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CARLeS AUGUS + © VAILA + + I
fflANUAL DE
DÊrn®N©L©GIA
Diante das fronteiras da loucura, existe uma zona 
intermediária, um claro-escuro onde a realidade parece 
preservada, mas a natureza das relações estabelecidas 
por lúcifer, a vivência fantasmática quer arrastar a 
lucidez. Por isso, lutar contra o brilhante da alva 
significa romper frieza, indiferença e isolamentos, 
agressividade, cólera e errância.
O senhor das luzes, o Sol do meio-dia, apaga a 
radiação que não deve brilhar: "ego Dominus vocavi te 
in iustitia et adprehendimanum tuam et servaviet dedite 
in foedus populi in lucem gentium ut aperires oculos 
caecorum et educeres de conclusione vinctum de domo 
carceris sedentes in tenebrís ego Dominus hoc est 
nomen meum gloriam meam alteri non dabo et laudem 
meam sculptilibus”
WWW. F® N +E E D1 + ® RI AL.Cffi01 .BR
ISBN 978-85-63607-45-4
Satanás, 
DEmêNies e 
legiões
um ÍT1ANUAL DE DEm®N©L©GIA
CARLOS AUGUS + ® VAILA + + I
Satanás, 
DEmêNies e 
LEGIÕES
um IT1ANUAL Df rn©N©k©GIA
2011
© Fonte Editorial
Capa: epreparação: Edu\RDO Dl- Pl« )l-NÇA
Formato 14x21 cm - 494 páginas
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Vailatti, Carlos Augusto
Manual de Demonologia. Carlos Augusto Vailatti. São 
Paulo. 2011. Fonte Editorial.
ISBN 978-85-63607-45-4
1 . Demônios2. Satanás 3. Exorcismo
I Título
CDD236
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou meio 
eletrônico e mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, 
sem permissão expressa da editora.
(Lei n" 9.610 de 19.2.1998)
Todos os direitos reservados à
FONTE EDITORIAL I.TDA.
Rua Barão de Itapctininga, 140 loja 4
0 11)42-000 São Paulo - SP
Tel.: 11 3151-4252 
www.fonteeditorial.com.br
e-mail: contato@fontecditorial.com.br
http://www.fonteeditorial.com.br
mailto:contato@fontecditorial.com.br
DEDICA + ® RIA
>4 Deus, Aquele que com a batuta do Seu infinito poder, rege a 
sinfonia do Universo. À minha mãe, Antonia. Ao meu pai, Augusto 
(in memoriam). / minha sogra, Rachel (in memoriam), guerreira 
incansável das fileiras do exército de Cristo. À minha amada 
esposa, Noeli. E a todos aqueles que se interessam pelos estudos 
bíblicos e teológicos.
sumARi®
INTRODUÇÃO............................................................................................ 25
i. Determinação do Campo de Estudo.........................................................25
ii. Especificação dos Objetivos....................................................................26
iii. Pertinência e Oportunidade da Obra...................................................... 27
iv. Metodologia Empregada.........................................................................-30
CAPÍTULO I - CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE SATANÁS, 
DEMÔNIOS E EXORCISMOS.....................................................................35
1.1. Considerações Sobre Satanás......................................................... 37
1.1.1. Definição do Termo.............................................................................37
1.1.2. Satanás no Antigo Testamento.......................................................... 38
1.1.3. Satanás no Novo Testamento.............................................................44
1.1.4. Satanás e o Seu Nome Grego: Diabo...............................................45
1.1.5. Satanás e os Seus Outros Nomes......................................................47
1.1.6. Satanás e os Demônios.....................................................................51
1.2. Considerações Sobre os Demônios..............................................53
1.2.1. Fatores que Complicam a Compreensão Demonológica........... 53
1.2.2. Os Demônios no Antigo Testamento.................................................56
1.2.3. Identificando os Demônios.................................................................58
1.2.4. Os Demônios no Período do Grego Clássico.................................. 73
1.2.5. Os Demônios na LXX......................................................................... 79
1.2.6. Os Demônios no I Século d.C............................................................ 83
1.3. Considerações Sobre Exorcismos............................................... 96
1.3.1. Definindo o Termo.............................................................................. 96
1.3.2. Exorcismos noAT e nos Apócrifos.....................................................97
1.3.3. Exorcismos nos Manuscritos do Mar Morto.................................... 105
1.3.4. Exorcismos nos Pseudepígrafos.......................................................114
1.3.5. Exorcismos e Exorcistas na Tradição do Judaísmo.....................116
1.3.6. Exorcismos e Exorcistas no Contexto Pagão..................................129
1.3.7. Os Papiros Mágicos Gregos........................................................... 141
1.3.8. Jesus, o Exorcista-Mor.................................................................... 147
1.4. Conclusão.............................................................................-........157
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CAPÍTULO II-ANÁLISE EXEGÉTICA DE MC 5.1-20............................. 161
2.1. Análise Sincrônica.........................................................................163
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2.2. Análise Diacrônica............................................................................268
2.3. Conclusão..........................................................................................310
8
CAPÍTULO III-ANÁLISE HERMENÊUTICA DE MC 5.1-20................. 313
3.1. A Interpretação dos Pais da Igreja e de Outros Autores da Era
Patrística...................................................................................................315
3.2. A Interpretação Antropológica de René Girard........................331
3.3. A Interpretação Parabólico-Alegórica de André Chouraqui...344
3.4. A Interpretação Contextualizada de Fiódor Dostoiévski....... 353
3.5. A Interpretação Sociopolítica de Myers e Carter...................... 356
3.6. A Interpretação Psicológica de Freud e Oesterreich.............. 368
3.7. A Interpretação da “Territorialidade Espiritual” de C. Peter
Wagner...................................................................................... 374
3.8. A Interpretação do Simbolismo Mágico-Religioso de Mircea
Eliade........................................................................................................ 383
3.9. Conclusão......................................................................................... 391
CAPÍTULO IV - ANÁLISE HISTÓRICA DE MC 5.1-20.......................... 393
4.1. Uma História de Gerasa....................................................................395
4.2. Uma História da Decápolis...............................................................401
4.3. Uma História das Legiões Romanas............................................ 416
4.4. Conclusão..........................................................................................453
CONCLUSÃO FINAL................................................................................457
BIBLIOGRAFIA.........................................................................................461
ABREVIATURAS
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19
Uma mini-história do diabo 
Eduardo de Proença
Nenhuma pessoa teve sua existência mais questionada na 
modernidade que o diabo, nem Deus. No século XIX era motivo de 
piada, jornais estampavam charges sobre o diabo, ridicularizando-o e 
o colocando como a grande crendice dos ignorantes. Mais do que 
enfraquecer os poderes de Deus e sua influência no homem e no 
mundo, a modernidade lançou mão definitivamente na crença no diabo.
Mas vem o século XX, a maldade do homem em duas guerras 
sangrentas e ainda o efeito do genocídio praticado por um líder 
chamado Adolf Hitler, fez as pessoas pensarem se seria possível 
tanta maldade junta vir única e exclusivamente da mente humana: é 
o renascimento do diabo.
Filmes como Psicose de Alfred Hitchcock e o Exorcista 
de William Friedkin, além de outros de menos qualidade, do mesmo 
gênero, colocam o diabo em cena, ele é o grande protagonista da 
maldade no mundo.
Idéias milenaristas e o pleno desenvolvimento do movimento 
fundamentalista iniciado no século XX faz com que a idéia do 
renascimento do diabo e suas derivações como o anticristo 
floresçam em um ritmo compatível com a fértil imaginação humana.
A história do diabo, da personificação do mal, não nasceu 
pronta, mas foi construída marginalmente a própria idéia 
desenvolvida por Deus nas paginas da Sagrada Escritura. O Deus 
cristão, o Pai apresentado por Jesus Cristo não é o mesmo revelado 
nas páginas de Juizes ou Josué, o Deus iracundo, déspota, mas 
um Deus de amor, acalentador que reconcilia-se com seus filhos 
incondicionalmente, apenas motivados pelo amor. Tantos e tantos 
anos de desenvolvimento da narrativa bíblica para essa transição 
do deus irado para o Deus de amor, mas que não faz sucesso hoje 
no meio evangélico, que prefere ao primeiro em detrimento do 
segundo. Assim foi a história do diabo, que começa a aparecer no
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texto bíblico na história de Jó, o acusador, Satanás, presente no 
tribunal de Deus para propor uma aposta sobre este servo do Senhor, 
aposta esta aceita.
0 desenvolvimento do personagem diabo ou Satanás na 
Bíblia hebraica está proporcionalmente ligado ao desenvolvimento 
da transcendência de Deus, ou seja, quanto menos Deus se torna 
imanente e se faz mais transcendente, mais o a personalidade do 
diabo toma corpo, quanto mais ele se afasta da terra em direção ao 
céu se torna apenas fonte do bem, mais a relação do diabo com os 
homens se torna direta. Deus já não é mais a fonte do mal, de sorte 
que versículos como “Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e 
crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas.” (Isaias 45:7), já 
não faz mais sentido. Todo o mal está nas mãos do diabo, o 
adversário de Deus e dos homens.
Nós como cristãos herdamos uma tradição de um judaísmo 
tardio, o pacote diabo-mal já vem pronto para nosso corpo 
dogmático. Exegeses regadas de pressupostos nos fazem enxergar 
inquestionavelmenteuma referencia a queda de Satanás ou Lúcifer 
em Ezequiel 28 no oráculo contra o Rei de Tiro, e nem perguntamos: 
e se for o Rei de Tiro mesmo e não Satanás? E nem nos damos 
conta que o nome Lúcifer nem aparecece na Bíblia, a não ser na 
Vulgata de São Jeronimo quando traduz a expressão “estrela d'alva” 
e nem é um nome próprio, mas ganha este prestigio quando na 
história do cristianismo batizamos o diabo com este nome.
Neste livro o autor com grande profundidade pesquisa sobre 
a figura de Satanás na tradição bíblica, vetero e neotestamentária. 
Valendo-se do recurso de conhecer as línguas bíblicas, Carlos Vailatti 
passeia com maestia e disciplina pelas escrituras sagradas. Em 
um primeiro momento faz uma verdadeira “varredura” pela 
terminologia bíblica no que se refere ao mal, desde seres míticos e 
maléficos, até nas tadições extra-bíblicas Vailatti verdadeiramente 
se esmera.
21
Independentemente da posição teológica do leitor, certamente 
se renderá ao folego de pesquisador demonstrado pelo autor, e 
pela sua honestidade acadêmica e respeito as tradições cristãs 
ainda presentes na maioria das igrejas.
Em uma segunda parte do livro faz uma investigação sobre a 
narrativa evangélica de Marcos sobre o jovem possesso, o 
Gadareno, que nele habitava legiões de demônios. Com cuidado, 
minúcia e com grande organização e didática convida a você a 
compreender esse emblemático texto de Marcos.
Se o diabo existe ou não creio não ser o objetivo de Vailatti 
demonstrar. Porque como diria Santa Teresa de Ávila “se Satanás 
pudesse amar, deixaria de ser mau”.
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0 brilhante arrebata os sentidos 
Jorge Pinheiro
Em hebraico heilel ben-shachar, e em grego, na Septuaginta, 
heosphoros. Lúcifer é a estrela da alva, que brilha de manhã, que a 
gente nâo entende porque está all se o dia já vem nascendo. Não 
J brilha mais que o sol e, por isso, vai desaparecer quando a luz de 
+ verdade, forte, alumiar. Mas se engana quem pensa que essa luz 
< meio vesga, que entra olhos a dentro, não veio para alucinar. É o 
— brilhante que está ao lado para confundir. É o diá, diacho, diale, 
dialho, dianho, adversário que ilumina a alma às avessas.
“Et dices ei haec dicit Dominus Deus tu signaculum similitudinis 
® plenus sapientia etperfectus decore in deliciis paradisi Dei fuisti omnis 
+ lapis pretiosus operimentum tuum sardius topazius et iaspis chrysolitus 
et onyx et berillus sapphyrus et carbunculus et zmaragdus aurum opus 
ü decoris tui et foramina tua in die qua conditus es praeparata sunt". (1)
3 É o caluniador das vidas, o que revira o que devia estar de 
pé, que faz errar o alvo, que puxa o breque, catatonia, hipotonia,
w» jogo interminável com as mãos diante dos olhos, treme-treme que 
® lança os corpos ao chão.
oí É o lúcifer das escrituras antigas, aquele que caiu e que
4 mesmo de dia parecia tão cintilante. É o que leva a luz torta, que 
u brilha piscando, a convidar para programas adormecidos na alma.
Mas se ele leva a luz, porque se faz presente no lusco-fusco do 
antes do alvorecer?
“Tu cherub extentus etprotegens et posui te in monte sancto 
Dei in medio lapidum ignitorum ambulasti perfectus in viis tuis a die 
conditionis tuae donee inventa est iniquitas in te in multitudine 
negotiationis tuae repleta sunt interiora tua iniquitate et peccasti et 
eieci te de monte Dei etperdidi te o cherub protegens de medio lapidum 
ignitorum". (2)
E porque hipnotiza com luz mortiça, a língua tropeça, cheia 
de ruídos bizarros, de ranger os dentes, de ruído de matraca, e 
23
deságua em grito agudo. 0 eu é substituído pelo tu, pelo ele, e o 
sim emudece. A língua não comunica, dilacera.
E assim as vidas são cortadas da terra. E a imprecação cai 
sobre as cabeças. Como ele caiu, faz os humanos descerem, como 
foi cortado por terra, abate as nações! E como pensou subirei ao 
céu, acima das estrelas exaltarei meu trono e no monte da 
congregação me assentarei, aos lados do norte, assim constrói 
torres de Babel nos corações. E como disse marinharei sobre as 
alturas das nuvens e serei semelhante ao Altíssimo, convence os 
humanos a pugnar o mesmo conflito. Aí está o risco, os humanos 
são levados ao s/ieot, ao mais profundo abismo.
E por cortar da terra, heilel ben-shachannvade os corpos com 
rituais para caminhar, deitar, levantar. É o delírio, quem sabe o que 
ó mentira, o que é verdade? O que é pesadelo, o que é realidade? 
A luz de lúcifer alucina. O sono desperta, a boca vomita, as fezes 
escapam, o equilíbrio balança e o mundo desaba. O que arrebata 
os sentidos está ao lado, chegou piscando. O brilhante, por saber 
que será será precipitado no sheol, a sepultura comum, quer 
companhia. Ele é o deus das coisas que fogem, o deus deste 
mundo. E está ao lado.
"elevatum est cor tuum in decore tuo perdidisti sapientiam tuam 
in decore tuo in terram proieci te ante faciem regum dedi te ut cernerent 
te in multitudine iniquitatum tuarum et iniquitate negotiationis tuae 
polluisti sanctificationem tuam producam ergo ignem de medio tui qui 
comedat te etdabo te in cinerem super terram in conspectu omnium 
videntium te omnes qui viderint te in gentibus obstupescent super te 
nihili factus es et non eris in perpetuum". (3)
Quando a extrema angústia aniquila e retalha, a incapacidade 
de tolerar fumega, a divagem e a onipotência fazem parte da ordem 
do dia, tome ciência, ele pousou a mão sobre o seu ombro e está 
a cochichar no seu ouvido idéias de delírio. É o princípio do fim, 
você vai fazer o caminho do sheol.
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Diante das fronteiras da loucura, existe uma zona intermediária, 
um claro-escuro onde a realidade parece preservada, mas a 
natureza das relações estabelecidas por lúcifer, a vivência 
fantasmática quer arrastar a lucidez. Por isso, lutar contra o brilhante 
da alva significa romper frieza, indiferença e isolamentos, 
agressividade, cólera e errância.
O senhor das luzes, o Sol do meio-dia, apaga a radiação 
que não deve brilhar: “ego Dominus vocavi te in iustitia etadprehendi 
manum tuam et servavi et dedi te in foedus populi in lucem gentium ut 
aperires oculos caecorum eteduceres de conclusione vinctum de domo 
careens sedentes in tenebris ego Dominus hoc est nomen meum 
gloriam meam alteri non dabo et laudem meam sculptilibus” (4).
Notas
1, 2, 3 — Os textos bíblicos citados de Ezequiel 28.12-17 estão em tradução da 
Vulgata de Jerônimo.
4-ldem,lsalas 42.6-8.
SA+ANÁS. DÊITlêNieS E LEGIé
INTRODUÇÃO
i. Determinação do Campo de Estudo
O presente livro buscará se concentrar no Evangelho de 
Marcos, Evangelho este que, ao longo da história, foi 
desprezado pelos estudiosos da Bíblia em geral. No uso 
eclesiástico, o Evangelho de Mateus acabou levando vantagem, 
pois além de fornecer mais informações para as leituras 
litúrgicas, era tradicionalmente usado como o texto base para o 
entendimento dos Evangelhos. Depois de Mateus, Lucas era o 
Evangelho preferido, porque parecia ser menos judaico e mais 
adaptado a uma mentalidade que havia sido influenciada pela 
cultura grega, como o fora aquela. Somente por volta de 1900 é 
que os estudiosos começaram a devotar maior atenção a esse 
Evangelho.1 2
DELORME, J. Leitura do Evangelho Segundo Marcos. [Tradução de 
Benôni Lemos], São Paulo, Paulus, 1972, p.7.
2 MEIER, John P. Um Judeu Marginal: repensando o Jesus histórico. Vol.II, 
Livro III. [Tradução de Laura Rumchinsky], Rio de Janeiro, Imago, 1998, 
p.170.
3
Idem, Ibidem, p. 172.
Todavia, essa concentração no Evangelho de Marcos 
ainda é abrangente demais. Sendo assim, a fim de delimitarmos 
ainda mais o nosso campo de estudo, nos deteremos numa faceta 
específica do ministério do chamado “Jesus Histórico”, isto é, 
falaremos sobre o “Jesus Exorcista”, aquele que expulsa os 
demônios. Nossa escolha se deve ao seguinte fato: “os 
evangelhos sinóticos apresentam sete episódios distintos de 
Jesus realizando um exorcismo. Ofato de haver sete ‘amostras’ 
individuais de um tipo específico de milagre, ou seja, o 
exorcismo, favorece o ponto de vista de que este constitui 
maioria no ministério de Jesus”. Portanto, creio que tal tema 
mereça uma atenção especial, uma vez que “os exorcismos se 
destacam entre os milagres de Jesus em geral”.3
25
CAR.LSS AUGUS+® VAILA + + I
Entretanto, por entender que o tema “exorcismo” ainda 
seja muito amplo, delimitarei ainda mais o meu campo de 
estudo, concentrando essa pesquisa na análise de um relato de 
exorcismo específico, o qual já foi chamado de “o mais violento 
e maior de todos os exorcismos dos evangelhos”.4 Estou me 
referindo ao exorcismo do endemoninhado geraseno, encontrado 
em Mc 5.1-20. Nossos esforços se concentrarão principalmente 
na análise de tal texto bíblico.
KELBER, Werner H. Mark's Story of Jesus. Philadelphia, Fortress Press, 
1988, p.31.
5 Esse livro reproduz, em essência, a minha dissertação de mestrado 
apresentada ao Seminário Teológico Servo de Cristo, em São Paulo, 
intitulada Legião é o Meu Nome: Uma Análise Exegética, Hermenêutica e 
Histórica de Mc 5.1-20, sob a orientação do Prof. Dr. Estevan Frederico 
Kirschner, em 2009.
ii. Especificação dos Objetivos
a) Objetivo Fundamental
Há muito tempo tenho acalentado o desejo de realizar um 
estudo minucioso sobre algum texto bíblico que tratasse da 
temática demonológica. Dediquei, então, dois anos a tal 
empreitada, a fim de que pudesse alcançar esse objetivo. Como 
resultado dessa pesquisa, surgiu então o tema: Satanás, 
Demônios e Legiões: um guia do mal5 Embora outros 
estudiosos já tenham se debruçado sobre esse relato de 
exorcismo antes de nós, contudo, imaginei que também pudesse 
dar a minha modesta contribuição ao estudo dessa perícope. 
Então, o resultado dessas pesquisas é o que está sendo 
apresentado nesse trabalho.
b) Objetivo Específico
26
SA + ANÁS, DEmêNieS E LEGIé
Quando comecei a escrever sobre o presente assunto, o 
meu objetivo específico foi buscar analisar a perícope sobre o 
endemoninhado geraseno encontrada em Mc 5.1-20 através de 
uma abordagem tríplice: exegética, hermenêutica e histórica. 
Aliás, tal proposta ficará evidenciada ao longo da leitura deste 
livro. Vários outros tipos de abordagem poderíam ser 
empregados no estudo desse texto, mas, a meu ver, a abordagem 
tripartida que oferecemos aqui será suficiente para nos ajudar a 
compreendê-lo de forma um tanto quanto satisfatória. Utilizar os 
recursos da exegese e da hermenêutica para a compreensão de 
qualquer texto bíblico é uma ação simplesmente indispensável, 
motivo pelo qual tais recursos são empregados aqui. Além disso, 
pelo fato do nosso relato possuir alguns elementos históricos 
muito importantes no seu corpo narrativo, julguei necessário 
abordá-lo também por meio do viés histórico. A justaposição 
dessas três análises, ao fim do nosso estudo, se mostrará 
extremamente eficaz e positiva, como teremos a oportunidade de 
verificar.
iii. Pertinência e Oportunidade da Obra
Nenhum outro personagem, ao longo dos tempos, tem 
sido objeto de tanta discussão, investigação e controvérsia como 
o diabo e, conseqüentemente, os demônios. E, por mais que 
tentemos ignorar, o fato é que todas as pessoas, quer estejam 
conscientes disso ou não, inevitavelmente são afetadas (de 
forma positiva ou negativa) pela postura que adotam em relação 
a estes seres, visto ser impossível assumir uma posição neutra e 
de indiferença quanto a tal assunto. Partindo dessa premissa, 
creio ser de fundamental importância questionar que tipo de 
postura nós estamos adotando com respeito a toda essa questão 
de mo no lógica e, conseqüentemente, quais são as implicações 
dessa postura adotada.
Em primeiro lugar, existem aqueles que simplesmente não 
crêem na existência do diabo e dos demônios. Tais pessoas 
27
CARL®S AUGUS + ffi VAILA + + I
acreditam que estes seres sejam folclóricos, mitológicos, frutos 
da crendice popular ou, até mesmo, invenções dos cristãos. 
Aliás, a Revista Veja há alguns anos atrás mencionou os 
seguintes dados estatísticos, os quais não devem ter sofrido 
alterações significativas nos dias de hoje: “99% dos brasileiros 
crêem em Deus e somente 51 % acreditam que o diabo existe”.6 
Acredito que estes 51% que crêem na existência do diabo, 
também creiam na existência de demônios, pois ambos estão 
intimamente relacionados. Os representantes deste último grupo, 
por agirem assim, tornam-se reféns extremamente vulneráveis 
aos ataques e artimanhas de tais seres malignos, justamente por 
assumirem uma postura que “baixa a guarda” diante das suas 
investidas.
6 Revista Veja. Editora Abril - Edição 1.731 - Ano 34-N°50- 19/12/2001, 
p. 125. Esse livro não tem o objetivo de abordar as várias nuanças 
demonológicas encontradas em nosso rico contexto brasileiro. Para tal 
enfoque, sugiro que sejam consultadas, por exemplo, as seguintes obras: 
SOUZA, Laura de Mello. O Diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e 
religiosidade popular no Brasil Colonial. São Paulo, Companhia das Letras, 
1986; RIBEIRO, Márcia Moisés. Exorcistas e Demônios: demonologia e 
exorcismos no mundo luso-brasileiro, século XVIII. Rio de Janeiro, Editora 
Campus, 2003; OLIVA, Alfredo dos Santos. A História do Diabo no Brasil. 
São Paulo, Fonte Editorial Ltda., 2007; MACEDO, Edir. Orixás, Caboclos & 
Guias: deuses ou demônios? Rio de Janeiro, Editora Gráfica Universal Ltda., 
1998; OLIVA, Margarida. O Diabo no “Reino de Deus por que proliferam 
as seitas? São Paulo, Musa Editora, 1997; MOTT, Luiz. Escravidão, 
Homossexualidade e Demonologia. São Paulo, ícone Editora, 1988; ITIOKA, 
Neuza. Os Deuses da Umbanda. São Paulo, ABU Editora, 1988.
Em segundo lugar, e em sentido totalmente oposto ao 
primeiro, há aqueles que atribuem ao diabo e aos demônios 
toda a culpa por tudo o que acontece de ruim no mundo. São 
pessoas que estão acostumadas a “demonizar” a causa de todos 
os infortúnios, tragédias e imoralidades que acontecem. Em vez 
de assumirem a sua parcela de culpa nos casos em que assim for 
exigido (pois são seres responsáveis por seus atos), acabam 
28
SA + ANÁS, DEmêNIffiS E LEGIî
lançando toda a culpa nas “costas” do diabo e de seu séquito, os 
demônios. Tal atitude extremada visa, muitas vezes, auto- 
inocentar o indivíduo, enquanto põe indevidamente o adversário 
e os seus cúmplices no banco dos réus.
Em terceiro lugar, encontram-se aqueles que crêem que o 
diabo e os demônios existem, mas que subestimam o seu poder. 
Os partidários de tal pensamento vêem o diabo e os demônios 
como seres já fracassados, derrotados e vencidos. Dessa forma, 
não os encaram como ameaças reais, poderosas e atuais que os 
estão espreitando a todo o tempo, objetivando destruí-los. Nem 
é preciso comentar que tal postura é extremamente perigosa, 
porque não leva em conta o tamanho perigo que as forças das 
trevas representam.
Em quarto lugar, nos deparamos com aqueles que crêem 
que o diabo e os demônios existem, mas que superestimam o seu 
poder. Os adeptos dessa ideologia, não diferentemente dos 
anteriores, também estão incorrendo num gravíssimo risco, o de 
supervalorizar o poderio das forças demoníacas. Estas pessoas, 
principalmente movidas pelo medo, acabam desenvolvendo uma 
espécie de “diabofobia”, ou “demoniofobia”, isto é, um 
verdadeiro pânico, simplesmente ao ouvirem o nome desses 
“ditos cujos”, pois acreditam equivocadamente que estes seres 
sejam imbatíveis e quase todo-poderosos.
E, por fim, há aqueles que acreditam que o diabo e os 
demônios existem e que se armam adequadamente de todas as 
formas possíveis para poderem combatê-los e vencê-los. Estes 
últimos, de forma completamente oposta aos já mencionados 
antes, são aqueles cuja postura adotada parece ser a mais sensata 
e equilibrada do ponto de vista da fé cristã. Este quinto grupo 
sabiamente reconhece que existe um protagonista espiritual do 
mal, o qual, juntamente com outros espíritos malignos que o 
seguem, os demônios, buscam prejudicar tudo aquilo que temligação com Deus, bem como, visam principalmente separar o 
homem dAquele que o criou e que, portanto, detem todos os 
direitos sobre a sua vida.
29
CAR.LGS AUGUS+© VAILA + +I
O fato de haver, pelo menos, cinco tipos diferentes de 
posturas que podem ser assumidas quanto à crença na existência 
ou não do diabo e dos demônios, já basta por si só para legitimar 
a escolha da temática demonológica de nosso estudo. Além 
disso, outro fator (e não menos importante) também merece aqui 
a nossa atenção. Uma vez que as opiniões sobre a existência do 
diabo e dos demônios em nossa Terra Brasilis estejam bem 
divididas, pois somente metade das pessoas (51%) crê na 
existência dessas entidades malignas, logo, penso que seja bem 
pertinente e oportuno abordar o tema da expulsão de demônios 
em nosso trabalho.
Por fim, é curioso notar que, mesmo vivendo em uma 
época pós-moderna e pós-científica como a nossa, mesmo 
assim, há muitas pessoas que ainda continuam a acreditar em: 
amuletos, búzios, cartas, duendes, fadas, gnomos, patuás, 
talismãs, anjos e, sobretudo, demônios. É espantoso constatar 
que, mesmo depois de todo esse cientificismo por nós 
experimentado, ainda assim, continuamos a crer em tais coisas! 
Contudo, devo dizer que embora não creia na maioria dos 
elementos acima alistados, todavia, confesso que me incluo 
entre aqueles que ainda acreditam, por exemplo, na existência 
de anjos e demônios.
E sei também que não estou sozinho nesta minha crença. De 
qualquer forma, independentemente da postura adotada pelo 
leitor com respeito a este assunto, estou certo de que tal tema 
ainda tem a sua relevância para os dias de hoje. Porém, sou 
tentado a pensar que esse trabalho será mais bem apreciado por 
aqueles que, como eu, ainda aceitam a “ideia” de que os 
demônios realmente existem.
iv. Metodologia Empregada
A fim de que possamos cumprir com os nossos objetivos, 
devemos empregar uma metodologia que esteja alinhada à nossa 
30
SA+ANÁS, DEffiÔNieS Ê LEGIî
proposta de trabalho. Como o presente livro está dividido em 
quatro partes principais, eis, portanto, um pequeno esboço sobre 
como pretendemos conduzir o nosso tema:
No Capítulo I, Considerações Preliminares Sobre 
Satanás, Demônios e Exorcismos, buscaremos delinear os 
contornos de Satanás e dos demônios, bem como, o 
desenvolvimento dessas personagens ao longo da história bíblica 
e não-bíblica. Partiremos das páginas do AT, passando também 
pelo Grego Clássico e pela LXX e, por fim, iremos até alguns 
dos principais escritos do I Século d.C., tanto extra-bíblicos 
quanto bíblicos, sendo que, neste último caso, trataremos dos 
escritos neotestamentários. Aliás, por entendermos que tanto 
Satanás quanto os demônios possuem um vínculo muito estreito 
entre si, optamos, portanto, por considerar ambos em nossa 
pesquisa, dando, porém, maior ênfase nestes últimos. Além 
disso, consideraremos também, e à parte, os exorcismos, desde a 
sua menção no AT e nos Apócrifos, como também nos 
Manuscritos do Mar Morto, nos Pseudepígráfos, na Tradição 
Judaica, no Contexto Pagão e nos Papiros Mágicos Gregos, 
culminando com o Exorcista-Mor, Jesus. Tais prolegômenos 
fornecerão a base sobre a qual se assentarão os “tijolos” e a 
“argamassa” de toda a nossa obra.
No Capítulo II, Análise Exegética de Mc 5.1-20, faremos a 
exegese de nosso texto a partir das tradicionais abordagens 
sincrônica e diacrônica, sendo esta última priorizada pelo assim 
chamado método histórico-crítico. Nesse capítulo, pedindo 
licença para tomar emprestado um termo da anatomia, 
tentaremos “dissecar” o nosso texto, todavia, respeitando a 
sacralidade de seu “corpo”. A análise minuciosa que faremos 
desse “organismo” nos possibilitará entendê-lo em suas várias 
nuanças. Portanto, os instrumentos “cirúrgicos” que utilizaremos 
31
CAR.L®S AUGUS+® VAILA + + I
nessa divina “autópsia”7 serão, do ponto de vista sincrônico: a 
Tradução, a Segmentação e a Estruturação do Texto, seguidos 
das Análises Lingüística, Lexicográfica, Morfológica, Estilística 
e de Conteúdo. Já do ponto de vista diacrônico, usaremos os 
“bisturis” das Críticas Textual, do Gênero Literário, da Fonte e 
da Redação. O uso de todas essas preciosas ferramentas nos 
permitirá compreender melhor o significado do texto a ser 
estudado.
7
Aqui, o termo “autópsia” não é utilizado no sentido médico e de forma 
depreciativa, referindo-se ao “exame médico de um cadáver”. Ao contrário, o 
termo é usado em seu sentido etimológico, sendo que twróç significa 
“mesmo, ele mesmo, próprio” e õi|ílç, “visão”. Portanto, autópsia se refere 
nesse contexto ao “exame de si mesmo”. Em outras palavras, nossa exegese 
buscará deixar (tanto quanto possível) o próprio texto explicar a si mesmo.
Já no Capítulo III, Análise Hermenêutica de Mc 5.1-20, 
oferecerei oito diferentes e interessantes interpretações sobre a 
perícope em questão, adicionando também minhas observações 
pessoais sobre as mesmas. Começando por alguns dos Pais da 
Igreja e por Outros Autores da Era Patrística, darei 
prosseguimento a essa jornada passando por autores como René 
Girard, André Chouraqui, Dostoiévski, Myers e Carter, Freud e 
Oesterreich, C. Peter Wagner e, por fim, Mircea Eliade. 
Acredito que toda essa miscelânea hermenêutica complementará 
a análise exegética feita anteriormente dando, inclusive, maior 
“tempero” à nossa iguaria enquanto a estivermos degustando.
Finalmente, no Capítulo IV, Análise Histórica de Mc 5.1- 
20, me dcterei principalmente no estudo de três elementos 
históricos centrais do texto, os quais, conforme vejo, formam o 
“eixo histórico” em torno do qual todo o nosso relato se 
desenvolve. Esses três elementos históricos principais são: a 
Cidade de Gerasa, a Região da Decápolis e a Legião Romana. 
No que concerne a este último elemento em particular, creio que 
o leitor se verá surpreendido pela linha de raciocínio que
32
SA+ANÁS, DEmêNieS E LEGIî
adotamos em nosso trabalho, ao relacionar a Legião Romana à 
Legião Demoníaca citada textualmente em Mc 5.9,15.
Bem, acredito que a essa altura dos acontecimentos, a 
“legião” de leitores que nos acompanha esteja, com perdão pelo 
trocadilho, com uma “legião” de perguntas e de expectativas 
“dentro de si” a respeito do nosso trabalho. Ora, não se preocupe 
quanto a isso porque, ao final de nossa pesquisa, tal “legião” 
será “expulsa” para bem longe. Pelo menos, é isso o que eu 
espero que aconteça a partir das páginas seguintes.
33
CARLffiS AUGUS+® VAILA + +
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CAPÍTUK© I 
C © N SI D C RAC © C S 
PRCLimiNARÉS S©BRC SATANÁS, 
DcmêNies e cx©Rcism©s
CARL®S AUGUS + ffl VAILA + + I
36
SA + ANÁS, D£ffl©Nl®S Ê LÊG1î
CAPÍTULO I - CONSIDERAÇÕES 
PRELIMINARES SOBRE SATANÁS, 
DEMÔNIOS E EXORCISMOS
Embora os termos “Satanás” e “Diabo” não apareçam no 
texto de Mc 5.1-20 e em seus paralelos, todavia, como veremos 
mais adiante, o termo “Legião” pode subentender a existência de 
uma organização hierárquica. E, no caso de uma “legião 
demoníaca”, por exemplo, os demônios compõem a base dessa 
“pirâmide”, em cujo topo se encontra Satanás, ou o Diabo.8 De 
qualquer forma, não podemos tratar de um assunto de natureza 
demonológica, como é o nosso, sem incluir este ser maligno em 
nossas considerações preliminares, motivo pelo qual as 
inserimos aqui.
1.1. Considerações Sobre Satanás
1.1.1. Definição do Termo
O vocábulo “Satanás” vem do hebraico (sãtãn), termo este 
que tem sido relacionado etimologicamente a uma variedade de 
significados, alguns dos quais pouco convincentes e tidos como 
supostos verbos em hebraico e em línguas cognatas. Estas 
propostas incluem verbos que significam, por exemplo, “perder- 
se”, “revoltar-se”, “cair fora”, “ser injusto”, “incendiar” e 
“seduzir”.9 Entretanto, ao que tudo indica, o termo sãtãn pode
g
Como “no tempo de Jesus os fariseus e o povo comum daquele tempo 
estavam firmemente convencidos de que havia toda uma hierarquia de 
espíritos bons e maus, e que Satã presidia os últimos” é, por conseguinte, 
natural inter-relacionarSatanás aos demônios. (Cf. SANFORD, John A. Mal, 
o Lado Sombrio da Realidade. [Tradução de Sílvio José Pilon e João Silvério 
Trevisan], São Paulo, Paulus, 1988, pp.48,49).
o
TOORN, Karel Van Der, BECKING, Bob & HORST, Pieter W. Van Der. 
(eds.). Dictionary of Deities and Demons in the Bible. Grand Rapids, Wm. B. 
37
CARLOS AUGUS + ffi VAILA + +I
ser mais corretamente definido como “adversário, oponente”,* 10 
ou ainda como “contrário, contender, competidor, antagonista, 
rival, inimigo”.11 12
Eerdmans Publishing Company I Cambridge, Brill Academic Publishers, 
1999, p.726. (Na continuação desta obra, os autores explicam detalhadamente 
o porquê da incongruência de tais significados supostamente derivados do 
termo sãtãn. Cf. Op.Cit., p.726).
10 DAVIDSON, Benjamin. The Analytical Hebrew and Chaldee Lexicon. 
Grand Rapids, Zondervan Publishing House, 1981, p.710. Cf. também: 
GESENIUS, H. W. F. Geseniu’s Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old 
Testament. [Translated by Samuel Prideaux Tregelles]. Grand Rapids, Baker 
Book House, 1979, p.788.
11 SCHÔKJEL, Luis Alonso. Dicionário Bíblico Hebraico-Português. 
[Tradução de Ivo Storniolo e José Bortolini], São Paulo, Paulus, 1997, p. 641.
12 LANDES, George M. A Student’s Vocabulary of Biblical Hebrew. New 
York, Charles Scribner’s Sons, 1961, p.29.
13 Segundo Galambush, a Bíblia Hebraica desconhece a existência de um 
oponente cósmico de Deus. Apenas no Novo Testamento é que os traços de 
tal adversário cósmico serão bem definidos. (Cf. GALAMBUSH, Julie. The 
Reluctant Parting: how the new testament’s Jewish writers created a 
Christian book. New York, HarperCollins Publishers, 2006, p.262).
1.1.2. Satanás no Antigo Testamento
O termo hebraico sãtãn aparece ao todo vinte e sete vezes 
no Antigo Testamento e, pelo que podemos perceber, ainda 
não há nesta parte das Escrituras uma figura única definida que 
claramente personifique o Mal.13 Isto só é notado mais adiante, 
em um desenvolvimento posterior e, principalmente, nos 
escritos neotestamentários, através da figura do Diabo. Em 
outras palavras, podemos dizer que pouco a pouco, de maneira 
sutil, mas ao mesmo tempo real e progressiva, Satanás deixa a 
sua “timidez” de lado, coloca os seus “chifres”, “garras” e 
“tridente” à mostra e vai se revelando na Bíblia. Talvez, tal 
afirmação até espante o leitor, mas é a mais pura verdade. A 
Bíblia Hebraica se inicia, ao contrário do que muitos pensam, 
38
SA + ANÁS, DEíTl©NI©S Ê LEGIî
dentro de um contexto no qual Satanás está invisivelmente 
envolvido - atuando apenas nos bastidores - mas não é assim 
que as Escrituras se encerram. No decorrer de toda a Bíblia, 
Satanás vai, lentamente, se mostrando aos seres humanos. 
Possessões demoníacas, exorcismos e todos os outros sinais 
indicativos da presença deste ser Maligno vão se tomando cada 
vez mais freqüentes, até se manifestarem por completo.14
14
Elaine Pageis, em seu excelente livro que trata, conforme definido por ela 
mesma, da história social de Satanás, faz o seguinte comentário: “Relendo 
descrições bíblicas e extrabíblicas sobre anjos, constatei, em primeiro lugar, o 
que muitos estudiosos haviam sugerido: que embora eles apareçam com 
freqüência na Bíblia Hebraica, Satanás, ao lado de outros anjos decaídos, ou 
seres demoníacos, era virtualmente ignorado. Mas, entre certos grupos 
judaicos do século I, incluindo com destaque os essênios (que se 
consideravam aliados dos anjos) e os seguidores de Jesus, a figura chamada 
de Satã, Belzebu ou Belial começou a adquirir também uma importância 
fundamental”. (PAGELS, Elaine. As Origens de Satanás: um estudo sobre o 
poder que as forças irracionais exercem na sociedade moderna. [Tradução 
de Ruy Jungmann]. Rio de Janeiro, Ediouro, 1996, p. 15).
15 REIS, Aníbal Pereira. O Diabo. São Paulo, Edições Caminho de Damasco, 
1976, p.94.
E esse fenômeno do aparecimento gradual de Satanás 
tem o seu apogeu justamente no período neotestamentário, 
época esta que coincide com a encarnação de Cristo. Em todo o 
Novo Testamento, e mais particularmente nos Evangelhos, 
Satanás se manifesta com maior freqüência e regularidade, 
principalmente por meio de seus seguidores, os demônios, por 
meio dos quais chega até a causar a impressão de que é 
onipresente.15
Ora, após esta breve introdução sobre o desaparecimento 
veterotestamentário de Satanás como figura que personifica o 
Mal, é importante vermos os usos que o Antigo Testamento faz 
do vocábulo sãtãn, a fim de que obtenhamos uma compreensão 
maior sobre este assunto:
39
CAR.L®S AUGUS+® VAILA + + I
a. Em Nm 22.22,32 encontramos as primeiras 
ocorrências do termo hebraico sãtãn na Bíblia, 
sendo que lemos, por exemplo, no verso 22, que “o 
anjo do Senhor pôs-se-lhe no caminho [de Balaão]
por adversário'' (ARA). Nós podemos notar 
que o ser celestial que age aqui como um sãtãn tem 
muito pouco em comum com as conceituações 
posteriores de Satanás. Ele é o mensageiro de 
Yahweh, não seu arquiinimigo, e ele atua de acordo 
com a vontade de Yahweh antes do que se opondo a 
ela.16 17
16 TOORN, Karel Van Der, BECKING, Bob & HORST, Pieter W. Van Der. 
(eds.). DDDB, p.727.
17 TOORN, Karel Van Der, BECKING, Bob & HORST, Pieter W. Van Der. 
(eds.). DDDB, p.729.
b. Em 1 Cr 21.1 lemos que Satanás se levantou 
contra Israel e incitou a Davi a levantar o censo [...]” 
(ARA). Neste texto vemos que o nome sãtãn, assim 
como no texto anterior, aparece sem o artigo 
definido. A maioria dos eruditos, nesse caso, entende 
sãtãn como o nome próprio “Satanás”, embora 
alguns mantenham que o nome se refere a um 
adversário humano e outros ainda argumentem que 
ele diz respeito a um inominável adversário ou 
acusador celestial. Porém, no texto paralelo de 2 
Sm 24.1, o autor bíblico declara que “tornou a ira do 
íTÍIT’ Senhor a acender-se contra os israelitas, e ele
t :
incitou a Davi contra eles, dizendo: Vai, levanta o 
censo de Israel e de Judá”. (ARA). É importante 
estabelecer aqui porque o cronista, em 1 Cr 21.1, 
trocou seu texto fonte, pois sua motivação tem 
implicações sobre como nós compreendemos sãtãn 
40
SA+ANÁS, DEmêNieS E LEGIî
nesta passagem. Se o cronista tentou realmente 
distanciar Yahweh do comportamento malévolo e 
inteligente deste sãtãn por atribuir semelhante 
comportamento a um outro ser divino, então nós 
podemos ver nesta passagem o começo de uma 
dicotomia moral na esfera celestial. Se Yahweh não é 
o grande responsável pelo comportamento malévolo 
com respeito ao gênero humano, e um outro ser 
divino capaz de agir eficazmente, independente de 
Yahweh, existe, então pode ser bastante apropriado 
traduzir sãtãn pelo nome próprio Satanás.
c. Em Jó 1.6-9 (duas vezes no verso 7), 12 (duas vezes) 
e em 2.1-4 (duas vezes no verso 2), 6, 7, o vocábulo 
sãtãn aparece sempre acompanhado pelo artigo 
definido, ou seja, Em outras palavras, nos
vinte e quatro versículos existentes entre Jó 1.6 a 2.7, 
a expressão hasãtãn aparece quatorze vezes. Já a 
LXX emprega nestes mesmos versos o equivalente 
grego ôiápoÀoç para se referir a Satanás.18 19 Muitos 
estudiosos traduzem hasãtãn como “o Acusador”, 
que eles entendem ser um título que descreve um 
papel ou ofício. Contudo, deve ser notado que 
nenhum ofício análogo tem sido convincentemente 
identificado no sistema legal do antigo Israel, nem 
representa a divina assembléia das culturas da 
18 Idem, Ibidem, p.730. Joyce Baldwin comenta que “o relato paralelo de 1 
Crônicas 21 mostra como o pensamento teológico se desenvolveu ao longo 
dos anos, atribuindo a ‘Satanás’ ou a ‘um adversário’ o que anteriormente era 
atribuído ao Senhor". (Cf. BALDWIN, Joyce G. I e II Samuel: introdução e 
comentário. [Tradução de Márcio Loureiro Redondo]. São Paulo, Vida Nova, 
1996, p.331).
19 Cf. RAHLFS, Alfred. Septuaginta. Stuttgart, Deutsche Bibelgesellschaft, 
1979.
41
CARL©S AUGUS + ® VAILA + +I
circunvizinhança que incluem uma divindade que 
tem a tarefa de ser um acusador. Alguns estudiosos 
têm argumentado que existiam acusadores- 
informantes noantigo período Persa, e que o sãtãn 
de Jó 1 e 2 está baseado nestes informantes. A 
evidência para isto, todavia, não é conclusiva devido 
à incerteza da existência de provas legais 
correspondentes.20 Neste ponto, devemos notar que 
como o termo hebraico sãtãn é antecedido pelo 
artigo definido “o” no contexto de Jó 1 e 2, então, 
neste contexto o vocábulo parece mais descrever uma 
função do que representar um nome próprio. Embora 
o indivíduo que se apresenta como adversário de Jó 
possa ser o mesmo que, mais adiante, é chamado de 
Satanás, não podemos concluir tal coisa nesta 
passagem, pois parece que o termo sãtãn só passa a 
desempenhar nitidamente o papel de nome próprio a 
partir do período intertestamentário, mais 
precisamente no II século a.C.21
20 TOORN, Karel Van Der, BECKING, Bob & HORST, Pieter W. Van Der. 
(eds.). DDDB, p.728. Isaac Asimov observa que “a influência Persa é 
demonstrada na cena de Deus como o chefe de uma numerosa corte de 
espíritos assistentes. A diferença da perspectiva Persa repousa no fato de que 
Satanás não é chefe co-igual de um grupo de espíritos malignos, mas é 
simplesmente um espírito único, tão sujeito a Deus quanto o são os outros. 
Satan tem, aparentemente, o importante e proveitoso papel de testar os seres 
humanos para ver se sua fé em Deus é fiel, ou meramente superficial. Neste 
papel, ele atua apenas com a permissão de Deus e somente tão distante 
quanto Deus permite”. (Cf. ASIMOV, Isaac. Asimov's Guide to the Bible. 
[The Old and New Testaments]. New York, Wings Books, 1981, p.478.). 
Sobre a ideia de que a figura de Satanás se desenvolve sob a influência do 
dualismo iraniano, veja: ELIADE, Mircea. Historia de las Creencias y las 
Ideas Religiosas. Vol.II. [Traducción de Jesús Valiente Maila]. Barcelona, 
Ediciones Paidós Ibérica, S.A., 1988, pp.317,318.
21 WALTON, John, MATTHEWS, Victor & CHAV ALAS, Mark. CBAAT, 
p.511.
42
SA+ANÁS, DEffiÔNieS E LEGIé
d. Em Zc 3.1,2 (duas vezes no verso 2) nos deparamos
novamente com a expressão a qual aparece 
três vezes nestes dois versos igualmente 
acompanhada pelo artigo definido. Aqui, assim 
também como em Jó, a LXX traz o termo õiápoÀoç 
como equivalente de sãtãn. Em Zc 3.1, porém, nós 
encontramos a curiosa frase: “Deus me mostrou o 
sumo sacerdote Josué, o qual estava diante do Anjo 
do Senhor, e
Satanás estava à mão direita dele, para se lhe opor’'’ 
(ARA). Nela nós percebemos o substantivo masculino 
w acompanhado do artigo definido H e vemos 
ainda o termo o qual é prefixado pela
preposição h e seguido do verbo que aparece 
no infinitivo do QaL Este uso duplo da raiz stn que 
aparece em Zc 3.1 é enfático e deixa transparecer o 
caráter oposicionista da personagem do texto. Ao que 
tudo indica, Zc 3 refere-se a um ser divino diferente 
daquele que aparece em Nm 22 e, também, é incerto 
se o sãtãn de Jó 1 e 2 é o mesmo ser celestial de Zc 
3. Além disso, 1 Cr 21.1 parece igualmente não se 
identificar de forma clara com nenhum dos três 
textos anteriores.
e. Por fim, em textos como, por exemplo, 1 Sm 29.4; SI 
38.21 (TM), que corresponde ao SI 38.20 em nossas 
versões; SI 71.13 e SI 109.4,6, 20,29 o termo sãtãn 
aparece de forma bem variada para se referir a **
70
DAVIDSON, Benjamin. AHCL, p.455.
23 TOORN, Karel Van Der, BECKING, Bob & HORST, Pieter W. Van Der. 
(eds.). DDDB, p.729.
43
CARL©S AUGUS + 9 VAILA + + I
homens. Assim, mencionamos todas as ocorrências 
do termo sãtãn nas Escrituras veterotestamentárias, 
bem como, seus significados correspondentes.
1.1.3. Satanás no Novo Testamento
Já no Novo Testamento, o termo hebraico sãtãn aparece 
trinta e seis vezes ao todo24 através da sua forma helenizada, isto 
é, o substantivo masculino Laravâç. O vocábulo grego aparece 
nos seguintes textos: Mt 4.10; 12.26 (duas vezes no verso 26); 
Mc 1.13; 3.23 (duas vezes no verso 23), 26; 4.15; Lc 10.18;
24 K.UBO, Sakae. A Reader's Greek-English Lexicon of the New Testament. 
Grand Rapids, Andrews University Press and Zondervan, 1975, p.28.
LIDDELL, H. G. & SCOTT, R. An Intermediate Greek-English Lexicon. 
(Founded Upon the Seventh Edition of Liddell and Scott’s Greek-English 
Lexicon). Oxford, Oxford University Press, 1889, p.724.
11.18; 13.16; 22.3, 31; Jo 13.27; At 5.3; 26.18; Rm 16.20; 1 Co 
5.5; 7.5; 2 Co 2.10; 11.14; 12.7; 1 Ts 2.18; 2 Ts 2.9; 1 Tm 1.20; 
5.15; Ap 2.9,13 (duas vezes no verso 13), 24; 3.9; 12.9; 20.2,7. 
Em Mt 16.23 e Mc 8.33 Pedro é chamado de Satanás por Jesus, 
porque ele estava tentando o Mestre a abandonar a Sua missão 
como Salvador. Das trinta e seis menções feitas a “Satanás” no 
Novo Testamento, 45% delas são encontradas nos Evangelhos. 
Estas estatísticas contidas nas Escrituras podem conferir aos 
Evangelhos, com justiça, o título de “manual de diabologia”.
Na grande maioria dessas referências, o vocábulo 
Zccrarâç já não se refere mais a seres um tanto quanto incertos 
como o seu equivalente veterotestamentário sãtãn. Agora, a 
palavra que ainda mantém os significados de “adversário” e 
“inimigo”, revela sua relação direta e inequívoca com o seu 
outro nome, Diabo.25 Ou seja, no Novo Testamento, Satanás é a 
óbvia personificação do Mal. Nesta parte das Escrituras, ele é o 
arquiinimigo de Deus e daqueles que foram criados à Sua 
imagem e semelhança, os homens.
44
SA+ANÁS, DEíTl©Nl©S E LEGIî
Como já havíamos dito anteriormente, ao longo de toda a 
Bíblia Satanás vai aos poucos se mostrando aos seres humanos. 
E, no Novo Testamento mais precisamente, ele não se comporta 
mais de maneira “tímida” e “velada”, como o fazia no período 
veterotestamentário. Antes, ele caminha a passos largos, como 
que fazendo questão de “se mostrar” e de “se fazer percebido” 
cm várias ocasiões do cotidiano das pessoas. No Novo 
Testamento, os demônios, as possessões demoníacas, os 
exorcismos e as doenças atribuídas aos espíritos malignos, são 
cada vez mais freqüentes e notórios - diferentemente do que 
ocorria no período do Antigo Testamento - tomando-se, assim, 
urna espécie de “cartão de visitas” do Maligno. Nos livros 
neotestamentários Satanás se revela de maneira escancarada. Ele 
sai dos bastidores e de trás das cortinas da história bíblica e sobe 
ao palco naturalmente, de forma desvelada, para que os 
espectadores da platéia o observem. Isto também é notado 
através do seu outro nome, “Diabo”, sobre o qual falaremos a 
seguir.
1.1.4. Satanás e o Seu Nome Grego: Diabo
Além de Haravâç, outro termo que também é empregado 
para se referir ao Maligno, é o termo grego õiápoÀoç. Para 
entendermos um pouco mais sobre esse vocábulo devemos nos 
dirigir ao período do Grego Clássico, o qual compreende a 
época que vai de 900 a.C. até cerca de 330 a.C., época das 
conquistas de Alexandre, o Grande. Neste período, o dialeto 
ático se destacou, tornando-se a fonte principal do grego do 
Novo Testamento. E, além disso, temos que nos dirigir também 
ao período do Grego Koiné (isto é, “comum”) que vai de 330 
a.C. até aproximadamente 330 d.C. Durante esse período, a 
língua grega se tomou universal, sendo livremente empregada
45
CAR.L©S AUGUS+© VAILA + + I
26 • • ' •em todo mundo civilizado e, principalmente, no mundo bíblico 
neotestamentário.
Entre o período do Grego Clássico e o do Grego Koiné, o 
vocábulo òiápoÀoç aparece na literatura secular, significando, 
por exemplo, “predisposto à difamação”, “caluniador” e “acusar 
falsamente” em Aristófanes (200 a.C.), Andócides (405 a.C.) e 
Plutarco (120 d.C.). E aparece também com o significado de 
“falso acusador” e “caluniador” em Xenofonte (401 a.C.) e em 
Aristóteles (384-322 a.C.).26 27
26 REGA, Lourenço Stelio. Noções do Grego Biblico. São Paulo, Vida Nova, 
1995, p.l.
27 THAYER, Joseph Henry. GELNT, p. 135.
28 Bíblia de Jerusalém, p. 1206.
29 KUBO, Sakae. RGELNT, p.L
Já na LXX, podemos encontrar esse termo em textos 
como Est 7.4; 8.1; nos textos já citados de Jó, capítulos 1 e 2; 1 
Cr 21.1; Zc 3.1,2; no SI 108.6 (LXX), SI 109.6 nas nossas 
versões, e também no livro apócrifo de Sabedoria (Sb 2.24), 
ondelemos que “foi por inveja do diabo (ôiápoÀoç) que a morte 
entrou no mundo [...]”.28 29
Por fim, o termo grego ôiápoÀoç ocorre no Novo 
Testamento trinta e oito vezes. Ele é mencionado em quatorze 
dos vinte e sete livros neotestamentários, distribuído da seguinte 
forma, a) Nos evangelhos: quinze vezes - Mt 4.1,5,8,11; 13.39; 
25.41; Lc 4.2,3,5,6,13; 8.12; Jo 6.70; 8.44; 13.2; b) No livro de 
Atos: duas vezes - At 10.38; 13.10; c) Nas epístolas: dezesseis 
vezes - Ef 4.27; 6.11; 1 Tm 3.6,7,11 (ôia(3óÀouç - 
“caluniadoras” - em 1 Tm 3.11); 2 Tm 2.26; 3.3 (ôrépoÂ.oi - 
“caluniadores”); Tt 2.3 (õiapóÀovç - “caluniadores”); Hb 2.14; 
Tg 4.7; 1 Pd 5.8; 1 Jo 3.8 (três vezes), 10; Jd 9; d) No 
Apocalipse: cinco vezes - Ap 2.10; 12.9,12; 20.2,10.
Esses números são muito interessantes, pois nos mostram 
que das trinta e oito menções feitas ao Diabo no Novo 
Testamento, cerca de 40% delas são encontradas somente nos 
46
SA+ANÁS, DEmêNieS E LEGIî
Evangelhos. De fato, nos Evangelhos estão concentradas as 
maiores ocorrências da atividade diabólica/demoníaca de toda a 
Bíblia.
No Novo Testamento, o termo grego ôtápoÀoç parece 
conservar o mesmo significado básico do período do Grego 
Clássico, significando “caluniador”, “difamador”.30 31 * Ao que tudo 
indica, o termo é derivado de diabállõ, que quer dizer:
GARRIDO, Constantino Ruiz. (trad.). Vocabulário Griego del Nuevo 
Testamento. Salamanca, Ediciones Sigueme, 2001, p.43.
31 THAYER, Joseph Henry. GEL NT, p. 135.
3" TAMEZ, Elsa y FOULKES, Irene W. de. Diccionario Conciso Griego- 
Espanol del Nuevo Testamento. Stuttgart, United Bible Societies, 1978, 
pp.31, 32, 42.
’ SAYÉS, José Antônio. El Demonio, Realidad o Mito? Madrid, San Pablo, 
1997, p.31.
■7 1
“arremessar sobre” ou “através de”, “impelir sobre”. O termo é 
composto pela preposição grega dia, “através de, por (meio de)” 
c é também formado pelo verbo grego bállõ, “lançar, atirar, 
derrubar”. A seguir, veremos outros nomes que são atribuídos 
a Satanás.
1.1.5. Satanás e os Seus Outros Nomes
Além dos já citados (sãtãn), Saxavaç (Satanás) e 
õiápoÀoç (diábolos), o arquiinimigo de Deus e dos homens 
possui também outros nomes pelos quais é conhecido nas 
Escrituras, alguns dos quais mencionaremos abaixo:
a) □IDT (bã’al zebüb) ou BeeACepouA.
(Beelzeboid). Este nome possui significado bem disputado nos 
meios acadêmicos, mas, de forma geral, esse termo que é de 
origem fenícia, lido em hebraico, significa “senhor dos 
estrumes” ou “príncipe das moscas”.33 No AT, o nome bã'al 
47
CAR.LSS AUGUS+© VAILA + +I
zebüb aparece, por exemplo, em 2 Rs 1. 2,3,6,16 para se referir 
a uma divindade da cidade fdistéia de Ecrom. Já no NT, o 
vocábulo Beelzeboid aparece em Mt 10.25; 12.24,27; Mc 3.22; 
Lc 11. 15,18,19. Neste contexto neotestamentário, Beelzeboid é 
visto como um dos nomes do próprio Satanás, embora haja 
quem entenda que o nome também possa se referir a algum 
“príncipe dos demônios” a ele subordinado.34
Cf. THAYER, Joseph Henry. GELNT, p.100. Cf. ainda: GESENIUS, H. 
W. F. GHCLOT, p.131.
35 Este verso aparece no contexto de 2 Co 6.14-7.1, passagem que, segundo 
Jean Pouilly, “diversos exegetas consideram como texto essênio inserido no 
corpus das epístolas por um judeu-cristão: o nome Beliar, conhecido em 
Qumrã - designação do Príncipe das Trevas - aparece somente aqui na 
literatura paulina”. (Cf. POUILLY, Jean. Qumrã. [Tradução de Benôni 
Lemos]. São Paulo, Edições Paulinas, 1992, p. 134).
36 TENNEY, Merril C. The Zondervan Pictorial Bible Dictionary. Grand 
Rapids, Zondervan Publishing House, 1963, p.104.
b) (beliya’ al) ou BeXtáX/BcXiáp Qbelial/beliar).
O nome beliya'al é um epíteto de escárnio e desprezo que 
aparece freqüentemente por toda a parte no AT, uma ou outra 
vez dessa forma, ou em sua variação associada “Filhos de 
Belial” (Dt 13.13; Jz 19.22; 20.13; 1 Sm 2.12; 10.27; 30.22; 1 
Rs 21.13 etc). O termo significava “irresponsável”, “sem lei”. A 
palavra também veio a ser usada como um sinônimo para 
“companheiro inútil” ou “imbecil”, um “inútil”. Já no NT, o 
apóstolo Paulo emprega o termo BrÀtáp uma vez (2 Co 6.15),35 
onde Belial aparece como contrário a Cristo, aproximando-se, 
deste modo, do status diabólico do Anticristo. Neste uso 
posterior, ele é freqüentemente empregado pelos escritores da 
Apocalíptica Judaica tanto para se referir a Satanás como ao 
Anticristo.36
48
SA + ANÁS, DEíTlêNieS E LEGIé
c) novripóç (ponerós). Essa expressão grega significa 
“malvado, mau, perverso, maligno, pecaminoso”. Porém, há 
alguns casos em que a palavra, ao ser precedida pelo artigo, “o 
Maligno”, faz alusão a Satanás. Isso pode ser visto, por 
exemplo, em Mt 6.13; 13.19,38; Jo 17.15; Ef 6.16; 2 Ts 3.3 etc. 
liste nome, sem dúvida alguma, ressalta o caráter perverso e 
corrupto de Satanás.
d) ó ápxcov toô KÓopoo toútou (ho árchõn toü kósmou 
loútou). O título “o príncipe deste mundo” aparece em Jo 12.31 
c 16.11. Em Jo 14.30 esse título aparece sem o pronome 
demonstrativo. Tal nomenclatura faz referência a Satanás como 
o governante maligno deste mundo, o qual exerce a sua função 
com ares de “chefe de estado”, juntamente com o seu “corpo 
governante”, os demônios.
e) áp/oma Tf|ç è^oootaç roí) áépoç (árchonta tês 
eksousías toü aéros). Esse título, “príncipe das potestades do ar” 
(Ef 2.2), também referente a Satanás, é curioso, pois nos mostra 
que em Efésios “os lugares celestiais” têm espaço não somente 
para Cristo e os crentes, mas também para os poderes hostis. Isto 
pode ser explicado sobre a base de uma compreensão do cosmos 
que vê os céus como 0 lugar da habitação de todo espírito que há 
no mundo. Tal ponto de vista é encontrado no AT em Jó 1.6ss e 
cm Dn 10.13,21; e no pensamento apocalíptico em passagens 
tais como 2 Macabeus 5.2; E em 1 Enoque LXI.10; XC.21,24. 
Enquanto o título anterior descreve Satanás como governante 
sobre a terra, este título o mostra como governante de um reino 
aéreo e, portanto, invisível, imperceptível aos olhos humanos.
*38
f) i|+úoTr)<; (pseústês). Em Jo 8.44 vemos que Satanás é 
chamado não somente de pseústês, “mentiroso”, mas também de 
TAMEZ, Elsa y FOULKES, Irene W. de. DCGENT, p. 146.
KITCHEN, Martin. Ephesians. [New Testament Readings]. London, 
Routledge, 1994, p.58.
49
CAR.L®S AUGUS+® VA1LA + + I
ó TTccrrip aÜToü (Ao patêr autoü), isto é, “o pai dela (da mentira)”. 
Tal título é absolutamente contrário àquele que é auto-atribuído 
por Jesus em Jo 14.6. Neste verso, Jesus diz: ’Eytó el|n...T] 
áÀfjOeia (Egõ eimi...hê alêtheia), “eu sou a verdade”. Tal título 
cristológico, alêtheia, se contrapõe em extremo ao adjetivo 
satânico pseústès.
g) tÒu ôpÚKoma, ó õcfuç ó áp%aToç (tòn drákonta, ho ófis 
ho archalos). Estes dois títulos, “o dragão, a antiga serpente”, 
referências óbvias ao Maligno, são encontrados em Ap 20.2 ao 
lado de dois outros nomes já citados, Diabo e Satanás. O nome 
“antiga serpente” é uma alusão clara a Gn 3.1-5ss, onde lemos 
sobre a tentação de Adão e Eva e a sua respectiva queda. É 
digno de nota que em Gn 3.13, quando Eva diz: “a serpente me 
enganou” (ARC), após ter sucumbido à tentação, a palavra 
“enganou” é derivada do verbo hebraico NÜ3 (nãshã’), 
“trapacear, enganar”. Tal verbo subentende a existência de um 
ser dotado de inteligência por trás da serpente, capaz de iludir e 
de enganar. Portanto, tal verbo não se refere ao mero ofídio do 
episódio da tentação, mas o transcende, apontando para aquele 
que o está manipulando como uma marionete nos bastidores, ou 
seja, Satanás. Além disso, deve ser observado também que a 
palavra (’êbâ) “inimizade” em Gn 3.15, onde aparece 
novamente ligada à serpente, pode ser traduzida como “intenção 
hostil”, sendo usada novamente em Nm 35.21 onde é aplicada a 
39
40
39 Neste momento, me vem à memória uma declaração bem humorada feita 
certa vez pelo pastor Atila Brandão de Oliveira em uma de suas pregações: 
“Deram tanta comida ao diabo que, no Antigo Testamento, ele é chamado de 
serpente, mas no Novo Testamento, ele cresceu tanto quejá é chamado de 
grande dragão”. Este adjetivo “grande” é tirado de Ap 12. 3,9. Além disso, é 
digno de nota o fato de o dragão ser visto como um ser mitológico sengundo 
as antigas concepções orientais.
40 HOLLADAY, William L. (ed.). CHALOT, p.248.
50
SA + ANÁS, D£ffi©NI®S E LEGIî
homens.41 Mais uma vez, seria insensato entender que tal 
vocábulo fosse aplicado para descrever a “intenção hostil” entre 
um animal e um ser humano. Tal termo alude ao ódio entre 
indivíduos, e não entre animal/homem. Neste caso, tal intenção 
hostil só pode proceder do Maligno.42
Idem, Ibidem, p. 12.
42 Robert Alter faz os seguintes comentários sobre o termo inimizade 
encontrado em Gn 3.15: “embora a serpente não seja de jeito nenhum 
‘satânica’, como nas lendas das tradições judaico-cristãs posteriores, a 
maldição registra um horror primitivo da humanidade diante deste ser 
rastejante, de olhar viscoso, e representante venenoso do reino animal. Este é 
o primeiro momento em que um rompimento entre o homem e o reino animal 
é registrado. Por trás dele pode-se encontrar, na longa distância da mediação 
cultural, os mitos cananitas de uma serpente marinha primordial”. (Cf. 
ALTER, Robert. Genesis: translation and commentary. New York, W. W. 
Norton & Company, Inc., 1996, p. 13.).
1.1.6. Satanás e os Demônios
Conforme já foi adiantado no início deste capítulo, 
apesar de os termos “Satanás” e “Diabo” não aparecerem no 
texto de Mc 5.1-20 e em seus paralelos, porém, o termo 
“Legião” pode subentender a existência de uma organização 
hierárquica. E, em se tratando de uma “legião demoníaca”, os 
demônios são aqueles que formam a base dessa “pirâmide”, em 
cujo topo se encontra Satanás, ou o Diabo. Por este motivo é que 
resolvemos inserir esse tópico no qual falaremos sobre o vínculo 
existente entre Satanás e os demônios.
Ora, ao ler as páginas do Antigo Testamento, ficamos 
simplesmente surpresos por ver que não há uma única referência 
feita à relação existente entre a personificação do mal conhecida 
como Satanás (o Diabo) e os demônios. Porém, na medida em 
que avançamos em nossa pesquisa, tal relação começa a adquirir 
contornos mais claros.
51
CAR.LSS AUGUS+© VAILA + + I
Ao consultarmos a literatura pseudepigráfica (V-I século 
a.C.), por exemplo, nos deparamos com alguns textos que 
descrevem a existência de um vínculo entre Satanás e os 
demônios. No livro da Ascensão de Isaías II, 2, lemos: “E 
Manassés não serviu ao Deus de seu pai e dedicou-se ao culto de 
Satanás, de seus anjos e de seus poderes”.43 Já I Enoque VI, 1-4 
nos fala sobre uma hierarquia espiritual de anjos caídos 
(demônios), na qual encontramos Semjaza (o demônio superior) 
e mais dezoito demônios subalternos.44 No Testamento de Levi 
XVIII, 4, encontramos escrito: “Ele [o sacerdote-messias] 
acorrentará Belial, e dará aos seus filhos o poder de enfrentar os 
espíritos maus”.45 No Testamento de Dã VI, 1, nos deparamos 
com o seguinte conselho: “Assim, meus filhos, temei o Senhor! 
E guardai-vos de Satã e dos seus espíritos!”.46 Finalmente, um 
dos textos que expressam o conceito de hierarquia, bem como, o 
vínculo existente entre Satanás e os demônios de maneira 
formidável, se encontra no livro dos Segredos de Enoque XXIX, 
2-4:
PR.OENÇA, Eduardo de. (org.). Apócrifos e Pseitdo-Epígrafos da Bíblia. 
[Tradução de Claudio J. A. Rodrigues], São Paulo, Fonte Editorial Ltda., 
2005, p. 132.
44 Idem, Ibidem, p.261.
45 Idem, Ibidem, p.349.
46 Idem, Ibidem,
47 Idem, Ibidem, p. 116.
(...) Satanail foi, com seus anjos, precipitado das alturas.
E um dos anjos, tendo saído de sua hierarquia c se 
desviado para uma hierarquia debaixo da sua, concebeu 
um pensamento impossível: colocar o seu trono acima 
das nuvens que se encontram sobre a terra, para que seu 
poder se igualasse ao meu.
Prccipitci-o do alto com seus anjos, e ele pôs-sc a voar 
por cima do abismo continuamcntc.47
52
SA+ANÁS, DEfflÔNieS E LEGIé
No Novo Testamento encontramos também algumas 
referências ao vínculo existente entre Satanás e os demônios. As 
seguintes expressões exemplificam tal fato: “Belzebú (...), 
príncipe dos demônios” (Mc 3.22ss); “o diabo e seus anjos” (Mt 
25.41); “(...) o Diabo, (...) Satanás (...), e os seus anjos” (Ap 
12.9). Além disso, o Diabo (Satanás) também aparece vinculado 
a certas ordens hierárquicas espirituais do mal no texto clássico 
de Ef 6.11,12.
Bem, creio que estes poucos exemplos extraídos 
respectivamente das literaturas pseudepigráfica e 
neotestamentária já são suficientes o bastante para nos mostrar 
que, a partir do período intertestamentário, Satanás e os 
demônios passam a ser associados. Além do mais, este primeiro 
começa a ser visto como chefe (líder hierárquico) dos últimos. 
Tal constatação é deveras importante para o nosso trabalho, 
como veremos mais adiante.
Assim, nós concluímos esta seção que buscou levantar 
algumas considerações referentes a Satanás. A seguir, 
consideraremos alguns aspectos que dizem respeito aos 
demônios.
1.2. Considerações Sobre os Demônios
1.2.1. Fatores que Complicam a Compreensão 
Demonológica
É um tanto quanto complicado falar sobre a identidade, a 
natureza e o papel dos demônios, sobretudo no Antigo 
Testamento, devido a, pelo menos, três fatores: a) terminologia; 
b) desenvolvimentos históricos; e c) questões teóricas.48 A 
maneira como estes fatores forem compreendidos, irá afetar a 
nossa concepção demonológica veterotestamentária como um 
todo. Portanto, vejamos estes itens um pouco mais de perto.
Sigo aqui o The Anchor Bible Dictionary. (Cf. FREEDMAN, David Noel 
(ed.). ABD. Vol.IL [D-G]. New York, Doubleday, 1992, pp.138,139).
53
CARL®S AUGUS + ® VAILA + + I
a) Terminologia
O uso do termo “demônio” principalmente no Antigo 
Testamento é problemático por duas razões principais: primeira, 
parece que não há um único termo no hebraico bíblico que possa 
ser consistentemente e inquestionavelmente traduzido como 
“demônio”. A ausência de tal ferramenta lingüística constitui-se, 
portanto, nosso primeiro obstáculo. Segunda, muitos termos 
usados como referência aos demônios são hapax legomena 
(termos que ocorrem uma única vez em um texto) ou aparecem 
somente em uns poucos exemplos. Ou seja, essa escassez de 
dados não nos permite muitas vezes a comparação e a correlação 
com outros textos bíblicos, o que muito dificulta a nossa 
compreensão demonológica.
b) Desenvolvimentos Históricos
O próprio Antigo Testamento carece de uma simples ou 
coerente apresentação dos demônios. Muitos estudiosos 
concordam que opiniões sobre os demônios no Antigo Israel se 
tornam cada vez mais complexas e negativas, contudo, eles 
diferem entre si sobre como isto aconteceu. Várias 
possibilidades têm sido sugeridas: 1) A crença geral em 
demônios como espíritos malignos independentes foi sempre 
parte da teologia israelita (particularmente no nível popular) a 
qual foi simplesmente desenvolvida em períodos posteriores. 2) 
A crença geral em demônios como espíritos ambivalentes ou 
aspectos de Deus era parte original da teologia de Israel que em 
tempos posteriores veio a separar os seres espirituais em “bons” 
espíritos (anjos) e “maus” espíritos (demônios) 49 3) A crença
Esta é também a opinião de Nelson Kilpp em um de seus artigos 
intitulado: Os Poderes Demoníacos no Antigo Testamento. Neste interessante 
artigo, ao falar sobre aquilo que ele chama de “os traços demoníacos de 
54
SA + ANÁS, DÊIT1©NI©S E LEGIî
geral em demônios como figuras malignas independentes foi um 
desenvolvimento tardio que surgiu quando se tomou 
teologicamente inaceitável apresentar os acontecimentos ruins 
do cotidiano como aspectos de Deus. 4) A crença geral em 
demônios refletida nos textos poéticos (deber, qeteb)5<} 
gradualmente diminuiu, enquanto a crença em outros tipos de 
demônios aumentou (as várias formas da figura de Satanás e as 
multidões de demônios e anjos malignos representados no 
período intertestamentário).
c) Questões Teóricas
Algumas questões tomam difícil a compreensão 
demonológicarelacionada ao Antigo Testamento. Dentre elas 
destacamos as seguintes: 1) Muitos dos estudos sobre os 
demônios no AT usam materiais comparativos, particularmente 
aqueles de outras culturas do Antigo Oriente Próximo. 
Evidências lingüísticas e arqueológicas têm provido ajuda no
Deus”, Kilpp analisa três textos: Gn 32.23-33 (Jacó luta com Deus nas 
proximidades do rio Jaboc), Ex 4.24-26 (Javé ataca Moisés e tenta matá-lo) e 
Ex 12.21-23 (Parte do relato sobre a origem da Páscoa) e os conclui com 
algumas observações espantosas. Ele identifica: a) o ser (Deus) que lutou 
com Jacó (Gn 32) com um espírito fluvial; b) aquele (Deus) que tentou matar 
Moisés no caminho (Ex 4) com um demônio do deserto e c) o misterioso ser 
(Deus) identificado como “exterminador” dos primogênitos (Ex 12) como um 
demônio destruidor. (Cf. GARMUS, Ludovico, (ed.). Diabo, Demônio e 
Poderes Satânicos. [Série Estudos Bíblicos]. Petrópolis, Editora Vozes, 2002, 
pp.25-27.). De acordo com G. Fohrer, “fenômenos misteriosos, medonhos e 
horrificantes foram incorporados à descrição do próprio Deus ou associados a 
um ser celestial ou espírito enviado por lahweh. Conseqüentemente, lahweh 
assumiu feições ‘demoníacas’ (...) - ou, mais exatamente, veio a aparecer 
numa luz irracional e numinosa - e o limite entre seres celestiais e demônios 
ficou obscurecido. Por isso, os demônios são raramente mencionados [no 
AT]”. (Cf. FOHRER, Georg. História da Religião de Israel. [Tradução de 
Josué Xavier], São Paulo, Ed. Academia Cristã Ltda / Paulus, 2006, p.228).
50 O vocábulo deber significa “pestilência, praga mortal, peste”; e qeteb 
quer dizer “destruição”.
55
CARLOS AUGUS + © VAILA + + I
esclarecimento de alguns aspectos do conhecimento 
veterotestamentário sobre os demônios. Contudo, estas 
evidências também levantam questões sobre o grau de 
comparação legítima possível entre culturas separadas pela 
língua, tempo, geografia e teologia. 2) Muito da linguagem 
sobre os demônios no AT e no Antigo Oriente Próximo aparece 
em materiais poéticos com referência a fenômenos naturais. Este 
contexto levanta a questão de como referências poéticas a 
fenômenos naturais podem ser interpretados - como referências 
literais aos fenômenos físicos, como simbolizações ou 
personificações poéticas, ou como referências aos reais 
demônios ou divindades. 3) A tradução em geral do intercâmbio 
dos termos com “demônios” é problemática. Isso ocorre porque 
as traduções em geral são influenciadas por muitos fatores: 
evidência filológica c tendência, teologia e decisões antecipadas 
com respeito a conhecimentos do termo “demônio” e as próprias 
formas de interpretar cada texto particular. 4) Identificações e 
conhecimentos dos demônios no AT são fortemente 
influenciados pelo contexto mais amplo dentro do qual os 
demônios são analisados: contextos passados têm incluído 
magia e bruxaria, religião “popular”, rituais oficiais 
apotropaicos, simbolismo poético e psicologia da religião.
Todavia, a despeito de todos estes “obstáculos” que 
aparecem à nossa frente, ainda assim, nos atrevemos a tentar 
compreender um pouco mais sobre este complexo mundo 
demonológico encontrado principalmente no AT. Aliás, já que 
introduzimos a problemática da complexa hermenêutica 
demonológica referente ao AT, mergulhemos agora um pouco 
mais fundo nesta questão.
1.2.2. Os Demônios no Antigo Testamento
Todo estudioso da Bíblia já deve ter notado a enorme 
escassez de referências aos demônios nas páginas do Antigo 
56
SA + ANÁS, DErtlÔNieS E LEGIî
Testamento51 52 e, conseqüentemente, deve ter observado também 
(ou não, devido à sua falta) maior escassez ainda quanto aos 
relatos de exorcismos. Sem querer ser irônico, me parece que 
tanto os demônios como também os próprios exorcismos foram, 
ambos, “exorcizados” das páginas do AT e banidos para bem 
longe. Aliás, esse fato me parece ser bastante óbvio, pois, não 
havendo demônios, como conseqüência lógica, não há também 
exorcismos a serem feitos. Ou seja, a inexistência da primeira 
cláusula já exclui automaticamente a segunda. Tal constatação 
me dá a impressão de que se Jesus vivesse no período do Antigo 
Testamento, o seu ministério taumatúrgico e, mais 
especificamente, sua atividade exorcística, se veriam em sérios 
apuros, pois ele não encontraria demônios para exorcizar, ou 
então, encontraria muito poucos deles. Entretanto, quando 
saltamos para as páginas do Novo Testamento e, mais 
precisamente, para os Evangelhos, percebemos que estes textos 
estão simplesmente impregnados de narrativas referentes aos 
demônios. No AT os demônios estão “escondidos”. Ali eles 
raramente “dão as caras”. Já no NT, sobretudo nos Evangelhos, 
temos que tomar muito cuidado, pois a cada capítulo, se não 
prestarmos a atenção, podemos “esbarrar” em muitos deles.
51 Segundo a Tradição Cabalística Judaica, os espíritos malignos tiveram a 
sua origem durante o Shahat, formando assim uma legião de demônios. (Cf. 
YOJAI, Simeón Bar. (Rabbi). El Zohar: el libro dei esplendor. [Traducción 
de Caries Giol]. Barcelona, Ediciones Obelisco, 2004, pp.97,98).
52 Esta expressão alemã quer dizer: “contexto de vida de Jesus”. (Cf. 
DEMOSS, Matthew S. Dicionário Gramatical do Grego do Novo 
Testamento. [Tradução de Paulo Sartor Jr.]. São Paulo, Editora Vida, 2004, 
p.160).
Como no próximo capítulo nos concentraremos na 
análise exegética de Mc 5.1-20, então, como preâmbulo 
necessário para efetuar tal análise dentro do Sitz im Leben 
Jesu,51 devemos antes situar a referida perícope dentro de seu 
contexto mais amplo. Isto quer dizer, em outras palavras, que 
devemos buscar entender as narrativas sobre demônios, 
57
CARLOS AUGUS + ® VAILA + +I
encontradas nos Evangelhos, a partir da sua fonte primária 
localizada no AT. Tal fonte nos fornecerá o pano de fundo que 
será a base para a nossa compreensão demonológica do NT, 
condição sine qua non para o nosso estudo. Seguindo esse 
roteiro, veremos a seguir as informações que o AT nos fornece 
sobre os demônios e, em seguida, com base nesses dados, 
veremos se o AT nos fornece também armas de defesa ou de 
proteção contra tais seres demoníacos. Em particular, nos 
interessará saber se os exorcismos faziam parte de tais 
mecanismos de defesa contra a presença ameaçadora dos 
demônios.
1.2.3. Identificando os Demônios53
53 Para obter mais informações sobre os demônios, tanto no AT quanto no 
NT, consulte: HAAG, Herbert. Breve Diccionario de la Bihlia. Barcelona, 
Editorial Herder, 1992, pp. 161-164. Veja ainda: BOURRAT, Marie Michèle 
y SÒUPA, Anne. Pero, Existe el Diablo? [Traducción de José Salgado]. 
Bilbao, Ediciones Mensajero, S.A., 1997.
Já foi dito anteriormente que não há um só termo no 
hebraico bíblico que possa ser inquestionavelmente traduzido 
por “demônio”. Contudo, isto não quer dizer que não existam 
outros termos hebraicos que possam ser utilizados como 
referências (ainda que indiretas) a ele. Baseado nisso, 
inventariamos logo abaixo uma relação de tais seres demoníacos 
encontrados nas páginas do AT, no intuito de aprofundarmos a 
nossa compreensão sobre este assunto:
a) Duas Categorias Gerais de Demônios
• Dntá (shêdim) Dt 32.17; SI 106.37. Segundo 
Unger, o significado etimológico deste termo não 
está muito bem estabelecido, mas ele acredita que o 
vocábulo seja derivado da raiz shudh “governar, ser 
58
SA + ANÁS, DEmêNieS E LEGIî
senhor”, como o árabe sala.54 Já Bauer entende que 
este nome deve ter alguma relação com o acádico 
shedu, “anjo protetor”.55 Porém, ao que tudo indica, 
a palavra shêd (singular de shèdim) tem ligação 
com o vocábulo babilônico shêdu, “demônio (bom 
ou mal)”.56 Talvez, este significado ambivalente do 
termo possa ser explicado como sendo resultado de 
uma teologia original mesopotâmica, a qual via os 
demônios como espíritos ambivalentes, dotados de 
traços positivos e negativos, os quais seriam um mero 
reflexo do comportamento bom ou mau dos seres 
humanos.
UNGER, Merril F. Biblical Demonology: a study of the spiritual forcesbehind the present world unrest. Wheaton, Scripture Press Publications, Inc., 
1973, p.59. Unger também escreveu outro livro sobre demonologia, o qual 
trata deste assunto nos dias atuais. (Cf. UNGER, Merrill F. Demons in the 
World Today. Wheaton, Tyndale House Publishers, Inc., 1988).
55 BAUER, Johannes B. Dicionário Biblico-Teológico. [Tradução de 
Fredericus Antonius Stein]. São Paulo, Edições Loyola, 2000, p.92.
56 HARRIS, R. Laird (org.). Dicionário Internacional de Teologia do Antigo 
Testamento. [Tradução de Márcio Loureiro Redondo, Luiz A.T. Sayão e 
Carlos Osvaldo C. Pinto], São Paulo, Vida Nova, 1998, p. 1527.
57 A BHS observa em nota marginal que o hebraico hase’irim é 
provavelmente a forma mais correta a ser utilizada no lugar de hase'arim, a 
forma como a expressão aparece em 2 Rs 23.8. (Cf. ELLIGER, K. & 
RUDOLPH, W. (eds.). Bíblia Hebraica Stuttgartensia. Stuttgart, Deutsche 
Bibelgesellschaft, 1997, p.667.).
• DTltôl (se'irim) Lv 17.7; Dt 32.2; 2 Rs 23.8;57 2 Cr 
11.15; Is 13.21; Is 34.14. Esse termo que, como o 
anterior, também aparece aqui em sua forma plural, 
se'irim, é derivado do hebraico sã'ir, “bode”. O 
vocábulo parece significar “demônio (cabeludo)”,
59
CARL®S AUGUS + ® VAILA + + I
SR(em forma de bode). De acordo com Unger, estes 
seres eram vistos inquestionavelmente como objetos 
de culto. Ele ainda argumenta que o fato da LXX 
traduzir se’irim por ôaip.óvia em Is 13.21 e 34.14 
prova que os Judeus de Alexandria consideravam tais 
seres como demônios mesmo.* 59
HOLLADAY, William L. (ed.). CHALOT, p.353. Cf. também: 
MCDANIEL, Ferris L. A Reader's Hebrew-English Lexicon of the Old 
Testament. Dallas, edited by author, 1975, p.14; LANDES, George M. SVBH, 
?927'
UNGER, Merril F. BD, p.60. Não é nosso propósito discutir nessa obra 
sobre a legitimidade ou não do uso do termo grego daimonia, por exemplo, 
como a tradução mais apropriada do hebraico se'irim. Contudo, creio ser 
proveitoso e oportuno citar aqui algumas observações encontradas no 
Dictionary of Deities and Demons in the Bible a esse respeito: “Durante o 
período intertestamentário e durante a ascensão da literatura judaica em 
grego, os termos daimon e daimonion começaram a assumir entre os judeus 
a conotação negativa de ‘demônio em aliança com o Diabo’. A inspiração 
para esta substituição no significado foi o encontro durante e após o Exílio 
com o dualismo zoroastriano. Esta cosmologia postulava dois campos 
espirituais guerreando, controlados por seus líderes, o deus zoroastriano e o 
diabo, e comandados por arcanjos e arquidemônios e suas graduações de 
espíritos inferiores. Eles brigavam a respeito da lealdade dos humanos, 
lealdade expressada nos comportamentos justos ou injustos e finalmente na 
vida eterna ou na destruição ardente. Os deuses antigos das nações e suas 
divindades serviçais, os espíritos inferiores da natureza e do cosmos, foram 
‘demonizados’, rebaixados à classe de espíritos maus, tentando humanos a 
pecar e seduzindo-os da verdadeira fé pelas falsas doutrinas de outras 
religiões. Eventual mente, porém, houve um fim, uma vitória de Deus, um 
salvador que conduz os poderes opostos à destruição, um Julgamento Final e 
uma Nova Era. Círculos dentro do judaísmo usaram esta estrutura para 
reavaliar antigos mitos e produziram após o Exílio as tensões dualísticas do 
judaísmo, visíveis na literatura pós-exílica e intertestamentária e também no 
Cristianismo”. (Cf. TOORN, Karel Van Der, BECKING, Bob & HORST, 
Pieter W. Van Der. (eds.). DDDB, p.238).
60
SA + ANÁS, DEmêNieS E LEGIé
b) Fenômenos Naturais com Traços Demoníacos
• "IXH (deber) SI 91.6; Os 13.14; Hab 3.5. O termo 
hebraico deber significa “praga, pestilência”. Este 
substantivo masculino refere-se a qualquer tipo de 
peste que resulte em morte e, com exceção de uns 
cinco casos, todos os usos deste vocábulo aludem à 
peste enviada por Deus como forma de castigo. 
Contudo, ao que tudo indica, nas referências acima 
citadas (com a possível exceção de Hab 3.5) a 
pestilência também é demonizada devido às suas 
graves conseqüências na vida dos seres humanos em 
geral.
60
61
• (qeteb) Dt 32.24; SI 91.6; Is 28.2; Os 13.14. O 
vocábulo qeteb significa basicamente “destruição”. 
Esse termo aparece, por exemplo, no curioso 
contexto do SI 91. Devido às referências a
62
63
LANDES, George M. SVBH, p.26.
61 HARRIS, R. Laird (org.). DITAT, p.399. Quanto a essa questão da 
pestilência ser enviada por Deus, Nelson Kilpp diz muito acertadamente que 
“no Antigo Testamento, o Deus de Israel exige ser adorado como Deus único. 
Esta exclusividade do Deus bíblico é responsável pela falta de um dualismo 
radical entre o bem e o mal e também pela inexistência de uma demonologia 
no Antigo Testamento. Sendo Javé único, ele se apresenta como um Deus 
ambivalente: ele causa o bem, mas também está na origem do mal”. (Cf. 
GARMUS, Ludovico, (ed.). Diabo, Demônio e Poderes Satânicos, p.25).
62 FREEDMAN, David Noel (ed.). ABD. Vol.II. [D-G], p. 139.
63 Roy Stewart comenta: “a afirmação de que o Salmo 91, especialmente os 
versos 5-7, faz referência específica aos demônios é provavelmente correta; a 
afirmação de que Moisés compôs o Salmo enquanto subia ao Monte Sinai, 
para protegê-lo de seus atormentadores demoníacos, certamente é incorreta”. 
61
CARL®S AUGUS + ® VAILA + +1
pestilências e doenças que estão presentes nesse 
texto, muitos comentaristas tratam todo o salmo 
como se fosse uma polêmica contra o uso de 
fórmulas mágicas usadas para repelir demônios. De 
fato, o Talmude sugere que o Salmo seja utilizado no 
caso de ataques demoníacos. E dentro deste contexto, 
o “tns (pahad layla), “terror noturno” 
(v.5), pode se referir ao demônio da noite, lilit, 
enquanto que a fü (hêts yci'up
yômãm), “seta que voa de dia” (v.5) pode descrever 
os ardis dos demônios perversos.64 A ? ^2X3 
"13*7 (deber bã’ôpel yahalôke), “peste que se 
propaga nas trevas” (v.6) pode ter afinidade com o 
demônio Nantar, enquanto que a □ ''“1712
(Cf. STEWART, Roy A. Rabbinic Theology: an introductory study. 
Edinburgh and London, Oliver and Boyd Ltd., 1961, p. 61).
64 Segundo Keel, “a ‘flecha voadora pelo dia’ pode aludir a uma das flechas 
transmissoras da enfermidade (cf. SI 38.3) de Reshef, deus da guerra e da 
peste. Aqui, o ‘senhor das flechas’ (...) fica reduzido à condição de demônio”. 
(Cf. KEEL, Othmar. La Iconografia dei Antiguo Oriente y el Antiguo 
Testamento. [Biblioteca de Ciências Bíblicas y Orientales], [Traducción de 
Andrés Piquer], Madrid, Editorial Trotta, S.A.,2007, p.81).
65 PFEIFFER, Charles F. & HARRISON, Everett F. The Wycliffe Bible 
Commentary. Chicago, Moody Press, 1987, p.529.
66 É curioso observar que semelhante uso do Salmo 91 também pode ser 
encontrado em larga escala em nossa religiosidade brasileira. Nela, o costume 
(qeteb yãshüd tsãhàrãyim), “destruição que ataca 
ao meio-dia” (v.6) pode se referir a um demônio de 
um só olho, também mencionado na tradição 
rabínica. Mesmo que estas idéias estivessem ausentes 
dos pensamentos do autor, elas faziam parte 
integrante do salmo em seu uso real entre os judeus.65 
Em outras palavras, o Salmo 91 é uma espécie de 
Manual de exorcismo da tradição rabínica judaica.66
62
SA+ANÁS, DEfflffiNlffiS E LEGIé
=■^7. (reshep) Dt 32.24; Jó 5.7; SI 76.4; SI 78.48; 
Hab 3.5. O vocábulo reshep significa 
“pestilência”.67 Mas, além disso, também pode ser 
traduzido como “chama, relâmpago, faísca”.68 É 
interessante observar como os pagãos, devido às suas 
crenças animistas, povoaram a realidade de espíritos. 
Por exemplo, o hebraico reshep, “pestilência”, 
parece ter relação com o ugarítico rshp, o “deus da 
pestilência”.69 Desta forma, o fenômeno da natureza 
foi demonizado neste último caso. Já em Jó 5.7 foi 
sugerido que o termo reshep que ali aparece, não se 
refere a faíscas literais, mas a Reshep, o deus da 
febre e das epidemias.70 Por fim, em uma inscrição 
bilíngüe da cidade de Idalião em Chipre, um príncipe 
chamado Ba‘alram erigiu uma imagem, cuja 
dedicatória emgrego era xcu ’ Akóà.Xcdvi tco’ ApvKXoi 
(tõ Apóllõni tõ Amykloí) e em fenício era
supersticioso de manter a Bíblia aberta no Salmo 91, funciona como uma 
espécie de “amuleto”, “patuá” ou “talismã”. Nesse contexto da nossa 
religiosidade sincrética, o Salmo 91 aparece exposto em muitas casas, 
hospitais, lojas e outros ramos do comércio como um instrumento de 
proteção contra o “olho gordo”, a “inveja” e outras coisas ruins que possam 
prejudicar as pessoas, incluindo os espíritos malignos.
67 HOLLADAY, William L. (ed.). CHALOT, p.347.
68 HARRIS, R. Laird (org.). DITAT, p.1460.
69 Idem, /ózó/cw, pp.788,789.
70 Idem, Ibidem, p.1460.
(Resheph de Amyklae). A inscrição dizia: 
“Este é um molde de ouro que Milkyaton, rei de 
Kitião e Idalião, filho de Ba‘alram, deu ao seu deus, 
Resheph de Mikal, em Idalião, no mês de Bul, no 
segundo ano de seu reinado sobre Kitião e Idalião, 
63
CAR.L®S AUGUS + ffi VAILA + + I
porque ele ouviu a sua voz: ele pôde abençoar (a 
ele)!”.71
DRIVER, S.R. A Critical and Exegetical Commentaiy on Deuteronomy. 
Edinburgh, T. & T. Clark Ltd., 1986, p.368.
72 LANDES, George M. SVBH, p.28.
73 O Testamento de Salomão 18.1,2 fala sobre demônios “com cabeças em 
forma de cachorros, ... [outros] em forma de humanos ou de touros ou de 
dragões com rostos de pássaros ou feras ou esfinge”. (Cf. Testamento de 
Salomão. Apud: TOORN, Karel Van Der, BECKING, Bob & HORST, Pieter 
W. Van Der. (eds.). DDDB, p.237.). Segundo o Dicionário Judaico de 
Lendas e Tradições, “demônios podem assumir forma animal, e o folclore 
judaico menciona fantásticas criaturas animais, tais como Behemot e Leviatã, 
cuja carne será comida no grande banquete dos dias messiânicos”. (Cf. 
UNTERMAN, Alan. Dicionário Judaico de Lendas e Tradições. [Tradução 
de Paulo Geiger]. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1992, p.26). É digno de 
nota que Ap 9.7ss fala sobre os gafanhotos (demoníacos) que saíram do 
abismo, os quais pareciam cavalos aparelhados para a guerra, tendo rostos
• ins (pahad layla) SI 91.5. Já foi dito que 
esta expressão que significa “terror noturno” pode ser 
uma referência ao demônio da noite, lilit. Porém, 
deve-se acrescentar ainda que os povos antigos de 
uma forma geral acabaram temendo a noite devido a 
fatos ruins que aconteciam durante o período 
noturno, tais como mortes e roubos, por exemplo (Ex 
12.30; SI 121.6; 1 Ts 5.2,5; 2 Pd 3.10a etc), e, por 
fim, acabaram por demonizá-la.
• “TJ3 (bãrãd) SI 78.48; Is 28.2. O vocábulo bãrãd 
significa “saraiva”. Certamente, o caráter destrutivo 
de tal fenômeno da natureza, visto principalmente no 
prejuízo causado às lavouras e ao gado, foi 
responsável por tê-lo transformado num aspecto 
demoníaco.
72
c) Animais com Feições Demoníacas 73
64
SA+ANÁS, D€ÍT1®NI®S £ LEGIî
fàlüqahf Pr 30.15. Aqui o termo 'ãlüqah 
faz referência à “sanguessuga” ou “sanguessuga de 
cavalo”. Tal verme era muitas vezes associado a 
vampiros demoníacos. Todavia, esse texto 
provavelmente está se referindo a algum tipo de 
parasita que se alimenta de sangue, sem uma relação 
clara com seres demoníacos.74
parecidos com rostos humanos, cabelos semelhantes ao de mulheres, dentes 
como os de leões e caudas semelhantes às dos escorpiões (Cf. Ap 9.1-11). Já 
Ap 16.13 (ARC) fala sobre “três espíritos imundos, semelhantes a rãs”. Pelo 
que podemos perceber, tais seres demoníacos eram muitas vezes vistos como 
seres compostos (híbridos), constituídos dos aspectos assustadores dos 
animais, incluindo, às vezes, rostos ou corpos humanos. Isto nos faz lembrar 
dos seres mitológicos, tais como o Minotauro (monstro que era em parte 
humano e em parte touro) ou os Centauros (que tinham a cabeça e o torso de 
homem, mas que da cintura para baixo eram cavalos). Todavia, não podemos 
afirmar com certeza se tais elementos da mitologia grega influenciaram a 
narrativa bíblica do Apocalipse ou não.
74 OROPEZA, B. J. 99 Perguntas Sobre Anjos, Demônios e Batalha 
Espiritual. [Tradução de Josué Ribeiro], São Paulo, Mundo Cristão, 2000, 
p. 192.
75 HOLLADAY, William L. (ed.). CHALOT, p.355.
76 SHERBOK, Dan Cohn. A Concise Encyclopedia of Judaism. Oxford, 
Oneworld Publications, 1998, p. 174.
77 FREEDMAN, David Noel (ed.). ABD. Vol.II. [D-G], p. 139.
• □’’EHfó (serãpim) Nm 21.6,8; Is 14.29; Is 30.6. O 
vocábulo serãpim significa “serpente abrasadora” 
ou “serpente alada”.75 De acordo com a A Concise 
Encyclopedia of Judaism, éerãp era uma criatura 
sobrenatural descrita como um homem alado ou uma 
figura semelhante a uma serpente.76 O The Anchor 
Bible Dictionary inclui estes seres na categoria de 
animais demoníacos.77 Já em Is 6.12 os serãpim são 
65
CARLOS AUGUS + © VA1LA + + 1
membros de uma corte celestial (de anjos) e ficam ao 
redor do trono divino.
• (tsiyyim) SI 72.9; 74.14; Is 13.21; 23.13; 
34.14; Jr 50.39. O termo 2 (tsi), forma singular de 
tsiyyim, parece também significar “demônio” 
(habitante de um lugar deserto). Bauer afirma que 
tais seres apresentam íntimas relações com o deserto
787980
78 HOLLADAY, William L. (ed.). Op.Cit., p.305.
79 BAUER, Johannes B. DBT, p.92.
80 FREEDMAN, David Noel (ed.). ABD, p. 139.
81 HOLLADAY, William L. (ed.). CHALOT, p. 138.
79e seus habitantes.
• □'ink (’õhim) Is 13.21. Embora esse termo que 
significa “criaturas uivantes” também seja incluído
OM
em uma categoria de animais demoníacos, contudo, 
é mais provável que a expressão se refira a animais 
tais como a hiena, e não a demônios em si.
• HÍIT nÍ23 (benõt ya'anah) Is 13.21. O termo 
significa “avestruzes”, mas é mais provável que a 
referência seja a uma espécie de coruja.81
• □’’"K (’iyyiní) Is 13.22. A palavra ’iyyim,“hienas”, é 
mais um exemplo de animal (carnívoro) que, 
provavelmente devido à sua característica como 
animal de rapina e devido aos seus assustadores 
uivos, acabou sendo demonizado.
• □’’Sfl (tannirrí) Is 13.22; 34.13. Os tannim, 
“chacais”, são os cachorros selvagens das regiões 
66
SA + ANÁS, DEffl®Nl®S E LEGIî
quentes do mundo antigo. Eles tinham o hábito de 
caçar de forma secreta, em pequenos bandos, à noite. 
Dentre os seus hábitos alimentares, destaca-se o fato 
de serem comedores de carniça.82 Conhecendo tais 
características, não é muito difícil imaginar porque 
tal animal também foi demonizado.
82 TENNEY, Merril C. (ed.). ZPBD, p.43.
83 MCDANIEL, Ferris L. RHELOT, p.42.
84 DAVIDSON, Benjamin. AHCL, p.418.
85 UNTERMAN, Alan. DJLT, p. 152.
86 FREEDMAN, David Noel (ed.). Qp.C/í., p.535.
• k* (liwyatan) Jó 3.8; Jó 41.1; Is 27.1. Talvez, 
entre os animais demoníacos, este e os dois 
seguintes, sejam aqueles sobre os quais haja maior 
consenso quanto ao fato de serem associados a 
demônios. Entretanto, de forma mais particular, o 
termo liwyãtãn, “leviatã”, significa “serpente”,83 ou 
pode ser traduzido ainda como “monstro-marinho”, 
“grande serpente” ou “crocodilo”.84 Seja como for, o 
fato é que de acordo com as lendas e tradições 
judaicas o Leviatã simboliza Samael, o príncipe do 
mal, o qual será destruído nos tempos futuros.85
Caza’zel) Lv 16.8,10,26. De uma forma 
geral, os estudiosos afirmam que o nome ‘âzã’zêl 
pode significar “abismo profundo, destruição, 
remoção completa” ou ainda “deus irado”.86 Todavia, 
além destes significados, 'ãzã/zêl pode ser traduzido 
também como “bode emissário” e ainda, conforme 
entenderam algumas versões antigas (dentre as quais, 
a LXX e a Vulgata), o “bode que se vai”, 
considerando tal termo como derivado de duas 
67
CARL®S AUGUS + ® VA1LA + +I
palavras hebraicas: fêz, “bode”, e 'ãzal, “virar-se”.87 
Este vocábulo pode fazer referência a um espírito 
maligno ou ao próprio diabo.88 A literatura judaica 
descreve ‘ãzã/zêl como o chefe dos demônios, que 
habita na terra, o qual foi banido para o deserto, e 
também o vê como o líder dos anjos caídos que 
encabeçaram a rebelião dos anjos de Gênesis 6 (1 En 
IX.4; Apocalipse de Abraão 14.5-7).89
87 HARRIS, R. Laird (org.). DITAT, p.1099.
1,8 Idem, Ibidem.
89 Para estas referências, veja: PROENÇA, Eduardo de. (org.). Apócrifos e 
Pseudo-Epigrafosda Bíblia. [Tradução de Claudio J. A. Rodrigues]. São 
Paulo, Fonte Editorial Ltda., 2005. É bem propício citarmos aqui a opinião da 
tradição judaica quanto ao significado do termo ‘ãzõ’zê/: “Destino do bode 
expiatório que carregava os pecados de Israel para o deserto no Yom Kippur 
(Lv 16). Dois bodes idênticos eram selecionados para o ritual. Um era 
escolhido, por sorteio, como oferenda a Deus, e o outro era enviado para 
Azazel, no deserto, para ser lançado de um penhasco. O sumo sacerdote 
recitava para o povo uma confissão de pecados sobre a cabeça do bode 
expiatório, e uma linha escarlate era enrolada, parte em volta de seus chifres, 
parte em volta de uma rocha no topo do penhasco. Quando o bode caía, a 
linha tomava-se branca, indicando que os pecados do povo haviam sido 
perdoados [...]. Embora a palavra Azazel possa se referir a um lugar, ou ao 
bode, também foi explicada como sendo o nome de um demônio. Os pecados 
de Israel estariam, pois, sendo devolvidos à sua fonte de impureza. Os 
cabalistas viam no bode um suborno às forças do mal, para que Satã não 
acusasse Israel e, ao contrário, falasse em sua defesa [...].”. (UNTERMAN, 
Alan. DJLT, p.38). Será que o episódio dos porcos que caem de um 
despenhadeiro ao mar (Cf. Mt 8.30-32; Mc 5.11-13; Lc 8.32,33) não pode ter 
sofrido alguma influência (por mais remota que seja) desta narrativa sobre o 
bode Azazel, o qual era lançado de um penhasco e que era considerado a 
origem de todo o pecado de acordo com a literatura judaica? Bem, esta é uma 
questão a ser pensada.
(lilit) Is 34.14. Incluí Lilite na categoria de 
animais demoníacos porque, na literatura judaica, ela
68
SA + ANÁS, DEm®NI©S Ê LÊGIé
é descrita como um pássaro.90 Aliás, para ser mais 
exato, lilit é um demônio feminino (ou uma 
“demônia”, se preferir) relacionado à vida sexual, 
que pode fazer referência também ao “pesadelo” ou à 
“coruja da floresta”.91 92 Já na literatura ugarítica, lilit 
recebe sacrifícios e é invocada em um hino, no qual 
ela é chamada de “a noiva de véu” e de “nossa 
senhora”. Segundo o folclore judaico, Lilite foi a 
primeira mulher de Adão e a rainha demônia da 
noite. Trata-se de uma personagem sedutora que 
possui cabelos compridos e que voa como uma 
coruja noturna visando atacar aqueles que dormem 
sozinhos, no intuito de ter fdhos demônios dos 
homens por meio de suas poluções noturnas, para 
roubar crianças e para fazer mal a bebês recém- 
nascidos. Se não conseguir consumir crianças 
humanas, ela come até mesmo sua própria prole 
demoníaca.93 Porém, é possível que esta que era vista
90 FREEDMAN, David Noel (ed.). ABD. Vol.It. [D-G],p.l39.
91 HOLLADAY, William L. (ed.). CHALOT, p. 176.
92 HARRIS, R. Laird (org.). DITAT, p.788.
93 UNTERMAN, Alan. DJLT, p. 153. Unterman ainda fornece quatro formas 
de proteger as crianças contra os ataques de Lilite: 1) pregar amuletos com as 
palavras “Adão e Eva excluindo Lilite” nas paredes da casa em que uma 
mulher se prepara para o nascimento de seu ftlho; 2) Colocar na porta do 
quarto das crianças os nomes dos três anjos (Sanvi, Sansanvi e Samangelaf) 
escritos sobre ela; 3) Cercar o quarto das crianças com um círculo de carvões 
ardentes; e 4) Bater de leve três vezes no nariz da criança pronunciando uma 
fórmula de proteção contra ela. (UNTERMAN, Alan. DJLT, p.154). É 
curioso mencionar aqui que, tal como acontece aos porcos de Mc 5.13 que 
veremos adiante, Lilite também é lançada ao mar (porém, pelo Senhor), local 
este que acaba se tornando a sua casa, conforme uma antiga lenda judaica. 
(Cf. GORION, M. J. Bin. As Lendas do Povo Judeu. [Tradução de Marianne 
Amsdorff, J. Guinsburg e Evelina Holander], São Paulo, Editora Perspectiva 
S.A., 1980, p.53). Para saber mais sobre Lilite, veja: HURWITZ, Siegmund. 
Lilith: a primeira Eva. [Tradução de Daniel Costa], São Paulo, Fonte 
69
CARL®S AUGUS + ® VA1LA + + I
como um demônio noturno fosse apenas um animal 
noturno, tal como um morcego ou uma coruja.
d) Seres Associados ao Mundo Subterrâneo
• FIIB (mãwet) Jó 18.13; 28.22; 38.17; Is 28.15, 18; Jr 
9.20 (9.21 em Português); Os 13.14; Hab 2.5. O 
vocábulo mãwet pode significar “morte, moribundo, 
Morte (personificada), o reino dos mortos”. A 
própria característica trágica deste terrível 
acontecimento da nossa existência (a morte), pode ter 
sido a responsável por enquadrá-la em uma categoria 
demoníaca.
94
• (debar beliya'al) SI 41.9 (41.8 em 
Português). Este vocábulo que é traduzido como 
“peste maligna” (ARA) pode ser situado também 
dentro da classe de Fenômenos Naturais com Traços 
Demoníacos (Veja item b, acima).
• HiH^a (melek ballãhôt) Jó 18.14. Tal 
expressão significa “rei dos terrores”. Ela aparece na 
fala de Bildade, um dos companheiros de Jó. A 
expressão ocorre num contexto em que Bildade 
descreve o fim dos homens perversos, dizendo que o 
paradeiro final de tais homens será cair nas mãos do 
rei dos terrores (cf. Jó 18.14, 21). Ao que tudo indica 
Editorial, 2006; MEYERS, Carol, CRAVEN, Toni & KRAEMER, Ross S. 
(eds.). Women in Scripture: a dictionary of named and unnamed women in 
the Hebrew Bible, the Apocryphal / Deuterocanonical books, and the New 
Testament. Grand Rapids / Cambridge, William B. Eerdmans Publishing 
Company, 2000, p.531.
94 HARRIS, R. Laird (org.). DITAT, p.820.
70
SA + ANÁS, DEfflÔNieS E LEGIî
este ser enigmático pode ser uma referência à morte 
(personificada aqui) ou a algum tipo de demônio que 
atormentará o homem perverso em sua vida pós- 
túmulo como castigo pelo tipo de vida que ele teve 
aqui na terra.95
75 Pfeiffer e Harrison entendem que o “rei dos terrores” seja uma referência à 
própria morte. (Cf. PFEIFFER, Charles F. & HARRISON, Everett F. WBC, 
p.475.).
96 FREEDMAN, David Noel (ed.). ABD. Vol.II. [D-G], p. 139.
97 BAUER, Johannes B. DBT, p.93.
78 As sete pragas mencionadas em Dt 28.22 também são consideradas como 
sete espíritos malignos. (Cf. FREEDMAN, David Noel (ed.). Op. Cit., p. 139). 
Driver explica que as primeiras quatro pragas serviam para afetar os seres 
humanos e as três últimas para prejudicar as colheitas. (Cf. DRIVER, S.R. A 
Criticai and Exegetical Commentary on Deuteronomy, p.3O8). Os 
“mensageiros de males” citados no SI 78.49 também são identificados como 
demônios. (Cf. MAYHUE, Richard L. False Prophets and the Deceiving 
Spirit. MSJ. Vol.4, n°2. Sun Valley, Master’s Seminary Press, 1993, p. 143).
• (r^pa’im) Jó 26.5; SI 88.11; Pr 2.18; 9.18; Is 
14.9; 26.14,19. Nem todos os intérpretes situam os 
r^pa’im, as “sombras da morte”, na categoria de 
seres malignos ou demônios assombrosos. Contudo, 
Bauer explica que devido à rejeição, no AT, do culto 
aos antepassados, tais “espíritos dos mortos” (como 
ele entende os T^pa’im) acabaram sendo 
demonizados.
96
97
e) Termos Adicionais98
• (hets) SI 91.5; Jó 6.4. Esta “seta” ou “flecha” 
provavelmente faz alusão a objetos pontiagudos que 
eram lançados entre rivais durante algum combate ou 
71
CARL©S AUGUS+® VAILA + +I
batalha, os quais acabaram adquirindo um aspecto 
demoníaco devido aos males que causavam nas 
pessoas atingidas. Ou talvez, tal palavra possa se 
referir a algum ataque demoníaco desferido contra 
alguém.
• (’èlilirrí) Lv 26.1; Is 19.3. O termo ’èlilim 
significa “deuses” (ídolos), “zero” (algo sem valor), 
“vãos”. Esse termo aparece na Bíblia para 
descrever objetos inúteis de adoração, tais como 
deuses e ídolos, por exemplo. Tal vocábulo, na LXX, 
nos mostrará claramente que houve um processo de 
demonização dos deuses pagãos.
99
• □’’ÉX (’ittiní) Is 19.3. Esse vocábulo, que está 
relacionado a algum tipo de ocultismo, é um hapax 
legomenon, ocorrendo somente em Is 19.3 no plural. 
O termo significa “encantadores, mágicos, 
adivinhadores”. A ligação dos ’ittim com questões 
demonológicas já é, por si só, evidente.
100
• nÍDk Çôbôt) Is 8.19. A palavra ’ôbôt quer dizer 
“espíritos dos mortos”. A ARC traduz o termo por 
“espíritos familiares”. Os “espíritos familiares” e 
adivinhos eram muito consultados naquela época, 
quandoas pessoas experimentavam momentos de 
declínio espiritual em sua fé em Yahweh. Assim 
como os espiritualistas hoje, eles pretendiam manter 
comunicação com os mortos. Tais ’ôbôt acabaram 
101
102
99 LANDES, George M. SVBH, p.39.
100 HARRIS, R. Laird (org.). DITAT, p.56.
101 HOLLADAY, William L. (ed.). CHALOT, p.6.
102 PFEIFFER, Charles F. & HARRISON, Everett F. WBC, p.619.
72
SA+ANÁS, DÊrtlêNieS £ LEGIî
também por adquirir características demoníacas no 
AT.
• ■’piH" (yidde'õni) 1 Sm 28.9; Is 19.3. Essa 
expressão quer dizer “espírito familiar, mágico, 
agoureiro, adivinho”.103 Todavia, tais significados 
possuem uma conotação ambígua. Não está muito 
claro se yidde'õni está descrevendo um espírito 
familiar ou um ser humano, no caso, um adivinho.
103 HARRIS, R. Laird (org.). DITAT, p.597.
Assim, nós concluímos este item que buscou identificar, 
senão todos, pelo menos a maior parte dos seres e figuras 
demoníacas ou que foram demonizadas no Antigo Testamento. 
A seguir, trataremos da figura do demônio dentro de suas 
concepções no período do Grego Clássico e na LXX, para que a 
partir de então possamos tratar de seu significado no período 
neotestamentário, uma vez que tais fontes literárias 
influenciaram de forma decisiva o significado e a compreensão 
do termo “demônio” no NT.
1.2.4. Os Demônios no Período do Grego Clássico
Antes de qualquer coisa, devemos lembrar que o período 
do Grego Clássico compreende a época que vai de 900 a.C. até 
cerca de 330 a.C. Neste período, havia vários termos que 
estavam associados com aquela figura que, mais tarde, seria 
conhecida como “demônio”, tal como concebemos o termo nos 
dias de hoje. Nesta época, uma característica animista sublinhou 
o conceito grego de õaípwv (daimõn). Tal traço persistiu entre 
os gregos. No período histórico especialmente, ele foi 
obviamente combatido pelos mais instruídos e principalmente 
pelos círculos filosóficos dos quais nós tiramos quase todo o 
nosso conhecimento de todos os níveis do pensamento grego. 
73
CARL©S AUGUS + ® VAILA + + I
Porém, mesmo estes círculos têm sido orientados por idéias 
populares e, assim, dão testemunho da opinião comum de que 
houve um desenvolvimento gradual no significado e na 
compreensão deste termo grego.104
104 KITTEL, Gerhard, (ed.). Theological Dictionary of the New Testament. 
[Translated and Edited by Geoffrey W. Bromiley]. Vol.II. [A-H]. Grand 
Rapids, WM. B. Eerdmans Publishing Company, 1999, p. 1.
105 Cf. LIDDELL, H. G. & SCOTT, R„ Sargovám, in: IGEL, p. 171.
De início, podemos dizer que o termo ôaíp.wu é usado 
tanto para se referir a divindades maiores quanto para 
divindades menores, além de ser usado também em um sentido 
filosófico. Por fim, opiniões animistas sublinham igualmente o 
uso posterior do termo, o que exige de nós atenção redobrada 
quanto a este assunto. Vejamos, a seguir, um breve histórico dos 
principais termos referentes ao “demônio” no Grego Clássico:
a) O verbo Saipovám (daimonáõ), “estar sob o poder de 
um ôaípwv (daímõny\ também é visto na expressão 
Ôaipovâv KdKÔtç (daimonân kakôisf “sofrer devido 
a uma divina visitação” e em Ésquilo (525-456 a.C.) 
o termo significa “estar mergulhado em desgraça 
enviada do céu”. No sentido absoluto de “estar 
possuído, estar louco”, o verbo pode ser encontrado 
nos escritos de Euripides (480-406 a.C.) e de 
Xenofonte (401 a.C.).105
b) Já o termo Saipóviov (daimónion), que significa 
“divindade” (Lat. numen) ou “divina operação”, 
aparece em Heródoto (484-408 a.C.) e no já citado 
Euripides. No sentido de “uma fatalidade” ocorre em 
Demóstenes (385-322 a.C.). E como “um ser divino 
inferior”, “um demônio”, é encontrado em Xenofonte 
e em Platão (427-347 a.C.). No NT tal vocábulo irá 
74
SA + ANÁS, DEm®NI©S E LEGIé
adquirir o significado de “demônio”, um “espírito 
maligno”.106
106 Cf. Idem., Saipóviov, in: IGEL, p. 171.
107 Em sua Teogonia, o poeta grego Hesíodo também emprega os termos 
ôaipóui (daimóni), “espírito” e Saípova 8iov (daímona díon), “nume 
divino”. (Cf. HESÍODO. Teogonia: a origem dos deuses. [Estudo e Tradução 
de Jaa Torrano]. São Paulo, Editora Iluminuras Ltda., 1995, pp. 142,160.).
108 Cf. LIDDELL, H. G. & SCOTT, R.., ôaipóvtoç, in: IGEL, pp. 171,172.
c) Quanto à palavra Socipóvioç (daimónios), cujo 
significado básico é “pertencer a um ôaípcov 
(íZazmõn)”, constatamos que a mesma é encontrada 
no vocativo Satpóvie (daimónie), Saipovíp 
(daimoníê), principalmente na forma de repreensão 
ou censura, significando, por exemplo: “seu infeliz!”, 
“seu maldito!”, “senhora!”; e, de forma mais rara, 
como forma de admiração: “nobre senhor!”, “homem 
excelente!”, em Hesíodo (85 0 a.C.?). O termo 
também ocorre exprimindo compaixão: Saipóvte 
àvôpcôv (daimónie andrõn), “pobre infeliz!”, em 
Heródoto. Em Aristófanes (444-380 a.C.) e 
também em Platão aparece de uma forma irônica: cS 
Satpcoví’ òcvSpov, (5 Saipcovi,’ co Socipóvi’ àvTpcórtcov (õ 
daimõni andron, õ daimõni, õ daimóni antrõpõri), 
“meu bom camarada! bom senhor!”. Além disso, em 
Heródoto e no Grego Âtico, a palavra também 
aparece referindo-se a “algo que procede da 
divindade, enviado do céu, divino, miraculoso”. 
Xenofonte fala sobre eí pf] ti ôatpóvtov ei (ei mê ti 
daimónion ei), se isto não é “uma intervenção 
divina”. Tucídides (423 a.C.) fala sobre xá Satpóvia 
(tá daimónia), as “visitações do céu”. Já Platão 
emprega o termo para se referir a pessoas, “divino, 
107
108
75
CAR-LffiS AUGUS + ® VA1LA + +I
excelente”. E Aristófanes emprega o vocábulo para 
significar “força divina”, “maravilhosamente”.109
Cf. LIDDELL, H. G. & SCOTT, R„ Satpóvtoç, in: /GEL, p. 172. Para 
obter um quadro geral do significado do termo Satgóvtoç no Grego Clássico, 
veja: FEYERABEND, Karl. Pocket Dictionary Classical Greek. [Classical 
Greek-English], Berlin, Langenscheidt KG, S.d., p.86.
110 Quanto ao significado etimológico de Sa'tpcnv, o ponto de vista mais 
comum é que seja derivado de daiomai, “dividir, repartir”. Ele pode estar 
conectado com a ideia do deus dos mortos como aquele que divide os 
cadáveres [talvez se referindo ao seu estado de decomposição]. (Cf. 
BROWN, Colin, (ed.). NIDNTT. Vol.l. [A-F], [Translated by Lothar Coenen, 
Erich Beyreuther and Hans Bietenhard]. Grand Rapids, Zondervan, 1986, 
p.450). Já Foerster afirma que a etimologia da palavra é incerta. Segundo ele, 
a raiz AAI [Soúopat] é fundamental, embora o sentido seja incerto. Contudo, 
Foerster, citando W. Porzig, diz que talvez este esteja correto em sugerir para 
o termo daimõn a ideia de “desfazer” ou “rasgar em pedaços”, e por essa 
razão, ele concebe o Saípcnv como “aquele que consome o corpo”. A 
conclusão de Foerster é que tal conceito pode certamente ser sustentado com 
uma base animista. (Cf. FOERSTER, W. Satpoiv, in KITTEL, Gerhard, 
(ed.). TDNT. Vol.II. [A- H], p.2).
d) Um dos significados do vocábulo ôaipcov 
(daímõn) é “divindade”. Com este sentido ele 
aparece, por exemplo, em Homero (Séc. IX ou VIII 
a.C.), upòç Saipova (pròs daímona), “contra a 
vontade da divindade” e em Heródoto (Séc. V a.C.), 
tt]v |iEyíoTT|v Saipova f|yevrai (tên megísten 
daímona hègentai), “[ísis] que eles consideram a 
maior divindade tutelar”. O termo também aparece 
para se referir a um “intermediário entre deuses e 
homens”, “demônio” e “gênio”. Ele também aparece 
assim, por exemplo, em Platão (Séc. IV a.C.), toíç 3è 
pépeaiv éKáoTOtç 0eòv f| Saípovoc f] kocí two. ppcua 
ánoSoTéov (toís dè méresin hekástois theòn ê 
daímona ê kaí tina hêrõa apodotéon), “é preciso 
110
76
SA+ANÁS, D£fflffiNI®S £ LEGIî
atribuir a cada parte um deus ou um gênio ou um 
herói”.111 Um terceiro significado que é dado ao 
termo é “alma de um morto tomada nume tutelar”. 
Assim aparece em Ésquilo (Séc. V a.C.), tòv §è 
Saípova Aapetov àYKaÀeioSe (tòn dè daímona 
Dareion ankaleísthé), “invocai Dario, nosso nume 
tutelar”. Em quarto lugar, o termo também chegou a 
significar “gênio benéfico ou maléfico”, “protetor (de 
um homem)”. Com tal sentido nós encontramos o 
termoem Aristófanes (Séc. V a.C.), [tqSéKOTE ttioip 
’ àya9oí> Saípovoç (mêdépote píoim agathoú 
daimonos), “que jamais eu beba em honra de teu 
protetor”. Em quinto lugar, o vocábulo também 
significava “lote de cada um”, “sorte”, “destino”. 
Mais uma vez citamos Aristófanes, Kocud Saípova 
Koà owTvxiav (katà daímona kai syntychían), 
“conforme o destino ou o acaso”. Finalmente, o 
Além disso, em Eutífron, Platão narra o diálogo entre Eutífron e Sócrates, 
sendo que num determinado momento, Eutífron fala para o grande filósofo 
sobre: “esse daímõn (Soctpcov) que tu dizes ouvir a todo o momento”. (Cf. 
1’LORIDO, Janice, (ed.). Platão. São Paulo, Editora Nova Cultural 
Ltda., 1999, p.36). Na sua Apologia de Sócrates, I, Platão relata as seguintes 
palavras de seu mestre: “[...] uma inspiração que me vem de um deus ou de 
um gênio [daimõri] [...] é uma voz que se produz e, quando se produz, sempre 
me desvia do que vou fazer, nunca me estimula. Ela é que me obstrui a 
atividade política”. (Cf. FLORIDO, Janice, (ed.). Sócrates. [Tradução de 
Enrico Corvisieri], Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. São 
Paulo, Editora Nova Cultural Ltda., 1999, p.59). Já Xenofonte, em seus Ditos 
<• Feitos Memoráveis de Sócrates, Livro I, diz que “corria a voz, ateada pelo 
próprio Sócrates, de que o inspirava um demônio [daimõn]”, e ainda: 
“Sócrates falava o que sentia, dizendo-se inspirado por um demônio 
\daimõn\. E de acordo com as revelações desse demônio [daimõn] 
aconselhava aos amigos o fazer certas coisas, o abster-se de outras. Só tinham 
a ganhar os que ouviam”. (Cf. FLORIDO, Janice, (ed.). Sócrates. [Tradução 
de Mirtes Coscodai], Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. São 
Paulo, Editora Nova Cultural Ltda., 1999, pp.79,80).
77
CARLOS AUGUS + ® VAILA + + I
termo aparece no NT, fazendo referência à “força 
sobrenatural do mal”, o “demônio”.112
Baseei todo o item no verbete Saípmv, in: MALHADAS, Daisi, 
DEZOTTI, Maria Celeste Consol in & NEVES, Maria Helena de Moura, 
(orgs.). DGP. Cotia, Ateliê Editorial, 2006, p. 194.
1 1 T
Cf. THAYER, Joseph Henry. Satpovi^opat, in: GELNT, p. 123.
114 Cf. LIDDELL, H. G. & SCOTT, R., SaipovíÇopai, in: IGEL, p. 171. Para 
obter uma interpretação tríplice sobre o significado da possessão demoníaca 
no Antigo Israel, consulte: WILSON, Robert R. Profecia e Sociedade no 
Antigo Israel. [Tradução de João Rezende Costa]. São Paulo, Targumim / 
Paulus, 2006, pp.53-64. Já para uma ampla discussão sobre a possibilidade de 
a possessão demoníaca ocorrer também em cristãos, veja: DICKASON, C. 
Fred. Demom Possession & the Christian. Wheaton, Crossway Books, 1993, 
pp.73-213 e também o artigo que escrevi a respeito, em: VAILATTI, Carlos 
Augusto. Cristãos Genuínos Podem Ser Possuídos por Demônios? São 
Paulo, Publicação do autor, 2010. Disponível na internet no seguinte 
endereço eletrônico:
http://www.artigocientifico.tebas.kinghost.net/artigos/?mnu=l&smnu=5&arti 
go=3320.
e) Por fim, passemos os nossos olhos brevemente sobre 
o vocábulo SaipovrÇopai {daimonízomai),“estar sob 
o poder de um demônio”. Ele ocorre com tal 
significado em Filemon, o cômico (330 a.C.); e 
referindo-se a alguém que é “insano” ou “demente”, 
aparece em Plutarco (45-125 d.C.). Embora esta 
concepção de daimonízomai em Plutarco esteja 
situada em uma época bem posterior à do Período do 
Grego Clássico (ele foi contemporâneo dos apóstolos 
Paulo e João, por exemplo), contudo, é importante 
citá-la aqui, pois se trata da opinião de um não- 
cristão sobre o vocábulo. Esta opinião é interessante, 
uma vez que na época do NT, daimonízomai já 
significava “estar possuído por um demônio ou 
espírito maligno”.
113
114
78
http://www.artigocientifico.tebas.kinghost.net/artigos/?mnu=l&smnu=5&arti
SA + ANÁS, DEmèNieS £ LEGIé
Bem, terminados estes breves, mas indispensáveis 
apontamentos, a respeito dos termos ligados direta ou 
mdiretamente à figura do “demônio” no período do Grego 
('lássico, vejamos agora a figura dos demônios na LXX.
1.2.5. Os Demônios na LXX115
Baseio-me em: RAHLFS, Alfred. Septuaginta. Stuttgart, Deutsche 
Bibelgesellschaft, 1979.
116 GRAYBILL, John B., Septuagint, in: TENNEY, Merril C. (ed.). ZPBD, 
p.771.
Uma vez que a LXX foi escrita aproximadamente entre o 
111 e o II Séculos a.C., logo, me parece ser bastante óbvio 
mencioná-la depois do período do Grego Clássico, o qual a 
antecede cronologicamente. Sabemos da tamanha influência que 
a LXX exerceu sobre os escritores do NT, pois, quando o NT 
cita o AT, como ele freqüentemente o faz, a forma da citação 
muitas vezes segue a LXX.116
Ao analisarmos essa tradução grega do AT, incluindo os 
livros apócrifos, nós poderemos encontrar mais de uma dezena 
de referências feitas aos demônios. Então, vejamos tais 
ocorrências seguindo a ordem seqüencial em que aparecem nos 
livros na Bíblia.
Em Dt 32.17, a LXX traduz o hebraico □’’’W (shêdim) 
pelo grego ÔccLgovíoiç (daimoníois), dizendo: “Sacrifícios 
ofereceram aos demônios, não a Deus [...]”. (ARA).
No livro apócrifo de Tobias, nós podemos encontrar 
referências ao termo “demônio”, pelo menos em duas ocasiões. 
Em Tb 3.8 lemos sobre: Ao|ioôauç to irovripòv’ ôatpóvtov 
(Asmodaus tòponêròn daimónion), isto é, “[...] Asmodeu, o pior 
dos demônios”. (BJ)', e Tb 6.8 fala a respeito de um ôaLpóinov tj 
TTVfôpa irouripóv (daimónion êpneüma ponêrón), ou seja, “[...] 
um demônio ou [...] um espírito mau [...]”. (BJ). Este último 
79
CARL©S AUGUS+® VAILA + +I
texto de Tobias nos será muito útil mais adiante, quando 
fizermos nossas considerações acerca dos exorcismos, pois ele 
está situado dentro do contexto de uma narrativa sobre uma 
prática exorcística.
No SI 90.6 (LXX), [SI 91.6 em nossas versões], a 
expressão ôctipovíou peoripppivoô (daimoníou mesêmbrinoú), 
“do demônio do meio-dia”, traduz o hebraico “1W^
□ÇOjp (qeteb yãshüd tsãhârãyim), “destruição que ataca ao 
meio-dia”. Embora já tenhamos citado esse verso anteriormente 
em seu contexto original hebraico e já tenhamos dito, inclusive, 
que tal “destruição que ataca ao meio-dia” possa se referir a um 
demônio de um só olho, o que chama a nossa atenção aqui é o 
fato da Septuaginta provavelmente estar demonizando um 
fenômeno natural, isto é, a LXX demoniza as altas temperaturas 
existentes nas regiões desérticas, em função do mal-estar que 
estas deveríam causar até mesmo em seus habitantes mais 
acostumados com esse tipo de clima.117
A meu ver, a expressão encontrada na LXX, “do demônio do meio-dia”, 
pode ser uma referência demonizadora feita ao clima quente. Sabe-se que há 
na Palestina uma corrente de ar seca e quente que procede do deserto da 
Arábia (leste), chamada siroco, que é tão quente e seca que, quando 
prevalece, queima toda a plantação. Além disso, no Vale do Jordão, ao 
mesmo tempo em que os termômetros marcam no inverno em média 25°, no 
verão eles podem marcar 45° à sombra. (Cf. RONIS, Osvaldo. Geografia 
Bíblica: contribuição para o estudo de geografia histórica das terras 
bíblicas. Rio de Janeiro, Juerp, 1999, p.61).
No SI 95.5 (LXX), [SI 96.5 em nossas versões], 
encontramos escrito: õrt irávreç oí 9eoi rcòv èQvwu ôat|j.óma ò 
ôè KÚpioç touç oúpavouç cttoÍt|O6v (hoti pántes hoi theoi tõn 
ethnõn daimónia, ho dè kyrios toüs ouranoüs epoíèseri), “porque 
todos os deuses dos povos [são] demônios, mas o Senhor fez os 
céus”. Aqui, a LXX traduz o termo hebraico (’élilim), 
“ídolos”, “vãos”, por õaipóuia {daimónia), “demônios”! Em 
outras palavras, os judeus de Alexandria, ao traduzirem este 
80
SA+ANÁS, DEffl®NI®S E LEGIî
trecho do Salmo para o grego, acabaram demonizando de uma 
Ibrma geral todas as divindades pagãs, isto é, toda forma de
118politeísmo!
No SI 105.37 (LXX), [SI 106.37 em nossas versões em 
português], o salmista declara: Kai. eOunav rouç uloòç aúrtôv' 
mu ràç QuyaTépaç aÓTWV tolç ôaipovíoiç (kai éthysan toüs 
huioüs autõn kai tàs thygatéras autõn tois daimoníois), “e 
sacrificaram os seus filhos e as suas filhas aos demônios”. Aqui 
a LXX traduz novamenteo vocábulo hebraico D* 1*W (shêdim) 
pelo grego õaipoiúoiç (daimoníois).
118 Acredito serem oportunas aqui as palavras de Keel: “o homem do Antigo 
Oriente Próximo, assim como o homem de qualquer época, tinha seus 
próprios inimigos totalmente particulares [Ou seja, os inimigos e as suas 
crenças eram demonizados]”. (Cf. KEEL, Othmar. La Iconografia dei 
Antiguo Oriente y el Antiguo Testamento. \BCBO\. [Traducción de Andrés 
Piquer], Madrid, Editorial Trotta, S.A.,2007, p.75).
1 19 A BJ segue o hebraico e traduz: “os bodes ali dançarão”. Já a ARC e a 
ARA seguem o significado mais mitologizado do vocábulo seirim, trazendo: 
“e os sátiros pularão ali”.
1"° Relembro aqui as palavras de Unger: “A tradução de seirim em ambas as 
passagens [i.e., Is 13.21 e 34.14] por daimónia é conclusiva de que os judeus 
de Alexandria consideraram-nos serem demônios”. (Cf. UNGER, Merril F. 
Biblical Demonology, p.60).
Em Is 13.21, a LXX traduz o termo hebraico DTiltS 
(se'irim) pelo grego ôaipóvia (daimónia), dizendo: Kai 
oaipónia (km òp/fiooiuai. (kai daimónia ekeí orchêsontai), “e 
os demônios ali dançarão”.119
Em Is 34.14, a LXX traduz mais uma vez o termo 
hebraico (sã’ir), “bode” (forma singular de se’irim, 
“bodes”) como ôatpóvLa (daimónia), “demônios”, na forma 
plural.120
No livro do profeta Isaías nós ainda encontramos mais 
duas referências aos demônios. A primeira delas, em Is 65.3, é 
particularmente enigmática, pois o verso diz: “povo que de 
81
CAR.L®S AUGUS+® VA1LA + +I
contínuo me irrita abertamente, sacrificando em jardins e 
queimando incenso sobre altares de tijolos” (X7L4). É 
interessante notar que tanto a ARA quanto a ARC concluem o 
verso com a palavra “tijolos” (o que também faz a BJ, mas 
utilizando a palavra “lajes” em vez de “tijolos”). Todavia, a 
LXX estranhamente dá continuidade ao verso, acrescentando 
ainda depois da palavra “tijolos”, a frase: tolç ôaqj.ovíoi,ç a ovk 
eoTLv (tois daimoníois, hà ouk éstin), ou seja, “aos demônios, 
que não são [existem]”! É curioso observar este acréscimo feito, 
o qual simplesmente desmoraliza e rebaixa a figura dos 
demônios, uma vez que eles “não são [existem]”. Já em Is 65.11, 
a LXX utiliza a palavra ôaíjiovt (daímoni), “demônio”, como 
tradução do vocábulo hebraico *13 (gad), “sorte”. Ao que tudo 
indica, Gade aqui deve ser uma divindade da sorte, cujo 
significado equivale ao da deusa grega Tique. O ritual descrito 
no verso onze é o lectisterium, ou seja, um rito segundo o qual a 
comida era espalhada diante da imagem da divindade.121
HAMILTON, Victor P„ gad, in: HARRIS, R. Laird (org.). DITAT, 
p.246. A BJ traz uma nota referente a este verso, segundo a qual Gad é 
apontado como o “deus arameu da fortuna”.
Por fim, queremos fazer duas últimas menções aos 
demônios na LXX. Elas aparecem no livro apócrifo de Baruque. 
Em Br 4.7, o autor faz os seguintes comentários referentes a 
Israel: “pois havíeis exasperado a quem vos fez [Deus] 
sacrificando a Saipovíoiç kcíl ou Qrcô (Jafrncwioís kai ou theõ) 
“demônios e não a Deus” (BJ). E em Br 4.35, o autor fala sobre 
a redenção de Jerusalém e a respeito do castigo que sobreviría 
sobre os povos e cidades que a oprimiram. Sobre estes últimos o 
texto diz: “pois um fogo lhe advirá da parte do Eterno por 
longos dias, e ela será habitada virò ôaqiovícov tòv trÀfíova 
Xpóvov (hypò daimoníõn tòn pleíõna chrónon) “por demônios 
durante muito tempo” (BJ).
82
SA + ANÁS, DEfTl©NI®S E LEGIé
Assim, concluímos a nossa abordagem feita sobre os 
demônios na LXX, e, em vista do que dissemos acima, cinco 
observações são importantes. Primeira, a LXX sempre traduz o 
vocábulo shêdim por daimoníois (cf. Dt 32.17; SI 105.37 
| LXX]). Segunda, a LXX é a única a fazer uma referência a um 
daimónion dentro de um contexto que descreve um ritual de 
exorcismo nos apócrifos (cf. Tb 6.8). Terceira, a LXX parece 
demonizar o sol quente da Palestina (cf. SI 90.6 [LXX]; 
compare com o SI 121.6a: “De dia não te molestará o sol [...]”, o 
qual é seguido pelo v.7a, que diz: “O Senhor te guardará de todo 
D"J (rãr) mar [+Í7M]). Quarta, a LXX demoniza claramente 
todos os deuses pagãos (cf. SI 95.5 [LXX]; Is 65.11). E a quinta 
e mais surpreendente de todas as observações, a LXX acrescenta 
uma referência aos demônios, onde o texto hebraico 
simplesmente não diz nada a esse respeito (Is 65.3)! Em suma, 
a LXX, por meio de sua leitura e conseqüente tradução 
tendenciosamente demonológicas, contribuiu signifícativamente 
para a criação de uma base sólida intertestamentária para a fértil 
crença demonológica que surgirá no período do NT.
A seguir, falaremos sobre a crença em demônios no I 
século d.C.
1.2.6. Os Demônios no I Século d.C.
O I século d.C. é especialmente relevante para a nossa 
pesquisa a respeito dos demônios, pois é dentro desse período 
que os acontecimentos narrados em Mc 5.1-20 se descortinam. 
Ou melhor ainda, é dentro desse período também que toda a 
atividade exorcística de Jesus, como relatada principalmente nos 
sinóticos, se desenvolve. Portanto, é absolutamente 
indispensável que tracemos aqui o perfil da crença 
demonológica desta época, a fim de que obtenhamos êxito em 
nossa compreensão posterior da citada passagem marcana.
83
CARL©S AUGUS + ® VAILA + +I
E para que alcancemos o nosso objetivo, nos valeremos de 
algumas citações demonológicas encontradas em duas 
personagens da história antiga em particular: Filo, de Alexandria 
e Flávio Josefo. Em seguida, veremos tais menções no próprio 
Novo Testamento.
a) Filo, o Judeu (c. 20 a.C. - 42 d.C.)122
122 Filo foi um “filósofo judeu que misturou o pensamento 
veterotestamentário com o estoicismo e o platonismo gregos. Muito da 
primitiva pregação da Bíblia foi influenciada por sua obra”. (Cf. 
ERICKSON, Millard J. Conciso Dicionário de Teologia Cristã. [Tradução de 
Darci Dusilek e Arsenio Firmino de Novaes Netto], Rio de Janeiro, Juerp, 
1995, p.69).
123 PIKE, Edgar Royston. Diccionario de Religiones. [Adaptación de Elsa 
Cecilia Frost], México, Fondo de Cultura Econômica, 2001, p. 190.
124 KITTEL, Gerhard, (ed.). TDNT. Vol.II. [A- H], p.9.
Filo cria em um Deus que é Espírito puro e em uma 
multidão de forças divinas, demônios ou anjos, os quais 
cumprem as suas ordens.123 Todavia, esta conjunção indicativa 
de incerteza, “ou” (anjos ou demônios), é que particularmente 
nos interessa.
A demonologia de Filo é caracterizada pelo fato de que 
ele considera todo o cosmos como tendo espíritos. Ele designa o 
ar como a residência dos Saípoveç (daímones), “demônios”. 
Para ele, anjos e demônios são seres do mesmo caráter, ainda 
que somente alguns, à distância do que é terrestre, sejam usados 
por Deus como mensageiros, enquanto que outros se tornam 
homens de diferentes classes. Assim, Filo descansa na tradição 
helenística, compartilhando sua terminologia como contrária à 
bíblica e igualando anjos e demônios.124
Filo emprega o vocábulo Socípcov {daimõn), “demônio”, 
em vários contextos. Mencionaremos aqui apenas alguns. Ele 
utiliza o termo, por exemplo, com o significado de “destino” e 
84
SA + ANÁS, DEfflfBNlffiS £ LEGIî
também usa a palavra para se referir a um “espírito protetor”, ou 
àyaOon Saípovoç (agathoú daímonos), “do bom demônio”. 
Além disso, o termo ainda era usado por ele para se referir a 
“divindades menores”, Saípovocç ÈvoAíovç (daimonas enalíous), 
“demônios dos mares”. Por fim, os manes de uma esposa 
assassinada também são chamados ôaípoveç (daímones), 
“demônios”.123 * 125
123 KITTEL, Gerhard, (ed.). TDNT. Vol.II. [A-H], p.9. De acordo com 
Antônio Geraldo da Cunha, os manes eram as “almas dos mortos, divindades
infernais que os romanos invocavam sobre as sepulturas”. A palavra é uma 
substantivação da palavra latina manis, “bom, benévolo, favorável”. (Cf. 
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da
Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira S/A, 1982, 
p.495).
126 CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e 
Filosofia. [Tradução de João Marques Bentes].Vol. 2. [D-G]. São Paulo, 
Editora Hagnos, 2001, p.766.
127 Baseio-me aqui principalmente no artigo “Sottpcov in Josephus and Philo” 
de FOERSTER, W. in: KITTEL, Gerhard, (ed.). TDNT. Vol.II. [A-H], p.10.
Em vista do que escrevemos nestas poucas linhas acima, 
nos parece, de fato, que Filo procurou combinar a erudição 
filosófica com a fé dos hebreus.126 No entanto, tal amálgama 
resultou numa espécie de ambivalência demonológica, na qual 
anjos e demônios são vistos como pares.
Vejamos, porém, o que outra importante personagem do
I século d.C., ou seja, Josefo, tem a nos dizer sobre o assunto.
b) Flávio Josefo (c. 37-100 d.C.)127
85
CARLOS AUGUS + © VAILA + + I
Flávio Josefo,128 assim como Filo, também se move no 
mundo dos costumes e das concepções helenísticas, mas com 
uma impressionante exceção. Para ele, o adjetivo Satpóvioç 
(daimónios) significa “terrível”. Ele fala, por exemplo, sobre um 
cmpcjiopà Soapóvtoç (symphorà daimónios), “terrível acidente” 
(terremoto), em Guerras Judaicas, I, 373. Somente em relação a 
Saul, Josefo fala de um Ôatpóvtov Kveôpa {daimónion pneúma), 
“espírito terrível”, em Antiguidades Judaicas VI, 214, 
aproximando-se assim do costume dos Rabis da Palestina. Tò 
Saipóviov (Tò daimónion) é usado geralmente para se referir ao 
“divino” em Contra Ápio, II, 263 e Guerras Judaicas, 1, 69. 
Aocípcov (Daimõn) pode ser usado para uma “desgraça 
individual” em Vida, 402, e para “destino” em Guerras 
Judaicas, I, 628. Aaípoveç (Daímones) são “espíritos dos 
mortos”, e certamente dos santos mortos, em Guerras judaicas, 
VI, 47 - um discurso de Tito a seus soldados. Eles são também 
os espíritos dos mortos que procuram vingança, em 
Antiguidades Judaicas, XIII, 317. A concepção romana dos 
manes é emprestada, assim como em Filo com sua referência 
aos SocíipovEç (daímones), de um só indivíduo, em Antiguidades 
Judaicas, XIII, 416. Aaípcov (Daimõn) é usado para o espírito 
protetor cm Antiguidades Judaicas, XVI, 210. Somente uma vez 
Josefo chama os demônios de Satpoveç (daímones), em 
Antiguidades Judaicas, VIII, 45; em outro lugar eles são 
chamados sempre Satpóvta (daimónia). Josefo menciona 
demônios no discurso da depressão de Saul, que ele atribui aos 
Socipóviot (daimónia'), Antiguidades Judaicas, VI, 166,168 e 
211. Josefo também os menciona em relação ao poder mágico 
de Salomão, com o qual amarra os demônios que têm a sua 
128 Flavio Josefo é o seu nome latino (Flavius Josephus). Seu verdadeiro 
nome (judaico) era Yoseph ben Mattityahu. (Cf. FITTIPALDI, Mário, (ed.). 
Seleções de Flávio Josefo. [Tradução de Vicente Pedroso]. São Paulo, 
Edameris, 1974, p.7).
86
SA + ANÁS, DEFT1©NI©S E LEGIé
habitação nos homens e os expulsa, Antiguidades Judaicas, 
VIII, 45-48.
Em todo caso, porém, Josefo é impressionantemente 
coerente em chamar os espíritos malignos ôatpóvta (daimónia), 
embora ele use ôatpcov (daímõn) no sentido helenístico.
c) O Novo Testamento
No NT o vocábulo Saípcov (daímõn) ocorre somente em 
Mt 8.31, e no plural, SaípovEç (daímones), “demônios”, no 
contexto da passagem sobre os endemoninhados gadarenos.129 
Por outro lado, nós encontramos constantemente o termo 
Ôoapóviov (daimónion), o qual é relatado sessenta e três vezes ao 
todo na literatura neotestamentária.130 A grande maioria destas 
referências (53) se encontra nos Evangelhos: Mateus (11), 
Marcos (13), Lucas (23), João (6). As outras dez referências 
estão distribuídas entre Atos (1), 1 Coríntios (4), 1 Timóteo (1), 
Tiago (1) e Apocalipse (3).131 Esses dados são muito 
importantes, pois através deles ficamos sabendo que pouco mais 
de 84% das ocorrências do termo daimónion no NT estão 
concentradas apenas nos Evangelhos. Enquanto que nos 
Evangelhos parece haver uma verdadeira epidemia 
demonológica generalizada (através das várias possessões 
Aparentemente, os judeus evitaram usar o termo Saípcov porque ele 
estava associado muito proximamente com os “elementos religiosos 
positivos” dos pagãos. (Cf. SMITH, Charles R. The New Testament Doctrine 
of Demons. GJ. Vol. 10, n°2. Winona Lake. Grace Theological Seminary 
Press, 1969, p.26).
130 BIETENHARD, H„ Satpóvtov, in: BROWN, Colin, (ed.). NIDNTT. 
Vol.l.[A-F], p.452.
131 Cf. Satpóvtov, in: BALZ, Horst & SCHNEIDER, Gerhard, (eds.). 
Diccionario Exegético del Nuevo Testamento. Vol.l. [cc-k], [Traducción de 
Constantino Ruiz-Garrido]. Salamanca, Ediciones Slgueme, 2005, p.815.
87
CARL©S AUGUS+® VAILA + + I
demoníacas, exorcismos e curas de doenças atribuídas a 
demônios), a qual se alastra por cada uma de suas páginas, no 
restante do NT, contudo, tal epidemia é “minimizada” e 
“controlada”. Isto quer dizer que, se quisermos compreender a 
demonologia neotestamentária de forma mais profunda, temos 
que nos deter no estudo dos Evangelhos, onde a proliferação 
demoníaca ocorre em larga escala.
Além disso, é relevante mencionar que em todo o Novo 
Testamento se fala do demônio, sob os seus mais variados 
nomes, cerca de 511 vezes.132 Isto nos dá uma idéia da 
importância que o tema tem para o NT, contrastando claramente 
com o que ocorre no AT. Sendo assim, simplesmente dizer que 
o assunto “demônio” é algo periférico na fé cristã não é correto. 
Seria mais adequado dizer que não é o tema central, mas uma 
verdade, mesmo não sendo central, pode ser essencial.133
132 x t r f .SAYES, José Antônio. El Demonio, Realidad o Mito? Madrid, San 
Pablo, 1997, p.48.
I 33 Idem, Ibidem, p. 168.
134 BALZ, Horst & SCHNEIDER, Gerhard, (eds.). DENT. Vol.l. [oc-k],
p.816.
Além do termo Saiqóviov {daimónion), encontramos 
também algumas expressões sinônimas, dentre as quais 
destacamos uveuga {pneúma), “espírito” (especialmente, 
riveopa àKá0apxov [pneúma akátharton], “espírito impuro” e 
nvebpa Ttoi/qpóv [pneúma ponerón], “espírito maligno”) e ainda 
áyyeXoç (toô ôiocpóÀoü), ángelos {toü diahólou), “anjo (do 
diabo)” que ocorre com menor freqüência.134 *
Diferentemente do que vimos até agora, aos poucos, 
vemos delineada uma nova figura do demônio no Novo 
Testamento, bem distinta daquela desenhada, por exemplo, 
durante o Período do Grego Clássico. No NT, o demônio já 
adquire um caráter essencialmente maligno. Aliás, como bem 
escreveu Van Der Loos: “Gradualmente o abismo entre
88
SA + ANÁS, DEm©Nl©S E LEGIî
divindade e demônio foi-se alargando. O Judaísmo, o 
Cristianismo e o Islã só vêem no demônio uma força inimiga de 
Deus e do homem. Da mesma maneira que o anjo, como espírito 
bom, pertence ao reino da luz, ao Reino de Deus; o demônio
'135 pertence ao reino da escuridão, ao reino de Satanás”.
Não é nossa intenção fazer aqui um inventário detalhado 
de todas as passagens neotestamentárias que fazem alusão ao(s) 
demônio(s), contudo, iremos vê-las, como um todo, em blocos, 
como segue: 1) Nos Sinóticos e em Atos; 2) No Corpus 
Paulinum; 3) Nos Escritos Joaninos; e 4) Nas Epístolas Gerais 
(excluindo-se as três epístolas de João).
1) Nos Sinóticos e em Atos *137
LOOS, H. Van Der. 7%e Miracles of Jesus, in: Novum Testamentum, 
Suplementos, Tomo IX, Leiden, Brill, 1965, p. 341. Apud: QUEVEDO, 
Oscar G. Antes que os Demônios Voltem. São Paulo, Edições Loyola, 1997, 
pp. 266,267.
Para obter outras informações sobre a atividade demoníaca no NT, veja: 
RUANO, Argimiro. La Carne de Jesús: el mistério de su encarnación. 
Burgos, Editorial Monte Carmelo, 2003, pp. 163-167.
137 Incluí Atos neste bloco pelo fato de sua autoria ser tradicionalmente 
atribuída a Lucas. Sendo assim, como Atos é visto como o segundo volume 
da obra “Lucas-Atos”, é natural inserí-lo neste conjunto.
Tais itens são baseados parcialmente no verbete Satpóvtov, in: BALZ, 
Horst & SCHNEIDER, Gerhard, (eds.j. DENT. Vol.l. [a- k], pp.817-822.
1 39 Como declarou Michael Brown com muita propriedade: “O ministério de 
cura de Jesus está intrinsecamente ligado ao ministério de libertação dos 
89
A partir de uma leitura dos Evangelhos sinóticos, nós 
podemos fazer, dentre outras, as seguintes constatações 
demonológicas em seu caráter geral:138 1) Os inúmeros 
testemunhossobre o Satpóvtov (daimónion) se encontram, em 
grande parte, nos relatos acerca das curas miraculosas realizadas 
por Jesus (p.ex., Mc 1.23-28; 3. 23-27; 9.14-29; Lc 4. 40,41; Mt 
9.32-34);139 2) O termo Satpóvtov (daimónion) é empregado no
CARL®S AUGUS + ffi VAILA + +1
lugar de Tiveôqa (pneúma) algumas vezes e, mais 
freqüentemente, no lugar de nvevpa àKá0apxov (pneúma 
akáthartori) (cf. Mc 7.25,30; Lc 10. 17, 20); 3) É inquestionável 
o fato de que o Jesus histórico atuou como médico e exorcista 
itinerante. Assim como seus contemporâneos, ele atribuía a 
demônios a causa das enfermidades do corpo e da mente. Logo, 
a cura consiste na expulsão do(s) intruso(s) (cf. Mt 12.43-45; 
Mc 7.26; Lc 11.14); 4) Através dos métodos exorcísticos da 
medicina antiga, Jesus cura diversos tipos de enfermidades (Lc 
7.21; Mc 9.14-29; Lc 13.10-17); 5) As expulsões de demônios e 
as curas de várias doenças são vistas como a mesma coisa para o 
homem daquela época (Mc 1.32-34); 6) Embora apresentem, em 
geral, uma certa resistência no início, os demônios têm que 
ceder diante do comando de expulsão ordenado por Jesus (Mc 
1.24s; Mc 5.7); 7) As esperanças escatológicas do judaísmo 
antigo se cumprem na vitória de Jesus sobre os demônios (Mc 
3.27; Lc 13.32; Mc 9.38-40); 8) Jesus reconhece a legitimidade 
dos exorcistas judeus e chega até mesmo a permitir que um 
estranho expulse demônios em seu nome (Mt 12.27; Lc 9.49s); 
9) O cristianismo primitivo atribui seus exorcismos de efeito 
curativo à capacidade concedida por Jesus aos seus discípulos 
para expulsar demônios (Mt 10.1; Mc 13.14,15); 10) Os 
demônios são concebidos como seres pessoais (Mc 1.24,34; 
3.11; 5.7); 11) Certos comportamentos anormais são atribuídos à 
ação direta dos demônios sobre o indivíduo possuído (Mc 1.26; 
Lc 8.29); 12) Nos Evangelhos sinóticos é comum encontrar a 
confissão de fé na vitória escatológica de Jesus sobre o universo 
demoníaco (Mt 25.41; 28.18 etc).
Já o livro de Atos emprega uma única vez o vocábulo 
Satpóviov (daimónion), no episódio em que os atenienses que
demônios, e as doenças estão freqüentemente associadas com o poder 
satânico nos Evangelhos”. (Cf. BROWN, Michael L. Israel 's Divine Healer. 
Grand Rapids, Zondervan Publishing House, 1995, p.227). 
90
SA+ANÁS, DEméNieS Ê LEGIî
escutam a Paulo e o vêem como um kocijocyyeáeòç140 
(katangeleüs) “pregador” de estranhos Saipovícov (daimoníõrí) 
“deuses” ou “divindades” (At 17.18). Nesta passagem, o termo 
aparece sem conotações negativas (cf., porém, 1 Co 10.20s), 
referindo-se a uma divindade pagã. Aliás, quando Paulo chama 
aos atenienses SeioiôaipovéaTspot (deisidaimonésteroí), ele 
está, na realidade, elogiando sua “religiosidade” (At 17.22; cf. 
At 25.19, SeioiSatpovia [deisidaimonía\, “religião”).
|
Essa expressão é um hapax legomenon, ocorrendo somente aqui em todo 
o Novo Testamento.
141 BALZ, Horst & SCHNEIDER, Gerhard, (eds.). DENT. Vol.l. [oc-k], 
p.822.
Estes itens acima catalogados, embora não reflitam todas 
as nuanças demonológicas encontradas nos sinóticos e em Atos, 
nos dão, contudo, a dimensão da importância da figura do 
demônio nestes livros.
2) No Corpus Paulinum
O apóstolo Paulo emprega o termo Satpóvtov 
(daimónion) em apenas uma única passagem, mas o menciona 
quatro vezes (cf. 1 Co 10.20,21). Para Paulo não é apenas o 
gentil que oferece sacrifícios aos ôatpoviotç (daimoníois) (1 Co 
10.20), ou seja, aos seus deuses (cf. Dt 32.17), mas também o 
cristão que participa dos banquetes cultuais pagãos, se entrega à 
esfera dos Satpovícov (daimoníõn), isto é, aos deuses dos gentios 
(1 Co 10.21).141
Segundo Bultmann, algumas expressões encontradas nos 
escritos paulinos, tais como, “principados, potestades, 
dominações, príncipes deste mundo, deus deste século etc” (Rm 
8.38; Cl 1.16; 1 Co 2.6; 2 Co 4.4) são termos mitológicos 
derivados do gnosticismo. E ele ainda completa, dizendo que
91
CARL©S AUGUS + ffi VAILA + +I
não há razão para duvidar que os cristãos primitivos 
reconheceram estas forças como seres demoníacos reais.142
BULTMANN, Rudolf. Primitive Christianity: in its contemporary 
setting. [Translated by R. H. Fuller], New York, Living Age Books, 1959, 
p.190. Segundo Richardson, “os pregadores cristãos encontraram no mundo 
grego a crença numa variedade de legómenoi theói, os assim chamados 
deuses, que Paulo [...] considerava daimónia (1 Co 8.5; 10.19-21). Mas além 
desses que eram adorados nos cultos pagãos, havia também espíritos 
elementares que personificavam forças da natureza, verdadeiros 
governadores do kósmos”. (Cf. RICHARDSON, Alan. Introdução à Teologia 
do Novo Testamento. [Tradução de Jaci Correia Maraschin], São Paulo, Aste, 
1966, p.211,212).
143 É curioso notar que enquanto nos sinóticos os relatos sobre exorcismos 
superabundant em João não há referência a um único caso de exorcismo. 
Contudo, tal “silêncio exorcístico joanino” não quer dizer que João não 
92 
Contudo, Paulo segue dizendo que os demônios das 
crenças populares judaicas são os áyyEÀoi (ángeloí) contra 
concupiscência (cf. Gn 6.2) dos quais o apóstolo pede que as 
mulheres cubram sua cabeça como sinal de e^oooía (eksousíd), 
“poder” (1 Co 11.10). Um áyyEXoq (ángelos) de Satanás 
atormenta a Paulo com uma enfermidade (2 Co 12.7). O próprio 
Satanás destruirá a quem vive em incesto (1 Co 5.5; cf. 1 Tm 
1.20). Ainda que os demônios continuem exercendo sua obra de 
sedução (Ef 2.2), eles devem continuar sendo combatidos pelos 
cristãos (Ef 6.12) e o temor aos demônios desaparece através da 
confiança no amor de Deus em Cristo Jesus (Rm 8.38s). Além 
disso, desde agora Deus tem despojado os demônios 
radicalmente de seu poder, por meio da morte, ressurreição e 
exaltação de Jesus e os tem submetido ao poder do Seu Filho (1 
Co 15.24-28; F1 2.9s; Cl 2.10,15; cf. Ef 1.20-22; 4.8-10; Hb 
2.8,14). O batismo nos faz participantes do senhorio de Jesus 
sobre os demônios (Cl 2.10-15; cf. Rm 6.3-11). Por fim, os 
cristãos se assentarão algum dia no divino tribunal para julgar 
aos “anjos”, ou seja, aos demônios (1 Co 6.3).
3) Nos Escritos Joaninos143
SA + ANÁS, DErtlêNieS E LEGIé
No quarto Evangelho, Jesus é acusado freqüentemente 
pelos judeus de estar possuído por um ôaipóviov (daimónion) 
(cf. Jo 7.20; 8.48,52; 10.20). Em outras palavras, ele mesmo é 
“demonizado” pelos seus próprios conterrâneos, pelo fato de seu 
ensino e suas obras entrarem em choque frontal contra a 
ideologia judaica, representada, sobretudo, pelos fariseus e 
saduceus. Aliás, embora os relatos sobre exorcismos estejam 
estranhamente ausentes no evangelho de João, esse autor, 
porém, é o único dos evangelistas a descrever uma “possessão 
demoníaca” (ou melhor dizendo, “possessão satânica”), a qual é 
realizada pelo próprio Zaxavâç (Satanás) em um indivíduo, 
mais precisamente falando, em Judas (Jo 13.2, 26,27). O texto 
parece sugerir uma espécie de possessão que ocorre em dois 
estágios durante a última ceia: primeiro, o diabo lança 
[ftepÀ.r|KÓi:og (beblekotos), “tendo lançado”] no coração de Judas 
que traia a Jesus (v.2); e, segundo, após a aceitação de tal 
sugestão diabólica, Satanás então EÍo-qÀôev (eisêlthen), “entrou” 
nele (v.27).144 Além disso, é curioso notar o uso dos termos 
StápoXoç (v.2) e Soccavâç (v.27), os quais são utilizados de 
forma intercambiável para se referir ao mesmo ser que possui o 
corpo de Judas Iscariotes, isto é, o Maligno.145
levasse a sério tais casos de possessão demoníaca, os quais eram tão comuns 
em seu tempo.
144 C.H. Dodd sugere que João, utilizando a narrativa de Marcos, pode ter 
transferido o aspecto interior e espiritual da situação imediatamente anterior à 
traição de Judas (como descrita em Marcos), para o contexto dos discursos da 
Última Ceia. (Cf. DODD, C.H. A Interpretação do Quarto Evangelho. 
[Tradução de José Raimundo Vidigal], São Paulo, Teológica / Paulus, 2003, 
p.526).
145
Este caso sui generis no qual o próprio Satanás possui o corpo de um 
homem ocorre num momento crucial da história, há apenas algunsdias da 
crucificação de Jesus. É intrigante notar que Satanás, no papel de “chefe dos 
demônios”, não delega a possessão de Judas a algum demônio subalterno, o 
que pode dar a entender que ele não queria correr o menor risco de fracassar 
em seu plano de conduzir Jesus ao Calvário. A magnitude da situação exigia 
93
CAR.LSS AUGUS + ffi VAILA + +I
Na primeira epístola joanina, os cristãos são atacados por 
entidades demoníacas, cuja atuação consiste em ensinar uma 
falsa doutrina, sobretudo, cristológica (1 Jo 4.1-3).* * * * * * * * * * * 146 João ainda 
afirma que contra o espírito do erro (1 Jo 4.6) e do Anticristo (1 
Jo 4.3) se encontra o Espírito da verdade (1 Jo 4.6). Entretanto, 
deve-se tomar muito cuidado com os nvevpaixx (pneúmata), 
“espíritos” (1 Jo 4.1).
perícia na sua execução. Sendo assim, o próprio “patrão” executa o serviço,
sem delegá-lo a nenhum “operário”. Falhas seriam inadmissíveis neste
maligno plano de entregar Jesus para ser crucificado. Portanto, quem melhor
poderia realizar tal intento, senão o próprio Satanás? Todavia, o Maligno
pensou erroneamente que, ao entregar Jesus para ser crucificado (tarefa que
seria realizada por intermédio de Judas), estaria frustrando o plano redentor
de Deus para a humanidade. Ele mal sabia que, ao fazê-lo, estaria justamente
contribuindo para o cumprimento do plano redentor de Deus. (Note ainda
que, segundo o mesmo João, não é Judas e nem tampouco Satanás quem
entrega Jesus para ser crucificado, mas é o próprio Jesus quem se auto-
entrega, cf. Jo 10.17,18)!
146 BALZ, Horst & SCHNEIDER, Gerhard, (eds.). DENT. Vol.l. [oc-k], 
p.823.
147 Novamente, baseio-me no verbete Ôatpóvtov, in: BALZ, Horst & 
SCHNEIDER, Gerhard, (eds.). DENT. Vol.l. [a-k],p.823,824.
148 Idem, Ibidem, p.823.
No que se refere ao Apocalipse,147 148 148 este denomina 
ôaqióvux (daimónia) aos deuses pagãos (Ap 9.20) e identifica a 
divindade-mor grega, Zeus, com Satanás (Ap 2.13). Das bocas 
da trindade demoníaca (Ap 16.13), isto é, do dragão (Satanás, cf. 
Ap 12), da besta e do falso profeta, saem três espíritos imundos 
metamorfoseados em rãs. Trata-se dos Kveúpaia Saipovicov 
(pneúmata daimoníõn), “espíritos de demônios” que seduzem os 
reis terrenos para que venham para a guerra escatológica (Ap 
16.14). Depois da derrota da Babilônia (Roma), os Saqiovia e 
os espíritos imundos habitarão em lugares em ruínas (Ap 18.2). 
Neste último caso, vemos que crenças populares judaicas se 
associam com as esperanças de uma apocalíptica cristã anti- 
148romana.
94
SA + ANÁS, DEfflffiNI®S E LEGIé
Aliás, deve-se dizer que muitas passagens do Apocalipse 
são entendidas somente no âmbito da demonologia judaica. 
Prova disso é que a queda dos anjos e das estrelas (cf. Gn 6.1-4; 
I En VI. 1-4) trazem os demônios à terra (Ap 8.10; 9.1; 12.4,9). 
O dragão, que de acordo com Ap 12.9 se identifica com a 
serpente, o diabo e Satanás, é, juntamente com seu séquito 
angelical, o oponente de Miguel e de seus anjos (Ap 12.7-9). O 
lugar de castigo dos demônios presos é o ápwaoç (abyssos), 
“abismo” (Ap 9.1; 20.1). O príncipe dos demônios é 
Abadom/Apoliom (Ap 9.11). Além disso, entre as figuras 
demoníacas acham-se os cavaleiros apocalípticos (Ap 6.1-8), 
que possivelmente devem ser entendidos como seres que trazem 
guerra, revolução, fome e pestilência (Ap 9.1-11).149 Porém, tal 
como o diabo, os demônios serão destinados algum dia para o 
fogo eterno (Ap 19.20; 20.10-14).
Nogueira fala sobre “os demônios-soldados de Apocalipse 9”. (Cf.
NOGUEIRA, Paulo Augusto de Souza. Experiência Religiosa e Critica 
Social no Cristianismo Primitivo. São Paulo, Paulinas, 2003, pp.221-238).
4) Nas Epístolas Gerais
Por fim, as chamadas epístolas gerais (excluindo-se as 
epístolas de João, cf. acima) também abordam o antigo tema 
mitológico judaico (cf. Gn 6.1-4) da queda e prisão dos anjos 
que outrora foram desobedientes (1 Pd 3.19; 2 Pd 2.4; Jd 6,9). 
Vemos nesses escritos que os Saipóvia (daimónia) crêem em 
Deus e tremem diante dele (Tg 2.19), bem como, notamos 
também que através da ressurreição e ascensão de Jesus, os 
poderes espirituais bons e malignos se encontram a ele 
subordinados (1 Pd 3.21 s; cf. Ef 1.20s).
Assim, concluímos este apanhado geral sobre os 
demônios no I século A.D., tomando como base os relatos de 
Filo, Josefo e o próprio NT. A seguir, consideraremos os 
exorcismos, sem o que não poderemos compreender 
95
CARLOS AUGUS + ® VAILA + +I
adequadamente a figura de Jesus em seu papel de exorcista e, 
principalmente, não poderemos interpretar apropriadamente o 
mais famoso caso de exorcismo do NT, situado em Mc 5.1-20 e 
paralelos.
1.3. Considerações Sobre Exorcismos
Nosso objetivo nesse item é analisar a prática exorcística 
em seus mais variados contextos a fim de que, como dissemos 
acima, possamos ter um retrato adequado da figura de Jesus 
dentro de seu papel taumatúrgico como exorcista e também para 
que possamos situar a perícope que trata da cura do 
endemoninhado geraseno (Mc 5.1-20 e paralelos) dentro de seu 
pano de fundo apropriado. Para isso, consideraremos como 
testemunhas desses vários relatos de exorcismos: o Antigo 
Testamento (incluindo os Apócrifos); os Manuscritos do Mar 
Morto (II Séc. a.C. ao Séc. I A.D.); a Tradição Judaica; o 
Contexto Pagão; os Papiros Mágicos Gregos (PMG) (II Séc. 
a.C. ao V Séc. A.D.); e, por fim, o próprio Jesus, como figura 
paradigmática exorcistica.150
Para obter informações sobre relatos de exorcismos em tempos mais 
recentes, como, por exemplo, entre os séculos XVI e XVIII, confira o item 
exorcism, em: MUCHEMBLED, Robert. A History of the Devil: from Middle 
Ages to the Present. [Translated by Jean Birrell], Cambridge, Polity Press, 
2003, p.337.
151 HARRIS, R. Laird (org.). DITAT, p. 134.
1.3.1. Definindo o Termo
Ao que tudo indica, não há um termo específico no 
hebraico bíblico que possa ser usado com o significado de 
“exorcismo”. Contudo, existe o vocábulo (’ãshap) que 
além de significar “astrólogo, encantador e necromate”, por 
exemplo, significa também “exorcista”.151 Todas as ocorrências 
deste termo encontram-se em Daniel (1.20; 2.2 [em hebraico];
96
SA+ANÁS, DEm©N!©S E LEGIî
2.10,27; 4.4; 5. 7,11,15 [em aramaico]) e, além do mais, é 
provável que o termo seja um empréstimo da Babilônia, 
associado ao termo assírio shiptu, “conjuração”.152 153 Contudo, 
existe outro termo que também aparece em Daniel (2.27; 4.4; 
5.7,11), o vocábulo "IT2 (gãzer), o qual, além de significar 
“adivinho”, também adquiriu o significado posterior de 
“exorcista” no texto de Qumrã. Aliás, como a raiz da qual este 
termo é derivado significa “decretar”, um gãzer é, portanto, 
aquele que exorciza decretando a expulsão do demônio. ’ Já no 
grego, nos deparamos com o verbo E^opKÍÇco (eksorkízo), que no 
grego ático significava “enviar para fora da fronteira, banir”.154 
No NT, o verbo eksorkízõ significa basicamente “esconjurar” e 
o substantivo è^opKtavriç (eksorkistês), refere-se ao “que 
expulsa os espíritos”, “exorcista” (cf. At 19.13).155
Idem, Ibidem.
153 VERMES, Geza. Jesús, el Judio. [Traducción de José Manuel Alvarez 
Florez y Ângela Pérez], Barcelona, Muchnik Editores, S.A., 1984, p.73. Veja 
também: GESENIUS, H. W. F. GHCLOT, pp. 166,167.
154 Cf. LIDDELL, H. G. & SCOTT, R., e^opidÇco, in: IGEL, p.276.
155 RUSCONI, Carlo. DGNT, p.179.
156 Guignebert também vê um fragmento de uma fórmula de exorcismo no 
texto aramaico de Jr 10.11, o qual está situado no meio do texto hebraico. 
Esse autor traduz assim esse verso: “Eis aqui como lhes falarei: os deuses que 
1.3.2. Exorcismos no AT e nos Apócrifos
Já dissemos anteriormente que tanto os demônios como 
também os próprios exorcismos foram, ambos, “exorcizados” 
das páginas do AT e banidos para bem longe. Dissemos ainda 
que este fato é bastante óbvio, pois, não havendo demônios, 
conseqüentemente não haverá também exorcismos a serem 
efetuados. Portanto, os dois únicos relatos sobre exorcismos, um 
encontrado em 1 Samuel e o outro encontrado no livro apócrifo 
deTobias, nos são particularmente preciosos.156 Devido, então, 
97
CARLGS AUGUS+® VAILA + + I
a toda essa enorme “lacuna exorcística” - se é que podemos 
assim denominar essa estranha ausência de exorcismos no AT - 
parece-nos apropriado nos determos um pouco mais nestas 
poucas passagens bíblicas que tratam do assunto.
a) Davi Exorciza o Espírito Maligno que Atormenta 
Saul
No contexto de 1 Sm 16.14-23, mais precisamente no 
verso 23, lemos o seguinte: “E sucedia que, quando o espírito 
maligno, da parte de Deus, vinha sobre Saul, Davi tomava a 
harpa e a dedilhava; então, Saul sentia alívio e se achava melhor, 
e o espírito maligno se retirava dele” (ARA).
É interessante observar que 1 Sm 16.14 fala sobre o 
niTT’ FIKE (rüah-rã'â mê’êt yehwãh), “espírito
maligno, da parte do Senhor”. Aqui, a preposição mê’êt 
significa “proveniente de, da parte de, de”.157 Tal significado 
nos traz novamente à memória o fato de que a religião 
monoteísta israelita foi a grande responsável por este conceito 
ambivalente de Deus. Ou seja, se há um único Deus, então tanto 
o bem quanto o mal (neste caso, o “espírito maligno”) só podem 
advir dele. O texto diz ainda que o espírito maligno vinha 
(’el), “sobre, para dentro de” Saul (v.23). A LXX traz aqui a 
preposição feni (epi) que conserva basicamente os mesmos 
significados. Tais preposições são indicativas de que Saul estava 
não têm feito o céu e a terra serão exterminados da terra e de debaixo do 
céu”. (Cf. GUIGNEBERT, Charles. El Mundo Judio Hacia Los Tiempos de 
Jesus. [Tradução de Vicente Clavel], México, Unión Tipográfica Editorial 
Hispano-Americana, 1959, p.99).
157 DAVIDSON, Benjamin. AHCL, p.54.
98
SA+ANÁS, DEmêNieS £ LEGIî
possuído pelo espírito maligno.158 Contudo, após Davi dedilhar 
a harpa (provavelmente tocando e cantando algum salmo), a 
I ,XX diz que o espírito maligno à^íaimo àrc’ abron (aphistato 
ap’ autoü), isto é, “afastava-se dele”, ou ainda, “deixava de 
ocupá-lo”. Tal frase indica claramente a libertação demoníaca de 
Saul.
158 Segundo Klaus Berger, “no judaísmo da época do Novo Testamento, as 
pessoas buscam orientação na experiência de Davi, que expelira o demônio 
de Saul com um salmo; elas passam a interpretar todos os salmos de Davi 
neste mesmo sentido [i.e., entendendo os inimigos relatados em muitos 
salmos como poderes invisíveis]. Nos novos salmos e hinos compostos na 
época, os autores concebem os inimigos igualmente como poderes 
espirituais”. (Cf BERGER, Klaus. È Possível Acreditar em Milagres? 
[Tradução de Luis Henrique Dreher]. São Paulo, Paulinas, 2004, pp. 189,190).
Porém, devemos nos lembrar de que em uma outra 
ocasião, Davi tentou “exorcizar” novamente o espírito maligno 
que atormentava a Saul, mas desta vez não obteve êxito (cf. 1 
Sm 18.10,11). Tal fracasso particular de Davi encontra eco nas 
páginas do Novo Testamento, onde lemos sobre o fracasso 
coletivo dos discípulos de Jesus em sua tentativa de exorcizar 
um demônio (cf. Mt 17.14-21; Mc 9.14-29; Lc 9.37-43a).
Por incrível que pareça, esta mesma escassez de narrativas 
sobre exorcismos no AT, também se repete nos livros apócrifos. 
Entre os apócrifos, o único relato de um exorcismo ocorre no 
livro de Tobias (escrito aproximadamente entre 225 e 175 a.C.), 
em Tb 6.2-9; 8.1-3. Portanto, devido à raridade de tais narrativas 
exorcísticas nas páginas dos apócrifos, e, devido também à 
importância destas para a formação, consolidação e perpetuação 
das crenças e práticas exorcísticas neotestamentárias, resolvi 
transcrever na íntegra tais passagens com o objetivo de analisá- 
las um pouco mais a fundo.
99
CARL®S AUGUS + ® VAILA + +I
b) Tobias e a Sua Iniciação no Conhecimento 
Exorcístico
2Partiu, pois, Tobias em companhia do anjo, e o cão os 
seguia. Caminharam juntos e aconteceu que, numa noite, 
acamparam à margem do rio Tigre. 3Tobias desceu ao rio para 
lavar os pés, quando saltou da água um grande peixe, que queria 
devorar-lhe o pé. Ele gritou 4c o anjo lhe disse: “Agarra o peixe 
c segura-o firme!”. Tobias dominou o peixe c o arrastou para a 
terra. 5E o anjo acrescentou: “Abre o peixe, tira-lhe o fcl, o 
coração e o fígado c guarda-os; joga fora os intestinos, pois o 
fel, o coração e o fígado são remédios úteis."16O jovem abriu o 
peixe, tirou-lhe o fel, o coração c o fígado. Assou uma parte do 
peixe e comeu-a, c salgou o resto. Depois continuaram juntos a 
caminhada, até chegarem perto da Média. 7Então Tobias 
perguntou ao anjo: "Azarias, meu irmão, que remédio há no 
coração, no fígado e no fel do peixe? ” * Respondeu ele: "Se se 
queima o coração ou o fígado do peixe diante de um homem ou 
de uma mulher atormentados por um demônio ou por um 
espírito mau, a fumaça afugenta todo o mal e o faz desaparecer 
para sempre. 9Quanto ao fel, untando com ele os olhos de um 
homem que tem manchas brancas, e soprando sobre as 
manchas, ele fica curado.” (Tb 6.2-9, BJ - os itálicos são 
meus).
159 PEREIRA, Isidro. Dicionário Grego-Português e Português-Grego. 
Porto, Livraria Apostolado da Imprensa, 1976, p.77.
160 Cf. THAYER, Joseph Henry. ÇáppccKOV, in: GELNT, p.650.
Uma leitura atenta deste relato nos revela algumas 
medidas apotropaicas (do grego anorpónaioç [apotrópaios], 
“que conjura os males”)159 usadas contra os demônios, as quais 
nos permitem fazer algumas observações. Primeira, “o fel, o 
coração e o fígado” do peixe, são vistos como “remédio”, isto é, 
0áp|i.aKov (fármakon - LXX), “droga”, “encantamento”160 
contra o demônio (v.7). É claro que essa “receita” combina 
100
SA+ANÁS, DE1T1®NI®S £ LEGIî
elementos de magia e medicina antigas, as quais retratam o uso 
da época.161 Segunda, essa receita apotropaica não é dada a 
fobias por um homem, mas pelo áyY£À,oç (ángelos), “anjo” 
Azarias (vv.4, 5, 7-9), sendo, portanto, possuidora de 
credibilidade. Terceira, o vocábulo “demônio” é tido como 
sinônimo de “espírito maligno”, conforme vemos na frase 
ôai|ioviov f] TivEÚpaToç novspov (daimoniou ê pneúmatos 
poneroü), “por um demônio ou um espírito maligno” (v.8). 
Quarta, a fumaça produzida pela queima do coração ou do 
fígado do peixe, (fieó^ETai (feúksetaif “afugenta” todo o mal e o 
faz desaparecer e’iç hòv aicova (eis tòn aiõna), “para sempre”. 
Isso demonstra a eficácia de tal procedimento exorcístico. Em 
último lugar, Azarias revela uma propriedade terapêutica 
existente no fel do peixe, o qual parece curar alguma doença 
oftalmológica (?) da pessoa (v.9).162 Não está claro no texto se 
essa doença também é causada pelo demônio ou se ela possui 
outra origem. De qualquer forma, o texto parece narrar, a meu 
ver, uma espécie de ritual de iniciação mágica ou exorcística, 
uma vez que Tobias é chamado de natSíov (paidíori) e 
rcaiSápiov (paidáriorí) - termos intercambiáveis que significam 
basicamente “menino, infante” - algumas vezes no texto (cf. vv. 
2,3,5,7) em vez de ser chamado mais apropriadamente veocvíoiç
161 STORNIOLO, Ivo & BORTOLINI, José. Ccwm Ler o Livro de Tobias: a 
família gera vida. São Paulo, Paulus, 2006, p.41. Outra “receita” usada para 
manter os maus espíritos afastados era manter uma lamparina queimando 
(acesa). (Cf. HEATON, E. W. Everyday Life in Old Testament Times. New 
York, Charles Scribner’s Sons, 1956, p.73). Benson lembra ainda a 
importância das cruzes e crucifixos, após o advento do cristianismo, como 
amuletos usados para manter os espíritos malignos afastados. (Cf. BENSON, 
George Willard. The Cross: its history and symbolism. New York, Dover 
Publications, Inc., 2005, p. 115).
162 Como disseram Stomiolo e Bortolini: “O episódio do peixe é central 
neste livro, pois dele dependerá a solução das dificuldades [que irão aparecer 
durante a narrativa]”. (Cf. STORNIOLO, Ivo & BORTOLINI, José. Op.Cit., 
p.40).
101
CARLOS AUGUS + © VAILA + + I
(neanías), “jovem”. É como se Tobias fosse iniciado no 
conhecimento mágico ou exorcístico desde pequeno pelo anjo. 
Ao analisarmos o texto seguinte, teremos uma surpresa quanto a 
este aspecto.
c) Tobias, o Exorcista
’Quando acabaram dccomer c beber, decidiram ir dormir; 
conduziram, pois, o jovem [Tobias] ao aposento [de Sara], 
2 Recordou-se Tobias dos conselhos de Rafael [outro nome dado 
ao anjo Azarias, cf. Tb 7.9] e, tirando o fígado e o coração do 
peixe de dentro do saco onde os guardara, colocou-os sobre as 
brasas do perfumador. 2 O cheiro do peixe expulsou o demônio, 
que fugiu pelos ares até o Egito. Rafael seguiu-o, prendeu-o e 
acorrentou-o imediatamente. (Tb 8.1-3, BJ - os itálicos e 
acréscimos entre colchetes são meus).
Em Tb 6.2-9 o infante Tobias é, como sugerimos, apenas 
iniciado teoricamente no conhecimento exorcístico e mágico 
pelo anjo Azarias. Contudo, aqui em Tb 8.1-3, vemos Tobias 
colocar em prática o conhecimento teórico que havia aprendido 
anteriormente.
A fim de que compreendamos melhor esta resumida 
perícope que trata de um caso prático de exorcismo, temos que 
situá-la primeiro dentro de seu contexto mais amplo.
O contexto é o seguinte: o anjo Rafael dirige-se com 
Tobias até a região da Média. Chegando lá, Rafael lhe diz que 
pernoitariam na casa de Ragüel, parente de Tobias e pai da bela 
jovem Sara (Tb 6.10,11). O anjo declara a Tobias que este 
deveria desposar a jovem, valendo-se do costume do levirato 
(Tb 6.12; cf. Dt 25.5-10), uma vez que ela tivera sete maridos, 
mas, segundo contava-se, um Socipóviov {daimónion) “demônio” 
(Tb 6.14, LXX) havia matado a todos os sete na noite de 
núpcias, assim que tentaram entrar no aposento dela com o 
propósito de consumar o ato conjugal (Compare com: Mt 22.23- 
33; Mc 12.18-27; Lc 20.27-40 - os saduceus e a ressurreição). 
102
SA+ANÁS, DEIT1©NI©S £ LEGIé
Isto ocorreu porque o demônio amava a jovem Sara e, por esse 
motivo, não permitia que ninguém se aproximasse dela (Tb 
6.14,15). Dito de outra forma, o demônio cometeu alguns crimes 
passionais, matando os sete maridos de Sara, pois tinha ciúmes 
dela.163 Tobias temia ter o mesmo fim que os sete maridos 
tiveram (Tb 6.15) e, por isso, sentiu-se inseguro diante das 
palavras do anjo. Todavia, Rafael encoraja Tobias, orientando- 
lhe que, ao entrar no quarto nupcial, tome o fígado e o coração 
do peixe e os coloque sobre as brasas do perfumador (Tb 
6.16,17; cf. Tb 6.2-9). Segundo o anjo, tal ritual faria com que o 
aroma exalado pelo fígado e coração fritos afugentasse o 
Soctpóviov (daimónion) “demônio” (Tb 6.17, LXX) assim que 
ele sentisse aquele odor (Tb 6.17,18). É a partir destes 
acontecimentos antecedentes relatados em Tb 6.10-18 que o 
exorcismo narrado em Tb 8.1-3 deve ser compreendido.
Particularmente, entendo que o relato sinótico que trata da questão entre 
os saduceus e a ressurreição, seja um midrash de Tb 6. 14,15; 7.11. Contudo, 
embora o texto fonte (o livro de Tobias) insira a figura do demônio na 
narrativa, os saduceus, porém, o excluem de sua fala, uma vez que eles não 
acreditam em anjos e nem em espíritos, ou seja, “demônios” (cf. At 23.8). 
Por fim, os evangelistas conservaram este relato sinótico em seu texto tal 
como ele saiu dos lábios dos saduceus, isto é, sem mencionar o demônio. 
Temos aqui um curioso efeito inverso. Embora, como já vimos 
anteriormente, os judeus de Alexandria demonizassem os deuses das nações 
pagãs, os saduceus, porém, acompanhados pelos sinóticos, “desdemonizam” 
o relato de Tobias, excluindo o “demônio” da narrativa.
Portanto, já que este esclarecimento contextual foi feito, 
podemos então chegar às seguintes conclusões a respeito do 
exorcismo narrado em Tb 8.1-3:
Ia) Tobias aparece aqui como alguém que já é mais velho, 
pois ele é chamado de veocvíokov (neanískõn), “jovem” (Tb 8.1, 
LXX), termo este bem distinto daquele naiSíov (paidíon), 
“menino”, usado em Tb 6.2. Talvez, entre a viagem feita a 
Rages (Tb 6.13) e o episódio do exorcismo (Tb 8.1-3) tenham 
103
CARLOS AUGUS + ® VAILA + + I
transcorrido vários anos, o que justificaria a mudança do termo 
paidíon para neanískõn. Esse termo é interessante, pois ele nos 
mostra que foi um jovem, e não um ancião, quem realizou o 
exorcismo.
2a) A prática apotropaica de Tobias dá resultado, pois ele 
ekcíAuctev (ekõlyseri) “expulsa” o Saipóviov (daimónion) 
“demônio”, o qual foge pelos ares até o Egito (Tb 8.3a).164
Uma variação da frase “pelos ares até o Egito” seria “para as regiões 
elevadas do Egito”. (Cf. nota da BJ, p.TiT). Esse demônio que foge para as 
regiões do Egito é identificado como sendo Asmodeu. (Cf. STORNIOLO, 
Ivo & BORTOLINI, José. Como Ler o Livro de Tobias: a família gera vida, 
p.43).
3a) Após o demônio ter sido expulso através da prática 
exorcística de Tobias, o anjo Rafael o segue e o prende (Tb 
8.3b), prisão esta que é reflexo de um dos temas centrais da 
apocalíptica judaica, a qual trata da prisão dos anjos 
desobedientes (cf. 2 Pd 2.4; Jd 6).
4a) Finalmente, tenho por mim que a causa desta narrativa 
exorcística relatada no livro de Tobias pode ser encontrada na 
demonização de um fato comum ocorrido no cotidiano das 
pessoas. Deixe-me explicar melhor este ponto. Acredito que 
esse relato que fala sobre o “demônio assassino” que matou os 
sete maridos de Sara (cf. Tb 6.14-18), sem o qual não haveria, 
portanto, a perícope do exorcismo em Tb 8.1-3, possa ter se 
originado em algum conto popular que tratava do tema do 
“amante ciumento” ou do “marido traído”. Se estivermos certos 
em nossa interpretação, então isto quer dizer que esse tema 
acabou adquirindo uma conotação demoníaca, talvez, a fim de 
descrever até que ponto pode chegar um homem que é ciumento 
ou um marido que se sente ou é traído. Ou seja, uma pessoa 
nestas condições pode chegar ao ponto de cometer um crime 
104
SA + ANÁS, DÊin®NI©S E LÊGIé
passional. Assim, tal conto popular teria transformado o 
indivíduo ciumento ou traído desse conto numa espécie de 
demônio serial killer.
1.3.3. Exorcismos nos Manuscritos do Mar Morto
A descoberta dos Manuscritos do Mar Morto - escritos 
aproximadamente entre 200 a.C. e 70 A.D. - já foi definida pelo 
biblista e arqueólogo William F. Albright como o acontecimento 
bíblico-arqueológico mais importante dos tempos modernos.165 
Sem dúvida alguma, Albright estava certo ao fazer tal 
afirmação. E, para o nosso estudo em particular, tais 
manuscritos adquirem uma relevância ainda maior, pois ao 
tratarem das crenças e práticas provenientes de uma seita judaica 
que foi contemporânea de Jesus (os chamados essênios), nos 
fornecem vários textos que tratam da demonologia e, mais 
particularmente, de relatos de exorcismos.166 Sendo assim, não 
podendo ignorar o conteúdo de tais manuscritos, vejamos alguns 
relatos de exorcismos narrados nos mesmos.
Cf. ALLEGUE, Jaime Vázquez. (ed.). La “Regia De La Comimidad" de 
Qumrán. Salamanca, Ediciones Sígueme, 2006, p. 11.
166 Para César Vidal, os exorcismos realizados por Jesus não são 
propriamente exorcismos, pois, segundo ele, “o exorcismo requer um ritual 
minimamente elaborado. No caso de Jesus, nos é dito que os demônios saíam 
mediante uma simples repreensão. A diferença se manteve entre os 
seguidores de Jesus, como demonstra o episódio do exorcista judeu Ceva 
(Atos 19.11-20)”. (Cf. VIDAL, César. Jesus y Los Manuscritos dei Mar 
Muerto. Barcelona, Editorial Planeta S.A., 2006, p. 187). O autor se 
equivoca, porém, ao dizer que Ceva era um exorcista, pois ele era, na 
verdade, um “sumo sacerdote” (Cf. At 19.14). Além disso, em nenhum 
momento do contexto dessa passagem é dito que Ceva ou algum de seus sete 
filhos seguia a Jesus. J. Jeremias comenta que “a teologia dos essênios 
repousa essencialmente sobre a doutrina dos dois espiritos, o espírito de Deus 
e o espírito de Belial, isto é, do diabo”. (Cf. JEREMIAS, Joachim. A 
Mensagem Central do Novo Testamento. [Tradução de João Rezende Costa], 
São Paulo, Editora Academia Cristã Ltda., 2005, p. 125).
105
CAR.L9S AUGUS+® VAILA + + I
a) Abraão, o Patriarca Exorcista
Entre os manuscritos de Qumrã, encontramos o relato do 
Gênesis Apócrifo, no qual Abraão é descrito como alguém 
dotado de poderes terapêuticos e como um exorcista. A seguir,transcrevemos o trecho que descreve Abraão nestes dois papéis:
“l6[...] Essa noite, lhe enviou Deus Altíssimo {ao rei do 
Egito} uni espírito castigador, para afligi-lo a ele e a todos os 
membros de sua casa; um espirito ^maligno que o afligia a ele 
e a todos os membros de sua casa. E não pôde aproximar-se 
dela {de Sara}, nem menos ainda ter relações sexuais com ela, 
apesar de estar com ela l8dois anos. Ao final de dois anos se 
agravaram c intensificaram os castigos c as pragas contra ele e 
contra todos os membros de sua casa. E mandou l9chamar todos 
[os sábios] do Egito, c todos os magos, junto com todos os 
curandeiros do Egito, para ver se podiam curá-lo daquela praga, 
[a ele] c aos membros 20de sua casa. Porém, todos os 
curandeiros e magos, e todos os sábios, não puderam levantar- 
se para curá-lo. Porque o espírito os atacou a todos 21 e 
fugiram. [...] Então, HRK.NWS veio a mim {Abraão} c me 
pediu que fosse e rezasse pelo 22rci, c impusesse minhas mãos 
sobre ele para que vivesse. Porque [me havia visto] cm um 
sonho. Porém, Ló lhe disse: Abraão, meu tio, não pode rezar 
pelo ' rei enquanto Sara, sua mulher, está com ele. Vai agora e 
diz ao rei que reenvie sua mulher ao seu próprio marido, c ele 
rezará por ele e viverá. 25[...] {HRKNWS disse ao rei do Egito} 
Que devolvam, pois, te rogo, Sara a Abraão, seu marido, 26e 
esta praga e o espírito de males purulentos deixarão de afligir- 
te. 28[...] agora reza por mim {o rei do Egito} epor minha casa, 
para que seja expulso de nós este espirito maligno. Eu 
{Abraão} rezei por [...] 29e impus minhas mãos sobre a sua 
cabeça. A praga foi removida dele; foi expulso [dele o espírito] 
106
SA + ANÁS, DEIT1®NI©S £ LEGIî
maligno e viveu”. (IQap.Gen. XX. 16-23, 25, 26, 28, 29 - os 
itálicos e os acréscimos entre {} são meus).167
Texto extraído de: MARTINEZ, Florentino García. Textos de Qumran. 
[Tradução de Valmor da Silva]. Petrópolis, Vozes, 1994, pp.276,277.
168 Jean Pouilly comenta: “Abraão faz um exorcismo, impondo as mãos e 
orando. Esse rito não é conhecido como tal pelo Antigo Testamento. 
Entretanto, a imposição das mãos é mencionada nele duas vezes (Nm 8.10 e 
27.18-23), mas sempre no quadro de consagração de homens para função 
importante. No Evangelho, ao contrário, essa maneira de fazer exorcismo tem 
vários paralelos: Mc 5.23; 6.5; 7.32; 8.23-25; 16.18; Lc4.39-41; 13.13. Ouso 
essênio desse rito - mas seria próprio dos essênios? - pode ter influenciado o 
uso cristão, mas devemos ser muito prudentes nesse gênero de analogias, seja 
o que for que alguns pensem sobre tal rito”. (Cf. POUILLY, Jean. Qumrã, 
p.123).
Como pode ser percebido, esse texto extraído do Gênesis 
Apócrifo é um midrash da narrativa bíblica de Gn 12.10-20, 
que, por sua vez, encontra eco também em Gn 20.1-18 e em Gn 
26.1-12 (com Isaque). A passagem veterotestamentária de Gn 12 
fala sobre grandes pragas que Deus enviou a faraó pelo fato 
deste ter tomado a mulher de Abrão, Sarai, como sua esposa. 
Todavia, o texto de IQap.Gen.XX chama-nos a atenção por 
descrever o conhecido patriarca como aquele que ora pelo rei do 
Egito impondo-lhe as mãos sobre a cabeça. Tal prática obtém 
como resultado a expulsão do espírito maligno de faraó e de sua 
casa (IQap.Gen. XX.28,29).168 É digno de nota que o rei do 
Egito é visto como um endemoninhado neste texto. Ou seja, 
mais uma vez, seguindo a mentalidade judaica, os “outros” (os 
idólatras) são demonizados. Perceba ainda outro detalhe 
interessante no texto apócrifo, a respeito do qual já nos 
referimos anteriormente. Deus é quem envia “um espírito 
castigador”, “um espírito maligno”, sobre faraó e os membros de 
sua casa (1 Qap.Gen. XX. 16,17). Aqui vemos novamente o 
tema da ambivalência divina de forma explícita.
107
CARLOS AUGUS+ffi VAILA + +I
b) Daniel, o Sábio Exorcista
A assim chamada “Oração de Nabônides (ou de 
‘Nabonido’)”, que também é encontrada nos manuscritos de 
Qumrã, ao que tudo indica, parece descrever um relato de 
exorcismo realizado pelo sábio Daniel. Devido à importância 
que tal relato tem para o nosso estudo, iremos citá-lo abaixo. O 
texto, porém, encontra-se bem fragmentado, como pode ser 
percebido pelos colchetes espalhados pelo seu corpo:
“'Palavra da oração que rezou Nabônides, rei do pa[ís de 
Babi]lônia, [grande] rei, [quando foi afligido] 2por uma 
inflamação maligna, por decreto do Dc[us Altís]simo, em 
Tema. [Eu, Nabônides,] fui afligido [por uma inflamação 
maligna] 3durante sete anos, e fui relegado longe [dos homens 
até que rezei ao Deus Altíssimo] 4<? meu pecado o perdoou um 
exorcista. Era um [homem] judeu d[os desterrados, o qual me 
disse:] 5Proclama por escrito para que se dê glória, exal[tação e 
honra] ao nome do dc[us Altíssimo. E eu escreví assim: 
Quando] 6fui afligido por uma inflamação ma[ligna e 
permanecí] em Tema [por decreto do Deus Altíssimo, eu] 7rezci 
durante sete anos [ante todos] os deuses de prata c de ouro, [de 
bronze c de ferro,] sde madeira, de pedra c de argila, porque [eu 
pensava] que eram deuses [,..]”(4QPr.Nab. - os itálicos são 
. 169
MARTÍNEZ, Florentino García. Textos de Qumran, p.334.
1 70 VERMES, Geza. Jesús, el Judio, pp.72,73.
meus).
De acordo com o erudito judeu, Geza Vermes, o exorcista 
citado neste fragmento da quarta caverna de Qumrã, ainda que 
não seja mencionado nominalmente no corpo do documento, é 
Daniel, quem, segundo ele, é uma figura investida 
postumamente do dom de curar.* 170 Aliás, o vocábulo “exorcista” 
que aparece neste texto apócrifo, ocorre outras quatro vezes em 
108
SA+ANÁS, DEH1©NI©S E LEGIé
Daniel (2.27; 4.4; 5.7,11), sendo usado normalmente para 
descrever mágicos, astrólogos ou adivinhos. Porém, como 
pondera Vermes, o termo "ITD (gãzer) que aparece neste texto 
de Qumrã, significa “exorcista”. Tal vocábulo é, ainda segundo 
Vermes, derivado de uma raiz hebraica que significa “decretar”, 
o que significa que um gãzer é, por conseguinte, alguém que 
exorciza, decretando a expulsão do demônio. Este mesmo verbo 
é empregado pelo galileu Hanina ben Dosa contra a rainha dos 
demônios (Agrath), a fim de expulsá-la.171 Tal relato nos chama 
a atenção ainda pelo fato de combinar três elementos: doença 
(vv.1-3), pecado e demônio (v.4). Curiosamente, esse tema 
tríplice também pode ser visto no relato sinótico que trata da 
cura de um paralítico (cf. Mt 9.1-8; Mc 2.1-12; Lc 5.17-26). 
Porém, embora esses textos não mencionem explicitamente 
nenhum “demônio” ou “exorcismo”, entretanto, eles estão 
inseridos dentro do contexto do I século d.C., período este cuja 
crença popular atribuía ao demônio a causa das enfermidades 
(cf. p.ex., Mc 9.17,25; Lc 13.11). Assim, a “Oração de 
Nabônides” lança alguma luz sobre a compreensão dos 
Evangelhos e sobre as crenças populares existentes na época do 
Segundo Templo. De forma geral, 4QPr.Nab. parece ser um 
midrash de Dn 4.28-37.
171 VERMES, Geza. Jesús, el Judio, Cf. também: SCHIAVO, Luigi. 
Dois Mil Demônios na Decápole. Exegese, história, conflitos e 
interpretações de Mc 5,1-20. Dissertação de Mestrado em Ciências da 
Religião, São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São 
Paulo, 1999, p. 152.
172 Estes Salmos de Exorcismo Apócrifos (HQPsApa) são formados por 
cinco coleções fragmentadas de Salmos, os quais pertencem ao chamado 
“Fragmento A”. (Cf. MARTÍNEZ, Florentino García. Textos de Qumran, 
pp.422-424).
c) Salmos de Exorcismo Apócrifos172
109
CARLffiS AUGUS + ® VA1LA + +I
Alguns salmos encontrados na décima primeira caverna 
de Qumrã também possuem um conteúdo fortemente voltado 
para o exorcismo. Porém, devido ao fato dos textos não se 
encontrarem em bom estado, possuímos apenas fragmentos dos 
mesmos. Abaixo, transcrevo as “Coleções I- IV” dos Salmos de 
Exorcismo Apócrifos, situadas dentro do “Fragmento A”, as 
quais são extraídas da obra Textos de Qumran, de Florentino 
García Martinez. Apenas omito a “Coleção V”, a qual é, com 
exceção de alguns pequenos detalhes, praticamente idêntica ao 
Salmo 91.0 estado precário destes manuscritospode ser notado 
pelas várias reconstruções do texto [entre colchetes] encontradas 
no corpo dos documentos. Mas, por entender que tais textos, 
ainda assim, podem lançar alguma luz sobre o conhecimento 
demonológico e exorcístico do I século d.C., resolvi mencioná- 
los aqui:
Fragmento A.173
173 Todos os itálicos dos textos são meus.
*[...] e quem o chora 2[...] o juramento 3[.„] por YHWH 
4[...] o dragão 5[...] a ter[ra...] 6[...] conju[rando...} 7[...] a [...] 
8[...] este [...] 9[...] aos demô[nios...} *°[...] e habita[rá...]
Quanto a este primeiro parágrafo de HQPsApa vemos 
que, sem dúvida alguma, trata-se de um caso de exorcismo. 
Todavia, a fragmentação do manuscrito não nos permite fazer 
maiores considerações.
Coleção I.
\De Davi. Sobre as palavras de conjuro] em nome de 
[YHWH ...] 3[...] de Salomão, e invocará [o nome de YHWH} 
‘’'[para que o livre de toda praga dos es]píritos, dos demônios, 
[Lilit,} "[bufos e chacais.} Estes são os demônios, e o prín[cipe 
110
SA+ANÁS, DEIT1®NI®S £ LEGIî
de hostili\dade 6[é Belial} que [domina} sobre o abismo [de 
tre}vas.
Os fragmentos da Coleção I já nos possibilitam tecer 
alguns comentários. Esse texto nos permite ver Davi como um 
exorcista e talvez também Salomão (?). Neste Salmo, o nome 
inefável, o Tetragrama (YHWH), é invocado a fim de que 
aquele que o pronuncia possa se ver livre dos demônios e dos 
males causados por eles. E interessante notar aqui a relação 
entre os “espíritos” e os “demônios” com animais tais como os 
“bufos” e os “chacais”, que são demonizados. Por fim, Belial, 
figura bem conhecida nos textos de Qumrã,174 aparece em 
destaque como o “chefe demoníaco”.
174 Cf. ALLEGUE, Jaime Vázquez. (ed.). La “Regia De La Comunidad” de 
Qumrán, nota 281, p. 133.
Coleção II.
'[...E lhe dirás: Quem] 2és? [Fizeste tu os céus e] os 
abismos [e tudo o que contêm,] 3a terra e tu[do o que há sobre 
a] terra? Quem fe[z estes sinais] 4e estes prodífgios sobre a] 
terra? E ele, YHWH, [o que} 'fez tu[do isto por seu poder,} 
conjurando a todos os [anjos a vir em sua ajuda,} 6a toda 
semen[te santa] que está em sua presença, [e ele que julga] 7[os 
filhos do] céu, c [toda a] terra [por causa deles], porque 
enviaram sobre 8[toda a terra] o pecado, e sobre todo ho[mcm o 
mal. Porém] eles conhecem 9[suas ações maravilho]sas, que 
nenhum deles [pode fazer ante YHW]H. Sc não l0[trcmcm] ante 
YHWH, para [...e] destruir a alma, "[os julgará] YHWH e 
temerão este grande [castigo (?).] "[Perseguirá] um dentre vós 
[mil...] dos que servem a YHWH l3[...] grande, E [...] ... [...].
Essa Coleção, embora mostre YHWH “conjurando a 
todos os anjos a vir em sua ajuda”, não mostra, entretanto, 
demônios sendo exorcizados. Mas o teor do texto diz respeito ao 
juízo de YHWH que recairá sobre “aqueles que enviaram sobre 
111
CARL©S AUGUS + ® VAILA + + I
toda a terra o pecado, e sobre todo homem o mal”, isto é, os 
demônios. Logo, tal salmo devia ser empregado pela 
comunidade de Qumrã a fim de afugentar os demônios e, 
certamente também, exorcizá-los. Como já nos referimos antes, 
uma prática comum do judaísmo na época do Novo Testamento 
era a utilização de salmos com fins exorcísticos, baseando-se, 
sobretudo, no exorcismo que Davi havia feito em Saul (1 Sm 
16.14-23).
Coleção III.
1 [e] grande [...] conjurando [...] 2c o grande [...E enviará 
um anjo] poderoso e te ex[pulsará de] 3toda a terra. [...] céus 
[...] 4Golpeará YHWH um gol[pepoderoso que épara destruir- 
te \para sempre,] 5e no furor de sua cólera [enviará] contra ti 
um anjo poderoso [para executar] b[todas as suas orde]ns, (um) 
que [não terá piedade] contigo, que [...] 7[...] sobre todos estes, 
que te [arremessará] no grande abismo, 8[no Xeol] mais 
profundo. Lon[ge da morada da luz] habitarás, pois é escuro 
9em extremo o grande [abismo. Não dominarás] mais sobre a 
terra l0[mas estarás trancado] para sempre. [Maldito serás tu] 
com as maldições do Abadão, 11 [c castigado pelo] furor da ira 
de Y[HWH. Tu dominarás sobre] as trevas por todos l2[os 
períodos d]as humilhações [...] teu presente l3[...]
Essa terceira coleção novamente remete ao tema do juízo 
divino que será exercido sobre as forças do mal. Aqui, contudo, 
o texto faz menção a alguém (YHWH) que “enviará um anjo 
poderoso e te expulsará (a Belial ?)175 de toda a terra”. Além 
disso, (Belial) será arremessado “no grande abismo, no Xeol 
mais profundo” e, portanto, “não dominarás mais sobre a terra”. 
Tal referência nos traz à memória Ap 20.10, que relata o 
175 É quase certo que a referência aqui seja a Belial, como pode ser visto nos 
fragmentos da Coleção IV.
112
SA+ANÁS, DEfflffiNlffiS E LEGIé
lançamento do diabo no lago de fogo e enxofre. Além do mais, o 
texto menciona ainda Abadão (Abadom), referindo-se 
provavelmente ao anjo do abismo chamado em hebraico 
“Abadom” e em grego “Apoliom” (cf. Ap 9.11), isto é, outro 
nome dado ao diabo. Aqui não está muito claro se será um anjo 
ou o próprio Yahweh quem expulsará (Belial).
Coleção IV.
'[...] ... [...] 2que [...] os possuídos [...] 3os voluntários de 
tua vcr[dadc, quando Raffael os cura. [...] 4Z>e Davi. So[bre as 
palavras de conjjuro em nome de YHWH. [Invoca em to]do 
tempo 5 os céus. [Quando] vier sobre ti Beli[al, tu] lhe dirás: 
bQuem és tu, [maldito entre] o homem e entre a semente dos 
santos? Teu rosto é um rosto 7de vaidade, e teus chifres são 
chifres de mise[rável.] Tu cs trcva c não luz, s[ini]qüidadc c não 
justiça. [Contra ti,] o chefe do exército. YHWH te [trancará] 
9[/?o Xe]ol mais profundo, [fechará] as duas portas de bronze, 
pe[las quais] não "’[atravessa] a luz. Não [tc alumiará a luz do] 
sol que [se levanta] "[sobre o] justo para [iluminar seu rosto.] 
Tu lhe dirás: Acaso [não há um anjo] l2[com o jus]to para ir [ao 
juízo quando] o maltrata Sa[tã? E o livrará] l3[o espírito da 
ver]dadc das trc[vas porque a jus]tiça está com ele [para 
sustcntá-lo no juízo.] I4[...] não [...]
Este último texto, ao que parece, é o que melhor retrata 
uma prática exorcística, pois nele encontramos as seguintes 
palavras: “Quando vier sobre ti Belial, tu lhe dirás: Quem és tu, 
maldito entre o homem e entre a semente dos santos?”. A 
continuação do texto, “YHWH te trancará no Xeol mais 
profundo, fechará as duas portas de bronze [...]” deixa entrever 
que tais palavras eram espécies de “fórmulas mágicas” 
utilizadas pelos qumranitas para repelir os demônios e expulsá- 
los de sua comunidade.
113
CARLffiS AUGUS + ® VAILA + + I
1.3.4. Exorcismos nos Pseudepígrafos
A literatura pseudepigráfica é importante por revelar as 
idéias judaicas em voga durante o chamado período 
intertestamentário (430 a.C. - 6/4 a.C.).176 Ao longo da literatura 
pseudepigráfica alguns textos que parecem aludir a casos de 
possessão demoníaca e exorcismos podem ser encontrados. 
Destaque especial é dado ao Testamento dos Doze Patriarcas. 
Em 1 Enoque VIII, 2, lemos que “Semjaza ensinava os 
esconjuros e as poções de feitiços, Armaros a dissipação dos 
esconjuros”.177 No Testamento de Levi XVIII, 4, Levi se dirige 
aos seus filhos antes de morrer e profetiza-lhes sobre a vinda de 
um novo sacerdote, sobre quem é dito que “Ele acorrentará 
Belial, e dará aos seus filhos o poder de enfrentar os espíritos 
maus”.178 No Testamento de Dã V,l, encontramos escrito que “o 
Senhor habitará em vós, e Belial fugirá” e em V,4 vemos que o 
Senhor, “Ele mesmo subjugará Belial; e tomará vingança eterna 
dos inimigos. Ele resgata de Belial os que estavam presos (as 
almas dos santos)”.179 No Testamento de Aser VI, 2, lemos que 
“se uma alma estiver em aflição, é porque é atormentada pelo 
espírito mau; a este outrora serviu nos prazeres e em obras 
depravadas”.180 181 Por fim, o Testamento de Benjamim III, 1, 
aconselha: “temei ao Senhor e amai o vosso próximo! Assim, se 
os espíritos de Belial vos pressionarem com toda espécie de mal, 
não poderão vencer-vos”. 81
176 TENNEY, Merril C. (ed.). ZPBD, p.697.
177 PROENÇA, Eduardo de. (org.). APEB, p.262.
178 Idem, Ibidem, p.349.
179PROENÇA, Eduardo de. (org.). APEB, pp.372,373.
180 Idem, Ibidem, p.389.
181 Idem, Ibidem, p.397.
114
SA + ANÁS, D£m®NI®S £ LEGIé
Contudo, além disso, deve-se fazer menção a um dos 
meios mais eficazes usados para afastar demônios, o qual era 
recitado como fórmula mágica. No livro de Jubileus nós temos 
uma declaração de que Noé, ao receber instrução dos anjos 
sobre como subjugar os demônios, “escreveu abaixo todas as 
coisas em um livro como nós o instruímos, concernente a todo 
tipo de medicina. Desse modo, os espíritos malignos foram 
impedidos de causar dano aos filhos de Noé” (Jubileus X, 
12,14).182
SURBURG, Raymond F. Introduction to the Intertestamental Period. St. 
Louis, Concordia Publishing House, 1975, p.64.
183 A opinião adotada neste livro é a de que os anjos caídos se tomaram 
demônios posteriormente. Para saber mais a respeito da origem dos 
demônios, consulte: OROPEZA, B. J. 99 Perguntas Sobre Anjos, Demônios e 
Batalha Espiritual, pp.58-61. Nesta excelente obra o autor fornece três 
teorias sobre a origem dos demônios. Para uma abordagem rabínica sobre a 
origem dos demônios, veja: STEWART, Roy A. Rabbinic Theology’: an 
introductory’ study. Edinburgh and London, Oliver and Boyd Ltd., 1961, 
pp.59-61.
1 X4 PROENÇA, Eduardo de. (org.). Op.Cit., p.261.
185 Idem, Ibidem, p.261.
Além do mais, vários nomes de anjos caídos (ou 
demônios)183 são encontrados nos pseudepígrafos, como, por 
exemplo, a lista citada em I Enoque VI, 4, que traz: Semjaza (o 
demônio chefe) e os subchefes que cuidavam de grupos de dez 
demônios: Arakiba, Rameel, Kokabiel, Tamiel, Ramiel, Danei, 
Ezekeel, Narakijal, Azael, Armaros, Batarel, Ananel, Sakeil, 
Samsapeel, Satarel, Turel, Jomjael e Sariel.184 É interessante 
notar que outros demônios que acompanhavam esta horda 
demoníaca mantiveram relações com mulheres e eles também 
“ensinavam-lhes bruxarias, exorcismos e feitiços, e 
familiariza vam-nas com ervas e raízes”.185 (/ Enoque VII, 1; cf. 
Gn 6.1-4).
Todavia, outros nomes demoníacos podem também ser 
vistos nos escritos pseudepígrafos, como Azazel, Belial, 
115
CARL©S AUGUS + ® VAILA + +I
Beelzebul, Mastema, Samael (chefes dos demônios) e outros. 
Essa extensa lista de nomes de demônios encontrada nos 
pseudepígrafos adquire grande relevância para o nosso trabalho, 
uma vez que nos remete para a declaração demoníaca singular­
plural encontrada em Mc 5.9: “Legião é o meu nome, porque 
somos muitos”. No próximo capítulo, quando estivermos 
tratando da análise exegética de Mc 5.1-20, verificaremos este 
verso de forma mais detalhada.
1.3.5. Exorcismos e Exorcistas na Tradição do 
Judaísmo
Podemos definir Tradição Judaica como “o conjunto de 
ensinos e leis do Judaísmo transmitidos de uma geração para a 
outra. Esta tradição oral foi coletada e estabelecida ao longo da 
Mishná e do Talmude como escritos rabínicos posteriores”.186
186 SHERBOK, Dan Cohn. A Concise Encyclopedia of Judaism, p. 195.
A “tradição oral”, assim chamada por ter disseminado 
ensinamentos do Judaísmo por meio da palavra falada e não 
através da palavra escrita, foi a protagonista no papel de 
celebrizar e eternizar figuras exorcísticas, tais como, o anjo 
Raphael, Davi, Salomão, Eleazar, Hanina ben Dosa e até mesmo 
uma planta, chamada Bara, à qual atribuía-se propriedades 
exorcísticas. Vejamos tais personagens e os seus exorcismos 
com maiores detalhes.
a) Raphael, o Anjo Exorcista
No livro apócrifo de I Enoque encontramos o anjo 
Raphael, que recebe uma ordem direta do Senhor para expulsar 
Azazel, o príncipe dos demônios, para o deserto, onde deveria 
ficar preso até o dia do juízo. Observe o que o texto diz sobre 
este anjo exorcista:
116
SA + ANÁS, DEHlffiNIffiS Ê LEGIî
3E a Raphael disse o Senhor: “Amarra Azazel de mãos e 
pés e lança-o nas trevas! Cava um buraco no deserto de Dudael 
e atira-o ao fundo! Deposita pedras ásperas e pontiagudas por 
baixo dele e cobre-o de escuridão! Deixa-o permanecer lá para 
sempre e veda-lhe o rosto, para que não veja a luz! 4“No dia do 
grande Juízo ele deverá ser arremessado ao tremedal de fogo! 
Purifica a terra, corrompida pelos Anjos, e anuncia-lhe a 
Salvação, para que terminem os seus sofrimentos e não se 
percam todos os filhos dos homens, em virtude das coisas 
secretas que os Guardiões revelaram e ensinaram aos seus 
filhos! Toda a terra está corrompida por causa das obras 
transmitidas por Azazel. A ele atribui todos os pccados!”(/
187 Enoque X, 3,4 - os itálicos são meus).
Esse texto nos mostra Azazel sendo como que 
“exorcizado” para o deserto, para longe do convívio das pessoas. 
Neste sentido, o anjo Raphael é visto como uma espécie de 
“exorcista”, que expulsa para fora do “corpo da sociedade” o 
maligno príncipe dos demônios.
b) Davi, o Famoso Exorcista do Rei
Embora já tenhamos falado sobre a fama de Davi como 
exorcista anteriormente (1 Sm 16.14-23), creio ser importante 
citá-lo novamente, mas, desta vez, conforme o testemunho dado 
por Flávio Josefo:
Saul, ao contrário, foi tomado pelo espírito mau, que 
parecia querer csganá-lo a todo o instante. Os médicos não 
encontraram outro remédio para esse mal, senão mandar cantar 
para ele, ao som da harpa, hinos sagrados, por algum músico 
competente, quando o demônio o agitasse. Mandaram procurá- 
lo por toda parte; disseram-lhe que havia somente um que
PROENÇA, Eduardo de. (org.). APEB, p.263.
117
CARLffiS AUGUS+ffi VAILA + +I
poderia fazê-lo e era um dos filhos de Jessé, de nome Davi [...].
188{Antiguidades Judaicas - VI, 235).
O testemunho de Josefo (c. 37-100 A.D.) é importante 
para a compreensão do conhecimento demonológico que havia 
no judaísmo do I século. Josefo menciona demônios no relato da 
depressão de Saul, a qual ele atribui aos 8atp.óvia (daimónia))*9 
É curioso observar neste ponto que o rei que havia sido 
escolhido pelo povo, isto é, Saul, é o endemoninhado, enquanto 
que o rei escolhido por Deus, Davi, é o exorcista.
c) Salomão, o Exorcista par Excellence
Salomão, principalmente nos escritos de Flávio Josefo, 
possui reputação não apenas de sábio, mas também de exorcista 
místico, que através da manipulação de vários remédios, 
prescreveu receitas altamente eficazes, capazes de expulsar os 
demônios de forma definitiva.* 189 190 Além disso, o que nos chama a 
atenção neste relato é o fato de Josefo enfatizar que tais “receitas 
exorcisticas”, cuja invenção fora atribuída a Salomão, ainda 
eram seguidas e colocadas em prática pelos judeus em sua época 
(I Século d.C.):
JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus. Vol. 1. [Tradução de Vicente 
Pedroso], Rio de Janeiro, CPAD, 1992, p. 135.
189 KITTEL, Gerhard, (ed.). TDNT. Vol.II. [A-H], p.10.
190 Segundo a Sabedoria de Salomão 7.20, Salomão tinha “poder dos 
espíritos” (rtVEupdreov píaç), isto é, “poder sobre os espíritos”. (Cf. 
ROGERS JR., Cleon L. The Promises to David in Early Judaism. BS. 
Vol. 150, n° 599. Dallas, Dallas Theological Seminary Press, 1993, p.299).
Esse grande soberano compôs cinco mil livros de 
cânticos e de versos, três mil livros de parábolas, a começar do 
hissopo ate o cedro, passando por todos os animais, pássaros, 
peixes e todos os que caminham sobre a terra. Deus lhe havia 
dado perfeito conhecimento da natureza e de suas propriedades 
sobre o que ele escreveu um livro; empregou esse conhecimento 
118
SA + ANÁS, DEffl©NI©S E LEGIé
em compor, para utilidade dos homens, diversos remédios, 
dentre os quais alguns tinham mesmo a força de expulsar os 
demônios [de tal forma], que estes não se atreviam a voltar. Tal 
maneira de expulsá-los está ainda em uso entre os da nossa 
nação [...] (Antigüidades Judaicas - VIII, 324 - os acréscimos 
entre colchetes e os itálicos são meus).191 192
JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus. Vol. 1., pp. 175,176.
192 BUDGE, E. A. Wallis. Amulets and Talismans. New York, University 
Books, 1968, pp.40,424.
193 Idem, Ibidem, p. 181.
194 Idem, Ibidem, p. 280. Veja ainda o excelente estudo de Perkins, segundo 
quem, a frase “maior do que Salomão” (Mt 12.42) é, sobretudo,uma 
referência ao controle que Jesus exerce sobre os demônios. Perkins entende 
que a natureza da sabedoria de Salomão descrita neste verso tem a ver com a 
reputação que este tinha como alguém que exercia controle efetivo sobre o 
reino demoníaco. Baseado principalmente no contexto da controvérsia de 
Belzebú que aparece no mesmo capítulo (Mt 12.22-32), Perkins argumenta 
que a “sabedoria” demonstrada por Jesus na expulsão de demônios era
Embora tal relato esteja, sem dúvida alguma, repleto de 
fantasias no que concerne à pessoa de Salomão, todavia, trata-se 
de um importante testemunho sobre as práticas exorcísticas que 
podem ter estado em voga em alguns círculos judaicos mais 
místicos no período contemporâneo ao da época 
neotestamentária.
Além desse relato citado por Josefo, Budge ainda fala 
sobre o desenho do pentagrama que havia no anel mágico de 
Salomão, o qual era considerado como um poderoso amuleto 
contra todo tipo de mal, incluindo, é claro, os demônios. O 
autor fala ainda sobre inscrições encontradas em outros 
amuletos, as quais continham “palavras de poder” usadas, 
segundo ele, por Salomão, tais como: “Lôfham!” e 
“Mahfelôn!”.193 Enfim, lendas sobre os poderes do rei Salomão 
como mágico são numerosas, e graças a vários textos da Bíblia, 
do Talmude, de Josefo e de Qumrã, tais lendas são bem 
conhecidas.194
119
CARLOS AUGUS + © VAILA + + I
d) Eleazar, o Exorcista Judeu
Ainda de acordo com Flávio Josefo, e, na continuação do 
relato sobre a fama de Salomão como exorcista, o autor diz ter 
sido testemunha ocular das práticas exorcísticas de um judeu, 
chamado Eleazar, o qual praticava exorcismos publicamente na 
presença do próprio imperador Vespasiano:
Eu vi pessoalmcntc um dos nossos, chamado Eleazar, 
libertar os possesses de espíritos malignos, cm presença de 
Vespasiano, de seus filhos c demais guerreiros. A cura se 
realizou da seguinte maneira: Eleazar segurou, sob as narinas do 
possesso, um anel no qual introduzira uma daquelas raízes 
indicadas por Salomão. Fez com que o doente a cheirasse e, 
assim, retirou o espírito maligno pelas narinas. No mesmo 
instante, o possesso caiu prostrado e Eleazar, pronunciando o 
nome de Salomão c os provérbios por ele compostos, 
csconjurou o espírito maligno a não voltar mais para aquele 
homem. E para mostrar aos presentes que tinha rcalmcntc o 
poder de fazer tal coisa, Eleazar colocou uma bacia ou outro 
recipiente cheio d’água, não distante dali, e ordenou ao espírito 
maligno que, logo que saísse do homem possesso, entornasse a 
água c convencesse os espectadores de que havia abandonado o 
homem. Isto também aconteceu, rcalmcntc, e assim se 
manifestou a sabedoria e a ciência de Salomão. Achei que devia 
referir estes fatos para que conheçam todos como é poderoso o 
espírito do rei e como ele era agradável a Deus, e para que as
superior à sabedoria empregada por Salomão em seus encantamentos 
“exorcísticos”, relatados na Tradição Judaica. Assim, Jesus é “maior do que 
Salomão” neste sentido. (Cf. PERKINS, Larry. “Great Than Solomom ” 
(Matt 12:42). TrinJ. Vol. 19, n°2. Weaverville, Trinity Journal, Inc., 1998, 
pp.207-217).
120
SA+ANÁS, DElTlfflNIffiS £ LEGIî
virtudes excelsas desse rei não ficassem ocultas a ninguém
195 debaixo do sol. (Antiguidades Judaicas - VIII, 2,5).
Esse relato de exorcismo é especialmente importante por 
nos fornecer diversas informações sobre uma prática exorcística 
realizada no I Século d.C. Gostaríamos de destacar aqui alguns 
pontos encontrados nesse relato:
1) Josefo, para legitimar o exorcismo feito por 
Eleazar, menciona várias testemunhas oculares 
que o presenciaram: a) o próprio Josefo; b) o 
imperador Vespasiano; c) os filhos do 
imperador; e d) os guerreiros (soldados) de 
Vespasiano;
2) O exorcismo é visto como uma prática 
terapêutica, pois Josefo dá o nome de “cura” à 
prática exorcística realizada por Eleazar;
3) A fama de Salomão é novamente percebida 
neste exorcismo, pois, é graças a “uma 
daquelas raízes indicadas por Salomão”, 
contidas no anel de Eleazar, que o 
endemoninhado é liberto; *196
1 QS JOSEFO, Flávio. Antiguidades Judaicas. Apud: WEISER, Afons. O Que 
é Milagre na Bíblia. [Tradução de D. Mateus Rocha], São Paulo, Paulinas, 
1978, p.86.
196 'E curioso notar a esse respeito que o famoso apologista cristão, Justino 
Mártir (c. 100-165 d.C.), “acreditava que oração, jejum, imposição de mãos, 
queima de raízes, aspersão de água benta e o nome de Jesus deveríam ser 
empregados nos exorcismos (II Apologia, 6)”. (Cf. OROPEZA, B. J. 99 
Perguntas Sobre Anjos, Demônios e Batalha Espiritual. [Tradução de Josué 
Ribeiro], São Paulo, Mundo Cristão, 2000, nota 20, p.210). A crença de 
Justino reflete um ponto de vista sincrético, misturando elementos oriundos 
do cristianismo e da crendice popular dos tempos antigos.
121
CARLffiS AUGUS+ffi VAÍLA + + I
4) Eleazar expulsa o demônio “pronunciando o 
nome de Salomão e os provérbios por ele 
compostos”. Embora Jesus tenha expulsado o 
diabo no episódio da tentação no deserto 
através de três citações do livro de 
Deuteronômio (cf. Mt 4.1-11; Lc 4.1-13; 
Compare, p.ex., Mt 4.4 com Dt 8.3; Mt 4.7 
com Dt 6.16; Mt 4.10 com Dt 6.13; 10.20), é 
impossível sabermos exatamente quais textos 
do livro de Provérbios teriam sido utilizados 
por Eleazar durante seu exorcismo. Contudo, 
acredito que passagens tais como Pr 1.33; 
3.26; 14.26,27; 15.29; 19.23; 20.8 e 23.11 
poderíam certamente ter sido utilizadas por 
ele.
5) Eleazar, ao expulsar o demônio, ordena-o “a 
não voltar mais para aquele homem”. Tal 
ordem encontra eco nas palavras de Jesus, ao 
expulsar o demônio que atormentava um rapaz 
desde a sua infância: èyoò íttitccocjcl) ooi,
amou Kai pr|K6Ti eloéÀOflç eLç cíòtÓv. (egõ 
epitássõ soi, ékselthe eks autoú kai mêkéti 
eisélthês eis autón), “eu te ordeno, sai dele e 
não entres mais nele” (Mc 9.25).
6) Eleazar também ordenou ao demônio que, 
assim que fosse expulso, desse um sinal de que 
isso havia acontecido. Ele ordenou ao demônio 
que, “logo que saísse do homem possesso, 
entornasse a água”, isto é, derrubasse a bacia 
ou o recipiente cheio d’água, a fim de que sua 
expulsão fosse confirmada. Segundo David 
122
SA+ANÁS. DEmêNieS £ LEGIî
Aune, naqueles tempos antigos acreditava-se 
que o demônio devia dar algum sinal físico 
que indicasse sua saída do corpo da pessoa, 
como, por exemplo, derrubar um copo d’água 
ou fazer a vítima espirrar. Ele ainda diz que 
drogas também eram usadas em alguns 
197 exorcismos.
7) Por fim, é curiosa a referência sobre Eleazar 
ter retirado o espírito maligno “pelas narinas” 
e o fato de que o possesso “caiu prostrado” 
após a sua libertação. Embora não vejamos 
nos Evangelhos nenhum relato sobre algum 
demônio ter saído por orifícios tais como 
“boca”, “ouvidos” ou “narinas”, encontramos, 
contudo, menção à “prostração” dos demônios 
diante da autoridade de Jesus (cf. Mc 3.11; Lc 
8.28).
e) Hanina ben Dosa, o Exorcista Galileu *198
AUNE, David. “Exorcism”, ISBE, 2:242-45. Apud: OROPEZA, B. J. 
Op.Cit., p.210.
198 G. Vermes inclui Hanina em um grupo de dez Judeus Ascetas e 
Carismáticos daqueles tempos antigos, os quais se encontram dispostos nesta 
seqüência: 1) Honi; 2) Menahem, o Essênio; 3) Abba Hilquiá; 4) Hanã; 5) 
Simão, o Essênio; 6) Banno; 7) Hanina ben Dosa; 8) Jesus, filho de Ananias; 
9) Eleazar; 10) Jacó, de Quefar Secaniá. (Jesus, que não é mencionado neste 
grupo, aparece na lista de Personalidades do Novo Testamento). (Cf. 
VERMES, Geza. Who's Who in the Age of Jesus. London, Penguin Books, 
2005, pp.6,7).
Hanina ben Dosa, segundo fontes rabínicas, viveu em 
Arab, uma cidade galiléia situada dentro do distrito de Séforis 
(pBer. 7c; bBer. 34b). Segundo parece, essa localidade ficava a 
123
CAR.L®S AUGUS + ® VAILA + + I
uns quinze quilômetros ao norte de Nazaré,199 cidade onde Jesus 
fora criado (Mt 2.23; Lc 4.16). Ao que tudo indica, Hanina 
viveu no I século d.C., sendo, portanto, contemporâneo de Jesus. 
Fontes talmúdicas o associam a trêsfiguras históricas deste 
período: Nehuniah, oficial do templo, Rabban Gamaliel e 
Yohanan ben Zakkai. Se, como parece ser provável, o Gamaliel 
aqui em questão fosse Gamaliel, o Velho, de quem o apóstolo 
Paulo afirmava ter sido discípulo (At 22.3), e não Gamaliel II, 
neto do anterior, então Hanina viveu no período precedente ao 
ano 70 d.C.200 *
199 VERMES, Geza. Jesús, el Judio, p. 78.
200 VERMES, Geza. Jesús, el Judio, p.78. A opinião de Vermes de que 
Hanina viveu antes do ano 70 d.C. é seguida por Crossan, que afirma que 
Hanina viveu antes da destruição do Segundo Templo no I século E.C. (Cf. 
CROSSAN, John Dominic. O Jesus Histórico: a vida de um camponês judeu 
do Mediterrâneo. [Tradução de André Cardoso]. Rio de Janeiro, Ed. Imago, 
1994, p. 183). Todavia, segundo a Mishná, Hanina ben Dosa atuou depois do 
ano 70 d.C., mais precisamente, entre 80-120 d.C. (Cf. DANBY, Herbert. 
The Mishnah. [Translated from the Hebrew with introduction and brief 
explanatory notes by Herbert Danby], Oxford, Oxford University Press, 
1988, p. 799). David Flusser também parece situar Hanina numa data 
posterior ao ano 70 d.C., pois, de acordo com ele, Hanina viveu uma geração 
após Jesus. (Cf. FLUSSER, David. Jesus. [Tradução de Margarida 
Goldsztajn], São Paulo, Editora Perspectiva S.A., 2002, p.87).
">()1 DANBY, Herbert. The Mishnah, p.6.
Seja como for, esse rabino é visto como um poderoso 
taumaturgo. Prova disso é que se dizia do rabino Hanina ben 
Dosa que ele costumava orar sobre o doente e dizer: “Este 
viverá”, ou “Este morrerá”. Diziam-lhe: “Como sabes disso?”. 
Ele respondia: “Se a minha oração é fluente em minha boca, eu 
sei que ela é aceita; e se ela não é, eu sei que ela é rejeitada” 
(Berakoth 5.5). Aliás, a Mishná declara que “quando o 
Rabino Hanina ben Dosa morreu cessaram os homens de boas 
ações” (Sotah 9.15). A expressão “homens de boas ações” pode 
124
SA + ANÁS, DE1T1©NI©S E LEGIî
ter o sentido de “homens de poder” ou “realizadores de 
milagres”.202
70? Idem, Ibidem, p.306, nota 1.
203 VERMES, Geza. Jesús, el Judio, p.220. Aqui, a fala de Hanina à demônia 
Agrath: “Se eu sou tão estimado no céu (...)” encontra eco no confronto de 
Elias com os capitães de Acazias, onde o profeta diz por duas vezes: “Se eu 
sou homem de Deus, desça fogo do céu (...)”. (Cf. 2 Rs 1.10, 12). Além 
disso, é digno de nota o pedido de Agrath feito para Hanina e a concessão 
deste a tal petição (cf. Mc 5.10-13 par.).
E, já que estamos falando sobre milagres, um aspecto em 
particular da vida de Hanina deve ser destacado, o qual diz 
respeito ao seu papel de exorcista. Para tal, nos reportaremos 
novamente a Geza Vermes, quem nos fala sobre uma tradição 
preservada no Talmude Babilônico, segundo a qual Hanina se 
depara com Agrath, a rainha dos demônios. Essa rainha dos 
demônios que costumava atacar as pessoas todas as noites por 
meio de seu grande exército de espíritos malignos, passou a 
realizar seus ataques apenas duas vezes por semana, graças à 
intervenção de Hanina ben Dosa. Eis o relato:
Uma vez [Agrath] se encontrou com o rabino Hanina ben 
Dosa e lhe disse: “Se Deus não mc houvesse recomendado 
desde o céu, ‘toma cuidado com Hanina c com a sua doutrina!’, 
eu teria te atacado”. E ele disse: “Sc eu sou tão estimado no ccu, 
ordeno que tu não voltes a passar nunca mais por um lugar 
habitado”. E ela lhe disse: Permita-me, por favor, fazê-lo por 
tempo limitado”. Ele então lhe concedeu as noites dos sábados e 
as noites de quarta-feira.203
Esse relato sobre Hanina ben Dosa possui em seu 
conjunto diversos elementos que parecem ecoar nas páginas dos 
Evangelhos. E, para o nosso estudo de Mc 5.1-20, em particular, 
ele adquire uma importância ainda maior, pois são nítidas as 
semelhanças entre este relato encontrado no Talmude 
Babilônico e o contexto de Mc 5.7-13:
125
CARLSS AUGUS + ffi VAILA + + I
Jesus e Hanina ben Dosa, dois Galileus Exorcistas
No Evangelho de Marcos
1. Jesus tem a sua identidade conhecida pelos demônios (Filho 
do Deus Altíssimo) (5.7);
2. Jesus ordena ao espírito imundo que saia do corpo do homem 
que ele estava possuindo (5.8);
3. Os demônios rogam a Jesus que lhes permita entrar numa 
manada de porcos (5.12);
4. Jesus concede o pedido dos demônios e permite-lhes entrar 
nos porcos, os quais se precipitam de um despenhadeiro ao mar 
(5.13).
No Talmude Babilônico
1. Hanina ben Dosa tem a sua identidade conhecida por Agrath, 
a rainha dos demônios;
2. Hanina ordena a Agrath que nunca mais ande por um lugar 
habitado;
3. Agrath pede a Hanina que lhe permita andar por lugares 
habitados por tempo limitado;
4. Hanina concede o pedido de Agrath e permite-lhe andar por 
lugares habitados nas noites de sábado e de quarta-feira.
Como podemos notar nessa breve comparação feita entre 
a prática exorcística de Jesus e a de Hanina ben Dosa, este 
último é uma figura essencial para a compreensão da hipótese 
126
SA+ANÁS, DEffl©Nl©S E LEGIé
que associa o judaísmo carismático com a Galiléia,204 e, além 
disso, é também uma figura indispensável para o entendimento 
do ministério taumatúrgico de Jesus, sobretudo, no que diz 
respeito ao seu papel de exorcista.
204 VERMES, Geza. Jesús, el Judio, p.77.
f) Bara, a Planta Exorcista
Talvez, o leitor possa se perguntar: “Por que uma planta 
é incluída numa lista que trata de exorcismos e exorcistas na 
tradição do judaísmo?”. Porque, como já tivemos a oportunidade 
de ver: primeiro, Salomão receitava remédios à base de raízes 
para expulsar demônios; segundo, um judeu chamado Eleazar 
utilizou tais receitas em um de seus exorcismos; terceiro, Flávio 
Josefo nos diz que tal maneira de expulsar os demônios 
(utilizando-se raízes receitadas por Salomão) ainda era praticada 
em sua época (I século d.C.); quarto, o apologista cristão, 
Justino Mártir, também incluía a queima de raízes em suas 
práticas exorcísticas; e, quinto, era comum usar drogas à base de 
ervas e plantas em alguns exorcismos do mundo antigo.
Portanto, vejamos o relato de Josefo a respeito de uma 
planta chamada Bara, a qual possuía, segundo ele, a propriedade 
de exorcizar demônios. A meu ver, no relato de Josefo esta 
planta parece ser a “personificação” de um exorcista, figura esta 
que era comum no I século d.C. Por este motivo, resolvi incluí- 
la aqui:
No vale que rodeia Macherom, do lado do norte, 
encontra-se, no lugar chamado Bara, uma planta que tem o 
mesmo nome e que se parece com uma chama e lança, à tarde, 
raios resplandecentes e retira-se, quando a gente a quer apanhar. 
O único meio de detê-la é atirar-lhe urina de mulher, ou aquele 
sangue supérfluo, que elas, de tempos em tempos, eliminam. 
Não se pode tocá-la, sem perigo de morrer, a menos que se 
tenha na mão a raiz da mesma planta; encontrou-se um outro 
127
CARLOS AUGUS + ® VAILA + + I
meio de colhê-la sem perigo. Cava-se em redor, de modo que 
ela fique presa pela raiz à qual amarra-se um cão; este querendo 
seguir aquele que o amarrou, arranca a planta e morre 
imediatamente, como se resgatasse com sua vida a do seu dono. 
Depois disso, pode-se sem perigo manuseá-la; ela tem uma 
virtude, que faz [com que] não se tema expor-se a qualquer 
perigo, para apanhá-la, isto é, os demônios ou as almas dos 
maus, que entram no corpo dos homens vivos, e que os 
matariam se não se lhes impedisse, abandonam-nos 
imediatamente, quando deles se aproxima essa planta. 
(Guerras Judaicas, VII, 526 - os itálicos e os acréscimos entre 
colchetes são meus).205
Guerras Judaicas, Livro VII, XXIII, 526. JOSEFO, Flávio. História dos 
Hebreus. Vol. 3, p. 199.
206 HARRIS, R. Laird, (org.). DITAT, p.218.
A origem etimológica do nome dessa planta (Bara) não é 
dada por Josefo, mas, tenho para mim, que ela possa ter ligação 
com a palavra hebraica n^Zl (bãrah), que, dentre outros 
significados, quer dizer “expulsar, colocar em fuga”.206 Se 
estivermos corretos em nossa interpretação, então o próprio 
significado do nome da planta já é, em si mesmo, uma alusão à 
sua propriedade exorcística.
Josefoainda diz que a planta “tem uma virtude”, ou seja, 
“os demônios ou as almas dos maus, que entram no corpo dos 
homens vivos [...] abandonam-nos imediatamente, quando deles 
se aproxima essa planta”. Tal relato é interessante por três 
motivos: primeiro, porque nos mostra que no I século d.C. 
acreditava-se que os “demônios” e as “almas dos maus” fossem 
uma mesma coisa (ou melhor, acreditava-se que as almas das 
pessoas más que tivessem morrido, se transformavam em 
demônios); segundo, a crença de que tal planta tivesse a 
“virtude” de exorcizar demônios, parece refletir a crendice 
popular da época, repleta de elementos místicos e supersticiosos;
128
SA + ANÁS, D£m®NI©S E LEGIé
e, terceiro, acreditava-se que essa planta fosse realmente eficaz 
nos rituais exorcísticos, pois os demônios abandonavam os 
corpos das pessoas “imediatamente”, assim que entrassem em 
contato com ela.
1.3.6. Exorcismos e Exorcistas no Contexto Pagão
Saindo do contexto judaico e entrando agora no contexto 
pagão, duas personagens, em particular, se destacam na prática 
dos exorcismos: Apolônio de Tiana e um sírio anônimo da 
Palestina. Analisemos estas duas personagens de forma mais 
detalhada.
a) Apolônio de Tiana
Apolônio de Tiana (c. 4 a.C. - 90 d.C.) foi um filósofo 
grego neopitagórico e um conhecido taumaturgo que viveu no I 
século d.C.20 Apolônio era da cidade de Tiana, cidade da 
província romana da Capadócia, na Ásia Menor. Desde cedo, 
apegou-se à filosofia e ao estilo de vida dos neopitagóricos, uma 
combinação sui generis de ascese, fuga do mundo e magia. Ele 
percorreu várias regiões como pregador, taumaturgo e vidente 
profético. Sua fama chegou, inclusive, a sobrepujar a de muitas 
outras figuras que a ele se assemelhavam, tais como, 
208 Epimênides, Peregrino Proteu e Alexandre de Abonuteicos. 
Apolônio se recusava a provar carne e vinho, andava descalço e 
tinha os cabelos compridos. Depois de cinco anos de silêncio e 
estudo, ele se dedicou a viajar e se diz que chegou até a 
Babilônia (onde conheceu os magos) e à índia (onde foi * * 
BARBAGLIO, Giuseppe. Jesús, Hebreo de Galilea: investigación 
histórica. [Traducción de Afonso Ortiz García]. Salamanca, Secretariado 
Trinitario, 2003, p.342.
208 WEISER, Afons. O Que é Milagre na Bíblia, p.87.
129
CARL®S AUGUS+® VAILA + + I
discípulo de budistas e brahmanes). Chegou a Roma durante o 
reinado de Nero, de onde partiu depois para a Espanha e para a 
Etiópia. Segundo conta-se, ele morreu na cidade de Éfeso em 
uma idade muito avançada, embora outras fontes afirmem que 
ele simplesmente desapareceu.209
PIKE, Edgar Royston. Diccionario de Religiones. [Adaptación de Elsa 
Cecilia Frost]. México, Fondo de Cultura Econômica, 2001, p.33. Segundo 
A. Weiss, Apolônio morreu com a idade aproximada de cem anos. (Cf. 
WEISS, Adolfo. La Ley Universal de Las Sociedades. Buenos Aires, 
Editorial Kier, 1949, p.402).
210 PIKE, Edgar Royston. Op.Cit., p.33.
211 WEISER, Afons. Op.Cit., p.87.
Apolônio parece ter sido uma espécie de reformador moral 
e religioso que tentou revitalizar o paganismo e que foi adorado 
durante séculos como uma pessoa divina (tal como ocorreu 
também com Pitágoras). Hegel, e com ele muitos outros 
historiadores da Filosofia, afirmam que as histórias milagrosas 
tanto sobre Pitágoras, como também sobre Apolônio de Tiana, 
foram tentativas de se criar uma personalidade pagã que pudesse 
opor-se à de Cristo.210 211
Todavia, como Apolônio era visto por alguns escritores da 
Antigüidade? Bem, seu primeiro biógrafo, Moirágenes, o via 
como um mago. Já Luciano de Samósata (II século d.C.) o vê 
como saltimbanco e enganador. O primeiro a escrever um 
trabalho mais amplo sobre Apolônio foi Filóstrato, escritor da 
corte do imperador Sétimo Severo, com a obra Vida de Apolônio 
de Tiana, em tomo de 200 d.C., a pedido de Júlia Domna, 
mulher do imperador. Essa obra é a biografia mais antiga que se 
conhece a respeito de um taumaturgo pagão. Filóstrato, ao 
contrário das opiniões anteriormente esboçadas, não via em 
Apolônio um mago ou um feiticeiro, mas o enxergava como um 
homem sábio que fora iluminado divinamente e um taumaturgo
• 711que fora agraciado com poder divino.
Vejamos um famoso relato de exorcismo que é atribuído a 
ele:
130
sa+anás. DemêNies e legiã®
Certa feita, estando Apolônio a falar em Atenas sobre as 
vítimas da bebida, um jovem se pôs a troçar das coisas que ele 
dizia. Então Apolônio olhou para ele e lhe disse: "Não é você 
pessoalmente que procede, assim, arrogantemente. E o 
demônio que leva você a agir desse modo, sem você se dar 
conta”. E de fato, o jovem estava possesso de um demônio, sem 
o saber, pois ria à toa de coisas de que ninguém achava graça, e 
depois chorava sem nenhum motivo, além de ter o costume de 
andar falando ou cantando sozinho. Muitas pessoas pensavam 
que era a alegria impetuosa da juventude que o levava a tais 
explosões, mas, na realidade, era a boca do demônio que o 
fazia... Quando Apolônio o encarou, o espírito que estava nele 
começou a gritar de medo e de raiva, como um homem que 
estivesse sendo queimado ou torturado. E o espírito jurava que 
deixaria o jovem e não voltaria mais a se apoderar de pessoa 
alguma. Então Apolônio, cheio de raiva, o repreendeu 
severamente... e lhe ordenou que saísse do jovem e mostrasse, 
por algum sinal visível, que obedecera. “Eu vou derrubar 
aquela estátua que está ali ”, disse o demônio, e apontou para 
uma estátua que estava no átrio real, onde o episódio se 
passara. Assim que a estátua começou a se mexer e, a seguir, 
caiu, ouviu-se um barulho indescritível. O Jovem, porém, 
esfregava os olhos, como se acabasse de despertar de um sono. 
Olhou para os raios do sol c mostrou uma expressão humilde, 
enquanto a atenção de todos se voltava para ele. Depois corrigiu 
sua vida, recuperou-se e orientou sua vida, no futuro, pelo 
exemplo de Apolônio. (Vida de Apolônio de Tiana, IV, 20 - Os 
itálicos são meus).212
PHILOSTRATUS, Flavius. The Life of Apollonius of Tyana. 
CONYBEARE, F. C., in The Loeb Classical Library, London, 1960, 5a ed., 
11. Apud: WEISER, Afons. O Que é Milagre na Bíblia, p.88.
Esse relato sobre o exorcismo de Apolônio de Tiana, em 
especial, nos mostra que as narrativas helenísticas de exorcismos 
131
CARLffiS AUGUS+® VAILA + + I
pareciam seguir uma estrutura bem definida. Seguindo a opinião 
de Afons Weiser,213 a estrutura pode ser assim esquematizada:
WEISER, Afons. Op.Cit., pp. 89,90.
Estrutura de um Relato de Exorcismo Típico
1. Indicação da situação e descrição do estado do possesso;
2. Encontro do Exorcista com o possesso;
3. Tentativa de defesa por parte do demônio;
4. Ordem dada pelo exorcista ao demônio para que saia do 
possesso;
5. Saída do demônio acompanhada de demonstração;
6. Reação dos espectadores.
Filóstrato e o Relato Sobre o Exorcismo de Apolônio
1. Apolônio realiza uma conferência em Atenas: um certo jovem 
zomba, ri, chora e fala sozinho;
2. Apolônio o encara e fala com ele;
3. O demônio pressente o exorcista, grita e promete sair;
4. Apolônio ordena que o demônio abandone o possesso e o 
mostre através de um sinal visível;
132
SA+ANÁS, DEmêNieS E LEGIî
5. O demônio sai e derruba uma estátua, fazendo barulho;
6. Todos voltam sua atenção para o que fora curado.
Embora Flavius Filostratus, ou simplesmente, Filóstrato, 
o autor da Vida de Apolônio de Tiana, tenha vivido entre 175- 
245 d.C., e, portanto, a mais de um século de distância de seu 
biografado (Apolônio viveu de 4 a.C. a 90 d.C.), contudo, sua 
obra é de suma importância para o nosso trabalho, pois nos 
permite fazer um balanço entre as supostas práticas exorcísticas 
de Apolônio de Tiana e os exorcismos praticados por Jesus.
Porém, algo mais deve ser dito sobre Apolônio, a fim de 
que possamos delinear melhor o seu perfil. Eunápio, o pupilo de 
Crisanto, um dos instrutores do imperador Juliano, escrevendo 
no fim do IV século d.C., disse que Apolônio era mais do que 
um filósofo. Ele foi, por assim dizer, Ti Gecov tekoci avQpcoKou 
pEcrov (Ti theõn te kai anthrõpou meson), isto é, “um meio 
termo entre os deuses e os homens”.214 * Filóstrato, na conclusão 
de sua obra (viii, 31), diz que viajou por várias partes do mundo 
e que por onde andava se deparava com as Xoyotç ôaipoviotç 
(logois daimoniois) “palavras inspiradas” de Apolônio. ’ Certa 
vez, Apolônio foi para Pérgamo, na Ásia Menor, e conheceu o 
templo de Esculápio. Conta-se que ele curou muitos pacientes 
naquele lugar.216 Todavia, devemos nos lembrar que os 
endemoninhados não tinham acesso aos templos de Asclépio (ou 
Esculápio).217 Portanto, se Apolônio realizou, de fato, milagres 
ali, devem ter sido curas, e não exorcismos. E ainda, em outro 
MEAD, G.R.S. Apolônio de Tiana. [Tradução de Raul Branco]. Brasília, 
Editora Teosófica, 2000, p.44.
2 1 5■ Idem, Ibidem, p.58.
“16 Idem, Ibidem, p.82.
? I 7 WEISER, Afons. O Que é Milagre na Bíblia, p.87.
133
CARL®S AUGUS+ffi VAILA + +I
episódio, quando tentaram atirá-lo a cães raivosos para que estes 
o estraçalhassem, Apolônio desapareceu de forma misteriosa.218
RIJCKENBORGH, J. Van. O Nuctemeron de Apolônio de Tiana. Jarinu, 
Editora Rosacruz, 2003, p.l 1.
219 Por exemplo, MEAD, G.R.S. Apolônio de Tiana, p.8. Aliás, também 
pode ser encontrado no prefácio desta obra uma tentativa de identificar o 
“Apoio” mencionado em algumas epístolas paulinas com “Apolônio de 
Tiana”. (Cf. Op.Cit., pp. 11-15).
Assim, de posse de tais informações, podemos chegar às 
seguintes conclusões: Primeira, os relatos fantásticos sobre a 
vida de Apolônio de Tiana, senão todos, pelo menos grande 
parte deles, devem ser enxergados como meras lendas repletas 
de fantasias, os quais foram produzidos ou coletados (talvez 
também adaptados) por Filóstrato com o objetivo de angariar 
prestígio diante de Júlia Domna, esposa do imperador Sétimo 
Severo, a qual lhe havia encomendado a obra. Segunda, as 
histórias miraculosas a respeito de Apolônio de Tiana foram, 
certamente, tentativas de se criar uma personalidade 
taumatúrgica pagã que pudesse rivalizar-se à pessoa de Cristo. 
Terceira, as supostas semelhanças existentes entre as vidas e 
ministérios de Apolônio de Tiana e de Jesus, tão defendidas por 
alguns,219 devem ser vistas com muitas reservas e, sobretudo, 
sob um olhar crítico, pois tais semelhanças não se sustentam 
quando submetidas a uma análise bíblico-teológica. Quarta, 
Apolônio de Tiana deve ser visto mais como um filósofo 
místico-sincrético, a quem a crendice popular atribuiu uma 
coleção de feitos notáveis, do que propriamente um taumaturgo, 
no sentido mais pleno da palavra. Finalmente, por mais 
paradoxal que possa parecer, embora tais relatos apolonistas 
estejam repletos de mitos, fantasias e lendas, contudo, ainda 
assim são importantes, pois nos fornecem um material auxiliar 
que nos permite conhecer, por exemplo, como funcionava a 
estrutura das práticas exorcísticas no antigo mundo pagão.
b) O Sírio Anônimo da Palestina
134
SA + ANÁS, DEmêNieS Ê LEGIé
O escritor grego Luciano de Samósata (c. 120-180 d.C.), 
amante da sátira e oponente das crenças religiosas, nos relata em 
sua obra Philopseudes, que significa “amigo da mentira”, alguns 
casos de exorcismos. Num destes casos, ele coloca na boca de 
um certo íon - que defendia a legitimidade de tais histórias de 
exorcismo - os seguintes dizeres:
De boa vontade [diz íon] te perguntaria qual é a sua 
opinião sobre os que libertam aos endemoninhados de seus 
medos conjurando abertamente aos espectros. E isto não 
impede que eu te diga: todos conhecem ao sírio da Palestina, 
mestre na matéria de libertar endemoninhados, e quem é que 
não sabe quantas pessoas caem por terra com os olhos 
arregalados e a boca cheia de espuma ao verem a lua; quantos 
lunáticos este homem [o sírio] não colocou, novamente, em pé, 
e mandou de volta para casa, depois de ter expulsado deles, em 
troca de dinheiro, os espíritos malignos? De fato, quando estes 
doentes jazem por terra diante dele e ele pergunta ao demônio 
de onde ele vem e como c que ele entrou naquele corpo, o 
doente não diz uma palavra. E o diabo quem responde, em 
grego ou em alguma língua bárbara, dizendo quem é, de onde 
veio e como foi que entrou naquela pessoa. Então, ele o expulsa 
à força de esconjuros e, quando isso já não adianta, à força de 
ameaças. Eu mesmo vi, certa vez, um desses diabos, que era 
todo preto e como que defumado, sair de uma pessoa 
{Philopseudes, 16 - os itálicos e os acréscimos entre colchetes 
220são meus).
Esse intrigante exorcismo relatado por Luciano de 
Samósata nos fornece vários elementos relevantes para a nossa *
LUCIANO. [Luciano de Samósata]. Relatos Fantásticos. [Traducción y
Notas de Carlos Garcia Gual, Jaime Curbera, Marisa Del Barrio y Jorge
Bergua], Madrid, Alianza Editorial, S.A., 1998, p. 126.
135
CARLGS AUGUS + ® VAILA + + I
221análise de Mc 5.1-20. Essa narrativa helenística sobre um 
caso de exorcismo, ainda que seja inventada, possui muitas 
coisas em comum com o relato evangélico que ora estamos 
analisando. Algumas observações devem ser feitas aqui:
1) O exorcista protagonista do relato é chamado de 
“sírio da Palestina”. Ao que tudo indica, Luciano 
parece estar se referindo a um contemporâneo seu 
(“todos conhecem ao sírio da Palestina”), pelo que 
dificilmente a menção parece fazer alusão a Jesus. 221222
2) O tal “sírio da Palestina” é descrito como sendo uma 
figura popular, cujos exorcismos praticados são 
vistos como sua especialidade. Segundo íon, ele é 
“mestre na matéria de libertar endemoninhados”.
3) As possessões demoníacas, neste relato, são 
comprovadas por meio de três comportamentos 
anormais, a) As pessoas “caem por terra”; b) Além 
221 'Segundo Morton Smith: “E possível que esta paródia tenha sido inspirada 
em alguma história do evangelho, como Mc 5.1-19. Mas, é igualmente 
possível e mais provável que ambos, Luciano e o evangelho, se basearam em 
um conhecimento comum da dramaturgia popular praticada pelos 
exorcistas”. (Cf. SMITH, Morton. Jesus the Magician. Northamptonshire, 
The Aquarian Press, 1985, p.57).
222 Esta é a opinião de Jaime Curbera, in: LUCIANO. [Luciano de 
Samósata]. Relatos Fantásticos, nota 16, p.126. Aliás, segundo Morton 
Smith, “em todo momento, o exorcista de Luciano não é representado como 
Jesus, mas como um contemporâneo do próprio Luciano. A única 
característica que sugere uma paródia de Jesus é a identificação do homem 
como ‘o Sírio da Palestina’”. (Cf. SMITH, Morton. JM, p.57). Todavia, tal 
referência pode sim dizer respeito a Jesus. Luciano, como satirista que era, 
pode muito bem ter trocado intencionalmente a nacionalidade de Jesus - 
chamando-o de “sírio”, em vez de “judeu” - justamente como forma de 
satirizar a figura de Cristo.
136
sa+anás, DemêNies e lêgiã®
disso, ficam “com os olhos arregalados”; e c) Ficam
223com a “boca cheia de espuma”.
4) Um conceito animista também é visto no relato, pois 
se acredita que “ao verem a lua”, muitos (os 
chamados “lunáticos”) ficam endemoninhados.*224
5) Este “sírio da Palestina”, depois de exorcizar o 
demônio da pessoa, mandava “de volta para casa” o 
que fora endemoninhado. Jesus também age assim 
em Mc 5.19: “Vai para a tua casa, junto aos teus, e 
anuncia-lhes as coisas que o Senhor tem feito a ti, e 
como teve misericórdia de ti”.
6) Contudo, este exorcista que era “mestre na matéria de 
libertar endemoninhados” expulsava os demônios 
“em troca de dinheiro”. O fato de se cobrar dinheiro 
em troca da expulsão dos demônios, a princípio, nos 
choca. Mas devemos nos lembrar, por exemplo, que 
“judeus exorcistas ambulantes eram comuns no 
Duas dessas três anormalidades, o “cair por terra” e o “espumar”, também 
são vistas em Mc 9.20 e Lc 9.39,42. Porém, o terceiro comportamento, o 
“arregalar dos olhos”, também pode estar implícito nestes textos. 
Curiosamente, o texto paralelo ao de Mc 9.14-29, isto é, Mt 17.14-21, diz, 
particularmente no verso 15, que o endemoninhado era um “lunático”. Já a 
passagem paralela de Lc 9.37-43 nadadiz a esse respeito.
224 A palavra grega usada para se referir a um “lunático” é o vocábulo 
0£Ár|ViáÇop.ai (selêniàzomai), que significa literalmente “estar atacado pela 
lua”, ou então, “ser epilético”. (Cf. THAYER, Joseph Henry. GELNT, p.573). 
Segundo Daniel J. Harrington, “o lunático é normalmente tomado como uma 
referência aos epiléticos (de quem se pensava na Antigüidade que a doença 
estava relacionada às fases da lua). Mas o termo provavelmente incluía mais 
do que os epiléticos - todos aqueles que estavam sob a nociva influência da 
lua”. (Cf. HARRINGTON, Daniel J. (ed.). The Gospel of Matthew. Vol.l. 
[Sacra Pagina]. Collegeville, The Liturgical Press, 1991, p.73).
137
CARL©S AUGUS+® VAILA + + I
mundo antigo”. Aliás, como disse Henri Daniel- 
Rops, “havia exorcistas profissionais entre os 
rabinos”, os quais, segundo ele, “iam de cidade em 
cidade cruzando as estradas da Terra Santa na prática 
de sua profissão”.225 226
225 PFEIFFER, Charles F. & HARRISON, Everett F. WBC, p.l 160.
226 ROPS, Henri Daniel. A Vida Diária nos Tempos de Jesus. [Tradução de 
Neyd Siqueira], São Paulo, Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1991, 
p.201.
227 Ricardo Mariano, descrevendo um ritual exorcístico da Igreja Universal 
do Reino de Deus (IURD), comenta algo que nos faz lembrar este antigo 
relato de exorcismo pagão: “[...] uma mulher [...] fica possessa [...]. Logo o 
demônio é amarrado e a possessa é levada ao púlpito. O pastor pergunta, 
gritando, qual é o nome do demônio que a está possuindo. Vencida a 
resistência inicial, recebe a resposta, com a voz cavernosa de sempre: ‘Exu 
Capa-Preta’. Insolente, o Exu diz odiá-lo. O pastor, então, escarnece dele, 
dizendo estar tremendo de medo. Todos riem. O pastor indaga o que o Exu 
está fazendo na vida da possessa. Estou matando-a aos pouquinhos, responde 
ele. Segurando-a pelos cabelos, o pastor pergunta com qual doença ele a 
infligiu. Descobre que são várias as doenças que a acometem. [...] Do alto de 
sua experiência com o fenômeno, o pastor diagnostica que o problema é de 
natureza espiritual. [...] Após a expulsão do Exu Capa-Preta, o pastor diz que 
ela está curada em nome de Jesus [...]”. (Cf. MARIANO, Ricardo. 
Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo, 
Edições Loyola, 2005, p.132).
7) Outro aspecto curioso desta narrativa pagã de 
exorcismo é o fato de que o exorcista “pergunta ao 
demônio de onde ele vem e como é que ele entrou 
naquele corpo”. Esse tipo de talk show demoníaco 
nos soa bem familiar, uma vez que ainda pode ser 
encontrado com freqüência em algumas igrejas 
neopentecostais brasileiras em nossos dias.227
8) A tomada de posse da consciência do indivíduo por 
parte do demônio também pode ser vista neste relato. 
Assim que o exorcista pergunta ao demônio “de onde 
138
SA + ANÁS, DÊfflÔNieS E LEGIé
ele vem e como é que ele entrou naquele corpo”, 
somos informados de que “o doente não diz uma 
palavra”, pois “é o diabo quem responde”. 
Encontramos escrito, de forma análoga, em Mc 5.9: 
“E perguntava a ele: Qual é o teu nome? E ele 
responde: Legião é o meu nome, porque somos 
muitos”.228
Para Johnson e Dewelt, Jesus fez esta pergunta ao homem 
endemoninhado, mas foi o demônio quem a respondeu: “Qual è o teu nome? 
O Senhor fez esta pergunta ao homem aflito. Por qual motivo? Não há nada 
tão conveniente como uma calma e simples questão para trazer um louco a si. 
Não há forma mais natural de despertar em um homem que está fora de si a 
consciência de sua própria personalidade do que fazê-lo dizer seu próprio 
nome. O nome do homem torna-se a expressão de seu caráter e um resumo da 
história de sua vida. A primeira condição de alguma cura deste homem aflito 
era um retomo ao distinto sentimento de sua própria personalidade. E ele 
respondeu. O homem foi perguntado, mas o demônio respondeu, 
demonstrando seu total domínio sobre ele”. (Cf. JOHNSON, B.W. & 
DEWELT, Don. The Gospel of Mark. [BST]. Missouri, College Press, 1965, 
p. 144). Konya observa corretamente que “o exemplo da conversação de Jesus 
com um demônio no episódio do endemoninhado geraseno (...) não pode ser 
usado como uma justificativa para se travar diálogo com demônios”. (Cf. 
KONYA, Alex. Demônios, uma perspectiva baseada na Bíblia. [Tradução de 
Daniel Faliosa]. São Paulo, Editora Batista Regular, 2002, p.76).
9) Esta narrativa pagã que descreve um exorcismo diz 
ainda que o diabo responde às perguntas feitas pelo 
exorcista “em grego ou em alguma língua bárbara”. 
O interessante desse trecho é o fato de o diabo ser 
identificado como aquele que fala a língua grega ou 
então alguma língua bárbara. Dito de outra forma, o 
demônio exorcizado pelo “sírio da Palestina” não fala 
o idioma sírio, mas se comunica por meio de idiomas 
alheios (pagãos). Talvez, a explicação para isso possa 
ser encontrada no fato de que o “nós” sempre se 
encontrará ao lado do bem, enquanto que o “eles” 
139
CARL®S AUGUS + ® VAILA + + I
estará sempre em situação diametralmente oposta, 
isto é, ao lado do mal. Como disse Ivo Pedro Oro: 
“Os outros, que não estão no caminho da salvação e 
não aderem à verdade, são o inimigo”.229 E Elaine 
Pageis ainda complementa esse pensamento quando 
fala sobre “certas linhas de falha na tradição cristã 
que permitiram o endemoninhamento dos ‘outros’ 
durante toda a história cristã”.230
ORO, Ivo Pedro. O Outro é o Demônio: uma análise sociológica do 
fundamentalismo. São Paulo, Paulus, 1996, p. 127.
230 PAGELS, Elaine. As Origens de Satanás: um estudo sobre o poder que 
as forças irracionais exercem na sociedade moderna, p. 18.
10) Esse relato de exorcismo pagão diz ainda que o 
exorcista sírio da Palestina, às vezes, via os seus 
esforços exorcísticos frustrados, pois ele expulsava o 
demônio “à força de esconjuros”. Todavia, o texto 
prossegue dizendo que “quando isso já não adianta”, 
então o exorcista expulsa o demônio “à força de 
ameaças”. Talvez, tais ameaças possam encontrar 
também o seu paralelo, por exemplo, em Mc 3.11,12, 
quando os espíritos malignos se dirigem a Jesus 
identificando-o como “o Filho de Deus” e Jesus os 
ameaça para que não divulguem tal informação. 
Contudo, a diferença entre os exorcismos do sírio da 
Palestina e os exorcismos de Jesus reside no fato de 
que Jesus nunca se valeu da “força” para expelir os 
demônios. Ele sempre os expulsou com base na sua 
própria autoridade.
11) Finalmente, devemos dizer algo sobre as palavras de 
íon, quando declara ter visto “um desses diabos, que 
era todo preto e como que defumado”. Esta menção à 
cor de um desses diabos não deve ser entendida como 
140
SA+ANÁS, DEmèNies E LEGIé
uma declaração racista. Antes, devemos ver nela uma 
declaração simbólica, a qual associa o mal a esta cor 
que, por sua vez, faz referência às trevas. Já a alusão 
feita à “defumação” pode ser entendida como sendo 
uma referência feita à queima de algum tipo de 
substância (uma raiz?), a qual produzia um efeito 
exorcístico, tal como o faziam as raízes receitadas 
por Salomão, (cf. ainda: Tb 8.1-3).
1.3.7. Os Papiros Mágicos Gregos231
Baseio-me aqui principalmente em: BETZ, Hans Dieter, (ed.). The Greek 
Magical Papyri in Translation, including the demotic spells. Vol. One: Texts. 
Chicago & London, The University of Chicago Press, 1992. Para obter mais 
informações sobre os Papiros Mágicos Gregos, veja: CHEVITARESE, 
André Leonardo & CORNELL1, Gabriele. Judaísmo, Cristianismo e 
Helenismo: ensaios acerca das interações culturais no Mediterrâneo Antigo. 
São Paulo, Annablume / Fapesp, 2007, pp.81-101. Esta obra reflete, de forma 
parcial, as dissertações de mestrado em Ciências da Religião defendidas por 
estes autores entre 1998 e 1999.
Os Papiros Mágicos Gregos (a partir daqui PMG) 
ganharam este nome dos estudiosos, os quais o empregaram 
para se referir ao conjunto de papiros do Egito greco-romano 
que contêm em seu corpo uma variedade de encantos e fórmulas 
mágicas, hinos e rituais. Os textos sobreviventes vão 
principalmente do século II a.C.até o V século d.C.
Os PMG são importantíssimos para o nosso estudo de 
Mc 5.1-20, merecendo um tópico à parte em nosso trabalho, pois 
eles nos permitem conhecer como funcionavam, sobretudo, as 
práticas religiosas do antigo mundo mediterrâneo helenístico. E, 
dentre elas, interessa-nos em particular as referências às 
fórmulas ou encantamentos utilizados com o fim de repelir 
demônios. Notemos alguns textos selecionados dos PMG que 
tratam destes assuntos, os quais transcrevemos abaixo:
141
CARLOS AUGUS + ffi VAILA + + I
a) PMG IV. 86-87 232233
232 BETZ, Hans Dieter, (ed.). GMPT, p.38.
233 Ou “Para aqueles que estão possuídos por demônios”, 0 que parece ser a 
melhor leitura do papiro. O manuscrito traz Ttpòç 8ai|iovtaÇopévo(u)ç. (Cf. 
BETZ, Hans Dieter, (ed.). GMPT, p.38, nota 26).
234J BETZ, Bans Dieter, (ed.). GMPT, p.62.
235 Morton Smith traz aqui “Jesus Cristo”. (Cf. SMITB, Morton. Jesus the 
Magician, p.63).
236 L. Michael White comenta que a expressão “eu te ordeno / conjuro” que 
aparece ao longo dos PMG constitui-se tradução do vocábulo grego eksorkizo 
(ou simplesmente orkizo), do qual procede 0 termo moderno “exorcismo”. 
(Cf. WHITE, L. Michael. De Jesús al Cristianismo: el nuevo testamento y la 
fe cristiana: un proceso de cuatro generaciones. [Traducción de José Pérez 
Escobar], Navarra, Editorial Verbo Divino, 2004, pp.77,78).
7-20
Filactério contra os demônios: “HOMENOS OHK 
KO URIEL IAPHEL, liberta” (adicionar ao usual), 
“EHENPEROOU BARBARCHAOUCHE”.
b) PMG IV. 1227-64 234235
Excelente ritual para lançar fora os demônios: Fórmula 
a scr pronunciada sobre sua cabeça: Colocar ramos de 
azeitona diante dele, / e ficar cm pé atrás dele e dizer: “Salve, 
Deus de Abraão; Salve, Deus de Isaque; Salve, Deus de Jacó; 
Jesus Crestos, “ o Espírito Santo, o Filho do Pai, que está no 
Sétimo céu, / quem está junto ao Sétimo. Venha lao Sabaoth; 
que o seu poder lance para fora dele, NN, até que você lance 
para longe este demônio impuro, Satã, que está nele. Eu 
conjuro236 você, demônio, / quem quer que você seja, por este 
deus, SABARBARBATHIOTH SABARBARBATHIOUTH 
SABARBARBA-THIONETH SABARBARBAPHAI. Saia, 
demônio, quem quer que você seja, e fique longe dele, NN, / 
agora, agora; imediatamente, imediatamente. Saia, demônio, 
porque eu amarro você com cadeias inquebráveis c 
inflexíveis, c cu entrego você para o caos escuro na perdição”.
142
SA+ANÁS, DEfflffiNIffiS Ê LfGl©
Preparação: tome 7 ramos de azeitonas; para seis delas / 
amarre junto as duas últimas de cada um, mas para as 
restantes use-as como um chicote quando você pronunciar a 
conjuração. Após ter lançado para fora o demônio, pendure ao 
redor dele, NN, um fílactério, o que foi colocado sobre o 
paciente após a expulsão do demônio - um fílactério com 
estas coisas [escritas] sobre / uma folha de uma lata de metal: 
“BOR PHOR PHORBA PHOR PHORBA BES CHARIN 
BAUBO TE PHOR BORPHORBA PHORBARBOR 
BAPHORBA PHABRAIE PHORBA PHARBA PHORPHOR 
PHORBA / BOPHOR PHORBA PHORPHOR PHORBA 
BOBORBORBA PAMPHORBA PHORPHOR PHORBA, 
proteja-o, [contra] NN”.
c) PMG IV. 3007-86237
37 BETZ, Hans Dieter, (ed.). GMPT, pp.96,97.
Um amuleto testado por Pibechis (um mágico lendário 
do Egito) para aqueles que estão possuídos por demônios: 
Tome óleo de oliva verde com a erva mastigia e a polpa da 
fruta de uma lótus, e cozinhe-as com coloridas manjeronas / 
enquanto você diz, “IOEL OS SARTHIOMI EMORI 
THEOCHIPSOITH SITHEMEOCH SOTHE IOE 
M1M1PSOTHIOOPH PHERSOTHI AEEIOYO IOE EO 
CHARI PHTHA, sai de NN”. O fílactério: Sobre uma lata 
escreva / “IAEO ABRAOTH IOCH PHTHA MESENPSIN 
IAO PHEOCH IAEO CHARSOK”, c pcndurc-a no paciente. 
Ela é apavorante para todos os demônios, algo que eles 
temem. Após colocar [o paciente] diante [de você], faça o 
conjuro. Esta é a conjuração: “Eu conjuro você pelo deus dos 
Hebreus, / Jesus, IABA IAE ABRAOTH AIA THOTH ELE 
ELO AEO EOY IIIBAECH ABARMAS IABARAOU 
ABELBEL LONA ABRA MAR01A BRAKION, quem 
aparece no fogo, quem está no meio da terra, [na] neve, e [no] 
fogo, TANNETIS; deixe seu / anjo, o implacável, descer e 
143
CARLffiS AUGUS + ® VAILA + + I
deixe-o designar o demônio que voa por aí nesta forma, com a 
qual deus formou em seu santo paraíso, porque eu suplico ao 
santo deus, [chamando] sobre AMMON IPSENTANCHO 
(fórmula). Eu conjuro você, LABRIA IAKOUTH / 
ABLANATHANALBA AKRAMM (fórmula) AOTH 
IATHABATHRA CHACHTHABRATHA CHAMYN CHEL 
ABROOTH OUABRASILOTH HALLELOU IELOSAI 
IAEL. Eu conjuro você por aquele que apareceu a Osrael 
(forma variante de Israel) em uma coluna de fogo e em uma 
nuvem de dia (LXX, Ex 13.21,22), que salvou seu povo de 
Faraó e trouxe sobre Faraó as dez pragas por causa de sua 
desobediência (LXX, Ex 7.8-11.10). Eu conjuro você, todo 
espírito demoníaco, a falar, qualquer que seja a sua espécie, 
porque eu conjuro você pelo selo / que Salomão colocou na 
língua de Jeremias, e ele falou. Você também diz qualquer que 
seja a sua espécie, celestial ou aérea, quer seja terrestre ou 
subterrânea, ou mundana inferior ou Ebousaeus ou Cherseus 
ou Pharisaeus, diga / qualquer que seja a sua espécie, porque 
eu conjuro você por deus, portador de luz, invencível, que 
conhece o que está no coração de todo ser vivente, o que 
formou do pó a raça humana (LXX, Gn 2.7), o que, após 
trazê-los para fora da obscuridade, enche junto com as nuvens, 
rega a terra com chuva / c abençoa seus frutos, [aquele] a 
quem todos os poderes celestiais dos anjos c arcanjos louvam. 
Eu conjuro você pelo grande deus SABAOTH, através de 
quem o rio Jordão voltou para trás (LXX, Js 3.13,14; SI 113.3) 
c o Mar Vermelho, / que Israel atravessou, tomou-sc 
intransponível (LXX, Ex 14.27), porque eu conjuro você por 
aquele que introduziu cento e quarenta línguas e as
Segundo Betz, Deissmann deriva estes nomes de demônios da LXX (Gn 
15.20,21; Ex 3.8,17 etc). Os Xettociol se tomaram Xspcraioç (“demônio da 
terra”), os 0epeÇáioi se tornaram «Eaptoaioç (que, portanto, têm sido 
confundidos com os fariseus), e os lepovoaiot se tornaram ’ Epowdioç. 
(BETZ, Hans Dieter, (ed.). GMPT, nota 395, p.96).
239 Muitas fontes judaicas falam de setenta nações e setenta idiomas no 
mundo. Mas há autoridades que marcam cento e quarenta idiomas. (Cf. 
BETZ, Hans Dieter, (ed.). GMPT, nota 400, p.97). 
144
SA + ANÁS, DEmêNies E LEGIé
distribuiu pelo seu próprio comando. Eu conjuro você por 
aquele que queimou com fogo aos obstinados gigantes com 
um raio (Gn 6.4; 19.24-29), o qual o céu dos céus louva, quem 
as asas do querubim louvam. Eu conjuro você por aquele que 
colocou as montanhas ao redor do mar [ou] um muro de areia 
e ordenou ao mar que não transbordasse (LXX, Jó 38.10,11; Jr 
5.22). O abismo obedeceu (LXX, Pr 8.26-29; Jó 38. 30,34); e 
você obedece, / todo espírito demoníaco, porque eu conjuro 
você por aquele que faz os quatro ventos se moverem (LXX, 
SI 134.7; também Gn 8.1; Nm 11.31; Jó 28.25 etc) junto dos 
santos aions, [os] tal como o céu, como o mar, como as 
nuvens, portador de luz, [o] invencível. Eu conjuro [você] por 
aquele na santa Jerusalém, diante de quem o / fogo 
inextinguível queima por todo tempo, com seu santo nome, 
IAEOBAPHRENEMOUN (fórmula), aquele diante dc quem a 
ardente Geena treme, chamas envolvem, irrompendo numa 
explosão distante e todas as montanhas ficam amedrontadas 
desde a sua fundação. / Eu conjuro você, todo espírito 
demoníaco, por aquele que supervisiona a terra e faz sua 
fundação tremer (LXX, SI 103.32), aquele que torna todas as 
coisas que não são naquelas que são.240 E eu adjuro você, 
àquele que recebe esta adjuração, / a não comer carne de 
porco, c todo espírito e demônio, quem quer que seja, estará 
sujeito a você. E enquanto estou conjurando, amaldiçoo uma 
vez, amaldiçoando o ar desde as extremidades dos pés até a 
face, c estará determinado. Mantenha-se puro, para este feitiço 
/ é hebraico e está conservado no meio dos homens puros.241
240 Trata-se de uma referência à creatio ex nihilo.
241 'E muito curiosa a ligação que este PMG faz entre se abster de comer 
carnede porco (uma prática que indica pureza) e o conseqüente poder sobre 
os demônios. Tal como acontece em Mc 5.1-20, esse PMG também insere as 
figuras dos demônios, porcos, exorcismo e impureza num mesmo contexto.
242 BETZ, Hans Dieter, (ed.). GMPT, p.313.
d) PMGCXIV. 1-14242
145
CARL®S AUGUS+® VAILA + +I
[Proteja] - lhe, NN, ó Senhor, [de todas] as más obras [c 
de toda] visitação demoníaca [c] ... de Hécate e de .../ ataque e 
[de toda investida?] no sono ... [de] demônios mudos [e de 
toda] forma cpilctica [e de toda] epilepsia / c ... e ....
Todos esses textos encontrados nos PMG são 
importantes, pois nos mostram muitas práticas e crenças 
referentes aos exorcismos, as quais envolvem, até mesmo, o 
próprio Jesus, como pôde ser visto no PMG IV, linha 3020, que 
diz: “Eu conjuro você pelo deus dos Hebreus, / Jesus [...]”.243
Em suma, podemos chegar às seguintes conclusões a 
respeito destes textos dos PMG que acabamos de citar:
Primeira, os amuletos, talismãs, benzeduras e demais 
práticas apotropaicas eram utilizadas em larga escala nos PMG 
com o intuito de repelir os demônios que afligiam as pessoas.
Segunda, o sincretismo e as práticas rituais supersticiosas 
encontradas nos PMG transformaram tais textos numa espécie 
de receituário ou manual exorcístico, os quais contêm ritos que 
lembram muito, inclusive, algumas práticas do nosso contexto 
neopentecostal brasileiro atual.
E a terceira e, talvez, mais importante conclusão, pelo 
fato de lançar luz sobre o nosso tema, é que estas práticas 
exorcísticas relatadas nos PMG descrevem como as 
comunidades do antigo mundo mediterrâneo helenístico lidavam 
com a questão demonológica.
Embora haja, sem dúvida alguma, diferenças entre os 
exorcismos encontrados nos Evangelhos e os mencionados nos 
PMG, contudo, existem também algumas semelhanças entre 
ambos, como, por exemplo:
Para outros textos dos PMG nos quais o nome de Jesus aparece envolvido 
em rituais de exorcismo, consulte: SMITH, Morton. Jesus the Magician, 
p.63.
146
SA+ANÁS, DEfTlffiNIffiS E LEGIé
1) A ordem de comando para que o demônio saia (PMG 
IV. 1240-45; cf. Mc 1.26,27);
2) A “amarração” do demônio por parte do exorcista 
(PMG IV. 1245; cf. Mc 3.27);
3) O uso do nome de Jesus para expulsar o demônio 
(PMG IV. 3020; cf. Lc 9.49; At 19.13);
4) A alusão às Escrituras no combate contra o mal (PMG 
IV. 3030-75; cf. Mt 4. Iss; Lc 4. Iss).
1.3.8. Jesus, o Exorcista-Mor
Depois de termos falado sobre inúmeros exorcistas, tanto 
no contexto judaico, como também no contexto pagão, devemos 
agora nos dirigir àquele que, a meu ver, constitui-se no 
paradigma da prática exorcística, o “exorcista-mor”, Jesus.244
a) Jesus e o Ambiente em que Viveu
Para falarmos sobre a figura aretológica de Jesus, 
sobretudo em seu papel de exorcista, temos que retroagir até o I 
século d.C. a fim de que o situemos dentro do Sitz im Leben do
Os dizeres de Charlesworth referentes a Jesus: “[ele] praticou curas 
(provavelmente também exorcismos)” demonstram claramente o ceticismo 
que esse autor tem quanto ao papel de Jesus como exorcista. (Cf. 
CHARLESWORTH, James H. Jesus Dentro do Judaísmo: novas revelações 
a partir de estimulantes descobertas arqueológicas. [Tradução de Henrique 
de Araujo Mesquita], Rio de Janeiro, Editora Imago, 1992, p. 182). Já D. 
Scardelai, segundo penso, declarou acertadamente que “de todas as 
expressões populares que conhecemos, Jesus estava mais próximo da 
corrente de líderes conhecida como carismático-hassídico que aflorava na 
Galiléia no século I. O tipo do profeta hassídico (piedoso) que atuava na 
Galiléia era dotado, segundo a concepção camponesa, de habilidade para 
praticar milagres, curas, cujos poderes tocavam o sagrado de modo peculiar”. 
(Cf. SCARDELAI, Donizete. Movimentos Messiânicos no Tempo de Jesus: 
Jesus e outros messias. São Paulo, Paulus, 1998, p.315).
147
CAR.L©S AUGUS+® VAILA + + I
qual ele fez parte. Nesse aspecto, creio que Juan Arias possa nos 
fornecer um bom resumo sobre o período histórico que 
antecedeu a época neotestamentária, o qual, sem dúvida alguma, 
contribuiu para que fosse delineado o cenário no qual Jesus 
viveu e exerceu o seu ministério itinerante. Eis as palavras de 
Arias:
(...) a Palestina esteve muito tempo sob influências 
estrangeiras, principalmente fenícias e egípcias. A persa, 
sobretudo, foi importante tanto para o desenvolvimento do 
monoteísmo como da demonologia. Também eram conhecidas 
na Palestina as práticas mágicas gregas. Nos trezentos anos que 
separam a conquista de Alexandre da aparição de Jesus, a 
Galilcia fora governada por gregos e romanos. Todas essas 
culturas aceitavam que o universo é povoado de criaturas 
sobrenaturais, como anjos, demônios, espíritos do além-túmulo 
etc.245
ARIAS, Juan. Jesus, Esse Grande Desconhecido. [Tradução de Rubia 
Prates Goldoni], Rio de Janeiro, Objetiva, 2001, pp. 175,176. De acordo com 
Bultmann: “(...) a concepção do reino de Deus é mitológica (...), como o são 
assim mesmo as pressuposições em que se embasa a expectação do reino de 
Deus, a saber, a teoria de que o mundo, ainda que criado por Deus, é regido 
pelo diabo. Satanás e seu exército, os demônios, são a causa do mal, pecado e 
enfermidade. Toda a concepção do mundo que pressupõe tanto a pregação de 
Jesus como a do Novo Testamento, é, em linhas gerais, mitológica, por 
exemplo, (...) a concepção dos milagres, especialmente a ideia da intervenção 
de poderes sobrenaturais na vida interior da alma, a ideia de que os homens 
podem ser tentados e corrompidos pelo demônio e possuídos por maus 
espíritos. A esta concepção de mundo qualificamos de mitológica (...)”. (Cf. 
BULTMANN, Rudolf. Jesus Cristo e Mitologia. [Tradução de Daniel Costa]. 
São Paulo, Novo Século, 2000, pp. 13,14). Paliares, ao fazer uma crítica a 
esse tipo de racionalismo bultmanniano, declara: “Nós nos recusamos a ver 
em Jesus um milagreiro; ao ‘encantamento’ celeste preferimos a seriedade e 
autenticidade do drama humano. Facilmente racionalizamos as narrações 
sobre os milagres de Jesus, com medo de perder a seriedade do evangelho, 
mas também com medo de ficar mal aos olhos dos que manipulam as idéias, 
e o que é pior, com medo de ser confundidos com os pobretões ignorantes”.
148
SA+ANÁS, DEm©N!©S Ê LEGIé
Em outras palavras, Arias está dizendo que Jesus 
“herdou” esse tipo de cultura que valorizava em extremo o 
elemento sobrenatural. Todavia, não é somente esse autor que 
pensa assim. John A. Sanford, além de relacionar o ministério de 
cura de Jesus ao seu papel de exorcista,* 246 também entende que 
a crença demonológica de Jesus não era nada mais, nada menos, 
do que o reflexo da fé popular de sua época. Em suas palavras:
(Cf. PALLARES, José Cárdenas. Um Pobre Chamado Jesus: releitura do 
evangelho de Marcos. São Paulo, Paulinas, 1988, p.38).
246 Segundo M. Forward, “está claro que Jesus de Nazaré foi lembrado como 
agente de cura e exorcista. Na verdade, seu nome hebraico, Yehoshua, 
significa ‘Deus é a salvação’ ou mesmo ‘Deus é a cura’”. (Cf. FORWARD, 
Martin. Jesus: uma pequena biografia. [Tradução de Merle Scoss]. São 
Paulo, Editora Cultrix, 1998, p.97).
247 SANFORD, John A. Mal, o Lado Sombrio da Realidade. [Tradução de 
Sílvio José Pilon e João Silvério Trevisan], São Paulo, Paulus, 1988, p.51. 
Gustaf Aulén comenta que “Ele (Jesus) rejeitou a visão popular animista dos 
demônios, e os considerou todos como sujeitos a Satã, de modo que cada 
exorcismo era um julgamento de poder contra o próprio Satã”. (Cf. AULÉN, 
Gustaf. Christus Victor: an historical study of the three main types of the 
atonement. [Translated by A. G. Hebert]. New York, Macmillan Publishing 
Co., Inc., 1969, p.76). Segundo Stewart: “Nos dias de Jesus as doenças eram 
normalmente atribuídas à agência demoníaca, não somente os casos de 
‘possessão’ (...), mas todos os tipos de enfermidades. Quanto ao mundo dos 
espíritos, [o povo] estava seguro de estar cheio dessas malignas influências, 
emissárias do mal. Portanto, sempre que umacura era realizada, ela 
significava que um desses espíritos tinha sido expulso”. (Cf. STEWART, 
James S. The Life and Teaching of Jesus Christ. Nashville, Abingdon Press, 
1979, p.93).
Jesus freqüentemente encontrava Satã ou seu bando de 
demônios, principalmente no seu trabalho de cura, e 
evidentemente concordava com a idéia popular de que muitas, 
senão todas, das doenças do corpo e do espírito eram aflições 
do poder do mal.247
149
CARLffiS AUGUS + ffi VAILA + + I
Já Freyne, de forma perspicaz, situa a prática exorcística 
de Jesus dentro de um contexto de crítica às normas vigentes 
estabelecidas, sobretudo, contra o governo romano:
Os exorcismos de Jesus não eram (...) simples histórias 
de cura, ainda que cm muitos casos também fossem vistos dessa 
maneira, já que no mundo antigo a enfermidade ou as 
anormalidades físicas se atribuíam à presença invasora de 
espíritos malignos. Ao livrar do demônio aos afetados, Jesus os 
rcincorporava de novo ao mundo social do qual haviam sido 
excluídos, c ao fazê-lo colocava em discussão de juízo as 
normas pelas quais foram primeiro considerados desviados. 
Dito brevemente, os exorcismos de Jesus constituíam uma seria 
ameaça para as normas c valores preponderantes relacionados 
com o poder c o controle na Galiléia herodiana, e também para 
248 os chefes supremos romanos que apoiavam essas normas.
Ora, naqueles tempos antigos, época em que as pessoas 
não tinham acesso a um sistema de saúde pública eficaz, a 
religiosidade popular depositava toda a sua expectativa de cura, 
por exemplo, nos acontecimentos milagrosos. Aliás, tal 
esperança alicerçada no elemento miraculoso acabou se 
estendendo até o período da Idade Média, época esta dentro da 
qual Richard Gordon confere aos exorcismos um papel de 
destaque:
Na Antioquia, em 1098, o tifo e a disenteria dizimaram 
os cruzados, homens e cavalos. O medo generalizado da 
infecção fez maravilhas para o índice de conversão ao 
cristianismo, espccialmcnte porque o único recurso da saúde 
publica era o exorcismo.
248 FREYNE, Sean. Jesús, un Galileo Judio: unalectura nueva dela historia 
de Jesús. [Traducción de José Pedro Tosaus], Estella, Editorial Verbo Divino, 
2007, pp. 199,200.
249 GORDON, Richard. A Assustadora História da Medicina. [Tradução de 
Aulyde Soares Rodrigues], Rio de Janeiro, Ediouro, 1997, p.34. Para uma 
150
SA+ANÁS, DEmêNieS Ê LEGIé
Ora, se em meados da Idade Média o exorcismo ainda 
era visto como o único recurso terapêutico disponível às 
pessoas, qual não deveria ser, então, a sua importância no 
cenário do I século A.D.? Aliás, deve-se dizer que os homens 
que detinham o conhecimento das fórmulas exorcísticas 
obtinham reputação e prestígio naquela antiga sociedade.
Sabemos que Asclépio, o deus grego da cura, por 
exemplo, era invocado por aqueles que precisavam de ajuda, os 
quais também o adoravam. Asclépio possuía um santuário sede 
em Epidauro (uma cidade da Grécia Antiga), o qual fora erigido 
no IV século a.C., sendo que próximo ao templo havia muitos 
dormitórios onde os doentes ficavam hospedados, a fim de 
descansarem e receberem a cura durante o seu sono. As pessoas 
que eram agraciadas com a cura, como forma de gratidão, 
doavam ao santuário moldes de ouro ou de prata, os quais 
representavam as partes de seus corpos que haviam sido 
curadas.* 251 Ou então, demonstravam-se gratos através das 
ofertas trazidas ao templo. Asclépio era adorado como deus da 
arte, da cura e como salvador, o qual prestava auxílio aos 
homens.252
abordagem que analisa em conjunto a demonologia e a medicina, consulte: 
RUSSELL, Bertrand. Religion y Ciência. [Traducción de Samuel Ramos], 
México, Fondo de Cultura Econômica, 2006, pp.59-76.
GUIGNEBERT, Charles. El Mundo Judio Hacia Los Tiempos de Jesus. 
[Tradução de Vicente Clavel]. México, Unión Tipográfica Editorial Hispano- 
Americana, 1959, p.99.
251 Essa prática de reproduzir órgãos/partes do corpo humano (em gesso) que 
foram curados, como forma de demonstrar gratidão, também é encontrada em 
larga escala em nossa religiosidade brasileira. Ela pode ser vista durante a 
festa do Círio de Nazaré, em Belém do Pará, em homenagem a Nossa 
Senhora de Nazaré e em várias regiões do Nordeste em homenagem ao Padre 
Cícero e também em homenagem à Nossa Senhora Aparecida. Percebe-se, 
então, que tais práticas atuais refletem crenças populares muito antigas.
252 LOHSE, Eduard. Contexto e Ambiente do Novo Testamento. [Tradução 
de Hans Jõrg Witter]. São Paulo, Edições Paulinas, 2000, p.216. Para saber 
151
CARLOS AUGUS + © VAILA + + I
Saindo do mundo grego e indo para o contexto romano, 
vemos, por exemplo, que até mesmo ao imperador romano 
Vespasiano (69-79 d.C.) são atribuídas curas miraculosas. Os 
historiadores romanos Tácito (c. 55-120 d.C.) e Suetônio (c. 75- 
150 d.C.) narram dois milagres ocorridos em Alexandria, os 
quais foram realizados por Vespasiano. Segundo eles, 
Vespasiano curou um homem de sua cegueira e outro de sua 
paralisia.253 Embora tais relatos sejam fantasiosos e tenham 
surgido certamente com o propósito de fazer o marketing 
pessoal do imperador, contudo, eles são importantes 
testemunhos da miséria em que viviam os povos antigos e, além 
disso, estas narrativas lendárias também explicam por que o 
povo nutria grande simpatia por aqueles que faziam milagres. 
Eles eram praticamente sua única esperança.
mais sobre Asclépio e as curas atribuídas a ele, consulte: WEISER, Afons. O 
Que é Milagre na Bíblia, pp.39-43.
253 WEISER, Afons. Op.Cíí., pp.53-56.
254 MEIER, John P. Um Judeu Marginal: repensando o Jesus histórico. 
Vol.II, Livro III. [Tradução de Laura Rumchinsky]. Rio de Janeiro, Imago, 
1998, p.170.
No mundo judaico, de forma semelhante, os taumaturgos 
também eram bem quistos, uma vez que eram vistos como 
pessoas dotadas de poderes especiais que poderíam ajudar o 
povo diante de seu estado de extrema penúria. Os já citados, 
Eleazar e Hanina Ben Dosa, são bons exemplos disso.
Assim, é dentro desse contexto pré-científico misticizado 
que devemos situar Jesus e os seus milagres, com atenção 
especial aos seus exorcismos. Aliás, como afirmou John P. 
Meier, “os evangelhos sinóticos apresentam sete episódios 
distintos de Jesus realizando um exorcismo. O fato de haver sete 
‘amostras’ individuais de um tipo específico de milagre, ou seja, 
o exorcismo, favorece o ponto de vista de que este constitui 
maioria no ministério de Jesus”.254 Desta forma, os exorcismos 
são enquadrados na categoria de milagres, assumindo papel de 
destaque no ministério taumatúrgico de Jesus.
152
SA + ANÁS, DE1T1®NI®S Ê LEGIé
b) A Reputação de Jesus Como Taumaturgo- 
Exorcista
Várias fontes da antiguidade judaica e greco-romana 
mencionam que Jesus e seus discípulos eram conhecidos como 
magos-exorcistas.255
AUNE, David. “Demonology”, ISB, 1:923. EVANS, Craig. “Jesus in 
Non-Christian Sources”, DJG, pp.364-68. Apud: OROPEZA, B. J. 99 
Perguntas Sobre Anjos, Demônios e Batalha Espiritual, p.53.
256 Segundo Adin Steinsaltz, o Talmude sofreu diversas perseguições e 
censuras por parte da igreja católica ao longo da Idade Média e, até mesmo 
após este período, a tal ponto que “onde o Talmud faz referências críticas a 
Jesus ou ao cristianismo em geral, o comentário era completamente 
suprimido, e o nome de Cristo era sistematicamente retirado, ainda quando a 
referência não fosse negativa”. (Cf. STEINSALTZ, Adin. O Talmude 
Essencial. [Tradução de Elias Davidovich], Rio de Janeiro, A. Koogan 
Editor, 1989, p. 116). Para obter um bom resumo do conteúdo do Talmude 
Babilônico, veja, por exemplo: AUERBACH, Leo. (ed.). The Babylonian 
Talmud in Selection. New York, Philosophical Library, Inc.,1944; VIDAL, 
César. El Talmud. Madrid, Alianza Editorial S.A., 2003.
257 FONROBERT, Charlotte Elisheva & JAFFEE, Martin S. (eds.). The 
Cambridge Companion to Talmud and Rabbinic Literature. Cambridge, 
Cambridge University Press, 2007, nota 46, p.267.
Do ponto de vista de uma abordagem negativa sobre a 
pessoa e obras de Jesus,algumas tradições judaicas antigas, por 
exemplo, afirmavam que “Jesus de Nazaré [...] praticava magia, 
seduzia e desviava o povo de Israel” (b. Sanhedrin 43a. compare 
com 107b).256 Em outro momento, somos informados por meio 
do T. Hullin 2.20-23 e do B. Abodah Zarah 27b, que o Rabi 
Ismael se regozija de que seu sobrinho tenha morrido antes de 
poder aceitar ser curado em nome de Jesus por um certo Yaacov 
ish Kefar Sekhanya.257 Tais concepções judaicas negativas 
acerca de Jesus parecem refletir o antagonismo sofrido por ele 
pela elite religiosa dos tempos neotestamentários, composta, 
sobretudo, por saduceus e fariseus.
153
CARLffiS AUGUS + ® VAILA + + I
Contudo, saindo dessa perspectiva extremamente 
negativa da pessoa e obras de Jesus e focalizando-o de um 
ângulo positivo, encontramos um testemunho muito interessante 
e, ao mesmo tempo, controverso, a respeito de Jesus em Flávio 
Josefo (c.37-100 d.C.) no chamado testimonium Flaviamim 
(testemunho de Flávio), o qual nós transcrevemos abaixo:
Foi nessa época que surgiu Jesus, homem sábio, se é que 
se deve chamá-lo de um homem. Pois era um fazedor de 
milagres e mestre dos homens que recebem com alegria a 
verdade. Atraiu para si muitos judeus e muitos gregos. Era 
Cristo. E quando, sob a denúncia de nossos primeiros 
cidadãos, Pilatos o condenou à crucificação, aqueles que 
primeiro o tinham adorado não deixaram dc fazê-lo, pois ele 
apareceu para eles três dias depois, ressuscitado. Como os 
profetas divinos tinham anunciado junto a mil outras 
maravilhas a seu respeito. E o grupo que recebeu o seu nome 
- cristãos - ainda não desapareceu. (Antiguidades Judaicas, 
XVIII, 63-64 - os itálicos são meus).258
Embora tais dizeres atribuídos à pena de Josefo sejam 
extremamente importantes para se delinear a figura 
taumatúrgico-exorcista de Jesus, uma vez que tais dizeres 
descrevem Jesus como “um fazedor de milagres” e alguém de 
quem se descreve “mil outras maravilhas a seu respeito”, 
contudo, tal depoimento Flaviano está cercado de polêmicas e 
controvérsias. A opinião prevalecente hoje é a de que o 
testimonium Flaviamim tenha sofrido algumas interpelações, 
isto é, algumas observações escritas na margem de um 
manuscrito por algum leitor cristão piedoso do início do século
LEBEL, Mireille Hadas. Flávio Josefo: o judeu de Roma. [Tradução de 
Paula Rosas]. Rio de Janeiro, Imago, 1992, p.258. Para outra tradução do 
testimonium Flavianum, consulte: JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus. 
Vol. 2. [Tradução de Vicente Pedroso], Rio de Janeiro, CPAD, 1992, p. 156.
154
SA+ANÁS, DEmêNieS E LEGIî
259IV, as quais foram posteriormente incorporadas ao texto. Ora, 
embora tal relato esteja cercado de objeções, todavia, é 
importante mencioná-lo em nosso trabalho.
Além das tradições judaicas e de Flávio Josefo, Orígenes 
(c. 185-254 d.C.), um dos principais teólogos da igreja grega, em 
sua conhecida obra, Contra Celso, também faz alguns 
comentários interessantes sobre a prática exorcística de Jesus e 
dos cristãos:
Celso declara [...]: os cristãos parecem exercer um poder 
pelas invocações dos nomes de certos demônios, aludindo, 
penso eu, aos exorcistas que expulsam demônios. [Orígenes:] 
Mas parece caluniar evidentemente o Evangelho. Não é por 
meio de invocações que eles parecem exercer um poder, mas 
pelo nome de Jesus associado à leitura pública das histórias de 
sua vida. Esta leitura realmente consegue muitas vezes 
expulsar os demônios dos homens, sobretudo quando os 
leitores lêem com uma disposição sadia de verdadeira fé. Mas 
o poder de Jesus é tão grande contra os demônios que às 
vezes, ainda que pronunciado por pessoas más, produz seu 
efeito. [...] Em seguida [Celso], acusa o próprio Salvador: Foi 
por magia que ele pôde operar os milagres que pareceu 
realizar [...]. [Orígenes continua:] c claro que os cristãos não 
utilizam nenhuma prática de encantamento, mas invocam o 
nome de Jesus juntamente com outras palavras nas quais eles 
têm fé, conforme a divina Escritura. (Contra Celso I, 6 - os 
itálicos e os acréscimos entre colchetes são meus).* 260
LEBEL, Mireille Hadas. Op.Cit., p.259. Para uma discussão mais 
detalhada sobre a polêmica em tomo do testimonium Flavianum, consulte a 
mesma autora, in: Op.Cit., pp. 258-262.
260 ORÍGENES. Contra Celso. [Introdução e Notas de Roque Frangiotti; 
Tradução de Orlando dos Reis], São Paulo, Paulus, 2004, pp.45,46.
Nesse relato de Orígenes, Celso declara que “foi por 
magia que ele [Jesus] pôde operar os milagres que pareceu 
155
CARLOSAUGUS+O VAILA++I
realizar”. Tal declaração se assemelha àquela já citada, segundo 
a qual “Jesus de Nazaré [...] praticava magia, seduzia e desviava 
o povo de Israel” (b. Sanhedrin 43a.).261
Deve-se lembrar aqui que, segundo o Didaqué V, 1 (o livro de instrução 
religiosa dos primeiros cristãos, que data de fins do I século d.C.), o caminho 
da morte envolvia as “práticas mágicas”. (Cf. STORNIOLO, Ivo & 
BALANCIN, Euclides Martins. (Trads.). Didaqué. São Paulo, Paulus, 2007, 
p. 17). Para um estudo detalhado sobre a magia do ponto de vista sócio- 
antropológico, consulte: MAUSS, Marcei. Sociologia e Antropologia. 
[Tradução de Paulo Neves]. São Paulo, Cosac Naify, 2003, pp.47-181.
262 De acordo com E. P. Sanders, “o exorcismo é (...) o tipo de cura mais 
proeminente nos Evangelhos sinóticos”. (Cf. SANDERS, E.P. A Verdadeira 
História de Jesus. [Tradução de Teresa Martinho Toldy e Marian Toldy]. 
Cruz Quebrada, Editorial Notícias, 2004, p. 193).
Além desse texto que demonstra claramente o poder de 
Jesus sobre os demônios, devemos dizer que até mesmo os não- 
cristãos reputavam Jesus como um poderoso exorcista, pois 
usavam seu nome nas práticas exorcísticas (cf. Testamento de 
Salomão 6.8; 22.20; Contra Celso II, 49; PMG IV, 1234; 
compare com Lc 9.49; At 19.13).
Finalmente, os Evangelhos - principalmente os sinóticos 
- relatam de forma acentuada o papel de exorcista 
desempenhado por Jesus.262
Jesus expulsa um espírito imundo de um homem na 
sinagoga de Cafarnaum (Mc 1.21-28; Lc 4.31-37); Ele efetua 
muitas curas e exorcismos (Mc 1.32-34; Mt 4.23,24; Lc 
4.40,41); Ele é acusado de expulsar os demônios por Belzebu 
(Mc 3.22-30; Mt 12.22-32; Lc 11.14-23); Ele liberta o 
endemoninhado geraseno da legião de demônios que o possuía 
(Mc 5.1-20; Mt 8.28-34; Lc 8.26-39); Ele exorciza o demônio 
que possuía a filha da mulher sirofenícia (Mc 7.24-30; Mt 
15.21-28); Ele expulsa o demônio de um rapaz, o qual o possuía 
desde a sua infancia, causando-lhe a mudez e a surdez (Mc 9.14- 
29; Mt 17.14-21; Lc 9.37-43); Ele cura uma mulher de um 
156
sa+ànás, DemêNies e legiã®
espírito de enfermidade num dia de sábado na sinagoga (Lc 
13.10-17); Ele expulsa o demônio de um homem, o qual lhe 
causava a mudez (Mt 9.32-34); E, por fim, Jesus expulsa sete 
263demônios de Maria Madalena (Mc 16.9).
Assim, concluímos nossa resumida abordagem sobre 
Jesus, o exorcista-mor. Tal abordagem nos mostra de forma 
inequívoca que a prática exorcística de Jesus foi um aspecto 
central em seu ministério público.
1.4. Conclusão
Tendo em vista tudo o que foi dito até aqui sobre 
Satanás, demônios e exorcismos, podemos fazer os seguintes 
apontamentos:
Primeiro, Satanás só adquire o status de personificação 
do mal de maneira efetiva nas páginas do Novo Testamento, 
uma vez que nas Escrituras veterotestamentárias tal contorno 
ainda não está bem definido.
Segundo, os demônios praticamente não aparecem nas 
páginas do AT hebraico, sendo que só começam a ser mais 
notados por meio da LXX, a qual, como vimos, tratou de 
demonizar os deuses e ídolos pagãos. Além disso, o vínculo 
existente entre Satanás e os demônios, bem como, a relação 
hierárquica entre ambos, somente passa a ser percebida a partir 
do período intertestamentário, quando então uma espécie de 
“configuração organizacional” entre Satanás e os demônios 
começa a ser elaborada. Além do mais, a demonologia bíblica *
Embora o trecho de Mc 16.9-20 não faça parte do texto original de 
Marcos, não estandonos melhores manuscritos, todavia, é importante 
mencioná-lo aqui, uma vez que tal relato descreve sete demônios possuindo o 
corpo de uma só pessoa, o que nos faz pensar na “mega-possessão” realizada 
no geraseno pela legião demoníaca em Mc 5.1-20.
157
CARLffiS AUGUS+® VAILA + + I
encontra o ápice de seu desenvolvimento somente no I século 
d.C., principalmente através das inúmeras menções 
demonológicas encontradas nos escritos do NT.
Terceiro, os exorcismos, em conseqüência da escassez de 
referências feitas aos demônios, também não são vistos nas 
páginas do AT, com exceção do exorcismo feito por Davi em 
relação a Saul, o qual, mesmo assim, está cercado de 
controvérsias com relação ao seu real significado. Já nas 
literaturas apócrifa e pseudepigráfica, bem como, na tradição 
judaica e no contexto pagão, tais relatos exorcísticos encontram- 
se em maior número, demonstrando claramente que a prática 
exorcística passou por um processo evolutivo ao longo dos 
tempos, até adquirir seu “formato final” como encontrado no 
NT.
Quarto, Jesus surge no cenário do I século dentro de um 
contexto no qual as enfermidades são atribuídas aos demônios, 
os quais, por sua vez, também proliferam por toda parte no 
mundo antigo. Tais fatores propiciam o ambiente adequado para 
que Jesus atue como taumaturgo e, mais precisamente, como 
exorcista.
E em quinto e último lugar, a prática exorcística de 
Jesus, como relatada nos Evangelhos, encontra certos paralelos 
em Eleazar e em Hanina ben Dosa (na tradição judaica) e em 
Apolônio de Tiana (no contexto pagão). Porém, deve ser dito 
aqui que as diferenças entre Jesus e tais exorcistas são maiores 
do que as semelhanças entre ambos. Jesus, ao contrário destes, 
nunca usa algum tipo de amuleto, encantamento, raiz, feitiço, ou 
mágica para expulsar os demônios, antes, ele os expulsa com 
base na sua própria autoridade como Filho de Deus e sem que 
precise invocar o nome de qualquer outro “deus” ou 
“personagem” em seus exorcismos. Dessa forma, Jesus é visto 
como um exorcista sem paralelos na história.264 As suas práticas
264 A tese de PhD de Estevan Frederico Kirschner traz essa mesma conclusão 
diante da insistência de eruditos britânicos e alemães de que os exorcismos de 
158
sa+anás, DemêNies £ legiã©
exorcísticas possuem um caráter emblemático, pois ele é “o” 
Exorcista-Mor.
Jesus e de outros personagens de seu tempo são, em última análise, a mesma 
coisa. (Cf. KIRSCHNER, Estevan Frederico. The Place of the Exorcism 
Motif Mark's Christology With Special Reference to Mark 3.22-30. 
Dissertação de Doutorado, London, London School of Theology, 1988, 
p.209).
159
CARL®S AUGUS + ffi VAILA + + I
160
CAPÍTUt© II
ANÁLISE EXEGÉTICA DE fflC 5.1-20
CARLOS AUGUS + ® VAILA + + I
162
SA+ANÁS, DE1TI®NI®S E LEGIî
CAPÍTULO II - ANÁLISE EXEGÉTICA
DE MC 5.1-20
2.1. Análise Sincrônica
Nosso próximo passo será fazer a análise sincrônica (de 
cróv, “com” + xpóvoç, “tempo”) de Mc 5.1-20. Essa abordagem 
“analisa os textos da maneira como se apresentam para o 
intérprete, independentemente do processo pelo qual a sua 
tradição possa ter passado até alcançar o estágio de evolução 
final”.265 Tal análise será composta pelas seguintes etapas: 
Tradução, Segmentação e Estruturação do Texto e Análise 
Lingüística, Lexicográfica, Morfológica e Estilística.266 Por fim, 
trataremos da Análise de Conteúdo. A seguir, eis a minha 
tradução de Mc 5.1-20.267
A. O Texto Original de Mc 5.1-20 e a Sua 
Tradução
265 WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia. 
São Leopoldo, Sinodal / São Paulo, Paulus, 1998, p.337.
266 Sigo aqui (com exceção feita à análise sintática do texto) a ordem 
encontrada em: SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de Exegese 
Bíblica. São Paulo, Paulinas, 2000, pp. 83-172.
267 O texto utilizado para a tradução é o de ALAND, Barbara, ALAND, 
Kurt, KARAVIDOPOULOS, Johannes, MARTINI, Carlo M. & METZGER, 
Bruce M. The Greek New Testament. Stuttgart, Deutsche Bibelgesellschaft, 
2005.
1. Kat r|A0ov eiç to trépav 
rfjç 0aÀáoor|ç elç xqv /wpctv 
tcòv TepaoriiAÔV'.
2. Kal é^eÀOÓPTOç airroê èk
1. E vieram para o outro lado 
do mar, para a região dos 
Gerasenos.
2. E saindo ele do barco, logo
163
CARL®S AUGUS + ® VAILA + + I
toü TrÀoíot) eüGòç üirr|VTr|O6V 
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3. OÇ TT]V koítoÍkt]Glv fí/fv ev 
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5. Kai ôià iravTÒç vdktoç Kai 
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èv tolç õpeoiv r]V KpáCcov Kai 
KaTaKÓlTTQV éaOTÒV ÀÍ0OLÇ.
6. Kai iõcòv tÒv ’Iqooüv àirò 
paKpóOev éõpapev Kai 
•frpoocKÚvqoev aÜTtô
7. Kai Kpá^aç (jjGOvf) iicyáÀij 
Àéyei, Tí èpoi Kai ooí, Trpoü 
UL6 TOÜ 06OÜ TOÜ ÒlJííOTOU; 
ÓpKÍCw 06 TÒV 06ÓV, gf| p.6 
Paoavíoflç.
8. eÀcycv yàp aÚTCÔ, ’T^eÀGe 
to nveüpa tò 0Ka0apTOV 6K 
TOÜ áv0pcÓlTOO.
9. Kai ÈTTTípcÓTa aÒTÓv, Tí 
óvopá oot; Kai Àeyei aÜTÓ, 
Acyicòv òvopá poi, õtl itoààol 
eopev.
encontrou-se com ele dos 
sepulcros um homem com 
espírito imundo,
3. o qual tinha a morada nos 
sepulcros, e nem com corrente 
ninguém podia prendê-lo,
4. por isso, ele tinha sido preso 
muitas vezes com algemas e 
correntes, e tinham sido 
rompidas por ele as correntes, 
e as algemas tinham sido 
esmagadas, e ninguém podia 
subjugá-lo;
5. e continuamente, de noite e 
de dia, estava nos sepulcros e 
nos montes gritando e cortando 
a si mesmo com pedras.
6. E, vendo a Jesus de longe, 
correu e prostrou-se perante 
ele,
7. e gritando com forte voz, 
disse: “O que a mim e a ti, 
Jesus, filho do Deus 
Altíssimo? Conjuro a ti por 
Deus, não me atormentes”.
8. Pois dizia a ele: “Sai, 
espírito imundo, do homem”.
9. E perguntava a ele: “Qual é 
o teu nome?” E respondeu-lhe: 
“Legião é o meu nome, porque 
somos muitos”.
164
SA+ANÁS, DEmêNieS £ LEGIî
10. Kal napeKaÀci auxòv 
iroÀÀà iva |1T) aúxà àTrooxeÍÀr] 
’éfr) Tf)ç xwpaç.
11. ’Hv ÔÈ CKfl Trpòç XCÔ Õp6L 
áyéÀq xoípoúv peyáÀq 
P00K0p.6VT|’
12. Kai. irapeKaÀeoav auxòv 
Àéyovxcç, né|ii|íov fjpâç eiç 
xouç x°Lpobç, 'iva flç aúxouç 
f ioéÀôojpev.
13. Kal èiréxpei|í6V aúxoiç. Kal 
èÇcÀOóvxa xà irveúpaxa xà 
ÓKáôapxa ftoíjÀQov eiç xouç 
Xoípouç, Kal coppipcv T] áyéÀri 
Kaxà xou Kpripvoíj eiç xpv 
QáÀaoaav, wç ôloxÍàlol, Kal 
èirvíyovxo c-v xrj ôaÀáoor].
14. Kal oí póoKOVTGÇ aúxouç 
ecfibyov Kal àirfiyyeiÀav etç 
TT|v itÓàlv Kal eiç xouç 
àypoúç- Kal rjÀOov lôeiv xí 
éoxLV xò yeyovòç
15. Kal ’épxovxai irpòç xòv
’Irpoúv Kal Qeupoboiv xòv 
ôaipovtCópfvov Ka0T|pevov 
Ipaxiopévov Kal
oax|)povobvxa, xòv èoxpKÓxa 
xòv Àeyicôva, Kal ècfjopfiQqoav.
16. Kal ôtriyTÍoavxo aúxoiç oí 
lôóvxfç iTGÕç èyévexo xcô 
ôaipoviCopévcü Kal irepl xôv
10. E implorava-lhe muito para 
que não os mandasse para fora 
da região.
11. E estava ali, perto do 
monte, uma grande manada de 
porcos pastando;
12. E suplicaram-lhe, dizendo: 
“Envia-nos para os porcos, a 
fim de que neles entremos”.
13. E permitiu-lhes. E tendo 
saído, os espíritos imundos 
entraram nos porcos, e 
precipitou-se a manada do 
despenhadeiro para o mar, 
cerca de dois mil, e se 
afogaram no mar.
14. E os que tratavam deles 
fugiram e anunciaram na 
cidade e nos campos; e saíram 
para ver o que tinha acontecido
15. E chegam para Jesus e 
vêem o endemoninhado 
sentado, vestido, e em perfeito 
juízo, o que havia tido a legião, 
e temeram.
16. E os que tinham visto 
relataram a eles como 
aconteceu ao endemoninhado e 
a respeito dos porcos.
17. E começaram a suplicar-
165
CAR.L©S AUGUS + ® VAILA + + 1
XOÍptüV.
17. Kai qpÇavTO TrapaKaÀelv 
aí)TÒv aireAGeiv ànò twv 
ôpíwv aVTCÒV.
18. Kai èpPaívovTOç aikov eiç 
tò ttàolov irapeKaÀei aikòv ô 
ôaipovioGeiç 'iva per’ auToí) rj.
19. Kai ovk àc|)f|K6V aírróv, 
àÀÀà Àcyc-i aiiTCÔ, "Y-iraye eiç 
ròv oikÓv ooi) irpòç toÒç ooòç 
Kai airayytiXov aÒTOiç òoa ô 
KÓpióç ooi ireTTOÍriKev Kai 
■qÀérioév oe.
20. Kai àníjÀGevKai rp^aTO 
Kripúooeiv èv TT| AfKairóÀei 
òoa èiroíqocv aÓTiò ó ’Irioouç, 
Kai irávTeç èGaúpaCov.
lhe para sair dos territórios 
deles.
18. E entrando ele no barco, 
suplicava-lhe o que tinha 
estado endemoninhado para 
que com ele estivesse.
19. E não lhe permitiu, mas 
disse-lhe: “Vai para a tua casa, 
junto aos teus, e anuncia-lhes 
as coisas que o Senhor tem 
feito a ti e como teve 
misericórdia de ti”.
20. E partiu e começou a 
proclamar na Decápolis as 
coisas que Jesus fez para ele, e 
todos se admiravam.
B. Segmentação e Estruturação do Texto
Pelo fato de Mc 5.1-20 ser um texto narrativo, 
segmentaremos o texto, bem como, o estruturaremos tendo 
como base os seus sujeitos, ou seja, aqueles que aparecem e 
agem no texto. Tal leitura com ênfase nos sujeitos e em suas 
ações (dividida por blocos) irá nos ajudar a definir a estrutura 
básica para a nossa perícope. Para tanto, ofereço a seguir a 
minha proposta estrutural para a passagem em questão.
B.l. O Cenário e as Características do
Endemoninhado (5.1-5)
la Kai rjÀGov eiç tò irèpav Tfjç GaÀáaoriç 
b eiç tt|v xúpav tóõv repaoqvwv.
166
sa+anás, DemêNies ê legiã©
la 
b
E vieram para o outro lado do mar, 
para a região dos Gerasenos.
2a Kal èÇcÀÔóvToç atirou ék toíj ttàoÍou
b eúQuç úirriuTriaev aurcâ c-k twv puripeícov
c àvOpco-rroç év irvfúpaTi aKaSaprcp,
2a E saindo ele do barco,
b logo encontrou-se com ele dos sepulcros
c um homem com espírito imundo,
3a bç KaToÍKT|OLP èv TOLÇ pVlípaOLV,
b Kal oòôè áÀúoei oòkÉtl ouôelç èôúvaTO aúròv Spoai
3a o qual tinha a morada nos sepulcros,
b e nem com corrente ninguém podia prendê-lo,
4a õià to avTÒv iroÀÃáKLç iréôaLç Kal áÀúoeoiv ôeôéoôai
b Kal ÔLeairáoOai úir’ avroO ràç àÀóofiç
c Kal ràç iréõaç auvrerpiijjGai,
d Kal oúôelç lo/urv auxòv ôapáoaL-
4a por isso, ele tinha sido preso muitas vezes com algemas e 
correntes,
b e tinham sido rompidas por ele as correntes,
c e as algemas tinham sido esmagadas,
d e ninguém podia subjugá-lo;
5a Kal ôià iravTÒç
b vuktoç Kal rpépaç
c êv tolç pvripaoiu Kal èv tolç ópeotv qv
d KpáCtov
e Kal KaraKoirTuu éavwv ÀíQoiç.
5a e continuamente,
b de noite e de dia,
c estava nos sepulcros e nos montes
d gritando
167
CARL®S AUGUS+ffl VAILA + + I
e e cortando a si mesmo com pedras.
Aqui, neste primeiro bloco, os sujeitos principais da ação 
narrada são: Jesus, os seus discípulos (ainda que citados 
indiretamente) e o endemoninhado, sendo que a ênfase cai 
sobre este último através da descrição detalhada da lastimável 
condição em que se encontra, a qual é resultante de seu estado 
de homem possuído. No que se refere a Jesus e seus discípulos, 
são eles que atravessam o mar a fim de chegarem até a outra 
margem, conforme a iniciativa tomada pelo próprio Jesus na 
perícope anterior que trata da tempestade que é acalmada (cf. 
Mc 4.35-41).
B.2. O Duelo Entre Jesus e os Demônios (5.6-10)
6a Kttl ÍÔÒ)V TOP ’Ir|Oo0v CXTTÒ |iaKpÓ06V
b ’éôpapev
c Kai irpooeKÚvr|oev aura)
6a E, vendo a Jesus de longe,
b correu
c e prostrou-se perante ele,
7a Kai Kpá^aç
b cfxjoufl peyáÀp Àéyfi,
c Tí èpoi Kai ooí, ’Irjoou
d ulè toô 0eoú toô úi|norov;
e ópKÍCa) oe TÒV 0eóv,
f pf) pe paoavíorjç.
7a e gritando
b com forte voz, disse:
c “O que a mim e a ti, Jesus,
d filho do Deus Altíssimo?
e Conjuro a ti por Deus,
f não me atormentes”.
168
SA+ANÁS, DEméNieS E LEGIî
8a 
b
c 
d
eXryev yàp avuqj, 
”E^À9e 
to TrveOpa to àicáôapTOU 
tK toü àvQpcó-irou.
8a 
b 
c 
d
Pois dizia a ele: 
“Sai, 
espírito impuro, 
do homem”.
9a 
b 
c 
d 
e
Kal èirrípcÓTa aÒTOU, 
Ti bvopá oo t;
Kal Àcyci aincô, 
Aeyubv òvopá pot, 
OTL TTOÀÀOÍ èopev.
9a 
b 
c 
d 
e
E perguntava a ele: 
“Qual é o teu nome?”
E respondeu-lhe: 
“Legião é o meu nome, 
porque somos muitos”.
10a
b
Kal TTapeKaAei aòrov noÀÀa'
'iva pq airuà àuooTeÍÀT] rijç xwpaç
10a
b
E implorava-lhe muito 
para que não os mandasse para fora da região.
Este segundo bloco nos mostra de forma evidente que os 
sujeitos principais são Jesus e os demônios. Aqui é narrado o 
duelo existente entre ambos, o qual descreve de forma muito 
clara e inequívoca a supremacia do Filho do Deus Altíssimo 
sobre a Legião demoníaca.
169
CARLOS AUGUS + ® VAILA + + I
B.3. A Manada de Porcos e o Seu Trágico Fim 
(5.11-13)
são Jesus, os demônios e os porcos, com especial destaque 
dado a estes últimos. Neste trecho, Jesus expulsa os demônios
11a 
b
THv Ôè CK6L irpòç Tíô ÓpeL 
àyéÀT] /oípcov peyáÀri pooKopévr]-
11a 
b
E estava ali, perto do monte, 
uma grande manada de porcos pastando;
12a 
b 
c
Kai napfKáÀfoav aòròv Àéyovreç, 
riépi|jov T]pâç eiç touç %oípouç, 
'iva c-iç aikoòç eioéÀOwpev.
12a 
b 
c
E suplicaram-lhe, dizendo: 
“Envia-nos para os porcos, 
a fim de que neles entremos”.
13a 
b 
c 
d 
e 
f 
g
13a 
b 
c 
d 
e 
f 
g
Kai 61T6Tpfl|jfV atlTOLÇ.
Kai èÇeÀOóvta
rà irveúpara rà àKaOapra eiofiÀQov eiç touç xoípouç,
Kai óípprioev q àycÀq
Kara roí) Kpqpvoí) eiç rqv QáÀaooav, 
óç ôioxíXioi,
Kai èirvíyovro èv rf| OaÀáooT].
E permitiu-lhes.
E tendo saído, 
os espíritos imundos entraram nos porcos, 
e precipitou-se a manada 
do despenhadeiro para o mar, 
cerca de dois mil, 
e se afogaram no mar.
Neste terceiro bloco verifica-se que os sujeitos principais
170
SA+ANÁS, Dem®NI®S £ LEGIî
do homem, os quais entram nos porcos. Estes, por sua vez, se 
precipitam de um despenhadeiro e morrem afogados.
B.4. A Reação das Testemunhas Diante do
Milagre (5.14-17)
14a 
b
c
d
Kal 01 PÓOKOVTCÇ aÚTOUÇ
Kal àirriYYciÀav elç Tqv itÓàlv Kal elç touç aYpoúç- 
Kal fjÀBov lôeiv rí ècniv to y^Vovoç
14a 
b
c 
d
E os que tratavam deles 
fugiram
e anunciaram na cidade e nos campos; 
e saíram para ver o que tinha acontecido
15a 
b 
c 
d
e 
f 
g
15a 
b 
c 
d 
e 
f 
g
16a 
b 
c
Kal ’ép/oviai TTpòç tov Trpouv
Kal OeaipoüoLV ròv ôaipoviCópePov
Ka9f||J+vov
Ipariopévov
Kal OGJcjjpouoüuTa,
tÒu èaxnKÓra tou Àey iwva,
Kal è(|)opií6r|oav.
E chegam para Jesus
e vêem o endemoninhado
sentado,
vestido,
e em perfeito juízo,
o que havia tido a legião,
e temeram.
Kal ô ltiytÍcjcxvt0 aÓTolç
ol iôóizceç
TTGÒç ÈY^uero tó 0aipoui(o|ieva) Kal irepl túv /oípcov.
16a E relataram a eles
171
CARL©S AUGUS + ® VA1LA + + I
b os que tinham visto
c como aconteceu ao endemoninhado e a respeito dos 
porcos.
17a Kai ■qpÇavro irapaKaÀelv aú-rov 
b áircÀOciv àirò tgòv ópíwv aÚTÓjv.
17a E começaram a suplicar-lhe 
b para sair dos territórios deles.
Neste quarto bloco, nota-se a presença dos seguintes 
sujeitos: os porqueiros, os moradores das cidades e dos 
campos e o ex-endemoninhado. Aqui se deve fazer referência 
especial às testemunhas do milagre ocorrido, as quais serão 
responsáveis por desencadear toda a sucessão de fatos que 
culminará com a expulsão de Jesus do território gentílico 
geraseno.
B.5. O Comissionamento do Ex-Endemoninhado
(5.18-20)
18a 
b 
c 
d
Kai ègpaívovTOÇ aÚTOÜ elç to ttàoiov 
uapfKáÀei aÚTÒv
Ó ÔaLgOVLOÔclç
'iva per’ aurou rj.
18a 
b 
c 
d
E entrando ele no barco, 
suplicava-lhe 
o que tinha estado endemoninhado 
para que com ele estivesse.
19a 
b 
c 
d 
e 
f
Kai ovk à^íjKfv aÒTOV, 
áAAà Àéyei avuõ, 
"Yirayc ctç tov oikov ood
TTpOÇ TOUÇ OOVÇ
Kai àTTáyYfiÀov aórolç óaa ô KÚpióç ooi -rreTTOÍqKev 
Kai qÀéqoév oe
172
SA+ANÁS, DEfllêNieS E LEGIé
19a 
b 
c 
d 
e 
f
E não lhe permitiu, 
mas disse-lhe: 
“Vai para a tua casa, 
junto aos teus, 
e anuncia-lhes as coisas que o Senhor tem feito a ti 
e como teve misericórdia de ti”.
20a 
b
c
d
Kai àirrjÀOev'
Kai líp^aTO KTipuaoeiv èv -ufj AcKairóÀci 
õoa éiroír|oev aúná) ô ’Ir|oouç,
Kai uávTeç éOaúpaCov.
20a 
b
c 
d
E partiu
e começou a proclamar na Decápolis 
as coisas que Jesus fez para ele, 
e todos se admiravam.
Por fim, neste quinto e último bloco podemos notar os 
seguintes sujeitos que aparecem em nosso texto segmentado e 
estruturado: Jesus, o ex-endemoninhado e os habitantes da 
Decápolis. A partir desta perspectiva textual que visa focalizar 
os sujeitos e as suas respectivas ações, podemos desenhar, 
portanto, o seguinte quadro esquemático:
Bloco Mc 5.1-20 Os sujeitos e suas 
ações
laE vieram para o outro 
lado do mar,
b para a região dos 
Gerasenos.
2a E saindo ele do barco, 
b logo encontrou-se com 
ele dos sepulcros
c um homem com
espírito imundo,
O Cenário e as 
Características do 
Endemoninhado 
(5.1-5)
Jesus e seus discípulos 
se aproximam de 
Gerasa. Dos sepulcros 
sai um homem 
endemon inhado.
173
CARLOS AUGUS + ® VAILA + + I
1
3a o qual tinha a
morada nos sepulcros, 
b e nem com corrente
ninguém podia prendê-lo, 
4a por isso, ele tinha
sido preso 
muitas vezes 
com algemas 
e correntes, 
b e tinham sido
rompidas por ele as 
correntes, 
c e as algemas tinham
sido esmagadas, 
d e ninguém podia
subjugá-lo;
5a e continuamente,
b de noite e de dia,
c estava nos sepulcros
e nos montes 
d gritando
e e cortando a si
mesmo com pedras.
2
6a E, vendo a Jesus de
longe,
b correu
c e prostrou-se perante
ele,
7a e gritando
b com forte voz, disse:
c “0 que a mim e a ti,
Jesus,
d filho do Deus
Altíssimo?
e Conjuro a ti por
O Duelo entre Jesus e 
os Demônios (5.6-10) 
Os demônios 
reconhecem a 
autoridade de Jesus 
sobre eles. Jesus inicia 
o exorcismo.
174
SA + ANÁS, DÊrtlÔNieS £ LEGIî
Deus,
f não me atormentes”.
8a Pois dizia a ele:
b “Sai,
c espírito impuro,
d do homem”.
9a E perguntava a ele:
b “Qual é o teu nome?”
c E respondeu-lhe:
d “Legião é o meu
nome,
e porque somos
muitos”.
10a E implorava-lhe
muito
b para que não os
mandasse para 
fora da região.
3
11a E estava ali, perto do 
monte,
b uma grande manada
de porcos pastando;
12a E suplicaram-lhe, 
dizendo:
b “Envia-nos para os
porcos,
c a fim de que neles
entremos”.
13a E permitiu-lhes,
b E tendo saído,
c os espíritos imundos
entraram nos porcos, 
d e precipitou-se a
manada
e do despenhadeiro
A Manada de Porcos 
e o Seu Trágico Fim 
(5.11-13)
Jesus exorciza os 
demônios. Os 
demônios entram nos 
porcos. Os porcos 
morrem afogados.
175
CAR.LSS AUGUS+© VAILA + +I
para o mar,
f cerca de dois mil,
g e se afogaram no
mar.
4
14a E os que tratavam 
deles 
b fugiram
c e anunciaram na
cidade e nos campos;
d e saíram para ver o
que tinha acontecido
15a E chegam para Jesus
b e vêem o
endemoninhado 
c sentado,
d vestido,
e e em perfeito juízo,
f o que havia tido a
legião, 
g e temeram.
16a E relataram a eles
b os que tinham visto
c como aconteceu ao
endemoninhado e a respeito 
dos porcos.
17a E começaram a
suplicar-lhe 
b para sair dos
territórios deles.
A Reação Das 
Testemunhas Diante 
do Milagre (5.14-17) 
Reação ao milagre: 
porqueiros e 
moradores 
testemunham o 
milagre. O que fora 
endemoninhado 
recobra sua saúde.
5
18a E entrando ele no 
barco,
b suplicava-lhe
c o que tinha estado
endemoninhado
d para que com ele
O Comissionamento 
do Ex- 
Endemoninhado 
(5.18-20)
176
sa+anás. DemêNies e legiã®
estivesse.
19a E não lhe permitiu,
b mas disse-lhe:
c “Vai para a tua casa,
d junto aos teus,
e e anuncia-lhes as
coisas que o Senhor tem
feito a ti
f e como teve 
misericórdia de ti”.
20a E partiu
b e começou a 
proclamar na Decápolis
c as coisas que Jesus 
fez para ele,
d e todos se 
admiravam.
Jesus não permite que 
o ex-endemoninhado o 
siga. Este se torna um 
missionário. Os 
habitantes de 
Decápolis se admiram 
diante do milagre 
ocorrido.
Resumindo, nossa proposta estrutural para a perícope de
Mc 5.1-20 foi esquematizada conforme o seguinte quadro:
1. O Cenário e as Características do Endemoninhado 
(5.1-5);
2. O Duelo Entre Jesus e os Demônios (5.6-10);
3. A Manada de Porcos e o Seu Trágico Fim (5.11-13);
4. A Reação das Testemunhas Diante do Milagre (5.14- 
17);
177
CARLOS AUGUS + ® VAILA + + I
5. O Comissionamento do Ex-Endemoninhado (5.18-
20). 
Todavia, além do nosso ponto de vista pessoal, 
gostaríamos de fornecer também a opinião de alguns estudiosos 
sobre o assunto, os quais, como teremos a oportunidade de 
notar, não divergem entre si de forma tão significativa quanto a 
estrutura que adotam para Mc 5.1-20.268 Apresentamos aqui 
quatro exemplos.
Todavia, uma estrutura mais reduzida é defendida por A. R. Carmona, 
que divide a perícope de Mc 5.1-20 homileticamente em apenas duas partes: 
1) o que Jesus pode (fazer); e 2) o que não pode. (Cf. CARMONA, Antonio 
Rodríguez. Evangelio de Marcos. [Comentários a la Nueva Biblia de 
Jerusalén]. Bilbao, Desclée De Brouwer, 2006, pp.64-66).
269 JOHNSON, B.W. & DEWELT, Don. The Gospel of Mark. [BST], 
Missouri, College Press, 1965, p.140,141. Percebe-se nos itens 1 e 3 a 
predileção dos autores pela localidade de Gadara.
a) B. W. Johnson e Don Dewelt
Para estes dois estudiosos, a estrutura de Mc 5.1-20 é bem 
enxuta, sendo dividida em três partes conforme segue:
1. O Endemoninhado Gadareno (5.1-8);
2. A Legião e os Porcos (5.9-13);
3. Cristo e os Gadarenos (5.14-20).269
b) Vincent Taylor
Estruturalmente, Taylor encontra os rudimentos de um 
quarto ato no drama das cenas, retratando:
178
sa+anás, DemêNies e legiã®
1. Jesus e o Endemoninhado (5.1-10);
2. Os Porcos (5.11-13);
3. As Pessoas da Cidade (5.14-17);
4. O Homem Liberto (5.18-2O).270
TAYLOR, Vincent. The Gospel According to St. Mark. New York, 
Macmillan, 1966, p.277.
271 Citado por GUELICH, Robert A., in: Mark 1-8:26. Vol.34A. [WBC]. 
Dallas, Word Books, Publisher, 1989, p.274.
c) Rudolf Pesch
Pesch também divide a estrutura do texto em quatro 
partes, mas de forma distinta de Taylor, com exceção dos itens 3 
e 4:
1. O Cenário e a Descrição da Doença (5.1-5);
2. Jesus e os Demônios (5.6-13);
3. As Testemunhas (5.14-17);
4. O Homem Curado (5.18-20).271
d) Robert A. Guelich
Por fim, Guelich, diferentemente dos anteriores, estrutura 
a passagem de Mc 5.1-20 dividindo-a em cinco partes e, como 
pode ser percebido, minha estrutura é mais parecida com esta, 
com exceção dos itens 1 e 5 que possuem pequenas variações 
em seu enunciado:
1. O Cenário (5.1-5);
179
CARLOS AUGUS + O VAILA + +I
2. Jesus e os Demônios (5.6-10);
3. Os Porcos (5.11-13);
4. As Testemunhas (5.14-17);
5. A Reação do Homem Curado (5.18-20).272
77? Idem, Ibidem, p.274.
273 Sigo (exceto a morfologia): SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia 
de Exegese Bíblica, pp. 126,127.
Assim, concluímos nossa análise estrutural do texto, 
percebendo que o mesmo pode possuir vários tipos de estruturas 
(cf. exemplos citados), as quais, porém, não apresentam 
características tão díspares entre si. A seguir, faremos a análise 
lingüística do texto.
C. Análise Lingüística
A análise lingüística de Mc 5.1-20 nos permitirá 
compreender, de forma mais apurada, o pensamento do autor. 
Isto se dá porque tal análise apontará para mais de uma direção 
simultaneamente, uma vez que nossa análise lingüística possui 
três facetas (as duas primeiras veremos em conjunto e a última à 
parte):
- Análise Lexicográfica: estudo do vocabulário;
- Análise Morfo lógica: estudo de cada palavra 
individualmente;
- Análise estilística: estudo das figuras de linguagem.273
C.l. Análise Léxico-Morfológica: estudo do 
vocabulário e da palavra em si
180
SA + ANÁS, DEfTl®NI®S E LEGIî
Estudar o vocabulário encontrado em Mc 5.1-20 é uma 
tarefa indispensável que nos ajudará a compreender melhor a 
teologia de Marcos, bem como, nos permitirá chegar a 
conclusões importantes em nosso estudo. Aqui, porém, quando 
um mesmo termo ocorrer mais de uma vez no texto, não 
repetiremos a sua análise. Assim, o leitor deverá consultar a 
primeira ocorrência do termo a fim de verificar o seu 
significado. Portanto, analisemos o vocabulário de nossa 
perícope obedecendo à ordem em que este aparece no texto.
Marcos 5.1
Vocábulo Análise Léxico-Morfológica
Kat
Conjunção coordenativa. Seus significados 
básicos são: “e, também, ainda”. Esse 
vocábulo cuja ocorrência é muito comum nas 
páginas do Novo Testamento, onde aparece 
9164 vezes,274 é encontrado 41 vezes ao todo 
em nosso texto. É curioso observarmos que 
“tanto o hebraico quanto o aramaico se 
distinguem pela seqüência de orações em 
coordenação, ou melhor: as inflexões 
sucessivas, postas lado a lado, são ligadas pela 
conjunção (yav), e. Esse tipo deconstrução 
se reflete, de modo acentuado, na estilística do 
Evangelho conforme Marcos, pela utilização 
da conjunção Koà, em correspondência exata
274 BALZ, Horst & SCHNEIDER, Gerhard, (eds.). DENT. Vol.l. [oc-k], 
p.2122.
181
CARLffiSAUGUS+ffi VAUA++I
7/5 r
Cf. artigo escrito por BENICIO, Paulo José, in: GOMES, Antonio 
Maspoli de Araújo, (org.). Teologia: Ciência e Profissão. São Paulo, Fonte 
Editorial Ltda., 2007, p. 191.
276 DEMOSS, Matthew S. Dicionário Gramatical do Grego do Novo 
Testamento. [Tradução de Paulo Sartor Jr.]. São Paulo, Editora Vida, 2004, 
p.130.
277 ROGERS JR., Cleon L. & ROGERS III, Cleon L. The New Linguistic 
and Exegetical Key to the Greek New Testament. Grand Rapids, Zondervan 
Publishing House, 1998, p.75.
ao (vav) hebraico, especialmente, em
77S
função aditiva ou copulativa”. O uso 
excessivo dessa conjunção por parte de 
Marcos revela o seu estilo marcadamente 
paratático. A parataxe, por sua vez, é um 
elemento característico das línguas semitas.276
rjÀQov
Verbo no indicativo aoristo ativo, na 3a pessoa 
do plural, “vieram”. É derivado do verbo 
èpxopai, “ir, vir”.
GLÇ Preposição no acusativo, “para, em direção a”.
Essa preposição aparece duas vezes no v. 1.
TO Artigo definido, no acusativo, neutro, 
singular, “o”.
uépav Advérbio de lugar usado como um 
substantivo, “outro lado”.277
Tf|Ç
Artigo definido, genitivo, feminino, singular, 
“do”. Aparece logo em seguida, ainda no v. 1, 
em sua forma no acusativo, xpu.
9aÀáoor|ç Substantivo, genitivo, feminino, singular, 
“mar, lago”.278 Devemos considerar o uso do
182
SA+ANÁS, DÊmêNieS £ LEGIî
Marcos 5.2
termo QaXácrariç como um semitismo, o qual 
é usado aqui para se referir ao lago de 
Genesaré (cf. Mc 4.39,41).279
Xcópav Substantivo, acusativo, feminino, singular, 
“região, país”.
TWV Artigo definido, genitivo, masculino, plural, 
“dos”.
lVpaar|iADV Adjetivo pronominal, genitivo, masculino, 
plural, “Gerasenos”.
GARRIDO, Constantino Ruiz. (trad.). Vocabulário Griego del Nuevo 
Testamento. Salamanca, Ediciones Sigueme, 2001, p.81.
SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de Exegese Bíblica. São 
Paulo, Paulinas, 2000, p. 156.
Vocábulo Análise Léxico-Morfológica
èÇcÀQómoç
Verbo, particípio, aoristo, na voz ativa, 
genitivo, masculino, singular. É derivado do 
verbo £^Ép%opat, “sair, vir para fora”.
aòroô Substantivo pronominal, genitivo, masculino, 
na 3a pessoa do singular, “ele”.
ÉK Preposição, no dativo, “de, a partir de, de 
dentro de”.
TOÜ Artigo definido, no genitivo, neutro, singular, 
“do”.
ITÀOÍOU Substantivo, genitivo, neutro, singular, “do
183
CARLOS AUGUS + ffi VAILA++I
Marcos 5.3
barco”.
evGuç
Adjetivo pronominal, no nominativo, 
masculino, singular, o qual é usado como 
adjetivo adverbial, “imediatamente, logo”. É 
muito provável que o emprego excessivo 
desse adjetivo em Marcos, dê-se por 
influência da conjunção aramaica D' Ê , 280 no momento.
í)Trr|v-cr]O6V
Verbo, indicativo, aoristo, na voz ativa, 3a 
pessoa do singular, derivado de bTtavTáco, 
“encontrar”.
p.VT]p.6 ÍG)V Substantivo, genitivo, neutro, plural, “dos 
sepulcros”.
ãvOpcoiTOÇ Substantivo, nominativo, masculino, singular, 
“(um) homem”.
èv Preposição, dativo, “em (com)”.
TtveúpaTi Substantivo, dativo, neutro, singular, 
“espírito”.
áKaQápTcp Adjetivo, dativo, neutro, singular, “imundo, 
impuro”.
2R0 'Cf. artigo escrito por BENICIO, Paulo José, in: GOMES, Antonio 
Maspoli de Araújo, (org.). Teologia: Ciência e Profissão. São Paulo, Fonte 
Editorial Ltda., 2007, p. 191.
Vocábulo Análise Léxico-Morfológica
184
SA + ANÁS, DEíTl®NI©S Ê LEGIé
KUBO, Sakae. RGELNT, p.32.
OÇ
Adjetivo pronominal relativo, nominativo, 
masculino, singular, “o qual”.
TT]V Artigo definido, acusativo, feminino, singular, 
“a”.
KaTOÍKT|OLV
Substantivo, acusativo, feminino, singular, 
“habitação, moradia, morada”. Trata-se de um 
281hapax legomenon.
Verbo, indicativo, imperfeito, voz ativa, na 3a 
pessoa do singular, “tinha”.
TOLÇ Artigo definido, dativo, neutro, plural, “os”.
|ivr||J,aoLV Substantivo, dativo, neutro, plural, 
“sepulcros”.
oòôè Adjetivo adverbial, “nem”.
àÀÚoei Substantivo, dativo, feminino, singular, 
“corrente”.
OLIKtTL Adjetivo adverbial, “já não”.
oóôelç Adjetivo pronominal cardinal, nominativo, 
masculino, singular, “nenhum, ninguém”.
èôúvaro Verbo, indicativo, imperfeito, na voz média 
ou passiva, na 3a pessoa do singular, “podia”.
aÚTÒv Substantivo pronominal, acusativo,
185
CARLffiS AUGUS+® VAILA + +I
masculino, na 3a pessoa do singular, “a ele”.
ôfjoaL Verbo, infinitivo, aoristo, na voz ativa, 
“prender, amarrar”. É derivado do verbo 3éo>.
Marcos 5.4
Vocábulo Análise Léxico-Morfológica
ôià
Preposição no acusativo, “porque, por, 
através”. Aqui a construção indica, não a 
razão, mas as circunstâncias mencionadas à 
guisa de explicação.
TTOÀÀáKLÇ Adjetivo adverbial, “muitas vezes, 
freqüentemente”.
iréôaiç Substantivo, dativo, feminino, plural, 
“grilhões, algemas para os pés”.
àÀúoeoiv Substantivo, dativo, feminino, plural, 
“correntes”.
ôfôéoQai
Verbo no infinitivo, perfeito, na voz passiva, 
acusativo, “ter sido preso”. É derivado do 
verbo 5êo).
ôieoiráoOaL
Verbo no infinitivo, perfeito, na voz passiva, 
no acusativo, “terem sido rompidas, 
despedaçadas”.
Útt’ Preposição no genitivo, “por”.
ràç Artigo definido, no acusativo, feminino, 
plural, “as”.
àXúocLç Substantivo, no acusativo, feminino, plural, 
“correntes”.
iréôaç
Substantivo, no acusativo, feminino, plural, 
“grilhões, algemas para os pés”. No início do 
verso o substantivo aparece no dativo.
OU VT6T pi(|)0a L
Verbo no infinitivo, perfeito, na voz passiva, 
no acusativo, “terem sido esmagadas”. 
Derivado de ouvTpípcu, “despedaçar, quebrar
186
SA+ANÁS, DEIT1®NI®S E LEGIî
totalmente, esmagar”.
íoxufv
Verbo, indicativo, imperfeito, na voz ativa, 
na 3a pessoa do singular, “podia”. É derivado 
do verbo ’laxíco, “ser forte”.
ôapáoat Verbo no infinitivo, aoristo, na voz ativa, 
“subjugar, amansar”.
Marcos 5.5
Vocábulo Análise Léxico-Morfológica
navTÒç Adjetivo pronominal, genitivo, masculino, 
singular, “continuamente”.
VUKTÒÇ Substantivo no genitivo, feminino, singular, 
“de noite”.
riliépaç Substantivo, genitivo, feminino, singular, “de 
dia”.
ÕpfOLV Substantivo, dativo, neutro, plural, “montes”.
rjv Verbo, indicativo, imperfeito, na voz ativa, na 
3a pessoa do singular, “estava”.
KpáCüJV
Verbo no participio presente, na voz ativa, 
nominativo, masculino, singular, “clamando, 
gritando”. Este participio, bem como o 
seguinte, usado numa construção perifrástica 
enfatizam a ação repetida.
KaraKÓiiTCDV’
Verbo no participio presente, na voz ativa, 
nominativo, masculino, singular, “cortar em 
pedaços”. A preposição no verbo composto é 
perfectiva. Sendo assim, seu corpo podia estar 
dilacerado e cicatrizado em todas as partes. É 
o segundo hapax legomenon de nossa 
perícope em estudo.
êauTÒP
Substantivo pronominal, acusativo,
masculino, na 3a pessoa do singular, “a si 
mesmo”.
ÀíQoiç Substantivo, dativo, masculino, plural,
187
CARLffiS AUGUS+® VAILA + + I
Marcos 5.6
“pedras”.
Marcos 5.7
Vocábulo Análise Léxico-Morfológica
Lôgop
Verbo no particípio aoristo, na voz ativa, 
nominativo, masculino, singular, “vendo 
(ele)”.
TOP
Artigo definido, no acusativo, masculino, 
singular, “a”.
’Ipoouv Substantivo no acusativo, masculino, 
singular, “Jesus”.
Ct ITO Preposição no genitivo, “de”.
|iaKpó9ep
Adjetivo adverbial usado como adjetivo 
pronominal, genitivo, neutro, singular, “de 
longe”.
’éôpapep Verbo no indicativo aoristo, na voz ativa, na 
3a pessoa do singular, “correu”.
TTpoaeKÚvpoev
Verbo no indicativo aoristo, na voz ativa, na 
3a pessoa do singular, “prostrou-se, prostrou- 
se em adoração”.
Vocábulo Análise Léxico-Morfológica
KpáÇaç Verbo no particípio aoristo, na voz ativa, 
nominativo, masculino, singular, “gritando”.
4>copfi Substantivo no dativo, feminino, singular, 
“voz”.
p.eyáÀr| Adjetivo no dativo, feminino, singular, 
“grande, forte”.
Àéyei Verbo no indicativopresente, na voz ativa, na 
3a pessoa do singular, “diz (disse)”.
Tí Adjetivo pronominal interrogativo,
nominativo, neutro, singular, “O que?”.
époi Substantivo pronominal no dativo, na Ia
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SA + ANÁS, D£IT1©NI®S £ LEGIé
pessoa do singular, “a mim”.
ooí Substantivo pronominal no dativo, na 2a 
pessoa do singular, “a ti”.
’Ipoou Substantivo no vocativo, masculino, singular, 
“Jesus”.
< \ ulg
Substantivo no vocativo, masculino, singular, 
“Filho”.
ôgoü
Substantivo no genitivo, masculino, singular, 
“de Deus”.
vip LOTOU
Adjetivo superlativo no genitivo, masculino, 
singular, “Altíssimo”. Trata-se de um 
semitismo derivado do hebraico *7 fô,
“Deus Altíssimo” ou jí*1 “Altíssimo”.
ôpKÍCo) Verbo no indicativo presente, na voz ativa, na 
Ia pessoa do singular, “conjuro, adjuro”.
06
Substantivo pronominal no acusativo, na 2a 
pessoa do singular, “a ti, te”.
06ÓV Substanivo no acusativo, masculino, singular, 
“(por) Deus”.
PI Adjetivo adverbial, “não”.
P
Substantivo pronominal no acusativo, na Ia 
pessoa do singular, “a mim, me”.
PaoavíoT]ç
Verbo no subjuntivo aoristo, na voz ativa, na 
2a pessoa do singular, usado como verbo no 
imperativo aoristo, na voz ativa, na 2a pessoa 
do singular, “atormentes, tortures”.
Marcos 5.8
Vocábulo Análise Léxico-Morfológica
6À6Y6V Verbo no indicativo imperfeito, na voz ativa, 
na 3a pessoa do singular, “dizia, falava”.
yàp Conjunção subordinativa, “pois”.
’'E^gàQg Verbo no imperativo aoristo, na voz ativa, na
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CARLffiS AUGUS+ffi VAILA + +1
2a pessoa do singular, “sai!”.
irvfüpa Substantivo no vocativo, neutro, singular, 
“espírito”.
(XKaQaprov Adjetivo no vocativo, neutro, singular, 
“imundo, impuro”.
àvQpcóirou Substantivo no genitivo, masculino, singular, 
“do homem”.
Marcos 5.9
Vocábulo Análise Léxico-Morfológica
èirrípcÓTa Verbo no indicativo imperfeito, na voz ativa, 
na 3a pessoa do singular, “perguntava”.
óvopá Substantivo no nominativo, neutro, singular, 
“(o) nome”.
Aeyiwv Substantivo no nominativo, feminino, 
singular, “Legião”.
poi Substantivo pronominal no dativo, na Ia 
pessoa do singular, “meu, para mim”.
OTl Conjunção subordinativa, “porque”.
TTOÀÀOÍ Adjetivo pronominal no nominativo, 
masculino, plural, “muitos”.
èoprv Verbo no indicativo presente, na voz ativa, na 
Ia pessoa do plural, “somos”.
Marcos 5.10
Vocábulo Análise Léxico-Morfológica
TrapfKáÀci Verbo no indicativo imperfeito, na voz ativa, 
na 3a pessoa do singular, “implorava, rogava”.
TTOÀÀà
Adjetivo pronominal no acusativo, neutro, 
plural, usado como adjetivo adverbial, 
“muito”.
iva Conjunção coordenativa, “para que”.
aurà Substantivo pronominal no acusativo, neutro, 
na 3a pessoa do plural, “a eles”.
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SA + ANÁS, DEmêNieS E LEGIé
ánooTeÍÀT] Verbo no subjuntivo aoristo, na voz ativa, na 
3a pessoa do singular, “mandasse, enviasse”.
Preposição no genitivo, “(para) fora de”.
/cópaç Substantivo no genitivo, feminino, singular, 
“região”.
Marcos 5.11
Vocábulo Análise Léxico-Morfológica
’Hv Verbo no indicativo imperfeito, na voz ativa, 
na 3a pessoa do singular, “estava”.
Ô6 Conjunção coordenativa, “e”.
6Kei Adjetivo adverbial, “ali”.
upòç Preposição no dativo, “perto de”.
TCÔ Artigo definido no dativo, neutro, singular, 
“o”.
õpei Substantivo no dativo, neutro, singular, 
“monte”.
áyéÀri Substantivo no nominativo, feminino, 
singular, “manada”.
Xoípwu Substantivo no genitivo, masculino, plural, 
“de porcos”.
peyáÀri Adjetivo no nominativo, feminino, singular, 
“(uma) grande”.
PooKop.évr| Verbo no participio presente, na voz passiva, 
nominativo, feminino, singular, “pastando”.
Marcos 5.12
Vocábulo Análise Léxico-Morfológica
irapeicáÀeoav Verbo no indicativo aoristo, na voz ativa, na 
3a pessoa do plural, “suplicaram, rogaram”.
Àéyomfç Verbo no participio presente, na voz ativa, no 
nominativo, masculino, plural, “dizendo”.
népirpov Verbo no imperativo aoristo, na voz ativa, na 
2a pessoa do singular, “envia, manda”.
191
CARL®S AUGUS+® VA1LA + + I
Marcos 5.13
niiâç Substantivo pronominal no acusativo, na Ia 
pessoa do plural, “a nós”.
TOÍ)Ç Artigo definido no acusativo, masculino, 
plural, “os”.
xoípouç Substantivo no acusativo, masculino, plural, 
“porcos”.
(WTOÒç Substantivo pronominal no acusativo, 
masculino, na 3a pessoa do plural, “eles”.
6 LoéÀ0(jop.ev Verbo no subjuntivo aoristo, na voz ativa, na 
Ia pessoa do plural, “entremos”.
Vocábulo Análise Léxico-Morfológica
fiTérpeiliev Verbo no indicativo aoristo, na voz ativa, na 
3a pessoa do singular, “permitiu”.
aÓTolç Substantivo pronominal no dativo, neutro, na 
3a pessoa do plural, “a eles”.
Verbo no particípio aoristo, na voz ativa, no 
nominativo, neutro, plural, “tendo saído”.
rà Artigo definido no nominativo, neutro, plural, 
“os”.
irveú|iara Substantivo no nominativo, neutro, plural, 
“espíritos”.
áKÚQapra Adjetivo no nominativo, neutro, plural, 
“imundos, impuros”.
c loíjÀQov Verbo no indicativo aoristo, na voz ativa, na 
3a pessoa do plural, “entraram”.
(opppocv Verbo no indicativo aoristo, na voz ativa, na 
3a pessoa do singular, “precipitou-se”.
n
Artigo definido no nominativo, feminino, 
singular, “a”.
Karà Preposição no genitivo, “para baixo”.
Kpppuoú Substantivo no genitivo, masculino, singular, 
“despenhadeiro, precipício”.
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SA+ANÁS, DEIT1©NI©S E LEGIé
Marcos 5.14
TT]V
Artigo definido no acusativo, feminino, 
singular, “o”.
QáÀaooav Substantivo no acusativo, feminino, singular, 
“mar”.
wç Adjetivo adverbial, “cerca de”.
ÔIOXLÀLOL
Adjetivo pronominal cardinal, no nominativo, 
masculino, plural, “dois mil”. Este é o terceiro 
e último hapax legomenon de nossa perícope.
è-nvíyomo
Verbo no indicativo imperfeito, na voz 
passiva, na 3a pessoa do plural, “se afogavam, 
se sufocavam”.
rfj Artigo definido no dativo, feminino, singular, 
“o”.
QaÀáaor] Substantivo no dativo, feminino, singular, 
“mar”.
Vocábulo Análise Léxico-Morfológica
Ol
Artigo definido no nominativo masculino 
plural, usado como substantivo pronominal no 
nominativo masculino na 3a pessoa do plural e 
como adjetivo pronominal relativo no 
nominativo masculino, plural, “os”.
PÓOKOVTEÇ
Verbo no participio presente, na voz ativa, no 
nominativo, masculino, plural, “que tratavam, 
que alimentavam”.
f^uyov Verbo no indicativo aoristo, na voz ativa, na 
3a pessoa do plural, “fugiram”.
àuijYycLÀav
Verbo no indicativo aoristo, na voz ativa, na 
3a pessoa do plural, “anunciaram, relataram, 
trouxeram notícias”.
IlÓÀLV Substantivo no acusativo, feminino, singular, 
“cidade”.
àypoúç Substantivo no acusativo masculino, plural,
193
CARLOS AUGUS + © VAILA + + I
Marcos 5.15
“campos”.
rjÀGov Verbo no indicativo aoristo, na voz ativa, na 
3a pessoa do plural, “vieram”.
lôetv Verbo no infinitivo aoristo, na voz ativa, 
“para ver”.
ècTiv Verbo no indicativo presente, na voz ativa, na 
3a pessoa do singular, “é”.
yeyovòç
Verbo no particípio perfeito, na voz ativa, no 
nominativo, neutro, singular, “sucedido”. 0 
perfeito enfatiza 0 estado ou condição 
contínua daquilo que acontecera.
Vocábulo Análise Léxico-Morfológica
’épxovTat
Verbo no indicativo presente, na voz média 
ou passiva, na 3a pessoa do plural, 
“chegam”.
OecopoOoLV Verbo no indicativo presente, na voz ativa, 
na 3a pessoa do plural, “vêem”.
SaipoviCópevov
Verbo no particípio presente, na voz média 
ou passiva, no acusativo, masculino, 
singular, “endemoninhado”. Refere-se ao 
“homem que antes fora (ou que até agora 
tinha sido) um endemoninhado”.
KaSfipevov
Verbo no particípio presente, na voz média 
ou passiva, no acusativo, masculino, 
singular, “sentado”.
IpaTLopéuov
Verbo no particípio perfeito, na voz passiva, 
no acusativo, masculino, singular, “vestido”. 
0 perfeito enfatiza sua presente condição ou 
estado.
ooxjipovoôvTa
Verbo no particípio presente, na voz ativa, 
no acusativo, masculino, singular, “em 
perfeito juízo, são”.
194
SA+ANÁS, DEffl®NI®S E LEGIî
ÈCJPIKÓ™
Verbo no participio perfeito, na voz ativa, no 
acusativo, masculino, singular, “que tinha 
tido”. Esse termoexpressa um estado 
anterior, ou seja, “tendo tido, mas agora livre 
deles (dos demônios)”.
Àeyiôva Substantivo no acusativo, masculino, 
singular, “legião”.
è^oPiíOrjoav
Verbo no indicativo aoristo, na voz passiva 
depoente, na 3a pessoa do plural, “temeram, 
tiveram medo”.
Marcos 5.16
Vocábulo Análise Léxico-Morfológica
õiTiYrpavTO
Verbo no indicativo aoristo, na voz média 
depoente, na 3a pessoa do plural, 
“relataram”, transmitindo a idéia de “expor 
com pormenores”.
LÔÓVTCÇ
Verbo no participio aoristo, na voz ativa, no 
nominativo, masculino, plural, “que tinham 
visto”.
1TWÇ Adjetivo adverbial interrogativo, “como”.
èyévcco
Verbo no indicativo aoristo, na voz média 
depoente, na 3a pessoa do singular, 
“aconteceu”.
ôaipoviCo|i€vcü
Verbo no participio presente, na voz média 
ou passiva, no dativo, masculino, singular, 
“endemoninhado”. (cf. a análise sobre essa 
mesma palavra no verso 15, a qual aparece 
ali no acusativo).
irepl Preposição no genitivo, “a respeito de”.
Marcos 5.17
Vocábulo Análise Léxico-Morfológica
qp^avro Verbo no indicativo aoristo, na voz média, na
195
CARLOS AUGUS + ® VAILA + + I
Marcos 5.18
3a pessoa do plural, “começaram”.
'frapaKaÀelv Verbo no infinitivo presente, na voz. ativa, 
“suplicar, rogar”.
ànfÀôéip Verbo no infinitivo aoristo, na voz ativa, 
“para sair”.
áirò Preposição no genitivo, “de”.
ópíwv Substantivo no genitivo, neutro, plural, 
“territórios”.
avTÔv Substantivo pronominal no genitivo, 
masculino, na 3a pessoa do plural, “deles”.
Marcos 5.19
Vocábulo Análise Léxico-Morfológica
èp.paívouTOÇ Verbo no particípio presente, na voz ativa, no 
genitivo, masculino, singular, “embarcando”.
ttàolov Substantivo no acusativo, neutro, singular, 
“barco”.
ô
Artigo definido no nominativo, masculino, 
singular, usado como substantivo pronominal 
no nominativo, masculino, na 3a pessoa do 
singular e usado também como Adjetivo 
pronominal relativo, no nominativo, 
masculino, singular, “o”.
ÔaLgOVLOOcLÇ
Verbo no particípio aoristo, na voz passiva 
depoente, no nominativo, masculino, singular, 
“que tinha estado endemoninhado”.
per’ Preposição no genitivo, “com”.
ri Verbo no subjuntivo presente, na voz ativa, 
na 3a pessoa do singular, “estivesse”.
Vocábulo Análise Léxico-Morfológica
OUK Adjetivo adverbial, “não”.
acpfiKcv Verbo no indicativo aoristo, na voz ativa, na
196
SA+ANÁS, DErtlêNieS £ LEGIî
Marcos 5.20
3a pessoa do singular, “permitiu”.
àÀÀà Conjunção superordenativa, “mas”.
"Ynaye Verbo imperativo no presente, na voz ativa, na 
2a pessoa do singular, “Vai”.
OLKÓV Substantivo no acusativo, masculino, singular, 
“casa”.
oou Substantivo pronominal no genitivo, na 2a 
pessoa do singular, “tua”.
oovç Adjetivo pronominal no acusativo, masculino, 
na 2a pessoa do plural, “teus”.
àTráyyriÀov Verbo no imperativo aoristo, na voz ativa, na 
2a pessoa do singular, “anuncia”.
boa
Adjetivo pronominal relativo no acusativo, 
neutro, plural, “as coisas”, usado como 
Adjetivo pronominal demonstrativo no 
acusativo, neutro, plural e ainda como 
adjetivo pronominal relativo no acusativo, 
neutro, plural.
KÓpióç
Substantivo no nominativo, masculino, 
singular, “Senhor”. Temos aqui um 
semitismo, derivado dos termos hebraicos: 
nirr ou^™.t : T
iretroíqKev Verbo no indicativo perfeito, na voz ativa, na 
3a pessoa do singular, “tem feito”.
■qÀérioép
Verbo no indicativo aoristo, na voz ativa, na 
3a pessoa do singular, “teve misericórdia”. A 
mudança do imperfeito para o aoristo é 
deliberada. 0 homem recebera bênçãos que 
permanecem e que são um benefício 
específico na cura dele.
Vocábulo Análise Léxico-Morfológica
197
CAR.L®S AUGUS + ® VAILA + + I
àirfjÀGev Verbo no indicativo aoristo, na voz ativa, na 
3a pessoa do singular, “partiu”.
qp^ato Verbo no indicativo aoristo, na voz média, na 
3a pessoa do singular, “começou”.
Kqpóooetv Verbo no infinitivo presente, na voz ativa, 
“proclamar, proclamar como arauto”.
AeKaTróÀei Substantivo no dativo, feminino, singular, 
“Decápolis”.
6ir0ÍT|0€P Verbo no indicativo aoristo, na voz ativa, na 
3a pessoa do singular, “fez”.
’Iqooôç Substantivo no nominativo, masculino, 
singular, “Jesus”.
Adjetivo pronominal no nominativo, 
masculino, plural, “todos”.
èOaúpaCov
Verbo no indicativo imperfeito, na voz ativa, 
na 3a pessoa do plural, “se admiravam, 
maravilhavam-se”.
C.2. Análise Estilística: estudo das figuras de 
linguagem
Podemos definir estilística como sendo “o estudo da 
linguagem humana em termos claros de tendência e 
características do orador e/ou autor”. “
Em nosso caso em particular, aplicaremos tal tipo de 
abordagem no intuito de descobrirmos quais são os principais 
traços que encontramos em nossa perícope de Mc 5.1-20, os 
quais apontam para o estilo marcano. Vejamos os exemplos 
abaixo:
a) Polissíndeto
282 DEMOSS, Matthew S. DGGNT, p.74.
198
SA+ANÁS, DEIT1©NI©S Ê LEGIé
Polissíndeto é o nome dado à “figura de construção que 
consiste em repetir uma conjunção ou uma preposição mais 
vezes do que a ordem gramatical exige”.283 284 Como já pudemos 
notar anteriormente no início de nossa análise léxico- 
morfológica, Marcos usa exageradamente a conjunção 
coordenativa Kai (e) na perícope que ora estamos estudando (41 
vezes!). Esse uso desmedido serve para “costurar” o pensamento 
do autor e dar seqüência ao desenvolvimento do mesmo. Tal 
recurso permite que os elementos coordenados interpenetrem-se, 
284 conferindo ao relato continuidade, vivacidade e fluidez.
J LOVISOLO, Elena, ASSIS, Beatriz Helena de & POZZOLI, Thereza 
Cristina, (eds.). Dicionário da Língua Portuguesa Larousse Cultural. São 
Paulo, Editora Nova Cultural Ltda., 1992, p.881.
284 SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de Exegese Bíblica. São 
Paulo, Paulinas, 2000, p. 157.
285 DEMOSS, Matthew S. Op.Cit., p.127.
286 Baxter faz um interessante comentário sobre o emprego desse advérbio 
em Marcos: “A palavra ocorre 42 vezes em Marcos; apenas sete em Mateus e 
uma em Lucas. Da mesma forma que os registros de Júlio César sobre a 
Guerra na Gália estão repletos da palavra ‘rapidamente’, a biografia de Jesus 
contada por Marcos repete eutheos”. (Cf. BAXTER, J. Sidlow. Examinai as 
Escrituras: período interbíblico e os evangelhos. Vol.V. [Tradução de Neyd 
Siqueira]. São Paulo, Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1992, p.209).
b) Otiose
Otiose é o nome pelo qual são conhecidas “certas 
palavras e unidades gramaticais supérfluas; que não possuem 
efeito”.285 286 Em nosso texto encontramos um exemplo conhecido 
do uso deste elemento em Mc 5.2: “E saindo ele do barco, logo 
(...)”. Aqui, o uso do advérbio eèôuç (logo, imediatamente) não 
acrescenta nada ao significado do texto. Juan Mateos, 
comentando este verso, explica que “a construção com o 
genitivo absoluto torna supérfluo o uso do advérbio, além do 
199
CARLOS AUGUS + ffi VAILA + + I
mais, criticamente muito duvidoso”.287 Sendo assim, Marcos se 
utiliza do advérbio euthys apenas a fím de dar movimento à sua 
narrativa, por meio deste “imediatismo cronológico”.
URBAN, Angel, MATEOS, Juan & ALEPUZ, Miguel. Estudios de 
Nuevo Testamento: questiones de gramatica y lexica. Madrid, Ediciones 
Cristiandad, 1977, p.117.
288 DEMOSS, Matthew S. Op.Cit.,p.ll.
c) Epímone
Epímone é como é chamado “em retórica, a repetição de 
um mesmo pensamento duas ou mais vezes, usando-se palavras 
similares ou sinônimas”.288 Na perícope que ora estamos 
estudando tal recurso estilístico pode ser notado várias vezes. 
Por exemplo, a ligação do homem com os sepulcros é 
mencionada três vezes: “(...) encontrou-se com ele dos 
sepulcros um homem (...)” (v.2), “o qual tinha a morada nos 
sepulcros (...)” (v.3) e “(...) estava nos sepulcros (...)” (v.5). 
Menciona-se duas vezes a força descomunal do endemoninhado: 
“(...) ninguém podia prendê-lo” (v.3) e “(...) ninguém podia 
subjugá-lo ” (v.4). Os objetos que foram usados inutilmente na 
tentativa de prendê-lo também são enfatizados no texto: “(...) e 
nem com corrente ninguém podia prendê-lo” (v.3) e “porisso, 
ele tinha sido preso muitas vezes com algemas e correntes, e 
tinham sido rompidas por ele as correntes, e as algemas tinham 
sido esmagadas (...)” (v.4). Os gritos emitidos pelo 
endemoninhado também são realçados por Marcos: “(...) estava 
nos sepulcros e nos montes gritando (...) ” (v.5) e “(...) gritando 
com forte voz (...)” (v.7). Estes exemplos são suficientes para 
percebermos o estilo repetitivo de Marcos que, por meio da 
repetição de certos pensamentos e idéias, tenciona realçar a 
dramaticidade do estado do homem endemoninhado.
d) Hipérbole
200
SA+ANÁS, DEmêNieS £ LEGIî
A hipérbole é a “figura de retórica que consiste na ênfase 
resultante de um exagero deliberado”.289 O objetivo principal de 
tal recurso é causar impressão no leitor.290 Em nosso caso, a 
descrição enfática da condição do endemoninhado (sua 
residência nos sepulcros, sua força descomunal, as tentativas 
frustradas de prendê-lo e o fato de estar possuído, não por um 
demônio, mas por uma “legião” demoníaca) tornam a narrativa 
marcana mais vivida e impressionante. Os leitores desse texto 
certamente exclamariam: “Puxa, como era lastimável o estado 
desse homem! Nestas condições, somente Jesus poderia tê-lo 
curado!”.
289 LOVISOLO, Elena, ASSIS, Beatriz Helena de & POZZOLI, Thereza 
Cristina, (eds.). Dicionário da Língua Portuguesa Larousse Cultural. São 
Paulo, Editora Nova Cultural Ltda., 1992, p.588.
290 SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de Exegese Bíblica. São 
Paulo, Paulinas, 2000, p. 164.
291 LOVISOLO, Elena, ASSIS, Beatriz Helena de & POZZOLI, Thereza 
Cristina, (eds.). Op.Cit., p.876.
292 CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etitnológico Nova fronteira da 
Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1997, p.614.
e) Pleonasmo
Pleonasmo é a “repetição, em um enunciado, de palavras 
que têm o mesmo sentido”.291 292 Trata-se, na realidade, de uma 
“redundância de termos”. Em nossa perícope, tal elemento 
também é notado algumas vezes. O notamos, por exemplo, na 
frase: “e continuamente, de noite e de dia (...)” (v.5); na 
expressão: “e gritando com forte voz (...) ” (v.7) - o que é óbvio, 
pois ninguém grita em voz baixa; na resposta dada a Jesus 
pelo(s) demônio(s): “(...) Legião é o meu nome, porque somos 
muitos” (v.9) - o nome “legião” por si só já indica um grande 
contingente, sendo desnecessária a explicação “porque somos 
201
CARL®S AUGUS + ® VA1LA + +I
muitos”; na súplica dos demônios (a repetição pode ser melhor 
percebida em grego): IIé|ii|/ov f]p.õtç elç touç x°íp°uÇ. 'iva eiç 
autouç eLoéÀÔGjgfv. (v.12). Aqui, a preposição eiç aparece duas 
vezes ligada ao acusativo, sendo que o sentido do texto é 
‘‘Envia-nos para (dentro) dos porcos, a fim de que neles 
(dentro) entremos”. Neste caso, portanto, a preposição + o 
acusativo têm o sentido fundamental de “dentro, em”.™ Logo, 
Marcos é redundante ao descrever o pedido dos demônios de 
que lhes seja permitido entrar nos porcos. A primeira parte da 
frase: ‘‘Envia-nos para (dentro) dos porcos” já seria suficiente 
para tal compreensão. Por fim, notamos a oração: ”(...) e 
precipitou-se a manada do despenhadeiro para o mar, cerca de 
dois mil, e se afogaram no mar” (v. 13), a qual é extremamente 
redundante, pois diz primeiramente que a manada de porcos caiu 
“no mar” e, em seguida, diz que se afogaram “no mar”. O final 
deste verso, cv ríj OaÀáooq (no mar), é totalmente desnecessário 
à compreensão do texto, porque se os porcos haviam se 
precipitado no mar e estavam se afogando, tal fato só poderia 
ocorrer “no mar”! Em suma, podemos dizer que tais sucessivos 
pleonasmos possuem uma finalidade meramente enfática, pois 
não acrescentam nada de novo ao texto, mas pretendem chamar 
a atenção do leitor.293 294
293 RUSCONI, Carlo. DGNT, p. 150.
294 SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de Exegese Bíblica. São 
Paulo, Paulinas, 2000, p. 158.
295 DEMOSS, Matthew S. DGGNT, p.104.
f) Ironia
Sob o ponto de vista literário, podemos definir ironia 
como “uma declaração humorística ou sarcástica, que tenciona 
expressar a oposição ao seu sentido literal”.295 * É curioso 
observarmos o confronto existente entre Jesus e o demônio, no 
202
SA + ANÁS, D£fTl®NI®S Ê LEGIé
qual há uma tentativa de esconjurar Jesus (v.7). Tal tentativa é 
absolutamente irônica, pois como se pode esconjurar “por Deus” 
o próprio Filho de Deus?296 Outra interessante ironia pode ser 
constatada no texto: “os espíritos impuros não querem sair, 
enquanto os habitantes pedem que ‘Jesus saia’”. Entretanto, 
creio que existem outros dois aspectos irônicos no texto, os 
quais vejo como principais em nossa perícope. O primeiro 
aspecto diz respeito à comparação entre a força dos gerasenos e 
a de Jesus. Enquanto que os primeiros não conseguem prender o 
endemoninhado com suas correntes e algemas (vv.3,4), o último 
o domina de forma poderosa, sem que necessite de nenhum 
recurso humano (vv.6-13ss). O segundo aspecto se refere ao 
nome do(s) demônio(s) que ocupa(m) o homem: “Legião”. 
Além de ser uma ironia desmedida, é também o cúmulo da 
audácia relacionar os demônios à legião romana! Marcos 
escreve sua narrativa com uma pena que fora embebida no 
tinteiro do sarcasmo, literariamente falando. No entanto, tais 
traços estilísticos acentuadamente irônicos têm o propósito de 
demonstrar a autoridade incomparável de Jesus sobre os 
demônios. * 298
/CIA r
SOARES, Sebastião Armando Gameleira & JÚNIOR, João Luiz Correia. 
Evangelho de Marcos. Vol. I: 1-8. Petrópolis, Vozes, 2002, p.223. Cf. 
também: GNILKA, Joachim. El Evangelio Según San Marcos. Vol. I. 
[Traducción de Victor A. Martinez de Lapera]. Salamanca, Ediciones 
Sígueme, 2005, p.238.
SOARES, Sebastião Armando Gameleira & JÚNIOR, João Luiz Correia. 
Op. Cit., p.225. Da mesma opinião é também: MAGGI, Alberto. Jesús y 
Belcebú: Satán y demonios en el Evangelio de Marcos. [Traducción de María 
del Carmen Blanco Moreno y Ramón Afonso Díez Aragón], Bilbao, Editorial 
Desclée de Brouwer, S.A., 2000, p.149.
298 Para uma abordagem mais detalhada sobre os traços de “ironia” dentro 
dos milagres narrados por Marcos, veja: ELLENBURG, Dale. A Review of 
Selected Narrative-Critical Conventions in Mark's Use of Miracle Material. 
JETS. Vol. 38, n° 2. San Diego, Bethel Theological Seminary West, 1995, 
pp. 171-180.
203
CARL®S AUGUS+® VAILA + + I
g) Metáfora
Dá-se o nome de metáfora a uma “figura de linguagem 
na qual um aspecto de uma coisa é mostrado por comparações 
implícitas com outra coisa ou simplesmente por identificá-la 
com algo a que está sendo comparada”.299 Em nosso caso, o 
aspecto particular da impureza é identificado com vários outros 
elementos, os quais contribuem para armar um cenário 
indelevelmente marcado pela impureza, a qual é vividamente 
retratada pelo autor. A esse respeito, julgo serem oportunas as 
considerações de Marcus J. Borg:
299 DEMOSS, Matthew S. DGGNT, p.l 15.
300 BORG, Marcus J. Jesus: Uncovering the Life, Teachings, and Relevance 
of a Religious Revolutionary. New York, HarperCollins Publishers, 2006, 
p.95.
O aspecto central desta história cria uma narrativa 
metafórica vigorosa. Seus detalhes criam um retrato vivido de 
impureza. O homem possuído vive no outro lado do mar da 
Galiléia entre os gentios, que são impuros. Ele vive entre os 
sepulcros, que são impuros, imundos. Os porcos - animais 
impuros - pastam nas proximidades. Os demônios que o 
possuem são “Legião”, um termo que aponta para Roma (c 
conscqüentcmcnte gentia) possuidora da terra. A impureza era 
vista como algo contagioso. Mas, nesta história, Jesus não se 
torna impuro pelo contágio da impureza; ou melhor, o 
contrário acontece. Os espíritos impuros são exorcizados, os 
animais impuros são destruídos e a história termina com o 
homem vestido, em seu juízo perfeito c restaurado à 
comunidade.300
Esta riquíssima metáfora marcana acerca da impureza 
parece ter o objetivo de destacar o binômio pureza/impureza, 
realçando o valor desta primeira sobre a última.
204
SA+ANÁS, DE1T1©NI©S £LEGIé
h) Tautologia
Tautologia é o nome dado ao “vício ou figura retórica 
que consiste em repetir a mesma ideia utilizando termos 
diferentes”.301 Tal recurso estilístico é recorrente em nossa 
perícope. Ele pode ser visto, por exemplo, nas frases: “e 
continuamente, de noite e de dia f..J”(v.5), “E chegam para 
Jesus e vêem o endemoninhado (isto é, “o que fora 
endemoninhado”) (...) o que havia tido a legião ” (v. 15) e ainda: 
“(...) Vai para a tua casa, junto aos teus” (v. 19). Estas situações 
em que uma mesma ideia é repetida têm o propósito de enfatizar 
e realçar tais pensamentos diante do leitor, prendendo a sua 
atenção em assuntos que têm uma importância especial para o 
autor.
LOVISOLO, Elena, ASSIS, Beatriz Helena de & POZZOLI, Thereza 
Cristina, (eds.). Dicionário da Língua Portuguesa Larousse Cultural. São 
Paulo, Editora Nova Cultural Ltda., 1992, p.1074.
DEMOSS, Matthew S. Op.Cit., p.106. ini
BUTTRICK, George Arthur, (ed.). The Interpreter's Dictionary of the 
Bible. An Illustrated Encyclopedia. Vol.3. Nashville, Abingdon Press, 1981, 
p.110.
i) Latinismo
Entende-se por latinismo, “uma palavra, idioma ou 
construção gramatical derivada do latim”.302 Em nossa perícope, 
encontramos os termos Afyunv (substantivo no nominativo, v.9) 
e ÀeyiÓDua (substantivo que ocorre no acusativo, v.15). Tais 
vocábulos são derivados do latim legio e descreviam a principal 
unidade do exército romano.303 Logo mais adiante falaremos 
mais detalhadamente sobre este vocábulo, analisando as 
implicações históricas, sociais e políticas de tal termo, 
principalmente em relação com a perícope a que nos 
205
CARL®S AUGUS + ffi VAILA + + I
propusemos a analisar. Contudo, devemos mencionar ainda que 
vários outros nomes de origem latina, tanto da esfera 
administrativa, quanto da militar ou oficial, são utilizados por 
Marcos no decorrer de seu Evangelho. Eis alguns exemplos: 
Srivocpíctív (latim: denarius = denários, Mc 6.37; 14.5), 
KEVTupícov (latim: centurio = centurião, chefe de uma centúria, 
isto é, cem homens, Mc 15.39,44,45), KoSpdcvxriç (latim: 
quadrantum = (um) quadrante, moeda romana de pouquíssimo 
valor, Mc 12.42), ^ecrtxôv (O termo quer dizer: “de jarros”, Mc 
7.4) e onEKOiAáTcop (latim: speculator = (um) executor, soldado 
romano encarregado da guarda dos prisioneiros, Mc 6.27). Além 
desses termos, o vocábulo ([jpaYEXÀóoj (latim: fragellum), 
“açoitar”, também é um nome de origem latina usado por 
Marcos (cf. Mc 15.15).304 Finalmente, além destes vocábulos, 
Benício também menciona as seguintes frases de procedência 
latina:
304 Cf. artigo escrito por BENÍCIO, Paulo José, in: GOMES, Antonio 
Maspoli de Araújo, (org.). Teologia: Ciência e Profissão. São Paulo, Fonte 
Editorial Ltda., 2007, p. 187. Cf. também a nota de rodapé em: CULLMAN, 
Oscar. A Formação do Novo Testamento. [Tradução de Bertoldo Weber], São 
Leopoldo, Sinodal, 2001, p.25.
305 Cf. BENÍCIO, Paulo José, in: Op.Cíú, p.188.
fea%áxooç £%ei, in extremis esse, 
Está nas últimas (cf. Mc 5.23); 
paitíopaoiv ahxóv feÀccpov, verberibus eum acceperunt, 
Receberam-no a tapas (cf. Mc 14.65);
xò ikocvòv ttoieív, satisfacere,
Satisfazer (cf. Mc 15.15);
xiôévxEÇ xà yóvocxa, genua ponere, 
Colocando os joelhos (cf. Mc 15.19).305
Segundo Benício, “os latinismos não somente evidenciam 
que o Segundo Evangelho foi redigido num ambiente romano 
206
SA+ANÁS, DEmêNieS Ê LEGIé
(talvez na Itália) - ou pelo menos que o seu autor estava 
familiarizado com o mundo latino - como também indicam
306 diversos pontos de contato entre as línguas grega e latina”.
j) Semitismo
Podemos dar o nome de semitismo a “qualquer 
característica das línguas semitas (especialmente o hebraico e o 
aramaico) que ressoam no estilo grego do NT e da Septuaginta. 
(...) Os semitismos podem ser explicados pela integração de 
culturas, incluindo-se o bilingüismo, bem como a influência que 
a Septuaginta teve durante o primeiro século. Semitismo é o 
termo descritivo mais geral para hebraísmos e aramaísmos, mais 
especifícamente”.* 307 Em nossa passagem, alguns vocábulos de 
origem semita podem ser observados, como, por exemplo: o já 
citado Kai (<?), o qual é derivado do hebraico 1 (vav); o termo 
KaxoÍKTioii' {morada, habitação, v.3) que é fartamente 
encontrado nas páginas do AT na sua forma hebraica HE/lQ;308 
a também já mencionada expressão toô 0 c oü toô ôt|ríoTOu {do 
Deus Altíssimo, v.7), que reproduz o hebraico N e
Idem, Ibidem, p. 188. O autor cita: BLASS, F., DEBRUNNER, A. & 
REHKOPF, F. Grammatik des Neutestamentlichen Griechisch. 17. Aufl. 
Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1990, pp.6-9.
307 DEMOSS, Matthew S. DGGNT, p. 155.
308 SWETE, Henry Barclay. Commentary on Mark. [Kregel Reprint Library 
Series], Grand Rapids, Kregel Publications, 1977, p.92.
ainda o substantivo masculino KÚpióç {Senhor, v. 19), que é 
claramente derivado dos termos hebraicos: HiiT ou A t : t
esse respeito, cito novamente Paulo Benício:
Com a possível exceção de Lucas, é bem provável que 
todos os autores dos livros que integram o cânon 
207
CARL®S AUGUS + ffi VAILA + + I
neotestamentário fossem de procedência judaica; logo, 
pessoas que, embora falando e escrevendo o grego, possuiríam 
como língua de berço o aramaico, idioma que lhes marcaria o 
modo natural de expressão, influindo no seu vocabulário e nas 
suas categorias básicas do pensar, moldando-lhes também, em 
vasta medida, o estilo. Daí, pode-se afirmar, com propriedade, 
que o Novo Testamento é um livro cuja alma c hebraica, ao 
mesmo tempo em que o corpo é hclênico, ou melhor, um livro 
em que o corpo semita se exibe cm roupagem grega.309
Cf. artigo escrito por BENÍCIO, Paulo José, in: GOMES, Antonio
Maspoli de Araújo, (org.). Teologia: Ciência e Profissão, pp. 188,189.
310 DEMOSS, Matthew S. DGGNT, p.131.
31 1 MYERS, Ched. O Evangelho de São Marcos. [Tradução de I.F.L.
Ferreira]. São Paulo, Edições Paulinas, 1992, p.238.
Tendo em mente tal fato, podemos dizer então que é 
absolutamente natural encontrar tais semitismos em nosso texto.
k) Parrésia
Finalmente, o último recurso estilístico marcano que 
gostaríamos de destacar na perícope que estamos estudando é a 
parrésia. Trata-se da “recusa intencional (e, talvez, tramada) a 
moderar palavras que correm o risco de causar uma reação 
negativa de uma audiência, mas que, ao contrário, traz mais 
simpatia para o falante e/ou escritor”.310 * Em nossa passagem, 
um fato em específico salta diante dos nossos olhos: os 
demônios que atormentam o geraseno são chamados de 
“legião”. E curioso notar que Marcos não tem a mínima intenção 
de omitir tal afirmação (e por sinal, ousada) em seu texto. Muito 
pelo contrário, ele até a menciona duas vezes (vv.9,15). O autor 
não faz o mínimo esforço para esconder as conotações políticas 
que jazem por trás de suas palavras. Dito de outra forma, em Mc 
5.1-20 “encontramos imagens que visam recordar a ocupação
O 1 1
militar romana na Palestina”. Mais adiante, veremos este 
208
SA + ANÁS, DE1T1©NI®S £ LEGIé
aspecto sociopolítico existente em tomo do nome “legião” com 
maiores detalhes.
Em suma, através da análise estilística da perícope de Mc 
5.1-20, pudemos constatar que o autor é bem versátil em sua 
narrativa. Marcos emprega vários recursos literários em seu 
texto, os quais se misturam de forma admirável, a fim de dar à 
sua história maior colorido e maior beleza.
D. Análise de Conteúdo
A análise de conteúdo é uma parte do processo exegético 
que visa esclarecer o significado do texto em seu todo e em seus 
detalhes.312 313 Dito de outra forma, tal análise terá como principal 
objetivo fazer uma espécie de comentário versículo por 
versículo de Mc 5.1-20, linha de trabalho esta que, segundo 
penso, nos proporcionará uma compreensão muito mais 
profunda do texto e de seu significado. Vejamos, então, que 
surpresas fascinantes o estudo desta passagem nos reserva por 
meio desse tipo de análise.
312 WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia. 
São Leopoldo, Sinodal / São Paulo, Paulus,1998, p.337.
313 JOHNSON, B.W. & DEWELT, Don. The Gospel of Mark. [BST], 
Missouri, College Press, 1965, p. 139. A mesma opinião é encontrada também 
em: GRAY, James Comper & ADAMS, George M. Bible Commentary: 
Matthew - Acts. Vol.4, Grand Rapids, Zondervan Publishing House, S.d., 
p.208.
“E vieram para o outro lado do mar, para a região dos 
Gerasenos. ” (v.l).
Os fatos descritos em toda esta perícope (5.1-20) são
313situados por Johnson e Dewelt no outono de 28 AD. Trata-se 
de uma passagem que tem a sua autoria tradicionalmente 
209
CARL®S AUGUS + ® VAILA + +1
atribuída a Pedro.314 Quanto ao v.l, em específico, podemos 
dizer que ele é claramente redacional, pois serve para ligar a 
perícope do Endemoninhado Geraseno (5.1-20) com a perícope 
anterior da Tempestade no Mar da Galiléia (4.35-41). É curioso 
notar que Marcos descreve Jesus atravessando esse mar várias 
vezes (p.ex., 4.35; 5.1,21; 6.45; 8.13). Tal ênfase descritiva é um 
Leitmotiv (isto é, uma ação ou esquema que se repete em 
diferentes textos de um mesmo autor ou livro, para os quais 
funciona como um fio condutor) que acompanha o ministério de 
Jesus na Galiléia.315 Como observou Guelich, ‘“o outro lado’ 
amarra esta história à anterior por indicar a chegada no destino 
dado em 4.35 para a viagem do barco”.316 317 Aliás, gastava-se mais 
ou menos duas horas para que se pudesse atravessar esse 
‘mar’. E aqui, o vocábulo ‘mar’ é colocado propositalmente 
entre aspas, pois, ao que tudo demonstra, as indicações 
geográficas fornecidas por Marcos não parecem ser 
Neste caso, Pedro teria sido a fonte principal de Marcos. Cf. COOK, 
Guillermo y FOULKES, Ricardo. Marcos. [Comentário Biblico Hispano- 
Americano], Miami, Editorial Caribe con La Cooperación de La Fraternidad 
Teológica Latino-Americana, 1990, p. 143. Cf. também: CRANFIELD, C. E. 
B. The Gospel According to St. Mark. Cambridge, Cambridge University 
Press, 1983, p. 175.
315 SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de Exegese Bíblica. São 
Paulo, Paulinas, 2000, p. 179. Gnilka comenta que “o descer Jesus do barco 
se corresponde ao subir no verso 18 e mostra de novo a preocupação de 
Marcos: criar conexões tanto com o anterior como com o que virá depois”. 
(Cf. GNILKA, Joachim. El Evangelio Según San Marcos. Vol. I. [Traducción 
de Victor A. Martinez de Lapera]. Salamanca, Ediciones Sígueme, 2005, 
p.233).
316 GUELICH, Robert A. Mark 1-8:26. Vol.34A. [WBC], Dallas, Word 
Books, Publisher, 1989, p.275. Bornkamm, estranhamente cita Mc 5.1 como 
referência ao estilo de ensino de Jesus, o qual costumava ensinar sentado. 
(Cf. BORNKAMM, Günther. Jesus de Nazaré. [Tradução de José dos Santos 
Gonçalves e Nélio Schneider]. São Paulo, Teológica, 2005, p.76).
317 LANE, William L. The Gospel According to Mark Vol.2. [NICNT]. 
Grand Rapids I Cambridge, William B. Eerdmans Publishing Company, 
1974, p. 181. O grifo é meu.
210
sa+anás, DEmêNies ê legiã©
topográficas, mas acima de tudo, teológicas, uma vez que o mar 
não é um mar, mas sim o lago de Tiberíades e, além disso, a 
região dos gerasenos também possui problemas de ordem 
geográfica que prejudicam a sua atestação.318 Contudo, por se 
tratar de uma terra gentílica, era um local impuro conforme a 
tradição judaica.319 * E já que entramos nesse assunto, a maior 
dificuldade de nossa passagem está justamente em identificar a 
localidade exata onde os fatos descritos no texto teriam 
ocorrido. Os sinóticos nos oferecem três opções: Gadara 
(Mateus), Gerasa (Marcos) e Gerasa™ (Lucas). No que diz 
respeito ao aspecto geográfico, Gadara estava situada a cerca de 
10 km da margem do lago e, na época, era capital da Peréia, que 
dava o nome de “terra dos gadarenos” ao local (Mt 8.28).321 
Josefo chama este país de “a Gadarite”.322 Contudo, Johnson e 
Dewelt afirmam que Gadara está a três horas de jornada ao sul 
do lago, não sendo, portanto, provável que o milagre tenha 
ocorrido ali.323 Logo, sob o aspecto topográfico, Gadara não 
318 MAGGI, Alberto. Jesúsy Belcehú: Satán y demonios en el Evangelio de 
Marcos. [Traducción de Maria del Carmen Blanco Moreno y Ramón Afonso 
Díez Aragón], Bilbao, Editorial Desclée de Brouwer, S.A., 2000, p.142.
319 Cf. DANBY, Herbert. The Mishnah. [Translated from the Hebrew with 
introduction and brief explanatory notes by Herbert Danby]. Oxford, Oxford 
University Press, 1988, p.290.
Embora Lucas também mencione “Gerasa” em seu texto sinotico, a 
alternativa “Gergesa” aparece proeminentemente em: N L 0 E /' 33 157 
205 579 700,xt 1241 1342 syrpal copbo arm eth geo slavmss Diatessaronam 
Origen Titus-Bostra Epiphanius Cyrillem Hesychius, motivo pelo qual a 
citamos aqui. (Cf. ALAND, Barbara, ALAND, Kurt, KARAVIDOPOULOS, 
Johannes, MARTINI, Carlo M. & METZGER, Bruce M. The Greek New 
Testament. Stuttgart, Deutsche Bibelgesellschaft, 2005, p.231).
321 POHL, Adolf. O Evangelho de Marcos. [Tradução de Hans Udo Fuchs]. 
Curitiba, Editora Evangélica Esperança, 1998, p. 178.
32? LENSKI, Richard C.H. The Interpretation of St. Matthew's Gospel. 
Minneapolis, Augsburg Publishing House, 1961, p.350.
323 JOHNSON, B.W. & DEWELT, Don. The Gospel of Mark. [Bible Study 
Textbook], Missouri, College Press, 1965, p.140. Entretanto, de acordo com 
211
CARLffiS AUGUS+® VAILA + +I
parece ser o local que melhor se encaixe em nosso relato. 
Quanto a Gerasa, deve ser dito que esta se situava a 
aproximadamente 55 km ou a uns dois dias de jornada do 
mar.324 325 Tendo como base essa distância, Fitzmeyer ironiza, 
dizendo que “o estouro dos porcos de Gerasa até o Lago 
Genesaré deve ter feito deles o rebanho mais energético da o o c
Josefo, a região de Gadara chegava até o lago, sendo que algumas moedas da 
cidade que foram encontradas retratavam barcos. (Cf. POHL, Adolf. Op.Cit., 
p.178).
324 GUELICH, Robert A. Mark 1-8:26. Vol.34A. [Word Biblical 
Commentary]. Dallas, Word Books, Publisher, 1989, p.275. Cf. também: 
GNILKA, Joachim. El Evangelio Segiin San Marcos. Vol. I. [Traducción de 
Victor A. Martinez de Lapera]. Salamanca, Ediciones Sigueme, 2005, p.234; 
POHL, Adolf. O Evangelho de Marcos. [Tradução de Hans Udo Fuchs]. 
Curitiba, Editora Evangélica Esperança, 1998, p. 178.
325 FITZMEYER, Joseph A. The Gospel According to Luke I-IX. Vol.28. 
[The Anchor Bible]. New York, Doubleday, 1981, p.736.
326 Idem, Ibidem.
327 MARCUS, Joel. Mark 1-8: A New Translation with Introduction And 
Commentary. Vol.27. [The Anchor Bible], New York, Doubleday, 1999, 
p.342. Redding cita T. R. Malty, quem “sugere que Pedro, falando aramaico 
com sotaque galileu, falou sobre Ger’sa, e que Marcos, soletrando em letras 
gregas, chamou o povo de Gerasenos, e foi imaginado pelos críticos ter 
história!”. Certamente, os porcos teriam morrido antes pela 
exaustão, do que por afogamento, se tivessem percorrido uma 
distância “maratônica” destas! E este mesmo autor ainda 
identifica Gerasa com a moderna Jerash, na Transjordânia, uma 
cidade da Decápolis nas montanhas de Gileade próxima à 
margem do deserto em direção ao leste.326 327 Como pode ser 
notado, Gerasa também não nos oferece a melhor localização 
para os eventos narrados em nosso texto. Porém, como observa 
Joel Marcus de forma convincente, embora Gerasa seja uma 
opção geograficamente difícil, todavia, ela é apropriada 
simbolicamente, uma vez que a raiz hebraica grs significa 
“expulsar”, sendo este um termo comum para se referir ao 
exorcismo. Finalmente, nos deparamos com a terceira 
212
SA+ANÁS, D£IT1©NI©S E LEGIé
alternativa, Gergesa. Ao que parece, a variante “Gergesenos”, o 
mais inferior dos resgistros atestados, é também a mais plausível 
geograficamente.328 Pohl comenta que “o pequeno povoado de 
Gergesa (...) cujas ruínas até hoje podem ser visitadas à margem 
do lago, é considerado o local do evento desde o século III. Dois 
quilômetros ao sul há uma ladeira íngreme de 44 m de altura, 
distante 30 a 40 m do lago.329 Entretanto, este mesmo autor 
ainda cita Eusébio, segundo quem Gergesa não passava de uma 
aldeia.330 Sendo assim, acredito que a melhorforma de resolver 
esse dilema seja através de um binômio, o binômio: 
Texto/Topografia (TT). Do ponto de vista textual, a variante 
Gerasenos é vista pelos estudiosos da Crítica Textual como a 
leitura mais correta.331 Porém, do ponto de vista topográfico, a 
leitura alternativa Gergesenos é a que melhor se encaixa em 
nosso relato, pois, como vimos, Gergesa ficava bem próxima do 
Mar da Galiléia. De uma distância como esta, os porcos 
certamente poderíam mergulhar no lago mais tranqüilamente! 
Seja como for, até que novos fatos venham à tona ou até que 
novas descobertas arqueológicas sejam feitas, a questão do 
“binômio TT” ainda permanecerá em aberto. Mais adiante, 
quando falarmos sobre a crítica textual de nossa perícope, 
mencionarei estas variantes textuais com o acréscimo de outros 
detalhes.
cometido um erro, quando ele estava apenas comunicando com sua habitual 
precisão”. (Cf. REDDING, David A. 77n? Miracles of Christ. Westwood, 
Fleming H. Revell Company, 1964, p. 185).
328 MARCUS, Joel. Op.Cit., p.342.
329 POHL, Adolf. O Evangelho de Marcos, p. 178.
330 Idem, Ibidem.
331 METZGER, Bruce M. A Textual Commentary on the Greek New 
Testament. London, United Bible Societies, 1975, p.84.
“E saindo ele do barco, logo encontrou-se com ele dos 
sepulcros um homem com espírito imundo ” (v.2)
213
CARL®S AUGUS+® VAILA + +I
É interessante notar, já de início neste verso, o contraste 
entre o verbo rjÀQov', “vieram”, que aparece na terceira pessoa do 
plural (v.l) e a expressão è^ÀQóvroç avroô, “saindo ele”, que é 
encontrada aqui no singular (v.2). Enquanto que o primeiro 
sugere a presença dos discípulos (cf. 4.35-41), a segunda 
focaliza a sua atenção somente em Jesus. Pohl explica essa 
mudança brusca do plural (Jesus e os discípulos) para o singular 
(somente Jesus) de uma forma teologicamente muito correta: 
“(...) para os olhos do narrador, desaparecem os que 
acompanham Jesus. Seu relato é cristocêntrico”.332 333 O 
desaparecimento dos discípulos é, na verdade, um exemplo do 
recurso narrativo conhecido como “economia do relato”. Trata- 
se de um artifício literário que faz permanecer em cena somente 
os elementos essenciais, ou seja, tudo o que é supérfluo e serve 
tão somente para contextualizar ou dar verosimilhança ao
POHL, Adolf. Op.Cit., pp.l80,181.
333 SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de Exegese Bíblica. São 
Paulo, Paulinas, 2000, p. 119.
334 Segundo A. N. Wilson: “O endemoninhado da caverna (é como ele 
chama ao geraseno) (...) parece muito real. Mais real, curiosamente, do que 
Jesus”. (Cf. WILSON, A. N. Jesus, uma biografia. [Tradução de Ruy 
Jungmann], Rio de Janeiro, Ediouro, 1993, p. 182).
335 LENSKI, Richard C.H. The Interpretation of St. Mark’s Gospel. 
Minneapolis, Augsburg Publishing House, 1964, p.206.
O O 1
episódio desaparece sem maiores comentários. Outro fato que 
nos salta aos olhos neste verso é a menção feita a apenas “um 
homem” (àvOpcoiroç), o qual encontra-se com Jesus.334 Enquanto 
Lucas segue Marcos de perto e também cita somente um 
endemoninhado em seu relato (Lc 8.27), Mateus, porém, faz 
referência a ôúo ôatpoviCópevoi, “dois endemoninhados” (Mt 
8.28). Para Lenski, não há nenhuma contradição nisso, pois um 
dos dois era evidentemente o líder e o porta-voz, enquanto que o 
outro era apenas o seu companheiro.335 Outra coisa que nos 
214
SA+ANÁS, DEffl©N!©S E LEGIé
chama a atenção é o fato do homem sair 6K tôv pi/rmeítov, “dos 
sepulcros”, em direção a Jesus. Já mencionamos anteriormente 
em nossa análise estilística que a referência aos sepulcros é 
recorrente na passagem (cf. vv. 2,3,5). Segundo a mishná, entrar 
em contato com uma região onde houvesse sepulturas tomaria a 
pessoa impura (Mishná, tratado Oholoth, 2.3). E, além disso, 
a mishná também ensina que “se um homem passar por um país 
gentio, em região montanhosa ou rochosa, ele se toma impuro” 
(Mishná, tratado Oholoth, 18.6).336 337 Percebe-se, portanto, um 
cenário de grande impureza em nosso texto, pois além do 
endemoninhado estar numa terra gentia (e Jesus também 
estava!), ele também vinha de um local que era cerimonialmente 
impuro: dos sepulcros. Adin Steinsaltz, em seu comentário feito 
ao Talmude, nos ajuda a compreender porque os sepulcros são 
considerados elementos impuros: “(...) pode-se dizer que o que 
está vivo e são não tem impureza e que a impureza aumenta 
quando algo se aproxima da morte. Assim, de acordo com a 
terminologia talmúdica, a coisa mais impura, ‘a suprema causa 
de impureza’ (avi avot ha-tumà), é um cadáver (...). O objeto 
impuro não é apenas impuro em si mesmo, mas também 
transmite sua poluição ao que entra em contato com ele. (...) A 
poluição usualmente passa pelo toque do objeto impuro, mas, às 
vezes, até por ficar sob o mesmo teto ou por transportar o objeto 
poluído sem tocá-lo diretamente”.338 E Joel Marcus, citando 
Bratcher, declara que “as pessoas eram muitas vezes enterradas 
em cavernas abertas dentro das rochas, grandes o suficiente para 
uma pessoa entrar em pé, e normalmente altas o suficiente 
dentro para permitir que uma pessoa permanecesse na vertical.
336 DANBY, Herbert. The Mishnah. [Translated from the Hebrew with 
introduction and brief explanatory notes by Herbert Danby]. Oxford, Oxford 
University Press, 1988, p.652.
337 Idem, Ibidem, p.675.
338 STEINSALTZ, Adin. O Talmude Essencial. [Tradução de Elias 
Davidovich]. Rio de Janeiro, A. Koogan Editor, 1989, pp.269,270.
215
CARLOS AUGUS+© VAILA + + I
Um lugar assim poder ia prover abrigo para um homem que não 
tivesse outro lugar para morar. Os túmulos, portanto, eram 
lugares ritualmente impuros por causa da presença de restos 
mortais. (...) Esta impureza fazia do cemitério um lugar ideal 
para a morada dos ‘espíritos impuros’”.339 Por último, o verso 
ainda diz que o homem estava èv ttveúpaTt aKaOapm), “em 
(com) espírito imundo (impuro)”. Em outras palavras, “a terra 
impura é habitação adequada ao espírito impuro”.340 Nesta 
situação de impureza tríplice, representada por: terra pagã, 
túmulos e possessão demoníaca, o resultado seria uma separação 
total de Deus, sem esperança.341
MARCUS, Joel. Mark 1-8: A New Translation with Introduction and 
Commentary. Vol.27. [AB]. New York, Doubleday, 1999, p.342. Segundo 
Deissmann, “que os ôaipóvio. permanecem perto do túmulo é uma idéia do 
Judaísmo pós-bíblico: estes demônios dos túmulos auxiliam os homens nas 
práticas mágicas”. (Cf. DEISSMANN, G. Adolf. Bible Studies: contributions 
chiefly from papyri and inscriptions to the history of the language, the 
literature, and the religion of hellenistic Judaism and primitive Christianity. 
[Translated from german by Alexander Grieve]. Peabody, Hendrickson 
Publishers, 1988, p.281).
340 SOARES, Sebastião Armando Gameleira & JUNIOR, João Luiz Correia. 
Evangelho de Marcos. Vol. I: 1-8. Petrópolis, Vozes, 2002, p.222. Lockyer 
comenta que “sua impureza pertencente [do endemoninhado] por meio da 
constante submissão ao maligno se tomava grandemente acentuada pela 
presença dos espíritos impuros”. (Cf. LOCKYER, Herbert. All the Miracles 
of the Bible. Grand Rapids, Zondervan Publishing House, 1961, p. 188).
341 POHL, Adolf. O Evangelho de Marcos, p. 181.
“O qual tinha a morada nos sepulcros, e nem com 
corrente ninguém podia prendê-lo ” (v.3)
Neste verso, outro dado é fornecido a respeito da ligação 
do homem com os sepulcros: eles eram a sua KaToitcqaiv’, 
“morada”. Pohl descreve esta situação nestes termos: “Uma 
porção de homens se arremessava contra ele, para domá-lo 
216
SA+ANÁS, DEIT1®NI®S E LEGIî
como um animal selvagem. (...) Por último, o expulsaram, de 
modo que só lhe restaram as cavernas dos túmulos. Os mortos 
não lhe faziam nenhum mal, mas também não o protegiam de si 
mesmo”.342 William Barclay, citando W.M. Thomson em seu 
livro The Land and the Book, nos fornece um interessante 
comentário sobre o perfil de alguns loucos que existiam na 
região do Oriente Médio, no século XIX, os quais nos lembram 
o nosso relato:
342 Idem, Ibidem, p. 181.343 BARCLAY, William. The Gospel of Matthew. Vol.l. Philadelphia, The 
Westminster Press, 1958, p.328. Segundo Renan, “em nossos dias, na Síria, 
considera-se loucos ou possuídos pelo demônio (essas duas idéias são a 
mesma coisa, medjoun) pessoas que apresentam apenas alguma esquisitice”. 
O autor ainda prossegue, dizendo que a frase Daemonium habes, “tens 
demônio” - que aparece em textos tais como: Mt 11.18; Lc 7.33; Jo 7.20; 
8.48, 52; 10.20 - deve ser traduzida por “você é louco”, sendo dito em árabe: 
Medjnoun enté. Por fim, Renan ainda argumenta que o verbo daimonan 
também possui, durante toda a Antigüidade clássica, o sentido de “estar 
louco”. (Cf. RENAN, Ernest. Vida de Jesus. [Tradução de Eliana Maria de A. 
Martins]. São Paulo, Martin Claret, 1992, p.265, incluindo a nota 28).
Há alguns casos muito semelhantes nos dias de hoje - 
maníacos furiosos e perigosos, que perambulam sobre as 
montanhas e dormem em cavernas e túmulos. Em seus piores 
paroxismos eles são bastante indomáveis e prodigiosamente 
fortes (...). E este é um dos traços mais comuns desta loucura, 
que as vítimas se recusam a usar roupas. Eu tenho visto, muitas 
vezes, eles totalmente nus nas ruas lotadas de Beirute c Sidon. 
Há também casos em que eles correm freneticamente por todo o 
país e assustam toda a vizinhança.343
Além desse item, dois outros elementos chamam a nossa 
atenção neste verso. Primeiramente, a tentativa de prender o 
endemoninhado com uma corrente. O termo utilizado aqui para 
“corrente” é o vocábulo áÀúoei, que faz referência a “uma 
217
CARLffiS AUGUS + ® VAILA + + I
cadeia, um laço, pelo qual o corpo, ou alguma parte dele (as 
mãos, os pés) é presa”.3 4 Este homem, assim como os escravos 
daquela época, andava amarrado com grilhões e correntes.344 345 
Há, sem dúvida alguma, uma forte conotação política aqui, 
através da qual nós podemos ver o poder dominante, Roma, 
tratando as classes dominadas como escravos. Porém, trataremos 
deste assunto com maiores pormenores mais adiante. 
Finalmente, o verso nos diz que “ninguém podia prendê-lo”. 
Aqui, a palavra “prendê-lo” é derivada do verbo 5éco, “amarrar, 
sujeitar com correntes”.346 Tal verbo faz parte do vocabulário 
específico dos exorcismos.347 De acordo com Myers, “este 
exorcismo constitui, assim, outro episódio-chave na luta de 
Jesus, o mais forte, para ‘amarrar o homem forte’. No exorcismo 
da sinagoga [Mc 1.21-28], ele se identificava com a classe 
escriba, agora ele se identifica com os exércitos de César”.348 
Assim, o verso termina mostrando a impotência dos homens e 
de seus mecanismos humanos em sua tentativa de controlar o 
endemoninhado. Para Kertelge, esta descrição do
144344 THAYER, Joseph Henry. GELNT, p.29.
345 PALLARES, José Cárdenas. O Poder do Carpinteiro Jesus no Evangelho 
de Marcos. [Tradução de Afonso Maria Ligório Soares]. Aparecida, Editora 
Santuário, 2002, p.77.
346 BALZ, Horst & SCHNEIDER, Gerhard, (eds.). Diccionario Exegético 
del Nuevo Testamento. Vol.l. (OC-K). [Traducción de Constantino Ruiz- 
Garrido]. Salamanca, Ediciones Sigueme, 2005, p.883. Aqui, o verbo Sèco 
também pode ser traduzido por “domar”, sendo um termo usado para se 
referir aos animais (cf. Tg 3.7). (Cf. MAGGI, Alberto. Jesús y Belcebú: 
Satán y demonios en el Evangelio de Marcos. [Traducción de Maria dei 
Carmen Blanco Moreno y Ramón Afonso Díez Aragón], Bilbao, Editorial 
Desclée de Brouwer, S.A., 2000, p. 144).
347 RABUSKE, Irineu J. Jesus Exorcista: estudo exegético e hermenêutico 
de Mc 3,20-30. São Paulo, Edições Paulinas, 2001, p.263.
34R MYERS, Ched. O Evangelho de São Marcos. [Tradução de I.F.L. 
Ferreira], São Paulo, Edições Paulinas, 1992, p.240.
218
sa+anás, DemèNies e legiã®
endemoninhado refere-se às características de um louco 
furioso.349
349 O artigo de Karl Kertelge, intitulado: Diabos e demônios, exorcismos em 
perspectiva bíblica, foi reunido com outros artigos de outros autores que 
também tratam da temática demonológica, e foi transformado em livro. (Cf. 
KASPER, Walter, LEHMANN, Karl, KERTELGE, Karl & MISCHO, 
Johannes. Diabo - Demônios - Possessão. [Tradução de Silvino Amhold], 
São Paulo, Edições Loyola, 1992, pp.33,34).
350 ROGERS JR., Cleon L. & ROGERS III, Cleon L. The New Linguistic 
and Exegetical Key to the Greek New Testament. Grand Rapids, Zondervan 
Publishing House, 1998, p.76.
3S 1 WUEST, Kenneth S. Mark in the Greek New Testament. Vol. X. Grand 
Rapids, WM. B. Eerdmans Publishing Co., 1957, p. 101.
"por isso, ele tinha sido preso muitas vezes com algemas 
e correntes, e tinham sido rompidas por ele as correntes, e as 
algemas tinham sido esmagadas, e ninguém podia subjugá-lo ” 
(v-4) 
Este verso, que mais parece uma repetição amplificada 
do anterior, nos fornece algumas informações interessantes. 
Primeiramente, somos informados de que o endemoninhado 
havia sido preso troÀÀáKiç, “muitas vezes”. Isto significa que o 
seu estado de endemoninhamento já era algo rotineiro. Além 
disso, ele fora preso “com algemas e correntes”. Aqui, a palavra 
“algemas” é a tradução de iréôatç, que se refere a “grilhões para 
os pés, cadeias”.350 * Já o outro termo, àÀóoeoLv, “correntes”, é 
entendido por Wuest como um instrumento que prende as 
“mãos”, uma vez que é dito que “o endemoninhado estava preso o c t
tanto pelas suas mãos como pelos seus pés”. Robertson ainda 
sugere que as algemas (grilhões) poderíam ter sido cordas, e não
219
CARLffiS AUGUS + ffi VAILA + +I
exatamente cadeias. Seja como for, este cenário que descreve 
sucessivas tentativas frustradas de imobilização do 
endemoninhado, serve para chamar a atenção do leitor para a 
tamanha periculosidade do endemoninhado, bem como, prepara 
os leitores para a descrição subseqüente da libertação 
sobrenatural do homem, a qual se dará por intermédio do poder 
de Jesus. Uma história bem contada tem que possuir 
dramatic idade em seu enredo, a fim de que os ouvintes/leitores 
estejam presos à trama que é narrada. Nesse quesito, Marcos 
sabe realmente como prender a atenção de seus leitores. 
Finalmente, chama-nos também a atenção o uso repetitivo do 
infinitivo no verso 4. As expressões: ôeôéoôai (“ter sido 
preso”), ôieonáoQai (“terem sido rompidas”), ouvTcrpLcliQai 
(“terem sido esmagadas”) e ôapáoai (“subjugar”) aparecem 
todas no infinitivo. Dessas, as primeiras três aparecem no 
infinitivo perfeito na voz passiva, o perfectum (acabado), que 
exprime o resultado da ação; e a última aparece no infinitivo 
aoristo (pontual), que traz a idéia absoluta, pura do ato verbal.* 353 
Quanto à questão do uso da voz passiva, Joel Marcus diz o 
seguinte: “talvez Marcos escolha o passivo porque o homem não 
está no controle de sua vida, mas é a vítima de forças externas. 
Nós podemos quase que falar de um ‘endemoninhado passivo’ 
aqui”.354 De qualquer forma, a passividade do homem enquanto 
possuído, demonstra claramente que ele tem a sua vontade 
escravizada fortemente pelos demônios.355
ROBERTSON, Archibald Thomas. The Gospel According to Matthew 
and the Gospel According to Mark. Vol. I. [WPNT], Nashville, Broadman 
Press, 1930, p.295.
353 Cf. MURACHCO, Henrique. Língua Grega: visão semântica, lógica, 
orgânica e funcional. Vol.l. São Paulo, Discurso Editorial / Editora Vozes, 
2007, p.301.
354 MARCUS, Joel. Mark 1-8: A New Translation with Introduction And 
Commentary, p.343.
355 Aliás, o nome dos demônios que escravizam esse homem por meio de sua 
possessão, legião, é bem sugestivo, pois devemos lembrar que “o proprietário 
220
SA+ANÁS, DEHlêNieS E LEGIî
“E continuamente, de noite e de dia, estava nos 
sepulcros e nos montes gritando e cortando a si mesmo com 
pedras", (v.5).
Aqui, o adjetivo pronominal uavròç, “continuamente”, 
descreve a triste rotina em que vivia este miserável homem. 
Quanto à frase: vuktòç kocl rip-épocç, “de noite e de dia", ela 
significa, segundo Swete, “em intervalos durante a noite e o 
dia”, pois, segundo ele, caso fosse sem intervalos, 
ininterruptamente, deveria ser empregada aqui a expressão 3ià 
kocvtóç (cf. Dt33.10 [LXX]; Lc 24.53; Hb 9.6).356 Por outro 
lado, a indicação temporal “noite e (...) dia" também reflete a 
contagem judaica de um pôr-do-sol até o outro pôr-do-sol.357 
Além disso, uma nova informação topográfica nos é fornecida 
aqui. O texto diz que o endemoninhado estava èv rotç ópeotv, 
“nos montes”. Segundo Alberto Maggi, o homem buscava uma 
salvação na proteção das divindades que, conforme a cultura da 
época, residiam nos montes (Ex 3.12; Dt 12.2; Jr 2.20; 3.6; Ez 
6.13).358 Todavia, segundo a concepção dos antigos, os montes
[romano] de um escravo tinha liberdade para chicoteá-lo, prendê-lo ou matá- 
lo, com ou sem motivo”. (Cf. MELTZER, Milton. História Ilustrada da 
Escravidão. [Tradução de Mauro Silva]. Rio de Janeiro, Ediouro, 2004, 
p.143).
356 SWETE, Henry Barclay. Commentary on Mark. [Kregel Reprint Library 
Series], Grand Rapids, Kregel Publications, 1977, p.93.
357 ROGERS JR., Cleon L. & ROGERS III, Cleon L. The New Linguistic 
and Exegetical Key to the Greek New Testament. Grand Rapids, Zondervan 
Publishing House, 1998, p.76.
358 MAGGI, Alberto. Jesús y Belcebii: Satan y demonios en el Evangelio de 
Marcos, p.144. Paliares comenta: “Não se deve esquecer que, na simbologia 
bíblica, o fundo do mar, como chama o evangelista ao lago, é o contrário da 
montanha”. Porém, ele não explica em que consiste tal diferença. (Cf.
221
CARLOS AUGUS + ffi VAILA + + I
não representavam um lugar de refugio devido à pressão das 
civilizações, antes, eram lugares perigosos por causa da 
presença de selvagens e loucos.359 Outro detalhe importante nos 
é dado: o homem estava KpáCcov (“gritando”).360 Ao que tudo 
indica, esse termo denota um grito desarticulado, um som 
agudo.361 Com a possessão, o homem perde a capacidade de 
articular as palavras ordenadamente.362 Por último, o verso diz
PALLARES, José Cárdenas. O Poder do Carpinteiro Jesus no Evangelho de 
Marcos, p.76).
359 MILLER, Dale-MILLER, Patrícia. The Gospel of Mark as Midrash on 
earlier Jewish and New Testament Literature. New York, The Edwin Mellen 
Press, 1990, p.249. Esta concepção vai de encontro ao exemplo que Hunter 
cita em seu comentário sobre Marcos: “(...) a experiência do viajante 
Warburton (The Crescent and the Crown, ii,352): Ao descer dos montes do 
Líbano eu me achei em um cemitério. O silêncio da noite era agora 
interrompido por um feroz grito e por uivos, que eu descobri procederem de 
um maníaco que estava nu, o qual estava brigando com algum cachorro 
selvagem por um osso”. (Cf. HUNTER, A. M. The Gospel According to 
Saint Mark. London, SCM Press Ltd., 1957, p.63). Já de acordo com Tenney: 
“Muitos povos antigos consideravam as montanhas como lugares sagrados”. 
(Cf. TENNEY, Merril C. (ed.). The Zondervan Pictorial Bible Dictionary. 
Grand Rapids, Zondervan Publishing House, 1963, p.560).
360 O dramaturgo grego Aristófanes (V-IV século a.C.) usa esse termo para 
se referir, por exemplo, ao som emitido pelas rãs. (Cf. VINCENT, Marvin R. 
Word Studies in the New Testament. Vol.l. [The Synoptic Gospels, Acts of 
the Apostles, Epistles of Peter, James and Jude]. Virginia, Macdonald 
Publishing Company, 1886, p. 187).
361 WUEST, Kenneth S. Mark in the Greek New Testament. Vol. X. Grand 
Rapids, WM. B. Eerdmans Publishing Co., 1957, p.101. Joel Marcus 
comenta que “este verbo pode ser usado para uma fala articulada (...), mas 
também para sons feitos quando alguém emite um grito alto, mas sem 
palavras capazes de serem compreendidas”. (Cf. MARCUS, Joel. Mark 1-8: 
A New Translation with Introduction And Commentary. Vol.27. [AB], 
p.343). De acordo com Swete, “a palavra sugere uma forte emoção, que pode 
ser tanto boa quanto má”. (Cf. SWETE, Henry Barclay. Commentary on 
Mark. [Kregel Reprint Library Series]. Grand Rapids, Kregel Publications, 
1977, p.93).
362 De acordo com Aune: “O fenômeno da voz alta com a qual um oráculo 
pode estar se expressando pode ser interpretado pelo narrador e sua audiência 
222
SA+ANÁS, D£m®NI®S Ê LEGIî
que o homem estava KaTctKÓiruwv èauròv ÀíQoiç (^cortando a si 
mesmo com pedras”}. Lane faz o seguinte comentário a esse 
respeito:
Estava esta prática associada com a adoração a 
divindades demoníacas? Cortar a carne em uma adoração 
frenética é algo muito antigo (cf. 1 Rs 18.28). Em Mc 5.7, Jesus 
c chamado por um título bem atestado em contextos sincréticos 
gentios c judaicos, apropriado à Decápolis como uma região 
helenista e pagã. A sugestão que se encontra à mão é a de que o 
endemoninhado estava envolvido em uma forma de adoração 
contrária à sua vontade.363
como um sinal de possessão. No NT os demônios são descritos como 
emitindo gritos altos através de suas vítimas (Mc 1.26; 5.7; Lc 4.33; 8.28; At 
8.7; 16.17)”. (Cf. AUNE, David E. Prophecy in Early Christianity and the 
Ancient Mediterranean World. Grand Rapids, William B. Eerdmans 
Publishing Company, 1983, pp.435,436, nota 5). Será que os gritos do 
endemoninhado poderíam ser, na verdade, protestos emitidos contra a 
ocupação romana? Embora tal hipótese seja tentadora, acho isso pouco 
provável.
63 LANE, William L. The Gospel According to Mark. Vol.2. [NICNT], 
Grand Rapids / Cambridge, William B. Eerdmans Publishing Company, 
1974, p. 182.
364 SWETE, Henry Barclay. Op.Cit., p.93.
Deve-se dizer ainda que o verbo “cortar”, que aparece 
aqui no particípio presente (Ka-raKÓitrcov), isto é, “cortar em 
pedaços”, dá a entender que o seu corpo pudesse estar 
dilacerado e cicatrizado em todas as partes.364 Aliás, se 
tomarmos em conjunto os w.3-5, veremos que eles contêm as 
quatro características da insanidade conforme o Talmude: (a) 
correr por toda a parte à noite (cf. 5.5); (b) passar a noite em um 
cemitério (cf. 5.3); (c) rasgar a única peça de roupa (cf. 
ÕLeoiráoôaL - derivado de ôtaoTtáco, “rasgar em partes” - cf. 
5.4); e (d) destruir a única coisa que lhe tem sido dada (cf.
223
CARLOS AUGUS + ffi VAILA + +!
0WTÉTpL(|)9ca - “terem sido esmagadas” - cf. 5.4).365 
Finalmente, muitos têm encontrado alguns pontos de contato 
entre partes da perícope que estamos estudando e Is 65.1-7,11. 
Sobretudo, os versos 4 e 5.366 Estes versos falam sobre: “morar 
entre as sepulturas”, “passar a noite em lugares misteriosos” e 
“comer carne de porco” (Is 65.4)367 e, além disso, encontramos 
também a frase: “Fica onde estás, não te chegues a mim ” (Is 
65.5). Embora tais textos possuam algumas poucas semelhanças 
entre si, não creio que Isaías tenha influenciado partes da 
narrativa de Mc 5.1-20. Tais passagens são muito heterogêneas 
em seus propósitos e em seus respectivos contextos.
GUELICH, Robert A. Mark 1-8:26. Vol.34A. [WBC], p.278. Cf. 
também: LANE, William L. The Gospel According to Mark. Vol.2. 
[NICNT], p. 182; GNILKA, Joachim. El Evangelio Segiin San Marcos. Vol. 
I, p.236.
36 Cf. GNILKA, Joachim. Op.Cit., p.237; MAGGI, Alberto. Jesús y 
Belcebú: Satan y demonios en el Evangelio de Marcos, p.144; GUELICH, 
Robert A. Op.Cit., p.278; SOARES, Sebastião Armando Gameleira & 
JÚNIOR, João Luiz Correia. Evangelho de Marcos. Vol. I: 1-8, p.223. 
Paliares, porém, não vê nenhuma relação entre Is 65 e Mc 5. (Cf. 
PALLARES, José Cárdenas. O Poder do Carpinteiro Jesus no Evangelho de 
Marcos, pp.75,76).
367 Em Is 65.4 e em 66.3,17, os porcos são mencionados em um contexto 
cúltico possivelmente como alimentos que servem como oferendas. (Cf. 
KEEL, Othmar & UEHLINGER, Christoph. Gods, Goddesses, and Images of 
God: in ancient Israel. Minneapolis, Fortress Press, 1996, p.384, nota 8).
“E, vendo a Jesus de longe, correu e prostrou-se 
perante ele” (v.6).
Ao compararmos este verso com o v.2, verificamos que 
este verso resume e ao mesmo tempo desenvolve aquele. Sobre 
a expressão: irpootKÚvT|oev avrcp “prostrou-se perante ele”, tal 
ação parece constituir-se em um ato de homenagem, o qual 
demonstra que, imediatamente, antes de qualquer diálogo, o
224
SA+ANÁS, D£m©NI©S £ LEGIî
368 demônio respeitou profundamente o poder de Jesus. 
Entretanto, para Paul Minear, quem adorou a Jesus foi o homem 
e não o demônio. SegundoMinear, “ele estava incapaz de 
escapar da legião, mas ele claramente queria escapar”.368 369 Esta 
última observação é deveras interessante, pois, a meu ver, retrata 
de forma vivida o tamanho sofrimento do homem. Esta 
alternância conflituosa entre as ações do demônio e as ações do 
homem dramatizam ainda mais a condição do endemoninhado, 
preparando o leitor para o poderoso milagre que estará para 
acontecer.
368 ANDERSON, Hugh. The Gospel of Mark. [NCBC], Grand Rapids, WM. 
B. Eerdmans Publ. Co. & London, Marshall, Morgan & Scott Publ. Ltd., 
1981, p. 148; GREEN, Joel B. & TURNER, Max. Jesus of Nazareth: Lord 
and Christ: essays on the historical Jesus and New Testament christology. 
Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Company I Carlisle, The 
Paternoster Press, 1994, p. 51, nota 69.
MINEAR, Paul S. The Gospel According to Mark. [LBC]. Atlanta, John 
Knox Press, 1982, p.74.
370 LANE, William L. The Gospel According to Mark. Vol.2. [NICNT], 
p.183. Expressões semelhantes ocorrem também no Antigo Testamento, 
como, por exemplo, em: Js 22.24; Jz 11.12; 2 Sm 16.10; 19.22; 1 Rs 17.18.
“E gritando com forte voz, disse: ‘O que a mim e a ti, 
Jesus, filho do Deus Altíssimo? Conjuro a ti por Deus, não me 
atormentes’(v.7).
Os gritos que serviram para concluir o verso 5 
reaparecem novamente aqui. Desta vez, porém, o grito aparece 
com maior intensidade, pois o endemoninhado grita cjxovf) 
lieyúÀr], “com grande voz”. Sobre a frase: Tí èpoi Kal ooí, “O 
que a mim e a ti?”, a mesma poderia ser expressa assim: “O que 
nós temos em comum?” ou “Por que você está mexendo 
comigo?”.370 Quanto ao título ulè tov 9eoô tou ín|t Lotou, “Filho 
do Deus Altíssimo”, já foi dito anteriormente que se trata de um
225
CARLSS AUGUS + ® VAILA + + I
semitismo, derivado do hebraico 5 “Deus
Altíssimo” ou “Altíssimo”. Tal título tem raízes tanto no 
AT, onde ele originalmente refletia um nome divino cananita 
(cf. Gn 14.18-20), como também na religião grega, onde esse 
termo era uma designação comum para Zeus. Contudo, deve 
ser dito aqui que o demônio usa esse título, não para expressar a 
sua crença na dignidade de Jesus, mas na esperança de controlá- 
lo, conforme a crença da época.371 372 Já a expressão ópKÍCco oe 
tòv Qeóv, “conjuro-te por Deus”, merece uma análise um pouco 
mais detalhada. O termo ôpKÍCoo, “conjuro”, que aparece em 
Xenofonte, Demóstenes e Políbio, significava: “forçar a fazer 
um juramento, administrar um juramento a”.373 No período do 
NT, o termo mantém basicamente os mesmos significados: 
“implorar, colocar sob um juramento, motivar alguém a jurar, 
371 MARCUS, Joel. Mark 1-8: A New Translation with Introduction And 
Commentary. Vol.27. [AB], p.343. Cf. também: HUNTER, A. M. The 
Gospel According to Saint Mark. London, SCM Press Ltd., 1957, p.64; 
LENSK.I, Richard C.H. The Interpretation of St. Luke's Gospel. Minneapolis, 
Augsburg Publishing House, 1961, p.474. Achtemeier faz a seguinte 
observação sobre o título Filho de Deus: “Este título aparece (...) no início, 
no meio e na conclusão da narrativa de Marcos, e parece ser a estrutura 
cristológica em torno da qual o Evangelho pode estar organizado”. (Cf. 
ACHTEMEIER, Paul J. Mark. [PC], Philadelphia, Fortress Press, 1980, 
p.35). Para obter mais informações sobre o título cristológico “Filho de 
Deus”, consulte: ROBINSON, James M. The Gospel of Jesus. New York, 
HarperCollins Publishers, 2005, pp.181-184; CULLMAN, Oscar. Cristologia 
do Novo Testamento. [Tradução de Daniel Costa e Daniel de Oliveira]. São 
Paulo, Editora Liber, 2001, pp.359-379.
172 GAEBELEIN, Frank E. The Expositor's Bible Commentary. [Matthew, 
Mark and Luke].Vol.8. Grand Rapids, Zondervan Publishing House, 1984, 
p.657. Para Evans, “este verso está moldado por idéias e linguagem da magia 
helenista”. (Cf. EVANS, C. F. Saint Luke. [TPI New Testament 
Commentaries]. London, SCM Press / Philadelphia, Trinity Press 
International, 1990, p.385).
373 THAYER, Joseph Henry. GELNT, p.453.
226
SA+ANÁS, DEmêNieS E LEGIî
insistir que alguém tome um juramento”.374 No verso que ora 
estamos estudando, o demônio tenta se desviar do exorcismo por 
meio de uma fórmula invocatória, convocando um poder 
superior, “Conjuro-te por Deus” = “Eu invoco Deus contra 
você”.375 Guelich enxerga aqui uma dupla ironia: Primeira, a 
fórmula de conjuração geralmente aparece nos lábios do 
exorcista, e não nos lábios do demônio! Segunda, o demônio 
exconjura Jesus por Deus, a quem ele reconhece ser justamente 
o Pai de Jesus!376 Adolf Pohl se expressa com indignação sobre 
este fato: “Conjurar o Filho de Deus em nome de Deus? Idéia 
absurda e inútil!”.377 Há um exemplo extraído da Antigüidade, 
no qual não-cristãos usam um amuleto pendurado sobre uma 
pessoa que está sofrendo. A colocação de tal amuleto sobre o 
doente é acompanhada pela invocação que menciona uma série 
de fórmulas mágicas. A primeira delas era: bpKÍÇa) cre Kard tov 
0EOV ' Eppaícov ’ Irpov, “Conjuro-te por Jesus, deus dos 
hebreus”.378 Este exemplo extraído da literatura não-cristã faz- 
nos lembrar do episódio ocorrido em At 19.13, no qual os sete 
filhos de um judeu chamado Ceva tentam - sem sucesso - 
expulsar demônios com a fórmula: 'OpKÍCco v|iâç tòv ’Irjooôv ôv 
IlaíiÀoç KT|púooei, isto é, “Esconjuro-vos por Jesus a quem Paulo 
proclama”. Eles acreditavam que havia um poder mágico por 
trás do nome de Jesus e que, ao pronunciá-lo, os demônios 
seriam expulsos. Porém, tal fato não aconteceu. A frase pq pe 
PaoavíoT]ç, “não me atormentes” também deve ser mencionada 
aqui. O vocábulo paoavíoco, “tormento”, significava 
ROGERS JR„ Cleon L. & ROGERS III, Cleon L. The New Linguistic 
and Exegetical Key to the Greek New Testament, p.76.
375 EVANS, C. F. Op.Cit., p.385
376 GUELICH, Robert A. Mark 1-8:26. Vol.34A. [WBC], p.279.
377 POHL, Adolf. O Evangelho de Marcos, p. 182.
-770
KITTEL, Gerhard, (ed.). Theological Dictionary of the New Testament. 
[Translated and Edited by Geoffrey W. Bromiley], Vol. V. [E-IIa]. Grand 
Rapids, WM. B. Eerdmans Publishing Company, 1999, p.463.
227
CARLOSAUGUS+® VAILA++I
primeiramente “provar metais”, e depois “testar alguém por 
meio da tortura”. Esse tormento pode ser uma referência à 
punição escatológica (Cf. Mt 8.29).* 380 Finalmente, Lane cita S. 
Eitrem (Some Notes on the Demonology in the New Testament), 
segundo quem, é inconcebível que o homem pudesse ter se 
dirigido até Jesus imediatamente com uma conjuração tão forte 
como a encontrada neste verso. Eitrem sugere a seguinte 
reconstrução do diálogo:
WUEST, Kenneth S. Mark in the Greek New Testament. Vol. X. Grand 
Rapids, WM. B. Eerdmans Publishing Co., 1957, p. 103. Jamieson, Fausset e 
Brown vêem na expressão “não me atormentes” uma grande ironia: “Eis aqui 
o atormentador, que prevê, teme e pede isenção de tormentos!”. (Cf. 
JAMIESON, R„ FAUSSET, A. R. & BROWN, David. Comentário 
Exegetico y Explicativo de La Biblia. Tomo II. (El Nuevo Testamento). 
[Traductores: Jaime C. Quarles e Lemuel C. Quarles], El Paso, Casa Bautista 
de Publicaciones, 1987, p.98).
380 GAEBELEIN, Frank E. The Expositor's Bible Commentary. [Matthew, 
Mark and Luke].Vol.8. Grand Rapids, Zondervan Publishing House, 1984, 
p.658.
381 LANE, William L. The Gospel According to Mark. Vol.2. [NICNT], 
p.183.
Demônio: O que cu tenho contigo, Jesus, Filho do Deus 
Altíssimo?
Jesus: Qual é o seu nome?
Demônio: Meu nome é Legião.
Jesus: Sai do homem, Legião!
Demônio: Conjuro-tc por Deus, que vocc não nos atormente c 
não nos envie para fora da região.381
Seja como for, este verso prepara os leitores de Marcos 
para a descrição do ritual de exorcismo que se dá entre os vv.7- 
13.
228
SA+ANÁS, DEmêNieS E LEGIé
“Pois dizia a ele: ‘Sai, espírito imundo, do homem' 
(v-8). __________________________ ___
Este verso parece ser um acréscimo posterior. A pergunta 
pelo nome (v.9) depois da ordem de saída (v.8) nos transmite 
essa impressão.382 Segundo Guelich, a razão para esta adição 
origina-se supostamente da ausência do típico comando 
explícito parao demônio sair. Assim, Marcos ou algum redator 
primitivo simplesmente forneceu um componente perdido para 
uma história de exorcismo.383 A frase fÀeyfv yàp arruo, “pois 
dizia a ele”, aparece no imperfeito, “ele estava dizendo” ou “ele 
estava dizendo repetidamente”, indicando o grau de dificuldade 
deste exorcismo.384 Quanto ao imperativo aoristo ”E^À9e, 
“sai!”, trata-se de uma ordem típica dada ao demônio nos relatos 
de exorcismos, a fim de que abandone o corpo que está 
possuindo.385 No Talmude Babilônico, encontramos um relato 
de exorcismo, o qual fora praticado por dois renomados rabis 
tanaíticos do começo do II século d.C., Simeão ben Yohai e 
Eleazar ben Yose, os quais, ao expulsarem um demônio da filha 
de um imperador romano, dão a ordem: “Ben Temalion, sail 
Ben Temalion, sail” (bMeilah 17b).386 Deve ser observado que 
2 SOARES, Sebastião Armando Gameleira & JÚNIOR, João Luiz Correia. 
Evangelho de Marcos. Vol. 1: 1-8, p.220.
383 GUELICH, Robert A. Mark 1-8:26. Vol.34A. [WBC], p.28O.
384 EVANS, C. F. Saint Luke. [NTC], p.386. Cf. também: WUEST, Kenneth 
S. Mark in the Greek New Testament. Vol. X, p. 103; CRANFIELD, C. E. B. 
The Gospel According to St. Mark, p. 178.
385 Em Marcos, o verbo E^ép%O|J.ai é encontrado em quatro expulsões de 
demônios narradas no Evangelho (1.25s; 5.8,13; 7.29s; 9.25s, 29). (Cf. 
BALZ, Horst & SCHNEIDER, Gerhard, (eds.). DENT. Vol.l, p.1431). Cf. 
também: BARRET, C. K. The New Testament Background: selected 
documents. New York, Harper & Row, Publishers, 1961, p34.
386 VERMES, Geza. O Autêntico Evangelho de Jesus. [Tradução de Renato 
Aguiar]. Rio de Janeiro, Record, 2006, p.24.
229
CARL©S AUGUS + ffi VAILA + + I
tanto neste relato de exorcismo, quanto nos demais que 
aparecem na Bíblia, não há necessidade do exorcismo ser 
acompanhado de elementos tais como confissão de pecados, 
renúncia e quebra de ídolos por parte do endemoninhado, como 
ensinam alguns.387 Não há nenhum registro bíblico sobre Jesus 
ou algum de seus discípulos terem usado algum desses 
estratagemas em seus exorcismos.
387 Esta equivocada opinião é defendida, por exemplo, por Neuza Itioka, que 
diz: “Se estivermos envolvidos com a expulsão de demônios (...) estes sairão 
facilmente com o comando em nome de Jesus Cristo, se todas as condições 
do preparo forem satisfeitas, tais como confissão, renúncia, quebra de 
ídolos”. (Os grifos são meus). (Cf. ITIOKA, Neuza. Os Deuses da Umbanda. 
São Paulo, ABU Editora, 1988, p.212). Entretanto, é muito boa a abordagem 
que Itioka faz sobre a Umbanda e o Espiritismo em seu livro.
388 WUEST, Kenneth S. Op.Cit., p.103.
389 Segundo Moxnes, o endemoninhado “identificou as legiões romanas com 
os demônios e, como pessoa possuída que era, pôde expressar sua oposição à 
dominação romana”. (Cf. MOXNES, Halvor. Poner a Jesús en su Lugar: una 
vision radical dei grupo familiar y el Reino de Dios. [Traducción de Carmen 
Bernabé Ubieta]. Estella, Editorial Verbo Divino, 2005, p.254). Kelly, 
comentando a expressão: “Qual é o teu nome?”, cita Beda (c.673-735): 
“Como diz Beda, Jesus não tentava obter informação que Ele não soubesse; 
simplesmente queria que Sua cura parecesse ainda mais impressionante 
(presumivelmente para humilhar a Legião)”. (Cf. KELLY, Henry Ansgar. 
“E perguntava a ele: ‘Qual é o teu nome? ’ E respondeu- 
lhe: ‘Legião é o meu nome, porque somos muitos ’ (v.9).
Aqui, encontramos o verbo “perguntar” novamente no 
imperfeito: “E ètrrípcÓTa ("perguntava") a ele”. A tradução 
correta seria: “Ele continuava a perguntá-lo”, o que implica em 
dizer que o demônio somente respondeu depois de repetido 
questionamento.388 389 Mas, afinal, qual era a pergunta que Jesus 
insistia em fazer-lhe? A pergunta era: Tí óuopá oot; (“Qual é o 
teu nome?”), a qual é extremamente significativa para a 
compreensão deste verso. No mundo antigo era considerado 
230
SA + ANÁS, DEffi©Nl©S Ê LEGIé
da maior importância conhecer o nome correto de um adversário 
(cf. Gn 32.27,29). No exorcismo, acreditava-se que ter o 
conhecimento do verdadeiro nome do demônio proporcionava 
maior poder sobre ele.390 O texto apócrifo do Testamento de 
Salomão (o qual tem a sua redação final datada pelos críticos em 
geral entre 300-400 d.C.)391 nos é particularmente importante 
neste sentido. Nele encontramos alguns diálogos entre Salomão 
e os demônios, os quais automaticamente nos remetem a este 
verso de Marcos. A seguir, cito três curiosos exemplos extraídos 
dessa literatura extra-bíblica:
Satã: uma biografia. [Tradução de Renato Rezende]. São Paulo, Globo, 
2008, p.299).
390 CRANFIELD, C. E. B. 77ze Gospel According to St. Mark, p.178. 
Segundo Cole: “(...) na Bíblia, nome significa ‘natureza’: então o homem 
estava praticamente convidado a confessar a natureza dos poderes do mal 
pelos quais ele era escravizado”. (Cf. COLE, R.A. The Gospel According to 
St. Mark: An Introduction And Commentary. [TNTC], Leicester, Inter­
Varsity Press / Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Company, 
1983, p.98). Também encontramos no PMG 4.3037-39 a seguinte formula: 
“Eu conjuro você, todo espírito demoníaco, a dizer de que espécie você é”. 
(Cf. MARCUS, Joel. Mark 1-8: A New Translation with Introduction And 
Commentary. Vol.27. [AB], p.344).
391 Embora os críticos escolham tai data para a redação final do texto, não 
seria errado admitir que o mesmo possa refletir materiais que, em sua origem, 
sejam dos séculos I e II de nossa era. (Cf. MACHO, A. Diez. Apócrifos Dei 
Antiguo Testamento. Vol.V, p.329).
I. (...) eu, Salomão, me levantei de meu trono e vi ao demônio 
amedrontado e aterrorizado. Disse-lhe:
- Quem cs tu? Qual é o teu nome?
Respondeu:
- Mc chamo Ornías. (...) Sou um demônio noturno e posso 
assumir três formas: algumas vezes, quando o homem arde em 
desejos, assumo a figura de uma moça jovem, e quando me 
tocam sofrem muitas dores. Outras vezes, como ser alado, me 
231
CARLOS AUGUS+© VAILA + + I
encontro nos lugares celestiais, e em outras apareço em forma 
de leão. (Test. Salomão 2.1-3).392 393
392 Idem, Ibidem, pp.337,338.
393 Idem, Ibidem, p.340. Os acréscimos entre colchetes são meus. Aqui, 
Onoscelis é o nome de um demônio feminino, cujo corpo era de uma mulher 
e as pernas de uma mula.
394 Idem, Ibidem, pp.341,342.
II. Quando [o demônio] se apresentou diante de mim 
[Salomão], lhe disse:
- Quem és tu?
Respondeu:
- Mc chamo Onoscelis e (sou) um espírito corporificado, que
393mc escondo sobre a terra (...). (Test. Salomão 4.3,4).
III. Ordenei que me trouxessem outro demônio, c conduziram 
diante dc mim a Asmodeu, o malvado demônio, atado. 
Perguntei-lhe:
- Quem és tu?
(...) eu, Salomão, (...) ordenei que o atassem com o maior 
cuidado c o flagelassem até que declarasse quem era c cm que 
consistia sua tarefa. O demônio falou assim:
- Meu nome, glorioso, é Asmodeu. Procuro com orgulho fazer 
o mal aos humanos cm todo o mundo. (...) (Test. Salomão 5.1- 
2,6).394
Essa literatura não-cristã que pode ter a sua gênese 
juntamente com os primórdios do cristianismo nos mostra que 
saber o nome do demônio era, de fato, um elemento importante 
para o sucesso do exorcismo.
Porém, como já foi dito antes, para Johnson e Dewelt a 
inquirição acerca do nome não foi dirigida ao demônio, mas sim 
ao homem:
Qual é o teu nome? O Senhor fez esta pergunta ao 
homem aflito. Por qual motivo? Não há nada tão conveniente 
como uma calma e simples questão para trazer um louco a si.
232
SA + ANÁS, D£íTlffiNI®S £ L£GIî
Não há forma mais natural de despertar em um homem que está 
fora de si a consciência de sua própria personalidade do que 
fazê-lo dizer seu próprio nome. O nome do homem toma-se a 
expressão de seu caráter, e um resumo da história de sua vida. 
A primeira condição de alguma cura deste homem aflito era um 
retorno ao distinto sentimento de sua própria personalidade. (...) 
O homem foi perguntado, mas o demônio respondeu,
395demonstrando seu total domínio sobre ele.
Contudo, voltando ao diálogo entre Jesus e o demônio, 
este último, ao ouvir apergunta acerca do nome, responde: 
AeyLcov óvopá poi, ótl ttoààoí èopeu, “Legião é o meu nome, 
porque somos muitos”. Essa resposta é muito curiosa, pois nos 
mostra a fusão do singular com o plural: “Legião é o meu nome, 
porque somos muitos”.’ Além disso, o termo grego Aeyiwu,
’ JOHNSON, B.W. & DEWELT, Don. The Gospel of Mark. [BST], p.144. 
Opinião semelhante é encontrada em: BONNET, L. y SCHROEDER, A. 
Comentário del Nuevo Testamento: Evangelios Sinopticos. Tomo I. El Paso, 
Casa Bautista de Publicaciones, 1982, p.367.
396 Foi sugerido também que o termo legião se refere ao “espírito imundo” 
(porquanto o seu gênero em grego é neutro), enquanto que o incisivo somos 
muitos designa aos “homens” (pois tal expressão aparece no gênero 
masculino). (Cf. MAGGI, Alberto. Jesús y Belcebú: Satán y demonios en el 
Evangelio de Marcos, p.147). No Testamento de Salomão 11.3 há um 
demônio que diz: “(...) envio as legiões de demônios que estão debaixo das 
minhas ordens - pois que me introduzo por todos os lugares -, e o nome de 
todos os demônios que estão ao meu comando é ‘legião’”. (Cf. MACHO, A. 
Diez. Apócrifas Dei Antiguo Testamento. Vol.V, p.354). Para outros 
exemplos bíblicos de possessão por mais de um espírito impuro, cf. Mc 16.9; 
Lc 11.26. Na volumosa obra de Stuart Clark, Pensando com Demônios, 
também encontramos relatos de pessoas que são possuídas por vários 
demônios durante o fim da Idade Média. Clark cita, dentre outros, o caso da 
francesa Madeleine Demandols, que havia sido possuída por 6.660 demônios 
e também menciona o caso de uma vienense chamada Anna Schlutterbãurin, 
que estava possuída por 12.000 demônios! (Cf. CLARK, Stuart. Pensando 
com Demônios: a idéia de bruxaria no principio da Europa moderna. 
[Tradução de Celso Mauro Paciomik]. São Paulo, Edusp, 2006, pp.515, 539). 
Mckenzie diz que na antiga Mesopotâmia o número de demônios era quase 
233
CARL®S AUGUS+® VAILA + + I
“Legião”, é claramente um latinismo, sendo derivado da palavra 
latina legio.391 Entretanto, legio é sua forma não somente no 
latim, mas também no grego tardio, tanto helênico quanto 
literário, o qual também aparece provavelmente no Aramaico da 
Palestina; ele é encontrado nos escritos rabínicos (Singular:
Plural: pT^) e nas inscrições aramaicas primitivas, e 
ele sobrevive ainda em Lejjun, o moderno nome de um local 
normalmente identificado como Megido. Na verdade, o nome 
“Legião” era uma referência feita a um corpo de soldados 
romanos cujo número divergia de tempos em tempos, mas que, 
no tempo do imperador Augusto, parecia consistir de 6.826 
homens (isto é, 6.100 a pé e 726 a cavalo).399 Aliás, e por falar
ilimitado. (Cf. MCKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. [Tradução de 
Álvaro Cunha], São Paulo, Paulus, 1983, p.225). Evans chama a atenção para 
a singularidade dessa possessão, pois “até então Jesus havia expulsado 
demônios individuais; agora, ali estava a oportunidade de demonstrar seu 
poder sobre um exército de demônios”. (Cf. EVANS, Craig A. Lucas. (Novo 
Comentário Bíblico Contemporâneo - Baseado na Edição Contemporânea de 
Almeida). [Tradução de Oswaldo Ramos]. São Paulo, Editora Vida, 1996, 
p. 154). Para T. Cahill, o relato da possessão de Maria Madalena por sete 
demônios em Mc 16.9 pode significar que ela talvez fosse vítima de uma 
forma particular de esquizofrenia, a qual era simbolizada por “sete 
demônios”. (Cf. CAHILL, Thomas. Desire of the Everlasting Hills: the world 
before and after Jesus. New York, Anchor Books, 1999, p.211).
1Q7
BUTTRICK, George Arthur, (ed.). IDB. An Illustrated Encyclopedia. 
Vol.3. Nashville, Abingdon Press, 1981, p. 110. Para Paul Winter: “Do modo 
como [a história] está reproduzida no segundo evangelho, podemos inferir 
que a prevenção anti-romana em algum momento interferiu no caráter da 
narrativa. Isto pode ser verificado no uso da palavra Aeyixóv [legiões] como 
nome do agente demoníaco. (...) O uso dessa palavra latina constitui um 
ataque verbal direto às forças de ocupação no território judaico”. (Cf. 
WINTER, Paul. Sobre o Processo de Jesus. [Tradução de Sergio Alcides], 
Rio de Janeiro, Editora Imago, 1998, p.247).
398 SWETE, Henry Barclay. Commentary on Mark, p.95.
THAYER, Joseph Henry. GELNT, p.373. Lane sugere que a entrada do 
termo “legião” na fala coloquial indica que a ocupação romana era um fardo 
pesado para as pessoas. Porém, para ele, tal termo não demonstra um 
234
SA+ANÁS, DEinêNieS £ LEGIî
em nomes de demônios, deve ser mencionado aqui que o já 
citado Testamento de Salomão faz referência a 52 nomes 
diferentes de demônios, os quais dominam sobre as mais 
diversas áreas.400
sentimento anti-romano, antes, deve ser compreendido dentro do contexto da 
luta entre as forças de Deus e as de Satanás. (Cf. LANE, William L. The 
Gospel According to Mark. Vol.2. [NICNT], pp. 184,185). Rohden comenta 
que a palavra “legião” deve ser vista como simples sinônimo de grande 
multidão. (Cf. ROHDEN, Huberto. Novo Testamento: tradução do texto 
original grego, com as variantes da Vulgata e amplamente anotada. São 
Paulo, União Cultural Editora Ltda., S.d., p.101). Hastings faz um 
interessante comentário sobre o termo “legião”, dizendo que seu uso era 
muito comum na literatura midráshica e talmúdica (do séc. III d.C. em 
diante). Segundo ele, em algumas destas situações, Leyidiv pode ser usado 
como uma ilustração do termo em sua ocorrência no NT. Para ele, o vocábulo 
“legião” possuía vários significados nestas literaturas: (1) Significando um 
grande número: “E mais fácil alimentar uma legião na Galiléia do que 
amamentar uma criança na terra de Israel”. (Gênesis Rabba XX.6); (2) 
Significando uma especial e severa punição: “As águas do dilúvio são 
comparadas a uma ‘cruel legião’”. (Gênesis Rabba iv.6; confira também v.6);
(3) Significando (sob certas circunstâncias) impureza: “Uma legião em 
marcha é impura porque caveiras são usadas como amuletos, as quais são 
sempre transportadas por ela”. (Talmude Babilônico, Tratado Hullin, 123a);
(4) Significando comparecí mento diante de um rei: “Deus fala de Israel na 
passagem do Mar Vermelho como ‘minhas legiões’” (Êxodo Rabba xxiii.7). 
“A tribo de Levi é a legião que permanece na presença real de Deus” 
(Números Rabba i. 12). “Quando Deus vai adiante ‘para a paz’ é assistido por 
multidões e legiões”. (Números Rabba xi). Estas referências ilustram tanto 
Mt 26.53 (“Doze legiões de anjos”); cf. (1) e (4); quanto Mc 5.9 (“Legião... 
porque somos muitos”); cf. (1) e (2). Hastings conclui, dizendo que a ideia de 
impureza não é proeminente na palavra. (Cf. HASTINGS, James. A 
Dictionary of the Bible. Vol.3. Peabody, Hendrickson Publishers, 1988, 
P-94).
u Para saber o nome de cada um desses demônios e em que área atuam, 
veja todo o capítulo 10 de: MACHO, A. Diez. Apocrifos Dei Antiguo 
Testamento. Vol.V, pp.381-383.
Finalmente, foi sugerido que o nome “legião” talvez 
significasse que o homem havia tido uma experiência infeliz 
com a legião romana e isso havia causado sua loucura, ou então, 
235
CARL©S AUGUS + ® VA1LA + + 1
que ele sentia como se estivesse possuído por milhares de 
demônios (já que a legião romana consistia de mais de seis mil 
homens).401 Outrossim, talvez esse nome também significasse 
“legionário”, já que o termo estrangeiro “legião” era assim 
compreendido no rabinismo.402 Deve-se mencionar ainda que 
havia um ditado popular judaico que dizia: “Uma legião de 
espíritos malignos está diante dos homens, dizendo: ‘quando 
será que ele cai nas mãos de uma destas coisas e será [por elas] 
tomado’”.403
GAEBELEIN, Frank E. The Expositor's Bible Commentary. [Matthew, 
Mark and Luke]. Vol.8, p.658.
402 GNILK.A, Joachim. El Evangelio Según San Marcos. Vol. I, p.238. J. 
Jeremias traz uma importante nota sobre o termo “legião” encontrado nessa 
passagem. Ele diz: “Em vários casos pode-se demonstrar ou ao menos supor 
que uma história de milagre resultou de um mal-entendido de linguagem. 
Assim, a lenda da passagem dos demônios para a enorme vara de dois mil 
porcos(Mc 5.12s. par.) deve ter-se originado do sentido duplo do aramaico 
^JÍ’35 / ligyona / que significa: 1) legião, 2) legionário. Quando o espírito 
mau do possesso responde à pergunta pelo seu nome: AEyicòv bvogá got, bu 
ícoAãoí. bogEV [legião é o meu nome, porque somos muitos] (...), isso 
originalmente deve ter significado: ‘Eu me chamo Soldado, pois há muitos do 
meu tipo (e nós nos assemelhamos uns aos outros como um soldado ao 
outro)’. A palavra ligyona foi erroneamente entendida como ‘legião’: ‘Eu me 
chamo Legião, porque o nosso número é grande (e todo um regimento de nós 
mora no doente)’, e obteve-se assim a idéia da possessão do doente por 
milhares de maus espíritos”. (Cf. JEREMIAS, Joachim. Teologia do Novo 
Testamento. [Tradução de João Rezende Costa]. São Paulo, Teológica / 
Paulus, 2004, p. 147).
403 Cf. BARCLAY, William. The Gospel of Mark, p.l 17; EDERSHEIM, 
Alfred. The Life and Times of Jesus the Messiah. Peabody, Hendrickson 
Publishers, 1883, p.612.
De qualquer forma, o vocábulo também poderia ser uma 
alusão à situação política reinante no país. Os romanos estavam 
assentados como força de ocupação e não tinham intenção de 
abandonar o país. Em linha com isto se encontra precisamente a 
236
sa+anás, DeméNies e legiã®
primeira das petições, segundo a qual se pede a Jesus que não 
expulse os demônios para fora daquela localidade.404
404 GNILKA, Joachim. El Evangelio Según San Marcos. Vol. I, pp.238,239.
405 ANDERSON, Hugh. The Gospel of Mark. [NCBC], Grand Rapids, WM. 
B. Eerdmans Publ. Co. & London, Marshall, Morgan & Scott Publ. Ltd., 
1981, p.149.
406 MARCUS, Joel. Mark 1-8: A New Translation with Introduction And 
Commentary. Vol.27. [AB], p.345.
407 SWETE, Henry Barclay. Commentary on Mark, p.95. Segundo Lane: 
“Assumindo que os demônios são o sujeito de TtapEKáXet (...) há paralelos 
em que demônios são enviados para lugares como o deserto, as montanhas 
desabitadas, o mar, os fins do mundo (cf. Tb 8.3), e para dentro de animais, 
de forma que eles não possam prejudicar os homens. Se o homem é o sujeito, 
seus pedidos poderiam ser um patético apelo para que não fosse movido 
novamente, como os homens da cidade tinham feito muitas vezes”. (Cf. 
LANE, William L. The Gospel According to Mark. Vol.2. [NICNT], p. 185).
“E implorava-lhe muito para que não os mandasse para 
fora da região (v. 10).
Antes de qualquer coisa, deve ser dito que o pedido dos 
demônios para que não fossem enviados para fora do país é uma 
característica das histórias de exorcismo.405 Aqui, o verbo 
-fiapfKáÀei, “implorava”, aparece no imperfeito. Marcos usa o 
tempo imperfeito que indica repetição ou ação contínua, 
evidentemente porque estas petições são mal-sucedidas e, 
portanto, repetidas. Já no verso 12, o tempo muda para o aoristo, 
porque a petição é concedida.406 Um fato curioso aparece neste 
verso: a petição feita no singular, “implorava”, é seguida pelo 
plural, “que não os mandasse”. Swete explica que o singular é 
usado porque os espíritos, falando através da voz do homem, são 
ainda considerados como um único ego.407 Quanto ao verbo 
àTrooreíÀq, “mandasse, enviasse”, o mesmo aparece no 
subjuntivo aoristo, sendo derivado de àKooTÉXÃco, “enviar para 
237
CARLOS AUGUS + ® VAILA + + 1
fora”.408 No que diz respeito ao fato de os demônios não 
quererem sair daquela região, alguns expositores, citando 
Grotius, dizem que a região da Decápolis, repleta de judeus 
apóstatas helenistas, era amada pelos demônios.409 Schweizer 
comenta que “para o contador de história judeu é claro que os 
demônios são prósperos no território gentílico e por esta razão 
não queiram deixá-lo”.410 Dessa forma, os demônios pedem 
educadamente a Jesus que não os expulse daquela região (região 
que, na verdade, não está submetida à Lei de Moisés, por tratar- 
se de um território pagão).411 Do ponto de vista sociopolítico, 
podemos notar que a “legião” queria continuar mantendo a sua 
força de ocupação naquele território. Como acontece a qualquer 
conquistador, seria muito ruim ter que abrir mão de um pedaço 
de terra que fora conquistado a duras custas.
ROGERS JR., Cleon L. & ROGERS III, Cleon L. The New Linguistic 
and Exegetical Key to the Greek New Testament. Grand Rapids, Zondervan 
Publishing House, 1998, p.76.
409 WUEST, Kenneth S. Mark in the Greek New Testament. Vol. X, p. 104. 
Segundo Mulholland: “o conceito do domínio territorial dos espíritos (cf. Dn 
10.12-14,20; At 19.35) se reflete nas expressões “lugares altos” (Nm 33.52 
[“ídolos”], etc.) e os deuses da “planície” (1 Rs 20.23). Povos animistas 
crêem que certos espíritos são senhores sobre um território ou uma casa em 
que habitam”. (Cf. MULHOLLAND, Dewey M. Marcos, Introdução e 
Comentário. [Tradução de Maria Judith Prado Menga]. São Paulo, Vida 
Nova, 1978, p.93).
410 SCHWEIZER, Eduard. The Good News According to Mark. [Translated 
from german by Donald H. Madvig]. Atlanta, John Knox Press, 1970, p. 114. 
Além disso, deve-se lembrar que nas antigas culturas, os espíritos eram 
normalmente associados a determinados locais. (Cf. KEENER, Craig S. 
CBANT, 154).
41 1 DUQUESNE, Jacques. Jesus. [Tradução de Daniel Piza], São Paulo, 
Geração Editorial, 2005, p. 137.
“E estava ali, perto do monte, uma grande manada de 
porcos pastando ” (v. 11).
238
SA+ANÁS. D£1T1®NI®S E LEGIî
É muito provável que o episódio dos demônios entrando 
nos porcos, os quais se precipitam despenhadeiro abaixo até o 
Mar da Galiléia e se afogam (vv. 11-13), seja um acréscimo 
posterior à forma dessa história de exorcismo.412 Em seu 
abrangente estudo sobre a história do endemoninhado geraseno, 
Annen utiliza um argumento baseado no critério da coerência 
para corroborar tal pensamento. Seu principal argumento é que, 
no material do Evangelho com boa probabilidade de ser 
histórico, Jesus nunca realiza um milagre destrutivo que venha a 
prejudicar alguém (neste caso, o[s] dono[s] dos porcos) e que 
pareça se comprazer no espetacular, apenas pelo espetacular.413 
Além disso, a palavra áyéÀT], “manada, rebanho”, também chama 
a nossa atenção neste verso. Derrett observou que esse termo é 
inadequado para se referir a porcos, os quais não andam em 
rebanhos. Segundo ele, esse vocábulo era empregado muitas 
vezes para se referir a um bando de recrutas militares.414 Se esta 
opinião estiver correta, logo, segue-se que os “porcos” seriam os 
próprios soldados romanos, a legião!415 Tal interpretação teria,
MEIER, John P. Um Judeu Marginal: repensando o Jesus histórico. 
Vol.II, Livro III, 1998, p. 173.
413 ANNEN, Franz. Heil für die Heiden. Zur Bedeutung und Geschichte der 
Tradition vom besessenem Gerasener. Frankfurter Theologische Studien 20; 
Frankfurt, Knetcht, 1976, p.192. Apud: MEIER, John P. Op. Cit., 
pp. 190,191.
4 4 DERRETT, J. Duncan M. Contributions to the Study of the Gerasene 
Demoniac. JSNT, 3, p.5. Apud: MYERS, Ched. O Evangelho de São 
Marcos, p.238. Esse termo aparece com o sentido de “rebanho” ao longo de 
toda a obra de Homero (aprox. 900 a.C.). (Cf. THAYER, Joseph Henry. 
GELNT, p.6).
415 Essa também é a opinião de Maggi, segundo quem, “nos tempos de Jesus, 
com a figura do porco se designava aos romanos, como ocupantes da terra de 
Israel, representada nos Salmos como uma ‘vinha devastada pelos javalis do 
bosque’ (SI 80.4). Além do mais, como afronta aos judeus, o estandarte da 
Legião X Fretensis era precisamente um javali. O termo ‘manada’ indica a 
grande riqueza dos ocupantes, obtida mediante a violenta submissão dos 
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CARL®S AUGUS+® VAILA + + 1
portanto, uma forte conotação política. Bem, mas voltando à 
figura dos porcos, os quais são citados ao longo de nossa 
perícope (vv.l 1-13,16), creio que caibam aqui algumas 
observações a seu respeito. Primeiramente, a Mishná proibe a 
criação deste animal: “Ninguém [outros textos trazem: Nenhum 
israelita] pode criar porco em parte alguma”. (Baba Kamma, 
Tratado Nezikin, 7.7).416 E, além disso, o Talmude também diz: 
“Amaldiçoado seja aquele que cria porcos”.417 Embora a Mishná 
e o Talmude,

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