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PROBLEMAS E DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NA INFÂNCIA Professora Dra. Gescielly Barbosa da Silva Tadei Professora Me. Juliana da Silva Araujo Alencar Professora Me. Márcia Regina Sousa Storer GRADUAÇÃO Unicesumar C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; TADEI, Gescielly Barbosa da Silva; ALENCAR, Juliana da Silva Araujo ; STORER, Márcia R Sousa. Problemas e dificuldades de aprendizagem na infância. Gescielly Barbosa da Silva Tadei; Juliana da Silva Araujo Alencar; Márcia Regina Sousa Storer. Reimpresso em 2023.Maringá-Pr.: UniCesumar, 2018. 216 p. “Graduação - EaD”. 1. Problemas. 2. Aprendizagem . 3. Infância 4. EaD. I. Título. ISBN 978-85-459-0867-8 CDD - 22 ed. 370 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Impresso por: Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Diretoria Executiva Chrystiano Minco� James Prestes Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de Design Educacional Débora Leite Head de Produção de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho Head de Curadoria e Inovação Jorge Luiz Vargas Prudencio de Barros Pires Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey Gerência de Processos Acadêmicos Taessa Penha Shiraishi Vieira Gerência de Curadoria Giovana Costa Alfredo Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila Toledo Supervisão Operacional de Ensino Luiz Arthur Sanglard Coordenador de Conteúdo Marcia Maria Previato de Souza Designer Educacional Ana Claudia Salvadego Iconografia Isabela Soares Silva Projeto Gráfico Jaime de Marchi Junior José Jhonny Coelho Arte Capa Arthur Cantareli Silva Editoração Luís Ricardo P. Almeida Prado de Oliveira Arthur Cantareli Silva Qualidade Textual Hellyery Agda Alisson Pepato Em um mundo global e dinâmico, nós trabalha- mos com princípios éticos e profissionalismo, não somente para oferecer uma educação de qualida- de, mas, acima de tudo, para gerar uma conversão integral das pessoas ao conhecimento. Baseamo- -nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emo- cional e espiritual. Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cur- sos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil: nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba, Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação. Produzimos e revi- samos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares por ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos educacionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos educa- dores soluções inteligentes para as necessidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter pelo menos três virtudes: inovação, coragem e compromisso com a quali- dade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ativas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é promover a educação de qualidade nas diferen- tes áreas do conhecimento, formando profissio- nais cidadãos que contribuam para o desenvolvi- mento de uma sociedade justa e solidária. Vamos juntos! Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu- nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con- tribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competên- cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessá- rios para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cresci- mento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das dis- cussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui- lidade e segurança sua trajetória acadêmica. A U TO R A S Professora Doutora Gescielly Barbosa da Silva Tadei Doutora em Educação Escolar pelo PPE/UEM (2016). Mestre em Educação Escolar pelo PPE/UEM(2008). Especialista em Teoria Histórico-Cultural (2007). Gestalterapeuta pelo Instituto Maringaense de Gestalt-terapia - IMGT (2010). Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá (2005). Trabalha na Poimenika - Psicologia Escolar e Clínica em Maringá. Experiência na área da docência (superior) e pós-graduação. Experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia da Educação, atuando nos seguintes temas: teoria histórico- cultural, processo ensino aprendizagem, atuação do psicólogo escolar, história da educação brasileira, história da psicologia no Brasil, disciplinas curriculares e formação docente. Para informações mais detalhadas sobre sua atuação profissional, pesquisas e publicações, acesse o currículo, disponível em: <http://lattes.cnpq. br/2933576373897026>. Professora Mestre Juliana da Silva Araujo Alencar Mestre em Psicologia pelo PPI/UEM (2012). Especialista em Saúde Mental e Intervenção Psicológica (2008). Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá (2005). Atuou como Psicóloga Escolar na rede de ensino público, privado e como clínica na educação especial na APAE de MARILENA. Atualmente, atua como docente na União de Faculdades Metropolitanas de Maringá - FAMMA e no Centro Universitário Cesumar - Unicesumar, ministrando aulas nas áreas de Desenvolvimento Humano, Psicologia da Educação, Psicologia da Aprendizagem, Desenvolvimento de Pesquisa para os cursos de Psicologia e Licenciaturas. Para informações mais detalhadas sobre sua atuação profissional, pesquisas e publicações, acesse o currículo, disponível em: <http://lattes.cnpq. br/1381959180505623>. Professora Mestre Marcia Regina de Sousa Storer Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2003). Graduada no curso de Pedagogia pela FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ (1988). Atualmente, é docente em disciplinas nos cursos de pós-graduação do Instituto Paranaense de Ensino e da Unicesumar, ambas localizadas em Maringá - Paraná, e palestrante nos diversos temas do desenvolvimento infantil nos transtornos da aprendizagem e afetividade. Psicopedagoga especializada pelo Centro de Estudos Psicopedagógicos- CEP- Brasil, atuando no NÚCLEO ESPECIALIZADO EM DESENVOLVIMENTO & APRENDIZAGEMcom as áreas de distúrbios de aprendizagem, deficiências e educação, e capacitadora do Método Panlexia Plus e do Sistema de Triagem Pré-Escolar (Preschool Screening System PSS) pelo Instituto Pamela Kvilekval. Para informações mais detalhadas sobre sua atuação profissional, pesquisas e publicações, acesse o currículo, disponível em: <http://lattes.cnpq. br/4398834035912317>. SEJA BEM-VINDO(A)! Olá Aluno(a) da Unicesumar, seja bem-vindo(a)! Este livro foi especialmente elaborado por nós com o objetivo de disponibilizar um material didático de fácil acesso, com in- formações claras e atualizadas acerca dos conteúdos implicados na disciplina de Proble- mas e Dificuldades de Aprendizagem. Esta é uma disciplina que engloba conhecimentos da área da Psicologia da Educação, Psicologia da Aprendizagem e Psicologia do Desenvolvimento. Por isso, retomaremos aspectos do desenvolvimento humano, da aprendizagem e do processo de escolariza- ção, de modo a estabelecermos os parâmetros necessários para compreendermos o que são os problemas e as dificuldades de aprendizagem. Nosso livro está organizado em 5 Unidades, nas quais apresentaremos o contexto his- tórico que possibilitou a construção da infância como objeto de pesquisa e a necessida- de de se pensar sobre os problemas de aprendizagem, decorrentes de transtornos do desenvolvimento e do comportamento. Essa sistematização foi pensada para que você adquira o conhecimento necessário para analisar as dificuldades de aprendizagem que surgirão no cotidiano de sua futura prática laboral, e principalmente para formar um docente capaz de pensar de forma articulada sobre a teoria e a prática, analisando os fenômenos da aprendizagem. Na Unidade I, “INFÂNCIA E APRENDIZAGEM: UM BREVE HISTÓRICO E APROXIMAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS”, iniciamos nossa jornada percorrendo o trajeto histórico da for- mação do conceito de infância, demonstrando como ele está atrelado ao processo de educação e escolarização. Propomos uma análise cuidadosa da história da infância, pois somente ao entendermos as características intrínsecas a esse momento do desenvol- vimento seremos capazes de destacar quais são os aspectos que devemos considerar, com o objetivo de avaliar tanto o desenvolvimento quanto a competência para apren- dizagem de uma criança. Destacaremos a influência organicista na visão de infância e consequentemente na concepção de aprendizagem, além das dificuldades que possam surgir no processo de aprender. Para analisarmos de modo global os indivíduos e sua relação com o processo de apren- dizagem, temos na Unidade II, “TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E DA APREN- DIZAGEM”, a apresentação das teorias psicológicas de Jean Piaget, Lev S. Vigotsky, Henry Wallon e Sigmund Freud. Iremos retomar as bases de suas teorias e compreender sua repercussão no contexto escolar e na prática docente. Esse percurso objetiva evidenciar como as dificuldades e problemas de aprendizagem podem ser pensados, analisados e manejados de formas diferentes, conforme o viés teórico adotado, para analisar os casos de alunos com aprendizagem comprometida que por ventura cruzem seu caminho. A partir da compreensão alcançada nesta etapa de seus estudos, você será capaz de compreender os malefícios e a limitação de análise de se reputar ao aluno a responsabilidade individual de seu desempenho acadêmico, seja ele adequado ou não. APRESENTAÇÃO PROBLEMAS E DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NA INFÂNCIA Neste ponto, a Unidade III, “ASPECTOS NEUROLÓGICOS DA APRENDIZAGEM E A FOR- MAÇÃO DA ATENÇÃO” tem o objetivo de discorrer sobre os aspectos neurológicos envolvidos na aprendizagem humana e o papel da atenção no desenvolvimento cognitivo. Para tanto, abordaremos a estrutura cerebral e seu funcionamento, bem como a compreensão de Alexander Luria sobre a articulação da base neurológica e a experiência social para o desenvolvimento cognitivo e da atenção nos homens. Avançando em nossos estudos, cientes de todos os aspectos implicados para o de- senvolvimento cognitivo adequado dos indivíduos, apresentaremos os Problemas de aprendizagem propriamente ditos. Na Unidade IV, “DIFICULDADES DE APREN- DIZAGEM: ENTENDENDO TERMINOLOGIAS E CONCEITUAÇÕES”, apresentaremos os Transtornos Específicos de Aprendizagem na área da linguagem, escrita e matemá- tica. Familiarizados dos elementos que caracterizam os transtornos de aprendiza- gem, discutiremos a quem cabe o diagnóstico destes quadros e o papel do profes- sor nesse processo. Na Unidade V, “TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO: DEFINIÇÕES, MANEJO E ALGUMAS REFLEXÕES”, trazemos à discussão os transtornos de comportamento e desenvolvimento que repercutem na aprendizagem acadêmica de seus portadores. Apresentaremos o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, o Transtorno de Conduta e o Desafiante de Oposição. Estes quadros têm se tornado frequentes na escola, e por isso precisamos estar cientes de suas especificidades para evitarmos encaminhamentos apressados e estereótipos. Você notou que a palavra histórico permeou todo os elementos tomados para dis- cussão deste livro? Tal postura se justifica, pois ao trabalharmos com crianças em desenvolvimento, precisamos ter clareza de que somos responsáveis pelo seu pleno desenvolvimento emocional, cognitivo e social. Nesse sentido, a escola e o sucesso escolar são de suma relevância, pois são aspectos estruturantes do sentimento de autoestima e valor social. Cientes do caminho a percorrer, vamos juntos iniciar nossa jornada. Bons Estudos! APRESENTAÇÃO SUMÁRIO 11 UNIDADE I INFÂNCIA E APRENDIZAGEM: UM BREVE HISTÓRICO E APROXIMAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS 17 Introdução 18 A História da Infância: A Construção de um Objeto de Estudo 30 Desenvolvimento Infantil e a Questão da Maturidade para Aprendizagem 37 Aprendizagem: Definição, Relevância e Trajeto Histórico 42 Dificuldades de Aprendizagem: Percurso Histórico da Formação do Conceito e Definições 51 Considerações Finais 58 Refêrencias 60 Gabarito UNIDADE II TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E DA APRENDIZAGEM 63 Introdução 64 A Epistemologia Genética de Jean Piaget 75 A Teoria Psicogenética de Henri Wallon 82 A Psicanálise de Sigmund Freud 91 A Psicologia Sócio-Histórica de Lev Seminovich Vigotsky 96 Considerações Finais 102 Referências 104 Gabarito SUMÁRIO 12 UNIDADE III ASPECTOS NEUROLÓGICOS DA APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DA ATENÇÃO 107 Introdução 108 Base Neurológica da Aprendizagem: Alguns Apontamentos. 116 Desenvolvimento Cognitivo Segundo Luria 121 A Formação Neuropsicológica da Atenção 127 O Papel da Linguagem no Desenvolvimento da Atenção 132 Considerações Finais 139 Referências 141 Gabarito UNIDADE IV DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ENTENDENDO TERMINOLOGIAS E CONCEITUAÇÕES 145 Introdução 146 Dificuldades e Problemas de Aprendizagem: Quais as Diferenças? 152 Transtornos Específicos das Habilidades de Aprendizagem 158 Atuação dos Profissionais no Suporte à Criança com D.A.: Alguns Apontamentos e Reflexões 167 Pré-Requisitos para Aquisição da Leitura e Escrita 172 Considerações Finais 178 Referências 180 Gabarito SUMÁRIO 13 UNIDADE V TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO: DEFINIÇÕES, MANEJO E ALGUMAS REFLEXÕES 183 Introdução 184 Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (Tdah) 199 Transtornos de Oposição Desafiante e da Conduta: Indicativos e Manejo no Contexto Escolar 203 Afetos e Aprendizagem Escolar: Breves Apontamentos 206 Considerações Finais 212 Referências 214 Gabarito 215 CONCLUSÃO U N ID A D E I Professora Dra. Gescielly B. da Silva Tadei Professora Me. Juliana da Silva Araujo Alencar Professora Me. Márcia R. Sousa Storer INFÂNCIA E APRENDIZAGEM: UM BREVE HISTÓRICO E APROXIMAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS Objetivos de Aprendizagem ■ Compreender a construção da infância enquanto objeto de estudo. Problematizar a noção de normalidade. Discutir a influência da maturidade paraa aprendizagem infantil. ■ Definir Aprendizagem. Apresentar as diferentes influências filosóficas na conceituação da aprendizagem. ■ Historicizar a aprendizagem e o fracasso escolar como objeto de estudo. Pontuar o impacto do desenvolvimento científico e econômico na noção de desempenho escolar. ■ Apresentar o histórico e as possíveis etimologias das Dificuldades de Aprendizagem. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ A História da Infância: a construção de um objeto de estudo ■ Desenvolvimento Infantil e a Questão da Maturidade para aprendizagem ■ Aprendizagem: definição, relevância e trajeto histórico ■ Dificuldades de Aprendizagem: percurso histórico da formação do conceito e definições INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), para iniciarmos nossos estudos sobre Problemas e Dificuldades de Aprendizagem, precisamos evidenciar como a infância tornou-se um objeto de estudo para diferentes áreas da ciência. Surpreso com a informação? Acreditava que a noção de infância tivesse ocupado lugar de destaque na história do sujeito e da humanidade desde sempre? Pois bem, a ideia de infância passível de cui- dado e olhar diferenciado, como uma fase do desenvolvimento sensível, de suma importância para o crescimento biopsicossocial do sujeito, é certamente algo recente na história da humanidade. Tendemos a naturalizar processos históricos, pois a rotina nos envolve de tal forma que não exercitamos a capacidade reflexiva de análise das transformações sociais e sua influência na vida dos indivíduos, logo no processo de constituição de novos campos de pesquisa. Por isso, propomos um breve resgate da constru- ção histórica do conceito de infância, evidenciando como a noção de educação e o processo de escolarização foram fundamentais para se pensar a criança em desenvolvimento. Discutiremos, além disso, a influência organicista na visão de infância e consequentemente na concepção de aprendizagem, que por sua vez ajudaram a estabelecer a infância como categoria de estudo, além de fortalecer a ideia de que a aprendizagem estava vinculada a aptidões puramente biológicas. Para tanto, problematizaremos as noções de normalidade e maturidade relacionadas à criança, definindo o que é aprendizagem à luz de alguns filósofos, e pontuando como este conceito está vinculado à necessidade de adaptação dos indivíduos. Por fim, analisaremos o contexto em que surgem as preocupações e os pri- meiros estudos sobre as dificuldades de aprendizagem, para compreender a importância de analisar de forma contextualizada o desenvolvimento da apren- dizagem dos indivíduos, nos tornando mais aptos a identificar e trabalhar com as consequências que essas dificuldades acarretam para os sujeitos no contexto escolar e fora dele. Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 17 INFÂNCIA E APRENDIZAGEM: UM BREVE HISTÓRICO E APROXIMAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E18 A HISTÓRIA DA INFÂNCIA: A CONSTRUÇÃO DE UM OBJETO DE ESTUDO O primeiro grande estudo sobre a construção histórica da categoria de infância foi a iconografia elaborada por Philippe Ariès (1914-1984). Ariès publicou em 1968 o Livro “História Social da Criança e da Família”, no qual analisou, a par- tir da representação das crianças nas obras de artes produzidas na Idade Média, como esta população era vista e como era entendido seu papel na dinâmica social, desvelando sobre o sentimento de infância atribuído pelos adultos, as relações familiares e a conduta dos mesmos nos contextos sociais (POSTMAN, 1999). A construção do sentimento e da categoria de infância, segundo Postman (1999), pode ser considerada uma das grandes invenções da Renascença (Séc. XIV a XVI). O autor destaca que as primeiras aparições desse termo surgiram atreladas a noções de educação e moral que ganharam destaque no fim da idade média. Todavia, somente no século XVI foi entendida como uma estrutura social e como uma condição psicológica diferenciada. Inclusive a nomenclatura não era precisa para se referenciar esta faixa etária. Desde o período Clássico da Grécia Antiga, as crianças eram entendidas como sendo sujeitos que não haviam sido alfabetizados. Postman (1999) pontua que A História da Infância: A Construção de um Objeto de Estudo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 19 os gregos não se preocuparam em teorizar acerca desta faixa etária, mas a paixão desse povo pela educação fez com que se aproximasse muito desta concepção. As primeiras escolas que se tem registro são datadas desse período. Se desta- cam os estudos de Platão sobre a importância de se ensinar virtude de coragem para as crianças e jovens, pois contrapondo-se ao modelo classista aristocrá- tico da grécia antiga, o filósofo defendia que as ideias eram inatas, e por isso a educação era o modo pelo qual os sujeitos poderiam conhecer sua verdadeira essência (FREIRE, 2014). Entretanto, o sentimento de empatia com a condição diferenciada de desen- volvimento não estava presente neste momento. As crianças eram vistas como aquelas que precisavam ser corrigidas a qualquer custo, inclusive por meio de castigos físicos intensos, para tornarem-se educadas segundos os critérios sociais da época (POSTMAN, 1999). No entanto, com a invasão do império Romano, séculos de desenvolvi- mento foram soterrados em seus escombros ou escondidos nos porões da Igreja Católica. Neste processo, a ideia de alfabetização social foi perdida, bem como as noções de educação e vergonha até ali desenvolvidas. Entende-se por alfabe- tização social ou socializado, como a condição social em que a maioria do povo tem acesso à leitura e escrita, dominando de fato o código. Segundo Postman (1999), a alfabetização social foi substituída pela alfabetização corporativa, na qual poucos têm acesso a esta modalidade e formam a corporação de Escribas, por conseguinte privilegiados. Postman (1999) nos alerta para o impacto social decorrente da ruptura na cultura letrada do período romano. O autor defende a ideia de que, se por cul- tura letrada entendemos a quantidade de pessoas que dominam sem embaraço a leitura e escrita, e não simplesmente a capacidade de se decodificar o alfabeto, podemos entender como uma questão de dominação o desaparecimento da capacidade de ler e escrever. Esse aspecto é relevante, pois em uma sociedade não letrada a discussão acerca da diferença entre crianças e adultos não existe. Jacques Rousseau toma essa prerrogativa como ponto central em sua obra Emílio, afirmando que “ler é o flagelo da infância porque, em certo sentido, os livros nos ensinam a falar de coisas das quais nada sabemos” (apud POSTMAN, 1999, p. 27). INFÂNCIA E APRENDIZAGEM: UM BREVE HISTÓRICO E APROXIMAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E20 Rousseau foi importante nesse momento para evidenciar que a noção de infância só foi forjada como um contraponto da vida adulta. No mundo dos letrados, a criança passa a ser reconhecida como aquela que precisa se tornar adulta. Entretanto, essa compreensão, baseada na comparação com o adulto, acaba por não lhe conferir a profundidade subjetiva e social única e sim como sujeito incompleto, a espera do tornar-se alguém quando atingir o desenvolvi- mento esperado, ou seja, ser adulto. De acordo com Castro (2013), esta ideia ganha ainda mais força na idade moderna, pois a concepção de criança nesse período, e até hoje, “apresentou-se como uma fase de preparação para a vida pro- dutiva, determinando um dever ser desses sujeitos como indivíduos ainda não prontos, imaturos e não ainda socializados para participarintegralmente da vida em sociedade” (CASTRO, 2013, p. 17, grifos da autora). Como dito, dez séculos se passaram até a noção de infância voltar a ter des- taque no círculo acadêmico. Na pesquisa de Ariès (1978), dois sentimentos de infância são evidentes durante a alta e baixa Idade Média: o de paparicação e o de exasperação. O primeiro estava relacionado a ingenuidade, gentileza e graça, que tornava a criança uma espécie de bobo da corte para os adultos circundan- tes, pois se distraiam com as peripécias decorrentes da inabilidade social dos pequenos. Em contrapartida, o sentimento de exasperação decorreu da vertente moralista, principalmente da Igreja, que passou a questionar os mimos ofereci- dos às crianças, pois entendia como forma de favorecer a falta de educação dos pequenos sujeitos. Para exemplificar a dualidade destes sentimentos de infân- cia, Ariès recorre aos escritos de Montaigne: Quando os adultos fazem-nas [as crianças] cair numa armadilha, quando elas dizem uma bobagem ao tirar uma conclusão acertada de um princípio impertinente que lhes foi ensinado, os adultos dão garga- lhadas de triunfo por havê-las enganado, beijam-nas e acariciam-nas como se eles tivessem dito algo correto [era a paparicação]. É como se as pobres crianças fossem feitas apenas para divertir os adultos, como cãezinhos ou macaquinhos [os macacos de Montaigne] (apud ARIÈS, 1978, p. 161-162). A noção de apego, tão familiar na contemporaneidade, não era usual no período medieval. Isso porque o índice de natalidade e mortalidade era muito alto. Ariès (1978) relata em seus estudos que as famílias na Idade Média tinham muitos filhos, A História da Infância: A Construção de um Objeto de Estudo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 21 pois já contavam com o fato de que a maioria iria morrer. As precárias condi- ções de saneamento, higiene e de armazenamento da comida favoreciam doenças que provocavam a morte das crianças. A taxa de mortalidade caiu efetivamente em meados do século XIX, graças aos avanços da medicina, em decorrência da esterilização do leite (DAVIDSON; MAGUIN, 1983 apud MATIOLLI, 1998). Outro aspecto fundamental para a construção da infância foi a noção de vergo- nha. Foram os romanos que se atentaram pela primeira vez que a criança não estava preparada para conviver com todo o repertório social dos adultos e pre- cisavam ser protegidas, principalmente no que tange à sexualidade. O destaque dado a vergonha é de suma relevância, pois traz a real dimensão de que crianças e jovens não apresentam condições físicas e emocionais para lidar com ques- tões adultas, tal como a experiência sexual (ÀRIES, 1978; POSTMAN, 1999). Durante a Idade Média, o princípio educativo foi o da oralidade. Crianças e adultos viviam todos juntos sem a menor diferenciação. Ariès (1978), ao anali- sar as obras de artes produzidas entre o século XII e XV, apresenta que a criança, quando retratada, era em meio aos adultos. Cenas de prevaricação, excreção e alimentação aconteciam simultaneamente, sem a menor noção de pudor e ver- gonha que temos hoje. O autor relata inclusive que as noções que temos hoje de higiene pouco faziam sentido na época, portanto não eram ensinados. Manipular os órgãos genitais das crianças por prazer era uma prática comum dos adultos da época, e hoje renderia bons anos de cadeia (POSTMAN, 1999). Tamanha era a invisibilidade social das crianças até o século XIV que elas não eram mencionadas em legados e testamentos, como um indicativo de que não se tinha grandes expectativas de sobrevivência. Por essa razão, em algumas partes da Europa as crianças eram tratadas como se tivessem o gê- nero neutro. Fonte: adaptado de: Postman ( 1999). INFÂNCIA E APRENDIZAGEM: UM BREVE HISTÓRICO E APROXIMAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E22 Nas representações clássicas da época, a criança aparecia como um mini adulto. Suas roupas e feições em nada se diferenciavam dos adultos retratados. As crianças e jovens conviviam cotidianamente com os adultos, com a finali- dade de aprender os usos e costumes da época, entendendo que a vida privada do adulto também deveria ser partilhada como modalidade de aprendizagem (ARIÈS, 1978). A aprendizagem pela oralidade acontecia essencialmente na prática de algum serviço, conforme Postman (1999), um estágio de trabalho. A idade então que marcava a entrada no mundo adulto era aos sete anos, quando a criança já podia ser apartada de sua família e ir aprender um ofício, pois já dominava a palavra. Na Idade Média existiam escolas, mas estas não tinham a representatividade dada no período grego e eram destinadas somente a pessoas das classes abastadas. As salas comportavam pessoas de todas as idades, e era comum a retomada das lições, pois não havia tempo certo de início do processo escolar. Neste sentido, é correto afirmar que, no mundo medieval, “[...] não havia nenhuma concepção de desenvolvimento infantil, nenhuma concepção de pré-requisitos de aprendi- zagem sequencial, nenhuma concepção de escolarização como preparação para o mundo adulto” (POSTMAN, 1999, p. 29). Para Ariès (1978), o que caracteriza a forma de se lidar com a criança como um adulto logo após o desmame tardio - na época era costume o desmame acon- tecer por volta dos 7 anos - era justamente a falta de conhecimento a respeito da educação. Para o autor: A civilização medieval havia esquecido a pandeia dos antigos, e ainda ignorava a educação dos modernos. Este é o fato essencial: ela não ti- nha idéia da educação. Hoje, nossa sociedade depende e sabe que de- pende do sucesso de seu sistema educacional (ARIÈS, 1978, p. 276). Retomaremos a ideia do sucesso educacional moderno quando discutirmos os problemas de aprendizagem enquanto objeto de estudo. Neste momento, devemos nos ater ao fato de que é a noção de educação que vai dar a infância a categoria de objeto de estudo. A partir do século XVI, o ímpeto moralizador passou a ganhar mais força, con- comitantemente às transformações das instituições escolares da Idade Medieval orientadas pela Igreja. Segundo Ariès (1978), foram os eclesiásticos e os homens A História da Infância: A Construção de um Objeto de Estudo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 23 da lei, preocupados com as noções de disciplina e de racionalidade dos costu- mes, que forjaram o conceito de infância que temos até hoje. Gerson, à luz de Ariès (1978), foi o precursor dos estudos sobre a infância, destacando a relevância de proteger as crianças da violência, intrigas e expe- riências sexuais adultas. Para tanto, era necessário retirá-las dos círculos de convivência promíscuas dos adultos. Esse olhar diferenciado visava despertar o sentimento de nojo e pudor em relação ao sexo. Entre suas recomendações, estava dirigir aos pequenos uma linguagem específica a elas, com o objetivo de educá-las e protegê-las das questões adultas. Conforme defendido pelos autores citados, a noção de educação foi determi- nante na mudança do sentimento de infância, bem como na sua transformação em categoria de estudo. O contínuo processo de escolarização passou, no século XVI, a mobilizar outros educadores, de modo a estabelecerem a divisão de clas- ses seguindo o critério de idade e não de habilidade de leitura. Este processo é significativo, pois começa-se a identificar a necessidade de se pensar esta popu- lação como um grupo com características únicas de desenvolvimento. Além de salas separadas, a seleção de material adequado às crianças também se tornou alvo de preocupação. Essas mudanças devem ser analisadas de modo multidisciplinar. Tomemos agora algumas das transformações socioeconômicas como parâmetros de com- preensão do surgimentoda infância como categoria de estudo. Matiolli (1998) evidencia, amparada nos estudos de Adorno e Horkeimer (1956), os seguintes aspectos: As transformações sócio-econômicas ocorridas na sociedade ocidental a partir do século XVIII, caracterizadas pelo sistema capitalista mo- nopolista e depois concorrencial substituindo o sistema feudal, e com o início da revolução industrial, trouxeram como consequência uma nova ordenação das estruturas de poder (Estado) e, tiveram também seus desdobramentos em relação à família (ADORNO; HORKHEI- MER, 1956 apud MATIOLLI, 1998, p. 153). A história da família representa a história econômica e política de um dado período. Esta informação é relevante para entendermos como o estado passou progressivamente a assumir a questão da educação da criança e com qual finali- dade. Por hora, vamos destacar como esses fenômenos se entrelaçam. INFÂNCIA E APRENDIZAGEM: UM BREVE HISTÓRICO E APROXIMAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E24 A família no período feudal, modelo econômico da alta Idade Média, era patriarcal e extensa. Todos se organizavam em torno do senhor feudal, e para além dos vínculos consanguíneos viviam mais de duzentas pessoas num mesmo ambiente. Eram os pais, irmãos, avós, tios, primos, agregados, escravos e ser- vos. Em meio a tantas pessoas e sem as noções de nojo e pudor supracitadas, os laços de afeição não eram obrigatórios (MATTIOLI, 1998). Esse modelo fami- liar ainda pode ser encontrado em núcleos eminentemente rurais, nos quais os membros da família são a mão de obra de trabalho. Com as descobertas científicas da renascença (microscópio, telescópio e a bússola), juntamente com o movimento das cruzadas, o modelo feudal começa a ruir, pois surgiu a sobra de produção. Com o excesso, começaram a se esta- belecer relações de troca entre os feudos, que gradualmente se especializaram nos produtos que produziam. Não tardou a ressurgir a moeda como mercado- ria de troca, constituindo aí a burguesia e a origem do capitalismo (PEREIRA; GIOIA, 1988). A burguesia era a classe social constituída por trabalhadores do campo que se destacaram na arte da negociação, enriquecendo mediando as trocas de produ- tos. Esses se organizaram ao redor dos burgos em casas menores, com cômodos separados, estruturando o que foi chamado de família nuclear, constituída por pai, mãe e filhos, estes em número bem menos expressivos (MATTIOLI, 1998; ARIÈS, 1978). Vivendo mais próximos, o sentimento de intimidade se desen- volve, fortalecendo a preocupação para com as crianças, e consequentemente a ideia de atendimento diferenciado a ser dispensado a elas. Enfim, quando esse modelo de infância a ser protegido e educado com a fina- lidade de desenvolvimento moral rígido se estabeleceu, para Postman (1999), o modelo de família moderno também se efetivou. Nesse contexto, a educação formal tem seu lugar de destaque. Havia a cobrança social tanto da garantia da sobrevivência das crianças quanto de seu desenvolvimento moral. A família então passou a ter o papel de educadora dos princípios do Estado e da religião. Nas palavras de Postman (1999, p. 58): “suas expectativas e responsabilidades tornaram-se mais sérias e mais numerosas quando os pais passaram a ser tutores, guardiães, protetores, mantenedores, punidores, árbitros do gosto e da retidão”. A ênfase dada a escolarização passou a nortear toda a forma de pensar e A História da Infância: A Construção de um Objeto de Estudo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 25 agir sobre a criança. Da liberdade irrestrita da Idade Média, a criança passa a ser objeto de constante vigilância do olhar do adulto, pois esta precisa ser cui- dada e orientada para cumprir com os preceitos da nova organização social. As crianças passam a ser vistas como a promessa do porvir melhor. Seu papel passa a ser garantir um futuro melhor, o da grandeza, da prosperidade, da evolução da sociedade (CASTRO, 2013). Esse processo se daria pelo investimento na educação formal da criança. A demanda de escolarizar, com materiais adequados à idade, em conjunto com as salas seriadas trouxeram consigo a ideia de estágio da infância, considerando, a partir do olhar educacional e do adulto, o que uma criança de determinada idade deve ou não aprender, formulando a lógica e também os pré-requisitos da aprendizagem (POSTMAN, 1999). O requisito para se entender o amadurecimento da criança para a idade adulta, passa a ser então o domínio progressivo das competências acadêmicas. Para adentrar neste mundo, é necessário então: “um forte senso de individu- alidade, a capacidade de pensar lógica e seqüencialmente, a capacidade de se distanciar dos símbolos, a capacidade de manipular altas ordens de abstração, a capacidade de adiar o prazer” (POSTMAN, 1999, p. 60). Como podemos notar, desempenhar tais funções não é fácil! Vai contra toda a energia livre e exuberante que a criança e o jovem tem a seu favor. Disciplinar o corpo foi preciso para que esta expectativa fosse cumprida. Desse modo as com- petências intelectuais, a quietude, a imobilidade, a habilidade de contemplação, ou seja, todo o controle sobre as funções corporais passou a ser valorizado. Para tanto, a noção social de vergonha foi de suma importância, pois, por meio dela, as questões do corpo eram cerceadas por serem vexatórias socialmente. Simultaneamente a esse processo, não podemos esquecer que a base das trans- formações sociais estão atreladas à mudança do modo de produção. No sistema capitalista, pós revolução industrial, houve-se a necessidade de educar as massas para atender às necessidades de mão-de-obra nas fábricas e posteriormente nas indústrias. Desta forma, analisar a história das instituições de ensino também é analisar a história da formação do proletariado e da mulher na sociedade, e con- sequentemente das instituições de atendimento à criança (MATTIOLI, 1998). Com o desenvolvimento do capitalismo, instaurou-se a necessidade de formar INFÂNCIA E APRENDIZAGEM: UM BREVE HISTÓRICO E APROXIMAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E26 os jovens para sua inserção no mercado de trabalho. Demanda esta que foi refor- çada pelos princípios higienistas crescentes na época, que por sua vez defendiam a importância de proteger a saúde física (vacinas, remédios, higiene) e psicológica (entendida como formação moral). Sob este discurso, de acordo com Mattioli (1998), a escolarização surge como tábua da salvação, pois retiraria as ingênuas e desprotegidas crianças das influências maléficas do mundo externo. As primei- ras instituições destinadas a crianças surgem no século XVIII, atendendo a duas necessidades sociais da época: liberar as camponesas para trabalhar nas fábri- cas e diminuir a mortalidade infantil. Com esta ação, o Estado passa a assumir a responsabilidade pela garantia de direitos das crianças. A influência higienista não interfere somente na construção das escolas. Toda a arquitetura urbana sofreu seu impacto. Antes, lugares destinados à recreação coletiva e momentos de socialização, como praças públicas, passam a ser evitados, em razão da crescente violência social e a facilidade de disseminação de patolo- gias. Colocar as crianças na escola, nesse sentido, abarcou também a dimensão de experiência lúdica, servindo de palco para as brincadeiras (MATTIOLI, 1998). No que tange ao papel da mulher no processo de produção e educação das crianças, amparados em Mattioli (1998), podemos perceber claramente a influ- ência socioeconômica no desempenho de suas funções. É inegável a importância da relação mãe-filho para o desenvolvimento infantil. No entanto, de acordo com a demanda societária, seu exercício era mais ou menos destacado. No períodode guerras, os homens, estando nos campos de batalhas, não poderiam ocupar as vagas nas indústrias em franca produção, e as mulheres foram convocadas a assumir esse lugar. Desse modo, o cuidado dos filhos passou a ser delegado às instituições como creches e escolas, que tinham profissionais capa- citados para o cuidado e formação de sujeitos íntegros. Todavia, nos períodos de trégua os homens retornavam às suas cidades de origem, e estando desem- pregados se tornavam um problema social. Com o intuito de minimizar esses problemas, as agências governamentais iniciaram campanhas justificando, inclu- sive biologicamente, a importância das mulheres retomarem os cuidados dos filhos (MATTIOLI, 1998). A ciência psicológica foi requisitada para fortalecer os argumentos a serem utilizados para cumprir tal intento, ou seja, foi utilizada como instrumento A História da Infância: A Construção de um Objeto de Estudo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 27 ideológico. Nos Estados Unidos da América, o psicanalista John Bowlby, estudioso da teoria do apego, descreveu a influência do cuidado materno na formação da subjetividade infantil, ressaltando os danos irreversíveis que sua ausência pode- ria acarretar no desenvolvimento da criança. Seus efeitos podem ser percebidos ainda hoje, quando pensamos sobre a dificuldade que os pais enfrentam em esta- belecer um vínculo de confiança com as instituições escolares. Consegue perceber como o discurso político muda de acordo com as neces- sidades socioeconômicas? Quando é necessário a mulher no campo de trabalho, a educação pode ser terceirizada sem problemas. Entretanto, quando seus servi- ços não são mais essenciais, se difunde a necessidade que cada uma tome para si os cuidados e a educação de seus filhos. Mas a discriminação social e a influência ideológica do Estado não para por aí. Matiolli (1998) destaca que os jardins de infância criados no século XIX, com finalidade educativa/formativa, atendiam as crianças oriundas das classes sociais mais abastadas. Diferentemente das pré-escolas, que surgiram com o objetivo de educar as crianças de origem proletárias, dentro dos princípios burgueses mora- lizadores, além de disciplinar a pobreza. O papel do Estado como representante dos direitos das crianças foi fortale- cido com a promulgação de um tratado estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), visando à proteção infantil. No contexto político brasileiro, foi somente com a aprovação da Constituição Federal de 1988 que o sis- tema de garantia de direitos da criança e do adolescente foi salvaguardada por lei. O Brasil apresenta, ao menos em lei, um grande diferencial, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal de nº. 8069 de 13/07/1990), no qual é implementado toda uma rede de Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, além dos Conselhos Tutelares que são órgãos executores (MATTIOLI, 1998). INFÂNCIA E APRENDIZAGEM: UM BREVE HISTÓRICO E APROXIMAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E28 Figura 1 - ONU Mattioli (1998) destaca ainda a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), redi- gida em 1996 pelo Ministério da Educação (MEC). Esta lei versa que o sistema de educação ofertado para a população de zero a seis anos deveria ser nome- ado educação infantil e, portanto, deveria atuar em duas frentes: as creches para crianças de até três anos e as pré-escolas para as crianças de quatro a seis anos de idade, sendo ambas atuantes com o mesmo princípio, qual seja: o desenvol- vimento integral da criança. Com este breve recorte histórico, esperamos que você tenha compreendido a interrelação entre os processos sociais e a construção da infância como um objeto de estudo. Conforme apresentamos as influências político-econômicas na constituição de novos campos de pesquisa, podemos afirmar que nenhuma pesquisa é neutra, pois estará permeada pelos interesses de seus financiadores. No caso específico de nosso objeto de estudo, podemos afirmar que a Psicologia passou a ter um lugar de destaque na avaliação e na análise da infância, justa- mente para dar resposta a necessidade de situar o lugar social da criança nas sociedades industriais. Isso porque: A História da Infância: A Construção de um Objeto de Estudo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 29 A cronologização do curso da vida torna-se aspecto relevante nessas sociedades, ordenando diferencialmente os momentos da biografia de acordo com a centralidade do trabalho no sistema capitalista mo- derno, que direciona as oportunidades de participação dos indivíduos (MEYER, 1986; SORENSEN, 1986 apud CASTRO, 2013, p. 17). Esta forma racionalizada de pensar as etapas da vida acaba por criar toda uma expectativa sobre a inserção social do sujeito. O que devemos esperar da criança? Como ela se torna apta a desenvolver ou não determinada competência? E qual o ponto de comparação para análise de comportamentos e desempenhos? Estas questões nos remetem à formação de disciplinas específicas para a aná- lise da infância. Castro (2013) destaca, assim como Mattioli (1998) e Postman (1999), que a Psicologia do Desenvolvimento se forma como uma disciplina da Psicologia justamente para dar conta desta demanda social, “[...] impulsionada pelo movimento crescente da escolarização obrigatória nas nações ocidentais” (ROSE, 1985 apud CASTRO, 2013, p. 24). A escolarização impulsiona o nascimento de mais uma disciplina específica da Psicologia: a Psicologia da Aprendizagem. Como este processo ocorre? Por que há crianças que não aprendem? O caminho traçado para responder estas questões será objeto de nossos estudos. Ciente desse trajeto histórico, espera- mos que você consiga compreender a importância desta disciplina, e também a responsabilidade enquanto educador de analisar de forma contextualizada seus alunos na sua práxis docente. INFÂNCIA E APRENDIZAGEM: UM BREVE HISTÓRICO E APROXIMAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E30 DESENVOLVIMENTO INFANTIL E A QUESTÃO DA MATURIDADE PARA APRENDIZAGEM Afinal, o que é desenvolvimento? Segundo José e Coelho (2009), quando fala- mos em desenvolvimento, é comum lembramos facilmente das mudanças físicas que experienciamos, tais como: altura, peso e habilidades motoras. No entanto, este termo é muito mais amplo, pois define “o processo ordenado e contínuo que principia com a própria vida, no ato da concepção, e abrange todas as modifi- cações que ocorrem no organismo e na personalidade” (JOSÉ; COELHO, 2009, p. 10). Nesta perspectiva, não nos atemos somente aos aspectos biológicos, mas analisamos também os comportamentos mais sofisticados, decorrentes do cres- cimento e amadurecimento físico e dos estímulos ambientais. Todavia, conforme apresentamos no item anterior, os primeiros estudos acerca da infância foram concebidos a partir de um olhar evolucionista. A lógica de periodização do ciclo da vida, e de se ater ao que é esperado de cada faixa etária, coloca ênfase maior na influência de aspectos biológicos sobre o desenvolvimento. Essa concepção ofereceu base para a construção das teorias inatistas-maturacio- nistas (FONTANA; CRUZ, 1997). Desenvolvimento Infantil e a Questão da Maturidade para Aprendizagem Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 31 Esta abordagem de desenvolvimento parte do pressuposto que os fatores hereditários ou de maturação são mais significativos para o desenvolvimento da criança, para determinar suas capacidades, do que os aspectos relacionadosà aprendizagem e experiência. Mas afinal, o que podemos entender por heredi- tariedade ou maturação? Fontana e Cruz (1997) definem hereditariedade como sendo o conjunto de qualidades ou características que são determinadas na criança já ao nascimento, tais como: cor dos olhos, cor da pele, formato da orelha, tipo sanguíneo etc. Já maturação são os padrões de mudanças que todos os sujeitos de uma espécie vivenciam em idades aproximadas, como a transformação do corpo, o cresci- mento de órgãos e o domínio do corpo. Sob esta perspectiva teórica, tanto a cor dos olhos quanto as característi- cas individuais e inteligência seriam herdadas biologicamente dos pais. Então, desde o nascimento a criança já estaria determinada a ser ou não apta a exe- cutar determinadas atividades, não sendo influenciadas pela aprendizagem ou pelas experiências vividas. A disciplina de Psicologia do Desenvolvimento, bem como sua intrínseca relação com o processo de escolarização, favoreceu e fortaleceu, no contexto esco- lar, a ideia de que a aprendizagem dependeria do desenvolvimento da criança, de modo que não se deveria adiantar determinados conhecimentos para elas, que não estariam aptas a compreender em razão de sua imaturidade biológica para assimilar. A escolarização, segundo estes preceitos, teria por competên- cia propiciar aos seus alunos condições para um desenvolvimento harmonioso (FONTANA; CRUZ, 1997). Esta visão permeia também os primeiros questionamentos sobre os problemas de aprendizagem. Alfred Binet (1857-1911) foi o primeiro profissional a siste- matizar um modo de avaliar o Coeficiente Intelectual das crianças (FONTANA; CRUZ, 1997). Médico por formação, se interessou pela psicologia da criança defi- ciente com o objetivo de averiguar o nível de inteligência, de modo a auxiliar os profissionais da educação a elaborarem um plano de escolarização adequado ao perfil da criança. De acordo com Fontana e Cruz (1997), as capacidades que compõem a inteligência, ou seja, atenção, julgamento, compreensão e raciocí- nio, para Binet não eram aprendidas, e sim determinadas pela herança genética INFÂNCIA E APRENDIZAGEM: UM BREVE HISTÓRICO E APROXIMAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E32 do sujeito. A escala de inteligência elaborada por Binet foi amplamente utili- zada como respaldo para determinar os aptos e os não aptos à aprendizagem. Todavia, graças a diversidade de pensamento e correntes filosóficas, que respaldam os estudos acerca dos fenômenos humanos, surgiram outras corren- tes que ampliaram o conhecimento e os critérios de análise sobre o processo de desenvolvimento e aprendizagem. Para prosseguirmos, cabe definirmos apren- dizagem como correspondendo ao “processo de mudança de comportamento decorrente da experiência construída por fatores emocionais, neurológicos, rela- cionais e ambientais. Logo, aprender é o resultado do interjogo entre estruturas mentais e o meio ambiente” (HAMZE, 2010, on-line)1. As novas correntes filosóficas destacaram que o processo de desenvolvi- mento humano necessitava ser observado a partir de algumas vertentes, sendo elas: a biológica, psicológica, histórica, social e a cultural. Dentre as teorias psicológicas que problematizam esses aspectos, ressaltamos o posicionamento da histórico-cultural, por afirmar que a criança nasce em um mundo humano, e não em um mundo “natural”. De acordo com Fontana e Cruz (1997, p. 57) a criança “[...] começa a sua vida em meio a objetos e fenômenos criados pelas gerações que a precederam e vai se apropriando deles conforme se relaciona socialmente e participa das atividades e práticas culturais”. Ainda res- paldadas nas ideias expostas pelas referidas autoras, podemos compreender que: [...] desde o nascimento, a criança está em constante interação com os adultos, que compartilham com ela seus modos de viver, de fazer as coisas, de dizer e de pensar, integrando-a aos significados que foram sendo produzidos e acumulados historicamente. As atividades que ela realiza, interpretadas pelos adultos, adquirem significado no sistema de comportamento social do grupo a que pertence (FONTANA; CRUZ, 1997, p. 57). Então, podemos inferir que o processo de desenvolvimento de uma criança depende diretamente de seu contexto social, histórico e cultural. Mas, isso sig- nifica afirmar que o biológico não tem importância alguma? Não! De forma alguma podemos descartar a esfera biológica. O que procuramos evidenciar é que a cultura e as demais categorias, mencionadas anteriormente, influenciam no processo de formação e de desenvolvimento do indivíduo. É um processo interativo entre as reações naturais, herdadas biologicamente (a Desenvolvimento Infantil e a Questão da Maturidade para Aprendizagem Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 33 percepção, as ações reflexas, as reações automáticas e as associações simples), que por sua vez unem-se aos processos organizados pela sociedade e expressos de maneira cultural e transformam-se em modos de ação, de relação e de repre- sentação, características essas notadamente humanas (FONTANA; CRUZ, 1997). Podemos afirmar então que o homem não se adapta ao meio, ele o internaliza, o modifica e o estrutura. O homem se desenvolve nessa relação intrínseca entre ele e a cultura, pois desde o seu nascimento o indivíduo tem com o mundo uma relação mediada pelo outro, pela linguagem, pela internalização de um mundo que, a priori não tem sentido, mas que passa a ter pela ação de alguém mais experiente para com a criança. Então, o desenvolvimento é entendido, segundo Fontana e Cruz (1997, p. 63; aspas das autoras) como: [...] um processo de internalização de modos culturais de pensar e agir. Esse processo de internalização inicia-se nas relações sociais, nas quais os adultos ou as crianças mais velhas, por meio da linguagem, do jogo, do ‘fazer junto’ ou do ‘fazer para’, compartilham com a criança seus sistemas de pensamento e ação. Entendemos que desenvolver-se é apropriar-se da cultura de um mundo humano sistematizado em volta da criança. Nesse sentido, nossa concepção é de que há uma base material em desenvolvimento ao longo da vida do indivíduo e da espécie humana, que lhes confere os norteadores para o seu processo de desen- volvimento. Nas palavras de Oliveira (1997, p. 24; grifos nossos): [...] o homem transforma-se de biológico em sócio-histórico, num processo em que a cultura é parte essencial da natureza humana. Não podemos pensar o desenvolvimento psicológico como um processo abstrato, descontextualizado, universal: o funcionamento psicológi- co, particularmente no que se refere às funções psicológicas superiores, tipicamente humanas, está baseado fortemente nos modos cultural- mente construídos de ordenar o real. Estamos ainda engatinhando na concepção de homem e de mundo apresen- tada pela Teoria Histórico-Cultural, cujo principal expoente é Lev Seminovich Vygotsky. Essa visão de um desenvolvimento humano imerso nas condições sócio-históricas é o centro das discussões realizadas por esse estudioso da psico- logia. Ao falar em processo de desenvolvimento, Vygotsky destaca a importância do processo de escolarização na vida de uma criança, pois possibilita o contato INFÂNCIA E APRENDIZAGEM: UM BREVE HISTÓRICO E APROXIMAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E34 sistematizado e intenso dos indivíduos com sistemas organizados de conheci- mentos, além de fornecer instrumentos para elaborar e mediatizar seu processo de desenvolvimento (FONTANA; CRUZ, 1997). Sob o olhar da abordagem histórico-cultural, a concepção de maturidade é ampliada, transpondo as bases biológicas ao compreendê-la como o esforço para se conseguir atingir algo, impulsionado pelo processode mudança pelo qual passa o indivíduo. Queremos deixar claro aqui que maturação não significa “estar pronto para”, mas sim uma condição pela qual passamos durante nosso desenvolvimento. É a busca pela autonomia, pela independência em: “comer sozinho”, “amarrar o sapato sozinho”, “vestir-se sozinho”, “ser capaz de decodificar as letras do alfa- beto”, “entrar no mundo da leitura e da escrita”, “conseguir resolver operações matemáticas que exigem um nível de abstração considerável”, “conseguir dirigir um automóvel (quando adulto, claro!)”, dentre inúmeros outros exemplos que exprimem a condição humana para o crescimento. Você pode estar se perguntando agora: mas se maturidade não tem a ver com processos puramente biológicos, poderíamos ensinar uma criança de 4 anos a ler sem problema algum? Ou então, por que existem crianças que apresentam dificuldades de se apropriarem dos códigos de leitura, escrita ou matemático? São questões pertinentes e serão respondidas no decorrer do livro de diversas formas. Entretanto, neste momento buscamos discutir a afirmação amplamente difundida no âmbito escolar, respaldada na visão evolucionista, de que a não aprendizagem esperada da criança é decorrente de suas imaturidade biológica, pois ainda não estariam preparadas para se apropriarem de forma tranquila dos requisitos acadêmicos. Por hora, pontuaremos a visão vygotskyana acerca desta problemática. À luz dessa abordagem, uma criança imatura corresponde àquela que precisa do auxí- lio de um par educativo mais desenvolvido que ela, para que consiga na relação de troca e mediação, internalizar a lógica intrínseca ao processo em questão, de tal modo que gradualmente consiga realizar a atividade sem auxílio posterior. Em termos conceituais, estamos falando da Zona de Desenvolvimento Proximal. Mas afinal, o que significa isso? Desenvolvimento Infantil e a Questão da Maturidade para Aprendizagem Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 35 Vygotsky, ao trabalhar com a área de desenvolvimento humano, denomina duas grandes áreas de desenvolvimento: a Zona de Desenvolvimento Real e a Zona de Desenvolvimento Proximal. ■ A Zona de Desenvolvimento Real diz respeito a todas as coisas que a criança consegue realizar sozinha, sem a intervenção de um par mais desenvolvido que ela (uma criança mais velha ou um adulto). ■ A Zona de Desenvolvimento Proximal significa que existem atividades que a criança não conseguirá realizar sem a mediação de um par mais experiente ou de um adulto. Essa “imaturidade” que a literatura traz denota as atividades que a criança ainda não desempenha sem o devido auxílio. Por isso, nós educadores precisaremos atuar na Zona de Desenvolvimento Proximal, para que possamos auxiliar real- mente o processo de desenvolvimento humano. A compreensão parece difícil? Então vamos a um exemplo: E aí? Qual foi a sua escolha? Caso você tenha optado pela letra B, você compreendeu de maneira satisfa- tória o que é atuar sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal. Se a professora deixasse Ana em um grupo de crianças com dificuldade de aprendizagem como aquelas apresentadas pela aluna, Ana continuaria com a mesma dificuldade, ou Ana não consegue decodificar as letras do alfabeto. O que a professora deve fazer então? Examine as alternativas abaixo e, antes de continuar a leitura, faça uma opção pela letra A ou pela letra B. Não vale deslizar os olhos para o parágrafo seguinte hein! Seja sincero com o seu processo de apreensão do conteúdo sistematizado. Vamos lá? As alternativas da professora de Ana são as seguintes: a. Colocar Ana junto aos alunos que não conseguem realizar essa ati- vidade, para que possa dar auxílio de maneira mais direta para essas crianças a fim de que elas aprendam a decodificar as letras; b. Montar grupos na sala de aula. Cada grupo a professora colocará crianças que têm muita facilidade quanto a decodificação de letras e crianças com dificuldade, como é o caso de Ana. INFÂNCIA E APRENDIZAGEM: UM BREVE HISTÓRICO E APROXIMAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E36 avançaria de maneira lenta. Agora, se a professora organizar um grupo misto, como o indicado pela letra B, Ana pode ter a chance de entrar em contato com pares mais desenvolvidos que ela o que, segundo Vygotsky, auxilia no processo de desenvolvimento humano e na apropriação do conhecimento científico sis- tematizado historicamente pelos seres humanos que nos antecederam. Apesar de estarmos enfatizando o período da infância para problematizar a questão da maturidade e aprendizagem, cabe ressaltar que estes processos não ocorrem somente nesta etapa da vida. Dar ênfase a infância justifica-se, pois ela representa, por assim dizer, o centro da pré-história do desenvolvimento cul- tural, devido ao processo de internalização dos instrumentos e da fala social (REGO, 2007). Aprendizagem: Definição, Relevância e Trajeto Histórico Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 37 APRENDIZAGEM: DEFINIÇÃO, RELEVÂNCIA E TRAJETO HISTÓRICO Conforme apresentado anteriormente, aprendizagem corresponde ao processo de mudança de comportamento decorrente da experiência forjada por aspectos emocionais, neurológicos, relacionais e ambientais, evidenciando o aspecto dinâ- mico entre as estruturas mentais e o meio ambiente (HAMZE, 2010, on-line)1. Para compreender como o processo de aprendizagem ocorre, é necessário esclarecer o modo pelo qual o homem se desenvolve e se apropria do mundo em que vive, organizando a sua conduta e se ajustando ao meio físico e social, pois é pela aprendizagem “[...] que o homem se afirma como ser racional, forma a sua personalidade e se prepara para o papel que lhe cabe no seio da sociedade” (CAMPOS, 2011, p. 16). A aprendizagem é fundamental para a vida do indivíduo. Precisamos apren- der, pois nosso equipamento inato não dá conta da complexidade encontrada no mundo em que vivemos. Imagine se não houvesse este recurso. Tal como nasce- mos, permaneceríamos, ou seja, sem condições de discriminar fome de sede, de buscar meios para satisfazer nossas necessidades, não falaríamos, e consequen- temente todo o desenvolvimento decorrente desse processo não seria possível. INFÂNCIA E APRENDIZAGEM: UM BREVE HISTÓRICO E APROXIMAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E38 Assim, não teríamos nome, não pensaríamos de forma abstrata, não teríamos noção de tempo nem espaço para além do momento presente. Tamanha a relevância deste processo na formação da individualidade humana que a humanidade foi, ao longo da história, organizando meios educacionais e ins- tituições como as escolas, para tornar a aprendizagem mais eficiente (CAMPOS, 2011). A historicidade permitiu ao homem se apropriar das descobertas das gerações anteriores, de modo a poder superar o que estava posto ao invés de precisar reinventar os objetos e instituições sociais. Essa apropriação permite ao homem complexificar cada vez mais sua aprendizagem e formação intelec- tual, emocional e social. Aprender é considerado por algumas correntes teóricas como o produto natural dos indivíduos. No entanto, pense conosco: a complexidade de tarefas como somar, ler, digitar e ser empático com as pessoas, denota que são fenô- menos que não podemos aprender de forma natural, pois são de ordem social e relacional. Amparadas nas palavras de Bossa (2008, p. 29), a “incursão pela história das idéias de nossos antepassados é condição para estudar o presente e planejar o futuro”. Recuperando o trajeto histórico sobre a construção da aprendizagem como uma preocupação acadêmica, desde a antiguidade os filósofos e ospensadores questionavam-se sobre o que seria e como aconteceria a aprendizagem. A prin- cípio, as teorias elaboradas pelos filósofos gregos confundiam as explicações dos processos lógicos com as teorias do conhecimento, tanto que “a noção de aprender se confundia com a ação de captar ideias, fixar seus nomes, retê-los e evocá-los” (CAMPOS, 2011, p. 16), ações posteriormente diferenciadas entre conhecer e aprender. Nesse percurso, Campos (2011) afirma que as primeiras concepções de apren- dizagem nos remetem ao período da filosofia clássica iniciada com os estudos de Sócrates (436-336 a.C.) Segundo a autora, Sócrates concebia o conhecimento como pré-existente no espírito do homem, e a aprendizagem seria a maneira de despertar tais conteúdos por meio do método da maiêutica, revelando assim as verdades universais. Maiêutica consiste na argumentação por meio do diálogo, que proporcionaria ao sujeito o desvelar de seus conhecimentos ou mesmo de suas limitações (FREIRE, 2014). Aprendizagem: Definição, Relevância e Trajeto Histórico Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 39 Platão (427-347 a.C.), por sua vez, postulou a teoria dualista, separando o mundo das coisas do mundo das ideias, ou em outras palavras, a mente do corpo. Seguidor de Sócrates, manteve a concepção de que a aprendizagem resgataria os princípios de conhecimento que o sujeito já teria no âmbito mental; a aprendi- zagem nada mais seria do que reminiscências (CAMPOS, 2011). Freire (2014) esclarece que essa divisão fortaleceu a divisão entre trabalho intelectual e traba- lho material, criando um abismo entre ambas e desvalorizando a importância tanto do corpo quanto do trabalho manual. Em contraposição à concepção platoniana, Aristóteles (384-322 a.C.) inau- gurou a corrente empirista. Para o filósofo, o conhecimento começava a partir dos órgãos dos sentidos. Sistematizou métodos científicos como o dedutivo e o indutivo, aplicando-os em suas observações, experiências e hipóteses. Estas concepções demonstram, à luz de Bossa (2008), que a preocupação neste momento histórico não era se o sujeito era ou não capaz de conhecer ou apren- der, o foco estava em compreender como o sujeito conheceria o mundo real. No período Medieval, a ênfase na educação estava voltada para os princí- pios teológicos. Destacaram-se nesse período Santo Agostinho (354-430), por reviver os princípios platônicos como explicação do conhecimento, e São Tomás de Aquino (1225-1274), por defender as verdades científicas baseadas na filo- sofia de Aristóteles, além das verdades religiosas fundamentadas na autoridade divina, enfatizavam a importância do trabalho e da rotina para o desenvol- vimento da aprendizagem, considerando-a como um processo inteligente e dinâmico (FREIRE, 2014). A modernidade nasce com o propósito de desmistificar toda forma de conhe- cimento em razão dos grandes avanços científicos da época. A ciência moderna foi fundada por meio das descobertas de Copérnico (1473-1543), Bacon (1561- 1642), Galileu (1564-1642), Descartes (1596-1650), Locke (1473-1543) entre outros, que se voltaram para a utilização do método empírico para analisar os fenômenos sociais e naturais (CAMPOS, 2011). A noção de sujeito nasce com a modernidade, pois a grande questão moderna a ser respondida, seja pela corrente empirista - defende a experiência sensível para a construção do conhecimento - ou a corrente racionalista - crê na razão como única forma de conhecer - é como o sujeito é capaz de conhecer o real (BOSSA, 2008). INFÂNCIA E APRENDIZAGEM: UM BREVE HISTÓRICO E APROXIMAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E40 Nesse período, destaca-se os estudos de René Descartes (1596-1650). Conhecido como pai do racionalismo, postulou que a prevenção - entendida como a facilidade em se deixar envolver por opiniões alheias - e a precipitação - rapidez em emitir juízos norteados pelas nossas vontades e não pela reflexão intelectual - seriam características que denotariam falta de amadurecimento inte- lectual, nomeada por ele como condição infantil. Suas formulações filosóficas contribuíram para o fortalecimento da infância como algo negativo, devendo ser superado por meio da educação toda a condição de menoridade da razão, aspecto enaltecido pelo período Iluminista (BOSSA, 2008). Rousseau (1717-1778), contrapondo-se a concepção cartesiana de Descartes, traz no século XVIII um novo olhar para a infância e a aprendizagem. Para este filósofo, segundo Bossa (2008), a ingenuidade infantil permitia que a criança fosse capaz de aprender de forma mais significativa antes de ser corrompida pela superficialidade da civilização. Descartes representa a pedagogia iluminista baseada na universalidade do sujeito, que alcançaria o conhecimento puro ao se despir de toda a sua memória histórica e cultural, atendo somente aos fatos. Rousseau, por sua vez representa- ria a pedagogia romântica, na qual a concepção de homem o concebe como ser autêntico e capaz de se desenvolver de forma harmoniosa e criativa (BOSSA, 2008). Nos últimos três séculos, surgiram vários teóricos que se dispuseram a pen- sar a relação desenvolvimento e aprendizagem, alguns deles vamos estudar mais adiante no livro. No entanto, a discussão até a atualidade ainda é permeada fundamentalmente pelas concepções até aqui apresentadas. Os princípios carte- sianos sustentariam a pedagogia tradicional “que pressupõe um sujeito racional, bem como um ensino centralizado na figura do professor, que detém o saber” (GHIRALDELLI Jr. apud BOSSA, 2008, p. 44). Essa visão adultocêntrica de educação lança sob a infância um olhar de transitoriedade, imposta por sua condição de imaturidade, que precisa ser supe- rada por meio da aprendizagem direcionada e disciplinarizada, de modo a alcançar o status de adulto ideal. Nesta perspectiva podemos afirmar, ampara- dos em Bossa (2008), que a sociedade moderna, tendo a racionalidade como o valor primordial, desenvolveu mecanismos científicos-disciplinares, tais como observações, medidas comparativas e fiscalizações com a finalidade de forjar o Aprendizagem: Definição, Relevância e Trajeto Histórico Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 41 indivíduo disciplinado, calculado e normalizado. É sob esse olhar normalizante que começa a forjar o conceito de uma infância normal, em contraposição às noções de crianças portadoras de dificuldades de aprendizagem como sendo doentes ou indisciplinadas. Antes de debatermos de forma mais sistemática sobre o conceito de nor- malidade e patologia na sociedade contemporânea, vamos entender como as mudanças socioeconômicas determinaram a criação de um novo campo de estu- dos, qual seja: os problemas de aprendizagem. INFÂNCIA E APRENDIZAGEM: UM BREVE HISTÓRICO E APROXIMAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E42 DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: PERCURSO HISTÓRICO DA FORMAÇÃO DO CONCEITO E DEFINIÇÕES Ao estudar o nascimento da categoria de infância como objeto de estudo, destacamos as influências socioeconômicas neste processo. O mesmo processo deve ser aplicado no que tange às dificuldades de aprendizagem, pois compartilhamos da concepção de Cordié (1996), de que as questões acerca da aprendizagem só tiveram evidên- cia frente às novas exigências da sociedade capitalista, em razão do perfil de sujeito necessário para suprir a demanda de mão de obra por um lado, e a de investimento social na prole da classe burguesa (POSTMAN, 1999). Cordié (1996) pontua que as rápidas transformações do mundo do traba- lho e o seu processo de tecnização foram determinantes no destaque dado ao não aprender. A psicologiafortaleceu esse contexto, dando ênfase no fracasso escolar, justificando-o nos estudos métricos da inteligência iniciados por Binet, conforme exposto anteriormente. Bossa (2008) ressalta a importância de compreendermos como um sintoma social as dificuldades de aprendizagem, pois estas são a base para discussão do que se tornou usual ser nomeado como fracasso escolar. Para a autora, na Dificuldades de Aprendizagem: Percurso Histórico da Formação do Conceito e Definições Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 43 contemporaneidade, o fracasso na escolarização se impõe de forma alarmante e persistente, uma vez que o sistema escolar brasileiro ampliou significativa- mente o número de vagas, mas não conseguiu implementar ações que tornassem a escolarização eficiente e, consequentemente, não garantiu o cumprimento de seu objetivo básico, qual seja: acesso à cidadania. Cordié (1996) fez um apanhado histórico com a finalidade de analisar o fra- casso escolar como uma patologia recente. De forma sucinta, a autora pontua que os problemas de aprendizagem só puderam surgir: [...] com a instauração da escolaridade obrigatória no fim do século XIX e tomou um lugar considerável nas preocupações de nossos contemporâ- neos em conseqüência de uma mudança radical da sociedade. Também nesse caso, não é somente as exigências da sociedade moderna que causa os distúrbios, como se pensa muito frequentemente, mas um sujeito que expressa seu mal-estar na linguagem de uma época em que o poder do dinheiro e o sucesso social são valores predominantes. A pressão social serve de agente de cristalização para um distúrbio que se inscreve de for- ma singular na história de cada um (CORDIÉ, 1996, p. 17). A escola surgiu com a proposta de disciplinar e melhorar as condições de vida na sociedade moderna e acabou, na contemporaneidade, por ocupar o papel de repetição da marginalização ao reputar o insucesso acadêmico a milhares de crianças e jovens. Calcada nos ideais Iluministas de igualdade, fraternidade e liberdade, acabou por fortalecer a divisão de classes e exasperar os sentimen- tos de não pertencimento e merecimento disseminados pela classe dominante (BOSSA, 2008; POSTMAN, 1999; CASTRO, 2013). Para termos clareza de quão novo é a problematização das dificuldades de aprendizagem, segundo Lajonquière (1999), o verbete “fracasso escolar” não consta no “Dictionnaire de Pédagogie” de Ferdinand Buisson, publicado em 1887. Essa data não é sem propósito. De acordo com Cordié (1996), Jules Ferry (1832-1893), então ministro da educação na França, estabeleceu a instrução laica e obrigatória em 1880. Sua visão de educação pretendia superar a divisão de classes sociais, permitindo que as crianças pobres tivessem acesso à educação formal. Entretanto, esse acesso ficou restrito ao que se convencionou chamar de primário, pois este era o suficiente para que os menos abastados conseguissem manusear as máquinas cada vez mais frequentes nas fábricas. INFÂNCIA E APRENDIZAGEM: UM BREVE HISTÓRICO E APROXIMAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E44 Até então, a condição de não alfabetizado ou não letrado não era vista como um problema social ou clínico, pois as pessoas que não tivessem instrução for- mal poderiam exercer diversos ofícios que precediam desse atributo, e o valor recebido por seu trabalho não os tornavam fatalmente excluídos da sociedade (CORDIÉ, 1996). Todavia, acompanhando o ritmo acelerado das mudanças do modo de produção, esta concepção mudou de forma drástica a partir do final do século XIX e continua em ritmo acelerado. A escolarização passou a ser entendida como fundamental para a execução de atividades inclusive artesanais, pois os artesãos precisavam aprender como gerenciar uma loja antes de abrir seu negócio. O desemprego, condição inerente ao modo de produção capitalista, passou a ser justificado pela dificuldade de se empregar pessoas que não fossem escolarizadas. Nas sociedades ocidentais, os valores que são apregoados como essenciais são todos relacionados ao sucesso financeiro, tais como dinheiro, posses de bens materiais e o poder que repre- sentam socialmente esses bens. Por essa razão, a autora afirma que: aqueles deixados à margem do conhecimento se tornaram o refugo da sociedade; sem diploma, sem trabalho, sem dinheiro. Ora, a pobreza na sociedade dita “de consumo” gera uma frustração que o campesinato pobre do século passado seguramente não conhecia. No contexto atual, podemos dizer que o fracasso escolar se tornou sinônimo de fracasso na vida (CORDIÉ, 1996, p. 20, aspas da autora). Apesar da análise de Cordié se remeter à realidade francesa, podemos trans- por essa discussão para o cenário brasileiro sem problemas, pois os valores de posse e consumo foram difundidos em escala mundial em razão do processo de globalização. Bossa (2008), ao analisar a realidade da escolarização no Brasil e a origem do fracasso escolar, pontua que vivemos em um país em que a distri- buição de conhecimento é tida como fonte de poder social, logo é realizada de modo a privilegiar alguns e discriminar muitos. Dificuldades de Aprendizagem: Percurso Histórico da Formação do Conceito e Definições Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 45 No âmbito escolar e de investigação das dificuldades de aprendizagem, o enfo- que dado pelos estudiosos sofreu a influência do grande desenvolvimento das ciências médicas e biológicas, principalmente da psiquiatria, ocorrida entre os séculos XVIII e XIX. Estudos de neurologia, neurofisiologia e neuropsiquiatria, realizados em laboratórios anexos as instituições asilares como os hospícios, for- jaram o conceito de anormalidade para se referenciar os internos. Não tardou para essa nomenclatura extrapolar os muros das instituições hospitalares e pene- trar as instituições escolares, uma vez que os alunos que não acompanhavam a turma eram vistos como anormais, e a justificativa de seu fracasso era reputada a alguma causa orgânica (SCOZ, 2013). Antes de apresentarmos as definições de dificuldades de aprendizagem, cabe discutirmos o conceito de normalidade com o objetivo de refletirmos e desacos- tumarmos nossos olhos aos preceitos cotidianos sobre o que é ou não esperado da criança em desenvolvimento. DESENVOLVIMENTO HUMANO: O QUE É NORMAL? O que é normal? Você já parou para pensar no conceito de normalidade? De acordo com Drouet (1997), o conceito de normalidade costuma ser estudado sob a ótica estatística, de forma a enquadrar as pessoas ditas normais na faixa central da curva de Gauss. Isso quer dizer que a normalidade está relacionada ao padrão de comportamento esperado para uma determinada população, base- ado na maior incidência deste padrão. Normal significa, ainda, medida, linha ou orientação. Para a psicopatologia, ser “normal” remete à saúde integralmente orgânica, física, psíquica e social. Nas palavras de Drouet (1997, p. 94): Já escutou a frase “você precisa estudar para ser alguém na vida, ganhar bem e poder adquirir o que deseja”? Este discurso reflete a lógica capitalista impregnada na escola. Como podemos mudar esta visão? INFÂNCIA E APRENDIZAGEM: UM BREVE HISTÓRICO E APROXIMAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E46 Esse conceito de normalidade para um mesmo grupo social varia em função da história desse grupo: o que hoje é considerado normal pode não ter sido no passado, vice-versa. Dentro de uma mesma sociedade esse comportamento ainda sofre variações, quando se considera grupos diferentes: de idade, sexo, status social, família, cultura, raça e religião. Sendo assim, ao conceituarmos a palavranormal, precisamos considerar as ques- tões éticas, sociais, culturais, econômicas e políticas, pois nós somos seres sociais, formados social, cultural e historicamente. Isso significa que a normalidade passa por esse crivo. Dessa maneira, concordamos plenamente com Dermeval Saviani (1995), autor esse que afirma que nós não nascemos humanos, nós nos torna- mos humanos por meio das relações sociais. Então, a potencialidade do outro é trabalhada e valorizada pelo seu igual, por aquele que é mais experiente em determinadas funções. Trouxemos esse ponto de vista pela seguinte questão: o quão perigoso é pontuar que uma criança não está dentro do padrão de normalidade. Ao afir- marmos isso, temos que levar em conta todas as condicionantes anteriormente citadas. Caso contrário, reforçaremos a concepção patologizante, impedindo o outro, no caso a criança, de ter acesso pleno ao seu processo de humanização. A discussão sobre o que é normal ou não, no desenvolvimento e na aprendi- zagem humana, se justifica no fato de que muitas são as avaliações realizadas na atualidade, que mostram a “dificuldade” apresentada pela criança em determi- nada área do conhecimento. Caso não tenhamos claro os conceitos discutidos, corremos o risco de “rotular” a criança, de julgar sua dificuldade em aprender de forma descontextualizada. Ou seja, perderemos a compreensão global que nos convoca a pensar esta temática para além da responsabilidade individual da criança. Por esse motivo, fomos enfáticas em retomar a trajetória histórica da constru- ção da infância enquanto objeto de estudo. Pontuando que somente a partir do estabelecimento dessa categoria que disciplinas específicas para o cuidado com a criança tiveram a chance de se sustentar teórica e metodologicamente, como foi o caso da Psicologia do Desenvolvimento e da Psicologia da Aprendizagem. Inclusive, é dentro da área da Psicologia da Aprendizagem que temos a subárea de estudos referentes a Problemas e Dificuldades de Aprendizagem na Infância. Podemos destacar ainda que a Psicopedagogia entra em cena a partir dessas Dificuldades de Aprendizagem: Percurso Histórico da Formação do Conceito e Definições Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 47 condicionantes, área essa que tem como um dos pilares o trato direto de crian- ças e adolescentes que apresentam dificuldades significativas em seu processo de aprendizagem. Analisar globalmente o desenvolvimento e aprendizagem humana nos demanda um árduo trabalho, pois implica compreender que os indivíduos aprendem de forma singular e não homogênea. Em contrapartida, permite-nos valorizar a criança enquanto um ser capaz de aprender e lidar com questões refe- rentes ao seu aprendizado. É um caminho de profundo respeito ao outro, naquilo que tange à sua totalidade enquanto ser humano no mundo. O olhar do profissional, pedagogo, psicólogo, psicopedagogo ou neurope- diatra deve partir desse respeito ao outro, a criança, respeito e tratamento esse que é respaldado por lei. Esse cuidado está presente na Lei 10.216 de 6 de abril de 2001, a qual garante que a “[...] criança tem direito ao melhor tratamento de saúde possível, através de métodos não invasivos visando oferecer assistência integral inclusive serviços médicos, sociais e psicológicos”. A nossa reflexão deve remeter-se ao comprometimento profissional em considerar o que podemos fazer para auxiliar a criança com dificuldade de apren- dizagem, estabelecendo os parâmetros para o início de seu tratamento. AFINAL, O QUE SÃO AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM (D.A.)? Ao percorrer o histórico da conceituação sobre D.A., Ciasca (2003) pontua que os primeiros relatos médicos acerca da questão datam de 1917 na literatura inglesa, sendo formulada por Glasgow como cegueira congênita das palavras. Em 1925, Samuel Orton descreveu um quadro que identificava problemas de leitura e escrita, principalmente na caligrafia, o qual nomeou como estrefossim- bolia para distorções, substituições e escrita especular. Strauss e Lentinen são os autores que, de acordo com Ciasca (2003), intro- duziram o termo Lesão Cerebral Mínima ou Síndrome de Strauss para qualificar crianças que apresentassem quaisquer alterações relacionadas ao ato de apren- der. Entretanto, o termo lesão passou a ser questionado, pois muitos portadores INFÂNCIA E APRENDIZAGEM: UM BREVE HISTÓRICO E APROXIMAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E48 não apresentavam lesão aparente no Sistema Nervoso Central. Por esse motivo, Denhoff passou a defender que, não havendo evidência de lesão orgânica, o nome correto seria Disfunção Cerebral Mínima caracterizado por “distúrbio hipercinético do impulso”, abarcando os seguintes sintomas: “agitação, hipera- tividade, diminuição progressiva da atenção, concentração escassa, distração, irritabilidade” (CIASCA, 2003, p. 23). Esse conceito chegou ao Brasil em 1960, de acordo com Scoz (2013), pro- piciando uma maior aceitação pelos professores e pelos pais das dificuldades de aprendizagem das crianças, uma vez que esta era tida como neurológica. Se por um lado serviu para melhorar o acolhimento da criança, também favoreceu o desinvestimento educacional por parte dos educadores e reforçou a postura medicamentosa que enfrentamos até hoje. Em 1988, a Organização Americana National Joint Committee of Learning Disabilities definiu as dificuldades de aprendizagem como sendo “um termo geral que se refere a um grupo heterogêneo de desordens manifestas por dificuldades significativas na aquisição e utilização da compreensão auditiva, da fala, da lei- tura, da escrita e do raciocínio matemático” (FONSECA, 1995; p. 71). Nota-se que as definições até aqui expostas consideram as dificuldades de aprendizagem como tendo causas intrínsecas aos sujeitos e de ordem neurológica. Na atualidade, os avanços nos estudos levaram à compreensão que as D.A. podem ter causas diversas. Cristovão e Cardoso (2004; p. 97) apresentam um quadro formulado por García, no qual subdivide as dificuldades de aprendiza- gem de acordo com a perspectiva adotada para analisar o fenômeno. Quadro 1 - Dificuldades de Aprendizagem de acordo com sua Etiologia PERSPECTIVA EXTRÍNSECA Causas Ambientais ■ Culturais ■ Sociofamiliares ■ Pedagógicas Sintomas ■ Fracasso na aprendizagem ■ Inadaptação escolar ■ Desinteresse ■ Hiperatividade ■ Hipoatividade Dificuldades de Aprendizagem: Percurso Histórico da Formação do Conceito e Definições Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 49 PERSPECTIVA INTRÍNSECA Causas ■ Dano cerebral ■ Alterações nos processos maturativos ■ Inabilidade psicolinguística ■ Inabilidade no processo de informação. Sintomas ■ Atraso percepto-motor ■ Dificuldades globais na aprendizagem ■ Alterações nos processo de codificação e decodificação lingüistica: disfasia. ■ Dificuldades seletivas: ■ Dislexia ■ Disgrafia ■ Disortografia ■ Discalculia PERSPECTIVA INTERATIVA Causas ■ Todas ou boa parte das perspectivas Fonte: adaptado de Cristóvão e Cardoso (2004). Conforme exposto no Quadro 1, a perspectiva extrínseca compreende como causa das dificuldades de aprendizagem questões relacionadas ao contexto social do sujeito. Por sua vez, a perspectiva intrínseca entende que a aprendizagem é comprometida em razão de questões neuropsicológicas. No contexto aca- dêmico e escolar, convencionou-se referir como Transtornos Específicos ou Problemas de aprendizagem todas as dificuldades de ordem neuropsicológica, e de Dificuldades de aprendizagem as questões educacionais decorrentes de fato- res extrínsecos. Vamos abordar essas diferenciações com maior profundidade na Unidade IV de nosso livro. Segundo Cristóvão e Cardoso (2004), e Fonseca(1995), a discussão sobre a etiologia das dificuldades de aprendizagem norteiam a prática educativa, bem como o atendimento dirigido ao aluno que não aprende como os demais. Psicólogos, fonoaudiólogos e pedagogos tendem a analisar os casos pela perspec- tiva interativa, com multifatores de ordem psicológica, pedagógica, sociológica e linguística, enquanto os profissionais da medicina os analisam eminentemente pelos aspectos orgânicos. INFÂNCIA E APRENDIZAGEM: UM BREVE HISTÓRICO E APROXIMAÇÕES ENTRE OS CONCEITOS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E50 Com o tempo, foram surgindo várias maneiras de classificar que utilizavam fatores físicos, cognitivos e sociais na elaboração dos subgrupos de DA, in- tegrados em diferentes graus e categorias (LERNER, 1988). Porém estas clas- sificações têm demonstrado que, como causas diretas dos DA, estão envol- vidos problemas individuais, do ambiente e associativos entre o indivíduo e o ambiente, formando dois grandes grupos: 1) crianças com significativa dificuldade de aprender academicamente, apesar de terem nível de inteli- gência adequado e excluindo-se outras causas; e, 2) crianças que não têm dificuldades acadêmicas como consequência direta, mas sim, como deriva- dos de outras condições e performance (ALGOZZINE; YSSELDEYKE, 1986). Fonte: fragmento extraído de Ciasca (2003, p. 26). Considerações Finais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 51 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade, buscamos estabelecer a correlação entre os processos históricos e a construção das noções de infância e de dificuldades de aprendizagem. O des- taque dado ao modo de produção capitalista industrial e aos avanços da ciência em razão do desenvolvimento econômico foi necessário para compreendermos como a infância se constitui enquanto uma etapa do desenvolvimento, além da importância da educação/escolarização. Vimos que o avanço sobre o conhecimento do mundo, dos processos naturais do homem e da natureza, por meio das explicações da medicina, astronomia, física etc. possibilitaram uma nova visão de mundo e homem. Sob esse novo olhar, a infância passou a ser entendida como uma fase do desenvolvimento que deman- dava atenção diferenciada e cuidados até então não despendidos a crianças, tais como: linguagem adaptada, socialização diferenciada - não participando da vida sexual e produtiva do adulto. Por essa razão, Postman (1999) e Ariès (1978) des- tacam que a noção de infância está atrelado ao sentimento de vergonha. O papel da escola foi fundamental, pois ao ser tomada como fonte de refe- rência para a formação do sujeito adulto, colocou a criança sob o olhar de incompletude a ser preenchida pela educação. Nesse processo, o não aprender ganha destaque e passa a ser analisado sob os princípios da ciência moderna, ou seja, pela perspectiva organicista. Por isso a necessidade de discutirmos os con- ceitos de normalidade e maturidade, para desmistificarmos a cultura enraizada até hoje, de que o não aprender é unicamente de responsabilidade da criança. Para tanto, evidenciamos o trajeto histórico do conceito de aprendizagem e das dificuldades de aprendizagem. Ao compreendermos a evolução histórica de ambas as áreas, conseguiremos entender melhor as teorias sobre o desen- volvimento que estudaremos, e posicionaremos adequadamente o papel do aparato biológico no processo de aprendizagem e nas possíveis intercorrências que podem advir dessa influência, mas não o tomaremos como causa única das etiologias do não aprender. 52 DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM REQUER AVALIAÇÃO ESPECIALIZADA “Professores são muito importantes no processo de intervenção, independentemente das limitações do aluno”, ressalta especialista Apresentamos a vocês um pequeno fragmento da entrevista concedida ao Jornal do Professor pela Psicóloga, psicopedagoga e terapeuta familiar, Simone Maria de Azeve- do. Esta profissional atuou durante 12 anos como membro da equipe especializada de apoio a aprendizagem na Secretaria de Educação do Distrito Federal, além de trabalhar como professora na rede pública e privada por 16 anos, na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental. Segundo a entrevistada, o olhar do professor é o diferen- cial no atendimento das dificuldades de aprendizagem dos alunos. [...] J.P. - As escolas estão preparadas para ajudar os estudantes que apresentam dificuldades de aprendizagem e, assim, evitar o fracasso escolar? O que pode ser feito? Simone - No Distrito Federal, por exemplo, cursos variados estão disponíveis na rede pública de ensino. São também programados momentos semanais de formação continuada nas escolas em que os professores atuam. Eles lecionam em um turno e no outro realizam diferentes atividades. Entre elas, as mencionadas. Exemplo que deveria ser seguido por todas as unidades da Federação. Entretanto, na formação continuada deveriam ser incluídos espaços objetivos e subjetivos que permitam trabalhar ques- tões psicopedagógicas essenciais para a qualificação do fazer pedagógico. O caráter subjetivo da aprendizagem, muitas vezes esquecido, é tão importante quanto a didáti- ca, os métodos, as técnicas. – Os professores da educação básica têm condições de diagnosticar problemas de aprendi- zagem? – Professores atentos, sensíveis, amorosos, estudiosos, éticos, que amam ensinar e aprender têm condições de perceber comportamentos e sinais indicativos de pro- blemas de aprendizagem. Muitas vezes, é na escola que a criança apresenta algum sintoma alusivo a conflitos de naturezas diversas. Em se tratando de problemas de aprendizagem reativos, ou seja, em que as causas são de ordem socioeducativa – fa- lhas ou inadequações no modo de ensinar e intervir –, docentes e demais profissionais da educação e da saúde que atuam nas escolas deveriam ser formados para identificá- -los e resolvê-los. No entanto, quando há hipóteses de causas individuais e familiares, o diagnóstico carece de olhares clínicos. Contudo, os professores são importantíssimos no processo interventivo, independentemente do problema. Seu olhar, sua postura, sua afetividade fazem toda a diferença. Fonte: Portal Brasil (2014, on-line)2. 53 1. O conceito de infância difundido na atualidade difere-se, e muito, do vivenciado nos períodos da Idade Média e Antiga. Segundo Postman (1999) e Àries (1978), devemos à educação formal e à mudança do regime econômico de feudalista para capitalista a visão de criança que defendemos na atualidade. Isso porque: a. A infância na Idade Média era considerada como uma etapa da vida que não demandava atenção especial, uma vez que eram inseridos no meio social do adulto sem quaisquer ressalvas. b. O processo de Escolarização formal permitiu que os estudiosos da época olhassem para a criança como um sujeito social pleno, mas que necessitava de orientação especializada. c. O processo de letramento abriu espaço para a compreensão de infância como a etapa da vida em que a criança ainda não alcançou seu pleno de- senvolvimento em comparação com o adulto, e por essa razão, demandaria maior cuidado para que esse amadurecimento ocorresse de forma correta. d. A mudança do sistema econômico permitiu que o sentimento de intimida- de diminuísse, pois as famílias não tinham mais tantos integrantes e nem tempo hábil para cuidar de seus pequenos. e. A alfabetização foi um importante instrumento socializador desde o início da Idade Média, pois a criança era vista como indivíduo frágil e demandante de atenção e cuidados com a saúde para garantir-lhes uma vida longa. 2. Em nosso trajeto de estudos pontuamos o quanto é importante entendermos quais são os fatores socioculturais que influenciaram na compreensão de infân- cia, logo, do desenvolvimento da criança e das dificuldades de aprendizagem. Acerca desses temas, assinale com F as afirmativasfalsas e com V as verda- deiras. ( ) A concepção de desenvolvimento infantil ainda tem grande influência da te- oria evolucionista, área da biologia que pode ser notada na lógica da periodização do ciclo da vida. ( ) A lógica da maturação biológica ser fator determinante na aprendizagem infantil levou diversas linhas teóricas, respaldadas na disciplina de Psicologia do Desenvolvimento, a responsabilizar unicamente a criança por seu fracasso escolar. ( ) Desde a antiguidade, o foco sobre a aprendizagem está em torno da capaci- dade ou não do sujeito aprender, de tal modo que a hereditariedade era o aspecto mais estudado para justificar as falhas nesse processo. ( ) A visão de infância como sendo um adulto incompleto, acabou por reforçar estereótipos de normalidade que não singularizam a criança como sujeito em de- senvolvimento, levando a crer que as crianças que têm dificuldades de aprendiza- gem fossem vistas como doentes ou indisciplinadas. 54 Assinale a alternativa correta. a) V, V, F e F. b) V, V, F e V c) V, F, V e F. d) V, F, F e F. e) V, F, V e V. 3. A história de um homem é a história da humanidade. Tal afirmação remete a concepção de indivíduo datado historicamente, defendida em nossos estudos. Partindo dessa visão de mundo, apresentamos teóricos que analisaram a influ- ência das mudanças socioeconômicas ao longo dos séculos, na organização da família e do entendimento sobre a infância. Nesse contexto, avalie as seguin- tes asserções e a relação proposta entre elas. I. Os modelos de família sofreram alterações importantes frente às mudanças socioeconômicas dos últimos séculos. Entretanto, a forma como os membros se relacionam não se alteraram por essa razão, pois este fator depende do ideal de família forjado individualmente. PORQUE II. Apesar das famílias apresentarem diferentes modos de organização na atu- alidade, podemos notar que o carinho, atenção e compreensão acerca das especificidades do desenvolvimento infantil estiveram presentes desde a an- tiguidade. a) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a segunda é uma justificativa correta da primeira. b) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a segunda não é uma justificativa correta da primeira. c) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a asserção II é uma proposição falsa. d) A asserção I é uma proposição falsa, e a asserção II é uma proposição verda- deira. e) As asserções I e II são proposições falsas. 55 4. As primeiras definições de Dificuldades de Aprendizagem (D.A) eram funda- mentadas em distúrbios neurológicos, ou seja, de ordem intrínseca ao sujeito. No Brasil, o termo Disfunção Cerebral Mínima chegou na década de 1960 e di- fundiu-se com rapidez. Essa patologia correspondia a um conjunto de sintomas associados a não aprendizagem da leitura, escrita ou matemática envolvendo comportamento hipercinético do impulso. Sobre o tema, leia as afirmativas e assinale a alternativa correta. I. No Brasil, a justificativa neurológica das dificuldades de aprendizagem possi- bilitou um melhor acolhimento das crianças por parte dos pais e professores, mas também tirou o foco da influência do processo educacional na aprendi- zagem. II. Os estudos atuais sobre as D.A. continuam na direção de compreender sua etimologia ligada a questões exclusivamente intrínsecas ao sujeito. III. O termo Disfunção Cerebral Mínima mostrou-se mais coerente, pois os exa- mes de imagem do cérebro não permitiam afirmar lesões à nível cerebral que justificassem as dificuldades de aprendizagem observadas. IV. Os avanços nos estudos acerca das dificuldades de aprendizagem levaram os estudiosos da área a dividirem em diferentes grupos, segundo a etiologia do problema, as D.A., sendo nomeadas de acordo com sua procedência em Transtornos ou problemas de aprendizagem e dificuldades de aprendiza- gem. a) Somente I está correta; b) Somente II e III estão corretas; c) Somente III e IV estão corretas; d) Somente I, III e IV estão corretas; e) Todas estão corretas. 56 5. Desde o surgimento das queixas de aprendizagem, diversas áreas do conhe- cimento tem se dedicado à compreensão acerca dos fatores que impedem a aprendizagem normal da criança. Os estudos multidisciplinares realizados por Psicólogos, Fonoaudiólogos, Médicos, Pedagogos etc., ampliaram a concepção sobre os possíveis fatores de causa desses problemas, divididos em três catego- rias segundo a etiologia. Assinale a alternativa que apresente a correlação adequada entre as colunas. a) PERSPECTIVA EXTRÍNSECA b) PERSPECTIVA INTRÍNSECA c) PERSPECTIVA INTERATIVA ( ) Fatores ambientais exclusivamente ( ) Fatores mistos ( ) Fatores de ordem biológica ( ) Discalculia, dislexia, afasia, atraso neuropsicomotor, entre outros. ( ) Falhas de ordem pedagógica, fatores culturais ou sociofamiliares são a ori- gem das D.A. a) A, C, B, B, A b) B, A, C, A, B c) A, B, C, A, B d) C, C, B, A, A e) B, C, C, A, A Material Complementar MATERIAL COMPLEMENTAR O Futuro da Infância e outros escritos Lucia Rabello de Castro Editora: 7 Letras Sinopse: Diante das mudanças profundas vividas pela sociedade nas últimas décadas –incluindo diferentes formas de comunicação e as consequentes novas vivências do tempo, do espaço e das relações – é preciso atualizar o nosso modo de pensar a infância. Partindo de uma contextualização histórica e de anos de atuação na clínica, na docência e na pesquisa, Lucia Rabello de Castro reúne neste livro diversos textos que ajudam a compreender melhor os processos de formação das crianças no mundo atual. Entre escola, cidade, governo, mídia, entre a vida própria e a vida social, a criança é também sujeito participante e contribuinte da sociedade – e por isso precisa ser mais conhecida, reconhecida e compreendida pelos pais, professores e por todos os adultos que governam o seu mundo. Tendo em conta que o “o futuro da infância” se desvela no presente, a obra convida o leitor a uma re� exão sobre os modos de ser e de agir das crianças (e com as crianças) no mundo de hoje – e de amanhã. Encontrado Forrester - Análise Uma análise interessante do fi lme Encontrando Forrester foi escrita por João Luís de Almeida Machado, e está disponível em <http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo. asp?artigo=46>. Acesso em: 10 mai. 2017. ENCONTRANDO FORRESTER - 2006 Sinopse: Jamal Wallace (Robert Brown) é um jovem adolescente que ganha uma bolsa de estudos em uma escola de elite de Manhattan, devido ao seu desempenho nos testes de seu antigo colégio no Bronx e também por jogar muito bem basquete. Após uma aposta com seus amigos, ele conhece William Forrester (Sean Connery), um talentoso e recluso escritor com quem desenvolve uma profunda amizade. Percebendo talento para a escrita em Jamal, Forrester procura incentivá-lo para seguir este caminho, mas termina recebendo de Jamal algumas boas lições de vida. Comentário: Este fi lme nos ajuda problematizar os estigmas sociais acerca da aprendizagem e desempenho dos alunos. Nos leva a refl etir como somos mobilizados a ratifi car o discurso social de classes impregnado no nosso cotidiano e a importância, enquanto docentes, de desmistifi carmos tais ideologias. consequentes novas vivências do tempo, do espaço e das relações – é Jamal Wallace (Robert Brown) é um jovem adolescente que ganha uma bolsa de estudos em uma escola de elite de Manhattan, devido ao seu desempenho nos testes de seu antigo colégio no Bronx e também por jogar muito bem basquete. Após uma aposta com seus amigos, ele conhece William Forrester (Sean Connery), um talentoso REFERÊNCIAS ARIÈS, P. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 1978. BOSSA, N. A. FRACASSO ESCOLAR: Um olhar psicopedagógico. Porto Alegre: Art- med, 2008. CASTRO, L. R. O futuro da infância e outros escritos. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013. CAMPOS, D. M. S. Psicologia da Aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 2011. CORDIÉ, A. OS ATRASADOS NÃO EXISTEM: psicanálise decrianças com fracasso escolar. 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Acesso em: 10 mai. 2017. 2Em: <http://www.brasil.gov.br/educacao/2014/07/dificuldade-de-aprendizagem- -requer-avaliacao-especializada>. Acesso em: 10 mai. 2017. GABARITO 1. Alternativa C. 2. Alternativa B. A afirmativa três está falsa, pois na Idade Antiga os filósofos preocuparam-se em compreender como o sujeito aprendia o mundo real e não se ele era capaz de aprender e conhecer algo. Esta discussão só veio a tona com os estudos da Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem na Idade Moderna. 3. Alternativa E. Ambas as asserções estão falsas, pois a maneira pela qual os sujeitos se relacio- nam são influenciadas pela organização social. Na idade Média, por exemplo a criança não tinha o destaque que tem na Idade Moderna e contemporânea, muito menos o suporte a ela ofertado conforme vimos em nossos estudos. 4. Alternativa D. A afirmativa 2 está incorreta, pois os avanços na área de Psicologia da Apren- dizagem permitiu a análise global da aprendizagem de tal modo que aspectos extrínsecos e a influência mútua dos aspectos passaram a ser discutidos como possíveis causas de problemas de aprendizagem. 5. Alternativa A. U N ID A D E II Professora Dra. Gescielly Barbosa da Silva Tadei Professora Me. Juliana da Silva Araujo Alencar Professora Me. Márcia R. de Sousa Storer TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E DA APRENDIZAGEM Objetivos de Aprendizagem ■ Compreender a teoria construtivista do desenvolvimento cognitivo. ■ Conhecer a teoria de Henri Wallon. ■ Pontuar os principais conceitos da teoria psicanalítica. ■ Identificar pontos fundamentais da teoria de Lev Seminovich Vigotsky. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ A Epistemologia Genética de Jean Piaget ■ A Teoria Psicogenética de Henri Wallon ■ A Psicanálise de Sigmund Freud ■ A Psicologia Sócio-Histórica de Lev Seminovich Vigotsky INTRODUÇÃO Prezado(a) aluno(a), nesta unidade conheceremos as contribuições de 4 gran- des teóricos da Psicologia com vistas ao desenvolvimento humano, assim como o processo que levou essas teorias até o cenário educacional. O primeiro teórico a ser estudado será Jean Piaget (1896-1980). Fundador da Epistemologia Genética, problematizou o processo da construção do conhe- cimento humano, indagando como se daria a mudança de níveis mais simples de conhecimento até os mais complexos, defendendo que esse processo era resul- tante da interação entre sujeito e o objeto. Logo após, conheceremos a teoria de Henri Paul Hyacinthe Wallon (1879- 1962). Henri Wallon nasceu na França e graduou-se em medicina, psicologia e filosofia. Seus estudos destacaram a importância da afetividade na compreen- são do desenvolvimento e da aprendizagem da criança. Na sequência, apresentaremos o autor que ficou conhecido no contexto esco- lar pelos estudos do desenvolvimento psicossexual dos indivíduos, Sigmund Freud (1856-1939), que destacou-se no contexto escolar pela ênfase dada ao desenvolvimento emocional da criança. Apesar de não ter se dedicado direta- mente à questão da aprendizagem, contribui neste campo do saber trazendo uma visão mais humanizadora do processo, dando ênfase à relação professor/aluno. Por fim, apresentaremos Lev Seminovich Vigotsky (1896-1934), autor russo que dedicou-se aos estudos do desenvolvimento humano a partir de uma pers- pectiva histórico-social. Destacou a influência da cultura na formação humana e o papel da linguagem no desenvolvimento das funções psicológicas superio- res (atenção, memória, pensamento, linguagem etc.). O estudo dessas teorias é fundamental para pensarmos na relação entre desenvolvimento humano e aprendizagem por diferentes perspectivas, evitando posturas rotuladoras e pouco produtivas frente a crianças que apresentam quais- quer dificuldades de aprendizagem. Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 63 TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E DA APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E64 A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA DE JEAN PIAGET Jean Piaget (1896-1980) nasceu na Suíça e foi considerado, segundo Gouveia (2011), um dos mais importantes pensa- dores do século XX. Sua trajetória acadêmica infl uenciou sobremaneira no percurso que sua teoria adotou. Fez gra- duação e doutorado em biologia, estudou psicologia e dedicou-se à fi losofi a. Seus estudos contemplam o desen- volvimento da afetividade e da moralidade, mas foi sua dedicação às noções de inteligência que o fez mundial- mente conhecido. Nomeou sua teoria como Epistemologia Genética, por buscar a compreensão da origem do conhe- cimento científi co e do pensamento lógico e racional. Apesar de ser uma questão fi losófi ca, Piaget se propôs a teorizar sobre a inteligência sob dois campos de estudos: as teorias biológicas da adaptação e as teorias do conhecimento devido à dupla natureza da inteli- gência, ou seja, biológica e lógica (GOUVEIA, 2011). O elo que Piaget encontrou entre a fi losofi a e a biologia foi a psicologia do desenvolvimento. A elaboração da teoria explicativa da gênese do conheci- mento no homem levou Piaget a formular propostas teóricas e metodológicas inovadoras quanto à natureza dos processos de desenvolvimento da criança, con- trapondo-se às correntes inatistas. De acordo com Fontana e Cruz (1997, p. 44, grifos nossos), no que diz res- peito à teoria piagetiana: O fundamento básico de sua concepção do funcionamento intelectual e do funcionamento cognitivo é de que as relações entre o organismo e o meio são relações de troca, pelas quais o organismo adapta-se ao meio e, ao mesmo tempo, o assimila de acordo com as estruturas, num processo de equilibrações sucessivas. Piaget buscava compreender “[...] e determinar as contribuições das atividades do indivíduo e das restrições do ambiente na aquisição do conhecimento (FONTANA; CRUZ, 1997,p. 44). Esse foi, então, o foco do seu trabalho experimental. Figura 1 - Jean Piaget Fonte: Wikimedia ([2017], on-line)1 A Epistemologia Genética de Jean Piaget Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 65 Figura 2 - “Mamãe, hoje já é amanhã?” Ouvir perguntas como essa nos desconcerta, ao mesmo tempo em que fica- mos encantados e nos divertimos com esses equívocos. Nossa atenção se volta para compreender o modo peculiar que a criança tem de pensar sobre as coisas e de estabelecer relações entre elas. Essas peculiaridades chamaram a atenção, também, de Piaget. Ele queria entender como o ser humano elabora os conhe- cimentos sobre a realidade, chegando a construir um sistema de abstração. Por isso, ele estudou o desenvolvimento do pensamento da criança. Cabe ressaltar, amparados em Gouveia (2011), que a noção de desenvol- vimento para Piaget se efetiva por contínuas reorganizações da atividade da inteligência, que levará à progressiva complexidade de organização da realidade. Por essa razão, o autor preconizou que o desenvolvimento se dava por saltos e rupturas, estabelecendo os estágios com características próprias de organização e leitura de mundo. Estas concepções o levaram a adotar o método experimen- tal como procedimento investigativo. Os estudos de Jean Piaget tiveram impacto no campo da Psicologia e da Pedagogia. Seu trabalho, pioneiro no estudo do processo de raciocínio infantil por meio da interação com crianças, resultou em um progresso no campo do conhecimento da cognição. TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E DA APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E66 Mas, atenção! Não confunda a teoria piagetiana com uma “psicologia da criança”. O centro do trabalho de Piaget é o desenvolvimento do conhecimento, e para o referido estudioso, conhecer é: organizar; estruturar, enfim, conhecer é explicar a realidade a partir daquilo que se vivencia nas experiências com os objetos do conhecimento. Para o estudioso, a experiência é distinta do conheci- mento, pois conhecimento significa a organização da experiência num sistema de relações (GOUVEIA, 2011). Dois conceitos, definidos por Piaget, fazem parte do processo inicial da aprendizagem: a assimilação (o meio em função do indivíduo) e a acomoda- ção (o indivíduo em função do meio), sendo a adaptação o ponto de equilíbrio entre esses dois momentos. Ao agir sobre o meio ambiente, o indivíduo incor- pora novos elementos (assimilação), organizando estes dados em um sistema interno de relações (acomodação), que adquirem significado para o indivíduo com o objetivo de se adaptar melhor ao seu contexto social (adaptação). Nas palavras de Gouveia (2011, p. 122): “A assimilação é a incorporação da realidade exterior à organização do sujeito. A acomodação, ao contrário, é a transformação do sujeito, em função da realidade exterior”. Nesse sentido, a síntese do processo da assimilação e acomodação seria nomeado como adaptação, logo de inteligência para Piaget. No entanto, Gouveia (2011) destaca que adaptação, na lógica da epistemologia genética, corresponde a um processo de transformação. Por essa razão, a teoria piagetiana não é consi- derada nem inatista, nem empirista, mas sim sócio-interacionista, pois: ela realiza a síntese entre essas duas correntes, o que implica pensar, seja organismo e meio, seja sujeito e objeto, como totalidades indis- sociáveis, onde cada um dos elementos exerce o seu papel e onde as transformações são mútuas (GOUVEIA, 2011, p. 122). Para pensar como esta relação se estabelece, Piaget teorizou que os indivíduos apresentariam esquemas que servem de base para a interação com o ambiente.Os primeiros esquemas seriam os reflexos do recém nascido, que são respostas auto- máticas desencadeadas por estímulos. Segundo Fontana e Cruz (1997), os esquemas possibilitam ao bebê a adaptação ao meio. A assimilação provoca transforma- ções nos reflexos, que vão gradativamente se diferenciando e tornando-se cada vez mais complexos e flexíveis. Esse processo dá origem aos esquemas de ação. A Epistemologia Genética de Jean Piaget Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 67 É por meio desses esquemas que a criança começa a reco- nhecer a realidade, assimilando-a e dando-lhe significações. Por exemplo, ao nascer os bebês têm o reflexo de preensão: quando oferecemos objetos diferentes a uma criança, ela realiza a mesma ação, mas com pequenas diferenças para conseguir pegar de maneira adequada um brin- quedo, o dedo da mão ou sua manta. Assim, quando ele pega qualquer objeto, ele relaciona ao seu esquema de “pegar” e atribui-lhe um sentido de “um objeto que se pega”. Por meio de assimilações e acomodações, o bebê vai conhecendo os objetos de seu mundo imediato. Eles são organizados em objetos: “para olhar”; “para pegar”; “para sugar”; e “para empurrar”. A organização do real por meio da ação marca o início do desenvolvimento cognitivo da criança (FONTANA, CRUZ 1997). Os esquemas de ação ampliam-se e coordenam-se entre si, diferenciam-se e acabam por se interiorizar, transformando-se em esquemas mentais e dando origem ao pensamento. Esse desenvolvimento contínuo dos esquemas se dá no sentido de uma adaptação cada vez mais complexa e diferenciada da reali- dade (GOUVEIA, 2011). Você pode estar se perguntando agora: O que faz o sujeito mobilizar estes processos de adaptação? Já falamos algo sobre equilibração, mas vamos nos deter um pouco sobre este conceito, tido como fundamental para a compreen- são da lógica Piagetiana. Fontana e Cruz (1997) pontuam que o desenvolvimento para Piaget se efetiva no interjogo entre fatores internos (ligados à maturação), fatores exter- nos (experiência adquirida em contato com o ambiente) e de um processo de auto-regulação, nomeado de equilibração. O nome, apesar de estranho, é esse mesmo. Piaget utilizou o termo equilibração ao invés de equilíbrio para desta- car esse processo como uma tendência do organismo a se adaptar ao meio. Essa tendência é uma propriedade intrínseca e constitutiva da vida mental, pois é por meio de seu funcionamento que o sujeito vai mantendo o estado de equi- líbrio ou de adaptação em relação ao meio. Figura 3 - Exercício sensório motor para formação de esquemas de ação TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E DA APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E68 O resultado do processo de equilibração é sempre um organismo mais desenvol- vido. Tanto que, para Fontana e Cruz (1997), a noção de desenvolvimento para Piaget poderia ser descrita como um processo de equilibrações sucessivas, que levam o sujeito a estabelecer maneiras de agir e pensar progressivamente mais complexas e elaboradas. Entendendo as bases da teoria piagetiana, fica mais fácil compreender o fato do autor ter dividido o desenvolvimento da inteligência em 4 períodos sequen- ciais, respeitando a determinação biológica da espécie humana. Cunha (2015) pontua que cada período se constitui como um alicerce para o posterior, ou seja, que as aquisições cognitivas são precondições para a etapa seguinte. Todavia, apesar dos períodos serem divididos por marcos cronológicos, Cunha (2015) pontua que as definições de idade servem como indicativos e não categorias como alguns manuais descrevem. Isso quer dizer que não basta alcançar a idade de transição de um estágio ao outro que a criança magicamente apresen- tará as características de pensamento mais elaborado. O desenvolvimento tem uma linha pré determinada, mas é variável de indivíduo para indivíduo, segundo seu próprio ritmo. O que mobilizará a passagem de um estágio para o outro é a compreensão da criança, de que seus modos de agir e pensarestão insuficientes ou inadequados para resolver os problemas que surgem no contato com o meio. Fontana e Cruz (1997) destacam que é a partir desta inadequação que a criança acaba por tornar seus modos de pensar e agir mais complexos. Posto isso, podemos agora apresentar de forma breve os períodos e suas carac- terísticas. São 4 estágios do desenvolvimento cognitivo propostos por Piaget, a saber: período sensório-motor; período pré-operatório; período operatório concreto; período operatório formal. Precisamos experienciar desequilíbrios para desencadear a adaptação de nossos esquemas mentais/ação. Ao entregarmos tudo em mãos para os be- bês, quando já fazem movimentos de busca, não estaríamos tolhendo seu desenvolvimento? A Epistemologia Genética de Jean Piaget Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 69 ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO Período Sensório-motor (0 a 2 anos): Período marcado pela construção do objeto empírico, ou seja objeto da ação. Neste estágio, a criança vai iniciar seu desenvolvimento a partir dos reflexos, transformando-os gradualmente em esquemas de ação, de modo a conseguir organizar suas habilidades percepti- vas e motoras atuando no meio. Nos primeiros dois anos de vida a criança tem um pico de crescimento e desenvolvimento físico muito grande, que influen- cia na sua forma de se relacionar com o meio. Por essa razão, Piaget subdividiu esse período em 6 sub-estágios marcados pelo predomínio da função assimila- dora. Segundo Gouveia (2011, p. 125), esse período trata-se “da constituição da percepção e da imagem do objeto, resultado da coordenação dos quadros per- ceptivos” e finda-se quando “se dá a internalização da imagem e a representação por imagem. Isso corresponde à primeira conservação do objeto”. Figura 4 - Passagem da percepção para a representação do objeto Estágio I do período sensório-motor (0 a 1 mês): os bebês, em seu primeiro mês de vida, estão restritos aos reflexos inatos. Piaget destaca os reflexos de suc- ção; visão; audição; fonação e preensão. Os exercícios dos reflexos são processos de assimilação reprodutora, que ao aumentar a habilidade do bebê poderá ser estendido a novos objetos, caracterizando uma assimilação generalizadora. Por exemplo, o sugar: o bebê treina sugando o seio da mãe, e generaliza quando passa a sugar o dedo ou a chupeta. Estágio II do período sensório-motor (1 a 4 meses): reações circulares primárias. Esse evento é chamado primário porque envolve o corpo do bebê, e circulares pelo caráter repetitivo da ação. Nesse estágio, de acordo com Gouveia (2011), há a formação de hábitos, entendidos como as primeiras aquisições em TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E DA APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E70 decorrência da experiência. O bebê repete o exercício reflexo até que seja assi- milado os elementos aos esquemas reflexos: sugar torna-se sugar o dedo, sugar a manta etc. Estágio III do período sensório-motor (4 a 8 meses): este estágio é nome- ado como reações circulares secundárias. O bebê, graças à coordenação da visão e preensão, consegue empreender ações no ambiente, por isso secundárias. Sua ação a partir desse momento será sobre os objetos do meio. Gouveia (2011) pon- tua que estas condutas sinalizam a transição entre o hábito e a inteligência, pois a criança passa a assimilar o mundo externo empreendendo mudanças sobre ele. Ao observarmos um bebê brincando com seu móbile, temos a compreensão desse processo. O bebê acidentalmente puxa a corda do brinquedo, percebendo o ruído ou o movimento desencadeado. Pelo processo de assimilação, ele repetirá esse processo esperando o mesmo resultado, até assimilar o novo esquema de ação. Estágio IV do período sensório-motor (8 a 12 meses): podemos dizer, amparados em Gouveia (2011), que este é o momento em que surge o nasci- mento da ação ou da inteligência, visto que, no quarto estágio, o bebê consolida e concilia os esquemas de ação já internalizados, tornando-se capaz de aplicá- -los a novas e diferentes situações. Esta é a fase em que começamos a brincar de “esconde-esconde” com o bebê, e ele ativamente retira o obstáculo interposto entre ele e objeto escondido. Estágio V do período sensório-motor (12 a 18 meses): marcado pelas rea- ções circulares terciárias. Seguindo a lógica piagetiana, primário refere-se ao corpo e secundário ao mundo externo, terciário remete à experimentação ativa dos eventos em que vivencia. Coincide com o momento em que a criança passa a explorar ativamente o meio, buscando novas experiências (GOUVEIA, 2011). Um bom exemplo da ação nesta fase é a criança utilizar um banco para alcan- çar um objeto que está em uma prateleira alta, além de explorar um brinquedo de diferentes formas, com o objetivo de experienciar sua ação e a mudança de resultados sobre o objeto. Estágio VI do período sensório-motor (18 a 24 meses): esse subestágio é marcado pelo processo de elaboração mental. Isso quer dizer que a criança começa a antecipar mentalmente a ação antes da execução. A representação de objeto começa a ser estabelecida em razão da permanência de objeto. Dois A Epistemologia Genética de Jean Piaget Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 71 comportamentos caracterizam esse período: a imitação tardia, a ação de imitar algo sem a presença do objeto e os primórdios dos jogos simbólicos (GOUVEIA, 2011). A capacidade de representar denota que acomodação passou a ser mais preponderante que a assimilação no processo de adaptação ao meio. De forma sucinta, esse é o primeiro período do processo de desenvolvimento da inteligência humana segundo as postulações de Jean Piaget. Destacamos que no final dessa fase já se faz presente o conceito de permanência do objeto. Período Pré-Operatório (2 a 7 anos): neste período, a criança substitui o objeto por uma representação (substituição – função simbólica). A conservação do objeto e o estabelecimento da capacidade de representar permite a criança se descolar da ação direta sobre o objeto e pensar as ações antes de sua execu- ção. Podemos dizer, amparados em Cunha (2015), que a grande característica desse período é justamente a transformação dos esquemas de ação em esque- mas representativos. Fontana e Cruz (1997) pontuam que o desenvolvimento da representação possibilita a aquisição da linguagem, uma vez que a criança torna- -se progressivamente capaz de construir símbolos, internalizando o significado social das palavras existentes em seu contexto social. No que tange ao desenvolvimento da inteligência, de acordo com Gouveia (2011), o período pré-operatório assim é nomeado pois o raciocínio não segue a lógica formal, sendo organizado por analogias imediatas, respaldadas por associações que se dão por semelhanças perceptuais ou por conveniência, obje- tivando a satisfação individual. Um exemplo disso é a criança afirmar que o sol não está mais no céu durante a noite, pois foi dormir. A partir dos 4 anos, podemos interrogar as crianças com o objetivo de ava- liar a forma de pensamento das mesmas. Tanto que Piaget elaborou um protocolo de provas de conservação com este objetivo. O autor verificou que o pensamento das crianças nesse período é caracterizado pela irreversibilidade da ação, centra- lização e o egocentrismo. No pensamento intuitivo, a criança permanece fixada a sua percepção, e não consegue raciocinar levando em consideração os vários aspectos que envolvem alguma atividade. Na prova de conservação de massa, por exemplo, ao ser solicitado que a criança pegue dois bastões de massa de modelar e transforme um em bola e outro em cobra, ela o faz tranquilamente. No entanto, quando questionada se TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E DA APRENDIZAGEMReprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E72 ambas teriam a mesma quantidade de massa, ela responde prontamente que a cobra tem mais, pois ocupa um maior espaço sobre a superfície. Ao retornar as duas massas ao seu formato original, se o pesquisador refaz a pergunta sobre a quantidade, a criança responde sem perceber sua incoerência que, por estarem as duas no mesmo formato, também possuem a mesma quantidade de massa. Notamos neste exemplo que a criança fica detida na observação imediata, ou seja, na percepção, por isso entende-se que seu pensamento é centralizado. A dificuldade de compreender que a ação empreendida permite ser revertida voltando ao estágio inicial, denomina-se de irreversibilidade. Quanto ao ego- centrismo, configura-se pela dificuldade de articular pontos de vista e de pensar relações existentes para além de seu contato direto. Período de Operações Concretas (7 a 11 anos): é nessa fase que são estabelecidas as bases para o pensamento lógico, próprio do período final do desenvolvimento cognitivo, em que a linguagem torna-se totalmente socializada e a criança é capaz de coordenar diferentes pontos de vista. Isso acontece pois o pensamento da criança passa a ser mais maleável, permitindo coordenar esquemas de ação que até o momento eram apenas representados. Segundo Cunha (2015, p. 71): Com base nas aquisições sensoriais e motoras do primeiro período, a criança consegue percorrer um trajeto dentro da sua casa. Mais tarde, descreve o trajeto percorrido, dada a capacidade de formar a imagem mental de suas ações, capacidade adquirida no segundo período. Ago- ra, já consegue elaborar mentalmente o trajeto inverso, do ponto final ao ponto de início. A capacidade de inversão da ação é importantíssima para o desenvolvimento cog- nitivo. A criança precisa descentralizar seu pensamento, não se prender a detalhes do objeto e sim pensar a situação como um todo para conseguir elaborar racio- cínios lógicos. Em decorrência dessa aquisição, a criança passa a estabelecer a noção de conservação de massa, volume, peso etc. (FONTANA; CRUZ, 1997). No exemplo dado no período anterior, a respeito da conservação de massa, diferentemente da criança pré-operatória, a que está no estágio operatório con- creto conseguiria responder tranquilamente que a alteração da massa de modelar era somente na sua forma, e não na quantidade de massa. Isso ocorre pela noção da reversibilidade da ação, ou seja, “[...] a capacidade de levar em consideração uma série de operações que, revertidas, conduzem ao estado inicial” (FONTANA; A Epistemologia Genética de Jean Piaget Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 73 CRUZ, 1997, p. 51). Representa, também, que a criança não está mais presa a sua percepção direta do fenômeno, mas que consegue pensar mais de uma operação envolvida, por isso destaca-se a descentralização na forma de pensar. Entretanto, nesse estágio, o pensamento encontra-se atrelado a bases con- cretas, em outras palavras, a experiências empíricas. Não há necessidade de estar presente as variáveis envolvidas no processo de raciocínio, mas em algum momento deve ter passado pela experiência concreta. Cunha (2015) destaca essa característica em razão do processo de escolarização da criança. O autor pontua que crianças nesta faixa etária não tem condições intelectuais de elabo- rar raciocínios somente baseadas em formulações puramente verbais. A criança poderá até ser capaz de reproduzir, mas não de assimilar e acomodar enquanto conhecimento. Período de Operações Formais (12 a 16 anos): estágio também conhe- cido como operações proposicionais, visto que o raciocínio torna-se hipotético dedutivo, ou seja, se descola totalmente da base concreta para se articular e bus- car soluções adaptativas. Nas palavras de Gouveia (2011, p. 135) “[...] com base em simples pressuposições sem relação necessária com a realidade ou com as crenças do indivíduo, confiando na inevitabilidade do próprio raciocínio, em oposição ao acordo das conclusões com a experiências”. O pensamento “liberta-se” da experiência direta e a estruturas cognitivas do sujeito adquirem maturidade, e o equipamento estrutural cognitivo do adoles- cente está pronto para pensar “tão bem quanto” o adulto, mas não garante que Com o objetivo de exemplificar o conceito de irreversibilidade de pensa- mento, característico do período pré-operatório, Cunha (2015, p. 71) propõe a seguinte analogia, partindo da prova de conservação de líquidos: [...] dizemos que seu pensamento funciona como uma máqui- na fotográfica que registra duas situações distintas - a água no tubo fino e alto e a água na vasilha baixa e larga -, e não como uma filmadora, que permite reversão das cenas gravadas. Fonte: Cunha (2015). TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E DA APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E74 o pensamento seja “tão bom quanto” ao do adulto, pois isso implica níveis de experiência e vivências diferentes. Adultos e adolescentes que raciocinam com as operações formais empregam os mesmos processos lógicos. Já é possível ao indi- víduo atingir um nível de abstração total, pensando logicamente, conseguindo levantar hipóteses e buscando soluções para problemas matemáticos sem preci- sar partir do concreto, compreendendo metáforas e insinuações (CUNHA, 2015). Podemos afirmar que ocorrerão mudanças ao longo da vida apenas de maneira qualitativa, e não mais quantitativa. É o último período segundo a teoria de Piaget. A teoria piagetiana teve relativo impacto sobre a área educacional, e também sobre a teoria psicológica. Embora não tenha desenvolvido uma teoria educa- cional, suas ideias foram apropriadas por autores que se debruçam sobre tais questões. Um nome de referência na atualidade seria Emília Ferreiro, uma das mais expressivas estudiosas sobre o referencial piagetiano e o processo de desen- volvimento humano aplicados à alfabetização. Além do mais, sua teoria do desenvolvimento, sistematizada em períodos, facilita a organização de um processo interventivo com a criança ou o adoles- cente. Quanto à esfera educacional, para essa linha de trabalho, o professor é um facilitador do processo de ensino-aprendizagem da criança. Ele está a todo o tempo buscando alternativas para ensinar, mas dentro do período evolutivo da criança, haja vista que o processo de desenvolvimento é maturacional. Esse foi um pequeno passo estudado sobre a teoria piagetiana. Se você se identificou com os pressupostos piagetianos, dedique-se lendo as obras sugeri- das no material complementar. A Teoria Psicogenética de Henri Wallon Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 75 A TEORIA PSICOGENÉTICA DE HENRI WALLON Henri Paul Hyacinthe Wallon (1879 - 1962), de origem burguesa, nasceu e viveu toda a sua vida na França. Graduou-se em Filosofi a (1902) e atuou como pro- fessor do nível secundário. Em 1908, concluiu o curso de medicina e psicologia, além de dedicar-se a Letras (MORAES; ONCALLA, 2011). De formação ampla, tornou-se médico psiquiatra, pesqui- sador e professor em um momento histórico intenso. Participou das duas Grandes Guerras Mundiais. Na primeira (1914-1918), exerceu a medicina no campo de batalha, prestando atendimento de sol- dados feridos. Esta experiência como médico no fronte de batalha despertou em Wallon o interesse de pesquisar as possíveis implicações das lesões orgânicas nos processos psíquicos. Seus estudos nessa área contribuíram de maneira especial para a compreensão da aprendizagem de crianças com defi - ciência intelectual (ALMEIDA; MAHONEY, 2011). Da Segunda Guerra (1939-1945), Wallon, ao empenhar-se na luta contra os horrores do nazismo,fortaleceu ainda mais seus valores morais, como solidariedade, justiça social e antirracismo. Dedicou-se à psicologia do desenvolvimento e a educa- ção, por entender que a escola tinha a responsabilidade de tomar para si o papel de implementar tais valores, assumindo seu lugar na construção de um mundo melhor e de uma sociedade justa e democrática (ALMEIDA; MAHONEY, 2011). A psicologia, por sua vez, veio da curiosidade acerca dos motivos que desen- cadeiam os comportamentos das pessoas ao seu redor, ou seja, que mobilizam o sujeito à ação. Tal curiosidade, conforme Almeida e Mahoney (2011, p. 102), levaram o autor a questionar as teorias vigentes, fazendo-o propor uma Psicologia que “[...] estudasse o indivíduo em sua totalidade, ou seja, em sua complexidade, suas particularidades, seus comportamentos em relação aos diferentes meios, para apreender as origens e as transformações constantes do seu psiquismo [...]”. Figura 6 - Henri Wallon Fonte: Wikimedia ([2017], on-line)2. TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E DA APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E76 Moraes e Oncalla (2011) destacam que as divergências teóricas caminha- ram na busca de compreender o ser humano de modo mais complexo, porém sem abandonar a base biológica. Neste sentido, estudou profundamente Piaget, mas entendeu que em sua análise deveria ser proposta uma psicogênese da pes- soa e não somente da inteligência, como seu contemporâneo havia postulado. As autoras ainda evidenciam que, apesar de Wallon propor uma interlocução com a teoria psicanalítica, ele não abriu mão da neurologia, tal como Freud. De acordo com Galvão (2000), isso se deve à experiência de Wallon com crianças que apresentavam distúrbios de comportamento. Por meio de seus estudos, Wallon empreendeu esforços para clarificar os processos evolutivos das funções psicológicas dos indivíduos, atribuindo grande importância à relação estreita estabelecida entre a emoção e o cará- ter, entendendo que a organização postural e a organização emotiva-afetiva se constituíam como os primeiros alicerces da organização psicológica da criança (MOARES; ONCALLA, 2011). Ainda segundo as autoras, Wallon deu considerável destaque à observação da criança concreta, na realização de suas atividades em seu contexto habitual, justamente por considerar a influência das relações com o meio. Por essa razão, seu método de estudo foi o genético comparativo multidimensional, que con- siste em “[...] analisar e comparar a criança ao adulto, às outras faixas etárias, ao animal, ao primitivo, a partir das condições patológicas dos seus pacientes” (MORAES; ONCALLA, 2011, p. 205). A concepção psicogenética vem justamente dessa perspectiva interacionista de sua leitura do desenvolvimento, que considera tanto a base orgânica quanto a influência do meio. A teoria walloniana, à luz de Almeida e Mahoney (2011), pressupõe a unidade organismo-meio, da qual resulta a integração do que Wallon nomeou como conjuntos funcionais: motor, afetivo, cognitivo e pessoa. A arti- culação entre esses conjuntos funcionais forma o psiquismo humano. Segundo a teoria walloniana, os seres humanos são entendidos como sujei- tos em constantes transformações, sendo estas moldadas pelas trocas constantes entre os fatores genéticos e condições sociais. As autoras destacam que tais ele- mentos determinam a direção do processo de desenvolvimento, que finaliza na transformação da criança no adulto da cultura. A mudança é a condição do A Teoria Psicogenética de Henri Wallon Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 77 próprio ser, evidenciando as transformações qualitativas e quantitativas que leva- ram Wallon a postular os estágios que compõem sua teoria do desenvolvimento (ALMEIDA; MAHONEY, 2011). Se pensarmos pela lógica walloniana, entendemos que o meio social regula a existência individual, a estrutura familiar, as relações com outros indivíduos e grupos, de acordo com a idade, sexo etc. Percebemos, desse modo, que a lingua- gem do meio modela os pensamentos, e os instrumentos culturais dão as formas de nossos movimentos. Sendo assim, podemos afirmar o fato da criança se desen- volver de maneira integrada, pois seus conjuntos funcionais se organizarão de uma forma específica, dando base para a sua individualidade. Nas palavras de Almeida e Mahoney (2011, p. 103): A criança desenvolve sua consciência, sua vida psíquica que se expres- sa, organiza-se em conjuntos funcionais que se integram, cada um com sua identidade específica. Qualquer estimulação em um deles se reflete sobre os outros: um estímulo cognitivo se reflete sempre sobre o motor e o afetivo e vice-versa. As autoras destacam que os conjuntos funcionam de maneira integrada, entre- tanto, com características diferentes em função dos estágios e circunstâncias do meio, e é justamente isso que torna a pessoa individual e única. Tendo em vista que os fatores básicos para o desenvolvimento são orgânicos, ou seja, elementos dados pelas condições neurológicas e sociais - condições efetivas para concreti- zar ou não as possibilidades genéticas -, os estágios propostos pelo teórico são os seguintes: 1) impulsivo-emocional (0-1 ano); 2) Sensório-motor e projetivo (1-3 anos); 3) Personalismo (3-6 anos); 4) Categorial (6-11 anos) e 5) Puberdade e adolescência (11 anos em diante) (ALMEIDA; MAHONEY, 2011). Moraes e Oncalla (2011) pontuam que, apesar de cada estágio depender de fatores orgânicos e sociais, que levariam ao desenvolvimento da criança em um adulto inscrito na cultura, a teoria walloniana defende que em cada estágio desse existe uma pessoa completa. O que acontecerá no decorrer do desenvolvimento é a alternância de preponderância entre a afetividade e o conhecimento, de tal forma que em uma fase o sujeito está mais voltado para o conhecimento de si mesmo (afetividade) e em outras para o conhecimento do mundo exterior (conhecimento). TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E DA APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E78 Descreveremos os estágios propostos por Wallon de forma sucinta, ampa- rados nos trabalhos de Galvão (2000), Almeida e Mahoney (2011) e Moraes e Oncalla (2011). Estágio impulsivo-emocional (0 a 1 ano): há o predomínio de atividades que objetivam à exploração do próprio corpo, sendo uma ati- vidade global pouco estruturada, logo com movimentos bruscos de enrijecimento e relaxamento da tensão muscular res- pondendo às sensibilidades corporais. Os movimentos selecionados são os que garantem a aproximação do outro cuidador, que lhe proverá o bem-estar necessário. Nesta fase, a afetividade está prepon- derante, pois é esta que orienta as primeiras reações do bebê em relação às pessoas. Estágio sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos): o controle motor é refinado e a criança adquire a marcha e a preensão palmar, possibilitando maior autono- mia na exploração de objetos e de espaços. Assim, podemos dizer que o objetivo central do estágio é o interesse na exploração sensório-motora do mundo físico. A função simbólica se estabelece concomitantemente à linguagem, permitindo que a criança possa distinguir entre objetos e pessoas, bem como representá-los quando ausentes. O termo projetivo que compõe o nome do estágio remete-se ao fato de que a criança ainda depende do auxílio de gestos para exteriorizar o ato mental que se projeta em atos motores (ação concreta no meio/motricidade). Estágio do personalismo (3 a 6 anos): como o nome sugere, nesta etapa do desenvolvimento a tarefa central é a formação da personalidade. Atividades de opo- sição ao outro, de sedução e de imitação são os norteadores das três etapas que a criança vivencia durante o percurso de formação de si. A primeira fase (3-4 anos) é a de oposição, marcadapela expressão do não como elemento de expulsão do outro; os pronomes mim e eu substituem a terceira pessoa; a necessidade de se reco- nhecer como pessoa e diferenciar-se do outro é tão intensa que a criança se torna provocativa. A segunda (4-5 anos) já é conhecida pela idade da graça, pois a criança A Teoria Psicogenética de Henri Wallon Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 79 assimila o outro na relação social por meio da sedução, devido à necessidade de autoafirmação, buscando no olhar do adulto a aprovação, mostrando tudo que já aprendeu a fazer (dançar, cantar, suas habilidades no geral). Por fim, a criança passa à imitação, ou seja, da apropriação dos comportamentos sociais com que se identifica (5-6 anos). Para tomar consci- ência de si, precisa estar em contato com o outro, de tal modo que esta fase é mar- cada pelo retorno da predominância das relações afetivas. Estágio Categorial (6 a 12 anos): tendo desenvolvido a função simbólica e a diferenciação da personalidade, a criança apresenta um grande salto no campo do conhecimento. Seus progressos intelectuais permitem realizar atividades como agrupamento, seriação, classifica- ção e categorização em vários níveis de abstração. Desse modo, a criança passa a conseguir definir e depois explicar os fenômenos que a cerca, atividades essenciais do conhecimento. A apropriação mais estruturada do mundo físico desenca- deia alterações nos padrões de relacionamento, pois pode provocar a rivalidade e preconceitos na convivência com objetivos e pessoas diferentes, mas pode ser um bom momento para se trabalhar habilidades de solidariedade e cooperação mútua. Este é o período favorável à escolarização, pois a maturação dos centros nervosos de discriminação e inibição propiciam o estabelecimento de maior con- centração e permanência nas atividades realizadas pela criança. Estágio da Puberdade e Adolescência (11 anos em diante): as mudanças orgânicas, marcadas especialmente pelas mudanças corporais passam a requisitar do sujeito a necessidade de explorar a si novamente como no estágio do perso- nalismo. No entanto, neste momento, há maior autonomia e discernimento, que propiciam atividades de confronto, autoafirmação e questionamentos que esta- belecerão seu perfil moral e sua definição clara de valores, norteadores de suas escolhas futuras, ou seja, a puberdade é a passagem do mundo infantil para o TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E DA APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E80 mundo adulto. O grupo passa a ter uma importância diferenciada, pois para for- talecer seu sentido de personalidade, o jovem se ampara em um grupo unido e formado por gostos e ideias compartilhadas. A alternância entre os polos afetivo e cognitivo pontuados nos estágios não que- rem sugerir que são estanques. Galvão (2000) faz questão de evidenciar que a perspectiva walloniana de desenvolvimento pensa o sujeito de uma forma rela- cional. Os fatores orgânicos estabelecem a sequência fixa que se observa entre os estágios do desenvolvimento, mas não garantem de forma alguma a homo- geneidade, tanto em idade quanto tempo de duração, uma vez que a influência do meio é igualmente relevante para a estruturação do processo. A cultura e a linguagem instrumentalizam o pensamento, favorecendo a sua evolução, e esse processo não é linear nem tranquilo: Segundo a perspectiva walloniana o desenvolvimento infantil é um processo pontuado por conflitos. Conflitos de origem exógena, quando resultantes dos desencontros entre as ações da criança e o ambiente exterior, estruturado pelos adultos e pela cultura. De natureza endó- gena, quando gerados pelos efeitos da maturação nervosa. Até que se integrem aos centros responsáveis por seu controle, as funções recentes ficam sujeitas a aparecimentos intermitentes e entregues a exercícios de si mesmas, em atividades desajustadas das circunstâncias exteriores. Isso desorganiza, conturba, as formas de conduta que já tinham atin- gido certa estabilidade na relação com o meio (GALVÃO, 2000, p. 42). A Teoria Psicogenética de Henri Wallon Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 81 Por tal motivo, Galvão (2000) destaca que a duração dos estágios e as idades são apenas referências, pois o desenvolvimento em si depende de característi- cas individuais e das condições de existência. Podemos, amparados em Almeida e Mahoney (2011), pontuar que os estágios possuem uma sequência temporal, haja vista que a atividade anterior prepara para o surgimento da seguinte, evi- denciando também que a maneira pela qual a criança reage está relacionada aos recursos que dispõe no momento vivido. Sendo assim, mais que a idade em si, é preciso identificar os interesses e as atividades características de cada período, decorrentes das transformações sociais que cada momento histórico presencia. A contribuição de Wallon para o meio acadêmico ainda não foi devidamente reconhecida, de acordo com os autores supracitados. No entanto, o destaque dado ao papel da afetividade no desenvolvimento intelectual marca a sua parti- cipação nesse cenário. Todavia, para além do reconhecimento, cabe ressaltar que Wallon atribui grande importância à Escola como instituição, por ter a função de: possibilitar que a criança e o adolescente conheçam o acervo cultural já produzido pela humanidade, dando-lhes instrumentos para compre- ender os diferentes meios e para agir sobre eles, transformando-os e transformando-se (ALMEIDA; MAHONEY, 2011, p. 116). Desse modo, percebemos que o meio social não é só uma condição para a sobre- vivência, mas sim uma condição sine qua non para o desenvolvimento mental. Nesta perspectiva, constatamos que a escola pode tanto contribuir para o desen- volvimento e diferenciação individual dos sujeitos ou inibir tal processo. Então, se a Escola não ofertar os recurso necessários condizentes com cada estágio do desenvolvimento, permitindo que exercitem as ações que sua evolução funcio- nal já permite, estará vetando o desenvolvimento da criança. TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E DA APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E82 A PSICANÁLISE DE SIGMUND FREUD Sigmund Freud nasceu em 1856 na cidade de Freiberg, Morávia, hoje uma região da República Tcheca. Viveu grande parte de sua vida em Viena, na Áustria, até ser perseguido pelo regime Nazista, quando exilou-se em Londres, falecendo em 1939. De origem judia, a educação tinha grande valor para Freud (CUNHA, 2015). Cursou medicina e especializou-se em neurologia e psiquia- tria, após começar a trabalhar como residente no Hospital Geral de Viena (KUPFER, 1995). Foi nesse período que Freud passou a se inte- ressar por pacientes que apresentavam sintomas sem explicação orgânica. Intrigado por estes casos, passou a dedicar-se aos estudos dos desequilíbrios psicológicos. Este caminho levou-o a postular uma das teo- rias de maior destaque do século passado, a Psicanálise (KUPFER, 1995). De acordo com seu fundador, a psicanálise poderia ser pensada sob 3 pers- pectivas: 1) um procedimento de investigação dos processos mentais que não temos acesso senão pela interpretação; 2) um método para tratamento dos dis- túrbios neuróticos e 3) uma disciplina científica (FREUD, 1923a [1922]). Barone (2011) ressalta que, mesmo não havendo uma teoria de aprendiza- gem proposta formalmente por Freud, em vários textos de sua obra podemos notar as referências feitas sobre o papel da cognição no desenvolvimento humano, como recurso para superar nossa condição de fragilidade frente às dificuldades de sobrevivência no mundo. Já parou para pensar como somos dependentes de outro ser humano?Se compararmos as condições físicas do bebê humano ao nascimento com outras espécies animais, vamos perceber que somos o filhote que mais demora para conseguir por si só garantir a sua sobrevivência. Por essa razão, Freud (1938/1981) é tão enfático ao afirmar que os homens só se tornam humanos pela mediação do outro humano. A espécie humana precisa A Psicanálise de Sigmund Freud Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 83 que uma outra pessoa haja como suporte físico e simbólico devido à extrema dependência física e mental que apresenta ao nascer. Esta condição vai sendo superada por meio do amadurecimento biológico, mas principalmente pela apropriação cognitiva e emocional dos elementos simbólicos que organizam o mundo dos homens, a cultura. Ou seja, só nos constituímos enquanto sujeitos e aprendemos na RELAÇÃO com um OUTRO humano. Diferentemente das outras abordagens teóricas, a Psicanálise não se propõe a pensar ou estabelecer um método de intervenção pedagógico, mas sim uma perspectiva ética sobre o sujeito. Compreender seu funcionamento, o processo de formação da personalidade e o papel do afeto na aprendizagem, segundo Cunha (2015) e Kupfer (1995), permite ao professor lidar melhor com seus sen- timentos e conhecer seu aluno de modo a auxiliá-lo de forma mais eficiente no processo de aprendizagem. Para tanto, é necessário conhecermos alguns ele- mentos da teoria freudiana. Pontuaremos de forma breve os seguintes aspectos: constituição do aparelho psíquico, as fases do desenvolvimento psicossexual e a aprendizagem sob o olhar psicanalítico. CONSTITUIÇÃO DO APARELHO PSÍQUICO A grandeza da teoria freudiana está em deslocar o homem moderno, que depo- sita na racionalidade toda a sua potencialidade e certeza sobre a compreensão do mundo, para a condição de ser influenciado ou mesmo determinado por forças que não tem domínio e nem conhecimento direto. Em seu contato com pacientes em sofrimento psíquico, Freud percebeu que, muitas vezes, durante as entrevis- tas, eles tinham alguns lapsos de linguagem ou esquecimentos sem justificativa aparente, por exemplo: quando ao cumprimentarmos alguém dizendo tchau ao invés de oi, estamos expressando o desejo de irmos embora ou mesmo de não querer estar ali naquele momento. No entanto, para Freud, esse desejo pode não ser consciente nem ao próprio sujeito. O autor também afirmou que os sonhos e lembranças denotavam conteúdos que o paciente não conseguia acessar dire- tamente, mas sofriam influências destes nas suas ações cotidianas. TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E DA APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E84 Para compreendermos como poderíamos ser influenciados por forças não conscientes, precisamos entender como Freud concebeu a organização do apa- relho psíquico. Apresentaremos de maneira breve as instâncias psíquicas Id, Ego e Superego e a dinâmica de seu funcionamento (FREUD, 1938/1981). A primeira instância constituinte do aparelho psíquico é nomeada por Freud como Id. Segundo o autor (1938/1981), nesta instância estão armazenadas nos- sas pulsões sexuais e agressivas, que agem como força que mobiliza a ação dos indivíduos, lembrando que estas são determinadas biologicamente e pressionam para a satisfação dos desejos e necessidades dos indivíduos, desconsiderando toda e qualquer norma social estabelecida. Compõe, também, os conteúdos do Id todo e qualquer desejo que foi reprimido em razão das demandas sociais, além das situações traumáticas que o sujeito não suportou lidar, bem como a sexualidade infantil. As pulsões sexuais e agressivas funcionam como uma força que pressiona para sua satisfação de forma intensa e insistente. O aparelho psíquico regido pelo princípio da satisfação/prazer não suporta manejar nenhum acúmulo de pres- são, pois sente como desprazer esse acúmulo de tensão e procura uma forma de satisfazer sua necessidade ou desejo imediatamente. Pensemos no bebê para cla- rificar estas afirmações: ao observarmos um recém nascido, vemos que frente a quaisquer alterações orgânicas ele chora e só para quando tem sua necessidade satisfeita. Esse é o modelo do funcionamento do Id (FREUD, 1938/1981). No entanto, não é possível que o bebê seja atendido sempre que demanda de um adulto a satisfação de suas necessidades. Sendo assim, uma nova instância psíquica se desenvolveria a partir do contato com o mundo externo. Via per- cepção, o indivíduo tem acesso a uma série de informações que gradualmente vão organizando e melhorando sua forma de lidar com o mundo social, ou seja, pela aprendizagem o sujeito passa a reconhecer melhor os objetos capazes de proporcionar a satisfação de suas necessidades e desejos. Estamos falando do EGO, instância desenvolvida a partir da aprendizagem, que organiza a memória, controla a ação motora e administra da melhor forma que pode a energia libidi- nal disponível pelo Id. Assim, seu papel é de frente às pressões de satisfação do A Psicanálise de Sigmund Freud Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 85 Id, avaliando os objetos do mundo externo e verificando quais os meios mais adequados para satisfazer as demandas sem colocar em risco o organismo, acio- nando assim a memória e a motilidade motora. Freud (1923/2007) pontua que o Ego seria a sede da razão e o Id a das paixões. Mas o que isso quer dizer, afinal? O Id não avalia se, para satisfazer as pulsões, o sujeito se colocaria em risco, quem faz isso é o Ego. Para tanto, o ego se vale da função de mediador, amparado em alguns recursos que levaram o autor a afirmar que o pouco que temos para controlar nossos impulsos é a inteligência. O ego é responsável pelo registro da memória, funcionamento da atenção, estabeleci- mento da concentração e pelo pensamento consciente. Todo o aparato cognitivo são as funções do ego que permitem ao sujeito barrar o livre curso da pressão pulsional e direcioná-la para fins adequados, ou seja, é a ação de pensar que per- mite o sujeito realizar todos os desejos pulsionais sem pôr em risco o sujeito. Uma terceira instância foi postulada por Freud ao analisar a dinâmica da per- sonalidade dos adultos durante o processo psicanalítico. Estava claro para Freud que viver sob os desígnios do Id era inviável a saúde física e mental dos indiví- duos, e por isso o ego se desenvolve. No entanto, havia em seus pacientes um sentimento de culpa inconsciente, ou seja, sem explicação aparente, intrigando-o sobre a sua origem, ao passo que percebia a repressão de alguns desejos passíveis de serem realizados. Foi neste contexto que Freud teorizou sobre o Superego. Esta instância psíquica é uma parte que se diferenciou do Ego em razão dos pro- cessos de identificação estabelecidos com pessoas importantes para o sujeito. O contato com outros sujeitos permitiram a internalização dos valores, das tradi- ções e da cultura que regem os comportamentos sociais (FREUD, 1938/1981). As primeiras e mais significativas identificações são realizadas na primeira infân- cia com as figuras parentais. Entretanto, ao longo da vida do sujeito, o superego vai incorporando figuras significativas como professores, exemplos sociais etc. O superego funciona como um norteador das ações do Ego, pois não basta conter as pulsões desenfreadas do Id buscando satisfação no mundo externo. Esta satisfação precisa ser reconhecida socialmente como válida, pois caso não seja o ego será assolado por sentimentos de culpa e angústia. TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E DA APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E86 FREUD E O DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL As fases do desenvolvimento psicossexual são sem dúvida o legado freudianoque mais se destaca no âmbito escolar. Estes conceitos foram tidos como a maior con- tribuição de Freud para a educação, de acordo com Kupfer (1995), pois auxiliaria os docentes a entender as etapas evolutivas do desenvolvimento da personali- dade dos indivíduos. De fato, saber como a personalidade se forma é uma das contribuições importan- tes desta teoria, mas não é a única. Para esclarecermos essa afirmação, apresentaremos de forma sucinta a concepção Freudiana de desenvolvimento psicossexual. Para Freud (1938/1981), o desenvolvimento da personalidade dos sujeitos testemunham a história do seu investimento libidinal. Segundo o autor, todo o aparelho psíquico funciona baseado em como é investida a libido - energia arma- zenada do Id. Severamente criticado por afirmar que desde a primeira infância os indivíduos experienciavam uma determinada sexualidade, o autor mante- ve-se firme em seu caminho para justificar as causas das patologias psíquicas. Sexualidade, para Freud (1938/1981), corresponde à experiência de satisfação e deve ser diferenciada do senso comum. Satisfação para Freud é mais amplo do que a cópula genital. Satisfação envolve a descarga da pressão libidinal, que em cada etapa do desenvolvimento terá um suporte específico localizado no corpo - zonas erógenas. Segundo o autor, os indivíduos possuem a capacidade de extrair prazeres parciais de atividades diversas envolvendo o olhar, o sentir, o paladar, o ouvir, excretar, a excitação genital e a realização de processos cognitivos. Essas satisfações parciais são organizadas em cada etapa do desenvolvimento psicos- sexual, vinculando-se a uma zona erógena. As patologias psíquicas e os traços de caráter se estabelecem a partir das experiências individuais vividas em cada uma destas etapas, quais sejam: oral, anal, fálica, genital e período de latência. Na sequência, apresentaremos cada uma dessas fases e o período de latência. Fase oral (0 a 2 ano): a experiência de satisfação da fome, por meio da mamada, transforma os lábios e a cavidade oral na região do corpo a ser inves- tida pela energia libidinal. Podemos dizer, amparadas em Freud (1938/1981), que o mundo é internalizado e entendido através da experiência oral, por essa razão a criança nesta idade leva tudo à boca, morde, suga etc. A Psicanálise de Sigmund Freud Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 87 Fase Anal (2 a 4 anos): o amadurecimento orgânico e as novas exigências culturais conduzem a criança a direcionar sua atenção para os esfíncteres. Por volta dos 2 anos de idade, a criança já domina bem a marcha e começa a falar com mais desenvoltura. Nesse momento, os pais e cuidadores passam a incentivar o desfralde, despertando a curiosidade da criança para seus esfíncteres, inaugu- rando assim a região anal como uma zona erógena. A criança passa a se interessar pelas fezes e percebe que é capaz de controlar o que sai de seu corpo, além do domínio que sua função excre- tória exerce sobre os adultos (FREUD, 1938/1981). As birras, enfrentamentos e as negações são presentes nesta fase, bem como a necessidade de brincar com coi- sas sujas ou substitutos das fezes - argila ou massa de modelar. Fase Fálica (de 4 a 6 anos): A grande marca desse período é o interesse pela diferença anatô- mica dos sexos e a repercussão desta na vida psíquica da criança. Por volta dos 4 anos, a criança começa a perceber que meninos e meninas são diferentes anato- micamente. A fase leva esse nome, pois a constatação de que meninos tem pênis e meninas não, aciona nas crianças uma angústia diferenciada, a angústia de cas- tração. Freud (1938/1981) preconizou que nesta fase a criança encenaria um jogo de relações por ele nomeado Complexo de Édipo, que permite à criança construir sua identidade masculina ou feminina. De forma sucinta, esta estrutura relacio- nal permite que o menino rivalize com o pai pelo desejo da mãe e a menina com a mãe pelo desejo do pai. Frases como ‘’vou casar com o papai ou com a mamãe’’ tornam-se comum neste momento evolutivo, bem como uma hostilidade direta direcionada ao genitor de mesmo sexo. A criança precisa articular o seu desejo com a realidade posta pela sociedade: não cometerás o incesto. Precisando articular Figura 8 - O mundo é experienciado pela boca TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E DA APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E88 seu desejo com a barreira social posta, a criança então desloca seu desejo de ter o pai ou a mãe para ser como o pai ou como a mãe, ou seja, estabelecer uma iden- tidade/papel sexual. O superego se constitui nesta etapa do desenvolvimento a partir da identificação com as figuras parentais e a aceitação das normas sociais. Período de Latência (6 a 11 anos): esta etapa é nomeada como período de latência pois não há investimento libidinal direcionado para o corpo. Na latência, a criança, pela ação da repressão dos desejos sexuais infantis, passa por um processo de dessexualização da libido. Assim, todo o prazer advindo das atividades caracterís- ticas das fases libidinais anteriores são substituídos por sentimentos de nojo, vergonha, pudor e ternura, pois estes são sentimentos valori- zados socialmente. A libido, então, é direcionada a produção intelec- tual por meio da sublimação. Por essa razão, o período em que a criança está mais disponível para a aprendizagem escolar seria a par- tir de seis anos (KUPFER, 1995). Fase Genital (a partir de 11 anos): é o modelo de organização libidinal adulto. Nesta fase, a energia libidinal que estava direcionada aos relacionamentos sociais desde o período de latência volta a ser investido no próprio corpo, em decorrência da maturação dos órgãos genitais. O adolescente precisa aprender a lidar com uma nova forma de experien- ciar o corpo, que demanda dele formas diferentes de se relacionar socialmente. Para Freud (1938/1981), há uma atualização da conflitiva edípica, permitindo a solução de possíveis questões remanescente da fase fálica. As novas identifi- cações, agora determinadas pelo círculo social mais amplo, principalmente o grupo de amigos, fortalecem a identidade sexual do sujeito. Cabe ressaltar que estas idades são apenas aproximadas e não exatas. São as experiências individuais, relacionais juntamente com o processo maturacional que desencadearão a passagem de uma etapa a outra. A Psicanálise de Sigmund Freud Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 89 FREUD E A EDUCAÇÃO Como dito, Freud não discorreu diretamente sobre a educação, mas sua teoria pode auxiliar a prática educativa ao possibilitar a compreensão da origem do desejo de aprender e do papel do docente neste processo. Conforme visto, a teoria Freudiana entende que o psiquismo e todas suas funções são desencadeadas pela libido, ou seja, a energia sexual. Por essa razão, foi necessário apresentarmos as etapas do desenvolvimento psicossexual, pois em cada etapa conseguimos perceber que as teorias acerca das grandes dúvidas humanas são respondidas de acordo com a fase em que a criança se encontra. O desejo de saber/aprender, à luz da teoria psicanalítica, está vinculado à neces- sidade de responder a duas questões que permeiam todo o imaginário infantil: por que nascemos? Por que morremos? (KUPFER, 1995). Em cada etapa evolutiva, a criança levanta hipóteses baseadas na sua experi- ência libidinal. É comum as crianças na fase anal afirmarem que os bebês nascem pelo ânus assim como as fezes, por exemplo. O grande salto desse processo ocorre na fase fálica, pois, ao reconhecer as diferenças anatômicas, a criança passa a se questionar sobre os papéis sociais. Na vivência do complexo de édipo, ela desco- bre que homens e mulheres pensam, sentem e agem demodos diferentes, e por essa razão o momento de definição da identidade sexual coincide com a famosa fase dos porquês infantis (KUPFER, 1995). O desejo de aprender está ancorado nas pulsões sexuais, que devido ao processo de civilização são reprimidas e precisam encontrar novas formas de satisfação. Todavia, o investimento pulsional na aprendizagem não ocorre sem uma mediação. É na relação com o outro que o sujeito aprende. As primeiras figuras de saber marcantes são os pais, e pelo processo de identificação os profes- sores atualizam essas figuras internas e nelas se amparam, pois a criança passa a revestir os professores com os mesmos sentimentos de saber e poder que inves- tiam nos pais. Claro que todo esse processo é inconsciente, mas o professor que, ciente desse funcionamento, for capaz de compreender as investidas por vezes agressivas de seus alunos, sem tomar como pessoal, ao passo que também conse- guem se disponibilizar internamente para reconhecer a potencialidade do aluno, TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E DA APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E90 respeitando sua curiosidade e singularidade conseguirá instigar seus educandos a serem sujeitos desejantes e pensantes (KUPFER, 1995). Figura 10 - Professor disponível e desejante estimula a aprendizagem dos alunos A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA DE LEV SEMINOVICH VIGOTSKY Lev Seminovich Vigotsky, psicólogo russo, nasceu em 5 de novembro de 1896, em Orsha. Era judeu, na época uma condição difícil para se prosperar nos estudos, mas seus pais lhe proporcionaram um tutor particular como forma de investimento no processo educacional. Vygotsky era um estudioso empenhado em questões relacionadas à psicologia, às artes, à linguística e às ciências sociais (REGO, 2007). Vygotsky formou-se em Direito pela Universidade de Moscou e teve que conviver com a tuberculose por 14 anos. Trabalhou no Instituto de Psicologia de Moscou, demonstrando muita preocupação para com a educação. Morreu aos 37 anos, na Rússia, vítima da tuberculose (REGO, 2007). Muitos de seus escri- tos encontram-se, ainda, sem tradução para o português. A Psicologia Sócio-Histórica de Lev Seminovich Vigotsky Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 91 A partir dos estudos realizados por Vygotsky, podemos constatar que o ser humano está pro- fundamente ligado ao movimento histórico e social que o permeia. Esse autor buscou na teoria de Karl Marx as bases para a formu- lação de suas teses, e isso nos indica uma preocupação para com o ser humano em sua totalidade (REGO, 2007). Ao contextualizarmos o momento his- tórico em que Vygotsky viveu, conseguimos compreender as razões que o levaram a buscar suas bases filosóficas em Marx, além de tornar mais inteligível o próprio nome da sua teoria. O final do século XIX e o início do século XX foram marcadas por intensas transformações políticas e econômicas, culmi- nando com a queda dos Czares na Rússia. Em 1917, este sistema de governo baseado em políticas monarquistas foi substituída pelo modelo socialista (REGO, 2007). Sob os impactos das transformações históricas experienciadas, de acordo com Tuleski (2002), podemos afirmar que Vygotsky foi capaz de captar o zeit- geist de sua época, de tal modo que não podemos dizer que ele se adiantou em termos de análise do desenvolvimento do psiquismo humano, mas que sistema- tizou uma teoria que desse respaldo aos homens, para superarem os problemas que estavam enfrentando na Rússia. Tuleski (2002) pontua que Vygotsky problematizou as duas correntes que sustentavam a psicologia enquanto ciência na sua época. Se por um lado a psi- cologia era vista como ciências naturais, pois explicava a constituição do homem pautada nos processos elementares sensoriais e reflexos, ou seja, homem como corpo biológico, por outro era entendido como mente, consciência e espírito, ou seja, tomava a psicologia como uma ciência da mente. Seus esforços, então, voltaram-se justamente para superar essa dicotomia, propondo uma psicolo- gia geral, fundamentada unicamente em fenômenos humanos, eliminando a Figura 11 - Lev Seminovich Vygotsky (1896-1934) Fonte: Wikimedia ([2017], on-line)3. TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E DA APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E92 separação mente e corpo. Para tanto, apropria-se do método materialista histó- rico-dialético postulado por Marx e Engels. Dessa forma, passou a conceber que a origem de todo comportamento consciente humano era decorrente das rela- ções sociais que os sujeitos estabeleciam. A influência desta corrente filosófica pode ser analisada a partir da fala de Luria, Leontiev e Vygotsky (2006, p. 25): [...] que as origens das formas superiores de comportamento conscien- te deveriam ser achadas nas relações sociais que o indivíduo mantém com o mundo exterior. Mas o homem não é apenas um produto de seu ambiente, é também um agente ativo no processo de criação deste meio [...]. Agora fica claro o motivo pelo qual a formação do psiquismo humano, a par- tir dos pressupostos vygotskyanos, tem o historicismo como grande produtor e norteador desta teoria, assim como de seus contemporâneos, como os soviéti- cos Luria e Leontiev, ambos conhecidos no meio educacional do Brasil (SILVA; POSSIDÔNIO, 2007). Por ser datado historicamente, entendemos que o desenvolvimento do psi- quismo humano está intimamente ligado aos processos sociais, de tal forma que as contradições existentes nos sistemas sociais são encontradas na expressão dos tipos de personalidade e na própria estruturação do psiquismo (MARTINS; CASTANHO; ANGELINI, 2011). Oliveira (2003, apud MARTINS; CASTANHO; ANGELINI, 2011) esclarece essa relação ao dizer que o entendimento do que caracteriza o homem está na compreensão do desenvolvimento da humanidade enquanto espécie. Segundo a autora, foi com o surgimento do trabalho e da criação dos instrumentos que o homem transformou não só a natureza, mas também a si próprio, pois pode desenvolver a memória voluntária, além de estabelecer modelos abstratos de ação, forjando a linguagem e se constituindo como sujeito nas relações sociais. A Psicologia Sócio-Histórica de Lev Seminovich Vigotsky Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 93 As origens das funções psicológicas superiores devem ser buscadas, as- sim, nas relações sociais entre o indivíduo e os outros homens: para Vi- gostki o fundamento do funcionamento psicológico tipicamente humano é social, portanto, histórico. Os elementos mediadores na relação entre o homem e o mundo - instrumentos, signos e todos os elementos do am- biente carregados de significado cultural são fornecidos pelas relações en- tre os homens (OLIVEIRA, 2003, p. 40 apud MARTINS; CASTANHO; ANGELINI, 2011, p. 164). Podemos entender, a partir de Rego (2007), que as funções psíquicas superio- res são o modo de funcionamento tipicamente humano, ou seja, a capacidade de planejamento, memória voluntária, imaginação, atenção sustentada, raciocí- nio dedutivo, pensamento abstrato, controle consciente do comportamento etc. Durante seu percurso acadêmico, você deve ter se deparado com a teoria de Vygotsky sendo nomeada como sócio-histórica ou histórico-cultural, corre- to? Martins, Castanho e Angelini (2011), amparadas dos estudo de Silva e Davis (2004), afirmam que ambas as formas são corretas ao entendermos que seu nome vem das proposições marxistas do seu fundador. Isso porque ambas as nomenclaturas denotam o papel de destaque conferido à histo- ricidade. Lembrando que, para Vigotsky (2000, apud MARTINS; CASTANHO; ANGELINI, 2011, p. 159), a história possui dois significados: 1) abordagem dialética geraldas coisas - neste sentido qual- quer coisa tem sua história […] 2) história no próprio sentido, isto é, a história do homem. A primeira história - materialismo dialético, a segunda - materialismo histórico. As funções supe- riores, diferentemente das inferiores, no seu desenvolvimento, são subordinadas às regularidades históricas. Fonte: Martins, Castanho e Angelini (2011, p. 161-202). TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E DA APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E94 O termo superiores advém da clareza de que esses processos remetem-se a meca- nismos intencionais, ações conscientes e direcionadas que possibilitam aos sujeitos a independência em relação às características do momento e espaço presente. Diferentemente dos processos psicológicos elementares - presentes na criança pequena e nos animais - caracterizados como reações automáticas, ações refl exas e associações simples de origem biológica, as funções superiores se desenvolvem por um longo processo de internalização de formas culturais de comportamen- tos, mediatizados pela relação de trabalho coletivo que permite a apropriação dos signos e instrumentos (REGO, 2007). Fontana e Cruz (1997) trazem exemplos esclarecedores para compreender- mos melhor o que seriam e como se relacionam os conceitos de instrumentos e signos. Um animal, ao sentir fome, está limitado às suas características bioló- gicas e as condições de seu ambiente para conseguir sanar sua necessidade. O homem não depende dessas condições, uma vez que, por meio de seu trabalho, ele pode criar instrumentos e processos que o permitiu desenvolver, por exem- plo a agricultura, o sistema de irrigação, o arado e as máquinas que facilitam a sua ação sobre o meio. O signo, por sua vez, permite ao homem representar, evocar ou tornar presente aquilo que se faz ausente, então, a palavra, o dese- nho e os diferentes símbolos, que permitem ao homem desenvolver as noções de passado-presente-futuro, bem como trabalhá-las de forma independente. Nas palavras de Fontana e Cruz (1997, p. 59), “o instrumento está orientado externamente, ou seja, para a modifi cação do ambiente, o signo é inter- namente orientado, modifi cando o funcionamento psicológico do homem”. Problematizando, enfi m, a questão da aprendi- zagem sob o olhar sócio-cultural, podemos pensar que a escola regida na atuali- dade pelos princípios capitalistas têm difi cultado o acesso e a apropriação do evocar ou tornar presente aquilo que se faz ausente, então, a palavra, o dese- nho e os diferentes símbolos, que permitem ao homem desenvolver as noções de passado-presente-futuro, bem como trabalhá-las de forma independente. Nas palavras de Fontana e Cruz (1997, p. 59), “o instrumento está orientado externamente, ou seja, para a modifi cação do ambiente, o signo é inter- namente orientado, modifi cando o funcionamento psicológico do homem”. Problematizando, enfi m, a questão da aprendi- zagem sob o olhar sócio-cultural, podemos pensar que a escola regida na atuali- dade pelos princípios capitalistas têm difi cultado o acesso e a apropriação do A Psicologia Sócio-Histórica de Lev Seminovich Vigotsky Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 95 conhecimento para todas as classes sociais, visto que o ideal contemporâneo visa à adaptação forçada e totalitária dos indivíduos à realidade posta, naturalizando pro- cessos sociais ao fragmentar a história e lecionar os conteúdos acadêmicos de forma descontextualizada (REGO, 2007). Superar os comportamentos instintivos e primitivos, de modo a forjar por meio das relações sociais as funções psicológicas superiores é papel da educa- ção formal, e esse é o motivo do destaque dado tanto à escola quanto ao papel do professor nesta perspectiva teórica. No entanto, tal intento só será possível ao construirmos uma educação que supere a competitividade intrínseca ao modo de produção capitalista, superando o ideário burguês difundido largamente, que supervaloriza o individualismo e a instantaneidade das relações (TULESKI, 2007). Tais valores são nitidamente observados quando fazemos a leitura do fra- casso escolar das crianças como sendo unicamente de foro íntimo ou de base orgânica, ou ainda na lógica culpabilizante do professor, como aquele que não sabe ensinar: quaisquer problemas individuais, orgânicos, afetivos ou cognitivos es- tudados pela Psicologia devem ser analisados à luz de sua produção social, dito de outra forma, como engendrados a partir das relações so- ciais de produção numa dada sociedade. Exemplificando, compreender o problema de uma criança que não aprende no interior de uma sala de aula significa, antes de tudo, compreender o fenômeno da produção social do fracasso escolar em massa; significa entender como se con- cretiza este fenômeno coletivo no âmbito individual (tanto da criança que não aprende como do professor que não ensina); significa ir além das aparências de alocar o problema somente em um dos pólos, indi- vidualizando-o; significa compreender o mecanismo de produção de fracassados em uma sociedade capitalista cada vez mais excludente e perversa (TULESKY, 2007, p. 7-8). Por essa razão, podemos afirmar, amparadas em todos os autores supracitados, que as dificuldades de aprendizagem, hoje em franco aumento, extrapolam os muros da escola, requisitando uma análise mais ampla de conscientização dos atores envolvidos nestes processos. TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E DA APRENDIZAGEM Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E96 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao iniciarmos esta jornada, afirmamos que, dada a complexidade envolvida nos processos tipicamente humanos, era necessário abordarmos diferentes autores com a finalidade de abarcar o maior campo possível de aspectos concernentes à aprendizagem. Desse modo, conhecer diferentes teorias sobre o desenvolvi- mento humano e aprendizagem é condição sine qua non para compreendermos o que esperar de uma criança, como potencializar seu desenvolvimento e quais os comportamentos e ideias que podem influenciar a aprendizagem dos indivíduos. Piaget trouxe contribuições notadamente reconhecidas no âmbito escolar ao sistematizar os períodos do desenvolvimento cognitivo. Sua teoria permite compreendermos a importância dos aspectos maturacionais envolvidos na apren- dizagem, e também pontua o papel do meio como fator diferencial tanto para o pleno desenvolvimento cognitivo como para o estabelecimento de dificulda- des de aprendizagem. Wallon, por sua vez, evidencia a necessidade de olharmos a criança na sua totalidade. Ao propor os estágios do desenvolvimento, o autor deu destaque à afetividade, no processo de construção de si. Para o autor, pensar a aprendizagem perpassa o estabelecimento de relações afetivas de respeito mútuo e compreen- são acerca das características da infância. Apesar de Freud não ter se dedicado às demandas específicas da aprendiza- gem, seu legado auxilia no entendimento da origem do desejo de aprender, da condição humana necessária para o controle das pulsões, do desenvolvimento cognitivo, além de pontuar o papel do professor como aquele que oferece suporte e investimento emocional para viabilizar o desenvolvimento integral do aluno. Por fim, apresentamos as contribuições de Vygotsky para o cenário educa- cional atual. Sua obra se destaca por problematizar os aspectos históricos-sociais que influenciam o desenvolvimento e a aprendizagem dos indivíduos. Tal posi- ção permite-nos ampliar a discussão dos problemas de aprendizagem para além da culpabilização individual dos educandos. 97 A ESCOLA QUE ESTAMOS CONSTRUINDO... Marcos Meier, psicólogo e mestre em educação, colunista da RPCTv, tem problematiza- do questões sobre desenvolvimento infantil, educação e escolarizaçãocom um olhar perscrutador. No trabalho intitulado Professora, posso brincar? (2012, on-line)4, o autor parte da demanda de um aluno de 6 anos que pergunta a professora se poderia brincar quando terminasse sua lição. Como resposta, ouviu um não, justificado no fato que brin- car estava restrito à educação infantil. Você pode estar se perguntando o que o tema tem haver com um livro que aborda questões acerca das dificuldades de aprendizagem. Pois bem, Meier foi extremamen- te lúcido ao descrever como o processo de escolarização no Brasil tem se realizado de forma apática e desmotivada para os alunos. No decorrer deste capítulo, discutimos diferentes abordagens teóricas sobre desenvolvimento e aprendizagem, e pudemos constatar que, mesmo partindo de pontos filosóficos diferentes, TODAS marcaram a im- portância da vivacidade, dos afetos, das relações sociais e do ensino contextualizado como forma de garantir a expressão da potencialidade do aprendiz. As escolas e seus atores tem lecionado com tamanha frieza e tristeza que a motivação tanto para executar suas funções quanto para as crianças aprenderem tem sido cada vez mais embotada. Nesse sentido, Meier (2012, on-line)4 evidencia a lei federal, que insti- tuiu o Ensino Fundamental de nove anos trouxe consigo uma demanda não esperada quando foi implementada. Segundo o autor, a ideia no geral era muito boa, pois ao criar um ano a mais de obriga- toriedade de ensino daria à criança um tempo a mais para aprender os conteúdos re- gulares. O problema se deu na execução do projeto. Os professores não tiveram tempo de pensar e refletir sobre as mudanças e tiveram que se adequar de maneira forçada a essa nova realidade. As alfabetizadoras foram designadas a assumirem as turmas de 1º ano, sem terem a formação específica da educação infantil. Afinal, um ano de diferença de idade na infância, como vimos, traz muita diferença no desenvolvimento da apren- dizagem. As professoras nesta situação não estavam preparadas para planejarem suas aulas de forma instigante, criativas e cativantes para crianças de cinco ou seis anos. Aplicaram, e continuam até hoje, fazendo o que sabem: alfabetizar por métodos forjados para aten- der crianças mais velhas. Alguns destes métodos já eram pouco efetivos antes, por levar a criança à assimilação de conteúdos de forma mecânica e com baixo nível de abstração. Em uma alusão ao futuro escolar que estamos traçando, Meier (2012, on-line)4 pontua que logo veremos um número muito maior de crianças que não gostam de estudar ou desistem da escola, pois aprenderam a copiar, reproduzir e não a questionar, envolver. A singularidade e as habilidades dos alunos são cerceadas paulatinamente, de modo que eles não se vêem motivados a investirem no seu desenvolvimento acadêmico. 98 Claro que não vamos culpabilizar as alfabetizadoras. A questão não é essa! Precisamos olhar o contexto social, repensar as práticas educativas e convocar pensadores de diver- sas áreas do conhecimento para propor mudanças estruturais no modo de ensino e no olhar lançado a nossas crianças. A Educação desempenha um papel muito importante para que o façamos de forma impensada. A educação formal precisa fomentar a vivaci- dade, o prazer e a alegria, amparando as frustrações dos alunos para que esses possam se tornar cada vez mais autônomos e críticos da realidade vivida. Ou seja, a escola preci- sa desenvolver o pensamento, a criatividade, a inteligência, o conhecimento e o desejo de aprender e estudar por conta própria. FONTE: Meier (2012, on-line)4. 99 1. Amparado em nosso material didático, justifique os motivos pelos quais a reto- mada de teorias do desenvolvimento humano é fundamental para a compreen- são contextualizada de crianças em período de escolarização, bem como norte- ador de práticas docentes preventivas. 2. Dentre as teorias estudadas, duas são amplamente reconhecida no cenário esco- lar. A primeira, por trazer de forma sistematizada a evolução do desenvolvimento cognitivo da criança, o que permite uma segurança maior aos docentes no que tange o seu planejamento educacional. A segunda, por pensar de forma contex- tualizada a relação aprendizagem e desenvolvimento que acabou por ganhar força ao evidenciar o papel do professor como mediador. Estas teorias são: a) A Epistemologia Genética e a Psicologia Sócio-Histórica. b) A Psicogenética e a Psicanálise c) A Psicologia Sócio-Histórica e a Epistemologia Genética. d) A Psicanálise e a Psicogenética. e) A Epistemologia Genética e a Psicogenética. 3. Nesta Unidade apresentamos as contribuições de 4 grandes autores da Psicolo- gia no que tange ao desenvolvimento infantil e repercussão de suas teorias no ambiente escolar. Sobre esta relação, leia as afirmativas e assinale a alterna- tiva correta. I. A Teoria Psicogenética de Wallon contribuiu para abrir a discussão sobre a influência da afetividade no desenvolvimento intelectual dos indivíduos. II. A Epistemologia Genética de Piaget propiciou a compreensão das diferenças do modo de organizar o pensamento e as aquisições intelectuais de acordo com o período maturacional em que o indivíduo se encontra. III. Apesar de ser amplamente conhecida no contexto escolar, a Psicanálise Freu- diana contribui não somente com a compreensão das etapas do desenvolvi- mento psicossexual. Esta teoria testemunha sobre a importância das relações para o desenvolvimento intelectual dos sujeitos. IV. A Teoria Sócio-Histórica contribui de forma significativa para a compreensão contextualizada do processo de aprendizagem, levando em consideração a influência cultural no desenvolvimento dos indivíduos. 100 a) Apenas I e II estão corretas. b) Apenas II e III estão corretas. c) Apenas I está correta. d) Apenas II, III e IV estão corretas. e) Todas estão corretas. 4. Sigmund Freud (1856-1939) postulou em sua teoria a derrocada de um dos maiores mitos da Idade Moderna: a racionalidade absoluta e soberana sobre as ações dos homens. Ao defender que os homens são fortemente influenciados em suas ações pelas demandas pulsionais, demonstrou a fragilidade de nossa racionalidade e enfatizou a importância dos vínculos afetivos para nossa apren- dizagem e subjetivação. Nesse contexto, avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas. I. O pensamento pragmático, característico da idade moderna, foi questionado por Freud ao teorizar sobre as pulsões e o inconsciente. PORQUE II. Para o autor todas as experiências de satisfação ou de desprazer permane- cem atuantes no inconsciente, após o processo de repressão. E a energia que alimenta essas representações interferem no funcionamento consciente dos sujeitos, inclusive no processo de aprendizagem. Assinale a alternativa correta: a) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a segunda é uma justifica- tiva correta da primeira. b) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a segunda não é uma justificativa correta da primeira. c) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a asserção II é uma proposição falsa. d) A asserção I é uma proposição falsa, e a asserção II é uma proposição ver- dadeira. e) As asserções I e II são proposições falsas. 5. A partir da teoria piagetiana, descreva como o desenvolvimento cognitivo ocor- re. Lembre-se que para isso é fundamental a explanação sobre os conceitos de equilíbrio dinâmico, de assimilação e de acomodação. Material Complementar MATERIAL COMPLEMENTAR Psicopedagogia: teorias da aprendizagem - 2011 BARONE, L.M.C; MARTINS, L.C.B; CASTANHO, M.I.S. (orgs). Editora: Casa do Psicólogo Sinopse: este livro aborda de maneira didática a contribuição de diferentes autores da Psicologia acerca do tema aprendizagem e seus problemas. Traz temas diversos, com apoio pedagógico interessante, como textos para se guiar, questões etc. REFERÊNCIAS ALMEIDA, L. R.; MAHONEY, A. A. A psicogenética walloniana e sua contribuição para a Educação. In: AZZI, R. G.; TIEPPO, M. H.; GIANFALDONI. (orgs.). Psicologiae Educa- ção. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2011, p. 101-128. BARONE, L. M. C. Algumas contribuições da psicanálise ao estudo da aprendizagem e seus distúrbios. In: BARONE, L. M. C.; MARTINS, L. C. B.; CASTANHO, M. I. S. (orgs). In: Psicopedagogia: teorias da aprendizagem. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2011. CUNHA, M. V. Psicologia da Educação. Rio de Janeiro: Lamparina, 2015. FREUD, S. Compendio del psicoanálisis. In: Obras Completas, t. III, Madrid: Bibliote- ca Nueva, p. 3379-3411, 1938/1981. Freud, S. Dois verbetes de enciclopédia. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 18. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 253-274. (Trabalho original publicado em 1922/1923) FONTANA, R.; CRUZ, M. M. Psicologia e o trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997. GALVÃO, I. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, 134 p. (Educação e conhecimento). GOUVEIA, D. C. A Epistemologia Genética de Piaget e a Psicopedagogia. In: BARONE, L. M. C.; MARTINS, L. C. B.; CASTANHO, M. I. S. (orgs). Psicopedagogia: teorias da aprendizagem. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2011, p. 119-160. KUPFER, M. C. Freud e a Educação: o mestre do impossível. São Paulo: Scipione, 1995. MARTINS, L. C. B.; CASTANHO, M. I. S.; ANGELINI, R. A. V. M. Psicologia sócio-histórica e psicopedagogia. In: BARONE, L. M. C; MARTINS, L. C. B; CASTANHO, M. I. S. (orgs). Psicopedagogia: teorias da aprendizagem. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2011, p. 161-202. MORAES, R. R.; ONCALLA, S. A. A teoria psicogenética de Henri Wallon e suas contri- buições para a psicopedagogia. In: BARONE, L. M. C.; MARTINS, L. C. B.; CASTANHO, M. I. S. (orgs.). Psicopedagogia: teorias da aprendizagem. Sao Paulo: Casa do Psicó- logo, 2011, p. 203-255. REGO, T. C. Vygotsky: uma perspectiva histórico cultural da educação. Petrópolis, Rio de Janeiro, 2007 SILVA, G. B.; POSSIDÔNIO, S. A educação como condição sine qua non para a hu- manização. ENDIPE, 2007. TULESKI, S. C. Vygotsky: a construção de uma psicologia marxista. Maringá: Eduem, 2002. REFERÊNCIAS 103 TULESKI, S. C. A UNIDADE DIALÉTICA ENTRE CORPO E MENTE NA OBRA LURIA- NA: Implicações para a Educação Escolar e para a compreensão dos problemas de escolarização. Araraquara, 2007. 363 p. Tese (Doutorado). Universidade Estadual Paulista, UNESP. Orientador: Newton Duarte. VIGOTSKII, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2006. REFERÊNCIAS ON-LINE 1Em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean_Piaget_in_Ann_Arbor.png>. Acesso em: 11 mai. 2017. 2Em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Henri_Wallon.jpg>. Acesso em: 11 mai. 2017. 3Em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Lev_Vygotsky_1896-1934.jpg>. Acesso em: 11 mai. 2017. 4Em: <http://www.janeayresouto.com.br/noticia/professora-posso-brincar->. Aces- so em: 11 mai. 2017. GABARITO 1. As diferentes correntes teóricas apresentam dados que auxiliam o docente a dis- cernir entre dificuldades de execução e compreensão intrínsecas ao momento evolutivo da criança, evitando posturas rotuladoras e pouco produtivas frente às dificuldades que apresentadas. Além disso, ciente do processo de desenvolvi- mento, o docente é capaz de planejar seu trabalho potencializando o desenvol- vimento adequado a cada faixa etária. 2. Alternativa A. 3. Alternativa E. 4. Alternativa A. 5. Para Piaget, a construção do desenvolvimento depende de uma situação de con- flito que mobiliza o desequilíbrio cognitivo, requisitando assim que o indivíduo assimile informações pertinentes ao objeto ou conceito antes desconhecidas a ele, o que desencadeia o processo de acomodação desse novo conteúdo em suas estruturas mentais, promovendo desse modo uma nova estrutura, permi- tindo compreender e atuar sobre a situação que lhe foi apresentada de maneira mais coerente e flexível. U N ID A D E III Professora Dra. Gescielly B. da Silva Tadei Professora Me. Juliana da Silva Araujo Alencar Professora Me. Márcia R. Sousa Storer ASPECTOS NEUROLÓGICOS DA APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DA ATENÇÃO Objetivos de Aprendizagem ■ Caracterizar o sistema nervoso central; definir as funções executivas e memória operacional. ■ Apresentar a teoria de Luria sobre o desenvolvimento cognitivo. ■ Descrever a formação da atenção. ■ Discutir o papel da linguagem no desenvolvimento da atenção. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Base neurológica da aprendizagem: alguns apontamentos ■ Desenvolvimento cognitivo segundo Luria ■ A formação neuropsicológica da atenção ■ O papel da linguagem no desenvolvimento da atenção INTRODUÇÃO Caro (a) aluno (a), discutir desenvolvimento e aprendizagem implica pensarmos o homem como um ser BIOPSICOSSOCIAL. Tal postura nos remete a pontuar os aspectos psicológicos, sociais e biológicos, com o objetivo de não construir uma visão parcial ou mesmo tendenciosa sobre a aprendizagem humana. Assim, buscamos analisar a influência desses diferentes aspectos no desenvolvimento humano e suas implicações na aprendizagem. Na Unidade anterior, analisamos os aspectos Psicossociais da formação humana, e na presente nos deteremos aos biológicos, em especial na base neuro- lógica do desenvolvimento cognitivo, pois o comprometimento da base orgânica pode repercutir de diferentes formas no processamento das funções cognitivas como percepção, atenção, memória, linguagem, pensamento abstrato, raciocí- nio-dedutivo, capacidade de planejamento, imaginação etc (REGO, 2007). Para iniciarmos nossa jornada, conheceremos o neurônio, a célula básica de nosso Sistema Nervoso. O cérebro é o órgão responsável por todo o proces- samento das informações recebidas do meio ambiente, de nosso próprio corpo e pela execução de todas as nossas ações, e é constituído de milhões de neurô- nios (GRIGGS, 2009). Entretanto, o desenvolvimento e pleno funcionamento do cérebro não depende de fatores exclusivamente hereditários. Para analisarmos a correlação entre a base neurológica e a aprendizagem social, recorreremos aos estudos de Alexander Romanovich Luria (1902-1977). Considerado como um dos pilares da teoria Histórico-Cultural, Luria defendeu a tese de que o aparato neuropsi- cológico se desenvolve conforme a influência dos aspectos sócio-históricos de um determinado tempo histórico. Deste modo, apresentaremos a compreensão do autor acerca da cognição, dando ênfase especial a capacidade atencional, compreendendo ser esta funda- mental para o desenvolvimento cognitivo dos indivíduos. Por fim, trabalharemos com a função da linguagem como mediador da complexificação da atenção, ao possibilitar a sua transformação de involuntária em voluntária. Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 107 ASPECTOS NEUROLÓGICOS DA APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DA ATENÇÃO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E108 BASE NEUROLÓGICA DA APRENDIZAGEM: ALGUNS APONTAMENTOS. Você sabia que o cérebro controla tudo que fazemos? Segundo Griggs (2009), esse órgão é responsável pela percepção, consciência, memória, linguagem e inteligência. Ainda hoje não temos o domínio sobre a totalidade de suas fun- ções ou de seu funcionamento, e talvez jamais o teremos. Atualmente, sabemos que o cérebro é subdividido em regiões com funções específicas, e que sua célula básica é o neurônio. Portanto, vamos conhecer um pouco deste fantástico mundo da neurociência e sua articulação com a aprendizagem, desenvolvimento cog- nitivo e a atenção. O cérebro e o sistema nervoso são compostos por neurônios e células gliais. Os neurônios são as células responsáveis pela transmissão de informações por todo o sistema nervoso. Sua função é receber os estímulos, decodificar a men- sagem, enviare integrar todas as informações no sistema nervoso. Já as células gliais, do grego glia - cola -, funcionam como suporte aos neurônios, eliminando os resíduos químicos, além de manter isolados e em equilíbrio o ambiente cere- bral (GRIGGS, 2009). Na Figura 1, você conhecerá como é um neurônio e as partes que o compõe: Figura 1 - A estrutura de um neurônio Base Neurológica da Aprendizagem: Alguns Apontamentos. Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 109 Os neurônios são formados por três componentes: dendritos, corpo celular e axô- nio. Cada estrutura desempenha funções específicas, que por sua vez funcionam de maneira integrada para cumprir com seus objetivos. Os dendritos são os ter- minais que recebem as informações advindas de outros neurônios e transmitem ao corpo celular. A decisão de transmitir ou não a informação para os neurô- nios vizinhos compete ao corpo celular. Caso decida passar a informação, isto é feito por meio de impulsos elétricos em direção ao axônio. Conforme pode ser identificado na Figura 1, o axônio é a fibra longa que sai do corpo celular, rami- ficando-se na extremidade final para transmitir a informação aos neurônios vizinhos (GRIGGS, 2009). Mas como ocorre essa comunicação? De acordo com Griggs (2009), a comunicação dentro do neurônio é reali- zada por estímulos elétricos que percorrem do corpo celular até o axônio. Nos terminais do axônio, existem pequenas vesículas que contêm substâncias quími- cas denominadas neurotransmissores (adrenalina, serotonina, dopamina etc.), que se especializam na transmissão de informações. Essas substâncias atingem uma pequena lacuna existente entre os neurônios, as fendas sinápticas. Por essa razão, a comunicação entre neurônios é chamada de sinapse. Um fator importante, que age diretamente sobre a velocidade que o impulso é transmitido de um neurônio a outro, é a formação da bainha de mielina. Griggs (2009) a descreve como sendo uma substância branca gordurosa que funciona como uma camada isolante que reveste o axônio, permitindo que o impulso salte entre uma lacuna e outra, tornando mais rápida e eficiente a transmissão de estí- mulos. A bainha de mielina se completa por volta dos 7 anos de idade. Os neurônios são extremamente numerosos. Há aproximadamente 100 bi- lhões em cada cérebro, capazes de aprender e fazer em torno de 60 mil co- nexões, podendo receber 100 mil impulsos por segundo em cada sinapse. Apesar de já nascermos com todas as células neurais, o cérebro somente tomará sua forma completa após os 20 anos, chegando a pesar 1,5kg, pois à medida que crescemos são formadas novas conexões cerebrais. Fonte: Moraes (2009). ASPECTOS NEUROLÓGICOS DA APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DA ATENÇÃO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E110 Como já nascemos com todas as nossas células neurais, podemos compreender a importância do desenvolvimento intra uterino para a integridade das funções cerebrais. Por isso, o acompanhamento pré-natal é de extrema necessidade, pois auxilia na identifi cação de malformações e possibilita a intervenção necessária. Essas são medidas preventivas que o adulto pode tomar de modo a precaver e intervir em possíveis sequelas no desenvolvimento infantil (GRIGGS, 2009). Dados apresentados pela Organização Mundial da Saúde apontam para um investimento governamental e também de ONGs para a atuação junto a popu- lação mundial acerca da medicina preventiva no período pré-natal. Essa atitude tem reduzido o número de mortes de bebês e de gestantes, e ampliado o número de crianças saudáveis. Destacamos aqui a atuação da Pastoral da Criança, criada pela saudosa Zilda Arns (1934-2010), que tem atuado junto a populações carentes para a divulgação da necessidade de uma alimentação saudável para crianças, assim como cuidados básicos de higiene, não descuidando do aconselhamento de gestantes carentes. Posturas como essa tem trazido um número cada vez mais elevado de crian- ças saudáveis que tem adentrado a escola para o contato com o sistema de ensino científi co formal. Figura 2 - Zilda Arns (1934-2010) Fonte: Wikimedia ([2017],on-line)1 Base Neurológica da Aprendizagem: Alguns Apontamentos. Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 111 Voltando para as nossas discussões sobre a rede neuronal, no que isso interfere no processo de desenvolvimento e aprendizagem? Conforme visto na unidade I, podemos afirmar que a aprendizagem é enten- dida como uma mudança de comportamento resultante da experiência. Fonseca (1995) pontua que essa mudança é estável e durável, interiorizada e armazenada no cérebro dos indivíduos. Por essa razão, o autor pontua que aprendizagem é uma função do sistema nervoso central. Apesar de esse processo não ser totalmente conhecido, podemos afirmar que os processos neurológicos que já definimos anteriormente não ocorrem em uma área específica do cérebro, mas sim em toda a sua estrutura funcional. Sendo assim, vamos conhecer nosso cérebro! Vejamos as definições básicas sobre cada área e o quanto elas interferem no pro- cesso de aprendizagem do ser humano. O Lobo Occipital é responsável pela noção espacial e a constância das formas, e nele acontece a integração visual por meio da recepção dos estímulos nervosos. ASPECTOS NEUROLÓGICOS DA APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DA ATENÇÃO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E112 O Lobo Parietal é responsável pela decodificação dos estímulos advindos do tato, pela interpretação e pela integração de estímulos visuais provenientes do córtex occipital. No Lobo Temporal ocorre a recepção e decodificação de estí- mulos auditivos, sequência de ritmos e de sons, responsável pela atenção. No Lobo Frontal, ocorrem as conexões das diversas funções nervosas compactua- das ao comportamento humano, ou seja, linguagem expressiva, planificação das ações e da linguagem, controle motor, julgamento moral, pensamento lógico e abstrato etc. É aqui que, devido a lesões, pode ocorrer perda da concentração, diminuição da habilidade intelectual, déficit de memória e julgamento (na área do córtex pré-frontal), além da paralisia contralateral e falta de sensibilidade (na área do córtex motor e sensitivo) (FONSECA, 1995). Por fim o córtex cerebral, centro de controle e processamento da informação de todo o sistema nervoso, é a camada superficial do cérebro, a camada enru- gada que vemos ao visualizar o cérebro humano, envolvendo fisicamente todas as estruturas cerebrais descritas por nós. Nele ocorre a percepção, a linguagem, a memória, a tomada de decisão e todos os processos cognitivos de nível supe- rior (GRIGGS, 2009). Além de ser dividido por Lobos, o cérebro, dada a sua especialização, tam- bém é dividido em hemisfério direito e esquerdo, que por sua vez são unidos pelo corpo caloso - funciona como uma ponte entre os dois hemisférios. O hemisfério direito alcança o processo de mielinização primeiro, visto que as funções bási- cas a ele atribuídas tornam-se mais eficientes do que a do hemisfério esquerdo. Por exemplo, pensando nas aprendizagens pré-primárias e primárias, podemos pontuar que o hemisfério direito é responsável pelas funções não verbais, tais como classificar, seriar, reconhecer, desenhar, pintar, recortar, enfiar, entre outros. Já o esquerdo é responsável pela dimensão verbal e por atividades complexas como ler, escrever, contar etc. Por essa razão, Fonseca (1995, p. 175) afirma que a “ontogênese vai do não-verbal (HD) ao verbal (HE), do ato ao pensamento, do gesto à palavra, da psicomotricidade à psicolinguística”. Entretanto, cabe ressaltar que, apesar dos hemisférios processarem as infor- mações de modo diferente e na ordem inversa, ou seja,por meio de ações cruzadas no que tange a execução de movimentos, na aprendizagem isso acontece de forma integrada e equilibrada (FONSECA, 1995). Base Neurológica da Aprendizagem: Alguns Apontamentos. Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 113 A Tabela 1, adaptada a partir do exposto por Fonseca (1995, p. 173), apre- senta de forma sistematizada a localização inter-hemisférica e as funções corticais superiores. Tabela 1 - Áreas cerebrais e suas funções específicas HEMISFÉRIO ESQUERDO HEMISFÉRIO DIREITO GLOBAL Organização e seriação Análise Funções tudo ou nada Processo elaborativo e conceitual Atenção auditiva Ritmo Organização volitiva e consciente Organização gestaltista Síntese Processo imediato e emocional Sustentação da situação do envolvimento Atenção visual Música Organização involuntária e automática LOBO FRONTAL Fluência verbal Regulação do comportamento pela fala Escrita Praxias Consciencialização Julgamentos verbais Detecção de erros Consciência social Julgamentos recentes de tipo verbal LOBO TEMPORAL Raciocínio verbal Memória verbal-auditiva Vocabulário Padrões do ritmo Memória visual de longo tempo Memória auditiva não-verbal Memória para faces LOBO PARIETAL E OCCIPITAL Cálculo Leitura Escrita Praxias construtivas e ideacionais Síntese. Percepção da forma Aquisições associativas Apreensão de sequências de objetos e figuras Percepção do espaço e de fundo Discriminação Memória visual de curto prazo Reconhecimento visual Fonte: Fonseca (1995, p. 173). ASPECTOS NEUROLÓGICOS DA APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DA ATENÇÃO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E114 Ao apresentarmos os aspectos neurológicos da aprendizagem, evidenciamos que para a ocorrência desse processo deve-se considerar a integridade das fun- ções de todo o sistema nervoso. Fonseca (1995) pontua que o sistema nervoso periférico deve ser capaz de captar as informações sensoriais de forma eficiente, para transmiti-las ao sistema nervoso central, que por sua vez executará as fun- ções de armazenamento, integração, formulação e regulação. As funções de armazenamento, integração, formulação e regulação cor- respondem ao que na neuropsicologia é denominado de funções executivas, segundo Capovilla, Assef e Cozza (2007). São essas funções que nos diferenciam dos animais, pois correspondem “[...] à capacidade do sujeito de engajar-se em comportamento orientado a objetivos, ou seja, à realização de ações voluntárias, independentes, autônomas, auto-organizadas e orientadas para metas específi- cas” (ARDILA; OSTROSKY-SOLÍS, 1996 apud CAPOVILLA; ASSEF; COZZA, 2007, p. 52). Toda a potencialidade adaptativa do sujeito está relacionada às funções exe- cutivas, que remetem-se à complexificação das funções cognitivas, tais como a seleção e integração de informações atuais ou previamente memorizadas, o plane- jamento consciente e o monitoramento da execução das respostas (CAPOVILLA; ASSEF; COZZA, 2007). Em suma, as funções executivas podem ser consideradas como um conjunto de funções que tem a responsabilidade de iniciar e desenvolver uma atividade com um objetivo final determinado, participando dos processos cognitivos, do estado de alerta, de atenção, de tempo de reação, da desenvoltura e da flexibili- dade do pensamento (FUSTER, 1997). Daimond e Lee (2011, apud LEON et al., 2013) pontuam que as funções executivas podem ser divididas em componentes simples ou básicos, como a flexibilidade cognitiva, controle inibitório e memória de trabalho, e em aspec- tos mais complexos como raciocínio e planejamento. Vamos discorrer de forma breve sobre a memória operacional ou de tra- balho, pois conforme Capovilla, Assef e Cozza (2007) e Leon et al. (2013) o funcionamento adequado destes elementos é fundamental para a aprendiza- gem dos indivíduos. Base Neurológica da Aprendizagem: Alguns Apontamentos. Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 115 Ao fazer uma lista de compras em sua casa, você precisa olhar seus armá- rios, identificar os itens faltantes e escrever em uma folha de papel ou em um dispositivo móvel, para poder consultar na hora da realização da tarefa, cor- reto? O armazenamento temporário da informação necessária para a realização de quaisquer tarefas cognitivas é atribuição da memória de trabalho (GRIGGS, 2009). Nas palavras de Secchi (2008, on-line)2, a memória operacional ou de trabalho refere-se: [...] ao armazenamento temporário da informação necessária para o de- sempenho de diversas tarefas cognitivas, entre cálculo, leitura, conver- sação e planejamento. A memória operacional é responsável pela mani- pulação da informação, o que ocorre por exemplo: em situações em que se solicita que dígitos sejam subtraídos mentalmente de um valor deter- minado e que palavras sejam colocadas mentalmente em ordem alfabé- tica. Déficits na memória de trabalho caracterizam-se pela dificuldade de realizar tarefas simultâneas e consequentemente, as informações não são decodificadas, armazenadas e processadas de forma eficaz. Essa memória operacional é composta por um conjunto de sistemas cognitivos que funcionam entre si (como um espaço de trabalho), registrando as represen- tações mentais das informações sensoriais para execução das tarefas de trabalho (LEON et al., 2013) . A memória operacional/trabalho processa dados vindos da memória de curtíssimo prazo, além de utilizar informações armazenadas na memória de longa duração. Aliás, uma das características mais importante da Memória de Trabalho (MT) é sua capacidade de evocar informações da Memória de Longo Prazo (MLP), integrando-as com novas informações que entram no sistema e que são processadas continuamente (GRIGGS, 2009). Mesmo que a MT e MLP possam trabalhar independentemente uma da outra, esses dois sistemas estão continuamente interagindo sobre condições nor- mais. Leon et al. (2013) pontuam que a memória de trabalho é solicitada para a compreensão tanto auditiva como de leitura, na aprendizagem e no raciocínio, pois é fundamental para produzir sentido aos eventos que ocorrem ao longo do tempo, manipulando e integrando as informações recebidas com as disponibi- lizadas no momento da realização da tarefa. ASPECTOS NEUROLÓGICOS DA APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DA ATENÇÃO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E116 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO SEGUNDO LURIA Alexander Romanovich Luria (1902-1977) nasceu em 16 de julho de 1902 em Kazan, uma região central a leste de Moscou. Teve acesso a uma educação requin- tada, em razão de ser fi lho de um médico docente de uma renomada escola em sua cidade natal. Graduou-se em Ciências Sociais pela Universidade de Kazan aos 19 anos. Seu período de formação acadêmica ocorreu sob o impacto da transição do modelo econômico e político da Rússia do Czarismo para o Socialismo. A energia transformadora da revolução mobilizou toda a sociedade, que via nas mudanças históricas uma transformação não só social, mas também íntima. Todos eram convocados a sair de seu mundo privado e compartilhar metas em uma socie- dade coletiva (REGO; OLIVEIRA, 2010). Em sua experiência discente, Luria, segundo Rego e Oliveira (2010), pode experienciar um momento único na história. Os professores estavam confusos sobre o que trabalhar em sala de aula e quais referências buscar para suas for- mações. Entendendo ser de fundamental importância para o trabalho docente uma formação acadêmica sólida, Luria passou a se interessar pelas ideias do socialismo utópico, pela psicologia e, consequentemente, a pensar sobre uma nova abordagem de compreen- são dos seres humanos, que levasse em conta a dimensão histórica e socialna sua constituição. Nas palavras de Luria (1992, p. 26): Figura 4 - Alexander Romanovich Luria (1902-1977) Fonte: Wikimedia ([2017], on-line)3. Desenvolvimento Cognitivo Segundo Luria Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 117 Estas discussões acerca da história contemporânea também envolve- ram-se com certas questões relativas ao papel do homem na confor- mação da sociedade: de onde vêm as idéias sociais? Como se desenvol- vem? Como se alastram? Como podem tornar-se uma força motriz do conflito e das mudanças sociais? [...] me levaram a querer desenvolver uma abordagem psicológica con- creta dos eventos da vida social. Concomitantemente a sua formação como Cientista Social, Luria, incentivado por seu pai, iniciou a graduação de medicina no Hospital Psiquiátrico de Kazan e frequentava o Instituto Pedagógico para realizar os experimentos em psicofi- siologia - berço da psicologia enquanto ciência. O curso de medicina foi cursado de maneira não linear. Após um longo período trancado, Luria o concluiu em 1937, mesmo ano em que finalizou seu doutorado em Psicologia pelo Instituto de Tbilisi (REGO; OLIVEIRA, 2010). Em 1924, Luria e seu então parceiro de estudos Leontiev se associam a Vygotsky, unindo os interesses pela medicina e pela neuropsicologia como base para a compreensão do desenvolvimento do homem e para elaborar uma nova abordagem da psicologia (LURIA, 1992). Analisando o contexto social experienciado por Vygotsky, Luria e Leontiev, conseguimos entender os motivos pelos quais os autores exaltam o processo sócio-histórico na alteração das funções mentais, ou seja, o ambiente inter- fere na formação da consciência, no qual todo o aparato do comportamento do homem adulto não é apenas o produto da evolução biológica, resultado do desenvolvimento infantil, mas é, em especial, concretizado pelo seu desenvolvi- mento histórico, cultural e social (REGO, 2007). Baseado nessas colocações e nos pautando nos estudos realizados por Luria e Vygotsky, que se referem à História do Comportamento Humano, percebemos que os autores buscaram compreender o comportamento humano a partir do desenvolvimento ontogenético - linguagem corporal, falada e escrita - e filogené- tico - sistemas de sobrevivência, de prazer e de aprendizagem. Sob a perspectiva dos autores citados, o homem deve ser pensado à luz da história, pois somente assim podemos compreender como comportamentos simples alcançam padrões de expressão tão complexos como de nossa atenção ou linguagem (FONSECA, 2013). ASPECTOS NEUROLÓGICOS DA APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DA ATENÇÃO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E118 Para clarificar o que seria o processo de desenvolvimento filo e ontogenético, Luria e Vygotsky, segundo Nascimento (2013), problematizaram os estudos rea- lizados por Wolfgang Kohler acerca da evolução do macaco antropóide. Nesta obra, intitulada “Estudos sobre a história do comportamento: símios, homem primitivo e criança” (1996), os autores pontuam que o desenvolvimento se dá em três estágios: 1º) Estágio das reações hereditárias ou modos inatos (instinti- vos); 2º) Estágio dos reflexos condicionados (associações de reações inatas com estímulos ambientais): provém do treinamento e da experiência individual do animal para sua adaptação ao ambiente, e 3º) Estágio das reações intelectuais práticas (utilização de instrumentos): se estabelece após um obstáculo, no qual um comportamento já adquirido ou inato não é capaz de se resolver, levando o indivíduo a estabelecer um novo comportamento, sendo capaz de aplicá-lo pos- teriormente em situações análogas (significado funcional). Aqui podemos entender melhor o que Luria esclarece como desenvolvimento cognitivo. O terceiro estágio demonstra que o comportamento primitivo de uti- lizar instrumentos é comum a todos os animais, incluindo o homem. Entretanto, este pré-requisito da atividade laboral se torna mais complexo no homem, pois ele é capaz não só de utilizar os instrumentos, mas também de criá-los por meio do trabalho e da linguagem (REGO; OLIVEIRA, 2010). Desse modo, conseguimos compreender porque as transformações das funções psicológicas primitivas em superiores (atenção, memória, percepção, sensação, pensamento, linguagem e volição) se deram inicialmente a partir do trabalho com a transformação da natureza, para suprir as necessidades que num primeiro momento eram biológicas e posteriormente tornaram-se cultu- rais (REGO, 2007). Na sua busca para compreender a articulação entre o desenvolvimento bioló- gico e social, Luria, respaldado em sua formação médica, propôs um estudo sobre a questão funcional do cérebro, de modo a esclarecer de forma objetiva a forma- ção e organização das funções psicológicas superiores (REGO; OLIVEIRA, 2010). Fonseca (2013) afirma que, para Luria, o cérebro humano é o produto filo e ontogenético de sistemas funcionais, adquiridos em milhares de anos ao longo do processo sócio-histórico da raça humana. A teoria psiconeurológica de Luria entende sistemas funcionais como a coordenação de áreas cerebrais em interação, Desenvolvimento Cognitivo Segundo Luria Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 119 com o objetivo de executar um dado comportamento ou conduta “[...] consubs- tanciando qualquer processo de adaptação ou de aprendizagem, cujo produto final subentende um processo cognitivo complexo” (FONSECA, 2013, p. 37). O cérebro, segundo Luria (1975a, 1975b apud FONSECA, 2013), atuaria como um organizador cognitivo, complexo e superarticulado em quaisquer tipos de aprendizagens, exercendo a função de processamento de informação em um sistema de rede com diferentes áreas do cérebro. Sob esta perspectiva, Luria propõe que o cérebro poderia ser dividido em três unidades funcionais básicas: a 1a unidade seria de alerta e atenção, 2a de recepção, integração, codificação e processamento sensorial, e a 3a de execução, planifica- ção e avaliação (FONSECA, 2013). A Primeira Unidade Funcional/Alerta e Atenção teria por substrato físico a substância reticulada e o cerebelo. Seria responsável pelo ciclo de sono-vigília, por manter o tônus cortical ou estado de vigília (estado de consciência). Por estar intimamente ligada à função de alerta, a atenção depende do estado de alerta para poder desenvolver a atividade de selecionar e sustentar o foco, bem como a integrar os estímulos percebidos; problemas nesta unidade podem acarretar alteração atencional (FONSECA, 2013). A Segunda Unidade Funcional/Codificação teria por substrato os lobos occipital, temporal e parietal. Atuaria, dessa forma, com as atribuições de recep- ção, integração, codificação e processamento sensorial. Codificação se refere às funções de análise, síntese, armazenamento e à recuperação da informação, englobando a significação e a relação com os dados já sistematizados no cére- bro (FONSECA, 2013). A Terceira Unidade Funcional seria responsável pela execução motora, planificação e avaliação. O substrato cerebral seria o Lobo Frontal. A partir de Fonseca (2013), podemos compreender por planificação o desenvolvi- mento de uma sequência de ações ou manobras e procedimentos com uma finalidade específica, ou seja, é a ação consciente do sujeito para alcançar um objetivo-fim. Para executar esta função, é necessário estabelecer um sistema de organização, incluindo estratégias, planejamento, execução, controle e moni- torização, visando à resolução de problemas com soluções adaptadas. Por essa razão, Fonseca (2013, p. 56) pontua de forma sistematizada que esse processo ASPECTOS NEUROLÓGICOS DA APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DA ATENÇÃO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A DE120 envolve os seguintes aspectos: “1) identificar a ação desejada; 2) sequencializar procedimentos; 3) recuperar dados relevantes; 4) alocar recursos cognitivos; 5) decidir e executar”. Para tanto, se faz necessário recorrer à internalização verbal autocontrolada, e à atenção voluntária estruturada, testada e refinada. Enfim, esse sistema funcional é responsável pela metacognição amparada em uma tomada de consciência (FONSECA, 2013). A complexidade do comportamento e desenvolvimento cognitivo humano se daria pela ação sobre a natureza, transformando-a a partir do trabalho em elementos culturais. Pois, ao transformar a natureza, o homem se transfor- mou, aprendendo a fazer uso de suas capacidades naturais com racionalidade e, com efeito, isso provocou mudanças no conteúdo de seu psiquismo e de seus mecanismos (meios) através dos signos ou instrumentos psicológicos (REGO; OLIVEIRA, 2010). Dessa forma, o comportamento do homem cultural distancia em grande escala do comportamento do homem primitivo, tanto no aspecto biológico quanto no cultural, uma vez que as alterações ocorridas se devem às transfor- mações históricas que envolvem a evolução biológica, desde os animais até os seres humanos, a evolução histórico-cultural, do homem primitivo ao homem moderno, e o desenvolvimento individual (ontogênese), do recém nascido até o homem adulto moderno. A Formação Neuropsicológica da Atenção Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 121 A FORMAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA DA ATENÇÃO - Senhora, por favor, posso ter um minuto da sua atenção? - Atenção! Atenção! Só hoje, descontos especiais nas lojas XY Ltda!!! Não perca! Atenção! Atenção! - Hei, Pedro, sente direito na carteira e preste atenção! Você já reparou o quanto a nossa atenção é requisitada? E você, já parou para entender o que significa atenção? Luria (1981, p. 12) define a atenção da seguinte forma: “[...] é o fator responsável pela escolha dos elementos essenciais para a ati- vidade mental, ou o processo que mantém uma severa vigilância sobre o curso preciso e organizado da atividade mental”. Para Luria (1981), conforme visto, é a primeira unidade funcional do cére- bro responsável pela atividade atencional, ou seja, o substrato biológico seria a formação reticular, a parte superior do tronco encefálico, mas também atua- ria, quando relacionada a atividades mais complexas, áreas do córtex límbico e a região frontal. Esta relação se daria da seguinte forma: as estruturas da parte superior do tronco encefá lico e a formação reticular seriam as responsáveis pela manutenção do tono cortical de vigília e manifestação da reação de alerta geral, enquanto o córtex límbico e a região frontal estariam relacionados ao reconhe- cimento seletivo de um determinado estímulo, inibindo respos tas a estímulos irrelevantes. Amparados em Gonçalves e Melo (2009), cabe ressaltar que, na ocasião, era considerado como córtex límbico as áreas do giro do cíngulo, do parahipocam- pal e do hipocampo. Nessa épo ca, Luria já fazia referência aos estudos clínicos com áreas cerebrais lesionadas em humanos, sendo que dela provém grande parte do conhecimento que se têm sobre a função cognitiva da atenção e sua base biológica. Segundo Luria (1981), a atenção não é importante somente para o estabe- lecimento do raciocínio organizado. Graças ao funcionamento da atenção, a percepção, os processos motores e o pensamento podem se desenvolver. Isso porque, ao empreendermos quaisquer ações, é necessário a atuação seletiva da atenção para mantermos o foco para o cumprimento ou não de um determinado objetivo. O não funcionamento adequado da atenção faria com que nosso cérebro ASPECTOS NEUROLÓGICOS DA APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DA ATENÇÃO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E122 ficasse como uma pia transbordando de água. Ao não selecionar os estímulos necessários para uma dada tarefa ou compreensão de algo, nosso pensamento seria inundado por uma quantidade enorme de informações desorganizadas, produzindo associações desconexas e impedindo a organização do pensamento racional, e consequentemente a execução de uma atividade organizada. Em seus estudos sobre a atenção, a partir de Luria, Amude-Patez (2010) esclarece que a atenção é uma atividade orientada para o objeto. Se possui uma orientação, podemos dizer que o motivo desencadeador da ação pode estar tanto no sujeito em estado atencional, quanto no objeto de atenção. Por essa razão, a autora destaca que a relação entre sujeito e objeto é bilateral: “tanto a atenção se dirige para o objeto por algum interesse imediato ou necessidade do sujeito, quanto o objeto pode atraí-la em razão de suas características e qualidades” (AMUDE-PATEZ; 2010, p. 37). Amude-Patez (2010) esclarece que essa relação bilateral pode ser explicada a partir da compreensão de que atenção tem fatores que delimitam sua mani- festação, determinam suas propriedades e delimitam a seleção dos processos psíquicos. Esses fatores são de ordem externa ou interna. Os fatores externos remetem-se aos motivos extrínsecos ao indivíduo, ou seja, os que chegam via campo perceptivo e determinam o sentido e o volume da atenção. Luria (1991 apud AMUDE-PATEZ; 2010) pontua como sendo os elementos desencadeantes a intensidade, a novidade do estímulo, os contrastes, as mudanças bruscas e o movimento do objeto atencional. Segundo Amude-Patez (2010), a intensidade do estímulo corresponde à força que ele possui para se destacar entre os demais, por exemplo: uma luz intensa, cores vibrantes, sons e cheiros fortes. Para você conseguir visualizar essa questão, imagine a seguinte situação: ao entrarmos em um recinto com baixa ilumina- ção, nossa atenção é automaticamente direcionada para o foco de luz mais forte. Entretanto, se no ambiente todos os focos de luz tiverem a mesma intensidade, a nossa capacidade atencional sofrerá oscilações entre um foco e outro de luz. No que tange à novidade do estímulo, a autora destaca os quesitos singularidade e a originalidade, afirmando que nossa atenção tende a ser direcionada para estí- mulos novos que despertam a nossa curiosidade. A mudança brusca de estímulo, como uma buzina alta em um ambiente silencioso, chamará involuntariamente A Formação Neuropsicológica da Atenção Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 123 a atenção do indivíduo. Por fim, o contraste está relacionado ao direcionamento involuntário de nossa atenção para as diferenças perceptivas entre objetos, tais como: cores, formas e tamanhos. Os fatores internos por sua vez, à luz de Amude-Patez (2010), referem- -se aos elementos intrínsecos ao sujeito: personalidade, caráter, temperamento, estado de ânimo, atitude emocional, cansaço e processos mentais; e a estrutura da atividade: neste se destacam o interesse e a necessidade. Retomando brevemente a concepção desses conceitos à luz da teoria Histórico-Cultural, podemos pontuar que personalidade pode ser entendida como construída socialmente dando o sentido de integralidade ao sujeito. O temperamento seria o aspecto dinâmico da personalidade, sendo manifestado na força, na velocidade e no ritmo das ações psicomotoras dos indivíduos “[...] aparece na lentidão, na rapidez, na calma ou na agitação das ações práticas, dos movimentos expressivos e da forma da linguagem” (AMUDE-PATEZ, 2010; p. 39). O caráter é o resultado do processo educativo, o refinamento do tempera- mento (AMUDE-PATEZ, 2010). Este tem aspecto dinâmico e resulta da interação entre as características inatas e as adquiridas. O estado de ânimo remete-se à postura que o sujeito adota diante da vida, tendo aspectos eufóricos ou depres- sivos (RUBINSTEIN, 1972 apud AMUDE-PATEZ, 2010). Quanto a estrutura da atividade,podemos definir interesse como sendo a disposição psíquica em direcionar a nossa atenção a um objeto específico, em decorrência de necessidades socialmente definidas. Nas palavras de Vigotsky (2004 apud AMUDE-PATEZ, 2010, p. 40): uma disposição de preparar o organismo para certa atividade, dispo- sição essa acompanhada de uma elevação geral da atividade vital e do sentimento de satisfação. Quem escuta algo com interesse prende a respiração, aguça o ouvido na direção do falante, não desvia deste a vista, suspende qualquer outro trabalho e movimento e, como se diz, ‘se torna todo ouvidos’. Isso é a expressão mais completa da total con- centração do organismo em um ponto, da sua plena transformação em um tipo de atividade. As necessidades, a seu tempo, expressam o processo civilizatório do homem, pois determinam suas relações práticas com o mundo e sua dependência dele (RUBINSTEIN, 1972 apud AMUDE-PATEZ, 2010). As necessidades representam ASPECTOS NEUROLÓGICOS DA APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DA ATENÇÃO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E124 o impulso primário para o desenvolvimento de uma atividade, entretanto, são determinadas historicamente, dando lugar aos interesses. Analisando os aspectos citados até o momento, podemos compreender que a estrutura da atenção racional ocorre de forma dialética, pois depende tanto de aspectos do meio quanto de como esse meio foi internalizado pelo sujeito. Os aspectos individuais decorrem da atividade e do papel do sujeito nas rela- ções sociais que encena. Assim, entendemos os motivos que levam os autores da teoria histórico cultural serem tão assertivos ao afi rmarem que a atividade labo- ral defi ne o homem. Não podemos negar que a realidade objetiva determina a forma que o indivíduo se relaciona com o mundo. Sendo assim, ao pensarmos sobre a infl uência do estado de ânimo ou cansaço, entendemos que esses estão intimamente ligados à atividade que o sujeito desempenha na sociedade, pois cada sujeito forja sua forma de ser e estar no mundo ao desempenhar atividades diferentes (AMUDE-PATEZ, 2010). Para exemplifi car, um degustador de café terá muito mais habilidade em avaliar se um café é bom ou não do que um con- sumidor comum do produto. De forma esquemática, Amude-Patez (2010) elaborou um esquema com a fi nalidade de conseguirmos sistematizar visualmente os aspectos internos e exter- nos que infl uenciam na capacidade atencional dos indivíduos. Figura 5 - Demonstrativo dos fatores que infl uenciam na constituição das propriedades da atenção Fonte: Amude-Patez (2010). A Formação Neuropsicológica da Atenção Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 125 Em continuidade a seus estudos acerca da atenção a partir de Luria, Amude- Patez (2010) pontua que os fatores externos e internos também influenciam na constituição das propriedades da atenção, quais sejam: volume e estabilidade. De acordo com a autora, Luria define volume como a quantidade de estímulos externos que tornam-se preponderantes ao nosso campo perceptivo. Já estabili- dade remete-se à duração da ação dominante que estes processos discriminativos apresentam para se manter no foco perceptivo, sem sofrer oscilações periódi- cas. Cabe ressaltar que: como a atenção é um processo dinâmico e está relacionada à experiên- cia sensorial, em alguns momentos, o estímulo perde seu caráter domi- nante, mas, em outros, o recupera. Assim, a oscilação da atenção pode ser influenciada pela oscilação da precisão sensorial, do cansaço, da falta de adaptação dos órgãos sensoriais, ou, ainda, da observação de figuras ambíguas (AMUDE-PATEZ, 2010, p. 43). Ainda segundo a autora, podemos distinguir dois níveis ou tipos de atenção: a atenção involuntária e a atenção voluntária (ou atenção arbitrária, racional) explicitada no Quadro 1 conforme características próprias, fundamentado em Rubinstein (1973b), Gonobolin (1969) e Luria (1991; 1981). ASPECTOS NEUROLÓGICOS DA APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DA ATENÇÃO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E126 Quadro 1 - Quadro sintético de comparação entre a atenção involuntária e a atenção voluntária. ATENÇÃO INVOLUNTÁRIA ATENÇÃO VOLUNTÁRIA - Determinada pelas trocas e oscilações do meio externo, ou seja, pelo aparecimento dos estímulos novos, por mudanças bruscas, por contrastes e força dos estímulos; além disso, depende dos interesses imediatos, das necessidades e do estado de ânimo do sujeito É um tipo de atenção que se produz e se mantém independentemente da intenção do indivíduo - Determinada pelos fins da atividade cons- ciente a que se dirige - Exigida sempre que não existe um interesse imediato, mas que é preciso orientar a aten- ção para um objeto por meio de um esforço consciente - Forma primitiva de atenção - Forma desenvolvida de atenção - Deve-se a comportamentos reflexos - Desenvolve-se da atenção involuntária - Caráter instável - Caráter estável - É passiva, por ser governada por fatores indepen- dentes do sujeito, por exemplo, um ruído repentino, uma sensação de fome - Não intencional, na medida em que é guiada por estímulos externos ao indivíduo - Caráter ativo, por ser orientada pelo pró- prio sujeito - Espontânea - Atenção orientada por esforço consciente - Tem caráter mediato, em razão de o objeto que é foco da atenção não a atrair direta- mente sobre si Fonte: Amude-Patez (2010, p. 50). A atenção involuntária se configura como o padrão atencional mais primitivo existente no comportamento humano desde o nascimento. Em razão dos aspec- tos que o regula, sempre haverá este modelo de atenção no repertório de conduta humano. Entretanto, o processo de desenvolvimento do homem por meio da mediação social o leva a tornar mais complexo o padrão atencional, pois passa a ser mediado pelas funções psicológicas superiores. O Papel da Linguagem no Desenvolvimento da Atenção Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 127 O PAPEL DA LINGUAGEM NO DESENVOLVIMENTO DA ATENÇÃO Agora que sabemos como a atenção se estabelece e se relaciona com o substrato biológico - o cérebro -, vamos nos aprofundar no aspecto social da atenção. Neste tópico, partiremos do postulado de Luria, de que a atenção voluntária se desen- volve dado, principalmente, as interações sociais e ao uso da linguagem a ponto do mesmo ter afirmado que: “na criança em desenvolvimento, as primeiras rela- ções sociais e as primeiras exposições a um sistema linguístico (de significado especial) determinam as formas de sua atividade mental” (LURIA, 1991 apud AMUDE-PATEZ, 2010, p. 51). Desde o nascimento a criança apresenta um tipo de atenção rudimentar involuntário, logo não intencional, e por isso incapaz de orientar o seu pró- prio comportamento. Segundo Amude-Patez (2010), fundamentada em Luria, a atenção nos primeiros meses de vida teria o caráter de um reflexo orientado, e pode surgir em decorrência de uma mudança ambiental ou pela expectativa de um estímulo novo que, por sua originalidade, torna-se o estímulo principal. De maneira reflexa, ou seja, de forma não intencional é desencadeado a ação inibi- dora de reações a estímulos secundários. Por exemplo: um bebê está mamando e alguém entra no mesmo ambiente falando em voz alta; o bebê irá abandonar ASPECTOS NEUROLÓGICOS DA APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DA ATENÇÃO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E128 o seio e de maneira reflexa girará seu pescoço direcionando o olhar para o estí- mulo sonoro que se tornou principal. A mamada perde sua característica de estímulo principal e o estímulo sonoro desorganiza a ação que estava em exe- cução, qual seja: a nutrição.O presente exemplo evidencia o que Luria (1981) afirmou, ao dizer que o processo atencional dos sujeitos não estaria presente somente quando as fun- ções psicológicas superiores estivessem estabelecidas. Ao nascimento, temos indicadores fisiológicos que devem ser considerados básicos para o processo de desenvolvimento da atenção voluntária. Para além dos aspectos físicos ligados aos objetos ou situações que serviram de estímulo para convocar atenção da criança, Luria (1981) evidencia o papel da mediação no desenvolvimento humano ao dizer que a voz do adulto é uma fonte de estímulo de destaque no campo atencional da criança. A linguagem atua como uma influência seletiva forte e rigorosa, além de auxiliar na organização do pensamento da criança na medida que a função comunicativa se estabelece (AMUDE-PATEZ, 2010). Amude-Patez (2010) esclarece, a partir de Luria, que a atenção se desenvolve primeiramente amparada na relação mediada por um adulto ou sujeito mais experiente, sendo a princípio uma função interpsíquica. A atenção da criança na sua fase inicial do desenvolvimento é eminentemente involuntária. Por meio da relação, mediada pela linguagem, o adulto destaca no campo perceptivo da criança objetos que ele nomeia e oferece a ela, orientando assim a sua atenção, ou seja, divide com a criança essa função, por isso interpsíquica. Essa interação é essencial para o desenvolvimento da criança, que não diferencia os objetos ao seu redor, visto que essa função é realizada pela instrução verbal do adulto cuidador. Com o desenvolvimento da linguagem, a criança passa a ser capaz de nomear os objetos, ou seja, de distingui-los dos demais. A linguagem também possibilita estabelecimento das funções psíquicas superiores, como o pensamento e racio- cínio dedutivo. Isso implica na capacidade de se ater ao exame de um objeto de forma consciente e por um tempo maior, viabilizando a análise do objeto, a generalização e a codificação de suas experiências. Essa capacidade atencional autodirigida e sustentada aponta para um salto significativo no desenvolvi- mento da atenção da criança. Nesse estágio, ela demonstra ter superado o estágio O Papel da Linguagem no Desenvolvimento da Atenção Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 129 sensorial alcançando o racional, isso quer dizer que a linguagem possibilitou que a atenção deixasse de ser guiada exclusivamente pela percepção e impressão e passasse a ser orientada pelo pensamento, tornando-se uma função intrapsí- quica (AMUDE-PATEZ, 2010). Além do mais, este processo é um marco importante no desenvolvimento da capacidade atencional da criança, pois, segundo Amude-Patez (2010), demarca a passagem da atenção elementar para a tipicamente humana, a atenção volun- tária. A atenção superior é a expressão do desenvolvimento histórico-social, e na compreensão de Luria (1981, p. 229) “tem uma história longa e dramática, e a criança só adquire uma atenção eficiente e estável, socialmente organizada, pouco tempo antes da hora em que deverá começar a frequentar a escola”. Cabe ressaltar que na época da teorização de Luria, a escola passava a frequentar a escola a partir de 6 a 7 anos. Você pode estar se perguntando agora se a criança consegue atender de ime- diato a instrução verbal do adulto independentemente da idade. Pois bem, não é bem assim. Amude-Patez (2010) pontua, a partir de Luria, que a capacidade de resposta à instrução verbal não ocorre de imediato. A responsividade dependerá da faixa etária do sujeito, o que não quer dizer maturidade biológica, mas sim o desenvolvimento das funções psicológicas necessárias para que a instrução ver- bal execute sua função de organizar o pensamento. As condições distrativas do meio ambiente também influenciam na capacidade atencional. Para exemplificar a relação entre faixa etária e capacidade atencional, Amude- Patez (2010) descreveu situações e como elas são encaminhadas a partir dos dois anos de idade. Segundo a autora, ao direcionarmos a criança de dois anos a bus- car um brinquedo, ela fará a busca visual e tentará alcançá-lo. Entretanto, se no trajeto até o objeto solicitado haver quaisquer objetos que lhe chamem mais a atenção, a criança irá se distrair com facilidade, perdendo o foco estabelecido. Isso ocorre porque nesta idade a instrução verbal não tem força o suficiente para competir com os fatores que determinam a atenção involuntária. Já por volta dos três anos, a linguagem está mais estruturada e a criança internaliza seus primeiros conceitos e valores sociais. Dessa maneira, a media- ção do adulto passa a ser mais valorizada e torna-se decisiva na orientação da atenção da criança. Deste modo, cabe ao adulto manejar a atenção da criança, ASPECTOS NEUROLÓGICOS DA APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DA ATENÇÃO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E130 direcionando para o quê, como e quando focar a atenção. Contudo, esse pro- cesso só se efetiva se o comando verbal coincidir com a percepção imediata da criança (AMUDE-PATEZ, 2010). Entre os quatro e cinco anos, idade pré-escolar, a instrução verbal ganha força em decorrência da ampliação da capacidade compreensiva da criança. Esse momento é significativo para o desenvolvimento, pois marca a passagem da aten- ção involuntária para a voluntária, pois a fala passa a se sobrepor aos fatores que caracterizam a atenção involuntária (AMUDE-PATEZ, 2010). Aos 6 anos aproximadamente, de acordo com Amude-Patez (2010), a criança consegue manejar de forma mais autônoma sua atenção, pois passa a ser capaz de guiar sua atenção por meio da fala interna. Na fase escolar, a atenção apresenta características mais estáveis que a anterior, justamente devido a fala interiori- zada. Nesta etapa, conseguimos compreender de forma mais clara o motivo pelo qual Luria (1992) pontua que a atenção é um dos aspectos mais importantes para o desenvolvimento cognitivo. Para o autor, quanto mais atentos, mais capazes somos de perceber de forma correta o nosso entorno. Um exemplo disso é tra- zido por Amude-Patez (2010), ao sinalizar que uma atenção pouco desenvolvida remete a uma percepção superficial, facilmente identificada no caso de alunos que ao ler a palavra não a percebe como um todo, mas apenas uma parte dela, resultando em sua leitura incorreta. Será por volta dos 7 anos que a seletividade da atenção se estabelecerá de forma mais efetiva, pois a fala interna está desenvolvida de tal maneira que passa a organizar não só o comportamento, mas também seus processos sensoriais e de pensamento (AMUDE-PATEZ, 2010). Professores da educação infantil insistem em realizar atividades que deman- dam que a criança permaneça sentada e focada por muito tempo. De acor- do com a teoria aqui estudada, esta conduta é coerente? Por quê? O Papel da Linguagem no Desenvolvimento da Atenção Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 131 Em síntese, Amude-Patez (2010, p. 57 ) afirma que para Luria “a atenção é uma função psicológica imprescindível ao ser humano, porque, além de ser importante para o desenvolvimento das demais FPS, é indispensável para a rea- lização da atividade humana”. Isso porque “na medida em que proporciona ao homem a capacidade de selecionar os estímulos provenientes do meio, ela torna possíveis o pensamento e a atividade social” (AMUDE-PATEZ, 2010, p. 57). Ao compreendermos o percurso do desenvolvimento da atenção do ponto de vista da neuropsicologia proposta por Luria, que envolve os aspectos neuro- lógicos, psicológicos e sociais, somos capazes de direcionarmos melhor a nossa atividade docente com a finalidade do pleno desenvolvimento de nosso aluno. Desculpabilizamos o sujeito por sua atenção comprometida e passamos a assu- mir umapostura mais ativa, de mobilizadores de desenvolvimento da criança. A ação pedagógica tende a ser mais planejada, com a finalidade de que apre- ensão do conteúdo científico disponibilizado na escola cumpra seu objetivo de estimular a aprendizagem e, consequentemente, o desenvolvimento das funções psíquicas superiores (REGO, 2007). ASPECTOS NEUROLÓGICOS DA APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DA ATENÇÃO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E132 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta Unidade, propomos um diálogo entre a neurologia e a psicologia histó- rico-cultural. Tal diálogo se demonstrou profícuo, pois nos auxilia a construir uma visão de homem BIOPSICOSSOCIAL. Insistimos na leitura contextualizada do desenvolvimento humano, por não corroborarmos com práticas excludentes tão comuns, infelizmente, no âmbito escolar nos dias atuais. Buscamos apresentar o substrato biológico da aprendizagem, o cérebro, sua composição e funcionamento, pois é de suma importância a atuação desse órgão para a vida humana e para o desenvolvimento cognitivo dos indivíduos. Nesse contexto, compreender a ação das funções executivas e como o cérebro processa a informação na memória de trabalho possibilita entender melhor as possíveis falhas em seu funcionamento, e consequentemente direcionar ações que visem solucionar o problema. Entretanto, amparados nos estudos de Luria e estudiosos da cognição, foi possível destacar que a mediação social é imprescindível para o pleno desen- volvimento e funcionamento das funções psicológicas superiores, tais como: atenção, concentração, pensamento, raciocínio, imaginação, planejamento etc. O autor destacou em seus estudos que o cérebro era o substrato biológico da cog- nição, mas seu desenvolvimento depende da mediação social, dando destaque à escola para sua realização, uma vez que aprender é o motor para o desenvol- vimento cognitivo. Neste aspecto, debruçamo-nos nos estudos sobre a atenção por entender- mos ser a função cognitiva capaz de integrar todas as demais, ao empreender suas funções de seletividade e inibição. Sem a ação da atenção, o pensamento racional e a atividade intencional, tipicamente humana, seria inviável, pois não conseguiríamos manter o foco em uma tarefa por tempo suficiente para entender- mos os elementos integrados, e nem empreender uma ação lógica e organizada para assimilação ou transformação de nosso contexto social. Por fim, apontamos como a linguagem é essencial na transição da atenção primária para a voluntária. 133 POBREZA E PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM: REFLEXÕES NECESSÁRIAS. Em maio de 2015, na revista Mente&Cérebro, na coluna Limiar neurociências de Sidar- ta Ribeiro, renomado neurobiólogo e diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, trazia o seguinte título “Educação, pobreza e destino”. Na referida reportagem, Ribeiro (2015, p. 82) aponta que um estudo realizado nos Es- tados Unidos havia comprovado a relação entre fatores socioeconômicos e alterações da morfometria cerebral. Pesquisa que afirma haver “[...] uma relação logarítmica entre renda familiar e extensão do córtex cerebral: em famílias pobres, pequenas diferenças de renda foram associadas com grandes diferenças de extensão cortical, o que não ocor- reu em famílias ricas”. O maior impacto em nível cerebral foram encontrados nas áreas relacionadas à linguagem, leitura, funções executivas e habilidades espaciais, ou seja, todas as habilidades fundamentais para a aprendizagem escolar. Essa discussão, infelizmente, não é recente. Souza (2007, on-line)4, retomando os estu- dos de Patto (1998), pontua que a tentativa de se responsabilizar a desigualdade social, como justificativa da não aprendizagem adequada de crianças e adolescentes norte americanos, vem tomando corpo desde o nascimento da Teoria da Carência Cultural nos EUA na década de 1960: Paralelamente à influência da vertente sociológica na pesquisa educa- cional, um conjunto de idéias que tem sua origem nos Estados Unidos da América, passa a se fazer presente enquanto explicação para a reali- dade educacional brasileira, a chamada “teoria da carência cultural” (Pat- to, 1998). Fruto dos movimentos reivindicatórios das minorias negras e de imigrantes latinos que apresentavam baixo rendimento escolar, essa teoria procurava responder à pergunta: por que um grande contingente de crianças negras e imigrantes não aprendia na escola pública america- na? Para responder essa questão, psicólogos e demais profissionais pas- saram a pesquisar as causas dos problemas de aprendizagem, buscan- do-as nos aspectos do desenvolvimento infantil, nas áreas de nutrição, linguagem, estimulação, cognição, inteligência, motricidade etc. Ocorre, porém que os resultados dos experimentos realizados por tais crianças eram comparados com aqueles obtidos com crianças de classes média e alta da sociedade americana, branca e empregada. Tais resultados eram considerados como padrão de normalidade (SOUZA, 2007, on-line)4. Essa teoria teve ampla difusão no Brasil na década de 1970, juntamente com a teoria sociológica, que pontuava a necessidade de se pensar a desigualdade social como um dos fatores que influenciavam o estabelecimento dos problemas de aprendizagem de crianças pobres e em situação de vulnerabilidade social (SOUZA, 2007, on-line)4. 134 Entretanto, devemos nos preocupar com estas afirmações, que levam crer que basta pertencer às classes populares e a criança poderá apresentar toda sorte de déficits cog- nitivos, intelectuais, culturais etc. Avaliar a partir de parâmetros culturais distintos o desenvolvimento das crianças é reforçar a violência simbólica que a desigualdade social imputa aos pauperizados (SOUZA, 2007, on-line)4. A ideologia difundida a partir de uma perspectiva burguesa reforça a exclusão social, pois desconsidera a cultura popular, o contexto histórico e principalmente avalia o su- jeito com parâmetros fora de sua realidade social. Pensar em problemas de aprendizagem envolve refletir sobre as relações estabelecidas na escola que possam estar influenciando na não aprendizagem da criança. Não é raro ouvir de professores de classes populares que seus alunos não aprendem porque seus pais não incentivam a escolarização, porque estão subnutridos ou porque são incapa- zes. Estas frases exemplificam uma relação de aprendizagem fadada ao fracasso escolar, pois ao não se acreditar na potencialidade do aluno, as práticas docentes desenvolvidas não serão implementadas com dedicação e afinco (SOUZA, 2007, on-line)4. Claro que a culpa não é do professor, mas a leitura descontextualizada tanto do aluno quanto da educação brasileira acaba por reforçar práticas sociais excludentes e perver- sas. Contra isso precisamos lutar, tomando como nosso instrumento o conhecimento e a historicidade da educação. Fonte: as autoras. 135 1. Nesta unidade, vimos que o substrato biológico da aprendizagem é o sistema nervoso central. Os avanços na área de exames de neuroimagem permitiram aos estudiosos do cérebro identificar as principais atribuições de cada região, fazendo um mapeamento funcional deste órgão. Assinale F para falso e V para verdadeiro no que diz respeito ao tema. ( ) As informações visuais e auditivas são processadas no lobo occipital e temporal. Todavia, sua importância é reduzida, pois é no lobo frontal que se processa a aprendizagem. ( ) O córtex cerebral é responsável por converter os estímulos recebidos em aprendizagem. Esse processo envolve as competências de interpretação, de- codificação e compreensão, ou seja, os processos cognitivos superiores. ( ) O lobo frontal é a área cerebral que demora mais tempo para desenvolver- -se. É responsável pelo comportamento mais complexo humano envolvendo a capacidade de memória e julgamento. ( ) Apesar da dominância lateral do cérebro, os hemisférios trabalham de ma- neira equilibrada. Assinale a alternativa correta. a) V, V, F eF. b) V, F, V e F. c) V, F, F e F. d) F, V, V e V. e) V, F, V e V. 2. Em nossos estudos, destacamos o papel da atenção para o aprimoramento do pensamento racional. Enfatizamos a perspectiva de Luria acerca do tema, por compreendermos que o desenvolvimento desta função psíquica é multifatorial. Pensando esses aspectos, discorra sobre a ação da atenção no processo do pensamento organizado. 136 3. Amude-Patez (2010) problematiza os fundamentos básicos para o desenvolvi- mento da atenção sob a perspectiva histórico-cultural do teórico Luria. Em seus estudos, pontuou não só o desenvolvimento da atenção, mas também seus atri- butos. A partir destas colocações, leia as afirmativas e assinale a alternativa correta. I. A atenção voluntária desenvolve-se gradualmente no decorrer da matura- ção biológica do indivíduo. II. A inibição é um recurso cognitivo fundamental para a atuação assertiva da atenção, relacionado atenção. III. O pensamento racional está amparado no bom funcionamento da atenção, bem como a ação motora intencional. IV. A atenção se desenvolve naturalmente, sem necessitar de uma intervenção social. Assinale a alternativa correta. a) Apenas I e II estão corretas. b) Apenas II e III estão corretas. c) Apenas I está correta. d) Apenas II, III e IV estão corretas. e) Nenhuma das alternativas está correta. 4. Na aula de português, a professora solicitou que Kamile buscasse na coordena- ção da escola 4 materiais escolares diferentes. Para executar tal ação mental, a nossa _______________ é acionada, pois compete a ela processar dados vindos da memória de curto e longo prazo necessários na resolução das tarefas, bem como integrar as atividades ___________ a ela vinculada. a) Função executiva/ atenção-concentração b) Atenção/funções executivas c) Memória de trabalho/ atenção e espaciais d) Memória de trabalho/ verbais e espaciais e) Função executiva/ atenção e verbais. 137 5. Conforme os estudos de Luria, a atenção é construída socialmente por meio da interação e internalização pela criança da cultura circundante. Para o autor, esse processo tem diferentes etapas, que podem ser organizadas de acordo com a faixa etária da criança. Assinale F para falso e V para verdadeiro no que se refere ao desenvolvimento da atenção segundo o autor: ( ) Nos primeiros meses de vida, a atenção é primordialmen- te uma função extrínseca ao sujeito, em outras palavras, total- mente direcionada e amparada pelas características dos objetos. ( ) A criança de 3 anos é capaz de cumprir comandos verbais desde que eles coincidam com a realidade perceptiva da mesma. ( ) Por volta dos 4-5 anos, os comandos verbais não se desta- cam em relação às características do objeto, pois a fala não se so- brepõe aos elementos relacionados a atenção involuntária. ( ) Aos 7 anos, o pleno desenvolvimento da linguagem permite à criança or- ganizar seus comportamentos e também seus processos sensoriais, de modo que a atenção torna-se mais seletiva e estável. Assinale a alternativa correta. a) V, V, F e V. b) V, F, V e F. c) V, F, F e F. d) F, V, V e V. e) V, F, V e V. MATERIAL COMPLEMENTAR Neurociência e Sequência Didática Para Educação Infantil Geraldo Peçanha de Almeida Editora: Wak Editora Sinopse: neste livro, o autor busca propor, com teorias e práticas, um jeito de fazer educação infantil em qualquer que seja a realidade da criança. Para isso, sua escrita pretende apresentar atividades sequenciais em que uma coisa leva a outra e todas estas ‘coisas’ seguem construindo uma lógica sem igual na cabeça da criança deste tempo. Para ele, a educação infantil precisa superar um discurso pedagógico necrosado em que nele só há espaço para um passado que não existe mais e para ações educativas que já não servem mais para a criança deste nosso tempo. As atividades do educador procuram ir do ovo ao videogame, passando pelo computador, pela Internet, pelo celular e pelos jogos eletrônicos. REFERÊNCIAS ASTON-JONES, G. Simplified dynamics in a model of noradrenergic modulation of cognitive performance. In: Neural Networks 15 (2002), p. 647–663. AMUDE-PATEZ, A. M. Subsídios da Teoria Histórico-Cultural para o Desenvolvi- mento da Atenção na Educação Escolar. Maringá, 2010. 122 p. Dissertação (Mes- trado em Educação). Universidade Estadual de Maringá: Orientadora: Maria Terezi- nha Bellanda Galuch. BRODEUR, D. A; POND, M. (2001). The development of selective attention in children with attention deficit hyperactivity disorder. In: Journal of Abnormal Child Psy- chology, v. 29, p. 229-239. BRACY, W. D. Evidence cases and problems. United States, 1995. CAPOVILLA, A. G. S.; ASSEF, E. C. S; COZZA, H. F. P. Avaliação neuropsicológica das funções executivas e relação com desatenção e hiperatividade. 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Somente por meio de seu bom funcionamento somos capazes de selecionar o estímulo mais importante em detrimento do restante. Sem a atuação da aten- ção, todas as nossas funções cognitivas, tais como a percepção dos processos motorese o pensamento racional estariam comprometidos. Isso porque em nosso campo de pensamento emergiria uma série de estímulos desorganizados, determinando, consequentemente, uma série de associações descontroladas, impedindo assim o pensamento racional ou mesmo a realização de qualquer atividade humana direcionada. 3. Alternativa B. As afirmativas I e IV estão incorretas, pois a teoria histórico-cultural parte do pressuposto que o desenvolvimento humano é relacional e social. Des- ta forma, a maturação não tem a ver exclusivamente com o processo biológico, mas sim com a mediação social, principalmente, por meio da linguagem que permite o homem descolar-se do concreto e superar sua condição animal. 4. Alternativa D. 5. Alternativa A. A afirmativa III está incorreta, pois aos 4/5 anos a fala já se sobre- põe às características intrínsecas aos objetos. U N ID A D E IV Professora Dra. Gescielly B. da Silva Tadei Professora Me. Juliana da Silva Araujo Alencar Professora Me. Márcia R. Sousa Storer DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ENTENDENDO TERMINOLOGIAS E CONCEITUAÇÕES Objetivos de Aprendizagem ■ Diferenciar dificuldades de problemas de aprendizagem. ■ Caracterizar os diferentes transtornos de aprendizagem nas áreas da linguagem, leitura, escrita, matemática, relações e movimentos. ■ Descrever a equipe multiprofissional e suas atribuições no diagnóstico e no atendimento de crianças com D.A. Problematizar a atuação dos profissionais no suporte dado a estas crianças. ■ Pontuar os pré-requisitos para aquisição da leitura e da escrita. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Dificuldades e Problemas de Aprendizagem: Quais as diferenças? ■ Transtornos de Aprendizagem ■ Atuação dos Profissionais no Suporte à Criança com D.A.: alguns apontamentos e reflexões ■ Pré-Requisitos para Aquisição da Leitura e Escrita INTRODUÇÃO Olá aluno (a)! Nesta unidade, diferenciaremos as dificuldades dos problemas de aprendizagem. Para chegarmos nesse ponto, foi necessário retomar historicamente a construção das dificuldades de aprendizagem (D.A.) como campo de estudo. Em nosso trajeto, vimos como a área médica se sobrepôs às demais, justi- ficando quaisquer distúrbios de aprendizagem em questões orgânicas, e como algumas correntes da psicologia problematizaram aspectos ambientais que influen- ciam no processo de aprendizagem, justificando o desempenho acadêmico dos alunos com dificuldades de aprender. Esta retomada é importante para compreender de forma contextualizada o que são dificuldades ou problemas de aprendizagem, justamente para rompermos com abordagens que culpabilizam exclusivamente a criança por suas dificuldades. A partir da perspectiva neuropsicológica, os problemas de aprendizagem devem ser pensados de forma sistêmica, ou seja, concebidos de forma sistema- tizada e avaliada por métodos científicos válidos, abordando três dimensões: a causa, o processo e o sintoma. Ao avaliarmos as causas, determinamos os fatores que podem estar mobi- lizando a não aprendizagem da criança, tendo por origem questões ambientais, neurológicas ou ambas. O processo implica a maneira pela qual vamos avaliar as funções mentais superiores, bem como as estruturas sensoriais e os aspec- tos ambientais. Por fim, sintoma remete à expressão do não aprender em cada sujeito, manifestas no ambiente escolar. Tendo por critérios os fatores citados, vamos definir as dificuldades de acordo com a complexidade do manejo. Além disso, apresentaremos os Problemas de Aprendizagem, que são os Transtornos Específicos das Habilidades Escolares de leitura, escrita, matemática, linguagem e movimento, mais conhecidas como: dislexia, dislalia, discalculia, dispraxias. Além do mais, discutiremos o papel de cada profissional na avaliação e atendimento do aluno com D. A. Por fim, abordaremos de forma sucinta os pré requisitos necessários para aquisição da leitura e escrita. Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 145 DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ENTENDENDO TERMINOLOGIAS E CONCEITUAÇÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E146 DIFICULDADES E PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM: QUAIS AS DIFERENÇAS? Ao fazermos uma pesquisa sobre definições de dificuldades de aprendizagem na área da Psicologia Escolar, segundo Santos (2012), constatamos que não existe um discurso uníssono no que se refere às possíveis causas e consequências das Dificuldades de Aprendizagem (D.A.). Tal postura denota a necessidade de ana- lisar esta problemática de maneira crítica, considerando os diferentes fatores que podem repercutir sobre a aprendizagem de crianças e adultos, levando em consideração diferentes campos do saber, tais como: psicologia, fonoaudiologia, psicopedagogia, educação e neurologia etc. Conforme posto, a área médica tende a justificar as D.A. como tendo cau- sas neurológicas, já a psicologia e a pedagogia as analisam de forma global, orientadas por uma concepção biopsicossocial. Entretanto, há correntes da edu- cação que enfatizam ser um problema de ensinagem, ou seja, as dificuldade em aprender apresentada pelos educandos são oriundas de fatores metodológicos (FONSECA, 1995). A complexidade das causas das diferentes dificuldades e problemas de aprendizagem reflete também na conceituação e terminologias, utilizadas para identificar os sintomas envolvidos na aquisição das competências acadêmicas. Dificuldades e Problemas de Aprendizagem: Quais as Diferenças? Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 147 Neste sentido, coadunamos com a perspectiva de Moojen (2006), que defende a necessidade da adequação de terminologias das sintomatologias encontradas na área da aprendizagem escolar, com o objetivo de melhorar a precisão da comu- nicação entre os profissionais envolvidos no processo de avaliação e tratamentos das D.A., tais como: psicopedagogos, neurologistas, psicólogos, professores, fonoaudiólogos etc. Na perspectiva de Moojen (2006), Fonseca (1995) e Santos (2012), os termos dificuldades e distúrbios/transtornos de aprendizagem (problemas de aprendi- zagem) são utilizados de forma indiscriminada, tanto na literatura quanto na prática clínica e escolar, com o objetivo de nomear quadros diagnósticos distin- tos. Vamos definir estas nomenclaturas agora! Conforme visto na Unidade I, quando o não aprender foi tomado como um objeto de estudo, esse foi primeiramente definido com o nome geral de Dificuldades de Aprendizagem, que é correspondente a quaisquer alterações apresentadas pela criança, que por sua vez dificultam de forma significativa a aquisição e utilização das habilidades de compreensão auditiva, fala, leitura e raciocínio matemático (FONSECA, 1995). Moojen (2004) propõe uma interessante leitura acerca das terminologias utilizadas na área de dificuldades de aprendizagem. A autora concorda com a proposta de Cristóvão e Cardoso (2004), de que as dificuldades precisam ser pen- sadas em um âmbito mais geral, levando em conta as características intrínsecas aos sujeito, bem como considerar aspectos extrínsecos na expressão das dificul- dades de aprendizagem. Desta forma, precisamos ponderar o desenvolvimento psiconeurológico das crianças, mas também os fatores socioculturais, emocio- nais, físicos e metodológicos executados no ambiente escolar. Seguindo esta abordagem, Ohlweiler (2016) propõe uma distinção das dificul- dades de aprendizagem, levando em consideração as causas do fracasso escolar. Para a autora, muitas crianças em período de escolarização apresentam alguma dificuldade na execução das tarefas acadêmicas em decorrência de problemas familiares ou escolares, pois nem sempre essas instituições oferecem respaldo adequadopara o desenvolvimento da criança. Ohlweiler (2016, p. 107) nomeou como dificuldades de percurso essa categoria de dificuldade de aprendizagem. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ENTENDENDO TERMINOLOGIAS E CONCEITUAÇÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E148 Ainda neste grupo, podemos incluir “[...] as dificuldades que a criança pode apresentar em alguma matéria ou em algum momento da vida além de proble- mas psicológicos, como falta de motivação e baixa autoestima”. A segunda categoria postulada por Ohlweiler (2016) refere-se às dificuldades secundárias como sendo aquelas apresentadas pelo educando em decorrência de outros quadros diagnosticáveis. Nessa modalidade, estão incluídas as pessoas com deficiência intelectual, sensorial, quadros neurológicos graves (paralisias cere- brais, epilepsia), transtornos emocionais significativos e o Transtorno do espectro autista (TEA) ou o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). Conforme Moojen (2004, p. 2004), evidencia-se que os elementos envolvidos nessa categoria atuam “primariamente sobre o desenvolvimento humano nor- mal e secundariamente sobre as aprendizagens específicas”. As aprendizagens específicas remontam à apropriação da linguagem - falada ou escrita-, a aquisição dos conceitos matemáticos, capacidade de realizar cál- culos, destreza na idealização e na execução de movimentos e a habilidade de escrever de forma correta -gráfica e ortograficamente. No caso das dificuldades secundárias, há condições patológicas como cegueira, deficiência intelectual, transtornos comportamentais ou emocionais etc. que comprometem o desenvol- vimento normal e por conseguinte a aprendizagem das habilidades acadêmicas específicas (MOOJEN, 2004). Essa divisão é importante para situarmos os aspectos relevantes a serem pen- sados, no momento em que levantamos as hipóteses acerca das dificuldades e dos problemas de aprendizagem. Quando pensamos na palavra problema, imaginamos situações para as quais as soluções são difíceis, geram impasses, contrariedade, ou mesmo doenças. Nos referimos a uma condição de saúde não adequada como um problema, não é? Se a pessoa está com uma disfunção renal, quando questionada acaba por res- ponder que está com um problema de rim. A compreensão de que problema se remete a um quadro de disfunções, dis- túrbios e transtornos nos levou a adotar esta nomenclatura para nos referirmos aos Transtornos de Aprendizagem, visto que algumas literaturas nomeiam essas patologias como distúrbios, outras como transtornos, sendo ambas referentes ao comprometimento das habilidades escolares em decorrência de alterações Dificuldades e Problemas de Aprendizagem: Quais as Diferenças? Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 149 psiconeurológicas. Entenderemos os critérios de definição para diferenciar as D.A. dos Transtornos de Aprendizagem, e saber por que esses são tidos como problemas. Para definir Transtornos específicos de aprendizagem, são utilizados prio- ritariamente os dois manuais internacionais de diagnóstico: Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento CID-10, elaborado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), com o apoio de pesquisadores e clínicos de aproxima- damente 50 países, e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM - V, organizado pela Associação Psiquiátrica Americana, com a parce- ria de mais de 60 organizações e associações de diferentes partes do mundo, e por fim o National Joint Commitee on Learning Disabilities (NJCLD), de 1994 (MOOJEN, 2004). O termo Transtorno, apesar de não ser exato, indica, de acordo com o CID10 (1993), a existência de um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecíveis, associados a sofrimento e interferência com funções pessoais. Aqui podemos notar a primeira diferença entre as dificuldades secundárias e os Transtornos de Aprendizagem. As dificuldades secundárias envolvem aspectos múltiplos, que necessariamente causam sofrimento e/ou afetam a vida social de forma significativa, relacionadas não só a aspectos neurológicos, mas também emo- cionais e sociais. Podemos citar como exemplos o Transtorno de Hiperatividade e Desatenção, o Transtorno de Oposição Desafiante e os Transtornos Emocionais (depressão, pânico etc.). Já os Transtornos de Aprendizagem (leitura, escrita e matemática) não decorrem de disfunções emocionais ou sociais, entretanto, podem se tornar fonte de intenso sofrimento para os indivíduos. Na atual versão do DSM, os transtornos de aprendizagem foram localizados no grupo de Transtorno do Neurodesenvolvimento, ou seja, necessariamente se configura como uma alteração de origem BIOLÓGICA: O transtorno específico da aprendizagem é um transtorno do neurode- senvolvimento com uma origem biológica que é a base das anormali- dades no nível cognitivo as quais são associadas com as manifestações comportamentais. A origem biológica inclui uma interação de fatores genéticos, epigenéticos e ambientais que influenciam a capacidade do cérebro para perceber ou processar informações verbais ou não verbais com eficiência e exatidão (DSM-V, 2014, p. 68). DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ENTENDENDO TERMINOLOGIAS E CONCEITUAÇÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E150 Para que o diagnóstico nessa área seja realizado, é essencial que sejam seguidos alguns critérios com o objetivo de diferenciá-lo de outros problemas de apren- dizagem. Sendo assim: Uma característica essencial do transtorno específico da aprendizagem são dificuldades persistentes para aprender habilidades acadêmicas fun- damentais (Critério A), com início durante os anos de escolarização for- mal (i.e., o período do desenvolvimento). Habilidades acadêmicas bási- cas incluem leitura exata e fluente de palavras isoladas, compreensão da leitura, expressão escrita e ortografia, cálculos aritméticos e raciocínio matemático (solução de problemas matemáticos) (DSM-V, 2014, p. 68). Além disso, essas dificuldades não podem apresentar quaisquer comorbidades, ou seja, rebaixamento intelectual, transtornos emocionais ou sensoriais que jus- tifiquem o desempenho aquém do esperado para a criança, e por isso não podem ser definidos como dificuldades secundárias. As alterações decorrentes do quadro de problemas de aprendizagem são persistentes e não transitórios. Deste modo, cabe ressaltar que os transtornos específicos da aprendizagem não são consequência de falta de oportunidade de aprendizagem ou escolarização inadequada. No caso desses transtornos, o suporte pedagógico adequado por mais de seis meses, além do atendimento ofertado na escola não leva o sujeito a acompanhar o desempenho esperado para sua faixa etária, mas sim minimiza os impactos decorrentes do transtorno (DSM-V, 2014). No NJCLD (apud SMITH, 2008, p. 110) a terminologia adotada é Distúrbios de Aprendizagem. No Brasil, adotou-se a terminologia Transtornos. A defini- ção utilizada é a seguinte: Distúrbio de Aprendizagem é uma expressão geral que se refere a um gru- po heterogêneo de distúrbios, manifestado por dificuldades significativas na aquisição e no uso de capacidades de atenção, fala, leitura, escrita, ra- ciocínio ou habilidades matemáticas. Estes distúrbios são intrínsecos ao indivíduo, supostamente devido a uma disfunção do sistema nervoso central e podem ocorrer ao longo da duração de vida. Problemas de com- portamentos auto-reguladores, percepção social e interação social podem coexistir com distúrbios de aprendizagem, mas não consistem, por si só, em distúrbios de aprendizagem. Embora distúrbios de aprendizagem pos- sam ocorrer concomitantemente com outras condições incapacitantes (ex: prejuízo sensorial, retardo mental, distúrbio emocional grave), ou com influências extrínsecas (como diferençasculturais, instrução insuficiente ou inadequada), eles não são decorrentes destas condições ou influências. Dificuldades e Problemas de Aprendizagem: Quais as Diferenças? Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 151 Grunspun (1999) pontua que todas essas definições têm em comum os seguintes aspectos: a) Comprometimento ou atraso no desenvolvimento, justificado na matu- ridade biológica do sistema nervoso central; b) É persistente e tem curso estável, não apresentando remissões e recaídas que coincidem com alguns transtornos mentais; c) Têm início na infância, mas persiste na idade adulta; d) As funções atingidas incluem a coordenação motora, linguagem, habili- dades visuoespaciais e relacionamento social. Destacamos, desse modo, que os Transtornos de Aprendizagem são disfunções de ordem psiconeurológicas, e não podem ser decorrentes de outros transtor- nos, apesar de poderem estar associados a transtornos. São de ordem intrínseca ao sujeito, e por esse motivo não podem ser justificadas por fatores externos, tais como pobreza, falta de estímulo, cultura do ambiente ou problemas de ensino, além de descartar quaisquer comprometimento sensorial ou intelectual. Os indi- víduos com TRANSTORNOS de aprendizagem possuem inteligência mediana a superior e nenhum problema de saúde física, emocional e social que justifique o baixo rendimento escolar apresentado (GRUNSPUN, 1999). A seguir, apresentaremos de forma sucinta os quadros nosológicos, além das principais características dos Transtornos que influenciam no desempenho escolar de crianças e adolescentes. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ENTENDENDO TERMINOLOGIAS E CONCEITUAÇÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E152 TRANSTORNOS ESPECÍFICOS DAS HABILIDADES DE APRENDIZAGEM Como discutido anteriormente, as habilidades acadêmicas estão relacionadas a diferentes competências dos indivíduos. Precisamos conhecer quais são as inter- corrências que podem ocorrer em cada uma das habilidades que correspondem à capacidade de leitura, escrita, fala, coordenação motora e raciocínio matemá- tico. Por essa razão, os Transtornos de Aprendizagem são divididos de acordo com a habilidade afetada. Abordaremos primeiramente os Transtornos Específicos do Desenvolvimento da Fala e Linguagem (F80) (CID-10, 1993). Os transtornos de fala e linguagem correspondem a alterações precoces na aquisição normal da linguagem. O pre- juízo da comunicação envolve tanto a linguagem expressiva verbal quanto a linguagem de sinais, não podendo ser atribuído diretamente a nenhum outro problema neuropsicossocial. Esse transtorno pode atingir a aprendizagem esco- lar da criança, pois quando não diagnosticado e tratado precocemente acabam sendo seguidos por dificuldades de ler e de soletrar, além de desencadear pro- blemas relacionais, emocionais e comportamentais, sendo os mais comuns as Dislalias, Gagueira, Fala Desordenada e os Transtornos de Linguagem expres- siva e Receptiva (GRUNSPUN, 1999). Dislalia corresponde ao fracasso na utilização dos sons da fala esperados para a etapa evolutiva da criança, envolvendo erros “[...] na produção, uso, repre- sentação ou organização dos sons, tais como a substituição de um som por outro (uso de /L/ ao invés de /R/) ou a omissão de sons (omitir o /R/)” (GRUNSPUN, 1999, p. 3). Gagueira ou tartamudez/disfluência é um transtorno articulatório do ritmo da fala, alterando-lhe a fluência e o padrão temporal destoantes com a idade do indivíduo. Pode ser identificada na repetição de sons e sílabas, prolongamento de sons, interjeições, palavras partidas - pausas dentro das palavras - bloqueio audível ou silencioso, circunlocuções - substituições de palavras para evitar as que são problemáticas - palavras faladas com excesso de tensão física, repetições de monossílabos, movimentos associados de face e/ou outras partes do corpo (GRUNSPUN, 1999, p. 4). Transtornos Específicos das Habilidades de Aprendizagem Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 153 Fala Desordenada ou Taquifemia corresponde a uma fala rápida com que- bra na fluência. Não apresentam repetições ou hesitações, mas falam tão rápido que perdem o sentido da fala e não conseguem expressar sua ideia, havendo então problemas de comunicação. Segundo Grunspun (1999), a Linguagem Expressiva, está relacionada à capacidade de utilizar a fala para se comunicar, mas a compreensão está pre- servada. Já a Linguagem Receptiva corresponde à capacidade rebaixada de compreensão da linguagem ao esperado para crianças com mesma faixa etária e experiência sociocultural. Os Transtornos Específicos do Desenvolvimento das Habilidades Escolares (F81) agrupam os transtornos específicos de leitura, escrita e habilidades arit- méticas (CID-10, 1993). O Transtorno Específico de Leitura - DISLEXIA pode ser conceituado da seguinte forma, de acordo com a exposição de García (1998, p. 173,): pela presença de um déficit no desenvolvimento do reconhecimento e compreensão dos textos escritos. Este transtorno não é devido nem à deficiência mental, e nem a uma inadequada ou escassa escolarização, nem a um déficit visual ou auditivo, nem a um problema neurológico. Somente se classifica como tal se é produzida uma alteração relevante do rendimento acadêmico ou da vida cotidiana. O autor continua a esclarecer que esse transtorno é denominado como “dislexia” ou como transtorno do desenvolvimento da leitura (STANOVICH, 1992 apud GARCÍA, 1998, p. 173). Manifesta-se uma leitura oral lenta, como omissões, distorções e substituições de palavras, com interrupções, correções e bloqueios. Produz-se uma afetação, também, da compreensão leitora. José e Coelho (2009, p. 90) pontuam que a criança com dislexia apresenta uma dificuldade grave com a identificação de símbolos gráficos - letras e números - logo no início de sua alfabetização, acarretando prejuízos a sua leitura e escrita. Em seu desenvolvimento, podemos notar as seguintes características: “[...] demora a aprender a falar, a fazer o laço nos sapatos, a reconhecer as horas, a pegar e chutar bola, a pular corda”. Sampaio (2012, on-line)1 complementa este quadro afirmando que a criança disléxica demora a segurar os talheres e comer sozinha. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ENTENDENDO TERMINOLOGIAS E CONCEITUAÇÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E154 Sampaio (2012, on-line)1 sintetiza de forma didática os sintomas expressos por uma criança disléxica, facilitando o reconhecimento de casos desse transtorno. Confusão de letras, sílabas ou palavras que se parecem graficamente: a-o, e-c, f-t, m-n, v-u. Inversão de letras com grafia similar: b/p, d/p, d/q, b/q, b/d, n/u, a/e. Inversões de sílabas: em/me, sol/los, las/sal, par/ pra. Adições ou omissões de sons: casa Lê casaco, prato lê pato. Ao ler pula linha ou volta para a anterior. Soletração defeituosa: lê palavra por palavra, sílaba por sílaba, ou reconhece letras isoladamente sem poder ler. Leitura lenta para a idade. Ao ler, movem os lábios murmu- rando. Freqüentemente não conseguem orientar-se no espaço sendo incapazes de distinguir direita de esquerda. Isso traz dificuldades para se orientarem com mapas, globos e o próprio ambiente. Usa dedos para contar. Possui dificuldades em lembrar se seqüências: letras do alfabe- to, dias da semana, meses do ano, lê as horas. Não consegue lembrar-se de fatos passados como horários, datas, diário escolar. Alguns possuem dificuldades de lembrar objetos, nomes, sons, palavras ou mesmo le- tras. Muitos conseguem copiar, mas na escrita espontânea como ditado e ou redações mostra severas complicações. Afeta mais meninos que meninas. Sugerimos a você queleia em José e Coelho (2009) as dicas para trabalhar as limitações da criança com dislexia. Os autores pontuam de forma clara orien- tações valiosas para o manejo das dificuldades que essas crianças enfrentam. No que tange aos Transtornos do Desenvolvimento da Escrita Expressiva - Disgrafia e Disortografia, García (1998), amparado em Gregg (1992), expressa que esses, tais como os anteriores, não podem ser explicados: [...] nem pela presença de uma deficiência mental, nem por escolariza- ção insuficiente, nem por um déficit visual ou auditivo, nem por altera- ção neurológica.Classifica-se como tal apenas se produzem alterações relevantes no rendimento acadêmico ou nas atividades da vida cotidia- na. A gravidade do problema pode ir desde erros na soletração até erros na sintaxe, estruturação ou pontuação das frases, ou na organização de parágrafos (GREGG, 1992 apud GARCÍA, 1998, p. 191). As Disgrafias, de acordo com Grunspun (1999), são dificuldades caligráficas. Utilizando a letra cursiva, a criança expressa execução de garranchos em lugar das letras, de modo que nem mesmo o autor é capaz de ler. Além da letra incom- preensível, pode escrever de forma espelhada ou da direita para a esquerda. Transtornos Específicos das Habilidades de Aprendizagem Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 155 José e Coelho (2009, p. 95-96) observam que a criança disgráfica tem dificul- dades em passar para a escrita o que é captado pela percepção visual. Isso quer dizer que a criança lê e compreende normalmente, mas a expressão gráfica está comprometida, pois não consegue idealizar no campo motor o que viu. Deste modo, acaba tendo traçado lento das letras, em geral ilegíveis. Para as autoras, os principais erros cometidos pela criança com disgrafia são: ■ Apresentação desordenada do texto. ■ Margens mal feitas ou inexistentes; a criança ultrapassa ou pára muito antes da margem, não respeita limites, amontoa letras na borda da folha. ■ Espaço irregular entre palavras, linhas e entrelinhas. ■ Traçado de má qualidade: tamanho pequeno ou grande, pressão leve ou forte, letras irregulares e retocadas. ■ Distorção da forma das letras o e a. ■ Substituição de curvas por ângulos. ■ Movimentos contrários aos da escrita convencional. ■ Separações inadequadas das letras. ■ Ligações defeituosas de letras na palavra. ■ Direção da escrita oscilando para cima ou para baixo. ■ Dificuldade na escrita e no alinhamento dos números na página. As Disortografias, por sua vez, de acordo com Grunspun (1999), são as difi- culdades em seguir as regras elementares de gramática da língua, podendo ser expressa na inabilidade de usar o plural, conjugação do verbo, utilização ade- quada de acentos e pontuações, distintas de erros ortográficos simples, não implicando na alteração da qualidade do traçado. José e Coelho (2009, p. 97) assinalam que crianças com esse transtorno tendem a fazer confusão de letras surdas por sonoras, nasais por orais, letras ou palavras simétricas ou semelhan- tes e de grafar palavras com um mesmo som para várias letras (casa/caza, azar/ asar, exame/ezame). As autoras ainda pontuam que a memória visual da criança deve ser estimulada constantemente. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ENTENDENDO TERMINOLOGIAS E CONCEITUAÇÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E156 Transtornos Específicos da Habilidade Aritmética - Discalculia, tratam-se de dificuldades significativas no desenvolvimento das habilidades relacionadas com a matemática. As dificuldades dos transtornos específicos da área da mate- mática incidirão em diversas atividades. García (1998, p. 211, grifos do autor) destaca que, quanto às dificuldades: Estas incluem habilidades ‘linguísticas’ (como a compreensão e o em- prego da nomenclatura matemática, a compreensão ou denominação de operações matemáticas e a codificação de problemas representados por símbolos matemáticos), habilidades ‘perceptivas’ (como o reconhe- cimento ou a leitura de símbolos numéricos ou sinais aritméticos, e o agrupamento de objetos em conjuntos), habilidades de ‘atenção’ (como copiar figuras corretamente nas operações matemáticas básicas, recor- dar o número que ‘transportamos’ e que devemos acrescentar a cada passo, e observar os sinais das operações) e as habilidades ‘matemáticas’ (como o seguimento das sequências de cada passo nas operações mate- máticas, contar objetos e aprender as tabuadas de multiplicar). Sampaio (2012, on-line)2 destaca que os processos envolvidos na discalculia são: 1) Alteração da memória de trabalho; 2) A memória em tarefas não-verbais é com- prometida; 3) Dificuldades em escrever os símbolos matemáticos; 4) As habilidades visuo-espaciais são comprometidas, e 5) Apresenta dificuldade nas habilidades psi- comotoras e perceptivo-táteis. A Discalculia, de acordo com García (1998), é detectada por meio de erros na solução de problemas verbais, nas habilidades de contagem, nas habilidades com- putacionais e na compreensão dos números. Kocs, citada por Keller & Sutton (1991, apud GARCÍA, 1998, p. 213) diferencia a discalculia em seis subtipos, os quais são: 1. Discalculia Verbal - dificuldade para nomear as quantidades matemáticas, os números, os termos, os símbolos e as relações. 2. Discalculia Practognóstica - dificuldade para enumerar, comparar e mani- pular objetos reais ou em imagens matematicamente. 3. Discalculia Léxica - Dificuldades na leitura de símbolos matemáticos. 4. Discalculia Gráfica - Dificuldades na escrita de símbolos matemáticos. 5. Discalculia Ideognóstica – Dificuldades em fazer operações mentais e na compreensão de conceitos matemáticos. 6. Discalculia Operacional - Dificuldades na execução de operações e cálcu- los numéricos. Transtornos Específicos das Habilidades de Aprendizagem Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 157 Por fim, os Transtornos da Função Motora envolvem o desenvolvimento da coordena- ção entre movimentos e objetos. Grunspun (1999) aponta que as crianças que apresen- tam esse transtorno são reconhecidamente desajeitadas em seus movimentos. Neste item, as Dispraxias estão definidas como sendo a alteração da memória motora (ROTTA, 2016). Rotta (2016) define praxia como sendo a capacidade do indivíduo tem de executar um ato motor, complexo ou não, que foi aprendido anteriormente de forma voluntária. Em outras palavras, é a capacidade do sujeito planificar e executar um movimento e repeti- -los de forma automática quando lhe for solicitado posteriormente. Segundo Rotta (2016), a praxia envolve três grupos de ações de igual importância: a elaboração ou planificação, que remete à dimensão da percepção; execução, que en- globa as habilidades relacionadas ao esquema corporal, as noções espaciais e temporais; e a automatização, que corresponde à agilidade e destreza envolvida na realização do movimento. Crianças com Dispraxias, ou seja, com dificuldades em planejar seus atos motores, en- frentam problemas para programar um curso de ações, e por isso são desorganizadas e apresentam habilidades de trabalho precárias. Segundo Ayres (1982, apud LIMA, 2014), a noção de esquema corporal é o substrato para a praxia, que é um produto da integra- ção intersensorial, ou seja, o planejamento motor depende da integração adequada das informações somato-sensoriais, vestíbulo-proprioceptivo e visuais. O autor propõe a seguinte divisão de processos para a compreensão da área afetada pela dispraxia: no campo das dispraxias, “Ideação – a parte mais cognitiva pela formação de conceitos onde a linguagem está envolvida –; Planejamento – a estratégia usada para o movimento somatosensorial (tátil e proprioceptivo) e a orientação espacial –; e a Execução – a efetividade motorada ação” (AYRES, 1982 apud LIMA, 2014, grifos do autor, on-line)3. No trato com crianças com dispraxias, segundo o autor, podemos notar que algumas são incapazes de brincar de forma original e criativa, ficando restritas à imitação ou à função dos objetos. Outras sequer iniciam uma atividade, ou então apresentam muita resistência em perseverar na sua execução. Grunspun (1999) pontua que os problemas escolares associados ao transtorno de coorde- nação motora estão eminentemente relacionados à atenção. Lembrando, claro, que não se caracteriza em Transtorno de Déficit de Atenção, mas sim um quadro de desatenção incompatível com o nível intelectual e a idade cronológica da criança. São complexo e minucioso os problemas de aprendizagem, concorda? Por essa razão, entendemos ser pertinente destacar que em todas as salas de aula haverá alunos que apresentam, por diversas razões, dificuldades em acompanhar o rendimento de seus pares, independentemente da complexidade ou da metodologia adotada para o conteúdo trabalhado. Assim, enquanto docentes, devemos saber distinguir o que se trata de dificuldades naturais, dificuldades secundárias ou problemas de aprendizagem, visando atender adequadamente nosso aluno, seja desenvolvendo metodologias diferen- ciadas ou propiciando os encaminhamentos para os profissionais adequados. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ENTENDENDO TERMINOLOGIAS E CONCEITUAÇÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E158 ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS NO SUPORTE À CRIANÇA COM D.A.: ALGUNS APONTAMENTOS E REFLEXÕES Antes de falarmos propriamente do papel da equipe no diagnóstico e no trata- mento da criança com dificuldades de aprendizagem, gostaríamos de reforçar o quão difícil é abordar essa temática, uma vez que suas consequências podem ser irreversíveis na vida da criança, podendo acarretar inclusive em desvios de per- sonalidade e comportamento (SANTOS, 2012). Isso porque o aluno por vezes é rotulado de forma pejorativa, quando não humilhado e segregado em sala de aula, ou no seu extremo oposto, mas não menos danoso, é subestimado em razão de suas dificuldades, não sendo investido pelo docente em suas potencia- lidades de aprendizagem. Santos (2012) continua a questão pontuando que as escolas tendem a se eximir do problema, reputando exclusivamente a família a culpa pela condi- ção do aluno. Essa, por sua vez, não tendo conhecimento acerca do processo de aprendizagem, transfere para escola o dever absoluto de resolver os problemas vivenciados pelo filho. Atuação dos Profissionais no Suporte à Criança com D.A.: Alguns Apontamentos e Reflexões Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 159 Esta dinâmica de empurra-empurra, nada mais é do que a evidente falta de conhecimento de ambas as partes sobre as dificuldades e os problemas de apren- dizagem. E quem sai prejudicado nessa história? Se você respondeu a criança, está corretíssimo! O sentimento de incompetência, fracasso e desmotivação acaba tomando conta da criança, que pode tanto evadir da escola quanto tornar-se um problema no ambiente escolar, pois não tem interesse nenhum nos conteúdos apresentados (SANTOS, 2012). Você pensa que é fácil detectar os sintomas indicativos dos problemas de aprendizagem? Moojen (2004) afirma que não, pois há diversas situações que podem gerar mal-entendidos acerca das condutas das crianças no ambiente esco- lar. Citamos os exemplos pontuados pela autora: ■ Alunos que ao serem atendidos no reforço escolar atingem rapidamente o sucesso nas atividades, em detrimento de outros que não apresentam progresso. ■ Alunos que ao trocarem de escola evoluem imediatamente, enquanto outros seguem acumulando fracassos. ■ Casos em que o incentivo de um professor já é o suficiente para desen- cadear uma melhora, outros que desde o início da vida escolar arrastam os mesmo problemas. ■ Alunos que vão bem em determinadas disciplinas e em outras não. ■ Alunos que oscilam em seu rendimento de acordo com a relação estabe- lecida com o professor. Essas contradições geralmente são explicadas por professores e pais a partir de seus pontos de vista, respaldando-se nas teorias que discutimos anteriormente. Entretanto, os alunos que não alcançam o sucesso escolar creditam a si mesmos a responsabilidade por sua condição, julgando-se incapazes, mesmo que em sua defesa acabe projetando a culpa em seus professores ou em outras circunstân- cias (MOOJEN, 2004). Para evitar essas situações geradoras de sofrimento para a criança, o diagnóstico deve ser realizado por uma equipe multidisciplinar. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ENTENDENDO TERMINOLOGIAS E CONCEITUAÇÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E160 Este processo de identificação das dificuldades ou problemas de aprendi- zagem, segundo Moojen (2006), começa na escola. O professor é o primeiro a detectar que algo não vai bem na aprendizagem da criança, pois muitas não apre- sentam maiores dificuldades em casa, porém, ao entrarem na escola, evidenciam dificuldades para acompanhar os colegas ou entender as propostas pedagógicas. E é aí que começam os questionamentos. As causas das dificuldades de aprendizagem são reveladas a partir de um levantamento de hipóteses realizado por um especialista da área (psicólogo esco- lar/educacional; psicopedagogo; neuropediatra), no qual estão relacionados fatores biológicos, emocionais, familiares e sociais (MOOJEN, 2004). Enquanto educadores, devemos ficar atentos a alterações bruscas de com- portamento. Por exemplo: uma criança que comumente comporta-se de maneira tranquila, amorosa e de maneira “repentina” passa a manifestar um tom mais agressivo, revoltado ou indisciplinado. Crianças que não permanecem sentadas nas carteiras, são irrequietas, falan- tes ou quietas demais, não gostam de perder ou receber um “não” como resposta, choram, fazem birra, batem nos colegas ou em si próprias, podem estar expres- sando, por meio desse comportamento, sentimentos e angústias que lhes estão incomodando, mas não sabem como externalizar de forma adequada. Como esses comportamentos mobilizam muito os adultos, cabe aos pais, familiares, amigos e professores ficarem atentos para não agirem somente por condutas coerciti- vas, mas também buscarem compreender o que pode estar desencadeando tais comportamentos (SANTOS, 2012). É na escola que encontramos o ambiente propício para a manifestação de algumas questões relativas ao comportamento, haja vista que é um ambiente no qual convivem seres humanos em relação, e se há relação há eclosão de confli- tos, manifestações comportamentais e dificuldades, ou seja, há a reprodução de problemas sociais e familiares que podem acentuar alguns tipos de problemas de aprendizagem. Sendo assim, não podemos trabalhar as dificuldades se não observarmos as questões referentes ao contexto social, histórico, cultural e o processo de ensino. Afinal, a “culpada” pela dificuldade de aprendizagem não é a criança. Fazer uma redução a culpado e inocente não favorece o encaminhamento de todo o processo Atuação dos Profissionais no Suporte à Criança com D.A.: Alguns Apontamentos e Reflexões Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 161 de superação da referida questão. Conforme vimos em Moojen (2004), a dificul- dade de aprendizagem nos remete ao ato de aprender, que é uma ação dificultosa por si só. Quando nos pomos a aprender, buscamos significado para aquilo que não sabemos e que é difícil de compreender. Para problematizarmos o papel da equipe no diagnóstico e no atendimento de D.A., vamos propor um caso para exemplificar o processo: imagine que che- gue até você o caso de uma aluna chamada Sara, de 11 anosde idade, que ainda frequenta o segundo ano do ensino fundamental I. A queixa é a de que Sara é uma menina com dificuldades de aprendizagem, não conseguiu apreender o processo de leitura e escrita e que ainda tenta compreender os processos mate- máticos. Suponha que quem lhe passou o caso foi a supervisora educacional, que por sua vez solicitou o acompanhamento da psicóloga da escola, Luiza. Aproveitamos o momento para pontuar que o profissional da psicologia também pode atuar de modo a reforçar os estigmas lançados sobre o aluno com D.A, pois ainda hoje esse profissional tende a cumprir com as expectativas dos profissionais da educação, que por conseguinte reforçam o papel do psicólogo como aquele que aplica testes que avaliam e classificam o aluno de acordo com seu desempenho, identificando no sujeito os fatores que mobilizam seus proble- mas de aprendizagem (PATTO, 1987). Segundo Patto (1987), isso ocorre devido ao fato de a Psicologia ter surgido no Brasil no Período da Primeira República, desenvolvendo-se em laborató- rios anexos às escolas ou instituições paraescolares voltada à experimentação. Anos mais tarde, a Psicologia atuou como uma espécie de “oráculo”, destinando e selecionando os mais “aptos” na educação ou em atividades profissionais, uti- lizando-se basicamente de testes psicológicos. Facci (2004) compartilha dessa opinião ao afirmar que a Psicologia enquanto ciência surgiu a partir de condições históricas determinadas, partindo de uma visão clínica no sentido de diagnóstico e de tratamento dos problemas de apren- dizagem e de uma visão psicomotricista. Em nosso caso, partindo de uma concepção mais ampla sobre o papel do profissional e das causas das D.A., Luiza, após ouvir a queixa da professora, diri- giu-se até a sala da supervisora e perguntou sobre a aluna Sara. A supervisora pôs-se então a comentar que o caso remete-se a uma desestrutura familiar, e DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ENTENDENDO TERMINOLOGIAS E CONCEITUAÇÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E162 que a criança sofreu um acidente aos cinco anos e que bateu a cabeça. Embora o neuropediatra diga que está tudo bem com Sara, a escola não concordava com o diagnóstico do médico. Veja, a preocupação não está pautada no conteúdo escolar, visto que especu- lações quanto à família de Sara e seu acidente sofrido há muito tempo ocupam o primeiro plano da discussão. Ao recorrermos a Bock (2000), encontramos que a tarefa da escola é pautada na transmissão do conhecimento adquirido historicamente. Nessa perspectiva, especula-se que essa não tem sido a fundamental preocupação no caso da aluna Sara. Parece que há a necessidade de que Luiza comprove que Sara não é capaz de aprender em uma sala de crianças ditas “normais”. Cogita-se uma culpabi- lização da criança e da família sobre a suposta incapacidade da criança, afinal, a família é carente, Sara não tem mãe, tem vários irmãos... Essa é justamente a visão liberal acerca do homem, que segundo Bock (2000) é visto como um ser cheio de capacidades e potencialidades que podem ser manifestadas no decor- rer da vida. É a ideia de natureza humana, a qual traz a questão da essência, da semente de homem que desabrocha conforme é estimulada e adequada ao meio social. Nesse sentido, se Sara não aprende é porque há alguma coisa errada, e cabe a psicóloga desvendar esse mistério, afinal a menina está comprometendo o bom andamento da turma! A psicóloga para e se põe a pensar no que poderia fazer, visto que a demanda cobrava de forma encoberta o diagnóstico de um possível “problema” que impedia o aprendizado de Sara. Situações como essas são vividas não só pelos profissionais da saúde, mas também por professores, que se veem empoderados pelo discurso da ciência e acabam por decidir o caminho que a criança seguirá em sua vida acadêmica. Abrir mão desse poder é fundamental, para que possamos fazer uma leitura mais empática e coerente com a situação da criança (KUPFER, 1995). Para fugir de atitudes onipotentes, o profissional deve se cercar de infor- mações. Neste caso, Luiza leu a ficha escolar da criança e constatou que ela participava de um grupo de apoio psicopedagógico em uma clínica escola de Psicopedagogia. Decidiu então procurar a psicopedagoga responsável por Sara. A psicopedagoga disse que a menina realmente não estava alfabetizada, mas que desde que começou a frequentar o grupo de apoio psicopedagógico Sara Atuação dos Profissionais no Suporte à Criança com D.A.: Alguns Apontamentos e Reflexões Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 163 havia progredido muito, pois já conseguia construir frases inteiras, estabelecia raciocínios matemáticos coerentes e já era capaz de detectar alguns de seus erros, podendo assim corrigi-los sem intervenção externa. De modo geral, Sara está acompanhando o conteúdo do segundo ano escolar, embora haja uma defasa- gem quanto a sua idade para com a série. Quais seriam as hipóteses sobre o que estava acontecendo? Neste grupo de apoio psicopedagógico, Sara estava mostrando um bom desempenho. Será que na sala de aula ela não estava conseguindo expressar o que estava aprendendo? A psicóloga decidiu procurar a professora do primeiro ano do ensino fun- damental para obter mais informações. A professora lhe disse que a menina realmente tinha muita dificuldade, mas que no final do ano ela já havia progre- dido muito e que acompanhava a turma. Mais um dado a somar no levantamento realizado, a menina realmente apresentou progressos... Mas por que esse pro- gresso não estava sendo percebido? A fim de conseguir mais informações a respeito do caso, a psicóloga resol- veu observar algumas aulas na sala de Sara. Percebeu que a aluna se comportava de acordo com o contexto da sala de aula que era composta por crianças com idade entre 7 e 8 anos. A menina conversava com os colegas, no entanto era nítido perceber que algumas crianças a deixavam isolada, principalmente aque- las popularmente nomeadas de “preferidas da professora”. Sara demonstrava a necessidade de que a professora lhe escolhesse ou elogiasse sua atuação em algo que havia feito. A psicóloga não percebeu desatenção, a aluna acompanhava o ritmo da sala de aula e tinha a matéria em dia. Cometia erros tal qual os demais alunos. O que estava acontecendo? A psicóloga percebeu que tinha um extenso material em mãos. Profissionais apontavam para a melhora da aluna: a professora do primeiro ano, a psicope- dagoga do grupo de apoio psicopedagógico, e agora havia sua própria opinião, pois havia constatado que a menina estava aprendendo e progredindo. Por isso, a psicóloga decidiu ter uma conversa com a professora, no entanto, não queria que essa conversa acontecesse na hora do intervalo, e pediu para que a profes- sora fosse até a sua sala no horário de sua “hora atividade”. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ENTENDENDO TERMINOLOGIAS E CONCEITUAÇÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E164 Durante a conversa, a psicóloga foi apontando os resultados do Teste de Desempenho Educacional (TDE) que havia aplicado, e suavemente foi colo- cando a opinião dos demais profissionais a respeito da aluna, e comentou que se está havendo mesmo esse progresso, é porque a professora está sendo um fator fundamental nesse processo. A professora ficou com as bochechas cora- das, mas logo em seguida mostrou a atividade da menina e apontou frases em que ela havia escrito “nóis montemo as barraca”. A psicóloga pontuou que esse tipo de frase estava indicando o meio social vivenciado pela criança, mas que era possível mostrar para a menina que há uma outra forma de se escrever a lín- gua portuguesa, de uma maneira diferente daquela falada. Ao final da conversa, a professora comentou que havia muitos aspectos em que Sarapoderia melhorar, principalmente nesses detalhes. Disse ainda que sofre com uma menina grande demais em sua sala, pois ela já é “sensual” e as demais meninas não. A psicóloga pontuou detalhes como a estatura de Sara não ser tão alta, e que a preocupação da escola necessita se pautar em priorizar a transmis- são do saber sistematizado. A conversa ocorreu de forma tranquila, esses dados foram passados também para a Equipe Pedagógica do colégio por meio de um breve relatório. A postura da psicóloga foi a de não culpabilizar Sara pela sua dificuldade, mas sim de tentar compreender o contexto social de onde estava surgindo a queixa em relação à aluna. À primeira vista essa atitude parece simples, mas ao iniciá- -la pôde-se acompanhar o caminho sinuoso percorrido pela psicóloga, visto que as “autoridades escolares” já haviam dado o veredicto de que Sara não consegui- ria acompanhar a turma da segunda série. Analisar criticamente uma situação onde pode estar envolvido um ser humano demanda um grande esforço, visto que essa pessoa contém informações do todo social, e é por isso que a análise pode ser mais extensa. A avaliação de Sara nos traz justamente a reflexão de que devemos, antes de mais nada, analisar os fatos de maneira contextualizada para não patologizarmos a criança. Todavia, há crianças com questões específicas de aprendizagem, conforme apresentamos anteriormente, e nestes casos o trabalho de diagnóstico deve ser ainda mais amplo, pois dependendo do Transtorno deve-se acionar profissio- nais diferentes da área da saúde. Atuação dos Profissionais no Suporte à Criança com D.A.: Alguns Apontamentos e Reflexões Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 165 No caso dos Transtornos de Aprendizagem, cabe ao médico realizar uma ava- liação neurológica e/ou psiquiátrica para detectar quaisquer alterações orgânicas ou tratá-las se for o caso. Ao psicólogo, compete a análise intelectual e emocio- nal do sujeito em questão, utilizando instrumentos científicos de uso exclusivo desta categoria, além de relacionar esses dados com os elementos levantados por meio de entrevistas e análise do contexto escolar. Ao psicopedagogo, cabe ava- liar junto ao aluno quais as estratégias de ensino que seriam mais adequadas ao perfil de aprendizagem do avaliando. Quanto aos demais profissionais, tais como dentistas, fonoaudiólogos, psicomotricistas e terapeutas ocupacionais, são acio- nados de acordo com as questões inerentes aos casos trabalhados. Por exemplo: se o aluno é Respirador Oral, o dentista é fundamental para auxiliar na corre- ção da arcada dentária e o fisioterapeuta na correção do modo de respirar; se o avaliando apresentar um transtorno de fala, o fonoaudiólogo será o fundamen- tal tanto no diagnóstico quanto no tratamento. E o professor, onde fica nessa história toda? Ele é peça fundamental no pro- cesso de identificar casos em que há a real necessidade de encaminhar para avaliação específica. Conhecer os indicativos de que há algo errado, ou seja, que a criança apresenta dificuldades que fogem ao padrão de normalidade esperado para sua faixa etária, além de conhecer as principais características de cada Transtorno é essencial para realizar um encaminhamento acertado. Após o diagnóstico, o professor precisa ser incluído no tratamento, pois será ele o profissional que pos- sibilitará a inclusão no ambiente esco- lar. O professor também deve ser bem or ientado pelos profissionais quanto às adapta- ções curriculares e às técnicas de manejo necessárias para o desenvolvimento do aluno atendido. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ENTENDENDO TERMINOLOGIAS E CONCEITUAÇÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E166 Essa é a razão em insistimos na importância da compreensão contextuali- zada do processo de aprendizagem, pois caso contrário o professor pode atuar como reprodutor de estigmas, fortalecendo situações de fracasso escolar, quando não, criando problemas ao não atender de maneira diferenciada o que seriam somente dificuldades primárias ou de percurso da aprendizagem acadêmica. Frederico Neto et al (2015) realizaram um estudo em 7 escolas públicas de São Paulo, avaliando a percepção dos professores sobre D.A. Nesse estudo, os autores confirmaram que, apesar dos avanços na área de diagnóstico, os professores apontam como causas da D.A. fatores relacionados às crianças e/ou às famílias majoritariamente. Tal postura denota que os educadores continuam repetindo a noção de que os problemas de ordem familiares ou psiconeurológicos são infinitamente superiores às questões pedagógicas e da relação professor-aluno. E qual é o problema dessa visão acerca do pro- blema de aprendizagem? Quando o professor não se vê como peça fundamental nesse processo, pas- sam a considerar a sua atuação pouco efetiva, não conseguindo ver que a mudança de sua postura poderia ter um impacto muito maior na melhora do aluno. Fonte: adaptado de Frederico Neto et al. (2015). Pré-Requisitos para Aquisição da Leitura e Escrita Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 167 PRÉ-REQUISITOS PARA AQUISIÇÃO DA LEITURA E ESCRITA Um forte aliado ao professor, para ter mais segurança ao analisar as dificuldades de aprendizagem apresentadas pela criança, é saber quais são as habilidades que devem ser apresentadas ao iniciarem o processo de alfabetização. Na atualidade, muitos dos casos encaminhados para avaliação de transtornos de aprendizagem são, na realidade, decorrentes de falhas na aquisição dessas habilidades, que aca- bam acarretando as dificuldades naturais ou de percurso (MOOJEN, 2004), que por não serem adequadamente manejadas podem se estruturar em situações de fracasso escolar e, assim, tornarem-se um problema estabelecido de aprendiza- gem (JOSÉ; COELHO, 2009). Segundo José e Coelho (2009, p. 77), a alfabetização depende de uma com- plexa integração “[...] dos processos neurológicos e de uma harmoniosa evolução de habilidades básicas, como percepção, esquema corporal, lateralidade etc”. Vocês já sabem que esses são os conteúdos principais da Educação Infantil, mas infeliz- mente, devido a grande pressão social sobre os professores, muitos têm optado por focar seus esforços na alfabetização precoce, deixando em segundo plano a estimulação dos pré-requisitos que abordaremos de forma breve na sequência. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ENTENDENDO TERMINOLOGIAS E CONCEITUAÇÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E168 Percepção: é por meio dos órgãos dos sentidos que a criança estabelece con- tato com o mundo exterior, compreendendo como o contexto social se organiza. Por essa razão, é fundamental que na educação infantil todos os sentidos sejam trabalhados, ou seja, o visual, o auditivo, o tátil, o olfativo e o gustativo. Quanto mais estimulada for a criança e o seu sistema neurológico estiver desenvolvido, “[...] maior número de detalhes integrados ela será capaz de perceber” (JOSÉ; COELHO, 2009, p. 78) Esquema Corporal: corresponde à habilidade de conhecer o próprio corpo, de suas partes, dos movimentos, das posturas e das atitudes. A perceção que a criança tem do próprio corpo pode ser avaliada a partir dos desenhos de figura humana que ela realiza. A estruturação do esquema corporal permite a criança a tomar a si própria como ponto de referência, além de se distinguir dos demais sujeitos e objetos. Este pré-requisito é fundamental para o estabelecimento de habilidades básicas para a alfabetização, tais como noções de em cima, em baixo, na frente, atrás, esquerdo, direito, bem como permite adquirir seu equilíbrio corporal e dominar seus impulsos motores. Falhas nesta área podem compro- meter as noções espaciaise temporais e o equilíbrio e postura, que por sua vez afetam a capacidade de se locomover num espaço e escrever obedecendo limi- tes de uma folha ou linha (JOSÉ; COELHO, 2009). Lateralidade: preferência neurológica que se tem por um lado do corpo na utilização da mão, pé, olho e ouvido. Os sujeitos podem ser destros, canhotos ou ambidestros. Alguns podem apresentar a lateralidade cruzada, ou seja, olho e pé adotam o direito, enquanto ouvido e mão adotam o lado esquerdo. As dificulda- des decorrentes de não lateralização da criança podem ser notadas principalmente na qualidade da grafia, apresentando letra ilegível, na orientação espacial na folha de papel e nas posturas incorretas no ato de escrever (JOSÉ; COELHO, 2009). Orientação espacial e temporal: é a consciência da relação do corpo com o meio externo. Essa habilidade é essencial para a criança estabelecer relações entre o espaço e si próprio, dirigir-se a algo, avaliar e adaptar seus movimentos ao espaço disponível. Falhas na aquisição dessa habilidade podem refletir nos seguintes problemas de aprendizagem, de acordo com José e Coelho (2009, p. 79): Pré-Requisitos para Aquisição da Leitura e Escrita Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 169 ■ Confundir letras que diferem quanto à orientação espacial (b/p, q/p). ■ Ter dificuldade em respeitar a ordem das letras na palavra e das palavras na frase (brasa/barsa). ■ Ser incapaz de locomover os olhos no sentido esquerdo-direito (pula uma ou mais linhas durante a leitura). ■ Na escrita, não respeita a direção horizontal do traçado. ■ Não respeitar os limites da folha. ■ Apresentar sérias dificuldades para se organizar com seu material escolar. ■ Esbarrar em objetos e pessoas. Já a noção de tempo deve conciliar tanto o tempo vivido quanto o externo, pois somente como ela percebe o tempo vivido é que os conceitos como ontem, hoje, dias, meses, anos, etc. serão adquiridos, estabelecendo a noção de suces- são. Segundo José e Coelho (2009, p. 80), lacunas de desenvolvimento nessa área podem acarretar: ■ Dificuldades na pronúncia e na escrita de palavras (troca ou inversão da ordem das letras). ■ Dificuldade na retenção de uma série de palavras na frase e de uma série de ideias dentro de uma história. ■ Má concordância verbal. ■ Dificuldade no ditado devido à não-correspondência dos sons com as letras que os representam. Coordenação visomotora: Corresponde à integração entre os movimentos gerais e específicos do corpo com a visão. José e Coelho (2009) pontuam que a coor- denação motora global remete-se aos movimentos que envolvem vários grupos musculares, e a coordenação motora fina compreende a destreza manual, como a preensão. Cortar, desenhar, copiar, escrever etc. dependem da coordenação global com a visão, pois sem isso a criança apresenta dificuldades em saber onde iniciar o traçado das letras. Nesse quesito, podemos destacar a importância da memória cinestésica. Segundo Morais (1997), a criança precisa memorizar como as letras DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ENTENDENDO TERMINOLOGIAS E CONCEITUAÇÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E170 são escritas, ou seja, os movimentos motores necessários à execução gráfica. No início do processo, é fundamental a intervenção do professor, mas se tudo cor- rer bem, com o tempo a criança conseguirá realizar isso de forma espontânea. Caso contrário, ela não lembrará quando lhe for solicitada a tarefa de escrita. Ritmo: Morais (1997) afirma que o ritmo é uma condição inata ao ser humano, mas passível de ser trabalhada, haja vista a complexidade desta habilidade. Ritmo está relacionado à noção de sucessão e duração no que corresponde à percepção dos sons em um determinado tempo. A falta de habilidade rítmica, de acordo com o autor, compromete a leitura, tornando-a lenta e silabada, com distorções/ omissões de pontuação e entonação inadequadas. No que tange a parte gráfica, o comprometimento do ritmo pode contribuir para aglutinações, omissões ou adi- ções de sílabas, bem como falhas na acentuação de palavras. Análise e síntese visual e auditiva: para Morais (1997, p. 48), esse é um dos pré- -requisitos mais importantes para a aprendizagem da leitura e escrita. Para conseguir ler, a criança precisa “[...] reconhecer a palavra, decompô-la em suas partes cons- tituintes (análise) e recompô-la, unindo as partes ao todo (síntese)”. José e Coelho (2009) pontuam que esse processo inicia-se por meio de desenhos e estimulações auditivas, como adivinhações e rimas, para posteriormente ser transferida para a escrita. Quando a criança apresenta lacunas no desenvolvimento desta habilidade, apresentará dificuldades na formação de sílabas, na sequência das letras e na for- mação de novas palavras. Habilidades visuais e auditivas: a capacidade perceptiva visual íntegra per- mite a criança discriminar semelhanças e diferenças, formas e tamanhos, distinguir figura-fundo e memória visual preservada. Essas habilidades são desenvolvidas gra- dualmente com a apresentação de objetos já conhecidos e posteriormente a inclusão de elementos gráficos como letras e palavras. Os movimentos oculares são desordena- dos na criança, cabendo à educação formal ensiná-las a deslocar os olhos no sentido da leitura, ou seja, direita e esquerda, fazendo paradas e saltos, processos envolvidos na leitura. Já a habilidade auditiva permite a discriminação dos sons, principalmente de letras que sonoramente são muito parecidas, tais como: v/f, t/d, p/b. Quaisquer falhas nessas habilidades podem acarretar dificuldades de associação entre símbolo e som, tornando a leitura lenta, com inversões, omissões, adições de letras e pala- vras, o mesmo acontecendo com a escrita (JOSÉ; COELHO, 2009; MORAIS, 1997). Pré-Requisitos para Aquisição da Leitura e Escrita Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 171 Linguagem oral: para José e Coelho (2009), a alfabetização só pode ser ini- ciada quando a criança é capaz de pronunciar adequadamente todos os sons da língua. Tal condição é esperada por volta dos 6 anos. A amplitude de vocabulá- rio também é fundamental, pois uma criança com repertório verbal pobre pode não ser capaz de usar as palavras com seu significado adequado, e consequen- temente não conseguirá compreender textos. Neste item, procuramos destacar a relação entre as habilidades básicas neces- sárias para aquisição e escrita e as possíveis consequências na aprendizagem, caso não ocorram da maneira esperada. Ao dominar esses saberes, você terá mais elementos para analisar os casos de dificuldades e de problemas de aprendiza- gem que encontrarem no decorrer de suas vidas profissionais. Bueno aponta em entrevista não haver dados oficiais que indiquem a quan- tidade de diagnósticos errados atribuídos a crianças com D.A, mas Maria Irma acredita que seja superior a 90%. De onde vem essa discrepância? (Chris Bueno) DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ENTENDENDO TERMINOLOGIAS E CONCEITUAÇÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E172 CONSIDERAÇÕES FINAIS Caro(a) aluno(a), nesta unidade distinguimos as diferentes terminologias uti- lizadas na atualidade para se nomear os problemas de aprendizagem. Vimos, amparados em Moojen (2004), que muitas das dificuldades enfrentadas pelas crianças em período de escolarização são na realidade intrínsecas aos conteú- dos a serem apreendidos, ou seja, são naturais ou de percurso. Entretanto, não podemos descartar que também há os problemas de apren- dizagem, que requerem diagnóstico e tratamento diferenciados, uma vez que são de ordem intrínseca ao sujeito, persistentes e sem perspectiva de remissão. Vimos critérios envolvidos e as característicasde cada um dos transtornos de aprendizagem de ordem psiconeurológica, quais sejam: dislexia, disortografia, disgrafia, discalculia, dispraxia, dislalia, gagueira etc. A distinção entre dificuldades e problemas de aprendizagem é importante para não corrermos o risco de patologizarmos toda e qualquer dificuldade aca- dêmica que uma criança ou adolescente venham apresentar no contexto escolar. Nossa pretensão foi clarificar essas nomenclaturas, descrevendo suas principais características, enfatizando que o desejo dos profissionais da educação pelo pro- gresso da criança faz toda a diferença no diagnóstico e do prognóstico da mesma. Vimos então que o diagnóstico de possíveis problemas de aprendizagem começa pela observação e ação dos professores, mas não são eles que fecham esse processo. Seu papel neste processo é conseguir distinguir as dificuldades de percurso, testar diferentes metodologias, e quando os recursos escolares se esgotarem ou mesmo se houver fortes indicativos, encaminhar a criança para profissionais da área da saúde. O encaminhamento realizado por você será realizado com maior segurança ao ter como parâmetro as condições com que seu aluno chegou ao processo de alfabetização e, por essa razão, apresentamos os pré-requisitos necessários para a aquisição da leitura, escrita e noções matemáticas. 173 DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM EXIGEM ACOMPANHAMENTO MÉDICO “Embora o professor tenha condições de reconhecer distúrbios, o diagnóstico deve ser feito pela equipe de saúde”, alerta especialista. Percebemos em nossa prática profissional a angústia dos professores em auxiliar os alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem. Muitos procuram se capacitar por meio de cursos sobre o tema e isso é fundamental, mas precisamos ter claro que o diagnóstico deve ser feito por uma equipe multidisciplinar. Neste sentido, apresentare- mos o fragmento de uma entrevista cedida ao Jornal do Professor pelo neuropediatra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Nogueira Aucélio, com atuação na área de medicina da criança e do adolescente. No que tange especificamente os Transtornos/Distúrbios de Aprendizagem o Dr. Aucé- lio é enfático ao afirmar sobre a necessidade do acompanhamento da equipe de saúde. Segundo o entrevistado (2014, s.p.): “É muito importante o professor ter condições de reconhecer que o aluno pode apresentar dificuldades de aprendizagem, mas o diagnós- tico deve ser feito pela equipe de saúde”, ressalta o especialista. [...] J.P. – O que são dificuldades de aprendizagem e quais as principais? Carlos Nogueira Aucélio – Dificuldade de aprendizagem é qualquer ocorrência na esfera acadêmica que possa desencadear um prejuízo no ato de aprender. A dificuldade pode estar relacionada a métodos pedagógicos inadequados, problemas emocionais ou a dis- túrbios (TDAH, dislexia e outros). J.P. – Em quais casos há necessidade de acompanhamento médico? Como é feito o diagnós- tico? Qual o papel do eletroencefalograma? C. N. A. – Os casos que exigem acompanhamento médico são os distúrbios de apren- dizagem nos quais o estudante apresenta disfunção neurológica. Há a necessidade de melhor investigação. O diagnóstico é eminentemente clínico. A depender do caso, de- vem ser acrescentados exames complementares, como o eletroencefalograma (EEG), es- tudo do PE 300, avaliação neuropsicológica (Wisc, Waiss, PAC e outras). O papel do EEG é avaliar a maturidade bioelétrica cerebral e verificar a presença de descargas epilépticas. J.P. – Fala-se de um eventual excesso de prescrições de remédios a estudantes para que “fi- quem quietos” ou “prestem mais atenção às aulas”. Isso é real? C. N. A– Os critérios de diagnóstico, evolução e acompanhamento do tratamento es- tão hoje muito bem definidos. Assim, fornece à equipe de saúde maior segurança em medicar. Mas é importante frisar que o diagnóstico da disfunção deve ser criterioso. In- felizmente, há casos como aqueles de “concurseiros”, que têm feito uso de medicações, sem necessidade, com a finalidade de aumentar a performance em seus estudos. Caso o indivíduo não tenha indicação de tratamento, não é aconselhável fazê-lo. 174 J.P. – Qual o papel do professor no reconhecimento das dificuldades dos alunos e no encami- nhamento dos mesmos à consulta médica? C. N. A– Estudos têm demonstrado que o principal encaminhamento para a equipe de saúde é realizado pelos professores. É muito importante o professor ter condições de reconhecer que o aluno possa apresentar dificuldades de aprendizagem, mas o diag- nóstico tem de ser feito pela equipe de saúde. J.P. – Qual o papel dos psicopedagogos no atendimento a estudantes que apresentam difi- culdades de aprendizagem? C. N. A – O papel principal do psicopedagogo é descobrir junto ao aluno as melhores estratégias de estudo e aprendizagem. J.P. – O atendimento a alunos com dificuldades de aprendizagem deve ser feito de forma interdisciplinar? C. N. A – Com certeza. O diagnóstico e o tratamento devem ser feitos pela equipe mul- tidisciplinar (neuropediatras, pediatras, hebiatras, psiquiatras, oftalmologistas, otorrino- laringologistas, fonoaudiólogos, psicólogos, psicopedagogos, ortoptistas, professores). Cada caso é um caso. Dependendo do paciente, torna-se necessário o parecer desses profissionais. Caros(as) alunos(as), nesta entrevista o Dr. Aucélio apresenta de forma muito clara o papel de cada profissional no diagnóstico e no tratamento do aluno com Transtorno de Aprendizagem. Ter conhecimento sobre esse processo é fundamental, pois situa o professor acerca de seu papel no processo, qual seja, o encaminhamento e acompanha- mento da evolução dos alunos. Destacamos, então, que compete ao professor conhecer sobre os transtornos para poder fazer os encaminhamentos necessários, mas não é de sua responsabilidade dar o diagnóstico. Fonte: Portal Brasil (2014, on-line)4. 175 1. Dada a complexidade dos sintomas que as dificuldades de aprendizagem po- dem contemplar, Moojen (2004) propôs uma subdivisão: as dificuldades naturais ou de percurso e as dificuldades secundárias a outras patologias. Sobre esta dis- tinção, leia as afirmativas e assinale a alternativa correta. I. As dificuldades naturais ou de percurso são mais facilmente identificadas, em razão do modelo diagnóstico atual. II. As dificuldades de aprendizagem naturais são decorrentes tanto de fatores extrínsecos quanto intrínsecos ao sujeito. III. As dificuldades de percurso são assim nomeadas pois podem ser resolvidas de forma tranquila,+ com intervenções pontuais no foco do problema. IV. As dificuldades de aprendizagem secundárias envolvem patologias que atuam sobre o desenvolvimento humano primeiramente, ou seja, a difi- culdade de aprendizagem é decorrente destes fatores, tais como: quadros neurológicos graves, deficiências mentais e sensoriais ou transtornos psi- coneurológicos. a) Apenas I e II estão corretas. b) Apenas II e III estão corretas. c) Apenas I está correta. d) Apenas II, III e IV estão corretas. e) Nenhuma das alternativas está correta. 2. Os Transtornos Específicos da Aprendizagem, de acordo com o DSM-5 (2014), são decorrentes de fatores ____________, incluindo interação de fatores genéti- cos, epigenéticos e ambientais. Tais aspectos influenciam de forma significativa na percepção e/ou processamento das informações a nível _____________. a) Sociais/cognitivo. b) Biológicos/ cerebral. c) Cerebrais/biológico. d) Biológicos/emocional. e) Sociais/cerebral. 3. O fracasso escolar é muito pesado para a criança e/ou adolescente em idade escolar, pois o desempenho escolar é de suma importância para seu reconheci- mento enquanto sujeito. Tal como o trabalho é fundamental para o adulto, o su- cesso escolar é organizativo da identidade infanto-juvenil. Por isso, o diagnósti- co acertado é peça fundamental nesse processo, cujo papel do professor é: 176 a) Encaminhar para os profissionais da área da saúde, quando identificar quea criança apresenta dificuldades que fogem do padrão esperado para a sua faixa etária e não podem ser explicados a partir de fatores extrínsecos. b) Verificar as dificuldades do aluno e identificar o Transtorno de Aprendizagem apresentado. c) Implementar tratamentos específicos com a finalidade de sanar as causas das dificuldades apresentadas pelos alunos. d) Observar a evolução do caso discutindo com os demais profissionais da esco- la, chamando os pais para responsabilizá-los pela falta de interesse dos filhos na escolarização. e) Questionar a competência dos profissionais envolvidos no processo diagnós- tico, uma vez que é o professor que passa mais tempo com o aluno, logo co- nhece melhor as dificuldades apresentadas pelo mesmo. 4. Conforme apresentado no item 4 desta unidade, é imprescindível o domínio do professor acerca dos pré-requisitos para a aquisição da leitura e escrita para a compreensão do processo de alfabetização da criança, e também para evitar en- caminhamentos equivocados. Cite os pré-requisitos e justifique a afirmativa a partir do conteúdo discutido. 5. Os transtornos de aprendizagem são definidos a partir de 3 documentos oficiais, quais sejam: NJCLD (1994), o CID-10 (1993) e o DSM-5 (2014). Apesar de apresen- tarem algumas discrepâncias acerca da temática, os três documentos estabele- cem 4 critérios em comum. Sobre estes, assinale V para verdadeiro e F para falso. ( ) As crianças apresentam comprometimento ou atraso no desenvolvi- mento decorrentes de causas biológicas. ( ) Os sintomas são persistentes, por isso não apresentam melhoras súbi- tas nem recaídas. ( ) O início se dá invariavelmente na infância, mas é persistente em outras etapas da vida. ( ) O comprometimento envolve as áreas visoespaciais, coordenação mo- tora, linguagem, mas não atinge a capacidade relacional do sujeito. a) V, V, F e V. b) V, F, V e F. c) V, V, V e F. d) F, V, V e V. e) V, F, V e V. Material Complementar MATERIAL COMPLEMENTAR Saúde Mental na Escola: O Que os Educadores Devem Saber Gustavo M. Estanislau; Rodrigo Aff onseca Bressan; Colaboradores Editora: ARTEMD Sinopse: no livro, os autores se propõem a responder algumas questões: como promover a saúde mental de crianças e adolescentes? Como diferenciar transtornos mentais, como o transtorno de dé� cit de atenção/hiperatividade, de características do desenvolvimento normal, como agitação? Qual o papel da escola, em particular o do professor em sala de aula, no auxílio a alunos e famílias com problemas no âmbito da saúde mental? Estas e outras questões são abordadas neste livro, repleto de dicas e exemplos que auxiliarão os pro� ssionais da educação a compreender e lidar com questões de saúde mental na escola. Crianças com difi culdades na escola: onde mora o problema? Na reportagem “Crianças com difi culdades na escola: onde mora o problema?”, disponível no link: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252008000200006&lng =en&nrm=iso>, Bueno (2008) discute as razões pelas quais os diagnósticos de D.A. tomaram uma dimensão epidemiológica no Brasil na atualidade. Como Estrelas na Terra – toda a criança é especial - 2007 Sinopse: Taare Zameen Par conta a história de uma criança que sofre com dislexia e custa a ser compreendida. Ishaan Awasthi, de 9 anos, já repetiu uma vez o terceiro período (no sistema educacional indiano) e corre o risco de repetir de novo. As letras dançam em sua frente, como diz, e não consegue acompanhar as aulas nem focar sua atenção. Seu pai acredita apenas na hipótese de falta de disciplina e trata Ishaan com muita rudez e falta de sensibilidade. Após serem chamados na escola para falar com a diretora, o pai do garoto decide levá-lo a um internato, sem que a mãe possa dar opinião alguma. Tal atitude só faz regredir em Ishaan a vontade de aprender e de ser uma criança. Visivelmente deprimido, sentindo falta da mãe, do irmão mais velho, da vida… A fi losofi a do internato é a de disciplinar cavalos selvagens. Mas, um professor substituto de artes entra em cena e logo percebe que algo de errado estava pairando sobre Ishaan. Não demorou para que o diagnóstico de dislexia fi casse claro para ele, o que o leva a pôr em prática um ambicioso plano de resgatar aquele garoto que havia perdido a vontade de viver. REFERÊNCIASREFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. BUENO, C. Crianças com dificuldades na escola: onde mora o problema?. In: Cienc. Cult., São Paulo, v. 60, n. 2, 2008. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252008000200006&lng=en&nrm=i- so>. Acesso em: 15 mai. 2017. BOCK, A. M. B. As influências do Barão de Münchausen na Psicologia da educação. In: TANAMACHI, E. R.; ROCHA, M. L.; PROENÇA, M. P. R. (orgs). Psicologia e Educação: desafios teórico-práticos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000, p. 11-33. CRISTÓVÃO, P. W. e CARDOSO, M. S. Transtornos Cognitivos. In: BASSOLS, A. M. S. et al. (Orgs.). Saúde Mental na escola. Porto Alegre: Mediação, 2004, p. 96-98. FACCI, M. G. D. Teorias Educacionais e Teorias Psicológicas: em busca de uma Psicolo- gia marxista na educação. In: DUARTE, N. (org). Crítica ao fetichismo da individua- lidade. Campinas: Autores Associados, 2004, p. 99-120. FREDERICO NETO, F. et al. 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Os pré-requisitos necessários para alfabetização são:percepção, esquema cor- poral, lateralidade, orientação espacial e temporal, coordenação visomotora, ritmo, análise e síntese visual e auditiva, habilidades visuais e auditivas, por fim, linguagem oral. O conhecimento destes pré requisitos implicam em uma análise contextualizada do processo de escolarização do aluno, evitando o encaminha- mento para profissionais especializados, quando na realidade a criança precisa de estímulos adequados em áreas do desenvolvimento que estão defasadas. 5. Alternativa correta C. A afirmativa 4 está incorreta, pois a capacidade de relacio- namento pessoal também é influenciada, pela perda de autoestima e autocon- ceito que o fracasso escolar pode implicar, ou em decorrência da dificuldade de se comunicar quando há comprometimento na linguagem. U N ID A D E V Professora Dra. Gescielly B. da Silva Tadei Professora Me. Juliana da Silva Araujo Alencar Professora Me. Márcia R. Sousa Storer TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO: DEFINIÇÕES, MANEJO E ALGUMAS REFLEXÕES Objetivos de Aprendizagem ■ Identificar os critérios diagnósticos do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Problematizar o uso de medicação e o suporte dado a crianças hipercinéticas e desatentas na atualidade. ■ Caracterizar os Transtornos da Conduta (T. C.) e o Transtorno de Oposição Desafiante (T.O.D.). ■ Refletir sobre a influência dos aspectos emocionais no processo de aprendizagem das crianças. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) ■ Transtornos de Oposição Desafiante e da Conduta: indicativos e manejo no contexto escolar ■ Afetos e aprendizagem: breves apontamentos INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), nesta unidade apresentaremos a você os Transtornos Disruptivos do Controle dos Impulsos e de Conduta, descritos no Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V, 2014). Dentre os quadros descri- tos nessa seção do Manual, optamos por abordar o Transtorno de Oposição Desafiante (T.O.D.) e Transtorno da Conduta (T.C). Trabalharemos o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), definido na atual versão do DSM-V como um transtorno do neurodesenvol- vimento, mas devido às suas características poderia ser entendido como um transtorno de comportamento disruptivo (MACHADO; CAYE; FRICK; ROHDE, 2015). Nos dedicaremos a esses transtornos, que acarretam alterações do padrão do comportamento da criança ou adolescente e repercutem no processo de apren- dizagem, configurando-se como dificuldades secundárias de aprendizagem, conforme abordamos na Unidade IV (MOOJEN, 2004). Tal como os problemas de aprendizagem discutidos na Unidade anterior, é de suma importância sabermos identificar os sintomas de cada transtorno, além de analisar o contexto sócio-histórico e emocional em que a criança está inse- rida, para não incorrermos no erro de encaminhá-la para avaliação especializada quando alterações na rotina, ou mesmo um olhar empático seria suficiente na superação de quaisquer dificuldades adaptativas. Dessa forma, abordaremos quais são os critérios diagnósticos dos transtor- nos citados e algumas orientações de manejo, que você poderá adotar ao lidar com crianças e adolescentes que apresentarem tais problemas. Além disso, vamos levantar alguns pontos de questionamento sobre o estilo de vida contemporâneo que influencia de forma significativa no processo de formação de nossa atenção, bem como nos tratamentos utilizados para sanar tais problemas. Por fim, propomos a vocês uma breve reflexão sobre o papel da afetividade no processo de aprendizagem dos sujeitos. Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 183 TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO: DEFINIÇÕES, MANEJO E ALGUMAS REFLEXÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E184 TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/ HIPERATIVIDADE (TDAH) Com certeza você conhece ou ao menos ouvir falar de alguém que foi diagnosti- cado com Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH). Conforme Szobot (2004), o TDAH é um dos transtornos de desenvolvimento mais comuns na infância e adolescência. Tal condição se deve a inúmeros fatores, dos quais pontuaremos alguns no decorrer de nossa discussão. Entretanto, para refletir- mos sobre a amplitude que os diagnósticos de TDAH tomaram na atualidade, precisamos compreender um pouco de seu percurso histórico e identificar os critérios que são adotados para a elaboração desse diagnóstico. Em nossa construção de conhecimento até aqui, deixamos claro que a apren- dizagem se sustenta em diversos fatores, sendo eles intrínsecos e extrínsecos ao sujeito. A criança precisa ter preservada a funcionalidade das estruturas cere- brais, bem como sua maturidade neuropsicológica, pois ambas influenciam no estabelecimento da atenção, concentração, memória e funções executivas do cérebro (CAPOVILLA et al, 2007; FONSECA, 2013). Todavia, apoiados em Luria (1981), entendemos que os processos de matu- ração e de desenvolvimento das habilidades atencionais e das funções executivas perpassam a experiência psicossocial. Assim, a experiência sociocultural, o estí- mulo ambiental, o processo de ensino e educação e os processos sociais mediados pela linguagem são essenciais na construção e organização das funções psicoló- gicas superiores, dentre elas a atenção e o controle motor voluntário. Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (Tdah) Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 185 Fazer esse breve resgate foi necessário, pois quando lidamos com crianças que apresentam indicativos de TDAH, comumente acompanha-nas rótulos estigma- tizantes e pais culpabilizados por não saberem educar seus filhos (SCHICOTTI; ABRÃO; GOUVEIA-JUNIOR, 2016). O aspecto que mais se destaca na criança antes de ser corretamente diagnosticada com TDAH é o componente hiperativo-impulsivo. Dada a dificuldade em contro- lar seu corpo e adequar sua vontade ao contexto, muitas vezes são nomeados como “insuportáveis”, “desobedientes”, “incontroláveis” etc. (ALBERTINI; SILVA, 2016). Na escola, a criança hiperativa-impulsiva é assim nomeada quando apresenta agitação motora em comportamentos como mexer as pernas, os pés, as mãos ou os dedos constantemente, falar sem parar e terminar frases de outras pessoas. Além do mais, são impacientes, impulsivos, curiosos, irritam pessoas próximas com facilidade e não conseguem ficar em suas carteiras quando lhes é solicitado (BENCZIK, 2006). Em nossa experiência no contato com escolas e profissionais da educação, notamos que frases como as apresentadas a seguir são comuns quando a criança demonstra comportamentos tidos como fora do padrão esperado: - “Nossa, essa criança não para, hein?!” - “Ele é assim em casa também?” - “Parece que não tem limite!” - “Onde ela desliga?” - “Vive no mundo da lua!” - “Nossa! Como é desligada!” Para aventar a hipótese de TDAH, o descontrole motor não pode ser restrito ao ambiente escolar, devendo aparecer em outros núcleos de convivência da criança. A família constantemente relata a dificuldade em estabelecer limites e da criança observar as normas de conduta esperadas para sua faixa etária, seja em festas familiares, na igreja ou em eventos sociais (BENCZIK, 2006). Outro aspecto do TDAH remete-se à capacidade atencional incompatí- vel com o esperado para a faixa etária da criança (SZOBOT, 2004).Conforme estudamos na Unidade III, a atenção é uma das funções psicológicas superiores fundamentais para o estabelecimento da aprendizagem. TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO: DEFINIÇÕES, MANEJO E ALGUMAS REFLEXÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E186 O substrato biológico da atenção compreenderia, de acordo com Luria (1981), o tronco encefálico, a formação reticular e o lobo frontal. Essa estrutura cor- responde a primeira unidade funcional proposta por Luria (1981). Além disso, graças aos avanços do estudo do cérebro, foi possível analisar exames de ima- gem que demonstram o processo de amadurecimento da formação reticular. O amadurecimento dessa estrutura cerebral, concomitantemente aos estímulos oferecidos à criança e a aquisição da linguagem, em condições normais de desen- volvimento, vão criando possibilidades em que ela consiga estabelecer focos de atenção sustentada cada vez mais estáveis, sem requisitar a mediação do adulto (AMUDE-PATEZ, 2010). Os estudos acerca do TDAH indicam que as pessoas acometidas por esse transtorno apresentam alterações em seus neurotransmissores, responsáveis pela transmissão das informações nas células nervosas através de substâncias, com o controle de liberação da dopamina e da noradrenalina (BENCZIK, 2006). Assim, as informações necessárias se alteram ou não chegam ao lobo frontal, parte do cérebro responsável por manter a atenção pelo tempo necessário para que a ação seja planejada e organizada, para que haja o controle dos impulsos, das emoções, a inibição dos estímulos distratores e finalmente o estabelecimento da memó- ria (CAPOVILLA et al., 2007). Apesar de um dos critérios diagnósticos do TDAH seja a apresentação dos sintomas antes dos 12 anos de idade (DSM-V, 2014), não raro o diagnóstico acontece bem antes, coincidindo com o início do processo de escolarização da criança (BENCZIK, 2006). Frente à escolarização cada vez mais cedo, têm sur- gido casos diagnosticados precocemente. Se por um lado é bom reconhecer a necessidade de suporte diferenciado para a criança com dificuldades em sustentar sua atenção, por outro tal situação pode suscitar uma avalanche de diagnósticos precipitados (ALBERTINI; SILVA, 2016). O diagnóstico do TDAH, de acordo com Jafferian e Barone (2015), é fun- damentado nas manifestações comportamentais dos pacientes, tendo por referência os critérios explicitados nos Manuais de Diagnósticos e Estatísticos das Perturbações Mentais (DSM-V), desenvolvido pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), e na Classificação Internacional de Doenças (CID-10), produzido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (Tdah) Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 187 Jafferian e Barone (2015) apontam que os critérios diagnósticos do TDAH mantiveram-se semelhantes à edição anterior do DSM-V. Sendo assim, o diag- nóstico continua sendo eminentemente clínico, pois não há nenhum exame laboratorial - seja de imagem ou químico - que garanta a existência do trans- torno em nível biológico, apesar de ser entendido como um Transtorno do Neurodesenvolvimento. O diagnóstico deve ser realizado por um profissional da medicina espe- cializado em TDAH (psiquiatra, neurologista ou neuropediatra), que fará uma anamnese (entrevista) avaliando toda a história do desenvolvimento neuropsi- comotor da criança ou adulto, considerando os 5 critérios (A a E) estabelecidos no DSM-V como aspectos diagnósticos. Quadro 1 - CRITÉRIO A, para diagnósticos para o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade SINTOMAS RELACIONADOS À DESATENÇÃO A. Frequentemente não presta atenção em detalhes ou comete erros por descui- do em tarefas escolares, no trabalho ou durante outras atividades (p. ex., negli- gência ou deixa passar detalhes, o trabalho é impreciso). B. Frequentemente tem dificuldade de manter a atenção em tarefas ou ativi- dades lúdicas (p. ex., dificuldade de manter o foco durante aulas, conversas ou leituras prolongadas). C. Frequentemente parece não escutar quando alguém lhe dirige a palavra diretamente (p. ex., parece estar com a cabeça longe, mesmo na ausência de qualquer distração óbvia). D. Frequentemente não segue instruções até o fim e não consegue terminar trabalhos escolares, tarefas ou deveres no local de trabalho (p. ex., começa as tarefas, mas rapidamente perde o foco e facilmente perde o rumo). E. Frequentemente tem dificuldade para organizar tarefas e atividades (p. ex., dificuldade em gerenciar tarefas seqüenciais; dificuldade em manter materiais e objetos pessoais em ordem; trabalho desorganizado e desleixado; mau gerencia- mento do tempo; dificuldade em cumprir prazos). F. Frequentemente evita, não gosta ou reluta em se envolver em tarefas que exijam esforço mental prolongado (p. ex., trabalhos escolares ou lições de casa; para adolescentes mais velhos e adultos, preparo de relatórios, preenchimento de formulários, revisão de trabalhos longos). G. Frequentemente perde coisas necessárias para tarefas ou atividades (p. ex., materiais escolares, lápis, livros, instrumentos, carteiras, chaves, documentos, óculos, celular). TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO: DEFINIÇÕES, MANEJO E ALGUMAS REFLEXÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E188 H. Com frequência é facilmente distraído por estímulos externos (para adoles- centes mais velhos e adultos, pode incluir pensamentos não relacionados). I. Com frequência é esquecido em atividades cotidianas. (p.ex., realizar tarefas, obrigações; para adolescentes mais velhos e adultos, retornar ligações, pagar contas, manter horários agendados. SINTOMAS RELACIONADOS A HIPERATIVIDADE E IMPULSIVIDADE A. Frequentemente remexe ou batuca as mãos ou os pés ou se contorce na cadeira. B. Frequentemente levanta da cadeira em situações em que se espera que permaneça sentado (p. ex., sai do seu lugar em sala de aula, no escritório ou em outro local de trabalho ou em outras situações que exijam que se permaneça em um mesmo lugar). C. Frequentemente corre ou sobe nas coisas em situações em que isso é ina- propriado. (Nota: Em adolescentes ou adultos, pode se limitar a sensações de inquietude.) D. Com frequência é incapaz de brincar ou se envolver em atividades de lazer calmamente. E. Com frequência “não para”, agindo como se estivesse “com o motor ligado” (p. ex., não consegue ou se sente desconfortável em ficar parado por muito tempo, como em restaurantes, reuniões; outros podem ver o indivíduo como inquieto ou difícil de acompanhar). F. Frequentemente fala demais. G. Frequentemente deixa escapar uma resposta antes que a pergunta tenha sido concluída (p. ex., termina frases dos outros, não consegue aguardar a vez de falar). H. Frequentemente tem dificuldade para esperar a sua vez (p.ex., aguardar em uma fila). I. Frequentemente interrompe ou se intromete (p. ex., mete-se nas conversas, jogos ou atividades; pode começar a usar as coisas de outras pessoas sem pedir ou receber permissão; para adolescentes e adultos, pode intrometer-se em ou assumir o controle sobre o que outros estão fazendo). Fonte: DSM – V (2014, p. 59-60). Para se cumprir o critério A, o paciente precisa apresentar ao menos 6 sinto- mas de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade por um tempo superior a 6 meses, sem remissão em grau consistente ao esperado para sua faixa etária, apresentando prejuízo direto nas atividades sociais e acadêmicas/profissionais. O critério B indica a necessidade de os sintomas identificados a partir do critério Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (Tdah) Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 189 A estarem presentes antes dos12 anos de idade (no DSM-IV, a idade de corte era 7 anos). No critério C, é pontuado ser imprescindível a atuação dos sinto- mas em dois ou mais ambientes: em casa, na escola, no trabalho etc. O critério D versa sobre a necessidade de haver prejuízo na área social, acadêmica ou pro- fissional, decorrentes da queda de qualidade do funcionamento da atenção e/ou hiperatividade-impulsividade. Por fim, o critério E pontua a necessidade de ser descartada quaisquer comorbidades (transtorno do humor, de ansiedade, dis- sociativo, de personalidade etc.) (DSM-V, 2014). Por ser um diagnóstico clínico, convencionou-se em aplicar um questioná- rio junto aos pais e professores que têm contato com a criança ou adolescente a serem avaliados. O questionário é o SNAP-IV, em que é avaliado somente o critério A, por isso não pode ser tomado como único recurso para aventar a hipótese diagnóstica. Matos (2013, on-line)1 destaca que a atual versão do DSM avançou na com- preensão do quadro de TDAH quando retirou os subtipos prescritos no DSM-IV, quais sejam: desatento, hipercinético e impulsivo. No DSM-V (2014), o modelo adotado foi o de apresentação ao invés de subtipos, de tal forma que o entendi- mento passa a ser de que os sintomas podem se modificar com o tempo, alterando assim o predomínio de uma ou outra característica do transtorno. No DSM-V (2014, p. 60), os subtipos agora podem ser categorizados da seguinte forma: Apresentação combinada: Se tanto o Critério A1 (desatenção) quan- to o Critério A2 (hiperatividade-impulsividade) são preenchidos nos últimos 6 meses. [...] Apresentação predominantemente desatenta: Se o Critério A1 (desatenção) é preenchido, mas o Critério A2 (hipera- tividade-impulsividade) não é preenchido nos últimos 6 meses. [...] Apresentação predominantemente hiperativa/impulsiva: Se o Critério A2 (hiperatividade-impulsividade) é preenchido, e o Critério A1 (desa- tenção) não é preenchido nos últimos 6 meses. Szobot (2004, p. 23) elenca algumas situações observadas no cotidiano que são comuns para crianças que apresentam os sintomas de hiperatividade-impulsividade: ■ Atividade motora excessiva: a criança não consegue participar das brin- cadeiras de uma forma mais contida, ou está sempre “correndo”. TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO: DEFINIÇÕES, MANEJO E ALGUMAS REFLEXÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E190 ■ Fala excessivamente ao longo da aula com colegas e professores, frequen- temente gritando. ■ Levanta-se do seu lugar inúmeras vezes. ■ É impaciente, não conseguindo esperar a sua vez nas atividades (filas, vez de apresentar trabalho, momento oportuno para fazer uma pergunta), o que pode gerar, também dificuldades na socialização com os colegas, pois a criança “quer sempre ser a primeira” ■ Mesmo sentado, remexe-se bate mãos, dedos, “implica” com colegas (ex: atira borrachinhas, dá tapinhas etc.). No que tange à apresentação desatenta do Transtorno, Szobot (2004) pontua que as formas mais observadas em sala são as seguintes: a) aluno está constantemente com a cabeça longe, olhar distante e requisitando explicações contínuas, pois distrai-se com facilidade, comprometendo sua compreensão, logo não realizam com sucesso as atividades solicitadas e vão gradualmente perdendo o interesse pelos estudos; b) dificilmente conclui suas tarefas, por ficar divagando em sala de aula; c) sérias dificuldades em se organizar, levando-o a apresentar mate- riais incompletos e desorganizados; d) perde com frequência seus pertences; e) comete erros por distração ou impaciência, por ex.: erra as contas de mate- mática por não se atentar ao sinal grafado; f) quaisquer estímulos distraem sua atenção na sala de aula. De acordo com o DSM-V (2014), de modo geral, o TDAH é mais comum em meninos do que em meninas, sendo que a apresentação desatenta costuma-se encontrar primariamente em meninas e a apresenta- ção hiperativa-impulsiva em meninos. Destacamos a incidência na atua- lidade de casos de TDAH, que segundo o referido manual seria de 5% das crianças. Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (Tdah) Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 191 TDAH: ALGUNS APONTAMENTOS ACERCA DO DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO. Você percebeu que toda a literatura utilizada para definir o TDAH pontua que, apesar de ser um transtorno, não há sequer um único exame laboratorial que sus- tente o diagnóstico alicerçado nas patologias biológicas? Silva e Albertini (2016) problematizam a questão do diagnóstico de TDAH, respaldadas nos estudos de Araújo (2012), pontuando que, ao analisarmos os sintomas descritos como crité- rios diagnósticos, perceberemos que esses são comuns à população geral devido a comorbidades, variações socioambientais, familiares ou mesmo culturais. Entretanto, o foco dos estudos sobre TDAH se concentram, em grande parte, no campo neurológico/neuropsicológico e genéticos. Esses campos do saber vem publicando dados significativos sobre as funções e áreas responsáveis pela atenção e controle motor. Nessa perspectiva biologizante, pontuam que as fun- ções executivas processadas nas áreas frontais do cérebro e no córtex apresentam alguma alteração que justifique a desatenção e agitação motora, refletindo assim na habilidade de atender às demandas solicitadas ou atingir um objetivo, pois a capacidade de planejamento, monitoramento e perseverança na ação estão com- prometidos (BENCZIK, 2006). Em nossa Unidade I, quando abordamos o nascedouro das dificuldades de aprendizagem, vimos que o conceito fundamental na época foi o de Lesão Cerebral Mínima, depois substituído por Disfunção Cerebral Mínima (DCM), devido a não comprovação por meio de exames do comprometimento orgânico. Você se lembra quais eram as principais características apontadas com crité- rio diagnóstico? Pois bem, retomemos. Crianças com dificuldades de conciliar ordens, respeitar regras, descontrole motor, agitação, dificuldades de aprendiza- gem, impulsivas, diminuição progressiva da atenção, escassa concentração etc. (CIASCA, 2003). Não estaríamos entendendo como sintomas patológicos comportamentos infantis que refletem questões culturais de valores e educação contemporâ- neos, quando pensamos que 5% das crianças apresentam TDAH? TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO: DEFINIÇÕES, MANEJO E ALGUMAS REFLEXÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E192 Na década de 1960, esse diagnóstico já mostrava fragilidades importan- tes, pois, de acordo com Levy (1989), citado por Ciasca (2003), esse passou a ser considerado por estudiosos como um grande “guarda-chuvas” dos proble- mas escolares, ‘’guarda-chuvas’’ que mantém-se aberto até a atualidade, quando analisamos a evolução do conceito de DCM para TDAH, sendo o último con- sagrado enquanto quadro nosológico em 1980 com a publicação do DSM-III (BENCZIK, 2006). Jafferian e Barone (2015), amparadas em Ajuriaguerra (1980), afirmam que a evolução do quadro de DCM a TDAH abriu caminho para as terapias farmacológicas, em especial ao metilfenidato, a conhecida RITALINA. Sendo entendido como um quadro de ordem biológica, cujo diagnóstico é dado, exclu- sivamente, por profissionais da medicina, o tratamento prioritário estabelecido foi o medicamentoso. Para termos ideia da proporção que o uso de medicação tem tomado em nossa sociedade, de acordo com pesquisas realizadas por Primi (2015), o gasto com medicamentos aumentou 13,1% em 2014, atingindo US$373,9 bilhões, sendo este o maior índice desde 2001, quando atingiu 17%. Esses são valores gerais, ou seja, a indústria farmacêutica cresceu no geral 13,1% em 2014. Tais dados apon- tam para uma tendência mundial de medicalização da vida cotidiana, onde não podemos sofrer, ficar cansados ou diminuir nosso rendimento, que necessaria- mente estamossendo acometidos por alguma patologia (para saber mais sobre o tema, leia nossa Leitura Complementar!). O Metilfenidato tornou-se uma verda- deira alavanca da indústria farmacêutica. O consumo do medicamento, mais conhecido como RITALINA, cres- ceu 775% entre julho de 2003 a julho de 2015. Em todo o mundo, a produ- ção aumentou 1200% entre a década de 1990 a 2006 (PRIMI, 2015). Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (Tdah) Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 193 O aumento avassalador de diagnósticos e da medicalização deve ser pensado de forma contextualizada, pois ao analisar o aumento mundial de consumo de remédios podemos entender que, mais uma vez, se repete na escola a lógica da cultura circundante, ou seja, tratamos problemas sociais como sendo de ordem privada. Confuso? É justamente esse o sentimento que a lógica da atualidade, pautada no consumo, nos mobiliza. Nas palavras de Garrido (2009, p. 1): A essa forma de interpretar o problema dá-se o nome de medicalização do fracasso escolar, pois ela transfigura um problema que é social em sua origem fazendo-o parecer um problema médico. Ao reputar aos sujeitos a responsabilidade de seus comportamentos não adaptados ao modo de vida atual, afirmando serem estes de ordem biológica, desconside- ra-se toda a influência ideológica do modo de produção vigente ao determinar o que é ou não doença, ao invés de analisar o contexto que leva o sujeito a ado- ecer ou não se adaptar às condições postas. A própria forma de tratamento, o medicamentoso, já sinaliza uma das principais características da sociedade contemporânea, qual seja: a pressa. Precisamos de resultados imediatos, de pre- ferência, de responsabilidade do sujeito (BAUMAN, 2010). Por isso coadunamos com Moysés (2001, p. 176, apud GARRIDO, 2009, p. 1) ao analisar que: a medicalização é fruto do processo de transformação de questões so- ciais, humanas, em biológicas. Aplicam-se à vida concepções que em- basam o determinismo biológico, tudo sendo reduzido ao mundo da natureza. Reduzindo problemas sociais em biológicos, desconsidera-se todas as alterações sociais e culturais que influenciam/determinam nosso modo de ser e estar no mundo. Você já parou para pensar o quanto nosso estilo de vida mudou após a inclusão do celular em nosso cotidiano? Um objeto aparentemente comum mobi- liza alguns sujeitos a ponto de fazê-los crer ser necessário estar o tempo todo conectado as mais diversas redes sociais, por dentro dos mais diversos assuntos ocorridos no MUNDO! Como isso seria possível, ou mesmo compatível, com o regime de atenção e controle motor tão necessário para o bom desempenho acadêmico de nossos educandos? TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO: DEFINIÇÕES, MANEJO E ALGUMAS REFLEXÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E194 Türcke (2015) é enfático ao analisar o contexto atual, afirmando que vive- mos uma cultura de déficit de atenção. O autor, ao analisar os principais meios de comunicação da atualidade (televisão, internet, cinema etc.), sinaliza que os mesmos são prioritariamente imagéticos e funcionam seguindo a lógica da supe- restimulação. Como acionar a atenção voluntária e sustentada, conforme descrito por Luria (1981), quando as informações nos chegam com tamanho impacto que se destacam pela intensidade e rapidez do estímulo, ou seja, pelas caracte- rísticas que mobilizam nossa atenção involuntária (AMUDE-PATEZ, 2010)? Por essa razão, Türcke (2015, on-line)2 discute que o choque da imagem pode ser considerado o foco do regime de atenção global na atualidade, no qual embota a nossa percepção mediante a excitação contínua que estamos submeti- dos. Tomando como exemplo o uso da televisão, o autor assinala que os diretores de programas televisivos tem claro que, frente a menor queda de tensão dos estí- mulos oferecidos, o espectador irá trocar de canal, facilidade aumentada com a utilização de aparelhos com controle remoto. O leitor assíduo também está imerso nesse contexto. Se vocês perceberem ao redor, verão que os jornais e as mídias impressas mudaram significativamente seu layout, tornando-se cada vez mais parecidos com revistas exibindo ilustrações: Nas últimas duas décadas, todos os grandes jornais estão cada vez mais parecidos com as revistas ilustradas. Sem fotos grandes eles não po- dem mais concorrer. Toda a diagramação supõe que ninguém tem mais concentração e resistência suficientes para ler um texto da primeira à última página, linha por linha (TÜRCKE, 2015, on-line)2. O modelo de informação e os modos de comunicação, na atualidade, estão orga- nizados de tal forma que os sintomas tidos como critérios para o diagnóstico de desatenção são, na realidade, produzidos socialmente. Türcke (2015, on-line)2 pontua que a grande expansão desse diagnóstico surgiu concomitantemente a essa nova forma de comunicação rápida e super estimulatória, que por isso, inclu- sive, atingiu todas as classes sociais: Tudo isso são sintomas manifestos de déficit de atenção. O chamado transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) é apenas um caso bem grosseiro dele. São crianças que não conseguem se con- centrar em nada, nem se demorar em algo, nem construir uma ami- zade, nem per sistir em uma atividade coletiva, crianças que não con- Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (Tdah) Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 195 cluem nada que come çam. Elas são impelidas por uma agitação motora constante, não acham nenhum refúgio, nenhuma válvula de escape, e se transformam em estorvos constantes para escola, família e colegas (TÜRCKE, 2015, on-line)2. Tendo em vista, segundo Luria (1981), que atenção involuntária evolui por meio da ação mediadora dos símbolos sociais para a atenção voluntária, podemos entender melhor o que afirma Türcke. Se a forma que utilizamos as palavras para direcionar a atenção das crianças em processo de formação vem sendo mediada por uma cultura que nos impulsiona a não estabelecermos níveis atencionais sustentados, como ensinaremos isso a elas? Analisando o contexto histórico, o autor faz a seguinte reflexão: A privação traumática da atenção na primeira infância, que surge desse modo nada espetacular, dificilmente se revela com pesquisa empírica, assim como também não se sabe qual será o efeito na criança de mães que tele fonam durante a amamentação ou de pais que checam e-mails constante mente enquanto brincam com seus filhos. Eles não os maltra- tam e talvez nem se considerem insensíveis. Muitas vezes, crianças com TDAH não têm lesões manifestas nem sofrem de falta de cuidado ou ausência excessiva dos pais – no entanto, eles devem ter sofrido algum tipo de privação vital, caso contrário não haveria agitação motora con- tínua[...] (TÜRCKE, 2015, on-line)2. A forma de se relacionar com os objetos é fundamental para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Você já percebeu o quanto as pessoas, na atu- alidade, se tornaram dependentes de tecnologias interativas? Se a criança por meio da brincadeira se apropria do mundo adulto, o que ela tem visto sobremaneira são estes mesmos adultos cercados por televisores, celulares, tablets, gadgets em geral. As brincadeiras antes realizadas em espaços públicos, mediados por adultos ou pares mais experientes, foram substituídas pelo brincar isolado e imóvel que a televisão, computador ou videogame possibilitam (SILVA; ALBERTINI, 2016). Türcke (2015) sinaliza que esse é um fenômeno social, assim não cabe cul- pabilizar os pais por não propiciarem brincadeiras diversas e significativas para seus filhos. Eles estão sendo submetidos a um regime atencional que lhes exige estar cientes de todos os assuntos para não serem chamados de alienados.Porém, o fato de estarem informados de um grande volume de informações não significa que eles estão conscientes, ou mesmo que tenham conhecimento real sobre algo. TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO: DEFINIÇÕES, MANEJO E ALGUMAS REFLEXÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E196 TRABALHANDO CRIANÇAS COM DIFICULDADES DE ATENÇÃO Como dissemos anteriormente, não descartamos a existência do TDAH, mas sim problematizamos o aumento vertiginoso de diagnósticos realizados nos últi- mos anos. Tendo isso em mente, pontuaremos algumas orientações de manejo para serem trabalhadas com alunos que apresentam dificuldades de sustentar a atenção ou de manter o autocontrole motor. Primeiramente, gostaríamos de pontuar que defendemos o tratamento interdisciplinar para crianças com quaisquer dificuldades de aprendizagem, sobremaneira as que têm algum transtorno, pois cada área tem seu arcabouço teórico-prático capaz de colaborar para o desenvolvimento da criança atendida. Nos casos de TDAH, podemos afirmar que seu tratamento engloba minima- mente o psicólogo, o psicopedagogo, o médico especializado, a família e a escola, sendo esta representada prioritariamente pela atuação do professor regente (BENCZIK, 2006). Baseados em Benczik (2006), Szobot (2004), Toledo e Simão (2003) elenca- mos algumas dicas de manejo com o aluno que apresenta dificuldades atencionais e hiperatividade: ■ A clareza das expectativas do educador diante de cada atividade proposta; ■ Estabelecimento de rotina com períodos de descanso em sala de aula; ■ Reforçar o estabelecimento de rotina, através de meios visuais e auditi- vos (cartazes, calendários); “É evidente que aquele fenômeno difuso, para o qual o TDAH é mais a de- signação de um embaraço que um diagnóstico patológico bem delinea- do, não pode ser entendido fora de uma perspectiva teórico-cultural mais abrangente. O TDAH não é só uma doença em um ambiente saudável. Ao contrário: apenas onde já existe uma cultura do déficit de atenção é que existe TDAH. Bilhões de pequenos choques audiovisuais estimulam a aten- ção humana o tempo todo – e por isso a desgastam. Essa é a lei do déficit de atenção, cuja dinâmica permeia toda a nossa cultura”. FONTE: Türcke (2015, on-line)2. Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (Tdah) Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 197 ■ As instruções e orientações devem ser transmitidas de maneira clara, direta e curta; ■ Observar se o aluno tem todos os materiais necessários para realização das atividades propostas, se não, auxiliar o aluno a consegui-los; ■ Não solicitar atividades extensas de uma só vez, mas dividi-las em etapas, como por exemplo, pedir que resolva cinco, de quinze questões, e depois que o aluno terminar pedir mais cinco, até que ele cumpra toda a atividade; ■ Iniciar a aula com as atividades que requerem maior atenção e deixar as mais “agradáveis” para o final da aula; ■ Supervisionar, constantemente, o tempo para cada atividade. ■ Utilizar metodologias variadas (táteis, auditivas, cinestésicas). ■ Recompensar o esforço realizado pela criança; ■ Encorajar, elogiar, demonstrar acolhimento e aceitação; ■ Manter contato constante com a família e a equipe que atende a criança. Em momentos de avaliação formal, observa-se em nossa prática profissional que algumas modificações de postura ou de ambiente tem surtido efeito posi- tivo tanto no desempenho quanto na autoestima dessas crianças. Podemos citar como exemplo disso: propiciar um ambiente tranquilo, por vezes retirando-as da sala quando não há silêncio adequado para a realização da avaliação; elabo- rar questões com comandos mais diretos e em menor número por página, pois a quantidade de informação leva a desorganização da criança; adequar a ati- vidade ao tempo de desempenho do aluno, podendo diminuir o número de questões da avaliação se for o caso; solicitar e supervisionar a revisão do mate- rial produzido pelo aluno, principalmente nos casos de alunos com apresentação hiperativa-impulsiva. Dar suporte para crianças com dificuldades de aprendizagem, no geral, é uma tarefa que precisa ser realizada com muito afeto, pois o olhar que direcionamos a elas é fundamental para seu desenvolvimento. Acreditar na sua capacidade as auxilia a crer em si mesmas como sujeito capaz de superar suas dificuldades. Tal conduta é transmitida não só verbalmente, mas também por meio de ges- tos, suporte direcionado e posturas de aceitação. TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO: DEFINIÇÕES, MANEJO E ALGUMAS REFLEXÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E198 Destacamos que, aceitar não corresponde, de modo algum, a não exigir da criança que cumpra as atividades ou ceder a ela toda vez que demonstra frustra- ção ou rejeição à tarefa. Pelo contrário, aceitar é estar junto, mostrando a criança que ela tem capacidade de superar suas dificuldades, e que para isso conta com apoio tanto da escola quanto dos mais diversos profissionais envolvidos no diag- nóstico dos transtornos de aprendizagem e/ou atencionais. Além disso, com o suporte adequado, é possível constatar que a utilização de medicações para o tratamento de sintomas do TDAH, por exemplo, pode dimi- nuir drasticamente, pois os atendimentos dos profissionais da área educacional (psicólogos, psicopedagogos, educadores, terapeutas ocupacionais, fonoaudió- logos etc.) apresentam resultados significativos no desenvolvimento das funções psicológicas superiores, bem como na aquisição dos pré-requisitos para a apren- dizagem da leitura, escrita e noções lógico matemáticas. Transtornos de Oposição Desafiante e da Conduta: Indicativos e Manejo no Contexto Escolar Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 199 TRANSTORNOS DE OPOSIÇÃO DESAFIANTE E DA CONDUTA: INDICATIVOS E MANEJO NO CONTEXTO ESCOLAR Frases como: ele não respeita, não tem o mínimo de educação, não escuta e obedece ninguém, desafia todo mundo, entre outras, são comuns ao se referir a crianças encaminhadas para psiquiatras infantis com o objetivo de verificar as razões pelas quais a criança com esse perfil não se adapta aos contextos sociais. Comportamentos hostis como não respeitar limites e autoridades, testar o tempo todo seus responsáveis e controlar e desafiar as normas estabelecidas são algumas características dos quadros descritos como Transtornos Disruptivos, do controle de impulsos e de conduta (DSM-V, 2014). Dentro desse quadro, daremos destaque aos Transtornos de Conduta e o Transtorno de Oposição Desafiante, devido ao aumento significativo desses diag- nósticos nos últimos anos. Pela descrição de condutas, podemos compreender o quão cansativa é a convivência com sujeitos com esse diagnóstico. Outro aspecto a ser destacado é de que a aprendizagem de crianças com esses diagnósticos fica comprometida, uma vez que, para estabelecer um nível atencional adequado para desenvolver as competências acadêmicas, é necessário ter controle do humor e do comportamento motor. (ZUCCHI; SUKIENNIK; ONÓFRIO, 2004). Tomamos o cuidado de apresentar esses transtornos a você, caro aluno, para que tenha a possibilidade de verificar o quão graves são e, por isso, a res- ponsabilidade de diferenciá-los de comportamentos expressos por crianças em momentos específicos, por estarem sem amparo emocional adequado ou em sofrimento psíquico. Essa observação é de suma importância, pois diagnósti- cos desse tipo podem mascarar situações de sofrimento que acabam não sendo devidamente trabalhadas, implicando em sérias consequências afetivas ou mesmo em transtornos de perso- nalidade (GRUNSPUN, 1999). TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO: DEFINIÇÕES, MANEJO E ALGUMAS REFLEXÕES Reproduçãoproibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E200 Tal postura se justifica pois, infelizmente, seguindo o mesmo padrão de diag- nósticos precipitados de transtornos de aprendizagem e de TDAH, na atualidade o T.C e o T.O.D. tem surgido no contexto escolar com uma frequência inusitada, tornando-se necessária uma análise adequada desses transtornos. A seriedade desses diagnósticos é tão grande que o próprio compêndio de des- crição patológica DSM-V (2014) alerta que o Transtorno de Oposição Desafiante é uma patologia que precisa ser diagnosticada com muito cuidado, pois condutas isoladas envolvendo os critérios de diagnóstico são comuns na infância. T.O.D é caracterizado por um padrão de humor raivoso/irritável, comportamento ques- tionador/desafiante ou com índole vingativa. Para se configurar em um quadro desse transtorno, é necessário que se apresente ao menos 4 dos sintomas descri- tos a seguir, sendo persistentes e não compatíveis ao considerado normal para a idade, gênero e cultura do avaliando. Lembrando que, no caso de crianças com menos de 5 anos, esse padrão comportamental deve ocorrer na maioria dos dias por um período mínimo de seis meses - exceto as condutas do item A8; e em crianças com mais de 5 anos, esses comportamentos devem estar presentes ao menos uma vez por semana no período de seis meses. O critério (A) considerado nos casos de T.O.D. é subdividido em três aspec- tos: humor raivoso/ irritável, comportamento questionador/desafiante e índole vingativa (DSM-V, 2014, p. 502): Humor Raivoso/Irritável: 1. Com frequência perde a calma. 2. Com frequência é sensível ou facilmente incomodado. 3. Com frequência é raivoso e ressentido. Comportamento Questionador/Desafiante: 4. Frequentemente questiona figuras de autoridade ou, no caso de crian- ças e adolescentes, adultos. 5. Frequentemente desafia acintosamente ou se recusa a obedecer a regras ou pedidos de figuras de autorida- de. 6. Frequentemente incomoda deliberadamente outras pessoas. 7. Frequentemente culpa outros por seus erros ou mau comportamento. Índole Vingativa: 8. Foi malvado ou vingativo pelo menos duas vezes nos últimos seis meses. Transtornos de Oposição Desafiante e da Conduta: Indicativos e Manejo no Contexto Escolar Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 201 O critério B remete-se ao sofrimento associado à perturbação do comportamento, tanto para o indivíduo quanto para seus pares sociais que dividem o mesmo con- texto social, como família, colegas etc. Seu comportamento desencadeia impactos negativos em seu relacionamento e desempenho social, educacional e profissio- nal. Já o critério C pontua a necessidade de se excluir quaisquer diagnósticos que possam ser confundidos com o T.O.D. (DSM-V, 2014). O T.O.D. em crianças sem o tratamento adequado pode evoluir para Transtorno da Conduta, principalmente nos casos em que há prevalência dos sintomas de comportamento questionador/desafiador ou índole vingativa. Já os de predomínio de humor raivoso/irritável podem evoluir para quadros de humor e ansiedade, podendo persistir alguns sintomas de agressividade (GRUNSPUN, 1999). O Transtorno da Conduta (T. C.), de acordo com Zucchi, Sukiennik e Onófrio (2004) é o transtorno que mais exige da família e da escola, visto que lidar com comportamentos agressivos, a necessidade de chamar a atenção cons- tantemente, o questionamento forçado e contínuo da autoridade e o desrespeito às normas e limites faz os sujeitos envolvidos sentirem-se testados e incapazes o tempo todo. De acordo com o DSM-V (2014), o Transtorno da Conduta caracteriza-se por um padrão de comportamento repetitivo e persistente, englobando a ten- dência a violar os direitos básicos de outras pessoas, normas ou regras sociais fundamentais da faixa etária. É necessário a presença de ao menos 3 dos 15 crité- rios listados no critério A no período de 12 meses, e a permanência de ao menos um nos últimos 6 meses. Esse transtorno é dividido em três subtipos: de início na infância, na adolescência ou de início não especificado. O critério (A), nos casos de T.C., é subdividido em quatro aspectos: agressão a pessoas e animais, destruição de propriedades, falsidade ou furto e violações graves de regras (DSM-V, 2014, p. 510): Agressão a Pessoas e Animais 1. Frequentemente provoca, ameaça ou intimida outros. 2. Frequentemente inicia brigas físicas. 3. Usou algu- ma arma que pode causar danos físicos graves a outros (p. ex., bastão, tijolo, garrafa quebrada, faca, arma de fogo). 4. Foi fisicamente cruel com pessoas. 5. Foi fisicamente cruel com animais. 6. Roubou durante o confronto com uma vítima (p. ex., assalto, roubo de bolsa, extorsão, TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO: DEFINIÇÕES, MANEJO E ALGUMAS REFLEXÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E202 roubo à mão armada). 7. Forçou alguém a atividade sexual. Destrui- ção de Propriedade 8. Envolveu-se deliberadamente na provocação de incêndios com a intenção de causar danos graves. 9. Destruiu deli- beradamente propriedade de outras pessoas (excluindo provocação de incêndios). Falsidade ou Furto 10. Invadiu a casa, o edifício ou o carro de outra pessoa. 11. Frequentemente mente para obter bens materiais ou favores ou para evitar obrigações (i.e., “trapaceia”). 12. Furtou itens de valores consideráveis sem confrontar a vítima (p. ex., furto em lojas, mas sem invadir ou forçar a entrada; falsificação). Violações Graves de Regras 13. Frequentemente fica fora de casa à noite, apesar da proibi- ção dos pais, com início antes dos 13 anos de idade. 14. Fugiu de casa, passando a noite fora, pelo menos duas vezes enquanto morando com os pais ou em lar substituto, ou uma vez sem retomar por um longo período. 15. Com frequência falta às aulas, com início antes dos 13 anos de idade. O critério B enfatiza a necessidade de que a conduta do indivíduo acarrete sérios prejuízos no funcionamento social, acadêmico ou profissional. Quanto ao critério C, cabe ser descartada comorbidades que possam enquadrar esses comporta- mentos em indivíduos com mais de 18 anos (DSM-V, 2014). O T.C. é entendido como o estabelecimento do perfil socializador do T.O.D como modelo de personalidade do sujeito. Por essa razão, é importante detec- tar precocemente possíveis problemas de controle comportamental, para que a intervenção junto ao sujeito possa ser efetiva e visar a reversão do quadro. Outro aspecto a ser discutido decorre do fato que, ao analisarmos os cri- térios de diagnósticos do T.O.D., notamos como são comportamentos comuns em crianças e adolescentes em algum momento da vida ou expressam o padrão comportamental de indivíduos que recebem uma educação inconsistente. A falta de clareza e segurança no estabelecimento de limites e padrões comporta- mentais dificulta o estabelecimento de uma socialização adequada da criança (SANTOS; GRAMINHA, 2006). O descontrole comportamental repercute na escolarização, pois o indivíduo acaba por não conseguir se concentrar e manter um nível atencional adequado, estabelecer vínculos com seus pares e educadores de modo a proporcionar um ambiente favorável à aprendizagem. Por vezes, alunos com esse perfil não per- manecem na sala de aula e não conseguem participar das atividades escolares de modo produtivo (SANTOS; GRAMINHA, 2006). Afetos e Aprendizagem Escolar: Breves Apontamentos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 203 Todavia, destacamos que essas nomenclaturas existem apenas para a clarifica- ção geral da condição que alguns sujeitos apresentam. Além do mais, precisamos aprender a lidar com esses problemas, pois enquanto educadores temos que defender a postura e operacionalizar situações de aprendizagemque promovam o desenvolvimento integral dos alunos atendidos. Desse modo, não devemos nos apegar aos elementos classificadores da patologia, mas sim, ao termos consciên- cia do quadro, analisar e propor formas de manejo capazes de auxiliar o sujeito a desenvolver as habilidades que estão comprometidas. AFETOS E APRENDIZAGEM ESCOLAR: BREVES APONTAMENTOS Para problematizar a temática sobre os afetos, sugiro que você faça uma breve reflexão: o seu desempenho ao realizar uma atividade é o mesmo independente de estar se sentindo tranquilo ou ansioso? Certamente você respondeu não! Agora, compreenderemos os motivos que levam os afetos a desempenharem um papel tão importante no processo de aprendizagem do indivíduo. Ao nascer, a criança não sabe distinguir raiva, tristeza, felicidade, tranqui- lidade etc., ela aprenderá o que são esses afetos por meio do cuidado do adulto disponível. Ao atender as necessidades da criança, o adulto vai decodificando e nomeando os afetos por ela expressos utilizando palavras. Isso implica em um estado de disponibilidade interna e sensibilidade do cuidador para com os sinais da criança - choro, birra, agitação - que sinalizam a premência em ser acolhida e atendida em suas necessidades. TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO: DEFINIÇÕES, MANEJO E ALGUMAS REFLEXÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E204 O ser humano aprende, por meio do legado de sua cultura e de inte- ração com outros humanos, a agir, a pensar, a falar e também a sentir (não somente como humano, mas por exemplo como ocidental, como homem moderno, que vive numa sociedade industrializada, tecnoló- gica e escolarizada, como um latino, como um brasileiro, como um paulista, como um aluno). Nesse sentido o longo aprendizado sobre emoções e afetos se inicia nas primeiras horas de vida de uma criança e se prolonga por toda a sua existência (OLIVEIRA; REGO, 2003). Compreender esse processo é fundamental, segundo Oliveira e Rego (2003), pois a mediação tem por função o desenvolvimento integral dos indivíduos. De acordo com as autoras, Vygotsky é enfático ao trabalhar a correlação cogni- ção e afeto, afirmando que não existe entendimento adequado do pensamento humano sem analisar sua base afetivo-volitiva. Quando a criança passa a frequentar a escola, o professor é esse agente media- dor. Sua mediação nas relações de conflito em que a criança se envolve, o amparo dado quando essa não consegue executar atividades sozinha, ou seja, a capaci- dade empática do professor em entender e acolher as demandas relacionais e de aprendizagem que a criança apresenta neste contexto é, sem sombra de dúvidas, de suma importância para a criação de um ambiente propício à aprendizagem e o reconhecimento de sua singularidade (REGO, 2007). Por essa razão, ao defendermos que o meio social é o fator proeminente do processo de aprendizagem, destacamos a necessidade de observar os estímulos que o ambiente propicia por meio das condições afetivas, sociais e econômicas nas quais a criança está inserida, pois a criança vai gradualmente construindo suas experiências e aprendizagem no contato com seus pares. Krueger (2010), reportando-se a Mukhina (1995), pontua que a criança sen- te-se muito mais disponível para a aprendizagem quando é tratada com carinho e experimenta um estado emocional de bem estar, segurança e harmonia. A autora ainda cita Saltini (1997), ao afirmar que a inter-relação entre professor e aluno é o fio condutor e o suporte afetivo para a construção do conhecimento. Na escola, as relações com os amigos e professores estabelece um amplo espaço para o desenvolvimento da individualidade dentro de um contexto sócio- -histórico, por meio dos conflitos cotidianos em sala de aula, no pátio e nas brincadeiras, tornando a escola um dos centros de relações mais importantes na vida das crianças (REGO, 2007). Afetos e Aprendizagem Escolar: Breves Apontamentos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 205 Rego (2007), ao articular a questão da aprendizagem e da afetividade para o desenvolvimento da criança, destaca justamente o papel do adulto como media- dor da cultura. Segundo a teoria histórico-cultural, para que o desenvolvimento potencial da criança se efetive, é necessário a ação mediadora do adulto que, ao oferecer suporte à criança na atividade que ela ainda não domina, está agindo no que Vygotsky nomeou como Zona de Desenvolvimento Proximal da criança. Veja a importância do outro para a relação e a formação humana! Observe a importância da afetividade nessa relação. Pensar a relação entre afeto e cognição evidencia o papel do interesse, da singularidade e também da influência do contexto social na construção da apren- dizagem de cada sujeito. O processo de aprendizagem precisa ser contextualizado, permeado por afetos para romper possíveis resistências quanto à escolarização. A aprendizagem significativa promove o sentimento de satisfação, mobilizando o empenho e a dedicação do aluno. Em contrapartida, um ensino sem essas características pode erigir barreiras por vezes intransponíveis, como a do medo do fracasso escolar, de perder o controle e da reação do meio. Bloqueios como esses vão sendo enraizados no decorrer das experiências de sucesso e fracasso na vida da criança (REGO, 2007). O medo, por exemplo, revela expressões de insegurança, fuga, autoproteção e busca por atenção. O aluno pode paralisar frente a situações de conflito ou de dificuldade na execução das tarefas, sendo aqui fundamental a ação do professor, pois ele pode mediar e incentivar o processo de superação da criança. Crianças que apresentam dificuldades e/ou transtornos de aprendizagem tendem a mani- festar constantes alterações de sentimentos, oscilações entre a tristeza e alegria (SZOBOT, 2004). Por essa razão, Rego (2007) destaca que a relação entre professor e aluno deve se pautar na cooperação e não na imposição de ideias, estabelecendo uma rela- ção saudável baseada no respeito e crescimento mútuo. Para tanto, é fundamental olhar o aluno como sendo ativo em seu processo de aquisição do conhecimento. Dessa forma, o papel da mediação social se efetiva propiciando debates, trocas, cooperação e entendimento de ponto de vistas divergentes. TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO: DEFINIÇÕES, MANEJO E ALGUMAS REFLEXÕES Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E206 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta Unidade, você aprendeu sobre o transtorno de déficit de atenção e hipe- ratividade. O TDAH é uma patologia recente na história da humanidade, e seus sintomas, ao serem analisados, nos remontam aos primórdios das discus- sões sobre o que são os problemas de aprendizagem. Desse modo, pontuamos a necessidade de ser criterioso para solicitar os encaminhamentos especializa- dos visando o diagnóstico. Ao analisar o padrão social da atualidade, verificamos o quanto a rotina con- temporânea nos mobiliza a estabelecer padrões de atenção e de comportamento condizentes com alguns sintomas do TDAH. Somando-se a isso, vimos o quanto a indústria farmacêutica cresceu com o patologização da conduta do escolar. Seguindo o mesmo raciocínio, apresentamos o Transtorno Desafiante de Oposição e o Transtorno de Conduta, ambos considerados graves e de grande repercussão no ambiente escolar, em razão das dificuldades de manejo que os indivíduos portadores desses quadros mobilizam. Nosso objetivo em conhecer estes quadros é que, em razão do descontrole do comportamento característicos em todos esses transtornos, o comprometi- mento da aprendizagem acaba sendo de ordem secundária, haja vista que, em decorrência do transtorno apresentado, o indivíduo não desenvolve adequada- mente as habilidades acadêmicas necessárias para o sucesso escolar. Fica de alerta, contudo, que os comportamentos