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André Viana Custódio Ismael Francisco de Souza Rafael Bueno da Rosa Moreira Organizadores VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II Propostas Estratégicas de Ações de Políticas Públicas 2023 Editora Belcanto Rua Francisco Manoel de Souza, 82 - 2401 Pioneiros – Balneário Camboriú – SC CEP 88331-080 www.editorabelcanto.com.br Conselho Editorial André Viana Custodio (Unisc) Jairo José Zoche (Unesc) Andrea Marocco (Unochapeco) Juliano Bitencourt Campos (Unesc) Cristiano Lange dos Santos (Unisc) Levi Hulse (Uniarp) Daniel Ribeiro Preve (Unesc) Luiz Osteberk (UTAD - Portugal) Daniela Lippstein (URI) Mônica Duarte (Uniavan) Fernando da Silva Mattos (MP/PR) Newton Cesar Pilau (Univali) Helena Nastassya Paschoal Pitsica (Univali) Rafael Bueno da Rosa Moreira (Urcamp) Ismael Francisco de Souza (Unesc) Rogério Portanova (UFSC) Jadir Zaro (Fapas) Diagramador e capa: LivroEbook Diagramação e Design Editor e Revisão: Camila Milioli Casagrande Preve Proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma e por qualquer meio mecânico ou eletrônico, inclusive através de fotocópias e de gravações, sem a expressa permissão da autora. Os dados e a completude das referências são de inteira e única responsabilidade da autora. 23-163150 CDU-347.157.1(81)(094) Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Violações de direitos de crianças e adolescentes e interseccionalidades II [livro eletrônico] : propostas estratégicas de ações de políticas públicas / organização André Viana Custódio, Ismael Francisco de Souza, Rafael Bueno da Rosa Moreira. -- Balneário Camboriú, SC : Editora Belcanto, 2023. PDF Vários autores. Bibliografia. ISBN 978-65-84657-14-4 1. Criança e adolescente - Direitos 2. Criança e adolescente - Leis e legislação - Brasil 3. Direito da criança e do adolescente 4. Direito fundamental 5. Políticas públicas 6. Proteção à infância e adolescência I. Custódio, André Viana. II. Souza, Ismael Francisco de. III. Moreira, Rafael Bueno da Rosa. Índices para catálogo sistemático: 1. Direito da criança e do adolescente : Brasil 347.157.1(81)(094) Eliane de Freitas Leite - Bibliotecária - CRB 8/8415 Este livro conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul – FAPERGS, sendo fruto do projeto de pesquisa “Violência contra crianças e adolescentes: a identificação de intersecções de violações de direitos no perfil de vítimas cadastradas nos bancos de dados de políticas públicas do município de Bagé-RS no perí- odo de 2011 a 2020”, que vem sendo desenvolvido pelo Grupo de Pes- quisas sobre Direitos Humanos e Políticas Públicas para Crianças e Ado- lescentes (GEDIHCA/ URCAMP). Destaca-se também o apoio do Con- selho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPQ através do projeto de pesquisa “Articulação Intersetorial para proteção de crianças e adolescentes contra a violação de direitos”, desenvolvido pelo Grupo de Estudos em Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens do Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Douto- rado – da Universidade de Santa Cruz do Sul – (PPGD/UNISC). AGRADECIMENTOS Este livro é resultado da produção científica realizada no âmbito do Grupo de Estudos em Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens (GRUPECA) vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado – da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), do Grupo de Pesquisas sobre Direitos Humanos e Políticas Públicas para Crianças e Adolescentes (GEDIHCA) vinculado ao Curso de Direito do Cen- tro Universitário da Região da Campanha (URCAMP) e do Grupo de Pes- quisa de Direito da Criança e do Adolescente e Políticas Públicas vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), razão pela qual os autores agradecem o apoio das instituições no desenvolvimento dos estudos aqui apresentados. Também merece referência especial o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) que permitiu o apro- fundamento de aspectos teóricos e análise de indicadores sobre intersec- cionalidades e violações de direitos de crianças e adolescentes por meio do Projeto de Pesquisa Violência contra Crianças e Adolescentes: a identifica- ção de intersecções de violações de direitos no perfil de vítimas cadastradas nos bancos de dados de políticas públicas do município de Bagé-RS no perí- odo de 2011 a 2020 aprovado no Edital FAPERGS 10/2020 de auxílio Recém- -Doutor – ARD. O estudo também contou com a colaboração do Núcleo de Estudos em Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens e Políticas Públi- cas do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), na linha de pesquisa do Políticas Públicas de Inclusão Social e contou com o apoio institucional do Conselho Nacional de Desen- volvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) através do Projeto de Pesquisa: articulação intersetorial para proteção de crianças e adolescentes contra a violação de direitos. Durante o desenvolvimento das pesquisas que embasam este livro, inú- meras foram as contribuições de alunos, professores e colaboradores, que por meio das suas reflexões, debates e estudos, permitiram a concretização da versão final desta obra. Enumerá-los seria impossível, daí o registro de um abrangente agradecimento a todos. Assim, espera-se que se identifi- quem com as ideias aqui expostas. Prof. Dr. André Viana Custódio Prof. Dr. Ismael Francisco de Souza Prof. Dr. Rafael Bueno da Rosa Moreira PREFÁCIO É com grande prazer que escrevo o prefácio deste livro, uma obra de extrema relevância e sensibilidade, intitulada “Violações de Direitos de Crianças e Adolescentes e Interseccionalidades”. Nesta obra, percorremos um conjunto complexo de temas relacionados às violações dos direitos de crianças e adolescentes a partir de suas interseccionalidades. Em um universo de violações de direitos, torna-se essencial o debate sobre os direitos fundamentais e as políticas públicas para crianças e ado- lescentes. Nesse sentido, cada capítulo deste livro aborda uma perspectiva única, fornecendo uma visão abrangente e aprofundada, explorando temas como o direito à convivência familiar, a violência de gênero, o trabalho infantil, a violência sexual contra crianças e adolescentes, o meio ambiente e a saúde mental das juventudes, o direito à educação, políticas públicas de adoção, a violência contra adolescentes negros, o papel do Conselho Tute- lar, as políticas públicas de promoção de direitos, as atribuições do Poder Judiciário no combate das revitimizações, a revitimização e a violência ins- titucional, bem como a análise da decisão da corte “Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus versus Brasil” e a proteção das crianças. Uma das contribuições mais valiosas deste livro é a abordagem inter- seccional adotada em cada capítulo, que reconhece que as experiências de violação de direitos são moldadas pela interação de diferentes fatores de opressão e desigualdade. Nas páginas deste livro, encontramos uma combi- nação de pesquisas que nos oferecem uma leitura do panorama das viola- ções de direitos de crianças e adolescentes e suas interseccionalidades. Essa diversidade de abordagens nos permite apreciar a complexidade dessas questões e nos motiva a refletir sobre a importância de uma análise multidi- mensional para o enfrentamento dessas violações e para a estruturação de políticas públicas. Portanto, ao mergulhar nesta obra, convido cada leitor e leitora a se engajar ativamente nessas discussões. Que as páginas que se seguem esti- mulem reflexões profundas, incentivem o planejamento de ações estratégi- cas e inspirem a formulação de políticas públicas para a proteção e promo- ção dos direitos das crianças e adolescentes. Agradeço aos autores e autoras por seucompromisso em propor essas reflexões! Tenham uma leitura enriquecedora! Bagé, junho de 2023. HIGOR NEVES DE FREITAS Professor do Curso de Direito – Urcamp Doutorando e Mestre em Direito – Unisc APRESENTAÇÃO O livro desenvolve uma abordagem acerca das propostas estratégicas de ações de políticas públicas frente às violações de direitos de crianças e adolescente e interseccionalidades. O Direito da Criança e do Adolescente é um ramo autônomo do direito brasileiro, que lhes assegura, com prioridade absoluta, todos os direitos fun- damentais, e está consolidado no país com alicerce na teoria da proteção integral. As violações de direitos, em quaisquer de suas formas, ocasionam múlti- plas consequências, as quais são extremamente prejudiciais e podem afetar o pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes e, muitas vezes, há a possi- bilidade de as consequências lhes acompanhar, inclusive, na fase adulta. Dessa forma, é essencial uma análise acerca dos tipos de violações de direitos, das modalidades em que ocorrem, dos principais locais de ocorrên- cia e das causas centrais que levam à violação, a fim de que, a partir desse estudo, seja possível elaborar propostas estratégicas de ações de políticas públicas específicas para o seu enfrentamento, de acordo com cada realidade. É na esfera municipal, por meio do Sistema de Garantia de Direitos, que são desenvolvidas as estratégias de políticas públicas, as quais são funda- mentais para o combate às violações de direitos de crianças e adolescentes, e por isso, devem ser elaboradas mediante articulação intersetorial, descen- tralizada e em rede. Assim, a obra demonstra a necessidade de elaboração de ações estraté- gicas de políticas públicas, que busquem assegurar os direitos fundamentais de crianças e adolescentes e interseccionalidades, no combate às violações de direitos. Bagé, junho de 2023. RAFAELA PRETO DE LIMA Mestre em Direito – Unisc AUTORES AMANDA GEISLER AIRES BISPAR Acadêmica do Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário da Região da Campanha - URCAMP/Bagé. Integrante do Grupo de Pesquisa sobre Direitos Humanos e Políticas Públicas para Crianças e Adolescentes (GEDIHCA-URCAMP). Endereço eletrônico: amandabispar@gmail.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9936882047252159. ANA CAROLINA FERNANDES PACHECO Mestranda em Direito pela Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC. Especialista em Magistratura e Processo Civil com Habilitação para o Ensino Superior pela Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina – ESMESC. Pós-graduada “lato sensu” em Direito Civil e Processo Civil pelo Complexo Jurídico Damásio de Jesus. Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Especiali- zanda “lato sensu” em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Universi- dade do Extremo Sul Catarinense – UNESC. Membra do Grupo de Pesquisa em Direito da Criança e do Adolescente e Políticas Públicas e do Núcleo de Pesquisa em Estado, Política e Direito (NUPED), da UNESC. Graduada em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Endereço eletrônico: anacarolinafpacheco@gmail.com Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9380423031194832. ANA LARA CÂNDIDO BECKER DE CARVALHO Graduanda em Direito pela Universidade Estadual Vale do Acaraú. Inte- grante do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas de Inclusão Social e do Grupo de Estudos em Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens do PPGD/UNISC. Pesquisadora do Eixo de Direitos da Criança e do Adoles- cente, da linha de Direito Internacional dos Direitos Humanos pelo Grupo de Estudos em Direito e Assuntos Internacionais (GEDAI), da Universidade Federal do Ceará (UFC). Endereço eletrônico: larabeckercarvalho@gmail.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2618132579025454. ANDRÉ VIANA CUSTÓDIO Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) com Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilha – Espanha. Coor- denador Adjunto e Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito - Mestrado e Doutorado - da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Coordenador do Grupo de Estudos em Direitos Humanos de Crianças, Ado- lescentes e Jovens e Políticas Públicas (GRUPECA/UNISC) e Líder do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas de Inclusão Social (UNISC). Coordena o Pro- jeto de Pesquisa “Articulação intersetorial para proteção de crianças e ado- lescentes contra a violação de direitos”, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPQ/Brasil. Endereço eletrônico: andrecustodio@unisc.br. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7166046428154967. ANDRÉA SILVA ALBAS CASSIONATO Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul, RS (Brasil) e Integrante do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas de Inclusão Social e do Grupo de Estudos em Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens da Universidade de Santa Cruz do Sul, RS (Brasil). Endereço eletrônico: andreacassionato@yahoo.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4275817652253513. CELIENA SANTOS MANICA Doutoranda em Direitos Sociais e Políticas Públicas pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, com bolsa Capes modalidade II. Mestra em Direitos Sociais e Políticas Públicas pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Graduada em Direito pela Universidade de Erechim – URI. Gra- duada em Letras Português, Inglês e respectivas literaturas pela Universi- dade de Lajeado- UNIVATES. Professora da Escola Educar-se. Integrante do mailto:andrecustodio@unisc.br http://lattes.cnpq.br/7166046428154967 Grupo de Estudos em Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens do Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado – da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Endereço eletrônico: manicaceliena@yahoo.com.br. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9214577921444854. CRISTIANO LANGE DOS SANTOS Doutor em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) com doutorado sanduíche na Universidade de Burgos (UBU) na Espanha finan- ciado pela CAPES. Colaborador Externo do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas de Inclusão Social e do Grupo de Estudos em Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens (GRUPECA/UNISC). Endereço eletrônico: cristiano.advg@gmail.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8244812109369654. DAWINY ROBAINA FEIJÓ FREITAS Graduada em Direito pelo Centro Universitário da Região da Campanha – URCAMP/Bagé. e integrante do Grupo de Pesquisas sobre Direitos Huma- nos e Políticas Públicas para Crianças e Adolescentes (GEDIHCA-URCAMP). Endereço eletrônico: dawiny23@hotmail.com. DÉBORA KAROLINE DE OLIVEIRA MAGALHÃES Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Uni- versidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC. Bolsista nível Mestrado da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina - FAPESC. Endereço eletrônico: debrmagalhaes@gmail.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4948885336231590. FRANCESCA ROSA DOS SANTOS Pós-graduanda em Direito e Processo Previdenciário pelo Centro Uni- versitário UniDomBosco/Meu Curso e integrante do Grupo de Pesquisas sobre Direitos Humanos e Políticas Públicas para Crianças e Adolescentes (GEDIHCA-URCAMP). Graduada em Direito pela Urcamp. Endereço eletrônico: francescarsantos@outlook.com.br. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2098720292919826. GLÊNIO BORGES QUINTANA Mestre em Direito pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Universi- dade de Santa Cruz do Sul (UNISC) com bolsa CNPq. Graduado em Direito pela Universidade da Região da Campanha (URCAMP). Professor na disci- plina de Previdência Complementar no curso de Pós-graduação em Direito previdenciário: Novas Tendências - UNISC, em parceria com Centro de Ensino Integrado Santa Cruz do Sul - CEISC. Professor da Pós-graduação em Direito Eleitoral na disciplina Participação da Mulher na política;Fake News x Liberdade de Expressão. Integrante Grupo de Pesquisa Gestão Local e Políticas Públicas vinculado ao programa de Pós-graduação em Direito da UNISC. https://orcid.org/0000-0002-2206-5767. Endereço eletrônico: glenioquintana@hotmail.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2486658533928393. ISMAEL FRANCISCO DE SOUZA Doutor em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul - RS (UNISC); Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina, gra- duado em Direito pela Universidade do Extremo Sul Catarinense. Profes- sor e pesquisador Permanente do Programa de Pós-Graduação - Mestrado em Direito e da graduação em Direito. Coordenador do Grupo de Pesquisa: Direito da Criança e do Adolescente e Políticas Públicas e do Núcleo de Pes- quisa em Política, Estado e Direito (NUPED). Endereço eletrônico: ismael@unesc.net. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1570170981195253. JAMILA PÉTERLE DOS SANTOS Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense (PPGD – UNESC) e integrante do Núcleo de Pesquisa em Direito da Criança e do Adolescente e Políticas Públicas (NUPED – UNESC). Advogada atuante nas áreas de família, suces- sões e previdenciário. Endereço eletrônico: jamilapeterledossantos@gmail.com Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5632036786287319. JOHANA CABRAL Doutoranda em Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito da Uni- versidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), com bolsa PROSUC/CAPES. Mestre em Direito pela Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC (2019). Especialista em Direito da Criança e do Adolescente e Políticas Públicas pela UNESC (2017). Especialista em Direito Civil (2016) e Direito Processual Civil (2014) pela Universidade Anhanguera - UNIDERP. Graduada em Direito pela Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC (2011). Integrante do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas de Inclusão Social e do Grupo de Estudos em Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens do PPGD/UNISC. Tem experiência na área de Direito, com ênfase nos seguin- tes temas: direito da criança e do adolescente, direitos humanos, direitos fundamentais, políticas públicas, migração e refúgio. Endereço eletrônico: johanacabral712@hotmail.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3804436873098063. JULIANA TORALLES DOS SANTOS BRAGA Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande, Doutoranda em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul e advogada. Integrante do Grupo de Estudos em Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens e do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas de Inclusão Social do PPGD/UNISC. Endereço eletrônico: jutsb@hotmail.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8347377406631911. LAÍS OLIVEIRA DA SILVA Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Graduada em Direito pelo Centro Universitário da Região da Campanha – URCAMP/ Bagé e Advogada. Endereço eletrônico: laisoliveira.adv@hotmail.com. MARIANE CONTURSI PIFFERO Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Uni- versidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Integrante do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas de Inclusão Social e do Grupo de Estudos em Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens do PPGD/UNISC. Pós-gradu- ada em Direito de Família e Sucessões pela FMP. Pós-graduada em Direito Público pela IMED. Advogada. Endereço eletrônico: contursimariane@gmail.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3753205664119273. MARIA ELIZA LEAL CABRAL Mestra em Direito pelo PPGD da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, com bolsa/taxa CAPES. Colaboradora externa do Grupo de Pesquisa Políti- cas Públicas de Inclusão Social e do Grupo de Estudos em Direitos Huma- nos de Crianças, Adolescentes e Jovens do PPGD/UNISC. Colaboradora externa do Núcleo de Estudos em Gênero e Raça - NEGRA, vinculado ao PPGD/UNESC. E-mail: melizacabral@gmail.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1649111175343288. MARIA VALENTINA DE MORAES Doutora e Mestra em Direitos Sociais e Políticas Públicas pelo Programa da Pós-Graduação em Direito - Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, com bolsa PROSUC/CAPES; Bolsista CAPES no Processo nº. 88887.156773/2017-00, Edital PGCI nº 02/2015, Universidade de Santa Cruz do Sul (Brasil) e Universidad de Talca - Centro de Estudios Constitucionales de Chile - CECOCH (Chile). Graduada em Direito pela Uni- versidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, com bolsa de Iniciação Científica pelo CNPq (2012/2014), bolsa de Iniciação Científica Fapergs (2014/2015) e bolsa de Iniciação Científica pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC (2015/2016). Integrante do Grupo de pesquisa “Jurisdição Consti- tucional aberta: uma proposta de discussão da legitimidade e dos limites da jurisdição constitucional - instrumentos teóricos e práticos”, e do Grupo de Pesquisa “Diálogo entre a Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, com ênfase em estudos a respeito do diálogo entre Cortes Constitucionais e entre Poderes do Estado, controle jurisdicional de políticas públicas e garantia de direitos humanos e fundamentais na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Professora no Centro de Ensino Inte- grado Santa Cruz – CEISC. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8298-5645. Endereço Eletrônico: mariavalentina.23@hotmail.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2400734786644430. NATÁLIA VIGIL WILLRICH Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário UniDomBosco/Meu Curso e integrante do Grupo de Pesquisas sobre Direi- tos Humanos e Políticas Públicas para Crianças e Adolescentes (GEDIHCA- -URCAMP). Graduada em Direito pela Urcamp. Endereço eletrônico: nataliawillrich@hotmail.com. RAFAEL BUENO DA ROSA MOREIRA Doutor em Direito com Bolsa Prosuc Capes Modalidade II e Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Pós-Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul (PPGD/UNISC). Integrante do Grupo de Estudos em Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens (GRUPECA/UNISC). Professor do Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário da Região da Campanha – URCAMP/Bagé. Líder do Grupo de Pesquisas sobre Direitos Humanos e Políticas Públicas para Crianças e Adolescentes (GEDIHCA-URCAMP). Coordena o Projeto de Pesquisa Violência contra Crianças e Adolescentes: a identificação de intersecções de violações de direitos no perfil de vítimas cadastradas nos bancos de dados de políticas públicas do município de Bagé-RS no período de 2011 a 2020, vinculado à Fundação de Amparo à Pes- quisa do Estado do Rio Grande do Sul - FAPERGS. Endereço eletrônico: rafaelbmoreira2@yahoo.com.br. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2322328244442244. VALÉRIA QUEVEDO DA ROSA Pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões pelo Centro Universi- tário UniDomBosco. Graduada em Direito pelo Centro Universitário da Região da Campanha – URCAMP/Bagé e integrante do Grupo de Pesquisas sobre Direitos Humanos e Políticas Públicas para Crianças e Adolescentes (GEDIHCA-URCAMP). Endereço eletrônico: valeriaqdarosa@outlook.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9148628512323503. mailto:rafaelbmoreira2@yahoo.com.br Sumário CAPÍTULO 1 - A ARTICULAÇÃO INTERSETORIAL DE POLÍTICAS PÚBLI- CAS COMO UMA FERRAMENTA PARA O ENFRENTAMENTO DA POBREZA MENSTRUAL DE MENINAS EM COMUNIDADES CARENTES .....................17 Celiena Santos Manica Mariane Contursi Piffero CAPÍTULO 2 - O CONTEXTO DO TRABALHO INFANTIL ESPORTIVO NO BRASIL ..................................................................................................... 30 André Viana Custódio Andréa Silva Albas Cassionato CAPÍTULO 3 - VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLES- CENTES: A NECESSIDADE DE AÇÕES ESTRATÉGICAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO COMBATE À VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL................. 54 Débora Karoline de Oliveira Magalhães Amanda Geisler Aires Bispar CAPÍTULO 4 - MEIO AMBIENTE E SAÚDE MENTAL DAS JUVENTUDES ....65 Cristiano Lange dos Santos Juliana Toralles dos Santos Braga CAPÍTULO 5 - AS AÇÕES ESTRATÉGICAS ESCOLARES PARA A GARAN- TIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL ............................... 78 Débora Karoline de Oliveira Magalhães Jamila Péterle dos Santos CAPÍTULO 6 - GESTÃO DA EDUCAÇÃO E HOMESCHOOLING: MELHOR INTERESSE DE QUEM? ........................................................................... 91 Ana Carolina Fernandes Pacheco Ismael Francisco de Souza CAPÍTULO 7 - POLÍTICAS PÚBLICAS ACERCA DA ADOÇÃO NO BRA- SIL: O EXERCÍCIO DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMU- NITÁRIA NA CONTEMPORANEIDADE ................................................ 106 Ana Lara Cândido Becker de Carvalho CAPÍTULO 8- A VIOLÊNCIA CONTRA ADOLESCENTES NEGROS NAS FAVELAS: UMA ANÁLISE A PARTIR DA LUTA ANTIRRACISTA ........ 120 Johana Cabral Maria Eliza Leal Cabral CAPÍTULO 9 - A PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS A PARTIR DO CASO “EMPREGADOS DA FÁBRICA DE FOGOS DE SANTO ANTONIO DE JESUS VERSUS BRASIL”: RESPOSTA À CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO PODER LOCAL? ........................................................... 133 Maria Valentina de Moraes Glênio Borges Quintana CAPÍTULO 10 - O PAPEL DO CONSELHO TUTELAR NO ENFRENTA- MENTO DAS VIOLÊNCIAS INSTITUCIONAIS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO MUNICIPÍO DE BAGÉ/RS ................................. 148 Francesca Rosa dos Santos Natália Vigil Willrich CAPÍTULO 11 - REVITIMIZAÇÃO E VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL: O CONTEXTO PARADOXAL DE GARANTIA AOS DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL SOB A PERSPEC- TIVA DE GÊNERO .................................................................................. 160 Débora Karoline de Oliveira Magalhães Valéria Quevedo da Rosa CAPÍTULO 12 - AS ATRIBUIÇÕES DO CONSELHO TUTELAR NO ENFRENTAMENTO DO TRABALHO INFANTIL .................................. 173 André Viana Custódio Maria Eliza Leal Cabral CAPÍTULO 13 - O PAPEL DAS EQUIPES INTERDISCIPLINARES DO PODER JUDICIÁRIO NA PROTEÇÃO DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E NA PREVENÇÃO DA REVITIMIZAÇÃO EM PROCES- SOS JUDICIAIS DE VIOLÊNCIA SEXUAL INTRAFAMILIAR .............. 186 Laís Oliveira da Silva Rafael Bueno da Rosa Moreira CAPÍTULO 14 - A NATURALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA INFANTIL NO ÂMBITO INTRAFAMILIAR E SEUS IMPACTOS NA VIDA ADULTA: DA PROTEÇÃO JURÍDICA ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROMOÇÃO DE DIREITOS ............................................................................................... 202 Dawiny Robaina Feijó Freitas Rafael Bueno da Rosa Moreira 17 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II CAPÍTULO 1 A ARTICULAÇÃO INTERSETORIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS COMO UMA FERRAMENTA PARA O ENFRENTAMENTO DA POBREZA MENSTRUAL DE MENINAS EM COMUNIDADES CARENTES Celiena Santos Manica 1 Mariane Contursi Piffero2 1 Doutoranda em Direitos Sociais e Políticas Públicas pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, com bolsa Capes modalidade II. Mestra em Direitos Sociais e Políticas Públi- cas pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Graduada em Direito pela Univer- sidade de Erechim – URI. Graduada em Letras Português, Inglês e respectivas literaturas pela Universidade de Lajeado- UNIVATES. Professora da Escola Educar-se. Integrante do Grupo de Estudos em Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens do Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado – da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). E-mail: manicaceliena@yahoo.com.br. 2 Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Integrante do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas de Inclusão Social e do Grupo de Estudos em Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens do PPGD/UNISC. Pós-graduada em Direito de Família e Sucessões pela FMP. Pós-graduada em Direito Público pela IMED. Advogada. E-mail: contursimariane@gmail.com. mailto:manicaceliena@yahoo.com.br about:blank 18 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II INTRODUÇÃO O tema da pobreza menstrual ainda não ocupa um espaço de destaque no cenário nacional, pois temas que envolvem a mulher, em razão de uma cultura cristã, são estigmatizados e inferiorizados. Em que pese a urgência da abordagem desse assunto, o mesmo permanece menosprezado no meio político e também em muitas camadas sociais, por isso justifica-se a neces- sidade da abordagem desta pesquisa. O tema abordado nesta pesquisa é o cerceamento do direito à educação de meninas adolescentes de comunidades carentes, em razão da pobreza menstrual, como uma forma de fomentar a desigualdade de gênero. Assim, o questionamento norteador do trabalho é: a ausência de políticas públi- cas para enfrentamento da pobreza menstrual aumenta a desigualdade de gênero no ambiente escolar? A hipótese inicial é que a ausência de políti- cas públicas no enfrentamento à pobreza menstrual faz com que meninas tenham seu direito à educação prejudicado, bem como seu desenvolvi- mento escolar e social. O objetivo geral do trabalho é analisar como políticas públicas interse- toriais poderiam enfrentar a violação de direitos infantojuvenis decorrentes da pobreza menstrual de forma mais acurada. Os objetivos específicos são estudar os conceitos de articulação intersetorial e políticas públicas; anali- sar o conceito e o contexto da pobreza menstrual no cenário escolar brasi- leiro; analisar o Programa de Proteção e Promoção da Saúde como estraté- gia de combate à violação de direitos decorrentes da pobreza menstrual no cenário escolar brasileiro. O método de abordagem será o dedutivo e o método de procedimento monográfico com técnicas de pesquisa bibliográfica e documental. A pes- quisa bibliográfica será realizada na consulta do embasamento em bases teóricas sustentadas em livros e artigos científicos. A pesquisa documental será realizada nas Pesquisas Nacional de Saúde de 2019, Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar no ano de 2015 e Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua Anual nos anos de 2018 e 2019, todas disponíveis no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 1 POLÍTICAS PÚBLICAS E ARTICULAÇÃO INTERSETORIAL As Políticas Públicas têm sua origem nos Estados Unidos, em um perí- odo de pós-guerra e não apresentam um conceito fechado. São ferramentas para que o Estado consiga atender demandas sociais e múltiplas ações com- põem as políticas. Inicialmente, eram consideradas um conjunto, que buscava verificar problemas e indicar um caminho a ser percorrido no intuito de realizar um bom governo. 19 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II Com efeito, este termo cobre, ao mesmo tempo, a esfera da política (polity), a atividade política (politics) e a ação pública (policies). A primeira faz a distinção entre o mundo da política e a sociedade civil, podendo a fronteira entre os dois, sempre fluida, variar segundo os lugares e as épocas; a segunda designa a atividade política em geral (a compe- tição pela obtenção dos cargos políticos, o debate partidá- rio, as diversas formas de mobilização...); a terceira acepção, enfim, designa o processo pelo qual são elaborados e implementados programas de ação pública, isto é, disposi- tivos político-administrativos coordenados em princípio em torno de objetivos explícitos (MULLER, 2002, p.10). A Política Pública traz um estudo, uma análise, no intuito de auxiliar uma determinada área que apresenta necessidades. Nesse sentido, esclarece Schmidt: “[...] políticas públicas são respostas do poder público a problemas políticos” (2019, p.122). O governo deve investigar os problemas para que se trabalhem alternativas, e assim “as políticas designaminiciativas do Estado (governos e poderes públicos) para atender demandas sociais referentes a problemas políticos de ordem pública ou coletiva” (SCHMIDT, 2019, p.122). Toda política pública é uma forma de intervenção nas relações sociais, estando sempre condicionada pelos interesses e expectativas dos integran- tes de tais relações. Por conseguinte, ela pode ser definida como a busca explícita e racional de um objetivo, graças à alocação adequada de meios que, mediante uma utilização razoável, devem produzir consequências positivas (GRAU, 2000, p. 26). No Brasil, as políticas públicas ganharam espaço significativo a partir dos anos 1990 em razão da nova Constituição. Como assevera Bucci (2013, p.19), “pode-se marcar os anos 1990 como o período em que a temática das políticas públicas ganha presença no universo do direito no Brasil, aspi- rando à quitação da dívida social, pela realização dos direitos sociais[...]”. A partir da Constituição Federal de 1988, que garantiu uma gama de direi- tos fundamentais, as demandas sociais de uma sociedade economicamente desequilibrada entraram em pauta para um planejamento. Muito embora a busca pela atuação do Estado nos países em desen- volvimento exija atuações coerentes e eficientes, existem muitos problemas a serem sanados e, para que seja atingido o maior número de pessoas, o Estado deve estar “em condições de articular a ação requerida para modi- ficação das estruturas que reproduzem o atraso e a desigualdade” (BUCCI, 2013, p.23). As políticas públicas buscam melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, promovendo os direitos fundamentais e sociais. A elaboração de políticas públicas pode ser complexa, pois são mui- tas as variáveis a serem consideradas. Nessa perspectiva, “A formulação da política pública é o momento da definição quanto à maneira de solucionar o problema político, selecionando-se uma das alternativas disponibilizadas pelos diferentes agentes envolvidos” (SCHMIDT, 2019, p. 133). 20 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II Esse momento pode envolver conflitos em busca das melhores solu- ções e, além dessas tensões, um dos maiores desafios para o planejamento e a aplicabilidade das políticas públicas pode ser o tempo, pois “é fator de deferimento da ação, sempre em balanço com fatores correlacionados [...] uma ação pode ter alto custo, se proposta num prazo curto, mas custo acei- tável, se estipulado o dobro do prazo” (BUCCI, 2013, p.95). É possível verificar que uma política pública de qualidade “reside exa- tamente na condição de planejamento e execução coordenada da ação; planejar estrategicamente, num prazo longo o suficiente para realizar os objetivos[...]” (BUCCI, 2013, p.24). O prazo deve ser adequado ao objetivo e, também, ao que o Estado pode oferecer e investir em termos financeiros. No Brasil, os altos índices de pobreza marcam as desigualdades sociais e tornam a criação e implementação das políticas públicas muito mais com- plexas. “Empreendeu-se um imenso esforço conceitual e metodológico para o desenvolvimento de instrumentos de mensuração do bem-estar e da mudança social nas agências estatísticas [...]” (JANUZZI, 2001, p.16). Com sistemas de acompanhamento mais acurados, renovou-se a esperança de que os governos pudessem ser capazes de elaborar políticas públicas mais específicas, o que inclui a articulação intersetorial. É importante ressaltar o papel da intersetorialidade nas políticas públi- cas, pois neste aspecto a ajuda mútua resulta em ações mais assertivas. “O desenvolvimento de ações integradas e intersetoriais implica ideias como parceria e solidariedade, que requerem o conhecimento do outro e das demandas que enfrentam juntos[...]” (BONALUME, 2011, p.04). Logo, o trabalho de aproximação requer interesse de diferentes setores para que se chegue a respostas mais elaboradas para responder à demandas complexas. Quando as racionalidades particulares não se articulam har- moniosamente umas às outras e o todo começa a mostrar- -se problemático, tem-se um movimento de irracionalidade, desordem e caos. O princípio descarteano da separação divide as pessoas, as ações, as áreas do conhecimento e o objeto conhecido do sujeito conhecedor, levando ao princí- pio da especialização, que se revelou fecundo para diversos avanços, mas com diversas lacunas. Uma delas está, justa- mente, na falta da percepção de que muitas coisas nasceram nas fronteiras e zonas incertas entre um conhecimento e outro, uma ação e outra. (BONALUME, 2011, p. 05). Uma vez que os setores são colaborativos e têm contato com as polí- ticas, existe uma possibilidade de uma construção qualificada de políticas públicas. A intersetorialidade “refere-se à integração de diversos setores, princi- palmente – embora não unicamente – governamentais, visando à resolução de problemas sociais complexos cuja característica fundamental é a multi- causalidade” (REZENDE; BAPTISTA, 2015, p.36). É uma concepção baseada na colaboração e no interesse de se chegar à melhor solução, ou pelo menos 21 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II em se conseguir abranger uma melhor qualificação na formulação de pla- nos a respeito de uma política pública. A partir da colaboração pode-se vislumbrar diversas facetas de uma pro- blemática e se apoiar em diferentes conhecimentos para traçar o melhor cami- nho. Assim, “para abarcar as demandas da diversidade, a colaboração precisa estar presente entre os atores governamentais” (SCHMIDT, 2018, p.125). Segmentar conhecimentos implica prejudicar milhares de pessoas que carecem de um olhar específico, por estarem inseridas em condições pecu- liares. A função dos governos é fazer uma avaliação cautelosa e se compro- meter a buscar o melhor naquilo que se aplica ao social. 2 A POBREZA MENSTRUAL E A VIOLAÇÃO DE DIREITOS INFANTOJUVENIS Inicialmente é necessário identificar de qual público este trabalho irá tratar, considerando que recorte da pesquisa é a pobreza menstrual como barreira educacional de crianças e adolescentes. O artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente define que crianças são as pessoas “doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade” (BRASIL, 1990). O parágrafo único do mesmo artigo dispõe que o Estatuto pode ser de forma excepcional aplicado a “pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade” (BRASIL, 1990). Contudo, destaca-se que este estudo trata da violação de direitos de meninas, meninos transexuais e pessoas não binárias que menstruam na faixa etária de 10 a 19 anos, uma vez que esse é o parâmetro utilizado pela Organização Mundial de Saúde. Desde o final do século XX a teoria da proteção integral garante a pro- teção jurídica de crianças e adolescentes no Brasil. O Direito da Criança e do Adolescente foi construído observando os princípios dessa teoria que consagrou crianças e adolescentes como sujeitos de direitos que merecem proteção especial por estarem em desenvolvimento. Os princípios do supe- rior interesse da criança e do adolescente e o da prioridade absoluta são diretrizes da teoria da proteção integral. Com a vigência dessa teoria não há mais distinção entre as crianças e adolescentes como aconteceu durante a vigência da Doutrina da Situação Irregular prevista no Código de Meno- res que foi totalmente revogado pelo artigo 267 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Art. 267. Revogam-se as Leis n.º 4.513, de 1964 , e 6.697, de 10 de outubro de 1979 (Código de Menores), e as demais disposições em con- trário” (BRASIL, 1990). Se por um lado, a Doutrina da Proteção Integral impõe a uni- versalidade e a garantia de atendimento dos direitos e das necessidades de crianças e adolescentes os princípios do ‘interesse superior’ e da ‘prioridade absoluta’ têm em comum a exigência de que esses direitos e necessidades tenham pre- valência em face de quaisquer com os quais possam entrar em conflito (LIMA, 2001,p. 320). https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L4513.htm https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L6697.htm https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L6697.htm 22 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II O artigo 227 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), trata dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, sendo, portanto, um dispositivo essencial na garantia da proteção integral de crianças e adolescentes. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegu- rar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta priori- dade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988). Portanto, uma das características do Direito da Criança e do Adolescente é a sua universalidade que deve ser aplicado em “qualquer situação relacio- nada aos direitos de crianças e adolescentes” (RIBEIRO, 2022, p. 64). A forma preconceituosa como o fato fisiológico de meninas menstruarem é tratado pela sociedade interfere no desenvolvimento escolar dessas, interferindo no direito fundamental à educação está previsto no artigo 227 da Constituição Federal e no artigo 53, I do Estatuto da Criança e do Adolescente: Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (BRASIL, 1990). Mesmo com o fato da igualdade ser um direito fundamental previsto no artigo 5º, I da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e ser reforçado pelo ordenamento jurídico brasileiro a desigualdade de gênero, realidade expe- rimentada pelas mulheres em vários setores e ciclos de suas vidas, pode ser verificada no ambiente escolar sendo um dos motivos o fato das meninas menstruarem. Sob este impacto e à luz destes dados, é lícito asseverar que a menstruação e a carência de materiais apropriados para a contenção do fluxo e manutenção da higiene menstrual nas escolas vulnera o direito da menstruante à educação, posi- cionando-a em condição desvantajosa e em desequilíbrio em relação ao gênero masculino, fazendo letra morta ao preceito constitucional que assegura equidade de gênero. (MOTTA; ARAÚJO; SILVA, 2021, p. 195). A situação recebeu atenção do Fundo das Nações Unidas para a Infân- cia que apresentou em 2021 o relatório Pobreza Menstrual no Brasil: desi- gualdades e violações de direitos, definiu menina como expressão “utilizada como o recorte de gênero e etário” (UNICEF, 2021, p. 07) como as pessoas “a faixa etária de 10 a 19 anos de acordo com o padrão estabelecido pela Orga- nização Mundial da Saúde – OMS e utilizado da mesma forma em incontá- veis trabalhos” (UNICEF, 2021, p. 07). 23 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 a idade média da pri- meira menstruação é 12 anos e 8 meses (IBGE, 2019). A Lei n. 12.796, de 04 de abril de 2013 alterou a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 que esta- belece diretrizes e bases da educação nacional. Entre os artigos modificados está o inciso I do artigo 4º que tornou obrigatória a “educação básica obri- gatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade [...]” (BRA- SIL, 2013). Portanto, considerando a pesquisa da idade média da menarca e a idade da obrigatoriedade da educação básica, comprova-se que durante um período, mínimo, de quatro anos as meninas terão seus períodos mens- truais na escola. Ademais, considerando a menarca e a idade escolar, quando estamos diante de meninas que vivem em situação de vulnerabilidade social e finan- ceira em idade menstrual, percebe-se que essas têm uma dificuldade a mais para superar se comparadas aos meninos nas mesmas condições. Durante o período menstrual elas não conseguem manter suas atividades escolares por falta de acesso aos recursos que garantem a dignidade menstrual. É cultural o processo de envergonhamento quando as meninas ficam mens- truadas pela primeira vez “fato pode restringir a participação em atividades esportivas, bem como limitar as brincadeiras e a convivência com seus ami- gos [...]” (UNICEF, 2021, p. 05). Um dos dados verificados na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar de 2015 foi o “percentual de escolares com idade de 13 a 17 anos que não foram à escola por motivos relacionados à própria saúde alguma vez nos 12 meses anteriores à pesquisa” (IBGE, 2015) comprova que pessoas do sexo feminino deixam de comparecer à escola em um percentual maior que as do sexo masculino por esse motivo. Tabela 1. IDADE TOTAL SEXO MASCULINO SEXO FEMININO 13 a 17 anos 53,1% 48,5% 57,8% 13 a 15 anos 51,5% 47,8% 55,3% 16 e 17 anos 55,8% 49,7% 61,7% Fonte: Tabela elaborada pelas autoras a partir dos microdados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar de 2015 (IBGE, 2015). Ainda segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Con- tínua Anual de 2018 e 2019 o número de estudantes do sexo masculino é maior ao número de estudantes do sexo feminino: 24 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II Tabela 2. IDADE TOTAL HOMENS 2018 TOTAL MULHERES 2018 TOTAL HOMENS 2019 TOTAL MULHERES 2019 6 a 14 anos 46,7% 44,3% 46,7% 44,3% 15 a 17 anos 15,0% 14,2% 14,8% 13,9% 18 a 24 anos 12,7% 13,2% 12,3% 13,2% Fonte: Tabela elaborada pelas autoras a partir dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Anual de 2018 e 2019 (IBGE, 2018/2019). Importa ressaltar que são poucos os indicadores quando se trata da saúde de meninas. A falta de indicadores prejudica a elaboração de políti- cas públicas para o enfrentamento da pobreza menstrual, fato que tem por consequência a violação do direito fundamental à educação de meninas e a inobservância da teoria da proteção integral. O artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que: Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimen- tação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: [...] d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (BRA- SIL, 1990). O tratamento prioritário na destinação de recursos públicos para a proteção da infância e juventude, mesmo com previsão legal há mais de 32 anos, quando se trata de pobreza menstrual ainda é recente. Durante muito tempo o direito das meninas que menstruam foi invisibilizado mesmo com a existência da tríplice responsabilidade prevista no artigo 227 da Constitui- ção Federal (BRASIL, 1988). 3 O PROGRAMA DE PROTEÇÃO E PROMOÇÃO DA SAÚDE MENSTRUAL COMO ESTRATÉGIA DE COMBATE À VIOLAÇÃO DE DIREITOS DECORRENTES DA POBREZA MENSTRUAL NO CENÁRIO ESCOLAR BRASILEIRO Em 11 de novembro de 2020 o Conselho Nacional dos Direitos Huma- nos emitiu a Recomendação n. 21 recomendando “ao Presidente da Repú- 25 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II blica, ao Presidente da Câmara dos Deputados e ao Presidente do Senado Federal, a criação de um marco legal para superar a pobreza menstrual e a garantia de isenções de impostos de produtos” (CNDH, 2020). A recomen- dação traz dois aconselhamentos: 1. Criação de uma Política Nacional de superação da pobreza menstrual, para garantir que itens como absorventes femi- ninos, tampões íntimos e coletores estejam disponíveis para todas as mulheres e meninas, inclusiveas que estejam pri- vadas de liberdade, privilegiando itens que tenham menor impacto ambiental, bem como para que sejam ampliadas ações educativas quanto às medidas de saúde e autocuidado, no sentido de que sejam desenvolvidas relações mais positi- vas das mulheres e meninas com seu ciclo menstrual 2. Aprovação e regulamentação do Projeto de Lei n.º 4.968, de 2019, que Institui o Programa de Fornecimento de Absor- ventes Higiênicos nas escolas públicas que ofertam anos finais de ensino fundamental e ensino médio e do Projeto de Lei 3.085/19 que prevê isenção de Imposto sobre Pro- dutos Industrializados (IPI) para os absorventes femininos (CNDH, 2020). O documento acima mencionado foi observado e o Projeto de Lei n. 4968/2019 deu origem à Lei n. 14.214, de 06 de outubro de 2021, que “Ins- titui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual” (BRASIL, 2021) definiu a precariedade menstrual no inciso II do artigo 2º “como a falta de acesso a produtos de higiene e a outros itens necessários ao período da menstruação feminina, ou a falta de recursos que possibilitem a sua aqui- sição” (BRASIL, 2021). Verifica-se que a definição de pobreza menstrual é ampla sendo o acesso à absorventes íntimos apenas um dos elementos que podem carac- terizá-la. Pobreza menstrual é um conceito que reúne em duas pala- vras um fenômeno complexo, transdisciplinar e multidimen- sional, vivenciado por meninas e mulheres devido à falta de acesso a recursos, infraestrutura e conhecimento para que tenham plena capacidade de cuidar da sua menstruação. É recorrente o total desconhecimento do assunto ou, quando existe algum conhecimento, há a percepção de que este é um problema distante da realidade brasileira. Imagina-se que a pobreza menstrual atinja apenas países que, no senso comum, seriam muito pobres ou mais díspares em termos de desigualdade de gênero que o Brasil. (UNICEF, 2021). O legislador também reservou espaço para deixar expresso quais são os objetivos e quem são as beneficiárias da Lei: Art. 2º É instituído o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, que constitui estratégia para promoção da saúde e atenção à higiene e possui os seguintes objetivos: 26 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II I - combater a precariedade menstrual, identificada como a falta de acesso a produtos de higiene e a outros itens necessá- rios ao período da menstruação feminina, ou a falta de recur- sos que possibilitem a sua aquisição; II - oferecer garantia de cuidados básicos de saúde e desen- volver meios para a inclusão das mulheres em ações e progra- mas de proteção à saúde menstrual. Art. 3º São beneficiárias do Programa instituído por esta Lei I - estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino; [...] (BRASIL, 2021). A lei ganhou destaque nacional após o Presidente da República, Jair Bolsonaro, vetar o artigo 3º. O Congresso Nacional derrubou o veto do pre- sidente. Esse contexto fez com que a legislação ganhasse visibilidade, fato que contribuiu para que luzes fossem direcionadas ao problema enfrentado por muito tempo pelas meninas e mulheres em situação de vulnerabilidade social: a pobreza menstrual. Meninas em idade escolar estão no rol de beneficiadas pelo Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, conforme previsão contida nos incisos do artigo 3º acima transcrito, são as “estudantes de baixa renda matriculadas em escola de rede pública de ensino” (BRASIL, 2021). A precariedade da higiene parece um assunto distante de muitas pes- soas em idade menstrual, porém é necessário ressaltar que parcela da popu- lação brasileira vive sem acesso à infraestrutura básica para enfrentar o ciclo menstrual da forma adequada. Em muitos casos não há acesso a banheiros nem na escola, nem na residência. Tabela 3. Escolares frequentando o 9 ano do ensino fundamental, total e percentual, em escolas que informaram possuir banheiros separados para alunos e alunas em condições de uso. Total Escola Pública Escola Privada 97,1% 96,7% 100% Fonte: Tabela elaborada pelas autoras a partir dos microdados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (IBGE, 2015). Tabela 4. Escolares frequentando o 9 ano do ensino fundamental que possuem banheiro com chuveiro dentro de casa Total Escola Pública Escola Privada 96,2% 95,6% 99,7% Fonte: Tabela elaborada pelas autoras a partir dos microdados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (IBGE, 2015). 27 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II O relatório da UNICEF (UNICEF, 2021) traz outro fator importante sobre os cuidados com a higiene durante o período menstrual, inclusive para meninas que não vivem em situação de pobreza, mas que a família considera a compra de absorventes desnecessária ou “ainda porque, em geral, meninas de 10 a 19 anos não decidem sobre a alocação do orçamento da família [...]” (UNICEF, 2021, p. 05). A Lei n. 14.214, de 06 de outubro de 2021 é recente não existindo estudos sobre a efetividade do acesso à produtos de higiênicos femininos às beneficiárias, conforme prevê o artigo 5º da legislação (BRASIL, 2021). A falta de recursos financeiros e as condições de precariedade que muitas pessoas que menstruam vivem é o cenário comum na situação analisada neste capítulo. Uma grande parcela da população brasileira vive sem acesso não apenas aos produtos inseridos no Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, mas também não têm banheiro nas residências e escolas para que possam realizar sua higiene. CONCLUSÃO A pobreza menstrual é um assunto complexo, razão pela qual seu enfren- tamento depende de políticas públicas intersetoriais. É relevante que profis- sionais de diferentes áreas, governantes e estudiosos do assunto entendam a necessidade de analisar-se as circunstâncias que envolvem meninas adoles- centes e as peculiaridades das comunidades carente onde elas estão inseri- das, para que possam, a partir da compreensão deste lugar, elaborar políticas públicas com enfoque na garantia do acesso à educação. É preciso também prevenir a cultura da discriminação, da subjugação e de tantas outras formas de violências e desrespeito à pessoas do gênero feminino. O problema que o trabalho buscou responder é se a ausência de políti- cas públicas para enfrentamento da pobreza menstrual aumenta a desigual- dade de gênero no ambiente escolar? A hipótese inicial é que a ausência de políticas públicas no enfrentamento à pobreza menstrual faz com que meninas tenham seu direito à educação prejudicado, bem como seu desen- volvimento escolar e social. A hipótese inicial foi confirmada durante a pesquisa. Entretanto, ainda há um longo percurso a ser percorrido para que a desigualdade de gênero e violação dos direitos à educação de meninas sejam reduzidas. Para que isso aconteça é necessário debater sobre a pobreza menstrual e realizar pesqui- sas direcionadas ao público infantojuvenil. Com indicadores confiáveis será possível traçar políticas públicas eficazes para enfrentar a pobreza menstrual. A Lei n. 14.214, de 06 de outubro de 2021, que “Institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual” (BRASIL, 2021) foi um marco importante para o enfrentamento à escassez menstrual não apenas pelo seu espectro de proteção, mas também pela visibilidade que a mesma ganhou 28 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II fato que trouxe ao debate um antigo problema que, mesmo após a vigência da teoria da proteção integral, permaneceu ignorado por muito tempo. Entretanto, a novidade legislativa trata apenas de um dos pilares da pre- cariedade menstrual, o fornecimento de absorventes e produtos de higiene necessários. É necessário, para garantir igualdade no desenvolvimento de todas as meninas que estão em idade menstrual, a ampliação do acesso à itens básicos de saúde como por exemplo a existência de banheiros ade- quados nas escolas e nas residências.Portanto, em que pese a relevância das políticas públicas previstas na Lei n. 14.214, de 06 de outubro de 2021 é indispensável avançar e pensar em outras políticas públicas para garan- tir condições de higiene nas residências e nas escolas públicas para que as meninas em situação de vulnerabilidade tenham acesso a uma infraestru- tura básica para enfrentar os ciclos menstruais reduzindo, assim, a desigual- dade de gênero no ambiente escolar. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 11 de maio de 2022. BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. 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Email: andrecustodio@unisc.br. 4 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul, RS (Brasil) e Integrante do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas de Inclusão Social e do Grupo de Estudos em Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens da Universi-dade de Santa Cruz do Sul, RS (Brasil). mailto:andrecustodio@unisc.br 31 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II INTRODUÇÃO O objetivo primordial do presente trabalho consiste em estudar o con- texto da exploração do trabalho infantil no esporte considerando suas cau- sas e consequências no Brasil contemporâneo. Para atingir esse objetivo foi necessário realizar pesquisas sobre o tra- balho infantil esportivo no Brasil, estabelecer suas causas e consequências, e pesquisar ações para o enfrentamento do trabalho infantil no esporte rea- lizadas pelo Ministério Público do Trabalho e pelos Fóruns Nacional e Esta- duais de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. A importância da abordagem teórica sobre o tema se justifica na medida em que, ao se estabelecer qual o contexto do trabalho infantil esportivo no Brasil, será possível elaborar ou aprimorar políticas públicas voltadas a pre- venção e erradicação dessa modalidade de trabalho infantil. A legislação brasileira regulamenta e assegura aos atletas profissio- nais todos os direitos trabalhistas inerentes a qualquer trabalhador. Por essa razão, nessa atividade profissional incide os mesmos limites de idade mínima para o trabalho estabelecido pela Constituição Federal, pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e pela Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, também conhecida como Lei Pelé. Da mesma forma, por ser o desporto profissional uma atividade que prescinde de qualificação, é permitida a aprendizagem e, com ela, são asse- gurados todos os direitos trabalhistas e previdenciários conforme previsão legal expressa no artigo 65 do Estatuto da Criança e do Adolescente, em detrimento da norma restritiva de direitos constante no § 4º do artigo 29 da Lei nº 9.615, de 24 de março e 1998, segundo a qual o adolescente aprendiz poderá receber auxílio financeiro sob forma de bolsa aprendizagem. Assim, toda criança e adolescente que conte com menos de 16 anos de idade, com a exceção da aprendizagem a partir dos 14 anos, estão proibidos de exercer atividade profissional como atleta. Se constatado que a relação entre a criança e o adolescente atleta e seu patrocinador, agenciador ou enti- dade esportiva preenche todos os requisitos necessários para validade de um contrato de trabalho haverá exploração de trabalho infantil. A prática esportiva é um direito da criança e do adolescente desde que praticado de forma pedagógica e lúdica. No entanto, se a prática esportiva implicar na presença dos requisitos caracterizadores de vínculo emprega- tício, quais sejam, que o serviço seja prestado por pessoa física, que haja a pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade, a criança ou o adolescente estará em situação de trabalho infantil. Por essa razão, é importante observar a relação firmada entre o atleta mirim ou juvenil e a entidade esportiva ao qual esteja vinculado, ou para com seus patrocinadores ou agenciadores. Os requisitos caracterizadores do vínculo empregatício poderão estar presentes na exigência de cumpri- 32 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II mento de horários, de se atingir metas nos treinamentos e de obter resulta- dos positivos em competições diversas, mediante contraprestação previa- mente acordada. Diante disso, necessário se faz estabelecer o contexto em que ocorre o trabalho infantil esportivo no Brasil para, assim, criar ou aprimorar as políti- cas públicas de combate a essa modalidade de trabalho infantil. O tema proposto possui relevância social ao passo que é dever do Estado, da família e da sociedade garantir direitos e proteger crianças e ado- lescentes quando violados em sua dignidade, o que implica na necessidade de prevenir e erradicar qualquer forma de trabalho infantil e seus danos pessoais e sociais consistentes na perpetuação da evasão escolar e do ciclo intergeracional de pobreza. A abordagem acadêmica faz-se necessária ao passo que somente atra- vés da pesquisa é possível se estabelecer o contexto do trabalho infantil esportivo e dar ênfase a essa violação de direitos. A metodologia empregada para o desenvolvimento do tema consiste no método de abordagem dedutivo, e no método e procedimento monográfico, com técnica de pesquisa bibliográfica e documental. A utilização do método de abordagem dedutivo consistiu em iniciar a pesquisa considerando o contexto geral do trabalho infantil esportivo no Brasil, e partindo-se para o específico, que diz respeito as ações voltadas ao enfrentamento do trabalho infantil no esporte. A técnica de pesquisa bibliográfica, referente ao procedimento mono- gráfico, realizou-se nas seguintes bases de dados: Biblioteca Digital Brasi- leira de Teses e Dissertações, Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, Academia.edu, Google Acadêmico e Scielo. A técnica de pesquisa documen- tal, por sua vez, envolveu o levantamento de legislação no site do Planalto, documentos técnicos orientadores da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, do Ministério da Cidadania e da Secretaria Especial do Esporte. 1 O TRABALHO INFANTIL ESPORTIVO NO BRASIL 1.1 Proteção jurídica infanto-juvenil contra o traba- lho infantil Promulgada no ano de 1988, a Constituição Federal tornou-se inova- dora ao aderir as reivindicações de movimentos sociais que, refletindo dis- cussões internacionais que antecederam a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança de 1989 (FALEIROS, 2011, p. 75), adotaram a teoria da proteção integral. Dessa forma, o Brasil passou a reconhecer a criança e o adolescente como sujeitos de direitos e, consequentemente, detentores de todas as garantias e direitos fundamentais previstas no orde- namento jurídico, nos termos de seu artigo 227, caput: 33 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegu- rar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta priori- dade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988). Além de elencar os direitos fundamentais de crianças, adolescentes e jovens, redação essa de acordo com a Emenda Constitucional nº 65, de 13 de julho de 2010, a Constituição Federal estabelece a tríplice responsabili- dade compartilhada de garantir o respeito a esses direitos e a protege-los “de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Portanto, é de responsabilidade da família, da sociedade e do Estado promover uma vida digna à infância e a juventude tanto através da garantia de direitos quanto afastando-os de tudo o que for nocivo para seu bem estar físico, mental e emocional. Esse dispositivo constitucional sustentou o Direito da Criança e do Adolescente como ramo jurídico autônomo, cujo fundamento está na teo- ria da proteção integral, segundo a qual a criança, o adolescente e o jovem merecem proteção absoluta e atendimento prioritário segundo seus interes- ses (CUSTÓDIO, 2008, p. 27). A regulamentação normativa do artigo 227 da Constituição Federal deu-se através da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, responsável por dis- por sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Além de reproduzir parte do dispositivo constitucional citado, o Estatuto da Criança e do Adolescente elencou as garantias de prioridade no artigo 4º: Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimen- tação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafoúnico. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer cir- cunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (BRA- SIL, 1990). Entre os direitos fundamentais assegurados está a proteção jurídica especial contra a exploração do trabalho infanto-juvenil. Para tanto, a Cons- tituição constituinte estabeleceu limites etários para a prática laborativa no artigo 7º, inciso XXXIII, que atualizado pela Emenda Constitucional n. 20, de 34 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II 15 de dezembro de 1998, passou a vigorar com a seguinte redação: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;”. Nota-se que o inciso XXXIII criou regras para proteger a criança e o adolescente da exploração do trabalho infantil. Para isso, proibiu o trabalho de pessoas com menos de 16 anos de idade. Excepcionou apenas a aprendi- zagem a partir dos 14 anos. A respeito do trabalho exercido por pessoas com idade entre 16 e 18 anos, manteve a proibição quanto às atividades profissionais noturnas, insa- lubres e perigosas, todas regulamentadas pelo Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008. A definição de trabalho noturno para fins de labor juvenil está prevista no artigo 67, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o qual é aquele realizado entre as vinte e duas horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte. A atividade insalubre consiste naquela em que o trabalha- dor está exposto a agentes nocivos à saúde, e a atividade perigosa ocorre quando o trabalhador é exposto a perigo de vida ou a sua saúde. As proibições constitucionais foram reproduzidas e regulamentadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, do artigo 60 ao artigo 69, que inaugura o tema proibindo qualquer trabalho a pessoa com menos de 16 anos, salvo na condição de aprendiz aos 14 anos de idade. A respeito da aprendizagem, o artigo 62 do Estatuto da Criança e do Adolescente considera-a como a “formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor”, sempre observando-se como princípios a garantia de acesso e frequência obriga- tória ao ensino regular, e que a atividade seja compatível com o desenvol- vimento do adolescente, e que exerça a aprendizagem em horário especial nos termos do artigo 63 (BRASIL, 1990). A aprendizagem também é regula- mentada pela Lei nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000. O Estatuto da Criança e do Adolescente também garante ao adoles- cente aprendiz com idade a partir de 14 anos todos os direitos trabalhistas e previdenciários (art. 65). O artigo 66 é responsável por garantir o trabalho protegido ao adoles- cente que possui de deficiência, e o artigo 67 regulamenta e amplia as proi- bições elencadas na Constituição Federal, quais sejam, o trabalho noturno, perigoso, insalubre ou penoso, e acrescenta a proibição para atividades rea- lizadas em locais prejudiciais a formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, bem como se realizado em horários e locais que impeçam ou dificultem a frequência à escola. Ainda sobre a proteção de crianças e adolescentes contra o trabalho infantil merece destaque o Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008, que aprova a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, conhecida como a 35 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II Lista TIP. Referido Decreto foi promulgado com o intuito de cumprir o com- promisso assumido pelo governo brasileiro junto à Organização Interna- cional do Trabalho – OIT ao ratificar a Convenção nº 182, e traz um rol de atividades proibidas de serem desempenhadas por crianças e adolescentes. 1.2 Regulamentação jurídica da atividade esportiva A atividade esportiva é regulamentada, primeiramente, pelo artigo 217 da Constituição Federal, que estabelece: Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas for- mais e não-formais, como direito de cada um, observados: I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e asso- ciações, quanto a sua organização e funcionamento; II - a destinação de recursos públicos para a promoção priori- tária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento; III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional; IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional. § 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei. § 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir deci- são final. § 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de pro- moção social (BRASIL, 1988). Nota-se que o constituinte estabeleceu, antes do direito ao esporte, o direito das entidades desportivas, situação que demonstra quais os verda- deiros destinatários da norma elaborada. Em detrimento disso, o dispositivo estabelece os tipos de modalidades esportivas, dividindo-as em desporto educacional e de alto rendimento, e profissional e não-profissional. De maneira suscinta, será profissional o atleta que está vinculado a alguma entidade esportiva ou que possui patrocínios, tendo a atividade esportiva como meio de prover sua subsistência, enquanto que o não-pro- fissional não está vinculado a nenhum contrato. O desporto educacional diz respeito ao esporte praticado em ambiente escolar e com obediência a um projeto pedagógico previamente formulado e aprovado pela Secretaria de Educação do Estado ou Município responsá- vel pela unidade escolar. O objetivo dessa pratica esportiva é promover o desenvolvimento humano da criança e do adolescente. No desporto de alto rendimento a prática esportiva é intensa, discipli- nada, rígida e inflexível. O intuito é formar um atleta capaz de participar de competições. 36 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II A fim de regulamentar o dispositivo constitucional foi elaborada a Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, conhecida como Lei Pelé, que institui nor- mas gerais sobre desporto e dá outras providências. A Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, detalhou as modalidades espor- tivas já enumeradas pela Constituição Federal, estabelecendo conceitos legais em seu artigo 3º: Art. 3o O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações: I - desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletivi- dade, a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finali- dade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer; II - desporto de participação, de modo voluntário, compre- endendo as modalidades desportivas praticadas com a fina- lidade de contribuir para a integração dos praticantes na ple- nitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente; III - desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacio- nais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações. IV - desporto de formação, caracterizado pelo fomento e aquisição inicial dos conhecimentos desportivos que garan- tam competência técnica na intervenção desportiva, com o objetivo de promover o aperfeiçoamentoqualitativo e quan- titativo da prática desportiva em termos recreativos, compe- titivos ou de alta competição. § 1o O desporto de rendimento pode ser organizado e prati- cado: I - de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva; II - de modo não-profissional, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo per- mitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio. Observa-se que o legislador classificou as modalidades esportivas em: desporto educacional, desporto de participação, desporto de rendimento, subdividido em profissional e não profissional, e desporto de formação. Dentre todas, aquelas que se destacam para o tema proposto é o desporto de rendimento e de formação, já que o desporto educacional e de participa- ção visam garantir a população o exercício do direito ao esporte como meio de formar cidadãos e de melhorar a qualidade de vida de seus praticantes. O desporto de rendimento anteriormente definido pelo artigo 217 da Constituição Federal permite ao atleta treinar com o objetivo de obter resul- tados positivos em competições. Para o legislador o atleta será profissional apenas se existir contrato formal conforme artigo 3º, § 1º, Inciso I, da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, exigência essa totalmente dispensável em 37 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II nome do princípio da verdade real, um dos princípios basilares do Direito do Trabalho brasileiro. Assim, o atleta será profissional ainda que inexista contrato formal. Para tanto, é suficiente a existência de vínculo empregatício com a entidade esportiva e/ou com o patrocinador ou agenciador, quando presentes os requisitos do artigo 3º, caput, da CLT, que são: o trabalhador ser pessoa física e existir pessoalidade, subordinação, não eventualidade e onerosidade. É exatamente o mesmo se o atleta for criança ou adolescente com menos de 14 anos de idade. Se presente na relação firmada entre o atleta infanto- -juvenil e a entidade esportiva e/ou patrocinador ou agenciador os requisitos necessários para a existência de vínculo empregatício previstos no artigo 3º da CLT, está caracterizada a exploração de trabalho infantil esportivo. No mais, critérios etários continuaram a ser utilizados pelo legislador no decorrer de todo o texto da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998. Nele destaca-se a nulidade de pleno direito de contratos de gerenciamento de carreira de atleta com idade inferior a 18 anos no artigo 27-C, inciso IV, o reconhecimento de atleta profissional como autônomo somente a partir dos 16 anos de idade no artigo 28-A, caput, a possibilidade de assinatura espe- cial de trabalho desportivo pela entidade de prática esportiva formadora do atleta somente a partir dos 16 anos de idade no artigo 29, e a proibição de atletas com até 16 anos de idade completos praticarem o profissionalismo esportivo qualquer que seja a modalidade no artigo 44, inciso III. No que diz respeito à aprendizagem, existe um ponto que merece reflexão. A Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, está em conflito direto com direi- tos fundamentais garantidos aos adolescentes aprendizes no Estatuto da Criança e do Adolescente, ao passo que prevê no art. 29, § 4º, a possibilidade do atleta com idade entre 14 e 20 anos, desde que não profissional, receber auxílio financeiro da entidade de prática desportiva formadora, sob a forma de bolsa de aprendizagem livremente pactuada mediante contrato formal. Ocorre que o art. 65 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que: “Ao adolescente aprendiz, maior de quatorze anos, são assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários”. Ou seja, a Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998 suprimiu direitos fundamentais garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente aos adolescentes com idade a partir de 14 anos. Em casos como tais, quando normas de mesma hierarquia entram em con- flito, faz-se necessária a incidência do princípio da progressividade ou do não retrocesso de direitos humanos, segundo o qual direitos fundamentais conquistados jamais poderão ser restringidos em um Estado Democrático de Direito, como é o caso do Brasil de acordo com o artigo 1º, caput, da Constituição Federal. A importância do princípio da proibição de retrocesso para a defesa dos direitos fundamentais, nessa linha, reside no fato de que não poderá o legislador brasileiro restringir ou suprimir, mesmo que de forma indireta, direito fundamen- 38 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II tal consagrado explícita ou implicitamente no ordenamento jurídico, ainda que com regulamentações relevantes postas em patamar infraconstitucional ou com implementações de políticas compensatórias e alternativas ou, ainda, se está pre- sente no país grave crise derivada exclusivamente de ordem econômica (MACHADO, 2018, p. 363). Portanto, em consonância com o princípio da progressividade, a apren- dizagem esportiva é regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adoles- cente, que garante ao adolescente direitos trabalhistas e previdenciários já conquistados. Tais apontamentos demonstram que a Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, legislação responsável por regulamentar a atividade esportiva, pres- cinde de aprimoramento no que diz respeito à proteção de crianças e ado- lescentes contra o trabalho infantil. 1.3 Causas e consequências do trabalho infantil Inicialmente, é importante pontuar que se considera como conceito de trabalho infantil no esporte toda a atividade laborativa, remunerada ou não, ou exercida como estratégia de sobrevivência, praticada por crianças e adolescentes de até 16 anos de idade, salvo na condição de aprendiz a par- tir dos 14 anos de idade, ou ainda que seja noturno, perigoso ou insalubre aos adolescentes entre 16 e 18 anos de idade, no âmbito esportivo (FÓRUM NACIONAL DE PREVENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL – FNPETI, 2022). Considerando esse conceito, entende-se que as causas e consequên- cias do trabalho infantil no esporte são os mesmos de qualquer trabalho infantil, e sua análise é importante para que se compreenda a necessidade de erradicar essa espécie de violação de direitos fundamentais infanto-juve- nis e como fazê-lo. O trabalho infantil é um fenômeno multicausal, “[...] sendo necessá- rio para sua compreensão a conjugação de uma generalidade de aspectos que, de acordo com suas combinações, resultam no ingresso de significativo contingente de crianças e adolescentes em idade inadequada no mundo do trabalho” (CUSTÓDIO; VERONESE, 2021, p. 85). Assim, é possível analisar as causas do trabalho infantil sob o viés socio- econômico, cultural e educacional. Sob o ponto de vista socioeconômico, a criança e o adolescente ingres- sam no mercado de trabalho em tenra idade para suprir suas necessidades básicas e de seus familiares ou cuidadores. Isso porque o Brasil, como um país emergente, possui altos índices de pobreza e desemprego. A mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís- tica – IBGE, informou que no 4º trimestre de 2021 havia aproximadamente 12 milhões de pessoas desocupadas no Brasil, que corresponde a 11,1% da 39 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II população com idade para trabalhar (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEO- GRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. 2021). O mesmo Instituto constatou que no ano de 2020 cerca de 7 milhões e 300 mil pessoas viviam em extrema pobreza. Constitui 3,5% da popula- ção brasileira sobrevivendo com a quantia mensal de R$ 89,00 per capita. Constatou-se, também, que 13 milhões e 630 mil pessoas estão na linha da pobreza, o equivalente a 6,5% de brasileiros com renda per capita de R$ 178,00 mensais (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE.2021, p. 60). Diante dessa realidade social, a PNAD Contínua de 2019 constatou que existiam 1 milhão e 768 mil crianças e adolescente com idade entre 05 e 17 anos estão em situação de trabalho infantil, o que compreende 4,6% dessa população. Desses, 50,8% são crianças e adolescente com idade entre 05 e 13 anos e estão incluídas nos programas sociais Bolsa Família, atual Auxí- lio Brasil, e Benefício de Prestação Continuada – BPC (INSTITUTO BRASI- LEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. 2020). A análise dos dados oficiais apresentados leva a conclusão de que o tra- balho infantil está intimamente ligado à situação de pobreza e de extrema pobreza, sendo a mão de obra de crianças e adolescentes utilizados como estratégia de sobrevivência familiar ante a ausência de assistência básica do Poder Público. Ainda como causa socioeconômica do trabalho infantil está o baixo custo da mão de obra infanto-juvenil. Sobre o pretexto da pouca experiên- cia profissional e da baixa capacidade de produção, o empregador explora o trabalho infantil fornecendo em contraprestação salário irrisório e livre de encargos trabalhistas, posto que por óbvio mantém a relação empregatícia ilegal na informalidade. Ademais, a docilidade e a fragilidade da criança e do adolescente, que veem no trabalho infantil uma oportunidade, tanto de atender suas necessidades imediatas quanto de aprendizado, e em seu empregador o seu “salvador”, torna o trabalho infantil ainda mais atrativo. Afinal, “[...] a incorporação das crianças e adolescentes no trabalho tem suas possibilidades elevadas, pois o baixo custo, a docilidade, o baixo nível reivindicatório, a obediência e a submissão são fatores que interessam ao capital e seus desejos de lucro ampliado” (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 2021, p. 91). Assim, o empregador possui empregados fáceis de controlar e com baixo custo, de maneira a obter maior margem de lucro. A causa cultural do trabalho infantil está diretamente relacionado a ideias sociais reproduzidas sistematicamente no senso comum que o con- validam. São inúmeras as expressões repetidas e disseminadas que repre- sentam conclusões sem qualquer comprovação social ou científica. As prin- cipais são: “é melhor trabalhar do que roubar, ficar nas ruas ou usar drogas”, “a criança precisa trabalhar para ajudar a família”, “trabalhar desde cedo torna a criança experiente para trabalhos futuros”, “trabalhar não faz mal 40 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II a ninguém” e “trabalhei desde criança e estou aqui” (CUSTÓDIO; VERO- NESE, 2009, p. 2021, p. 82). Portanto, é comum associar o ócio de crianças e adolescentes à prática de crimes e ao uso de entorpecentes, sendo o trabalho infantil uma forma de solucionar problemas sociais. Não é aceitável violar direitos no intuito de buscar alternativas para questões sociais tão complexas. Até mesmo porque a resolu- ção de tais problemas é responsabilidade dos adultos, representados pela famí- lia, pela sociedade e pelo Estado, e não das crianças e dos adolescentes. A ocupação saudável do tempo e da energia infanto-juvenil poderá ocorrer mediante a implementação de contraturno escolar. Proporcionar à criança e ao adolescente a possibilidade de frequentar o ambiente escolar em período integral, com atividades educacionais, esportivas e culturais são importantes atrativos para formar cidadãos conscientes, saudáveis e sem sofrer qualquer tipo de violação de direitos. Nesse ponto, é importante destacar a responsabilidade do sistema edu- cacional no trabalho infantil. A maneira como está constituído não é atra- tivo para crianças e, principalmente, para os adolescentes, que totalmente desmotivados facilmente abandonam o ensino mediante uma proposta de trabalho que atenderá suas necessidades de subsistência de maneira ime- diata. Prova disso é o alto índice nacional de crianças e adolescentes que trabalham e não frequentam a escola: no ano de 2019 eram 19,6% (FÓRUM NACIONAL DE PREVENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL – FNPETI, 2021, p. 24). Da mesma forma, não é responsabilidade da criança e do adolescente prover o sustento material de sua família, qualquer que seja sua constitui- ção. Trabalhar para ajudar seus familiares é retirar dos adultos o dever de prover o sustento de sua prole ou daqueles que estão sob sua responsabili- dade e passá-las àqueles que tem o direito de ser amparados e protegidos. A justificativa referente à experiência profissional proporcionada pelo trabalho infantil também não se sustenta, ao passo que os trabalhos desen- volvidos por crianças e adolescentes não são especializados. São atividades braçais, que não exigem nenhum tipo de conhecimento técnico e, portanto, não proporciona nenhum tipo de qualificação profissional. A experiência profissional poderá ser conquistada quando, de fato, possuir desenvolvi- mento que lhe permita aprender. Quanto ao argumento de que trabalhar não faz mal a ninguém, ou de que vários adultos trabalharam e “estão aqui”, sabe-se que as consequências do trabalho infantil são complexas e que toda vítima desse tipo de violação de direito fundamental vivencia suas implicações. Dentre as principais consequências do trabalho infantil está o dano ao desenvolvimento físico e psicológico da criança e do adolescente trabalha- dor, que está sujeito à adultização, ao envelhecimento precoce, a sofrer aci- dentes de trabalho, além da exposição à atividades insalubres, perigosas e penosas. 41 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II A respeito do trabalho infantil no esporte, expor crianças e adolescen- tes a alta intensidade dos treinos típica dos atletas profissionais implica, inclusive, em reconhecê-lo como uma das piores formas de trabalho infantil descritas no artigo 3 da Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho – OIT. Artigo 3 Para efeitos da presente Convenção, a expressão “as piores formas de trabalho infantil” abrange: a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escra- vidão, tais como a venda e tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a condição de servo, e o trabalho forçado ou obri- gatório, inclusive o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados; b) a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, a produção de pornografia ou atuações por- nográficas; c) a utilização, recrutamento ou a oferta de crianças para a realização para a realização de atividades ilícitas, em particu- lar a produção e o tráfico de entorpecentes, tais com defini- dos nos tratados internacionais pertinentes; e, d) o trabalho que, por sua natureza ou pelas condições em que é realizado, é suscetível de prejudicar a saúde, a segu- rança ou a moral das crianças. O Brasil regulamenta o tema através do Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008, que aprova a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, conhe- cida como Lista TIP. Sobre o trabalho infantil no esporte cabe destacar a ati- vidade descrita no item 80 da referida lista: Descrição dos Trabalhos: Com levantamento, transporte, carga ou descarga manual de pesos, quando realizados raramente, superiores a 20 qui- los, para o gênero masculino e superiores a 15 quilos para o gênero feminino; e superiores a 11 quilos para o gênero mas- culino e superiores a 7 quilos para o gênero feminino, quando realizados frequentemente. Prováveis Riscos Operacionais: Esforço físico intenso; tracionamento da coluna vertebral; sobrecarga muscular. Prováveis Repercurssões à Saúde: Afecções músculo-esqueléticas (bursites, tendinites, dor- salgias, sinovites, tenossinovites); lombalgias; lombociatal- gias; escolioses; cifoses; lordoses; maturação precoce das epífises. A análise do artigo 3, alínea “d”, da Convenção nº 182 da OIT e da ati- vidade descrita no item 80 da Lista TIP no Brasil leva a conclusão de que o trabalho infantil no esporte se enquadra como uma das piores formas detrabalho infantil. Isso porque atletas mirins em situação de especialização precoce realizam treinamentos de alta intensidade e, consequentemente, 42 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II são expostos a danos físicos tais como traumas e lesões, além de vivenciar a hiper competitividade presente tanto na preparação para certames quanto durante sua participação. Outra grande consequência do trabalho infantil é a infrequência e eva- são escolar, já que a criança e o adolescente deixam de frequentar a escola ou porque trabalham no horário das aulas ou porque ficam muito cansados para estudar e executar as atividades decorrentes do ensino. Sob o ponto de vista social, o trabalho infantil é responsável pela repro- dução do ciclo intergeracional de pobreza ante as assimetrias no mercado de trabalho. Crianças e adolescentes ingressam no mercado de trabalho informal com mais facilidade do que os adultos, já que recebem salários inferiores justificados pela inexperiência profissional, aliada a ausência de encargos devido à informalidade da contratação desse tipo de mão de obra. Assim, não terão disponibilidade para se especializar, o que impede o seu crescimento profissional e, com o tempo, poderá causar seu desem- prego e precisará que seus filhos trabalhem para ajudar no sustento da família. “Frente a isso, o trabalho infantil constitui causa e consequência dos ciclos intergeracionais da pobreza que faz com que os filhos repitam as ações dos pais não conseguindo se qualificar para o mercado de trabalho adulto, dificultando a profissionalização do cidadão” (MOREIRA; FREITAS, 2018, p. 90). Diante disso, existe a transferência de responsabilidade do adulto para crianças e adolescentes, que passam a prover o sustento próprio e de seus familiares. Há de se destacar também os custos econômicos do trabalho infantil, ao passo que essa violação impacta diretamente em outras políticas públi- cas. Pode-se citar seus efeitos nas políticas públicas de previdência, ante o aumento da concessão de aposentadorias precoces, nas políticas públicas de saúde, em face do atendimento a crianças e adolescentes vítimas de aci- dente de trabalho e do adoecimento da população que trabalhou durante a infância e a adolescência, e nos custos diretos com as políticas públicas de caráter reparatório e de proteção especial, que precisam de financiamento para combater o trabalho infantil. 2 O CONTEXTO DO TRABALHO INFANTIL ESPORTIVO NO BRASIL 2.1 Ações para o enfrentamento do trabalho infantil no esporte Em um Estado democrático de direito a implementação de políticas públicas é a principal forma de o poder público atender demandas sociais. O processo de elaboração de uma política pública, que consiste em uma res- 43 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II posta a um problema político, inicia-se com a identificação do problema, que gera uma demanda social (SCHMIDT, 2018, p. 122). Essa é a importância da elaboração de um diagnóstico a respeito do tema em debate, posto que através dele é possível constatar a realidade local e, consequentemente, identificar a demanda social que deve ser atendida. “El diagnóstico es un elemento que no todos los diseñadores de políticas con- sideran, y cuando sí lo hacen no le dan la importancia adecuada. Podemos decir que es la parte incial de toda política pública y qué estaria dando cuenta de la etapa del diseño de políticas públicas, pero sin llegar a la etapa de for- mulación” (FACIO, 2008. p. 05). Diante disso, a elaboração de um diagnóstico a respeito do tema é o primeiro passo para qualquer ação de enfrentamento ao trabalho infantil no esporte. Isso porque não existem dados oficiais quanto à essa espécie de trabalho infantil no Brasil, situação que prejudica sobremaneira a realização de ações para combatê-lo. É através do diagnóstico que ocorrerá o levantamento e a sistemati- zação de dados oficiais e qualitativos obtidos mediante um procedimento metodológico adequado. Somente de posse dessas informações que o Sis- tema de Garantias de Direitos de Crianças e Adolescentes poderá atuar de maneira sistemática no sentido de erradicar o trabalho infantil no esporte. A importância do levantamento de dados oficiais para o enfrentamento de problemas sociais não pode ser subestimada. Nenhum Estado, por menor que seja sua ambição civilizató- ria, pode prescindir das estatísticas, das informações sobre o “estado do Estado”. Estatísticas públicas ajudam pautar agen- das políticas, qualificar debates públicos e subsidiar decisões técnico-políticas. Prestam-se para dimensionar a população e suas demandas, avaliar o nível médio de bem-estar, inves- tigar as iniquidades sociais existentes e avaliar os efeitos da ação ou inação de suas políticas. Como mostrou a experiên- cia histórica dos países desenvolvidos, o volume de recursos, a abrangência de temas investigados e a cobertura e regula- ridade das pesquisas refletem o escopo e escala que a socie- dade confere às políticas públicas. Concepções mais amplas – ou mais estreitas – de Estado de Bem-Estar demandam sis- temas mais complexos – ou mais modestos – de informação estatística (JANNUZZI, 2018, p. 9). Existem no âmbito do Governo Federal várias ações e programas volta- dos para o esporte, tais como o Bolsa Atleta, a Lei de Incentivo ao Esporte, e os Programas Segundo Tempo e Forças no Esporte destinados a promover a prática esportiva no contraturno escolar. No entanto, dentre eles não foram identificadas ações específicas de combate ao trabalho infantil no esporte. Existem apenas algumas campanhas publicitárias de conscientização, tais como “Atletas Adolescentes” realizada pelo Ministério Público do Tra- balho nas redes sociais. 44 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II Cabe destacar que as ações de enfretamento ao trabalho infantil no esporte não podem resumir-se a campanhas publicitárias para a conscien- tização da população, não obstante o reconhecimento de sua importância estratégica. Isso porque é através da informação que a criança e o adoles- cente em situação de exploração dessa modalidade de trabalho infantil reconheçam-se como vítimas. Entretanto, é primordial ampliar o rol de ações, tais como identificar onde as vítimas estão, inibir o contratante ou a entidade esportiva explo- radora através de fiscalizações e responsabilizações, promover o constante aprimoramento dos agentes que integram o Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes para identificar a situação de trabalho infantil no esporte, interromper a exploração da vítima e atendê-la juntamente com seus familiares. Mas inicialmente, é primordial tanto a sociedade civil quanto o Poder Público reconhecer a existência do problema, deixar de glamourizar o tra- balho infantil no esporte e combatê-lo juntamente com as outras modalida- des de trabalho infantil. 2.2 Atuação do Sistema de Garantia de Direitos de Crian- ças e Adolescentes Para tratar da atuação do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes é imprescindível ressaltar a importância do princípio da des- centralização das políticas públicas legitimado pelo artigo 88, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o qual uma das diretrizes da política de atendimento é a sua municipalização. Atribuir ao Município a responsabilidade pela elaboração de políticas públicas em prol de crianças e adolescentes permite uma melhor adequa- ção às necessidades locais da população infanto-juvenil e ao Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes atuante no Município, além de facilitar a participação popular (CUSTÓDIO; SOUZA, 2022, p. 16). O Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes é com- posto por órgãos públicos e entidades representativas da sociedade civil res- ponsáveis pela proteção de direitos e garantias de crianças e adolescentes, cuja atuação ocorre em trêsesferas: na política atendimento, na política de proteção e na política de justiça. A política de atendimento diz respeito aos órgãos públicos responsá- veis pelo atendimento direto de crianças e adolescentes. São órgãos consti- tuídos por profissionais que atenderão a criança e o adolescente precipua- mente voltados a educação, a saúde, a assistência social, que tomam conhe- cimento inicialmente da violação de direitos. É por eles que a vítima e sua família ingressam na rede de atendimento, exceto se algum dos órgãos de proteção e de justiça forem os primeiros a terem conhecimento da viola- 45 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II ção, ocasião em que deverá notificar e encaminhar as vítimas e suas famílias para a rede de atendimento. A aplicação de medidas administrativas de proteção é realizada pelo Conselho Tutelar, quando necessário à garantia e proteção aos direitos de crianças e adolescentes e pela fiscalização do trabalho para aqueles que exploram o trabalho infantil. Cabe a esses profissionais proteger a criança e o adolescente e afastá-los da situação em que seus direitos e garantias estão sendo desrespeitados. A política de justiça ocorre apenas quando a criança e o adolescente e sua família já foram atendidos em suas necessidades iniciais e protegidos da violação de direitos. Nesse momento há atuação do Poder Judiciário e da Defensoria Pública tanto no âmbito Estadual quanto Federal e do Trabalho. O Ministério Público poderá atuar tanto na proteção de crianças e adoles- centes quanto na responsabilização dos autores das violações de direitos. Na estruturação do Sistema de Garantias de Direitos é importante des- tacar o papel dos Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adoles- cente. Compõe a política de atendimento, e se trata de um órgão colegiado, com caráter deliberativo, formado por representantes da sociedade civil e responsável por planejar e elaborar políticas públicas (CUSTÓDIO; FREI- TAS, 2020, p. 79). Novamente ressalta-se a importância do diagnóstico, pois somente de posse das informações nele obtidas que o Conselho poderá analisar os dados obtidos a respeito da incidência de trabalho infantil esportivo no município, e compreender a realidade local e as necessidades de atendi- mento para crianças e adolescentes atuam como atletas infanto-juvenis. O Conselho de Direitos também é o órgão responsável pelo registro de entida- des, programas e serviços ofertados para crianças e adolescentes no terri- tório do município, quando deverá verificar a adequação e a legalidade das ações propostas. Assim, traçará um planejamento estratégico para identificar, atender e proteger crianças e adolescentes vítimas do trabalho infantil no esporte de forma articulada no Sistema de Garantias de Direitos. “A responsabilidade pela articulação intersetorial das políticas de atendimento é dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, órgão paritário, constituído por representantes governamentais e não governamentais, nos três níveis do Poder Executivo, que realiza o controle deliberação das políticas públicas” (CUSTÓDIO; SOUZA, 2022, p. 17). Dessa forma, atendendo as necessidades locais da população infan- to-juvenil, a atuação do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes deverá sempre ocorrer em prol da criança e do adolescente a partir do momento em que for constatada a exploração de trabalho infantil no esporte. 46 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II 2.3 Ações do Ministério Público do Trabalho e dos Fóruns Nacional e Estaduais de Prevenção e Erradica- ção do Trabalho Infantil É importante esclarecer que a atuação do Ministério Público no Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes, poderá ocorrer tanto na política de proteção quanto na de justiça. O Ministério Público Estadual, Federal e do Trabalho possui competência para buscar a responsabilização do agressor do direito violado, e também para atuar na garantia de direitos e proteção de crianças e adolescentes. É o que ocorre com a Coordenado- ria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adoles- cente – Coordinfância. Criada pela Portaria nº 299, de 10 de novembro de 2000, do Ministério Público do Trabalho e da Procuradora Geral do Trabalho, a Coordinfância tem como objetivo promover, supervisionar e coordenar ações contra as variadas formas de exploração do trabalho de crianças e adolescentes, e tem como áreas de atuação a promoção de políticas públicas para prevenção e a erradicação do trabalho infantil informal, efetivação da aprendizagem, pro- teção de atletas mirins, trabalho infantil artístico, exploração sexual comer- cial, autorizações judiciais para o trabalho antes da idade mínima, trabalho infantil doméstico, coleta ou processamento de materiais recicláveis, entre outras. Algumas atuações da Coordinfância, no que se refere ao trabalho infan- til no esporte, são dignas de nota. As Orientações da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente nº 16 e nº 19, que tratam do limite etário para a aprendizagem no esporte, e dos deveres da entidade esportiva que acolhe atletas adolescentes em alojamentos. A Orientação nº 16 da Coordenadoria Nacional de Combate à Explora- ção do Trabalho da Criança e do Adolescente regulamenta a idade mínima para a aprendizagem esportiva nos mesmos termos previstos no artigo 7º, inciso XXXIII da Constituição Federal. ORIENTAÇÃO N. 16. EMENDA: Atletas. Aprendizagem. Representação. Limites. I – São nulas quaisquer modalida- des de contratos de agenciamento esportivo para atletas com idade inferior a 14 anos. II - A partir de 14 anos, é obrigató- ria a representação ou assistência dos responsáveis legais em todos os atos jurídicos praticados pelos atletas, vedada a transferência contratual de direitos inerentes ao poder fami- liar a agentes ou terceiros. Nota-se que a Orientação nº 16 estabelece de forma inequívoca que qualquer relação existente entre atleta infantil ou adolescente com menos de 14 anos de idade e entidades esportivas, agentes ou terceiros caracteri- zará trabalho infantil por expressa proibição constitucional. Determina, 47 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II ainda, a obrigatoriedade da participação dos pais ou responsáveis legais quando a partir dos 14 anos de idade. Dessa forma, evita-se a exploração de terceiros as atividades desempenhadas pelo adolescente e garante a convi- vência familiar. A Orientação nº 19, por sua vez, trata dos requisitos mínimos de pro- teção à atletas adolescentes que vivem em alojamentos junto às entidades esportivas. ORIENTAÇÃO N. 19. EMENTA: ALOJAMENTOS DE ATLETAS ADOLESCENTES. EXCEPCIONALIDADE. REGISTRO NO CMDCA. REQUISITOS MÍNIMOS DE PROTEÇÃO. A possibi- lidade de os clubes formadores manterem alojamentos para os atletas em formação só pode ser entendida como unidade de acolhimento excepcional, sujeita a registro nos CMDCA’s e controle pelas Promotorias da Infância e Juventude e pelo MPT. Para tanto, devem ser observados estritamente os direi- tos de assistência educacional, psicológica, médica e odon- tológica, assim como alimentação, transporte e convivência familiar, além de instalações desportivas adequadas, sobre- tudo em matéria de alimentação, higiene, segurança e salu- bridade, corpo de profissionais especializados em formação técnico-desportiva, incluindo profissionais da área médica, e profissionais que exerçam a supervisão dos adolescentes residentes e acompanhamento das famílias. Referida orientação demonstra a atuação do Ministério Público do Tra- balho na garantia de direitos de adolescentes que se enquadram na cate- goria de atletas em formação, situação na qual a aprendizagem é caracteri- zada. A Coordinfância regulamenta a necessidade de a entidade esportiva estar registrada nos Conselhos Municipais de Direitos de Criançase Adoles- centes, bem como de ser controlado pelas Promotorias da Infância e Juven- tude e pelo Ministério Público do Trabalho. Além disso, elenca uma série de deveres a serem cumpridos pelo acolhedor dos adolescentes aprendizes, deveres esses que garantem o respeito a seus direitos fundamentais. Destaca-se também a Nota Técnica emitida pelo Ministério Público do Trabalho que se posicionou contrariamente à proposta de alteração do artigo 60 do Estatuto da Criança e do Adolescente, para dispor sobre a par- ticipação artística, desportiva e afim, pretendida pelo Projeto de Lei nº 231, de 2015, em trâmite no Senado Federal. Segundo o Projeto de Lei o artigo 60 do Estatuto passaria a vigorar com a seguinte redação: Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos. § 1º A proibição expressa no caput não alcança a participa- ção artística, desportiva e afim, desde que haja autorização expressa: I – dos detentores do poder familiar, para adolescente com mais de quatorze e menos de dezoito anos de idade; 48 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II II – dos detentores do poder familiar, para criança ou ado- lescente com menos de quatorze anos de idade, desde que acompanhados por um dos pais ou responsável no local a ser exercida a atividade artística, desportiva ou afim, sendo exi- gida autorização judicial na ausência de tal acompanhante. § 2º A autorização de que trata o § 1º deixará de ser válida se for descumprida a frequência escolar mínima prevista no art. 24 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Na referida Nota Técnica o Ministério Público do Trabalho defendeu a manutenção da atual redação do artigo 60 do Estatuto por estar de acordo com os parâmetros estabelecido pela Constituição Federal. Os Fóruns Nacional e Estaduais de Prevenção e Erradicação do Tra- balho Infantil, por sua vez, constituem um espaço não institucionalizado e democrático, onde ocorre a discussão de propostas, definição de estratégias e construções de consensos entre o Poder Público e a sociedade civil sobre o tema trabalho infantil. O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil é responsável por coordenar a Rede Nacional de Combate ao Trabalho Infantil, formada pelos 27 Fóruns Estaduais de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescentes Trabalhador, além de mais 48 entidades membro. A atuação dos Fóruns de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil é fundamental para diminuição da incidência dessa espécie de violação de direitos, exercendo importante papel no campo das políticas públicas. Prova disso é que suas importantes ações contribuíram para a redução de 65,6% do trabalho infantil no Brasil entre os anos de 1992 e 2015. Dentre elas, des- taca-se a elaboração do Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Tra- balho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador, já em sua 3ª edição, referente aos anos de 2019 a 2022, a realização de ações de fiscalização pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia, a reali- zação de ações do Ministério Público do Trabalho, a incidência política da sociedade civil na vida pública em defesa dos direitos e garantias de crian- ças e adolescentes e o controle social de ações e programas governamentais destinados à prevenção e ao enfrentamento do trabalho infantil (FÓRUM NACIONAL DE PREVENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL – FNPETI, 2022). CONCLUSÃO Para se estabelecer o contexto do trabalho infantil esportivo no Brasil a presente pesquisa dedicou-se a análise dessa modalidade de trabalho infantil através do estudo do trabalho infantil esportivo e de seu contexto no Brasil. O segundo capítulo, voltado ao estudo do trabalho infantil esportivo no Brasil, dividiu-se na análise proteção jurídica infanto-juvenil contra o traba- lho infantil, na regulamentação jurídica da atividade esportiva e nas causas e consequências do trabalho infantil. 49 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II A apreciação da proteção jurídica infanto-juvenil contra o trabalho infantil associada a regulamentação jurídica da atividade esportiva implica em reconhecer que a legislação vigente estabeleceu o critério etário para proteger crianças e adolescentes do trabalho infantil, proibindo qualquer forma de trabalho à crianças e adolescentes até os 16 anos de idade, salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 anos de idade, e garantindo o trabalho protegido ao adolescente a partir dos 16 anos. No entanto, no que diz respeito a proteção jurídica contra o trabalho infantil no esporte, conclui-se que são necessários aprimoramentos legisla- tivos para que crianças e adolescentes não sejam explorados pelas entida- des esportivas, pelos patrocinadores ou por agenciadores. Nessa seara, tem-se como imprescindível a alteração da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, a fim de reconhecer os direitos trabalhistas e pre- videnciários do atleta aprendiz nos termos já estabelecidos no artigo 65 do Estatuto da Criança e do Adolescente em respeito ao princípio da progressi- vidade ou do não retrocesso dos direitos humanos. Ainda no campo legisla- tivo, faz-se primordial a elaboração de dispositivos legais que estabeleçam requisitos caracterizadores do trabalho infantil no esporte. Após, a análise das causas e consequências do trabalho infantil demons- tra que o Brasil, como um país emergente, possui 1,8 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil (FÓRUM NACIONAL DE PRE- VENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL – FNPETI, 2021), situação está associada a pobreza, aos mitos culturais e a falta de qualidade do atual sistema de ensino. Este cenário, favorável para existência do traba- lho infantil, não afasta o assédio dos exploradores de atletas mirins. Defen- deu-se, também, que atividade esportiva, inclusive, deve ser incluída de forma expressa na lista das piores formas de trabalho infantil ante as nefas- tas consequências físicas e psicológicas impostas as vítimas. E, por essa razão, conclui-se pela necessidade de aprimoramento das políticas públicas de contraturno escolar a fim de ampliar sua abrangência e de proporcioná-lo a toda população infanto-juvenil. Além disso, também se faz interessante aprimorar os métodos pedagógicos aplicados nas instituições de ensino a fim de estimular a criatividade e o senso crítico de crianças e adoles- centes e tornar o ambiente escolar mais atrativo para esse público. Da mesma forma, ouvir crianças e adolescentes em suas necessidades é um importante passo para elaboração e aprimoramento de qualquer política pública. O terceiro capítulo tratou do contexto do trabalho infantil esportivo no Brasil, analisando as ações para o enfrentamento do trabalho infantil esporte, a atuação do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adoles- centes e as ações do Ministério Público do Trabalho e do Fóruns Nacional e Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. A respeito das ações para o enfrentamento do trabalho infantil no esporte constatou-se a necessidade de elaboração de diagnósticos locais sobre a incidência do trabalho infantil esportivo. Tendo em vista a inexistên- 50 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II cia de dados oficiais a respeito do tema, a elaboração de diagnósticos locais é o início para concretização de políticas públicas de combate ao trabalho infantil no esporte. Somente através deles é possível sistematizar os dados oficiais e qualitativos e, assim, planejar a atuação dos órgãos que constituem o Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes. No estudo sobre atuação do Sistema de Garantia de Direitos de Crian- ças e Adolescentes restou demonstrada que desempenha suas atividades de garantia de direitos e de proteção de crianças e adolescentes através das políticas de atendimento, de proteção e de justiça.Dentre os órgãos que constituem o Sistema de Garantia de Direitos está Ministério Público do Trabalho, cujas ações são voltadas à garantia de direitos e proteção de crian- ças e adolescentes. A respeito do trabalho infantil esportivo, o Ministério Público do Traba- lho, através da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Traba- lho da Criança e do Adolescente, elaborou as Orientações 16 e 19, nas quais se estabeleceu, respectivamente, os limites etários para a prática da apren- dizagem esportiva e os requisitos mínimos para proteção de atletas adoles- centes que vivem em alojamentos junto as entidades esportivas. Além disso, elaborou Nota Técnica posicionando-se contrariamente à proposta de alte- ração do artigo 60 do Estatuto da Criança do Adolescente conforme preten- dido pelo Projeto de Lei nº 231, de 2015, em trâmite no Senado Federal. No mesmo capítulo constatou-se a importância a atuação dos Fóruns Nacional e Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil na redução do trabalho infantil nos últimos anos no Brasil. O Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador, já em sua 3ª edição, juntamente com a realização de ações pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia, da inci- dência política da sociedade civil e do controle social de ações e programas governamentais são ações primordiais para que o número de trabalhadores infantis continue em queda. Não obstante a importante atuação do Ministério Público do Traba- lho e dos Fóruns Nacional e Estadual de Prevenção e Erradicação do Tra- balho Infantil, é fato que a gravidade desse problema social é evidenciada pela ausência de dados oficiais a respeito do tema. Para que seja elaborada qualquer ação ou planejamento de políticas públicas ou programas sociais, é imprescindível a realização de um diagnóstico sistematizado, com infor- mações que demonstrem a realidade dessa espécie de violação de direitos infanto-juvenis. Somente assim é que serão elaboradas políticas públicas capazes de combater o trabalho infantil no esporte. Da mesma forma, a atuação do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes somente poderá ser aprimorada mediante prévio estudo local sobre a incidência dessa modalidade de trabalho infantil. Esse é o único meio de elaborar e implementar políticas de atendimento, de pro- teção e de justiça de maneira estratégica. 51 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II Sobre o Ministério Público do Trabalho, destaca-se a criação da Coor- dinfância como uma importante iniciativa para atender as necessidades da população infanto-juvenil. Diante disso, é primordial que se realize o aperfeiçoamento legislativo para proteção jurídica de crianças e adolescentes contra o trabalho infantil no esporte. Do mesmo modo, é urgente o aprimoramento de políticas públi- cas voltadas ao combate ao trabalho infantil, para que protejam e afastem as vítimas dessa espécie de violação no âmbito esportivo, bem como para que fiscalizem entidades esportivas e competições, e impeçam a exploração de atletas mirins. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 02 mar. 2022. BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/ del5452.htm. Acesso em: 02 mar. 2022. BRASIL. Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008. 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Bolsista nível Mestrado da Fundação de Amparo à Pes- quisa e Inovação do Estado de Santa Catarina - FAPESC. Endereço eletrônico: debrmaga- lhaes@gmail.com. 7 Acadêmica do Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário da Região da Cam- panha - URCAMP/Bagé. Integrante do Grupo de Pesquisa sobre Direitos Humanos e Po- líticas Públicas para Crianças e Adolescentes (GEDIHCA-URCAMP). Endereço eletrônico: amandabispar@gmail.com. 55 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II INTRODUÇÃO A presente investigação possui como tema a violência contra crianças e adolescentes, sendo delimitada nas ações estratégicas de políticas públicas para o enfrentamento da violência institucional de crianças e adolescentes violentadas sexualmente no Brasil. A pesquisa apresenta como objetivo geral analisar a violência insti- tucional de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual no Brasil. Para contemplar a dimensão geral, propôs-se como objetivos específicos demonstrar o marco teórico da proteção integral de crianças e adolescentes; ilustrar o contexto das violações de direitos ocasionadas pela violência ins- titucional de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual e investigar as ações estratégicas de políticas públicas para o enfrentamento da violência institucional contra de crianças e adolescentes. Em relação às especificida- des dos objetivos, tem-se o cumprimento dos mesmos a partir da subdivisão dos tópicos que resultaram nos capítulos da presente abordagem. O estudo parte do seguinte problema de pesquisa ‘’como vem sendo enfrentada as violações de direitos resultantes da violência institucional de crianças e adolescentes violentadas sexualmente no Brasil?’’ A abordagem teórica sobre o tema se justifica em decorrência da neces- sidade de aperfeiçoamento de ações estratégicas de políticas públicas no combate à violência institucional de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, que é uma das formas de violência mais frequentes contra crianças e adolescentes no brasil, prejudicando a garantia do desenvolvi- mento integral de meninos e meninas. A metodologia da presente abordagem utiliza o método de abordagem dedutivo, enquanto o método de procedimento é o monográfico, utilizan- do-se da técnica de pesquisa bibliográfica e documental. A técnica de pes- quisa utilizada é a bibliográfica, a partir da investigação em teses, disserta- ções, livros e artigos científicos coletados de periódicos com classificação Qualis. A coleta dos materiais considerou como fonte de pesquisa as Biblio- tecas Virtuais, portal Google Acadêmico e o Banco de Teses e Dissertações da Capes. 1 O MARCO TEÓRICO DA PROTEÇÃO INTEGRAL DE CRIAN- ÇAS E ADOLESCENTES A teoria da proteção integral, como outras teorias, é decorrência de um longo processo que evolui ao longo do tempo. A compreensão da infância como construção social levou ao desenvolvimento da fundamentação teó- rica inicial da teoria da proteção integral, a qual fornece os subsídios teóri- cos que sustentam o Direito da Criança e do Adolescente (REIS, 2015, p. 23). Em consonância com as diretrizes da Política Nacional do Bem-Estar do Menor e a partir da atuação direta dos Juízes de Menores, a doutrina da 56 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II situação irregular, estruturada pelo estabelecido Código de Menores, preo- cupava-se com o meninos e meninas em situação irregular, tornando crian- ças e adolescentes objeto de tutela da assistência do Estado. Nessa época, ‘’reproduziam-se condições discriminatórias em relação às características humanas de gênero, etnia, raça, classe social e faixa etária, garantindo-se a manutenção das condições de exclusão social, política e econômica’’ (MOREIRA; CUSTÓDIO, 2018, p. 296). Crianças e adolescentes que praticavam condutas análogas a atos infra- cionais e que se encontravam em situação de exclusão social caracterizavam o interesse jurídico protegido pela doutrina de situação irregular. Acredita- va-se que a pobreza da família constituía uma situação irregular que colo- cava em risco o desenvolvimento integral durante a infância, necessitan- do-se, portanto, da intervenção do Estado. Os juízes eram encarregados de administrar as ações assistencialistas, resultantes da identificação de atos infracionais envolvendo crianças e adolescentes. A incapacidade do Estado em atenuar os efeitos da desigualdade social e em desenvolver iniciativas para diminuí-la gerou distorções na economia e expôs a noção de que a pobreza era fruto da situação irregular da criança e do adolescente. Assim, o Estado deveria controlar meninos e meninas em situação de pobreza ou extrema pobreza, uma vez que poderiam gerar riscos à sociedade como um todo, o que evidencia que as práticas exercidas ocasionaram exclusão social e eram discriminatórias (CUSTÓDIO, 2008, p. 25-26). A teoria da proteção integral passou a se desenvolver na década de 1980 com a ajuda dos movimentos sociais no processo de redemocratização do Brasil, com o ativismo popular na transformação do autoritarismo do Estado e com a defesa interdisciplinar dos direitos da infância. A noção de proteção integral passou a ser desenvolvida democraticamente atentando para os direitos humanos a ideia de cidadania e a constitucionalização dos direitos fundamentais, enquanto a doutrina da situação irregular perdia seguidores (VERONESE; CUSTÓDIO, 2013, p. 119-127). Nesse viés, ocorreu uma mudança de paradigma da noção de situação irregular em direção à proteção integral com fundamento constitucional. A Constituição Federal de 1988 solidificou a teoria de proteção integral a todos os cidadãos que se encontram na condição peculiar de pessoa no processo de desenvolvimento inerente à infância (MOREIRA; CUSTÓDIO, 2018, p. 297-298). No caso brasileiro, a teoria da proteção integral encontra assento cons- titucional e infraconstitucional e está intimamente relacionada à dignidade humana, que é um “valor básico, um princípio constitucional e uma fonte de direitos e liberdades individuais” (BARROSO, 2013, p. 42). Por estar embasada em princípios, direitos fundamentais e regras que avançavam emrelação à concepção doutrinária, que foi fundamental até sua consolidação teórica, a proteção integral é considerada uma teoria. O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente é capaz de 57 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II efetivar direitos por meio do desenvolvimento de políticas públicas, graças aos subsídios da teoria da proteção integral. A teorização sobre os direitos da criança e do adolescente foi desenvolvida na perspectiva da infância, com base nos preceitos de cidadania e com estratégias inovadoras construí- das, enfatizando os espaços democráticos de participação popular, de forma interdisciplinar, buscando o respeito à dignidade humana e a emancipação do sujeito (CUSTÓDIO, 2008, p. 30-31). Com suas bases teóricas consistentes, o atual Direito da Criança e do Adolescente dificulta a difusão de noções ultrapassadas e já superadas pela ciência. A Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas, a Constituição da República Federativa do Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente e outras convenções internacionais de proteção aos direitos humanos, como as Convenções 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho, por sua vez, defendem a tutela jurídica dos direitos da criança e do adolescente como fundamento dos marcos paradigmáticos da proteção integral (VERONESE, 2015, p. 01-05). Nesse sentido: Salienta-se que a consolidação de crianças e adolescentes como sujeito de direitos vem sendo um processo difícil e demorado, porém que teve um dos seus marcos fundantes em 1988. As bases para seguir avançando em relação ao tema incluem desde o discurso, mediante a modificação da lin- guagem com expressões relacionadas a doutrina da situação irregular, a partir da superação da menoridade, que condicio- nava a condição de infância a submissão dos adultos, dando tratamento de objeto. Portanto, a expressão menor, que é carregada de estigmas, deve ser abolida com urgência, não devendo ser aceita no ambiente acadêmico, jurídico e polí- tico, pois remonta a uma lógica de submissão e inferiorização etária não condizente com os fundamentos do marco teórico da proteção integral (MOREIRA; CUSTÓDIO, 2018, p. 298). Portanto, a Constituição Federal de 1988, ao incorporar a teoria da pro- teção integral, possui papel de destaque contra a violência institucional de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, a qual traz prejuízos imensuráveis à vida das crianças e dos adolescentes a ela submetidos, bem como viola todos os princípios constitucionais e direitos fundamentais os quais crianças e adolescentes são sujeitos. 2 O CONTEXTO DAS VIOLAÇÕES DE DIREITOS OCASIONA- DAS PELA VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL O enfrentamento a violência sexual no período geracional da infân- cia, assim como os seus reflexos negativos, tem por finalidade a garantia da proteção integral de pessoas que se encontram em processo de desen- 58 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II volvimento humano a partir da construção da capacidade cognitiva, física, intelectual e psíquica. Especialmente tratando-se da violência institucional cometida pela inaptidão técnica dos profissionais responsáveis pelo aten- dimento de crianças e adolescentes, é necessário especial atenção, a fim de evitar um ciclo traumático de violações de direitos iniciado pela agressão sexual, continuado pelas instituições de atendimento e reforçado pelo pro- cesso de revitimização (CUSTÓDIO; MOREIRA, 2021, p. 107). A violência sexual é configurada a partir das suas diferentes dimensões, podendo ser caracterizada pela via do assédio sexual, estupro, exploração sexual e pornografia infantil. Trata-se de grave violação de direitos humanos e fundamentais que corrompe a infância e compromete a vida adulta, sendo uma problemática que afeta o indivíduo porque impacta negativamente a sua esfera íntima, a liberdade, a integridade, enfim a dignidade humana como um todo. Atinge também a coletividade, pois é uma questão de ordem social considerada problema de saúde pública. Ou seja, é uma questão com múltiplos prejuízos que deve ser combatida em prol dos direitos da infância (BRASIL, 2018b, p. 1; 5). Uma criança ou um adolescente sexualmente agredido desenvolve traumas de difícil reparação, dado as cicatrizes deixadas pela violência sexual, a qual pode ocorrer por meio das suas diversas modalidades. Isso porque gera danos de toda ordem, englobando diversos transtornos que nem sempre são visíveis, mas que atingem desde a esfera psíquica, emocio- nal e social chegando a alterações comportamentais no cotidiano. As ativi- dades desempenhadas no dia a dia ficam comprometidas diante das impli- cações ocasionadas por uma situação de violência. Nesses casos, é comum a evasão escolar pela via do abandono, aliada a um contexto de isolamento e exclusão social, pensamentos autodestrutivos se tornam uma realidade, a depressão é uma doença que pode ser desenvolvida em decorrência dos abusos. Nesse período, é comum a utilização de entorpecentes como fuga da realidade marcada por violações e distante do desenvolvimento ideal e adequado ao período geracional da infância (PEREIRA, 2020, p. 38). Por trás das violações de direitos de ordem sexual, permeiam mitos e crenças que atuam como obstáculo ao seu enfrentamento, já que é prática comum a atribuição das agressões sexuais a uma pessoa desconhecida, quando na verdade os agressores consistem em pessoas do círculo de con- vivência da criança, pois na maioria dos casos a violência sexual é praticada por um familiar no âmbito das relações domésticas. Também é comum a crença de que a violência sexual não deve ser abordada na escola a partir do discurso de que meninas e meninos na fase escolar não necessitam infor- mações acerca da temática, o que se mostra contrário ao seu combate pela via das ações de sensibilização, uma vez que a violência sexual, assim como os estudos sobre gênero e sexualidade são temáticas que devem ser abor- dadas desde cedo na escola a partir da adaptação da linguagem e assuntos, conforme a faixa etária de cada pessoa e ciclo escolar em que se encontram. 59 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II O mito de que a violência sexual só ocorre nas classes sociais menos favo- recidas é reproduzido sob o argumento de que é uma forma de violação de direitos que só ocorre nos contextos onde as situação de pobreza e extrema pobreza são concentradas, o que não reflete a realidade, tendo em vista que a violência sexual ocorre nos diversos contextos sociais, porém constata-se que nas classes sociais mais abastadas há dificuldade na atuação das políti- cas públicas em razão dos impedimentos para a identificação das violências por parte dos órgãos públicos, ocorrendo a negação da violência ou a mini- mização dos seus impactos, uma vez analisada a partir do contexto social de classes (PEREIRA, 2020, p. 43). O atendimento de crianças e adolescentes sexualmente violentados deve ocorrer a partir da identificação ou suspeita da prática da violência sexual. A constatação por parte dos atores da rede de atendimento ou por qualquer membro da sociedade civil deve seguir os parâmetros estabeleci- dos na legislação, isto é, o conselho tutelar local deve ser obrigatoriamente comunicado nos casos em que há suspeita ou confirmação de violência contra meninos e meninas a partir do que preceitua o artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990). No lapso temporal entre o reconhecimento de situações com potencial de violações de direitos até a busca pela restituição do direito propriamente dito, deve ser observado o procedimento de escuta especializada, o qual é diferente do depoimento especial em razão de suas múltiplas finalidades, sendo uma delas a de atuar como mecanismo de redução dos impactos gerados pelas consequênciasnegativas da violência sexual a partir da cele- ridade no atendimento pela via intersetorial após a extração de informa- ções restritas ao conhecimento necessário dos acontecimentos da violência (MAGALHÃES; SOUZA, 2022, p. 3). Na fase judicial, onde é buscada a responsabilização do agressor, ocorre a inquirição da vítima ou testemunha de violência sexual que é submetida a um processo de detalhamento acerca da ocorrência dos fatos por meio de perguntas que, muitas vezes, se mostram desnecessárias para a compreen- são dos acontecimentos, tendo em vista a visível materialidade dos aconteci- mentos. Percebe-se nesse procedimento a excessiva preocupação no ato de responsabilizar o agressor a partir do conservadorismo do sistema penal bra- sileiro que deposita em segundo plano os direitos de crianças e adolescentes em prol da punibilidade do suspeito ou responsável pela agressão sexual. É nesse momento que o processo de revitimização pode ser desencadeado pela via da violência institucional, a qual é marcada pela ausência de medidas que levam em consideração a condição peculiar de meninos e meninas de desen- volvimento humano (FERREIRA; AZAMBUJA, 2011, p. 55). Os trâmites processuais penais utilizam de um conservado- rismo exacerbado em torno da desconsideração de outros instrumentos de provas e supervalorização da prova testemu- nhal em quase totalidade dos casos. Acontece que a inqui- 60 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II rição da criança ou adolescente vítima de violência sexual gera prejuízos para o seu desenvolvimento integral devido a exposição da vítima a nova forma de violência que reforça o dano psíquico em vista de que se revive a situação traumática anterior, havendo desimportância em relação aos sentimen- tos de angústia, sofrimento, dor, medo e culpa que acompa- nham tais lembranças e não são consideradas por parte de muitos dos executores do processo judicial que só pensam em produzir provas para a acusação e elevação de indicado- res de condenação. Enquanto a primeira violência é de natu- reza sexual, a segunda tem caráter psicológico (CUSTÓDIO; MOREIRA, 2021, p. 104). A lei n. 13.431 de 2017, que estabelece o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente vítima ou testemunha de violência, classifica a violência institucional como uma espécie de violência psicológica, a qual é caracterizada por ser uma modalidade de violência praticada por instituição pública ou privada e que pode gerar a revitimização (BRASIL, 2017). Já o decreto n. 9.603 de 2018, que regulamenta a lei n. 13.431 de 2017, define os responsáveis pela prática da violência institucional, a qual é cometida por agentes públicos no exercício de função pública a partir de uma ação ou omissão que gera impactos negativos a meninos e meninas que se encon- tram em atendimento a partir da constatação ou testemunho de situação de violência (BRASIL, 2018a). Trata-se de modalidade de violência inserida e um contexto de múlti- plas violações de direitos, pois a criança ou o adolescente sexualmente vio- lentado sofre igualmente violência psicológica por profissionais de institui- ções públicas ou privadas em razão da ausência de capacitação adequada ao acolhimento da vítima ou testemunha de situação de violência sexual, o que torna evidente o despreparo, a ausência de empatia e sensibilidade de representantes estatais pela via do abuso de autoridade cometido por meio de tratamento desrespeitoso, humilhante e por vezes agressivo (CUSTÓDIO; MOREIRA, 2021, p. 105). 3 AS AÇÕES ESTRATÉGICAS PARA O ENFRENTAMENTO A VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL CONTRA CRIANÇAS E ADO- LESCENTES A violência institucional foi tipificada na legislação brasileira pela Lei n. 14.321, de 31 de março de 2022, configurando a sua prática em crime de abuso de autoridade a partir do acréscimo pelo artigo 15-A à Lei n. 13.869 de 2019, que dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade. Trata-se de um avanço normativo que deve ser ponderado, tendo em vista que a alteração legislativa traz uma pena cumulativa de detenção e multa para as situações em que é constatada a ocorrência da violência institucional, o que não seria a maneira mais efetiva para conter a violência aqui mencionada, pois a puni- 61 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II ção não é o meio adequado ao enfrentamento do problema, especialmente em razão das características que envolvem a violência institucional que é marcada pela inaptidão técnica profissional. Deve ser levado em conside- ração que a melhoria de uma situação não ocorre pelo viés punitivista, mas sim por ações estratégicas de políticas públicas que concretizem, na prática, as disposições previstas no âmbito normativo (BRASIL, 2019). Os mecanismos estratégicos para o enfrentamento ao problema devem partir da observância às medidas de prevenção ao combate às violências ou ameaça a direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Especial- mente em relação às ações dispostas no artigo 70-A, inciso III, que estabele- cem a necessidade da adoção de ações que tenham por objetivo o desenvolvi- mento das competências necessárias à prevenção das situações de violações de direitos por meio de capacitação técnica continuada com a devida for- mação dos profissionais responsáveis pela proteção, promoção e defesa dos direitos de meninas e meninos no período da infância (BRASIL, 1990). Tratando-se das vítimas da violência sexual é que as ações estratégicas devem ser pensadas a partir de um olhar ainda mais atento, considerando a gravidade da problemática, para evitar que na busca pela restituição do direito violado a pessoa venha a sofrer outras violações de direitos gerados pela violência institucional, levando em conta os impactos cruciais decor- rentes da agressão sexual a crianças ou adolescentes que não devem ter os seus direitos ainda mais violados por quem tem o dever institucional de res- guardá-los. O Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes é referência no combate ao problema a partir das diretrizes propostas pela via dos eixos estratégicos que o compõem. O eixo de defesa e responsabilização, por meio das ações 12 e 13, apontam a neces- sidade de capacitar adequadamente os profissionais que atuam no sistema de segurança e justiça levando em consideração as particularidades de cada pessoa, isto é, analisando as condições de gênero, raça, etnia, orientação sexual entre outras, além de registrar a urgência de verificar se há necessi- dade de inquirir a vítima a fim de evitar a revitimização, que é desencade- ada pelo sofrimento continuado e repetido em razão do relato dispensável sobre a situação de violência sexual (BRASIL, 2013, p. 38). As estratégias de acolhimento são ações que devem ser utilizadas no momento do atendimento a meninas e meninos agredidos sexualmente para eliminar qualquer possibilidade de geração da violência institucional. O primeiro contato com a vítima nas instituições públicas ou privadas deve ocorrer de forma acolhedora, o que demanda capacitação técnica a partir da realização de treinamentos contínuos e de modo integrado tendo por base o conhecimento acerca das dimensões da problemática, pois a violên- cia sexual é inserida em um contexto multidimensional em que está con- figurado por múltiplos fatores que desencadeiam diversas consequências nocivas a infância. A atividade técnica necessita estimular a modificação do olhar reprovativo em relação à vítima, assim como deve proporcionar exer- 62 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II cícios de reflexão sobre as atitudes e a forma verbal de se expressar com a criança ou adolescente. O profissional deve ser pessoa dotada de empatia e sensibilização para olhar para a vítima de forma humanizada e entender que a mesma se encontra em condição peculiar de desenvolvimento e que em razão disso merece especial atenção,por isso a necessidade do conhe- cimento teórico pautado em uma formação voltada aos direitos humanos (HABIGZANG, 2018, p. 22). O atendimento a crianças e adolescentes deve ter como critério o seu interesse superior atribuindo a família, a sociedade e especialmente ao Estado o dever de protegê-los e colocá-los a salvo de qualquer situação de violações de direitos, tendo como princípio norteador a prioridade absoluta, a qual compreende, dentre outras medidas, a primazia na busca por ser- viços públicos, assim como a destinação privilegiada de recursos públicos destinados à proteção da infância (CUSTÓDIO, 2008, p. 34). Apesar da condição de privilégio no recebimento de recursos públicos para a proteção aos direitos de crianças e adolescentes, a questão orçamen- tária é crucial para o planejamento das ações de políticas públicas para a promoção de mecanismos estratégicos intresetoriais em prol da concre- tização de medidas necessárias a oferta de treinamento e capacitação de forma habitual destinada aos profissionais que integram o meio institucio- nal, especialmente os de justiça e segurança pública, tendo em vista que a disponibilidade de recursos econômicos e financeiros é pressuposto para a adequada execução das atividades técnicas cujo objetivo é o enfrentamento a violência institucional e aprimoramento no atendimento às vítimas de vio- lência sexual, o que demanda o estabelecimento de parcerias e esforços em conjunto para possibilitar o correto suporte a meninas e meninos sexual- mente agredidos (MOREIRA; CUSTÓDIO, 2019, p. 138; BRASIL, 2013, p. 38). CONCLUSÃO Com o desenvolvimento da presente investigação, constatou-se que as violações de direitos resultantes da violência institucional de crianças e adolescentes violentadas sexualmente no Brasil necessitam observar o perí- odo da infância que merece especial atenção. Especialmente em se tratando de meninos e meninas vítimas de violência sexual e, posteriormente, vio- lência institucional, faz-se necessário a adoção de ações estratégicas para minimizar o sofrimento ocasionado pela violência sofrida, assim como evi- tar que ocorra o processo de revitimização, o qual reflete nas violações de direitos pela via da violência institucional. É fundamental o direcionamento de investimentos a fim de possibilitar a oferta de treinamentos a partir de capacitações técnicas aos profissionais responsáveis pelo atendimento das situações de violência sexual. As capacitações necessitam ocorrer de forma intersetorial, integrada, periódica e contínua com o desenvolvimento da sensibilização, principalmente, dos profissionais que integram o sistema de 63 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II segurança e justiça com atividades de prevenção e promoção de direitos, visando o aprimoramento no atendimento de crianças e adolescentes, bus- cando evitar as violações de direitos que esse procedimento pode acarretar no período geracional da infância e em atenção a proteção integral que é a base para entender a peculiar condição e desenvolvimento humano de crianças e adolescentes. REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto n. 9.603. 2018a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci- vil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/d9603.htm. Acesso em: 02 nov. 2022. BRASIL. Lei n. 13.431. 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ Ato2015-2018/2017/Lei/L13431.htm. Acesso em: 02 nov. 2022. BRASIL. Lei n. 13.869. 2019. 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CUSTÓDIO, André Viana; MOREIRA, Rafael Bueno da Rosa. Revitimização de crianças e adolescentes em inquirições judiciais e violência institucional. Revista Eletrônica Direito e Política, n. 1, v. 16, 2021. FERREIRA, Maria Helena Mariante Ferreira; AZAMBUJA, Maria Regina Fay de. Aspectos jurídicos e psíquicos da inquirição da criança vítima. In: AZAMBUJA, Maria Regina Fay de; FERREIRA, Maria Helena Mariante Ferreira e Colaboradores. Violência sexual contra crianças e adolescentes. Porto Alegre: Artmed, 2011. HABIGZANG, Luísa Fernanda. Manual de capacitação profissional para atendi- mento em situações de violência. Porto Alegre: PUCRS, 2018. MAGALHÃES, Débora Karoline de Oliveira; SOUZA, Ismael Francisco de. Ações estratégicas para a execução na escola da escuta especializada de crianças e ado- lescentes vítimas de violência sexual. In: XVIII Seminário Internacional Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea, v. 18, 2022, Santa Cruz do Sul. Anais eletrônicos. 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Colaborador Externo do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas de Inclusão Social e do Grupo de Estu- dos em Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens (GRUPECA/UNISC). E-mail: cristiano.advg@gmail.com 9 Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande, Doutoranda em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul e advogada. Integrante do Grupo de Estudos em Direi- tos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens e do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas de Inclusão Social do PPGD/UNISC. E-mail: jutsb@hotmail.com about:blank about:blank66 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II INTRODUÇÃO O artigo aborda a relação entre o meio ambiente e saúde mental das juventudes. Assim, o objetivo geral examinar a relação existente entre o meio ambiente e saúde mental das juventudes através de uma reflexão sobre os motivos que conduzem os jovens à chamada eco ansiedade - que pode ser conceituada como a angústia relacionada às crises ecológicas -, uma vez que a lógica do capital reafirma uma ideologia dominante e direciona as discussões sobre meio ambiente para a continuação da produção de mer- cadorias, de forma que os interesses econômicos são priorizados em detri- mento das pessoas, o que impede importantes processos de socialização, especialmente os relacionados aos jovens. Para tanto são objetivos específicos: realizar um breve panorama da atual crise ambiental, mediante análise do direito à cidade relacionado às normas que reconhecem o meio ambiente como patrimônio público e do cenário de degradação ambiental que se apresenta; e, analisar a eco ansie- dade na realidade das juventudes brasileiras e as suas consequências. O problema proposto é: qual é a relação existente entre o meio ambiente e saúde mental das juventudes e de que forma a juventude bra- sileira é influenciada a construir seu modo de vida, relacionado com o seu sentimento de envolvimento nos processos de apreensão da realidade e de percepção da capacidade de nela intervir para transformá-la? A hipótese que se busca confirmar é a de que é necessário trazer os temas relacionados ao meio ambiente e às mudanças climáticas para o coti- diano das juventudes, de forma a engajá-las nas escolas, universidades, cole- tivos, Estado e de toda a sociedade, com base na solidariedade humana, já que os jovens são importantes atores para a mudança da realidade de crise. O método de abordagem é o dedutivo e o método de procedimento monográfico com técnicas de pesquisa bibliográfica e documental. A pes- quisa bibliográfica será realizada nas seguintes bases de dados do banco de teses da Capes, periódicos avaliados no Qualis da Capes, bibliografia nacio- nal e internacional. 1 MEIO AMBIENTE: o patrimônio público, a atual crise ambiental E O direito à cidade No Brasil, a Política Nacional do Meio Ambiente, criada em 1981 atra- vés da Lei nº. 6.938 de 31 de agosto de 1981, visa a harmonizar e compatibi- lizar meio ambiente e desenvolvimento econômico através da preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando a assegurar condições ao desenvolvimento socioeconômico e à proteção da dignidade da vida humana no Brasil (BRASIL, 1981). 67 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II Dessa forma, o meio ambiente é um patrimônio público, que gera direi- tos e deveres para todos. O sexto capítulo da Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, é dedicado ao meio ambiente e prevê no art. 225 o dever do Poder Público e da coletividade de preservá-lo para as presentes e futuras gerações: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletivi- dade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988) Em 1992, o Rio de Janeiro sediou a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, popularmente conhecida como ECO-92. Foi a segunda grande reunião das Nações Unidas sobre o meio ambiente e reuniu 178 Estados-nação. A conferência teve como resultado a Convenção sobre Mudanças Climáticas, a Convenção sobre a Diversidade Biológica, a Declaração do Rio, a Declaração sobre Florestas e a Agenda XXI. Contudo, desde então o Brasil vem aumentando a emissão de carbono ano a ano, nos últimos 10 anos, embora realmente tenha reduzido em 2020 em razão da pandemia (SANTOS, 2021, p. 176). Vinte anos após, o Protocolo de Kyoto, primeiro tratado internacional para controle da emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, assinado durante a 3ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada em Kyoto, no Japão, em 1997, não se obteve o resultado prometido, e, a despeito de todo proselitismo climático, da legislação e do progresso na produção de energia verde, foram geradas mais emissões do que nos vinte anos anteriores. Em 2016, os acordos de Paris estabeleceram 2ºC como uma meta global, sendo que esse nível de aquecimento presenta um cenário assustador, entretanto cinco anos depois nenhuma nação industrial parece a caminho de cumprir as promessas feitas em Paris (WALLACE-WELLS, 2019, p. 13-15). O Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) das Nações Unidas apresenta avaliações sobre o estado do planeta e a trajetória provável da mudança climática: Um novo relatório é esperado para 2022, mas o mais recente afirma que tomando logo uma atitude sobre as emissões de carbono e instituindo imediatamente os compromissos fei- tos, mas ainda não implementados, nos acordos de Paris, é provável que cheguemos a 3,2ºC de aquecimento, ou cerca de três vezes o aquecimento do planeta desde o início da industrialização — trazendo o impensável colapso das calo- tas polares não só ao plano da realidade, mas à realidade presente. Com isso ficariam inundadas não só Miami e Daca, como também Xangai e Hong Kong, além de uma centena de outras cidades pelo mundo todo. Acredita-se que o ponto de virada desse colapso sejam os 2ºC, mais ou menos; segundo 68 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II diversos estudos recentes, mesmo a rápida interrupção das emissões de carbono ocasionaria um aquecimento nesse patamar até o fim do século. (WALLACE-WELLS, 2019, p. 15) O relatório citado, publicado em 27 de fevereiro de 2022, explicita as diretrizes que devem nortear as políticas públicas em direito ao desenvolvi- mento resiliente, citando a importância do envolvimento dos jovens: O desenvolvimento resiliente ao clima é possibilitado quando os governos, a sociedade civil e o setor privado fazem esco- lhas de desenvolvimento inclusivas que priorizam a redução de riscos, a equidade e a justiça, e quando os processos de tomada de decisão, financiamento e as ações são integradas em todos os níveis de governança, setores e prazos. O desen- volvimento resiliente ao clima é facilitado pela cooperação internacional e por governos em todos os níveis trabalhando com comunidades, civis sociedade, entidades educativas, instituições científicas e outras, investidores e empresas; e desenvolvendo parcerias com grupos tradicionalmente marginalizados, incluindo mulheres, jovens, povos indíge- nas, comunidades locais e grupos étnicos minorias. Essas parcerias são mais eficazes quando apoiadas por capacitar a liderança política, instituições, recursos, incluindo finanças, bem como serviços climáticos, informações e ferramentas de apoio à decisão. (Tradução dos autores - IPCC, 2022, p. 29) As mudanças climáticas e os impactos ambientais estão também rela- cionadas com uma possível recorrência de pandemias e sua crescente viru- lência, sendo assim, a Covid-19 pode ser um elo de sequências e contin- gências em uma cadeia que se estenderá para o futuro se as condições até aqui abordadas persistirem, como destaca Santos (2021, p. 177) ao abordar a pandemia atual, “quando eventualmente conseguirmos vencer ou aprender a conviver com este surto, teremos de nos preocupar com o próximo. E nada nos garante que não se sobreponham. A não ser que consigamos mudar algo no nosso ‘normal’”. No Brasil, em que pese tenha ocorrido a redução da emissão de car- bono em 2020 em razão das medidas de restrição decorrentes da pandemia de Covid-19, a qual, em contrapartida, resultou em 1.202km² da Amazônia deflorestados apenas nos primeiros meses do mesmo ano, sendo que, entre 2018 e 2019, despareceram 9.761 km²de cobertura florestal da Amazônia – dado que já alarmava em razão do crescimento considerável da taxa de destruição da Floresta Amazônica nos últimos anos (INPE, 2021). Parece evidente que a crise ambiental se acirra de forma mais rápida do que a imaginada nas últimas décadas, se mostrando cada dia mais urgente um novo olhar, realmente efetivo, acerca da vida social das pessoas e do desenvolvimento econômico sob a perspectiva da emergência climática. Na medida em que as relações entre a sociedade e a natureza implicam o estudo da produção e da reprodução do espaço em sua complexidade, Rodrigues sugere uma mudança paradigmática que 69 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II [...] permitiria entender que a crise ambiental decorre do sucesso do modo de produção que prova, contraditoria- mente, problemas sociais e ambientais. Auxiliaria compre- ender o processo de produção de mercadorias e desvendar causas e agentes da poluição do ar, do solo, das águas, bem como desmatamentos e da perda da bio e da sociodiversida- des. Instrumentais analíticos adequados contribuiriam para a compreensão de que a crise não é do modo de produção, mas sim provocada por ele. A manutenção do paradigma implica atribuir a origem dos problemas ao consumo e aos consumidores, sem apontar o sucesso do modo de produção, que continua a produzir mais e mais mercadorias e a obsoles- cência programada. (2020, p. 210) Chesnais e Serfati (2003, p. 04) defendem que a crise ambiental repre- senta uma crise para a humanidade, para a civilização humana, e que os efeitos dessa crise são produto do capitalismo, ou seja, é uma crise decor- rente do modo de produção capitalista, sendo assim, o meio ambiente passa a ser o tema que “obscurece a realidade da crise”. A denúncia dos desastres pelos relatórios dos peritos científi- cos, as associações ecológicas, os movimentos de resistência das populações diretamente concernidas levaram os gover- nos e as organizações internacionais a se preocupar com essa questão. Eles o fizeram com a preocupação de permitir que a acumulação do capital rentista e o modo de consumo fun- dado na destruição ecológica prosseguissem. Assim, as polí- ticas neoliberais enfatizaram a criação de mercados financei- ros especializados, cujo objeto é a imposição de direitos de propriedade sobre elementos vitais como o ar, mas também a biosfera enquanto tal. Eles devem deixar de ser “bens livres” e tornar-se “esferas de valorização” fundadas pela instaura- ção de direitos de propriedade de um tipo novo (os “direitos de poluir”) e de “mercados ad hoc. (...) A natureza adquire o estatuto de um “fator de produção”, ela se torna um “capital natural” cuja combinação com os outros fatores, o trabalho e o capital físico, permite o crescimento. (CHESNAIS; SERFATI, 2003, p. 21) A natureza acaba proporcionando um novo campo de acumulação de riqueza ao adquirir o status de fator de produção abastecido pela destruição acelerada dos recursos naturais. Entretanto, esse modelo de desenvolvimento vai de encontro com a capacidade limitada do espaço planetário e dos recursos disponíveis, e, também financiou a expansão desordenada e interminável do crescimento urbano independentemente das consequências políticas, ambientais ou sociais, vitimou a cidade tradicional. Nesse sentido, o direito à cidade busca imaginar e reconstruir um tipo novo de cidade com o objetivo central de transformar a vida urbana do nosso cotidiano (HARVEY, 2014, p. 20). O termo “direto à cidade” foi cunhado pelo filósofo Lefebvre e conce- bido como um direito das qualidades e dos benefícios da vida urbana, de 70 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II não exclusão da sociedade urbana, através do qual a cidade é um lugar de encontro (e não de segregação) e no qual a atuação das pessoas influencia a produção social desse espaço urbano: O direito à cidade se manifesta como forma superior dos direitos: direito à liberdade, à individualização na socializa- ção, ao habitat e ao habitar. O direito à obra (à atividade par- ticipante) e o direito à apropriação (bem distinto do direito à propriedade) estão implicados no direito à cidade. (LEFEB- VRE, 2001, p. 134) A discussão conceitual sobre o direito à cidade se relaciona mais à necessidade político-teórica de enfrentar impasses que estão colocados nas lutas urbanas que à tentativa de descrever seus elementos constitutivos, sua possível abrangência, sua finalidade e seus exemplos atuais de previsão normativa, já que há uma disjunção entre o itinerário do reconhecimento jurídico do direito à cidade e a sua materialização em modos concretos de viver o urbano. Essa disjunção deve ser analisada de duas formas: jurídi- co-reivindicativa, relacionada à busca dos alcances normativos do direito à cidade, de modo a constatar sua permanente violação e apontar o desafio abstrato realidade versus norma jurídica; e político-criativa, a qual investiga relações de poder-saber que atravessam a gestão do urbano para conceber o direito à cidade como um poder de criação e invenção de novos caminhos no confronto com essas relações. (MENDES in BELLO, 2018, p. 7) O direito à cidade não pode ser engendrado puramente como um direito individual, pois ele demanda um esforço coletivo e a formação de direito políticos coletivos em torno de solidariedades sociais, assim torna-se um direito ativo de fazer a cidade diferente, de formá-la de acordo com as necessidades coletivas, devendo ser tomado pelo movimento político e não por um presente. (HARVEY, 2013, p. 32-34) Dessa forma, o direito à cidade se apresenta como condição de forma- ção do sujeito social, já que a cidade é a materialidade de uma sociedade, a expressão das relações sociais que ali se estabelecem. 2 a eco ansiedade na realidade das juventudes brasileiras Os jovens latino-americanos constituem 37% da população da região, consistindo em os maiores agentes de mudanças em potencial, pois “têm uma disposição maior do que qualquer outro setor social para se compro- meter com causas nobres, com ideias, com desafios coletivos” (SEN; KLI- KSBERG, 2010, p. 212). De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2021, os jovens entre 15 e 29 anos correspondiam a 23% da população brasileira, somando mais de 47 milhões de pessoas (IBGE, 2021). E, se os jovens representam a esperança de um futuro melhor e se cons- tituem em importantes atores para isso, bem como se o meio ambiente é 71 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II considerado bem comum da humanidade, devendo ser preservado para as gerações futuras, é relevante a abordagem da ansiedade climática ou eco ansiedade verificada entre aqueles. Bauman (2013, p. 23) afirma a juventude é o momento em que a neces- sidade de fazer escolhas é mais profunda e em que o ato de escolher é mais embaraçador – movido pela incerteza e pelo medo de não corresponder às expectativas e demandas impostas. Há, na juventude, um significado que a transcende. Ela se afirma como uma etapa de arrogante sacrifício, sendo a res- posta da própria sociedade à incapacidade adulta de cons- truir uma vida mais plena e mais rica. As gerações mais velhas estão comprometidas com causas já condenadas e falidas que vão do imperialismo à inibição sexual. Mas não há vir- tude especial em ser jovem. Acontece apenas que chegou o momento de os jovens entrarem na história. [...] A sociedade propõe opções que podem ser pobres, insatisfatórias pouco diversificadas, mas não abre mão da premência da escolha. (FORACCHI, 2018, p. 39) A Lei nº. 12.852, de 5 de agosto de 2013, que instituiu o Estatuto da Juventude, dispondo sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretri- zes das políticas públicas de juventude, apresenta um critério etário para a determinação de quem são as pessoas jovens: são as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte enove) anos de idade (BRASIL, 2013). Contudo, a fixação de um critério etário absoluto e universal não é sufi- ciente para abarcar a complexidade da juventude e seus significados sociais. Os jovens são uma categoria social e histórica, que deve ser considerada como uma questão social, revelando a sua importância como “elemento estrutural” na sociedade moderna e destacando sua condição de relação experimental com valores, ideias e instituições (GROPPO, 2016, p. 23-24). Dayrell (2003, p. 42) traz a articulação da noção de jovem enquanto sujeito social, ensinando que a juventude constitui um momento determi- nado, mas que não se reduz a uma passagem, assumindo uma importância em si mesma. Assim, destaca o termo juventudes (no plural) para enfatizar a diversidade de modos de ser jovem existentes, influenciados pelo meio social – pois não há um único modo de ser jovem nas camadas populares. O alerta para a questão climática tem mobilizado parte da juventude, afinal, a exemplo da atuação da jovem sueca Greta Thunberg que iniciou o movimento Fridays for Future (Sextas pelo Futuro), protestando contra os incêndios, fortes ondas de calor e para que os governantes adotassem medi- das para salvar o clima do planeta. No Brasil, esse movimento gerou o enga- jamento de jovens nos últimos anos: em 15 de março de 2019, houve pro- testos nos estados de São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul; já em 20 de setembro, houve manifestações em São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, além de outras capitais; em 24 de janeiro de 2020, a Aliança Pela Amazônia no Brasil realizou protesto no Pará; e em 72 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II 2021 foi lançada a campanha Ajuda Pantanal, com foco em conter diver- sos desastres no bioma pantaneiro10. Ademais, diversas organizações têm engajado adolescentes, como, por exemplo, a organização Engajamundo11, que surgiu em 2012, após a participação de um grupo de jovens na Confe- rência da ONU em Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, com o intuito de aumentar a participação e incidência da juventude brasileira nas conferên- cias internacionais. Na medida em que os jovens se tornam cada vez mais conscientes das ameaças globais atuais e futuras, a crise climática apresenta implicações sig- nificativas de longo prazo para o seu sistema físico e para a sua saúde mental como resultado de mudanças ambientais agudas e crônicas, de tempestades e incêndios florestais, da mudança de paisagens e aumento das temperaturas: O papel desempenhado pela ansiedade climática é com- plexo, com reconhecimento de que isso se baseia funda- mentalmente na ansiedade construtiva. Embora doloroso e angustiante, a ansiedade climática é racional e não implica em doença mental. Pode ser vista como uma “ansiedade prá- tica” o que às vezes leva as pessoas a reavaliarem seu com- portamento para responder adequadamente às ameaças incluindo incerteza. (MARKS; HICKMAN; PIHKALA; CLAY- TON; LEWANDOWSKI; MAYALL; WRAY; MELLOR; VAN SUSTEREN, 2021, p. 03 – tradução livre dos autores) Dessa maneira, a eco ansiedade pode ser conceituada como a angústia relacionada às crises ecológicas. O Estatuto da Juventude, reconhece os jovens como detentores de direitos geracionais e é regido por diversos princípios, entre eles: a promo- ção da autonomia e emancipação dos jovens; a promoção do bem-estar, da experimentação e do desenvolvimento integral do jovem; a promoção da vida segura, da cultura da paz, da solidariedade e da não discriminação; e valorização do diálogo e convívio do jovem com as demais gerações. Ade- mais, esse diploma legal dedica uma seção para o Direito à Sustentabilidade e ao Meio Ambiente, determinando: Art. 34. O jovem tem direito à sustentabilidade e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida, e o dever de defen- dê-lo e preservá-lo para a presente e as futuras gerações. Art. 35. O Estado promoverá, em todos os níveis de ensino, a educação ambiental voltada para a preservação do meio ambiente e a sustentabilidade, de acordo com a Política Nacional do Meio Ambiente. 10 Informações sobre o movimento e os projetos abrangidos por ele no site: < https://www. fridaysforfuturebrasil.org> 11 Informações sobre a organização, campanhas e projetos podem ser encontrada no site: < https://www.engajamundo.org/> https://www.fridaysforfuturebrasil.org https://www.fridaysforfuturebrasil.org https://www.engajamundo.org/ 73 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II Art. 36. Na elaboração, na execução e na avaliação de políti- cas públicas que incorporem a dimensão ambiental, o poder público deverá considerar: I - o estímulo e o fortalecimento de organizações, movi- mentos, redes e outros coletivos de juventude que atuem no âmbito das questões ambientais e em prol do desenvolvi- mento sustentável; II - o incentivo à participação dos jovens na elaboração das políticas públicas de meio ambiente; III - a criação de programas de educação ambiental destina- dos aos jovens; e IV - o incentivo à participação dos jovens em projetos de geração de trabalho e renda que visem ao desenvolvimento sustentável nos âmbitos rural e urbano. (BRASIL, 2013) De acordo com Dardot e Laval (2016. p. 367), a depressão generalizada é uma das características do sujeito neoliberal em formação, cuja vida é norteada pela economia financeira e que deve ser previdente em todos os domínios e escolhas: O discurso da “realização de si mesmo” e do “sucesso de vida” leva a uma estigmatização dos “fracassados”, dos “perdidos” e dos infelizes, isto é, incapazes de aquiescer à norma social da felicidade. O “fracasso social” é visto, em última instância, como uma patologia. [...] O remédio mais propalado para essa “doença da respon- sabilidade”, essa usura provocada pela escolha permanente, é uma dopagem generalizada. O medicamento faz as vezes da instituição que não apoia mais, não reconhece mais, não protege mais os indivíduos isolados. Vícios diversos e dependências às mídias visuais são alguns desses estados artificiais. O consumo de mercadorias também faria parte dessa medicação social, como suplemento de instituições debilitadas. (DARDOT; LAVAL, 2016. p. 367) A forma como os jovens irão construir seu modo de vida está intima- mente relacionada com o seu sentimento de envolvimento nos processos de apreensão da realidade e de percepção da capacidade de nela intervir para transformá-la, por isso o compromisso socioambiental tem relação funda- mental com esses aspectos (LEMOS; HIGUCHI, 2011). A ação política das juventudes pauta a luta por uma nova realidade social, sendo que “o jovem ao ser privado da ação e do discurso, esvazia-se do seu potencial político de transformação e reivindicação em uma socie- dade. Expressar e manifestar estão enquadrados no verbo agir, com o fim de intervir no rumo dos acontecimentos”. (SANTOS, 2019, p. 31-32) A liberdade da cidade é, portanto, muito mais que um direito de acesso àquilo que já existe: é o direito de mudar a cidade mais de acordo com o desejo de nossos corações. (...) A ques- tão do tipo de cidade que desejamos é inseparável da ques- tão do tipo de pessoa que desejamos nos tornar. A liberdade 74 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II de fazer e refazer a nós mesmos e as nossas cidades dessa maneira é, sustento, um dos mais preciosos direitos huma- nos. (HARVEY, 2013, p. 28) Em um mundo como esse, os jovens cidadãos são compelidos a “assumir a vida pouco a pouco, tal como ela nos vem, esperando que casa fragmento seja diferente dos anteriores, exigindo novos conhecimentos e habilidades” (BAUMAN, 2013, p. 24), por isso, é necessário trazer o tema das ambientais e das mudanças climáticas para o cotidiano dos jovens, através do engajamento de escolas, universidades, coletivos, Estado e de toda a sociedade. CONCLUSÃOConclui-se que é necessário trazer os temas relacionados ao meio ambiente e às mudanças climáticas para o cotidiano das juventudes, de forma a engajá-las nas escolas, universidades, coletivos, Estado e de toda a sociedade, com base na solidariedade humana, já que os jovens são impor- tantes atores para a mudança da realidade de crise. Se mostra cada dia mais urgente um novo olhar, realmente efetivo, acerca da vida social das pessoas e do desenolvimento econômico sob a perspectiva da emergência climática, já que a natureza acaba proporcionando um novo campo de acumulação de riqueza ao adquirir o status de fator de produção abastecido pela destruição acelerada dos recursos naturais. Entretanto, esse modelo de desenvolvimento vai de encontro com a capacidade limitada do espaço planetário e dos recursos disponíveis, e, também financiou a expansão desordenada e interminável do crescimento urbano independentemente das consequências políticas, ambientais ou sociais, vitimou a cidade tradicional. Nesse sentido, o direito à cidade busca imaginar e reconstruir um tipo novo de cidade enquanto um lugar de encontro, no qual a atuação das pes- soas influencia a produção social desse espaço urbano o direito à cidade se apresenta como condição de formação do sujeito social, já que a cidade é a materialidade de uma sociedade, a expressão das relações sociais que ali se estabelecem. Os jovens representam a esperança de um futuro melhor e se cons- tituem em importantes atores para isso, bem como se o meio ambiente é considerado bem comum da humanidade, devendo ser preservado para as gerações futuras, é relevante a abordagem da ansiedade climática ou eco ansiedade verificada entre aqueles. A ação política das juventudes pauta a luta por uma nova realidade social, sendo que em um mundo como o atual, os jovens cidadãos são com- pelidos a “assumir a vida pouco a pouco, tal como ela nos vem, esperando que casa fragmento seja diferente dos anteriores, exigindo novos conheci- mentos e habilidades” (BAUMAN, 2013, p. 24), por isso, é necessário trazer o 75 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II tema das ambientais e das mudanças climáticas para o cotidiano dos jovens, através do engajamento de escolas, universidades, coletivos, Estado e de toda a sociedade. REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Miriam [et all]. 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São Paulo: Cia das Letras, 2019. 78 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II CAPÍTULO 5 AS AÇÕES ESTRATÉGICAS ESCOLARES PARA A GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL12 Débora Karoline de Oliveira Magalhães13 Jamila Péterle dos Santos14 12 O presente trabalho conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina – FAPESC, sendo fruto dos projetos de pesquisa Direito da Criança e do Adolescente e Políticas Públicas e do Núcleo de Pesquisa em Política, Estado e Direito (NUPED). 13 Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC. Bolsista nível Mestrado da Fundação de Amparo à Pes- quisa e Inovação do Estado de Santa Catarina - FAPESC. Endereço eletrônico: debrmaga- lhaes@gmail.com. 14 Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense (PPGD – UNESC) e integrante do Núcleo de Pesquisa em Direito da Criança e do Adolescente e Políticas Públicas (NUPED – UNESC). Advogada atuante nas áreas de família, sucessões e previdenciário. Endereço eletrônico: jamilapeterledos- santos@gmail.com. 79 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II INTRODUÇÃO O presente estudo possui como tema o direito à educação, sendo delimitado nas ações estratégicas escolares para a garantira do direito à edu- cação de crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional. A pesquisa apresenta como objetivo geral compreender as ações que vem sendo desenvolvidas pela escola para a garantia do direito à edu- cação de crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional, buscando-se, a partir do seu desenvolvimento, cumprir com os objetivos específicos no sentido de descrever o direito à educação de crianças e ado- lescentes no Brasil; contextualizar o acolhimento institucional no Brasil e investigar as ações escolares para a garantia do direito à educação de crian- ças e adolescentes em acolhimento institucional. Em relação às especifici- dades dos objetivos o seu cumprimento ocorre a partir da subdivisão dos tópicos que resultaram nos capítulos da presente análise. O problema de pesquisa utilizado na presente abordagem resulta do seguinte questionamento: quais as ações estratégicas que vêm sendo promovidas pela escola visando a garantia à educação de crianças e adoles- centes em situação de acolhimento institucional? A análise realizada na presente abordagem é justificada em razão da necessidade de ações estratégicas para incluir crianças e adolescentes insti- tucionalizadas no ambiente escolar, tendo em vista os estigmas socialmente impostos à condição de institucionalização de pessoas em condição pecu- liar de desenvolvimento humano. A metodologia da presente pesquisa utiliza como método de aborda- gem o dedutivo, enquanto o método de procedimento é o monográfico, uti- lizando-se das técnicas de pesquisa bibliográfica e documental a partir da investigação em documentos oficiais, bem como análise de teses, disserta- ções, livros e artigos científicos. Os materiais para a realização da presente análise foram coletados no Banco de Teses e Dissertações da Capes, em Bibliotecas Virtuais, assim como no portal Google acadêmico. 1 O DIREITO À EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL A educação é uma ferramenta de transformação social que possui aspectos emancipatórios, pois é fundamental para a construção do indiví- duo enquanto ser social a partir do desenvolvimento do senso de perten- cimento coletivo, da autonomia e empoderamento individual. É um meca- nismo necessário para a ruptura com as barreiras impostas ao longo da história educacional no instante em que foi se construindo para incluir a todos, especialmente as pessoas que se encontravam invisibilizadas pelas classes dominantes. A educação transforma o indivíduo na sua particula- ridade, assim como transforma o indivíduo perante o meio social em que 80 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II convive (GORCZEVSKI; KONRAD, 2013, p. 24-25). ‘’Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda’’ (FREIRE, 2000, p. 31). No Brasil o direito à educação pode ser compreendido a partir do entendimento de que crianças e adolescentes são pessoas em desenvolvi- mento humano e que, em razão dessa condição, merecem especial atenção. A percepção acerca dos direitos da infância ocorre no contexto de redemo- cratização do país com a retomada da estabilidade social rompida anterior- mente de forma não democrática. O cenário otimista vivenciado a época ocasionou a ruptura com os padrões estabelecidos pelo modelo menorista que adotava como principal preocupação a situação irregular caracterizada pela condição de pobreza e extrema pobreza. Constatada referida situação, o Estado legitimava as diversas violações de direitos sob pretexto de controle social. Com o novo cenário estabelecido, crianças e adolescentes deixam de ser considerados objetos de tutela do Estado, passando a ser sujeitos titula- res de direitos humanos e fundamentais que devem ser assegurados tanto pelo Estado, quanto pela família e pela sociedade, o que configura a tríplice responsabilidade compartilhada aos direitos da infância que necessitam de observação a partir de um olhar atento para que sejam garantidos com abso- luta prioridade (CUSTÓDIO, 2008, p. 32). O direito à educação na Constituição Federal encontra-se disposto no artigo 6º, artigo 205 a 214 e artigo 227. A educação, assim como a proteção à maternidade e à infância são direitos sociais constitucionalmente previstos no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 (BRASIL,1988). Dizem respeito a uma garantia intrínseca à condição humana para viabilizar uma vida digna em sociedade, visando minimizar as desigualdades de toda ordem que cons- tituem um problema social, de caráter sistêmico e estrutural, cujas raízes são históricas. O Estado, por meio de ações estratégicas de políticas públicas, pos- sui o dever de criar condições suficientes e adequadas para que o direito à educação como um direito social seja plenamente ofertado e exercido a partir dos elementos que o constituem, quais sejam, disponibilidade, adaptabili- dade, aceitabilidade e acessibilidade do ensino (ARNESEN, 2010, p. 70). Unindo-se ao Estado, a família e a comunidade devem contribuir para processo educativo a partir do que preceitua o artigo 205 do texto constitu- cional, o qual trata das finalidades da educação ao romper com a respon- sabilidade atribuída de forma unilateral ao ente público, destacando que a educação deve ser promovida e incentivada em conjunto a fim de atingir suas finalidades de assegurar o pleno desenvolvimento, assim como o pre- paro para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho, obser- vando os limites etários e condições para o desempenho da atividade labo- ral (BAPTISTA, 2014, p. 56). Os princípios que orientam o modo pelo qual a educação deve, pre- ferencialmente, ser abordada no Brasil, encontram-se no artigo 206 da Constituição Federal e dizem respeito à igualdade de condições para o 81 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II acesso e permanência na escola, o qual retrata a oferta do ensino a partir de condições iguais do ponto de vista formal e material. O princípio da liber- dade no ensino e aprendizado refere-se a transmissão do saber a partir do conhecimento sistematizado, cuja metodologia foi previamente analisada e estudada para assegurar a máxima efetividade no compartilhamento de informações pedagógicas. O princípio do pluralismo de ideias dialoga com os preceitos que constituem o estado democrático de direito ao estabelecer um ensino com múltiplas possibilidades por força da diversidade social e pessoal característica do país. A oferta do ensino público gratuito está rela- cionada ao papel do estado em planejar e executar políticas públicas para garantir o direito público subjetivo de todas as pessoas do território nacio- nal. O princípio da valorização dos profissionais da educação diz respeito ao incentivo pessoal financeiro que deve ser observado em relação aos pro- fissionais que atuam no âmbito educacional. O princípio da gestão demo- crática do ensino público refere-se à transparência de recursos que são des- tinados para o sistema educacional. Já a garantia do padrão de qualidade diz respeito ao processo educativo, o qual abrange os diferentes níveis edu- cacionais de forma que atenda às exigências postas no cotidiano (ESPIN- DOLA, 2016, p. 45). O artigo 208 do texto constitucional aborda o direito à educação, assim como os mecanismos para a sua execução, os quais compreendem a oferta da educação em todos os níveis, isto é, alcançando progressivamente desde a educação básica até a educação profissionalizante, de forma universal e gratuita, conferindo especial atendimento às pessoas com deficiência, bem como aos que necessitam do período noturno para o acesso ao ensino, via- bilizando, inclusive, programas complementares para o fornecimento de transporte, alimentação, assistência à saúde e material didático-escolar adequado a cada etapa do ensino (BRASIL, 1988). A educação é um processo de socialização e aprendizagem que visa o pleno desenvolvimento. No âmbito infraconstitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente regulamenta em capítulo próprio as normas pre- vistas anteriormente pela Constituição Federal, assim como dispõe normas que dialogam com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). A partir do artigo 53 ao 59 o estatuto regula o direito à educação para o pleno desenvolvimento, assim como o direito à cultura, ao esporte e ao lazer a par- tir dos princípios da igualdade de condições e permanência no acesso ao sistema educacional, prevendo o respeito mútuo entre educandos e educa- dores. Para demonstrar o dever compartilhado em relação aos provedores do direito à educação, traz o dever de matrícula pelo responsável por crian- ças e adolescentes em idade escolar (MATTIOLI, 2012, p. 79). A educação é um processo dinâmico universal que deve incluir a todos e se adaptar conforme as mudanças sociais e os novos interesses que sur- gem gradativamente à medida que a sociedade avança. A Lei nº 9.394/1996, 82 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) é o principal docu- mento versando sobre a educação a partir dos seus diferentes níveis e etapas etárias ao estabelecer o direcionamento à etapa do ensino correspondente às particularidades de cada pessoa. A LDB é responsável por sistematizar a educação, definindo a sua organização e forma de funcionamento. A clas- sificação dos níveis educacionais ocorre com a educação básica, a qual é dividida em educação infantil, que é a primeira etapa da educação básica, ensino fundamental e ensino médio, que é a etapa final da educação básica. O documento prevê a possibilidade da educação profissional técnica de nível médio, possibilitando a educação de jovens e adultos direcionada às pessoas que tiveram prejudicado o acesso ao sistema educacional em idade própria para tal finalidade. Regula a educação profissional e tecnológica, assim como a educação superior, educação especial destinada a pessoas com deficiência ou algum transtorno e educação bilíngue para surdos, isto é, compreendendo a língua brasileira de sinais e a língua portuguesa de forma escrita (BRASIL, 1996). Em se tratando de crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional, devem às instituições de acolhimento fornecerem mecanis- mos para proporcionar a escolarização e profissionalização dessas pessoas em atenção à peculiar condição de desenvolvimento humano, ao direito à educação e à convivência familiar e comunitária. Especialmente em rela- ção ao acesso à educação, é necessário não só a oferta, mas principalmente ações estratégicas para potencializar a permanência na escola, a fim de evi- tar os casos de evasão escolar visando a garantia da proteção integral (BRA- SIL, 1990). 2 O ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL NO BRASIL O Estatuto da Criança e do Adolescente proporciona, ou ao menos garante, às crianças e aos adolescentes o direito à convivência familiar e comunitária. Ao passo que deixaram de ser considerados “menores em situação irregular” e se tornaram “sujeitos de direitos”, ficaram aptos para exercerem direitos e deveres fundamentais e de serem respeitados como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento (FIGUEIRÓ, 2012). Mas nem sempre foi assim! A história das instituições de acolhimento, desde a colonização do Bra- sil, sempre esteve ligada à segregação da dita desordem social e à educação. Esta última com o intuito de educar crianças e adolescentes, afastando-as de seus núcleos familiares (PATIAS; et al, 2017). Esse perfil educacional das instituições acolhedoras sempre foi uma espécie de sofismo, afinal, a escola não costuma aparecer nos depoimentos das crianças e adolescentes institucionalizados, o que se visualiza, na verdade, é o acolhimento como um grande obstáculo para a continuidade dos estudos e a educação é vista 83 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II como um dos maiores desafios, no sentido de as próprias instituições não conseguirem manter os adolescentes na escola (SANTANA, 2019). A realidade das crianças e adolescentes acolhidos é refletida, em sua maioria, pela origem de famílias pobres, que ao longo da história, sempre foi o foco das instituições de acolhimento. O objetivo intrínseco na história é o de cuidar de criançase adolescentes que estão à margem da sociedade, que não se enquadram aos padrões sociais e que são vistos como perigosos e ameaçadores da ordem pública (SANTANA, 2019). Sobre o contexto social e colonizador explica Souza (2014, p. 37): A dramática escravidão dos negros e o desamparo das famí- lias constituem persistentes mazelas da época colonial, mar- cada pela forte intervenção portuguesa, que demonstram o insignificante apreço da sociedade brasileira pela população negra e, como consequência também em relação à infância pobre e suas famílias. Na realidade, a história das crianças pobres, órfãs e abandonadas pelas famílias, desde o desco- brimento do Brasil e em seguida, a partir de 1824 (data da pri- meira Constituição Federal) pelo próprio Estado brasileiro, sempre relegadas ao segundo plano de ação governamental, deveriam envergonhar o país, se realmente fosse conhecidos e difundidos na escola. O Código de Menores de 1927 (Decreto 17.943) instituiu a política de atenção à criança e ao adolescente e reconheceu os primeiros direitos das crianças e adolescentes da época, que eram vistos como menores abando- nados e delinquentes. O primeiro Código menorista, outorgou ao Estado o dever de proteção, assistência e vigilância, e à criança a dimensão jurídica e política no cenário nacional e internacional (RIZZINI; et al, 2006). Próximo à década de quarenta surge a estruturação política da assistência social, por meio do Decreto-Lei nº 525, de 1938, que criou o Conselho Nacional de Ser- viço Social. Logo na sequência, em 1940, é que surgem os serviços de “abri- gamento” de crianças e adolescentes, que anteriormente se apoiavam em entidades privadas e alguns serviços socioassistenciais (MIRANDA, 2017). O Código de Menores de 1927 vigorou por mais de 50 anos, até sofrer uma reformulação no ano de 1979, que introduziu a doutrina da situação irregular e trazia como característica um caráter discriminatório, associando a condição social da família, da criança e do adolescente à criminalidade, ou seja, a ideia de repressão com a população infanto-juvenil não foi rompida. O Código de Menores nada mais era do que um instrumento de controle social por parte do Estado (FIGUEIRÓ, 2012). Assim, o “menor” é uma construção social consolidada por um saber-poder baseado na associação direta entre o “menor”, a periculosidade e a pobreza. Com isso, ao se exa- minar a gestão da população infantojuvenil, não se pode olvidar que crianças e adolescentes pobres foram historica- mente percebidos como problema, e alguns já nasciam com o estigma da anormalidade, por não se enquadrarem em um 84 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II modelo preestabelecido de infância e família (DA PONTE SOUZA; CARDOSO, 2019, p. 290). Somente a partir do século XX, com o advento da Teoria da Proteção Integral, é que as crianças e os adolescentes foram vistos como sujeitos de direitos e, a partir da Constituição Federal de 1988, da Convenção Inter- nacional dos Direitos da Criança de 1989 e, especialmente, do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, houve mudanças importantes relaciona- das à institucionalização de crianças e adolescentes (DE OLIVEIRA PARRA; et al, 2019). As modificações introduzidas pelo Estatuto da Criança e do Adoles- cente sustentaram que as medidas de proteção devem ser aplicadas para assegurar os direitos que já haviam sido reconhecidos pela lei, em especial, o direito à convivência familiar e comunitária, o qual ganhou destaque com a elaboração do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, em 2006, e três anos depois com a Lei nº 12.010/ 2009, conhecida como a Lei Nacional da Adoção (SOUZA, 2014). O sistema de proteção à criança e ao adolescente criou mecanismos para resguardar o direito à convivência familiar e comunitária em condições dignas à criança e ao adolescente, sempre priorizando a família natural à substituta e ditando que o Estado deverá orientar e apoiar a família natu- ral, junto a qual a criança e o adolescente devem permanecer, e quando da absoluta impossibilidade, poderão ser colocados na modalidade de guarda, tutela ou adoção, após, esgotados todos os recursos para reintegração fami- liar (RIZZINI, 2006). Corroborando com a visão de reintegração da medida de acolhimento, explica Figueiró (2012, p. 41): Sob a nova lei, o acolhimento institucional na forma de abrigo é uma medida de proteção temporária e excepcional [...]. A justificativa para a aplicação dessa medida é a tentativa de reparar direitos violados, como a convivência familiar e comunitária. Portanto, por mais contraditório que pareça, o acolhimento visa a reintegração da criança ao convívio socia, e não a sua exclusão, como o modelo de abrigamento anterior de fato acabava acarretando. Ainda que haja uma cautela por parte do Estado, no sentido de prote- ger as crianças e os adolescentes em situação de acolhimento institucional, a realidade se mostra frustrante e avassaladora. Estar institucionalizado envolve pré rupturas familiares, quebra de paradigmas, sentimentos de invisibilidade e de exclusão, além da desconexão com o próprio ser (SAN- TANA, 2019). O acolhimento institucional deve se assemelhar ao máximo com o ambiente familiar, e por isso, seu papel não se restringe apenas ao fornecimento de abrigo e alimento, mas também, de proteção, afeto, cari- nho, estímulos de autonomia e participação, além de ter um papel funda- mental na esfera psicológica, especialmente no que diz respeito ao futuro 85 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II das crianças e adolescentes que vivem em situação de institucionalização (SALAZAR, 2019). Nesse contexto de analogia ao lar originário, as instituições de acolhi- mento (Estado) também devem promover ações no campo da educação, como forma de inserir as crianças e os adolescentes institucionalizados nas vivências sociais cotidianas e necessárias para o desenvolvimento humano. A educação, como direito fundamental de todos, sem distinções, deve cum- prir seu papel social no processo de desenvolvimento humano das crianças e adolescentes em situação de acolhimento (WEBER, 2003). Todavia, o que se visualiza quando se trata da educação como papel social de desenvolvimento é uma cultura amparada em um contexto da criança e do adolescente nos padrões “comuns”, sendo necessárias medidas inclusivas e especiais para crianças e adolescentes em situação de institu- cionalização (MARTINS, 2020). Nessa conjuntura, explica Martins (2020, p. 173) que “[...] a educação acolhedora é prática social que reconhece que cada situação vivenciada pela criança ou adolescentes em um determinado período de sua vida está relacionada a seu meio e às relações sociais ali constituídas.” Com base nesse aspecto integrativo educacional das crianças e ado- lescentes em situação de acolhimento institucional é que o tópico seguinte irá demonstrar as ações escolares que vêm sendo desenvolvidas em âmbito nacional para a garantia do direito à educação às crianças e adolescentes socialmente vulnerabilizados pela institucionalização. 3 AS AÇÕES ESCOLARES PARA A GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM ACOLHI- MENTO INSTITUCIONAL O não conhecimento sobre os direitos de crianças e adolescentes, assim como a ausência de consciência acerca da especial condição de pessoas em desenvolvimento humano, leva ao tratamento inadequado das pessoas em situação de acolhimento institucional. Aliando-se ao desconhecimento nor- mativo e das particularidades da infância, percebe-se a inaptidão técnica dos profissionais que atuam na rede escolar que, muitas vezes, reforçam o estigma negativo sobre os aspectos que giram em torno do acolhimento ins- titucional (SERIKAWA, 2015, p. 30-31). O direito à educação das pessoas sob o abrigo da medida protetiva de acolhimento institucional deve partirdo pressuposto de que as ações estra- tégicas necessitam ser norteadas a partir da instituição de uma política de inclusão escolar para romper com as barreiras impostas ao acesso ao sis- tema educacional, o qual deve distanciar-se de ações que contribuem para a acentuação das desigualdades entre as pessoas institucionalizadas e não institucionalizadas, a fim de evitar a reiteração ou prática do sofrimento 86 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II contínuo ligado ao sentimento de rejeição vivenciado anteriormente por essas pessoas (SERIKAWA, 2015, p. 30-31) A recepção escolar deve trilhar o percurso das práticas inclusivas e humanistas visando minimizar os possíveis impactos negativos das situa- ções que desencadearam como última alternativa o acolhimento institu- cional. Nesse processo, é fundamental sensibilizar e conscientizar todos os atores que compõem o sistema educacional, assim como deve ser incenti- vado constante diálogo entre as entidades de acolhimento e as escolas. Isso porque, além do direito à educação, a escola é fundamental para garantir a convivência comunitária e familiar de crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional (SERIKAWA, 2015, p. 30-31). Para a garantia à educação de forma plena, as ações escolares devem considerar as diversidades existentes no contexto brasileiro, especialmente em se tratando do acolhimento institucional, onde a maioria das crianças e dos adolescentes são negros ou pardos, correspondem ao sexo feminino, sendo oriundos de um contexto de pobreza ou extrema pobreza que ante- cede o período, aliando-se às diversas violações aos seus direitos humanos e fundamentais. A transmissão do saber em sala de aula deve ter por finali- dade a superação do cenário de ruptura de direitos, ou seja, objetivando o enfrentamento às desigualdades a partir da promoção de um ensino voltado para promoção da cidadania e da erradicação de todas as formas de discri- minação de acordo com as diretrizes previstas no Plano Nacional de Edu- cação e em atenção a outros documentos complementares no que se refere as estratégias para a garantia de um ensino inclusivo e não discriminatório (BRASIL, 2014). A proposta educacional inclusiva e não discriminatória deve dialogar com os desafios da sociedade contemporânea propondo-se a desnaturali- zar os obstáculos historicamente construídos no acesso e permanência na escola. A adaptação dos currículos escolares necessita de propostas peda- gógicas que considerem a interculturalidade curricular, assim como o olhar atento às questões de interesse dos alunos e da sociedade a partir do reco- nhecimento do contexto de diversidade que deve ser analisado com base na reflexão das necessidades das pessoas em fase escolar com o compromisso dos atores escolares no sentido de acolher crianças e adolescentes institu- cionalizados, promovendo ações educativas com potencial para romper com estigma do acolhimento institucional (BRASIL, 2017). Isso porque, o ensino multicultural da teoria, ou seja, aquele previsto nos planos e normas educacionais devem ser aplicados na prática, espe- cialmente em razão da diversidade cultural que marca o contexto brasileiro. Uma das principais estratégias deve ser necessariamente concentrada na busca pela ruptura paradigmática com o modelo contemporâneo de ensino que necessita ser destinado, principalmente, às crianças não brancas, que consistem na maioria das pessoas em situação de acolhimento institucio- nal. Os mecanismos educacionais devem direcionar-se para a consciência 87 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II crítica que deve ser estimulada desde a infância, abordando o ensino a par- tir da perspectiva em que inclua os aspectos de raça e sexo para que o direito à educação de fato seja efetivado (HOOKS, 2013, p. 52; 54). O papel das instituições de ensino deve ser pensado além de suas fina- lidades, pois a escola é um ambiente de promoção de justiça social e poten- cializador de oportunidades. É o local propício ao enfrentamento das dife- renças por meio da oferta da educação formal que deve considerar as inten- sas relações sociais de crianças e adolescentes que passam longo tempo na escola em razão da construção do conhecimento que deve abranger uma linha transversal, ou seja, as temáticas transversais, que são temas contem- porâneos de interesse para a sociedade, devem ser priorizadas para possibi- litar a recepção das pessoas que ingressam no âmbito escolar por meio das instituições de acolhimento, o que demanda compromisso com especiali- zação adequada dos profissionais da rede de ensino que atuam diariamente com as questões inerentes à infância (TEIXEIRA; 2016, p. 51). O treinamento dos atores do sistema educacional deverá ter por base o investimento em capacitação técnica e adequada de forma integrada e intersetorial com a devida comunicação dos profissionais responsáveis pelo acolhimento escolar de crianças e adolescentes institucionalizadas, assim como os demais profissionais que atuam no Sistema de Garantia de Direi- tos a partir de uma capacitação introdutória, seguida por uma capacitação prática e formação continuada, a qual deverá considerar as seguintes orien- tações técnicas dos serviços de acolhimento para crianças e adolescentes: Apresentação do serviço, suas especificidades e regras de funcionamento; Apresentação e discussão do Projeto Político-Pedagógico do serviço; Legislação pertinente (SUAS, PNCFC, ECA, dentre outros, além do presente documento); SGD e rede de políticas públicas - com o intuito de que o pro- fissional compreenda as medidas protetivas, competências e limites de atuação de cada órgão / entidade e articulação entre as instâncias envolvidas; Etapas do desenvolvimento da criança e do adolescente (características, desafios, comportamentos típicos, fortale- cimento da autonomia, desenvolvimento da sexualidade); brincadeiras e jogos adequados para cada faixa etária, explo- ração do ambiente, formas de lidar com conflitos, colocação de limites, etc.; Comportamentos freqüentemente observados entre crian- ças/adolescentes separados da família de origem, que sofre- ram abandono, violência, etc.; Práticas educativas como ajudar a criança/adolescente a conhecer e a lidar com sentimentos, fortalecer a auto-estima e contribuir para a construção da identidade; Cuidados específicos com crianças e adolescentes com defi- ciência ou necessidades de saúde doença infecto-contagiosa 88 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II ou imunodepressora; transtorno mental; dependência quí- mica; etc); Novas configurações familiares e realidade das famílias em situação de vulnerabilidade e risco; Metodologia de trabalho com famílias; Diversidade cultural e sexual, étnicas e religiosas; Trabalho em rede (BRASIL, 2009, p. 64-65) As estratégias escolares, portanto, devem assumir o compromisso com a capacitação técnica e adequada, de forma periódica e contínua, incluindo todos os profissionais que atuam na área da infância. É fun- damental a empatia desses profissionais que necessitam despir-se de qualquer prática discriminatória em razão da condição de acolhimento institucional. Para isso, imprescindível a implementação e manutenção de ações para incluir verdadeiramente essas pessoas oriundas de um contexto de violações de direitos que percebem a escola como ponto de referência para garantia de seus direitos sem discriminação ou qual- quer estigma, ou seja, o ambiente escolar vai atuar de modo inclusivo e humanístico para a garantia da proteção integral de meninos e meninas em situação de acolhimento institucional. CONCLUSÃO As ações estratégicas para a inclusão e, especialmente, permanência na escola de crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional, devem ser pensadas a partir da necessidade de inserção social, tendo em vista que o acesso à educação é um desafio que se buscacotidianamente resolver, pois a escola é um local de promoção de direitos e atua como ponto de referência a meninos e meninas, razão pela qual as estratégias devem considerar a necessidade de estruturação curricular no sentido de adapta- ção para considerar as diversidades existentes no país. O ensino multicultu- ral é medida que deve ser adotada para romper com as barreiras impostas pelo estigma do acolhimento institucional. Na esfera normativa a legislação garante o ingresso e permanência dessas pessoas institucionalizadas nas instituições de ensino, porém, é imprescindível que os profissionais da rede escolar estejam aptos a recepcionar essas crianças e adolescentes de modo acolhedor e humanístico. Para tanto, faz-se necessário a disposição para dedicar recursos em investimentos destinados à capacitação técnica e ade- quada sob a perspectiva humanística e empática, incluindo todos os profis- sionais do sistema educacional e os demais atores que compõem o sistema de garantia de direitos, priorizando o treinamento intersetorial, integrado e especializado, possibilitando o diálogo na rede de atendimento, para que crianças e adolescentes acolhidas institucionalmente tenham garantidos o seu direito à educação com prioridade absoluta para a garantia plena da proteção integral. 89 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II REFERÊNCIAS ARNESEN, Erik Saddi. Educação e cidadania na Constituição Federal de 1988. 2010. 164 f. Dissertação (Mestrado em Direito), Programa de Pós-graduação Strictu Sensu em Direito. Universidade de São Paulo - USP, São Paulo, 2010. BAPTISTA, Talita Seiscento. 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Especialis- ta em Magistratura e Processo Civil com Habilitação para o Ensino Superior pela Escola Su- perior da Magistratura do Estado de Santa Catarina – ESMESC. Pós-graduada “lato sensu” em Direito Civil e Processo Civil pelo Complexo Jurídico Damásio de Jesus. Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Especializanda “lato sensu” em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC. Membra do Grupo de Pesquisa em Direito da Criança e do Adoles- cente e PolíticasPúblicas e do Núcleo de Pesquisa em Estado, Política e Direito (NUPED), da UNESC. Graduada em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. E-mail: anacarolinafpacheco@gmail.com 16 Doutor em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul - RS (UNISC); Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina, graduado em Direito pela Universida- de do Extremo Sul Catarinense. Professor e pesquisador Permanente do Programa de Pós- -Graduação - Mestrado em Direito e da graduação em Direito. Coordenador do Grupo de Pesquisa: Direito da Criança e do Adolescente e Políticas Públicas e do Núcleo de Pesquisa em Política, Estado e Direito (NUPED). Endereço eletrônico: ismael@unesc.net. mailto:anacarolinafpacheco@gmail.com 92 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 1988 foi um marco histórico no Brasil em razão da redemocratização e por representar a positivação de muitos direi- tos reivindicados no âmbito interno a partir da década de 1970 quando a sociedade civil passou a se organizar, insurgindo-se contra a ditadura mili- tar que à época comandava o país, criando diversos movimentos sociais que, sobretudo na década de 1980, após a instalação da Assembleia Nacio- nal Constituinte, fizeram-se ouvidos e puderam expressar suas demandas, que até então eram reprimidas pelo regime ditatorial. “O desafio era como lidar com os déficits vergonhosos dos direitos sociais do país, em especial no que se refere à educação, moradia e saúde” (PAIVA, 2021, p. 11). Muitos dos direitos reconhecidos internamente em 1988 já haviam sido positivados pela ordem internacional por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948, da Organização das Nações Uni- das (ONU), que em seu artigo 26, garante a todo ser humano o direito à ins- trução, esclarecendo no item 2 do mencionado artigo que “A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do ser humano e pelas liber- dades fundamentais” (ONU, 1948). De igual modo, a Convenção sobre os Direitos da criança de 1959, outra norma internacional, e que foi ratificada pelo Brasil por meio do Decreto 99.710 de 1990, ao tratar do direito à educação e do desenvolvimento de crianças e adolescentes, atribui aos pais a responsabilidade por tal finali- dade, definindo no artigo 18, item 1 que a “Sua preocupação fundamental visará ao interesse maior da criança”. Além disso, a Convenção determina aos Estados partes, no item 2 do artigo 18, que prestem “[...] assistência ade- quada aos pais e aos representantes legais para o desempenho de suas fun- ções no que tange à educação da criança [...]”, assegurando para tanto “[...] a criação de instituições, instalações e serviços para o cuidado das crianças” (BRASIL, 1990). Em 1946 foi criado o Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF), cujo intuito é apoiar a adoção de medidas em prol dessa parcela da popu- lação, dada a sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, que as coloca entre as pessoas em situação de vulnerabilidade, merecedoras de maior proteção do Estado, sendo que o UNICEF aponta os quatro pilares sobre os quais se funda a Convenção sobre os Direitos da criança, quais sejam: a não discriminação, o interesse superior da criança, a sobrevivência e desenvolvimento e a opinião da criança. (MAZZUOLI, 2022). No Brasil foi a Constituição Federal que reconheceu os direitos individu- ais e sociais como Direitos Fundamentais, assim entendidos aqueles direitos que em âmbito internacional se encontram na categoria de Direitos Huma- nos, ao serem reconhecidos na ordem jurídica de cada Estado como os direi- tos mínimos, básicos que devem ser assegurados aos seus cidadãos (CASTI- 93 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II LHO, 2018), sendo a educação um desses direitos – direito social – acerca do qual a Carta Magna trata em seu artigo 6º, caput e nos artigos 205 a 214. Os direitos sociais, Direitos Humanos de 2ª dimensão, no dizer de Casti- lho (2018), tem por objetivo justamente promover a igualdade material entre os seres humanos, na medida em que exigem do Estado uma ação direta, positiva, completamente diferente daquela abstenção exigida quando se trata dos direitos de 1ª dimensão, direitos individuais, acerca dos quais o Estado deve se manter inerte a fim de respeitar a liberdade do cidadão. Contudo, apesar do direito à educação pertencer à categoria dos Direi- tos Humanos de 2ª dimensão e como tal, exigir do Estado uma prestação positiva, tramitam no Congresso Nacional brasileiro, projetos de lei federal com o objetivo de implementar no país o ensino domiciliar, também conhe- cido como homeschooling, fazendo surgir o questionamento acerca da real intenção por trás da iniciativa. Afinal, o homeschooling é a concessão de um direito de escolha capaz de ampliar o direito à educação em razão do acompa- nhamento mais próximo de pais e representantes legais na trajetória educa- cional das crianças, ou consiste em uma forma de o Estado brasileiro se desin- cumbir de parte da sua obrigação no que diz respeito à promoção do direito à educação, o que levaria a um retrocesso na qualidade do ensino público e consequentemente, à manutenção da desigualdade estrutural no Brasil? O trabalho, realizado pelo método dedutivo, consiste em uma pesquisa bibliográfica efetuada em livros, artigos científicos e na legislação, sendo organizado em dois subtítulos: O direito fundamental à educação e os prin- cípios gerais do Direito da criança e do adolescente; e, Os prejuízos decor- rentes de eventual regulamentação da prática do homeschooling no Brasil. 1 O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO E OS PRINCÍ- PIOS GERAIS DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE O Estado Democrático brasileiro tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana – que Moraes (2021, p. 49) con- ceitua como “[...] um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limi- tações ao exercício dos direitos fundamentais [...]” – além dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e do pluralismo jurídico, como se depreende do artigo 1º, incisos I a V, da Constituição Federal. Já os seus objetivos funda- mentais são aqueles descritos no artigo 3º, incisos I a IV, da mesma norma, consistentes em construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; além de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988), sendo esses objetivos as lentes pelas quais todas as autoridades devem interpretar os Direitos Fundamentais tanto 94 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II por ocasião da edição, quanto da aplicação do ordenamento jurídico pátrio (MORAES, 2021). Os Direitos e Garantias Fundamentais, individuais e coletivos, estão dispostos no Título II da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que veda em seu artigo 60, § 4º, a deliberação acerca de emenda constitucional que tenha como objetivo a abolição desses direitos e garantias individuais. Cabe ressaltar que em virtude do Princípio da Igualdade também expresso no texto constitucional, todos os cidadãos são titulares de tais direi- tos, independentemente de sua faixa etária, de modo que também o são, as crianças e os adolescentes, aos quais a Constituição Federal conferiu a cate- goria de sujeitos de direitos, rompendo definitivamente com a Doutrina da Situação Irregular até então vigente no país e adotando a Teoria da Proteção Integral (ROSSATO; LÉPORE e CUNHA, 2019), implícita na redação do seu artigo 227, caput, que atribui à família, à sociedade e ao Estado o dever soli- dário de assegurar àscrianças e aos adolescentes com absoluta prioridade [...] o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988). O Estatuto da criança e do adolescente (ECA), por sua vez, além de dei- xar expressa a adoção da Teoria da Proteção Integral (artigo 1º), elenca no caput do artigo 4º, Direitos Fundamentais de crianças e adolescentes em redação análoga à do artigo 227, caput, da Constituição Federal, preocu- pando-se, entretanto, em reafirmar que os mesmos são titulares não apenas dos direitos previstos no próprio Estatuto, mas de todos os demais Direitos Fundamentais, visto que o rol ali apresentado é meramente exemplificativo. É o que se depreende do artigo 3º da norma, que enfatiza: Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facili- dades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, men- tal, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam- -se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condi- ção que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem (BRASIL, 1990). Entre esses Direitos Fundamentais garantidos tanto pela Constituição Federal quanto pelo Estatuto da criança e do adolescente, está o direito à 95 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II educação, que é dever do Estado e da família, e tem como objetivo o pleno desenvolvimento da pessoa, além de prepará-la para o exercício da cidada- nia e de qualificá-la para o trabalho, conforme dispõe o artigo 205, da Cons- tituição Federal (BRASIL, 1988), devendo o ensino ser ministrado com base nos princípios elencados no artigo 206, da referida norma e, em que pese todos esses princípios devam ser respeitados na atuação destinada à pro- moção do direito à educação, reputa-se que dois deles denotem mais clara- mente a necessidade de que o ensino seja ofertado no ambiente escolar. São os princípios descritos nos incisos II e III do mencionado artigo: liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; e o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de insti- tuições públicas e privadas de ensino (BRASIL, 1988). Piovesan (2018) alerta para o fato de que o Estatuto da criança e do ado- lescente também prevê em seu artigo 53 princípios assegurados a crianças e adolescentes durante o exercício do direito à educação e entre aqueles pre- vistos nos incisos do referido artigo, destaca: [...] a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, o acesso à escola pública e gratuita, a liberdade de pensamento e criação, o direito de organização e participa- ção em entidades estudantis e o direito de contestar critérios avaliativos (PIOVESAN, 2018, p. 541). O dever do Estado no que tange ao direito à educação, consiste em uma série de ações, descritas no artigo 208, da Constituição Federal e, especifi- camente com relação a crianças e adolescentes, no artigo 54, do Estatuto da criança e do adolescente (BRASIL, 1990), sendo que a primeira medida prevista tanto em um quanto em outro Diploma, é a de assegurar o ensino fundamental, obrigatório e gratuito aos indivíduos que ainda não atingiram a maioridade e inclusive, àqueles que não tiveram acesso a tal direito na época oportuna, determinando o artigo 208, §3º, da Constituição Federal que “Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino funda- mental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola” (BRASIL, 1988). A promoção do direito à educação, como a de todos os demais Direi- tos Fundamentais, ocorre em um Estado Democrático de Direito que com a promulgação da Constituição Federal de 1988, deu início a um novo Direito da criança e do adolescente que é aplicável a todos os indivíduos dessa par- cela da população, antes vistos como simples objetos de tutela estatal, sendo que o reconhecimento dos direitos supracitados como Direitos Fundamen- tais ou Direitos Humanos, quando tratados na esfera internacional, “[...] realça a inalienabilidade desses direitos e compromete o Estado, tanto no âmbito interno quanto internacional, a respeitá-los, defendê-los e promo- vê-los” (PIOVESAN, 2018, p. 537). O Direito da criança e do adolescente por ser um ramo autônomo do direito, pode ser conceituado como “[...] um subsistema jurídico dotado de 96 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II regras, princípios e valores próprios” (LIMA; VERONESE, 2012, p.53), enten- dendo-se os princípios como os valores máximos eleitos para expressar os fins a serem buscados pelo Estado, porquanto o princípio é a ideia central que fundamenta a sistematização do ordenamento jurídico, elucidando a sua interpretação (LEAL, 2003). Acerca dos princípios, Rossato, Lépore e Cunha (2019) consideram que a própria proteção integral e a prioridade absoluta dos direitos de crianças e adolescentes devam ser traduzidas como metaprincípios desse ramo do direito, em razão de estarem previstas no artigo 227, caput, da Constituição Federal que atribui à família, à sociedade e ao Estado o dever de garantir os direitos de crianças e adolescentes e de protegê-los de quaisquer formas [...] “de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão [...]”, ocupando assim, posição de destaque em relação aos demais princí- pios que regem esse ramo do direito. De acordo com os princípios supracitados, todos são responsáveis por garantir os direitos de crianças e adolescentes, sem que se faça nenhuma distinção entre esses e de modo que sempre se priorize os seus direitos em detrimento dos direitos de outros grupos sociais, porquanto essa foi a esco- lha do legislador constituinte. Para Amin (2021), entretanto, os dois metaprincípios do Direito da criança e do adolescente, dos quais decorrem todos os outros são o Princípio da prioridade absoluta, já mencionado, e o Princípio do superior interesse ou do melhor interesse da criança e do adolescente, segundo o qual, na análise de cada situação fática deverá ser priorizada tanto quanto possível a solução que melhor atender aos interesses da criança ou do adolescente, porquanto se tratam de pessoas em peculiar situação de desenvolvimento, situação que consiste em outro princípio geral do Direito da criança e do adolescente que exige de todos os atores envolvidos na promoção e proteção dos direitos des- ses indivíduos, que considerem em cada caso concreto, a etapa de desenvol- vimento em que se encontra o sujeito de direitos, a fim de melhor atender aos seus interesses naquele dado momento (SEABRA, 2020). Muito embora haja outros princípios relativos ao Direito da criança e do adolescente, a pesquisa se ateve aos princípios gerais, dos quais derivam todos os demais, visto que são aqueles cuja observância é mais relevante e que por si só demonstram a importância de que a educação seja de fato ofer- tada em ambiente próprio para tal finalidade, a fim de que sejam atingidos integralmente, os seus objetivos. 2 OS PREJUÍZOS DECORRENTES DE EVENTUAL REGULA- MENTAÇÃO DA PRÁTICA DO HOMESCHOOLING NO BRASIL Na década de 1990, após a promulgação da Constituição Federal e o reco- nhecimento formal de muitos dos Direitos Fundamentais nela previstos, tais como o direito à educação,houve além dos movimentos sociais que reivindica- 97 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II vam a efetivação desses direitos, manifestações de grupos que até então haviam sido beneficiados pela desigualdade estrutural brasileira e que não só passaram a se insurgir contra a concessão de tais direitos para outros grupos sociais, mas inclusive contra o pleito desses grupos por maior justiça social (PAIVA, 2021). A educação, que já naquele período era um tema desafiador para o Estado Demo- crático de Direito, ocupou “[...] posição central para a busca por políticas públi- cas que lograssem o acesso universalizado ao ensino fundamental, mas tam- bém que procurassem mitigar os padrões estruturais de desigualdade ao longo do processo educacional [...]” (PAIVA, 2021, p. 77). Muito embora a educação não seja o único fator que influencia na diminuição da desigualdade de renda, não se nega a sua importância para tal finalidade e as mudanças educacionais ocorridas no Brasil, que causa- ram impacto em diversos aspectos, tais como no mercado de trabalho, na cidadania e mesmo na criminalidade, podendo-se atribuir o aumento da escolaridade verificado no país nas últimas décadas a diversos fatores, como transição demográfica acelerada devido à redução da taxa de fertilidade entre 1960 e 1991; descentralização da gestão e dos recursos educacionais trazidos pela Constituição de 1988; o Fundef, estabelecido em 1998, que transferiu recur- sos de municípios ricos e com poucos alunos para municí- pios pobres com muitos alunos; programas de transferência de renda (Bolsa Escola e Bolsa Família), que condicionam a entrega dos recursos à permanência dos alunos na escola; e os programas de progressão continuada (não repetência), que foram introduzidos ao longo da década de 1990 (MENE- ZES FILHO; KIRSCHBAUM, 2015, p. 118). Contudo, apesar dos inegáveis avanços, é nesse cenário, em que antes mesmo de se atingir um patamar de significativa redução da desigualdade social, e em que ocorrem tentativas de retrocesso relacionadas a vários direi- tos conquistados desde a redemocratização (PAIVA, 2021), que se verifica a tentativa de alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, bem como o Estatuto da criança e do adolescente a fim de possibilitar no Brasil, o ensino domiciliar no âmbito da educação básica (que compreende a educação infantil, bem como ensino fundamental e ensino médio) por meio do Projeto de Lei (PL) do Senado 490/2017 e dos Projetos de Lei 3179/2012, 3261/2015, 10185/2018, 3159/2019, 5852/2019 e 6188/2019, todos oriundos da Câmara dos Deputados, além do PL 2401/2019 de iniciativa do Poder Executivo, que se aprovados, poderão contribuir para a manutenção das desigualdades já mencionadas e inclusive, provocar o agravamento dessa situação, uma vez que a medida pode resultar em um descompromisso ainda maior do Poder Público com a promoção do direito fundamental à educação. Enquanto o projeto que teve origem no Senado aguarda a designação de novo relator desde 06/08/202117, o Projeto de Lei 3179/2012, ao qual foram apensados todos os demais em trâmite na Câmara dos Deputados, foi apro- 17 https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/131857 98 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II vado em 19/05/202218, ocasionando o desapensamento e arquivamento dos demais - considerados prejudicados - , e remetido ao Senado Federal para apreciação, onde passou a tramitar sob o número 1338/202219. A redação final do projeto de lei 3179/2012 que foi aprovada na Câmara dos Deputados não dispensa a necessidade de matrícula do estudante em instituição de ensino quando feita a opção pelo ensino domiciliar, estabe- lecendo que é admitida essa modalidade na educação básica “[...] por livre escolha e sob a responsabilidade dos pais ou responsáveis legais pelos estu- dantes [...]” e exigindo a comprovação de escolaridade de nível superior ou em educação profissional tecnológica de pelo menos um dos pais ou res- ponsáveis pelo estudante; certidões de antecedentes criminais dos pais ou responsáveis; e cadastro dos estudantes em educação domiciliar, a ser man- tido pela instituição de ensino e anualmente informado ao órgão compe- tente do sistema de ensino. Também se estabelece o cumprimento dos conteúdos curriculares con- forme a base nacional comum curricular e a realização de atividades peda- gógicas destinadas a promover a formação integral do estudante, devendo tais atividades ser registradas pelos pais ou responsáveis e remetidas por meio de relatórios trimestrais às instituições de ensino que acompanharão o desempenho do estudante, realizando reuniões semestrais com os pais ou responsáveis e avaliações anuais de aprendizagem e participação dos estu- dantes, salvo quando se tratar de estudantes com deficiência ou transtorno global do desenvolvimento, hipótese em que o projeto prevê que a avaliação do progresso seja semestral. O texto original do projeto se limitava a autorizar a modalidade do ensino domiciliar na educação básica sem, contudo, fazer qualquer exigên- cia de procedimento ou detalhar a forma pela qual seriam realizadas as ava- liações periódicas, e o autor do projeto, Deputado Lincoln Portela, justifica a proposta ao argumento de que não há impedimento para que o ensino seja ofertado no âmbito domiciliar desde que haja acompanhamento do Poder Público e de que autorizar a prática consiste no respeito à liberdade e em reconhecer o direito de escolha das famílias quanto à sua responsabilidade em educar os filhos20. Acerca da ausência de óbice na legislação federal quanto à permis- são para a prática do homeschooling, muito embora tal proibição não seja expressa e o Supremo Tribunal Federal (STF) inclusive tenha se manifes- tado pela possibilidade de adoção da modalidade desde que haja regula- mentação legal (RE 888815/RS), sabendo-se ainda que a prática é autori- zada e adotada em outros países como Portugal, Itália, Dinamarca, Finlân- dia, Alemanha e Estados Unidos (MARTINS, 2022), o que se observa é que a 18 https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=534328 19 https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pl-3179-2012 20 https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=963755&file- name=PL+3179/2012 99 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II interpretação sistemática do ordenamento jurídico brasileiro apesar de não vedar essa modalidade, não permite concluir que o ensino domiciliar seja uma opção condizente com o Direito da criança e do adolescente funda- mentado na Teoria da proteção integral e com os Princípios que o orientam. Primeiro porque a opção pelo ensino domiciliar poderá ser feita pelos pais ou responsáveis, demonstrando claramente uma perspectiva adulto- cêntrica que desconsidera por completo a condição de sujeitos de direitos de crianças e adolescentes, porquanto os inferioriza, colocando-os em situ- ação de subordinação ao grupo dominante, de adultos, que acredita sempre saber o que é melhor para crianças e adolescentes e ter legitimidade para definir as situações relativas a eles, com base nessa crença. O adultocentrismo representa um retrocesso à Doutrina da situação irregular, pois volta a tratar crianças e adolescentes como meros objetos de tutela e como seres incompletos, “[...] tornando esse momento da vida ape- nas uma passagem, apenas um vir a ser, em que aprendemos a nos relacio- nar e a nos integrar à sociedade” (SANTIAGO; FARIA, 2016, p. 73). Ademais, o fato de pais ou responsáveis optarem pelo homeschooling não significa que a prática seja realmente a opção que atende ao Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, mostrando-se, aliás, con- trária à observância desse princípio já que a sua adoção privaria crianças e adolescentes do direito constitucional à convivência comunitária, mesmo que noprojeto de lei haja exigência no sentido de que tal convivência seja proporcionada em outros ambientes públicos, que não o escolar, pois como destacam Casagrande e Hermann (2020), a formação do ser humano e da sua personalidade, bem como o seu amadurecimento, requerem o con- fronto do sujeito consigo e com o outro, com a pluralidade, de modo que a construção da própria individualidade depende da socialização. Sou ao mesmo tempo um indivíduo inconfundível, que res- ponde, de maneira insubstituível, por uma biografia tão for- madora quanto singular. No entanto, não adquiri essa auto- compreensão como pessoa em geral e como indivíduo senão por ter crescido numa determinada comunidade (HABER- MAS, 2004, p. 195-196, grifos do autor). O que torna um ser único – “[...] emoções, temperamento, pensamen- tos e comportamentos [...]” – é resultado também do ambiente do indivíduo, sendo que a partir da primeira infância “[...] o desenvolvimento da perso- nalidade se entrelaça com as relações sociais, e essa combinação chama-se de desenvolvimento psicossocial” (PAPALIA; MARTORELL, 2022, p. 159, grifo das autoras). É a convivência comunitária existente no ambiente escolar que con- tribui para isso, visto que “Todo o processo de desenvolvimento cerebral é influenciado pela herança genética da pessoa e pelas experiências de vida pelas quais ela passa” (JACOWSKI; et al., 2014, p. 84), de modo que o ensino domiciliar pode restringir inclusive o desenvolvimento das habi- 100 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II lidades socioemocionais, na medida em que o estudante que não convive com diversidade, com a pluralidade, pode não desenvolver empatia e cons- ciência social, por exemplo, tornando-se um ser fechado em si mesmo e que talvez não esteja preparado para viver em sociedade sabendo lidar com eventuais perdas ou frustrações, não reconhecendo o outro, e nem para o exercício da cidadania, um dos objetivos da educação, pois As sociedades a que se nega o diálogo — comunicação — e, em seu lugar, se lhes oferecem “comunicados”, resultantes de compulsão ou “doação”, se fazem preponderantemente “mudas”. O mutismo não é propriamente inexistência de resposta. É resposta a que falta teor marcadamente crítico (FREIRE, 2015, p. 67, grifos do autor). Embora as razões invocadas pelos defensores do homeschooling nor- malmente sejam “[...] insuficiência da oferta formal de educação escolar, seja por conta de uma baixa qualidade, seja pela violência que ronda ou penetra nos estabelecimentos, seja na liberdade de ensino [...]” (CURRY, 2019, p. 2), a liberdade que se pleiteia é a dos pais, de escolherem a educação a ser ofertada aos filhos, quando a escolha que é facultada pela Constituição Federal se refere à opção entre aquelas oferecidas pelo Estado ou pelos esta- belecimentos particulares de ensino, pois uma interpretação diversa dessa faculdade significa priorizar a escolha dos pais ou responsáveis acerca do direito à educação, cuja titularidade é dos filhos ou tutelados. Não há hierarquia estabelecida entre os responsáveis pela promoção da educação, de modo que a obrigação do Estado não é subsidiária à da família. Ambos são solidariamente responsáveis justamente porque precisam atuar juntos e em aspectos diversos, a fim de estimular a educação global do ser humano. Educação não consiste apenas em ensinar conteúdo programá- tico, sendo essa a função da escola que conta com os profissionais habili- tados para tanto, mas também preparar o estudante por meio de formação integral que seja, além de intelectual, física, emocional e psicossocial. Não fosse o bastante, crianças e adolescentes cujos pais optem pela modalidade de ensino domiciliar, estarão afastados não só do ambiente escolar, mas de parte da rede de proteção que exerce a função de defesa dos direitos daqueles em caso de eventual violação, tarefa cujo exercício exclusivo é inviável ao Poder Público, ainda que se atribua a esse o dever de acompanhamento e fiscalização da mencionada modalidade de ensino. A fim de garantir a concretização e efetividade dos direitos de crianças e adolescentes previstos tanto na Constituição Federal quanto na legislação infraconstitucional, o ECA, em sua parte especial, estabelece a política de atendimento (Título I) que será realizada em benefício daqueles indivíduos por meio de “[...] um conjunto articulado de ações governamentais e não- -governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municí- pios”, conforme o artigo 86 do referido Estatuto (BRASIL, 1990), ao qual se deu o nome de Sistema de Garantia de Direitos, conceituado por Tavares 101 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II (2021, p. 209) como “[...] o conjunto de elementos – órgãos, entidades, pro- gramas e serviços – que, sinergicamente, é capaz de tornar efetiva a Dou- trina da Proteção Integral, garantindo a todas as crianças e adolescentes os direitos previstos em lei [...]”. O Conselho Nacional dos Direitos da criança e do adolescente (CONANDA), por meio da Resolução 113/2006, sistematizou o funciona- mento desse conjunto articulado de ações, determinando em seu artigo 5º, incisos I a III, que todos aqueles que integram o Sistema de Garantia de Direi- tos atuem em rede e através de três eixos estratégicos: o da promoção, o da defesa e o do controle da efetivação dos Direitos Humanos, que são operacio- nalizados respectivamente, pelas políticas de atendimento, proteção e justiça. Nesse sentido e tendo em vista que o direito à educação – objeto do presente estudo – é um direito social, exigindo como já explicitado, uma prestação positiva do Estado, pode-se afirmar que a promoção desse direito se dá através das políticas de atendimento que devem se desenvolver de forma transversal e intersetorial, articulando-se a todas as políticas públi- cas, visando garantir integralmente os direitos de crianças e adolescentes, nos termos do artigo 14, §1º, da Resolução 113/2006, do CONANDA. Contudo, o Sistema de garantia só funciona mediante atuação em rede, incluindo todos os envolvidos e entre eles, a escola. Assim, as finalidades do direito à educação, previstas no artigo 205, da Constituição Federal dificil- mente poderão ser alcançadas no ensino domiciliar, porquanto as mesmas não poderão contar com a atuação da rede de proteção caso estejam sendo submetidas a algum tipo de violência ou se encontrem em situação de risco e além disso, ainda que os pais e representantes legais se empenhem em preparar crianças e adolescentes para o exercício da cidadania, talvez não logrem êxito no intuito de qualificá-los para o trabalho, o que mais uma vez, nos leva à questão da desigualdade social brasileira, sobre a qual, Paiva (2021, p. 26-27) enfatiza: [...] dois aspectos que resultaram em entraves reais para a mudança efetiva no padrão da desigualdade brasileira, que chegou ao século XX com o legado do último país a abolir a escravidão e com sua concentração fundiária inalterada: pri- meiramente, o enorme descaso na oferta de uma educação pública universalizada para a criação de instância emanci- patória para os cidadãos, como defendida por Marshall, pois não houve políticas públicas educacionais pensadas pela República nascente que alcançasse todo o território nacional, todos os grupos até então excluídos [...]. Assim, mesmo que não seja esse o único motivo para tal posiciona- mento, mas talvez o principal deles, a prática não contribuirá com a dimi- nuição da desigualdade existente, podendo inclusive, agravá-la, visto que é provável que apenas famílias com maior poder aquisitivo disponham de condições de fazer tal opção que, por óbvio, demandará dedicação por lon- 102 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II gos períodos de tempo; tempo de que não dispõem as famílias que vivem à margem da sociedade, às quais Souza (2009) se refere como “Ralé brasileira”, que certamente permanecerãorelegadas ao ensino público, cuja qualidade é questionada e consiste em um dos argumentos dos defensores do ensino domiciliar, dando ensejo ao Projeto de Lei 3179/2012, em tramitação no Congresso Nacional. CONCLUSÃO O direito social à educação, do qual são titulares todos os cidadãos brasileiros, deve ser assegurado com absoluta prioridade às crianças e ado- lescentes, assim como todos os demais Direitos Fundamentais, haja vista a situação de vulnerabilidade em que se encontram tais sujeitos de direitos em razão da sua peculiar situação de pessoas em desenvolvimento. E por ser um direito social, Direito Humano de 2ª dimensão, o direito à educação exige do Estado uma prestação positiva que vise à sua efetivação, ainda que o artigo 227, caput, da Constituição Federal atribua a responsabilidade de assegurar os direitos de crianças e adolescentes de forma compartilhada à família, à sociedade e ao Estado, esse não pode se eximir de tal prestação, por ser seu devedor solidário. Embora se saiba que o ensino domiciliar cuja prática se pretende implementar no país, será opcional em caso de aprovação do Projeto de Lei 3179/2012, devendo o Estado ainda assim, manter a oferta do ensino público nos moldes determinados pela Constituição Federal e pelo Estatuto da criança e do adolescente, projetos argumentos dos defensores do ensino domiciliar causam estranheza tendo em vista que alegam para tanto a baixa qualidade da educação pública no âmbito nacional, sendo que os projetos de lei nesse sentido demonstram que o ente público não pretende melho- rar a qualidade da educação ofertada com o intuito de preparar crianças e adolescentes para o exercício da cidadania, qualificando-os para o trabalho, pretendendo em vez disso, delegar a tarefa de ensinar que primariamente é sua, aos pais ou responsáveis. Com tal atitude, o Poder Público não só deixa clara a sua intenção de não conferir prioridade absoluta aos investimentos com educação básica, cuja obrigação lhe é atribuída pela Constituição Federal, omitin- do-se do dever e ocasionando assim, flagrante desrespeito à Teoria da Proteção Integral. Por fim, além de representar prejuízo às crianças e adolescentes que permanecessem no ensino público em tais condições, a prática não traria benefícios àqueles cujas famílias optassem pelo ensino domiciliar, haja vista o inevitável afastamento, ainda que parcial, desses sujeitos do ambiente escolar e consequentemente, da rede de proteção ali disponível em seu benefício e que muitas vezes precisa atuar justamente por conta de negli- gência ou violações de direitos perpetradas no seio familiar. 103 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II Se por um lado não há óbice à permissão para o ensino domiciliar no território nacional, por outro, também não há nada que impeça os pais ou responsáveis de acompanharem ativa e frequentemente a educação dos filhos junto da escola, sendo essa inclusive, uma de suas obrigações em razão da responsabilidade compartilhada em assegurar os direitos de crian- ças e adolescentes. A eventual permissão do ensino domiciliar no Brasil prejudica a todas as crianças e adolescentes. Não só àquelas que eventualmente passem a estudar na modalidade homeschooling, como também, a todas as demais que permanecerem exercendo o direito subjetivo à educação pública e mais do que isso: o único beneficiado pela medida seria o próprio Estado que, a despeito de ofertar a educação básica a um número menor de estudantes, sobrecarregaria agentes públicos responsáveis pela inviável fiscalização da prática. Isso sem contar, que o benefício que talvez se verifique a curto prazo, pode também prejudicar o ente estatal a médio e longo prazo, em razão da provável queda nos índices relativos à educação, diretamente ligada à desi- gualdade estrutural. REFERÊNCIAS AMIN, Andréa Rodrigues. Princípios orientadores do direito da criança e do adoles- cente. In: MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord). Curso de Direito da criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 13. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2021. 9786555592726. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca. com.br/reader/books/9786555592726/epubcfi/6/4[%3Bvnd.vst.idref%3Dcopyright. html]!/4/8/2. Acesso em: 13 mar. 2022. p. 32-40. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outu- bro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm. Acesso em: 13 mar. 2022. BRASIL. Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto/1990-1994/d99710.htm. Acesso em: 13 mar. 2022. BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 13 mar. 2022. BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 3179, de 2012. Altera as Leis nºs 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), e 8.069, de 13 de julho de 1990, (Estatuto da Criança e do Adolescente), para dispor sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica. Brasília: Câmara dos Deputados, [2012]. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/ prop_mostrarintegra;jsessionid=node01sdmp26ll0nkvhz2vpcaezu94230319. node0?codteor=2174834&filename=Tramitacao-PL+3179/2012. Acesso em: 13 mar. 2022. 104 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II BRASIL. Recurso Extraordinário 888.815. Relator: Ministro Roberto Barroso. Data de publicação DJE 21/03/2019 - ATA Nº 33/2019. DJE nº 55, divulgado em 20/03/2019. Brasília: Supremo Tribunal Federal, [2019b]. Disponível em: https://portal.stf.jus. br/processos/detalhe.asp?incidente=4774632. Acesso em: 7 out. 2022. CASAGRANDE, Cledes Antonio; HERMANN, Nadja. 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Integrante do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas de Inclusão Social e do Grupo de Estudos em Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens do PPGD/UNISC. Pesquisadora do Eixo de Direitos da Criança e do Adolescente, da linha de Direito Internacional dos Direitos Humanos pelo Grupo de Estudos em Direito e Assuntos Internacionais (GEDAI), da Universidade Fede- ral do Ceará (UFC). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2618132579025454. E-mail para contato: larabeckercarvalho@gmail.com. 107 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II INTRODUÇÃO A presente pesquisa trata acerca das ações voltadas à oportunizar a adoção no Brasil como forma de efetivação do direito à convivência familiar e comunitária. Desse modo, o objetivo geral foi analisar as ações e políticas públicas voltadas à viabilização da adoção no Brasil como forma de con- cretização do direito à convivência familiar e comunitária. Especificamente, objetivou-se: apresentar o processo de formalização da adoção no Brasil; descrever o direito à convivência familiar e comunitária des- tacando a importância do processo adotivo para a efetivação deste; e relacionar ações promovidas principalmente pelo sistema de garantia de direitos que proporcionam a adoção como forma de realização do direito à convivência familiar e comunitária. Para tanto, a pergunta- -problema que norteou a pesquisa foi a seguinte: como as ações que viabilizam a adoção no Brasil efetivam o direito à convivência fami- liar e comunitária? A hipótese foi de que através de políticas públicas fomentadas e articuladas com o intuito de publicizar e conscientizar a sociedade acerca da adoção, com o devido suporte socioassistencial e psicossocial, será possível efetivar o direito à convivência familiar e comunitária à crianças e adolescentes adotantes. A análise teórica do tema que culminou neste trabalho se justifica pois é preciso analisar as políticas em prol do fomento, da articulação e da conscientização em relação à adoção para que o direito fundamental à convivência familiar e comunitária seja efetivado de modo a fortalecer a insti- tuição familiar e, desse modo, contribuir para o desenvolvimento da infância e da adolescência culminando no progresso sociocultural. A metodologia usada nesta pesquisa foi, como objeto, a pesquisa explo- ratória de natureza teórica. Utilizando-se da pesquisa bibliográfica, tendo como fontes livros, artigos, teses e dados sobre o tema, busca- -se coletar informações acerca da quantidade de adoções no Brasil e das ações voltadas em prol desse processo de formação familiar para, dessa forma, relacioná-los com a concretização do direito à convivên- cia familiar e comunitária. Além disso, foi usada a abordagem quali- tativa, o método dedutivo, o método de procedimento monográfico e, por fim, as técnicas de pesquisa empregadas foram a bibliográfica e a documental. A pesquisa bibliográfica foi realizada nas seguintes bases de dados: Portal Periódico da CAPES, Scielo, e revistas qualifi- cadas no Qualis/CAPES. Para a pesquisa documental, foram consul- tados os seguintes órgãos: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Conselho Nacional da Assistência Social, Conselho Nacio- nal dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselho Nacional de Justiça, Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba e Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. 108 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II 1 O PROCESSO DE ADOÇÃO NO BRASIL A PARTIR DA PROMULGAÇÃO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADO- LESCENTE O processo de adoção contemporâneo, regulamentado primariamente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, tanto na forma da redação origi- nária contida na Lei Federal nº 8.069/1990 como nas sucessivas alterações através de legislações ordinárias - a mais recente sendo a Lei nº 13.509/2017, conhecida popularmente como “Nova Lei de Adoção” -, busca, conforme ensinam Cecílio e Scorsolini-Comin (2018), assegurar o processo de filiação entre adotado e adotantes de modo a formar um microssistema familiar res- paldado, com força vinculante e irrevogável, pelo sistema judiciário através da Vara da Infância e da Juventude, a qual é especializada em atendimentos multiprofissionais e humanizados para situações específicas que envolvam crianças e adolescentes e sua condição peculiar de desenvolvimento. Apesar de ainda ser uma medida excepcional (NAKAMURA, 2019), o processo ado- tivo é contemplado na contemporaneidade, nas esferas legislativas, socioas- sistenciais e de políticas públicas, não como um ato de “caridade” por parte do adotante em relação ao adotado, mas sim como um meio de formalizar, através de um procedimento solene, um vínculo afetivo e socioemocional construído com respaldo da lei e por vontade expressa e inequívoca das par- tes (devendo a criança ter a opinião acerca da adoção levada em considera- ção e o adolescente deve obrigatoriamente consentir em ser adotado) que, através da convivência, criaram vínculos familiares e desejam manter este elopermanentemente (BUSSINGER; NASCIMENTO; ROSA, 2021). No Estatuto da Criança e do Adolescente, o processo de adoção, além de ser mencionado ao longo do referido documento legal em artigos espo- rádicos, é regido em subseção própria (IV), dentro da seção que trata sobre ‘Família Substituta’, indo dos artigos 39 ao 52-D (BRASIL, 1990), o que revela que, apesar da concepção hodierna acerca da adoção como a formalização de um vínculo socioafetivo construído, a denominação contida no Estatuto ainda reforça a visão de que a adoção é, de acordo com Nakamura (2019), a ultima ratio contemplada na legislação acerca dos processos de formações familiares, pois, devido a estigmatizações relacionadas ao processo ado- tivo e aos adotantes, o ato de adotar, no Brasil, é ofuscado pelas técnicas de inseminação artificial - a qual, em 2016, chegou a 67.292 o número de embriões formados (MPMS, 2017) - e de fertilização in vitro, que em 2021 chegou a 45.952 procedimentos realizados (ANVISA, 2022). Em contrapar- tida, entre 2016 a 2020 o número de adoções foi de apenas 9.314 (BRASIL, 2020), revelando o estereótipo sociocultural mostrado por Assunção (2021) de que uma filiação que resulte em gestação, mesmo não sendo biofisiologi- camente natural, é preferível a uma filiação afetiva edificada, com o devido suporte socioassistencial e psicossocial, entre o adotante e crianças e ado- lescentes que necessitam de um lar e de uma família para que seu desen- 109 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II volvimento biopsicossocial ocorra de maneira minimamente saudável. É necessário conscientizar a população, portanto, de que a adoção é uma das formas possíveis e legalizadas de viabilizar o direito à convivência familiar e comunitária para crianças e adolescentes, e combater a estigmatização da adoção como algo distante, dificultoso e não natural. Nesse sentido, os trâmites legais relativos à adoção regidos pelo Esta- tuto da Criança e do Adolescente (arts. 39 ao 52-D) disciplinam que ape- nas podem candidatar-se ao pleito de adotantes as pessoas que possuírem a maioridade civil (dezoito anos ou mais), devendo a diferença de idade entre o adotante e o adotado ser de, pelo menos, dezesseis anos. Além disso, pode-se adotar alguém independente do estado civil, porém, para adoção conjunta, se o casal tiver optado pela separação ou divórcio após o início do estágio de convivência com a criança e/ou o adolescente, será necessário regulamentar as questões relativas à visita e regime de guarda. Ocorrendo o falecimento do adotante ou de um dos adotantes - em caso de adoção con- junta - antes da prolação da sentença e após a manifestação explícita deste de formalizar o vínculo socioafetivo com o(s) adotado(s), o processo adotivo poderá ser deferida, o que acarreta em todos os direitos de deveres entre pais e filhos, inclusive sucessórios. Para que a adoção seja finalizada, o Esta- tuto prevê que é preciso o consentimento dos genitores ou do responsável legal da criança e/ou do adolescente, sendo este dispensado no caso de des- tituição do poder familiar ou de desconhecimento da filiação biológica e, no caso de adoção de adolescente (que, segundo a Lei nº 8.069/1990, é a pessoa entre doze anos completos e dezoito anos de idade) é preciso a concordân- cia inequívoca e expressa (BRASIL, 1990). O direito à convivência familiar dentro dos trâmites relacionados à adoção inicia-se com o estágio de convivência entre o pretenso adotante e o adotado, o que, segundo Almeida e Saraiva (2021), inaugura o caminho a ser percorrido para a construção de um vínculo socioemocional que é de extrema importância para a criança e o adolescente, pois, além de fomen- tar um elo baseado no carinho e no afeto, molda os conceitos de segurança e estabilidade emocional - imprescindível para uma formação saudável da infância e da adolescência - além do adotante começar a ser um parâme- tro comportamental para o adotado, que durante o período de convivência aprenderá e absorverá alguns dos valores morais e sociais percebidos pelo adotante. Nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente, o estágio de convivência, dentro do território brasileiro, é de, no máximo, noventa dias (podendo ser prorrogado por igual período e uma única vez) e deve ser levado em consideração a idade do adotando e as particularidades que cada caso apresenta. Devido a relevância do estágio de convivência, o Estatuto determina que este deve ser acompanhado por equipe interprofissional a qual ficará responsável por elaborar um relatório acerca do período obser- vado e de seus possíveis benefícios ao adotando (BRASIL, 1990). 110 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II Em 22 de novembro de 2017 foi promulgada a Lei Federal nº 13.509/2017 que alterou dispositivos contidos no Estatuto da Criança e do Adolescente relacionados ao processo de adoção, incluindo a possibi- lidade legalizada de entrega voluntária da criança para a adoção, sendo garantidos o sigilo em relação à entrega e o atendimento e acompanha- mento multiprofissional para auxiliar a genitora (BRASIL, 2017), con- forme ensinam Santos e Menezes (2019), a entender-se nesse processo de, deliberadamente, manter ou não o vínculo com a criança gerada, o que necessita uma equipe especializada e humanizada para a realização de um efetivo atendimento psicossocial imparcial em prol de apoiar a decisão da genitora - seja qual for - e assegurá-la da legalidade do procedimento escolhido. Além de regulamentar o processo de entrega voluntária, a Lei nº 13.509/2017 normatizou diversos aspectos relevantes do procedimento de adoção, como a reformulação do Cadastro Nacional de Adoção para oportunizar a celeridade nos processos adotivos Outrossim, A Lei nº 13.509/2017, de forma significativa, buscou reforçar o direito à convivência familiar, de filiação natural ou não, ao longo de diver- sos dispositivos os quais foram incluídos no Estatuto da Criança e do Ado- lescente, assegurando a convivência integral da criança com a mãe que se encontra em acolhimento institucional, propiciando experiências externas à criança e ao adolescente os quais estão em programa de acolhimento ins- titucional ou familiar através do programa de apadrinhamento - que busca fortificar a convivência familiar e comunitária e colaborar com o desenvol- vimento biopsicossocial da infância e da adolescência -, além de, ao buscar um processo adotivo célere, ressaltar a importância da convivência familiar nos casos de adoções nacionais ou internacionais, priorizando esse fortale- cimento através de programas de atendimento multiprofissional, com apoio psicológico e socioassistencial, voltado ao preparo do novo microssistema familiar e ao estímulo da adoção interracial, de crianças e adolescentes com deficiência e de grupos de irmãos (BOREL; SANTOS; COSTA, 2019). 2 O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA E O PROCESSO DE ADOÇÃO COMO MEIO DE CONCRETIZA- ÇÃO DESTE DIREITO O direito à convivência familiar é, essencialmente, um direito humano fundamental conferido às crianças e adolescentes, pois é deste que emer- gem os demais direitos resguardados de forma constitucional e legal, como o direito à educação, à saúde, à convivência social e comunitária, à segurança alimentar, ao lazer, ao esporte, à cultura, às oportunidades que viabilizam o trabalho, à integridade física, moral, financeira e psíquica, dentre outros (BAHIA; TOLEDO, 2020). Desse modo, a instituição familiar - seja biológica ou não - é fundamental para o processo de desenvolvimento da infância e da adolescência e para a inserção sociocultural dentro do espectro social, 111 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II pois a família é um pilar imprescindível para a estruturação de crianças e adolescentes como cidadãos e sujeitos de direito. Nesse sentido, de forma a contextualizar a relevância do direito à convivência familiare a importância de ações que abordem as situações em que se faz necessário a formação de novos vínculos, é preciso refletir que, de acordo com o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Con- vivência Familiar e Comunitária (2006, p. 19), crianças e adolescentes têm o direito a uma família, cujos vínculos devem ser protegidos pela sociedade e pelo Estado. Nas situações de risco e enfraquecimento desses vínculos familiares, as estratégias de atendimento deverão esgotar as possibilidades de preservação dos mesmos, aliando o apoio socioeconômico à elaboração de novas formas de interação e referências afetivas no grupo familiar. No caso de ruptura desses vínculos, o Estado é o responsável pela proteção das crianças e dos adolescentes, incluindo o desenvolvimento de programas, projetos e estratégias que possam levar à consti- tuição de novos vínculos familiares e comunitários, mas sem- pre priorizando o resgate dos vínculos originais ou, em caso de sua impossibilidade, propiciando as políticas públicas necessárias para a formação de novos vínculos que garantam o direito à convivência familiar e comunitária (CONANDA, 2006, p. 19). Além disso, Bufulin, Braz e Vitória (2020) aduzem que o direito à con- vivência familiar e comunitária, apesar de ser essencial para o desenvol- vimento saudável de crianças e adolescentes, são é exclusivo deste grupo, pois o microssistema familiar engloba relações interdependentes entre seus membros de fortalecimento e aprendizados psicoafetivos mútuos, os quais reverberam nos demais âmbitos sociais em que transitam. À vista disso, é essencial que todo o grupo familiar esteja em harmonia, equilíbrio e, ide- almente, estabilidade psicossocial, o que inclui políticas públicas voltadas ao apoio socioassistencial para a família, propiciando programas de transfe- rência de renda aliados ao estímulo à permanência escolar e à capacitação para oportunidades laborais, além de oportunizar ações territorializadas voltadas ao lazer da família nos espaços comunitários, buscando integrar crianças e adolescentes em atividades que fomentem a cultura, a saúde biopsicossocial e o engajamento em projetos diversos que visem a melho- ria e o desenvolvimento social, a proteção do meio ambiente, o respeito aos grupos socialmente vulneráveis e a promoção a uma cultura de paz, diálogo e educação (SILVA; SCHWEIKERT, 2020). Para que essas ações comunitá- rias sejam efetivas e, consequentemente, surtam efeitos positivos em todo o tecido social, é necessário incentivar primariamente o fortalecimento dos elos familiares, pois é a partir da solidez da instituição familiar que se torna possível progredir nos demais ambientes da sociedade. Apesar de compreender que os vínculos familiares biológicos são privi- legiados pelo ordenamento jurídico brasileiro pois há o entendimento que a 112 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II manutenção da criança e/ou do adolescente em seu seio familiar natural é benéfico para seu desenvolvimento (GOMES et al, 2018), é necessário sedi- mentar e publicizar o entendimento de que o processo de adoção não exclui a importância de um crescimento dentro da família natural, mas sim amplia a possibilidade de exercício do direito à convivência familiar e comunitária para crianças e adolescentes cujo poder familiar foi devidamente destituído por sentença judicial fundamentada e que, por isso, necessitam ressignificar sua experiência familiar construindo laços socioafetivos com postulantes dispostos a isso e com o devido acompanhamento da equipe interdiscipli- nar ofertada pela Vara da Infância e da Juventude. Acerca disso, esta nova acepção acerca da adoção e de suas implicações para todos os envolvidos deve permear as ações de conscientização de cunho sociocultural para que a crendice popular de “caridade” e indulgência dos pretensos adotantes não sejam o motivo central de ingresso com os procedimentos para a filiação adotiva, pois isso aumenta os riscos de rejeição e de devolução das crianças e dos adolescentes que estão habilitados à adoção. Portanto, não se trata mais de procurar “crianças” para preencher o perfil desejado pelos pretendentes, mas sim de buscar famí- lias para crianças e adolescentes que se encontram privados da convivência familiar. Isso pressupõe o investimento na conscientização e sensibilização da sociedade acerca desse direito das crianças e adolescentes e no desenvolvimento de metodologias adequadas para a busca ativa de famílias ado- tantes. Trata-se, portanto, de investir para que a adoção seja o encontro dos desejos e prioridades da criança e do adoles- cente com os desejos e prioridades dos adotantes e ocorra em consonância com os procedimentos legais previstos no Esta- tuto da Criança e do Adolescente (CONANDA, 2006, p. 68). Por isso, a adoção é um instrumento legal e solene que não busca auto- afirmar a indulgência dos pretensos adotantes, mas sim procura formar uma família a partir dos laços afetivos edificados com o apropriado apoio dos profissionais que compõem o fluxo interdisciplinar e multiprofissional para assegurar que adotantes e adotados receberão acompanhamento especiali- zado, humanizado e de forma específica durante todo o procedimento para que, ao final, com a concretização do processo adotivo e, por conseguinte, a constituição de um novo núcleo familiar, os membros desse microssistema estejam prontos e aptos a conviverem juntos definitivamente, com os direi- tos e deveres próprios de pais e filhos (MENOTTI et al, 2018). À vista disso, o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006, p. 68) ensina que toda criança e adolescente cujos pais são falecidos, desco- nhecidos ou foram destituídos do poder familiar têm o direito a crescer e se desenvolver em uma família substituta e, para estes casos, deve ser priorizada a adoção que lhes atribui a condição de filho e a integração a uma família definitiva. Este 113 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II é o sentido da proposta de uma nova cultura para a adoção, que visa estimular, sobretudo, as adoções de crianças e ado- lescentes que, por circunstâncias diversas, têm sido preteri- dos pelos adotantes, especialmente os grupos de irmãos, as crianças maiores e adolescentes, aqueles com deficiência ou com necessidades específicas de saúde, os afrodescen- dentes ou pertencentes a minorias étnicas, como forma de assegurar-lhes o direito à convivência familiar e comunitária (CONANDA, 2006, p. 68). Outrossim, a partir da perspectiva do estímulo, planejamento, articu- lação e efetivação do direito à convivência familiar e comunitária, a adoção é um meio deveras eficiente para atingi-lo e, portanto, deve ser publicizado e incentivado através de políticas públicas e sociais pois, sem essas ações concretas, a discrepância entre o número de pretensos adotantes e crian- ças e adolescentes disponíveis à adoção continuará, implicando em longas esperas para quem deseja adotar - pois perdura a preferência de adoção de bebês da faixa etária de 0 a 2 anos (CORREIA; SILVA; GLIDDEN, 2018) - e na manutenção da privação de crianças e adolescentes em exercer seu direito à convivência familiar e comunitária de forma plena. Nesse sentido, de acordo com o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento - SNA, mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no corrente ano de 2022 existem 4.208 crianças e adolescentes aptos a serem adotados no Brasil, onde 54,4% deste número representa meninos (2.288) e 45,6% (1.920) são meninas, e a faixa etária onde há maior número de adotantes disponíveis é a de ‘maior de 16 anos’, composto por 734 (17,44%) adolescentes a espera da integra- ção em um microssistema familiar. A maioria dos adotantes encontram-se no estado de São Paulo (1.051) e a etnia mais declarada entre os adotantes é a parda,que constitui 54,4% do total de adotantes na fila para a adoção. Além disso, há 1.871 crianças e adolescentes que são filhos únicos habilita- dos para serem adotados, 908 possuem um irmão, 669 possuem dois irmãos, 366 possuem três irmãos e 394 possuem um grupo de mais de três irmãos. Em contrapartida, existem 32.732 pretendentes a serem adotantes (BRASIL, 2022), em clara dissonância com a quantidade de adotandos disponíveis, pois existem 16.468 pretendentes apenas na região Sudeste, enquanto que, na mesma região, há 1.975 crianças e adolescentes disponíveis para serem adotados. Além disso, o SNA aponta que 59,75% dos pretensos adotantes declararam que aceitam crianças e adolescentes de qualquer etnia e que apenas 87 dos pretendentes aceitam adotar adolescentes maiores de 16 anos (em desarmonia com os 734 adolescentes nessa faixa etária que esperam por adoção), havendo maior concentração de pretendentes à adoção nas faixas etárias de 2 a 4 anos (10.682 pretendentes ou 32,6% do total de habilitados para serem adotantes) (BRASIL, 2022). Deste modo, os números revelam um descompasso na concepção adotiva, onde ainda perduram preferências, estigmatizações e preconceitos que, atualmente, prejudicam o exercício do direito à convivência familiar e comunitária de mais de quatro mil crianças 114 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II e adolescentes, o que implica em impactos negativos diretos no seu desen- volvimento biopsicossocial (SAMPAIO; MAGALHÃES; MACHADO, 2020). 3 POLÍTICAS E AÇÕES DESTINADAS A ATRELAR A ADOÇÃO AO EXERCÍCIO DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA No sentido de estimular e propiciar o direito à convivência familiar e comunitária, o qual se mostra como um direito humano fundamental indis- pensável para o desenvolvimento familiar e sociocultural (BAHIA; TOLEDO, 2020), é preciso articular ações que construam os vínculos socioafetivos necessários para a formação dos elos familiares quando não é possível man- ter os vínculos biológicos, pois, conforme ensinam Souza, Felipe e Gradim (2019), crianças e adolescentes necessitam de laços psicoafetivos fortifi- cados com adultos responsáveis por seu desenvolvimento saudável e que possam oferecer suporte emocional para seu ingresso social como sujei- tos de direitos e como cidadãos e, quando os responsáveis não podem ser os genitores e sua família natural, é preciso buscar caminhos alternativos e seguros perante a legislação para que esses laços possam ser ofertados e desenvolvidos por outros responsáveis que serão construídos com o devido suporte profissional para que crianças e adolescentes não sejam privados do seu direito fundamental à convivência familiar e de uma série de outros direitos que derivam deste. Para tanto, é preciso políticas integradas e coordenadas em todas as esferas federativas com abordagens voltadas à conscientização do que é a adoção - abrangendo como se dá o seu processo e suas etapas -, dos motivos psicossociais que levam à adoção e da importância da convivência familiar para o desenvolvimento da infância e da adolescência, que repercute na fase adulta e permeia todos os âmbitos sociais. Além disso, faz-se necessário a publicização da conexão entre o ato de adotar como forma de propiciar um núcleo familiar seguro para crianças e adolescentes que necessitam desta proteção específica trazida pelo microssistema familiar e o exercício do direito à convivência familiar e comunitária, evidenciando seus benefícios que ultrapassam a família e favorecem também o campo social, cultural, educacional e laboral. Atento a essa necessidade emergente, o Congresso Nacional aprovou a Lei Federal nº 14.387/2022 a qual altera dispositivos da Lei nº 10.447/2022 para somar ao Dia Nacional da Adoção (25 de maio) a Semana Nacional da Adoção, a qual deve ser celebrada de forma anual na semana que antecede o referido Dia Nacional da Adoção (BRASIL, 2022), com o intuito de promo- ver campanhas de conscientização a nível nacional sobre a adoção, com a realização de palestras, debates, seminários e exposições elucidativas sobre o tema abertos ao público geral. Além disso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou em 2019 o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, que é 115 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II uma fusão Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA), para que houvesse o acompanhamento e a fis- calização unificados das políticas judiciárias em prol da adoção de crianças e adolescentes e, através da unificação dos sistemas relacionados ao moni- toramento dos procedimentos relacionados à adoção, o SNA busca ser uma ferramenta auxiliadora na coleta de dados e informações relevantes para a construção de ações articuladas para facilitar o acesso à informação sobre adoção e seu procedimento (CNJ, 2019). Além das políticas a nível nacional, existem importantes projetos regio- nais e locais destinados a divulgar e estimular a adoção e, consequente- mente, a promover a convivência familiar e comunitária à crianças e adoles- centes. Nesse sentido, a Coordenadoria de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (CIJ/TJRS) articulou, no ano de 2018, a ação denominada “Dia do Encontro”, a qual busca incentivar a adoção conside- rada ‘tardia’ - de crianças e adolescentes da faixa etária dos 10 aos 17 anos, grupos de irmãos e crianças e adolescentes com deficiência - oportuni- zando um dia de encontros com famílias pretensas à adoção e as crianças e os adolescentes que estão na condição de adotantes há mais tempo para, através de atividades lúdicas, aproximá-los com o intuito de expandir e fle- xibilizar o perfil o qual idealizaram no momento do cadastro para tornarem- -se eletivos ao processo adotivo e, além disso, conscientizar os pretendentes acerca da invisibilidade desses grupos que, por vezes, acabam se tornando apenas números estatísticos e passam toda a infância e a adolescência em acolhimentos institucionais privados do direito à convivência familiar e comunitária em sua forma plena (HERCULANO, 2021). À vista disso, por meio do Sistema da Infância e da Juventude, o Tribu- nal de Justiça do Paraná promove diversas ações para promover a adoção das 346 crianças e adolescentes disponíveis para serem adotados (BRASIL, 2022). Através de um aplicativo chamado “A.DOT”, criado em 2018, o Tribu- nal de Justiça paranaense procura aliar a inclusão digital e as facilidades tec- nológicas contemporâneas ao fomento da adoção e do exercício do direito à convivência familiar e comunitária focando em encontrar famílias para os grupos menos visados para a adoção, como crianças maiores de oito anos, adolescentes, grupos de irmãos e crianças e adolescentes com deficiência, sendo o aplicativo utilizado atualmente em nove estados e já propiciou 56 adoções desde sua criação (TJPR, 2022). No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba busca fortalecer a Comissão Estadual Judiciária de Adoção - CEJA para realizar ações de conscientização e publicização dos benefícios da adoção para crianças e adolescentes que necessitam de um lar e de um microssistema familiar sólido, harmônico e estável, principalmente através do meio digital, analisa-se o aperfeiçoamento de sistemas integrati- vos que contenham fácil acesso à informações do processo de adoção com enfoque no estágio de convivência e sua relevância para a construção e a solidificação dos vínculos socioafetivos (PARENTE, 2021). 116 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II Portanto, evidencia-se o esforço salutar do Poder Judiciário de diversos estados brasileiros com o intuito primário de efetivar o direito à convivência familiar e comunitária através da adoção quando não é possível manter ou reintegrar os vínculos biológicos entre a criança e o adolescente e seu núcleo familiar natural. Por meio do procedimento legal,o sistema de garantia de direitos, atrelado ao princípio da incompletude institucional, que inclui a Vara da Infância e da Juventude, o Conselho Tutelar, o Centro de Referên- cia de Assistência Social (CRAS), o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e equipes multiprofissionais e intersetoriais, busca garantir que crianças e adolescentes que estão disponíveis para serem adotados possam encontrar uma família através da edificação segura, com o devido apoio e atendimento especializados, de elos psicoafetivos com pre- tensos adotantes para que, juntos, formem um microssistema familiar ideal para o desenvolvimento biopsicossocial adotado, o qual é promovido pri- mordialmente pela convivência familiar e comunitária (GOMES et al, 2020). CONCLUSÃO A presente pesquisa objetivou estudar as ações voltadas à oportunizar a adoção no Brasil como forma de efetivação do direito à convivência familiar e comunitária. Ao apresentar o processo de formalização da adoção no Bra- sil propiciado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e suas legislações correlatas, buscou-se elencar como ocorrem os trâmites legais para que os procedimentos de efetivação da adoção. Após isso, ao descrever o direito à convivência familiar e comunitária e ao destacar a importância do pro- cesso adotivo para a efetivação deste direito fundamental, verificou-se a importância do convívio e dos laços familiares para o desenvolvimento biopsicossocial da infância e da adolescência e, para a concretização desse progresso, é fundamental um microssistema familiar - seja biológico ou socioafetivo. Por fim, ao relacionar as ações que conectam a adoção como forma de realização do direito à convivência familiar e comunitária, ave- riguou-se os esforços do sistema de garantia de direitos e do seu traba- lho em rede, multiprofissional e intersetorial, confirmou-se a hipótese de que através de políticas públicas fomentadas e articuladas com o intuito de publicizar e conscientizar a sociedade acerca da adoção, com o devido suporte socioassistencial e psicossocial, será possível efetivar o direito à convivência familiar e comunitária à crianças e adolescentes adotantes. Portanto, faz-se necessário articular e planejar de forma contínua e coor- denada ações e políticas públicas e sociais para conscientizar, publicizar e normalizar a adoção através, principalmente, do acesso à informação acerca do procedimento e de suas repercussões para que, desse modo, crianças e adolescentes que necessitam e esperam um lar sejam contem- plados com o exercício pleno do seu direito constitucional, legal e funda- mental à convivência familiar e comunitária. 117 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II REFERÊNCIAS ALMEIDA, Carla Cristina Lima; SARAIVA, Vanessa Cristina dos Santos. Direito à convivência familiar e comunitária: o Cadastro Nacional de Adoção sob a mira das lutas antirracistas. O Social em Questão, v. 24, n. 50, p. 293-310, 2021. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=552266675012. Acesso em: 11 out. 2022. ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. 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Mestra em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense (PPGD/UNESC). Especialista em Direito Civil e em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera – UNIDERP. Especialista em Direito da Criança e do Adolescente e Políticas Públicas pela UNESC. Integrante do Grupo de Estudos em Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens e do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas de Inclusão Social do Programa de Pós- -Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado – da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). E-mail: jcabral@mx2.unisc.br 23 Mestra em Direito pelo PPGD da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, com bolsa/ taxa CAPES. Colaboradora externa do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas de Inclusão Social e do Grupo de Estudos em Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens do PPGD/UNISC. Colaboradora externa do Núcleo de Estudos em Gênero e Raça - NEGRA, vinculado ao PPGD/UNESC. E-mail: melizacabral@gmail.com. 121 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II INTRODUÇÃO A violência contra adolescentes negros nas favelas é um problema social grave, diretamente relacionado ao passado escravocrata e colonial, que permanece refletindo na violação dos direitos humanos e fundamentais dos corpos negros na contemporaneidade. Em razão disso, as heranças do passado devem ser enfrentadas no contexto atual, a partir da formulação e da implementação de políticas públicas de prevenção e erradicação da vio- lência contra adolescentes negros nas favelas. O objetivo geral do presente trabalho científico consiste em estudar a violência contra adolescentes negros nas favelas, a partir da análise da luta antirracista. Os objetivos específicos são: contextualizar a violência contra adolescentes negros nas favelas, a partir de dados oficiais, do conceito de necropolítica e da teoria da proteção integral, bem como investigar a dinâ- mica que a raça estabelece no contexto da reprodução da violência contra adolescentes negros nas favelas, relacionando a branquitude nesse cenário de violência, discriminação e opressão. O problema de pesquisa se desenvolve a partir do seguinte questiona- mento: qual a dinâmica que a raça estabelece no contexto da reprodução da violência contra adolescentes negros nas favelas? A hipótese indica que a raça é uma tecnologia de poder que estabelece a hierarquização dos seres humanos, reproduzindo meios de intervenção e controle aos corpos negros, pois enquanto o branco é vislumbrado a partir de uma superioridade moral, estética e intelectual, o negro é colocado em posição subalterna, de violên- cia, exclusão e marginalização. A metodologia deste artigo científico consiste na utilização do método de abordagem dedutivo e do método de procedimento monográfico, com técnicas de pesquisa bibliográfica e documental. O tema deste trabalho é fruto das pesquisas realizadas junto ao Grupo de Estudos em Direitos Huma- nos de Crianças, Adolescentes e Jovens (GRUPECA), vinculado ao Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) e coordenado pelo professor doutor André Viana Custódio. Ao abordar a violência contra adolescentes negros nas favelas, o presente estudo possui impacto social, uma vez que o enfrentamento do tema reflete tanto no campo das políticas públicas, quanto no campo do Direito da Criança e do Adolescente, buscando contribuir com as pes- quisas acadêmicas nesse sentido, as quais têm se mostrado omissas em relação à abordagem sobre as políticas públicas destinadas à infância, envolvendo o recorte racial. O presente trabalho está estruturado em dois capítulos. O primeiro capítulo, realiza uma contextualização acerca da violência contra adoles- centes negros nas favelas, abordando os indicadores oficiais, o conceito de necropolítica, e a teoria da proteção integral, enquanto o segundo capítulo, aborda a dinâmica da raça no contexto da reprodução da violência contra 122 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II adolescentes negros nas favelas, dialogando com os estudos sobre a bran- quitude e o papel do branco na luta antirracista. 1 O CONTEXTO DA VIOLÊNCIA CONTRA ADOLESCENTES NEGROS NAS FAVELAS A sociedade brasileira é marcada por desigualdades e violência. Ribeiro (2015) propõe que a estratificação social se dá em quatro estratos, super- postos. Essa estrutura de classes tem o papel de englobar e organizar todo o povo, atuando como sistema autoperpetuante da ordem social vigente. Compreendem, assim: as classes dominantes, os setores intermédios, as classes subalternas e as classes oprimidas. As classes dominantes, de número insignificante, possuem a distinção do comando sobre as demais classes e, somente pelo apoio das outras classes é que mantêm seu poder efetivo sobre toda a sociedade. É composta pelo patronato de empresários, pelo patriciado (os quais desempenham cargos, como generais, deputados, bispos e outros), e, nas últimas décadas, também pelos estamentos geren- ciais de empresas estrangeiras. As classes intermediárias, correspondem ao núcleo mais dinâmico, funcionando como um atenuador ou agravador das tensões sociais. É composta pelos pequenos oficiais, professores, profissio- nais liberais, baixo-clero, dentre outros. As classes subalternas, formadas pelos que estão integrados regularmente na vida social – assim como no sis- tema produtivo e de consumo, são consideradas o núcleo mais combativo, dentre as demais. Compreende o operariado (a exemplo dos fabris e de ser- viços) e o campesinato (formado por pequenos proprietários, arrendatários, minifundistas e assalariados rurais). Abaixo desses bolsões,formando a linha mais ampla do losango das classes sociais brasileiras, fica a grande massa das classes oprimidas dos chamados marginais, principal- mente negros e mulatos, moradores das favelas e periferias da cidade. São os enxadeiros, os boias-frias, os empregados na limpeza, as empregadas domésticas, as pequenas prosti- tutas, quase todos analfabetos e incapazes de organizar-se para reivindicar. Seu desígnio histórico é entrar no sistema, o que, sendo impraticável, os situa na condição da classe intrinsecamente oprimida, cuja luta terá de ser a de romper com a estrutura de classes. Desfazer a sociedade para refazê- -la. (RIBEIRO, 2015, p. 157-158) Portanto, o quarto e último estrato, é o das classes oprimidas. São os excluídos da vida social, os que se encontram à margem da sociedade. É contra a classe oprimida que se voltam os mecanismos de exploração, de opressão, de barreiras de oportunidades e de violências. “Um problema crucial de nossa agenda republicana é a manutenção de uma vergonhosa desigualdade social, herdada do passado mas produzida e reproduzida no presente.” (SCHWARCZ, 2019, p. 126). Ao lado da desigualdade social 123 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II está, portanto, a desigualdade racial, fazendo com que o compromisso do movimento negro seja o de, ao refletir sobre a situação do segmento negro enquanto parte constitutiva da sociedade brasileira, esta mesma sociedade possa olhar para si, reconhecendo, em suas contradições internas, as pro- fundas desigualdades raciais existentes (GONZALEZ, 2020). A desigualdade racial está presente desde a colonização. Nem sempre prevaleceu, no Brasil, a compreensão de que as desigualda- des são fatos negativos, prejudiciais à vida em comunidade. Foram especial- mente os sociólogos do final dos anos 1970, que apontaram os vínculos que ligam a pobreza da maioria dos negros à riqueza ou bem-estar de boa parte dos brancos (GUIMARÃES, 2012). Em verdade, “[a]penas neste século XXI o governo federal brasileiro, por exemplo, tem construído políticas sociais efi- cazes de combate às desigualdades.” (GUIMARÃES, 2012, p. 46). Tais políticas, no entanto, ainda não deram conta de alterar a dinâmica que a raça estabe- lece no contexto da reprodução da violência contra os corpos negros. A palavra violência tem origem no verbo latino violare, que significa tratar com violência, profanar, transgredir. Faz refe- rência ao termo vis: força, vigor, potência, violência, emprego de força física em intensidade, qualidade, essência. Na tra- dição clássica greco-romana, violência significava o desvio, pelo emprego de força externa, do curso “natural” das coisas. Hoje, o termo é empregado de modo polissêmico. Designa fatos e ações humanas que se opõem, questionam ou per- turbam a paz ou a ordem social reconhecida como legítima. Seu uso corrente compreende o emprego de força brutal, des- medida, que não respeita limites ou regras convencionadas. (ADORNO, 2012, p. 72) A violência resulta em dor e sofrimento. Provoca danos à integridade física, psíquica, moral, bem como aos bens simbólicos e materiais (ADORNO, 2012). A violência é atravessada por variadas dimensões: racismo estrutural, LGBTfobia, machismo e desigualdades. Dentre as que atingem os adoles- centes, estão as violências físicas, psicológicas, sexuais, mas há também a violência armada, a violência policial e estatal – por vezes, letal. De acordo com o UNICEF, no relatório anual “A infância & você: os resultados da sua parceria com o UNICEF em 2020”, no ano de 2019, verificou-se, no Brasil, o assassinato de 6.930 (seis mil, novecentos e trinta) crianças e adolescentes de 10 a 19 anos de idade. Do total, 81% eram pretos (UNICEF, 2021). Uma outra pesquisa, desta vez de iniciativa do Comitê para Prevenção de Homicídios de Adolescentes no Rio de Janeiro, realizada entre julho de 2019 e junho de 2020, demonstrou a realidade chocante do histórico do número de mortes violentas de adolescentes: de janeiro de 2013 a março de 2019, foram registrados 2.484 (dois mil, quatrocentos e oitenta e quatro) homicídios de adolescentes no estado do Rio de Janeiro. Tais números cor- respondem à chamada letalidade violenta intencional, a qual, contempla os homicídios, as mortes por intervenção de agentes do Estado, os latrocínios, 124 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II bem como as lesões corporais seguidas de morte. O estudo ainda revela que, dentre as vítimas, 79% eram negros e 76% estavam na faixa dos 16 e 17 anos. Ao abordar as causas da letalidade violenta, destaca que, em primeiro lugar, estão os homicídios dolosos, com 76%. A segunda maior causa de mortes foi a ação dos policiais, correspondendo a 22%. O documento registra que a região pesquisada, situada na Zona Norte do Rio de Janeiro, apresenta taxa de letalidade seis vezes maior do que a média da cidade, no mesmo perí- odo, bem como destaca o crescimento da proporção de mortes causadas por agentes do Estado, na capital do Rio de Janeiro: entre os meses de janeiro e março de 2019, o percentual atingiu a marca de 40% (OBSERVATÓRIO DE FAVELAS; ISER, 2020). Portanto, “[a] vida desses adolescentes assassinados é marcada, desde cedo, por violações de direitos, incluindo a discriminação racial. São, em sua maioria, meninos negros, pobres que vivem nas perife- rias e áreas metropolitanas das grandes cidades” (UNICEF, 2019, p. 29). A respeito da violência em favelas e regiões periféricas, cabe uma impor- tante reflexão, formulada por um Conselheiro Tutelar, “cria” da Maré24: “o território não é violento, o território é violentado”. Esta é uma dimensão cru- cial para compreender como operam os mecanismos de violência. Ou seja, “[e]sse vetor que descreve a violência como vinda de fora para dentro é a base para uma reflexão que permite pensar as soluções de dentro para fora.” (REDES DA MARÉ; OBSERVATÓRIO DE FAVELAS, FIGHT FOR PEACE; UNICEF, 2020, p. 7). Os depoimentos de adolescentes negros e das mães das vítimas da ação policial confirmam que o território e as vidas negras são cotidianamente violentados. Ao ser entrevistado, um dos jovens que inte- grou a pesquisa “Violências contra crianças e jovens da Maré na pandemia”, descreveu a atuação policial na favela: “E quando a polícia entra, é morte. Se você estiver, você tem que manter aquelas regrinhas que você lá no ensino fun- damental, quando estuda no colégio da Divisa, deu tiro, se abaixa no chão, entendeu? Deu tiro, não corre, fica parado. ‘Ah, mas se você correr, você vai morrer’. Se você ficar parado, também. Então fique parado. É assim. É o que aconteceu com o Jeremias, que leva o nome da nossa Clínica da Famí- lia. Jeremias estava jogando bola (...) Então ele frequenta uma igreja próxima à minha casa. Ele estava lá. Eu não sei se você viu essa reportagem. A Clínica da Família é do lado. Tem as escolas, do outro lado, à esquerda, é a Clínica da Família. Ele estava jogando bola nessa quadra e ele correu. Assim que ele correu, ele foi atingido. A mesma coisa que aconteceu com o Marcus Vinícius”. (REDES DA MARÉ; OBSERVATÓRIO DE FAVELAS, FIGHT FOR PEACE; UNICEF, 2020, p. 8-9) Ou seja, frequentemente, a morte entra com o ingresso da polícia no território. São vidas adolescentes, negras, o alvo certeiro da bala dos fuzis. Um contexto em que, seja na rua, na quadra da escola ou mesmo dentro 24 Favela situada na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. 125 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II de casa, tanto o enfrentamento quanto a aceitação à uma abordagem poli- cial pode resultar em morte. A isso, meninos e meninas negros nas favelas, não escapam. Um outro trabalho, intitulado “Judicialização do sofrimento negro. Maternidade negra e fluxo do Sistema de Justiça Criminal no Rio de Janeiro”, traz o importante depoimento de uma mãe, que prestava seu apoio às mães da chacina ocorrida na noite do dia 25 de novembrode 2015, em Barros Filho – bairro economicamente pobre da Zona Norte do município do Rio de Janeiro –, quando policiais militares dispararam contra sete jovens negros. Cinco deles, que estavam em um carro, o qual fora alvejado 111 vezes, acabaram executados no local. Colaciona-se o depoimento de Luiza (nome fictício): Meu filho era negro, jovem, pobre e favelado, mas tinha seus sonhos, que foram interrompidos por esses policiais assassi- nos. Policiais que deveriam nos defender, acabaram com a vida do meu filho, mas não só com a dele. Acabaram com a minha e da minha família toda. Eu vivia a poder de remédio, em depressão, abandonei serviço... eu tenho mais três filhas. Eu saí do meu luto para a luta. [...] Meu filho só tinha 17 anos quando foi assassinado. Eles estão lá para nos defender e nos matam. A bala que matou meu filho não foi de graça, foi paga com o meu suor. [...] São os sangues dos nossos filhos der- ramados. Queremos justiça! Não a justiça deles, que chegam matando e desonrando a gente, nos chamando de tudo o que é nome. Nós somos pais, mães e familiares de vítimas desse Estado. Queremos justiça, saúde pública e colégio para nos- sos filhos estudarem. (ROCHA, 2020, p. 184) A violência policial atinge não apenas a vida do adolescente, mas também afeta todo o seu entorno: pai, mãe, irmãos, familiares e amigos sentem, diaria- mente, a consequência desta estrutura perversa de violência contra os corpos negros. A violência policial revela a chamada necropolítica. Trata-se do poder do Estado de matar, de decidir sobre quem deve viver e quem deve morrer. É o genocídio de negros e negras, o racismo escancarado do Estado. Ou seja, “[...] o termo necropolítica tem a ver com regimes de distribuição (desigual) da morte e as funções assassinas ou de morte do Estado.” (CARDOSO, 2018, p. 962). Essa distribuição desigual da morte pela seleção em nome da raça, representa fator estruturante da desigualdade, da negativa ou ausência de direitos e da dominação na contemporaneidade (MBEMBE, 2014). O assassinato e a violência – seja qual for – contra adolescentes negros e negras, são a materialização da violação aos direitos humanos e funda- mentais dos adolescentes. Violam-se, assim, os direitos à vida, à liberdade, ao lazer, ao respeito, à dignidade e à proteção integral, previstos no artigo 227, caput, da Constituição Federal de 1988 e no artigo 4º, caput, do Esta- tuto da Criança e do Adolescente, o qual tem por base a teoria da proteção integral, que assegura, no artigo 5º, que: “[n]enhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, 126 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.” (BRASIL, 1990). A teoria da proteção integral é pressuposto indispensável à compreen- são do Direito da Criança e do Adolescente. Representa o reconhecimento das crianças e dos adolescentes como sujeitos de direitos, e o entendimento de que, por encontrarem-se na condição de pessoa em processo de desen- volvimento, devem receber proteção especializada, diferenciada e integral (CUSTÓDIO, 2008; VERONESE, 2016). Em razão disso, os processos de vio- lências contra adolescentes negros nas favelas apontam a violação aos direi- tos fundamentais e, por sua vez, à própria teoria da proteção integral, orien- tadora de toda e qualquer ação que atine às vidas de crianças e adolescentes no Brasil. 2 A DINÂMICA DA RAÇA NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA CONTRA ADOLESCENTES NEGROS NAS FAVELAS O racismo, o preconceito racial e a discriminação racial são problemas que têm raízes no passado escravocrata e colonial, mas que permanecem produzindo efeitos no cenário brasileiro, a partir das mais diversas violações de direitos humanos e fundamentais de adolescentes negros, negando a sua condição de humanidade e colocando-os à margem da sociedade. “Embora os três termos tenham relação entre si, não são sinônimos, estando os dois primeiros no plano das ideias, ou da consciência, enquanto o terceiro se transforma em ação.” (LIMA, 2016, p. 115). No que concerne à reprodução das violações de direitos de adolescen- tes negros na contemporaneidade, “[...] é possível perceber que a abolição da escravatura foi incompleta, houve o ‘avanço’ legislativo de por fim a escra- vidão, mas não houve uma mudança na racionalidade e na cultura social de aceitação e de integração dos grupos sociais negros.” (LIMA; VERONESE, 2010, p. 361). Em razão disso, constata-se que “[n]um país marcado pela desigualdade de oportunidades e por grande assimetria de acesso a direi- tos, a escravidão, embora formalmente extinta, encontrou terreno fértil para fazer perdurar seus efeitos.” (SCHWARCZ; MENEZES NETO, 2016, p. 31). São crianças negras que desde pequenas têm seus cabelos e outros traços fisionômicos diminuídos, especialmente na escola; que crescem com pouca ou nenhuma referência de representatividade positiva na TV ou nas prateleiras das lojas de brinquedo; que aprendem desde cedo a sonhar com prín- cipes loiros e alvas princesas de filmes infantis. Ao longo de suas vidas, serão confrontadas com muitos obstáculos difíceis de transpor: dos postos mais altos no mercado de trabalho, das universidades de ponta, de clubes e casas de lazer, dos restaurantes elegantes (onde nem o garçom pode ser negro), das batidas policiais, do táxi que, mesmo vazio, recusa-se a parar. (SCHWARCZ; MENEZES NETO, 2016, p. 34) 127 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II Por sua vez, a formulação e a implementação de políticas públicas específicas para o enfrentamento da violência contra adolescentes negros nas favelas são obstaculizadas em razão da negação da desigualdade racial no cenário brasileiro. “Afirma-se de modo genérico e sem questionamento uma certa harmonia racial e joga-se para o plano pessoal os possíveis con- flitos. Essa é sem dúvida uma maneira problemática de lidar com o tema: ora ele se torna inexistente, ora aparece na roupa de outro.” (SCHWARCZ, 2012, p. 24). A violência nas favelas é uma grave violação de direitos humanos e fun- damentais que atinge significativamente os adolescentes negros, pois rela- cionada à atribuição de estereótipos que consideram adolescentes negros violentos e suspeitos. Por isso, torna-se fundamental analisar a dinâmica que a raça estabelece nesse contexto, “[...] considerando que ainda não houve a superação da concepção da hierarquia entre raças humanas, o que impõe aos grupos raciais negros, a condição de subalternidade, marginali- zação e exclusão na sociedade brasileira” (LIMA, 2016, p. 112). A noção de raça não mantém o mesmo significado ao longo da histó- ria, razão pela qual não se trata de um termo estático. Apesar relacionar-se, em um primeiro momento, à classificação de animais e plantas, em meados do século XVI, passou a relacionar-se diretamente à classificação de seres humanos, estando atrelada à ideia de conflito, poder e decisão (ALMEIDA, 2018). Nesse cenário, é criada a noção de “[...] uma raça superior (branco-eu- ropeia) detentora de superioridade física, moral, intelectual e estética, dis- pondo, portanto, de um poder sobre verdades e normas, e aquelas raças que constituem um perigo para o patrimônio biológico.” (SCHUCMAN, 2010, p. 43). Assim, ocorre a “[...] construção de um imaginário extremamente nega- tivo sobre o negro, que solapa sua identidade racial, danifica sua auto-es- tima, culpa-o pela discriminação que sofre e, por fim, justifica as desigual- dades raciais.” (BENTO, 1997, p. 2). Se as teorias científicas sobre raça, que determinavam existir entre os grupos humanos diferenças essenciais, foram desa- creditadas pelas modernas pesquisas em ciências sociais e biologia genética, o racismo que as embasa continuou a reinventar-se em novas práticas e retóricas políticas, sociais e culturais. Longede ser um tema relegado ao passado, como parte do discurso oficial e do senso comum faz crer, a correla- ção entre características fenotípicas (como cor de pele ou tipo de cabelo) e atributos subjetivos (como inteligência, capaci- dades morais ou disposições físicas) ainda é moeda corrente na economia das nossas relações sociais. (SCHWARCZ; MENEZES NETO, 2016, p. 31-32) Embora os estudos da biologia e antropologia tenham avançado no sentido de comprovar a inexistência de elementos biológicos ou culturais que justifiquem a racialização subalterna do negro, a categoria raça perma- 128 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II nece promovendo divisões e conflitos na sociedade. Em razão disso, “[...] o conceito de raça tal como o empregamos hoje, nada tem de biológico. É um conceito carregado de ideologia, pois como todas as ideologias, ele esconde uma coisa não proclamada: a relação de poder e de dominação.” (MUNANGA, 2004, p. 06). Portanto, para a reprodução do sistema de dominação racial “[...] não há necessidade da ideia de raça legitimada pela ciência para que haja racismo, e é isto que explica a permanência do racismo na atualidade, pois se transformaram as formas de legitimação social e discurso sobre as dife- renças humanas.” (SCHUCMAN, 2010, p. 45). É justamente nesse sentido que ocorre a reprodução da violência contra adolescentes negros nas fave- las, cenário no qual hierarquização das raças permanece reproduzindo a desigualdade, violência e opressão. O racista cria a raça no sentido sociológico, ou seja, a raça no imaginário do racista não é exclusivamente um grupo defi- nido pelos traços físicos. A raça na cabeça dele é um grupo social com traços culturais, linguísticos, religiosos, etc. que ele considera naturalmente inferiores ao grupo a qual ele pertence. De outro modo, o racismo é essa tendência que consiste em considerar que as características intelectuais e morais de um dado grupo, são consequências diretas de suas características físicas ou biológicas. (MUNANGA, 2004, p. 08) Os estudos sobre a branquitude, que tiveram início na década de 1990, nos Estados Unidos, assumem papel fundamental no contexto da investiga- ção da reprodução da violência contra adolescentes negros, pois a branqui- tude trata-se de “[...] uma posição em que sujeitos que ocupam esta posi- ção foram sistematicamente privilegiados no que diz respeito ao acesso aos recursos materiais e simbólicos, gerados inicialmente pelo colonialismo e pelo imperialismo, [...].” (SCHUCMAN, 2014, p. 84). Dessa forma, a omissão “[...] sobre o papel do branco nas desigualdades raciais é uma forma de reiterar persistentemente que as desigualdades raciais no Brasil constituem um problema exclusivamente do negro, pois só ele é estudado, dissecado, problematizado.” (BENTO, 1997, p. 02). Em razão disso, para promover o enfrentamento das violações de direitos humanos e funda- mentais da população negra, especialmente a violência contra adolescentes negros nas favelas, torna-se necessário inserir o branco no debate racial. Os privilégios que resultam do pertencimento a um grupo opressor é um dos conflitos a serem enfrentados, particu- larmente, pelos brancos anti-racistas. Esse conflito pessoal tende a emergir no momento em que se visibiliza a identi- dade racial branca. Desta forma, a branquitude crítica segue mais um passo em direção à reconstrução de sua identidade racial com vistas à abolição do seu traço racista, mesmo que seja involuntário, mesmo que seja enquanto grupo. A pri- meira tarefa talvez seja uma dedicação individual cotidiana e, 129 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II depois, a insistência na crítica e autocrítica quanto aos privi- légios do próprio grupo. (CARDOSO, 2010, p. 624) O branco, por não se perceber como racializado, vislumbra-se como sujeito universal, atribuindo ao negro o status de grupo social inferior. “O branco ao atribuir somente a si a humanidade, ao não enxergar o Outro como humano, evidencia que possui uma imagem distorcida do Outro, e de si mesmo.” (CARDOSO, 2014, p. 35-36). Dessa forma, “[...] o intuito dos trabalhos sobre branquitude é preencher a lacuna nos estudos sobre raça e relações raciais que por muito tempo ajudou a naturalizar a ideia quem tem raça é apenas o negro.” (SCHUCMAN, 2012, p. 22). Por isso, considerando o racismo como “[...] uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvan- tagens e privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam” (ALMEIDA, 2018, p. 25), torna-se fundamental ressignificar a concepção de raça na contemporaneidade, superando-se a ideia de classifi- cação dos seres humanos a partir de raças estancas. Pela análise sobre a dinâmica da raça no contexto da violência contra adolescentes negros nas favelas, observa-se que, apesar da raça não ser uma realidade biológica, o sentido sociológico revela a sua relação de poder e de dominação aos corpos negros. Desse modo, a raça permanece reprodu- zindo o racismo, a desigualdade racial e o preconceito racial na contempo- raneidade, colocando o negro em lugar subalterno e negando a sua condi- ção de humanidade. Em razão disso, os estudos sobre a branquitude assu- mem papel fundamental no contexto do enfrentamento da violência contra adolescentes negros nas favelas, impondo fundamentalmente, a ruptura do silêncio dos brancos em relação ao debate racial. CONCLUSÃO O debate sobre a violência contra adolescentes negros nas favelas é um tema inviabilizado não apenas no contexto social, mas também nos traba- lhos acadêmicos e no campo das políticas brasileiras. Por isso, o enfrenta- mento aos elementos que dão forma ao racismo, à discriminação racial e ao preconceito racial torna-se fundamental na contemporaneidade, espe- cialmente no que concerne à dinâmica que a raça estabelece no contexto da reprodução da violência contra adolescentes negros nas favelas. A investigação realizada no primeiro capítulo constatou que, embora o Brasil tenha, com base na teoria da proteção integral e, a partir do artigo 227, caput, da Constituição Federal de 1988, reconhecido crianças e ado- lescentes como sujeitos de direitos e proibido qualquer forma de violência, crueldade e opressão, as crianças e os adolescentes negros continuam tendo seus direitos humanos e fundamentais constantemente violados. 130 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II Os dados oficiais, analisados no primeiro capítulo deste trabalho, ampa- rados pelos depoimentos de negros, periféricos, vítimas da ação policial, demonstram que a grande maioria das mortes violentas que ocorrem nas favelas atingem a vida de adolescentes negros, reproduzindo o cenário de dor, violência e desigualdade racial. A violência policial nas favelas demonstra o poder do Estado em decidir sobre quem deve morrer e quem deve viver, evi- denciando o racismo escancarado e a denominada necropolítica. Por sua vez, o segundo capítulo desenvolveu o problema de pesquisa, investigando a dinâmica que a raça estabelece no contexto da reprodu- ção da violência contra adolescentes negros nas favelas. Dessa forma, no decorrer da investigação do segundo capítulo, a hipótese foi confirmada, indicando que a raça é uma tecnologia de poder que estabelece a hierar- quização dos seres humanos, reproduzindo meios de intervenção e controle aos corpos negros, pois enquanto o branco é vislumbrado a partir de uma superioridade moral, estética e intelectual, o negro é colocado em posição subalterna, de violência, exclusão e marginalização. Finalmente, destaca-se que a inserção do branco na luta antirracista – reconhecendo os seus privilégios, se percebendo como grupo racializado e rompendo o silêncio sobre o debate racial –, são medidas fundamentais para promover o enfrentamento da violênciacontra adolescentes negros nas favelas, a partir da formulação e implementação de políticas públicas. REFERÊNCIAS ADORNO, Sergio. Violência e crime: sob o domínio do medo na sociedade brasi- leira. In: BOTELHO, André; SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.). Cidadania, um projeto em construção: minorias, justiça e direitos. 1. ed. São Paulo: Claro Enigma, 2012. p. 70-81. ALMEIDA, Silvio. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018. BENTO, Maria Aparecida da Silva. Branqueamento e Branquitude no Brasil, IPUSP, São Paulo, mimeo, 1997. (trecho deste texto foi publicado no portal do CEERT e fez parte do conjunto de formações realizadas pelo sindicato). 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Graduada em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, com bolsa de Iniciação Científica pelo CNPq (2012/2014), bolsa de Iniciação Científica Fapergs (2014/2015) e bolsa de Iniciação Científica pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC (2015/2016). Integrante do Grupo de pesquisa "Jurisdição Constitucional aber- ta: uma proposta de discussão da legitimidade e dos limites da jurisdição constitucional - ins- trumentos teóricos e práticos", e do Grupo de Pesquisa "Diálogo entre a Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem", com ênfase em estudos a respeito do diálogo entre Cortes Constitucionais e entre Poderes do Estado, controle jurisdicio- nal de políticas públicas e garantia de direitos humanos e fundamentais na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Professora no Cen- tro de Ensino Integrado Santa Cruz – CEISC. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2400734786644430. E-mail: <mariavalentina.23@hotmail.com>. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8298-5645. 28 Mestre em Direito pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) com bolsa CNPq. Graduado em Direito pela Universidade da Região da Campanha(URCAMP). Professor na disciplina de Previdência Complementar no curso de Pós-graduação em Direito previdenciário: Novas Tendências - UNISC, em parceria com Centro de Ensino Integrado Santa Cruz do Sul - CEISC. Professor da Pós-graduação em Di- reito Eleitoral na disciplina Participação da Mulher na política; Fake News x Liberdade de http://lattes.cnpq.br/2400734786644430 134 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II INTRODUÇÃO Como parte do Sistema Interamericano de Proteção de Direitos Huma- nos, o Estado tem o dever combater qualquer tipo de violação aos direitos humanos dentro de seu território. Ainda assim, quando todos os disposi- tivos e ações internas se mostrarem insuficientes na proteção de direitos humanos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, por possuir caráter subsidiário, pode atuar para julgar os casos de violação de direitos humanos ocorridos nacionalmente. Neste contexto, o Brasil possui 9 (nove) condena- ções perante à Corte Interamericana, sendo a última delas ocorrida e julho de 2020, em virtude da explosão de uma fábrica de fogos de artifício que acarretou em várias mortes de trabalhadoras e também de crianças e ado- lescentes, evidenciando graves violações de direitos humanos e omissões estatais para coibi-las. Em virtude disso, será analisado o Caso Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e seus familiares vs. Brasil, sua sentença e as medidas que devem ser executadas em decorrência da condenação que o país sofreu. Discute-se a proteção internacional destinada às crianças e adolescentes vítimas, que encontravam-se em situação de trabalho infan- til e extrema pobreza, bem como o recorte de gênero destacado pela Corte, que norteiam as determinações a serem cumpridas pelo Brasil, em especial envolvendo políticas públicas. Faz-se o estudo com o propósito de examinar se o poder local se torna protagonista na construção da política pública de desenvolvimento socio- econômico ordenada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em sua sentença, considerando os contornos da decisão. Dessa forma, busca-se responder a seguinte questão: estaria no poder local a resposta para a cons- trução de políticas públicas adequadas, neste caso concreto? O estudo é elaborado utilizando o método de abordagem dedutivo, tendo em vista que se parte de uma ideia geral, isto é, a violação de direitos humanos dos trabalhadores da fábrica “Vardo dos Fogos” e crianças e ado- lescentes executando trabalho infantil no local, para uma premissa menor, em que analisa-se a proximidade que o poder local possui do cidadão, e se isso pode ser fator crucial para elaboração da política pública prevista na citada sentença. O método de procedimento utilizado é o analítico e a téc- nica de pesquisa bibliográfica. Com isso, buscando responder o problema de pesquisa proposto, o artigo divide-se nos seguintes momentos: primeiramente é analisada a condenação brasileira decorrente d dos fatos ocorridos na fábrica de fogos “Vardo dos fogos”, no Município de Santo Antônio de Jesus (Bahia), profe- rida no ano de 2020, a partir da análise da situação de trabalho infantil exis- Expressão. Integrante Grupo de Pesquisa Gestão Local e Políticas Públicas vinculado ao pro- grama de Pós-graduação em Direito da UNISC. https://orcid.org/0000-0002-2206-5767. Lat- tes: http://lattes.cnpq.br/2486658533928393. Email. <glenioquintana@hotmail.com>. 135 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II tente no local e também a condição de vulnerabilidade das trabalhadoras da fábrica, para, em um segundo momento, discutir a criação do programa imposto na sentença já referida, demostrando como funciona a formação de uma política pública dentro do federalismo brasileiro. Inicia-se, então, pelas violações e o contexto no qual origina-se a determinação de criação de política pública pelo Brasil. 1 O CASO “EMPREGADOS DA FÁBRICA DE FOGOS DE SANTO ANTÔNIO DE JESUS VERSUS BRASIL”: UM TRISTE QUADRO DA REALIDADE DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL O Brasil compõe o Sistema Interamericano de Proteção de Direitos Humanos desde o ano de 1992, quando ratifica a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica – por meio do Decreto n.º 678 -, comprometendo-se com a prote- ção e promoção dos direitos humanos nela consagrados. Seis anos após, em 1998, reconhece a competência da Corte Interamericana de Direitos Huma- nos, tribunal do Sistema Interamericano, para conhecer e julgar violações de direitos humanos em seu território. Com a adesão ao sistema, inaugura uma proteção multinível de direitos humanos, que alia a proteção já exis- tente nacionalmente à internacional. Têm-se, assim, dois sistemas coadjuvantes e complementários, que se retroalimentam na proteção de direitos, visando a melhor proteção e maior efetivação destes (LANDA, 2016). Cabe destacar que a atuação do Sistema Interamericano29 possui caráter subsidiário, realizando a Corte IDH o con- trole de convencionalidade apenas quando os controles internos – seja de constitucionalidade ou de convencionalidade difuso - falharem (NOGUEIRA ALCALÁ, 2013). Cabe ao Estado, portanto, proteger, concretizar e promover direitos humanos em seu território, primando pela sua não violação e, caso essa ocorra, atuando de forma a coibí-la. Esse caráter, como bem destaca Bazán (2019, p. 435), brinda aos Esta- dos “la posibilidad de remediar internamente sus conflitos en la materia sin necesidad de verse enfrentados a um eventual litigio extramuros que pudiera provocarles respondabilidad internacional”, concedendo a estes a primeira análise sobre as violações, para que, só após o esgotamento dos recursos internos ou demora excessiva na prestação jurisdicional, a ques- tão seja analisada no âmbito interamericano. Dentro deste contexto, o Bra- sil conta com 9 (nove) condenações proferidas pela Corte Interamericana 29 Composto, além da Corte Interamericana de Direitos Humanos, também pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão que recebe as denúncias contra os países, busca a realização de soluções amistosas e realiza relatórios sobre a situação dos direitos humanos nos Estados-parte (LEITE, 2020), realizando também visitas in loco, emitindo orientações para os países sobre temáticas relevantes envolvendo direitos humanos. 136 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II de Direitos Humanos30, das quais nos interessa, no presente artigo, a última sentença, referente ao Caso Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antô- nio de Jesus e seus familiares vs. Brasil, que enfrenta a realidade brasileira envolvendo o trabalho infantil. O caso, sentenciado em 15 de julho de 2020, é decorrente das violações da vida, integridade pessoal, direitos da criança e do adolescente, direito ao trabalho, princípios da igualdade e não discriminação e direitos às garantias judiciais e proteção judicial ocorridos em dezembro de 1998, com a explosão de uma fábrica de fogos de artifício no Município de Santo Antônio de Jesus (Bahia) que vitimou 64 (sessenta e quatro) pessoas, 22 (vinte e duas) delas crianças31, e teve 6 (seis) sobreviventes. A falta de segurança, as condições de trabalho, omissões institucionais e falhas na fiscalização foram apontados, portanto, como decisivos para a explosão na fábrica “Vardo dos fogos”, como era conhecida entre os moradores, e violações dela decorrentes. A decisão adota uma necessária perspectiva de vulnerabilidade de gênero, raça e idade, trazendo dados que indicam os tipos de atividade realizados pelos homens e mulheres e, em especial, a baixa escolaridade e os altos índices de trabalho ainda na infância das mulheres trabalhadoras do local, identificadas como “mulheres marginalizadas na sociedade, sem outras opções laborais” (CORTE IDH, 2020, p. 21). Haveriam, assim, apro- ximadamente 2000 (duas mil) mulheres trabalhando na fabricaçãode fogos de forma manual, 60% afrodescendentes e, do total de pessoas trabalhando na atividade, entre 30% e 40% eram crianças (CORTE IDH, 2020). Tais dados, além de indicarem a realidade do local, reforçam a realidade nacional sobre o trabalho infantil que, no Brasil, tem cor e gênero32. 30 São elas decorrentes dos casos “Ximenes Lopes vs. Brasil” (2006), “Escher e outros vs. Bra- sil (2009)”, “Sétimo Garibaldi vs. Brasil” (2009), “Gomes Lund e outros vs. Brasil (Guerrilha do Araguaia)” (2010), “Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil” (2016), “Favela Nova Brasília vs. Brasil” (2017), “Povo Indígena Xucuru e seus membros vs. Brasil” (2018), “Herzog e outros vs. Brasil” (2018) e “Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e seus familiares vs. Brasil” (2020). 31 Observa-se, para fins conceituais, a utilização da terminologia “criança” para todo ser hu- manos com menos de dezoito anos de idade, seguindo-se o padrão internacional estabe- lecido pela Organização das Nações Unidas na Convenção sobre os Direitos da Criança e utilizado nas decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos. 32 Dados divulgados pelo Observatório do Terceiro Setor (https://observatorio3setor.org. br/carrossel/trabalho-infantil) e pela Rede Peteca (https://www.chegadetrabalhoinfan- til.org.br/trabalho-infantil/.) indicam que: “Segundo levantamento realizado pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), entre as crianças e os adolescentes ocupados no Brasil em 2013, 64,7% eram do sexo masculino e 33,3% do sexo feminino. O levantamento é referente as regiões metropolitanas. No Brasil são cerca de 94% meninas de 5 a 17 anos, e 73,4% são negras dentro desta mesma faixa etária. Considerando a cor das crianças e adolescentes ocupados no Brasil em 2013, 62,5% eram negros (pretos e pardos) e 37,5% não negros (brancos, indígenas e amarelos). No trabalho doméstico, 88,2% dos trabalhadores com idade de 5 a 17 anos eram do sexo feminino e 70,4% das crianças e adolescentes ocupados nos serviços domésticos eram negros”. https://observatorio3setor.org.br/carrossel/trabalho-infantil-ainda-e-realidade-para-998-mil-criancas-brasileiras/ https://observatorio3setor.org.br/carrossel/trabalho-infantil-ainda-e-realidade-para-998-mil-criancas-brasileiras/ https://www.chegadetrabalhoinfantil.org.br/trabalho-infantil/estatisticas/#:~:text=De acordo com os dados,1 milh%C3%B5es) nesta faixa et%C3%A1ria https://www.chegadetrabalhoinfantil.org.br/trabalho-infantil/estatisticas/#:~:text=De acordo com os dados,1 milh%C3%B5es) nesta faixa et%C3%A1ria https://fnpeti.org.br/media/publicacoes/arquivo/Trabalho_Infantil_e_Trabalho_Infantil_Domestico_no_Brasil_2012_-_2013.pdf https://fnpeti.org.br/media/publicacoes/arquivo/Trabalho_Infantil_e_Trabalho_Infantil_Domestico_no_Brasil_2012_-_2013.pdf 137 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II Destaca a Corte Interamericana o contexto de extrema pobreza da região, indicando levantamentos do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil que apontam que no ano 2000 – dois anos após o fato - 65% da população de Santo Antônio de Jesus estava em situação de vulnerabilidade à pobreza, sendo 25,51% crianças vivendo em condição de extrema pobreza (CORTE IDH, 2020). Ainda, referiu que, dentre aquele com mais de 18 anos empregados, mais da metade (58%) possuía um trabalho informal e precá- rio (CORTE IDH, 2020). O direito a um trabalho decente, considerado aquele “adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equi- dade e segurança, capaz de garantir uma vida digna [...] intimamente ligado ao conceito de dignidade” (REIS; NUNES, 2011, p. 61), foi totalmente violado. Esta violação torna-se ainda mais impactante com o fato de que, segundo as acusações formais do Ministério Público apuradas, os donos da fábrica de fogos de artifício possuíam conhecimento de que a atividade era perigosa e que, a qualquer momento, o local poderia explodir e causar uma tragédia (CORTE IDH, 2020), o que acabou ocorrendo. O Ministério da Defesa – identi- ficado na decisão como Ministério do Exército em razão da data dos fatos – e o Município tinham autorizado o funcionamento da fábrica e armazenamento dos compostos explosivos, sem qualquer registro, no entanto, de atividades de fiscalização no local que apontassem as falhas de segurança (CORTE IDH, 2020), uma das razões que levou à condenação do Brasil. Grande parte dos materiais explosivos, utilizados para a fabricação dos fogos, encontrava-se armazenado no mesmo espaço em que estavam os tra- balhadores, os quais não possuíam espaços para alimentação, banheiros ou mesmo para períodos de descano, não recebendo qualquer adicional pela periculosidade e risco33 aos quais estavam submetidos diariamente (CORTE IDH, 2020). Os salários pagos eram muito baixos, recebendo os trabalhado- res R$0,50 (cinquenta centavos) pela produção de mil traques, sujeitando-se a exploração porque “não podiam ter acesso a um trabalho no comércio em razão de sua falta de alfabetização e não eram aceitas para trabalhar no ser- viço doméstico em função de estereótipos que as associavam, por exemplo, à criminalidade” (CORTE IDH, 2020, p. 23), totalmente vulnerabilizados e em condições precárias que lhes retiravam também a dignidade. A atividade de produção de fogos, característica do Município – segunda cidade com maior produção de fogos de artifício no Brasil, segundo amicus 33 Segundo Notícia Jurídica publicada no sítio eletrônico do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, “Análises das informações do AEAT (Anuário Estatístico de Acidentes do Tra- balho), do Ministério do Trabalho e Previdência Social, referentes ao período de 2006 a 2008, mostram que a maior parte dos acidentes de trabalho no setor de fogos de artifício ocorre durante a realização das tarefas ligadas à produção (mais de 60% do total de aciden- tes nesse setor). Entre estes, os mais frequentes são os que atingem dedos, mãos, punhos, braços e outros elementos dos membros superiores, geralmente causando amputações”. (BRASIL, TRT3, 2018, https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noti- cias-juridicas/importadas-2017/nj-especial-perigo-nos-bastidores-do-show-fabricas-de- -fogos-de-artificio-sao-palco-de-tragicos-acidentes-de-trabalho-08-01-2017-06-04-acs). 138 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II curiae apresentado no caso -, “se caracterizava por um elevado grau de infor- malidade, clandestinidade, utilização de mão de obra infantil e trabalho de mulheres – inclusive nas próprias casas –, essencialmente artesanal e com baixíssimo grau de incorporação tecnológica” (CORTE IDH, 2020, p. 22). Sem nenhum equipamento de proteção e com baixíssima remuneração, a fábrica contava com a exploração de mão-de-obra infantil, com criança de até mesmo 6 anos trabalhando no local (CORTE IDH, 2020). No que se refere ao trabalho infantil ocorrido na fábrica a questão é ainda mais complexa, uma vez que envolve “uma análise completa da criança e do adolescente como seres em desenvolvimento e sujeitos de uma proteção integral, que já lhes é garantida pela legislação pátria e também na seara internacional” (CRUZ E MELO, 2010, p. 96), mas que, por vezes, diante das omissões do Estado na fiscalização, não se torna efetiva na prática. Apurou-se que “as crianças trabalhavam seis horas diárias durante o período letivo e o dia inteiro nas férias, nos fins de semana e nas datas festi- vas. As mulheres, em geral, trabalhavam o dia todo, das 6h da manhã às 5h30 da tarde, conseguiam fazer entre três e seis mil traques”, recebendo, assim, entre R$1,50 (um real e cinquenta centavos) e R$ 3,00 (três reais) por dia de trabalho – ou seja, entre R$45,00 (quarenta e cinco reais) e R$90,00 (noventa reais) por mês trabalhado, sem fins de semana livres ou mesmo horário ideal de trabalho. Tal realidade existente na época dos fatos, segundo a deci- são,ainda era realidade no ano de 2007 – quase 10 anos após o fato -, con- forme denunciado em reportagens exibidas em rede de televisão brasileira (CORTE IDH, 2020). Somados a extrema pobreza em que viviam as vítimas, as provas colhi- das demonstravam que a introdução das crianças na atividade era reali- zada pelas próprias mulheres, “não só porque isso lhes permitia aumentar a produtividade, mas também porque não tinham aos cuidados de quem deixá-los” (CORTE IDH, 2020, p. 22), evidenciando a falta de estrutura e acolhimento que também identifica esse grupo vulnerável. Nesse sentido, é possível perceber que: A integração das mulheres ao mercado de trabalho também vem fortalecendo um componente importante no reforço e integração de crianças e adolescentes no trabalho doméstico, seja na realização de serviços prestados em casas de tercei- ros, seja em atividades realizadas em sua própria casa, como o cuidado e educação dos irmãos mais novos. Neste contexto, o nível de escolaridade da mãe é um elemento importante: quanto maior a sua escolaridade, proporcionalmente dimi- nui a inserção da menina no mercado de trabalho. (CUSTÓ- DIO; VERONESE, 2007, p. 100). Considerando todos os elementos que cercam o trabalho infantil, retra- tados no caso analisado, são essenciais políticas públicas que visem a dimi- nuição e erradicação do trabalho infantil no país, especialmente em áreas 139 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II pobres, cujos riscos de inserção de crianças em atividades exploratórias aumenta. Há que se ter presente a imperiosidade de garantia de condições dignas de trabalho e, mais do que isso, de vida, saúde, educação e lazer – de adultos e crianças – que reforça “a necessidade de políticas públicas e de ações do Estado que garantem o exercício de tais direitos e o efetivo controle da aplicação dos mesmos” (CECATO, 2008, p. 43). A partir disso, diante do dever estatal de proteção e promoção de direi- tos humanos em seu território, determinou a Corte Interamericana de Direi- tos Humanos que deve o Brasil dar continuidade aos processos em trâmite sobre o fato, bem como as ações civis de indenização por danos morais e materiais; oferecer de forma gratuita e imediata tratamento médico, psico- lógico ou psiquiátrico às vítimas; realizar a publicação da sentença nos mol- des definidos pela Corte na decisão; produzir e divulgar material em rádio e televisão sobre os fatos; realizar ato público de reconhecimento da respon- sabilidade internacional; realizar a inspeção sistemática dos locais de pro- dução de fogos de artifício; apresentar relatório sobre a tramitação de pro- jeto de lei sobre a temática; apresentar relatório sobre aplicação de diretivas sobre empresas e direitos humanos; pagar as quantias fixadas na sentença, a título de indenização por dano material, imaterial, custas e gastos; apresen- tar relatório sobre às medidas cumpridas a Corte Interamericana e, ainda, O Estado elaborará e executará um programa de desenvolvi- mento socioeconômico, em consulta com as vítimas e seus familiares, com o objetivo de promover a inserção de traba- lhadoras e trabalhadores dedicados à fabricação de fogos de artifício em outros mercados de trabalho e possibilitar a cria- ção de alternativas econômicas, nos termos dos parágrafos 28934 a 29035 da presente Sentença. (CORTE IDH, 2020, p. 88). 34 “Portanto, a Corte ordena ao Estado que, no prazo máximo de dois anos, a partir da notifi- cação desta Sentença, elabore e execute um programa de desenvolvimento socioeconômi- co especialmente destinado à população de Santo Antônio de Jesus, em coordenação com as vítimas e seus representantes. O Estado deverá informar a Corte anualmente sobre os avanços na implementação. Esse programa deve fazer frente, necessariamente, à falta de alternativas de trabalho, especialmente para os jovens maiores de 16 anos e as mulheres afrodescendentes que vivem em condição de pobreza. O programa deve incluir, entre ou- tros: a criação de cursos de capacitação profissional e/ou técnicos que permitam a inser- ção de trabalhadoras e trabalhadores em outros mercados de trabalho, como o comércio, o agropecuário e a informática, entre outras atividades econômicas relevantes na região; me- didas destinadas a enfrentar a evasão escolar causada pelo ingresso de menores de idade no mercado de trabalho, e campanhas de sensibilização em matéria de direitos trabalhistas e riscos inerentes à fabricação de fogos de artifício” (CORTE IDH, 2020, p. 81). 35 “Com vistas ao cumprimento dessa medida, devem ser levadas em conta as principais atividades econômicas da região, a eventual necessidade de incentivar outras atividades econômicas, a necessidade de garantir uma adequada formação dos trabalhadores para o desempenho de certas atividades profissionais e a obrigação de erradicar o trabalho infan- til de acordo as normas do Direito Internacional” (CORTE IDH, 2020, p. 81). 140 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II Especificamente sobre o dever de criação de um programa de desenvolvimento e políticas públicas voltadas aos trabalhadores da região, que considerem as atividades econômicas do local, a falta de alternativas de trabalho para jovens, as condições de pobreza e a interseccionalidade de vulnerabilidades que identifica as vítimas é que se debruçará a análise no próximo capítulo. 2 A POLÍTICA PÚBLICA E SUA MELHOR APLICABILIDADE EM COOPERAÇÃO COM O PODER LOCAL Com a determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos o Brasil deve criar políticas públicas que desenvolvam a atividade econômica da região na qual ocorreram graves violações de direitos humanos através da criação de mais opções de mercado de trabalho para as trabalhadoras e trabalhadores, além de criar cursos de capacitação profissional e/ou técni- cos que permitam uma maior qualificação para desempenhar o trabalho. No caso em tela, estamos diante de uma condenação pela violação de direitos humanos e direitos da criança e do adolescente, havendo entre as medidas para cumprir essa condenação a criação de políticas públicas diretamente relacionadas com a concretização desses direitos violados. Na hipótese do Estado não conseguir garantir algum direito a sua população – seja em sua totalidade ou de forma parcial – uma política pública deve ser pensada para que todos os direitos previstos na Constituição Federal de 1988 estejam assegurados em sua plenitude. Entretanto, antes de entrar mais profundamente na criação do Pro- grama previsto na sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, se faz necessário conceituar políticas públicas36. Bucci (2006, p. 14-38) con- ceitua política pública como um programa ou quadro de ação governamen- tal, o qual se positiva por meio de diversas medidas articuladas, que tem por meta impulsionar o movimento da máquina do governo para executar algumas intenções de ordem pública ou para concretização de um direito. Assim, evidencia-se que as políticas públicas são ações governamentais que estabelecem o mecanismo de coordenação do Estado com as atividades, sejam elas privadas ou estatais, possuindo como objetivo a viabilização de questões prementes de preocupação do poder público. Mediante isso, Teixeira (2002, p. 2) acrescenta que as políticas públicas são diretrizes, isto é, princípios norteadores para as ações do poder público, da mesma forma que podem ser entendidas como regras e procedimentos para o diálogo entre poder público e sociedade, que buscam mediar as rela- ções entre a sociedade e o Estado. Há que se ter presente que seu conceito “não pode desconsiderar a Constituição como ponto de partida de sua pró- 36 O termo política pública têm várias definições e conceitos, para João Pedro Schmidt “o conceito de política pública remete para a esfera pública e seus problemas. Ou seja, diz respeito ao plano das questões coletivas da polis” (2008, p.2311).. 141 VIOLAÇÕES DE DIREITOSDE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II pria observação; não pode deixá-lo ser extraído da práxis política, haja vista que o conceito antecede o objeto” a fim de que as necessárias alterações práticas não invalidem e promovam uma constante alteração do seu centro, do seu conceito (BITENCOURT, 2013, p. 46). Logo, as políticas são sintetiza- das, explicitadas ou formuladas por meio de documentos, os quais direcio- nam as ações que envolvem a aplicações dos recursos públicos. Configuram-se, assim, como “la respuesta del sistema político-admi- nistrativo a una situación de la realidad social juzgada politicamente como inaceptable” (SUBIRATS et. al., 2008, p. 33), demandando a atuação estatal para a modificação daquela situação, em regra violagora de direitos funda- mentais e humanos.As políticas públicas, muitas vezes acabam respeitando um ciclo de fases37, sendo a primeira fase o momento de percepção e defi- nição dos problemas sociais; a segunda é a inserção na agenda política38; a terceira é o momento de formulação; a quarta é o momento de implementa- ção e para finalizar a quinta é a avaliação (SUBIRATS et. al., 2008; SCHMIDT, 2018; BRUM, 2014). De forma mais esmiuçada, a primeira fase, percepção e definição dos problemas, é aquela no qual “se transforma uma situação de dificuldade em um problema político” (SCHMIDT, 2008 p. 2315), assim sendo, a primeira fase condiz com o momento em que a necessidade desperta o interesse político, e para sanar o problema de forma eficaz é necessário a intervenção estatal. A segunda fase, é a hora da inserção na agenda política, o momento de aguçar a atenção dos envolvidos, trata-se de uma construção permanente que envolve rígida disputa política, quem controlar a agenda tem grande influência política, em razão de que as instituições governamentais sempre atuam de forma estruturada e somente atuam sobre assuntos que constem nela (SCHMIDT, 2008). Na terceira fase, o momento é de formulação, ou seja, momento de debate sobre a maneira de solucionar problema em equipes multidiscipli- nares, contando com a participação ativa dos cidadãos em fóruns ou audi- ências. Para se formular uma política é apropriado criar diretrizes, objetivos e metas, do mesmo modo que atribuições de responsabilidade, somente 37 Interessante referir a crítica de Bucci quanto à dificuldade de visualização do universo que uma política pública representa, sendo a delimitação do ciclo relacionada à análise de elementos sob a perspectiva jurídica. Nesse sentido, coloca a autora, citando diferentes au- tores, que “os manuais costumar apontar o ciclo de políticas públicas, também chamado de a “heurística das fases”; o incrementalismo, de Charles Lindblom; a racionalidade limitada, de Herbert Simon; os Múltiplos Fluxos, de John Kingdon; a tipologia de políticas públicas e as arenas decisórias, de Lowi, o Modelo da Lata de Lixo, de Cohen, March e Olsen; entre outros (SABATIER, 2007; MARQUES, 2013; SOUZA, 2007). Cada um deles, pode-se dizer, é parcialmente explicativo, na medida em que privilegia um aspecto de análise, enfatizando elementos distintos” (BUCCI, 2019, p. 801). 38 Subirats et. al. identificam apenas quatro etapas, agregando a identificação do problema e sua inclusão na agenda em uma mesma etapa. 142 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II após isso as políticas se tornam Programas ou Planos, os quais dão origem a Projetos, que então se desdobram em Ações (SCHMIDT, 2008). A quarta fase, é a implementação, é quando se consuma a formulação, através de ações e atividades que concretizam as diretrizes, programas e pro- jetos, na qual se atendem aos planos de ação que determinam e definem condi- ções sociais, geográficas, de tempo e, ainda, os atos de implementação (outputs) que englobam decisões e atividades administrativas de implementação da polí- tica pública (SUBIRATS et. al., 2008). É adequado lembrar que a implementa- ção não se trata apenas de um momento prático de execução daquilo que foi planejado anteriormente, também são requeridas novas decisões e são comuns redefinições acerca de aspectos que já haviam sidos formulados. Enfim, a quinta fase, é o instante de avaliação, que detêm como princi- pal meio as eleições, onde o político é realmente confrontado pelo cidadão por meio de voto. Esta avaliação, contudo, não basta, é fundamental dentro das próprias políticas públicas criar mecanismos avaliadores, que tenham por finalidade estudar o que deu certo e o que deu errado nos programas (SCHMIDT, 2008). Em todas suas fases, definem-se, assim, por meio de decisões, definidas a partir de competências já determinadas (RECK, 2018), criando uma forma de “organização de ações no tempo” (BITENCOURT, 2013, p. 48). É de suma importância ressaltar que de forma alguma se está alegando que esse ciclo de fases é sempre seguido dessa exata forma, ou então, que o mesmo é um guia de como as políticas públicas devem ser criadas e execu- tadas. Este ciclo padroniza como a maioria das políticas públicas são pen- sadas, implementadas e avaliadas, mas nada impede que alguma política seja feita sem respeitar o clico ou sem seguir de forma exata a sua ordem de fases. No caso da condenação que o Brasil sofreu da Corte Interame- ricana, por exemplo, a primeira fase não foi executada, uma vez que não houve do poder público a percepção e definição dos problemas que aquela região enfrentava, talvez se a situação de dificuldade que aquela população passava fosse identificada pelo Estado antes do acidente e tivesse tomado o status de problema político a tragédia poderia ter sido evitada, não havendo a morte de 64 (sessenta e quatro) pessoas sendo 22 (vinte e duas) delas crianças que não deveriam estar na fábrica de fogos. A citada condenação fez com que esse programa de criação de maiores alternativas de trabalho já entrasse na agenda política – conforme prevê a segunda fase do ciclo das políticas públicas -, visto que a criação da política pública vem através de uma imposição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, decorrente de uma condenação estatal pelo órgão, e não da percepção do problema pelo Estado brasileiro. A condenação ainda prevê, dentre outras medidas já referidas, que o Programa de desenvolvimento socioeconômico deve ser destinado à população de Santo Antônio de Jesus, em coordenação com as vítimas e seus representantes, isto é, as pessoas que foram afetadas pela explosão na 143 VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E INTERSECCIONALIDADES II fábrica de fogos vão ajudar na concretização de garantias de direitos para elas e os demais munícipes. Para que isso aconteça de forma eficaz deve existir uma verdadeira ação de cooperação entre União, Estado, Município e sociedade civil, atuando em conjunto para melhor cumprir a sentença da Corte Interamericana e também para melhorar as condições dos moradores de Santo Antônio de Jesus. A União como um todo é responsabilizada na condenação, como sujeito de direito internacional, todavia o cumprimento de sentença não necessita ser feito somente por ela, podendo esse cumprimento ser articulado entre todos os níveis da Federação (União, Estados e Municípios) como indicado no Ofi- cio nº 210/2021 do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, obtido através de pedido de acesso à informação, ao apontar que “as medi- das para dar efetividade às sentenças da Corte IDH compreendem articula- ções entre os órgãos públicos federais, estaduais e/ou municipais, segundo as respectivas competências, bem como tratativas do Estado brasileiro com os representantes das vítimas” (BRASIL, MMFDH, 2021) sendo o município o ente federado mais capacitado para fazer essa aproximação entre Estado e sociedade civil – ou entre Estado e vítimas e seus representantes. O Brasil vive uma realidade debruçada sob um sistema federalista, dessa forma, o federalismo cooperativo vai ao encontro da necessidade de atender