiar e aos cuidados familiares. De acordo com Jesus e Furtado (2016) a rápida mudança estabeleceu um novo padrão de comportamento, neste caso, a lutadas mulheres por direitos iguais teve grandes significados. Seu papel na sociedade entre o século XIX até a virada do século XX, foi caracterizado por uma difícil combinação de mudança e persistência de valores antigos e tradicionais, que as consideram secundários em relação aos homens. A mudança mais significativa durante este período, nas cidades mais populosas, as mulheres começam a sair para as ruas e não ocupam mais seu tempo apenas no espaço limitado em casa (JESUS; FURTADO, 2016). As principais conquistas do movimento feministas de acordo com a Mestre em Ciências Jurídico-Políticas, Tié Lenzi (2019) foram: 1910: criação do Dia Internacional de Luta das Mulheres, lembrado no dia 8 de março de cada ano; 1932: a luta pela igualdade das mulheres foi a conquista do direito ao voto; 1951: a Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicou a Convenção nº 100 que determinou a obrigatoriedade de igualdade salarial entre homens e mulheres 1953: publicação da Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher; 1962: o Código Civil retirou artigos que submetiam as mulheres casadas à autorização do marido para trabalhar fora de casa ou para viajar. Foi a partir da década de 60 que houveram grandes mudanças no Brasil com o surgimento da pílula anticoncepcional, a abertura da primeira delegacia especializada às mulheres em 1985 e a criação da Lei Maria da Penha em 2006. Contextualizando a violência de gênero, os estudos de Cavalcanti e Oliveira (2017, p. 196) aduzem que: 5 “Segundo Fontana e Santos (2001), a violência contra a mulher encontra justificativa em normas sociais baseadas nas relações de gênero, ou seja, em regras que reforçam uma valorização diferenciada para os papéis masculinos e femininos. Desta forma, a violência de gênero se caracteriza pela recorrência e pela naturalização, fato este que dificulta a denúncia do agressor. Sagot (2007) afirma que no interior da família as desigualdades produzidas por gênero são mais evidentes e constituem as principais determinantes das relações violentas contra a mulher. Saffioti (2004) afirma que a adoção da categoria de gênero implicou no reconhecimento de que as diferenças sexuais, mais do que biologicamente determinadas, são socialmente definidas, estando sujeitas a variações culturais na determinação dos papéis sociais de homens e mulheres. De acordo com Grossi (1998) no Brasil, o termo gênero começou a ser utilizado no final dos anos 70 e rapidamente difundiu-se devido os movimentos feministas contra homicídios de mulheres e impunidade dos agressores, em geral, por seus próprios companheiros em nome da defesa da honra. No início dos anos 80 esses movimentos se estenderam para a denúncia de agressões e maus tratos conjugais. Com isso o termo passou a ser usado como sinônimo de violência doméstica em função da maior incidência deste tipo de violência ocorrer no espaço doméstico e/ou familiar. Com o desenvolvimento dos estudos de gênero, a partir de 1990, alguns estudiosos passaram a utilizar o termo violência de gênero como um conceito mais amplo que violência contra a mulher. A violência de gênero não diz respeito apenas violência perpetrada pelo homem contra a mulher, mas também a violência praticada pela mulher contra o homem, a violência entre mulheres e a violência entre homens” A par disso, antes da década de 2000, as agressões físicas, verbais e psicológicas contra mulheres frequentemente ocorriam sem repercussões significativas. Havia uma cultura de silenciamento que perpetuava a impunidade dos agressores, dificultando que as vítimas denunciassem os abusos sofridos (SILVA; COELHO; CAPONI, 2007). As mulheres muitas vezes enfrentaram obstáculos ao buscar ajuda, encontrando respostas limitadas por parte das instituições jurídicas e sociais (SILVA; COELHO; CAPONI, 2007). A ausência de uma legislação específica para a proteção das mulheres permitia a continuidade do ciclo de violência, com poucos recursos disponíveis para o rompimento desse padrão. Neste sentido assevera a doutrina: “O Código Civil de 1916 dispunha que ao homem cabia o exercício do pátrio poder e que à mulher, ao tornar-se esposa, ficavam restritos diversos direitos civis, que dependiam da autorização do marido para serem por ela exercidos. A ausência, no Código Penal Brasileiro, da tipificação de estupro no interior do casamento e, por outro lado, a permanência da criminalização da mulher que comete aborto, são exemplificadores da faceta sexual deste pacto, que também controla os direitos reprodutivos da mulher” (SILVA; COELHO; CAPONI, 2007, p. 155.) O trecho mencionado, apresenta alguns dos modos em que a violência de gênero se exteriorizava no Brasil, sem que houvesse nenhum amparo legal, haja vista a cultura da sociedade da época (SILVA; COELHO; CAPONI, 2007). 6 A violência doméstica era frequentemente tratada como um assunto privado, relegada ao âmbito familiar, e as consequências para os agressores eram mínimas (SILVA; COELHO; CAPONI, 2007). Ao apresentar um estudo sobre o tema, Heleieth Saffioti (2015, p. 13) aduz: “Tomando-se apenas o ano de 2003, aqueles que vivem de salários sofreram uma perda real de cerca de 15% em seus rendimentos, ou seja, em seu poder aquisitivo. Este fato, num contexto de altas taxas de desemprego, que ultrapassa 20% da PEA (População Economicamente Ativa) do município de São Paulo, outrora a Meca dos habitantes de outras regiões, assume proporções insustentáveis. Se, de um lado, a taxa de desemprego é alta, de outro, um número decrescente de trabalhadores, com poder aquisitivo em queda, deve produzir o suficiente para sustentar aqueles que nem sequer no setor informal de trabalho conseguiram inserir-se. A rede familiar de solidariedade desempenha importante papel, evitando que cresçam, numa medida ainda mais cruel, os contingentes humanos sem teto, sem emprego, sem rendimento, isto é, em franco processo de desfiliação” A inserção da Lei Maria da Penha no ano de 2006 representou um marco transformador no cenário brasileiro. A lei, batizada em homenagem à farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que foi vítima de violência doméstica, trouxe consigo uma mudança paradigmática no enfrentamento à violência de gênero (TELES, 2012). Apesar do marco legislativo ocorrido em 2006, a Constituição Federal, que também é conhecida como Constituição Cidadã, já apresentava em seu texto alguns trechos que buscava proporcionar as mulheres igualdade, senão vejamos: “Após décadas de luta, as mulheres conseguiram ampliar sua cidadania por meio da Constituição da República de 1988, que garantiu a igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres (artigo 5°, inciso I), a proteção do mercado de trabalho da mulher (artigo 5°, inciso XX), a igualdade no exercício dos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal (artigo 226, § 5°) e a criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito familiar (artigo 226, § 8°). Mas o ponto de partida da luta contra a violência de gênero, tem que ser, sem dúvida, a mudança cultural na educação daqueles que serão as mulheres e os homens do amanhã. A proteção legal desacompanhada de mudança cultural não atingirá sua finalidade precípua, que é dar efetividade ao princípio da igualdade entre homens e mulheres. No mesmo sentido é a ementa da Lei n° 11.340/2006, que afirma como sua finalidade criar “[...] mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8° do art. 226 da Constituição da Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a Violência contra a Mulher [...]. Para que o fato seja abrangido pela Lei 11.340/06, é necessário que a violência seja cometida no âmbito doméstico, familiar ou nas relações íntimas de afeto, nos termos do disposto no artigo 5º. Guilherme deSouza Nucci2 ensina que unidade doméstica é “o local onde há o convívio permanente de pessoas, em típico ambiente familiar, vale dizer, como se família fosse, embora não haja necessidade de existência de vínculo familiar, natural ou civil.” Assim, a empregada doméstica pode ser vítima de violência doméstica, assim como a filha de criação e as mulheres 7 que vivem relações homoafetivas. Também a relação de namoro ou de noivado, sem a coabitação, é tutelada pela Lei 11.340/06, que exige apenas relação íntima de afeto.” (TELES, 2012, p. 112) A legislação não apenas definia e tipificou formas de violência, mas também transmitiu medidas efetivas de prevenção e proteção para os agressores (TELES, 2012). No entanto, mesmo com os avanços proporcionados pela Lei Maria da Penha, os desafios persistem. A efetividade da lei depende não apenas da sua existência, mas também da aplicação consistente e da conscientização contínua da sociedade (SILVA; COELHO; CAPONI, 2007). A cultura machista, que por anos normalizou a violência contra as mulheres, exige uma transformação profunda para que as mulheres se sintam seguras ao denunciar abusos e para que haja uma mudança estrutural na percepção da violência de gênero (TELES, 2012). A Lei Maria da Penha representa um divisor de águas no enfrentamento à violência de gênero no Brasil. Antes de sua promulgação, as mulheres enfrentaram barreiras significativas na busca por justiça e proteção (TELES, 2012). Com a legislação, houve avanços significativos, mas é essencial continuar o trabalho de conscientização e educação, criando uma sociedade onde a igualdade de gênero seja uma realidade, e a violência de gênero seja repudiada de maneira unânime (TELES, 2012). 3 ASPECTOS GERAIS DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO Conforme foi trazido no tópico anterior, a questão da violência de gênero é um problema complexo que transpassa as sociedades em todo o mundo. Esta influência transcende fronteiras geográficas, culturais e socioeconômicas, afetando pessoas de todas as idades, classes sociais e origens étnicas (TELES, 2012). Para compreendermos os aspectos gerais da violência de gênero, é fundamental analisarmos as múltiplas facetas desses comportamentos e suas raízes profundas na estrutura social. De acordo com os estudos de Teles (2012, p. 121): “A violência contra a mulher não atinge só sua dignidade, mas a de toda família, violando ainda, o direito ao ambiente familiar saudável que deve ser garantido à criança e ao adolescente. Nem se diga que a intervenção do Estado pode causar maior prejuízo à vítima, que não terá seu lar restaurado. As estatísticas mostram que após a retratação da representação, há, rotineiramente, a reincidência do agressor. Não há, pois, nenhuma restauração de lar, mas sim a perpetuidade da agressão e da violação da dignidade da mulher. A meu entender, a mulher vítima de violência doméstica 8 não possui capacidade de decidir com isenção sobre o prosseguimento da ação penal ou não. Como decidir sob tanta pressão? Pressão advinda da confusão de sentimentos; da vergonha; dos filhos; da situação financeira; dos sogros e demais familiares do agressor; da própria família; enfim, exigir a manutenção da representação é exigir ato heroico da mulher vítima de violência doméstica. A mudança comportamental e até mesmo cultural da sociedade só ocorrerá com a adoção de medidas firmes, que tutelem efetivamente a mulher, até mesmo quando esta, por estar privada da plena capacidade, não reconhecer a necessidade da tutela. O prosseguimento da ação penal, independentemente da vontade da vítima, com o passar do tempo e a efetividade das penas, vai incutir maior temor aos agressores, que tenderão a alterar seus comportamentos.” A priori, o conceito amplo de violência de gênero engloba qualquer ato que resulte ou possa resultar em dano físico, sexual, ou psicológico para indivíduos com base em normas socialmente construídas de gênero (CUNHA, 2014). Isso inclui, mas não se limita a, agressões físicas, abuso emocional, assédio sexual, discriminação no local de trabalho e a negação de direitos fundamentais com base no gênero (CUNHA, 2014). A raiz da violência de gênero, muitas vezes, está ligada às desigualdades estruturais entre homens e mulheres. Essas desigualdades são perpetuadas por normas culturais, estereótipos de gênero arraigados e sistemas que favorecem um sexo sobre o outro (CAVALCANTI; OLIVEIRA, 2017). A própria sociedade reforça o comportamento diferenciadas para homens e mulheres, o que, consequentemente, contribui para a criação de um ambiente propício à violência de gênero (CAVALCANTI; OLIVEIRA, 2017). Além disso, é importante considerar que a violência do gênero não é exclusivamente um problema individual, mas sim um reflexo de falhas em níveis mais amplos da sociedade. A falta de legislação aplicável, sistemas judiciais ineficientes e uma cultura de silenciamento muitas vezes perpetuam a impunidade dos agressores e perpetuam o ciclo da violência (LUDERMIR; SOUZA, 2022). Entre os aspectos observados que condicionam a violência de gênero, tem relação a separação, senão vejamos: Os processos de separação e partilha de bens relatados pelas participantes foram marcados, por um lado, por homens retendo ou subtraindo bens comuns, ora tirando proveito do desconhecimento legal das mulheres, ora adotando mecanismos para ocultar patrimônio e evitar que as mulheres reivindicassem a meação. Um exemplo claro foi relatado por uma participante cujo ex-parceiro forjou um documento de compra e venda da residência conjugal no nome do irmão para tentar dificultar qualquer pleito dela em relação à casa comprada e construída com recursos do casal durante a união estável. Por outro lado, além de as mulheres perderem sua cota legítima de propriedade quando desconheciam seus direitos ou quando não conseguiam 9 prová-los e reivindicá-los, outras tantas renunciaram a seus direitos para fugir da crescente violência e até mesmo para escapar de estereótipos de gênero. Na voz de uma das participantes, “eles [familiares do ex-parceiro] ficavam me chamando de interesseira, até que eu decidi que não queria nada que era deles”. Casos como esse revelam uma conexão importante entre violência psicológica e patrimonial, fazendo mulheres desacreditarem e questionarem os próprios direitos. Outras formas de violência patrimonial relatadas pelas participantes relacionavam-se à retenção ou à destruição de objetos como telefones celulares, roupas, objetos de valor sentimental, assim como de documentos civis, o que poderia dificultar que as mulheres prestassem queixa da violência sofrida ou dessem entrada em de pedidos de pensão. Documentos de propriedade também se tornavam elemento de ameaça, conforme relatou uma das participantes (LUDERMIR; SOUZA, 2022, p. 14). Neste estudo, os autores observaram que além do patriarcado que é um dos principais fatores que consolidam a violência de gênero, a separação e partilha de bens também contribui para continuidade desse tipo de conduta (LUDERMIR; SOUZA, 2022). A legislação pátria contra a violência de gênero evoluiu bastante no decorrer dos anos no Brasil, no entanto, mesmo diante dos avanços significativos, a erradicação completa da violência de gênero permanece um desafio complexo (TELES, 2012). É necessário um esforço contínuo de governos, organizações da sociedade civil e indivíduos para criar uma sociedade onde a igualdade de gênero seja a norma e a violência de gênero seja repudiada por todos (TELES, 2012). Deste modo, a compreensão dos aspectos gerais da violência de gênero requer uma abordagem integral que considere as origens sociais, culturais e estruturais dessas características (TELES, 2012). A promoção da igualdade de gênero, o combate aos estereótipos específicos e a implementação de medidas práticas são passos a serem seguidos para aconstrução de uma sociedade mais justa e segura para todos, independentemente do gênero (LUDERMIR; SOUZA, 2022). 4 TIPOS DE ABUSOS SOFRIDOS PELA MULHER EM RAZÃO DO GÊNERO Visando coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, a Lei Maria da Penha estabeleceu, de forma taxativa, quais tipos de violência que podem acometer as mulheres, são eles: Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; 10 II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; II - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria (BRASIL, 2006). O abuso físico, tipificado logo no inciso inicial, é uma das expressões mais visíveis e chocantes, envolvendo agressões que podem causar danos físicos graves ou até mesmo perda de vidas. No entanto, a violência não se restringe ao aspecto físico e se manifesta de maneiras mais sutis e insidiosas (ZANCAN; WASSERMANN; LIMA, 2013). A violência psicológica, por sua vez, é uma forma de violência que deixa cicatrizes profundas, muitas vezes invisíveis. Compostas por uma série de situações humilhantes, ameaças, controle excessivo e manipulação emocional, consideradas táticas utilizadas por agressores para minar a autoestima e a autonomia das mulheres, perpetuando um ciclo de submissão e dependência (ZANCAN; WASSERMANN; LIMA, 2013). O abuso sexual também é uma faceta alarmante da violência de gênero. Além das agressões físicas, muitas mulheres são vítimas de coerção sexual, estupro conjugal e outras formas de violência sexual que afetam não apenas o corpo, mas também a integridade psicológica das vítimas (ZANCAN; WASSERMANN; LIMA, 2013). No âmbito da Lei Maria da Penha, a violência patrimonial é reconhecida como mais uma forma de abuso. Muitas mulheres enfrentam o confisco de seus bens, o controle econômico e até mesmo a destruição de propriedades como uma forma de mantê-las em situação de vulnerabilidade, dificultando a ruptura do ciclo de violência (MENDES; DE FREITAS JÚNIOR, 2021). 11 Sobre essa modalidade de violência de gênero, Mendes. De Freitas Júnior (2021, p. 105) discorre: “Via de regra, o crime de dano só irá proceder mediante a queixa da vítima, sendo, portanto, ação penal privada. No caso acima, se possuir violência ou grave ameaça, com emprego de substância inflamável ou explosiva, a ação penal passa a ser a pública incondicionada. Desse modo, temos a conduta de reter bens, e até mesmo valores, dependendo da sua natureza típica do seu tipo penal correspondente, qual sendo a apropriação indébita, prevista no artigo 168 do Código Penal. Pode-se conceituar esta ação como a retenção de bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer as necessidades do cônjuge ou companheiro, sendo assim condutas criminosas. Pode-se dar o exemplo do cônjuge que recebe integralmente o valor do aluguel de um imóvel que pertence à sua esposa, o cônjuge ou companheiro alimentante, mesmo dispondo de recursos econômicos, acaba adotando subterfúgios para não pagar ou retardar pagamento de verba alimentar, retendo ou se apropriando de valores que pertencem à mulher. A forma patrimonial da violência doméstica, é encontrada no Código Penal, nas formas de crimes contra o patrimônio, como: furto, roubo, dano, dentre outros.” A Lei Maria da Penha não apenas criminaliza esses comportamentos abusivos, mas também estabelece mecanismos para proteger as vítimas e prevenir a reincidência (BRASIL, 2006). As medidas protetivas incluem o afastamento do agressor do lar, a exclusão de se aproximar da vítima e a garantia de acompanhamento psicossocial. Essas medidas visam criar um ambiente seguro para as mulheres reconstruírem suas vidas longas do ciclo de violência (BRASIL, 2006). Em grandes democracias, a doutrina ainda assevera: Lei Maria da Penha é reconhecida internacionalmente pela Organização das Nações Unidas como a terceira melhor lei do mundo no combate à violência doméstica, perdendo apenas para a Espanha e o Chile. A legislação Espanhola, em sua Lei Orgânica 1/2004 determina várias medidas de proteção contra a violência de gênero, como violência física e psicológica, incluídos neste rol a crimes contra a liberdade sexual, ameaças, coerção ou privação arbitrária de liberdade. A forma com que a Espanha tratou o tema é um modelo a ser seguido por todos. A mencionada Lei criou mecanismos de formação por meio do sistema de ensino integrado, tratando da questão no ensino fundamental, médio e até no ensino superior, com matérias que abordam sobre o respeito e igualdade entre homens e mulheres. Posto isso, pode-se afirmar que o modelo espanhol tratou do tema com maestria, não esperando acontecer a violência para poder fazer algo, como prender o agressor ou aplicar medidas protetivas, mas sim, educando seus cidadãos para que tal ato não aconteça. Em segundo lugar, o Chile aprovou em 2005 a “Ley de Violencia Intrafamiliar” nº 20.066, que posteriormente em 2010 sofreu alguns ajustes. Essa Lei, visa punir, sancionar e erradicar esse tipo de violência. Casos de violência doméstica são tratados pelos chamados juizados de família, assim as vítimas poderão receber medidas de proteção ou cautelares, dependendo do caso. Dentre as penas previstas, pode-se citar a compensação dos prejuízos patrimoniais causados pelo agressor e o comparecimento frequente à unidade policial (MENDES; DE FREITAS JÚNIOR, 2021, p. 109). 12 A efetividade da lei depende, em grande parte, da conscientização social, do fortalecimento das instituições de apoio e da desconstrução de padrões culturais que perpetuam a desigualdade de gênero. A educação é uma ferramenta fundamental para mudar mentalidades e construir uma sociedade onde a violência de gênero seja repudiada de maneira unânime (SANTANA, 2022). 5 TIPOS VIOLÊNCIA DE GÊNERO E DESIGUALDADE NAS ORGANIZAÇÕES A violência de gênero, longe de se restringir às manifestações explícitas, pode se manifestar em diversos aspectos do ambiente organizacional. A disparidade salarial entre gêneros, a sub-representação de mulheres em cargos de liderança e a escassez de oportunidades equitativas são elementos que, quando analisados em conjunto, evidenciam a presença de práticas discriminatórias (ARAÚJO, 2008). A perpetuação da violência de gênero ocorre nos complexos entrelaçamentos das categorias de gênero, classe e raça/etnia, manifestando-se como uma forma específicade violência global mediada pela estrutura patriarcal. Essa estrutura concede aos homens o direito de dominar e controlar as mulheres, muitas vezes recorrendo à violência (ARAÚJO, 2008). Sob essa perspectiva, a ordem patriarcal é reconhecida como um elemento preponderante na geração da violência de gênero, fundamentando as representações de gênero que legitimam a internalização das desigualdades e a dominação masculina tanto por homens quanto por mulheres (ARAÚJO, 2008). Bourdieu (1999) argumenta que a dominação masculina exerce uma "dominação simbólica" que permeia todos os aspectos da sociedade, influenciando corpos, mentes, discursos e práticas sociais e institucionais. Esta dominação, de acordo com Bourdieu, molda a percepção e a organização concreta e simbólica de toda a vida social. O entendimento teórico que conecta a opressão das mulheres ao sistema patriarcal foi, por muito tempo, uma ferramenta central nas análises feministas sobre a relação de dominação-submissão feminina (ARAÚJO, 2008). Contudo, nos estudos de gênero contemporâneos, essa abordagem é criticada por sua propensão à universalização. A dominação masculina não pode ser 13 considerada como uma característica estanque, reproduzindo-se de maneira uniforme. Existem variações na forma como o poder patriarcal se estabelece e legitima, assim como nas estratégias de resistência que as mulheres desenvolvem em contextos diversos (ARAÚJO, 2008). Ao explorar a complexidade da desigualdade de gênero nas organizações, torna-se imperativo considerar a influência de estereótipos e preconceitos arraigados na cultura corporativa (CAVALCANTI; OLIVEIRA, 2017). A desconstrução desses paradigmas exige uma compreensão profunda das origens históricas que moldaram as dinâmicas de poder dentro das organizações. Nesse contexto, o papel das políticas organizacionais também é fundamental, uma vez que podem inadvertidamente perpetuar ou desafiar práticas discriminatórias (CAVALCANTI; OLIVEIRA, 2017). Em relação à violência de gênero, Cavalcanti (2017, p. 199) ainda assevera que: “O direito fundamental à igualdade entre homens e mulheres pressupõe, inicialmente, que a dignidade da pessoa humana pertence tanto ao gênero masculino, como ao gênero feminino. Assim, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais, todos os seres humanos merecem igual respeito.” No contexto temporal que vivemos atualmente, esse direito fundamental de igualdade, ainda precisa defendido, pois, em pleno século XXI, com toda evolução social, a violência de gênero se manifesta. 6 O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES NA PREVENÇÃO E COMBATE Inicialmente, a análise do papel das organizações na prevenção e combate às diversas formas de assédio, violência de gênero e discriminação é de suma importância no contexto contemporâneo, tendo em vista a ocorrência nos diversos ambientes, até mesmo no trabalho, senão vejamos o que os autores explicam sobre o assédio moral: Apesar de em grande parte a literatura analisada apresentar alguns tipos de assédio moral, o presente trabalho buscará abordar pelo menos três (3) tipos dele: – o assédio descendente (praticado por um superior hierárquico contra um subordinado); o assédio horizontal (praticado entre pessoas de um mesmo nível ou grau hierárquico) e, caso haja relatos da existência, o assédio moral ascendente (quando o assédio é praticado pelos subordinados contra o seu superior hierárquico), no entanto, para um melhor conhecimento por parte do leitor, serão abordados os quatro tipos mais apresentados de assédio moral (BEZERRA DOS SANTOS; GOMES DE MOURA, 2023, p. 334). 14 Esta exposição indica que, em que pese o assédio moral ocorrer entre superiores hierárquico, ainda se subdivide em assédio descendente, entre colegas do mesmo nível hierárquico, e assédio horizontal nos casos em que os subordinados desempenham um papel ativo na prática do assédio em relação aos seus superiores (BEZERRA DOS SANTOS; GOMES DE MOURA, 2023). Para auxiliar na prevenção e combate aos diversos tipos de violência, as organizações, sejam elas no meio político, no trabalho, devem estabelecer políticas organizacionais claras que proíbam explicitamente o assédio, comunicando de forma eficaz a todos os colaboradores (BEZERRA DOS SANTOS; GOMES DE MOURA, 2023). Destaque-se que, a mudança comportamental e até mesmo cultural da sociedade depende da adoção de medidas firmes, que tutelem efetivamente a mulher, até mesmo quando esta, por estar privada da plena capacidade, não reconhecer a necessidade da tutela (TELES, 2012). Tais políticas devem estabelecer diretrizes explícitas contra assédio moral, sexual e qualquer forma de discriminação, além de definir protocolos para lidar com denúncias e casos concretos. A redação precisa e abrangente dessas políticas é fundamental para evitar ambiguidades e garantir uma compreensão clara por parte dos colaboradores (CAVALCANTI; OLIVEIRA, 2017). No que tange aos treinamentos, estratégias de conscientização e treinamento contínuo desempenham um papel fundamental. Os programas de capacitação devem abordar não apenas as definições legais de assédio e discriminação, mas também promover uma cultura de respeito e igualdade (BASTOS, 2011). Esses treinamentos devem ser adaptados às necessidades específicas da organização, considerando sua cultura, setor de atuação e particularidades do quadro de funcionários (BASTOS, 2011). A promoção de uma cultura organizacional que valoriza a diversidade e a inclusão é central para a prevenção de práticas nocivas. Líderes e gestores desempenham um papel fundamental nesse processo, pois servem como modelos de comportamento e têm a responsabilidade de criar um ambiente onde todos se sintam respeitados e representados (BASTOS, 2011). Iniciativas que buscam diversificar o quadro de liderança e garantir oportunidades equitativas indicadas para a construção de organizações mais justas e inclusivas (BASTOS, 2011). 15 A criação de canais de comunicação eficazes para denúncias é um aspecto crítico no combate ao assédio e à discriminação. Estes canais devem ser seguros, acessíveis e isentos de retaliação, proporcionando aos colaboradores um meio seguro para relatar incidentes. A pronta investigação e a aplicação de medidas corretivas adequadas, quando necessário, demonstram o comprometimento da organização em práticas de proteção (CAVALCANTI; OLIVEIRA, 2017). Além disso, as organizações podem se beneficiar de parcerias com especialistas externos, como consultores em diversidade e inclusão, para avaliar e aprimorar continuamente suas práticas e políticas. Essa abordagem externa oferece uma perspectiva imparcial e especializada, contribuindo para a eficácia das iniciativas internacionais (BARSTED, 2007). Nesse sentido: Desse modo, diante da violência contra mulher, as políticas públicas tornaram-se necessárias no sentido de respeitar a igualdade nas relações de gênero e consolidar a cidadania feminina, com ações que assegurem um espaço de denúncia, proteção e apoio à mulher vítima de violência. A atuação deve ser em conjunta para o enfrentamento, prevenção, combate, assistência e garantia de direitos do problema pelas diversas esferas envolvidas, como: saúde, educação, assistência social, segurança pública, cultura, justiça, para dar conta da complexidade da violência contra as mulheres (CAVALCANTI; OLIVEIRA, 2017, p. 203). A mensuração e avaliação periódica dos esforços empreendidos são essenciais para a eficácia das estratégias adotadas. A coleta de dados sobre denúncias, a análise de indicadores de diversidade e a realização de pesquisas de clima organizacional são meios valiosos para avaliar o progresso e identificar áreas de melhoria (CUNHA, 2014). O compromisso das organizações na prevenção e combate às práticas prejudiciais exige uma abordagem multifacetada, que engloba políticasrobustas, treinamentos práticos, uma cultura organizacional inclusiva e ações concretas diante de denúncias (BASTOS, 2011). As ações afirmativas, por sua vez, derivam de demandas apresentadas por movimentos sociais que instaram o Estado a enfrentar questões sociais prementes. Essas medidas específicas, estratégias que visam, por meio da promoção da inclusão social, priorizar o atendimento a grupos específicos e garantir direitos equitativos a comunidades que ao longo da história foram privadas de seus direitos, e deve ser utilizadas no combate e prevenção da violência de gênero por todas as organizações que buscam concretizar direitos fundamentais das mulheres (VIGANO; LAFFIN, 16 2019). Em outras palavras, essas políticas públicas sociais buscam efetivar a igualdade substancial ou material (VIGANO; LAFFIN, 2019). Ainda sobre as ações afirmativas, é de importante destacar: As ações afirmativas constituem em um tipo de um remédio de razoável eficácia para esses males, eliminando ou reduzindo as desigualdades sociais que operam em detrimento das minorias. Consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional, de compleição física e situação socioeconômica (adição nossa). Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, como também a discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade. De cunho pedagógico e não raramente impregnadas de um caráter de exemplaridade, têm como meta, também, o engendramento de transformações culturais e sociais relevantes, inculcando nos atores sociais a utilidade e a necessidade de observância dos princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano. As mulheres, como grupo social, foram historicamente destituídas de direitos e excluídas por aspectos vinculados ao gênero. Denominadas frequentemente como “sexo frágil”, proibidas de gerenciar suas vidas e seus corpos, as mulheres uniram-se por meio de movimentos sociais, a fim de fazer uma interlocução com o estado, buscando garantir os seus direitos, demonstrando que as discriminações e desigualdades nas relações de gênero constituem-se dentre várias nuances (VIGANO; LAFFIN, 2019, p. 08). Deste modo, a criação de ambientes de trabalho seguros e respeitosos não beneficia apenas os colaboradores individualmente, mas também fortalece a confiança e a sustentabilidade das organizações no longo prazo (CUNHA, 2014). CONSIDERAÇÕES FINAIS Em síntese, as considerações finais deste estudo ressaltam a complexidade e a urgência de abordar as questões relacionadas ao assédio moral, sexual e à violência de gênero nas organizações. Os resultados da análise revelaram não apenas a extensão dessas manifestações, mas também a necessidade de ações concretas por parte das organizações para prevenir e combater tais práticas. Fica evidente que a violência de gênero, ao entrelaçar-se com as dinâmicas de poder relacionadas a gênero, classe e raça/etnia, representa um desafio estrutural que exige uma abordagem holística. A ordem patriarcal, que legitima a desigualdade e a dominação masculina, emerge como um fator preponderante na produção dessas 17 formas de violência, destacando a importância de questionar e transformar essas estruturas arraigadas. A crítica contemporânea à perspectiva teórica que vincula a opressão das mulheres ao sistema patriarcal ressalta a importância de considerar a diversidade nas formas como a dominação masculina se manifesta e é resistida. Não se trata de uma característica uniforme; há nuances e variações significativas nos contextos e nas estratégias de resistência impostas pelas mulheres. As organizações desempenham um papel fundamental na mudança dessas dinâmicas específicas. A implementação de políticas claras, treinamento adequado e promoção de uma cultura organizacional inclusiva são passos essenciais para criar ambientes de trabalho seguros e respeitosos. No entanto, ponderar a necessidade de avaliação constante e adaptação dessas iniciativas é fundamental para garantir a sua eficácia ao longo do tempo. Dessa forma, através do estudo proposto, conclui-se que uma transformação real requer um compromisso contínuo, tanto das organizações quanto da sociedade em geral, para desafiar e superar as estruturas de poder que perpetuam o assédio, a violência de gênero e a desigualdade mediante as ações afirmativas perante as organizações. Como restou demonstrado, a busca por ambientes de trabalho verdadeiramente equitativos e inclusivos é um imperativo moral e social que demanda esforços coletivos persistentes, ou seja, as políticas públicas devem intervir, e de forma efetiva tendo sua aplicabilidade demonstrada, e fiscalizada, nas relações para proporcionar a prevenção e o combate da violência de gênero. 18 REFERÊNCIAS ARAUJO, Maria de Fátima. Gênero e violência contra a mulher: o perigoso jogo de poder e dominação. Psicol. Am. 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