Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

ITA E IME JOÃO FILHO LINGUAGEM 
ATIVIDADE COMPLEMENTAR 
Diagramação e/ou salvo por último.: Gráfica CENTRO 
08/09/2022 
MANHÃ TARDE 
Os Ratos e os Rastros: a construção da realidade 
urbana a partir de palavras 
Débora Grando Schöffel1 Andrea Soler Machado2 
 
Resumo: 
 
“Os Ratos”, narrativa de autoria de Dyonelio Machado 
fala sobre Naziazeno, personagem que passa o dia buscando 
pelas ruas da cidade de Porto Alegre dos anos 1930 o dinheiro 
para quitar a dívida com o leiteiro. A cidade no romance é um 
personagem muito ativo no desenvolvimento do enredo. A 
aproximação entre a história narrativa e a ficção demonstram 
que a continuidade ou linearidade temporal nem sempre é a 
única maneira de estruturar uma história. A temporalidade é 
manipulada várias vezes no livro, e se passa na mente de 
Naziazeno, já era uma técnica utilizada pelos gregos, pois a 
peça começava com a cena final. O presente trabalho terá 
como objetivo central a analise das informações encontradas 
no romance Os Ratos, percebendo até que ponto a literatura 
permitirá o maior entendimento do homem moderno e suas 
relações com a urbe. 
 
Palavras-chave: 
 
Cidade, literatura, percurso, Porto Alegre. 
 
O quê: o amanhecer 
Os bem vizinhos de Naziazeno Barbosa assistem o 
“pega” com o leiteiro. Por de trás das cercas, mudos, com a 
mulher e um que outro filho espantado já de pé àquela hora, 
ouvem. Todos aqueles quintais conhecidos têm o mesmo 
silêncio. Noutras ocasiões, quando era apenas a “briga” com a 
mulher, esta , como o um último desaforo de vítima dizia-lhe: 
“Olha, que os vizinhos estão ouvindo”. Depois, à hora da saída 
eram aquelas caras curiosas às janelas, com os olhos fitos 
nele, enquanto ele cumprimentava. 
 
(MACHADO, 2004, página 6.) 
 
O presente trabalho parte de uma proposta de 
dissertação em andamento, pretende trabalhar com as 
descrições da cidade de Porto Alegre na obra “Os Ratos” de 
Dyonelio Machado. A obra visa trazer a realidade das 24 horas 
de um funcionário público, Naziazeno, que recebe um ultimato 
do leiteiro para pagar-lhe os 53 mil réis. 
A cidade no romance assume um papel de personagem 
muito ativo no desenvolvimento do enredo. Naziazeno 
literalmente palmilha todo o centro da cidade, e calcula-se por 
alto, que ele tenha percorrido um percurso de pelo menos 
quinze quilômetros. Convém lembrar que mais de um 
estudioso da obra de Dyonelio Machado fez referencia ao 
extremo cuidado que o autor tinha com a verossimilhança de 
caráter realista, num viés flauberiano, uma espécie de desejo 
mimético. 
Quando adentramos nas atribulações do protagonista, 
passamos a perceber outra cidade, mais concreta, mais 
palpável, mais presente para o leitor, desde que transposto um 
primeiro nível de dificuldades relativo à referencialidade. O 
caráter orgânico que a cidade adquire, sua aparência de corpo 
vivo decorre, em grande parte, do fato de que as ações 
acontecem, em sua maioria, no espaço público, no âmbito da 
pólis. 
Existe também a ideia de recompor os caminhos de 
Naziazeno, e toda a sua odisseia atrás do dinheiro para o leite 
para comparar com a hipótese de que o nome do livro “Os 
Ratos” tenha partido também do percurso do protagonista. Ou 
seja, as horas que o personagem vaga pela cidade buscando 
alcançar o objetivo ele também seria como um rato, 
conformado com seu status social simplesmente buscando o 
que precisava para manter a sua família por mais um dia. A 
figura do animal rato pode ser considerada uma representação 
das pragas da modernidade e as relações da cidade ganham 
muito mais proporção se levadas neste sentido. 
 
Por quê? : a manhã 
Naziazeno vai andando... 
 
É a segunda vez que consulta o relógio da Prefeitura 
essa manhã. Esse relógio lá no alto, na torre, parece-lhe uma 
cara redonda e impassível... 
 
Já pôs o pé na calçada do mercado. O “café do Duque” 
fica na outra esquina. Toda essa calçada é uma sombra fresca 
e alegre, cheia de passos e vozes. Quando defronta o portão 
central, abre-se-lhe, lá dentro, uma perspectiva de rua oriental, 
cheia de bazares, miragem remota de certas gravuras... ou de 
certas fitas... que viu (MACHADO, 2004, página 23). 
 
A justificativa da escolha deste tema veio através da 
curiosidade de descobrir como era a cidade e a vida da 
população porto alegrense no inicio do século XX. Percebemos 
que a própria literatura ajudaria nesta compreensão, pois os 
romances de 30 eram considerados os “romances urbanos” ou 
até “romances neo-naturalistas” que se destacam por abordar 
de forma muito realista a rotina dos seus personagens. 
Depois dessa identificação de que os romances de 30 
poderiam ser uma fonte de informação buscamos um livro que 
trouxesse a realidade da população porto-alegrense em 1930 
e a resposta surgiu como Os Ratos, e através da leitura do livro 
percebemos que a cidade e arquitetura tinham papel de 
destaque na prosa com descrições bastante detalhadas, tanto 
que mereceriam um estudo de ponto de vista arquitetônico 
muito cuidadoso. 
Os Ratos é, aparentemente, uma trama trivial. No 
entanto, a obra relata muito mais que a história de um homem 
e sua dívida, exibindo uma crítica social sutil, mas muito 
eficiente. Este é o grande feito do livro: induzir ao pensamento. 
Tornou-se uma das obras mais influentes da segunda 
geração da literatura moderna no Brasil, recebendo o prêmio 
Machado de Assis, que é considerado o principal premio, da 
Academia Brasileira de Letras. Livro que surgiu como uma 
crítica a sociedade dos anos 30, porém ainda pode ser 
considerado atual devido às reflexões que este ainda leva aos 
leitores. 
 
Como: seguindo os rastros de Naziazeno 
"(…) se o historiador, na sua busca de construção de 
um conhecimento sobre o mundo, quer resgatar as 
sensibilidades de uma outra época, a maneira como os 
homens representavam, a si próprios e à realidade, como não 
recorrer ao texto literário, que lhe poderá dar indícios dos 
sentimentos, das emoções, das maneiras de falar, dos códigos 
de conduta partilhados, da gestualidade e das ações sociais de 
um outro tempo?" (PESAVENTO, 2000, p. 7, 8). 
 
Como Sandra Jatahy Pesavento (1991, p.14) afirma, as 
imagens urbanas trazidas pela arquitetura – ou pelo traçado da 
cidade, ou pela publicidade, pela fotografia, pelo cartaz, pelo 
selo, pela pintura, pelo desenho e pela caricatura – têm o 
potencial de remeter também, tal como a literatura, a outro 
tempo. É o caso de um momento que se edifica no passado, 
mas é pensado e sentido através do presente, uma vez que a 
leitura do livro trará a pele os percalços de Naziazeno no centro 
da cidade, descrevendo-a e fazendo com que o leitor 
compartilhe de sua angustia na procura do dinheiro. O espaço 
urbano e sua materialidade imagética torna-se um suporte do 
memorial social da cidade. 
 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%AAmio_Machado_de_Assis
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%AAmio_Machado_de_Assis
http://pt.wikipedia.org/wiki/Academia_Brasileira_de_Letras
 
 
 
 
2 
Pode-se considerar a literatura como uma 
representação do real, como uma fonte que traz novas 
perspectivas e uma sintonia fina da época: os rastros de uma 
época. As características principais estão na raiz dos modos 
de pensar, sentir, agir e de representar o mundo. A literatura é 
a melhor forma de entender o sistema de ideias e imagens do 
homem do outro tempo. Em muitos pontos, o urbanista e o 
historiador se aproximam, ao resgatar a essência da época e 
da cidade através de imagens urbanas e de representações 
das cidades. 
A materialidade das formas da arquitetura implica em 
uma relação complexa entre a forma física e as relações 
sociais de força, por sua vez expressadas por representações 
imaginárias. O conceito de representação foi enunciado por 
Mauss e Durkheim em 1903 e retomado por pensadores com 
Bourdieu (1980, p.113), Ginzburg (1995, p. 21), Chartier (1987, 
C.F.) e Hartog (1990), entre outros, como mediador teórico- 
metodológico dentro da Nova HistóriaCultural. A sua 
incorporação pela história permite, a partir de então, da volta à 
narrativa, a importância do indivíduo no social, o micro como 
porta de entrada para o macro, a subjetividade dentro do 
campo da história e o surgimento de uma teoria do imaginário, 
alternativa não necessariamente oposta, mas ampliadora de 
horizontes de cunho positivista e cientificista que subordinam a 
produção cultural às estruturas econômicas e sociais. 
A Nova História Cultural, por um lado, retoma a analogia 
entre história e a literatura de ficção que abalara os alicerces 
das teorias marxistas fundadas no cientificismo do século XIX, 
apontada há duzentos anos por Hegel e, de outro, a proposição 
de uma ideia de história alinhada com o pensamento de Walter 
Benjamin, segundo o qual, "articular historicamente o passado 
não significa conhecê-lo como ele de fato foi. Significa 
apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no 
momento de um perigo" (1994, p. 224). 
Mesmo ainda sujeita a muitas críticas, a ideia de que o 
trabalho do historiador não reproduz o que realmente 
aconteceu já merece credibilidade intelectual. O argumento de 
Peter Burke (1992, p. 15) em favor das representações como 
fonte para a história é de que o mundo só é percebido como 
representação através de uma estrutura de convenções, 
esquemas e estereótipos culturalmente construídos. 
A utilização do conceito de representação implica uma 
abstração, se traduz em uma ampliação do conceito de 
história, de fonte histórica e na instauração de um campo de 
conhecimento fundada na negação das duplas antagônicas 
explicativas, porém simplificadoras, que opõe a realidade à 
irrealidade, como o bem ao mal. De acordo com Peter Burke 
(1992, p. 11-15), a Nova História Cultural baseia-se na 
consideração de que a história é socialmente construída por 
uma pluralidade de vozes, muitas vezes em oposição. Entre as 
vozes que compõe o coro social que canta para a história está 
o mundo das imagens, incluindo necessariamente a obra de 
arte -- e a arquitetura como obra de arte --como "matéria de 
pesquisa e de interpretação histórica" e como "categoria a ser 
pensada historicamente" (ARGAN,1995, p. 27). 
Admitir a imaginação de uma época como um fenômeno 
social revelador das sensibilidades, crenças e mitos, ou seja, 
da sintonia fina da mesma, conduz ao reconhecimento de 
identidades distintas e exige a redefinição da escrita da 
história. Através de novas abordagens teórico-metodológicas 
comprometidas muito mais com a verossimilhança que com a 
veracidade, instaura-se um campo epistemológico no qual, de 
acordo com Baczko, a imaginação não se opõe, ao contrário, 
está unida dialeticamente ao verdadeiro, tornando-se uma de 
suas faces (1991, p. 303). Para Chartier, "no espaço assim 
traçado se inscreve todo o trabalho situado no cruzamento de 
uma história das práticas, social e historicamente diferenciadas 
e de uma história das representações inscritas nos textos ou 
produzidas pelos indivíduos”(1994, p.179). 
Esta abordagem pressupõe a consideração dos 
aspectos estruturais da arte e das relações compositivas do 
objeto artístico como produto de seu tempo, descrevendo um 
movimento cognitivo que se inicia "proustianamente" no 
presente da percepção dos elementos capazes de despertar o 
passado. A arte atua como a madeleine de Proust, sobretudo 
a música, trilha sonora de gerações, pois evoca saudades e 
memórias, muitas vezes contribuindo na visualização de um 
quadro contextual histórico. Por outro lado, a silenciosa 
literatura reconstrói cenários e comportamentos, sempre um 
convite a viagens a tempos passados, enquanto a arquitetura 
abriga na pedra os ecos de vontades, desejos e utopias 
conjugadas a grandes esforços, confundindo-se com o próprio 
quadro histórico. Se “não há fatos puros”, mas “sempre uma 
interpretação teórica que nele está contida” (VIRIEUX-
REYMOND, 1972, p. 98-99), é na distância existente entre uma 
e outra que surge a invenção, artística e histórica. O presente 
da narrativa define-se como construção de uma temporalidade 
distinta do passado, na qual o que parecia perdido é 
reconhecido, construído e reapresentado sob a forma de uma 
explicação datada do mundo, de uma atribuição de sentido, 
onde a verdade paira no ar como propósito e horizonte 
intelectual de expectativas, mas é a plausibilidade das coisas o 
que se tem para mostrar. Nesse aspecto, o texto histórico não 
se confunde, mas se aproxima do literário, como uma versão 
dos acontecimentos que parte de um olhar possível em relação 
ao passado, surgida de uma interpretação construída sobre a 
história, mas não por ela determinada. 
Uma narrativa histórica mais interpretativa que 
descritiva aproxima-se suficientemente do passado não vivido 
à medida que o representa, enquanto o historiador, construtor 
de tal aproximação, delimita seu campo de ação selecionando, 
articulando e cruzando o leque de informações disponíveis 
para que as fontes ou sinais do passado, à luz dos óculos dos 
conceitos e de um problema proposto, possam falar. Nesse 
sentido o historiador realiza um trabalho análogo ao do 
arquiteto, de recomposição de partes dispersas com o passar 
do tempo. Ambos podem ser vistos como produtores de 
artifícios ou artífices de conhecimento: anjos da história. 
Para Walter Benjamin, a cidade moderna se faz mais 
apreensível ao historiador, como objeto e como fonte de 
conhecimento histórico, através de suas representações 
simbólicas, -- incluindo a literatura, a arte, as metáforas, os 
mitos e as lendas --, que pela tentativa de abordagem direta 
de sua transitória concretude e lógica de funcionamento (1989. 
CF.). Como diz Sandra Pesavento, "Calíope pode ensinar a 
Clio, e vice-versa” (2000, p. 7, 8). 
Entretanto, o cruzamento entre literatura e história ainda 
hoje encontra resistências e suscita questionamentos. De 
maneira geral, a cidade em processo de modernização 
apresenta-se, não apenas como concretude, mas como 
abstração, pensamento e objeto de conhecimento através das 
suas representações. 
No mundo das representações não importa tanto o que 
é ou não real, mas sim como elas geram discursos que falam 
do que é vivenciado e percebido como real em uma 
determinada sociedade. As representações da cidade moderna 
não são apenas seu fruto, ao contrário, são imagens 
construídas a partir de sua problemática concretude e integram 
a sua construção como paradigma moderno. Neste sentido, 
textos -- ficcionais ou não -- imagens – caricaturas, pinturas, 
fotografias, projetos arquitetônicos, mesmo os não realizados, 
etc --, colocam-se no lugar da mesma, como presentificadores 
de sua ausência e podem ser lidos como vestígios ou sinais 
do passado, capazes de responder às questões colocadas 
pelo historiador desde o tempo presente: o tempo do narrador 
e da narrativa histórica, do historiador e da sua história. 
Para quê: a tarde na roleta Entrando pouco a pouco na 
calma outra vez. Raciocinante. É conveniente comprar fichas. 
Com quinze mil-réis em fichas já tem margem pra muito jogo. 
Encaminha-se para o guichê. Volta com uma pilha de rodelas 
na mão. Agora, vai fazer a coisa estudada. Mas, se tivesse 
seguido a sua inspiração...? (MACHADO, 2004, página 23). 
 
O presente trabalho tem como objetivo central a analise 
das informações encontradas no romance “Os Ratos” de 
Dyonelio Machado, observar até que ponto a literatura 
permitirá o maior entendimento do homem moderno e suas 
condições de existência. Devido a sua formação em medicina 
e especialização em psicanálise o autor vai fundo em sua 
análise da realidade, em especial da moderna sociedade 
brasileira, extremamente convulsionada neste final de século 
no que se relacionam às suas grandes concentrações urbanas. 
 
 
 
 
3 
A cena da desumanização das grandes cidades já estava muito 
presente no romance, e Naziazeno pode ser considerado um 
típico herói da modernidade. 
Ao estudar o percurso de Naziazeno e perceberemos 
como era a cidade por volta do anode 1935, quando o livro foi 
escrito e lançado entendendo quais foram as alterações na 
vida dos moradores de Porto Alegre com a implantação da 
modernidade, através das ricas descrições urbanas 
encontradas no livro. 
Conforme a Figura 1, a qual mostra todo o percurso de 
Naziazeno que exemplifica bem a quantidade de locais pelos 
quais o personagem passou na procura dos seus 53 mil reis. 
 
 
 
Figura 1. O percurso de Naziazeno. 
 
1. Café do Mercado - Café do Centro 
2. Café do Centro – Cais 
3. Cais – Repartição 
4. Repartição - Café do Mercado 
5. Café do Mercado - Café do Centro 
6. Café do Centro – Repartição 
7. Repartição - Café do Centro 
8. Café do Centro - Independência (Andrade) 
9. Independência (Andrade) - Café do Centro 
10. Café do Centro - Rest. Operários/Ladeira/Cassino 
11. Rest. Operários/Ladeira/Cassino - Café do Centro 
12. Café do Centro - Voluntários da Pátria 
13. Voluntários da Pátria - Docas 
14. Docas - Voluntários da Pátria 
15. Voluntários da Pátria - Café do Mercado 
16. Café do Mercado - Café do Centro 
17. Café do Centro - Rua Clara (Fernandes) 
18. Rua Clara (Fernandes) - Rua Nova (Assunção) 
19. Rua Nova (Assunção) - Café do Centro 
20. Café do Centro - Rua da Ladeira (Martinez) 
21. Rua da Ladeira (Martinez) - Travessa (Martinez) 
22. Travessa (Martinez) - Rua da Ladeira (Martinez) 
23. Rua da Ladeira (Martinez) - Rua do Rosário (Dupasquier) 
24. Rua do Rosário (Dupasquier) - Café da Esquina 
25. Café da Esquina - Bolão 
26. Bolão - Cinema 
27. Cinema – Mercado 
 
 
O trabalho pretende reconstruir, ou construir uma 
versão, já que também essa será uma representação da Porto 
Alegre de “Os Ratos”: de certa forma, isso significa construir, 
através de textos e imagens, o cenário do livro, um espelho da 
realidade urbana da cidade a partir de trechos do livro, 
passagens que são de certa forma como cenas urbanas 
cinematográficas: 
Treme o ar, toda a rua treme com o calor, tremem as 
casas, como um pedaço de paisagem submarina, ondulando 
através da água movediça. As habitações têm colorido. 
Pequenos jardins. Bairro elegante. 
Naziazeno disfarça o cansaço, porque tem uma 
esperança. Segue o trilho estreitíssimo e quebrado da sombra 
das casas na calçada, bem junto das paredes. Toda a rua está 
balizada num lado e noutro por uns blocos metálicos, dum 
brilho sombrio: limousines em descanso. 
O “sujeito” mora no número 357. É o fim da rua, lá no 
alto (MACHADO, 2004, página 32). 
 
Às costas de Naziazeno se acha uma pequena rua 
transversal que vai ter às docas em construção. É uma rua 
inacabada, que, poucos passos depois da esquina, se perde 
na areia. 
Ele toma essa rua. 
Dum lado e doutro ela é margeada agora de umas 
construções de madeira, compridas e baixas, pintadas de 
negro. Dois ex-trapiches. Um deles — o da esquerda — 
continua ainda por uma ponte pela areia adentro. Do meio pra 
o fim, o piso da ponte desapareceu: estão somente as estacas, 
deixando escapar apenas de sobre a areia um pequeno 
esquadrão de cubos de madeira, avançando em filas escuras 
até quase à linha do dique. 
A cidade se recorta sobre a claridade avermelhada que 
tem o céu para os lados onde está se escondendo o sol. O 
semicírculo do horizonte que Naziazeno abraça com o olhar 
está pesado de vapores. O rio, que reflete e baralha as cores 
escuras e claras do céu, tem um movimento lento e espesso 
de óleo. Bem à direita, lá longe, quase sobre as ilhas baixas, 
as sombras dos grandes navios ancorados no largo cavam 
buracos pretos na água grossa. 
Naziazeno vê-se rodeado de areia, perdido naquele 
pequeno deserto. Ensaia safar-se pela esquerda, alguns 
metros mais abaixo. 
Tem grandes passadas. Arrasta enormes pés de 
chumbo... (MACHADO, 2004, página 56). 
Na citação acima, encontra-se a descrição das obras do 
porto de Porto Alegre, bem como as ruas que davam acesso a 
este. São descritas também as estruturas conhecidas como 
trapiches que eram estruturas de madeira que precisam de 
manutenção praticamente anual e que segundo a descrição do 
autor estavam sendo negligenciadas. Percebe-se nesta parte 
do texto a procura da margem do Guaíba, a vista a distancia 
dos navios ancorados no porto e da sensação calmante da 
beira d’agua para acalmar os ânimos do protagonista, que teve 
o seu pedido de empréstimo na repartição negado pelo chefe. 
Na seguinte descrição Naziazeno consumido pela 
angustia do final do dia e as incontáveis tentativas de conseguir 
o dinheiro para quitar a sua divida descreve o entorno do café, 
como o relógio da prefeitura, que foi usado diversas vezes 
durante o dia visto que o personagem não possuía dinheiro 
para ter um relógio, e o restante dos edifícios altos que 
construíam o entorno da praça e tapavam o sol poente: 
O relógio da Prefeitura — aquele relógio que lhe 
parecera de manhã uma cara redonda e impassível — e que 
ele espia agora furtivamente, com o cuidado de não 
interromper a conversa, está marcando seis e vinte. À frente 
deles, uns edifícios altos, que fecham o “largo” nessa parte, não 
lhe deixam ver mais a moeda em brasa do sol. 
Está perdido o dia... Está perdido o dia... (MACHADO, 
2004, página 64). 
Enfim, encontramos a descrição do centro, no cair da 
noite, quando as lojas encerram seu expediente e eles cruzam 
a Praça da Alfândega para chegar ao Cinema, onde trocarão o 
dinheiro do penhor do anel de bacharel de Alcides. Destaca-se 
a descrição da cidade, a presença de arborização, a calma e a 
determinação na qual se encontrava Naziazeno, após perceber 
 
 
 
 
4 
a solução aparente do seu problema. São descritos também 
grupos que estavam na frente do cinema, provavelmente 
olhando as vitrines e a espécie de “furor” social que existia em 
torno de tal edificação na época: 
Dobram a primeira esquina. Entram na rua principal. As 
vitrinas, raras ainda nessa “altura”, projetam nas calçadas 
retângulos de luz, que os passeantes pisam, pisam, com pés 
iluminados... 
Vai travada uma conversa na fila da frente. Naziazeno 
distingue perfeitamente as palavras de Martinez, que fala para 
os dois, sem contudo voltar nem uma vez a cabeça para o lado 
de um ou outro. O seu passo é ligeiro e firme, o olhar sempre 
em frente. 
Chegam ao canto da praça. Defronte dos cinemas, 
pequenos grupos, um que outro casal. Há sujeitos no guichê 
da bilheteria. Outros olham por um momento os cartazes. Uma 
pequena família vai entrando. O homem entrega as entradas. 
A mulher tem uma criança pela mão. 
Atravessam a praça. 
Olhando para o chão, para as fachadas, para a frente 
dos cinemas, para as árvores, é noite. Mas Naziazeno ergue 
os olhos. Bem lá em cima, naquelas nuvens esbranquiçadas, 
há ainda um ar de dia... As nuvens agora — os pedaços delas 
que ainda se podem distinguir — têm uma luz esmaecida, 
lívida... 
(MACHADO, 2004, página 74.) 
Configura-se também, como objetivo desta pesquisa, 
obter dados importantes para a ideia patrimonialista do centro 
da capital, realçando-a ainda mais, descobrindo marcos 
importantes para a população simples que frequentava o 
centro da cidade. 
Caminhando feito rato 
A pesquisa se desenvolverá a partir de revisão 
bibliográfica, pois se considera este o método mais adequado 
para o alcance dos objetivos pré-definidos, devido à 
quantidade de obras sobre este tema disponíveis para leitura. 
Principalmente porque as principais fontes encontram-se na 
literatura e em arquivos de historiadores, se pretende remontar 
a realidade arquitetônica e urbanística através do relato do 
romance “Os Ratos” e do restante do material encontrado. 
Existe uma parte que pode ser considerada uma 
pesquisa laboratorial fenomenológica, pois usaremos as fotos 
que o autor batia da cidade e comprar com as descrições do 
livro. Estuda-se a possibilidade, dentro do processo de 
fenomenologia, que é preconizado por Husserl, nem dedutivo 
nem indutivo. Preocupa-se com a descrição direta da 
experiência tal como ela é. A realidade é construída 
socialmente e entendida por cada indivíduocomo o 
compreendido, o interpretado, o comunicado. Então, a 
realidade nunca será única: existem tantas quantas forem as 
suas interpretações e comunicações. O sujeito/ator é 
reconhecidamente importante no processo de construção do 
conhecimento. Por isso existe a ideia de ler alguns trechos das 
descrições do livro para arquitetos e graduandos para que 
estes desenhem a sua percepção da cidade através das 
palavras do autor, depois comparar os desenhos a realidade 
percebendo de que forma as palavras de Dyonelio realmente 
se materializam para os indivíduos, e qual a percepção dos 
leitores da cidade através dos relatos do autor. 
Ratos e os rastros reais 
A pesquisa ainda encontra-se em fase de revisão 
bibliográfica, porém, neste período, já encontramos muito 
material que comprova que existe, sim, verossimilhanças entre 
a literatura, a história e a arquitetura e que sim, encontraremos 
em “Os Ratos” rastros para o reconhecimento da realidade de 
uma das primeiras classes sociais de trabalhadores modernos 
de Porto Alegre. Pois segundo Claudio Cruz (1994, p. 36), a 
repartição onde Naziazeno trabalha, descrita por Dyonelio 
Machado, realmente existiu. Por outro lado, o mapa traçado a 
partir dos locais descritos no livro corresponde à realidade da 
capital gaúcha da época. Entretanto, essa identificação é 
problemática nos dias de hoje, já que muitas ruas, com o 
passar dos anos, acabaram trocando de nomes. 
Outra conclusão é o caráter masculino que a cidade 
possuía em sua modernização. As figuras descritas na prosa 
eram em sua grande parte masculinas. Como o modelo da 
sociedade também era masculino, as poucas mulheres que 
existem no livro são mulheres acompanhadas de crianças, do 
marido ou empregadas. Essa informação é confirmada pelo 
mapa de percurso de Naziazeno, que mostra os inúmeros 
cafés e repartições de trabalho. Sandra Jatahy Pesavento 
(1991, p. 296) afirma, citando vários nomes de cafés que se 
situavam junto à Praça da Alfandega, como o café Coaracy, 
que os cafés eram um reduto masculino da época, bem como 
as livrarias e quaisquer espaços culturais da cidade. 
E, para reforçar o pretexto de que a literatura pode ser 
descritiva, encontramos algumas afirmações de Sandra Jatahy 
Pesavento (1991, p. 281) dizendo que os textos que falam do 
urbano, sejam eles oficiais ou de usuários da cidade, 
expressam, por sua vez, expectativas, projetos e inquietações 
sobre a transformação da cidade. Por isso, acredita- se que, 
para conhecer a Porto Alegre dos anos 1930, é preciso, não 
apenas seguir, mas recompor os passos e os rastros de 
Naziazeno e de seus temidos ratos. 
 
 
 
 
 
Referências 
ARGAN, Giulio Carlo, História da arte como história da cidade, São Paulo: Martins Fontes, 
1995. 
BACZKO, Bronislaw, Imaginación Social, IN: Los Imaginarios Sociales, Buenos Aires: Nueva 
Visión, 1991. 
BENJAMIN, Walter, Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da 
cultura, São Paulo: Brasiliense, 1994. 
BENJAMIN, Walter, Paris, Capitale du XIX siecle, Le livre des Passages, Paris: CERF, 1989. 
CF. 
BOURDIEU, Pierre, O Poder Simbólico, Lisboa: Difel, 1980. CALVINO, Italo. As cidades 
Invisíveis. São Paulo: Cia. Das letras, 1990. 
CHARTIER, Roger, A História Cultural: entre práticas e representações, Lisboa: Difel, 1987, 
C.F. 
CHARTIER, Roger, O Mundo como Representação, IN: Estudos Avançados, São Paulo: USP, 
5(11), jan-abr. 1994. 
CRUZ, Claudio. Literatura e cidade moderna: Porto Alegre 1935. Porto Alegre. EDIPUCRS: 
IEL, 1994. 
FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. 2ed. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1992. 
GINZBURG, Carlo, O Queijo e os Vermes, o cotidiano de um moleiro perseguido pela 
Inquisição, São Paulo: Companhia das Letra, 1995. 
HARTOG, François, La Réthorique de L'altérité, IN: HARTOG, François, Le miroir d' Hérodote, 
Paris: Gallimard, 1990. 
HOHLFELDT, Antônio. Dyonelio Machado. Porto Alegre: IEL, 1987. 
LUCAS, Fábio. Caráter social da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970. 
MADRUGA, Artur. Dyonelio Machado. Porto Alegre: Tchê! 1986. 
MACEDO, Francisco Riopardense de. Porto Alegre: história e vida da cidade. Porto Alegre: 
UFRGS,1973. 
MACHADO, Dyonelio. Os Ratos. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2004. 
MAROBIN, Luiz. A Literatura no Rio Grande do Sul: aspectos temáticos e estéticos. 
Porto Alegre: Martins, 1985. 
MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira: modernismo. São Paulo: Cutrix, 1989. 
Volume: 5. 
MUMFORD, Lewis. A cidade na história, suas origens, transformações e perspectivas. 
São Paulo: Martins Fontes, 1982. 
PESAVENTO, Sandra Jatahy. RS Economia e Política – Republica Velha Gaúcha: estado 
autoritário e economia. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979. 
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Memória Porto Alegre: espaços e vivências. Porto Alegre: Ed. 
UFRGS/Pref. Municipal, 1991. 
PESAVENTO, Sandra Jatahy. O Espetáculo da Rua. Porto Alegre: Ed. UFRGS/Pref. Municipal, 
1992. 
PESAVENTO, Sandra Jatahy, apresentação, IN: PESAVENTO, Sandra Jatahy, (org.), Leituras 
cruzadas: diálogos da história com a literatura, Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 2000. 
RUSCHEL, Nilo. Rua da Praia. Porto Alegre: Prefeitura Municipal, 1971. 
VIRIEUX-REYMOND, A., Introduction à l’Epistémologie, Paris: P.U.F., “Colletion SUP”, 1972, 
p. 98-99, apud NUNES, Sedas, O Conhecimento científico do social como produto de um 
trabalho de abstração e construção, IN: Conhecimento nas Ciências Sociais, Lisboa: Instituto 
de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, S/D. XAVIER, Alberto e MIZOGUCHI, Ivan. 
Arquitetura moderna em Porto Alegre. São Paulo: FAUFRGS/PINI, 1987. 
ZILBERMAN, Regina. A Literatura no Rio Grande do Sul. 3. Ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 
1992. 
VÉSCIO, Luiz Eugênio. História e Literatura: a Porto Alegre dos anos 30 a partir de "Os Ratos". 
Bauru: USC, 1995 
 
Teses e Dissertações: 
ALBÉ, Maria Helena. Uma Leitura de Os Ratos de Dyonelio machado. . Porto Alegre: Pontifícia 
Universidade Católica do Rio Grande do Sul 1989. Dissertação de Mestrado, Programa de 
Pós-Graduação em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1989. 
 
 
GRAWUNDER, Maria Zenilda, Curso e Discurso da obra de Dyonelio Machado: uma análise 
da legitimação. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul 1989. 
Dissertação (Mestrado em Teoria Literária), Programa de Pós-Graduação em História, 
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1989. 
MACIEL, Laury Gonzaga. O universo degradado de Naziazeno Barbosa. Porto Alegre: 
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul 1989. Dissertação (Mestrado em Teoria 
Literária), Programa de Pós-Graduação em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio 
Grande do Sul, 1977. 
 
Artigos e Matérias de jornal: 
HOHLFELDT, Antônio. Na selva da cidade, Naziazeno. Correio do Povo. Porto Alegre, 9 de 
fev. 1974. Caderno de Sábado 
HOHLFELDT, Antônio. As chagas da sociedade brasileira. Correio do Povo. Porto Alegre, 3 
de fev. 1980. 
MACIEL, Laury Gonzaga. Romance de tensão e critica. Correio do Povo. Porto Alegre, 3 de 
fev. 1980. 
TOSTES, Theodomiro. O mundo de Dyonelio Machado. Correio do Povo. Porto Alegre, 7 de 
jul. 1979.

Mais conteúdos dessa disciplina