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SEMINÁRIO II – CONTROLE PROCESSUAL DA INCIDÊNCIA: DECLARAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE Amanda Piton Almeida QUESTÕES 1. A respeito do controle de constitucionalidade no sistema processual brasileiro, pergunta-se: (a) Quais as espécies de controle de constitucionalidade existentes no ordenamento jurídico brasileiro? Segundo Alexandre de Moraes (2003), controle de constitucionalidade significa "verificar a adequação de uma lei um de um ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e materiais". Barroso (2012) explica que o controle de constitucionalidade pode ser dividido levando em conta aspectos subjetivos, objetivos e processuais em quatro possíveis classificações: quanto à natureza do órgão de controle; quanto ao momento do exercício do controle; quanto ao órgão judicial que exerce o controle e quanto à forma ou modo de controle judicial. 1. Quanto à natureza do órgão de controle: político x judicial O controle político é aquele realizado pelos poderes políticos (o Executivo e o Legislativo) e age antes que a lei entre em vigor. No Brasil, ocorre de duas formas: pelo controle prévio de admissibilidade e constitucionalidade dos atos normativos quanto à sua existência e validade; e posteriormente, por meio do veto legislativo, que visa sustar os atos normativos que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação (BUZANELLO, 1997). O controle judicial, por sua vez, é realizado pelo poder judiciário. Esse controle confere poder aos juízes para controlar a constitucionalidade das leis já editadas, a fim de garantir o efetivo cumprimento da norma, conferindo0lhes a possibilidade de declarar a inconstitucionalidade dos atos normativos. 2. Quanto ao momento do exercício do controle: preventivo x repressivo O controle preventivo visa impedir que a norma inconstitucional seja criada e nem entre no sistema. Para Alexandre de Moraes (2003), "o controle preventivo pretende impedir que alguma norma maculada pela eiva da inconstitucionalidade ingresse no ordenamento jurídico, o controle repressivo busca dele expurgar a norma editada em desrespeito à constituição". É o controle que efetiva-se antes do aperfeiçoamento do ato normativo e ocorre, por exemplo, nos casos de mandado de segurança que visam impedir a tramitação de projeto de emenda constitucional que contrariariam cláusulas pétreas. Esse controle é realizado pelo poder legislativo nas Comissões de Constituição e Justiça e pode ser realizado pelo poder executivo, quando há veto de ato normativo por motivo jurídico (inconstitucionalidade do projeto); excepcionalmente há controle preventivo pelo poder judiciário quando a elaboração da norma é afrontosa à constituição federal (é algo flagrante, em que apenas o parlamentar incita o Supremo à interferir no processo de criação da norma). O controle repressivo, por sua vez, atua após a promulgação da lei ou de sua entrada em vigor e é realizado pelo judiciário, objetivando a retirada dos atos normativos maculados de inconstitucionalidade do ordenamento jurídico. Além disso, o controle repressivo pode ser dividido em difuso e concentrado. 3. Quanto ao órgão judicial que exerce o controle: difuso x concentrado O controle difuso, também conhecido como aberto, por via de exceção ou de defesa, resolve-se um problema declarando a inconstitucionalidade de uma norma, que somente produzirá efeitos às partes concernentes à esse problema. O controle de constitucionalidade difuso assegura e permite a qualquer juiz ou órgão judicial, cuja função é aplicar a lei a um caso concreto, o poder-dever de afastar a sua aplicação se a considerar incompatível com a ordem constitucional (MENDES, 2016). Esse controle é considerado de exceção pois a pronúncia de inconstitucionalidade é feita não como objeto principal da lide, mas sobre questão indispensável ao julgamento do mérito. Além disso, o que é decidido para o interessado, vale e produz efeitos somente a ele, e não a terceiros, que continuarão obrigados pela lei maior (MORAES, 2003). Já o controle concentrado é aquele pelo qual "procura-se obter a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, independentemente de um caso concreto, visando sua invalidação, a fim de garantir a segurança das relações jurídicas que não podem ser baseadas em normas inconstitucionais” (MORAES, 2003). Além disso, nesse tipo de controle, a inconstitucionalidade do ato normativo é o objeto principal da ação. Esta modalidade de controle tem relação com o julgamento de questões constitucionais por órgão jurisdicional superior ou à uma corte constitucional (no Brasil, o STF). A Constituição Federal prevê várias espécies de controle concentrado, dentre elas: (a) ação direta de inconstitucionalidade, (b) ação direta de inconstitucionalidade por omissão, (c) ação direta de inconstitucionalidade interventiva, (d) ação declaratória de constitucionalidade e (e) arguição de descumprimento de preceito fundamental. 4. Quanto à forma ou modo de controle judicial: por via incidental x ação direta O controle incidental é aquele desempenhado por juízes e tribunais na apreciação de casos concretos quando pronunciam-se acerca constitucionalidade ou não de uma norma pertinente ao revolvimento fático da matéria sub judice. Tecnicamente, trata-se de “questão prejudicial, que precisa ser decidida como premissa para a resolução do litígio. A declaração incidental de inconstitucionalidade é feita no exercício normal da função jurisdicional, que é a de aplicar a lei contenciosamente” (BARROSO, 2012). O controle incidental está relacionado ao controle difuso. Por fim, o controle por via direta, ou por via principal, é exercido por instrumento próprio cujo objeto é a validade da norma em si, independente de uma discussão entre partes, que visa preservar a unidade e harmonia do sistema jurídico posto. Este controle elimina qualquer ato que seja contrário ou incompatível à norma maior. A ação do controle direto tem caráter institucional e sua legitimidade limita-se a determinados órgãos e entidades. O controle direto está associado ao controle concentrado (BARROSO, 2012). (b) Explique as diferentes técnicas de interpretação adotadas pelo STF no controle de constitucionalidade (parcial com redução de texto, sem redução de texto, interpretação conforme à Constituição). O Supremo Tribunal Federal, ao exercer o controle de constitucionalidade das leis adotou três modalidades de controle: interpretação conforme com redução de texto, sem redução de texto, mas com fixação de interpretação declarada constitucional e sem redução de texto, excluindo-se a interpretação declarada inconstitucional. Na primeira modalidade o tribunal declara a inconstitucionalidade de apenas uma expressão ou de parte do texto legal, permitindo que a parte compatível da norma continue em vigor, como ocorreu no julgamento da ADI n. 1.127-8, que declarou apenas o termo “o desacato” do art. 7º, §2º da Lei 8.906/94, inconstitucional, mantendo todas as demais disposições vigentes. Na segunda modalidade, há uma fixação de determinada interpretação legal que deverá ser seguida, sem qualquer modificação formal do texto escrito na norma. Foi o caso do julgamento da ADI n. 2.084: “Com relação ao inciso V do art. 170, da referida Lei Complementar 734/93, o Tribunal, adotando a orientação firmada no julgamento da ADIn 1.377-DF – julgada em 3.6.98, acórdão pendente de publicação, v. Informativo 113 -, emprestou interpretação conforme à CF, para o fim de esclarecer que a filiação partidária de representante do Ministério Público dos Estados- Membros somente ocorrerá na hipótese de afastamento de Promotor ou Procurador de Justiça de suas funções institucionais mediante licença e nos termos da lei (...)”1. Por fim, a terceira modalidade, também sem alterar qualquer termo ou texto legal, declara uma interpretaçãoespecífica da norma inconstitucional, como ocorreu no caso do julgamento do processo n. 18614, da 3ª Vara Cível de Volta Redonda/RJ: “(...) o Decreto Municipal 2.750/88, art. 41, f (fl. 41), exige, sem limitação, a apresentação de certidão de feitos criminais para concessão do pedido de inscrição no sistema local de transporte individual de passageiros na modalidade de táxi. A inconstitucionalidade, caso efetuada interpretação literal da regra municipal, mostrar-se-ia patente, posto que o cidadão que eventualmente possuísse qualquer anotação no distribuidor criminal da Comarca não poderia atuar como taxista, assim violadas as normas constitucionais acima referidas. O princípio da interpretação conforme a constituição, todavia, e ao lado do reconhecimento do fato de que deve a Administração pública ser cautelosa na concessão de autorizações para o exercício de atividades em que constante o contato do autorizado com a população, como a de taxista, recomenda que não seja reconhecida a total incompatibilidade da norma municipal com a Constituição Federal, mas sim que se lhe dê interpretação conforme a Constituição, para que a exigência somente seja válida quando constar anotação de condenação criminal transitada em julgado”. (Grifo nosso) 2. A respeito da modulação de efeitos prescrita no (i) art. 27 da Lei n. 9.868/99 e no (ii) § 3º do art. 927 do CPC/15, responda: (a) há distinção entre a espécie de controle de constitucionalidade em que a modulação dos efeitos pode ser consagrada, considerando o teor de cada um dos dispositivos em análise? 1 ADI n. 2.084/SP. STF. Informativo nº 178. Rel. Min. Ilmar Galvão. DJe 16.02.2000. O art. 926 do CPC dispõe que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. A partir daí, o art. 927 estipulou que os juízes e tribunais deverão observar as decisões do STF, STJ, as Súmulas Vinculantes os IRDR e as orientações dos plenários quando da prolação de decisões. Contudo a sociedade é uma constante de mudanças e, ao passo em que está em constante mutação, o Direito deve acompanha-la, ajustando-se à sua evolução. A partir disso, o legislador via-se diante de um dilema: como conciliar a necessidade de atualização das normas com a segurança jurídica e proteção da confiança? A partir da modulação dos efeitos das decisões. É importante mencionar que, antes da publicação do NCPC, a modulação dos efeitos das decisões somente ocorria nas Ações Direta de Inconstitucionalidade e nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade. O art. 27 da Lei n. 9.868/99 dispõe que: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”. Isso quer dizer que apenas o STF estava autorizado a modular os efeitos das suas decisões, quando do bojo de ADI e ADC tendo em vista a proteção à segurança jurídica e da confiança (controle concentrado). A partir da edição do novo código de processo civil, o legislador no §3º do art. 927, determinou que: “Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”. Com isso, o legislador deixou de limitar a modulação de efeitos à determinadas ações e ao órgão julgador (controle difuso). (b) há identidade entre os fundamentos apontados em cada um dos dispositivos para que seja convocada a modulação dos efeitos da decisão proferida em controle de constitucionalidade? Identifique-os. Sim. Ambos os artigos tiveram como fundamento a modulação de efeitos para assegurar o interesse social e a segurança jurídica. O interesse social tem como base a negativa de vigência de um entendimento e seus possíveis desdobramentos quanto à importantes valores sociais. A segurança jurídica, por sua vez, considera se as partes atingidas pela decisão agiram “confiando na orientação jurisprudencial alterada” (FILHO, 2018). Além disso, no bojo do RE 377.457 a Min. Carmen Lúcia entendeu que a modulação de efeitos também deve considerar a excepcionalidade da situação uma vez que a alteração jurisprudencial contrapõe os princípios da proteção à confiança e da legalidade. Nas palavras de Carlos Mário Velloso Filho, “Quando o Tribunal decide corrigir a sua jurisprudência está, na verdade, afirmando que a verdadeira vontade da lei não é aquela enunciada pela orientação antiga e sim a proclamada pela nova diretriz. E consistindo a modulação em se permitir a prevalência de situações constituídas à margem da correta interpretação da lei, a medida não deixa de conspirar contra o princípio da legalidade.” 3. Os conceitos de controle concreto e abstrato de constitucionalidade podem ser equiparados aos conceitos de controle difuso e concentrado, respectivamente? Que espécie de controle de constitucionalidade o STF exerce ao analisar pretensão deduzida em reclamação (art. 102, I, “l”, da CF)? Concreto ou abstrato, difuso ou concentrado? O controle difuso é aquele exercido por qualquer juiz ou órgão judicial, cuja função é aplicar a lei a um caso concreto. Já o controle concentrado, por tratar de questões puramente constitucionais, somente será exercida por órgão jurisdicional superior. Essas modalidades dizem respeito ao órgão judicial que exerce o controle da constitucionalidade: qualquer juiz ou tribunal ou o tribunal supremo. A modalidade de controle concreto e abstrato diz respeito à inconstitucionalidade enquanto objeto da lide. No controle abstrato, a inconstitucionalidade é o objeto central da lide, guardando correspondência com o controle concentrado. Por sua vez, o controle concreto é aquele em que a lide trata de um caso concreto e a constitucionalidade é tratada incidentalmente, como consequência à garantia do direito, daí a sua correspondência ao controle difuso de constitucionalidade. Conforme preceitua o art. 102 da CF, a reclamação é uma ação constitucional cujas finalidades são muito claras: (a) garantir a autoridade do tribunal e (b) preservar sua competência. Importa dizer que a ação não se direciona somente ao STF, podendo tratar de qualquer tribunal. Contudo, quando direcionada ao Supremo, a garantia da autoridade visa assegurar o controle das decisões tanto do controle difuso, quanto do concentrado. As decisões do controle concentrado (e, consequentemente, abstrato), seja de caráter cautelar ou definitivo, geram efeitos erga omnes e vinculantes, enquanto as decisões do controle difuso (e concreto) visam a garantir o cumprimento das decisões interpartes. Importante dizer, também, que as competências do STF esgotam-se na carta magna, de sorte que, caso haja usurpação do rol previsto na constituição, caberá reclamação. Nesses casos, o tribunal está exercendo o controle concentrado. Por fim, caberá reclamação quando algum ato administrativo ou decisão judicial contrariar Súmula Vinculante. Dessa forma, para garantir o seu devido cumprimento no caso concreto, o tribunal cassará o ato ou decisão e determinará que outra seja proferida, oportunidade em que estará o tribunal exercendo controle concreto e difuso de constitucionalidade. 4. Que significa afirmar que as sentenças produzidas em ADI e ADC possuem “efeito dúplice”? As decisões proferidas em ADI e ADC sempre vinculam os demais órgãos do Poder Executivo e Judiciário? E os órgãos do Poder Legislativo? O efeito vinculante da súmula referida no art. 103-A, da CF/88, introduzido pela EC n. 45/04, é o mesmo da ADI? Justifique sua resposta. A ADIé uma ação constitucional própria do controle concentrado que visa declarar a inconstitucionalidade de uma norma. A ADC, em contrapartida, objetiva confirmar a constitucionalidade de um ato normativo. Assim, afirmar que as sentenças proferidas em ADI e ADC possuem efeito dúplice significa dizer que “a procedência da ADI equivale à improcedência da ADC; e a improcedência da ADI corresponde à procedência da ADC” (LINS, 2005). Ou seja, na hipótese de declaração de inconstitucionalidade de uma norma, caso proposta, a ADC deverá ser improcedente. Dispõe o §2º do art. 102 que: “As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. Ou seja, as decisões proferidas em sede de ADI e ADC vinculam os demais órgãos do poder executivo e judiciário, porém não alcançam o Poder Legislativo. Isso porque o legislador poderá editar nova lei com idêntico teor ao texto anteriormente censurado pelo tribunal2. O art. 103-A dispõe que: Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. §1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. Isso quer dizer que, diferentemente da ADI, cujo objetivo é retirar do ordenamento jurídico o ato normativo que seja incompatível com a constituição, as Súmulas Vinculantes são editadas pelo STF com o condão de dar validade, interpretação e eficácia a normas que são comumente alvo de conflitos entre órgãos judiciais ou entre estes e a Administração Pública (padronizar a aplicação da norma). Contudo, em ambos os casos o efeito vinculante não atinge o poder legislativo, uma vez que além de editar e criar leis, a ele compete aprovar emendas à constituição, de modo que poderá dar nova interpretação à legislação. 5. O STF tem a prerrogativa de rever seus posicionamentos ou também está inexoravelmente vinculado às decisões por ele produzidas em controle abstrato de constitucionalidade? Se determinada lei tributária, num dado momento histórico, é declarada constitucional em ADC, poderá, futuramente, após mudança substancial dos membros desse tribunal, ser declarada inconstitucional em ADI? É cabível a modulação de efeitos neste caso? Analisar a questão levando-se em conta os princípios da segurança jurídica, coisa julgada e as disposições do art. 927, § 3o, do CPC/15. O STF tem a prerrogativa de rever suas decisões, contudo, essa prerrogativa não é ilimitada. Dispõe a Súmula 473 que “A administração pode anular seus próprios 2 RCL no AgReg. n. 2.617/MG. Rel. Min. Cezar Peluso. J. 23.02.2005. atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. Dispôs o legislador, nos art. 23 e 24 da Lei 9.868/99 que “proclamar-se-á a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da disposição ou da norma impugnada” e “Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar- se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória”. A princípio, fez crer o legislador que as decisões em sede de ADI e/ou ADC seriam definitivas. Contudo, não têm como prever, os ministros, eventuais interpretações ou fundamentos que passem a tornar a norma inconstitucional. Ainda mais quando, como dito, a sociedade está em constante evolução e podem surgir novos cenários sociais, econômicos e até jurídicos que demandem nova interpretação da norma posta. Por conta disso, diz-se que as decisões do STF em sede de controle concentrado não afirmam “integralmente” a (in)constitucionalidade da norma, mas apenas de determinado fundamento ou interpretação, que poderiam conduzir à sua inconstitucionalidade (MEDINA, 2014). Assim, para que não se tenha aplicação automática da nulidade aos atos e normas declarados inconstitucionais, como forma de garantir a segurança jurídica, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, o legislador entendeu ser cabível a modulação dos efeitos jurídicos das decisões. É importante considerar que a segurança jurídica, ao mesmo tempo que visa proteger situações jurídicas já consolidadas, deve garantir que o status constitucional de um ato normativo subvertido seja restaurado, ainda que isso implique na sua nulidade e retirada do ordenamento jurídico (JUNIOR, 2022). Nas palavras de Humberto Ávila (2014, apud JUNIOR, 2022): [...] a decisão de manter os efeitos de atos inválidos com base no princípio da segurança jurídica deve analisar todos os efeitos decorrentes da inversão da consequência normal pelo descumprimento das normas: a mesma segurança jurídica que pode ser usada para manter as leis contrárias à Constituição com a finalidade de proteger a confiança de alguns que confiaram na validade de leis cuja constitucionalidade era presumida também pode ser utilizada com o fim de proteger a confiança de outros que confiaram na aplicação da consequência prevista para o descumprimento das leis contrárias à Constituição. 6. O art. 535, §5º, do CPC/15 prevê a possibilidade de desconstituição, por meio de impugnação ao cumprimento de sentença, de título executivo fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo STF ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal em controle concentrado ou difuso. Pergunta-se: (a) É necessário que a declaração de inconstitucionalidade seja anterior à formação do título executivo? No julgamento da ADI 2.418 e do RE 611.503 o STF determinou que, na hipótese de incidência do artigo, a norma declarada inconstitucional deverá ser anterior e, caso contrário, buscada em ação própria. “Os atos anteriores, mesmo quando formados com base em norma inconstitucional, somente poderão ser desfeitos ou rescindidos, se for o caso, em processo próprio”3. “No atual regime (CPC/15), se a decisão do STF, sobre a inconstitucionalidade, for superveniente ao trânsito em julgado da sentença exequenda, “caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”4. Assim, a superveniência de decisão que declare a inconstitucionalidade de uma lei não significa reforma ou rescisão automática das decisões anteriores ou que tenham adotado sentido diverso. (b) E se for posterior, poderá ser alegada? Se sim, por qual meio? Há prazo para esta alegação? A Suprema Corte fixou entendimento de que a rescisão de sentenças ou atos normativos executivos anteriores dependerá da interposição de recurso próprio (se cabível) ou ação rescisória, a contar do trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF. 7. Contribuinte ajuíza ação declaratória de inexistência de relação jurídico- tributária que o obrigue em relação a tributo cuja lei instituidora seria, em seu sentir, inconstitucional(porque violadora do princípio da anterioridade). Paralelamente a isso, o STF, em ADI, declara constitucional a mesma lei, fazendo-o, contudo, em relação a argumento diverso. Pergunta-se: 3 AC 00265738420158070000. TJDF – Conselho Especial. Rel. Mario Machado. DJe 16/03/2021. 4 ADI 2418/DF. STF – Plenário. Rel. Min. Teori Zavascki. DJe 16/11/2016. a) Como deve o juiz da ação declaratória agir: examinar (1) o mérito da ação e julgá-la procedente, ou (2) extingui-la, sem julgamento de mérito (sem análise do direito material), por força dos efeitos erga omnes da decisão em controle de constitucionalidade abstrato? Por se tratar de ação com objeto diverso daquele julgado constitucional pela Suprema Corte, o juiz deverá examinar o mérito da ação e julgá-la procedente ou improcedente. É o caso do que ocorre, por exemplo, com o ressarcimento ao SUS: o plenário entendeu ser crédito constitucional, contudo, há hipóteses fáticas em que o crédito não é devido, por não estar a operadora do plano de saúde obrigada a prestar o serviço médico (hipóteses de carência ou exclusão do beneficiário do plano de saúde, por exemplo). b) Se o STF tivesse se pronunciado sobre o mesmo argumento veiculado na ação declaratória (violação do princípio da anterioridade), qual solução se colocaria adequada? Responda a essa pergunta, considerando o que foi respondido na questão “a)”. Nos termos da decisão do RE 730.462 do STF, uma vez que “a decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente” e não tendo sido prolatada sentença, o juiz deverá extinguir o feito, sem julgamento do mérito. Caso os autos já tenham sido julgados, deverá a Fazenda, via recurso ou ação rescisória, pleitear a adequação do decisum. c) Se na referida ação declaratória já tivesse ocorrido o trânsito em julgado de decisão de procedência (acolhendo o pedido do contribuinte), poder-se-ia falar em ação rescisória com base no julgamento do STF (art. 966 CPC/15)? Qual o termo inicial do prazo para ajuizamento da ação rescisória? E se o prazo para propositura dessa ação (2 anos) houver exaurido? Haveria alguma outra medida a ser adotada pelo Fisco objetivando desconstituir a coisa julgada, diante desse último cenário (exaurimento do prazo de 2 anos da ação rescisória)? Vide art. 505, I do CPC/15. Somente poder-se-ia falar em cabimento de ação rescisória dentro do prazo decadencial para interposição, previsto no art. 975/CPC (2 anos), contados a partir do trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF. Se exaurido o prazo, é de rigor o reconhecimento da decadência e a ação rescisória eventualmente proposta deverá ser extinta com julgamento de mérito. Nesse sentido: “AÇÃO RESCISÓRIA – DECURSO DO BIÊNIO DECADENCIAL A QUE ALUDE O ART. 495 DO CPC – CONSEQUENTE EXTINÇÃO DO DIREITO DE AJUIZAR AÇÃO RESCISÓRIA – PRECEDENTES – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – O direito à rescisão da sentença de mérito (ou do acórdão), qualquer que seja o fundamento da ação rescisória, extingue-se após consumado o prazo decadencial de 02 (dois) anos, cujo termo inicial passa a fluir da data do trânsito em julgado do acórdão ou do ato sentencial. – O caráter preclusivo e extintivo do prazo decadencial dentro do qual deve ser promovido o ajuizamento oportuno da ação rescisória impede , uma vez consumado “in albis ” esse lapso de ordem temporal, que se impugne a “res judicata”, eis que, “Decorrido o biênio sem a propositura da rescisória, há coisa soberanamente julgada (…)” (JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Manual de Direito Processual Civil”, vol. 3/250, item n. 696, 9ª ed., 1987, Saraiva – grifei). Jurisprudência”5. A despeito do julgamento dos temas 881 e 885 pelo STF, determinando que o julgamento de ADI e RR interrompe os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado, não se pode admitir que que sua aplicação tenha efeitos ilimitados. De igual forma, não se pode admitir a aplicação do art. 535, §8°/CPC. Se assim não o fosse, estar-se-ia diante do esvaziamento da proteção da coisa julgada. Jorge Roque (2023) explica que: A título de exemplo, um contribuinte que tenha deixado de recolher (ou restituído) determinado tributo em razão de uma decisão transitada em julgado no ano de 2010, poderia ter contra si ajuizada uma ação rescisória, caso a referida decisão acabasse contrariando precedente posterior do STF a ser firmado no ano de 2035, ocasião em que a Fazenda Pública teria o direito de ajuizar rescisória no prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado desse precedente, ou seja, até 2037. Em outras palavras, o contribuinte poderia ser instado a devolver 27 anos de tributos não recolhidos. Assim, escoado o prazo previsto no art. 975, não tem outra alternativa o fisco, devendo-se preservar a coisa julgada em definitivo. 5 AgReg. na AR 1.398/RS. STJ – Plenário. Rel. Min. Celso de Mello. DJe 29/10/2015. 8. Considerando os mecanismos de controle de constitucionalidade existentes é possível admitir que atualmente consagram-se duas formas (meios) de provocação do Supremo Tribunal Federal para que aquele órgão exerça o controle de constitucionalidade (concentrado e difuso), mas que a decisão por ele proferida é dotada dos mesmos efeitos independentemente do meio de sua provocação (erga omnes)? Para José Roberto Mello Porto e Danniel Adriano Araldi Martins (2019) a questão não é pacífica: alguns autores defendem que sim, outros que não. O Min. Gilmar Mendes defende a linha de que a declaração de inconstitucionalidade possui efeitos erga omnes, seja proferida em sede de controle difuso ou concentrado. Para os defensores desse entendimento, isso se dá uma vez que, declarado inconstitucional um ato jurídico, este deverá ser nulo, independentemente da forma com que foi declarado inconstitucional; além disso, a CF/88 conferiu ao STF a possibilidade de prolatar decisões com efeitos erga omnes e vinculantes, ampliando a sistemática do controle de constitucionalidade. Ainda, por fim, o art. 52, X da CF teve seu entendimento mutado no sentido de que a resolução do senado somente tem o condão de dar publicidade à decisão do STF, não atribuir a ela os efeitos pretendidos, uma vez que, quando proferida, já é dotada de vinculação e efeitos erga omnes. Contrariamente a este entendimento, há aqueles que defendem que o legislador, ao determinar que certa decisão teria efeito erga omnes e vinculante, o fez de forma expressa, como previsto nos art. 102, §2° e 103-A/CF; e que, ampliar os efeitos de uma decisão, sem a sua expressa previsão legal, seria afrontoso à separação dos poderes, ao princípio democrático, à legalidade e o próprio controle de constitucionalidade. Ainda não há um posicionamento concreto do tribunal a respeito da controvérsia, contudo, esta parece vir sendo resolvida pela fixação de teses, respeitando-se todas as peculiaridades previstas na carta magna (como a reserva de plenário). Nesse sentido, no julgamento das ADI n. 3.406/RJ e 3.470/RJ, a Min. Carmen Lúcia declarou que o STF caminha para se tornar uma corte de precedentes, que declara a inconstitucionalidade da matéria e não do ato normativo em si. REFERÊNCIAS BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 6ª ed. 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