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A LA N A M ILC H ESK I FLÁ V IA G ISELE N A SC IM EN TO ALANA MILCHESKI FLÁVIA GISELE NASCIMENTO A RTE E C U LTU R A Código Logístico 59572 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6685-8 9 7 8 8 5 3 8 7 6 6 8 5 8 Arte e Cultura Alana Milcheski Flávia Gisele Nascimento IESDE BRASIL 2020 © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito das autoras e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Envato Elements Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ M587a Milcheski, Alana Arte e cultura / Alana Milcheski, Flávia Gisele Nascimento. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2020. 118 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6685-8 1. Arte. 2. Arte e sociedade. 3. Cultura. I. Nascimento, Flávia Gisele. II. Título. 20-65155 CDD: 700 CDU: 7 Alana Milcheski Flávia Gisele Nascimento Mestre em História pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Especialista em Formação Docente para EaD pelo Centro Universitário Internacional Uninter. Graduada em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Tem experiência como docente no ensino superior e, atualmente, produz conteúdo e material didático para graduação em diversas áreas. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Ensino de Artes, com concentração em Teatro, pela Faculdade Padre João Bagozzi. Licenciada em Artes Visuais pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Atuou como professora de Arte na educação básica por dez anos e é autora de artigos científicos na área. Atualmente, é professora colaboradora no curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Estadual do Paraná (Unespar). SUMÁRIO Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! 1 Breve panorama sobre arte e cultura 9 1.1 Conceito de arte 9 1.2 Conceito de cultura 13 1.3 Relação entre Arte e História 18 1.4 Relação entre Arte e Sociologia 21 1.5 Os gabinetes de curiosidades e museus 24 2 As interfaces e abordagens da arte 31 2.1 Arte e política 31 2.2 Arte e tecnologia 34 2.3 Arte e comunicação 38 2.4 Multiculturalidade e interculturalidade 41 2.5 Interdisciplinaridade 44 3 Aspectos teóricos da arte moderna e contemporânea 48 3.1 O contexto histórico da Revolução Industrial 48 3.2 O surgimento da Indústria Cultural 52 3.3 Consumo 55 3.4 Globalização 58 3.5 Pós-modernidade 62 4 Movimentos artísticos modernos e contemporâneos 68 4.1 Contexto histórico da arte moderna 68 4.2 Vanguardas artísticas: expressionismo, cubismo e futurismo 71 4.3 Vanguardas artísticas: dadaísmo e surrealismo 75 4.4 O movimento pop art 77 4.5 O surrealismo pop como expressão da contemporaneidade 81 5 Educar para preservar 86 5.1 A origem do patrimônio 86 5.2 Categorias do patrimônio 90 5.3 Educação patrimonial 97 5.4 O patrimônio cultural em debate 103 5.5 Conservação e restauração 107 Gabarito 115 A arte e a cultura estão presentes no nosso cotidiano, mas, na correria do dia a dia, muitas vezes não paramos para observá-las, apreciá-las e senti-las. Ao longo da história, esses conceitos foram mudando e, agora, podem ser vistos por diferentes perspectivas, dependendo da sociedade que os produz e das áreas pelas quais são analisados. Cada capítulo desta obra irá tratar das conexões da arte e da cultura com outros saberes. Primeiramente, serão apresentadas as diferentes teorias sobre esses conceitos e, depois, as conexões com a História e com a Sociologia. Em seguida, abordaremos algumas interfaces da arte com a política, com a tecnologia e com a comunicação, além das diferentes abordagens da cultura no ensino de Arte. Entre os temas que serão tratados, temos a associação da produção artística com o seu contexto histórico, principalmente em relação aos movimentos que ficaram conhecidos como vanguardas artísticas. Teceremos, também, algumas considerações acerca da arte no contexto contemporâneo, buscando enfatizar aspectos característicos da nossa sociedade, como a pós-modernidade, a globalização e o consumo. Refletiremos, ainda, sobre as produções artísticas e culturais no decorrer do tempo, pois é fundamental considerarmos os aspectos referentes às noções de patrimônio e preservação desses bens, evidenciando a importância de ações que busquem proteger o legado existente para a posteridade. Ao pesquisar temas relacionados à arte e à cultura, temos a possibilidade de acessar um conhecimento que nos conecta uns aos outros, pois estamos adentrando um universo de ideias, pensamentos e ações que foram voltados para a expressão da humanidade nos mais diversos contextos históricos. Boa leitura e bons estudos! APRESENTAÇÃO Vídeo Breve panorama sobre arte e cultura 9 1 Breve panorama sobre arte e cultura Como seria uma sociedade sem arte e sem cultura? É muito difícil conseguirmos imaginar isso, porque, no contexto em que estamos inseridos, convivemos diariamente com referências ar- tísticas e culturais. Ir a uma exposição, assistir a um show ou cozinhar uma receita tradicional são exemplos de ações que estão inseridas no univer- so cultural. Muitas vezes, em razão do ritmo acelerado dos dias de hoje, acabamos nem percebendo a presença da arte e da cultura em nossas vidas. Neste capítulo, iremos percorrer um caminho que busca iden- tificar algumas das principais relações que estabelecemos com a arte e com a cultura, tendo acesso a diversas abordagens sobre esses temas. Inicialmente, é importante compreendermos os dois con- ceitos que nomeiam este livro, tendo em vista que eles fazem referência a diversas maravilhas criadas pelos seres humanos no decorrer do tempo. Posteriormente, vamos entender como se estabelece a relação da Arte com outras duas áreas: a História e a Sociologia. Para con- cluir, veremos como surgiram as principais instituições voltadas para a preservação dos bens culturais e artísticos. Preparado para come- çar a jornada pelo mundo do conhecimento? 1.1 Conceito de arte Vídeo Nesta seção, vamos apresentar algumas concepções sobre o que é arte. Provavelmente, ao contemplar uma pintura, escutar uma música, ver uma peça de teatro ou um espetáculo de dança você já ouviu ou fez a pergunta “isto é arte?”. Mas, afinal, o que é arte? 10 Arte e Cultura Essa é uma questão que não apresenta apenas uma resposta, o conceito de arte tem diferentes perspectivas e é mutável; em cada pe- ríodo da história, essa ideia é reformulada. Como diz o professor Read (2013, p. 15), a arte “é um dos conceitos mais indefiníveis da história do pensamento humano”. Para algumas culturas, a palavra arte nem existe, como para vários povos indígenas brasileiros, por exemplo. Na etnia Kaingang, a palavra que tem o significado mais próximo é vida. Diante disso, a arte está presente no nosso cotidiano, podendo es- tar em espaços abertos, como nas ruas, nas praças, nos parques,nos sambódromos, e, também, nos espaços fechados, como nos museus, nas igrejas, nos cinemas, nos teatros, nas galerias e na sua casa. Muitos artistas, filósofos e escritores apresentaram a sua visão do que é arte. Vamos conhecer algumas delas? Segundo as pesquisadoras Ferraz e Fusari (2010, p. 101), “a arte é uma das mais inquietantes e eloquentes produções do homem”. Para o escritor Bourriaud (2009, p. 147), arte “é uma atividade que consiste em produzir relações com o mundo com o auxílio de signos, formas, gestos ou objetos”. Já para o filósofo Deleuze (1992, p. 215), “a arte é o que resiste: ela resiste à morte, à servidão, à infância, à vergonha”. E o poeta Ferreira Gullar diz que a “arte existe porque a vida não basta”. Essa frase se tornou o título de um filme em homenagem ao artista. A arte tem várias linguagens, como as artes visuais, o teatro, a dança, a música, a literatura, dentre outras. Cada uma tem a sua especificidade, suas técnicas, seus suportes e materiais. Ela pode ter diferentes temá- ticas, estilos, formas e estéticas, podendo ser representativa, abstrata, imaginativa e distorcida. Além disso, pode provocar diferentes sentidos, sentimentos e reações no espectador, como tristeza, alegria, nojo, medo, saudades, prazer e admiração. É importante destacar que a arte é uma área de conhecimento que tem conteúdos e metodologias próprias. Conforme a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), o ensino da arte é “componente curricular obrigatório na Educação Básica” (BRASIL, 1996). Um professor de arte que é comprometido: propicia aos estudantes conhecimento, inerente aos traba- lhos artísticos, de como vivem e convivem outros povos, gêne- ros, etnias, religiões, classes sociais etc.; aprende mais sobre a No livro O que é arte, Jorge Coli faz uma trajetória por diversos períodos da história da arte, questio- nando quem define o que é arte e apresentando diferentes concepções. COLI, J. São Paulo: Brasiliense, 2013. (Coleção Primeiros Passos). Livro Confira o documentário A arte existe porque a vida não basta, produzido pe- los cineastas Zelito Viana e Gabriela Gasta. O filme retrata o poeta Ferreira Gullar em suas diferentes dimensões. Direção: Gabriela Gastal; Zelito Viana. Brasil: Mapa Filmes, 2016. Filme Breve panorama sobre arte e cultura 11 tolerância, o respeito e o diálogo com o diferente e o plural nas diversas leituras de mundo e nas contextualizações histórico-so- ciais compreendidos nos trabalhos de arte. (MARQUES; BRAZIL, 2014, p. 37) Já uma obra de arte pode ser uma referência histórica. Por meio dela, podemos saber como era a arquitetura, a moda, os costumes de um determinado período da história com o olhar do artista que a criou, seja uma pintura, uma escultura, uma música, uma dança ou uma peça de teatro. Na famosa obra Guernica, o artista espanhol Pablo Picasso repre- senta o bombardeio da cidade que leva o mesmo nome, que aconteceu em 1937, durante a Guerra Civil Espanhola, e matou milhares de pes- soas. Assim como Picasso, outros artistas retrataram, nas diferentes linguagens da arte, episódios da trajetória da humanidade. Mural da pintura Guernica, de Picasso, feito em azulejos. Pa pa m an ila /W ik im ed ia C om m on s Falando em história, você sabe quando surgiu a arte na história? Segundo os historiadores de arte Gombrich (2013) e Proença (2008), ela inicia com a arte rupestre, que recebeu esse nome por serem pinturas e gravuras feitas nas rochas, com representações de formas geomé- tricas, animais e do cotidiano das pessoas que viviam naquela época. Conforme diversos arqueólogos e historiadores, esses registros artísti- cos são de aproximadamente 44 mil anos atrás. Quer ver com mais detalhes a obra Guernica, do artista Pablo Picasso? Veja o vídeo Guernica 3D, publicado pelo canal hellArte, que mostra a obra em 3D. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=jc1NfxX 4c5LQ. Acesso em: 30 jun. 2020. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=jc1Nfx4c5LQ https://www.youtube.com/watch?v=jc1Nfx4c5LQ https://www.youtube.com/watch?v=jc1Nfx4c5LQ 12 Arte e Cultura O Brasil dispõe de várias manifestações artísticas desse período e, além disso, tem o parque com a maior quantidade de pinturas rupes- tres do mundo, o Parque Nacional da Serra da Capivara, localizado no estado do Piauí. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN, 2020), o parque – inaugurado em 1979, fundado e gerido pela antropóloga Niède Guidon – conta com aproximadamente 400 sítios arqueológicos e é considerado patrimônio da humanidade desde 1991. Vi to r 1 23 4/ W ik im ed ia C om m on s Au gu st o Pe ss oa /W ik im ed ia C om m on s Pinturas rupestres no Parque Nacional Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, no Piauí. M in is té rio d a Cu ltu ra /W ik im ed ia C om m on s Vi to r 1 23 4/ W ik im ed ia C om m on s Do ug la s Iu ri M ed ei ro s Ca br al /W ik im ed ia C om m on s Vi to r 1 23 4/ W ik im ed ia C om m on s Breve panorama sobre arte e cultura 13 Você consegue identificar quais figuras estão representadas? Per- ceba que a pintura rupestre tem várias cores e tonalidades, elas eram feitas com pigmentos naturais, como carvão vegetal, minerais, sangue, gordura e ossos queimados de animais, dentre outros materiais. Eram utilizados como ferramenta gravetos, pelo de animais e até a própria mão para criar os desenhos. Desde esse período até os dias atuais, os artistas utilizam, experi- mentam e criam diferentes materiais, suportes, técnicas e formas para se expressar, conforme o seu contexto histórico e a sua cultura. O poe- ta Paes (1990, p. 38) pensa a cultura como tudo aquilo de que a gente se lembra após ter esquecido o que leu. Revela-se no modo de falar, de sentar-se, de comer, de ler um texto, de olhar o mundo. É uma atitude que se aperfeiçoa no contato com a arte. Cultura não é aquilo que entra pelos olhos, é o que modifica seu olhar. A arte e a cultura estão diretamente conectadas. Assim como a arte, a cultura tem diferentes significados. Na próxima seção, confira outras concepções desse termo. Para saber mais sobre a arte rupestre, assista ao vídeo Niède Guidon e as origens do homem americano (1990), publicado pelo canal VerCiência. Trata-se de uma reportagem-documentário sobre as pesquisas da arqueóloga no Piauí. Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=oX7oToVioC0&t=427s. Acesso em: 30 jun. 2020. Vídeo Quer conhecer outras concepções de arte? Assista aos trechos do vídeo Celso Favaretto no Itaú Cultural: É isso arte?, publicado pelo canal Flavio Desgranges. Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v==XXG71XwqwII&tX 330s. Acesso em: 12 jun. 2020. Vídeo 1.2 Conceito de cultura Vídeo Nos dias de hoje, o conceito de cultura é amplamente utilizado, seja nos meios de comunicação, seja no cotidiano das pessoas. Apesar disso, você já percebeu que raramente paramos para refletir sobre o seu significado? Historicamente, não temos como especificar o exato momento em que esse termo começa a ser utilizado, porém, se con- siderarmos a etimologia da palavra, poderemos ter alguns indícios de sua origem. A palavra cultura vem do latim colere, cujo significado fazia referên- cia a diversos tipos de ações. Conforme explica Williams (2007, p. 117, grifos nossos): Colere tinha uma gama de significados: habitar, cultivar, pro- teger, honrar com veneração. Alguns desses significados final- mente se separaram nos substantivos derivados, embora ainda haja superposições ocasionais. Dessa maneira, “habitar” desen- volveu-se do latim colonus até chegar a colony (colônia). “Honrar com veneração” desenvolveu-se do latim cultus até chegar a cult https://www.youtube.com/watch?v=oX7oToVioC0&t=427s https://www.youtube.com/watch?v=oX7oToVioC0&t=427s https://www.youtube.com/watch?v=-XG-71wqwUI&t=330shttps://www.youtube.com/watch?v=-XG-71wqwUI&t=330s https://www.youtube.com/watch?v=-XG-71wqwUI&t=330s 14 Arte e Cultura (culto). Cultura assumiu o sentido principal de cultivo ou cuidado, incluindo, como em Cícero, cultura animi, embora com significa- dos medievais subsidiários de honra e adoração. No contexto do século XVI, o termo era utilizado para fazer referên- cia à ideia de cultivo, principalmente em termos agrícolas, assim como fazia menção às noções de habitar e cultuar. Já no século XVIII, o termo se aproxima da noção contemporanea- mente utilizada e começa a fazer referência ao desenvolvimento das potencialidades humanas, considerando, por exemplo, as obras artísti- cas como representantes de uma determinada cultura. A utilização do conceito de cultura no sentido figurado que atualmen- te conhecemos começou a ser empregada em fins do século XIX, fazen- do referência a tipos de cultura distintos. É nesse momento que a cultura deixa de ser compreendida somente como uma ação específica para en- globar o entendimento sobre as diversas formas de manifestação social. Para entendermos melhor a história desse conceito, é necessário compreendermos o contexto histórico em que esse termo começa a ser empregado, no sentido de descrever ações sociais voltadas para o desenvolvimento das faculdades humanas. Inicialmente, podemos destacar a polarização entre a utilização do conceito francês de cultura e do conceito alemão, que ocorreu no sé- culo XIX, visto que, ainda no século XVIII, o termo cultura foi inserido no idioma alemão, por meio do conceito de kultur. Esse contexto foi marcado pela consolidação das noções de civilida- de e de nacionalismo, que influenciaram o desenvolvimento do concei- to de cultura e, consequentemente, o seu significado. Para os alemães, inicialmente, o conceito de cultura era utilizado como uma espécie de sinônimo para civilização, entendimento asso- ciado à noção francesa. Esse significado era utilizado principalmente pela aristocracia alemã, que admirava a corte francesa, considerada elevada. Para os intelectuais alemães, entretanto, o conceito de cultura de- veria ser distinto da noção de civilização, porque, para essa categoria, a aristocracia compartilhava cerimoniais bastante supérfluos, o que fazia com que ela não fosse autêntica em termos culturais. Breve panorama sobre arte e cultura 15 A intelectualidade alemã considerava, então, que a aristocracia po- deria ser civilizada, porém sem possuir sua própria cultura, enfatizando o quanto a formulação desse conceito esteve relacionada à questão da estratificação social, principalmente em relação aos embates entre os aristocratas e os intelectuais. O conceito alemão de Kultur, no emprego corrente, implica uma relação diferente, com movimento. Reporta-se a produtos huma- nos que são semelhantes a “flores do campo”, a obras de arte, livros, sistemas religiosos ou filosóficos, nos quais se expressa a individualidade de um povo. (ELIAS, 1994, p. 24, grifos do original) Dessa forma, podemos considerar que o conceito alemão de cultura se torna mais restrito em comparação ao francês, buscando destacar o significado referente à produção cultural. Em relação ao conceito de nacionalismo, é com base nesse contexto que a cultura vai começar a ser compreendida como um conjunto de características que englobam diversos aspectos de um país; por exem- plo, os diferentes tipos de alimentação, de habitação e de costumes sociais. O sushi, no Japão, a pizza, na Itália, o croissant, na França, e a empanada, na Argentina, são exemplos de características culturais re- ferentes à alimentação. Esse embate entre franceses e alemães sobre o conceito de cultura originou dois entendimentos específicos sobre o significado do termo, que são recorrentemente utilizados atualmente nas Ciências Humanas. Enquanto o conceito francês contribuiu para o desenvolvimento da noção universalista, que considera a cultura de uma perspectiva mais geral, o alemão contribuiu para a noção particularista, sendo que am- bos buscaram estabelecer uma definição para cultura. O conceito de cultura é polissêmico, ou seja, pode ter significados diversos, dependendo do contexto e da intenção com a qual for em- pregado. Por isso, não pretendemos esgotar o debate acerca dessa questão, mas sim operacionalizar o entendimento que iremos ter no decorrer do texto em relação ao conceito de cultura. Consideramos que a pluralidade de um conceito demonstra sua complexidade, já que, variando de acordo com o contexto histórico, o termo cultura passou por processos de ressignificação. Cada sociedade tem o seu próprio entendimento do conceiX to de cultura. Por esse motivo, devemos evitar qualquer tipo de generalização e de hierarquiX zação entre as diversas culturas existentes, buscando valorizar a diversidade regional e as suas características. Importante 16 Arte e Cultura Um dos conceitos de cultura que iremos utilizar faz referência à compreensão de sua perspectiva simbólica, que engloba a noção de fenômenos culturais. Embora possa haver pouco consenso em relação ao significado do conceito em si, muitos analistas concordam que o estudo dos fenô- menos culturais é uma preocupação de importância central para as ciências sociais como um todo. Isto porque a vida social não é, simplesmente, uma questão de objetos e fatos que ocorrem como fenômenos de um mundo natural: ela é, também, uma questão de ações e expressões significativas, de manifestações verbais, símbolos, textos e artefatos de vários tipos, e de sujeitos que se expressam através desses artefatos e que procuram entender a si mesmos e aos outros pela interpretação das expressões que produzem e recebem. (THOMPSON, 2011, p. 165) Os símbolos, assim como as manifestações sociais em suas diversas formas, podem ser considerados uma parte integrante da noção de cul- tura, pois representam o grupo ou a sociedade na qual são elaborados. Um exemplo da utilização de símbolos em uma produção cultural é a representação do calendário elaborado pela sociedade Maia, na fi- gura a seguir, que mostra, entre outras características, a concepção do tempo cíclico. Representação dos símbolos presentes no calendário Maia. Al ex g6 3/ Sh ut te rs to ck Dessa forma, a utilização do conceito de cultura pode ser feito de maneira multidisciplinar, pois os fenômenos culturais podem ser abor- dados por diversas áreas do saber que utilizam recortes temáticos para analisar os bens culturais, sejam eles materiais ou imateriais. Breve panorama sobre arte e cultura 17 Outro sentido possível é o entendimento de que existe uma cons- trução do saber feita de modo coletivo, compreendida como uma ex- pressão ou um objeto resultante de diversos processos sociais. Um exemplo é a tradição musical de uma determinada região ou comunidade, que é elaborada por várias pessoas, como cantores, mú- sicos, compositores etc. É necessário que ao menos parte da população desse lugar se identifique com as canções produzidas e considere-as pertencentes à sua própria cultura. Dessa forma, para que um estilo de música seja considerado representante de uma cultura específica, é necessário que, de maneira direta ou indireta, a comunidade esteja envolvida no processo. Em relação ao uso do conceito de cultura na análise científica, cabe destacarmos que se relaciona, frequentemente, com as demais perspectivas, como a política e a economia. Outra concepção possível do conceito de cultura teve origem na área da antropologia, em fins do século XIX, sendo composto de uma postura de análise descritiva dos diversos modos de vida que fazem parte de uma sociedade. Nessa interpretação, ocorre uma tentativa de descrever as produ- ções culturais, sejam elas objetos originados da atividade humana, como obras de arte, ou a representação imaterial dos valores, hábitos e crenças de um determinado grupo. No contexto contemporâneo, o significado de cultura se amplia de modo considerável, principalmentepela inserção de novas for- mas de produção dos bens culturais, em decorrência das inovações tecnológicas. Um dos exemplos nesse sentido pode se dar por meio do resgate histórico proporcionado pela história dos meios de comunicação, que nos permite compreender a complexidade de criações como a máqui- na fotográfica e o cinema. Por fim, destacamos que “o estudo da cultura contribui no com- bate a preconceitos, oferecendo uma plataforma firme para o res- peito e a dignidade nas relações humanas” (SANTOS, 2005, p. 8). Assim, o estudo da cultura pode proporcionar a valorização e o res- peito às diversas formas culturais existentes, sem estabelecer uma hierarquização entre elas. O livro Meio Sol Amarelo, da escritora nigeriana Chimamanda Ngo- zi Adichie, aborda o contexto da Guerra de Biafra, uma guerra civil originada, entre outros motivos, por questões de diferenças culturais. Esse livro o ajudará a aprofun- dar seus estudos sobre a importância da cultura em nível social ADICHIE C. N. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. Livro 18 Arte e Cultura 1.3 Relação entre Arte e História Vídeo Ao pensarmos nas diversas possibilidades de relacionar a História com a Arte, cabe considerarmos como ocorreu o surgimento do campo de estudos denominado História da Arte, que se consolidou de modo acadêmico durante o século XIX. Ainda no século XVI, podemos observar os primórdios da perspec- tiva de análise que viria a ser característica da História da Arte, como a abordagem da vida dos pintores e a relação deles com o contexto em que viveram. A historicização da arte se torna objeto de racionalização nos es- critos do pintor florentino Giorgio Vasari (1511-1574), autor de uma série de biografias de artistas que possibilitam uma “leitura” retrospectiva da evolução das artes, pintura, escultura e arquite- tura, desde Giotto, no início do século XIV. A historiografia da arte nasce como concepção do tempo histórico. A obra Vidas dos mais ilustres pintores, escultores e arquitetos…, publicada pela primeira vez em Florença em 1550, com uma segunda edição ampliada em 1568, apresenta uma série de biografias de artistas e assinaturas individuais, que, além de amparar o desejo do artesão-pintor e do artesão-escultor de conquistar um reconhecimento social como profissional liberal, introduz a primeira interpretação teleológica da arte. (HUCHET, 2014, p. 226) Posteriormente, com o status acadêmico, a História da Arte se cons- tituiu uma extensão do saber histórico. É durante o século XIX que sur- gem as primeiras disciplinas nas universidades europeias voltadas para o estudo dessa área, delimitando, temporalmente, o surgimento dela como a conhecemos atualmente. Uma das principais características desse campo é a abordagem que relaciona a produção artística e o seu contexto histórico, tornando-se um tópico indispensável para a elaboração de análises que busquem compreender a obra de arte. Outra característica da História da Arte é a percepção da existência dos diversos movimentos artísticos, que surgiu de uma análise da pro- dução artística em escala ampliada, buscando identificar as semelhan- ças e as diferenças entre os diversos contextos históricos. Breve panorama sobre arte e cultura 19 Frequentemente, os movimentos artísticos se relacionam com seus predecessores, seja no intuito de reafirmar ou de negar as característi- cas da forma e/ou do conteúdo. Por isso, para entendermos um movi- mento artístico, é necessário compreender, também, o movimento que o antecedeu, para identificar essas vinculações. Destacamos, inicialmente, as principais contribuições da História para o estudo da Arte, porém, também cabe destacarmos os acrésci- mos dessa relação na produção do conhecimento histórico. Por meio da arte como fonte de pesquisa, o historiador pode ter acesso ao contexto histórico de diversos períodos, podendo elaborar sua análise de acordo com as obras selecionadas. Tudo o que os seres humanos produziram ao longo da história, desde algo extremamente sólido e impactante, como uma fortaleza, até uma manifestação muito mais delicada e fluida, como uma cantiga de ninar, reflete a relação que estabelecem entre si e com o meio que os cerca. Estabelecer a relação entre Arte e História, considerando a perspectiva de áreas distintas entre si, foi possível graças ao desenvol- vimento da interdisciplinaridade, uma vez que esse conceito foi funda- mental para o surgimento e desenvolvimento de diversos campos de estudo, como o da Cultura Material. A aproximação interdisciplinar possibilitou às diversas áreas percebe- rem que possuíam a Cultura Material como um objeto de estudo em co- mum, variando a abordagem ou a metodologia específica de cada análise. A cultura material, compreendida como bens produzidos pela ação humana que possuem um suporte físico, relaciona-se diretamente com o corpo, pois ambos estão na materialidade, já que a condição do ob- jeto permite ao indivíduo a experimentação dos sentidos sensoriais, como o toque, o olfato e o olhar. Dessa forma, podemos considerar que a cultura material é um pon- to de aproximação entre a área da História e a área da Arte, permitindo uma troca de conhecimento acerca de uma mesma tipologia de fonte. Em termos de cultura material, um dos exemplos mais conhecidos mundialmente é o Coliseu romano, inaugurado em 80 d.C., um anfitea- tro que servia para o entretenimento da população, com lutas entre os gladiadores. A interdisciplinaridade contribui para o desenvolvimento de uma perspectiva mais abrangente e vista por diversos ângulos. Busque pesquisas de duas áreas pertencentes ao campo da Cultura Material e compare as diferenças e semelhanças entre as metodologias utilizadas. Desafio 20 Arte e Cultura Fotografia do Coliseu romano, na Itália. ce sc _a ss aw in /S hu tte rs to ck Já no que se refere à área da História da Arte, que mencionamos no início desta seção, atualmente, diversos aspectos têm promovido uma mu- dança significativa, como o desenvolvimento tecnológico, por exemplo. Os desafios atuais passam pelo inevitável alargamento do campo e da tipologia do objeto de análise, bem como pelo recurso neces- sário a novas metodologias na sua abordagem. Isso não significa, contudo, que não permaneçam válidos e operativos métodos e perspectivas que pertencem ao core da disciplina, tal como se foi concebendo, estruturando e expandindo ao longo de século e meio. É bom não esquecer que continuarão a ser estudadas manifestações artísticas do passado e não apenas do presente. Os avanços da História, da Arqueologia, ou da Literatura Compa- rada, por exemplo, continuarão a trazer contributos para uma História da Arte, que continuará a propor enfoques parcelares para melhor iluminar o conjunto. No domínio dos novos ângulos de abordagem, que visam gerar novas sínteses, é difícil fugir às narrativas clássicas dominantes. (MACHADO, 2008, p. 527) As alterações decorrentes da contemporaneidade, como a globali- zação, também influenciam a produção do conhecimento referente à História da Arte, pois, cada vez mais, as discussões sobre as culturais nacionais se fazem presentes. Apesar dessas mudanças, cabe destacarmos que existem diversos referenciais já consolidados na prática do fazer histórico da Arte, que continuaram a ser utilizados como embasamento para a construção desse saber. O filme Caçadores de obras-primas é ambien- tado no contexto da Alemanha nazista e tem como base uma história real sobre um grupo de especialistas em arte enviados à Europa para resgatar centenas de obras que haviam sido saqueadas pelos nazistas. Aproveite para aprofun- dar seu conhecimento sobre a relação entre contexto histórico e arte. Direção: George Clooney. Alemanha; EIA: Columbia Pictures; 20th Century Fox, 2014. Filme Breve panorama sobre arte e cultura 21 Por fim, podemos observar que diversas alterações estão em curso no que se refere à relação estabelecida entre a Arte e a História;porém, essa aproximação conseguiu demonstrar a importância de se consi- derar ambas as perspectivas na elaboração do conhecimento, consoli- dando a prática interdisciplinar de diálogo entre as áreas. 1.4 Relação entre Arte e Sociologia Vídeo Como vimos na seção anterior, a Arte tem uma relação bastante pro- veitosa com a História, porém, existem outras áreas do conhecimento que também estabelecem diálogo muito significativo, como a Sociologia. Nesse sentido, podemos considerar que “a sociologia e as artes confi- guram relações teóricas e processuais possíveis, necessárias e visíveis nos campos científico, organizacional e comunitário” (AZEVEDO, 2017, p. 30). Para além dos debates acadêmicos, a relação que se estabelece en- tre a Arte e a Sociologia se estende para outros campos da vida em sociedade, contribuindo para uma perspectiva mais reflexiva das pro- duções culturais feitas pelos seres humanos. Uma das características da prática sociológica se constitui por meio da aproximação entre o embasamento científico e a análise social pelas experiências humanas. A prática docente do sociólogo constitui a prática científica e pe- dagógica acumulada e estruturada, mas enformada/informada pelas experiências pessoais e profissionais ligadas à investigação empírica e aos projetos de intervenção (a investigação aplicada). Nesse sentido, o investigador pode dominar as técnicas e o sa- ber-fazer e, nesse quadro, desenhar uma leitura dos processos sociais. (AZEVEDO, 2017, p. 39) Dessa forma, justamente por lidar com as experiências humanas em nível social, o pesquisador dessa área deve, necessariamente, con- siderar seus próprios referenciais na elaboração de suas abordagens. Essa prerrogativa também é necessária nas pesquisas e nos estu- dos elaborados de Arte, sendo fundamental que o pesquisador esteja consciente de suas preferências estéticas, a fim de evitar que sua aná- lise seja com base somente em opções pessoais. 22 Arte e Cultura O surgimento da Sociologia da Arte se originou de discussões rela- cionadas a questões estéticas e de perspectiva histórica, que buscavam evidenciar a importância da utilização do conceito de sociedade. Considerarmos a perspectiva sociológica na arte significa ponde- rarmos sobre a sociedade na produção de uma obra artística, ou seja, compreendê-la para além das características atribuídas pelo artista, buscando contextualizá-la no meio em que foi produzida. Atualmente, temos presenciado um aumento em relação à inserção das temáticas artísticas nas mais variadas áreas do saber. Alguns fato- res contribuem para a explicação desse contexto. Cotidianamente, convivemos com centenas de imagens, que nos são ofertadas das mais variadas formas, por exemplo, por meio da te- levisão e da internet. Nesse sentido, a perspectiva simbólica é uma das principais características da contemporaneidade, o que torna a com- preensão dos símbolos uma ação indispensável em nível social. Outro fator que também pode ser considerado para o aumento do interesse pelas temáticas artísticas é a constante transformação do conceito de obras de arte, que, cada vez mais, engloba diferentes for- matos e estilos. Atualmente, assiste-se a entrada, nos museus, do grafite, do hip- -hop, de trabalhos de coletivos de arte, o que seria impensável há tempos atrás. De outra perspectiva, a ordem cultural tornou-se mais fluida, desestruturando as antigas fronteiras entre a alta cultura e a cultura popular e rompendo as relações entre estra- tos sociais e estilos de vida. (CÂMARA, VILLAS BÔAS, BISPO, 2019, p. 470) Com a aproximação da noção de sociedade, a obra de arte deixa de ser representada somente por si mesma e passa a ser compreendida pelas diversas relações estabelecidas socialmente. Uma análise interessante que demonstra a importância da pers- pectiva social na abordagem da obra de arte faz referência à Fonte, de Marcel Duchamp. Na Fonte, a obra de arte não reside na materialidade do objeto pro- posto (aqui, um mictório), mas no ato de propô-lo para uma expo- sição no Salon des Indépendants; nas muitas histórias que narram como chegou a não ser exposto e como, por fim, ressurgiu quatro décadas mais tarde na forma de réplicas vendidas a algumas gale- rias e museus; nos muitos protestos e até atos de vandalismo que Um dos estilos que tem conquistado cada vez mais seu espaço é a arte de rua, como o grafite e o estêncil. Um dos princi- pais artistas da atualidade é Bansky, que utiliza esse pseudônimo e nunca revelou publicamente a sua identidade. Você pode ter acesso às obras desse artista acessando o site a seguir. Disponível em: https://www. banksy.co.uk/out.asp. Acesso em: 30 jun. 2020. Site https://www.banksy.co.uk/out.asp https://www.banksy.co.uk/out.asp Breve panorama sobre arte e cultura 23 provocou; nos comentários infindáveis que continuam a construir seu mito etc. Ou seja, a obra de arte abandonou o objeto produzi- do pelo artista para investir em contextos, palavras, ações, coisas, números... Daí a importância do contexto na arte contemporânea: é impossível contar a história da Fonte sem mencionar e explicar o contexto do Salon des Indépendants, a ausência de jurados, a presença de Duchamp entre os organizadores etc. etc. (HEINICH, 2014, p. 377, grifos do original) Duchamp foi um artista do século XX que simbolizou diversos pre- ceitos da arte moderna, a começar pela sua obra mencionada, compos- ta de um mictório produzido em escala industrial. A obra foi inscrita em uma exposição organizada pela Sociedade de Artistas Independentes em Nova Iorque, sendo exposta por trás de uma tela, devido à decisão do conselho da associação do qual Du- champ fazia parte e que se retirou logo em seguida. Apesar da repercussão inicial, a Fonte se tornou uma das principais obras de arte, tanto do Dadaísmo quanto da Arte Moderna, justamente por fazer referência ao contexto do artista, marcadamente industrial. Esse caso é um exemplo de como a obra de arte precisa ser com- preendida em seu contexto, pois a um observador desatento, que des- conhece os diversos aspectos em relação a produção da Fonte, pode considerá-la um simples objeto, desprovido de valor artístico. Réplica da Fonte de Duchamp, no Musee Maillol, em Paris. M ic ha L . R ie se r/ W ik im ed ia C om m on s 24 Arte e Cultura O artigo A ‘Fonte’ de Duchamp faz cem anos. Qual foi o impacto (e o legado) do mictório como obra de arte, de 2017, escrito por Juliana Domingos de Lima e publicado pelo Nexo Jornal, aborda o processo de criação da obra, relacio- nando-o com o contexto histórico do período e abordando o seu legado, em termos artísticos. Acesso em: 30 jun. 2020. https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/03/05/AX%E2%80%98Fonte%E2%80%99XdeXDuchampX XfazXcemXanos.XQualXfoiXoXimpactoXeXoXlegadoXdoXmict%C3%B3rioXcomoXobraXdeXarte Artigo 1.5 Os gabinetes de curiosidades e museus Vídeo Para a sociedade contemporânea, o acúmulo de objetos é uma prá- tica relativamente comum. Guardamos diversos tipos de bens mate- riais, seja por necessidade ou por recordação. Mas quando os seres humanos começaram a praticar o acúmulo de objetos? É muito difícil apresentarmos uma data específica, porém, podemos considerar que esse início tenha sido com o processo de se- dentarismo, no contexto de surgimento da Idade Antiga. Apesar disso, podemos considerar como um dos marcos históricos em relação à prática da acumulação de bens materiais o surgimento dos gabinetes de curiosidade, lugares destinados à preservação de di- versos objetos. Esses espaços podem ser considerados os antecesso- res do museu moderno, pois demonstram a tentativa de preservar os objetos para as gerações posteriores. O contexto histórico que deu origem aos gabinetes de curiosidade se passou na Europa do século XVI, época marcada pela chegada dos europeus em território americano. Com a exploração de novos territórios, foram encontrados novos espécimes e objetos, considerados exóticos por não seremoriginários do espaço europeu. Dentre esses diversos objetos, podemos citar a presença de fósseis e de bens culturais materiais, tendo em vista que também houve rela- tos inverídicos sobre a existência de objetos místicos nessas coleções, como vestígios de dragões. https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/03/05/A-%E2%80%98Fonte%E2%80%99-de-Duchamp-faz-cem-anos.-Qual-foi-o-impacto-e-o-legado-do-mict%C3%B3rio-como-obra-de-arte https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/03/05/A-%E2%80%98Fonte%E2%80%99-de-Duchamp-faz-cem-anos.-Qual-foi-o-impacto-e-o-legado-do-mict%C3%B3rio-como-obra-de-arte Breve panorama sobre arte e cultura 25 A formação dos gabinetes de curiosidade teve influência do conhe- cimento enciclopédico, que contribuiu para a estipulação de duas divi- sões dos objetos: a Naturalia e a Mirabilia. Outra característica dos gabinetes de curiosidade foi a difusão de catálogos e a elaboração de ilustrações científicas que, com o passar do tempo, foram sendo ampliados e evidenciaram a importância da classificação dos objetos preservados. O desenvolvimento do Renascimento como movimento cultural também contribuiu para a existência dos gabinetes de curiosidade, com incentivo das elites europeias, pois a aquisição de coleções era restrita às classes sociais mais abastadas, que tinham condições de adquirir e manter os diversos bens selecionados. A partir do século XVII, os gabinetes de curiosidade foram deixando de existir, principalmente em razão do surgimento de coleções espe- cializadas, que instituíram novas formas de categorização dos objetos. W eb G al le ry o f A rt/ Ar t o f m an lin es s / W iki m ed ia C om m on s Fonte: REMPS, D. Gabinete de Curiosidade, 1690, óleo sobre tela. 99 x 137 cm. Museu dell’Opificio delle Pietre Dure, Florença, Itália. Já a palavra museu tem origem no termo grego mouseion, que era o nome dado ao Templo das Musas, na Grécia Antiga, que eram as filhas de Zeus com a deusa Mnemosine; esta simbolizava a memória. O templo já abrigava várias referências à arte e à cultura, com as musas representando aspectos relacionados a esse universo, como Clio, musa da história, e Euterpe, musa da música. A categoria Naturalia era composta de espécimes do meio natural, sendo classificados em três reinos: animalia (animal); vegetalia (vegetal) e mineralia (mineral). Já a categoria Mira- bilia incluía objetos produzidos pela ação humana, por isso tinha a classificação chamada artificiali. Saiba mais 26 Arte e Cultura Cronologicamente, o termo museu começou a ser empregado no Renascimento para designar espaços destinados a guardar objetos e artefatos culturais. Podemos considerar que: os museus e demais espaços de cultura são depositários da memória de um povo, encarregados pela preservação das obras produzidas pela humanidade, com suas histórias, com os meios próprios de que dispõem. São espaços de produção de co- nhecimento e oportunidades de lazer. Seus acervos e exposições favorecem a constru- ção social da memória e a percepção crítica da sociedade. (COELHO, 2009, p. 5) Em 2001, durante a Assembleia Geral do International Council of Museums (ICOM), o concei- to de museu foi ampliado para abranger outras ins- tituições, como os centros culturais. Além de o museu ser um espaço destinado à preservação do patrimônio por excelência, foi cria- do com a ideia de representar, majoritariamente, as classes altas e suas memórias, bem como os ideais nacionais. Reconhecidamente, o primeiro museu foi o Louvre, criado no ano de 1793, após a Revolução Francesa. Ele permitiu maior acesso aos bens rela- cionados aos reis e à nobreza, também auxiliando na consolidação do nacionalismo francês. Lo s po et as /W ik im ed ia C om m on s Pintura da musa Euterpe, de Camille Roqueplan (1803-1855). W eb G al le ry o f A rt/ W ik im ed ia C om m on s Pintura da musa Clio, de Pierre Mignard (1612-1695). Breve panorama sobre arte e cultura 27 Ch ris te r G un de rs en /W ik im ed ia C om m on s Fotografia do museu do Louvre, em 2017. No Brasil, a primeira instituição museológica a ser criada foi o Museu Real, atualmente conhecido como Museu Nacional, no estado do Rio de Janeiro. Foi instituído ainda no período colonial, no ano de 1818. A maioria dos outros museus no país foram criados já no século XX, principalmente após a década de 1920. Para além dos marcos históricos relacionados à construção dos edi- fícios, é possível também traçarmos um histórico dos museus por meio de suas coleções e dos objetos que abrigam. A história dos museus poderia se inspirar nos caminhos dos ma- terial studies e da antropologia para rever seus pontos de vista, e passar do ponto de vista da instituição para aquele dos objetos tradicionalmente qualificados como objetos de museu. A definição desses objetos evoca um certo número de características, sua quali- dade, particularmente a qualidade histórica e artística, ou ainda pa- trimonial, a capacidade de suscitar “amigos” em torno deles, enfim, sua utilidade pública. (POULOT, 2013, p. 27, grifo nosso) Um exemplo de objeto que faz parte da maioria dos museus, porém é pouco estudado de maneira separada, são os tecidos, que recente- mente têm sido valorizados nos estudos nacionais. Em 2 de setembro de 2018, o Museu Nacional sofreu um incêndio devastador, e o evento foi considerado uma catástrofe da história da instituição. Diversas instituições se movimen- taram para a recons- trução do museu. Veja mais informações no site AgênciaBrasil. Disponível em: https://agenciabrasil. ebc.com.br/geral/noticia/2019X08/ reconstrucaoXdoXmuseuXnacionalX entraXemXnovaXfase. Acesso em: 30 jun. 2020. Saiba mais https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-08/reconstrucao-do-museu-nacional-entra-em-nova-fase https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-08/reconstrucao-do-museu-nacional-entra-em-nova-fase https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-08/reconstrucao-do-museu-nacional-entra-em-nova-fase https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-08/reconstrucao-do-museu-nacional-entra-em-nova-fase 28 Arte e Cultura Embora ainda sejam pouco mencionados, “as menções aos tecidos são eventuais, como por certo foram eventuais os registros dos próprios museus e pesquisadores sobre aqueles objetos” (PAULA, 2006, p. 253). Um dos fatores que impactam essa realidade é o próprio suporte físico do tecido, que tende a ser um objeto com uma existência relati- vamente baixa, mesmo nas condições adequadas, embora a presença dessas condições possa contribuir para o prolongamento da vida útil dos materiais têxteis. Além da perspectiva relacionada ao estudo dos objetos museológi- cos em contrapartida à história das instituições, na atualidade, impor- tantes debates sobre a concepção do espaço do museu e de sua função social têm surgido. Dentre os tópicos desses debates, destacamos as reflexões acerca da relação estabelecida entre o museu e o público que o frequenta, considerando que, cada vez mais, esses espaços têm sido frequenta- dos por grandes públicos, bastante diversos entre si em alguns casos, modificando a ideia de que os museus eram destinados somente às classes altas. Outro aspecto referente às temáticas contemporâneas sobre o mu- seu é a especialização em conjunto de temas, processo que só come- çou a acontecer de maneira significativa a partir do século XX, quando se multiplicaram os museus de arte e de ciência. Enfatizamos ainda a relação entre o espaço museológico e os meios de comunicação, como a televisão e a internet, os quais, em um primei- ro momento, pareciam anunciar o fim dessas instituições, mas anun- ciavam somente o término da sua obsolescência. O museu atual é, desse modo, um lugar bastante diferenciado de seus precursores no século XVIII, pois interage com as novas tecnolo- gias, seja na constituição e conservação de seus acervos ou na comu- nicação institucional. Também existem mudançassignificativas quanto ao espaço físico, como a anexação de locais destinados à alimentação e à venda de souvenirs. A obra Inovações, coleções, museus é composta de 13 artigos que abordam diversas temáticas rela- cionadas ao patrimônio, às instituições e às inovações que permeiam esse universo. Tem um enfoque significativo no processo de formação das coleções e nos espa- ços por elas ocupados. Os autores têm diversas nacionalidades e forma- ções, o que proporciona um olhar abrangente sobre o patrimônio e de seus mais variados aspectos. BORGES, M. E. L. (org.). Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. Livro Breve panorama sobre arte e cultura 29 CONSIDERAÇÕES FINAIS A arte e a cultura se constituem práticas fundamentais da vida em sociedade, tendo cada contexto histórico seu próprio entendimento so- bre o significado desses conceitos. Dessa forma, é indispensável que a diversidade cultural seja valorizada e preservada, pois ela representa as diferentes formas de manifestação humana nos mais variados espaços e períodos. Nesse sentido, as áreas do conhecimento, como Arte, História e Socio- logia, devem ser respeitadas em âmbito social, pois se dedicam ao estudo e à preservação das diversas formas culturais e artísticas, buscando abor- dá-las em seus contextos. A preservação não deve ficar restrita somente aos lugares destinados para isso, como os museus, mas deve ser uma realidade presente no co- tidiano, por meio da conscientização individual. ATIVIDADES 1. A noção de cultura pode variar conforme o contexto no qual ela está inserida, e as características culturais de um grupo ou de um país fazem referência a esse processo. Considerando as discussões sobre o conceito de cultura, discorra sobre essa concepção evidenciando algumas das principais características culturais de uma sociedade. 2. A Arte estabelece relações com diversas áreas do conhecimento, como a História e a Sociologia; a interdisciplinaridade é um fato que contribuiu para essa aproximação. Explique de que maneira a perspectiva interdisciplinar contribui para o desenvolvimento do conhecimento na área da Arte. 3. Na condição de instituição, os museus em geral têm buscado cada vez mais atualizar-se em relação ao contexto contemporâneo, desenvolvendo ações e práticas que permitem maior interação por dos visitantes. Cite exemplos de mudanças no espaço museológico que contribuem para a adequação ao contexto atual. 30 Arte e Cultura REFERÊNCIAS AZEVEDO, N. Artes e inclusão social: projetos e ações enquanto experiências metodológicas. Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Número temático – Processos sociais e questões sociológicas, p. 28-41, 2017. Disponível em: http://www. scielo.mec.pt/pdf/soc/ntematico7/ntematico7a04.pdf. Acesso em: 1 jul. 2020. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394. htm. 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São Paulo: Boitempo, 2007. As interfaces e abordagens da arte 31 2 As interfaces e abordagens da arte A arte tem várias interfaces e abordagens e, neste capítulo, apresentaremos algumas delas. Mas, afinal, o que é interface e abordagem? Interface é uma palavra que tem diferentes significados, vamos utilizá-la no sentido de comunicação entre duas áreas, apresen- tando as relações entre arte e política, arte e tecnologia e arte e comunicação. Já a abordagem é uma forma de apresentar um determinado assunto; nesse caso, mostraremos a multiculturalidade, a inter- culturalidade e a interdisciplinaridade no ensino de Arte. Vamos percorrer essa trajetória? 2.1 Arte e política Vídeo A produção artística se modifica de acordo com o contexto histórico no qual está inserida, influenciando as características das obras de arte. Para começarmos a estabelecer relações entre a arte e a política, é fundamental compreendermos, em um primeiro momento, que tanto o fazer político quanto o fazer artístico possuem um certo grau de au- tonomia; permitindo que existam de maneira dissociada. O fazer artístico se relaciona com as diversas variações das ações cotidianas, tendo como uma de suas características principais a asso- ciação com o campo da visualidade. Ao mesmo tempo, podemos abor- dar a conceituação do termo política, buscando evidenciar elementos que permitam relacionar esse aspecto com o fazer artístico. A política é a atividade que reconfigura os âmbitos sensíveis nos quais se definem objetos comuns. Ela rompe a evidência sensível 32 Arte e Cultura da ordem “natural” que destina os indivíduos e os grupos ao comando ou à obediência, à vida pública ou à vida privada, vo- tando-os sobretudo a certo tipo de espaço ou tempo, a certa maneira de ser, ver e dizer. [...] A política é a prática que rompe a ordem da polícia que antevê as relações de poder na própria evidência dos dados sensíveis. Ela o faz por meio da invenção de uma instância de enunciação coletiva que redesenha o espaço das coisas comuns. (RANCIÈRE, 2012, p. 60)Nesse sentido, podemos considerar que a política enfatiza as carac- terísticas relacionadas ao exercício do poder, seja no âmbito individual ou no social, principalmente pela instauração de um espaço comum. Quando pensamos no estabelecimento das relações entre arte e po- lítica, podemos destacar, inicialmente, a inserção de temáticas que vão de encontro às demandas sociais expressas de modo reivindicatório. Um exemplo específico em relação a esse aspecto é a representa- ção dos debates feministas na produção artística. Uma obra de arte feminista não visa a garantir a nossa admira- ção, mas sim a incitar uma mudança na maneira como as mu- lheres são consideradas e tratadas na nossa sociedade. Se ela tem esse efeito, se ela faz os espectadores perceberem injusti- ças onde antes eles não viam nada ou eram indiferentes ao que viram, ela é artisticamente excelente. Pode-se estudar a obra a partir da perspectiva de como ela alcança o efeito pretendido. Todavia, esse não é o modo primordial pelo qual estamos des- tinados a nos relacionar com ela. A obra se destina a mudar a maneira como aqueles que a veem percebem o mundo. (DANTO, 2015, p. 124) A intencionalidade da obra artística na perspectiva política se confi- gura, desse modo, como uma característica que tem o intuito de ques- tionar o estabelecimento das normas sociais. Dessa forma, a obra de arte que tem como temática questões polí- ticas busca possibilitar ao público que com ela interage uma nova com- preensão das relações humanas e do mundo como um todo. Outra característica associada com a relação entre arte e polí- tica que podemos identificar é a tendência de um tensionamento dos espaços institucionais. A contestação ao entendimento de que somente os lugares tradicionais, como os museus, estariam destina- dos à promoção da arte possibilitou a difusão das produções artísti- cas para outros espaços. Para conhecer um pouco mais o trabalho do filósofo Jacques Rancière, leia a entrevista A política tem sempre uma dimensão estética, de Gabriela Longman e Diego Viana, publicada no site da revis- ta Cult. Disponível em: https://revistacult. uol.com.br/home/entrevista- jacques-ranciere/. Acesso em: 31 jul. 2020. Leitura Assista ao vídeo Especial mulheres na Arte, publica- do pelo canal DW Brasil, e conheça a trajetória de três mulheres que são referências na arte: a coreógrafa Sasha Waltz, a fotógrafa e cineasta Shirin Neshat e a artista performática Marina Abramović. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=xH79ap5CiKI&t=4s. Acesso em: 31 jul. 2020. Vídeo https://revistacult.uol.com.br/home/entrevista-jacques-ranciere/ https://revistacult.uol.com.br/home/entrevista-jacques-ranciere/ https://revistacult.uol.com.br/home/entrevista-jacques-ranciere/ https://www.youtube.com/watch?v=xH79ap5CiKI&t=4s https://www.youtube.com/watch?v=xH79ap5CiKI&t=4s https://www.youtube.com/watch?v=xH79ap5CiKI&t=4s As interfaces e abordagens da arte 33 O processo de ruptura com os museus como bastiões da alta cul- tura que passam a se abrir para o grande público e, fazendo uso do discurso crítico das vanguardas, passam a colocar em xeque critérios estabelecidos pela autonomia da arte ocupa, com efeito, grande parte das reflexões sobre instituições museais na contem- poraneidade. Iniciado nos idos dos anos 1960 e levado a efeito a partir dos anos 1970, o processo se deu também no Brasil e pare- ce vir realmente tendo efetividade no mundo da vida contemporâ- nea. (SANT’ANNA; MARCONDES; MIRANDA, 2017, p. 832) O rompimento que ocorre se dá com a concepção de que as obras de arte deveriam estar restritas a espaços específicos. Outros lugares, como as ruas, começam a ser vistos de outra perspectiva. Nesse sentido, um dos principais exemplos contemporâneos são as obras do artista britânico Banksy, o qual não tem sua identidade reve- lada, fato que causa polêmica em diversos meios sociais. Suas obras se destacam por serem feitas de estêncil em murais públicos e pela utilização de uma técnica que pode ser considerada transgressora (o estêncil). O artista ultrapassa os muros institucionais, fazendo com que a arte ocupe as ruas. Os temas abordados são atuais e frequentemente políticos; retrata- dos de maneira irônica, fazem parte da chamada arte de rua, original- mente conhecida como street art. A street art surgiu como um movimento considerado underground, nos EUA, na década de 1970, tendo poste- riormente se difundido para diversos outros lugares. Na figura ao lado, podemos observar uma obra feita por Banksy que faz referência à Guerra do Vietnã, ocorrida no período de 1955 a 1975. O estêncil feito pelo artista foi inspirado em uma fotografia de Nick Ut, que se tornou mundialmente conhecida e ganhou o prêmio Pulitzer. O livro Grafite: labirintos do olhar aborda questões fundamentais sobre a arte urbana, em específi- co o grafite, apresentan- do diversas referências sobre o assunto. LONGMAN, G.; LONGMAN, E. São Paulo: BEI Editora, 2017. Livro A plataforma Google desenvolveu um site específico para a street art. Vale a pena dar uma conferida. Disponível em: https://streetart. withgoogle.com/pt/online- exhibitions. Acesso em: 31 jul. 2020. Site Essa obra de Banksy faz referência à icônica fotografia tirada em 1972, que retrata a menina Kim Phúc fugindo de um ataque a bomba. É evidente a crítica ao american way of life (estilo de vida americano), representado pela inserção dos personagens Mickey Mouse e Ronald McDonald. Br itc hi M ire la /W ik im ed ia C om m on s https://streetart.withgoogle.com/pt/online-exhibitions https://streetart.withgoogle.com/pt/online-exhibitions https://streetart.withgoogle.com/pt/online-exhibitions 34 Arte e Cultura 2.2 Arte e tecnologia Vídeo Ao olhar o título desta seção, você pode estar se perguntando: qual será a relação entre arte e tecnologia? A conexão dessas duas áreas começa pelo significado das palavras, tanto arte quanto tecnologia são consideradas técnicas. Mas é impor- tante salientar que os conceitos dessas duas áreas são mais amplos. Quando se fala em tecnologia, qual é a primeira imagem que vem à sua mente? Muitas vezes, as respostas estão relacionadas a computa- dores, celulares, câmera digital, webcam, entre outros equipamentos. A tecnologia, no entanto, vai além desses aparelhos eletrônicos. Segundo Kenski (2012, p. 24), a tecnologia refere-se: ao conjunto de conhecimentos e princípios científicos que se aplicam ao planejamento, à construção e à utilização de um equipamento de um determinado tipo de atividade, chamamos de [...]. Para construir qualquer equipamento – uma caneta esfe- rográfica ou um computador –, os homens precisam pesquisar, planejar e criar o produto, o serviço, o processo. Podemos concluir que, com o tempo, o homem vai aprimorando o produto, tornando-o mais sofisticado. Vale lembrar que “o uso de tec- nologia em arte não acontece somente em nossos dias. A arte, em to- dos os tempos, sempre se valeu das inovações tecnológicas para seus propósitos” (PIMENTEL, 2012, p. 128). Algumas linguagens da arte, como a gravura, a fotografia e o ci- nema “levaram algum tempo para serem reconhecidas como Arte” (PIMENTEL, 2012, p. 129). Uma das questões levantadas se refere à tec- nologia utilizada pelos artistas que possibilitou fazer várias cópias de uma obra por meio de uma matriz. Assim, a obra de arte deixa de ser um objeto único. É importante destacar que, quando não existia a fotografia, os pin- tores levavam dias, meses e até anos para registrar uma paisagem, uma pessoa, um objeto. Com o surgimento desse recurso, esse regis- tro passa a ser muito mais rápido, além da reprodução parecer mais próxima da realidade. Em relação ao cinema, um fato curioso aconteceu na primeira exi- bição de um filme, em 1895, na cidade de Paris. Muitas pessoas que As interfaces e abordagens da arte 35 nunca tinham visto imagens em movimento, quando viram a cena de um trem vindo em sua direção, saíram correndodo local. No contexto contemporâneo, a reação dos espectadores, descritas por essas narrativas, parece ser bastante exagerada, porém, se con- siderarmos a mentalidade da época e o fato de essas pessoas nunca terem visto imagens em movimento, como no cinema, esse comporta- mento se torna mais compreensível. A arte e a cultura se transformam com o tempo. Os artistas inseri- dos nesse contexto histórico vão experimentando, criando e recriando outros suportes, materiais e maneiras de apresentar o seu trabalho. Uma ferramenta que vem sendo utilizada nos processos de criação nas últimas décadas é o computador, equipamento que pode potencializar as tradicionais técnicas de arte (VENTURELLI; TELLES, 2007). Segundo a pesquisadora Almeida (2011, p. 61) “o artista contem- porâneo atento ao desenvolvimento tecnológico e científico vai incor- porando novas ferramentas, que são meios diferentes de trabalho, buscando nas diversas áreas do conhecimento um compartilhar de ideias”. Mas você sabe o que é arte tecnológica? Arte tecnológica é “toda atividade ou toda prática denotada como ‘artística’ que serve das novas tecnologias como meios em vista de um fim artístico” (DOMINGUES, 2011, p. 38). Alguns exemplos são videoinstalações, arte na rede, videoarte, performances em ambientes virtuais, ciberinstalação etc. Li bj br /P at fa rm / F b7 8/ W ik im ed ia C om m on s Nam June Paik, artista sul-coreano, costuma ser creditado por ter sido o responsável pela criação da videoarte. As obras desse artista são exemplos de inovação e uso da tecnologia na arte. Ficou curioso para ver a cena? Você pode confe- ri-la no vídeo A chegada de um trem na estação, Irmãos Lumière, 1895, o primeiro filme da huma- nidade, publicado pelo canal andrio filmes. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=RP7OMTA4gOE. Acesso em: 31 jul. 2020. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=RP7OMTA4gOE https://www.youtube.com/watch?v=RP7OMTA4gOE https://www.youtube.com/watch?v=RP7OMTA4gOE 36 Arte e Cultura Um espaço que reúne algumas dessas produções artísticas é o Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (FILE), que acontece desde 2000 na cidade de São Paulo, com algumas mostras em outras capitais do Brasil. Esse evento apresenta o que está sendo produzido na contemporaneidade e é dividido nas seguintes categorias: sonorida- de eletrônica, arte interativa e linguagem digital. A sétima edição do FILE aconteceu no Centro Cultural Fiesp, em São Paulo, em 2006. Ri ca rd o Ba rre to /W ik im ed ia C om m on s A artista e pesquisadora Domingues (2011, p. 37), ao pensar a arte e a tecnologia, afirma que é “a diluição do conceito de artista que dis- persa a sua autoria”. Isso se dá porque a produção artística envolve profissionais de diferentes áreas, até mesmo o público, que poderá modificar, por meio de sua interação, a proposta inicial do artista. Ela aponta, ainda, que “as tecnologias digitais favorecem a arte da partici- pação, a arte da comunicação. A interatividade é a palavra-chave das tecnologias digitais, propiciando a interação no sentido estrito do ter- mo” (DOMINGUES, 2011, p. 37). No Brasil, temos muitos artistas contemporâneos que trabalham com a tecnologia. Um dos precursores é o carioca Eduardo Kac, que cria obras digitais, holográficas, de telepresença, entre outras. Veja a diversidade de produções exibidas no FILE acessando o site do festival. Disponível em: https://file.org.br/ file_sp_2019/?lang=pt. Acesso em: 31 jul. 2020. Site https://file.org.br/file_sp_2019/?lang=pt https://file.org.br/file_sp_2019/?lang=pt As interfaces e abordagens da arte 37 Obra Genesis, de Kac, apresentada em 1999 no Festival de Arte Eletrônica, na Áustria. Da ve P ap e/ W ik im ed ia C om m on s A figura anterior é de uma obra que inaugura a “arte transgênica”. Nesse trabalho, Kac criou um “gene de artista”, por meio de trechos do Velho Testamento em inglês. O gene é inserido nas bactérias, que estão dentro de uma placa de vidro colocada sob uma caixa de luz ultraviole- ta; esta é controlada pelo público por meio de um site. Ao acionar a luz, o código genético é alterado. Achou inusitada essa obra? Imagine que ela foi apresentada ao públi- co em 1999. Desde esse período até os dias atuais, muitos outros recur- sos tecnológicos foram apropriados e reinventados pelos artistas. Outros artistas que têm uma grande produção na arte tecnológica são: Diana Domingues, Guto Lacaz e Gilbertto Prado. Eles são, também, pesquisadores, escritores e professores universitários. Acesse os links a seguir para visualizar as obras desses artistas multimídia. Diana Domingues http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra63338/firmamento-popstar Guto Lacaz http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra35180/phoenix Gilbertto Prado https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra36070/94-fragmentos-de-azul Como bem lembra Domingues (2011, p. 60), “os diferentes posi- cionamentos dos artistas que investigam tecnologias como meios de criação deixam evidente que as tecnologias influenciam nossas for- mas de ser com o mundo, pois modificam nossas maneiras de sentir, amplificando-nos”. http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra63338/firmamento-popstar http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra35180/phoenix https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra36070/94-fragmentos-de-azul 38 Arte e Cultura Os museus também têm mudado a forma de apresentar as obras do seu acervo, empregando diferentes recursos tecnológicos, tornan- do as exposições mais atrativas, interativas e acessíveis aos visitantes. Alguns exemplos são: audioguias; QR codes, que são colocados próxi- mos às obras (quando o visitante posiciona o seu celular em frente ao código é direcionado para um site que apresenta informações sobre a obra e/ou o artista); vídeos com explicações sobre a exposição com in- térprete de LIBRAS; obras impressas em 3D, para que as pessoas cegas possam tocá-las, entre outros. Para ler um QR code, basta apontar a câmera do smartphone para o código. Em alguns casos, é necessário baixar um aplicativo que faça a leitura. ra vip at /S hu tte rs to ck “Em todas as épocas, o aparato tecnológico ocupa o centro vivo das diferentes culturas e determina as relações do homem com seu am- biente” (DOMINGUES, 2012, p. 61). Portanto, essa relação da arte com a tecnologia é histórica e não temos a pretensão de esgotar o assunto, mas ampliar o olhar sobre a temática. 2.3 Arte e comunicação Vídeo A arte e a comunicação existem desde os primórdios da humanida- de e, com o passar dos tempos, essas duas áreas foram cada vez mais convergindo. Vários teóricos apresentam diferentes perspectivas sobre a defini- ção do termo comunicação. Uma delas é da autora Santaella (2001, p. 22), que, com base em vários estudos, apresenta um conceito amplo: Para saber mais sobre como a arte é impactada pela tecnologia, assista à entrevista com artistas e instituições, feita por Ronaldo Lemos e publica- da pelo Canal Futura. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=HwL3C_ x38tQ. Acesso em: 31 jul. 2020. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=HwL3C_x38tQ https://www.youtube.com/watch?v=HwL3C_x38tQ https://www.youtube.com/watch?v=HwL3C_x38tQ As interfaces e abordagens da arte 39 A transmissão de qualquer influência de uma parte de um siste- ma vivo ou maquinal para uma outra parte, de modo a produ- zir mudança. O que é transmitido para produzir influência são mensagens, de modo que a comunicação está basicamente na capacidade para gerar e consumir mensagens. A pesquisadora classifica a história da comunicação em seis catego- rias, conforme mostra a figura a seguir. 1 3 5 2 6 Era da comunicação oral Era da comunicação impressa Era da comunicação midiática Era da comunicação escrita Era da comunicação propiciada pelos meios de comunicação em massa Era da comunicação digital 4 Fonte: Santaella, 2005, p. 9. Vamos dar enfoque à era da comunicação digital, por ser a maisatual. Com o surgimento da internet, essa nova tecnologia da comunica- ção apresenta “grandes impactos na organização social e na forma com que os indivíduos se percebem no tempo e no espaço” (CRUZ, 2010, p. 12). Ao mesmo tempo que o acesso à informação é popularizado, tor- nou-se possível o controle de dados dos usuários. Os artistas também possuem posições distintas frente às con- sequências das novas tecnologias da comunicação na arte e na sociedade. Enquanto alguns veem nas novas mídias digitais poten- cialidades estéticas e sociais, outros pretendem desmistificar as su- postas transformações libertadoras trazidas por estas. Também há aqueles que se utilizam dessas tecnologias sem se posicionarem sobre o seu significado cultural amplo. (CRUZ, 2010, p. 12) 40 Arte e Cultura Você já parou para pensar em como as instituições relacionadas à arte utilizam as tecnologias de comunicação para a apresentação das obras, dos(as) artistas, além da interação com o público? O avanço da tecnologia proporcionou visitas virtuais por museus, teatros, galerias e salas de concerto no mundo todo, sem o público precisar sair de casa. As visitas possibilitam que o internauta visualize as obras em outras perspectivas, com zoom, além de ampliar o seu re- pertório sobre a obra e a biografia do artista. Temos como exemplo de visitas virtuais: a Pinacoteca 1 ; a Sala São Paulo 2 e o Theatro Munici- pal 3 , localizados na cidade de São Paulo; o Museu Frida Kahlo, também conhecido como La Casa Azul, que fica na Cidade do México; o famoso Museu do Louvre 4 , em Paris, entre outros espaços. An ag or ia /N ac ht wä ch te r/ W ik im ed ia C om m on s Fachada do Museu Frida Kahlo e pirâmide no pátio que exibe peças pré-hispânicas. Alguns museus e galerias também proporcionam visitas virtuais pelo projeto Google Arts & Culture, utilizando a tecnologia street view (visualização panorâmica), que conta com a parceria de mais de 2 mil instituições, como o Museu Oscar Niemeyer, localizado em Curitiba (PR), o Museu Nacional, que fica no Rio de Janeiro (RJ), e o Museu de Inhotim, em Brumadinho (MG). Muitos museus, teatros, conservatórios de música e galerias e fun- dações culturais também utilizam a internet e as redes sociais para se aproximar do público, oferecendo acesso ao acervo virtual de referên- cias bibliográficas, jogos, vídeos, entre outros. Um exemplo é o site do Museu Afro Brasil 5 , que disponibiliza jogo dos 7 erros, caça-palavras, quizzes, desenhos para colorir, acervo e catálogo on-line. Disponível em: http://www. iteleport.com.br/tour3d/ pinacoteca-de-sp-acervo-per- manente/?utm_medium=web- site&utm_source=archdaily. com.br. Acesso em: 31 jul. 2020. 1 Disponível em: http:// www.salasaopaulo.art.br/ paginadinamica.aspx?pagi- na=visitavirtualstreetview&fb- clid=IwAR2yxnKbW1EBY7xCm- NaLUnpmDFbI2_ljZimltEelB- qUEvTNv1IQm_4J7x_A. Acesso em: 31 jul. 2020. 2 Disponível em: https://theatro- municipal.org.br/pt-br/tour-vir- tual/. Acesso em: 31 jul. 2020. 3 Disponível em: http://musee. louvre.fr/visite-louvre/index. html?defaultView=rdc.s46. p01&lang=ENG. Acesso em: 31 jul. 2020. 4 Que tal você fazer uma visita virtual pelo Museu Frida Kahlo? Tenha essa experiência acessando o link a seguir. Disponível em: https://www. museofridakahlo.org.mx/es/el- museo/visita-virtual/. Acesso em: 31 jul. 2020. Site Disponível em: http://www. museuafrobrasil.org.br/divirta- -se. Acesso em: 31 jul. 2020. 5 As interfaces e abordagens da arte 41 Além disso, muitas dessas instituições fazem uso dos canais de ví- deo no YouTube, em que apresentam exposições, projetos, cursos, en- trevistas com artistas, seminários, entre outros eventos. Três canais de grande relevância artística e cultural são: o do Museu de Arte de São Paulo (MASP) 6 , o do Instituto Itaú Cultural 7 e do Instituto do Patrimô- nio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) 8 . Muitos artistas e muitas companhias de teatro e dança têm utilizado as redes sociais para divulgar o seu trabalho. Um exemplo é o Grupo Corpo, uma companhia de dança de Belo Horizonte (MG), com contas no Instagram e no Facebook, que publica fotografias e vídeos dos en- saios e espetáculos, bem como reportagens e outras informações. As tecnologias da comunicação aproximam o público dos museus e dos artistas e permitem visualizar espetáculos e exposições, mas não substituem a experiência de ver uma obra ao vivo e em cores ou de conhecer um espaço cultural. Disponível em: https://www. youtube.com/channel/UCn3RTL- TgiO7TjfG7juhFM1g. Acesso em: 31 jul. 2020. 7 Disponível em: https://www. youtube.com/channel/UCl_tZ- 6fP9TdaATguYYRC1XA. Acesso em: 31 jul. 2020. 6 Conheça o trabalho do Grupo Corpo nas redes sociais: • Instagram: https:// www.instagram.com/ grupo_corpo/?hl=pt-br. • Facebook: https://pt-br. facebook.com/GrupoCorpo/. Redes Sociais Vamos conhecer esse projeto do Google? Podemos começar fazendo um tour guiado pelo Museu Nacional, que fica no Rio de Janeiro (RJ), antes do incêndio de 2018. Disponível em: https://artsandculture.google.com/project/museu-nacional-brasil. Acesso em: 31 jul. 2020 Depois, podemos ir para Brumadinho (MG) conhecer o museu do Instituto Inhotim, con- siderado o maior museu a céu aberto do mundo, que tem um importante acervo de arte contemporânea. Disponível em: https://artsandculture.google.com/streetview/inhotim/ugEcCOCZkq1_4A. Acesso em: 31 jul. 2020 Para finalizar nosso tour, vamos conhecer um pouco da cultura do Oriente, vendo a expo- sição intitulada Ásia: a Terra, os Homens, os Deuses, no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba (PR). Disponível em: https://artsandculture.google.com/exhibit/%C3%A1sia-a-terra-os-homens-os-deuses-parte- um/6QIyenIAuFnKKQ. Acesso em: 31 jul. 2020 Site Disponível em: https://www. youtube.com/channel/UCzLB6j- 8WasmMqA5LLWsNBXA. Acesso em: 31 jul. 2020. 8 2.4 Multiculturalidade e interculturalidade Vídeo A multiculturalidade é um conceito que aborda as diversas culturas presentes na sociedade. Existem diferentes visões sobre a multiculturalidade, uma delas é da pesquisadora Candau (2011, p. 18), que diz: “uma das característi- cas fundamentais das questões multiculturais é exatamente o fato de estarem atravessadas pelo acadêmico e o social, a produção de conhe- cimentos, a militância e as políticas públicas”. https://www.instagram.com/grupo_corpo/?hl=pt-br https://www.instagram.com/grupo_corpo/?hl=pt-br https://www.instagram.com/grupo_corpo/?hl=pt-br https://pt-br. facebook.com/GrupoCorpo/ https://pt-br. facebook.com/GrupoCorpo/ 42 Arte e Cultura Com o aumento das discussões sobre o tema, o enfoque da multi- culturalidade vem sendo ampliado: Tendo em vista as numerosas culturas presentes em toda a so- ciedade, baseadas em aspectos como religião, idade, gênero, ocupação, classe social etc. sendo que a questão étnica é apenas uma das características do indivíduo. Muito recentemente, tam- bém a educação especial vem sendo incluída na visão multicultu- ral. (RICHTER, 2012, p. 97) Vale destacar que não existe uma cultura superior, o que temos são modos diferentes de pensar, de se relacionar e de crer. Por isso, é importante conhecer as especificidades das culturas para respeitar e valorizar os diversos povos. O Brasil é formado por diversas culturas, tendo em sua matriz po- vos indígenas, africanos e europeus. Fazendo uma breve retrospectiva, quando os colonizadores chegaram ao Brasil, existiam aproximada- mente 1.000 povos originários, que falavam diferentes línguas. Atual- mente, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), existem 305 etnias e 274 línguas indígenas. Depois de algumas décadas, os colonizadores trouxeram, de manei- ra forçada, diferentes povos do continente africano para o Brasil. Essas pessoas foram escravizadas e somente no século XIX foi decretado o final da escravidão. Conforme o Censo de 2010, mais de 50% da popu- lação brasileira é formada por negros e pardos (IBGE, 2010). Mesmocom essa diversidade de povos e línguas, muitas vezes a cultura que é mais estudada e valorizada nas escolas, nas mídias e na sociedade é a do colonizador. É o que se chama de etnocentrismo, uma cultura que está no centro em detrimento de outras (nesse caso, a cul- tura do europeu, o eurocentrismo). Vale ressaltar que a legislação brasileira tem como premissa esti- mular o respeito e o estudo da diversidade cultural. Na Constituição Federal de 1988, o artigo 3º dispõe que um dos objetivos fundamentais do Estado é promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação. O artigo 215 aborda que o Plano da Cultura tem como um dos focos a valorização da diversidade étnica e regional (BRASIL, 1988). A Lei n. 10.639/2003 estabelece que é obrigatório o ensino da História e da Cultura afro-brasileira nos ensinos fundamental e médio, em escolas públicas e particulares (BRASIL, 2003); já a Lei n. 11.645/2008 Conheça dois projetos desenvolvidos pelo Itaú Cultural que têm como objetivo dar visibilidade aos artistas negros e às culturas dos vários povos indígenas que existem no Brasil. • Rosana Paulino: Diálogos Ausentes (2016): https://www.youtube. com/watch?v=7awdUzh9UVg. Acesso em: 31 jul. 2020. • Daniel Munduruku: Culturas indígenas (2018): https:// www.youtube.com/ watch?v=8D4RF2CqR68. Acesso em: 31 jul. 2020. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=7awdUzh9UVg https://www.youtube.com/watch?v=7awdUzh9UVg https://www.youtube.com/watch?v=8D4RF2CqR68 https://www.youtube.com/watch?v=8D4RF2CqR68 https://www.youtube.com/watch?v=8D4RF2CqR68 As interfaces e abordagens da arte 43 acrescenta que também é obrigatório o ensino da História e Cultura dos povos indígenas (BRASIL, 2008). O que sabemos sobre essas culturas? Quantos artistas indígenas co- nhecemos ou ouvimos falar? Quantos livros já lemos de escritores(as) negros(as)? Como disse Ana Mae Barbosa (ANA..., 2018), uma importante pes- quisadora em Arte no Brasil, no Seminário de Arte, Cultura e Educação na América Latina, “não se pode falar de arte sem falar da cultura que produziu esta arte”. A multiculturalidade se destaca pelo respeito e pela valorização das outras culturas. Na interculturalidade, além disso, as culturas fazem re- lações, conexões. A interculturalidade “é uma perspectiva num processo dinâmico e contínuo de relação, diálogo e de aprendizagem em colaboração entre culturas com respeito e legitimidade, num processo de trocas de co- nhecimentos, saberes e fazeres com práticas culturalmente diferentes” (CHAVES, 2013, p. 184). Barbosa apresenta um exemplo prático de como um professor de Arte pode trabalhar na perspectiva da interculturalidade nas suas aulas (ANA..., 2018). Quando ele for fazer a leitura de imagens, pode escolher imagens que contemplem diferentes culturas: uma obra europeia, ou- tra indígena, outra afro-brasileira, outra oriental e uma ou mais obras produzidas por mulheres artistas. Assim, estará permitindo que o alu- no conheça as diferentes produções artísticas. Segundo Iop (2005, p. 103), é fundamental “o conhecimento da arte produzida pelos diferentes grupos culturais em nível local, regional, na- cional e internacional, destacando-se a desenvolvida por grupos cultu- rais particulares ou minoritários”. Por isso, é muito importante que o professor conheça as origens de seus alunos e contemple em suas aulas essa diversidade cultural. Quer saber mais sobre o que Ana Mae Barbosa falou no Seminário Arte, Cultura e Educação na América Latina, realizado em 2018 na cidade de São Paulo? Assista ao ví- deo publicado pelo canal Itaú Cultural. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=ClEbe86yjvk&t=1s. Acesso em: 31 jul. 2020. Vídeo Conheça dois projetos que venceram o Prêmio Arte na Escola Cidadã, desenvolvidos no ensino fundamental e na educação de jovens e adultos em duas escolas do estado de São Paulo. Eles têm como temática a cultura africana, além da trajetória de artistas negros no Brasil e da cultura do povo indígena Pankararu. 1. Ubuntu - sou porque somos | XX Prêmio Arte na Escola Cidadã | Ensino Fundamental Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Mfwa5qova1I. Acesso em: 31 jul. 2020. 2. XVII Prêmio Arte na Escola Cidadã - EJA Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GKyliGGY9ro. Acesso em: 31 jul. 2020. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=ClEbe86yjvk&t=1s https://www.youtube.com/watch?v=ClEbe86yjvk&t=1s https://www.youtube.com/watch?v=ClEbe86yjvk&t=1s https://www.youtube.com/watch?v=GKyliGGY9ro 44 Arte e Cultura 2.5 Interdisciplinaridade Vídeo A interdisciplinaridade começou a ser discutida na década de 1960. Uma das primeiras pesquisas sobre esse assunto foi desenvolvida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco); um dos pioneiros no estudo sobre essa temática foi o filósofo francês Georges Gusdorf. No Brasil, temos algumas leis e documentos que abordam a interdisciplinaridade, como a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1971, a LDB de 1996 (BRASIL, 1971; 1996), os Parâmetros Cur- riculares Nacionais (PCN) e as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensi- no Médio (DCNEM), que se transformou um eixo norteador nas escolas públicas do país e em muitas propostas pedagógicas. Existem diversos estudos, com diferentes interpretações, sobre a interdisciplinaridade. Para a pesquisadora Richter (2012, p. 95), “o pre- fixo ‘inter’ vai indicar a inter-relação entre duas ou mais disciplinas, sem que nenhuma se sobressaia sobre as outras, mas que se estabeleça uma relação de reciprocidade e colaboração, com o desaparecimento de fronteiras entre as áreas do conhecimento”. A interdisciplinaridade altera a forma de tratar os conteúdos esco- lares, trocando um regime individual e isolado por um regime coletivo. Japiassu (1976, p. 74), um dos primeiros teóricos brasileiros a relatar o tema, cita que “a interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de interação real das disci- plinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa”. Será que é possível a interação entre disciplinas aparentemente distintas? O trabalho interdisciplinar tem a intenção de que as disciplinas dia- loguem, a fim de que se perceba a unidade na diversidade dos conheci- mentos, diferente de quando se trabalha isoladamente. Como enfatiza Morin (2000, p. 43): “a inteligência parcelada, compartimentada, me- canicista, disjuntiva e reducionista rompe o complexo do mundo em fragmentos disjuntos, fraciona os problemas, separa o que está unido, torna unidimensional o multidimensional”. Para conhecer as propos- tas, os conteúdos e os objetivos dos PCN, acesse o link a seguir. Disponível em: http://portal.mec. gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01. pdf. Acesso em: 31 jul. 2020. Leitura http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf As interfaces e abordagens da arte 45 O trabalho interdisciplinar visa promover não só uma integração, mas algo que vai além disso: uma interação. A teórica Fazenda (1979) faz uma diferenciação desses termos. A integração, para ela, é um as- pecto formal da interdisciplinaridade, é um completar-se, seja de con- teúdos, de métodos ou de conhecimentos específicos. Já a interação pressupõe um passo a mais; é quando ocorre uma ação recíproca entre as disciplinas em questão, gerando, assim, “novos questionamentos, novas buscas, enfim, a transformação da própria realidade” (FAZENDA, 1979, p. 9). Outros termos que são utilizados na área da educação são multi- disciplinaridade e transdisciplinaridade. De acordo com Richter (2012, p. 95), “o prefixo ‘multi’, no termo ‘multidisciplinar’, estaria indicando a existência de um trabalho entre muitas disciplinas, sem que estas per- cam suas características ou suas fronteiras”. Já a transdisciplinaridade, “como indica o prefixo,busca um movimento de través, de perpasse entre as diferentes áreas do conhecimento. Esse enfoque é também chamado de ‘transversalidade’” (RICHTER, 2012, p. 96). Nesse contexto, o professor se torna uma figura essencial para con- duzir o diálogo com os colegas das outras disciplinas, com o conteúdo e com os alunos. Para saber mais sobre o tema desta seção, leia o livro O que é interdis- ciplinaridade? Trata-se de uma coletânea que vai ao encontro de uma educação comprometida com os novos tempos e mostra como enxergar e lidar com o conhecimen- to humano. FAZENDA, I. São Paulo: Cortez, 2019. Livro CONSIDERAÇÕES FINAIS A arte – assim como a política, a tecnologia e a comunicação – tem dife- rentes interfaces. O conceito e a relação dessas áreas vai se modificando conforme o contexto histórico. Os artistas e as instituições culturais que estão conectados com essas áreas criam, reinventam e transformam os seus trabalhos, as formas de apresentá-los e de se comunicar com o público. As abordagens do ensino da Arte são diversas, cabe ao professor pes- quisar as teorias sobre multiculturalidade, interculturalidade e interdisci- plinaridade, além de buscar conhecer o contexto e o repertório dos seus alunos e relacionar a teoria com a prática. 46 Arte e Cultura ATIVIDADES 1. A aproximação entre a perspectiva política e a produção artística pode se manifestar de diversas formas na arte; por exemplo: pelo conteúdo abordado ou pela estética escolhida. Considerando isso, discorra sobre a relação entre a arte e a política, enfatizando as principais características decorrentes dessa associação. 2. Considerando a relação entre arte, tecnologia e comunicação, descreva como essas áreas impactaram a produção artística e as instituições culturais. 3. Conforme a discussão sobre multiculturalidade e interculturalidade, cite exemplos de como museus, escolas e universidades têm promovido essa discussão nos seus espaços. REFERÊNCIAS ALMEIDA, C. Z. As relações arte/tecnologia no ensino da arte. In: PILLAR, A. D. (org.). A educação do olhar no ensino das artes. Porto Alegre: Mediação, 2011. ANA Mae – Seminário Arte, Cultura e Educação na América Latina (2018). 2018. 1 vídeo (14 min.). Publicado pelo canal Itaú Cultural. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=ClEbe86yjvk&t=1s. Acesso em: 31 jul. 2020. BRASIL. Lei n. 5.692, 11 de agosto de 1971. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 12 ago. 1971. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5692. htm. Acesso em: 29 jul. 2020. BRASIL. Constituição Federal (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm. Acesso em: 31 jul. 2020. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394. htm. Acesso em: 29 jul. 2020. BRASIL. Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 10 jan. 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/ l10.639.htm. Acesso em: 31 jul. 2020. BRASIL. Lei n. 11.645, de 10 de março de 2008. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 11 mar. 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007- 2010/2008/Lei/L11645.htm. Acesso em: 31 jul. 2020. CANDAU, V. M. Multiculturalismo: desafios para a prática pedagógica. In: CANDAU, V. M.; MOREIRA, A. F. (org.). Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. CHAVES, L. A. O multiculturalismo nas aulas de artes visuais. In: NUNES, A. L. R. Artes visuais e processos colaborativos na iniciação à docência e pesquisa. Ponta Grossa: Ed. UEPG, 2013. CRUZ, N. V. O conceito de mídia úmida. In: LYRA, C. et al. Arte e tecnologia. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana, 2010. (Coleção Estudos da Cultura). DANTO, A. O abuso da beleza: a estética e o conceito de arte. 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Brasília: Universidade de Brasília, 2007. 48 Arte e Cultura 3 Aspectos teóricos da arte moderna e contemporânea Neste capítulo, iremos abordar algumas temáticas importantes para compreendermos a inserção da cultura e da arte na socieda- de contemporânea. Todos os processos que vamos analisar são bastante amplos e complexos, podendo ter inúmeras formas de abordagem, como a perspectiva política ou econômica. Porém, considerando o fio condutor da obra, iremos evidenciar os tópicos relacionados com a perspectiva cultural. Dessa forma, já na primeira seção, buscare- mos enfatizar as mudanças sociais ocasionadas por esse aconte- cimento histórico. Independentemente do contexto histórico, a produção da cul- tura se configura como uma das principais características de cons- tituição da sociedade, o que permite que possamos evidenciar esse aspecto em nossas análises. Iremos conhecer, também, um pouco melhor as temáticas cul- turais relacionadas à indústria cultural,ao consumo, à globalização e à pós-modernidade. 3.1 O contexto histórico da Revolução Industrial Vídeo A Revolução Industrial foi um lento processo e desenvolveu-se ao longo do tempo, criando diversas mudanças nos aspectos ambientais, no modo de produção e nas relações sociais. Em termos cronológicos, é difícil precisar uma data específica como marco para o surgimento da Revolução Industrial, todavia, de acordo com a proposta de Hobsbawn, podemos identificar a década de 1780 como o início desse processo. Aspectos teóricos da arte moderna e contemporânea 49 A partir da metade do século XVIII, o processo de acumulação de velocidade para partida é tão nítido que historiadores mais ve- lhos tenderam a datar a revolução industrial de 1760. Mas uma investigação cuidadosa levou a maioria dos estudiosos a loca- lizar como decisiva a década de 1780 e não a de 1760, pois foi então que, até onde se pode distinguir, todos os índices estatís- ticos relevantes deram uma guinada repentina, brusca e quase vertical para a “partida”. A economia, por assim dizer, voava. (HOBSBAWN, 2012, p. 59) Podemos considerar que é a partir de 1780 que a Revolução Industrial começou a se consolidar efetivamente e a evidenciar os principais aspectos relacionados ao seu surgimento, como a intensificação da economia. Comparativamente, se considerarmos os impactos gerados pela Revolução Industrial na sociedade em que surgiu e nos seus desdo- bramentos posteriores, veremos que foi um conjunto de eventos sem precedentes históricos. Sob qualquer aspecto, este foi provavelmente o mais importante acontecimento na história do mundo, pelo menos desde a inven- ção da agricultura e das cidades. E foi iniciado pela Grã-Bretanha. É evidente que isto não foi acidental. Se tivesse que haver uma disputa pelo pioneirismo da revolução industrial no século XVIII, só haveria de fato um concorrente a dar a largada: o grande avanço comercial e industrial de Portugal à Rússia, fomentado pelos inteligentes e nem um pouco ingênuos ministros e servi- dores civis de todas as monarquias iluminadas da Europa, todos eles tão preocupados com o crescimento econômico quanto os administradores de hoje em dia. (HOBSBAWN, 2012, p. 61) No que se refere, portanto, à transformação social causada pelas consequências do surgimento da indústria, não há equiparação com outros acontecimentos históricos. Em relação às mudanças sociais, podemos citar diversos aspectos que se modificaram após o surgimento da Revolução Industrial. Eles vão desde a inserção de novos hábitos até a própria compreensão so- bre o tempo cronológico. De acordo com Thompson (2016, p. 297), “por meio de tudo isso – pela divisão do trabalho, supervisão do trabalho, multas, sinos e relógios, incentivos em dinheiro, pregações e ensino, supressão das feiras e dos esportes – formaram-se novos hábitos de trabalho e impôs-se uma nova disciplina do tempo”. Você já parou para pensar de que modo a indústria está presente no seu cotidiano? Muitas vezes, nem percebemos que um determinado produto ou serviço que utilizamos passou por um processo de produção em nível industrial. Por isso, é necessário que tenhamos o hábito de verificar a origem dos bens que consumimos. Importante 50 Arte e Cultura É importante, também, compreendermos o porquê de a eclosão da Revolução Industrial ter ocorrido na Inglaterra. Inicialmente, podemos destacar que um dos principais fatores foi a criação da Lei dos Cerca- mentos de Terra, no século XVIII. Ela foi criada no contexto de transição do feudalismo para o capitalismo e deu origem à noção de propriedade privada atual, ao estabelecer o controle de acesso às terras que eram consideradas produtivas. Em fins da Idade Média, ainda existiam as chamadas terras co- munais; estas podiam ser acessadas pelos servos e por camponeses independentes, que poderiam produzir o necessário para sua sobre- vivência. Porém, estima-se que, a partir do século XVI, desenvolveu-se um processo de marcação e cercamento dessas terras, delimitando territorialmente a posse sobre essas regiões. Com isso, ocorreu um processo de migração urbana da população, anteriormente dependente dessas terras e que se deslocou para os cen- tros urbanos, dando origem à mão de obra das primeiras fábricas e in- dústrias. Na figura a seguir, podemos observar mulheres trabalhando em máquinas de fazer fio de algodão no começo do século XX. Mulheres trabalhando em máquinas de tecelagem industrial em Lancashire, Inglaterra, por volta de 1835. Ev er et t C ol le ct az io n/ Sh ut te rs to ck Podemos apontar, ainda, como fatores do pioneirismo inglês a existência da burguesia inglesa, que possuía o capital necessário para O filósofo Byung-Chul Han tem se destacado por seus ensaios sobre a compreensão de tempo que temos na atualidade. Para saber mais sobre o tema, leia a reportagem da revista IHU On-Line sobre o autor. Disponível em: http://www.ihu. unisinos.br/585918-reencontrar- o-sentido-do-tempo-reflexoes- sobre-o-pensamento-de-byung- chul-hanNativo. Acesso em: 13 ago. 2020. Saiba mais pioneirismo inglês: o termo faz referência ao fato de a Inglaterra ter se destacado no desenvolvimento industrial, em comparação com as demais potências europeias do período, como a França. Glossário http://www.ihu.unisinos.br/585918-reencontrar-o-sentido-do-tempo-reflexoes-sobre-o-pensamento-de-byu http://www.ihu.unisinos.br/585918-reencontrar-o-sentido-do-tempo-reflexoes-sobre-o-pensamento-de-byu http://www.ihu.unisinos.br/585918-reencontrar-o-sentido-do-tempo-reflexoes-sobre-o-pensamento-de-byu http://www.ihu.unisinos.br/585918-reencontrar-o-sentido-do-tempo-reflexoes-sobre-o-pensamento-de-byu http://www.ihu.unisinos.br/585918-reencontrar-o-sentido-do-tempo-reflexoes-sobre-o-pensamento-de-byu Aspectos teóricos da arte moderna e contemporânea 51 investir no desenvolvimento tecnológico, e a existência de uma monar- quia parlamentarista. Quanto à localização territorial, a Inglaterra também possuía uma considerável reserva de carvão – utilizado como fonte de energia nas primeiras máquinas – e ferro. A figura a seguir, uma obra de Philip James de Loutherbourg, repre- senta a cidade de Coalbrookdale, na Inglaterra. Esta era considerada uma das pioneiras no desenvolvimento industrial, ainda no início do século XIX. Th e Yo rc k Pr oj ec t/ W ik im ed ia C om m on s Coalbrookddale à noite. Pintura de 1801. Em relação às mudanças sociais, destacamos a estipulação de jor- nadas de trabalho que podiam chegar a 16 horas diárias e a utilização de mulheres e crianças nas linhas de produção das fábricas. É nesse contexto que surgem os primeiros movimentos em prol da organização dos trabalhadores, assim como os sindicatos, que lutavam para melho- rar a condição de trabalho dos operários. Compreendemos, então, os principais fatores que culminaram no surgimento da Revolução Industrial e alguns de seus desdobramentos na Inglaterra. O filme Oliver Twist é ins- pirado no livro homônimo de Charles Dickens, um dos principais escritores de todos os tempos. O longa retrata a vida de um menino órfão que vive na Inglaterra vitoria- na, e a história registra muitas das mudanças que ocorrem na socie- dade após a Revolução Industrial. Assista ao trailer no link a seguir. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=4aUGLJicck8. Acesso em: 4 ago. 2020. Direção: Roman Polanski. Reino Unido: TriStar Pictures, 2005. Filme https://www.youtube.com/watch?v=4aUGLJicck8 https://www.youtube.com/watch?v=4aUGLJicck8 https://www.youtube.com/watch?v=4aUGLJicck8 3.2 O surgimento da Indústria Cultural Vídeo Se em um contexto inicial o processo de industrialização foi voltado para a produção de bens materiais, como os têxteis, com o passar do tempo, novas tecnologias foram desenvolvidas; isso permitiu o surgi- mento da fotografia e, posteriormente, do cinema. Antes de conhecermos o processo de surgimento da fotografia e do cinema,vamos compreender como o conceito de Indústria Cultural foi elaborado. A expressão Indústria Cultural (Kulturindustrie) foi cunhada pela primeira vez em 1947, por Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, nos fragmentos filosóficos reunidos sob o título de Dialética do Esclarecimento, termo que viria contrapor o conceito cultura de massa, por tratar de um fenômeno distinto quanto a sua nature- za. (COSTA, 2013, p. 135, grifo do original) Apesar de esse conceito ter sido elaborado quase na metade do século XX, sua atualidade em problematizar o funcionamento dos me- canismos de produção cultural é surpreendente. Adorno e Horkheimer apontaram diversos aspectos teóricos decor- rentes da Indústria Cultural que se relacionam tanto com a vida em sociedade quanto com a própria formação da identidade individual. Na indústria cultural o indivíduo é ilusório não só pela estandar- dização das técnicas de produção. Ele só é tolerado à medida que sua identidade sem reservas com o universal permanece fora de contestação. [...] O individual se reduz à capacidade que tem o universal de assinalar o acidental com uma marca tão indelével a ponto de torná-lo de imediato identificável assim como está. Mesmo o mutismo obstinado ou os modos eleitos pelo indiví- duo que se expõe são produzidos em série, como as fechaduras Yale, que se distinguem entre si só por frações de milímetros. (ADORNO; HORKHEIMER, 2000, p. 202) Adorno e Horkheimer fi- zeram parte da chamada Escola de Frankfurt, assim como outros nomes mui- to importantes da Teoria Crítica, como Herbert Marcuse e Walter Benja- min. Para saber mais, leia o texto A Escola de Frank- furt e seu legado, de Janine Regina Mogendorff. Disponível em: http://revistas. unisinos.br/index.php/ versoereverso/article/view/ ver.2012.26.63.05. Acesso em: 13 ago. 2020. Saiba mais Horkheimer (à esquerda) e Adorno (à direita). Fotografia tirada por Jeremy J. Shapiro, em 1964. 52 Arte e Cultura Jj sh ap iro /W ik im ed ia C om m on s http://revistas.unisinos.br/index.php/versoereverso/article/view/ver.2012.26.63.05 http://revistas.unisinos.br/index.php/versoereverso/article/view/ver.2012.26.63.05 http://revistas.unisinos.br/index.php/versoereverso/article/view/ver.2012.26.63.05 http://revistas.unisinos.br/index.php/versoereverso/article/view/ver.2012.26.63.05 Aspectos teóricos da arte moderna e contemporânea 53 A Indústria Cultural não possibilita que a expressão da individuali- dade seja feita em dissonância com a produção dos bens culturais, in- corporando as diversas formas de manifestação pessoal à sua própria lógica de funcionamento. Nesse sentido, é indispensável que as análises sobre a Indústria Cul- tural sejam estudadas visando evidenciar interpretações reducionistas, que se baseiam somente no conteúdo ideológico das produções decor- rentes desse processo. Cabe atentarmos, também, para a alegação de que a Indústria Cultural democratizou o acesso à produção cultural, buscando proble- matizar essa afirmação com a noção de que a cultura é considerada uma mercadoria, de acordo com essa lógica. A produção em série dos bens culturais barateou os preços e tor- nou tais produtos acessíveis à maioria da população. A “democra- tização” da cultura promovida por este processo foi muitas vezes aclamada por seus defensores com a finalidade de aumentar sua produção e alcançar os mais distintos públicos consumidores. [...] Na indústria cultural os bens culturais estão subjugados à lógica do capitalismo tardio, a cultura transformou-se em merca- doria. A cultura como valor de troca perde aquela tensão existen- te entre homem e natureza, entre indivíduo e sociedade e entre os ideais emancipatórios contidos no esclarecimento. (CROCCO, 2009, p. 4) Ao apresentarmos algumas das concepções críticas acerca da Indús- tria Cultural e de suas consequentes produções, não temos o intuito de condenar seu processo ou a existência dos produtos culturais, mas de possibilitar o acesso a uma outra perspectiva sobre o funcionamento desse sistema. Justamente pelo modo de fazer e produzir cultura em escala indus- trial estar tão consolidado e presente (quase que de maneira onipre- sente em nosso cotidiano) é que essas reflexões se tornam ainda mais necessárias. Somente com o desenvolvimento da consciência indivi- dual acerca do funcionamento da Indústria Cultural, assim como de seus aparatos tecnológicos, é que as pessoas poderão se relacionar de maneira autônoma com esse sistema e com seus desdobramentos. A fotografia se configura como um marco em relação ao surgi- mento e à consolidação da Indústria Cultural, pois, além de inserir o uso de um instrumento tecnológico, a câmera fotográfica permitiu a 54 Arte e Cultura reprodutibilidade da imagem. Entre os anos de 1826 e 1827, Joseph Nicéphore Niépce, inventor francês, tirou a primeira fotografia de que se tem registro na história; esta foi nomeada View from the Window at Le Gras (Vista da janela em Le Gras). A primeira fotografia do mundo foi tirada por Niépce. Jo se ph N ic ép ho re N ié pc e/ W ik im ed ia C om m on s Podemos considerar que, com o surgimento do cinema, a Indús- tria Cultural consolidou seu modus operandi, ou seja, desenvolveu suas principais características de funcionamento na perspectiva sistemática. O acelerado incremento científico e tecnológico, principalmente a partir do século XIX, com a Revolução Industrial e a crescen- te difusão da cultura de massa no século XX, propiciou o cresci- mento vertiginoso do consumo do lazer, não apenas facultando o nascimento do cinema, mas sustentando-o até hoje como meio de expressão artística, documental ou de entretenimento comercial. Sob o aspecto científico, pode-se observar ainda que a “invenção” do cinema tanto foi um produto desse tipo de co- nhecimento, através do cruzamento de diversas ciências – ma- temática, física, química, mecânica óptica e eletricidade –, como também foi um instrumento destinado ao estudo, dentre outros objetos, da fisiologia animal, dos processos da visão e da fotogra- fia. (SILVA JUNIOR, 2019, p. 505) Atualmente, podemos considerar que há uma extensa variedade de formatos produzidos pela Indústria Cultural. São exemplos as séries televisivas, os jogos digitais e a publicidade. Como vimos, o conceito de Indústria Cultural foi elaborado no sécu- lo XX e inclui diversas formas de manifestação cultural; sua utilização ainda se mantém bastante pertinente nos dias de hoje. A criação da fotografia foi consequência de um lento processo de desen- volvimento das condições necessárias para seu surgimento; diversas pessoas tiveram um papel importante para isso. Quer saber mais sobre a fotografia? Leia a reportagem Pioneira: a primeira fotografia tirada na história, de Pamela Malva. Disponível em: https:// aventurasnahistoria.uol.com. br/noticias/almanaque/qual-e- primeira-fotografia-ja-tirada.phtml. Acesso em: 13 ago. 2020. Saiba mais Aspectos teóricos da arte moderna e contemporânea 55 3.3 Consumo Vídeo Você já parou para pensar de onde vieram e como foram feitos os objetos que utilizamos todos os dias, desde os mais básicos, como as roupas, até os mais complexos, como os smartphones? Em um mundo globalizado, como o contemporâneo, identificar a origem dos produtos aos quais temos acesso diariamente, assim como descobrir de que modo foram produzidos, é um verdadeiro desafio. Por isso, o entendimento do funcionamento da ca- deia de produção se configura como um dos princi- pais aspectos relacionados aos estudos do consumo. Majoritariamente, o consumo se constitui uma relação mediada pelo dinheiro, visto que a forma de aquisição de um produto, seja ele um objeto ou um serviço, ocorre por meio da monetarização. Na figura a seguir, podemos observar uma cena típica da sociedade de consumo, retratando pessoas fazendo compras em um mercado na década de 1940. Ho lg er .E llg aa rd /W ik im ed ia C om m on s Consumidores em um mercado na Suécia, em 1941.E será que existem outras formas de se adquirir um produto não sendo por meio da compra ou venda? O escambo é um exemplo de prática que não envolve a transição monetária para a troca de produ- tos ou bens individuais, devendo haver uma equivalência de valores entre os participantes. Vídeo Para compreender melhor como funciona a cadeia de produção de um objeto, assista ao vídeo História das Coisas, publicado pelo canal João Faraco. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=3c88_ Z0FF4k. Acesso em: 13 ago. 2020. https://www.youtube.com/watch?v=3c88_Z0FF4k https://www.youtube.com/watch?v=3c88_Z0FF4k https://www.youtube.com/watch?v=3c88_Z0FF4k 56 Arte e Cultura Inegavelmente, o consumo é uma prática que faz parte da realidade social contemporânea; isso despertou um interesse cada vez maior dos pesquisadores de diversas áreas, que têm elaborado estudos sobre as temáticas relacionadas ao consumo. De fato, a temática do consumo e da cultura de consumo nunca foi tão analisada como nos dias que correm, localizando-se no imbricamento das discussões culturais e econômicas, políticas, sociais e psicológicas, no entanto, da indústria do entretenimen- to ao consumo estético da mercadoria, seja por sua imagem, por sua utilidade imediata, pelas emoções que desperta ou, ainda, pelas diferenciações que pode proporcionar às diversas tribos de consumidores, ainda se fazem necessárias muitas pesquisas e análises. (MANCEBO et al., 2002, p. 331) O consumo pode ser abordado de diversas formas, como por meio da perspectiva econômica; entretanto, para a construção dessa análise, iremos priorizar os aspectos culturais dessa prática. Nesse sentido, o consumo pode ser entendido como uma ação que ocorre de maneira subjetiva na construção do indivíduo e/ou de um grupo, sendo uma prá- tica que se relaciona com o desenvolvimento da identidade social. Se, num primeiro momento, a sociedade de consumo se orga- nizou pelo viés da padronização, onde a diferenciação marcava- -se pela proximidade com o estilo de vida e padrão de consumo de algum grupo bem estabelecido e legitimado na sociedade, que se tornava um grupo de referência – procedimento que, aliás, foi determinante no crescimento das indústrias de imi- tação já a partir de meados do século XVIII na Inglaterra – , no contexto atual de organização da sociedade de consumo, o ele- mento marcante parece ser a diferenciação pela identificação. (RETONDAR, 2008, p. 148) Dessa forma, podemos considerar que o consumo foi utilizado, ini- cialmente, como uma forma de aproximação e identificação com um determinado grupo ou estilo de vida. Posteriormente, desenvolveu-se a utilização do consumo como uma forma de expressar as diferenças individuais. Outro aspecto da abordagem cultural do consumo se refere ao fato de que, na sociedade globalizada, as culturas locais e regionais são diretamente afetadas pela entrada de marcas internacionais nesses espaços. O escambo é uma prática que se originou na Idade Média. Para saber mais sobre isso, leia o texto História - Dinheiro não é vendaval. Disponível em: https://www.ipea. gov.br/desafios/index.php?option=- com_content&view=article&i- d=2274:catid=28&Itemid=23. Acesso em: 13 ago. 2020. Curiosidade https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2274:catid=28&Itemid=23 https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2274:catid=28&Itemid=23 https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2274:catid=28&Itemid=23 https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2274:catid=28&Itemid=23 Aspectos teóricos da arte moderna e contemporânea 57 Os fluxos culturais, entre as nações, e o consumismo global criam possibilidades de “identidades partilhadas” – como “consumido- res” para os mesmos bens, “clientes” para os mesmos serviços, “públicos” para as mesmas mensagens e imagens – entre pessoas que estão bastante distantes umas das outras no espaço e no tempo. À medida que as culturas nacionais se tornam mais expos- tas a influências externas, é difícil conservar as identidades cultu- rais intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através do bombardeamento da infiltração cultural. (HALL, 2015, p. 42) Cabe observarmos que esse processo já está se desenvolvendo. In- clusive, em alguns casos, ocorre uma espécie de fusão entre culturas distintas, culminando no surgimento de novas expressões sociais. Um dos fatores que contribui para essa condição é a adaptação que muitas marcas internacionais realizam ao se estabelecer em outro país, bus- cando se adequar às preferências e aos costumes dos lugares em que estão inseridas. O estudo da perspectiva cultural sobre o consumo é indispensável para a compreensão dessa prática, principalmente porque podemos abordar quais são os impulsos motivadores que levam os indivíduos a consumir. Em um primeiro momento, podemos encontrar o impulso de suprir as necessidades básicas, como abrigo, alimentação e higiene, seguido de necessidades relacionadas ao trabalho, como transporte e equipa- mentos. Porém, existem outros impulsos que consistem em vontades específicas, muitas vezes estimuladas pela publicidade, como o consu- mo de produtos que agregam um determinado status social. Em alguns casos, até mesmo o próprio ato do consumo, sem ter uma finalidade estipulada, pode ser considerado um impulso motiva- dor, pois o consumidor sente prazer na ação de adquirir um produto. Du sa n Pe tk ov ic /S hu tte rs to ck Consumidores em uma loja de eletrônicos. Já imaginou fazer uma festa para comemorar o centenário de uma lâmpada? Esse é um dos acontecimentos retratados no vídeo Obsolescência Progra- mada - The Light Bulb Conspiracy, publicado pelo canal Elementar. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=H7EUyuNNaCU. Acesso em: 13 ago. 2020. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=H7EUyuNNaCU https://www.youtube.com/watch?v=H7EUyuNNaCU https://www.youtube.com/watch?v=H7EUyuNNaCU 58 Arte e Cultura Podemos observar que, nos padrões de consumo atuais, há um de- sequilíbrio bastante significativo em relação aos recursos naturais uti- lizados como matéria-prima e à demanda comercial. Também há uma contradição entre o desenvolvimento tecnológico, que já possibilitaria a criação de produtos mais duradores, e o lucro das empresas, que buscam a diminuição dos custos. O consumo consciente tem se tornado uma tentativa de reverter esse cenário por meio de inúmeras medidas, como conhecer a cadeia de produção dos produtos que chegam até nós e favorecer os negócios locais e regionais, pois essa atitude contribui para a promoção do de- senvolvimento social e ambiental. 3.4 Globalização Vídeo A globalização pode ser considerada, de modo geral, como um fenô- meno extremamente amplo e complexo que promove diversas conse- quências para o desenvolvimento social, em nível mundial. Nesta seção, iremos abordar, especificamente, uma das linhas de desdobramento da globalização que se refere à produção da cultura e das identidades sociais. Para iniciarmos essa abordagem, é necessário compreendermos de que maneira as identidades sociais são construídas em relação à for- mação das nacionalidades. No mundo moderno, as culturas nacionais em que nascemos se constituem em uma das principais fontes de identidade cultural. Ao nos definirmos, algumas vezes dizemos que somos ingleses ou galeses ou indianos ou jamaicanos. Obviamente, ao fazer isso estamos falando de forma metafórica. Essas identidades não estão literalmente impressas em nossos genes. Entretanto, nós efetivamente pensamos nelas como se fossem parte de nossa natureza essencial. (HALL, 2015, p. 29) A noção de pertencimento a uma determinada nacionalidade, por- tanto, é um processo construído historicamente, o qual faz com que os indivíduos associem a sua própria identidade com a do país em que nasceram e/ou foram criados. Sendo assim, podemos considerarque as nacionalidades são cons- truídas e, de certa forma, imaginadas. Como disse Anderson (2008, p. 56), “a ideia de um organismo sociológico atravessando cronologica- Aspectos teóricos da arte moderna e contemporânea 59 mente um tempo vazio e homogêneo é uma analogia exata da ideia de nação, que também é concebida como uma comunidade sólida per- correndo constantemente a história, seja em sentido ascendente ou descendente”. A representação realizada sobre qualquer tipo de nacionalidade é, então, uma idealização, sendo elaborada no âmbito social e caracteri- zando-se pela existência de símbolos, como a bandeira nacional. Nesse sentido, podemos compreender que a globalização faz refe- rência à transposição das fronteiras nacionais, possibilitando, assim, a intensificação das relações entre os mais diversos pontos do planeta. Como argumenta Anthony McGrew (1992), a “globalização” se refere àqueles processos, atuantes numa escala global, que atra- vessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comuni- dades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interco- nectado. (HALL, 2015, p. 39) A escultura a seguir, denominada Monumento ao multiculturalismo, de Francesco Pirelli, simboliza o fenômeno da globalização, represen- tando uma pessoa no meio de uma estrutura similar a um globo aberto. pa ul (d ex )/ W ik im ed ia C om m on s Escultura feita em homenagem ao multiculturalismo, em Toronto, no Canadá. Existem outras quatro esculturas idênticas localizadas nos EUA, na África do Sul, na China, na Bósnia e na Austrália. O livro A invenção das tradições aborda diversos fatores relacionados ao processo de formação das nacionalidades e à construção das tradições sociais, sendo um dos principais referenciais sobre esse tema. HOBSBAWM, E. J. São Paulo: Paz e Terra, 2015. Livro 60 Arte e Cultura Para saber mais sobre as contribuições do sociólogo Stuart Hall, leia o artigo Stuart Hall: tributo a um autor que revolucionou as discussões em educação no Brasil, de Marisa Vorraber Costa, Maria Lúcia Castagna Wortmann e Rosa Maria Hessel Silveira, publicado na revista Educação & Realidade. Acesso em: 13 ago. 2019. https://www.scielo.br/pdf/edreal/v39n2/v39n2a15.pdf Artigo A palavra interconexão pode ser utilizada para evidenciar as carac- terísticas que se estabelecem com o desenvolvimento dos processos sociais em uma escala global, promovendo a aproximação de comuni- dades distintas. Historicamente, é bastante difícil conseguirmos precisar o surgi- mento da globalização como fenômeno, pois essa conceituação varia de acordo com o autor utilizado. Devemos considerar as mudanças que ocorrem no contexto histó- rico, pois, se a prática de estabelecer relações entre países ou comu- nidades distintas é datada de muito tempo atrás, as características do processo de globalização, tal qual o conhecemos hoje, são específicas do período atual. Entre essas características, podemos citar o desenvolvimento das tecnologias digitais, com destaque para a internet e, consequentemen- te, a disseminação de diversas culturas em nível internacional. Aparentemente, os problemas de inflação produzidos por uma oferta excessiva e uma circulação veloz de bens simbólicos e mercadorias de consumo trazem o risco de ameaçar a legibili- dade dos bens usados como sinais de status social. No contex- to da erosão das fronteiras da sociedade-Estado, como parte de um processo de globalização dos mercados e da cultura, pode ser mais difícil estabilizar os bens marcados adequados. (FEATHERSTONE, 1995, p. 39) Com a intensificação da circulação de mercadorias entre os paí- ses, podemos observar que ocorre um contínuo processo de abertu- ra das fronteiras por parte dos Estados, a fim de favorecer as trocas comerciais. Outro estudo interessante sobre a globalização se refere aos aspectos relacionados à alimentação. Nesse contexto, podemos obser- Aspectos teóricos da arte moderna e contemporânea 61 var uma intensificação considerável na circulação de alimentos e de práticas alimentares ao redor do mundo. Um exemplo é a ascensão das preocupações com a gastronomia, com destaque para a comida que representa etnias tradicionais. Reconhece-se que essa tendência sempre ocorreu pelas migra- ções humanas; contudo, com as possibilidades da globalização, as modas gastronômicas vêm se repetindo com maior velocida- de. Assim, observa-se o destaque recente da comida japonesa, tailandesa, mexicana, peruana e turca, em muitos lugares, além dos restaurantes ditos típicos, simplesmente misturando-se às comidas locais. (PROENÇA, 2010, p. 44) Outra característica da globalização é um fenômeno que pode ser descrito sumariamente como a expansão mundial das marcas. Um dos exemplos desse processo é o sistema de franquias, no qual lojas, que são filiais de uma determinada marca, são abertas nos mais diversos lugares do mundo. Também há a possibilidade de montar uma empre- sa própria e adquirir o direito de comercialização da marca, que nesse caso funciona como uma concessão de uso. A figura a seguir registra uma franquia da marca de café Starbucks, de origem estadunidense, em Seul, capital da Coreia do Sul, que repre- senta a expansão mundial da marca. Podemos perceber o logotipo da marca na fachada com inscrições da língua coreana. W ik im ed ia C om m on s A loja da Starbucks em Seul é a única do mundo em que o letreiro com o nome da empresa é grafado em outra língua. Considerando que a construção de uma marca está frequentemen- te associada a seu local de origem, podemos observar que, com esse processo, ocorre também uma difusão de valores e práticas sociais. 3.5 Pós-modernidade Vídeo A noção de pós-modernidade pode fazer referência a diversas defi- nições distintas, condição que denota a complexidade desse tema. Por isso, nesta seção, iremos abordá-la como uma definição de temporali- dade e como um amplo e intrincado fenômeno social. A primeira concepção se refere a uma tentativa de nomeação do contexto contemporâneo, evidenciando características singulares desse período histórico. O estabelecimento dos períodos históricos é uma atividade bastante minuciosa, pois deve levar em consideração os principais aspectos de um contexto em particular. Esse é um dos motivos que contribuem para a existência de diver- sos debates sobre a periodização histórica e de suas consequentes di- visões, já que é possível encontrarmos variações em relação aos marcos temporais, às datas de início e fim de um determinado período, depen- dendo do autor utilizado como referencial. Nessa perspectiva, a pós-modernidade seria caracterizada por ser um período histórico diferente da Idade Moderna. Boa parte dos auto- res que defendem essa interpretação identificam seu início aproxima- damente em fins da década de 1980, como marco de transição social entre os dois contextos. A sede mundial do Hongkong e Shanghai Banking Corporation (HSBC) fica em Hong Kong, na China, e é um exemplo do estilo arquitetônico pós-moderno, especifica- mente na tendência high-tech. Com base nesse recorte histórico, podemos situar diver- sos acontecimentos que tiveram impacto global, a começar pelo surgimento da internet e pela queda do Muro de Ber- lim. A definição do que é a pós-modernidade envolve diver- sas questões, que incluem, por exemplo, debates sobre a periodização de início e término da modernidade. No vídeo Frederic Jameson – Pós-modernismo ou pós-modernidade, publica- do pelo canal Fronteiras do Pensamento, o crítico literário discorre sobre as diferenças entre os dois conceitos. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=nSNAhib3B_M. Acesso em: 13 ago. 2020. Vídeo W ik im ed ia C om m on s Torre do banco HSBC em Hong Kong, China. O prédio começou a ser construído em 1935 e foi finalizado em 1986. 62 Arte e Cultura https://www.youtube.com/watch?v=nSNAhib3B_M https://www.youtube.com/watch?v=nSNAhib3B_Mhttps://www.youtube.com/watch?v=nSNAhib3B_M Aspectos teóricos da arte moderna e contemporânea 63 No que se refere ao conceito de pós-modernidade, podemos desta- car que se origina no campo da cultura, com a designação do termo para um estilo específico. A caracterização da pós-modernidade teve início em um deba- te em torno da cultura (arquitetura, pintura, romance, cinema, música etc.) e estendeu-se aos campos da filosofia, economia, política, família ou mesmo da intimidade. Crise ecológica, impas- se histórico do socialismo, informatização, ‘tribalismos’, declínio da esfera pública e da política, expansão dos fundamentalis- mos, novas formas de identidade social ou instantaneidade da comunicação e suas imensas repercussões não são fenômenos explicáveis através do recurso à “totalidade unificadora” (Kumar, 1997, p. 188), o que dá origem a esforços de compreensão que seguem em variadas direções. (FRIDMAN, 1999, p. 355) Se inicialmente o conceito de pós-modernidade era empregado especificamente para se referir ao campo da cultura, posteriormente podemos observar que esse conceito se expande para englobar as mu- danças que estão ocorrendo em um nível social; por exemplo, a emer- gência de novas identidades sociais e o fundamentalismo religioso. No geral, podemos identificar algumas características que se referem ao conceito de pós-modernidade. Esses aspectos são reconhecidos por diversos pesquisadores, inclusive, com pontos de divergência entre eles. Algumas dessas feições são tão evidentes a ponto de não gera- rem discordâncias, mesmo quando vistas a partir de diferentes convicções políticas ou abordagens teóricas, e é novamente o contraponto entre as duas realidades que torna essas feições tão evidentes e consensuais. Entre elas, destacam-se as se- guintes: a globalização, as comunicações eletrônicas, a mobi- lidade, a flexibilidade, a fluidez, a relativização, os pequenos relatos, a fragmentação, as rupturas de fronteiras e barreiras, as fusões, o curto prazo, o imediatismo, a descentralização e extraterritorialidade do poder, a imprevisibilidade e o consumo. (NICOLACI-DA-COSTA, 2004, p. 83) A constante presença dos aparelhos eletrônicos, como televisão, computador e celular, no cotidiano das pessoas, é uma das principais características da pós-modernidade. As figuras a seguir são represen- tações de cenas que se tornaram cotidianas. Qual é a relação que se estabelece entre pós-modernidade, globalização e produção das identidades sociais? Para saber mais sobre isso, leia a entrevista com o sociólogo Renato Ortiz, publicada pela revista IHU On-Line. Disponível em: http://www.ihu. unisinos.br/entrevistas/532610- pos-modernidade-identidade-e- tecnologia-no-mundo-globalizado- entrevista-especial-com-renato- ortiz. Acesso em: 13 ago. 2020. Saiba mais 64 Arte e Cultura Li gh tF ie ld S tu di os / s itt hi ph on g / S ai d M ar ro un / Zi vic a Ke rk ez /S hu tte rs to ck A utilização de aparelhos eletrônicos por pessoas, nos mais diversos ambientes, é bastante comum no dia a dia da sociedade pós-moderna. Com a utilização da tecnologia digital, diversos outros aspectos da condição pós-moderna se desenvolvem e se intensificam. Por exemplo, a utilização quase que exclusiva do sentido da visão, em comparação com os demais. Isso ocorre porque os aparelhos, como smartphone e televisão, exigem que a visão seja constantemente utilizada para que possamos compreender as informações transmitidas. Outro aspecto que contribui para isso é a veiculação diária de imagens, feita de forma quase que ininterrupta, por meio de vídeos, fotografias e imagens digi- tais, por exemplo. Outra característica da pós-modernidade é o fenômeno da frag- mentação, que está diretamente relacionado com a forma de percep- ção da temporalidade. A crise da historicidade nos leva de volta, de um outro modo, à questão da organização da temporalidade em geral no campo de forças do pós-moderno e também ao problema da forma que o tempo, a temporalidade e o sintagmático poderão assu- mir em uma cultura cada vez mais dominada pelo espaço e pela lógica espacial. Se, de fato, o sujeito perdeu sua capacidade de estender de forma ativa suas pretensões e retenções em um complexo temporal e organizar seu passado e seu futuro como uma experiência coerente, fica bastante difícil perceber como a produção cultural de tal sujeito poderia resultar em outra coisa que não um “amontoado de fragmentos” e uma prática de hete- rogeneidade a esmo do fragmentário, do aleatório. (JAMESON, 1997, p. 36) Aspectos teóricos da arte moderna e contemporânea 65 Na prática, podemos considerar que o contexto pós-moderno, com todas as suas características, tende a fazer com que os indivíduos de- senvolvam minimamente sua capacidade de ordenação do tempo, como a ausência da habilidade de estabelecer uma relação causal en- tre acontecimentos do passado, do presente e do futuro. Essa condição faz com que a produção cultural seja composta de diversos fragmentos que não, necessariamente, estarão relacionados entre si e que se configuram como um desdobramento da percepção individual. Por fim, podemos considerar que a pós-modernidade na condição de fenômeno social vai, ainda, caracterizar-se pela existência de outras características, como a noção de hiper-realidade, associada ao acesso constante aos meios virtuais, e a descentralização do sujeito em contra- posição ao período moderno. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conseguir compreender o contexto contemporâneo, em seus di- versos desdobramentos, realmente não é uma atividade fácil, pois po- demos incorrer no equívoco de relegar algum de seus aspectos mais preponderantes. Dessa forma, podemos considerar que a Revolução Industrial se con- figura como o ponto de origem dos demais tópicos abordados, sendo inviável compreendermos as sociedades atuais desconsiderando esse assunto. A Indústria Cultural se configura como um desdobramento da Revolução Industrial e transformou a compreensão de cultura ao possibi- litar a reprodução em série de diversas obras artísticas e culturais. O consumo, a globalização e a pós-modernidade podem ser consi- derados aspectos integrantes de um mesmo contexto, visto que se rela- cionam diretamente entre si. Quando abordamos a prática do consumo, podemos entender que ela faz referência à cultura ao influenciar a forma- ção da subjetividade individual. A globalização também está intrinsecamente relacionada à produção cultural da contemporaneidade, pois coloca em questão o estabelecimen- to das fronteiras nacionais e promove um intercâmbio de trocas culturais. 66 Arte e Cultura Quanto à pós-modernidade, podemos descrevê-la como um fenôme- no social que se caracteriza por diversos aspectos, como a utilização da tecnologia digital na vida cotidiana. Para compreendermos a produção cultural e artística no contexto con- temporâneo, é fundamental que as temáticas aqui apresentadas sejam cada vez mais discutidas e problematizadas. ATIVIDADES 1. A Revolução Industrial é um marco histórico muito significativo, pois dá origem a diversos processos subsequentes. Com base nesta premissa, discorra sobre esse processo, evidenciando algumas das principais características do contexto histórico de seu surgimento. 2. A globalização é um fenômeno que ocorre em nível mundial, tendo como um de seus principais motivadores a questão comercial. Com base nesta premissa, explique como a globalização interfere na produção da cultura. 3. O termo pós-modernidade possui diversos significados. Discorra sobre seus possíveis significados, abordando diferentes definições. REFERÊNCIAS ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. A indústria cultural: o Iluminismo como mistificação de massa. In: ADORNO, T. W. Teoria da cultura de massa. São Paulo: Paz e Terra, 2000. ANDERSON, B. R. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. COSTA, J. H. A atualidade da discussãosobre a indústria cultural em Theodor W. Adorno. Trans/Form/Ação, Marília, v. 36, n. 2, p. 135-154, maio/ago. 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/trans/v36n2/09.pdf. Acesso em: 13 ago. 2020. CROCCO, F. L. T. Indústria Cultural: ideologia, consumo e semiformação. Revista de Economia Política de las tecnologias de la informácion y comunicacion (Eptic), v. 11, n. 1, abr. 2009. Disponível em: https://seer.ufs.br/index.php/eptic/article/view/148. Acesso em: 13 ago. 2020. FEATHERSTONE, M. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995. FRIDMAN, L. C. Pós-modernidade: sociedade da imagem e sociedade do conhecimento. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 353-75, jul./out. 1999. 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A passagem interna da modernidade para a pós- modernidade. Psicol. cienc. prof. [on-line], Brasília, v. 24, n. 1, p. 82-93, mar. 2004. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/pcp/v24n1/v24n1a10.pdf. Acesso em: 13 ago. 2020. PROENÇA, R. P. da C. Alimentação e globalização: algumas reflexões. Cienc. Cult., São Paulo, v. 62, n. 4, p. 43-47, out. 2010. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0009-67252010000400014. Acesso em: 13 ago. 2020.. Acesso em: 13 ago. 2020. RETONDAR, A. M. A (re)construção do indivíduo: a sociedade de consumo como “contexto social” de produção de subjetividades. Sociedade e Estado [on-line], Brasília, v. 23, n. 1, p. 137-160, jan./abril 2008. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102- 69922008000100006&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 13 ago. 2020. SILVA JUNIOR, H. A. Indústria cultural e ideologia. Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 87, p. 505-516, set./dez. 2019. 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Neste capítulo, iremos entender o que foram as vanguar- das artísticas, representadas por cinco movimentos principais: expressionismo, futurismo, cubismo, dadaísmo e surrealismo. Compreenderemos, também, a forma como esses movimentos contribuíram para uma transformação surpreendente na concep- ção do que é arte e quais foram as principais causas de surgimento desses estilos. Na sequência, considerando a influência das vanguardas artís- ticas, iremos abordar a pop art como um movimento, buscando contextualizar suas principais características. Por fim, vamos nos dedicar ao estudo de um movimento artís- tico contemporâneo, que ainda está em voga, denominado surrea- lismo pop, analisando alguns dos principais artistas desse estilo. Estudar a arte produzida no século XX e no século XXI é um percur- so repleto de descobertas impressionantes. Vamos lá? 4.1 Contexto histórico da arte moderna Vídeo Conhecer o contexto histórico de surgimento de um movimen- to artístico é um dos principais aspectos necessários para podermos compreender o estilo desenvolvido pelos artistas e as relações estabe- lecidas entre eles e a sociedade. Movimentos artísticos modernos e contemporâneos 69 Nesse sentido, quando fazemos menção à arte moderna, estamos nos referindo aos movimentos que surgiram e desenvolveram-se des- de o contexto da Revolução Industrial até o século XX. Apesar de utilizarmos a periodização para compreender os movimentos artísticos, estabelecendo datas de início e fim, cabe destacarmos que a influência desses estilos permanece até a contem- poraneidade. São exemplos a produção de filmes, as fotografias e as peças publicitárias. Cabe destacarmos ainda que a noção de modernidade na Arte não equivale ao mesmo conceito na História. De acordo com Minerini e Amália (2019, p. 7), moderno diz respeito àquilo que acontece no tempo presente; trata-se, portanto, do hodierno, daquilo dos dias atuais. A arte moderna, entretanto, não necessariamente é aquela que está acontecendo nesse momento. Ela surge no contexto da moder- nidade, que se dá como consequência da Revolução Industrial iniciada século XVIII, e não no panorama da história moderna, compreendida entre o Renascimento e a Revolução Francesa. Abordaremos, nos tópicos correspondentes, as características espe- cíficas do contexto de cada movimento artístico, pois, apesar de fazerem parte do mesmo recorte temporal, podem ter variações significativas, principalmente em relação às condições sociais de cada país. Dessa forma, iremos tecer algumas considerações gerais sobre a transição do século XIX para o XX, em que se situa a origem das van- guardas artísticas, que são o recorte temático que faremos sobre arte moderna. No final do século XIX e início do XX, a Europa vivia uma situa- ção caracterizada por instabilidade social, rivalidade econômi- ca e política entre as nações, que culminou na Primeira Guerra Mundial, além de uma fecunda produtividade científica e intelec- tual. Sendo assim, a arte se viu afetada e múltiplos movimentos começaram a surgir como verdadeiros gritos de guerra, rompen- do de formas muito diferentes com os modelos de beleza domi- nantes. Até a Segunda Guerra Mundial, as primeiras vanguardas artísticas ou históricas explodiram por toda a Europa, influen- ciando outros continentes, como a América do Norte e América Latina. (PORTO, 2016, p. 83) Podemos observar, então, que o continente europeu se destaca inicialmente no surgimento das vanguardas artísticas, como no caso 70 Arte e Cultura do expressionismo. Posteriormente, surgem movimentos, em outros lugares, que também vão se caracterizar pela reflexão sobre o que é a arte e pela contestação dos padrões tradicionais na produção das obras artísticas. A eclosão da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, o expressivo crescimento da produção de bens industrializados e a ascensão de re- gimes totalitários, como o fascismo e o nazismo, são alguns dos as- pectos que contribuíram para o surgimento das chamadas vanguardas artísticas, que se referem a grupos de artistas do século XX. O próprio conceito enfatiza a noção de que foram pioneiros no fazer artístico, tendo entre suas características a crítica ao status quo, ou seja, ao meio estabelecido da arte, principalmente a arte considerada acadêmica. Podemos destacar, portanto, que “a vanguarda rompe com o pas- sado e volta-se contra aquilo que entende como antigona arte, abrin- do inúmeras possibilidades, muitas delas presentes ainda hoje na arte contemporânea ou pós-moderna” (AMÁLIA; MINERINI, 2019, p. 7). Esses movimentos também se tornaram amplamente conhecidos pelos manifestos que expressaram boa parte de suas convicções, ou ausência delas, para a sociedade em geral. Para Eco (2015, p. 368), as vanguardas históricas remetiam aos ideais de desregramento dos sentidos já defendidos por Rimbaud ou Lautréamont. Pro- nunciavam-se contra a arte naturalista e “consolatória” de seu tempo [...]. Nos primórdios, com o Manifesto Futurista, elogiava- -se a velocidade, os carros de corrida mais belos que a Vitória de Samotrácia, a guerra, a bofetada e o soco, lutava-se contra a “luz do luar”, os museus e as bibliotecas, propunha-se realizar “cora- josamente o feio”, Palazzeschi defende uma educação das jovens gerações ao repulsivo e, em 1913, Boccioni intitula “Antigracioso” seja uma escultura, seja um quadro. Entre os questionamentos das vanguardas, podemos identificar uma crítica voltada para a função da arte, pois os artistas desses movimentos romperam com o entendimento de que a arte, por si só, seria capaz de contribuir para o desenvolvimento dos valores humanos na sociedade. Imersos em um contexto histórico permeado por guerras, intolerân- cia e violência, uma parte desses artistas buscou criar formas de expres- são artística, a fim de questionar a realidade na qual estavam inseridos. Dessa forma, houve a busca por atribuir novas funções para a produ- ção artística que ultrapassavam o deleite estético de contemplação das O filme Manifesto faz referência direta às vanguardas artísticas do século XX, ao abordar manifestos de diversos movimentos, como o surrealismo, o futurismo e o dadaísmo. A atriz Cate Blanchett interpreta 13 papéis diferentes, cada um representando um manifesto. Trailer disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=VWzHVroUNA8. Acesso em: 27 ago. 2020. Direção: Julian Rosefeldt. Austrália/ Alemanha: Bayerischer Rundfunk, 2015. Filme Movimentos artísticos modernos e contemporâneos 71 obras e tinham como intenção enfatizar a noção de ruptura, bem como possibilitar um olhar diferenciado sobre a noção do que pode ser consi- derado arte. Outro elemento que também foi bastante significativo e esteve pre- sente em diversas vanguardas artísticas foi o desenvolvimento tecnoló- gico e industrial, característico do século XX. Os principais movimentos artísticos caracterizados como vanguar- da são os seguintes: expressionismo, cubismo, futurismo, surrealismo e dadaísmo. A seguir, veremos brevemente um pouco sobre cada uma dessas tendências, analisando uma obra de cada artista. 4.2 Vanguardas artísticas: expressionismo, cubismo e futurismo Vídeo Começaremos pelo expressionismo, movimento que surgiu no iní- cio do século XX e caracterizou-se por ser uma tendência da arte eu- ropeia moderna. O termo foi mencionado pela primeira vez na revista alemã Der Sturm (A tempestade), em 1911. Inicialmente, constituiu-se uma oposição ao impressionismo fran- cês, sendo contrário à noção de arte como registro da natureza e bus- cando evidenciar a ação por meio da utilização de cores fortes e formas distorcidas. Houve dois grupos de artistas: um se localizava em Dresden e ou- tro, em Munique. Ambos contribuíram para o desenvolvimento das características do expressionismo, como a utilização de pinceladas ex- pressivas. Algumas das principais influências foram o fauvismo e a arte primitiva, assim como as obras de Van Gogh e Paul Gauguin. Após a Primeira Guerra Mundial, os grupos se dissolveram; porém, o expressionismo se difundiu pela Alemanha. Com o surgimento do nazismo, os artistas começaram a ser perseguidos, e o movimento foi tachado de arte degenerada. Posteriormente, o expressionismo se espalhou para outros países, como Bélgica, Holanda e França, e retomado a partir de 1950 nos EUA com o expressionismo abstrato. 72 Arte e Cultura Um dos principais artistas desse movimento foi o alemão Wassily Kandinsky, que aplicou os preceitos expressionistas na obra a seguir, por meio da utilização de diversas cores. Munich-Schwabing with the Church of St. Ursula (Munique com a Igreja de Santa Úrsula), pintura de 1908, de Kandinsky. AB C Ga lle ry /W ik im ed ia C om m on s O movimento conhecido como cubismo surgiu com a obra Les Demoiselles d’Avignon, de Pablo Picasso, no ano de 1907, em Paris. Essa obra não foi aceita pelos críticos inicialmente, porém se transformou em um marco na história da arte. Esse movimento, que se esten- deu pelas duas primeiras décadas do século XX, era contrário à arte como imitação da natureza e foi influenciado pelas obras de Paul Cézanne. O cubismo se caracterizou pelo uso das formas abstratas, como cubos, cilindros, cones e esferas, pela representação de diferentes perspectivas, pela influência da arte africana e, também, pela ausência da noção de profundidade nas obras. 未 知 上 傳 者 /W ikim edia Commons Kandinsky por volta de 1913. Picasso em 1962. Fotografia da revista argentina Vea y Lea. Be vin Ka co n/ Wikim edia Commons Acesse o link para visualizar a obra de Picasso. https://www.moma.org/collection/ works/79766 https://www.moma.org/collection/works/79766 https://www.moma.org/collection/works/79766 Movimentos artísticos modernos e contemporâneos 73 Cronologicamente, podemos identificar duas fases: a primeira ini- ciando em 1912, denominada cubismo analítico, composta de pesqui- sas estruturais que buscavam realizar uma decomposição dos objetos e da utilização de uma paleta de cores monocráticas; e a segunda, co- nhecida como cubismo sintético, na qual houve um uso mais intensivo da cor, a presença de formas maiores e a inserção de outros materiais, como fragmentos de jornais e pedaços de madeira, culminando no pro- cesso da colagem. O cubismo também se desenvolveu na escultura, na música, na poe- sia e influenciou diversos outros movimentos, como o futurismo, o da- daísmo, o surrealismo e o expressionismo abstrato. A seguir, temos uma obra que representa o movimento cubista. Na imagem feita pelo pintor espanhol Juan Gris, podemos observar a pre- sença de figuras geométricas e a predominância dos tons bege e azul. A obra é um retrato de Picasso. Portrait of Pablo Picasso, 1912. Obra de Gris. Rg GP ip J4 Fx SB iw /W ik im ed ia C om m on s O futurismo se originou como movimento artístico com a publicação do Manifesto Futurista, em Paris, pelo poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti, em 1909. Posteriormente, houve diversos outros manifestos. 74 Arte e Cultura Entre as características desse movimento, podemos destacar a opo- sição à valorização do passado e do tradicionalismo cultural, ao mesmo tempo em que exaltavam a existência da máquina e da velocidade. Esse movimento foi amplamente influenciado pelas mudanças so- ciais do período, como o desenvolvimento científico, sendo expresso por meio da experimentação técnica e estilística em diversos formatos, como a música, as artes cênicas e a arquitetura. Outros elementos presentes nas obras de tendência futurista são a simultaneidade e a ênfase na ação, assim como as técnicas de compo- sição influenciadas pelo cubismo. O movimento também teve um aspecto político bastante demar- cado, sendo expresso pela defesa de pautas como a modernização da indústria, o anticlericalismo e a associação com o fascismo. Entre os expoentes desse movimento, destacamos o italiano Giacomo Balla, que se caracterizou por retratar temas como a luz e a velocidade. Podemos observar isso na obra a seguir. Dynamism of a Dog on a Leash, 1912. Obra de Balla. Sk ye dh al ve 94 /W ik im ed ia C om m on s Nesse quadro, o artista retratou uma pessoa passeando com um ca- chorro na coleira. Observe que a noção de velocidade é retratada pelo movimento dinâmico das pernas humanas, das patas caninas e do vai e vem da corrente, presa à coleira. Movimentos artísticos modernose contemporâneos 75 4.3 Vanguardas artísticas: dadaísmo e surrealismo Vídeo O movimento nomeado dadaísmo surgiu a partir do ano de 1916, em Zurique (Suíça), na Alemanha, e de modo quase concomitante em Nova Iorque (EUA), com grupos diferentes, mas que convergiram em uma mesma perspectiva. Teve como algumas de suas principais características a crítica cultu- ral e a contestação dos valores estabelecidos. Posteriormente, difun- diu-se para outros lugares, como Berlim e Paris. As obras tinham como intenção provocar o choque nos observado- res, visto que faziam referência a uma noção de antiestética, ao mesmo tempo em que promoviam o questionamento social. Parte do posicionamento dadaísta expressa uma desilusão com a arte, principalmente por conta da eclosão da Primeira Guerra Mundial, pois considerava que a arte não cumprira a função de contribuir com a melhora no desenvolvimento humano. A origem do nome veio do termo dadá, que significa cavalo de brin- quedo e representava uma tentativa de não atribuir significado ao mo- vimento; a intenção era que o título não fizesse referência a nada. O espírito original do Dadaísmo era um tipo de jogo exagerado jogado nas sombras da guerra, um modo de demonstrar, por meio de ações infantis, o desprezo pelo patriotismo retumbante: o próprio termo Dadaísmo vem de dadá, que, na linguagem in- fantil, significa “cavalinho de balanço”, e os dadaístas de Zurique registraram seu protesto por meio da bufonaria contra o que Hans Arp denominava “a mania pueril de autoritarismo que podia usar a própria arte para a estultifica- ção da humanidade”. (DANTO, 2015, p. 52) Entre os principais expoentes dessa tendência, um artista que conquistou enorme notoriedade foi o francês Marcel Duchamp; ele havia se mudado para Nova Iorque em 1915. Glossário estultificação: refere- se ao processo de embrutecimento, de tornar-se estúpido ou imbecil. 76 Arte e Cultura Duchamp criou o conceito de ready-made; este se constituía na transformação de objetos sem um valor estético, como produtos in- dustrializados, que eram elevados à categoria de obra de arte. Essa prática foi uma crítica ao sistema da arte como um todo. Uma exposição de arte dadaísta poderia consistir em pedaços de papel, instantâneos amarelados e uns poucos esboços do Café Voltaire, de Zurique, onde tudo começou. O Dadaísmo recusa-se a ser considerado belo – e essa é a sua grande significação filo- sófica quando consideramos a narrativa consoladora segundo a qual, com a passagem do tempo, o que era rejeitado como arte por não ser belo acaba se tornando credenciado como belo e reivindicado como arte. (DANTO, 2015, p. 53) Uma das principais obras de Duchamp se chama L.H.O.O.Q. Foi ini- cialmente concebida em 1919 e originalmente publicada na revista 391, em 1920. Foi uma das principais referências do conceito de ready-made. A obra é um cartão-postal, com baixo valor monetário agregado, que reproduz La Gioconda, de Leonardo da Vinci. Duchamp desenhou um bigode e uma barba na Mona Lisa com uma caneta. Acesse o link para visualizar a obra de Duchamp. https://www.wikiart.org/en/marcel-duchamp/l-h-o-o-q-mona-lisa-with-moustache-1919 O surrealismo foi outro dos movimentos que compuseram as van- guardas artísticas do século XX, surgindo da década de 1920, em Paris, e fazendo referência a uma perspectiva de distanciamento da realida- de. O termo ganhou notoriedade com o poeta André Breton, sendo utilizado para designar um estado de superação do mundo material, valorizando elementos como o onírico e o inconsciente. Tinha como uma de suas principais intenções o estímulo da criativi- dade e a liberação do inconsciente, tendo uma influência significativa da psicanálise nesse sentido. Abordava ainda outros temas, como a metamorfose, a dor e a loucura. Uma propensão para situações conturbadas e imagens mons- truosas aparece no Manifesto Surrealista de 1924. O artista é chamado a reproduzir situações oníricas que abrem espirais para o inconsciente através de operações como, por exemplo, a escrita automática, para libertar a mente de qualquer freio ini- bidor e deixá-la vagar ao sabor de associações livres de imagens Duchamp na década de 1930. Wikimedia Commons onírico: relativo ao mundo dos sonhos e suas expressões. Glossário https://www.wikiart.org/en/marcel-duchamp/l-h-o-o-q-mona-lisa-with-moustache-1919 Movimentos artísticos modernos e contemporâneos 77 e ideias. A natureza é transfigurada para dar livre passagem a situações de pesadelo e a teratologias inquietantes em artistas como Ernst, Dalí e Magritte. (ECO, 2015, p. 369) Assim como o dadaísmo, também contestou os valores sociais vi- gentes no período, utilizando diversos canais de comunicação, como as revistas e as exposições. O surrealismo se difundiu por diversos lugares, como Bélgica, Romênia, Alemanha, América do Sul e EUA, tendo sido expresso em variados formatos, como a escultura, a literatura e o cinema. Salvador Dalí foi um dos principais artistas desse movimento, tor- nando-se um ícone de referência do surrealismo. Suas pinturas se ca- racterizam pela presença de elementos oníricos e irracionais, como no quadro A Persistência da Memória, de 1931. Acesse o link para visualizar a obra de Dalí. https://www.wikiart.org/pt/salvador-dali/a-persistencia-da-memoria-1931 O surrealismo se tornou um dos principais estilos de referência para a arte contemporânea, tornando-se um dos movimentos mais icônicos na história. Dalí com sua jaguatirica de estimação, em 1968. Fotografia de Roger Higgins. Ro ge r H igg ins /W ikim edia Commons Dalí idealizou um curta-metragem com Walt Disney em 1945 chamado Destino. Nele, podemos perceber diversos aspectos do surrealismo. Você pode assisti-lo no YouTube. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=K6XCN6gNJFw. Acesso em: 27 ago. 2020. Direção: Dominique Monféry. EUA: Walt Disney Pictures, 2003. Filme 4.4 O movimento pop art Vídeo Um aspecto principal e indispensável para a compreensão dos mo- vimentos artísticos é a relação que se estabelece entre os artistas e o contexto histórico do período. Na década de 1950, a inserção de diversos produtos industrializa- dos no mercado de consumo começa a se tornar um acontecimento perceptível, assim como a produção da cultura em escala industrial. É nesse contexto que surgiu um movimento conhecido posterior- mente como pop art. Algumas de suas principais características são a defesa da arte considerada popular e o estreitamento da comunicação com o público. https://www.wikiart.org/pt/salvador-dali/a-persistencia-da-memoria-1931 78 Arte e Cultura Quando alguém reflete sobre o que tornou aquele momento tão único, duas coisas precisam ficar claras. A primeira é que, a partir do momento em que se percebe que qualquer coisa pode ser uma obra de arte, não faz muito sentido perguntar se isso ou aquilo pode ser uma obra de arte, uma vez que a resposta será sempre sim. Essas coisas específicas talvez não sejam obras de arte, mas podem ser. O segundo aspecto a esclarecer é que se tornou ur- gente, nessas circunstâncias, a questão de saber qual deve ser o caso, se elas se destinam a ser obras de arte. Isso significa que uma teoria da arte de repente se tornou algo imperativo, de um modo que ela nunca tinha parecido ser antes. (DANTO, 2015, p. 12) Fazendo referência a elementos presentes no imaginário do perío- do, as obras da pop art buscam evidenciar a existência de uma cultura de massa e incorporar diversos aspectos da vida cotidiana. Com uma atitude de recusa a estabelecer distinção entre o que é arte e o que é popular, os artistas utilizam variados formatos comuns da indústria cultural, como as histórias em quadrinhos, os anúncios pu- blicitários, a televisão e os filmes. A origem do termo pop art é atribuída ao crítico britânico Lawrence Alloway, que se inspirou na colagem O que torna os lares de hoje tão di- ferentes, tão atraentes?, de 1956, produzida por Richard Hamilton. Essaobra foi divulgada em um primeiro momento como pôster e ilustra- ção no catálogo da exposição This Is Tomorrow (Isto é o amanhã), do Independent Group (O Grupo Independente), que se reunia no Instituto de Artes Contemporâneas de Londres. Acesse o link para visualizar a obra de Hamilton. https://www.metmuseum.org/art/collection/search/494046 A obra retrata uma cena em um ambiente tipicamente doméstico. O artista selecionou diversos anúncios publicados em revistas de consi- derável circulação para compor a colagem. Os diversos objetos presen- tes na composição, assim como o homem e a mulher, são abordados de modo a ressaltar seus aspectos atrativos. A pop art se destaca, então, por promover uma aproximação entre arte e o design comercial, ao mesmo tempo em que critica a divisão social es- tabelecida entre o que é considerado arte erudita versus o que é cultura de massa. https://www.metmuseum.org/art/collection/search/494046 Movimentos artísticos modernos e contemporâneos 79 De acordo com Hamilton, podemos encontrar, entre os princípios desse estilo, a defesa da arte popular, a noção de transitoriedade e o caráter descartável das obras (FARTHING, 2011). Além disso, o artista apresentava a pop art como um estilo jovem e glamoroso, destacando ainda o baixo custo para a confecção das obras e a sua produção em massa. De maneira quase simultânea, o movimento se desenvolve também nos EUA, tendo como marco duas exposições iniciais que buscaram reunir as obras de artistas em uma perspectiva semelhante, sendo elas a “Arte 1963: novo vocabulário”, na Filadélfia, e os “Os novos realistas”, em Nova Iorque. De acordo com Danto (2015, p. 1), “no início dos anos 1960, sobretudo na cidade de Nova Iorque ou em torno dela, a própria arte era produto de vários movimentos artísticos de vanguarda. Além disso, a maior parte dessa arte dificilmente poderia ter sido produzida numa data anterior”. Nesse contexto, destacamos os artistas Andy Warhol e Roy Lichtenstein, que se tornaram alguns dos principais representantes da pop art. As obras desses artistas se alinhavam por conta das temáticas retratadas, pois não tinham um programa especificamente definido. Lichtenstein em sua exposição de 1967, no Museu Stedelijk, Amsterdã, Holanda. A obra ao fundo é uma pintura de duas telas, de 1963, intitulada Whaam! An ef o/ W ik im ed ia C om m on s Apesar da crítica social estabelecida pela pop art contra a arte erudi- ta, as obras acabaram ganhando grande apreço social, sendo expostas em galerias e instituições mais tradicionais. Para conhecer um pouco melhor a estética da pop art, leia a reportagem Oscar Pop! Indicados a melhor filme de 2020 em pôsteres de pop art, que mostra releituras de car- tazes dos filmes indicados ao Oscar 2020. Seguindo uma tradição do site de imagens Shutterstock, na oitava edição do desafio anual Oscar Pop!, os designers da equipe desafiaram um ao outro a criar pôsteres homena- geando os indicados a melhor filme. Disponível em: https://www. shutterstock.com/pt/blog/ oscar-pop-2020. Acesso em: 27 ago. 2020. Saiba mais Em 2013 foi realizada uma exposição na galeria de arte Barbican, em Londres, para celebrar os 50 anos da pop art. A exposição, intitulada Pop Art Design, reuniu mais de 200 obras de 70 designers e artistas. Veja mais detalhes na reporta- gem da BBC. Disponível em: https://www. bbc.com/portuguese/videos_e_ fotos/2013/10/131023_galeria_ expo_arte_pop_an. Acesso em: 27 ago. 2020. Curiosidade https://www.bbc.com/portuguese/videos_e_fotos/2013/10/131023_galeria_expo_arte_pop_an https://www.bbc.com/portuguese/videos_e_fotos/2013/10/131023_galeria_expo_arte_pop_an https://www.bbc.com/portuguese/videos_e_fotos/2013/10/131023_galeria_expo_arte_pop_an https://www.bbc.com/portuguese/videos_e_fotos/2013/10/131023_galeria_expo_arte_pop_an 80 Arte e Cultura Podemos destacar o dadaísmo e o surrealismo e, também, alguns aspectos do expressionismo abstrato como os principais movimentos artísticos de influência artística. Destacam-se em relação às caracterís- ticas das obras a utilização de cores saturadas, a presença da subjetivi- dade dos artistas e a inserção das mudanças tecnológicas do contexto. Entre essas obras, a Brillo Box, de Warhol, representa a utilização das técnicas de expressão artística, associadas à pop art, ao incorporar a embalagem da esponja de aço da marca Brillo. Criada e exibida em 1964, a obra apropria-se do formato de uma embalagem comercial para remessa que só passou a existir pouco mais de um ano antes. O designer da embalagem, ele pró- prio um artista, baseou-se nos paradigmas estilísticos da pintu- ra abstrata contemporânea. “Brillo”, por sua vez, era o nome de uma esponja de aço com sabão recém-inventada e considerada particularmente eficiente para dar brilho a utensílios de alumí- nio. (DANTO, 2015, p. 1) Warhol no Museu de Arte Moderna de Estocolmo, antes da abertura de sua exposição, em 1968. Caixas de Brillo em segundo plano. La ss e Ol ss on /W ik im ed ia C om m on s Outro trabalho de destaque do artista é a Lata de Sopa Campbell, produzida por serigrafia, que gerou uma recepção bastante controver- sa por parte dos observadores. O filme Uma Garota Irre- sistível aborda a relação entre a modelo e atriz Edie Sedgwick e o artista Andy Warhol. Nele, são retratados diversos as- pectos da pop art. Assista ao trailer no YouTube. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=YJHZRudAhxs. Acesso em: 27 ago. 2020. Direção: George Hickenlooper, EUA: Lift Productions, 2006. Filme Movimentos artísticos modernos e contemporâneos 81 To m R ol fe /W ik im ed ia C om m on s Pilares revestidos com a imagem da Lata de Sopa Campbell, na parte externa da exposição em homenagem ao vigésimo aniversário da morte de Andy Warhol, na Escócia, em 2007. A representação de produtos industrializados, o efeito de multipli- cação das imagens e a utilização de cores saturadas são algumas das principais características que marcaram a pop art em seu estilo. A pop art também teve adeptos no Brasil. O movimento tropicália e as obras de diversos artistas, como Hélio Oiticica, tiveram influência da pop art. Assim como na Inglaterra, os artistas por aqui utilizaram a arte para fazer críticas e protestos, mas o alvo era diferente: as manifesta- ções artísticas brasileiras criticavam principalmente a ditadura militar, além de denunciarem os pro- blemas sociais. Veja mais exemplos no texto Pop Art no Brasil: principais artistas e obras nacionais. Disponível em: https://laart.art.br/ blog/pop-art-brasil/. Acesso em: 27 ago. 2020. Curiosidade 4.5 O surrealismo pop como expressão da contemporaneidade Vídeo Uma parte considerável dos movimentos e estilos artísticos só to- mou consciência de sua existência após seu término ou, então, foi nomeado por pessoas externas. Diante disso, tentarmos definir um movimento que ainda está ativo e configura-se como uma tarefa mais complexa, o que pode explicar, em certa medida, a ausência de volu- mosos estudos sobre o tema. O chamado surrealismo pop, também conhecido inicialmente pelo termo lowbrow, constitui-se uma das principais expressões artísti- cas em voga na contemporaneidade. Surgiu como um movimento underground, na década de 1970, na Califórnia, sendo composto so- mente de artistas plásticos nesse período. Atualmente, conta com ar- tistas em outras áreas. https://laart.art.br/blog/pop-art-brasil/ https://laart.art.br/blog/pop-art-brasil/ 82 Arte e Cultura Em relação à nomeação do estilo, existem discordâncias quanto à origem, mas uma das versões mais aceitas atribui a criação do termo lowbrow a Kirsten Anderson, autora da primeira coletânea dedicada so- mente a obras desse estilo. Ela queria utilizar o termo lowbrow como nome do livro, mas alguns artistas o consideraram depreciativo. Desse modo, elaborou o termo surrealismo pop, em referência às influências do surrealismo e da pop art. Entre os principaisartistas que servem como inspiração para o sur- realismo pop, podemos citar Pablo Picasso e Salvador Dalí, além de inúmeras referências do universo pop. Nas obras desse estilo, existem vários elementos que fazem parte da cultura contemporânea, como Mickey Mouse, Hello Kitty e Star Wars. Em relação às características das produções artísticas, podemos encontrar alguns aspectos presentes na maioria das obras, como a presença de figuras compreensíveis e de uma técnica de desenho de- senvolvida. Também há a presença de elementos que remetem a uma imaterialidade ou a um ambiente onírico, como no caso do surrealis- mo, e referências à globalização, ao consumo e ao ambiente urbano. Percebemos, ainda, uma influência da cultura punk, tendo em vista que atualmente o estilo se encontra representado em diversos países e, em cada lugar, desenvolve-se conforme as referências locais. Conheceremos agora um pouco mais sobre as obras de alguns dos principais artistas que se enquadram no estilo do surrealismo pop e representam parte da diversidade desse movimento. Um dos principais expoentes na atualidade é o estadunidense Mark Ryden. Suas obras se caracterizam por retratar, entre outros temas, símbolos católicos e o ex-presidente Abraham Lincoln. Aos clichês que reúnem muitos dos artistas lowbrow, Ryden acrescentou algo especial, ingênuo e mórbido ao mesmo tempo, estranho e familiar, reconfortante e perturbador, meticulosa- mente sinistro. Seu talento para o desenho e a pintura a óleo no estilo mais acadêmico, aplicado a [...] adereços, só contribui para aquele efeito de estranhamento. Há [...] composição e moti- vos recorrentes, uma clara referência à iconografia católica, mas também maçônica e hermética. [...] Ryden reconhece a pluralida- de de suas influências, entre as quais numerosos mestres da pin- tura europeia, mas sua obra resiste a qualquer análise que tente decodificá-la. Não há sistema, o mistério é a mensagem. Suas Tim Burton se destaca pela estética dos seus filmes, que se enquadram na definição de surrea- lismo pop. Em 2016, o Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, recebeu a exposição O mundo de Tim Burton; esta contou com cerca de 500 itens, incluindo obras de arte e esboços raramente ou nunca vistos. Para mais detalhes sobre a obra desse dire- tor, acesse o link sobre a exposição. Disponível em: https:// www.huffpostbrasil. com/2016/02/04/o-mundo-de- tim-burton-exposicao-macabra- do-diretor-no-mis-va_n_9154696. html. Acesso em: 27 ago. 2020. Curiosidade Para saber mais sobre um dos principais artistas do surrealismo pop, Alex Gross, acesse o link a seguir. Você vai observar a presença de marcas e produtos do consumismo atual em várias obras do artista. Disponível em: http://obviousmag. org/archives/2011/03/o_ surrealismo_pop_de_alex_gross. html. Acesso em: 27 ago. 2020. Saiba mais https://ffw.uol.com.br/noticias/moda/surrealismo-pop-de-mark-ryden-e-reunido-em-novo-livro-da-taschen/ https://ffw.uol.com.br/noticias/moda/surrealismo-pop-de-mark-ryden-e-reunido-em-novo-livro-da-taschen/ https://ffw.uol.com.br/noticias/moda/surrealismo-pop-de-mark-ryden-e-reunido-em-novo-livro-da-taschen/ https://ffw.uol.com.br/noticias/moda/surrealismo-pop-de-mark-ryden-e-reunido-em-novo-livro-da-taschen/ Movimentos artísticos modernos e contemporâneos 83 poucas entrevistas são um tanto decepcionantes, com citações imagináveis de Picasso (“Toda criança é um artista. O problema é como permanecer assim quando você envelhece”) e pérolas de humor ensaiadas (“Eu pinto Lincoln porque ele é o rei dos presidentes ”) (HISPANO, 2012, tradução nossa, grifo do original) An n El lio tt Cu tti ng /W ik im ed ia C om m on s Fotografia de Mark Ryden em seu ateliê. Outra artista que tem ganhado notoriedade é Jana Brike, que nasceu na Letônia. Suas obras retra- tam personagens femininas e fazem referência a ele- mentos de culturas ancestrais da sua região. Acesse o link para visualizar a obra Runaway Daughters, de Jana Brike. https://www.wikiart.org/en/jana-brike/runaway-daughters O estadunidense Todd Schorr também é um ex- poente do surrealismo pop, e suas obras possuem várias características próprias, como uma influência visual dos cartuns e uma impressionante capacidade técnica de pintura. O livro Pinxit reúne diversas obras do artista Mark Ryden. Para saber mais sobre essa edição especial, acesse a página Fashion Forward. Disponível em: https://ffw.uol.com. br/noticias/moda/surrealismo-pop- de-mark-ryden-e-reunido-em- novo-livro-da-taschen/. Acesso em: 27 ago. 2020. Saiba mais Va le ria no wl /W ik im ed ia C om m on s O artista Todd Schorr em seu estúdio. https://www.wikiart.org/en/jana-brike/runaway-daughters https://ffw.uol.com.br/noticias/moda/surrealismo-pop-de-mark-ryden-e-reunido-em-novo-livro-da-taschen/ https://ffw.uol.com.br/noticias/moda/surrealismo-pop-de-mark-ryden-e-reunido-em-novo-livro-da-taschen/ https://ffw.uol.com.br/noticias/moda/surrealismo-pop-de-mark-ryden-e-reunido-em-novo-livro-da-taschen/ https://ffw.uol.com.br/noticias/moda/surrealismo-pop-de-mark-ryden-e-reunido-em-novo-livro-da-taschen/ 84 Arte e Cultura Outro artista estadunidense que se destaca é Bradley Parker, cujas obras abordam a temática tiki, com base nos referenciais da cultura polinésia. A obra a seguir é um exemplo dessa temática. Ol d M an P ar ke r/ W ik im ed ia C om m on s Tiki Cat, 2016, obra de Parker. O surrealismo pop se configura como um estilo artístico que ex- pressa a contemporaneidade em vários de seus aspectos, como na re- presentação da cultura pop. Vários artistas adeptos desse estilo estão produzindo diversas obras impressionantes. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo, pudemos aprofundar nossos conhecimentos sobre o contexto histórico de desenvolvimento dos movimentos artísticos moder- nos, especificamente as vanguardas artísticas. Abordamos o surgimento e as principais características do expressionismo, do futurismo, do cubismo, do dadaísmo e do surrealismo. Movimentos artísticos modernos e contemporâneos 85 Também, conhecemos o desenvolvimento da pop art, analisando as obras de Andy Warhol e Richard Hamilton, no intuito de entender a rela- ção estabelecida entre o movimento e o seu contexto. Por fim, vimos o que é o surrealismo pop e conhecemos alguns dos principais artistas que fazem parte desse estilo. Compreendemos, tam- bém, a atualidade desse movimento. ATIVIDADES 1. As vanguardas artísticas se caracterizam pela crítica ao conceito tradicional de arte, seja por meio de suas obras ou de seus manifestos. Com base nessa premissa, discorra sobre o que levou esses movimentos a questionarem a função social da arte. 2. Diversos movimentos artísticos são considerados vanguardas. Descreva as principais características dos estilos que vimos neste capítulo. 3. A pop art se destacou por estabelecer uma crítica à distinção entre arte erudita e popular. De que forma foi feito esse questionamento? REFERÊNCIAS DANTO, A. C. O abuso da beleza: a estética e o conceito de arte. São Paulo: WMF Martins Fontes, 215. ECO, U. História da Feiura. Rio de Janeiro: Record, 2015. FARTHING, S. Tudo sobre arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2011. HISPANO, A. Mark Ryden, surrealismo pop, arte ‘freak’. La Vanguardia, 22 fev. 2012. Disponível em: https://www.lavanguardia.com/cultura/20120222/54257862698/mark- ryden-surrealismo-pop-arte-freak.html. Acesso em: 31 ago. 2020. MINERINI, J; AMÁLIA, A. História da arte: do moderno ao contemporâneo. São Paulo: Editora Senac, 2019. PORTO, H. Estética e história da arte. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2016. 86 Arte e Cultura 5 Educar para preservar Neste capítulo, conheceremos a origem dos conceitos de pa- trimônio, refletindo sobre os seus principais usos, e sobre o termo patrimônio mundial. Veremos, ainda, as diferenças entre as cate- gorias de patrimônio natural, patrimônio cultural, patrimônio ima- terial e patrimônio ambiental. Esta classificaçãobusca facilitar a compreensão da pluralidade existente em relação ao patrimônio, ao mesmo tempo que facilita o estudo e o entendimento sobre as dinâmicas referentes à pre- servação dos bens patrimoniais. Outra temática que abordaremos são os debates sobre os con- ceitos de internacionalização e universalismo, considerando que são conceitos-chave para a compreensão das dinâmicas patrimo- niais na contemporaneidade. Estudaremos, também, o tema da preservação em consonância com a preocupação de relacionar as discussões apresentadas à contemporaneidade. 5.1 A origem do patrimônio Vídeo Desde a sua origem até os dias de hoje, a noção de patrimônio se modificou conforme o contexto no qual ela estava inserida e o fim para qual era empregada. No mundo atual, em que a pluralidade e a diversi- dade são conceitos-chave, o patrimônio também se amplia para abar- car outras conotações que expandem seu significado, possibilitando a inclusão de novas interpretações sobre os bens patrimoniais. A etimologia da palavra patrimônio nos remete ao contexto histórico da Roma Antiga, quando era utilizada para referenciar algo como perten- cente ao pai, sendo derivada da palavra de origem latina patrimonium. É importante destacarmos que o contexto histórico de surgimento do Educar para preservar 87 termo era bastante diferenciado da contemporaneidade e, por isso, a palavra era empregada em alguns sentidos diversos. A semelhança dos termos – pater, patrimonium, familia –, porém, esconde diferenças profundas nos significados já que a socieda- de romana era diversa da nossa. A familia compreendia tudo que estava sob domínio do senhor, inclusive a mulher e os filhos, mas também os escravos, os bens móveis e imóveis, até mesmo os animais. Isso tudo era o patrimonium, tudo que podia ser lega- do por testamento, sem excetuar, portanto, as próprias pessoas. (FUNARI; PELEGRINI, 2009, p. 11, grifos do original) O uso da palavra patrimônio, nessa perspectiva, assemelha-se mais à ideia de um conjunto de bens de posse individual ou familiar, sendo possível ser transmitido por herança. Nesse sentido, utilizaremos outra acepção da palavra, a qual até possibilita uma aproximação com o sentido original, pois há a intenção de se preservar um determinado bem para a posteridade, porém, esse patrimônio é de caráter coletivo e/ou social e faz referência à preserva- ção histórica, cultural e/ou natural. Outro conceito necessário para iniciarmos essa jornada de estudos é o do termo patrimônio mundial, instituído pela Organização das Na- ções Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que são os principais bens ao redor de todo o mundo, considerados de valor uni- versal; sendo assim, devem ser protegidos pela humanidade. No que se refere às ações de preservação, a Unesco elaborou a Lista do Patri- mônio Mundial, a qual seleciona os patrimônios ao redor do mundo que terão o título de mundiais. O processo de escolha dos bens a serem adicionados à listagem é bastante criterioso e obedece a alguns passos específicos, como a sub- missão da inscrição dos bens pelo próprio país responsável, passando, na sequência, por uma análise da comissão própria de avaliação da Unesco. A preocupação em selecionar, organizar e proteger surgiu por con- ta da constatação de que eventos sociais, como guerras, ou eventos naturais, como terremotos, podem riscar do mapa bens patrimoniais que têm um valor inestimável para a humanidade. Desse modo, a lista serve de incentivo à cooperação por parte de todos os países para que os patrimônios mundiais sejam respeitados e conservados. A Unesco, uma agência da Organização das Nações Unidas (ONU) criada em 1945, pro- põe-se a promover a identificação, a proteção e a preservação dos pa- trimônios considerados valiosos para a humani- dade. No link a seguir, você poderá saber mais sobre os patrimônios bra- sileiros que fazem parte da Lista do Patrimônio Mundial da Organização, como cidades, centros históricos, parques e sítios arqueológicos, além de danças e rituais. Disponível em: https://pt.unesco. org/fieldoffice/brasilia/expertise/ world-heritage-brazil. Acesso em: 11 set. 2020. Saiba mais https://pt.unesco.org/fieldoffice/brasilia/expertise/world-heritage-brazil https://pt.unesco.org/fieldoffice/brasilia/expertise/world-heritage-brazil https://pt.unesco.org/fieldoffice/brasilia/expertise/world-heritage-brazil 88 Arte e Cultura O desenvolvimento de uma consciência patrimonial é fundamental; ela pode ser adquirida pela própria história de vida individual ou pode ser desenvolvida por meio da educação patrimonial. A consciência patrimonial contempla a noção de que, para além da identificação étnica ou cultural, é possível o desenvolvimento da com- preensão de que o patrimônio, independentemente de qual seja, deve ser preservado por ser um referencial social para um determinado con- junto de pessoas. Com o desenvolvimento da consciência patrimonial, se uma pessoa que não seja de origem japonesa se deparar com o Memorial da Paz de Hiroshima, por exemplo, saberá reconhecê-lo como um patrimônio mundial, dada a sua importância histórica e cultural. Au de /W ik im ed ia C om m on s O Memorial da Paz de Hiroshima se situa no Japão e foi construído no ano de 1915. Tornou-se um patrimônio mundial da Unesco por ter sido o edifício mais próximo ao epicentro da explosão ocasionada pelo bombardeio atômico promovido pelos EUA em 1945, durante a Segunda Guerra Mundial. O contexto histórico do conceito de patrimônio é um ponto de parti- da para compreendermos a sua trajetória ao longo do tempo, inclusive em virtude das diversas categorizações que surgiram, como as distin- Educar para preservar 89 ções entre o patrimônio natural e o patrimônio cultural. Essas classi- ficações, mais do que meras formalidades, constituem-se tentativas organizadas de identificar os tipos de bens patrimoniais existentes e garantir a sua preservação. Por meio das pesquisas sobre o patrimônio, podemos ter acesso à forma como as pessoas viviam, conhecer seus pensamentos e os ele- mentos simbólicos dos quais eram compostas suas crenças, paixões e esperanças. As coletividades são constituídas por grupos diversos, em cons- tante mutação, com interesses distintos e, não raros, conflitan- tes. Uma mesma pessoa pode pertencer a diversos grupos e, no decorrer do tempo, mudar para outros. Passamos, assim, por grupos de faixa etária: crianças, adolescentes, adultos, idosos. Passamos ainda de estudantes a profissionais, e, em seguida, a aposentados. São, portanto, inúmeras as coletividades que con- vivem em constante interação e mudança. (FUNARI; PELEGRINI 2009, p. 9-10) Os grupos sociais que convivem em um mesmo espaço, como uma cidade, possuem internamente diferenças e influenciam os vestígios e os objetos produzidos. As ações humanas ficam restritas ao espaço-tempo no qual existem, porém, pelas fontes materiais, podemos ter acesso a resquícios desses atos, sejam habituais ou grandiosos, parte da existência cotidiana ou compostos de eventos raros e únicos. Por mais simples, ou aparente- mente neutra, que uma fonte possa ser, ela sempre representa algo que podemos descobrir ao saber para o que e como ela era utilizada. Em relação à interpretação sobre os bens analisados, cada área pos- sui um olhar próprio. As Artes Visuais, por exemplo, irão priorizar o estudo sobre as técnicas, as cores, os materiais e as representações artísticas; já a História irá enfatizar o contexto temporal de produção do objeto, as relações humanas e a estrutura social. Cada uma dessas abordagens demanda uma metodologia especí- fica que consiga abranger as peculiaridades das diferentes análises, buscando aprofundar as características escolhidas. Embora as áreas possuam métodos próprios e autonomia na constituição de suas aná- lises, é possível que estabeleçam diálogos por meio da perspectiva interdisciplinar. 90 Arte e Cultura 5.2 Categorias do patrimônio VídeoDentro das definições estabelecidas para o que pode ser considera- do patrimônio da humanidade, existem três categorias instituídas pela Unesco que servem para a classificação dos diversos tipos de bens, sendo elas a natural, a cultural ou a mista. Na sequência, iremos conhe- cer um pouco mais as categorias de patrimônio natural e patrimônio cultural, entendendo que a categoria mista é composta de bens que se enquadram em ambas as classificações. 5.2.1 Patrimônio natural Na categoria de patrimônio natural encontram-se locais que, em ra- zão de suas características físicas, biológicas e/ou geológicas, devem ser preservados (IPHAN, 2008). Dentre os critérios, destacamos a utilização e a composição do es- paço, como no caso de ser um hábitat de espécies tanto da fauna quan- to da flora, e o valor estético, referente à constituição da paisagem, assim como o científico, possibilitando o desenvolvimento de pesqui- sas e estudos. Desde tempos imemoriais, o ser humano interage com a natureza e com o que ela produz, sendo que a sobrevivência da espécie humana foi possibilitada por essa interação, bem como a base para o surgimen- to dos avanços por ela produzidos. O que varia na relação estabelecida entre as pessoas e o meio ambiente é a proporção do impacto das ações realizadas pela mão humana, que podem estar em equilíbrio ou desequilíbrio com o entorno. Da construção de cidades monumentais até a produção de uma simples embalagem plástica, torna-se indispensável a utilização de ma- térias-primas por meio do uso de recursos renováveis e/ou não reno- váveis, constituindo uma das possíveis interações do ser humano com o meio ambiente do qual faz parte. Cada vez que o ser humano modifica suas relações sociais e, con- sequentemente, seu meio, altera de maneira significativa o ambiente natural. É fundamental lembrarmos que somos parte integrante da na- tureza e devemos medir todas as nossas ações tendo como base essa relação indissolúvel. Educar para preservar 91 Nessa perspectiva, a noção de patrimônio natural começou a ser desenvolvida pela difusão de uma consciência ambiental que ocorreu em uma escala mais ampla. A emergência de uma “consciência preservacionista” na esfera am- biental se consolidou na década de 1980, mas essa mobilização não partiu do Estado como ocorreu com o patrimônio histórico durante a Revolução Francesa, no século XVIII. Pelo contrário, o movimen- to em prol do direito e da proteção ao meio ambiente se irradiou através da comunidade científica e acabou difundido entre orga- nizações não-governamentais que passaram a reivindicar melhor “qualidade de vida” no planeta. (PELEGRINI, 2006, p. 118) O contexto de formação da ideia de patrimônio natural revela que ela esteve, desde o princípio, relacionada ao meio científico, que tem alertado constantemente, por meio de inúmeras pesquisas, sobre a ne- cessidade urgente da preservação ambiental. Dentre os vários argumentos que permeiam esse debate, ressal- tamos a importância da garantia de uma vida digna, que somente a preservação é capaz de proporcionar para a população humana em consonância com o meio ambiente do qual faz parte. Em relação à Lista de Patrimônios Naturais da Unesco no Brasil, existem sete lugares que estão nela. São eles: Parque Nacional do Iguaçu (PR) Tombado em 1986 Mata Atlântica (reservas do Sudeste, SP e PR) Tombada em 1999 M au ry S an to s/ W ik im ed ia C om m on s (Continua) V. Ag os tin el li/ W ik im ed ia C om m on s Vista aérea das Cataratas do Iguaçu. Vista parcial da Serra do Mar, Área de Proteção Ambiental Estadual de Guaratuba (PR). 92 Arte e Cultura Costa do Descobrimen- to (reservas da Mata Atlântica, BA e ES) Tombada em 1999 Complexo de Conservação da Amazônia Central Tombado em 2000 Complexo de Áreas Protegi- das do Panta- nal (MT e MS) Tombado em 2000 Áreas Protegi- das do Cerrado – Chapada dos Veadeiros e Parque Nacio- nal das Emas (GO) Tombadas em 2001 Ilhas Atlânti- cas: Fernando de Noronha e Atol das Rocas (PE e RN) Tombadas em 2001 Di eg o Te sc hi /W ik im ed ia C om m on s Praia em Cumuruxatiba (BA). Li nc ol n Ba rb os a/ W ik im ed ia Co m m on s Curvas do Parque Nacional de Anavilhanas (AM). Fi lip ef ra za o/ W ik im ed ia C om m on s Vista de parte do Pantanal, no Mato Grosso. Jo ão A nt on io G om es T av ar es / W ik im ed ia C om m on s Jardim de Maytrea, na Chapada dos Veadeiros. Ed ua rd o M ur uc i/W ik im ed ia Co m m on s> Vista panorâmica da Baía dos Porcos, em Fernando de Noronha. Educar para preservar 93 A inserção desses lugares na lista da Unesco fornece o mínimo das condições necessárias para garantir a preservação desses espaços, que são inegavelmente patrimônios mundiais. Mesmo com o fato de que essa seleção promove a oficialização dos patrimônios naturais, porém, a preservação deve ser compreendida como um conjunto de ações que engloba também o cotidiano desses espaços e o planejamento de intervenções futuras, a fim de minimizar os possíveis impactos ambientais causados pela interação humana. Além disso, a própria necessidade de que existam áreas delimitadas com o propósito de assegurar a preservação, criando uma distinção em relação ao restante do espaço, demonstra o quanto ainda será preciso avançar em termos de consciência ambiental. Existem inúmeros outros lugares (reservas, mananciais, ilhas) que se encontram à mercê das intempéries causadas por eventos climáti- cos e ações humanas, tornando necessário que a preservação seja uma característica intrínseca ao comportamento humano. Sob esse enfoque, o conceito de patrimônio ambiental adquire dimensões sociais, cujo significado aponta a materialização dos sentidos atribuídos no decorrer do processo histórico e lhe im- prime uma perspectiva dinâmica, uma conotação que fomenta a consciência do uso comum do meio e, principalmente, a respon- sabilidade coletiva pelo espaço. (PELEGRINI, 2006, p. 119) Nesse sentido, reforça-se a relação entre a preservação patrimonial e a posteridade, pois a conservação da biodiversidade e das informa- ções biológicas existentes nas áreas protegidas possibilita estudos fu- turos, como pesquisas realizadas pela história natural. Se a interação do homem com o meio ambiente é permeada pela cultura que contribui na construção da paisagem que será eternizada, as consequências do estilo de vida atual vão influenciar diretamente a qualidade de vida das gerações futuras, transformando a preservação do patrimônio natural em um desafio ainda maior do que já é. 5.2.2 Patrimônio cultural A outra categoria de patrimônio definida pela Unesco é a de patri- mônio cultural, que engloba bens com valor social, sejam de ordem histórica, arquitetônica, estética, científica ou outras. Como exemplo 94 Arte e Cultura podemos citar construções de importância mundial, como a Torre Eiffel e as Pirâmides de Gizé. Memphis e sua Necrópole – os campos da pirâmide de Giza a Dahshur entrou para a lista de patrimônio da Unesco em 1979. Na região há também outras pirâmides menores, que cercam as três mais famosas, além de muitas outras descobertas arqueológicas. Ri ca rd o Li be ra to /W ik im ed ia C om m on s Uma característica que diferencia o patrimônio cultural do natu- ral é o fato de que, no primeiro, é necessária a ação e a interação do ser humano na constituição do objeto ou do saber. Dessa forma, toda tentativa de definir uma cultura é atividade desafiadora, pois implica sintetizar os mais variados aspectos que compõem a diversidade e a pluralidade de um grupo social. A associação entre as palavras patrimônio e cultura busca abranger uma quantidade significativa de ramificações do patrimônio. Para com- preendermos o patrimônio cultural em si, é fundamental analisarmos o conceito de cultura utilizado. No discurso tradicional dos órgãos oficiais ligados à preser- vação, o termo “patrimônio” costumavavir acompanhado por “histórico” e “artístico”. Entretanto, à medida que outras áreas tornavam-se também objeto de ação (ou preocupação) da ação preservacionista, novas qualificações foram sendo acres- centadas e, cada vez que era preciso referir-se ao patrimônio, fazia-se necessário aumentar a lista: patrimônio edificado, ar- queológico, ecológico, ambiental-urbano, paisagístico, turísti- co, etc. Atualmente tende-se a substituir toda esta lista por um único termo, destinado a englobar todas as linhas de trabalho e passou-se simplesmente a empregar a expressão “patrimônio cultural”. (MAGNANI, 1986, p. 62) Educar para preservar 95 A cultura pode ser compreendida, portanto, como uma resposta adaptativa dos seres humanos ao meio no qual estão inseridos, sen- do que cada contexto produzirá um conjunto cultural único. É possível identificarmos a existência de determinados padrões no comporta- mento social; por exemplo, a presença de elementos espirituais e po- líticos nas mais diversas civilizações, independentemente do nível de complexidade de cada uma. Sendo assim, podemos compreender que, por mais diversa que seja, uma sociedade irá se assemelhar em alguns aspectos a outras sociedades, porém a forma como ela se expressa será o fator que cons- tituirá suas diferenças e, consequentemente, sua própria cultura. O patrimônio é entendido, desse modo, como a concretização dos aspectos culturais que permeiam um agrupamento social e fornecem as características que possibilitam a formação da identidade. De acor- do com Magnani (1986, p. 63), “a noção de patrimônio, desta forma, aponta para o aspecto da exterioridade da cultura; objetos, técnicas, espaços, edificações, crenças, rituais, instrumentos, costumes etc., constituem os suportes físicos, as formas particulares e tangíveis de expressão dos padrões culturais”. No que se refere aos suportes, o patrimônio cultural tem duas de- rivações: material e imaterial. Para além do suporte material do patri- mônio, a sua existência, seja como objeto ou prática, é o que admite a expressão dos aspectos culturais de uma determinada cultura, permi- tindo sua socialização com outros grupos e/ou sociedades. O patrimônio material possui um suporte físico definido, como no caso de edifícios, objetos e utensílios, entre eles, as cerâmicas gregas produzidas na Antiguidade. Com a Constituição Federal de 1988, houve uma mudança na no- menclatura que se refere ao patrimônio constituído pela ação huma- na, passando de Patrimônio Histórico e Artístico para Patrimônio Cultural (BRASIL, 1988). Essa mudança, mais do que uma simples alteração no- minal, expressa um processo mais amplo de modificação do conceito de patrimônio como um todo, que começou a incluir os bens de refe- rência coletiva e social e de inserção do patrimônio imaterial, que pos- sibilitou a inclusão da dimensão do saber e do fazer. 96 Arte e Cultura Nos últimos anos, o conceito “patrimônio cultural” adquiriu um peso significativo no mundo ocidental. De um discurso patri- monial referido aos grandes monumentos artísticos do passa- do, interpretados como fatos destacados de uma civilização, se avançou para uma concepção do patrimônio entendido como o conjunto dos bens culturais, referente às identidades coletivas. Desta maneira, múltiplas paisagens, arquiteturas, tradições, gastronomias, expressões de arte, documentos e sítios arqueo- lógicos passaram a ser reconhecidos e valorizados pelas comu- nidades e organismos governamentais na esfera local, estadual, nacional ou internacional. (RIBEIRO; ZANIRATO, 2006, p. 251) Em consonância com essas modificações, o conceito de cultura tam- bém foi ampliado de modo significativo, promovendo a aproximação com o cotidiano popular e suas representações. Dessa forma, a escolha do patrimônio passou a considerar critérios, como a identificação social por parte do entorno, e a buscar a valorização dos costumes tradicio- nais e de suas manifestações. O patrimônio imaterial pode ser descrito como uma ação humana que não se materializa em um suporte físico específico e que englo- ba as mais diversas formas de expressão, como danças típicas, culi- nárias, festas saberes, entre outros. A roda de capoeira é um exemplo brasileiro. Da ni L la o Ca lve t/ Sh ut te rs to ck A roda de capoeira foi declarada pela Unesco Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade em 2014. Podemos considerar, desse modo, que o patrimônio imaterial é constituído por práticas e costumes transmitidos de geração a geração, os quais, justamente por não possuírem uma forma materializada, ne- cessitam de muita atenção e preservação. Passando-se em um vilarejo chamado Javé, o filme Narradores de Javé relata a preocupação dos moradores quanto à construção de uma hidrelétrica que irá alagar todo o lugar, tornando-o inabitável. Para salvar a cidade da extinção, é preciso considerá-la um patrimônio; isso desperta nos moradores o desejo de registrar a memória do povoado. Desse modo, eles utilizam a his- tória oral como principal forma de preservação do passado. Trailer disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=GlaFRraqeOg. Acesso em: 11 set. 2020. Direção: Eliane Caffé. Brasil: Bananeira Filmes, 2004. Filme https://www.youtube.com/watch?v=GlaFRraqeOg https://www.youtube.com/watch?v=GlaFRraqeOg Educar para preservar 97 Essa categorização tem a intenção de auxiliar na preservação das práticas culturais, contribuindo para a salvaguarda do patrimônio ima- terial em suas mais diversas manifestações. 5.2.3 Patrimônio misto A categoria de patrimônio misto faz referência a bens patrimoniais que possuem importância no aspecto cultural e natural, sendo com- postos de regiões de relevância ambiental e social. Um exemplo é a cidade de Paraty, no Rio de Janeiro, e a Mata Atlântica adjacente. Va ni R ib ei ro /W ik im ed ia C om m on s Paraty e Ilha Grande receberam da Unesco o título de Patrimônio da Humanidade, em 2019, por sua mistura de riqueza histórica e belezas naturais, como o Centro Histórico de colônias da cidade e quatro reservas naturais ao redor, incluindo a Serra da Bocaina. 5.3 Educação patrimonial Vídeo A educação patrimonial é um processo de ensino e aprendizagem que tem como temática principal o patrimônio e todos os assuntos re- lacionados a ele. Pode ser compreendida como os saberes e as ativi- dades nos mais diversos espaços. No âmbito escolar, é abordada por várias disciplinas curriculares, constituindo-se, assim, um conhecimen- to interdisciplinar. A importância de se pensar a educação patrimonial de maneira au- tônoma parte da ideia de enfatizar a necessidade dela para o desenvol- vimento de uma consciência preservacionista. 98 Arte e Cultura Você já parou para pensar o que faz um edifício, dentre milhares de outros, ser considerado um patrimônio? Por que um móvel específico se torna tão valioso, mesmo que seja feito de madeira comum? O bem patrimonial se destaca por seu simbolismo e sua relevân- cia cultural, muito mais do que por composição física de sua forma. Exemplo disso são os vasos e esculturas de cerâmica do Mundo Antigo, os quais possuem valores inestimáveis, não pelo material do qual são feitos, mas por serem fontes da Antiguidade Clássica. A imagem a seguir representa um vaso de cerâmica de figuras ver- melhas. Esse tipo de vaso é chamado de hídria e era usado para guar- dar água na Antiguidade. A técnica de pintura que utilizava as figuras vermelhas se caracteriza pela pintura do fundo preto com as figuras vazadas, adquirindo as tonalidades originárias do próprio material uti- lizado. Nessa hídria em específico, são retratados o Sátiro (equivalente ao Fauno na cultura romana) e uma mulher. M ar ie -L an N gu ye n/ W ik im ed ia C om m on s Exemplo de cerâmica grega datada de 360 a.C. Essa peça se encontra no Departamento de Antiguidades gregas, etruscas e romanas do Louvre. Um dos motivos para esses bens se tornarem patrimônios é que eles podem dizermuito sobre o contexto histórico no qual foram pro- duzidos, para que eram utilizados e por quem foram feitos. O patrimônio também pode contribuir na narrativa de construção da própria história. Podemos conhecer a memória de nossos ances- trais e suas origens por meio dos vestígios por eles deixados. Educar para preservar 99 Uma das principais formas de ocorrer uma associação com o pa- trimônio é o processo de identificação cultural, como quando um in- divíduo se identifica com determinada etnia. Porém, é necessário que os indivíduos consigam se associar ao patrimônio, independentemente das características relacionadas à identidade de cada um, fazendo com que a noção do que deve ser preservado se expanda. É nesse sentido que a educação patrimonial pode ser utilizada no desenvolvimento de uma consciência voltada para a importância de preservação, estabelecendo um diálogo do indivíduo e do coletivo com o patrimônio. É fundamental que, mesmo não havendo uma relação com base na identidade, haja formas de aproximação, principalmente quando esta- mos nos referindo a um patrimônio social. Por isso, ressaltamos a transformação que ocorreu na percepção de quem são os agentes históricos e, consequentemente, quais são as fontes produzidas para a posteridade. Até meados do século XX, a in- terpretação de quais eram os fatos históricos estava ainda muito rela- cionada à história dos grandes nomes e acontecimentos, perspectiva que impactava também a noção de patrimônio. Somado a isso, como as obras de arte eram consideradas do- tadas de muito mais valor do que um objeto de uso utilitário, sobretudo aqueles oriundos das chamadas classes subalternas, inúmeros testemunhos da história se perderam, em especial o material de uso cotidiano encontrado nas escavações arqueoló- gicas dos séculos XVIII e XIX. A lógica que presidia as escavações era a da busca de objetos de interesse artístico que apresenta- vam interesses de mercado. Os vestígios que não contemplavam tais interesses não foram conservados. (RIBEIRO; ZANIRATO, 2006, p. 253) Constatamos, então, que muito do que hoje poderia ser considera- do patrimônio pode ter sido perdido ao longo do tempo, sem o vislum- bre de recuperar tais objetos e artefatos. É por meio da relação estabelecida com o meio social que se define o que deve ser preservado ou não; por isso, esse processo deve ser fruto de uma reflexão consciente, tendo como principal motivador a coletividade e sua associação com o entorno. As mudanças que ocorrem no contexto social também impactam di- retamente a noção de patrimônio e as condições oferecidas para a sua 100 Arte e Cultura preservação. Um exemplo é o processo de urbanização, que também iniciou no século XX e intensificou a percepção de que em um mesmo lugar convive o novo e o antigo. Para o desenvolvimento social, os dois devem ter garantidos os seus espaços. É cada vez mais recorrente a percepção de que os processos de ensino e aprendizagem não acontecem somente em espaços formais, como a escola, mas também se estendem para os mais variados lo- cais, desde que possibilitem o mínimo de reflexão sobre um determi- nado conhecimento. Essa perspectiva que vem se consolidando altera tanto a concep- ção do que é a educação em si quanto o próprio sistema de ensino e seus mecanismos. A escola deixou de ser o único lugar de legitimação do saber, já que existe uma multiplicidade de saberes que circulam por outros canais, difusos e descentralizados. Esta diversificação e difusão do saber por fora da escola é um dos desafios mais for- tes que o mundo da comunicação propõe ao sistema educativo. (MARTÍN-BARBERO, 2000, p. 7) A popularização dos aparelhos tecnológicos de comunicação, como os celulares e os computadores, possibilitou o acesso a um fluxo infor- macional significativo, podendo ser acessado em praticamente todos os lugares. Nessa nova realidade, o acesso à informação não garante necessariamente a construção de um conhecimento aprofundado, de- vendo haver intervenções no sentido de orientar o processo de cons- trução do saber por meio das ferramentas disponíveis. As ações educativas podem ser compreendidas como uma forma orientada de relacionar a teoria com a prática. Neste caso, as atividades devem ser entendidas como uma ação cultural, que consiste no processo de mediação, permitindo ao homem apreender, em um sentido amplo, o bem cultural, com vistas ao desenvolvimento de uma consciência crítica e abran- gente da realidade que o cerca. Seus resultados devem assegu- rar a ampliação das possibilidades de expressão dos indivíduos e grupos nas diferentes esferas da vida social. Concebida dessa maneira, a ação cultural e educativa nos museus promove sem- pre amplo benefício para a sociedade, atendendo em última instância, ao papel social inerente às instituições museológicas. (COSTA; WAZENKESKI, 2015, p. 65) Educar para preservar 101 Dessa forma, as ações educativas devem ser fundamentadas para articular as experiências dos indivíduos com a realidade do seu entor- no, cumprindo, assim, a proposta primária do espaço museológico, ou seja, a salvaguarda dos bens patrimoniais e culturais. Outros dois fatores a serem destacados em relação às ações edu- cativas são a importância da mediação, que deve ser realizada por um profissional capacitado, e a aproximação entre a escola e o museu. A própria prática desenvolvida nos museus – oferecer informações sobre uma determinada peça e contextualizar sua produção – come- çou a gerar a necessidade de uma formação adequada para os profis- sionais responsáveis por essas atividades. Nesse movimento de valorização das visitas a tais espaços é que foram estruturados os primeiros serviços educativos no interior dessas instituições. Direcionados inicialmente para o atendimen- to do público escolar, contavam com recursos humanos pouco especializados em atividades pedagógicas. As visitas, em sua grande maioria, eram guiadas pelos próprios curadores das ex- posições, profissionais também encarregados de zelar por elas e estudá-las. (PIROLA, 2010, p. 98) Assim, o museu é visto como um espaço facilitador, que possibilita diferentes formas de educação, favorecendo a pluralidade do processo educativo e a acessibilidade ao conhecimento para o público visitante. É uma ideia bastante difundida no público em geral que os museus são locais intocáveis, nos quais a interação é bastante limitada, quando não totalmente nula. Claro que existem obras centenárias – até mile- nares – que realmente não podem ter contato direto com o público, devido à condição de seus suportes físicos, ou até mesmo obras mais recentes, feitas com materiais perecíveis. Porém, a ideia da interativi- dade vem ganhando cada vez mais adeptos e mostrando que é possí- vel unir em um mesmo espaço a contemplação e a interação com os objetos e materiais expostos. Um exemplo disso seria a utilização dos recursos tecnológicos nos museus, que permitem aos visitantes escu- tar sons, ver imagens e interagir com os equipamentos. É importante que o museu atraia o público para junto de si, para que pessoas que não têm o hábito de visitá-lo passem a fazê- -lo. Neste momento, a ação educativa deve ser apresentada de uma forma descontraída, interessante para que o aluno que ali estiver saiba que é um local de cultura, mas também de grande 102 Arte e Cultura ludicidade. A educação vista e vivida através do patrimônio cul- tural traz consigo uma das mais agradáveis experiências para as crianças e adultos. (COSTA; WAZENKESKI, 2015, p. 67) É nesse sentido que as ações educativas podem auxiliar para além da construção do conhecimento, em uma avaliação positiva por parte dos visitantes, para que possam modificar a ideia de que o museu é algo chato, retrógrado, para a noção de que é um lugar possível de associar a teoria com a prática, assim como aprender, de modo lúdico, sobre a memória e o patrimônio. Um dos exemplos de museus brasileiros que une tecnologia e inte- ração é oMuseu da Língua Portuguesa, criado no ano de 2006 no esta- do de São Paulo. De acordo com o site da instituição, o museu foi criado para “valorizar a diversidade da língua portuguesa, celebrá-la como ele- mento fundamental e fundador da cultura e aproximá-la dos falantes do idioma em todo o mundo” (MUSEU DA LÍNGUA PORTUGUESA, 2020). An a Pa ul a Hi ra m a/ W ik im ed ia C om m on s Totens interativos no espaço Lanternas das Influências, no Museu da Língua Portuguesa. Estes são dedicados às línguas e aos povos que influenciaram a formação do português falado no Brasil. A imagem mostra o espaço chamado Lanternas das Influências, mon- tado com a inserção de diversos recursos tecnológicos que permitem a interação por parte do público visitante. Esse espaço conta com oito totens multimídia (dois para as línguas africanas, dois para as línguas indígenas, um para espanhol, um para inglês e francês, um para línguas dos imigrantes e o último para o português no mundo), em formato Educar para preservar 103 triangular; cada um conta com três monitores interativos, um para cada face. Em casos como esse, a possibilidade de interagir é um atra- tivo para as pessoas irem até o museu e, consequentemente, conhecer o patrimônio local. 5.4 O patrimônio cultural em debate Vídeo Você já percebeu quais são as primeiras referências que vêm à men- te quando falamos de patrimônio? Faça esse teste agora, elencando mentalmente três patrimônios mundiais. Na sequência, responda à se- guinte pergunta: em qual parte do globo eles estão situados? A maior parte deles está na Europa? O processo que associa o patrimônio mundial majoritariamente ao território europeu é um dos reflexos do eurocentrismo que impac- tou, durante muito tempo, e continua a impactar a noção do que é um patrimônio. É inegável que os patrimônios europeus são valiosíssimos para a história humana, mas é fundamental compreendermos que a utiliza- ção desses referenciais é reflexo de um processo sócio-histórico que consolidou o território europeu como o continente dominante por sé- culos sobre o restante do mundo. Até o século XV, a Europa não havia estabelecido ainda muitos contatos além-mar, sendo que o principal deles, antes da época das Grandes Navegações, era com a Índia, feito pela chamada rota das especiarias. Após o contato inicial dos povos europeus com o continente americano, no século XVI, e a instaura- ção de colônias na América e na África, iniciou-se um processo de espoliação por parte dos vencedores (os europeus), que saquearam e transportaram para a Europa vultuosas quantias de tesouros americanos e africanos. Movidos pela ganância, os europeus rea- lizaram a pilhagem de cidades, templos e aldeias, a fim de acumular a maior quantidade de metais pre- ciosos possível. Glossário espoliação: ação de se apropriar das posses de outras pessoas ou grupos por meio de roubo ou furto; está associada a um conflito entre duas partes, na qual a vencedora fica com os bens conquistados, chamados espólios. pilhagem: ato de acumular os bens de um grupo rival em uma disputa de caráter político ou militar. 104 Arte e Cultura Na América, para algumas civilizações pré-colombianas, o valor atri- buído à utilização desses metais não era igual à dos europeus. O ouro, por exemplo, poderia ser usado em peças de uso cotidiano, o que des- pertou nos europeus o aumento do desejo de posse dessas riquezas. O que aconteceu foi um choque de culturas, bastante diversas entre si, no qual a empatia ficou quase totalmente ausente por parte dos europeus, ao desrespeitarem e inferiorizarem outras civilizações e seus costumes. Além das conquistas territoriais, outro fator que influenciou a con- solidação da perspectiva eurocêntrica de patrimônio foi o fato de que tanto as primeiras noções de preservação quanto os primeiros espaços destinados especificamente para isso surgiram na Europa. Na prática, o que o eurocentrismo provocou foi uma visão redu- cionista do que é o patrimônio e de quais são as contribuições para a formação da cultura contemporânea, centralizando os bens europeus como principais, se não os únicos, responsáveis por esse processo. Ainda nessa perspectiva, destaca-se o conceito de exótico, histori- camente atribuído a objetos produzidos por culturas diferentes da eu- ropeia, pois, em geral, a ideia de exotismo se refere a algo estranho, externo, que suscita uma sensação de curiosidade. Essa concepção se baseia na contraposição de um referencial central, no caso o europeu, versus um referencial periférico, como o africano. Na figura a seguir, podemos ver o complexo real de Abomei, construí- do no século XIX, um exemplo de patrimônio mundial localizado na África. Do m in ik S ch wa rz /W ik im ed ia C om m on s Os Palácios Reais do Abomei são um conjunto de 12 estruturas, construídas em argila pelos fons (grupo étnico e linguístico da África Ocidental), que ficam no centro da cidade de Abomei, no Benim, capital do antigo Reino do Daomé. Fazem parte da lista da Unesco desde 1985. Educar para preservar 105 Dessa forma, devemos reforçar o fato de que a seleção do patrimô- nio, assim como a escrita da história, está diretamente relacionada com a memória que se tem a intenção de eternizar. As ligações Europa-África são milenares. Algumas formas de con- tacto particularmente negativas (como a escravatura e o colonia- lismo) fomentaram um conjunto de estereótipos no imaginário europeu sobre África e os africanos que podemos situar num contexto histórico mais amplo de etnocentrismo cuja expressão máxima, em termos geográficos, se exprime na formulação tão repetida “Europa e o resto do mundo”. Esta linguagem redutiva em que tudo o que não era Europa (e cristandade) era apenas o resto do mundo exprime, simbolicamente, o que, em termos cul- turais, podemos considerar uma das “barbaridades” da Europa. Obviamente o mundo mudou e a Europa vai mudando também. (AREIA, 2012, p. 173) Durante muito tempo houve um predomínio significativo na esco- lha, manutenção e preservação do patrimônio mundial, entretanto, já existem sinais de que há uma mudança em curso. Todas as culturas de- vem ser valorizadas, pois só assim poderemos garantir a permanência e a preservação da diversidade e das riquezas culturais existentes no mundo globalizado em que vivemos. Em se tratando de relações internacionais, a Convenção do Patrimô- nio Mundial de 1972 pressupõe a cooperação entre os países para os cuidados e a gestão dos bens patrimoniais. Entre os debates referentes ao patrimônio e à preservação, dois conceitos que têm ganhado cada vez mais notoriedade, embora ainda haja pouquíssima produção aca- dêmica sobre eles, são os de internacionalização e universalismo. A internacionalização se refere à possibilidade de qualquer indiví- duo desenvolver a percepção sobre a existência e a importância do pa- trimônio, seja ele de qual cultura for. A ideia de internacionalização advém do fato de esses bens per- tencerem, além de uma cultura, à humanidade porque qualquer estrangeiro, jovem ou idoso, que se depare com esses bens po- derá reconhecer a genialidade e a universalidade do que se faz presente onde contém uma manifestação mais típica do ser hu- mano: a construção do seu hábitat. (ZANELLA, 2016, p. 2) O surgimento dessa perspectiva se deu por meio da relação estabe- lecida entre as diversas localidades existentes ao redor do mundo e ao fato de a comunicação entre elas ter se aprimorado significativamente Um dos casos mais emblemáticos em relação à disputa pela posse do patrimônio é o dos Frisos do Parthenon, também chamados de Mármores de Elgin, entre a Grécia e a Grã-Bretanha. Saiba mais lendo a reportagem Grécia quer resgatar de Londres as esculturas do Pártenon, da National Geographic Portugal. Disponível em: https:// nationalgeographic.sapo.pt/historia/ grandes-reportagens/1107-grecia- quer-resgatar-de-londres-as- esculturas-do-partenon. Acesso em: 11 set. 2020. Saibamais Para ter acesso aos princípios da Convenção, basta acessar a Cartilha sobre Patrimônio Mundial, elaborada pelo IPHAN. Disponível em: http://portal. iphan.gov.br/uploads/ckfinder/ arquivos/Cartilha_do_patrimo- nio_mundial.pdf. Acesso em: 11 set. 2020. Documento 106 Arte e Cultura nos últimos anos. O ponto de partida para a consolidação da ideia de internacionalização foi a criação da Carta de Atenas, que versa sobre a importância do patrimônio e da preservação em escala mundial. Já o universalismo é consequência de um processo histórico de lu- tas pelo respeito às diferenças culturais e pela inclusão do patrimônio referente às mais variadas etnias. Em 1999, por exemplo, os países membros da União Europeia substituíram o conceito de exceção cultural pelo conceito de di- versidade cultural. O principal argumento para efetivação dessa mudança foi elaborado segundo a justificativa de que o conceito de diversidade cultural seria mais afirmativo, conotando uma po- sição menos defensiva, embora naquele momento oferecesse pouca segurança jurídica, visto que não havia ainda um marco jurídico legal no âmbito do direito europeu e do direito interna- cional. (ALVES, 2010, p. 541, grifos do original) A criação do conceito de universalismo é, portanto, reflexo de mu- danças sociais que vão além das discussões relacionadas ao patrimô- nio, como a difusão do acesso à produção cultural mundial, facilitada pela globalização e pela popularização da internet. Por estar atrelado às mudanças sociais, o desenvolvimento do conceito de universalismo é caracterizado também por interesses dis- tintos, os quais provêm de variados setores presentes na sociedade, reforçando ainda mais a necessidade da sua existência, como referen- cial de diversidade. Filme O longa Brilho eterno de uma mente sem lembranças aborda, de maneira profunda e reflexiva, a responsabilidade de decisões referentes ao funcionamento da memória, mostrando que existem muitas coisas em jogo além da vontade de esquecer. Partindo da perspectiva individual, o filme aborda o caso de Joel e Clementine, quando, após um término, ela decide recor- rer a uma empresa que realiza o apagamento de memórias. O filme é interessante para refletirmos sobre o complexo pro- cesso da memória, tanto no nível individual quanto no coletivo. Trailer disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cYEuKFbSsuE. Acesso em: 11 set. 2020. Direção: Michel Gondry. EUA: Focus, 2004. A Carta de Atenas é um documento criado em 1931, fruto dos esforços realizados pela Comissão Internacional de Coo- peração Intelectual, e integrava a então existente Sociedade das Nações. A Carta foi resultado da Conferência Internacional de Atenas. Saiba mais Educar para preservar 107 5.5 Conservação e restauração Vídeo No que se refere às ações destinadas à proteção de bens patrimo- niais materiais, as duas que mais se destacam são a conservação e a restauração. Embora se relacionem diretamente entre si, esses concei- tos possuem algumas características próprias que os diferenciam. Dessa forma, podemos definir conservação como a prática destina- da à preservação de um determinado bem material, buscando manter suas características específicas. Nesse sentido, uma das categorizações existentes dentro da área da conservação é a divisão dos objetos pelo tipo de material do qual são feitos; por exemplo, a conservação de têxteis, na qual a principal preocupação gira em torno da manutenção das características visuais da peça selecionada. Numa sequência de expansão e desmembramento de questões, podemos pensar os bens culturais que envolvem uma diversi- dade de objetos ou artefatos, assim como de materiais de sua feitura. O papel, a tinta, o ferro, a madeira, as pedras etc. são determinantes para as ações de preservação e para as áreas que as estudam. Por sua vez, esses bens culturais tanto se originam da Ciência quanto da Arte e da Cultura, aí incluída a produção dos povos indígenas. (SILVA, 2012, p. 26) Considerando a pluralidade dos materiais existentes, é necessário que as práticas preservacionistas possam se diversificar, buscando dar um tratamento adequado para cada um desses tipos de materiais. A finalidade, tanto da conservação quanto da restauração, é prolon- gar a existência desses objetos que, historicamente e/ou culturalmen- te, possuem um valor inestimável para a sociedade em geral. Aplicando as técnicas corretas, a preservação desses bens poderá fazer com que as futuras gerações tenham acesso a eles, contribuindo com a preser- vação da memória para a posteridade. A restauração pode ser entendida como “um procedimento extre- mo de conservação, quando o objeto possui importância tal que me- reça todo o investimento necessário a uma abordagem conscienciosa” (SILVA, 2012, p. 33). Ela é a tentativa de recuperação de um objeto, a fim de restituir as características originais da peça em questão, após uma minuciosa análise técnica. 108 Arte e Cultura Um outro aspecto importante referente às práticas de conservação e restauração é a crescente profissionalização dessas áreas. Temos ob- servado um constante aumento na sistematização dos conhecimentos relacionados. Quando se examina a evolução dos conceitos de preservação, conservação e de restauração na literatura, verifica-se um inte- resse crescente pelo tema. Simultaneamente, sua natureza tem sido clarificada de forma apreciável, a ponto de hoje ser possível considerar a conservação como uma disciplina baseada em mé- todo, quando inicialmente constituía-se em profissão de conhe- cimento empírico. No contexto dessa mudança, as relações que surgem entre dois componentes da preservação moderna – o que é relevante para as ciências humanas e sociais e o que é relevante para as ciências exatas e a tecnologia – merecem aten- ção especial e já evidenciam aspectos de interdisciplinaridade. (SILVA, 2012, p. 34) Dessa forma, destacamos que entre os fatores que contribuem para a disciplinarização das práticas de conservação e restauração estão as referências vindas dos estilos das escolas de arte e o desenvolvimento tecnológico. O primeiro aspecto permitiu a identificação dos contextos históricos, bem como das características estéticas dos objetos selecio- nados, enquanto o segundo possibilitou o aprimoramento das técnicas utilizadas, principalmente pelos avanços da área da Química e das fer- ramentas digitais. Podemos perceber que a interdisciplinaridade é uma característi- ca primordial nas áreas de conservação e restauração, pois a própria prática cotidiana faz que com os conhecimentos de várias áreas sejam integrados, contribuindo para a salvaguarda dos bens patrimoniais. Em relação ao registro do surgimento das primeiras práticas de con- servação e restauro, voltadas para a arquitetura, podemos observar que desde o Renascimento já havia uma preocupação significativa so- bre essa questão. Quem, entretanto, tem um mínimo de intimidade com a História da Arquitetura sabe que os escritos de Da Vinci já apresentam ob- servações e interpretações curiosíssimas sobre o diagnóstico do comportamento estático de edifícios, das causas das lesões dos muros e abóbadas, um testemunho de que já existia uma ciência da conservação (lato sensu). O erudito Leon Batista Alberti, como quase todos os outros tratadistas, dedica parte do seu trabalho à análise das construções, seus defeitos e a maneira de repará-los Educar para preservar 109 e, o que é mais fundamental, a tônica dominante das suas ob- servações direciona-se para a importância da durabilidade das estruturas e dos materiais, quando submetidas ao intemperismo (OLIVEIRA, 2011, p. 10). Podemos considerar que nesse contexto de intensa produção cultu- ral que foi o Renascimento existiram os primeiros estudos sobre a im- portância de restaurar e conservar os bens históricos, protegendo-os dos efeitos do tempo. É fundamental também que as instituições de guarda e armaze- namento do patrimônio valorizem a formaçãoadequada dos profis- sionais que atuam nesses locais, pois eles estarão presentes durante quase todo o processo de preservação do bem patrimonial, auxilian- do em diversos aspectos, como a aquisição de objetos, a escolha de quais deverão entrar para o acervo e o monitoramento das peças já selecionadas. Os profissionais dessas áreas devem estar conscientes da impor- tância de sistematizar os conhecimentos pertinentes, contribuindo na divulgação de suas pesquisas e experiências, enfatizando as técnicas utilizadas desde o acondicionamento adequado dos objetos até o pro- cesso de restituição. Outro aspecto fundamental na discussão referente à conservação e restauração é compreendermos que essas práticas se modificam con- forme o contexto no qual são realizadas, tendo em vista que o entendi- mento acerca desses conceitos varia de acordo com a sociedade à qual são aplicados. Essa diversidade relacionada à aplicação prática dos princípios de conservação e restauração faz com que a preservação dos bens mate- riais esteja diretamente atrelada à sociedade responsável pela sua pro- teção, por isso, alguns lugares têm um desenvolvimento mais apurado em relação a essas técnicas, em comparação a outros espaços. As características ambientais do meio no qual se encontra um de- terminado objeto irão influenciar diretamente a forma que se dará a conservação e a restauração. Em relação ao acondicionamento de bens materiais, podemos destacar aspectos como temperatura, luminosida- de, estrutura física do espaço etc. 110 Arte e Cultura A figura a seguir retrata o trabalho de restauração de um documento de origem otomana, com o uso de determinados instrumentos, como a luva descartável a fim de evitar contato com a superfície do papel. Or lo k/ Sh ut te rs to ck Mulher restaurando um documento otomano antigo na Turquia, 2017. A história relacionada à institucionalização do patrimônio e da sua preservação conta com inúmeros marcos legais, dentre os quais ire- mos destacar alguns dos mais significativos. Em termos de cronologia, o ano de 1937 inicia com o que pode- mos considerar a regulamentação das atividades relacionadas aos bens patrimoniais, com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Na sequência, destaca-se a Constituição Federal de 1988, com o ar- tigo 216, que versa sobre a composição do patrimônio brasileiro, de que forma devem transcorrer os processos sobre ele e a importân- cia de sua preservação para as gerações futuras (BRASIL, 1988). Por fim, há o Decreto n. 3.551, de 2000, que criou o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial (BRASIL, 2000). O que faz, então, um bem se transformar em patrimônio pela lei? O processo que possibilita a mudança desse status se chama tombamen- to e tem como finalidade a preservação dos bens, incentivando a sua conservação. O tombamento é um ato administrativo que ocorre na esfera do poder público, podendo ser realizado pelos âmbitos federal (Iphan), es- Educar para preservar 111 tadual (Secretaria de Estado da Cultura) e municipal. Um exemplo de tombamento é o Palácio São Francisco, um prédio histórico localizado em Curitiba, no Paraná. M or io /W ik im ed ia C om m on s O Palácio São Francisco foi tombado pelo Patrimônio Cultural do estado do Paraná em 1987. Qualquer indivíduo, organização não governamental, instituição pública ou privada, organização popular, bem como as próprias coor- denações de patrimônio, podem realizar o pedido. A solicitação deve conter uma descrição das características, justificativa e documentação pertinente; estas devem ser entregues ao órgão responsável, o qual irá analisar a relevância da solicitação. A oficialização do tombamento como instrumento de preservação se deu pelo Decreto n. 25, de 1937. O bem pode ser enquadrado em um dos quatro livros existentes, que são divididos da seguinte forma: Contempla os bens culturais que têm um valor arqueológico acentuado. Também engloba produções de significado etnográfico e paisagístico, como vestígios e artefatos do período pré-histórico. 1º – Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico Inclui os bens com valor histórico acentuado, sendo composto do conjunto de patrimônios de interesse público e associados à noção de História. 2º – Livro do Tombo Histórico 112 Arte e Cultura Composto de bens de acentuado caráter artístico. Inclui obras de arte consideradas como tal pela sociedade e pelos especialistas. 3º – Livro do Tombo das Belas Artes Diferencia-se do livro anterior por contemplar peças consideradas artísticas, porém que também possuem uma característica utilitária; por exemplo, o mobiliário. 4º – Livro do Tombo das Artes Aplicadas. Esses livros abrangem uma quantidade diversa de bens conside- rados patrimônios, como edifícios, complexos arquitetônicos, jardins, mobílias, praças, entre outros. Após o tombamento, fica proibida a des- truição do bem, devendo ser mantidas as características originais. A destruição de bens tombados é passível de penalização legal, com punições que variam conforme os danos causados. Podem ser desde uma multa até a ordem de reconstrução do patrimônio depredado. Quanto à conservação do bem, a responsabilidade é do proprietá- rio, mas, caso ele não possua condições de arcar com os custos, pode solicitar ao órgão responsável o auxílio com a manutenção, por meio de um pedido protocolado, comprovando que não possui as condições necessárias para manter o patrimônio. Em relação às transações comerciais, como venda ou aluguel de um imóvel tombado, não há nenhuma restrição, desde que respeitadas as condições estabelecidas sobre a conservação do edifício e enviado o aviso prévio ao órgão responsável. A área de entorno do bem tombado é definida já no processo de tombamento e visa proporcionar as melhores condições para a con- servação do imóvel, contribuindo para o desenvolvimento social e a ocupação consciente do espaço. A obra Utopia: sobre a melhor condição de uma república e sobre a nova ilha Utopia é dividida em duas partes: na primeira, o autor tece uma crítica à sociedade inglesa de sua época; na segunda, elabora uma sociedade fictícia como um contraponto: a ilha de Utopia, que possui pressupostos radicalmen- te diferentes quanto ao funcionamento da cidade. É um livro que serve para refletirmos sobre as dinâ- micas de funcionamento da sociedade, ponde- rando o que o grupo de indivíduos considera como primordial para a preservação. MORUS, T. Petrópolis,: Vozes, 2016. Livro Educar para preservar 113 CONSIDERAÇÕES FINAIS No que se refere ao patrimônio, mais do que as questões relacionadas aos aspectos físicos de um edifício ou objeto, pudemos perceber que o fator determinante é a cultura expressa pelo simbolismo e pelas identi- dades sociais. Dessa forma, a identificação do que é ou não patrimônio está direta- mente associada aos referenciais culturais utilizados para tal atribuição, o que vai além do juízo estético. Além das instituições, a própria compreensão do que é o patrimônio se modificou ao longo do tempo, alterando sua constituição conforme o contexto histórico no qual estava inserido. Essa condição é consequência do fato de que o patrimônio – e tudo o que está ligado a ele – é reflexo das relações sociais. O que é um patrimônio, como deverá ser preservado e de que forma deve ser utilizado são questões que permeiam o cotidiano social e que en- contram no público visitante e observador as orientações para resolução desses aspectos. ATIVIDADES 1. Por que é importante a existência de categorias relacionadas aos bens patrimoniais? 2. No cotidiano, seja pelos meios de comunicação ou pela localidade na qual moramos, temos acesso a inúmeras referências culturais que podem se tornar um patrimônio, imaterial ou material. Aponte quais são as principais diferençasentre essas duas categorias. 3. Os valores morais são influenciados pelo meio com o qual interagimos, assim como com o conhecimento que acumulamos ao longo da vida. Discorra sobre a importância da problematização do conceito de eurocentrismo no patrimônio. 114 Arte e Cultura REFERÊNCIAS ALVES, E. P. M. Diversidade cultural, patrimônio cultural material e cultura popular: a Unesco e a construção de um universalismo global. Soc. estado., Brasília, v. 25, n. 3, p. 539-560, dez. 2010. AREIA, M. L. R. de. A nova África e os patrimónios culturais africanos na Europa: novos desafios à cooperação cultural. África, São Paulo. v. 31-32, p. 173-179, 2011/2012. BRASIL. Constituição Federal (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm. Acesso em: 28 ago. 2020. BRASIL. Decreto n. 3.551, de 4 de agosto de 2000. 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Acesso em: 17 set. 2020. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3551.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3551.htm https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-64451986000300011&script=sci_arttext https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-64451986000300011&script=sci_arttext Gabarito 115 GABARITO 1 Breve panorama sobre arte e cultura 1. Para responder a esta questão, você deve abordar o caráter polissêmico do conceito de cultura, considerando que é variável, de acordo com o contexto no qual é aplicado. Alguns exemplos das características culturais são a alimentação, a habitação e os costumes. 2. A interdisciplinaridade contribui em diversos aspectos para o desenvolvimento do conhecimento na Arte; por exemplo, por meio da inserção de novos temas e da análise do contexto histórico e social de produção das obras. 3. Dentre as diversas medidas adotadas pelos museus, podemos citar: a especialização em temáticas; a relação entre os museus e os meios de comunicação, como a televisão e a internet; a interação com as novas tecnologias; e a instalação de novos espaços, destinados à alimentação e à venda de souvenirs. 2 As interfaces e abordagens da arte 1. Para responder a esta questão, você deverá destacar os aspectos decorrentes da aproximação entre arte e política, como o tensionamento dos espaços institucionais, a intencionalidade das obras e a street art. 2. As tecnologias da comunicação permitem que os artistas utilizem os sites, as redes sociais, os canais de vídeos e de músicas para criarem, desenvolverem e apresentarem a sua produção artística, além de proporcionar a interação com o público, que, muitas vezes, pode modificar a ideia inicial proposta pelo artista. Já as instituições culturais utilizam as tecnologias para promover visitas virtuais, exposições mais atrativas e acessíveis ao público. 3. Nos últimos anos, os museus têm promovido exposições, seminários e videoconferências sobre as culturas indígenas, africana e afro- brasileira, além da discussão de gênero. Já as escolas e universidades têm desenvolvido projetos e debates sobre essa temática, além de levarem convidados para discutir o assunto. 116 Arte e Cultura 3 Aspectos teóricos da arte moderna e contemporânea 1. Para responder a esta questão, você pode abordar as características relacionadas à eclosão da Revolução Industrial, como o pioneirismo inglês, a mudança na percepção temporal e as condições de trabalho nas primeiras fábricas. 2. É importante mencionar que, com o estabelecimento de relações em nível internacional, a globalização promove a interconexão entre diferentes países, inclusive na perspectiva cultural. 3. Para responder a esta questão, você pode discorrer sobre o conceito de pós-modernidade no sentido de delimitação temporal e como um amplo fenômeno social. 4 Movimentos artísticos modernos e contemporâneos 1. O contexto histórico de surgimento das vanguardas artísticas foi marcado por diversos conflitos de proporção mundial, como guerras e regimes totalitários. Esses aspectos fizeram com que os artistas questionassem o que é arte e para que ela serve. 2. As vanguardas artísticas são: expressionismo (contrário à noção de arte como registro da natureza, utilização de cores fortes e formas distorcidas); futurismo (representação da velocidade e dos elementos industriais, simultaneidade); cubismo (utilização de formas geométricas/ abstratas); dadaísmo (ready-made); e surrealismo (elementos oníricos e desconstrução das formas). 3. Com a inserção de elementos presentes na cultura popular e no cotidiano das pessoas, como produtos industrializados e colagens com imagens de revistas. 5 Educar para preservar 1. A classificação dos bens patrimoniais contribui para a preservação e para a conservação dos diversos tipos de patrimônio, pois cada um deles exige um tratamento específico e adequado à sua constituição. Gabarito 117 2. O patrimônio imaterial não possui um suporte físico específico, sendo composto de práticas culturais; já o patrimônio material se refere a objetos, prédios, vasos etc. 3. O eurocentrismo influenciou por muito tempo a noção do que deveria ser considerado patrimônio, excluindo culturas distintas. Para existir a valorização e a inclusão de todas as culturas, é necessária a problematização do conceito de eurocentrismo. A LA N A M ILCH ESK I FLÁ V IA G ISELE N A SC IM EN TO ALANA MILCHESKI FLÁVIA GISELE NASCIMENTO A RTE E C U LTU R A Código Logístico 59572 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6685-8 9 7 8 8 5 3 8 7 6 6 8 5 8