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Vivendo na luz representa um desafio profundo, pois mostra como nós, pecadores, tomamos coisas boas — principalmente as melhores — e as usamos para os propósitos mais vis, mesquinhos e egoístas. John Piper mostra a importância, a beleza e o benefício de entender o dinheiro, o sexo e o poder como caminhos para glorificar a Deus enquanto nos satisfazemos nele. Leia esse livro e você estará mais bem preparado para, com humildade e confiança, desfrutar esses bons presentes de Deus. Tim Challies, pastor da igreja Grace Fellowship, em Toronto, Canadá, criador e editor do site de resenhas literárias challies.com e autor dos livros Desintoxicação sexual e Discernimento espiritual (Vida Nova) Esse livro merece a cuidadosa consideração de todo cristão. John Piper nos conduz por uma exploração teologicamente rica e biblicamente fiel de potenciais obstáculos para desfrutarmos Deus. Nessas páginas, você descobrirá não apenas o perigo espiritual de depositar a esperança nas coisas deste mundo, mas também aprenderá como nós, cristãos, podemos entender o sexo, o dinheiro e o poder como meios para glorificar a Deus. R. Albert Mohler Jr., diretor do Southern Baptist Theological Seminary e autor de Atos 1—12 para você e Atos 1—12: nasce a igreja (Vida Nova) Em Vivendo na luz, Piper nos põe em contato com o poder da Palavra. Ele nos ajuda a abrir os ouvidos a conselhos sóbrios e solenes. Além disso, ajuda-nos a acolher os encorajamentos que carregam o brilho das promessas de Deus. Esse livro é sobre dinheiro, sexo e poder. Com toda a certeza, de maneira definitiva e maravilhosa, ele trata da glória supremamente satisfatória e resplandecente de Deus em Cristo. Kathleen Nielson, diretora da Womens’ Initiative, The Gospel Coalition John Piper explora três dons de Deus que são simultaneamente preciosos e vulneráveis. Com clareza penetrante, delineia a relação entre dinheiro, sexo e poder, mostrando também que devemos colocar esses dons no devido lugar, reconhecendo Cristo como o centro de gravidade deles. Vivendo na luz oferece uma mudança de paradigma vibrante, renovadora e enriquecedora. Randy Alcorn, autor de Money, possessions and eternity e Happiness Se você não luta diariamente com tentações na área do dinheiro, do sexo ou do poder, a única razão é que já se rendeu a essas tentações. Todo cristão deve confrontar o impulso comum a todos nós de criarmos ídolos nessas áreas. Nesse livro, John Piper nos prepara para lutar contra a tentação, incendiando nossas afeições pela glória de Deus em Jesus Cristo. Ele nos mostra com sabedoria não apenas o que evitar, mas também como desfrutar do dinheiro, do sexo e do poder como parte de uma vida conformada a Cristo por meio do evangelho. Espero presentear com esse livro muitos amigos e combatentes comigo nessa guerra espiritual. Russell Moore, presidente da Comissão de Ética e Liberdade Religiosa da Southern Baptist Convention Esse livro é inquisitivo em sua análise, pungente em seus desafios, mas maravilhosamente revigorante em seu encorajamento. Quando a glória de Deus está no centro, o dinheiro, o sexo e o poder podem ser instrumentos pelo nome de Cristo e para o nosso bem. Esse livro é urgentemente necessário. Sam Allberry, palestrante de Ravi Zacharias International Ministries Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 Piper, John Vivendo na luz : dinheiro, sexo e poder : fazendo o melhor uso de três oportunidades perigosas / John Piper ; tradução de Susana Klassen. -- São Paulo : Vida Nova, 2019. 128 p. ISBN 978-85-275- 0880-3 Título original: Living in the light : money, sex, and power: making the most of three dangerous opportunities 1.Vida cristã 2.Vida espiritual 3. Crescimento espiritual 4. Sucesso - Aspectos religiosos I. Título II. Klassen, Susana 18-2046 CDD 248.4 Índices para catálogo sistemático 1.Vida cristã : sucesso : aspectos religiosos ©2016, de Desiring God Foundation Título do original: Living in the light: money, sex, and power: making the most of three dangerous opportunities, edição publicada pela THE GOOD BOOK COMPANY (Epsom, Surrey, Reino Unido). Todos os direitos em língua portuguesa reservados por SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA Rua Antônio Carlos Tacconi, 63, São Paulo, SP, 04810-020 vidanova.com.br | vidanova@vidanova.com.br 1.a edição: 2019 Proibida a reprodução por quaisquer meios, http://www.vidanova.com.br salvo em citações breves, com indicação da fonte. Impresso no Brasil / Printed in Brazil Todas as citações bíblicas sem indicação da versão foram traduzidas diretamente da English Standard Version. As citações bíblicas com indicação da versão in loco foram traduzidas diretamente da New International Version (NIV). Citações bíblicas com a sigla TA se referem a traduções feitas pelo autor a partir do original grego/hebraico. O grifo nas citações bíblicas é de responsabilidade do autor. DIREÇÃO EXECUTIVA Kenneth Lee Davis GERÊNCIA EDITORIAL Fabiano Silveira Medeiros EDIÇÃO DE TEXTO Leandro Bachega Gustavo N. Bonifácio PREPARAÇÃO DE TEXTO Danny M. Charão Marcia B. Medeiros REVISÃO DE PROVAS Ubevaldo G. Sampaio GERÊNCIA DE PRODUÇÃO Sérgio Siqueira Moura DIAGRAMAÇÃO Sandra Reis Oliveira ADAPTAÇÃO DA CAPA Vania Carvalho Para Richard Coekin e Co-Mission (co-mission.org), com admiração e gratidão Sumário Agradecimentos Introdução Definições e fundamentos Os perigos do sexo que destroem o prazer Os perigos do dinheiro que destroem a riqueza Os perigos do poder que destroem a alma Libertação: a volta do sol ao centro Aplicação: as novas órbitas para o dinheiro, o sexo e o poder Conclusão Agradecimentos Este pequeno livro é o resultado de um grande privilégio. Fui convidado para falar em um final de semana no encontro Revive da organização Co-Mission, em meados de 2015, na Cantuária, Inglaterra. A visão da organização Co-Mission é resumida no bordão “Uma paixão: por plantar, por Londres e por Cristo”. Co- Mission é um movimento para a plantação de igrejas na grande Londres. Foi um grande privilégio palestrar às igrejas reunidas na Cantuária e uma grande fonte de ânimo conhecer seus líderes. Agradeço a Deus pelo que vi. A família Coekin ofereceu a Noël e a mim exatamente o tipo de hospitalidade que amamos. Meu tema para aquele final de semana foi “Vivendo na luz: dinheiro, sexo e poder”. As mensagens triplicaram de tamanho e deram origem a este livro. Sou grato à The Good Book Company por mostrar interesse nas mensagens e oferecer orientações criteriosas para torná-las tão úteis quanto possível e em forma de livro. David Mathis, editor executivo de desiringGod.org me fornece ajuda indispensável para transferir as mensagens da mente para o papel. Este projeto não teria acontecido sem ele. E não é a primeira vez. Toda a equipe de desiringGod.org e o grupo de oração que me ampara em nossa igreja local sempre me auxiliam com incentivo, apoio e intercessão. Deus tem sido muito bondoso para comigo. Minha oração é para que todos sejam guardados das armadilhas do dinheiro, do sexo e do poder e dediquem seus potenciais à glória de Cristo e ao bem, especialmente ao bem eterno, da igreja. INTRODUÇÃO Deus não concebeu e criou o dinheiro, o sexo e o poder simplesmente para serem uma tentação. Ele tinha bons propósitos em mente. O dinheiro, o sexo e o poder existem para os grandes objetivos de Deus na história humana. Não são desvios no caminho que conduz à alegria que exalta a Deus. Junto com todos os demais elementos do mundo bom criado por Deus, eles são a trilha pela qual seguimos. Por meio deles, podemos evidenciar o valor supremo de Deus. Um dos objetivos deste livro é mostrar como isso acontece. Portanto, a abordagem que adoto consiste em identificar os potenciais do dinheiro, do sexo e do poder, bem como suas armadilhas. Quais são os perigos que precisam ser superados? Quais são os potenciais que precisam ser devidamente aplicados? A tese principal deste livro tem duas partes. Primeiro, o dinheiro, osexo e o poder, que inicialmente eram boas dádivas de Deus para a humanidade, tornaram-se perigosos porque todos os seres humanos trocaram a glória de Deus por imagens (Rm 1.23). Segundo, o dinheiro, o sexo e o poder serão restaurados ao seu lugar, o que traz glória a Deus, e isso mediante a redenção que ele trouxe ao mundo por meio de Jesus Cristo, ou seja, a magnífica libertação da criação de todo pecado, enfermidade e tristeza. Sem essa redenção, todos preferimos outras coisas a Deus. É nossa natureza. E, quando paramos para pensar a esse respeito, percebemos que é um tremendo insulto a Deus. Aliás, preferir qualquer coisa a Deus é uma afronta moral no Universo e, portanto, uma ameaça eterna para nossa alma. Essa preferência por qualquer coisa em lugar de Deus não apenas nos destrói, mas resulta em uma distorção generalizada de tudo o que há de bom no mundo, incluindo dinheiro, sexo e poder. Toda a criação tinha o propósito de comunicar a beleza e o valor supremos de Deus (Sl 19.1; Rm 1.20-23). Deus criou o mundo para sua glória (Is 43.7). Ele o criou para que fosse engrandecido por como suas criaturas encontram a mais plena satisfação nele. O dinheiro, o sexo e o poder existem, em última análise, para mostrar que Deus é mais desejável do que todos eles. Essa é a maneira pela qual, de modo paradoxal, eles proporcionam, de si mesmos, mais satisfação. Tudo isso foi arruinado pela Queda, a primeira grande insensatez de trocar Deus por outras coisas. Quando Deus é restaurado como valor supremo do coração humano, o dinheiro, o sexo e o poder começam a se encaixar em seu devido lugar, glorificando a Deus na vida. Tudo depende daquilo que consideramos supremamente valioso. Qual é nosso tesouro mais precioso? Qual é a nossa maior satisfação? Quando Deus ocupa esse lugar em nossa mente e em nosso coração — em nossos pensamentos e em nossas emoções —, o dinheiro, o sexo e o poder começam a se alinhar em sua verdadeira e bela ordem. Essa nova organização da vida, com a glória de Deus no centro, é, no fim das contas, o que proporciona maior satisfação para nossa alma (ainda que haja lutas em muitos aspectos), mais benefícios para o mundo (ainda que o mundo nem sempre o perceba) e maior honra para Deus. Ficamos satisfeitos. O mundo é servido. E Deus é glorificado. É para isso que o dinheiro, o sexo e o poder foram criados. E é disso que este livro trata. DEFINIÇÕES E FUNDAMENTOS Quando falo de “dinheiro, sexo e poder”, a que exatamente me refiro? Descobri ao longo dos anos que a tentativa de definir conceitos no início quase sempre revela que aquilo de que pensávamos estar tratando é apenas a ponta de um iceberg. Imaginamos que estávamos falando de dinheiro: cédulas e moedas. Na verdade, porém, em nível mais profundo, estamos falando dos prazeres e das vantagens que o dinheiro pode comprar, ou do status que o dinheiro pode representar. Em seguida, percebemos que ainda não chegamos ao fundo, pois debaixo disso se encontram a ganância, a cobiça, o medo e o anseio por segurança, prestígio e controle. E, então, mais uma vez, não… Esse também não é o fundo, pois a Bíblia nos ensina que existe outra realidade — uma condição do coração — mais profunda que todos esses pecados. Pela simples tentativa de definir do que estamos tratando, percebemos que essa coisa chamada dinheiro, ou sexo, ou poder, é como a pequena parte do iceberg visível acima da água. Não é o problema. Aquilo que vemos não afunda nossa embarcação. Antes, são as enormes e afiadas arestas de pecado abaixo da linha da água que rasgam o casco e nos mandam para o fundo do mar. Então, ao fazer uma pausa e refletir sobre as definições de dinheiro, sexo e poder com a ajuda de alguns amigos criteriosos (como aconteceu quando estava preparando estes capítulos do livro), percebo que acabei de usar uma imagem que apresenta toda a situação de forma negativa e que deixei passar uma realidade ainda mais fundamental. ICEBERGS ou ilhas flutuantes? Que dizer a respeito do dinheiro que usamos para sustentar um missionário, ou comprar um presente para um amigo? E a respeito da generosidade implícita nesses gestos? E quanto ao coração que a produz? A árvore má produz frutos maus, mas que dizer da árvore boa que produz frutos bons (Mt 7.16-19)? Na realidade, o dinheiro, o sexo e o poder nem sempre são um iceberg prestes a fazer nossa embarcação naufragar. Podem ser ilhas flutuantes de alimento quando as provisões em nosso barco se esgotaram, ou de combustível quando estamos parados na água, ou dos frutos mais raros para adoçar nosso cardápio monótono enquanto navegamos. Em outras palavras, outra realidade fundamental da qual precisamos tratar é que dinheiro, sexo e poder são, desde o início, dádivas de Deus — boas dádivas de Deus. E, quando nos levam a naufragar, não é porque Deus nos deu dádivas más; é porque aconteceu algo dentro de nós que transformou dádivas da graça em instrumentos de pecado, em altares e incenso no templo do orgulho. A primeira coisa que precisamos fazer, portanto, é conversar a respeito de definições que nos levem a perceber determinadas realidades fundamentais muito mais profundas e muito mais amplas que os icebergs perigosos ou as ilhas do tesouro flutuantes do dinheiro, do sexo e do poder. É disso que trata este primeiro capítulo: definições e fundamentos. Em seguida, do segundo ao quarto capítulos, focalizaremos os perigos inerentes ao dinheiro, ao sexo e ao poder (os icebergs). No quinto e no sexto capítulos, voltaremos a atenção para como o evangelho nos livra dos icebergs para desfrutarmos o potencial inerente (as ilhas do tesouro) ao dinheiro, ao sexo e ao poder, quando os aplicamos à causa do amor e da adoração que exaltam a Cristo. Esse é o plano: definições e fundamentos. Perigos e como superá-los. Potenciais e como aplicá-los. Definir, superar, aplicar. Dinheiro: definição e fundamento Comecemos com o dinheiro. Em sua mais simples forma, é algum tipo de moeda corrente. Pode ser de papel ou de metal; em outras culturas, talvez seja de pedra, ou, em nossa cultura, pode ser um conjunto de registros eletrônicos. Essa moeda atua como uma representação culturalmente definida de quantidades de valor, de modo que pode ser usada para obter algo desejado, ao ser gasta, ofertada ou guardada. A moeda em si é uma boa dádiva de Deus que pode ser usada para o mal ou para o bem. Pode gastá-la com algo que você valorize, como alimento, um presente, um bilhete de loteria ou uma prostituta. Pode ofertá-la para promover uma causa que considere importante, como sustentar um jovem de partida para uma viagem missionária, manter um segredo com o qual alguém o esteja chantageando, ou conseguir um emprego por meio de suborno. Ou pode guardá-la para consolidar algo que considere valioso, como uma forte reserva monetária ou uma poupança feita com prudência para uma compra futura com o propósito de evitar endividamento. Em outras palavras, o dinheiro, isto é, a representação simbólica de quantidades de valor, se torna uma questão moral em decorrência daquilo que você busca com a dádiva que Deus lhe deu: se é algo certo ou errado. É possível buscar o bem e é possível buscar o mal. É possível usar o dinheiro para mostrar que você dá maior valor a ele que a Cristo. Ou é possível usá-lo para mostrar que você dá maior valor a Cristo que ao dinheiro. Isso significa que a moeda em si não é a questão com a qual precisamos lidar. Há algo muito mais fundamental, algo muito mais profundo que riqueza ou pobreza, muito mais profundo que cobiça ou generosidade. Em resumo, portanto, o dinheiro é um símbolo cultural que usamos para mostrar o que valorizamos. É um meio pelo qual evidenciamos onde está nosso tesouro; quem ou o que é nosso maior bem. O uso do dinheiro é um ato de adoração, quer de Cristo, quer de alguma outra coisa. Sexo: definição e fundamento Ao falar de “sexo”, refiro-me à experiência de estímulo erótico, à busca por obter essa experiência ou por proporcioná-la. E refiro-me ao fato de que o sexo é uma boa dádiva de Deus emtodos esses aspectos. A experiência de estímulo sexual, a busca por obtê-lo ou por proporcioná-lo, todas as três são boas dádivas de Deus, as quais podemos desfrutar conforme ele definiu ou explorar de um modo que acabe nos prejudicando. Três esclarecimentos se fazem necessários. Primeiro, sei que o termo “sexual” pode ser usado de forma muito mais ampla. Marido e esposa podem ter conversas profundas e maravilhosas, por exemplo, ou compartilhar atividades, que sejam de natureza sexual no sentido amplo de que ela é mulher e ele é homem, e essas conversas e atividades talvez não tenham nenhum elemento erótico — embora sejam extraordinariamente repletas de prazeres sutis, não idênticos mas complementares à nossa sexualidade. É verdade, e é maravilhoso. Mas não me refiro a isso. Preciso limitar-me para que este livro seja breve. O segundo esclarecimento é que tenho em mente uma ampla gama de atividades sexuais, desde o estímulo mais casual e mesmo acidental até o estímulo mais intenso e proposital. É possível um homem ter pensamentos vagamente eróticos a respeito de uma mulher que está liderando o louvor e que não tem intenção alguma de despertar esses pensamentos. Ou é possível uma mulher ter sentimentos sexuais a respeito de um pastor, ao desejar que seu marido fosse mais espiritualmente fervoroso, e o pastor pode não ter desejo ou intenção alguma nesse sentido. Incluo todas essas experiências quando me refiro a “sexo”. Mais um esclarecimento: isso significa que sexo, como o considero, pode acontecer em situações em que não há absolutamente nenhum efeito erótico, pois a pessoa que está tentando estimular a outra (por exemplo, por seu modo de agir ou se vestir) pode não ter sucesso algum. Portanto, minha definição de “sexo” se aplica a essa situação, mas ninguém está obtendo prazer sexual. A experiência de estímulo erótico em si e o esforço para obtê-lo ou proporcioná- lo podem ser um bom uso da boa dádiva de Deus, ou pode ser simples exploração egoísta. O que torna o sexo uma virtude ou um vício não é o prazer, nem a busca (por proporcioná-lo ou obtê-lo), mas algo mais profundo. Estão em jogo questões fundamentais de submissão à palavra de Deus e da condição do coração. É disso que precisaremos tratar a fim de dizermos qualquer coisa proveitosa a respeito das armadilhas e do potencial da dádiva divina do sexo. Poder: definição e fundamento Poder é a capacidade de obter aquilo que você deseja. Essa capacidade talvez se deva ao fato de você ter grande força física; ou de exercer uma função de autoridade como pai ou mãe, professor, policial ou parlamentar. Ou ainda ao fato de você ter mais dinheiro que qualquer outra pessoa do grupo, ou mesmo de ter uma bela aparência física. Todas essas capacidades são boas dádivas de Deus. Nenhuma delas decorrem exclusivamente de nossa própria intenção ou de nosso esforço próprio. Deus é o Doador absoluto de todas elas. E todas essas capacidades de obter aquilo que você deseja podem ser usadas para o mal ou para o bem. Como você usa seu poder revela onde está seu coração, aquilo que ama e aquilo que mais valoriza, ou seja, o que você adora. O que O DINHEIRO, O SEXO E O PODER têm em comum Talvez comece a ficar evidente o motivo pelo qual não estruturei este livro em três seções distintas: uma sobre dinheiro, outra sobre sexo e outra sobre poder. O motivo é que, em sua raiz — em seus fundamentos —, eles são essencialmente iguais. São maneiras de mostrar o valor supremo de Deus em sua vida, ou são maneiras de mostrar o que você considera ser o valor supremo de alguma outra coisa. Seus pensamentos e sentimentos a respeito do dinheiro, do sexo e do poder revelam o tesouro de seu coração: se é Deus ou algo que ele criou. •O poder é a capacidade de buscar aquilo que você valoriza. •O dinheiro é o símbolo cultural que pode ser trocado na busca por aquilo que você valoriza. •O sexo é um dos prazeres que as pessoas valorizam, bem como a busca por ele. Portanto, poder, dinheiro e sexo são todos meios dados por Deus para mostrar o que você valoriza. São (como todas as outras realidades criadas no universo) dados por Deus como meios de adoração, isto é, como meios de engrandecer aquilo que tem valor supremo para você. Todo o seu poder, todo o seu dinheiro e toda a sua sexualidade são dádivas de Deus com o propósito de evidenciar o valor supremo da glória de Deus. Atenção aos fundamentos Como pode ver, em certa medida fomos além das definições e chegamos aos fundamentos que revelam a que dizem respeito o dinheiro, o sexo e o poder em um universo centrado em Deus como o nosso. Agora, precisamos ir à Bíblia e investigar de que maneira Deus deixa claro quais são essas questões fundamentais. Em essência, o que somos criados para ser? O que somos criados para fazer com as boas dádivas do dinheiro, do sexo e do poder? E, em essência, o que há de errado conosco que nos leva a não mostrar o valor de Deus por meio do dinheiro, do sexo e do poder, mas, em vez disso, por natureza, fazê-lo desaparecer, como se o Criador e Sustentador de todas as coisas fosse irrelevante? Essa é a maior afronta do mundo. Cristo veio para mudar inteiramente essa realidade em nossa vida e neste mundo. Qual é a condição do coração humanpo? Em Romanos 1.18-23, encontramos uma descrição do problema humano mais profundo e da glória suprema da qual decaímos, a glória à qual podemos voltar em Cristo. O apóstolo Paulo sonda as camadas abaixo das ações pecaminosas para chegar ao coração que peca. Vai além dos comportamentos destrutivos e chega ao coração depravado — meu e seu: … a ira de Deus é revelada do céu contra toda impiedade e injustiça dos homens, que, por meio de sua injustiça, suprimem a verdade. Pois aquilo que se pode conhecer a respeito de Deus é manifesto para eles, pois Deus lhes mostrou. Porque seus atributos invisíveis, a saber, seu poder eterno e sua natureza divina, foram claramente percebidos, desde a criação do mundo, nas coisas que foram feitas. Por isso, eles são indesculpáveis. Porque, embora conhecessem a Deus, não o honraram como Deus, nem lhe deram graças, mas se tornaram fúteis em seu raciocínio, e seu coração insensato foi obscurecido. Dizendo-se sábios, tornaram-se tolos e trocaram a glória do Deus imortal por imagens semelhantes ao ser humano mortal, às aves, aos quadrúpedes e aos répteis. Comecemos com o versículo 18: “… a ira de Deus é revelada do céu contra toda impiedade e injustiça dos homens, que, por meio de sua injustiça, suprimem a verdade”. Paulo descreve a humanidade, de modo geral, como “ímpia” e “injusta”. Essa é nossa condição. De todos nós. Quando Paulo termina sua análise da condição humana, ele a resume em Romanos 3.9: “E então, os judeus têm alguma vantagem? Não, de forma nenhuma. Pois já temos demonstrado que todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado”. Estamos todos na condição de “ímpios” e “injustos”. E a primeira coisa que Paulo diz a respeito dessa condição é que ela leva as pessoas a suprimirem a verdade: “… por meio de sua injustiça, suprimem a verdade” (1.18). Outra forma de descrever o que acontece é dizer que nos cegamos intencionalmente para a luz da verdade. Lembre-se de que o tema deste livro é Vivendo na luz: dinheiro, sexo e poder. Vivendo na luz. Aqui, em Romanos 1, vemos por que isso é tão essencial. O pecado rejeita a luz da verdade e corre para as trevas da falsidade. Jesus disse que somos pecadores não porque somos vítimas das trevas, mas porque amamos as trevas: “… a luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a luz…” (Jo 3.19). A primeira característica de nossa natureza pecaminosa é que ela nos torna propensos a suprimir a verdade, a odiar a luz, e nos torna capazes de fazê-lo. O que suprimimos? Que verdade específica, que “luz”, nossa natureza pecaminosa odeia? O versículo seguinte responde. “Pois aquilo que se pode conhecer a respeito de Deus é manifesto para eles, pois Deus lhes mostrou” (Rm 1.19). Suprimimos “aquilo que se pode conhecer a respeito de Deus”. O conhecimento deDeus é repulsivo para nossa natureza pecaminosa. Nosso problema mais profundo não é ignorância. O versículo 19 diz: “… aquilo que se pode conhecer a respeito de Deus é manifesto…”. Nosso problema mais profundo é que nos rebelamos contra o conhecimento de Deus. Esse conhecimento é desagradável a nós. Solapa nossa independência e autonomia. Como vemos novamente no versículo 20, nosso problema mais profundo não é ignorância a respeito de Deus: “… seus atributos invisíveis, a saber, seu poder eterno e sua natureza divina, foram claramente percebidos, desde a criação do mundo, nas coisas que foram feitas…”. E, mais uma vez, no versículo 21: “… embora conhecessem a Deus…”. Nosso problema não é ignorância. Nosso problema é que, em nossa injustiça, suprimimos a verdade. Odiamos a luz e amamos as trevas, e, portanto, não desejamos andar na luz da verdade. Por isso, no final do versículo 20, Paulo diz: “… eles são indesculpáveis”. Por quê? O versículo 21 dá a resposta que chega ao cerne do problema: “Porque, embora conhecessem a Deus, não o honraram como Deus, nem lhe deram graças, mas se tornaram fúteis em seu raciocínio, e seu coração insensato foi obscurecido”. Não o glorificamos como Deus, nem lhe demos graças. Escolhemos as trevas da exaltação humana em lugar da exaltação de Deus. É isso que fazemos por natureza. Nosso coração pecaminoso não ama glorificar a Deus — valorizá-lo ao considerá-lo glorioso, deleitar-se nele ao considerá-lo supremamente belo e evidenciar Deus ao considerá-lo nosso maior tesouro. Nosso coração pecaminoso não deseja valorizar Deus ao considerá-lo glorioso e lhe dar graças por todas as coisas. É isso que o termo “impiedade” significa no versículo 18 (“a ira de Deus é revelada do céu contra toda impiedade […] dos homens”). Em nossa “impiedade”, fazemos o que a impiedade faz: ela suprime a verdade segundo a qual Deus deve ser valorizado ao ser considerado supremamente glorioso e generoso. Nossa natureza pecaminosa odeia a luz da supremacia de Deus e corre para as trevas, onde nos sentimos supremos. Quando a verdade é suprimida, a luz rejeitada e a glória de Deus desconsiderada, outra coisa sempre toma seu lugar. O coração humano detesta o vácuo. Nunca deixamos Deus meramente porque lhe damos pouco valor; sempre trocamos Deus por algo que valorizamos mais. Vemos isso nos versículos 22 e 23: “Dizendo-se sábios, tornaram-se tolos e trocaram a glória do Deus imortal por imagens…”. Tornaram-se tolos. Essa é a tolice máxima. Esse é o significado mais fundamental do pecado: trocar a glória do Deus imortal por substitutos, qualquer coisa que valorizemos mais que a Deus. Se você tem ouvidos para ouvir, deve parecer a tolice máxima e a afronta máxima contemplar Deus, rejeitá-lo como nosso tesouro supremo e trocá-lo por outra coisa. Olhamos para o Criador e, depois, o trocamos por algo que ele criou. Por trás de todo o uso indevido do dinheiro, do sexo e do poder está essa condição pecaminosa do coração, essa depravação. Minha definição de pecado, com base nessa passagem de Romanos 1, é: pecado é qualquer sentimento, pensamento ou ação que nasce de um coração que não valoriza Deus acima de todas as coisas. A origem do pecado, a raiz de todo pecado, é esse coração que prefere qualquer coisa acima de Deus, um coração que não valoriza Deus acima de todas as coisas ou de todas as pessoas. Profundo e difundido O pecado é o problema mais profundo, mais forte e mais difundido da raça humana. Aliás, depois que Paulo explicou qual é a essência ou a raiz do pecado em Romanos 1—3, ele esclarece nos capítulos seguintes a magnitude de seu poder sobre nós. Diz que o pecado governa como um rei pela morte (5.21); exerce domínio como soberano (6.14); sujeita à servidão como um senhor de escravos (6.6,16,17,20) ao qual fomos vendidos (7.14); como uma força que produz outros pecados (7.8); como um poder que se apossa da lei e mata (7.11); como um inquilino hostil que habita em nós (7.17,20); e como uma lei que nos faz prisioneiros (7.23). Toda essa realidade profunda, intensa e difundida do pecado em nós nos define até que nasçamos de novo. É necessário que o milagre ocorra, pois, do contrário, o antagonismo profundo contra Deus continuará a nos controlar e a nos dirigir sempre. Jesus expressa esse fato da seguinte forma: “O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. Não se admire por eu dizer: ‘Vocês precisam nascer de novo’” (Jo 3.6,7). Em virtude de nosso primeiro nascimento, somos meramente carne, isto é, somos desprovidos do Espírito de Deus e de vida. Quando, porém, somos “nascidos do Espírito”, o Espírito de Deus nos dá vida espiritual e atua em nós, e temos vida nele para sempre. Essa vida acompanha a luz da verdade. “… Jesus lhes falou, dizendo: ‘Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida’” (Jo 8.12). A vida eterna e a verdadeira luz sempre andam juntas. “Vivemos na luz” quando o Espírito nos dá vida. Para ressaltar a séria escravidão em que nos encontramos antes desse novo nascimento, Paulo diz em Romanos: “Sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum…” (7.18). Aquilo que somos sem o novo nascimento, sem a nova criação pelo Espírito de Deus por causa de Cristo, é a personificação da resistência a Deus. “A mentalidade da carne é hostil a Deus, pois não se sujeita à lei de Deus; aliás, nem pode fazê-lo” (8.7). Por que não pode fazê-lo? Porque não quer. Reprovamos a supremacia de Deus (1.28). Trocamos Deus porque preferimos mais outras coisas a ele. Devemos abandonar de vez, portanto, a ideia de que pecado é, acima de tudo, aquilo que fazemos. Não é. Pecado é, acima de tudo, aquilo que nos define — até nos tornarmos nova criatura em Cristo. E mesmo depois disso, é um inimigo sempre presente que habita dentro de nós e que precisa ser mortificado todos os dias pelo Espírito (7.17,20,23; 8.13). Antes de nosso encontro com Cristo, o pecado não é um poder estranho em nós. Ele é nossa preferência por qualquer coisa a Deus. É nossa reprovação de Deus. Nossa troca de sua glória por substitutos. Nossa supressão da verdade de Deus. O pecado é a hostilidade de nosso coração contra Deus. É quem somos no fundo do coração. Antes de encontrarmos a Cristo. Diante dessa triste descrição da raiz de nosso problema para lidar com o dinheiro, o sexo e o poder, também fica evidente que essa distorção de nossa alma não corresponde a quem fomos criados para ser. Fomos criados para conhecer a Deus, glorificá-lo e lhe dar graças (Rm 1.19-21). Fomos criados para vê-lo e, com isso, refletir sua beleza. Para esse fim, não deveríamos trocá-lo por alguma outra coisa, mas preferi-lo a todas as coisas. Deveríamos glorificar Deus ao valorizá-lo acima de todos os tesouros, desfrutá-lo acima de todos os prazeres, ansiar por ele acima de todos os desejos, estimá-lo acima de todos os prêmios, querê-lo acima de todas as vontades. Duas condições possíveis Na vida humana, há duas principais condições do coração: o coração que valoriza Deus acima de tudo e o que valoriza algo mais. Um coração fica feliz na luz do valor supremo de Deus. O outro fica feliz nas trevas, acariciando imagens daquilo que é real, pensando que encontrou um grande tesouro. O que nos caracteriza como cristãos verdadeiros não é que o pecado nunca nos vence — não é que nossos desejos são perfeitamente voltados para Deus. O que nos caracteriza como verdadeiros cristãos é o fato de que, na raiz de nossa vida, se encontra essa nova estima por Deus acima de tudo, pois tivemos um encontro com ele em Jesus Cristo. Ele assumiu em nosso coração um lugar que nos conduz de volta, repetidamente, à renovação de nossa devoção a ele como Deus supremo. Os cristãos descobriram que a habitação interior do Espírito engrandece o valor de Jesus acima de todas as coisas e nos conduz ao arrependimento quando não percebemos esse valor como deveríamos. “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1Jo 1.9). Dinheiro,sexo e poder são três boas dádivas de Deus. Veremos, nos três capítulos seguintes, que podemos usá-las para revelar um coração de trevas ou um coração de luz. E, ao fazê-lo, revelaremos a verdade da beleza e do valor supremos de Deus, ou o apresentaremos como algo insatisfatório para o desejo de nossa alma. Podemos ter um coração que valoriza este mundo acima de Deus, ou um coração que valoriza Deus acima deste mundo. E, com isso, podemos glorificar a Deus de forma que nos proporcione satisfação plena ou difamá-lo ao tê-lo como inferior às coisas que ele criou. Podemos viver na luz ou nas trevas. Os perigos do sexo que destroem o prazer Quando Satanás quis destruir o prazer supremo que Adão e Eva sentiam em desfrutar, sem pecado, a amizade de Deus, não lhes apresentou um dever, mas, sim, um deleite. Eles viram que a árvore da qual Deus os havia proibido de comer era “boa para alimento, e que era um deleite para os olhos, e árvore desejável para dar entendimento”, de modo que tomaram e comeram (Gn 3.6). A trilha para a destruição de seu prazer foi “boa”, “um deleite”, “desejável”. O artifício de Satanás consistiu em tornar o fruto mais desejável que Deus. E funcionou. O prazer sexual é proibido como alternativa para o prazer em Deus. É dessa forma que devemos ver sua relação com a árvore no jardim do Éden. Deus deve ser valorizado acima do prazer sexual e deve ser experimentado no prazer sexual. Os mesmos deleites, paixões e êxtases da relação sexual planejada por Deus para o casamento são as espécies de prazer que o próprio Deus concebeu e criou. Vêm dele. São parte dele. Ele conhece o prazer, imagina o prazer e cria o prazer. Assim, quando provamos esses prazeres, provamos um pouco de Deus. Ele criou o prazer sexual e, portanto, é maior que esse prazer. E ele o criou para comunicar um pouco de si mesmo. Nunca foi intenção de Deus que o sexo constituísse uma alternativa para o prazer nele. Sua intenção era ser visto e saboreado no sexo. Se Deus deixa de ser valorizado acima do prazer sexual e saboreado nele, esse prazer se torna venenoso, como o fruto da árvore no jardim. Perder a luz Retomamos o assunto do qual tratamos no capítulo anterior ao falar de Romanos 1. Com relevância impressionante para nossos dias, Paulo faz para nós a ligação entre trocar a luz de Deus por trevas e a distorção e o caráter destrutivo do pecado sexual. Começamos a seção de “perigos” com um capítulo sobre os perigos do sexo porque o próprio apóstolo faz dele uma porta de entrada para tratar dos perigos de todos os usos indevidos das dádivas de Deus. O sexo se torna o caso representativo que revela o que o dinheiro, o sexo e o poder têm em comum quanto a seus perigos. A intenção de Paulo é que vejamos que nossas constatações a respeito de abandonar a luz e distorcer o sexo também se aplicam a dinheiro e poder. Começamos com Romanos 1.21-23: Porque, embora conhecessem a Deus, não o honraram como Deus, nem lhe deram graças, mas se tornaram fúteis em seu raciocínio, e seu coração insensato foi obscurecido. Dizendo-se sábios, tornaram-se tolos e trocaram a glória do Deus imortal por imagens semelhantes ao ser humano mortal, às aves, aos quadrúpedes e aos répteis. A palavra “luz” não aparece nesses versículos. Mas a ideia de “trevas” está presente no final do versículo 21: “… seu coração insensato foi obscurecido”. E, em vez de contrastar as trevas com a luz, Paulo as contrasta com a glória, a saber, a luz e o resplendor da beleza e dos atributos de Deus. “… não o honraram como Deus” (ou “glorificaram”, NIV), mas “trocaram a glória do Deus imortal por imagens” (v. 23). Ele afirma, portanto, que, em nossa condição pecaminosa não regenerada, conhecemos a Deus em um sentido (“embora conhecessem a Deus”, v. 21); não obstante, pegamos a glória de Deus, por assim dizer, e a trocamos. Colocamos algo em seu lugar. E, ao fazê-lo, empurramos para longe a luz do universo, a beleza e o esplendor divinos e o significado da realidade criada, e nos entregamos às trevas. No Éden, Adão e Eva imaginaram que estavam escolhendo sabedoria e vida, mas estavam escolhendo trevas e morte. “Dizendo-se sábios, tornaram-se tolos” (v. 22). E temos feito o mesmo desde então. Viver em trevas significa, portanto, considerar Deus minimamente desejável e sua criação maximamente desejável. Essa ideia fica implícita no termo “trocaram”. Trocaram a glória de Deus. Quando você troca algo, expressa sua preferência. Expressa seu maior desejo. E, se você prefere a criação de Deus em lugar de Deus, considera-o menos desejável que aquilo que você prefere. É isso que significa estar em trevas. Nas trevas é impossível ver as coisas como são de fato. Se você vê algo mais belo, mais atraente, mais desejável que Deus, está em trevas. Não está vendo a realidade como é de fato. Viver na luz significa considerar Deus supremamente glorioso, belo, desejável e satisfatório. Se estivéssemos vivendo na luz, jamais trocaríamos sua glória, pois veríamos as coisas de modo claro. Estimaríamos sua glória e a guardaríamos a qualquer custo. Deus seria mais precioso para nós que qualquer coisa. É isso que significa viver na luz. Como perder a luz afeta o sexo Qual é a ligação entre sexo e a troca da glória de Deus por imagens? É dessa questão que Paulo trata em seguida. Em quatro ocasiões nos versículos 23 a 28 de Romanos 1, ele diz que a troca da glória de Deus por outras coisas — preferir glórias humanas à glória de Deus — é a raiz da sexualidade desordenada: … e trocaram a glória do Deus imortal por imagens semelhantes ao ser humano mortal, às aves, aos quadrúpedes e aos répteis. Portanto, Deus os entregou, pelos desejos do coração deles, à impureza, para desonrarem seu corpo entre si, pois trocaram a verdade acerca de Deus por uma mentira e adoraram e serviram a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito para sempre! Amém. Por isso, Deus os entregou a paixões desonrosas. Porque suas mulheres trocaram as relações naturais por outras contrárias à natureza; da mesma forma, os homens deixaram as relações naturais com mulheres e foram consumidos por paixão uns pelos outros, homens cometendo atos desavergonhados com homens e recebendo, em si mesmos, a punição devida por seu erro. E, porque lhes pareceu por bem não reconhecerem a Deus, o próprio Deus os entregou a uma mentalidade reprovável, para fazerem o que não se deve fazer. Em certo sentido, o fato de Paulo falar sobre uma desorientação homossexual é secundário. As mesmas dinâmicas se aplicam a todas as distorções de nossa sexualidade. Veremos adiante por que Paulo focaliza explicitamente a homossexualidade. No entanto, nosso foco é mais amplo. Primeiro, observe a ligação entre os versículos 23 e 24: Eles “trocaram a glória do Deus imortal por imagens […]. Portanto, Deus os entregou, pelos desejos do coração deles, à impureza, para desonrarem seu corpo entre si”. O termo “portanto” é decisivo. Significa que a desonra vertical de Deus (“trocaram a glória de Deus”) dá origem à (resulta em, conduz à) desonra horizontal do corpo humano nos desejos sexuais desordenados de seu coração: “… Deus os entregou […] para desonrarem seu corpo entre si…”. Os seres humanos trocaram a glória de Deus; como consequência, desonraram o próprio corpo. Segundo, observe a ligação entre os versículos 24 e 25: “… Deus os entregou, pelos desejos do coração deles, à impureza, para desonrarem seu corpo entre si, pois trocaram a verdade acerca de Deus por uma mentira e adoraram e serviram a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito para sempre! Amém”. Aqui, Paulo desenvolve o mesmo argumento de forma invertida. Em vez de apresentar o resultado de trocar a glória de Deus, ele fornece a causa de desonrar o corpo pelos desejos. A causa da lascívia, da impureza e de desonrar o corpo é o fato de terem aceitado a mentira, as trevas, de que a glória de Deus satisfaz menos que alguma outra coisa. Desonraram o corpo porque preferiram a criatura em lugar do Criador. Terceiro, observe a relação entre os versículos 25 e 26: “… trocarama verdade acerca de Deus por uma mentira […]. Por isso, Deus os entregou a paixões desonrosas…”. Paulo desenvolve o mesmo argumento pela terceira vez. Suas paixões desonrosas se devem ao fato de que trocaram a verdadeira glória de Deus pela mentira de que ele não é mais desejável que todas as coisas. E, quarto, Paulo repete seu argumento. Observe a relação entre as duas partes do versículo 28: “E, porque lhes pareceu por bem não reconhecerem Deus [literalmente: “não aprovaram ter Deus em seu conhecimento”], o próprio Deus os entregou a uma mentalidade reprovável, para fazerem o que não se deve fazer”. Não quiseram Deus como a realidade dominante em sua mente. Não quiseram a glória de Deus como valor supremo em seu coração. Diante disso, “portanto”, entregaram-se ao pecado sexual. Acaso Paulo poderia ter deixado mais claro que o problema fundamental do pecado sexual é que não amamos a luz e a beleza da glória de Deus acima de todas as coisas? Amamos uma imagem feita por mãos humanas, não a realidade divina. Amamos a mentira, não a verdade. Amamos as trevas, não a luz. E as consequências para nossa sexualidade são profundamente desvirtuantes. É provável que a homossexualidade seja o foco nessa passagem, porque fornece a ilustração mais clara de como a troca da beleza para a qual fomos criados no plano vertical se reflete na troca da beleza para a qual fomos criados no plano horizontal: o homem troca a mulher por um homem, e a mulher troca o homem por uma mulher. Em outras palavras, uma troca vertical contrária à natureza reverbera em trocas horizontais contrárias à natureza. É exatamente para isso que Paulo chama a atenção sobre como ele usa a palavra “trocar” ao longo do texto. Primeiro, emprega “trocaram” para indicar que preferimos a criatura ao Criador. “… trocamos a glória do Deus imortal por imagens […] trocamos a verdade acerca de Deus pela mentira…” (v. 23,25). Em seguida, usa “trocaram” para se referir a homens que preferem homens como parceiros sexuais e mulheres que preferem mulheres: “… Porque suas mulheres trocaram as relações naturais por outras contrárias à natureza; da mesma forma, os homens deixaram as relações naturais com mulheres…” (v. 26,27). Portanto, os relacionamentos homossexuais são uma parábola vívida e representativa da sexualidade desordenada que nasce de um relacionamento desordenado com Deus, mais especificamente, de um relacionamento em que as glórias da criação são preferidas à glória de Deus. Os perigos do sexo Essa troca, talvez retratada de modo mais vívido nas relações homossexuais, se aplica a todos os nossos pecados sexuais: adultério (trocar o cônjuge por um parceiro ilícito), impureza sexual (trocar o chamado de Deus à castidade na vida de solteiro por sexo fora do casamento), lascívia (trocar a pureza por pornografia). Todos os nossos pecados sexuais estão arraigados nisto: não valorizamos a glória de Deus ao considerá-la supremamente desejável acima de todas as coisas. Deixamos que as trevas da mentira nos persuadam de que este ou aquele prazer ilícito é mais desejável que Deus. Nas trevas, acariciamos o liso pingente escuro como o ébano junto a nosso pescoço, sem saber que, na luz, veríamos que é uma barata. Pensamos que a tarântula é um brinquedo de pelúcia. Imaginamos que o leão é um animal de estimação e que o som da cascavel é uma castanhola. É isso que significa viver em trevas, nas quais Deus é menos desejável que o prazer sexual. O pecado sexual cresce no solo da cegueira, da escuridão e da ignorância a respeito da grandeza e da beleza de Deus que satisfazem plenamente. Por isso, Pedro disse às igrejas: “Como filhos obedientes, não se conformem às paixões de sua ignorância de outrora” (1Pe 1.14). Ele está dizendo: “No passado vocês não tinham conhecimento do valor, da beleza, da grandeza e da doçura de Deus. Agora, porém, vocês nasceram de novo (v. 3,23), ‘se é que vocês provaram que o Senhor é bom’” (2.3). Sim, e, uma vez que vocês “provaram” de Deus, a “ignorância de outrora” do sabor do pecado não controla mais suas paixões. A mentira dos desejos sexuais pecaminosos é desmascarada. Paulo desenvolveu o mesmo argumento sobre a “ignorância de outrora” em relação ao pecado sexual. Disse: “… a vontade de Deus é a santificação de vocês: que se abstenham da imoralidade sexual; que cada um de vocês saiba controlar o próprio corpo em santidade e honra, não com paixão lasciva dos gentios que não conhecem a Deus” (1Ts 4.3-5). Em outras palavras, para Paulo a distorção e o abuso do desejo sexual nascem das trevas da mente incrédula. Eles não conhecem a Deus. Esse era o lugar em que todos nós estávamos: nas trevas no tocante à beleza e ao valor infinitos de Deus. Eles sabem e não sabem Ao falarem de nossa “ignorância de outrora”, Pedro e Paulo não contradizem Romanos 1.21, em que Paulo diz: “Embora conhecessem a Deus, não o honraram como Deus, nem lhe deram graças…”. Há tanto um conhecimento de Deus como uma ignorância a respeito dele na mente não cristã. O conhecimento de Deus é profundo e inato: Pois aquilo que se pode conhecer a respeito de Deus é manifesto para eles, pois Deus lhes mostrou. Porque seus atributos invisíveis, a saber, seu poder eterno e sua natureza divina, foram claramente percebidos, desde a criação do mundo, nas coisas que foram feitas. Por isso, eles são indesculpáveis (1.19,20). No entanto, esse conhecimento profundo e inato de Deus é rejeitado e reprimido. “… Por meio de sua injustiça, suprimem a verdade” (v. 18). “… Não aprovaram ter Deus em seu conhecimento…” (v. 28, TA). Portanto, há ignorância real a respeito de Deus, bem como conhecimento real. O conhecimento é reprimido e inoperante. A ignorância é desejada e poderosa. Tanto Pedro quanto Paulo identificam essa ignorância a respeito de Deus — a troca da glória de Deus por imagens — como a origem das distorções e da escravização decorrente dos desejos sexuais. A alma humana foi criada para ser satisfeita pela glória de Deus. Quando a luz dessa glória é suprimida, a alma se destrói ao procurar satisfação nas trevas mortais. E, de fato, são mortais, como Jesus e os apóstolos afirmam repetidamente. É nesse ponto que vemos os resultados perigosos dos efeitos de não viver na luz. Essas advertências não se restringem a um ou dois autores do Novo Testamento. Jesus, Pedro, Paulo, João e o autor de Hebreus soam o alarme para o perigo que espera aqueles que não se arrependem do pecado sexual. Considere algumas dessas advertências. Não há pecado como esse Paulo sonda as profundezas dos pecados sexuais de imoralidade, adultério e, especialmente, prostituição. Vocês não sabem que o corpo de cada um de vocês é membro de Cristo? Será que eu tomaria os membros de Cristo e os faria membros de uma prostituta? De modo nenhum! Ou não sabem que quem se une a uma prostituta se torna um só corpo com ela? Porque, como está escrito, “os dois se tornarão uma só carne”. Mas aquele que está unido ao Senhor se torna um só espírito com ele. Fujam da imoralidade sexual. Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer é fora do corpo; mas a pessoa sexualmente imoral peca contra o próprio corpo. Ou será que vocês não sabem que seu corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vocês e que receberam de Deus? Vocês não pertencem a si mesmos, pois foram comprados por preço. Portanto, glorifiquem a Deus no corpo de vocês (1Co 6.15-20). O cristão está unido a Cristo. Essa união abrange o corpo e o espírito. Consequentemente, uniões sexuais ilícitas, que não expressam nossa união com Cristo, contradizem essa união, arrastam Cristo para um leito de prazer profano e o tornam parceiro no ato. Segundo Paulo, era algo espantosamente impensável, como deve ser para nós. Talvez você imagine que esta é uma explicação a respeito da origem do pecado sexual completamente diferente daquela que vimos até aqui. Nesse caso, pode se dizer que o pecado sexual decorre de não entendermos que somos membros de Cristo, de modo que rebaixamos Cristo ao nível da prostituição. Por certo, esse argumento vai alémdaquilo que vimos até aqui, mas não é inteiramente distinto. Paulo parte do pressuposto de que se você visse e estimasse a beleza e o valor de Cristo, não agiria dessa forma. A afronta tem que ver com a pureza, a preciosidade, a santidade e a glória de Cristo. Observamos isso no final do texto, em que Paulo diz: “… vocês não pertencem a si mesmos, pois foram comprados por preço. Portanto, glorifiquem a Deus no corpo de vocês” (v. 19,20). Você é propriedade de Deus. Ele o comprou com o sangue infinitamente valioso de Cristo. Por esse motivo, quando tratamos nosso corpo como se tivéssemos direito de fazer com ele o que nossos impulsos exigem, tratamos o valor de Cristo e a glória de Deus com desprezo. Esse é o cerne da questão desde o início. Há uma parte especialmente difícil de entender no texto de Paulo. No versículo 18, ele argumenta contra a imoralidade sexual da seguinte forma: “… Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer é fora do corpo; mas a pessoa sexualmente imoral peca contra o próprio corpo”. O que isso significa? Em todos os comentários que li ao longo dos anos, parece-me que não há um consenso estabelecido, mas a maioria concorda que, de algum modo, Paulo considera que as relações sexuais com alguém que não seja o cônjuge profanam ou prejudicam o corpo de modo singular. De acordo com ele, nenhum outro pecado é semelhante a esse. Diante disso, Roy Ciampa e Brian Rosner, por exemplo, observam: Paulo não está dizendo que apenas porneia [imoralidade sexual] prejudica o corpo, mas que somente porneia forma uma união de “uma só carne” que é “contrária ao corpo”. O pecado sexual é contra o corpo porque, como Fisk afirma, “une o corpo de modo ímpar […] [e] profana o corpo de modo ímpar”. Como acontece com tantas outras expressões condensadas nesta seção, precisamos fornecer algo para completar nosso entendimento da ideia de Paulo. Aqui, podemos acrescentar que porneia é um pecado contra a “posse legítima” do corpo; o corpo do crente está debaixo da autoridade de Cristo, o Senhor (v. 12-15), é templo do Espírito Santo (v. 19) e foi comprado por Deus (v. 20).¹ Podemos especular a respeito dos danos singulares que podem sobrevir a alguém que peca desse modo. No entanto, o que deve nos conduzir a uma reflexão séria é o fato de o apóstolo inspirado ver algo bastante perigoso no pecado sexual. Não há outro pecado como esse. Uma guerra final pela alma Dos perigos atuais do pecado sexual, passamos agora às advertências mais gerais a respeito do estrago definitivo que o pecado sexual pode causar. Pedro escreve: “Amados, peço a vocês, como peregrinos e exilados, que se abstenham das paixões da carne, que guerreiam contra a alma” (1Pe 2.11). Esse conflito não se limita às paixões sexuais pecaminosas, mas sem dúvida as inclui. E o perigo é que essas paixões da carne têm por objetivo destruir a alma. O resultado do pecado sexual, caso Deus não intervenha e conceda arrependimento, é o mesmo que acontece a um inimigo derrotado na guerra. O autor de Hebreus eleva essa advertência a um novo patamar: “Que o casamento seja honrado entre todos, e que o leito conjugal seja imaculado, pois Deus julgará os sexualmente imorais e os adúlteros” (Hb 13.4). Paulo define esse “julgamento” como a ira de Deus contra aqueles que praticam imoralidade sexual: “Façam morrer, portanto, aquilo que é terreno em vocês: imoralidade sexual, impureza, paixões, maus desejos e ganância, que é idolatria. Por causa dessas coisas é que vem a ira de Deus” (Cl 3.5,6). Claro que o pecado sexual não é o único pecado que traz o julgamento de Deus, mas é um deles. Paulo assim destaca repetidamente que esse é um pecado que coloca em perigo a alma de quem o pratica. Leva-nos de volta às experiências de Israel no deserto a caminho da Terra Prometida e adverte: “Não devemos nos entregar à imoralidade sexual, como alguns deles fizeram, e vinte e três mil caíram em um só dia” (1Co 10.8). O pecado sexual resulta em julgamento: “… o Senhor é vingador de todas essas coisas…” (1Ts 4.3-6). Paulo chama atenção a uma implicação específica do julgamento e da vingança de Deus contra o pecado sexual ao mencioná-lo na lista de pecados que impedem a pessoa de entrar no reino de Deus: “Ora, as obras da carne são evidentes: imoralidade sexual, impureza, sensualidade […] Eu os advirto, como antes já os adverti, que os que praticam essas coisas não herdarão o reino de Deus” (Gl 5.19-21). E novamente: Vocês não sabem que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não se enganem: nem os sexualmente imorais, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os homens que praticam homossexualidade, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os caluniadores, nem os trapaceiros herdarão o reino de Deus (1Co 6.9,10). Em Apocalipse, vemos como o apóstolo João fala dessa exclusão do reino de Deus: Bem-aventurados aqueles que lavam suas vestes, para que tenham direito à árvore da vida e para que entrem na cidade pelas portas. Fora ficam os cães, os feiticeiros, os sexualmente imorais, os assassinos, os idólatras e todos os que amam e praticam a mentira (Ap 22.14,15). Contudo, a contaminação do pecado sexual não é irremovível, e, se cometemos pecado sexual, não quer dizer que não podemos fazer parte do reino santo de Deus. O versículo 14 mostra que podemos ser lavados e aceitos. O que significa lavar nossas vestes? Significa tornar-se alguém que “lavou suas vestes e as alvejou no sangue do Cordeiro” (Ap 7.14). Cristo morreu e derramou seu sangue escarlate para que nossas vestes manchadas de pecado escarlate pudessem ser alvejadas: Venham, pois, e vamos raciocinar juntos, diz o SENHOR: embora seus pecados sejam como o escarlate, eles se tornarão brancos como a neve; embora sejam vermelhos como o carmesim, eles se tornarão como a lã (Is 1.18). É maravilhosamente animador para os pecadores desanimados que Paulo fale da mesma forma sobre aqueles que viveram em toda espécie de pecado sexual: “Alguns de vocês eram assim. Mas vocês foram lavados, foram santificados, foram justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito de nosso Deus” (1Co 6.11). No entanto, isso não é fonte alguma de ânimo se não valorizamos Cristo e não deixamos de preferir o sexo a Deus. Sem esse tipo de fé, que se apega a Jesus ao considerá-lo supremo (Mt 10.37), seu sangue de nada nos adiantará, e Apocalipse 22.15 se aplicará a nós no último dia: “Fora ficam […] os sexualmente imorais…”. As palavras mais fortes de Jesus O que significa estar “fora”? Ninguém se expressa com palavras mais rigorosas sobre os perigos do pecado sexual que o Senhor Jesus: Vocês ouviram o que foi dito: “Não cometa adultério”. Mas eu digo que todo aquele que olhar para uma mulher com intenção impura já cometeu adultério com ela no coração. Se seu olho direito o faz pecar, arranque-o e jogue-o fora. Pois é melhor perder um de seus membros que ter o corpo todo lançado no inferno. E se sua mão direita o faz pecar, corte-a e jogue-a fora. Pois é melhor perder um de seus membros que ir o corpo todo para o inferno (Mt 5.27-30). A severidade dessas palavras — para que você não seja “lançado no inferno” — é um eco do trovão por trás de Romanos 1: “… trocaram a glória do Deus imortal por imagens…” (v. 23). A ameaça do inferno não aparece do nada. Não é uma repulsa moralista à carnalidade do sexo; Deus criou o sexo e, portanto, em si mesmo, ele é bom. Não, essa ameaça reflete a afronta de preferir o estímulo genital e a euforia hormonal temporária à glória infinita e eterna. “… A ira de Deus é revelada do céu […] [porque as pessoas] trocaram a glória do Deus imortal por [coisas criadas]” (v. 18,23). O objetivo de Jesus é nos despertar do triste e tenebroso entorpecimento de ter sentimentos tão fracos a respeito da glória de Deus que precisamos aumentá-los ou substituí-los por pensamentos lascivos sobre estímulo sexual ilícito. Claro que ele não está encontrando problemas nos prazeres sexuais da noiva e do noivo [na lua de mel] em Cântico dos Cânticos, que se deleitam com o corpo um do outro. O banquetear-se,seja em alimento, seja em sexo, é “santificado pela palavra de Deus e pela oração” (1Tm 4.5). Esses prazeres são recebidos como dádivas de Deus ao serem desfrutados dentro dos limites sábios e benéficos estabelecidos por Deus. Mas Jesus não está falando desse tipo de sexo em Mateus 5.27-30. Ele está falando dos desejos que fazem a linguagem da imaginação provar o fruto proibido e, depois, obter o máximo de prazer possível sem chegar a realizar o ato em si — a “intenção impura” (v. 28). Ele adverte a esse respeito: “Se seu olho direito o faz pecar, arranque-o e jogue-o fora…”. Atente para algo curioso. Jesus diz “olho direito”. Mas, se arrancar apenas um dos olhos, você poderá ver a mulher (ou o homem, ou a imagem) tanto quanto se tivesse os dois olhos. O que isso nos diz? Diz que Jesus não fornece um método literal exato para acabar com a tentação. Antes, mostra-nos quão seriamente devemos guerrear contra nossa pecaminosidade. Estão em jogo coisas eternas. Faça o que for necessário para matar o pecado para que ele não mate você. Paulo expressou a mesma ideia da seguinte forma: “Se viverem de acordo com a carne, morrerão, mas se, pelo Espírito, mortificarem os feitos do corpo, viverão” (Rm 8.13). Lute contra o pecado sexual (e todos os outros pecados) com a mesma seriedade como aquela presenta na ordem para arrancar um dos olhos ou cortar fora uma das mãos. Sua vida depende disso. Eternamente. O retrato extremamente vívido de João Por fim, em nosso resumo das advertências do Novo Testamento, chegamos ao retrato extremamente vívido que João pinta do lago de fogo. Quanto aos covardes, aos incrédulos, aos abomináveis, aos assassinos, aos sexualmente imorais, aos feiticeiros, aos idólatras e a todos os mentirosos, a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, que é a segunda morte (Ap 21.8). O horror da imagem de um “lago de fogo” é intensificado por sua duração: “E a fumaça de seu tormento sobe para todo o sempre, e eles não têm descanso, nem de dia nem de noite…” (Ap 14.11). Esse talvez seja o retrato mais vívido que temos do fim daqueles cuja “imoralidade sexual” não é coberta pelo sangue de Jesus. Somente “em Cristo” estamos a salvo do lago de fogo. Como o apóstolo Pedro diz: “… não foi com coisas perecíveis como prata ou ouro que vocês foram resgatados da vida inútil herdada de seus antepassados, mas com o sangue precioso de Cristo, como de um cordeiro sem defeito e sem mácula” (1Pe 1.18,19). A fé em Cristo vence o lago de fogo: “… O vencedor de modo algum sofrerá o dano da segunda morte” (Ap 2.11). As advertências do Novo Testamento a respeito dos perigos do sexo não têm o objetivo de nos deixar paralisados de medo. Seu propósito é abrir nossos olhos para a magnitude da glória de Deus, a enormidade de nosso pecado, a justiça do nosso castigo, a sabedoria de refugiar-se em Cristo e os prazeres superiores à direita de Deus. É bondoso da parte do médico nos dizer que nossa doença é terminal; e é ainda mais bondoso da parte dele nos oferecer o único remédio que cura a enfermidade do pecado e evita seu resultado terrível. Custou a vida de seu Filho prover-nos do remédio, outro motivo pelo qual as advertências são tão severas para aqueles que desprezam esse presente de valor inestimável. Restaurar a luz da glória de Deus Lembre-se de que a origem do pecado sexual é o fato de havermos “trocado a glória do Deus imortal por imagens” (Rm 1.23). Essa troca vertical nos cerca de trevas. A glória desapareceu. Ela tinha o propósito de nos encantar e emocionar. E nós a rejeitamos. Não preferimos Deus acima de tudo. Uma das coisas criadas que colocamos em seu lugar é o prazer sexual ilícito. A nitidez das imagens sexuais tem poder porque a luz da glória se apagou. Veja o que acontece. Tenho um relógio no meu criado-mudo ao lado da cama. Ele projeta as horas no teto. À noite, quando desligo a luz, vejo “22:30” em números vermelhos no teto. É uma imagem nítida que prende minha atenção — no escuro. Mas, quando o sol começa a brilhar pela manhã, os números vermelhos somem completamente. Na claridade do sol, vejo apenas o teto. Os números vermelhos precisam de trevas. São visíveis apenas no escuro. O mesmo acontece com o sexo ilícito. Sua nitidez e seu poder de nos atrair para o pecado aumentam nos lugares em que a glória de Deus brilha com menos intensidade. Quando a glória de Deus é revelada e valorizada ao máximo, o poder da atração sexual pecaminosa é quebrado. O brilho do sol faz desaparecer o brilho das luzes vermelhas. Portanto, quando se trata de nossa vida sexual, a questão é: vemos a glória de Deus? Valorizamos sua glória? Estamos profundamente contentes, como Paulo diz, em todas as situações (mesmo quando a satisfação sexual nos é negada) “por causa do valor insuperável de conhecer Cristo Jesus, meu Senhor” (Fp 3.8)? Para nos ajudar a superar os perigos do sexo, Deus fez mais que nos advertir. “Seu divino poder nos deu todas as coisas que dizem respeito à vida e à piedade…” (2Pe 1.3). Como ele fez isso? Pedro diz que foi “por meio do conhecimento daquele que nos chamou para sua própria glória e virtude”. Deus nos dá poder para vivenciarmos uma sexualidade piedosa e nos liberta da sexualidade ímpia “por meio do conhecimento”. Conhecimento de quê? Do Deus de glória e virtude! Em outras palavras, Deus intervém e começa a reverter a troca de Romanos 1. Ali, trocamos a glória de Deus por imagens, e tudo se tornou corrompido e distorcido. Agora, ele está revertendo essa troca “por meio do conhecimento daquele que nos chamou para sua própria glória e virtude”. Esse novo despertamento da alma para a glória de Deus é o começo da liberdade da escravidão sexual. De que maneira Deus nos deu esse conhecimento de sua glória e virtude? Ao nos conceder “suas preciosas e mui grandes promessas, para que por elas vocês se tornem participantes da natureza divina, tendo escapado da corrupção que há no mundo por causa do desejo pecaminoso” (2Pe 1.4). Esse conhecimento que transforma nossa vida se dá por meio das promessas de Deus. Ele faz promessas para nós. As promessas revelam a glória e a virtude de Deus e garantem que as desfrutaremos para sempre ao crermos em Cristo. Quando aceitamos essas promessas da glória de Deus, tornamo-nos “participantes da natureza divina”. Deus nos conforma a seu caráter santo por meio da fé nas promessas imbuídas dele próprio. E, em consequência dessa transformação à semelhança de Deus, escapamos “da corrupção que há no mundo em virtude do desejo pecaminoso”. Em outras palavras, somos libertos do poder do desejo pecaminoso, que abarca o desejo sexual, quando: 1) ouvimos as promessas de Deus; 2) vemos e conhecemos a glória de Deus por meio dessas promessas; 3) somos transformados por aquilo que vemos à semelhança da natureza de Deus, portanto; 4) escapamos da corrupção que nos escravizava. Resumo dos perigos do sexo Em suma, este é o perigo do sexo: pelo fato de nosso coração estar naturalmente desordenado no plano vertical e de Deus não ser nosso desejo supremo, nossos desejos sexuais no plano horizontal estão desordenados e preferimos prazeres ilícitos a prazeres piedosos. Chegamos a preferi-los até mesmo a Deus. O resultado dessa profanação da beleza e do valor de Deus é a perspectiva de castigo terrível debaixo do julgamento de Deus. Mas o ápice da glória do Deus da glória é sua graça. Ele providenciou um modo para que os pecados sexuais sejam perdoados e para que nossa vida impura seja purificada. Ele realizou essa obra na morte e na ressurreição de Cristo. E sabemos que ele o fez particularmente para os que cometem pecados sexuais, pois Paulo relaciona esses pecadores: “… os sexualmente imorais, […] os adúlteros, […] homens que praticam homossexualidade” (1Co 6.9). E depois declara de forma gloriosa: “E alguns de vocês eram assim. Mas vocês foram lavados, foram santificados, foram justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito de nosso Deus” (1Co 6.11). Talvez tenha sido seu caso. Talvez seja seu caso. Em certo sentido, Pauloestá descrevendo todos nós. Nenhum de nós tem um histórico perfeito no âmbito sexual. Sem dúvida, é verdade que, como Paulo diz, trocar a glória de Deus por imoralidade sexual leva à destruição. Mas também é verdade, uma verdade maravilhosa, que arrepender-se da imoralidade conduz ao perdão em Cristo e à eternidade com Deus. E conduz a um modo mais profundo e mais puro de desfrutar o sexo como boa dádiva de Deus, e não como uma forma de rejeitá-lo. Para usar outra imagem, podemos dizer: quando o planeta do sexo, que em si mesmo é algo bom, entra no campo gravitacional de uma estrela alienígena, é atraído para órbitas ilícitas. A estrela alienígena mais comum é a preferência por sexo considerando-o mais valioso que Deus. Essa troca de valores começa a empurrar o planeta do sexo em direção ao centro. A luz da beleza de Deus exerce forte atração gravitacional sobre tudo em nossa vida. Somente quando o sol da glória de Deus, que satisfaz plenamente, é o centro do sistema solar de nossa vida é que o sexo encontra sua bela, santa e feliz órbita. ¹ Roy E. Ciampa; Brian S. Rosner, The first letter to the Corinthians, The Pillar New Testament Commentary (Eerdmans, 2010), p. 264. Na opinião de alguns estudiosos, a frase “… Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer é fora do corpo” (v. 18, nota de rodapé da ESV) não são de Paulo, mas, sim, a citação de um lema de seus adversários em Corinto, como ele provavelmente também os citou nos versículos 12 e 13. É uma possibilidade, mas em minha opinião a forma que o grego é redigido, com a inclusão de uma oração relativa (ὃ ἐὰν ποιήσῃ ἄνθρωπος), não parece ser um lema. De qualquer modo, Paulo afirma no final do versículo 18 que a imoralidade sexual é, de fato, um pecado contra o corpo. Os perigos do dinheiro que destroem a riqueza Equanto ao dinheiro? De que modo a boa dádiva do dinheiro, tão repleta de potencial para bênção, se torna destrutiva? De que maneira é relacionada à troca da glória de Deus por outras coisas? O que acontece quando passa a nos controlar? O primeiro e o último mandamentos Você alguma vez refletiu sobre a possibilidade de que o primeiro e o último dos Dez Mandamentos sejam praticamente a mesma coisa e sirvam como uma espécie de moldura ou colchetes que tornam os outros oito mandamentos entre eles possíveis? O primeiro mandamento é: “Não tenha outros deuses diante de mim” (Êx 20.3). “Diante de mim” em que sentido? O versículo 5 esclarece: “… Eu, o SENHOR seu Deus, sou Deus zeloso…”. Em outras palavras, “você, Israel, é minha esposa. Se seu coração vai atrás de outros deuses, é como uma esposa que vai para a cama com outro homem. Em meu zelo santo, encho-me de ira. Seu coração, sua lealdade suprema, seu amor, sua afeição, sua devoção, seu prazer pertencem supremamente a mim”. Portanto, quando Deus ordena: “Não tenha outros deuses diante de mim”, está dizendo: “Tenha-me sempre como objeto supremo de sua afeição. Deleite-se em mim mais que em qualquer pretendente que apareça. Que nada o atraia mais do que eu o atraio. Aceite-me como seu tesouro supremo e encontre contentamento em mim”. Esse é o primeiro mandamento. O último dos Dez Mandamentos, por sua vez, é: “Não cobice…” (v. 17). O termo para “cobiçar” em hebraico significa simplesmente “desejar”. Portanto, para definir o que significa “cobiçar”, devemos perguntar: “Quando o desejo por algo, como dinheiro ou aquilo que o dinheiro pode comprar, se torna um desejo mau? Quando o desejo legítimo se torna cobiça?”. Minha sugestão: coloque o último mandamento junto com o primeiro e você encontrará a resposta. O primeiro mandamento é: “Não tenha outros deuses diante de mim. Nada em seu coração deve competir comigo. Deseje-me tão plenamente que, quando me tiver, fique satisfeito”. E o décimo mandamento é: “Não cobice”. Não tenha desejos ilegítimos. Ou seja, não deseje coisa alguma que prejudique seu contentamento em Deus. Portanto, a cobiça, ou o desejo incorreto, consiste em desejar qualquer coisa de maneira tal que o leva a perder seu contentamento em Deus. A mais forte advertência de Paulo a respeito dos perigos do dinheiro Testemos essa ideia com as palavras mais fortes de Paulo a respeito de dinheiro e da relação entre dinheiro e contentamento. Em 1Timóteo 6.5-10, Paulo começa com uma descrição de pessoas bastante parecidas com aquelas que vimos em Romanos 1, mas agora a questão em foco é o anseio desordenado por dinheiro, e não por sexo. Ele fala de pessoas … de mente pervertida e privadas da verdade, que imaginam que a piedade é fonte de lucro. Mas a piedade com contentamento é grande lucro, pois nada trouxemos para o mundo e nada podemos levar do mundo. Mas, se tivermos alimento e roupa, com isso estaremos contentes. Aqueles, contudo, que desejam ser ricos caem em tentação, em armadilha e em muitos desejos insensatos e nocivos que lançam as pessoas em ruína e destruição. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda espécie de males. É por meio dessa cobiça que alguns se desviaram da fé e se traspassaram com muitas dores. Fica evidente que o dinheiro é perigoso. Sei que não é o dinheiro em si que destrói a alma. É a cobiça. O desejo. Como disse George Macdonald, ministro escocês do século 19: Não é apenas o homem rico que está debaixo do domínio das coisas; também são escravos aqueles que, sem ter dinheiro, são infelizes por causa da falta dele.¹ Não obstante, Jesus disse: “… só com dificuldade um rico entrará no reino dos céus” (Mt 19.23). Ele não disse apenas que é difícil para qualquer pessoa que ama o dinheiro entrar no céu, mas que é difícil para qualquer pessoa rica. Afirmou, com efeito, que o dinheiro em si é perigoso — não mau, apenas perigoso — em razão do modo rápido e fácil pelo qual podemos ser enganados por ele. Jesus diz: “… o engano das riquezas sufoca a palavra…” (Mt 13.22). O dinheiro é perigoso porque tem grande poder de enganar. É um exímio mentiroso. Lidar com dinheiro é como lidar com um fio carregado de energia que pode eletrocutá-lo. Essa é a essência das palavras de Paulo a Timóteo: “Aqueles, contudo, que desejam ser ricos caem em tentação, em armadilha e em muitos desejos insensatos e nocivos que lançam as pessoas em ruína e destruição. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda espécie de males. É por meio dessa cobiça que alguns se desviaram da fé e se traspassaram com muitas dores” (1Tm 6.9,10). Esse é um modo extremamente forte de se expressar: “… tentação, […] armadilha, […] muitos desejos insensatos e nocivos que lançam as pessoas em ruína e destruição […] se traspassaram com muitas dores”. Certamente é intenção de Paulo que sejamos tomados de profunda cautela. A piedade com contentamento é grande lucro Considerando a advertência de Jesus de que as riquezas tornam difícil às pessoas entrarem no céu e a advertência de Paulo de que aqueles que desejam ser ricos são lançados em ruína e destruição, parece-me estranho que tantos cristãos ainda busquem riqueza. É como se não acreditassem nele, ou imaginassem que são a exceção à regra, ou simplesmente não considerassem que a palavra de Deus quer dizer aquilo que afirma. Contudo, Paulo quer dizer exatamente o que ele afirma: desejar ser rico leva à morte. E não apenas isso. A chave para entender esse texto se encontra em 1Timóteo 6.6: “… a piedade com contentamento é grande lucro”. Qual é a proteção contra esses efeitos mortais do dinheiro? Resposta: um coração contente em Deus. Você está profundamente satisfeito em Deus, a ponto de essa satisfação, esse contentamento, não desabar quando Deus determina que você tenha muito ou pouco? Ter pouco pode destruir o contentamento em Deus ao fazer com que sintamos que ele é mesquinho, indiferente ou mesmo impotente. E ter muito pode destruir nosso contentamento em Deus ao fazer-nos imaginar que Deus é supérfluo ou secundário em sua condição de ajudador e tesouro. Não é algo de pouca importância aprender ao longo da vida a não perder nosso contentamento em Deus. É para isso que a vida existe, para que mostremos que Deus é absolutamente glorioso.E essa realidade é manifestada, em parte, em como ele é gloriosamente suficiente para nos dar contentamento nele nos melhores e nos piores momentos. Paulo aprendeu o segredo de viver dessa forma: … aprendi a estar contente em qualquer situação. Sei estar humilhado e sei ter abundância. Em toda e qualquer circunstância, aprendi o segredo de encarar fartura e fome, abundância e necessidade. Posso todas as coisas naquele que me fortalece (Fp 4.11-13). Paulo aprendeu a “estar contente”. Esse é o segredo para o uso correto do dinheiro em 1Timóteo 6.5-10. Paulo disse que aprendeu o segredo desse contentamento. “… Aprendi o segredo de encarar fartura e fome, abundância e necessidade” (Fp 4.12). Qual era o segredo? Creio que ele o revela no capítulo anterior de Filipenses: “… considero tudo como perda por causa do valor insuperável de conhecer Cristo Jesus, meu Senhor…” (Fp 3.8). Em outras palavras, usando termos modernos, quando o mercado de ações está em alta ou quando Paulo recebe um bônus, ele diz: “Considero Jesus mais precioso, valioso e suficiente que minha riqueza cada vez maior”. E quando o mercado de ações está em baixa ou há um corte em seu salário, ele diz: “Considero Jesus mais precioso, valioso e suficiente que tudo o que perdi”. A glória, a beleza, o valor e a preciosidade de Cristo são o segredo do contentamento que impede o dinheiro de controlá-lo. O dinheiro falha quando você mais precisa dele Há outra triste verdade a respeito do dinheiro na incisiva declaração de Paulo em 1Timóteo 6. No versículo 7, Paulo deixa claro que o dinheiro o desapontará quando você mais precisar de ajuda, isto é, quando estiver morrendo. “Pois nada trouxemos para o mundo e nada podemos levar do mundo”. No exato momento em que você precisa de riquezas celestiais, “tesouros no céu”, o dinheiro lhe dá as costas. Ele o abandona. Não o acompanha para ajudá-lo. E nada do que você comprou pode acompanhá-lo. Você passa a depender inteiramente de outra realidade. Jesus nos instou a não imaginar que o acúmulo de dinheiro na terra possa ter algum proveito no mundo por vir. Não acumulem para vocês tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem e onde ladrões invadem e roubam, mas acumulem para vocês tesouros no céu, onde nem traça nem ferrugem destroem e onde ladrões não invadem nem roubam. Porque onde estiver seu tesouro, ali também estará seu coração (Mt 6.19-21). Que absoluta insensatez dedicar a vida a acumular riquezas, ou desejar fazê-lo. No final, a riqueza não será de ajuda alguma. Jesus considerava essa advertência tão importante que contou uma parábola para deixá-la absolutamente clara: … A terra de um homem rico produziu com fartura, e ele pensou consigo mesmo: “O que farei? Pois não tenho onde guardar minha colheita”. E disse: “Farei o seguinte: Derrubarei meus celeiros e construirei outros maiores, e ali guardarei todos os meus cereais e meus bens. E direi para minha alma: ‘Alma, você tem muitos bens guardados para muitos anos; descanse, coma, beba e alegre-se’”. Mas Deus lhe disse: “Insensato! Esta noite sua alma lhe será exigida. De quem serão as coisas que você preparou?”. Assim acontece com quem acumula tesouros para si, mas não é rico para com Deus (Lc 12.16-21). Insensato! De quem será tudo isso quando você morrer? O dinheiro não é amigo na morte. O dinheiro falha mesmo antes do fim O dinheiro, portanto, não o deixa na mão apenas no fim. Ele o decepciona antes. “Quem ama o dinheiro nunca se satisfará com ele, nem quem ama a riqueza com seus rendimentos; isso também é vaidade” (Ec 5.10). O dinheiro não nos satisfaz no presente. Conheço muitos que dirão: “Satisfaz, sim. Meu dinheiro é um bom amigo. Não me deixa na mão. Tenho uma casa maravilhosa, dois carros, pago uma excelente escola particular para meus filhos, e tenho um barco, uma casa de campo, um seguro de vida alto, previdência privada e investimentos. Ainda que não me acompanhe no mundo por vir, se é que ele existe, com certeza não me decepcionou aqui!”. Verdade? Aposto naquilo que diz o Pregador em Eclesiastes. Você foi criado para encontrar satisfação em Deus, e seu dinheiro o está cegando para esse fato. Você tem anseios profundos. Eles vêm à tona durante a noite. Aproximam-se sorrateiramente quando você está sozinho e desanimado. Se você é honesto, sabe que as coisas com as quais se cercou não tocam os anseios mais profundos de seu coração. Você não foi criado para encontrar satisfação em coisas. E nenhuma delas acalma os medos ou impede a investida do envelhecimento e da morte. Não, você está se iludindo. A palavra é verdadeira: “Quem ama o dinheiro nunca se satisfará com ele…”. George Macdonald divisou o motivo pelo qual nossa busca ilusória por felicidade na posse de bens fracassa: O coração do homem não é capaz de acumular. Seu cérebro ou sua mão podem juntar itens em sua caixa e acumulá-los, mas no momento em que alguma coisa é colocada na caixa, o coração a perde e volta a sentir-se faminto. Se é para o homem ter algo, deve ter o Doador […] Portanto, todas as coisas que ele faz devem ter liberdade de ir e vir pelo coração de seu filho; ele pode desfrutá-las apenas enquanto passam, pode desfrutar apenas a vida, a alma, a visão, o significado de algo, mas não a coisa em si.² Não existe ligação entre ter muito dinheiro e ter muita felicidade nesta vida, ou na próxima. Quando o sábio da Bíblia declara: “Melhor é…”, quer dizer: “Contentamento mais profundo é…”. Melhor é o pouco que o justo tem do que a abundância de muitos ímpios (Sl 37.16). Melhor é o pouco com o temor do SENHOR que grande riqueza com inquietação (Pv 15.16). Melhor é uma refeição de verduras onde há amor que um boi gordo acompanhado de ódio (Pv 15.17). Melhor é o pouco com justiça que grandes rendimentos com injustiça (Pv 16.8). Melhor é um bocado seco e tranquilidade que uma casa cheia de banquetes com brigas (Pv 17.1). Melhor é o pobre que anda em sua integridade que o perverso no falar e tolo (Pv 19.1). Melhor é o pobre que anda em sua integridade que o rico perverso em seus caminhos (Pv 28.6). Em outras palavras, o segredo da felicidade nesta vida não é riqueza. Não é possível encontrar felicidade em algo que o cega para a verdadeira fonte de felicidade. Repetidamente, Jesus retratou a si mesmo, suas promessas e seu reino, agora e para sempre, como um relacionamento e uma esperança e um lugar de suprema felicidade. O que impedia as pessoas de verem essa realidade? Eis uma de suas respostas claras: Jesus, porém, lhe disse: “Certo homem ofereceu um grande banquete e convidou muitas pessoas. E, na hora do banquete, enviou seu servo para dizer àqueles que haviam sido convidados: ‘Venham, pois tudo já está preparado’. Mas todos eles começaram a dar desculpas. O primeiro lhe disse: ‘Comprei um campo e preciso ir vê-lo; peço que me desculpe’. Outro disse: ‘Comprei cinco juntas de bois e vou examiná-las; peço que me desculpe’. Ainda outro disse: ‘Casei-me e, portanto, não posso ir’. O servo voltou e relatou essas coisas a seu senhor. Então o dono da casa ficou indignado e disse ao servo: ‘Saia depressa para as ruas e becos da cidade e traga aqui os pobres, os aleijados, os cegos e os mancos’. E o servo disse: ‘O que o senhor ordenou foi feito, e ainda há lugar. E o senhor respondeu ao servo: ‘Saia pelos caminhos e atalhos, e obrigue as pessoas a entrar, para que minha casa fique cheia’. Porque eu lhes digo que nenhum daqueles homens que foram convidados provará do meu banquete” (Lc 14.16- 24). Duas das três desculpas que essas pessoas dão para não participar do banquete de alegria eterna são relacionadas a dinheiro: Comprei. Comprei. “Comprei um campo” e prefiro “ir vê-lo” a participar do banquete do reino de Deus que satisfaz plenamente. “Compre cinco juntas de bois” e prefiro “examiná-las” a participar do banquete do reino de Deus que satisfaz plenamente. Quem de nós não experimentou o poder dessa ilusão? Ao fazer compras no shopping. Ao realizar uma compra on-line. Ao verificar as cotações do mercado de ações. Quem nunca sentiua atração do poder de ter coisas, de comprar, de possuir? É algo muito sério e muito perigoso. Cega a pessoa para aquilo que é verdadeiramente belo, verdadeiramente desejável e verdadeiramente satisfatório. Coloca uma cédula de dinheiro no lugar do divino. Deus talvez envie a nós seu mensageiro com uma palavra de verdade, uma palavra de luz, mas, para muitos, Jesus diz: “… o engano das riquezas sufoca a palavra…” (Mt 13.22). As riquezas sufocam. O que é “sufocar”, senão outra imagem para os efeitos cegantes e asfixiantes das riquezas que nos enganam e nos levam a pensar que ter coisas traz mais satisfação que a luz da palavra de Deus? O dinheiro torna você nocivo O dinheiro não apenas nos decepciona, engana e sufoca, mas tem o poder de nos tornar nocivos a outros, e não só para nós mesmos. Esse também é um grande perigo do dinheiro. Lucas disse a respeito da classe mais influente de líderes religiosos do tempo de Jesus que eles amavam o dinheiro: “Os fariseus, que amavam o dinheiro, ouviam todas essas coisas e zombavam [de Jesus]” (Lc 16.14). E esse amor ao dinheiro os transformou em ávidos acumuladores. Essa é minha tradução para o termo harpages (ἁρπαγῆς) em Lucas 11.39,40: E o Senhor lhes disse: “Vocês, fariseus, limpam o exterior do copo e do prato, mas em seu interior vocês estão cheios de ganância [ἁρπαγῆς] e de maldade. Insensatos! Aquele que fez o exterior não fez também o interior?”. Harpages (ἁρπαγῆς) não é o termo comum para ganância e cobiça (esse termo é pleonexia, πλεονεξία). Harpages se refere a agarrar, e agarrar geralmente envolve a tentativa de tomar algo que pertence a outra pessoa. É o tipo de ganância que faz os escribas “devorarem as casas das viúvas e, para disfarçar, fazerem longas orações” (Lc 20.47). Portanto, a meticulosidade religiosa e o legalismo dos fariseus não eram a origem de seu problema. Eram maneiras de encobrir seu amor pelo dinheiro. E esse amor pelo dinheiro tornava os fariseus pessoas cruéis, que chegavam a devorar as casas das viúvas. Jesus contou uma parábola para ilustrar como as riquezas nos cegam para as necessidades dos pobres e nos tornam insensíveis e indiferentes até mesmo para as necessidades daqueles que estão mais próximos: Havia um homem rico que se vestia de púrpura e de linho finíssimo e que se banqueteava com luxo todos os dias. Em seu portão foi deixado um homem pobre chamado Lázaro, todo coberto de feridas, que desejava ser alimentado com o que caía da mesa do rico. E até os cachorros vinham lamber-lhe as feridas. O homem pobre morreu e foi levado pelos anjos para junto de Abraão. O rico também morreu e foi sepultado, e no Hades, estando em tormento, o rico ergueu os olhos e viu de longe Abraão, e Lázaro junto dele. E clamou: “Pai Abraão, tenha misericórdia de mim e envie Lázaro, para que molhe na água a ponta do dedo e me refresque a língua, pois estou sofrendo nestas chamas”. Abraão, porém, disse: “Filho, lembre-se de que em sua vida você recebeu coisas boas, enquanto Lázaro recebeu coisas más; agora, porém, ele é consolado aqui, e você está em sofrimento” (Lc 16.19-25). Uma das principais lições que Jesus extrai dessa parábola está no versículo 25: os ricos e indiferentes se refestelam neste mundo; os pobres e fiéis, no porvir. E o que torna esse refestelar-se tão flagrante — “se banqueteava com luxo todos os dias” — é que Lázaro está “em seu portão”. Só desejava migalhas da mesa do rico, mas os cães lhe deram mais atenção. É isso que as riquezas podem fazer com a alma humana. Além de acabar com nossa felicidade, também podem nos tornar cruéis e insensíveis para com outros enquanto caminhamos para nossa ruína: o rico não toma conhecimento dos pobres ao redor; o pai que ama o dinheiro e é viciado em trabalho não dá atenção a seus filhos; o soldado mercenário não tem preocupação alguma por seus companheiros; o lobo em pele de ovelha se faz passar por pastor e tosquia o rebanho; o cafetão exige pagamento enquanto transforma meninas em prostitutas. Os efeitos destrutivos das riquezas são intermináveis. A confissão e a pergunta de Megan Quando estava dando aquela última passada d’olhos neste livro para enviá-lo à editora, gravei um podcast do programa “Pergunte ao pastor John”. Uma das perguntas foi feita por uma mulher chamada Megan. Ela escreveu: Pastor John, preciso confessar algo: amo coisas e sou extremamente materialista. Compro coisas online e sinto euforia enquanto faço as compras e quando as recebo pelo correio. Sei que preciso parar e quero parar. Mas como? E por que faço isso? Esta foi a resposta que dei para Megan no podcast:³ Experimentei algo semelhante ao que você descreve, Megan, e creio que posso falar com certa empatia, embora, no meu caso, a tentação se limite quase exclusivamente a livros. Amo olhar livros on-line. Sinto prazer em clicar para comprar um livro. E, quando a caixa chega pelo correio, com certeza sinto uma medida desse mesmo prazer que você menciona. Portanto, essa é uma área na qual preciso guardar minha alma. Estamos nadando em águas extremamente traiçoeiras. Por que sentimos esse tipo de prazer ao comprar coisas (coisas!) que podemos segurar e por que esse prazer se intensifica quando elas chegam pelo correio? Ao tentar analisar meu coração, ao ler sobre a experiência de outros e ao observar como as coisas são vendidas para nós, parece-me que o prazer nasce principalmente da percepção indefinível de que comprar e receber objetos é algo revigorante, ou dá uma sensação de poder. Quando chega um livro, por exemplo, há uma sensação eufórica e amorfa de que a vida melhorará para mim. Meu conhecimento será mais amplo. Minha influência será maior. Algumas de minhas fraquezas e limitações de ignorância serão superadas. Ou seja, há uma sensação de que, de algum modo, minha vida será melhor e de que serei uma pessoa mais forte e mais capaz. Evidentemente, para outra pessoa talvez não sejam livros, mas roupas, ferramentas ou equipamentos eletrônicos. E, nesse caso, a sensação de poder revigorante pode ser decorrente de melhorar a aparência, ser mais produtivo ou mais descolado ao usar equipamentos com tecnologia de ponta. E devemos reconhecer que, em certa medida, é verdade: talvez precisemos melhorar em algum aspecto a fim de sermos mais produtivos ou prolíficos de modo positivo, e não apenas com conotação negativa. Se formos honestos, porém, e parece que Megan está sendo honesta, os prazeres que sentimos não são, em sua maior parte, nobres. Não decorrem principalmente do fato de que estamos nos equipando para servir melhor a Cristo. Precisamos, portanto, ouvir as palavras de Jesus: “… Tomem cuidado, e fiquem de sobreaviso contra toda cobiça, pois a vida de uma pessoa não consiste na abundância de seus bens” (Lc 12.15). Essas palavras chegam ao cerne da questão: a vida não consiste na abundância de bens. Aquela sensação de que a chegada de pacotes pelo correio é maravilhosamente revigorante é uma ilusão. A euforia é efêmera e superficial. Afasta-nos dos prazeres mais profundos para os quais fomos criados. O segundo motivo pelo qual creio que estejamos tão sedentos por esse tipo de poder revigorante ilusório que experimentamos com a chegada de pacotes é o fato de que existe um vazio pelo menos parcial em nosso coração que deve ser preenchido por Jesus, por sua comunhão e seu ministério. Paulo disse, em Filipenses 4, que aprendeu o segredo do contentamento, a saber, como ter muito e como ter pouco. Ou seja, sua felicidade não dependia de ter. E, ao que tudo indica, o segredo parece ser o que Paulo disse em Filipenses 3.8, que ele considerava tudo como perda por causa do valor insuperável de conhecer Cristo Jesus. Quando não temos esse grau de contentamento com Cristo, há um anseio em nosso coração que, de modo bastante natural, tenta se nutrir do senso de significação que acreditamos poder extrair do senso de fortalecimento que advém ao adquirirmos coisas. Portanto, Megan, precisamos nos dedicar a alimentar nosso coração com Cristo e sua palavra. Mas não precisamos apenas de sua palavrae comunhão; também precisamos de seu modo de vida. A passagem de Atos 20.35 me vem à mente. Esse versículo nos diz que, de acordo com Jesus, é mais bem-aventurado dar que receber. O fato de termos mais alegria em receber do que em dar mostra que algo não está em ordem em nosso coração, pois fomos feitos, como seguidores de Cristo, para experimentar euforia ainda maior quando damos. Talvez isso tenha caído em desuso para você, Megan, e recuperá-lo a libertaria dos prazeres inferiores do materialismo. Talvez a melhor coisa que possa dizer, por ser tão impressionante, influente e poderosa quando se apodera de nós, é aquilo que Paulo declara em 1Coríntios 3.21-23: “Ninguém se glorie em homens. Porque todas as coisas são de vocês, seja Paulo, seja Apolo, seja Cefas, seja o mundo, a vida, a morte, o presente ou o futuro; tudo é de vocês, e vocês são de Cristo, e Cristo, de Deus”. Se você é cristã, Megan, já possui todas as coisas materiais. É verdade! Seu Pai criou todas as coisas e todas pertencem a ele. Como filha dele, você as herdará, e tudo estará à sua disposição na era por vir nos novos céus e na nova terra. Por isso, Jesus disse para não juntarmos tesouros na terra, mas no céu. No céu, nós os teremos para sempre e, pela primeira vez, estaremos aptos a usá-los sem cobiça e sem idolatria. Em certo sentido, portanto, a abundância de coisas materiais pode esperar. Temos coisas mais importantes para fazer no momento: amar a Deus, amar as pessoas e encontrar nosso maior prazer em dar. Síntese e solução para os perigos do dinheiro Considerando a frequência com que as Escrituras falam dos perigos do dinheiro, é cabível dizer que apenas arranhamos a superfície. Mas o pouco que vimos mostra quão séria é a questão. O dinheiro é um grande enganador (Mc 4.19). É capaz de nos iludir, levando-nos a pensar e a sentir que as coisas que podemos comprar proporcionam mais satisfação que Deus. Poucas coisas nos seduzem a trocar a glória de Deus mais prontamente que o dinheiro. O dinheiro desperta o desejo por aquilo que ele pode comprar; esse desejo se torna cobiça, que compete com Deus; essa cobiça acaba com nosso contentamento com a glória de Deus; e, em oposição ao primeiro e ao segundo mandamentos, tornamo-nos idólatras, pessoas que preferem qualquer coisa a Deus. Paulo diz em Colossenses 3.5: “Façam morrer […] [a] ganância, que é idolatria”. Uma das maiores motivações para não amar o dinheiro ou não tentar usar o dinheiro para superar nossos medos se encontra em Hebreus 13.5,6: Mantenham a vida de vocês livre do amor ao dinheiro, e estejam contentes com o que vocês têm, pois ele disse: “Nunca os deixarei, nem os abandonarei”. Portanto, podemos dizer confiadamente: “O Senhor é meu ajudador; não temerei; o que pode me fazer o homem?”. Observe que o autor de Hebreus argumenta, isto é, apresenta razões. Oferece motivos para nos manter livres do amor ao dinheiro. “Sejam livres do amor ao dinheiro e sejam contentes”, ele diz, “pois Deus prometeu algo”. O poder do amor ao dinheiro deve ser quebrado, portanto, com a promessa de Deus de ser algo para nós. O quê? Sejam livres […], pois Deus prometeu: “… Nunca os deixarei, nem os abandonarei”. Ou seja, se você sentir mais prazer na presença de Deus do que diante do dinheiro, será liberto pela promessa da presença dele. Ser liberto da satisfação que advém da conteomplação do dinheiro é resultado da satisfação superior da presença de Deus. É assim que você “[faz] morrer…” a ganância. Você a mata com a espada da palavra de Deus, que promete mais de Deus. O argumento prossegue. No versículo 6, o autor diz: “logo” ou “portanto”. Portanto o quê? Portanto, podemos dizer confiadamente: “… o Senhor é meu ajudador; não temerei; o que pode me fazer o homem?”. Em razão da promessa gloriosa da presença de Deus (“Nunca os deixarei”), os medos que me fazem ansiar por dinheiro são superados. Deus, agora, e não o dinheiro, é meu refúgio. Deus, e não o dinheiro, é minha doce segurança, meu conforto e minha paz. O sol da glória de Deus agora é o centro maciço, e, pela atração gravitacional desse sol, o planeta do dinheiro começa a encontrar sua verdadeira órbita de serviço em nossa vida, uma órbita que descreveremos mais detalhadamente no último capítulo. 1 C. S. Lewis, org., George Macdonald: An anthology (London: G. Bless, 1946), p. 45. 2 Ibidem, p. 106. 3 Áudio disponível em: www.desiringgod.org/interviews/counsel-for-online- shopping-addicts, acesso em: 15 out. 2018. Os perigos do poder que destroem a alma Definimos poder como a capacidade de obter aquilo que você deseja, ou a capacidade de buscar aquilo que você valoriza. Temos a tendência de admirar essa capacidade. Faz parte daquilo que constitui a glória. A glória dos atletas, portanto, é seu poder de superar todos os competidores e de ser o mais forte, o melhor. A glória dos estudiosos é o poder de seu intelecto: sua memória, sua precisão analítica, sua capacidade abrangente de síntese e sua sabedoria para extrair verdades profundas. A glória de um ator ou de uma atriz é seu poder de retratar um personagem de modo que cative a atenção e desperte aplausos. A glória dos políticos é seu poder de persuadir, superar a oposição e transformar um projeto em lei. A glória dos professores é o poder de explicar fatos com clareza e de modo atraente para aumentar o entendimento e despertar a empolgação dos alunos. O que o poder busca Admiramos essa capacidade de buscar um valor quando o valor é bom. Quando um grande poder é exercido em busca de um grande bem, nos admiramos e nos alegramos. Deus estabeleceu governos humanos, por exemplo, para exercer poder para o bem. “Por causa do Senhor, sujeitem-se a toda autoridade humana, seja o imperador como autoridade suprema, seja aos governantes como enviados por ele para punir os que fazem o mal e honrar os que fazem o bem” (1Pe 2.13,14). Quando o poder é exercido para fazer justiça, nos alegramos. No entanto, há outro lado do poder: “… quando os ímpios governam, o povo geme” (Pv 29.2). O poder talvez busque um grande bem, mas talvez busque um grande mal. Quando Roboão se tornou rei de Israel, disse ao povo: “… Meu pai lhes tornou o jugo pesado, mas eu o aumentarei ainda mais. Meu pai os castigou com chicotes, mas eu os castigarei com escorpiões” (1Rs 12.14). Quando Labão, cunhado de Isaque, viu que Jacó estava fugindo com as filhas dele, advertiu: “Está em meu poder lhes fazer o mal…” (Gn 31.29). Aí reside um dos perigos do poder. Do ponto de vista moral, o poder não é melhor do que o alvo que ele busca. Só é “bom” da mesma forma que um serrote é bom, e pode se usar um serrote para cortar lenha para a lareira ou para danificar um móvel antigo de família. Em nossos melhores momentos, aquilo que gostamos de ver é poder formidável usado em busca de objetivos formidáveis. A exaltação própria por meio do poder O poder é perigoso não apenas porque é possível usá-lo para fazer o mal, mas também porque é possível usá-lo para exaltar quem o tem. Uma vez que todos os seres humanos desejam glória, e poder por vezes faz parte da glória, somos todos tentados a buscar admiração ao obter poder. Amamos ser admirados e elogiados e, portanto, exercemos o poder que temos para obter aplausos. Em outras palavras, nosso poder é empregado para exaltarmos a nós mesmos. Esse é um grande perigo. Aliás, para muitos, o anseio por atenção e admiração pode ser mais profundo que o desejo por sexo ou por dinheiro. Não é fácil fazer distinção clara entre os três elementos. Jeremias diz enfaticamente: “O coração é mais enganoso que todas as coisas e desesperadamente corrupto; quem pode entendê-lo?” (Jr 17.9). Aliás, quem pode? Como Davi pergunta: “Quem pode discernir os próprios erros?…” (Sl 19.12). Em aventuras sexuais, uma mulher anseia sentir o toque do homem ou mostrar o próprio poder de sedução? O homem anseia por estímulo ou por admiração? Sem dúvida, esses elementos são tão entretecidos que se tornam inseparáveis; em uma pessoa, vem à tona o prazer sensual; em outra, vem à tona a satisfaçãodo ego. A cobiça por poder e a cobiça por sexo são indivisíveis. Essa indivisibilidade é ainda mais evidente no caso de dinheiro e poder. Aqueles que têm a capacidade de obter riqueza são tentados não apenas a acumular dinheiro, mas também a acumular os emblemas de riqueza. Poucas pessoas ricas escondem sua riqueza. Vestem-na. Dirigem-na. Moram nela. Sentam-se em cadeiras que só sua riqueza pode comprar. Sua vizinhança declara sua riqueza. Seu assento de primeira classe no voo declara sua riqueza. Seu hotel declara sua riqueza. Para a maioria das pessoas, metade do prazer que o dinheiro proporciona se perderia se ninguém soubesse que elas são ricas. O dinheiro diz: “Sou poderoso. Tenho grande capacidade de obter riqueza. Tenho o poder intelectual de ser mais perspicaz que meus competidores. Admirem minha ética de trabalho, minha engenhosidade, minha capacidade de saber a hora certa de agir, minha astúcia, minha aptidão relacional, minha coragem de correr o risco perfeito. Não sou rico sem motivo. Sou rico porque tenho dentro de mim as raízes do poder”. Jesus tratou repetidamente desse perigo entre seus apóstolos. No Evangelho de Marcos, a profundidade do anseio humano por poder e posições elevadas se torna dolorosamente clara. Três vezes no caminho para Jerusalém, onde morrerá, Jesus prenuncia sua morte, apenas para deparar com uma ânsia por poder completamente desvairada em seus discípulos, como se não fizessem ideia de que ser discípulo de Jesus significava negar a si mesmo, tomar sua cruz, sofrer humilhação e morrer com ele. O que eles não entendiam era que seguir a Cristo significa morte, e não poder. Três advertências A primeira, em Marcos 8.31,32: “… [Jesus] começou a ensinar-lhes que era necessário que o Filho do Homem sofresse muitas coisas e fosse rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e escribas, fosse morto e depois de três dias ressuscitasse. E ele dizia isso claramente…”. Anos depois, Pedro afirmaria que Cristo estava “deixando-lhes exemplo, para que sigam seus passos” (1Pe 2.21). Mas o que Pedro disse naquela época, em Marcos 8? “… Pedro o chamou à parte e começou a repreendê-lo” (Mc 8.32). Em outras palavras, disse: “Não deixarei que isso aconteça com o senhor. Usarei minha força para protegê-lo, resistiremos a nossos inimigos e os derrotaremos, e o senhor não será envergonhado. Será entronizado”. Sua intenção era boa, mas cheia de orgulho e poder equivocados. Por isso Jesus se voltou, “repreendeu Pedro e disse: ‘Para trás de mim, Satanás! Pois você não está pensando nas coisas de Deus, mas nas coisas dos homens’. E, chamando para si a multidão com os discípulos, disse-lhes: ‘Se alguém quiser vir após mim, negue a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me’” (v. 33,34). Jesus havia profetizado sua fraqueza e morte vindouras. Pedro reagiu com poder. E Jesus considerou sua reação satânica. “… Para trás de mim, Satanás!…”. A segunda, em Marcos 9, quando estavam passando pela Galileia. Jesus “estava ensinando seus discípulos, dizendo-lhes: ‘O Filho do Homem será entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. E quando ele for morto, ressuscitará depois de três dias’” (Mc 9.31). Marcos comenta: “Mas eles não entenderam…” (v. 32). Então, pouco depois, Jesus perguntou sobre o que falavam ao longo do caminho. Pelo menos tiveram a decência de sentir alguma vergonha: “… ficaram calados, pois no caminho haviam discutido uns com os outros sobre quem era o maior” (v. 34). Imagine a terrível incoerência para Jesus. Ele havia acabado de dizer pela segunda vez que estava subindo a Jerusalém para ser rejeitado e morrer. A próxima coisa que seus seguidores fizeram foi discutir sobre qual deles era o maior, o que teria a posição de mais poder no reino. Não estavam aturdidos com o amor abnegado de Jesus. Estavam absortos em si mesmos, em seu poder. Com toda paciência, Jesus sentou-se e lhes ensinou: “‘… Se alguém quiser ser o primeiro, deve ser o último e servo de todos’. E, tomando uma criança, colocou- a no meio deles. Pegando-a nos braços, disse-lhes: ‘Quem recebe uma destas crianças em meu nome, recebe a mim, e quem me recebe, não recebe a mim, mas aquele que me enviou’” (v. 35-37). Essas são palavras surpreendentes. Não apenas condenam a atitude ávida por glória e ansiosa por poder dos discípulos. Também explicam que o caminho da humildade (cuidar de uma criança que não tem como oferecer recompensa alguma ou renome algum) é o caminho para “receber Cristo” e “receber Deus”. “Quem recebe uma destas crianças em meu nome, recebe a mim, e quem me recebe, não recebe a mim, mas aquele que me enviou”. Esse é o grande remédio para a doença do anseio por poder. Maravilhe-se com a grandeza de Jesus enquanto ele mostra seu amor abnegado e incomparável ao ir para a cruz do Calvário em vez de envolver-se em uma conversa sobre sua própria grandeza. Se ficássemos admirados e satisfeitos com Cristo, nosso anseio por poder que nos exalte seria quebrado. Seríamos libertos da enfermidade humana universal do egocentrismo. A terceira advertência, em Marcos 10, também acontece quando “estavam a caminho, subindo para Jerusalém” (Mc 10.32). O clima era tenso: “… estavam […] com medo”. Mais uma vez, Jesus disse: “… Eis que subimos para Jerusalém, e o Filho do Homem será entregue aos principais sacerdotes e aos escribas, e eles o condenarão à morte e o entregarão aos gentios. Zombarão dele e cuspirão nele, o açoitarão e o matarão. E, depois de três dias, ele ressuscitará” (v. 33,34). Dessa vez, não há um intervalo de tempo. De modo imediato e espantoso, “Tiago e João, filhos de Zebedeu, aproximaram-se dele e lhe disseram: ‘Mestre, queremos que nos faça o que lhe pedirmos’. E ele lhes perguntou: ‘O que vocês querem que eu lhes faça?’. Eles responderam: ‘Permita que, na sua glória, nos assentemos um à tua direita e o outro à tua esquerda’” (v. 35-37). Ele havia acabado de dizer: “… eles zombarão de mim, me açoitarão e me matarão…”. E a primeira coisa que lhes vem à mente é qual deles terá o lugar de maior glória, de maior poder. É compreensível que “quando os dez ouviram isso, começaram a ficar indignados com Tiago e João” (v. 41). Então, mais uma vez, Jesus lhes ensinou com magnífica paciência. Vocês sabem que aqueles que são considerados governantes dos gentios os dominam, e seus maiorais exercem autoridade sobre eles. Mas não será assim entre vocês. Antes, quem quiser ser grande entre vocês deve ser seu servo, e quem quiser ser o primeiro entre vocês deve ser escravo de todos. Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos (v. 42-45). Um dos aspectos mais notáveis da glória de Cristo é que ele atravessou o vale da humildade, do sofrimento, do sacrifício e da ignomínia a caminho do monte da exaltação. Foi por isso que o Filho do Homem veio. Para servir. Para dar sua vida. Por isso o Pai o ressuscitou e lhe deu grande glória. Esvaziou a si mesmo ao assumir a forma de servo, nascido à semelhança de homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo ao se tornar obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso, Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome (Fp 2.7-9). Primeiro vêm fraqueza, sacrifício, sofrimento e morte. Depois, a glória. Era isso que Jesus estava ensinando e mostrando. Não é possível inverter a sequência. Deus não permitirá que isso aconteça. “Quem a si mesmo se exaltar será humilhado, e quem a si mesmo se humilhar será exaltado” (Mt 23.12). Veremos de modo mais proeminente no capítulo seguinte, mas devemos observar aqui: Jesus está dizendo aos discípulos que poder é concedido para servir a outros. O maior poder se encontra na humildade e no serviço. O poder vem de Deus, ao renunciarmos o poder em nós mesmos, e o louvor também vem de Deus, ao renunciarmos a busca pelo louvor dos outros. Por que ansiamos por exaltação própria? Portanto, o maior perigo do poder é ansiar por ele a fim de exaltarmos a nós mesmos. Por que fazemos isso? Por que é uma característica humana,comum a todos? Pode se manifestar em milhares de diferentes expressões sutis ou ostensivas, mas é comum. Todos somos egoístas. Todos queremos ser exaltados, mesmo que manifestemos esse desejo na aparente fraqueza da autopiedade. Anos atrás, em meu livro Desiring God, expressei essa realidade da seguinte forma: A natureza e a profundidade do orgulho humano são esclarecidas pela comparação entre vanglória e autopiedade. Ambas são manifestações de orgulho. A vanglória é a reação do orgulho ao sucesso. A autopiedade é a reação do orgulho ao sofrimento. A vanglória diz: “Mereço admiração por causa de minhas muitas realizações”. A autopiedade diz: “Mereço admiração por causa de meus muitos sacrifícios”. A vanglória é a voz do orgulho no coração dos fortes. A autopiedade é a voz do orgulho no coração dos fracos. A vanglória parece autossuficiente. A autopiedade parece abnegada. O motivo de a autopiedade não se parecer com o orgulho é que ela parece ser carente. Contudo, a carência surge de um ego ferido, e o desejo da autopiedade não consiste, na realidade, em sermos vistos por outros como pessoas impotentes, mas, sim, em sermos vistos como heróis. A carência que a autopiedade sente não vem de uma percepção de desmerecimento, mas de uma percepção de merecimento não reconhecido. É a reação do orgulho não aplaudido.¹ Nosso amor por elogios e poder (e, se necessário, por piedade) é pérfido e enganoso. É indiscriminado no que diz respeito ao público que nos elogia. Ansiamos ser exaltados, quer por um bando de ladrões, quer por uma igreja local, quer por nosso pai, nossos filhos, nossos colegas, nossos companheiros de equipe ou nossa namorada. Por que todos os seres humanos têm esse anseio? Porque trocamos a glória de Deus por imagens (Rm 1.23), especialmente a imagem no espelho. Abusamos do poder porque não nos deleitamos na glória do direito de Deus a todo poder. Quando estamos cegos para a glória da paixão de Deus por ser conhecido e amado como fonte e soma de todo poder, apossamo-nos dessa glória e a usamos para nós mesmos. Não foi por essa razão que Deus criou o universo, nem foi a razão por que ele nos criou. Os propósitos de Deus para mostrar seu poder Deus criou o universo e o governa a fim de mostrar a supremacia de seu poder que sustenta, provê e controla todas as coisas para nossa admiração, confiança e prazer. Sua intenção é que esse poder seja conhecido. E sua intenção é que ninguém, em lugar algum e em momento algum, atribua a si poder que não seja de Deus. Não gostamos dessa verdade e não aprovamos tê-la em nosso conhecimento (Rm 1.28). Mas ela está ali. E é boa-nova, mesmo que ataque nosso desejo de sermos Deus. É boa-nova porque fomos feitos de tal modo que em nossos melhores momentos, mesmo como pecadores caídos, gostamos de ver o poder ser manifestado em prol de um propósito excelente. Admiração pela grandeza — a qual inclui grande poder — é um grande prazer. Portanto, ao olharmos para os textos a seguir sobre a exaltação por Deus de seu poder, devemos estar cientes de que ela é para a glória dele e para nossa alegria. Êxodo 14.4: “E endurecerei o coração do faraó, e ele os perseguirá, e eu serei glorificado em faraó e em todo o seu exército, e os egípcios saberão que eu sou o SENHOR…”. Juízes 7.2: “O SENHOR disse a Gideão: ‘O povo que está com você é numeroso demais para que eu entregue os midianitas em suas mãos. Israel poderia se gloriar contra mim, dizendo’: ‘Minha própria mão me livrou’”. Jeremias 16.21: “Eis que […] lhes farei conhecer meu poder e minha força, e eles saberão que meu nome é o SENHOR”. João 19.10,11: “Então, Pilatos disse [a Jesus]: […] ‘Não sabe que eu tenho autoridade para libertá-lo e autoridade para crucificá-lo?’. Jesus lhe respondeu: ‘O senhor não teria autoridade alguma sobre mim se de cima não lhe fosse dada…’”. Romanos 9.17: “… Exatamente com esse propósito eu o levantei [ó faraó], para mostrar em você o meu poder…”. Romanos 9.22: “E se Deus, querendo […] tornar conhecido seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira preparados para destruição?”. 2Coríntios 4.7: “Mas temos esse tesouro em vasos de barro, para mostrar que o poder extraordinário pertence a Deus, e não a nós”. 2Coríntios 12.9: “… Minha graça é suficiente para você, pois meu poder se aperfeiçoa na fraqueza…”. Deus é o absolutamente glorioso Deus de poder. Seu objetivo é preservar e manifestar sua glória para assombro de seus inimigos e deleite de seu povo maravilhado. Portanto, o grande perigo para os seres humanos, cuja tendência natural é exaltar a si mesmos, é nos iludirmos ao imaginar que o poder, qualquer poder, é nosso por direito. Não é nosso. É de Deus — todo ele. É emprestado para nós, em certa medida, a fim de ser usado para os excelentes propósitos divinos: Tenham cuidado para não dizer em seu coração: “Meu poder e a força de minha mão adquiriram para mim esta riqueza”. Lembrem-se do SENHOR, seu Deus, pois é ele que lhes dá o poder para adquirir riqueza… (Dt 8.17,18). É um erro letal — no sentido mais literal. É absoluta insensatez tomar para nós o poder que pertence somente a Deus. Falando de modo rigoroso, é traição. E esse é um crime capital. O caminho que nos afasta da morte e nos conduz à vida eterna é o caminho da fé, pois a fé reconhece indignidade e impotência. A fé transfere o foco de nós mesmos para Aquele que oferece graça e poder para nos salvar. Apegar-se à ilusão da autossuficiência, de poder para salvarmos a nós mesmos, é suicídio. A salvação é pela fé no poder de outro, e não de nós mesmos. O apóstolo Paulo despoja o homem decaído de todas as pretensões de poder de salvar a si mesmo quando diz em Romanos 8.7,8: “… a mentalidade da carne é hostil a Deus, pois não se sujeita à lei de Deus; aliás, nem pode [isto é, não tem poder para] fazê-lo. Aqueles que estão na carne não podem [não têm poder para] agradar a Deus”. De acordo com Paulo, a natureza humana é tão radicalmente contrária a Deus que não tem poder algum para mudar essa corrupção. Só somos salvos pelo empenho da graça divina onipotente. Deus tem de nos ressuscitar dos mortos (Ef 2.5). Tem de abrir os olhos dos cegos (2Co 4.6). Todo o poder para nos salvar vem de fora. Por isso é letal nos apegarmos a nossas pretensões de poder. O remédio duplo para o viciado em poder O remédio duplo para esse vício letal em poder se encontra em 1Pedro 2.21. Pedro acabou de dizer aos servos que abram mão do poder de buscar vingança. Disse-lhes que é “agradável quando, em razão de sua consciência para com Deus, alguém suporta aflições enquanto sofre injustamente” (v. 19). Essa atitude parece fraca. É uma notável recusa por parte da pessoa em agir com poder que a exalte. Na sequência, Pedro diz; “Para isso vocês foram chamados, pois Cristo também sofreu por vocês, deixando-lhes exemplo, para que sigam seus passos” (v. 21). Essa declaração traz um remédio duplo para o anseio por poder. Uma parte se encontra nas palavras “por vocês”: “… Cristo […] sofreu por vocês…”. A outra, nas palavras “deixando-lhes exemplo”. A primeira parte do remédio é que o pecado de nosso anseio por poder e de nosso desejo de retribuir mal com mal precisa ser expiado e perdoado. De outro modo, não há solução para nós. Estamos perdidos. Por isso as palavras “sofreu por vocês” são tão importantes. Três versículos depois, Pedro ilustra o que significam: “Ele mesmo levou nossos pecados em seu corpo sobre o madeiro […]. Por suas feridas vocês foram curados” (v. 24). O trecho “sofreu por vocês” significa “levou nossos pecados” em seu sofrimento. Este é o magnífico remédio para nossa culpa: quando Cristo morreu “por nós”, levou sobre si o pecado de nosso anseio por poder e de nosso desejo de retribuir mal com mal. O castigo que merecíamos, e do qual não tínhamos poder para escapar, caiu sobre ele. Ao deixarmos o pecado do anseio por poder e lutarmos para ser humildes e ter o coração de servo de Jesus, não lutamos como pessoas condenadas que procuram merecer aprovação. Lutamos como pessoas perdoadas que procuram, no poderdo Espírito de Deus, tornar-se aquilo que já são. A outra parte do remédio duplo para o pecado de nosso anseio por poder é que Cristo, em seu sofrimento, nos “[deixou] exemplo, para que [sigamos] seus passos”. O que significa para nossa alma purificada e perdoada ter o Filho de Deus como um exemplo de estonteante autossacrifício no caminho para a glória? Significa várias coisas. E tem vários efeitos sobre nós. Primeiro, por exemplo, desperta nosso desejo de ser semelhantes a ele. Segundo, garante que o caminho do sofrimento, da fraqueza e do sacrifício conduz, de fato, à glória. Se Deus o ressuscitou e lhe deu um nome grandioso, também nos ressuscitará. Terceiro, e talvez mais importante, esse exemplo de sofrimento é parte absolutamente essencial e magnífica da beleza de Cristo. É sua glória característica² que ele tenha se dignado a descer das alturas da divindade e do poder para as profundezas de humilhação despida, espancada, zombada, cuspida e crucificada, e que ele o tenha feito sem proferir uma palavra sequer de insulto é indescritivelmente glorioso. Certamente esse é um dos motivos pelos quais Paulo chama sua mensagem “evangelho da glória de Cristo” (2Co 4.4) e “evangelho da glória do Deus bendito” (1Tm 1.11). Portanto, o remédio duplo para nosso anseio inveterado por poder e exaltação própria é, primeiro, que esse pecado foi coberto pelo sangue de Cristo e, segundo, que Deus abre nossos olhos para ver a glória de Cristo como a satisfação de nossa alma. Nossa alma, que anseia por poder, tem liberdade de ver e desfrutar uma glória superior à glória da exaltação própria. Deus reverteu a troca de Romanos 1.23, a troca da glória de Deus por imagens, como a imagem de mim mesmo, em que busco glória para mim ao me exaltar acima de outros em poder. Deus abriu nossos olhos para que vejamos como é insensato, feio e letal competir com ele por poder. Ele abriu nossos olhos para a beleza do fato de que todo poder pertence, verdadeiramente, a ele. Ele nos deu a capacidade de ver que a demonstração supremamente gloriosa de seu poder se encontra no poder do evangelho, em que Cristo caminhou em meio à fraqueza para a glória e o domínio eternos. ¹ John Piper, Desiring God: meditations of a Christian hedonist, ed. rev. (Colorado Springs: Multnomah, 2011), p. 302 [edição em português: Em busca de Deus: a plenitude da alegria cristã (São Paulo: Shedd Publicações, 2008)]. ² Para mais detalhes sobre essa “glória característica” de Cristo e sua relação com o modo pelo qual conhecemos a Palavra de Deus (seu Filho e suas Escrituras), veja John Piper, A peculiar glory: how the Christian Scriptures reveal their complete truthfulness (Wheaton: Crossway, 2016), especialmente o capítulo 13 [edição em português: Uma glória peculiar: como a Bíblia se revela completamente verdadeira (São José dos Campos: Fiel, 2017)]. libertação: a volta do sol ao centro Há um remédio — uma libertação — que não apenas nos salvaria dos perigos do dinheiro, do sexo e do poder, mas liberaria seu potencial quando os usássemos e os desfrutássemos das maneiras e pelos motivos inicialmente planejados por Deus. Esse remédio consiste em despertar para a glória de Deus, que satisfaz plenamente. Se isso acontecesse, se a beleza resplandecente do sol pudesse ser restaurada ao centro do sistema solar de nossa vida, então o dinheiro, o sexo e o poder voltariam de modo gradativo (ou repentino) às suas órbitas que glorificam a Deus, e descobriríamos para que fomos criados. Escaparíamos do sistema solar defeituoso que construímos quando trocamos Deus por outra coisa. Toda a criação existe para dizer: “Deus é Deus; eu não sou” Vimos que o poder é a capacidade de buscar aquilo que valorizamos. O dinheiro é o símbolo cultural que pode ser trocado na busca por aquilo que valorizamos. E o sexo é um dos prazeres que valorizamos. Portanto, o potencial para o bem que tem o dinheiro, o sexo e o poder se encontra no modo de evidenciar o valor de Deus. Ele é o valor supremo do universo, o qual foi criado para comunicar esse valor para o prazer do povo de Deus. Diante disso, o dinheiro existe para que fique evidente, pelo modo que o usamos, que Deus é mais desejável que dinheiro. O sexo existe para que fique evidente que Deus é mais desejável que sexo. E o poder existe para que fique evidente que admirar o poder de Deus e depender dele é mais desejável que exaltar nosso poder. Todas as coisas existem para servir ao objetivo supremo de Deus na criação: a revelação da beleza e do valor infinitos de Deus, que chega ao ápice com o resgate da humanidade caída, um ato que exalta Cristo, para que a glória de Deus seja refletida e desfrutada para sempre. E, debaixo dessas realidades, encontra-se a verdade fundamental de que fomos criados para glorificar a Deus e lhe dar graças (Rm 1.21), isto é, para valorizar a glória de Deus acima de todas as coisas, para nos maravilhar com sua glória, admirar sua beleza e o desfrutar, bem como todos os seus atributos, para nos satisfazer nele e encontrar profundo e inabalável contentamento em sua comunhão, a qual nos satisfaz plenamente. Desse modo, nossa vida, no caminho da verdade, do amor e da justiça, começa a refletir a glória que admiramos, e glorificamos ao nosso Deus que nos satisfaz plenamente. Para isso fomos criados. Esse seria nosso mais sublime prazer e a maior glória dele. Planetas letais sem um sol Desde a Queda, porém, todos nós “trocamos a glória de […] Deus” por outras coisas (Rm 1.23) e, como um reflexo condicionado, consideramos essas outras coisas mais interessantes, mais valiosas e mais satisfatórias que Deus, o que é um grande insulto para ele (v. 21). E, caso esse insulto contínuo não seja corrigido e expiado, nos levará à ruína eterna e merecida (2.8). Vimos a seriedade de nossa situação na analogia do sistema solar. A preferência por outras coisas a Deus é como colocar em lugar do sol, no centro do sistema solar de nossa vida, um planeta inferior — como o dinheiro, o sexo e o poder ou simplesmente nosso ego —, de modo que os planetas do dinheiro, do sexo e do poder, antes mantidos em suas órbitas que glorificam a Deus, agora voam desordenado e perigosamente fora de órbita. O dinheiro se movimenta por toda parte em ziguezague, desperta cobiça e ganância e se torna a moeda do “orgulho dos bens” (1Jo 2.16, nota de rodapé da ESV) e de desonestidade, ansiedade, roubo, suborno e fraude. O sexo, visualizado em um gráfico, sobe e desce erraticamente em imoralidade, adultério, pornografia, nudez pública, formando picos — ou mesmo em medo da sexualidade, como se não fosse uma boa dádiva de Deus. Em todos esses pecados, transformamos a glória de Deus em vergonha, e nossa vergonha em suposta glória humana. E o poder se entremeia com tudo, em todas as formas de controle, domínio e exploração que produzem exaltação própria. Toda essa ruína e destruição acontecem porque trocamos a glória de Deus, o sol resplandecente, por outras coisas que não são capazes de manter a coesão de nossa vida. Encontramos mais prazer nessas outras coisas e outras pessoas que em Deus. O salmista nos diz em Salmos 16.11: “… na tua presença há plenitude de alegria; à tua direita, prazeres eternamente”. Mas Deus diz em Jeremias 2.13: “… pois meu povo cometeu dois males: eles me abandonaram, a fonte de águas vivas, e cavaram cisternas para si, cisternas rachadas que não retêm água”. Fomos criados para ter em Deus o centro de nossa vida que nos dá satisfação plena, ao redor do qual todas as outras coisas percorrem órbitas boas, piedosas e felizes. Em vez disso, temos um sistema solar com centros gravitacionais concorrentes no qual nada se mantém em sua devida órbita. Libertação imerecida Contudo, há libertação. Tivemos um vislumbre desse remédio nos capítulos anteriores. Agora, observamos como Deus se posiciona novamente no centro de nossa vida para que possamos desfrutá-lo como nossa maior satisfação; no capítulo seguinte, veremos como essa redescoberta da centralidade de Deus coloca os planetas do dinheiro, do sexo e dopoder de volta em suas órbitas que glorificam a Deus. Apesar de como todos insultamos Deus com nossa preferência por outras coisas, ele, em sua misericórdia inexprimível, fez o que não podíamos fazer por nós mesmos para nos proporcionar um futuro e uma esperança nele. Fez algo na cruz. Fez algo quando nos deu vida espiritual e inclinou nosso coração para que cresse em Jesus. E faz algo a cada dia. Como resultado, embora sejamos indignos, encontramo-nos em sua presença e à sua direita, onde há plenitude de alegria e prazer eternamente. E tudo em nossa vida muda. Justificação: libertação da culpa judicial verdadeira Primeiro, Deus fez algo na cruz para nos conduzir a sua presença com alegria. “… Cristo sofreu uma única vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-nos a Deus…” (1Pe 3.18). Se os perigos sobre os quais falamos o deixaram temeroso e desanimado, pois você carece da glória de Deus (Rm 3.23), tenha bom ânimo. É justamente por isso que Jesus veio ao mundo. Por isso, diz Pedro, o justo morreu pelos injustos. Lembre-se de Romanos 1.18: foi na “impiedade” que suprimimos a verdade da glória de Deus. Foi por causa dessa supressão injusta da verdade, que justifica a si mesma e coloca algo no lugar de Deus, que Cristo morreu. O justo sofreu pelos injustos. Nenhum de nós jamais amou a Deus como ele merece. Até mesmo como cristãos, a nossa fé e o nosso amor são imperfeitos. Cristo morreu por isso, por tudo isso. Para quê? “… Para conduzir-nos a Deus…” (1Pe 3.18). O objetivo maior da cruz, da morte de Jesus, não é o perdão dos pecados, nem a justificação dos ímpios, nem a remoção da ira de Deus, nem o livramento do inferno, por mais infinitamente preciosas que sejam todas essas coisas. Elas são apenas meios para o fim supremo. Pedro diz qual é o fim supremo: “… sofreu […] para conduzir-nos a Deus…”. A presença de Deus. A visão de Deus. O conhecimento de Deus. O prazer em Deus. Cristo morreu para nos conduzir a este ponto, embora ninguém mereça, nem jamais venha a merecer, estar aqui. Na vida e morte perfeitas de Cristo em nosso lugar, todas as barreiras jurídicas entre nós e Deus foram removidas. Esse é o significado de justificação. Cristo sofreu nosso castigo. A ira santa e justa de Deus foi satisfeita. As exigências justas da lei de Deus foram cumpridas nele: Portanto, uma vez que fomos justificados por seu sangue, muito mais ainda seremos salvos por ele da ira de Deus. Pois, se quando éramos inimigos fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais agora, estando reconciliados, seremos salvos por sua vida (Rm 5.9,10). Quando somos unidos a Cristo pela fé, sua justiça é atribuída a nós, e, de modo justo, Deus nos considera inocentes e justos em Cristo. Por isso, Paulo disse que seria “achado nele, não tendo uma justiça própria que procede da lei, mas a que vem mediante a fé em Cristo, a justiça que vem de Deus e depende da fé” (Fp 3.9). Deus realizou essa obra por todos os que estão em Cristo ao tornar Cristo pecado por nós, a fim de que sejamos justos nele: … ele tornou pecado por nós aquele que não conheceu pecado, para que nele nos tornássemos justiça de Deus (2Co 5.21). Desse modo, todas as barreiras jurídicas entre nós e Deus foram removidas. Agora, podemos desfrutar paz. “… Uma vez que fomos justificados pela fé, temos paz com Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 5.1). E o valor supremo dessa paz reside no fato de que ela nos permite estar na presença do Deus absolutamente glorioso que nos satisfaz plenamente, onde há plenitude de alegria e de prazeres para sempre (1Pe 3.18; Sl 16.11). Novo nascimento: libertação da morte e da cegueira espirituais Assim como Deus obteve nossa justificação por meio de seu Filho na cruz, ele aplicou essa justificação a nós por meio de seu Espírito ao abrir nossos olhos cegos, a fim de que nos voltemos para ele com fé. E, uma vez que ele nos deu a capacidade de enxergar, fez com que o víssemos como o centro de nossas afeições que nos satisfaz plenamente. Nosso problema não é apenas de ordem exterior e jurídica, mas de ordem interior. Estamos moralmente enfermos. Estamos espiritualmente mortos. Os benefícios da justificação jamais chegariam até nós se Deus não operasse em nós um milagre de transformação. Não apenas corremos o perigo de sofrer a ira de Deus em razão de nossa culpa, mas também somos escravos de nossa indiferença para com a glória de Deus. Como pecadores caídos, não consideramos Deus glorioso e não o valorizamos acima de todas as coisas. Por isso o dinheiro, o sexo e o poder são tão perigosos. Eles parecem mais atraentes que Deus, pois estamos espiritualmente cegos para a beleza de Deus que nos satisfaz plenamente. Para que isso mude, deve haver não apenas justificação, mas também regeneração, novo nascimento. “Jesus respondeu a Nicodemos: ‘Em verdade em verdade lhe digo, se alguém não nascer de novo não pode ver o reino de Deus’” (Jo 3.3). Sem essa mudança profunda em nossa natureza, do estado espiritualmente morto para o estado espiritualmente vivo, não conseguimos ver Deus como ele é de fato. E não conseguimos confiar nele ou valorizá-lo como devemos. Estamos cegos e precisamos que Deus opere em nós o milagre da visão. Por vezes, referimo-nos a essa obra como chamado eficaz; é a forma de Jesus chamar Lázaro, que estava morto há quatro dias: “… clamou em alta voz: ‘Lázaro, venha para fora!’. E o homem que havia morrido saiu…” (Jo 11.43,44). O chamado em si produziu o que foi ordenado: vida. E Lázaro, o morto, viveu e obedeceu. Um dos textos mais importantes sobre esse milagre em que Deus chama pessoas das trevas, da morte e da cegueira para a luz e para a vida é 2Coríntios 4.3-6: Se nosso evangelho está encoberto, está encoberto para os que estão perecendo. No caso deles, o deus deste mundo cegou a mente dos incrédulos para impedi- los de ver a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus […] Pois Deus, que disse: “Das trevas brilhe a luz”, brilhou em nosso coração para dar a luz do conhecimento da glória de Deus na face de Jesus Cristo. De acordo com Paulo, todos os incrédulos estão cegos para a glória de Deus em Cristo. E Satanás trabalha com afinco para confirmar e aprofundar essa cegueira por todos os meios possíveis. São trevas que não conseguem enxergar a glória de Deus que satisfaz plenamente em Cristo; e, portanto, são trevas que trocam a glória de Deus por outras coisas, que depõem Deus de seu lugar no centro do sistema solar de nossa vida e o substituem por planetas inferiores ridículos e insatisfatórios. Atente para nossa condição no versículo 4: “… o deus deste mundo cegou a mente dos incrédulos para impedi-los de ver a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus”. O que não conseguimos ver? Não conseguimos ver o esplendor supremo, a luz da glória de Cristo no evangelho. Pessoas podem ouvir o evangelho, a maior obra de Deus na história do universo, e não serem tocadas, assim como podem olhar para os Alpes, os Himalaias ou as galáxias, dar de ombros e ligar a televisão. Essa é nossa condição. No entanto, pelo fato de Cristo haver morrido por nós, Deus pode, com perfeita justiça, realizar por nós o que descreve o versículo 6. Ouça e pergunte a si mesmo se ele fez isto por você: “Deus, que disse: ‘Das trevas brilhe a luz’, brilhou em nosso coração para dar a luz do conhecimento da glória de Deus na face de Jesus Cristo”. Da mesma forma que Deus criou luz no princípio da Criação com um chamado soberano — “Haja luz” —, ele faz o mesmo no coração humano. Esse é o novo nascimento, a regeneração ou o chamado eficaz. Deus fala e, por meio de sua palavra onipotente, faz com que vejamos a luz de sua glória na face de Cristo. Como Pedro diz, ele nos chamou “das trevas para sua maravilhosa luz” (1Pe 2.9). O chamado cria a visão da luz da glória de Deus. A troca perversa de Romanos 1.23 (a glória de Deus por imagens) acabou! A idolatria acabou. A grande afronta acabou. Vemos com clareza e desfrutamos a glória de Deus em Cristo. Há mais uma coisaque Deus faz para garantir nossa libertação dos perigos do dinheiro, do sexo e do poder. Libertação para a semelhança de sua glória Deus não para de revelar a nós a glória de Cristo em sua palavra. Ele começa no novo nascimento e continua a revelar a glória de Cristo. Nossa nova vida teve início com um milagre, e prossegue com um milagre. O milagre contínuo que Deus opera por seu Espírito consiste nisto: em nos tornarmos cada vez mais semelhantes àquele que admiramos e desfrutamos: ele. Apenas alguns versículos antes do texto que já vimos em 2Coríntios 4, Paulo escreve: E todos nós, com o rosto descoberto, contemplando a glória do Senhor, estamos sendo transformados na mesma imagem de um grau de glória a outro… (3.18). Os verbos “contemplando” e “sendo transformados” estão no presente no original grego, o que indica ação em andamento, não de uma vez por todas, mas de forma contínua. “… Contemplando a glória do Senhor, estamos sendo transformados…”. É isso que Deus faz diariamente ao olharmos para ele em sua palavra. É o que ele faz semanalmente na pregação de sua palavra no culto de adoração. E minha oração é que seja isso que ele esteja fazendo neste exato momento enquanto você lê. Muitos cristãos, especialmente os mais novos na fé, desejam encontrar um método de discipulado que os transforme rapidamente por meio de alguns passos claros e praticáveis. Minha advertência é para que não gaste muita energia à procura de um método infalível desse tipo. Métodos como esse para crescimento e transformação geralmente conduzem à desilusão e, por vezes, a crises de fé que nos levam a perguntar: “Por que não funciona para mim?”. O caminho de Deus para o crescimento é mais parecido com regar uma planta ou alimentar um bebê do que com construir uma parede de tijolos, tendo um manual de instruções em mãos. Quando construímos uma parede, vemos cada tijolo ser colocado em seu lugar e calculamos o progresso. Seguramos o tijolo, colocamos a argamassa para fixá-lo e o assentamos. Voilà! Crescimento! O crescimento cristão não é assim. É mais orgânico, menos controlável e, geralmente, mais lento. Tome cuidado com métodos que colocam as coisas sob seu controle e prometem mais do que podem cumprir. Considere esta imagem de 1Pedro 2.2,3: Como crianças recém-nascidas, desejem o puro leite espiritual, para que por meio dele cresçam para a salvação, se é que provaram que o Senhor é bom. A imagem é de uma criança que vai crescendo. No fim do dia, você consegue ver o crescimento? Não. Depois de uma semana? Também não. Mas depois de um ano — sim! Você controlou o crescimento ao acrescentar centímetros e quilos? Não. Você alimentou a criança. Limpou-a. Protegeu-a. E Deus deu o crescimento. Pedro diz que devemos desejar “o puro leite espiritual” da mesma forma que um bebê deseja o alimento quando está com fome. Em ouras palavras, desejar para valer! Chorar para recebê-lo. Não sossegar enquanto não o tiver. O que é o leite? Temos duas indicações. Primeiro, Pedro acabou de descrever o novo nascimento de um cristão bebê em 1.22-25. Ele disse: “… vocês nasceram de novo […] pela palavra viva e permanente de Deus […]. Essa palavra é a boa-nova anunciada a vocês”. Portanto, o meio vivificador usado por Deus para nos tornar uma nova criatura em Cristo, o meio pelo qual ele causou o novo nascimento, é a palavra de Deus, especialmente a doçura do evangelho. Portanto, quando Pedro diz, dois versículos adiante, que esse cristão deve desejar o leite espiritual para o crescimento, é natural imaginar que ainda esteja se referindo à palavra que lhe deu vida inicialmente. A segunda indicação de que Pedro está pensando na Palavra quando se refere ao leite está no versículo seguinte (2.3): “Se é que provaram que o Senhor é bom”. O termo “provaram” sinaliza para nós que Pedro ainda está pensando a respeito de desejar beber. E aqui, o sabor da bebida é “que o Senhor é bom”. Diante disso, concluo que o leite que devemos desejar para o crescimento é a bondade e a amabilidade do Senhor, reveladas em sua Palavra. Ou, para expressar de outro modo, a leitura da Palavra com a intenção específica de provar a bondade do Senhor enquanto lemos. De acordo com Pedro, o efeito de alimentar-se regularmente com o leite espiritual da bondade de Deus em sua Palavra será “[crescimento] para a salvação”. Nosso crescimento será em direção ao ápice de nossa transformação total quando Cristo regressar. Enquanto isso, haverá crescimento real, porém gradativo e, por vezes, lento. Esse crescimento é um milagre, e não temos como administrá-lo inteiramente. Sem dúvida, não devemos permanecer passivos. Mas a obra espiritual definitiva pertence a Deus. Jesus contou uma parábola para enfatizar essa obra divina no crescimento: … O reino de Deus é como se um homem lançasse sementes na terra. Ele dorme e acorda, noite e dia, e a semente germina e cresce sem que ele saiba como. A terra produz por si mesma, primeiro a folha, depois a espiga e, então, o grão cheio na espiga. Mas quando o grão está maduro, o homem logo passa a foice, pois chegou a colheita (Mc 4.26-29). Essa parábola é a respeito do reino de Deus no mundo. Contudo, o princípio se aplica ao reino de Deus produzindo crescimento no crente. O objetivo da parábola é mostrar que, embora lancemos a semente (ao bebermos do leite espiritual da bondade de Deus em sua Palavra), a planta, a espiga e o grão são formados “sem que […] saiba[mos] como”. Não está debaixo de nosso controle. Deus dá o crescimento. Ou, como Paulo diz a respeito do crescimento da fé entre os coríntios: Eu plantei, Apolo regou, mas Deus deu o crescimento. De modo que nem o que planta nem o que rega são alguma coisa, mas somente Deus, que dá o crescimento (1Co 3.6,7). Voltando à questão central desta seção, Deus nos transforma e coloca os planetas de nossa vida em uma órbita que exalte a Cristo e satisfaça nossa alma ao abrir nossos olhos para sua glória na Palavra: “… contemplando a glória do Senhor, estamos sendo transformados na mesma imagem de um grau de glória a outro…” (2Co 3.18). Dito de outro modo, quando bebemos regularmente da Palavra e provamos a bondade do Senhor na Palavra, Deus abre nossos olhos para que enxerguemos as maravilhas de sua glória. Sua bondade — sua graça em ação — é o ápice de sua glória. Deus nos concede a capacidade de ver “coisas maravilhosas” de sua Palavra (Sl 119.18). Concede-nos a experiência de Samuel em Siló: “… o SENHOR se revelava a Samuel em Siló pela palavra do SENHOR” (1Sm 3.21). E, ao ver o Senhor nas dimensões ilimitadas de sua grandeza e beleza, somos moldados por aquilo que vemos. Ele nos conforma a si mesmo. Tornamo-nos semelhante àquilo que mais admiramos. Contemplando a glória do Senhor com o dinheiro, o sexo e o poder Por exemplo, quando bebo da palavra segundo a qual Jesus era despojado de bens a ponto de não ter onde descansar a cabeça, meu espanto diante de sua pobreza (uma pobreza que enriqueceu muitos) toca-me, molda-me e liberta-me de meu caso de amor com o dinheiro. … alguém lhe [a Jesus] disse: “Eu te seguirei aonde quer que fores”. E Jesus lhe disse: “As raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde descansar a cabeça” (Lc 9.57,58). Quando leio essa história, encontro Jesus. Vejo a glória de Jesus que, “embora fosse rico, se fez pobre por amor de vocês, para que por meio da pobreza dele vocês se tornassem ricos” (2Co 8.9). Eu o vejo. Eu o amo. Sou atraído para perto dele. E percebo que ele dá a si mesmo para mim. Sua liberdade do dinheiro começa a me dar liberdade do dinheiro. Ele é mais admirável que os magnatas de Wall Street. O desejo de estar com ele e ser semelhante a ele cresce como uma paixão em meu coração. É isso que acontece quando vemos sua glória na Palavra. A mesma coisa ocorre quando olho para sua vida sexual. Décadas de virilidade, mas sem um momento sequer em que tenha cedido a um pensamento lascivo ou a um ato imoral. Mulheres ouviam atentas a cada uma de suas palavras e o seguiam de um lado para o outro. Ex-prostitutaschoravam sobre ele e enxugavam os pés descalços dele com seus cabelos. Ele conversou a sós com uma mulher que havia tido cinco maridos e que estava vivendo com um sexto amante que não era seu marido. Levou uma vida que, de certo ponto de vista, poderia ser considerada repleta de tentação sexual. Mas ele nunca pecou. Negou a si mesmo perfeitamente sem negar que a sexualidade é boa. Foi o ser humano mais pleno que já existiu, e nunca teve uma relação sexual. Ao observá-lo, eu o amo. Eu o admiro. Fico maravilhado com sua pureza de mente e corpo. E percebo que cresce a aversão por minhas pequenas transigências. Vejo-me ansiando por ser puro, por ser encontrado santo no último dia e por ser irrepreensível. Sua pureza gloriosa é contagiante. Ou, quando estudo a Palavra e contemplo a glória de como Jesus usou seu poder, fico profundamente admirado. No jardim do Getsêmani, quando Jesus estava prestes a ser preso, disse para seus discípulos indignados: “Pensa que não posso pedir a meu Pai, e ele enviaria agora mesmo mais de doze legiões de anjos?” (Mt 26.53). Sim, ele podia fazê-lo. E não o fez. Tinha grande poder à sua disposição, e não o usou. Caminhou voluntária e soberanamente para sua morte: “Ninguém a tira [minha vida] de mim, mas eu a entrego de minha própria vontade…” (Jo 10.18). O poder de Jesus foi demonstrado mais intensamente no momento de sua maior fraqueza. Por exemplo, na noite anterior à sua morte, ele disse a Simão Pedro: “Simão, Simão, Satanás pediu vocês para peneirá-los como trigo, mas eu orei por você, para que sua fé não desfaleça. E quando tiver se convertido, fortaleça seus irmãos” (Lc 22.31,32). Observe que a palavra usada é “quando”, e não “caso”: “… E quando tiver se convertido…”. Jesus estava no controle naquela noite. Cada detalhe de seu julgamento, que não passou de uma farsa, e de sua execução ocorreu exatamente como ele e o Pai haviam planejado. Satanás estava operando, mas cada movimento do Maligno apertou o laço em volta de seu próprio pescoço. O que você sente quando vê as glórias de Jesus brilharem dessa forma? Eu sinto deslumbre. Admiração. Amor que estremece. Temor decepcionante de que, se houvesse estado lá, teria deixado Jesus sozinho. Desejo. Ah, como desejo andar com ele, conhecê-lo e ser semelhante a ele. E nesses momentos de admiração, vejo que estou sendo transformado. É a isso que me refiro quando digo que o milagre realizado por Deus no novo nascimento não termina em nossa conversão. Ele continua a nos transformar. E o faz ao abrir nossos olhos para a glória de Jesus na Palavra. “Contemplando a glória do Senhor, estamos sendo transformados”. A forma de usarmos nosso dinheiro, expressarmos nossa sexualidade e exercermos nosso poder é transformada. Veremos no capítulo final como é essa transformação. aplicação: as novas órbitas para o dinheiro, o sexo e o poder Quando nascemos de novo e Deus nos concede a capacidade de recuperar a glória dele como nosso maior tesouro e nosso mais doce prazer, o sol volta ao seu lugar no centro do sistema solar de nossa vida e todos os planetas começam a retornar às suas órbitas que glorificam a Deus. Vejamos, então, alguns exemplos do que acontece ao sexo, ao dinheiro e ao poder quando vivemos como pessoas cujos pecados foram perdoados e que andam na luz, quando nascemos de novo e a glória de Deus em Cristo foi restaurada como o maior tesouro e o mais doce prazer de nossa vida. Aplicação do dinheiro para a glória de Deus Voltamos a atenção primeiramente para 2Coríntios 8. Paulo escreve aos coríntios para motivá-los a serem generosos em sua contribuição de dinheiro para os santos pobres em Jerusalém. Está levantando uma oferta entre as igrejas para os pobres e deseja que os coríntios estejam preparados quando ele vier. Apresenta- lhes o exemplo dos crentes na Macedônia: Queremos que saibam, irmãos, da graça de Deus concedida às igrejas da Macedônia, pois, em uma prova severa de aflição, sua abundância de alegria e sua extrema pobreza transbordaram em riqueza de generosidade da parte deles (v. 1,2). A graça de Deus no evangelho tinha chegado à Macedônia, e pessoas tinham sido convertidas de forma dramática. O fruto dessa conversão foi visto de modo mais impressionante em sua alegria e, depois, naquilo que ela produziu: “… em uma prova severa de aflição, sua abundância de alegria e sua extrema pobreza…” (v. 2). Observe que experimentaram alegria e aflição. Portanto, sua alegria copiosa não se encontrava na ausência de aflição, que evidentemente havia aumentado desde que tinham se tornado cristãos. Observe, também, que tinham alegria e pobreza, “extrema pobreza”! Portanto, sua alegria não se devia à ausência de pobreza nem à ausência de aflição. Era alegria em meio a aflição e a pobreza. Em que, então, se alegravam? Na graça de Deus. A graça de Deus lhes havia sido concedida (v. 1): isto é, Cristo havia sido pregado, aquele que “sofreu […] o justo pelos injustos, para conduzir-nos a Deus” (1Pe 3.18). A graça de Deus havia aberto os olhos deles para a glória de Deus. Conheciam a ele. Deus não era mais inimigo deles, pois haviam sido reconciliados. Alegravam-se na esperança da glória de Deus e da vida eterna com ele (Rm 5.2). E essa alegria era tão intensa que não foi superada por aflição nem por pobreza. Qual foi o efeito? “… Em uma prova severa de aflição, sua abundância de alegria e sua extrema pobreza transbordaram em riqueza de generosidade da parte deles” (2Co 8.2). Sua alegria transbordou em contribuição generosa de dinheiro em meio à pobreza. Esse é um retrato do que acontece com nosso dinheiro quando nossa alegria não está mais nele, mas em Deus. Somos libertos da ganância e do medo produzido pela cobiça, e nosso dinheiro se torna instrumento de amor. Nosso dinheiro se torna uma extensão visível de nossa alegria em Deus dirigida a outros. É o que o texto diz. É nossa alegria que transborda. É a alegria em Deus que flui em generosidade para com outros. Não se trata de pegarmos nosso dinheiro e sobrecarregarmos outra pessoa com esse material perigoso! Trata-se de revelar, por meio de nosso amor, que Deus proporciona tanta satisfação que encontramos nossa alegria em dar, em vez de receber — que “mais bem- aventurado é dar que receber” (At 20.35). Temos a esperança de que os beneficiados por nossa alegria transbordante vejam a verdadeira dádiva, a saber, uma imagem da glória da graça de Deus que satisfaz plenamente. É o que encontramos repetidamente no Novo Testamento, especialmente em Hebreus: Vocês se compadeceram daqueles que estavam na prisão e aceitaram alegremente a espoliação de seus bens, pois sabiam que tinham um patrimônio melhor e permanente (10.34). [Moisés escolheu] ser maltratado com o povo de Deus […] [porque] considerou a afronta de Cristo riqueza maior do que os tesouros do Egito, porque contemplava a recompensa (11.25,26). Mantenham a vida de vocês livre do amor ao dinheiro e estejam contentes com o que vocês têm, pois ele disse: “Nunca os deixarei, nem os abandonarei” (13.5,6). Valorizar Deus acima de todas as coisas transforma dinheiro em moeda de adoração e amor. O planeta do dinheiro entra em sua órbita determinada por Deus, move-se com a face voltada para o sol resplandecente e brilha cada vez mais com a beleza de Deus em atos de generosidade.¹ Alegria centrada em Deus no âmbito dos negócios Claro que o papel do dinheiro na vida e na sociedade é muito mais amplo que ofertas especiais aos pobres. E o ensino aqui tem implicações para todas as formas de uso do dinheiro na vida cristã, desde mesadas para os filhos e investimentos no mercado de ações, até o levantamento de capital para uma nova empresa. Quando resumo o argumento central de Paulo em 2Coríntios 8.2, ao afirmar: “Nosso dinheiro se torna uma extensão visível de nossa alegria em Deus dirigida a outros”, não quero dizer que é algo relevante apenas para ministérios assistenciais. Quero dizer que essa verdade é o guia fundamental para folhas de pagamento, investimentos, política econômica, comércio internacionale para centenas de outras maneiras pelas quais lidamos com dinheiro. Enquanto um empresário cristão não tiver experimentado a graça de Deus no perdão de pecados, a renovação de seus desejos no novo nascimento e a transformação progressiva decorrente de olhar firmemente para Jesus, ele não lidará com o dinheiro no âmbito dos negócios de uma forma que mostre que sua alegria se encontra, supremamente, em Jesus. Não quero dizer que essa experiência é tudo de que precisamos. As complexidades dos empreendimentos comerciais e da economia são imensas. São necessários muitos princípios bíblicos e muita sabedoria prática para revelar as glórias de Cristo no âmbito dos negócios do mundo. Quero dizer, contudo, que a supremacia do Cristo que satisfaz plenamente no centro da vida é essencial para o negócio que exalta Cristo, bem como para a contribuição cristã que exalta Cristo. Aliás, seria possível escrever um livro inteiro sobre a relação entre a misericórdia para com os pobres centrada em Deus e a busca por estratégias de mercado lucrativas. As duas coisas não são desvinculadas. A vasta pobreza no mundo nunca será superada apenas por meio de generosidade caridosa. O amor despertado pela supremacia do absolutamente glorioso Deus de graça não apenas se derrama por meio da generosidade caridosa sacrificial, mas também se apresenta em planos econômicos, práticas de negócios e políticas governamentais. Não tenho conhecimento suficiente para escrever a esse respeito em detalhes. Recomendo, porém, o livro de Wayne Grudem e Barry Asmus, Poverty of nations: a sustainable solution, como exemplo daquilo a que me refiro. O que precisamos observar aqui é que o potencial do dinheiro de exaltar a Cristo reside não apenas em como damos ofertas, mas também em como gastamos e guardamos nosso dinheiro e fazemos negócios. A verdade determinante que tenho em foco é a mesma em todos esses casos. Será que você pode dizer que a beleza de Cristo, que satisfaz plenamente, encontra seu peso gravitacional no centro de sua vida, a ponto de controlar não apenas a órbita das ofertas, mas também as órbitas dos gastos, das vendas, das negociações, dos investimentos, da definição de salários, do pagamento de impostos, da criação de empresas e da elaboração de leis de comércio e políticas governamentais? Os potenciais do dinheiro para fazer o bem e glorificar a Deus são tão reais nessas esferas quanto são em nossas interações pessoais com os necessitados de nossa vizinhança. A questão central é: Deus é nosso tesouro supremo? Desejamos que o seja para outros? A forma de usarmos o dinheiro é um transbordamento de nossa compreensão da graça e da glória de Deus e de nosso encanto com elas? Desfrutar o sexo para a glória de Deus Em 1Timóteo 4.1-5, Paulo confronta certos falsos mestres ascetas que renunciavam os prazeres e acreditavam que o sexo no casamento e o livre consumo de alimentos não eram como os cristãos deviam usar o corpo. Paulo considerou demoníacos esses ensinamentos falsos. O Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos, alguns se desviarão da fé ao se dedicarem a espíritos enganadores e a ensinamentos de demônios, pela insinceridade de mentirosos cuja consciência é cauterizada, que proíbem o casamento e exigem a abstinência de alimentos… (v. 1-3). Esse é o ensinamento falso. Eis, agora, a resposta de Paulo, a partir da metade do versículo 3: … que Deus criou [isto é, o casamento e os alimentos] para serem recebidos com ações de graças por aqueles que creem e conhecem a verdade. Pois tudo o que Deus criou é bom, e nada deve ser rejeitado se for recebido com ações de graças, pois é santificado pela palavra de Deus e pela oração. Para aqueles que conhecem a verdade do evangelho, deleitam-se na palavra de Deus a respeito da glória de Deus que satisfaz plenamente, oram (santificado seja o teu nome!) e dedicam tudo a Deus, o sexo do casamento e os prazeres do alimento são santificados, isto é, o sexo e o alimento são separados do uso pecaminoso do mundo e tornados puros, preciosos e belos pela participação na bondade de Deus. Não devemos ficar encabulados com a sensualidade franca do amor sexual no casamento conforme a Bíblia o retrata, por vezes de modo vívido: Que sua fonte seja bendita, e alegre-se com a esposa de sua juventude, corça amorosa e gazela graciosa. Que os seios dela o encham de deleite em todo tempo; embriague-se sempre no amor dela. Meu filho, por que embriagar-se com uma mulher proibida e abraçar o seio de uma adúltera? Pois os caminhos do homem estão diante dos olhos do SENHOR, e ele considera todas as suas veredas (Pv 5.18-21). Não é vergonha alguma que “os caminhos do homem [estejam] diante […] do SENHOR” e que “os seios [de sua esposa] o encham de deleite em todo tempo”. Foi por isso que Deus a criou dessa forma, e o criou com esses desejos. Aliás, o fato de esse deleite nela estar “diante” do Senhor aponta para a realidade de que toda a nossa alegria naquilo que Deus criou tem por objetivo ser um deleite em Deus. Há algo de sua glória em todas as glórias do mundo. Não fomos criados para nos deleitar na criação e não nele, ou mais do que nele, mas, sim, por causa dele, e porque há algo dele em tudo o que é bom e belo. Os céus proclamam a glória de Deus. Devemos ver a glória. E devemos adorar a Deus. O mesmo se aplica aos seios de nossa esposa. Esses seios proclamam para nós a glória de Deus, a bondade de Deus, e mais. Devemos ver isso e adorar a Deus ao desfrutá- los. Cântico dos Cânticos faz parte da Bíblia, para garantir, entre outros motivos, que levemos a sério os belíssimos prazeres físicos entre a noiva e o noivo como uma imagem de Cristo e sua igreja. Não se trata de anularmos os prazeres físicos desse Cântico ao vermos apenas um retrato de Cristo e da igreja. Sem dúvida, devemos ver Cristo e a igreja no relacionamento de Cântico dos Cânticos da forma de Paulo os vê em Efésios 5.22,23. Contudo, existe o perigo de enxergarmos apenas a dimensão metafórica, e não a física. Em vez disso, devemos deixar que Cântico dos Cânticos nos fascine com a ideia de que o tipo de relacionamento planejado por Deus entre homem e mulher, como a imagem dos prazeres de guardar a aliança vivenciados entre Cristo e sua igreja, possa ser descrito com palavras como estas do marido para a esposa: Seus seios são como dois filhotes, como gêmeos de uma gazela que apascentam entre os lírios. Antes que o dia nasça e fujam as sombras, irei ao monte de mirra e à colina de incenso. Você é toda linda, minha amada; em você não há defeito algum (Ct 4.5-7). Seus seios são como dois filhotes, gêmeos de uma gazela. Seu pescoço é como uma torre de marfim. Seus olhos são as piscinas de Hesbom, junto à porta de Bete-Rabim. Seu nariz é como uma torre do Líbano, que olha para Damasco. Sua cabeça a coroa como o Carmelo e seus cabelos são como a púrpura; um rei está preso em suas madeixas. Como você é linda e agradável, ó amada, com todas as suas delícias! Seu porte é como o da palmeira, seus seios como os cachos dela. Digo que subirei a palmeira e pegarei seus frutos. Ah, sejam os seus seios como os cachos da videira, e o aroma de sua respiração como maçãs, e sua boca, como o melhor vinho (Ct 7.3-9). E palavras como estas, da esposa: Já havia tirado minha túnica; como poderia vesti-la outra vez? Já havia lavado os pés; como poderia sujá-los novamente? Meu amado colocou a mão na tranca, e meu coração estremeceu dentro de mim. Levantei-me para abrir ao meu amado, e minhas mãos gotejavam mirra, meus dedos com mirra líquida sobre a maçaneta da tranca (Ct 5.3-5). A pergunta de Hannah Enquanto este livro estava na editora, gravei outro podcast do programa “Pergunte ao pastor John”, e uma mulher chamada Hannah perguntou: De que maneira o sexo entre marido e esposa é um exemplo prático de Cristo e sua igreja? Parte de minha resposta foi:² Mencionarei três coisas. E não duvido que estas sejam as regiões mais baixas dos Himalaias da glória que pessoas melhores do que eu poderiam escalar e explicar. Primeiro, de modo bastanteproeminente em Efésios 5, temos a assimetria, a ausência de simetria, entre os papéis do marido e da esposa. Ela deve se sujeitar à liderança amorosa e sacrificial dele, semelhante à de Cristo. Ao mesmo tempo, contudo, há mutualidade e reciprocidade igualmente claras na busca por abençoar e satisfazer o outro, à medida que liderança e submissão se encaminham para o máximo prazer mútuo. Em 1Coríntios 7.4, Cristo diz que o homem não tem autoridade sobre seu corpo, mas, sim, a mulher, e a mulher não tem autoridade sobre seu corpo, mas, sim, o homem, o que cria, para quem tem uma lógica afiada, um impasse completo. No entanto, evidentemente não é intenção de Paulo que haja um impasse no leito conjugal. A questão é que a esposa com frequência tem desejos, e o marido que a ama deve querer satisfazê-los e esforçar-se para isso; e o marido com frequência tem desejos, e a esposa que o ama deve querer satisfazê-los e esforçar-se de modo semelhante. À medida que avançam, contudo, a maneira de o homem buscar a satisfação de sua esposa se dá na função dele como cabeça e aquele que toma a iniciativa. Isso não exclui os tipos de iniciativas específicas da mulher, mas dá o tom e define o contexto em que ele é percebido como o líder forte, carinhoso, amoroso e criativo nesse acontecimento que reflete Cristo e a igreja. Minha primeira resposta, portanto, é que no ato de relação sexual no casamento, a beleza e a complexidade e o mistério da liderança e da submissão se concretizam em suas expressões mais satisfatórias. Segundo, o prazer raro e extraordinário do orgasmo simultâneo é tão maravilhoso porque não apenas aponta para os êxtases de conhecer Cristo, mas também nos permite provar esses êxtases. Em outras palavras, quando Jesus diz que ele é o pão da vida (Jo 6.35,48), ele deseja que provemos parte da vida dele em nosso pão predileto de uma boa padaria alemã. O prazer do emblema, quando consagrado a Deus, torna-se um antegosto e um prazer da realidade em si: Cristo no pão. O mesmo acontece com os prazeres do leito conjugal como emblema de Cristo e a igreja em comunhão. Quando marido e esposa amam um ao outro e levam esse amor ao clímax da consumação sexual e, depois, ficam deitados ali tranquilos, em repouso e gratos no final, seu coração deve transbordar com a experiência de como Jesus Cristo é maravilhoso por lhes dar tamanhos prazeres e lhes mostrar nesses prazeres como ele é e quão precioso é o relacionamento da igreja com seu marido. Terceiro, diria que as metáforas, em geral, são realidades inferiores àquilo para que apontam. Uma aliança de casamento é preciosa. Ainda uso a minha. Creio que a tirei do dedo apenas duas vezes em 46 anos de casamento. Isso significa que minha aliança é preciosa para mim. Mas a aliança não é tão preciosa quanto o casamento e os prazeres do casamento que ela representa. E o prazer sexual no casamento é precioso, mas não é tão precioso quanto o que ele representa em relação a Jesus. Jesus disse que viria um tempo em que as pessoas não se casariam nem se dariam em casamento (Lc 20.35). Pode parecer uma decepção enorme para nós que já desfrutamos dos prazeres do leito conjugal. Mas e se alguém dissesse: “No futuro, vou tirar de você sua aliança de casamento, e só lhe restarão os êxtases mais intensos daquilo que ela representava”. Você ficaria decepcionado? Um pouco, mas não por muito tempo. Não, não ficaria. Em outras palavras, os prazeres sexuais do casamento apontam não apenas para os prazeres presentes de conhecer e amar a Cristo, mas também para a era vindoura, em que a aliança — isto é, os prazeres nessa analogia — será removida e experimentaremos a realidade em medida tão superior que nos perguntaremos como pudemos alguma vez estar satisfeitos com o melhor sexo do mundo. O mundo roubou o que pertence aos crentes Tudo isso faz parte do que Paulo tinha em mente em 1Timóteo 4.3-5: … Deus criou [os prazeres sexuais] para serem recebidos com ações de graças por aqueles que creem e conhecem a verdade […] pois é santificado pela palavra de Deus e pela oração. O sexo é para “aqueles que creem e conhecem a verdade”. Talvez percamos isso de vista, uma vez que Hollywood arrancou as cortinas do leito conjugal sagrado e transformou um prazer santo e exuberante em um esporte vulgar para ser assistido. Podemos ser tentados a pensar que o sexo é usado de modo tão equivocado e pecaminoso e solapa de forma tão completa a beleza da santidade de Cristo que satisfaz plenamente, que talvez nós, cristãos, não devêssemos ter nada que ver com o sexo, a não ser para ter filhos. Paulo diz o oposto. O mundo roubou o que pertence aos crentes, e os crentes devem tomá-lo de volta. O sexo pertence aos cristãos, pois o sexo pertence a Deus. “Deus criou [os prazeres sexuais] para serem recebidos com ações de graças por aqueles que creem e conhecem a verdade”. Quando é usado por aqueles que não creem e não conhecem a verdade, é prostituído. Trocaram a glória de Deus por imagens. Arrancaram o sexo do lugar definido por Deus dentro do casamento dado por ele. Mas não sabem o que estão fazendo, e o preço que pagarão nesta vida e no porvir é incalculável. Os prazeres do sexo foram feitos para os crentes. Foram planejados para serem expressados ao máximo pelos filhos de Deus. Ele reserva suas dádivas mais ricas para seus filhos. E, quando desfrutamos essa dádiva do sexo, dizemos, por meio de nossa fidelidade à aliança que fizemos com nosso cônjuge, que Deus é maior que o sexo. E os prazeres do sexo são, de si mesmos, um transbordamento da bondade de Deus. Esse prazer é menos do que aquilo que experimentaremos plenamente nele à sua direita; mas é mais do que o mundo jamais experimentará em seu uso indevido do sexo. E nesse prazer provamos algo do belíssimo caráter de Deus. No primeiro capítulo, defini sexo como “experimentar estímulo erótico, procurar obter essa experiência ou proporcioná-la”. Neste capítulo final, não separei essas três partes. O enfoque foi sobre como experimentamos os prazeres sexuais do corpo e da mente. Espero, porém, que fique evidente que há implicações para como buscamos esses prazeres e como os proporcionamos. Creio que, se descobrirmos, na experiência do prazer sexual, o segredo para glorificarmos a Deus, as implicações de buscá-lo e proporcioná-lo ficarão evidentes. Quando a preciosidade e os prazeres de Cristo são supremos, todas as dimensões do sexo, que abrangem experimentar prazer, buscar prazer e dar prazer (bem como abster- se de prazer!), encontrarão sua expressão bíblica que exalta a Cristo. Tudo o que Deus fez é bom. Tudo é para adorar a Deus e amar as pessoas. Isso se aplica a banquetear e a jejuar, à união sexual e à abstinência. O sexo foi criado para a glória de Cristo, para a glória que exalta Cristo na fidelidade à aliança no casamento e para a glória que exalta Cristo na castidade na vida de solteiro.³ O sexo é sempre bom. É sempre uma ocasião para mostrar que o Doador do sexo é melhor que o sexo. Quando a glória de Deus que satisfaz plenamente retorna ao centro resplandecente do sistema solar de nossa vida, o planeta sexo — que tal chamá-lo Vênus? — move-se para sua órbita gloriosa determinada por Deus e que exalta Cristo. Viver em poder para a glória de Deus Por fim, quando nossa alegria não se encontra na exaltação de nosso poder, mas, sim, na glória do poder absolutamente predominante, sustentador e provedor de Deus, somos libertos para viver poderosamente no poder de Deus. Quando buscamos mais poder como forma de exaltar a nós mesmos e exercer domínio sobre outros, renunciamos ao poder que nos foi concedido por Deus para exaltá- lo. Mas, quando deixamos de lado a exaltação própria em orgulho e nos dedicamos a exaltar a Deus em humildade, obtemos poder de Deus para servir outros, e não para dominá-los. Essa bem-aventurada humildade e o serviço sacrificial revelam a suficiência absoluta de Deus e a glória do poder divino para suprir todas as necessidades (Fp 4.19; 2Co 9.8). Contentamo-nos em ser vasos de barro, pois isso mostra o poderde Deus — o objetivo da criação e de nossa nova vida em Cristo. “… Temos esse tesouro em vasos de barro, para mostrar que o poder extraordinário pertence a Deus, e não a nós” (2Co 4.7). Essa é nossa alegria. Contentamo-nos em nossas fraquezas, pois Cristo prometeu intervir e ser a força de que precisamos, o que por sua vez revela a glória dele, e não a nossa. Jesus disse a Paulo (e diz a nós): “… Minha graça é suficiente para você, pois meu poder se aperfeiçoa na fraqueza…”. “Portanto…”, Paulo responde: “… me gloriarei ainda mais alegremente em minhas fraquezas…” (2Co 12.9). É isso que significa o retorno do planeta “poder” a sua devida órbita com a glória do poder de Deus no centro de nosso sistema solar. Gostamos de ser o lugar em que o poder de Cristo, e não o nosso, é exaltado. Um versículo precioso, um dos meus favoritos Quantas centenas de vezes em minha vida me apoiei em 1Pedro 4.11? … se alguém serve, [que o faça] como alguém que serve pela força que Deus provê [Por quê?], para que em tudo Deus seja glorificado por meio de Jesus Cristo. A ele pertencem a glória e o domínio para todo o sempre. Amém. Essa é uma das passagens mais claras da Bíblia a respeito de como o poder deve servir aos propósitos de Deus na criação e redenção do mundo. Serviço e poder são combinados. Nosso serviço realizado no poder dele. É um grande mistério. Você sabe qual é a sensação? Usamos verdadeiramente nosso raciocínio, nossa vontade, nossos esforços e nossas aptidões para ajudar outros; no entanto, enquanto o fazemos, não exercemos nosso raciocínio, nossa vontade e nosso empenho com nossa própria força, mas com a força que vem de Deus. Que milagre! Essa é a magnífica obra realizada pelo Espírito Santo quando deixamos de olhar para nós mesmos no ato de serviço e confiamos na promessa de Deus: “… Eu o fortalecerei, eu o ajudarei, eu o sustentarei com minha justa mão direita” (Is 41.10). A fé na promessa de Deus é o canal pelo qual flui o poder prometido. E o Doador do poder recebe a glória. Esse é o alvo maior. É o melhor arranjo possível: nós recebemos o auxílio, ele recebe a glória. Como humildes filhos recém-nascidos de Deus, ficamos contentes que seja desse modo. Aquilo que engrandece o Pai é o que nos alegra. E quando sua glória nos alegra, ele é glorificado em nossa vida. Por isso existe o poder — tanto o seu quanto o nosso, como dádiva dele. Quando Deus nos concede poder — e ele o faz de várias maneiras —, seu objetivo é ser glorificado no modo pelo qual o poder é usado. Por exemplo, Paulo diz em 1Coríntios 2.4,5: “… meu discurso e minha mensagem não consistiram de palavras plausíveis de sabedoria, mas de demonstração do Espírito e de poder, para que sua fé não se apoiasse na sabedoria de homens, mas no poder de Deus”. Foi concedida a Paulo a capacidade de exercer o poder do Espírito em seu ministério — como todos nós somos chamados a fazer; no entanto, o objetivo de Deus, e de Paulo, não era que as pessoas engrandecessem o apóstolo, mas, sim, que vissem e desfrutassem Deus e confiassem nele como Aquele que tem todo o poder, toda a sabedoria e satisfaz plenamente. Como filhos de Deus justificados pelo sangue de Cristo, nascidos de novo por seu Espírito e progressivamente transformados ao contemplar sua glória em sua Palavra (como vimos no capítulo 5), jamais deixamos de precisar de ajuda divina para considerar o poder de Deus glorioso. Sempre corremos o risco de ansiar pela exaltação própria do poder, pois perdemos de vista a grandeza e a beleza do poder de Deus em nosso favor. Por isso Paulo ora da seguinte forma pelos cristãos de Éfeso: para que “os olhos de seu coração [sejam] iluminados, para que conheçam […] a imensurável grandeza de seu poder para conosco, os que cremos, conforme a atuação de sua grande força” (Ef 1.18,19). Os olhos de nosso coração têm a tendência de ficar embaçados. Começamos a perder de vista a “imensurável grandeza de seu poder para conosco” — e, quando nossos olhos ficam embaçados, surge no lugar o anseio inevitável por nosso próprio poder e por nossa autoexaltação. Vemos, portanto, que uma das maneiras pelas quais Deus nos livra do perigo do uso do poder para a autopromoção é a oração. Paulo ora pelos santos — cristãos — para que “conheçam […] a imensurável grandeza de seu poder para conosco, os que cremos”. Se Paulo fez essa oração, também devemos fazê-la por nós mesmos e por outros. Ao contemplarmos a glória do poder de Deus, seremos transformados; e, ao sermos transformados, não desejaremos poder para exaltar a nós mesmos. A oração é tanto uma lembrança para nós mesmos quanto uma súplica a Deus para que jamais nos esqueçamos de quem tem poder — a saber, Deus —, e de quem concede poder — Deus — e de quem merece ser exaltado pelo modo de usarmos esse poder — Deus. Esse enfoque incessante na centralidade de Deus nos liberta de desejar poder para nossos próprios objetivos. Quando formos libertos desse anseio, viveremos para os outros e Deus será glorificado. Talvez devamos considerar mais uma ilustração do modo de Paulo orar para que o poder de Deus se manifeste em todos os nossos atos de obediência. Tudo o que fazemos (como ficou implícito em 1Pe 4.11) deve ser feito na dependência do poder de Deus, para que Deus receba a glória. Paulo ora por isso repetidamente. Por exemplo, em sua Segunda Carta aos Tessalonicenses, escreve: “Por isso também oramos sempre por vocês, para que Deus os faça dignos de seu chamado e para que cumpra todo propósito para o bem e toda obra de fé pelo poder dele” (2Ts 1.11). Toda determinação que leva a toda boa ação deve ser realizada como “obra de fé”, ou seja, como obra que depende da graça de Deus. Desse modo, diz Paulo, será realizada “pelo poder dele”. Paulo ora para que esse seja o alvo e o combustível de todas as nossas ações, e devemos fazer o mesmo. Ore para que você realize obras de fé no poder de Deus, e não no seu. Digno de poder No fim dos tempos, quando a história acabar e Deus tiver completado todas as suas obras, seu povo o adorará para sempre. E uma das aclamações que faremos diante dele repetidamente será: “Tu és digno, nosso Senhor e Deus, de receber […] poder, pois criaste todas as coisas, e por tua vontade elas existiram e foram criadas” (Ap 4.11). Cantaremos: “… Digno é o Cordeiro que foi morto de receber poder…” (5.12), “… Bênção […] poder e força sejam ao nosso Deus para todo sempre! Amém” (7.12) e “… Aleluia! Salvação, glória e poder pertencem ao nosso Deus” (19.1; todos os grifos são do autor). Em todas as obras da criação e redenção, Deus tem este magnífico objetivo: “… mostrar […] o meu poder…” (Rm 9.17); para que todo o mundo saiba “que eu sou o SENHOR” (Êx 14.4). Esse é seu objetivo não porque seu poder seja o único elemento de sua essência, mas porque é fundamental para a totalidade de sua glória, que ele deseja comunicar em todas as suas obras. Por isso ele criou o mundo e todos nós: “… todos os que são chamados pelo meu nome, que criei para minha glória…” (Is 43.7). Por meio da justificação, regeneração e transformação progressiva à semelhança de Deus, ele reverteu a grande troca (Rm 1.23) que arruinou a vida e nos levou a amar o poder em vez de amar a Deus. Agora, existe a possibilidade — aliás, é uma realidade para milhões — de viver no poder que Deus provê, para que em tudo Deus seja glorificado por meio de Jesus Cristo. É uma redenção magnífica. Quando vivemos dessa forma, o sol da glória resplandecente de Deus no centro de todas as coisas atrai o planeta do poder para sua humilde, alegre e produtiva órbita que glorifica a Deus. Portanto, viver na luz não significa apenas aquecer-se nos raios solares da presença de Deus; significa ser controlado pelo gigantesco efeito gravitacional de sua beleza que satisfaz plenamente em todas as partes — todos os planetas — de nossa vida, incluindo poder, sexo e dinheiro. ¹ Esses atos de generosidade não são apenas do tipo que acontece diariamente na forma de tratarmos as pessoas ao “[Dar] a quem lhe pede” (Mt 5.42, NIV). Também são os esforços maisrefletidos e estratégicos em uma comunidade e em escala mundial, como vemos em Steve Corbett; Brian Fikkert, When helping hurts: how to alleviate poverty without hurting the poor… and yourself (Chicago: Moody, 2014); e Wayne Grudem; Barry Asmus, Poverty of nations: a sustainable solution (Wheaton: Crossway, 2013) [edição em português: A pobreza das nações: uma solução sustentável, tradução de Lucas. G. Freire (Vida Nova: 2016)]. ² Áudio disponível em: www.desiringgod.org/interviews/why-sexual-metaphors- of-jesus-and-his-bride-embarrass-us, acesso em: 26 out. 2018. ³ Em Momentary marriage: a parable of permanence (Wheaton: Crossway, 2012) [edição em português: Casamento temporário: uma parábola de permanência, tradução de Marcos Vasconcelos (São Paulo: Cultura Cristã, 2011)], escrevi dois capítulos nos quais procurei tratar das implicações de como a sexualidade de um seguidor de Cristo não casado deve operar para a glória de Deus. Conclusão Dinheiro, sexo e poder. Três dádivas preciosas de Deus. Três perigos prontos a destruir nosso prazer, nossa riqueza e nossa alma. Três belas possibilidades de adoração e amor. O que faz a diferença? Viver na luz — “a luz do conhecimento da glória de Deus na face de Jesus Cristo” — que satisfaz a alma, nos liberta, celebra Deus e nos envia para servir. Esse é o sol resplandecente no centro de todas as coisas e a realidade que mantém os planetas, em seus lugares, em alegre movimento. Ou poderíamos dizer como o profeta Malaquias: “… o sol da justiça se levantará, trazendo cura em suas asas…” (Ml 4.2). Sabemos que ele estava se referindo a Jesus Cristo. O Filho é o sol. Zacarias, pai de João Batista, disse isso quando descreveu a chegada do Messias como “… a aurora [que] nos visitará do alto” (Lc 1.78). E qual era o efeito profetizado de o Filho assumir seu lugar no centro de todas as coisas? “… Vocês sairão saltando como bezerros soltos do curral” (Ml 4.2). Onde estivemos Começamos o primeiro capítulo com uma ilustração do dinheiro, do sexo e do poder como imensos icebergs que flutuam pelo mar da vida. São enormes abaixo da superfície, com arestas pontiagudas que podem fazer um rasgo tão profundo no casco de sua embarcação a ponto de levá-la ao fundo do mar. Os capítulos dois a quatro descreveram esses perigos. Também dissemos no primeiro capítulo que há outra forma de enxergar o dinheiro, o sexo e o poder. Podem ser ilhas flutuantes de alimento quando nossas provisões se esgotaram, ou de combustível quando estamos parados na água, ou dos frutos mais raros para adoçar nosso cardápio monótono enquanto navegamos. Foi o que procuramos descrever no capítulo seis. Essa ideia de advertir e atrair não é minha. A Bíblia foi escrita desse modo. Deus sabe do que precisamos, de forma que colocou em sua Palavra. Precisamos de descrições claras e fortes dos perigos do dinheiro, do sexo e do poder e do quanto somos vulneráveis a transformá-los em nossos deuses, como centro e atração de nossa vida. E precisamos de descrições claras e fortes das coisas gloriosas que eles podem se tornar quando somente Deus é nosso Deus. Neste livro, portanto, lutamos em duas frentes, como devemos fazer ao longo de toda a vida. Por um lado, os planetas do dinheiro, do sexo e do poder ameaçam usurpar o lugar do sol no centro de nossa vida. Por outro, a religião falsa ameaça lançá- los fora do sistema solar como se fossem rochas alienígenas que não devem ter lugar em nossa existência. A Bíblia mostra outro caminho. Quando o Filho assume seu lugar glorioso no centro do sistema solar de nossa vida, a atração gigantesca de sua beleza que satisfaz plenamente corrige a trajetória irregular de cada planeta e faz todo o sistema cantar de alegria. A lente grande-angular Contudo, a Bíblia não é um livro de autoajuda sobre como maximizar nosso potencial por meio do dinheiro, do sexo e do poder. É um livro sobre a queda do homem em cegueira e insensatez incuráveis, um livro sobre como corrompemos tudo o que tocamos. E é um livro sobre a intervenção de Deus para nos salvar dos usos destrutivos do dinheiro, do sexo e do poder. Por isso, procurei entretecer essa redenção — esse remédio e livramento — por todo o texto, focalizando-a no capítulo cinco. No que diz respeito a nossa experiência de vida, o aspecto mais essencial é que havíamos trocado a glória de Deus por outras coisas. Preferíamos os deuses do dinheiro, do sexo e do poder ao próprio Deus. Ele não era nosso tesouro; as outras coisas eram. Se você ainda não crê em Cristo como seu tesouro, elas ainda são. Portanto, Deus tratou do aspecto mais essencial por meio da morte e ressurreição de Cristo, justificando-nos, regenerando-nos e transformando nosso coração para que essa mudança devastadora fosse revertida. Deus está sendo restaurado ao lugar supremo de valor, beleza e prazer em nossa vida. Somos transformados à medida que o sol se levanta até esse glorioso resplendor em nossa vida. O dinheiro, o sexo e o poder não nos atraem, não exercem mais influência sobre nós. Estamos dentro do campo gravitacional de Deus. Isso significa que aquelas dádivas se tornaram agora em indicadores do que devemos valorizar de forma suprema: o próprio Deus. Não é que essas coisas não sejam nada. Mas também não são tudo. São dádivas de Deus para o nosso bem e para o bem do mundo. Faz parte da graça de Deus que suas dádivas para nosso bem também sejam para a glória dele. Quando aprendermos a desfrutá-lo nessas dádivas e acima delas, descobriremos sua mais plena excelência e resplandeceremos para a maior glória dele. A lente CLOSE-UP Como alguém que dedicou a maior parte da vida a refletir, pregar e escrever sobre os ensinamentos da Bíblia, tenho plena consciência de como é fácil para mim ler sem perceber, ver sem enxergar, ouvir sem escutar, entender sem praticar. Talvez você seja como eu nesse aspecto. Se é o caso, permita-me encerrar com um simples convite para que você faça uma pausa e pergunte muito seriamente em que áreas de sua vida a centralidade de Deus não está exercendo influência. Que planetas de sua vivência diária saíram da órbita estabelecida por Deus para eles? Que sinais há de que a atração gravitacional mais forte no centro de sua vida é a glória de Deus? O dinheiro, o sexo ou o poder se moveram para o centro de seu sistema solar de algum modo? Há aspectos em que essas dádivas foram completamente reprovadas? Você pode dizer alegremente: “Sou justificado diante de Deus em Jesus Cristo porque creio nele; meus pecados foram perdoados”? Pode dizer: “Sou nascido de novo, uma nova criação em Cristo”? Pode afirmar alegremente: “Minha cegueira para a beleza de Jesus foi removida. Meus olhos foram abertos. Vejo a luz do evangelho da glória de Cristo. Ele se tornou meu Tesouro supremo”? Você tem o hábito de olhar fixamente para Cristo, e para todos os atributos dele, com o objetivo de ser transformado, dia a dia, de um grau de glória a outro? Busca-o em sua Palavra e reflete a respeito dele e de seus caminhos? Convido você a tudo isso. Pegue sua Bíblia, a preciosa palavra de Deus. Clame a Deus em oração para que ele o ilumine. Encontre, ou volte a valorizar, uma igreja fiel à Bíblia e junte-se a essas pessoas para prestar culto, estudar e servir. Mantenha esse foco até que o Senhor volte, ou até que ele o chame para seu lar eterno. Não importa que aflições venham, se Cristo for cada vez mais esplendoroso e belo centro de sua vida — se você andar na luz —, elas jamais destruirão as alegres órbitas definidas por Deus para todos os elementos de sua vida, incluindo o dinheiro, o sexo e o poder. Mantenha Cristo como centro resplandecente e você terá satisfação, o mundo será servido e Deus, glorificado. Conheça outras obras do autor Você entende o verdadeiro significado da adoção? A nossa adoção por Deus é, muitas vezes, algo difícil de compreender. Contudo, não se trata apenas de um conceito teológico que devemos entender intelectualmente. Esse livro nos mostra que ela deve nos levar a viver a missão de Cristo, amando os órfãos, as viúvase os desamparados deste mundo. “Nós amamos porque ele nos amou primeiro” (1Jo 4.19). Organizada por Dan Cruver e com a colaboração de John Piper, Scotty Smith, Richard D. Phillips e Jason Kovacs, essa obra certamente ajudará o leitor a compreender o maravilhoso amor adotivo de Deus. Não é fácil ter de passar por uma enfermidade. A combinação de desconforto físico, estresse emocional, pensamentos de ansiedade e prolongados períodos de tédio pode afastar a lembrança de que o nosso Deus soberano é bom e, mais ainda, nos impedir de confiar e nos deleitar nele. Refletindo sobre 10 lições que aprendeu enquanto convalescia em um leito de hospital, John Piper encoraja aqueles que enfrentam alguma enfermidade a lutar pela fé fixando os olhos nas promessas de Deus, na verdade do evangelho e na realidade da eternidade. A Bíblia inteira ensina verdades e desperta emoções, mas Salmos — o hinário de Israel e da igreja — é um livro especial que moldou, juntamente com os ensinamentos de Jesus e dos apóstolos, o pensamento e as emoções dos primeiros discípulos. Este livro mostra como isso aconteceu: por meio desses poemas inspirados por Deus, ouvimos e sentimos o clamor poderoso de aflição, de vergonha, de arrependimento, de tristeza, de raiva, de desânimo e de perturbação. Entretanto, o que torna isso incrivelmente diferente dos sofrimentos do mundo é que, em Salmos, essas emoções são vivenciadas à luz da percepção do Deus soberano. Moldado por Deus é um convite para nos entregarmos a Deus. Ele acolherá nosso coração no estado em que se encontra e o moldará. No mundo inteiro, o racismo, o ódio e o sentimento de superioridade racial têm sido manifestações trágicas da condição humana desde a Queda. E, cada vez que deparamos com essas manifestações, encontramos por trás delas, bem na raiz do pecado racial, um coração incrédulo que resiste à graça e à misericórdia de Deus. O evangelho de Jesus Cristo é a única esperança de chegarmos a soluções de fato significativas para o problema racial. É isso que John Piper mostra nesse livro, ao lançar a luz do evangelho sobre essa questão. Além de confessar seus próprios pecados e sua experiência com tensões raciais, ele conta também como Deus tem transformado sua vida e sua igreja. Piper expõe aos olhos dos leitores a realidade e a extensão do racismo e, a seguir, demonstra, com base nas Escrituras, como a luz do evangelho atravessa as trevas sombrias desse pecado tão destrutivo. Até mesmo o cristão mais fiel e dedicado pode passar por períodos de depressão e escuridão espiritual, momentos em que a alegria parece inalcançável. Isso pode acontecer por diversas razões: pecado, ataque satânico, circunstâncias estressantes, doenças ou outras causas físicas. Em Quando a escuridão não passa, o objetivo de John Piper é trazer consolo e orientação para aqueles que estão enfrentando escuridão espiritual. Ao longo dessas páginas, o leitor compreenderá o aspecto físico da depressão, o significado de “esperar no Senhor” em períodos de trevas, como os pecados não confessados podem obstruir nossa alegria e como ajudar aqueles dos quais a alegria parece distante. Com uma sensibilidade ímpar, Piper utiliza exemplos da vida real e constrói uma narrativa inteligente para mostrar por que temos muitas razões para ter esperança de que Deus nos tirará do poço do desespero e nos trará mais uma vez para sua luz. Cover Page Capa Folha de rosto Créditos Dedicatória Sumário Agradecimentos Introdução 1 Definições e fundamentos 2 Os perigos do sexo que destroem o prazer 3 Os perigos do dinheiro que destroem a riqueza 4 Os perigos do poder que destroem a alma 5 Libertação: a volta do sol ao centro 6 Aplicação: as novas órbitas para o dinheiro, o sexo e o poder Conclusão