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FILOSOFIA POLÍTICA PROFESSOR Esp. Silvanir Aldá ACESSE AQUI O SEU LIVRO NA VERSÃO DIGITAL! https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/2681 EXPEDIENTE C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância. ALDÁ, Silvanir. Filosofia Política. Silvanir Aldá. Maringá - PR.: UniCesumar, 2020. Reimpresso em 2023. 216 p. “Graduação - EaD”. 1. Filosofia 2. Política 3. Sociedade. EaD. I. Título. FICHA CATALOGRÁFICA NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 Coordenador(a) de Conteúdo Roney de Carvalho Luiz Projeto Gráfico e Capa Arthur Cantareli, Jhonny Coelho e Thayla Guimarães Editoração Matheus Silva de Souza Design Educacional Amanda Peçanha dos Santos Jociane Karise Benedett Revisão Textual Ana Carolina Ribeiro Ilustração André Azevedo Fotos Shutterstock CDD - 22 ed. 101 CIP - NBR 12899 - AACR/2 ISBN 978-65-5615-078-9 Impresso por: Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679 Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi DIREÇÃO UNICESUMAR NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Design Educacional Débora Leite Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Head de Curadoria e Inovação Tania Cristiane Yoshie Fukushima Gerência de Processos Acadêmicos Taessa Penha Shiraishi Vieira Gerência de Curadoria Carolina Abdalla Normann de Freitas Gerência de Contra- tos e Operações Jislaine Cristina da Silva Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey Supervisora de Projetos Especiais Yasminn Talyta Tavares Zagonel BOAS-VINDAS Neste mundo globalizado e dinâmico, nós tra- balhamos com princípios éticos e profissiona- lismo, não somente para oferecer educação de qualidade, como, acima de tudo, gerar a con- versão integral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos em 4 pilares: intelectual, profis- sional, emocional e espiritual. Assim, iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil, nos quatro campi presenciais (Maringá, Londrina, Curitiba e Ponta Grossa) e em mais de 500 polos de educação a distância espalhados por todos os estados do Brasil e, também, no exterior, com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação. Por ano, pro- duzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares. Somos reconhe- cidos pelo MEC como uma instituição de exce- lência, com IGC 4 por sete anos consecutivos e estamos entre os 10 maiores grupos educa- cionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos edu- cadores soluções inteligentes para as neces- sidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter, pelo menos, três virtudes: inovação, coragem e compromis- so com a qualidade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ati- vas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Reitor Wilson de Matos Silva Tudo isso para honrarmos a nossa mis- são, que é promover a educação de qua- lidade nas diferentes áreas do conheci- mento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. P R O F I S S I O N A LT R A J E T Ó R I A Esp. Silvanir Aldá Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá. Especialista em Psicopedagogia pela SOCIESC (2012). Graduado em Filosofia (2006) e História pela Universidade Estadual de Maringá (2013). Publicou os seguintes livros: Oratória – O Poder de se Comunicar (2018); As Provas da Existência de Deus Segundo os Filósofos (2018); Sócrates em: “Só sei que nada sei” (2019). http://lattes.cnpq.br/2053925565369644 A P R E S E N TA Ç Ã O D A D I S C I P L I N A FILOSOFIA POLÍTICA Caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a) ao nosso curso de Filosofia Política! Pretendemos dis- correr sobre os mais importantes filósofos políticos, desde a antiguidade até a contem- poraneidade, abrangendo um roll de conceitos, tanto significativos quanto necessários à boa compreensão desta ciência, a qual trata do cuidado dos cidadãos e da preservação do espaço, local onde ele se expressa e articula o que é mais relevante, desde a vida na pólis até a sua dinâmica em sociedades, ditas mais complexas. Veremos, na antiguidade, uma política extremamente ligada à ética, em que as ações de cada cidadão era de extrema relevância. Não bastava ao grego da antiguidade clássica saber o que é o bem, o objetivo era colocá-lo em prática. Vislumbraremos, desde os projetos considerados mais difíceis de se implementar, como a calípolis de Platão, até algo mais elementar para nós hoje, como a análise da liberdade, com Zizek. Com Aristóteles, há uma busca pelos direitos mínimos que deveriam ser garantidos aos cidadãos, para que pudessem evitar os trabalhos manuais e, assim, voltar-se à contemplação. O estagirita falará de um tipo de governo específico para cada tipo de povo. Depois, com Cícero, teremos o resgate do amor pátrio, em que o homem tem de se esforçar para fundar o Estado. Avançamos até Maquiavel, neste momento, abordaremos o verdadeiro objetivo de sua obra, livrando o filósofo de interpretações derivadas de leituras apressadas de sua teoria. O filósofo florentino objetivava responder à instabilidade política, na qual se encontrava a Itália, onde viveu, ensinando, ainda, como um príncipe deveria agir para se manter no poder. Sua obra traz outro objetivo nobre: alertar a população de sua época sobre os exageros que podem ser cometidos por um príncipe. Com as teorias dos filósofos contratualistas, perceberemos certos níveis de instabili- dade no estado de natureza, mais hostil na visão de Hobbes, e com um agravante, o medo do sujeito, em um lugar onde “o homem pode ser o lobo do homem”. De forma mais abrangente, na teoria de Locke e o liberalismo, o estado de natureza chega, com Rousseau, a ser um estado ideal para se educar a criança e o jovem (ao menos até os 25 anos de idade). D A D I S C I P L I N AA P R E S E N TA Ç Ã O Arendt, posteriormente, mostrará uma política voltada para crítica aos elementos dos regimes totalitários e ao Nazista. Já Bobbio trará à tona a preocupação com a questão democrática, deixando mais clara a diferença entre a democracia direta e a democracia representativa. Inclusive afirmará que a pior democracia conseguirá ser melhor do que qualquer regime totalitário. E Rawls ressignificará o liberalismo, trabalhando a noção de justiça com equidade. Encerraremos nossas discussões, na quinta unidade, com o polêmico Karl Marx, desta- cando as questões envolvidas em seu conceito de trabalho alienado e de ideologia co- munista, que, por sua vez, assusta tantas pessoas. Um filósofo de marca maior, como foi Karl Marx, não poderia deixar de ter uma legião de seguidores. Não daria para nomear e explanar a teoria de todos os seguidores de Marx, aqui, de forma que expusemos alguns dos mais relevantes: Antonio Gramsci e a questão do Estado Capitalista; Georg Lukács e o conceito de politicidade e a dignidade do ser social; Louis Althusser e os Aparelhos Ideológicos do Estado e, por fim, a questão da liberdade em Slavoj Zizek. ÍCONES Sabe aquela palavra ou aquele termo que você não conhece? Este ele- mento ajudará você a conceituá-la(o) melhor da maneira mais simples. conceituando No fim da unidade, o tema em estudo aparecerá de forma resumida para ajudar você a fixar e a memorizar melhor os conceitos aprendidos. quadro-resumo Neste elemento, você fará uma pausa para conhecer umpouco mais sobre o assunto em estudo e aprenderá novos conceitos. explorando ideias Ao longo do livro, você será convidado(a) a refletir, questionar e transformar. Aproveite este momento! pensando juntos Enquanto estuda, você encontrará conteúdos relevantes online e aprenderá de maneira interativa usando a tecno- logia a seu favor. conecte-se Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos online. O download do aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store CONTEÚDO PROGRAMÁTICO UNIDADE 01 UNIDADE 02 UNIDADE 03 UNIDADE 05 UNIDADE 04 FECHAMENTO A POLÍTICA NA ANTIGUIDADE 10 FILOSOFIA POLÍTICA MODERNA 56 92 OS FILÓSOFOS CONTRATUALISTAS 132 A FILOSOFIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA 166 MARX E AS INFLUÊNCIAS DE SUA TEORIA POLÍTICA 206 CONCLUSÃO GERAL 1 A POLÍTICA NA ANTIGUIDADE PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • Construção do Ideal Político em Platão • A Política como Busca da Felicidade (eudaimonia) em Aristóteles • Ação Política em Cícero. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Entender a construção da cidade ideal em Platão e qual o melhor modelo político a ser implantado • Compreender, em Aristóteles, qual é o modo de vida que proporciona ao cidadão a boa vida e pode ser traduzida como felicidade • Verificar na política de Cícero quais os modos de agir que, de fato, contribuirão para a construção da república. PROFESSOR Esp. Silvanir Aldá INTRODUÇÃO A organização política na antiguidade surge da tentativa e da experiência do homem em definir uma melhor forma de convivência entre os cidadãos com- ponentes de uma polis, palavra que deu origem ao vocábulo cidade. Os cuidados com a cidade e com o cidadão sempre entram nessa pauta, por isso, aprenderemos mais a respeito desses assuntos, nas teorias de alguns dos mais relevantes filósofos, as quais a humanidade teve a oportunidade de acessar, por meio de seus escritos. Nesta unidade, veremos, mais propriamente, os pensamentos de Platão, no que se refere à construção do ideal político; também comtemplaremos, em Aris- tóteles, a busca do bem mais precioso do homem, que é a felicidade e o pensa- mento; e, em Cícero, conheceremos a ação política. Platão parte do fator de que o homem tem necessidade de se unir a outros para garantir sua preservação. A construção da cidade perfeita para ele, a calípolis (cidade bela), passa, primeiro, pela construção de um político que seja filósofo. E o que isso quer dizer? Platão aponta a necessidade de uma pessoa preparada no poder. O governante deve vir da classe dos guardiões e não possuir interesses financeiro, familiar e particular. É alguém que estará a serviço do povo, de modo a não se corromper. A monarquia seria a forma de governo ideal. O bem comum, para Aristóteles, será o bem do próprio indivíduo, o cidadão ter condições de ter bens e investir para ter uma vida digna na polis. Não é que se tenha perdido a visão de conjunto. Veremos que quem não vive, em comuni- dade, não se encaixa no que seria considerado o bem comum e, portanto, estaria distante do ideal de felicidade. Cada povo deveria ter um governo que lhe fosse mais apropriado. Por exemplo, um povo voltado ao comando político, deveria ser regido pela monarquia; um povo que se sujeita, mesmo sendo livre, estaria mais voltado à aristocracia. Nesse sentido, a democracia seria a pior forma de governo. Por último, veremos, na política de Cícero, que o amor pátrio deve ser ressaltado, e, para tanto, o homem deve se empenhar na fundação e na con- servação do estado. A justiça será tema de destaque, pois é por meio dela que se torna possível o governo da república. Apesar da influência que teve dos gregos, Cícero tentará promover a dissolução dos costumes gregos e ro- manos. A família terá ressaltada sua importância e a felicidade se baseará na verdadeira constituição política. A ideia é termos uma república sábia e bem organizada. O coroamento de sua teoria apontará para o fato de que o bom político, o qual ajuda a construir a república, de modo honroso e justo, terá um lugar de recompensa após a morte. U N ID A D E 1 12 1 CONSTRUÇÃO DO IDEAL POLÍTICO EM PLATÃO Antes de entrarmos, mais propriamente, no ideal político de Platão, vemos que o conceito de ideia, palavra que vem do grego idein, significa ver e está ligado à questão da forma. Em Platão, tal conceito se refere à realidade supra-sensível, ao modelo, ao paradigma inteligível e, por fim, ao ser puro. A Aspiração Política de Platão Em sua mocidade, Platão (c. 428-347 a. C.) aspirava ao mesmo que qualquer ou- tro cidadão grego: tornar-se independente, ingressar na política. Tanto mais para Platão, do que para qualquer outro, as coisas corriam nesse sentido, uma vez que ele descendia de família nobre. Do lado paterno, tinha como parente o Rei Codro e, do lado materno, descendia de Solão, além de contar com alguns tios influentes, no governo da cidade. Depois que o partido aristocrático subiu ao poder, trabalhar para o bem público, isto é, para a cidade, seria um caminho natural a percorrer. Encerrado o governo dos Trinta tiranos (hoje chamamos de ditadores), a oligarquia (de Oligoi, melhores e arqué, princípio, ou seja, é o que chamamos de governo dos melhores), toma lugar a democracia (demo, povo e kratos, gover- no, isto é, o governo do povo). Houve, ainda, na cidade de Dião, pessoas mortas por praticarem, depois da “abolição da tirania”, os ideais poéticos de Platão. Este U N IC ES U M A R 13 filósofo almejava a política, como forma de contribuir com o bom andamento da cidade, mas devido às mancumunações dos políticos poderosos, seu amigo Sócrates acaba sendo acusado injustamente, condenado e morto, o que faz com que ele não queira mais entrar na política. Tal morte teria mesmo influenciado a obra de Platão, deixando marcas visíveis de amadurecimento (PLATÃO, 1970). E quer governem a favor ou contra a vontade do povo; quer se inspirem ou não em leis escritas, quer sejam ricos ou pobres, é necessário considerá-los chefes, de acordo com o nosso atual ponto de vista, desde que governem competentemente por qualquer forma de autoridade que seja. (Platão) pensando juntos A Política As obras de Platão que tratam da política são, mais especificamente, a República, o Político e as Leis. Podemos notar que a República contrapõe-se ao estado ideal, o qual é o estado do espírito, ao estado da política deste mundo. Para Platão, a democracia era um regime ruim, porque seria inviável todos mandando ao mesmo tempo. Analisando a arte política e o conceito de Estado, estes tratam da velha política e do velho Estado, no que concerne à retórica, que era, com certeza, seu instrumento mais poderoso. Já, a nova e verdadeira política e o novo Estado pautavam-se pela filosofia, uma vez que esse é o único caminho seguro de acesso aos valores de justiça e bem, fundamento de toda política ideal. Se nos perguntarmos sobre o porquê da formação do Estado, veremos, em Platão, que esse é fruto da necessidade. O homem não se basta em si mesmo, precisa, por sua vez, suprir-se de tudo o quanto seja essencial à sua sobrevivência, tanto material quanto moral. Na conformação do Estado, começam a surgir as mais variadas profissões. Cada homem nasce com uma determinada aptidão, o que lhe permite realizar trabalhos diferentes uns dos outros. Os trabalhos essen- ciais para a manutenção da vida na polis (cidade Estado grega) estavam voltados à agricultura, ao artesanato e ao comércio. Quanto à segurança da cidade, havia a classe dos guardiões e dos guerreiros que, além desta função, poderiam avançar U N ID A D E 1 14 na conquista de outros territórios, ao visar a expansão do domínio político-geo- gráfico. As primeiras profissões, aqui citadas, não necessitavam de uma educação especial, enquanto que o guerreiro, além da ginástica para o corpo, praticava a poesia e a música, como objetivo de fortalecer a alma. Dentre os guerreiros, há, também, outra distinção: de onde irá sair aqueles que irão obedecer e se colocar a serviço dos que irão mandar? Os que serão detentores do mando da cidade serão os governantes dessa. Das classes que indicamos, à primeira, a qual envolve os agricultores, comerciantes e artesãos, não é concedido bens, nem exageradamente nem de modo escasso. Já, os defensores do Estado participam de uma mesa co- mum, sem a concessão de bens e/ou riquezas. Ainda, em Padovani e Castagnola, podemos ver isto posto da seguinte forma: “ Segundo Platão, o estado ideal deveria ser dividido em classe so- ciais. Três são, pois, estas classes: a dos filósofos, a dos guerreiros, a dos produtores, as quais, no organismo do estado, corresponderiam respectivamente às almas racional, irascível e concupiscível no orga- nismo humano. À classe dos filósofos cabe dirigir a república. Com efeito, contemplam eles o mundo das ideias, conhecem a realidade das coisas, a ordem ideal do mundo e, por conseguinte, a ordem da sociedade humana, e estão, portanto, à altura de orientar racional- mente o homem e a sociedade para o fim verdadeiro. Tal atividade política constitui um dever para o filósofo, não, porém, o fim supre- mo, pois este fim supremo é unicamente a contemplação das ideias. À classe dos guerreiros cabe a defesa interna e externa do estado, de conformidade com a ordem estabelecida pelos filósofos, dos quais e juntamente com os quais, os guerreiros receberam a educação. Os guerreiros representam a força a serviço do direito, representado pelos filósofos. À classe dos produtores, enfim, - agricultores e artesãos - submetida às duas precedentes, cabe a conservação econômica do estado, e, consequentemente, também das outras duas classes, inteiramente entregues à conservação moral e física do estado. Na hierarquia das classes, a dos trabalhadores ocupa o ínfimo lugar, pelo desprezo com que era considerado por Platão - e pelos gregos em geral - o trabalho material (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1984, p. 120-121). U N IC ES U M A R 15 Em uma primeira instância, aquele que deve ser escolhido pelo legislador, segue uma sucessão hereditária, mas em alguns casos, pode ser escolhida uma criança de uma classe inferior, a qual tenha excepcionais habilidades. Aliás, um filho de um guardião que fosse considerado insatisfatório poderia ser degradado (RUSSELL, 1969). Para firmar as qualidades de cada classe social, Platão recorre ao mito fenício das raças, o qual tomou emprestado de Hesíodo. Apesar de todos os homens serem originariamente iguais e irmãos, pois todos são filhos da terra, os deuses dotaram suas almas de composições diferentes. Na alma dos guar- diães perfeitos, colocaram ouro; na alma dos guardiães auxiliares, colocaram prata e, na dos trabalhadores e artesãos, colocaram bronze e ferro. Dessa for- ma, cada cidadão deveria seguir a orientação de sua alma, ou seja, realizar, da melhor forma possível, as atribuições que lhes foram dadas (FRAILE, 1971). O fim, no sentido de finalidade, o objetivo da política é o bem do homem e, uma vez que o sentido de homem, para Platão, está mais fundado na questão da alma, e o corpo é só o recipiente que aprisiona sua alma, o bem do homem maior é o cuidado com sua alma. A verdadeira política é esta, a qual visa cui- dar da alma. Já, o cuidado apenas com o corpo seria a falsa política. Porém é necessário ter atenção, aqui, pelo fato de que Platão não apregoa o menosprezo do corpo, muito pelo contrário, em sua escola, a Academia, além dos estudos, isto é, dos exercícios intelectuais, havia também, muitos exercícios físicos (ginástica). A ideia era que, com o cuidado do corpo, seriam amenizadas as possíveis dores e os sofrimentos que o corpo pudesse exercer sobre a alma. Ao adentrar um pouco mais na ideia de bem, entendemos que esta seria o centro da “religião” platônica. Platão rechaça o antropomorfismo, que seria a atribuição de forma humana aos deuses bem como de qualidades morais. Se, por um lado, ele tenta eliminar os deuses da mitologia popular grega e da poética, por outro acaba aceitando o politeísmo. “ É um politeísmo estranho, cujas divindades são os astros e o cosmos, animados e racionais, os assim chamados deuses visíveis, subordinados ao Demiurgo, bem como à ideia do Bem e às outras ideias. Platão pode, pois, conservar - reformada e purificada - a religião helênica, como religião do seu estado ideal (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1984, p. 122). U N ID A D E 1 16 Temos, aqui, uma ideia de religião que foge ao tradicional, mas que é, também, uma busca pela verdade. Da mesma forma que seu mestre Sócrates, Platão não tem o intuito de negar os deuses da cidade, uma vez que eles não repre- sentam um empecilho para a construção da cidade ideal. O Estado e a lei sempre constituíram o modelo e apontamento de modo de vida do cidadão. Enquanto indivíduo, o homem tinha de se mostrar virtuoso, isso significava adotar a virtude do cidadão. A realização de uma vida justa e digna passava pelo fato de servir ao Estado, da melhor forma possível. A República A República de Platão é constituída de três partes: A primeira parte, que vai até quase o final do Livro V, trata da constituição de uma comunidade ideal, nesse trecho está inclusa a questão das utopias. Na segunda parte, livros VI e VII, o filósofo trata da definição do “filósofo”. E, a terceira parte, livros VIII a X, consiste em uma discussão sobre quais seriam as espécies de constituições reais, quais os seus méritos e defeitos. Dentro do Estado, as leis são iguais para as classes, note-se aqui que não dis- semos para todas as classes, mas para cada classe, de forma separada. A República é iniciada a partir de uma questão que nos arremete à vida após a morte (ancião falando da proximidade da morte e o quanto foi bom se livrar dos desejos car- nais), quanto termina com o mito do “juízo final”, o mito de Er. A República traz um assunto que vai além do plano físico. Toda essa preparação para governar acaba sendo, também, uma preparação para atingir um lugar melhor após a morte e, assim, acessar toda forma de conhecimento. U N IC ES U M A R 17 O que foi exposto, anteriormente, aponta para o fato de que atingir o bem, aqui na terra, e o esforço para ser filósofo seriam o passo necessário para atingir um bem maior na vida, depois da vida terrena. A ideia do governante ideal é o Rei filósofo e esse não pode atingir o próprio bem, se não conseguir levar a sociedade a agir bem. A calípolis (de cali, belo e polis, cidade) não é somente a construção de uma cidade (casas, ruas, praças... belos), mas sim e, primordialmente, a construção do homem de bem. Não basta saber o que é o bem, este deve ser posto em prática. Na República, o homem só pode se explicar moralmente, se explicar-se politicamente (REALE, 1994). As interpretações da República são as mais variadas possíveis. Há, por exem- plo, quem a tenha comparado com um comunismo ou, até mesmo, com o so- cialismo, no que diz respeito à proposta de colocar todos os bens em comum e a educação dos filhos a partir dos 7 anos. Entretanto somente algumas passagens lembram o comunismo, não sendo o caso uma postura tão “radical”. Para uma determinada classe, no que se refere aos guardiões e aos soldados, quanto à eco- nomia, Platão propõe sim um completo comunismo, apesar de nem sempre se mostrar de uma forma muito clara. “ Os guardiões terão pequenas casas e farão uso de alimentos simples; viverão como num acampamento, comendo juntos em grupos; não devem ter propriedade privada, além do absolutamente necessário. O ouro e a prata são proibidos. Embora não sejam ricos, não há razão para que não se sintam felizes: todavia, o objeto da cidade é o bem de todos, conjuntamente, e não a felicidade de uma única classe. Tanto a riqueza como a pobreza são prejudiciais e, na cidade de Platão, não existirá nem uma coisa, nem outra. Há um argumento curioso com relaçãoà guerra: o de que será fácil comprar aliados, já que nossa cidade não deseja participar de modo algum dos despojos da vitória (RUSSELL, 1969, p. 129). Russell (1969), incisivamente, afirma, ainda, que o fato de dizer que o Só- crates platônico aplicava o comunismo à família seria fingimento da parte deste, no sentido de que pareceria realmente algo exagerado pôr algumas coisas em comum, como a esposa e os filhos. Mas ganha destaque afirma- ções de que, por exemplo, as meninas deviam ter o mesmo tipo de educação que os meninos e junto deles, de modo que, também aprendessem música, ginástica e a arte da guerra. U N ID A D E 1 18 A Justiça A questão da justiça, no livro IV da República, está estreitamente ligada ao fato de que todos na cidade devem realizar o seu trabalho, sem se intrometerem em coisas que não lhes diz respeito. A cidade atinge o ponto ideal quando todos fazem exatamente o que lhes compete. A justiça é o ideal a ser perseguido pelo governante do Estado perfeito. Qual seria a natureza e o valor da justiça? Ao tratar da justiça, temos que trazer à discussão outras três virtudes, as quais seriam as virtudes da sapiência, a da fortaleza e a da temperança. Elas compõem o que chamamos de vir- tudes cardeais, assim o Estado que visa atingir a perfeição deve, pois, atingir as quatro. A sapiência (sophia) está fun- dada no bom conselho, o que difere das ciências técnicas particulares e ajuda no entendimento de como melhor se relacionar consigo mesmo, com a sua cidade e com as cidades circunvizinhas ou de outro país. A Fortaleza, ou a coragem (andreia), é o pensar e decidir sobre as coisas perigosas ou não. A ponderação ou a temperança (sophrosyne) é uma ordem, domínio ou disciplina dos prazeres e dos desejos. E, por último, a justiça (dikaiosyne) está ligada ao fato de que, para o bem do Estado e da sua construção, cada um deve fazer o que lhe é próprio por natureza, isto quer dizer, por lei, aquilo para o que fora chamado a fazer. Para obtermos um Estado justo, cada cidadão deve ser justo (PLATÃO, 2000). A palavra “justiça”, como é, ainda, usada no direito, assemelha-se mais ao conceito de Platão do que ao sentido em que é empregada na especulação política. (Bertrand Russell) pensando juntos U N IC ES U M A R 19 Apesar de Platão não ter sistematizado outras virtudes em suas obras, muitas outras virtudes aparecem em suas obras, como: Virtudes intelectuais: prudência, conhecimento, conhecimento intelectual, ciência, sabedoria, compreensão e bom conselho. Virtudes morais: justiça, moderação, fortaleza, domínio de si mesmo, piedade (justiça para com os deuses), alegria, bom humor, magnificência, arte e habilidade industriosa. Verificamos que o filósofo não trabalha somente com as virtudes, mas cita tam- bém quais os vícios passíveis de serem assumidos pelos homens não comprome- tidos com a causa da República, a saber: Vícios: estupidez, ignorância, intemperança, injustiça, prejuízo ou dano, covar- dia, moleza, arrogância, insolência, mau humor, baixeza, maldade, adulação, inveja e descontentamento. A República é o grande projeto político de Platão. Esse projeto conta com a educação como pilar para a construção da cidade ideal. Sócrates é o personagem principal deste diálogo. Ao ser convidado para ir à casa de Céfalo, onde este diz estar muito bem, porque em sua idade (velhice) ele tem agora mais tempo de se dedicar ao filosofar. Uma vez tendo dinheiro, ele pode reparar as injustiças que cometeu durante a vida. A justiça é o assunto que está entremeado durante toda a República. O que, realmente, é a vida feliz? Ter muito dinheiro ou viver a virtude da justiça? Em outra passagem, Céfalo, no início da República, diz a Sócrates: “A jus- tiça é dar a cada um o que lhe pertence! ” . Ao passo que Sócrates lhe rebate, contando sobre uma determinada situação em que, por exemplo: um amigo que não está gozando de suas faculdades mentais lhe pede que guarde sua arma. Mais tarde este amigo volta e diz que quer a arma de volta. O que é mais correto: seguir a máxima – “A justiça é dar a cada um o que lhe pertence!” – e devolver a arma, ou você se esquiva de devolvê-la, porque, afinal, este pode fazer algum a si mesmo ou, ainda, ferir outros? Dito isto, Céfalo concorda com Sócrates e o deixa conversando com seu futuro herdeiro, seu filho Polemarco. Este, por sua vez, dá a seguinte definição de justiça: “Devemos fazer bem aos amigos e mal aos inimigos!”. Sócrates, imediatamente, opõe-se a essa ideia, dizendo que fazer o mal seria incompatível com a ideia de justiça, porque prejudicar alguém nunca seria o melhor caminho. Em seguida, entra em cena o sofista Trasímaco que, de imediato, irrita-se com Sócrates, dizendo ser este, na verdade, quem estaria se utilizando de sofismas. Trasímaco dá a seguinte definição: “A justiça é a conveniência do mais forte!”. U N ID A D E 1 20 Dessa forma, a justiça seria uma produção, conforme a conveniência do mais forte. Por ser mais forte uma determinada pessoa, faria valer sua vontade a seu mero prazer. Sócrates dá o exemplo de um homem forte, lutador de pancrácio (uma luta onde valia tudo). Como a lenda diz que tal lutador devorava um boi por dia. Então o que seria correto? Se “A justiça é a conveniência do mais forte!”, tanto mais justo seríamos se devorássemos um boi por dia. Nisso, Trasímaco se irrita e coloca uma segunda definição: “Ser injusto, mas parecer justo!”. Ele diz isso, porque a vida do injusto parece valer mais à pena, uma vez que ele só se dá bem. Para Trasímaco em todas as artes é assim, por exemplo, o médico cuidaria do paciente para ganhar dinheiro, não porque estaria preocupado com a saúde. O pastor cuidaria da ovelha para tosquiá-la. Mas, para Sócrates, cada arte tem uma finalidade própria. A medicina visa à saúde e o pastoreio visa o bem das ovelhas. De modo que o bem da arte da medicina ou da arte do pastoreio está, exatamente, em algo que já está inscrito em cada uma destas artes. No segundo livro da República, entrando Sócrates em conversa com Glauco, temos a seguinte fala deste: “dizem que cometer uma injustiça é por natureza um bem, e sofrê-la, um mal, mas que ser vítima de injustiça é um mal maior do que o bem que há em cometê- la” (PLATÃO, 2000, p. 358). Por meio desta concepção é que as leis foram estabelecidas, visando que as pessoas não sejam vítimas de injustiça e não possam cometê-las. A vida em sociedade traria essa segurança. Essa seria a gênese e a essência da justiça. O que se quer, aqui, é que não se pague a pena de ser injustiçado e, por outro lado, que não seja o cidadão impedido de vingar uma injustiça. Glauco argumenta de modo sofístico no trato do conceito de justiça. Como comenta Belini (2009): “Ela (a justiça) é apenas um pacto entre os homens por natureza destinados a receberem injustiças sem poder cometê-las” (BELINI, 2009, p. 57). Uma vez que as leis estejam postas, é justo quem lhes obedece e injusto quem deixa de fazê-lo. Aquele que é incapaz de cometer uma injustiça é justo, mas aquele que pratica a justiça, a pratica, exatamente, por ser incapaz de fazê-la. Se a justiça não for estimada por si mesma e for praticada pelos incapazes, pode-se dizer que o é pelos fracos. No diálogo, Críton ou Do Dever, de Platão, Críton conversa com Sócrates sobre o que é e o que não é o justo. Trazemos, aqui, uma passagem de profunda relevância, que além de tratar da justiça, também é o momento exato em que Sócrates defende que entregar sua vida seria o mais justo, isto é, mostra também sua disposição para cumprir aquilo que ele considerava ser seu dever: U N IC ES U M A R 21 “ SÓCRATES - Portanto, nunca se deve cometer injustiça, nem pa- gar o mal com o mal, seja lá o que for que nos tiverem feito, portan- to cuidado, Críton, e que ao aceder-me nisto não te voltes contra tua opinião, porque há poucos que concordem quanto a isso. [...]. SÓCRATES - Prossigo, ou melhor, te pergunto: o homem que pro-meteu uma coisa justa, deve cumpri-la ou faltar a ela? CRÍTON - Deve cumpri-la. SÓCRATES - Segundo o que dissemos, se ao sair daqui sem o consentimento da cidade, fazemos ou não fazemos o mal preci- samente aos que não o merecem. Cumpriremos o que convencio- namos ser justo ou não? CRÍTON - Não posso responder ao que me perguntas porque, na verdade, ó Sócrates, não o entendo. SÓCRATES - Vejamos se assim o entendes melhor. Se chegado o momento de nossa fuga, ou como o queres chamar, nossa saída, as leis da República, apresentando-se a nós, nos dissessem: “Sócrates, o que vais fazer? Levar teu projeto a cabo não implica destruir-nos completamente, uma vez que de ti dependem, para nós, as leis da República e a todo o Estado? Acreditas que um Estado pode subsistir quando as sentenças legais nele não tem força e, o que é mais grave, quando os indivíduos as desprezam e destroem? ” Que responderíamos, Críton, a estas e a outras acusações parecidas? Quantas coisas não poderiam ser ditas, mesmo por um retórico acerca da destruição desta lei que exige o comprimento das sen- tenças ditadas? Diremos por acaso que a República foi injusta e nos julgou mal? É isso que responderemos? CRÍTON - Sim, Sócrates, é o que lhes diremos. SÓCRATES - E a isso responderão as leis: “Não convencionamos, ó Sócrates, que te submeterias ao juízo da República? ” E tal lin- guagem nos surpreendesse, talvez então nos dissessem: “Não te surpreendas, Sócrates, mas responde-nos, uma vez que estás ha- bituado a discutir por perguntas e respostas. Diga-nos as queixas que tens contra a República e contra nós, para que ajas de molde a tudo fazer para nos destruir. Em primeiro lugar, deve-nos a vida, uma vez que por nós casou-te teu pai com aquela que te deu à luz (PLATÃO, 1996, p. 108-110). U N ID A D E 1 22 O que pudemos ver aqui é que o Estado é maior que o indivíduo. Se, num mo- mento, o Estado tudo deu (segurança e bens) à sua família (pais de Sócrates) e, por consequência, a ele, este mesmo pode requerer tudo de volta a qualquer instante e da “melhor forma” que o desejar. Para Platão, a justiça no indivíduo e a justiça na cidade consistem essencialmente no mesmo (FRAILE, 1971). O governo é visto por Platão como se fosse um grande organismo. O grande todo, que é a cidade, é integrado por indivíduos, famílias, clas- ses sociais, sendo que seus interesses nem sempre convergem para o mesmo objetivo. Como poderia ser possível uma sociedade com tantos interesses diferentes. Há que ter entre suas diversas partes uma ordem que promova unidade, assegurando que cada parte realize a função que lhe é correspondente dentro de uma totalidade. Leis Enquanto na República empunha-se a bandeira da educação e da justiça, como fun- damento do Estado, na obra Leis o que será preponderante é a organização da so- ciedade através das leis. Há que se encontrar, na lei, um fundamento sólido, estável e universal, que seja, ainda, independente dos costumes e pluralidade de cada cidadão. U N IC ES U M A R 23 Inclusive, os sofistas contribuíram para dar relevo a ampliação da lei, ressaltando a pluralidade, o relativismo e a diversidade de leis civis locais. Tudo isso contrapõe-se às leis naturais, como a estabilidade, a firmeza e a universalidade. Segundo Fraile (1971), o antigo conceito de lei estava relacionado com o ser e a ordem cósmica. Se, em Homero e Hesíodo, a justiça era o fundamento e ordem do cosmos, em Platão há o retorno a este conceito, parte por conservar a noção genética da lei, que procedia dos costumes. A função da lei era guiar e corroborar os costumes, e a dos legisladores era, com suas leis, recorrer, por escrito, e aprovar seus costumes. Já de outro lado, parte da lei está baseada na razão (logos), o qual consiste em sua essência. E de onde vêm esse logos? Dos deuses, que são, nesse caso, a medida de todas as coisas (FRAILE, 1971). O expresso acima se mostrava como um pensamento razoável, proveniente da razão verdadeira e reta (logos aletés), que era escrito e sancionado pelo legislador, aceito pelo povo e, assim, convertia-se em norma comum da cidade (dogma póleos). Qual seria pois, o objeto da lei? O bem comum da cidade, que estava acima dos interesses particulares dos indivíduos. Não se tratava aqui de uma regra rígida e inflexível, mas sim racional e que poderia ser ajustada, dependendo das circuns- tâncias. O legislador deveria ater-se ao que se passava no geral, não apenas aos acontecimentos dos casos particulares. O legislador estava, de certa forma, acima das leis, podendo ajustá-las ou modificá-las, conforme cada ocasião, mas sempre de acordo com a prudência. Por fim, para que os cidadãos respeitassem as leis, o legislador deveria ater-se mais às razões que fundamentavam tais leis, do que nas possíveis penas que seriam aplicadas aos transgressores. As Formas de Governo A constituição da cidade se parece com a correspondente às almas distintas do homem. Na República, são postas as formas de governo que veremos a seguir. A sociedade está dividida em classes, e os regimes políticos se degeneram, partindo do que Platão considera o mais perfeito, que seria a aristocracia, passando pela ti- mocracia, oligarquia e democracia, chegando à tirania, o qual seria o pior de todos, por não apresentar nada de bom. U N ID A D E 1 24 Em sua obra Político, Platão trata das formas de governo de modo mais re- sumido, assim, temos três formas fundamentais: a monarquia, a aristocracia e a democracia. “ A monarquia, unida a boas regras escritas a que chamamos leis, é a melhor das seis constituições, ao passo que, sem leis, é a que torna a vida mais penosa e insuportável. [...]. Quanto ao gover- no do pequeno número, sendo o de “poucos”, ele se situa entre a unidade e o grande número e é necessário considerá-lo in- termediário entre os dois outros. Finalmente o da multidão é fraco em comparação com os demais e incapaz de um grande bem ou de um grande mal, pois nele os poderes são distribuídos entre muitas pessoas. Do mesmo modo, está é a pior forma de constituição quando submetida à lei e a melhor quando estas são violadas (PLATÃO, 1979, p. 251). Caberia ao homem imitar a ordem do universo em suas constituições e em suas leis. Uma vez, diante da inevitável e progressiva degeneração, propõe como remédio a substituição do poder pessoal do monarca pelo poder da lei. Estas seriam as formas puras, ideais e perfeitas (trata-se do governo dos melhores), na qual governaria o homem distinto ou por poucos homens eminentes, que regeriam a cidade de modo prudente. Nessa forma de governo, haveria uma mistura de raças: a de ouro, a de prata e a de bronze e ferro, em que surge muita desarmonia e discórdia interior. A terra que antes era comum, divide-se. A ambição pelas vitórias e pela honra se sobrepõe ao pensar e querer racional. Por �m, para piorar, a classe militar se apossa das riquezas e oprime as classes inferiores, compostas pelos lavradores e artesãos. É caracterizada pela ambição crescente pela riqueza, concentrando essa nas mãos de uma minoria. Neste contexto, a cidade é dividida em duas classes antagônicas: de um lado, os magnatas ricos (oligarcas) que detém o monopólio do dinheiro e posses, e, do outro lado, as pessoas empobrecidas, que carecem, até mesmo, dos meios mais elementares de subsistência. Se derrotados os oligarcas, o povo chega ao poder. Há liberdade, porém, consiste em uma verdadeira anarquia em que, pelo fato de todos fazerem o que bem entendem, acabam por se deixarem levar por desejos desenfreados. DEMOCRACIA TIMOCRACIA OU TIMARQUIA MONARQUIA OU ARISTOCRACIA OLIGARQUIA O excesso de liberdade produz desordem e, nesse caso, prevalecem os mais ousados e violentos. A preferência do povo por um demagogo faz com que esse se apodere do mando e se coloque como tirano, suprimindo completamente a liberdade. Estabelece-se dessa forma, o reino dainjustiça, imperando a desordem, porque se rompe a harmonia entre as diversas partes integrantes do Estado. Para Platão, a alma do tirano está dominada pelos desejos inferiores. Mesmo que não aparente, sua vida é a mais infeliz de todas. TIRANIA U N IC ES U M A R 25 O que Aristóteles faz não é nos dar uma definição do que é a felicidade, mas sim apontar por quais caminhos alcançá-la. Esses caminhos seriam dois: a vida políti- ca e a moral, a qual se amplia sob o controle da reta razão; e, a vida contemplativa, que traz à tona a parte mais divina, a natureza humana, que é a capacidade natural de obter a verdade última. Política como coisa para o indivíduo Aristóteles (384 – 322 a. C.) direcionará sua filosofia política para um rumo diferente da filosofia política de Platão. Enquanto este último tentou voltar todos os indivíduos para a construção e bem da Calipolis, isto é, o que era público teria prioridade sobre o que fosse privado, Aristóteles prioriza o in- divíduo, desconfiando de que não daria certo priorizar o bem público. Ainda, outros motivos apontam a crítica de Aristóteles a Platão, como a questão da excessiva unidade do Estado, e que ele o converteria depois num indivíduo, além da questão da abolição da família. “O comunismo de Platão aborrece Aristóteles. Conduziria, diz ele, à irritação contra os indivíduos preguiçosos e a toda a sorte de disputas comuns entre companheiros de viagem (RUSSELL, 1969, p. 219). Ele parece ter se preocupado mais em compreender a realidade 2 A POLÍTICA COMO BUSCA DA FELICIDADE (EUDAIMONIA) em Aristóteles U N ID A D E 1 26 política de sua época e, para realizar tal intento, estudou as leis de diferentes cidades e quais as formas de governo que existiria em sua época. A Politia, que é uma mistura de democracia de aristocracia, seria, segundo ele, a melhor forma de organização política. O homem é um zoon politikon, um animal político. Faz parte de sua natureza se organizar politicamente. No início de Política, Aristóteles diz o seguinte: “ Vemos que toda cidade é uma espécie de comunidade, e toda comunidade se forma com vistas a algum bem, pois todas as ações de todos os homens são praticadas com vistas ao que lhes parece um bem; se todas as comunidades visam a algum bem, é evidente que a mais importante de todas elas e que inclui todas as outras tem mais que todas este objetivo e visa ao mais importante de todos os bens; ela se chama cidade e é a comunidade política (ARISTÓTELES, 1997, p. 13). A teoria presente em Política tem vistas ao bem. É, exatamente, no subsistir e colocar o bem em prática, que se pode alcançar o bem comum. A história atribui a Aristóteles a frase: “Uma andorinha só não faz verão! ”. Seria exata- mente essa ideia, a síntese de seu pensamento, onde cada um faz um pouco, e faz não o que deseja simplesmente, mas a partir de si e de sua estrutura de subsistência, faz aquilo que deve ser feito. Aristóteles fala que o homem comum deve ter posses, uma estrutura fi- nanceira mínima para que possa se preparar e poder participar da vida polí- tica. É, na polis, que o homem pode desenvolver seu potencial. O bem comum da polis é o bem comum do próprio indivíduo, por isso, veremos que apesar deste foco no indivíduo, não quer dizer que ele tenha perdido a visão de con- junto. Alguém que não vivesse a coletividade, sabendo, inclusive, o que era o bem comum, seria um deus ou uma fera. Ao colocar o indivíduo à frente da discussão, o modelo de comunidade, na qual todos contribuem para o bem comum é apresentado. Em sua época, além das pólis, existiam, também, ci- dades, entretanto era só na polis que teríamos o modelo pelo qual se poderia alcançar a vida ideal de bem comum a todos os cidadãos. U N IC ES U M A R 27 A política trata do bem comum e do bom governo da cidade. Já, o objetivo maior, possível de ser atingido pelo indivíduo, seria conquistado por meio da ética, que está subordinada à política. Pela ética é que se tem a orientação da conduta, daí se chega à perfeição e, consequentemente, à felicidade. Para os gregos, não se podia entender o homem em estado de isolamento. Ele é um ser social, componente de uma família e de uma sociedade civil. Fora desse esquema não poderia atingir sua perfeição individual. O bem individual é subordinado ao bem comum. A aplicação da ciência política, como pressuposto para se atingir a felicidade, está presente em uma obra de Aristóteles, que é a Ética a Nicômaco. A ciência da felicidade humana começaria, dessa forma, na ética, e sua última parte estaria na obra Política. “ A felicidade humana consistiria em uma certa maneira de viver, e a vida de um homem é o resultado do meio em que ele existe, das leis, dos costumes e das instituições adotadas pela comunidade à qual ele pertence. Na zoologia de Aristóteles o homem é classificado como um “animal social por natureza” (Política, 1253a, parágrafo 9), que desenvolve suas potencialidades na vida em sociedade, organizada adequadamente para seu bem-estar. A meta da “política” é descobrir primeiro a maneira de viver que leva à felicidade humana, e depois a forma de governo e as instituições sociais capazes de assegurar aquela maneira de viver. A primeira tarefa leva ao estudo do caráter (ethos), objeto da Ética a Nicômaco; a última conduz ao estudo da constitui- ção da cidade-estado, objeto da Política (ARISTÓTELES, 1997, p. 7). A política é uma tensão entre dois pólos: a violência possível e a livre coexistência. Contra a força, faz-se necessária a resistência pela força, a menos que se esteja disposto a admitir a própria escravização ou a própria destruição. A livre coexistência cria uma comunidade, por meio de instituições e de leis. A política da força e a política da parlamentação opõe-se por natureza: a combinação de uma e outra tem constituído a prática política até os dias de hoje, e, talvez, por tempo indeterminado. Fonte: Jaspers (2010, p. 66). explorando Ideias U N ID A D E 1 28 Para Aristóteles, a política compõe o grupo das ciências práticas, isso quer dizer, mais exatamente, que as ciências práticas buscam conhecimento como um meio para a ação, justamente o contrário do que é feito pelas ciências teóricas, como a metafísica e a teologia, as quais reconhecem que conhecimento é um fim em si mesmo. Já, as ciências práticas se dividem em: Ciências poiéticas, as quais são as produtivas, que ensinam a fazer alguma coisa, e a outra é a ciência no sentido mais específico, a qual trata do modo como devemos agir. Passando a tratar, mais especificamente, da obra Política, podemos observar que os assuntos nela reunidos nem sempre estão muito conectados. Alguns assuntos entram repetidos, sem um aviso prévio e a obra referida também carece de um final mais “conclusivo”, se assim podemos nos expressar. Na obra Política, encontramos três grupos de assuntos ou lições: os primeiros, livros I, II e III são introdutórios, abordam a teoria do Estado, em geral, e a classificação das várias espécies de cons- tituições; os segundos livros IV, V e VI, tratam da política, da natureza das consti- tuições existentes e dos princípios para seu bom funcionamento; os terceiros livros VII e VIII examinam a política ideal, a estrutura da melhor cidade. É, também, perceptível que este objetivo ficou inacabado (ARISTÓTELES, 1997, p. 8). “ [...] é evidente em toda a Política o tom de aula, ou exposição de pro- fessor a alunos, como se se tratasse de apostilas talvez organizadas por discípulos com base nas lições do mestre, para sua preservação e utilização futura. Daí a forma de certo modo confusa em que a obra chegou até nossos dias, levando muitos estudiosos a propor uma nova sequência dos livros, por considerarem a disposição tra- dicional dos mesmos completamente ilógica. Alguns editores mo- dernos da Política sugeriram que os livros VII e VIII da sequência tradicional fossem postos no lugar dos livros IV e V, e os livros IV, V e VI fossempostos no lugar dos livros VI, VII e VIII, ou ainda no lugar dos livros VI, VIII e VII (ARISTÓTELES, 1997, p. 8). A ideia, por meio das alterações, seria respeitar a ordem lógica dos conteúdos. A obra Política é um dos maiores clássicos da política, mantendo, por isso mesmo, a atualidade dos temas, nessa, abordados. De forma que sobressaem, ao longo do seu tempo de vida, alguns temas peculiares que merecem destaque. Um deles é a defesa da escravidão, que o filósofo explica como uma necessidade, uma vez que não se tinha máquinas para fazer o trabalho: “[...] se, então, as lançadeiras tecessem e as palhetas tocassem cítaras por si mesmas, os construtores não teriam necessidade de U N IC ES U M A R 29 auxiliar e os senhores não necessitariam de escravos” (ARISTÓTELES, 1997, p. 18). Os escravos eram, de fato, os meios de produção da época, isto quer dizer que “equivaleriam” às nossas atuais máquinas. Para quem acaba por construir um preconceito sobre o filósofo, vale ressaltar que não foi ele que implantou a escravidão em sua época, não se trata, dessa forma, de algum tipo de satisfação com a situação. A construção do Estado Na construção do Estado, fica claro que a mais alta espécie de comunidade e a que tem o objeti- vo mais elevado, que é o bem, é a família, ou seja, a primeira comu- nidade. A construção da família, entendia-se, calcada em duas rela- ções, uma entre o homem e a mu- lher, outra entre amo e escrevo. A estas relações Aristóteles chamava de naturais. Quanto às famílias, várias delas reunidas formam uma aldeia; as aldeias, por sua vez, reunidas darão origem a um Estado. A ideia que verificamos estar pre- sente aqui é mais exatamente a de organismo, e isso se dá, por exemplo, com uma mão, quando há a destruição do corpo não é mais uma mão. Se o propósito da mão é o de segurar as coisas, como poderá fazê-lo se desmembrada do corpo e este não tiver mais vida? Assim, também acontece com o indivíduo. Esse jamais poderá alcançar seus objetivos se não pertencer a um estado. Para Aristóteles, aquele que fundou o Estado foi o maior dos benfeitores, uma vez que, sem as leis, o homem seria o pior dos animais. A lei depende do Estado para sua existência. O Estado não teria outro fim senão o de tornar a vida boa. “E o Estado é a união de famílias e aldeia numa vida perfeita e autossuficiente, com o que queremos dizer uma vida feliz e honrada” (ARISTÓTELES, 1997, 1281b). E ainda: “Uma sociedade política existe para a causa de ações nobres, e não de mero companheirismo” (ARISTÓTELES, 1997, 1281a). A vida do indivíduo é de extrema relevância, mas, na verdade, tudo concorre para o bem do Estado. U N ID A D E 1 30 Em torno da discussão sobre a casa (oikos), entra a discussão da escravidão novamente, uma vez que o escravo era reconhecido como parte da família. A escravidão era considerada conveniente. Afinal, qual outra solução poderia ser adotada em seu lugar para aquela época? O escravo deve ser inferior ao amo sempre. O cumprimento de seu destino estava na obediência. Enquanto alguns indivíduos são destinados à sujeição, outros são destinados a mandar. A princípio, os escravos não deveriam ser gregos, mas de uma raça inferior (en- tretanto, isso não acontecia ao pé da letra), assim, os escravos seriam dotados de uma alma inferior. Todos os seres inferiores requerem que alguém superior lhe guie. Seria, pois, justo tomar como prisioneiros escravos de guerra? Muitos homens, mesmo tendo uma natureza passível de serem escravos, não querem se submeter às ordens de outrem. Para Aristóteles, esse seria um caso em que haveria licitude em fazê-los escravos. Quanto ao comércio, existe o uso apropriado e o uso inapropriado das coisas. Acerca da aquisição de dinheiro, o modo natural de enriquecer se dá por meio da direção da casa e da terra. Há um limite quanto aos ganhos da casa, mas o mesmo não se dá com o comércio. A usura é reprovada, porque tira proveito do próprio dinheiro e não do objeto natural dele. A divisão da sociedade em credores e devedores, não é de agora, desde os gregos até hoje, sempre existiu. Quase que na totalidade do tempo, os proprietários de terras foram devedores, ao passo que os comerciantes foram credores. Mais à frente, os filósofos gregos pertenciam ou eram empregados pela classe proprietária de terras. Uma cidade é uma multidão de pessoas suficientemente numerosa, e é isso que assegura uma vida independente dentro da mesma. A cidade é um todo, e como tudo que forma um todo é composto de partes, a cidade assim também o é. Nessa perspectiva, quanto ao cidadão, vemos que esse não é nominado cidadão, apenas, por ter domicílio em certo lugar, porque se assim fosse, o estrangeiro e os escravos residentes também o seriam. Os estrangeiros são obrigados a apresentar um cida- dão responsável por eles. O cidadão integral é definido pelo fato de ter direito de administrar justiça e exercer funções públicas. Na prática, a cidadania é limitada ao filho pelo lado do pai e pelo lado da mãe, e não por um só lado. Como teriam os antepassados se tornado cidadãos? Os go- vernantes assim o fizeram há várias gerações anteriores (ARISTÓTELES, 1997). Clístenes, após a expulsão dos tiranos, arrolou nas tribos atenienses muitos estrangeiros residentes, tanto imigrantes quanto escravos. Daí surgiu a seguinte dúvida: os investidos nelas a receberam legítima ou ilegitimamente. O que U N IC ES U M A R 31 ocorre numa cidade é de sua responsabilidade, mesmo que o governo mude, por exemplo, de oligarquia ou tirania em democracia? Não, um novo governo não deve honrar os compromissos e/ou obrigações contraídas pelo governo anterior, porque tais compromissos não foram assumidos pela cidade, mas por um tirano e, ainda, porque alguns governos têm seus fundamentos na força e não no bem comum. Dever-se-á dizer que uma cidade na qual a população vive no mesmo lugar é a mesma cidade, enquanto a população for da mesma raça, apesar de sempre haver alguém morrendo e alguém nascendo. Aristóteles questiona se as qua- lidades de um homem bom são as mesmas de um bom cidadão. Primeiro, ele define o cidadão bom como aquele cuja bondade relaciona-se com a constitui- ção à qual ele pertence e, que por haver várias formas de constituição, não pode haver uma só excelência que seja a bondade perfeita de um bom cidadão. Um homem bom é aquele que possui uma bondade única, a bondade perfeita, mas é possível ser um bom cidadão, sem possuir a bondade característica de um homem bom. Como a cidade é constituída por pessoas dissimilares é melhor que seja constituída por bons cidadãos. “[...] a excelência do cidadão consiste em ser capaz de mandar e obedecer igualmente bem” (ARISTÓTELES, 1997, p. 84). Ainda, fica posto que a qualidade específica de um governante deve ser o discernimento. Só os cidadãos legítimos devem participar do poder ou os artífices tam- bém devem ser considerados cidadãos para este fim? Aristóteles responde que seria complicado o artífice assumir tal posição de governante, por serem derivados de estrangeiros ou escravos. Mas a questão se resolve mesmo pelo fato de terem, na época, numerosas formas de constituições e, consequente- mente, diversas espécies de cidadãos em posição submissa para os quais, no entanto, estendia-se a cidadania. Em sentido absoluto, o cidadão pode, ainda, ser definido como o homem que partilha os privilégios da cidade. A Constituição No capítulo IV, do livro III, da Política, Aristóteles faz a análise sobre devermos considerar só a existência de uma forma de constituição ou se há várias. Por exemplo, nas sociedades democráticas, o povo é soberano, e nas oligarquias uns poucos o são, já que elas têm uma constituição diferente. U N ID A D E 1 32 A autoridade do senhor sobre o escravo, embora na verdade os interesses do senhor e do escravo sejam comuns, ambos são adequados pela natureza às suas respectivas posições, as quais são exercidas, principalmente, com vistasao inte- resse do senhor, mas acidentalmente é exercida com vistas ao interesse do escravo, pois se o escravo perecer, a autoridade do senhor não sobreviverá. A constituição significa o mesmo que governo, e o governo é o poder supremo em uma cidade. Aristóteles começa a definir algumas formas de governo. Um reino é chamado monarquia no governo de mais de uma pessoa. Aristocracia é o governo de poucos com vistas ao que é melhor para a cidade e seus habitantes. O governo da maioria é o governo constitucional. Governo Bom Desvio do Governo Monarquia Tirania Aristocracia Oligarquia Gov. Constitucional Democracia Efetivamente, todos os homens se apegam a justiça, mas só avançam até um certo ponto e não dizem qual é o princípio de justiça absoluta em seu todo. Esses ho- mens parecem se enganar, pensando que a justiça é a mesma coisa que a igualdade para todos os homens. A justiça vem a ser igualdade dos iguais entre si, mesmo a desigualdade tem a possibilidade de ser justa, desde que não se atribua isso a todos, mas a quem é desigual entre si. Não revelar a qualificação das pessoas as quais se aplicam tais suposições acaba sendo realizar um mal julgamento. A causa disto é que eles julgam, tomando a si mesmos como exemplo e, quase sempre, se é um mau juiz em causa própria. “ “Todos aqueles que têm interesse num bom governo dão a devida consideração à virtude e ao vício em suas cidades.” Qualquer cidade digna de assim ser chamada e que “não seja cidade apenas no nome, deve estar atenta às qualidades de seus cidadãos, pois de outra ma- neira a comunidade se torna uma simples aliança, diferindo apenas na localização se comparadas com as alianças propriamente ditas pois nestas as cidades participantes são separadas umas das outras” (ARISTÓTELES, 1997, p. 93-94). U N IC ES U M A R 33 A comunidade política deve existir para a prática de ações nobilitantes, não so- mente para a convivência. “ Em todas as ciências e artes o fim é um bem, e o maior dos bens e bem no mais algo grau se acha principalmente na ciência todo-po- derosa; esta ciência é a política, e o bem em política é a justiça, ou seja, o interesse comum (ARISTÓTELES, 1997, p.101). Não é possível conceber o cidadão sem que esse participe da política. Além do que, seria no mínimo estranho, o indivíduo não se preocupar nem mesmo com o seu bem próprio. Quanto à distribuição do poder político e as mais variadas pretensões das classes que compõem a cidade e em relação ao poder político, vemos que, nas cidades onde o regime democrático fora adotado, instituíram o ostracismo. Para tais cidades, a igualdade vinha acima de tudo, de modo que os homens considerados excessivamente poderosos passaram a ser condenados ao exílio, fosse por sua riqueza, popularidade, ou alguma outra forma de força política. Esse banimento da cidade era por tempo determinado. Formas de Governo Há várias espécies de governo monárquicos e o modo de governar não é o mes- mo em todas. A constituição lacedemônia era tida como representativa, e o rei, nessa constituição regida pela lei, não tinha soberania sobre todos os assuntos concernentes à guerra e à religião, os quais lhe estavam jurisdicionados. Tal go- verno monárquico é uma espécie de comando militar autocrático e vitalício. Os governos monár- quicos de natureza tirânica são estáveis, exatamente pelo fato de serem hereditários e o poder exercido com base na lei. U N ID A D E 1 34 Na monarquia que existiu entre os antigos helenos, os governantes eram chamados aisimnetas. Era uma tirania eletiva, esta diferia dos bárbaros por não ser hereditária. Notou-se que, alguns detentores deste tipo de monarquia a exerciam vitaliciamente, enquanto outros, por períodos predeterminados, ou ainda, até cumprirem certas missões específicas. Além disso, há, também, a monarquia hereditária, a qual nos remete aos tempos heroicos, exercida com o consentimento dos súditos. As espécies de governo monárquico são quatro, a primeira: “ Existia nos tempos heróicos e era exercida com o consentimento dos súditos, mas em esferas bem definidas, pois os reis eram co- mandantes militares, juízes e dirigentes das cerimônias religiosas. Governo monárquico entre os povos bárbaros (um despotismo hereditário exercido de acordo com a lei). Governo dos chamados aisimnetas (trata-se de uma tirania ele- tiva); Vitalício ou por períodos predeterminados. A quarta, finalmente, é o governo monárquico dos lacedemônios (ela pode ser definida simplesmente como um comando militar heredi- tário vitalício). Há ainda uma quinta espécie de governo monárquico, quando um governante único exerce o poder soberano em todas as ta- refas, da mesma forma que cada povo e cidade é soberano sobre seus próprios assuntos (ARISTÓTELES, 1997, p.111). A citação talvez explique porque tenham sido os governos monárquicos exis- tentes nas épocas mais remotas, pois era raro encontrar homens de mérito superior, principalmente, porque naquele tempo, as cidades eram pequenas. Para Aristóteles, o rei pode agir segundo sua própria vontade, em todos os assuntos. A monarquia constitucional, por exemplo, não corresponde a um tipo especial de constituição. Dentro deste esquema, um comando militar vitalício pode existir sob todas as constituições. Exemplo disso, ainda, podem ser constituições sob o “comando” da democracia e da aristocracia. Muitos dão a um homem o poder soberano para administrar uma cidade. Na monarquia absoluta, o que temos? Nesse caso, vemos o rei governar todos os homens, de acordo com sua própria vontade. Dessa forma, numa cidade, onde todos os cidadãos são iguais, todos devem governar e ser governados alternada- U N IC ES U M A R 35 mente. “Isto é uma lei, pois um princípio ordenador é uma lei” (ARISTÓTELES, 1997, p. 115). Para o filósofo, a lei deve, primeiro, educar os magistrados, para que estes estejam capacitados a apreciar e decidir sobre os casos pertinentes, tratem eles de omissões ou, ainda, outros tipos. “ Quem recomenda o império da lei parece recomendar o império ex- clusivo da divindade e da razão, mas quem prefere que um homem governe, de certo modo também quer pôr uma fera no governo, pois as paixões são como feras e transtornam os governantes, mesmo quando eles são os melhores homens. Portanto a lei é inteligência sem paixões (ARISTÓTELES, 1997, p.116). Qual seria, então, a natureza do governo monárquico, a do aristocrático, a do constitucional? Se um povo for capaz de produzir, por sua própria natureza, uma estirpe de qualidades excelentes, e essas se voltarem para o que seja necessário ao comando político, esse é um povo feito para a monarquia, isto é, um povo que se sujeita, mesmo sendo livre, a serem governados por homens cujas qualidades o credenciam para o comando político e feito para a aristocracia. Já a democracia, diferente do que pensamos na atualidade, seria o pior dos governos. A busca da felicidade O livro VII, cap. I da Política, é focado, mais incisivamente, no que é necessário para se atingir a felicidade. Para chegar à melhor forma de governo, tem-se que decidir, em um primeiro momento, quais seriam os princípios que nortearão o modo de vida mais desejável para os habitantes da cidade. Aristóteles começa com a análise dos bens e os classifica em: bens exteriores, bens do corpo e bens da alma. Alguém poderia pôr em dúvida que os homens devem tê-los todos? Parece que não. Como poderia ser feliz, por exemplo, um homem carecente de “uma partícula de coragem”, ou moderação, ou sentimento de justiça, ou se contivesse, diante das possibilidades de excessoou, ainda, frente à questão da inteligência, assemelhasse, em erros, a uma criancinha ou a um louco. Apesar de querer, em qualquer quantidade, as virtudes morais, estas, de modo comedido, Aristóteles destaca, que muitos estão preocupados em buscar em excesso a riqueza, os bens materiais, o poder e a glória. U N ID A D E 1 36 Podemos ver que, em outras obras, Aristótelesmostra sua preocupação quanto à felicidade. Vejamos o que ele pensa por meio desse excerto da Ética a Nicômaco: “ O homem feliz, portanto, deverá possuir o atributo em questão [ele se refere aqui à excelência] e será feliz por toda a sua vida, pois ele estará sempre, ou pelo menos frequentemente, engajado na prática ou na contemplação do que é conforme à excelência. Da mesma forma ele suportará as vicissitudes com maior galhardia e dignidade, sendo como é, “verdadeiramente bom e irrepreensivelmente tetragonal (re- ferência a Simônides feita por Platão no Protágoras, 339 B, tetragonal significa o que é “quatro vezes reto”, tomando aqui o sentido daquilo que seria “quatro vezes perfeito”) (ARISTÓTELES, 1996, p. 132). E, ainda, na Retórica: “ Admitamos que a felicidade é um êxito combinado com a virtu- de, ou uma existência suprida de recursos suficientes, ou ainda uma vida repleta de prazeres acompanhada de segurança, ou ain- da uma abundância de bens aliada a um bom estado do corpo, juntamente com a capacidade de conservá-los e deles fazer uso. Quase todos concordam ser a felicidade uma ou mais de uma dessas coisas (ARISTÓTELES, 2013, p. 60). Tomando as assertivas das três obras , anteriormente, referidas, Política, Ética a Nicômaco e Retórica, a qual consenso chegou o filósofo? Para ele “é fácil”, deve-se chegar realmente a um consenso. Os homens adquirem e preservam qualidades morais graças aos bens exteriores, mas para que se possa preservar esses bens, deve-se contar com as qualidades morais. No livro VII, cap. II e III da Política, chegamos ao ápice da questão política, desse querer saber em que consiste a felicidade. Seria a mesma coisa a felicidade de cada indivíduo e a felicidade da cidade? Sim. Inclusive, ter riqueza e condições para levar a “boa vida” é algo preconizado por Aristóteles. Podemos perceber, ainda, que Aristóteles não somente fala qual seria a melhor forma de governo: “Evidentemente a melhor forma de governo é aque- la em que qualquer pessoa, seja ela quem for, pode agir melhor e viver feliz” (ARISTÓTELES, 1997, p. 223). O filósofo cita, ainda, que algumas pessoas U N IC ES U M A R 37 acreditam que uma vida, segundo as qualidades morais, é a mais desejável e, ainda assim, levanta uma dúvida: é mais desejável uma vida politicamente ativa e prática, ou uma vida contemplativa. Mesmo aqueles que dizem ser a vida, conforme as virtudes morais, a mais desejável, divergem sobre a maneira de segui-la. Aristóteles ressalta que alguns desaprovam o exercício das funções de governo, por pensarem que a vida do homem livre é melhor que a do estadista. Outros, ainda, pensam que a vida do estadista é a melhor, porque “é impossível a um homem que nada faz ser bem- -sucedido, e o sucesso e a felicidade são a mesma coisa” (ARISTÓTELES, 1997, p. 223). Entretanto, o filósofo afirma que há casos em que podemos ver aqueles que pensam nas duas formas como corretas. “ A ambos os lados devemos dizer que elas estão parcialmente certas e parcialmente erradas. Os primeiros estão certos quando dizem que a vida do homem livre é melhor que a do déspota, pois é verdade que nada há de excepcionalmente meritório em usar um escravo enquanto escravo, já que dar ordens acerca de deveres triviais nada tem de nobilitante; pensar, porém que todo governo consiste em exercer a autoridade de um senhor não é correto, pois a diferença entre governar homens livres e governar escravos não é menos que a diferença existente entre os próprios homens livres por natureza e os escravos por natureza (já mostramos suficientemente esta dife- rença no princípio desta exposição). Mas elogiar a inação mais que a ação não é certo, pois felicidade é ação, e além disto as ações dos homens justos e moderados trazem com elas a realização de muitas coisas nobilitantes (ARISTÓTELES, 1997, p. 228). Não é que o supremo bem consiste em ser senhor do mundo, pois isso acarretaria em fazer de tudo para se sobrepor ao outro, por exemplo, ao invés de fazer qual- quer concessão a meu vizinho, eu deveria despoja-lo. Podemos perceber, quanto à violação da lei que, um homem que viola a lei não pode praticar algo que seja suficientemente para reabilitá-lo de sua transgressão à moralidade. Uma cidade poderia ser próspera, apesar de ser pequena? Aristóteles não diz que uma cidade pequena não possa ser próspera, mas que toda cidade deve visar ser eficiente. Dessa forma, a cidade mais qualificada para atingir a pros- peridade é a maior, assim como poderíamos dizer que Hipócrates, enquanto médico, é maior que outro homem. U N ID A D E 1 38 Enfim, com a teoria política de Aristóteles, podemos perceber que algumas ideias, que se mostraram enraizadas na sociedade antiga, não se sustentamem nossos dias. Como aponta Ames (2012, p. 28), pode ser exemplo disso: o fato de achar que um governo é justo, somente pelo fato de que a maioria toma as deci- sões, ou a ideia de que política é algo para os especialistas, por ser algo complexo. Devido a estes fatores que todos devem, na atualidade, opinar sobre política, quanto ao que presta ou não presta à sua justeza ou conveniência. 3 AÇÃO POLÍTICA EM CÍCERO Natural de Arpino, Marco Túlio Cícero (106-43 a. C.) obteve uma esmera educação, chegando a frequentar, após os estudos de eloquência com Filão, a casa do senador Múcio Cévola, com o qual adquiriu profundo conhecimento das leis. Teria, também, aprendido com sábios gregos de sua época, aumen- tando, exponencialmente, seu conhecimento (CÍCERO, 2008,, p. 9). Segundo Fraile, Cícero leu Platão, Aristóteles, Crantor, Panécio, Clitómaco, Decearco, entre outros. Teria, em Atenas, assistido às lições dos epicureus Fedro e Zenão e, em Rodes, às de Posidônio. Sua vida política teria compreendido o espaço U N IC ES U M A R 39 entre os anos 81 e o ano 49 a. C., em que chegou a ocupar os mais altos cargos. Partidário que era de Pompeo, quando da derrota desse, foi perdoado por César. Nesse espaço de tempo, do ano em que teria se afastado da política até a sua morte, foi o momento em que compôs a maior parte de suas obras filosóficas (FRAILE, 1971). Atividade Política A obra Da República parece ter sido, além da obra de maior repercussão, também a que ele mais teria gostado. É um livro relativamente curto, que está dividido em seis partes. E quais são os assuntos que figuram na obra? No primeiro livro, Cícero faz uma defesa ao amor pátrioe destaca o fato da função e conservação dos Estados aproximarem os homens da divindade; no segundo, ele revisa, por meio de Cipião, toda a história de Roma, definindo, ainda, o tipo do verdadeiro homem político; no terceiro, continuando o mesmo tema, chega à conclusão de que só a justiça torna possível o governo da República; no quarto, trata da dissolução dos costumes gregos e romanos; no quinto, elogia a família e aponta para o fato de que a verdadeira felicidade só poderá ser dada por uma verdadeira constituição política, partindo de uma República que seja sábia e bem organizada; e, no sexto livro, termina por afirmar a existência de Deus e diz acreditar na imortalidade da alma (CÍCERO, 2008). É verdade que muito antes do surgimento da política, em ambos os sentidos, os homens já viviam em sociedade. Contudo não “faziam política”. Por quê? Porque não pensavam sobre esse modo de existir coletivo como algo que dependia deles. Submetiam-se ao po- der dos chefes como a um destino contra o qual nada pode ser feito. Os gregos são os inventores da política, porque a compreenderam como aquilo que depende dos homens. Para esta cultura, a maneira como o poder se organiza resulta da vontade dos homens. Por isso, a política sempre pode ser diferente e melhor! A política, para os gregos, abar- ca todas as atividades práticas relativas a um mundo comum. Mesmo aquelas que hoje colocamos na esfera “privada”, como a moral, a religião e a educação dos filhos, para os gregos são do domínio “público”, isto é, político. Fonte: Ames(2012, p. 19). explorando Ideias U N ID A D E 1 40 O conceito de res publica, para a teoria de Cícero, tem uma certa flexibi- lidade e traz à tona alguns significados. Pode-se dizer que é a atividade pú- blica, em relação aos assuntos voltados para a vida pública, como os negócios públicos, o interesse público ou seu maior beneficiário, ou pode ser, ainda, a comunidade de cidadãos (civitas) ou o povo (populus). Em um sentido mais extenso, referindo-se ao patriotismo, podemos dizer que é a nação. O diálogo Sobre a República trata da política, mas o uso dessa palavra não retrata exatamente o que o pensamento romano ou o pensamento de Cíce- ro queriam dizer. Enquanto a política é um termo grego derivado de polis, aqui, devemos falar em civitas, algo distinto e até contrário, uma vez que a civitas romana não é, primeiramente, de onde se deduz a condição dos que a ela pertencem; ao invés disso, é secundária, por ser o conjunto das pessoas (cives) que compõem o povo (populus). O que Cícero faz é tratar dessa base humana pessoal, o povo, de modo mais concreto da gestão do que afeta esse conjunto humano: a res publica, não diretamente da civitas. De Re Publica, que é o título desse diálogo, frequentemente, acabou sendo traduzido por O Estado ou Sobre o Estado, ao que preferiu-se manter um tema mais próximo do original de “república”. Cícero não trata exclusivamente de uma forma de governo, mas de todas as formas políticas em geral. Para Álvaro D’Ors, falarmos de “Estado” em Cícero seria cair em anacronismo, ou seja, situar a discussão em outra época, outro tempo cronológico. Ape- sar de ser necessário algum tipo de organização em toda convivência social, isso não pressupõe necessariamente que seja em forma de Estado. O estado, propriamente dito, é algo que existe somente a partir do século XVI, o qual apresenta uma teoria e uma realidade prática e concreta muito diferenciadas (CICERÓN, 2002). Cícero destacava a superioridade da atividade política sobre a questão teorética. Ao relatar isso a seu irmão Quinto, recordava como, estando os dois em Esmirna, Públio Rutílio Rufo lhes contava sobre um diálogo em que ele mesmo (Rutílio), assistiu, há alguns anos à exposição de Numantino sobre qual seria a melhor forma de república (CICERÓN, 2002). U N IC ES U M A R 41 Vejamos como Cícero lida com o termo república: “ O que devemos entender primariamente por res publica nos disse Cícero, pela boca de Cipião: “a res publicas é a res que pertence ao populus”. A dificuldade pode estar em entender o que se quis dizer com res, “coisa”: “a coisa que pertence ao povo”. Parece evidente que não se trata das coisas patrimoniais de uso público, que os juristas geralmente chamam de “coisa pública” (res publicae), ou melhor, em nossa opinião, a “gestão pública”, porque a palavra “coisa”, em seu amplo campo semântico, compreende também esse sentido de atuação ou gestão: “a coisa ou negócio de que se trata” (res de qua agitur). Assim, pode, a “república” se referir ao governo público, e o que vem a dizer Cícero, ainda que pareça tautológico, é que a repú- blica consiste no governo que afeta o povo (CICERÓN, 2002, p. 20). Não é que Cícero pensasse em um governo democrático, isto é, um “governo do povo”. O povo não era somente um simples agregado humano, mas uma sociedade que deve se servir de um direito comum. Cícero parece concordar com a ideia aristotélica de que os homens se agrupam por seu instinto natural, e não como alguns filósofos tentam colocar, que o fazem pela necessidade. Para alguns, tais necessidades fariam com que o homem realizasse pactos de sujeição recíproca e também se ajudassem. Formas de Governo Salústio investe contra a aristocracia romana em sua obra De Bello Jugurti- no, na qual descreve a conspiração de Catilina, o que evidencia uma maneira eficaz sobre o grau de corrupção a que havia chegado a vida política de Roma, nos últimos tempos da República. Trouxemos, aqui, por meio de Salústio, de modo breve, o panorama da políti- ca em Roma, para que continuemos, agora, com a política em Cícero. U N ID A D E 1 42 A sua política é desenvolvida nas obras De Republica, De Legibus e De Of- ficiis, nas quais ele examinou as três formas tradicionais de governo e afirmou que a melhor seria um governo misto, isto é, a combinação das três. Nesse caso, Cícero teria sofrido a influência de Políbio. Já, acerca da escravatura, Cícero não concorda com a visão de Aristóteles, quanto à desigualdade dos homens. Não que ele não justifique que deva haver escravatura, mas diz ser essa uma consequência do direito internacional, devido ao fato de que, na guerra, os vencidos, aos quais se poupa a vida, devem ser feitos escravos. De acordo com a história, Cícero tratava seus escravos de uma forma muito humanizada, ainda mais os que fossem cultos, vindos do Oriente. O direito comum a serviço de todos, era apregoado por Cícero. As cidades seriam grupos unidos pelos direitos. Mais tarde, surge a ideia de que a comu- nidade do direito é o que constitui uma cidade. Pode-se dizer que o governo do povo não é, sempre, igual e não deve afirmar que existe uma verdadeira república quando o governo é perfeito. O fato de permitir variadas formas de governofundamenta-se em que nenhuma delas tem sua perfeição de modo absoluto, mas somente a cada momento his- tórico. Os tipos de república, em suas formas puras: monarquia, aristocracia e democracia tem, em contrapartida, seus contrários, ou melhor, suas formas degeneradas: tirania, oligarquia e anarquia. Das formas de governo, a monarquia parece ser a mais perfeita, uma vez que o bom rei é tido como um pai que ama seu povo. Entretanto essa forma de governo tem uma propensão a se tornar uma tirania, o que a tor- na suspeita. A anarquia é, das formas degeneradas, a pior, porque deriva da democracia, o que atestaria também que, tampouco, a democracia seria se- gura. A aristocracia se mostra como transitória entre a monarquia (pura ou degenerada) e a democracia. Como nenhuma das formas chamadas puras podem atingir uma forma de governo perfeita, Cícero tenta se firmar na teoria que mais se aproxima do ideal. A forma mista e harmônica é a que teria um governo forte, como se dá na monarquia, mas que se preserve a liberdade dos melhores (que é o que se dá na aristocracia), atendendo, ainda, aos interesses do povo, tal qual ocorre na democracia. Entretanto a constituição mista, proposta por Cícero, termina por frustrar-se. O que se constituía em um monarquismo, puramente teórico, acaba por figurar como possível solução para salvar a república, por meio de um forte poder pessoal capaz de defendê-la. Poderíamos dizer que U N IC ES U M A R 43 surge, aqui, uma teoria do principado, que teria se realizado com Augusto. Conforme a troca de políticos no poder e suas características, as coisas po- dem sair mais ou menos do jeito que se gostaria. Ajustes são necessários para que se tenha soluções adequadas, não cabendo falar de responsabilidades, quanto à aplicação de uma mesma forma de governo por pessoas, possivel- mente, tão diferentes. A ideia de Cícero, seria, falando de um modo mais direto, partir de um simples ajuntamento de pessoas, ou se preferirmos, de um agregado humano. Não necessitando de um pacto ou contrato, mas realizado de modo espon- tâneo. Não é que as coisas seriam totalmente soltas, sem regras. Esse agru- pamento constitui apenas um povo de fato, quando dispõe de uma ordem comum, que pode julgar com consenso, de modo que se possa dizer que há um governo comum, uma res pública, que seria algo próprio do populus. O interesse público é constituído por aqueles que estão vinculados por um acordo que diz respeito à justiça e que constitui um aglomerado, o qual visa ao bem comum, por isso, a sociedade deve destinar-se aos benefícios que as ligações sociais, trazidas pelas relações de confiança, podem trazer. Junta-se a isso, ainda, a união e a vida em pé de igualdade,sob uma lei insti- tuída e sob um governo. A “ideologia” de Cícero traz à tona a sanção de um pacto: essa organização deve contar com a boa-fé dos indivíduos, já que a falta dela propicia o sabotamento do espírito social o qual, naturalmente, fora implantado no homem. O governo misto, que citamos anteriormente, pode compreender tanto a participação do homem comum quanto a do homem da elite, bastando, para isso, que estejam ligados por um pacto e por uma promessa. Dessa forma, os governos mistos seriam mais equilibrados e estabilizados. Cícero se mostrou imparcial quanto à lei. Não haveria como o estado ser justo, se não fosse impar- cial. A partir dessa formação de república, podemos dizer que Cícero faz questão de que a democracia esteja presente na forma de governo. Seus estudos sobre as melhores formas de governo tinham o objetivo de ressaltar o bem comum. O governo que não assegura a comunidade de direito, como nas formas degeneradas, faz com que desapareça também a república. Entretanto um mínimo de comunidade jurídica já impediria a queda da república. Mesmo não havendo uma perfeita harmonia, a república se mantém, por isso, tal harmonia dos distintos elementos constituem o povo, os chamados melhores, que governam os bens comuns dos cidadãos. U N ID A D E 1 44 Qualquer uma das três melhores formas de governo que Cícero cita: a mo- narquia, a aristocracia e a democracia podem ser, validamente, construtoras de uma república. Poderia acontecer a degeneração de cada uma, em despotismo, no caso das duas primeiras e da anarquia, para a última. Assim, os estudos de Cícero traduzem que a forma mais desejável de governo, apesar da instabilidade, deve ser a mista: há que se ter um equilíbrio entre as três formas, para que seja evitada a irrupção de uma das formas degeneradas. Não é uma novidade a discussão sobre as formas de governo, visto o que ex- pusemos até mesmo em Platão e Aristóteles. Todavia, em Cícero, a novidade está no fato de que a especulação teórica combina com uma consideração histórica da experiência política romana. Cícero consegue inserir uma reflexão pragmática, a qual é fundada, inclusive, na experiência do próprio povo. Trata-se de uma alta visão da vida política como parte do cosmos. “ Digo, pois, somente, assim o penso e afirmo, que, de todas as repúblicas, não há nenhuma que, por sua constituição, por sua estrutura ou por seu regime, seja comparável com aquela que nossos pais receberam dos antepassados e nos transmitiram a nós. Se os parece, posto que haveis querido escutar de mim o que já vós também sabias, mostrarei, não só como é nossa república, mas também como é a melhor república, e uma vez exposta como exemplo, me acomodarei a ela, se puder fazê-lo, todo o discurso que hemos de fazer sobre a melhor forma de cidade; e se conseguisse fazê-lo, faria cumpri-lo suficientemente, segundo minha opinião (CICERÓN, 2002, p. 84). Cícero, no intento de construir a melhor república, ressalta que os antepassados con- tribuíram, de modo imprescindível para que se constituísse a melhor cidade possível. A Construção do Homem e do Político na República de Cícero Falar da virtude é nos arremetermos à herança grega. Cícero não faz diferente, aliás, tudo isso é resultado da forte influência grega em sua formação. Assim, nada mais pertinente do que ter à frente do governo da república um homem virtuoso. Ser vir- tuoso é, também, para Cícero, sinônimo de ser sábio, indivíduo que priorizaria o bem U N IC ES U M A R 45 comum. A república deve estar sempre em primeiro lugar. Assim, os homens devem ter em mente que o seu dever é atender, primeiro, aos interesses da república e, se o dever mais emergente é, dessa forma, especificado, isso se refere aos cuidados com seus con- cidadãos. Vejamos, no livro segundo Da República, como a corrupção de um homem pode minar a moralidade de quem está no governo e da própria forma de governo. “ Basta o crime de um só homem para converter uma boa forma de go- verno na pior de todas as que se possam imaginar? É a esse déspota do povo que os gregos chamam tirano; porque querem dar o nome de rei somente àquele que vela pelo povo como um pai e que conserva os que governam na condição e estado mais venturosos da vida. Considero, como já disse, boa essa forma de constituição política, mas também próxima do estado mais pernicioso. No mesmo momento em que um rei se deixa dominar pela injustiça, converte-se em tirano, e nada é mais horrível e repulsivo aos deuses e aos homens do que esse animal funesto que, embora com forma humana sobrepuja, em ferocidade e cruelda- de, as mais desapiedadas feras. Quem dará o título de homem a um monstro que não reconhece comunidade de direitos para com os outros homens, em laços que o unam à humanidade? (CÍCERO, 2008, p. 55) Anterior a Cícero, Aristóteles já havia alertado que o homem que não vive em coletividade, ou é um deus, ou é uma fera. Para Cícero o homem que se corrom- pe, portanto, não pensa na humanidade e pode ser comparado a uma fera, a um monstro. Estes não atentam para dois conceitos fundamentais para a formação e a manutenção da sociedade: a justiça e a comunidade de direitos. O que se dá na construção do diálogo Da República é o embate realizado por ilustríssimos e sapientíssimos varões, deixando claro que os homens devem praticar as artes que sejam mais úteis à civitas, porque a virtude e a sabedoria são as mais belas coisas que se pode praticar para o bem do estado. Desse modo, percebemos que a relação entre a sabedoria e a política não é mera coincidência, mas uma ne- cessidade na qual se assentará o estado. U N ID A D E 1 46 “ Cícero, no exórdio do De Re Publica, I 81, constrói a figura do ho- mem sábio por meio de dois argumentos centrais: o amor pátrio e o combate aos que julgam que a sabedoria é incompatível com a vida pública. Os varões que lutaram pela salvação da pátria são dignos de admiração, pois colocaram os interesses públicos em primeiro lugar; são os que antepõem o amor à pátria ao seu. O amor à pátria é um sentimento de reconhecimento, na medida em que tudo o que temos devemos a ela; ele deve ser incondicional. Cícero faz objeções àqueles que se opõem à atividade política e mostra a necessidade de os bons concidadãos protegerem os outros concidadãos. Eles precisam estar preparados a qualquer momento quando a república necessitar. Desse modo, o que carregamos na memória é o nome dos homens públicos. O concidadão virtuoso deve dedicar-se ativamente à política, deve ter qualidades morais que o habilitem à ação política. Um político-sábio é aquele que é educado nas artes liberais e nos costumes romanos, como o exemplo de Catão em De Re Publica, I, 1, que possui “ação e virtude”. Nosso autor escreve contra os epicuristas – chamados de “opositores” ou “vulgo” –, e, para sustentar sua argumentação, empre- ga a doutrina estoica e os exemplos de homens que agem segundo preceitos estoicos e que lutaram pela pátria. Ao mesmo tempo em que combate os epicuristas, elabora a figura do sábio baseando-se na virtude, como aquela que foi dada aos homens pela natureza para a utilidade comum, pública (BERNARDO, 2018, p. 37). A virtude posta em prática é o concurso natural da vida do homem. Suas virtudes devem ser postas a serviço do povo. As leis das civitas devem seguir os preceitos encontrados na retidão e na honestidade das teorias dos filósofos. Por outro lado, para Cícero, pessoas como Catilina, deveriam ser punidas com a morte, por não concorrerem para o bem da república. Na Oração I de M. T. Cícero Contra Ca- tilina, podemos perceber todo o ardor com que ele discursa: “ Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência? Quanto zombará de nós ainda esse teu atrevimento? [...]. Muito tempo há, Catilina, que tu devias ser morto por ordem do cônsul, e cair sobre ti a ruína que há tanto maquinas contra todos nós. Porventura o insigne P. Cipião, Pon- tífice Máximo, não matou a Tibério Graco,por deteriorar um pouco o estado da República? E nós havemos sofrer a Catilina, que com mortes e incêndios quer assolar o mundo? (CÍCERO, 1960, p. 215-216). U N IC ES U M A R 47 Vemos como é de causar indignação, al- guém agir contra o povo e contra a repúbli- ca. Isso seria algo inadmissível, assim como Tibério teve paga o que lhe fora justo, com a morte pelas mãos de Cipião, também devem ser extirpados todos aqueles que atacarem a república de alguma forma. A honra, a confiança, a equidade, o pudor e os conceitos de justiça, como a confiança, a continência, a fortitude, a re- ligião e o direito são as coisas que, segundo Cícero, o sábio deve ensinar, por meio das disciplinas. Como seria então organizadas tais virtudes e implementadas tais leis? As virtudes seriam confirmadas pelos costu- mes, e as leis sancionadas pelo governo. Cada cidadão, imbuído de sabedoria, deveria defender os interesses públicos. O político deve ser um homem sábio. Ao ci- dadão, cabe ainda, entre outras coisas, dar a devida importância às obras criadas pelo gênero humano, tendo, sempre, o discerni- mento do que é melhor ao trabalho. Essas coisas devem ocorrer de modo natural. Ao cuidar da pátria, hoje, e dar refúgio aos seus concidadãos, essa poderá lhe propor- cionar refúgio no futuro. Disso, podemos perceber que, não é certo buscar “colher” algo, sem antes semear. É importante, para Cícero, que a re- pública seja composta por homens for- tes, bons e animados, para agir, segundo a causa da comunidade. O próprio Cí- cero se considerava um sábio-político, uma vez que ocupou um cargo público quando, ainda, a república estava em U N ID A D E 1 48 crise. No livro quinto Da República, há uma passagem expressiva quanto à im- portância do conhecimento: “ Cipião - Será possível que te admires de que um agricultor conheça as raízes e as sementes? Manílio - Não, por certo, se a obra se realiza. Cipião - Julgas, pois, que é próprio do agricultor esse estudo? Manílio - Sim, se cuida do cultivo dos campos. Cipião - Pois bem: assim como o agricultor conhece a natureza do terreno e assim como o escritor sabe escrever, procurando ambos, na sua ciência, antes a utilidade do que o deleite, assim também o homem de Estado pode estudar o direito, conhecer as leis, beber nas suas próprias fontes, sob a condição de que as suas respostas, escritos e leituras o ajudem a administrar retamente a República. Certamente, deve conhecer o direito civil e natural, sem cujo conhecimento não pode ser justo (CÍCERO, 2008, p. 80). Observamos que o conceito de justiça, sempre, permeaia a discussão. É justo pois, que se faça o que for correto para o bem da república. Na passagem acima, ficou muito claro que o governante deve ser alguém preparado, preocupação que vimos, também, no começo desta unidade, em Platão. Inclusive, está reservado um prêmio após a vida terrena, para aqueles que agem de um modo justo. Na obra Sonho de Cipião, de Cícero, podemos ver o seguinte: “Para que te inspire maior deleite, ó Afri- cano, na defesa da República, receba o seguinte: “a todos que preservam, auxiliando e promovendo a pátria, está reservada, no céu, um lugar onde se desfruta de beatitude infinda”. Nesse momento da obra, Cícero se refere ao relacionamento de Cipião com estadistas que não faltaram com seu dever, por isso, quem adentra o céu, o faz por merecimento (ALDÁ, 2018, p. 48). Na obra Da República, observa-se, ainda, que todos os interlocutores têm um cargo público. O exercício público é o resultado do modo como fora moldado o su- jeito desde a infância, contando muito a experiência doméstica, ainda que o ensino das letras resguarde o seu valor. Unindo a teoria e a prática, o pensar e o fazer, podemos perceber que a filosofia ganha espaço: o filósofo não é necessariamente o sábio, mas o sábio deve possuir uma formação filosófica. Há que se buscar um equilíbrio entre a sua formação e as ativi- dades por ele exercidas. Essa união entre a teoria e a ação é a união entre o negócio (nec otium) e o ócio (ótium, tempo livre). Bem, é claro que a fundamentação da engenhosidade do sujeito contribui para algo que é ainda maior. Partindo da experiência, recolhe-se ao longo do tempo uma U N IC ES U M A R 49 bagagem que coloca a república romana num lugar de destaque, quando a compara- mos com as demais. Mais do que dar uma república pronta, Cícero traz a valorização da construção da cidade. Ao longo do tempo, o homem amadurece e coleta feitos virtuosos, o que solidifica os bons princípios. Assim, ocorre que o governo misto, pautado na sua melhor forma, é o que leva Roma ao seu apogeu. CONSIDERAÇÕES FINAIS Vimos, nesta primeira unidade, a forma como se desenvolveram algumas das mais relevantes construções de teorias políticas da antiguidade, do ideal político de Platão, passando pela busca da felicidade em Aristóleles, até chegarmos no reto modo de agir, para a construção da república, em Cícero. Percebemos que as questões pessoais não devem excluir o trato da política, como aconteceu com Platão que, ao ver seu mestre, Sócrates, ser preso e conde- nado a tirar a própria vida, uma vez que um grego não podia matar outro grego, continua a se interessar pelo bem da polis. Não ingressando na política, como era o objetivo da juventude, mas pensando em um modelo de cidade, a calípolis, cidade bela que, para ser de fato bela, dependia do cidadão conhecer as virtudes e colocá-las em prática. Cada um cumprindo seu papel, de acordo com o que sua alma requer. Essa construção visa chegar a sua melhor forma de vida, suprindo as necessidades, ao ser guiada pelo governo do rei filósofo. Aristóteles mostrou sua preocupação em compreender a realidade política da época em que viveu, ao afirmar que o homem é um animal político. Colocou- -se a estudar as diferentes leis das diferentes cidades, bem como as diferentes for- mas de governo (a história registra cerca de 160). A melhor forma de organização política seria a politia, a qual é uma mistura da democracia com a aristocracia. É parte integrante da natureza do homem se organizar politicamente. Com Cícero, vimos que o imperativo é trabalhar e zelar pelo bem da repú- blica. Àqueles que, por ventura, agissem contra o bem da cidade, deveriam ser imputado um castigo exemplar, chegando, até mesmo, a ser morto o ofensor da república, como no caso em que referimos o Pontífice Máximo, Cipião, ao matar Tibério Graco. Por meio de um pacto é que se construiria o governo misto, capaz de levar ao equilíbrio da sociedade. A justiça era um fator pre- dominante, a qual só poderia ser implantada à república justa, se respeitada a imparcialidade nas decisões. 50 na prática 1. Partindo do texto referente à construção da cidade ideal em Platão, temos: “A calípolis (de cali, belo e polis, cidade) não é somente a construção de uma cidade (casas, ruas, praças... belos), mas sim e primordialmente a construção do homem de bem. Não basta saber o que é o bem, este deve ser posto em prática”. Escolha as alternativas corretas. a) O bem é estar junto à família em qualquer ocasião. b) Quem concorria à política tinha imunidade. c) Para a construção da calípolis, não basta apenas saber o que é o bem, mas é necessário fazer o que a virtude e a honra pedem. d) Platão quer demonstrar que na República todos os cidadãos integrantes de uma cidade podem opinar. 2. Acerca das teorias de Aristóteles, no que se refere às formas de governo: ( ) A melhor forma de governo seria a politia. ( ) A família não é a primeira comunidade. ( ) Alguém que não vivesse em coletividade, sabendo inclusive o que era o bem comum seria um deus ou uma fera. Assinale a alternativa correta: a) V, V, F. b) F, F, V. c) V, F, V. d) F, F, F. e) V, V, V. 51 na prática 3. Referente à teoria de Cícero. O fato de permitir variadas formas de governo, está fundada em que nenhuma delas tem sua perfeição de modo absoluto, mas so- mente a cada momento histórico. Os tipos de república,em suas formas puras: monarquia, aristocracia e democracia, têm em contrapartida seus contrários, ou melhor, suas formas degeneradas: tirania, oligarquia e anarquia. Aqui, seria correto afirmar que: ( ) Das formas de governo, a monarquia parece ser a mais perfeita, uma vez que o bom rei é tido como um pai que ama seu povo. Entretanto essa forma de governo tem uma propensão a se tornar uma tirania, o que a torna suspeita. ( ) A anarquia não é, das formas degeneradas, a pior, porque deriva da democra- cia, o que atestaria também que, tampouco, a democracia seria segura. ( ) A aristocracia não se mostra como transitória entre a monarquia e a democra- cia, pelo fato de que o povo mandando, todos ao mesmo tempo, daria certo. 4. Para Platão, a sociedade seria como um corpo, em que cada parte precisaria da outra para sua melhor evolução e andamento. Por isso, a divisão de tarefas, apesar de não ser sempre igualitária, faz-se necessária. Dito isso, qual o motivo que levou Platão a querer a formação do Estado? 5. Um cidadão não pode carecer de bens, sem os quais seria impraticável investir e colher frutos para que se possa manter uma vida contemplativa. Nesse sentido, quais seriam, para Aristóteles, os três tipos principais de bens necessários ao ci- dadão, para que alcance a felicidade? 52 aprimore-se Quando da instituição da política, começa-se a falar em convenções e acordos dos quais brotam as normas. É, a partir do momento em que cada indivíduo toma consciência de seu papel em sociedade e começa a interiorizar a norma, que as coisas passam a caminhar melhor. Vejamos, nesse sentido, um excerto da obra de Petrucciani, Modelos de filosofia política: “Se assumimos como fio condutor a tripartição enunciada por Bobbio, obser- vamos, antes de tudo, que as duas primeiras questões salientadas (a melhor cons- tituição política e o fundamento da obrigação política) constituem duas proble- máticas profundamente interligadas, das quais se ocupa aquela que definimos a abordagem normativa da filosofia política. Com efeito, no interior de um horizonte normativo, entra tanto a questão de qual seja a melhor constituição política, quan- to a relativa ao fundamento da obrigação política: na perspectiva dessa pergunta indaga-se, de fato, quais características a ordem política deve ter para merecer a obediência da parte daqueles que a ela estão submetidos, ou seja, para ser consi- derada uma ordem política legítima. O que caracteriza uma filosofia política normativamente orientada é o fato de que nela o tema da política é focalizado fundamentalmente na perspectiva de o dever ser; o objetivo primário não é o de indagar os fatos políticos tais como são, na sua natureza ou na sua estrutura (embora isto constitua sempre uma passagem essencial na pesquisa), mas o de chegar a delinear a ordem política como deveria ser, para poder ser reconhecida como boa, justa, legítima. Da República de pla- tão à Teoria da justiça de Rawls, a tradição filosófico-política ocidental não cessou em elaborar grandes paradigmas normativos para responder à pergunta sobre o modo como deve ser estruturada uma boa ordem política. A tradição normativa é, pois, a nosso ver, a que melhor caracteriza a abordagem dos pensadores ociden- tais às questões da política. 53 aprimore-se O fato de a pergunta sobre a boa ordem política se repropor como uma das grandes questões sempre vivas da tradição filosófica ocidental não quer dizer, naturalmente, que essa tradição não seja marcada por profundíssimas censuras. Assim como mudam os horizontes filosóficos, muda, nas diversas perspectivas, o modo de entender a relação entre realidade e norma, ou realidade e valor. No horizonte aristotélico, por exemplo, a norma não é entendida como algo separado da realidade, mas ao contrário, como o que corresponde à sua mais verdadeira natureza humana e ao seu fim intrínseco”. Fonte: adaptado de Petrucciani (2014, p. 19). 54 eu recomendo! Ética e Política: da Antiguidade Clássica à Contemporaneidade Autor: Fernando Quintana Editora: Atlas Sinopse: essa obra visa a esclarecer a relação entre ética e polí- tica em diferentes momentos históricos. Quintana destaca como a sociedade está ou deveria ser ordenada, seu modo de vida e como alcançar uma vida feliz. Para que esses objetivos sejam al- cançados, percorre-se, ainda, os seguintes tipos de ética: consequencialista, hedo- nista, pragmática, deliberativa, entre outras. livro Curso de Filosofia Política: do Nascimento da Filosofia a Kant Autor: Ronaldo Porto Macedo Jr. Editora: Atlas Sinopse: aqui, vemos a exposição da construção da filosofia po- lítica de grandes pensadores como Platão, Aristóteles, Hobbes, Locke, entre outros. O que se pretende, nessa obra, é evidenciar o compromisso existente entre a construção de categorias pró- prias da Filosofia Política. livro Matrix Ano: 1999 Sinopse: um programador de computador tem pesadelos nos quais ele estaria conectado por cabos a computadores do futuro. Qual a realidade concreta? Há fortes dúvidas quanto ao que fazer para encontrar tal resposta. Esse impasse quanto ao que seria o mundo real e o mundo virtual nos arremete à alegoria da caver- na de Platão, na qual os prisioneiros acorrentados conhecem um outro tipo de realidade, abordando a preocupação política que um dos prisionei- ros têm de retornar à caverna para ajudar os demais (a “comunidade”). filme anotações 2 FILOSOFIA POLÍTICA MODERNA PROFESSOR Esp. Silvanir Aldá PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • Origem do Pensamento Político Moderno em Maquiavel • Os Principados: Como Ser um Príncipe • A Atualidade e a Autonomia da Política. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Compreender o contexto no qual viveu Maquiavel e a importância da formação das milícias • Entender algumas ideias iniciais que ajudam o príncipe (governante) a se manter no poder, principalmente os conceitos de virtù e de fortuna • Perceber como é a autonomia do príncipe (governante) em seu agir, e como as teorias de Maquiavel têm potencial para influenciar a política atual. INTRODUÇÃO A filosofia moderna teve como grande marco as teorias de Maquiavel. Saímos das teorias que visavam a construção de uma sociedade ideal, para a construção de uma política realista. Maquiavel não aborda em sua obra uma questão de abstração filosófica, especulativa ou mesmo utópi- ca. A construção de seu pensamento partirá de suas constatações sobre o modo de agir de governantes de outros países e de sua atuação, como secretário do Ofício dos Dez da Liberdade e da Paz, por seu país, a Itália. A partir da análise dos principados e de como ser um príncipe, po- demos dizer que Maquiavel inovará os estudos da área, a originalidade de seu pensamento está exatamente em oferecer uma resposta à ins- tabilidade política que marcava a Itália de sua época. Em sua obra O Príncipe, perceberemos sua intenção de ensinar a conquistar Estados e a melhor forma de mantê-los, visando a sua estabilidade. Ele fala da realidade política, ao mostrar o que pode ser mais eficiente nas ações humanas e dos governantes. Tais ações não precisam ser norteadas pela moral e pela ética cristã, porque o objetivo maior é manter o principado. Assim, decorre que o correto é tudo o que leva à sua boa conservação e manutenção, não importando qualquer outro critério de justiça. Além d’O Príncipe, outras obras do filósofo, como os Discursos So- bre a Primeira Década de Tito Lívio e, até mesmo, A Mandrágora (apesar desta não tratar exatamente sobre política), confirma que a natureza humana deve inclinar-se para sua própria conservação, ao tomar ati- tudes que poderiam ser vistas como imorais, a partir do ponto de vista ético-cristão, o qual não vem ao caso, neste debate. A ação do príncipe pode se dar de duas formas: pela lei ou pela força, sendo necessário usá- -lasconforme a necessidade e em justa medida. Em sua teoria, o filósofo leva em consideração a divisão de desejos, os quais existem, no homem, e que o guiarão na constituição das sociedades políticas. U N ID A D E 2 58 1 ORIGEM DO PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO em Maquiavel Um filósofo que mexe com a imaginação das pessoas até hoje, Maquiavel desperta a curiosidade de muitos, no que se refere aos recursos do poder, que podem, no tempo certo, serem utilizados, a partir de conselhos pontuais e assertivos, por exemplo: engana-se quem acredita que um aliado seja seu amigo. Este filósofo revolucionou a política, desde o momento da elaboração de sua teoria, até hoje. Quem foi Maquiavel Nicolau Maquiavel nasceu em Florença, no ano de 1469. Apesar de descender de uma família antiga, ele tinha economias consideradas modestas. Formou- -se em humanidades, instrução obrigatória para os jovens de sua época, com a mesma condição financeira. Dizem que conhecia bem o latim e, relativamente bem, o grego. Não se tem muita notícia sobre seus primeiros anos de vida. Devido a vida de parcos recursos, fez concurso, em 1498, para secretário da segunda chancelaria do Domínio Senhorial. Uma vez aprovado, foi nomeado secretário do Ofício dos Dez da Liberdade e da Paz, permanecendo no cargo até o ano de 1512. U N IC ES U M A R 59 Maquiavel ocupou o cargo de secretário do Conselho dos Dez em um período complicado da história da Itália: o país passava por invasões dos franceses, dos espanhóis, dos suíços e dos alemães. A situação era complicada pelo fato de que a Itália não tinha força para fazer frente a esses invasores, de modo efetivo. Impressiona, os historiadores, a clarividência que tinha Maquia- vel do que se passava em seu país. Um fator preponderante para que a Itália se enfraquecesse foi a sua divisão em pequenos estados e a falta de organização militar. Empreender uma organização para formar um grande Estado era bem complicado, pelo fato de que nenhum pequeno estado queria abrir mão de suas particularidades e, consequentemente, subordinar-se a outro estado. Além d’O Príncipe (1513), que se tornou sua obra mais conhecida, na qual Maquiavel expõe todo o realismo que viveu e que viu, durante sua atua- ção em cargos políticos, temos de dar destaque, ainda, aos Discursos Sobre a Primeira Década de Tito Lívio de 1517, o qual traz a mais alta expressão do Maquiavel republicano. Temos, ainda, o poema O Asno, o conto O Demônio que se Casou, a comédia teatral A Mandrágora de 1503, na qual ele fala de uma conquista amorosa e das tramas da conquista, além do pretexto que pos- sibilitaria o desenvolvimento da estratégia política, o qual envolvia as artes, como a da manipulação e a do convencimento. A Arte da Guerra, outra obra do autor, foi escrita entre 1519 e 1520, época em que a Itália carecia de um forte líder militar e político que conseguisse criar um Estado unificado mais ao norte do país, cuja intenção era eliminar as forças estrangeiras que estavam no território italiano. Escreveu, também, a Vida de Castruccio Castracani (quase uma biografia romanceada do condottiere Lucano); Discurso, que foi endereçado ao papa Leão X; em seu cargo de historiador oficial, escreveu Histórias Florentinas e, por fim, escreveu a comédia, Clizia. A formação da Milícia Nacional Montar uma milícia nacional sólida, no sentido de colocar o país em ordem, com um número suficiente de pessoas, levaria alguns anos, mas Maquiavel estava firme nessa ideia de incentivar a formação das milícias. Sabemos que ele teria constituído um número de nove, das quais se tornou chanceler. No ano de 1506, por ocasião disso, ele escreve uma obra intitulada: Discurso Sobre a Preparação Militar Florentina, na qual apregoou que os Estados e os gover- U N ID A D E 2 60 nantes precisavam de duas coisas, que lhes eram essenciais: justiça e armas. E o que Maquiavel entendia por justiça? Para ele, a justiça seria um conjunto de boas instituições, mantenedoras da ordem e da estabilidade sociais, as quais seriam a base necessária, onde se construiria as virtudes cívicas. O fato de que nessa época a cidade de Florença não possuía nem armas e nem justiça, seria resolvido com a criação das Milícias Nacionais, e dessas milícias se originaria a transformação moral dos florentinos. Esse Discurso abordava também o tema da religião como ideologia. Os soldados deveriam ter uma preparação religiosa, a qual seria algo que os tornaria mais obedientes. Mesmo com a criação das milícias e a dedicação que Maquiavel lhe pres- tou, sua carreira política sofreu um grande abalo. Nesse momento, Florença se aliou aos franceses e o papado se inclinou para o lado da Espanha. Para o filósofo, a oposição de interesses causou a derrocada dos governantes da cidade. Com Florença cercada, surgiu um levante interno, o qual permitiu o retorno dos Médice. Entretanto, em 1527, o saque ocorrido em Roma, pelo imperador Carlos V (1500-1558), do Sacro Império Germânico, libertou Flo- rença do poder dos Médice (MAQUIAVEL, 1999). A partir de uma breve exposição sobre o humanismo e a Itália contemporânea de Maquiavel, tem-se a possibilidade de analisar alguns elementos que foram objeto de estudo da política maquiaveliana. A Itália contemporânea de Maquiavel (1469- 1527) é palco de muitas disputas políticas. Cidades contra cidades, Estados ponti- fícios e, principalmente, os interesses particulares tanto da Igreja quanto dos go- vernos seculares eram mecanismos que reforçavam, ainda mais, as desordens e a instabilidade política na Itália. Fonte: adaptado de Engelmann (2005, p. 52) explorando Ideias Conceber a possibilidade da milícia nacional, significava a possibilidade de confiar armas aos cidadãos. Nesse cenário, onde o estado seria defendido por quem o integrasse, Maquiavel parecia exceder a história de seu tempo. Essa revolução militar devia corresponder a uma renovação sócio-política. Essa milícia dos cidadãos não poderia existir, a não ser onde o estado vive, dia a dia, na consciência íntima do povo. U N IC ES U M A R 61 “ Em 1512, o Cardeal Giovanni de Médicis, que alguns meses mais tarde devia tornar-se o Papa Leão X, obteve da Espanha forte con- tingente de soldados espanhóis destinados a permitir aos Médicis reconquistarem o Domínio Senhorial de Florença. A milícia flo- rentina reunida às pressas, mas privada de bons oficiais e pouco treinada, não pôde sustentar em Prato o choque da velha infantaria espanhola. O Governo de Soderini caiu e os Médicis retomaram o poder (MOSCA; BOUTHOUL, 1980, p. 110). Maquiavel manteve sua fidelidade a Soderini e à República, perdeu seu cargo e ficou preso por alguns meses, por terem suspeitado que ele tivesse conspirado contra os Médices. Dessa situação, decorreu seu exílio para Rocca San Cassia- no, lugar onde tinha uma porção de terra e uma casa. Nesse local, levou uma vida tranquila, podendo, inclusive, dedicar-se mais firmemente à leitura dos clássicos e à escrita. Mesmo estando afastado de suas funções, acreditava que a Itália poderia ser liberta das invasões bárbaras, se investissem na constituição de um Estado poderoso e em um exército nacional bem preparado. Na procura de quem poderia levar seu projeto à execução, escreveu O Príncipe. Para Maquiavel, essa pessoa haveria de ser Juliano de Médice, que era o irmão mais novo do Papa Leão X. Ele parecia ser a pessoa ideal para tal intento, mas Juliano logo morreu, de modo que Maquiavel volta seus olhares a Lourenço de Médice, que era sobrinho do Papa Leão X. O Príncipe , desse modo, constituiu-se em um manual para governantes, com o intuito de ensinar ao príncipe como conquistar Estados e conservá- -los. Maquiavel dedicou a obra ao duque de Urbino, Lourenço II, que não deu muita importância, no momento, e não teve oportunidade de fazê-lo, posteriormente. Entretanto o monarca inglês, Henrique VIII (1491-1519), bem diferente disso, aproveitou tais conselhos muito bem. Tanto que forjou a anulaçãode seu casamento com Catarina de Aragão (1485-1536), para se- parar a Igreja britânica da Santa Sé; fazer espólio dos mosteiros e consolidar seu poder. Havia muita confusão na política da Itália, na época do Renascimento. Muitos tiranos exerciam seu poder de modo arbitrário. Alguns governantes agiam de modo ilegítimo; outros, ainda, utilizavam-se da astúcia, tentando mobilizar rapidamente seus inimigos. Ações como neutralizar os opositores e atemorizar os súditos, visando coibir subversões e fazer alianças com outros principados, constituem o eixo da administração. U N ID A D E 2 62 Observemos que a Itália, na época de Maquiavel, encontrava-se muito frágil politicamente, mas muito bem economicamente. Vejamos os relatos em seus Escritos Políticos: “ A coroa e os reis de França são atualmente mais ricos e mais poderosos do que nunca, pelos motivos abaixo citados; e antes: A coroa, transmitida por sucessão de sangue, veio a se tornar rica; isso porque às vezes, não tendo filhos os reis, nem sucessores na própria herança, foram para a coroa suas posses e seus Estados. E, como tal sucedeu a muitos monarcas, a coroa acabou sendo muito enriquecida pelos numerosos Estados que lhe couberam; como ocorreu com o ducado de Anjou, e no presente, como su- cederá ao rei atual, o qual, não tendo filhos varões, deixará para a coroa o ducado de Orléans e o Estado de Milão; de sorte que, atualmente, todas as boas terras de França são da coroa, não dos seus barões, em particular. Há outro motivo, muitíssimo forte, da força daquele rei: acontece que, no passado, a França não se encontrava unida mercê dos potentes barões, que tudo ousavam e lhes era suficiente o desejo para se entregar a qualquer empresa contra os reis, como era o caso dum duque de Guiena e de Bourbon, os quais, hoje, são to- dos muito benevolentes. Tornou-se, dessa maneira, o mais forte. Outro motivo: a qualquer outro príncipe vizinho bastava ter von- tade de assaltar o reino de França, uma vez que sempre havia um duque da Bretanha, ou de Guiena, de Borgonha, ou de Flandres, que o apoiava, concedia-lhe o passo e o tornava amigo, como sucedia quando os ingleses se encontravam em guerra com a França [...]. Eis outro motivo: atualmente, os mais ricos e poderosos barões de França tem sangue real e da linha hereditária, de sorte que, na falta de algum superior e ascendente, a coroa pode lhe ser outor- gada. E assim cada um se conserva unido à coroa, aguardando que ou ele mesmo ou um de seus filhos consigam alcançar aquele grau. Rebelar-se ou vir a ser inimigo poderia ser mais danoso do que bom (MAQUIAVEL, 1999, p. 215-216). U N IC ES U M A R 63 O uso da força era uma demonstração de poder nessa época, uma vez que faltava uma organização imposta por um Estado central, e a multipolarização do poder criava um vazio, sobressaltando a capacidade dos mais fortes. Um exemplo disso foram os condottieri, dominantes da arte militar, que vendiam serviços de segurança e conquista aos príncipes que estivessem dispostos a remunerar melhor. A consequência disso foi a conquista de principados, o es- tabelecimento de alianças com reis, cardeais e papas. O fato dos principados italianos recorrerem às monarquias absolutas eu- ropeias, na tentativa de solucionar a crise instaurada pelas disputas internas, torna-os uma vítima ainda mais impotente, de forma que os impérios Germâ- nico, da França e da Espanha disputaram para ver quem seria a detentora da posse de muitos desses territórios. Causa um certo estranhamento o fato de que a Itália se encontre nessa situação, uma vez que o capitalismo comercial tinha quase dois séculos de existência no país, quando comparado aos demais. O que aconteceu, porém, foi o crescimento econômico do capital mercantil, de modo geral. A OBRA O PRÍNCIPE Sem dúvidas, O Príncipe é a obra mais famosa de Ma- quiavel. Ela contém uma divisão de vinte e seis capí- tulos, trazendo os preceitos necessários à constituição, conservação e expansão dos Estados. A princípio, o filósofo florentino queria ser reconduzido à política. Se, no entanto, a obra não serviu de passaporte de retorno à coisa que ele mais gostava, que era a política, ao menos foi digna de inscrever seu nome na lista dos mais renomados pensadores políticos de todos os tempos. Ao final da obra, contudo, há o elogio daqueles que põem em prática seus preceitos, aconselhando que se crie um exército poderoso, com a finalidade de libertar a Itália do domínio estrangeiro ao qual estava submetida. U N ID A D E 2 64 Sua obra despertou os mais variados sentimentos, havendo quem chegasse a depreciar seu trabalho, e até quem o houvesse elogiado. Tal foi o caso de Napoleão Bonaparte que, em seus comentários sobre O Príncipe, demonstra- ra admiração por tal engenho. Seu grande inimigo, na realidade, era a Igreja Católica, a qual considerava esta obra como uma leitura proibida e pecami- nosas. Verdadeiramente “coisa do demônio”. Na modernidade, Jean-Jacques Rousseau posicionou-se em sua defesa, dizendo que era uma obra valorosa para a filosofia política, no senti- do de que enganou a muitos que pensaram que ele estava ensinan- do política aos fortes, enquanto mostrava seu verdadeiro funcio- namento ao povo. A obra citada poderia ser di- vidida em duas partes: a primei- ra apresenta exemplos de vários homens e como estes subiram ao poder em várias circunstâncias, tendo sucesso sua subida e con- seguindo se conservar. Na segun- da parte, focando as característi- cas da natureza humana, o autor enuncia conceitos, ou melhor, preceitos e conselhos sobre a arte de governar, ilustrando essa parte com outros exemplos mais. Quando, no século XX, dedicado às guerras gigantes, o mundo liberal se vê assaltado, de todos os lados, pela maré autoritária, em breve totalitária, o idealismo político perde terreno diante dos “realismos”, que se valem, mais ou menos abertamente, de Maquia- vel e de O Príncipe. Benito Mussolini, em um Prelúdio a Maquiavel, escrito em 1924 para louvar o florentino, louvando-se a si mesmo, prende o fascismo ao maquiavelismo (“Afirmo que a doutrina de Maquiavel está hoje mais viva do que há quatro séculos... “). Fonte: Chevallier (1999, p. 48). explorando Ideias U N IC ES U M A R 65 A princípio, todos os governos que exercem suas autoridades sobre os homens podem ser divididos em repúblicas e em principados. Quais seriam esses tipos de principados? Seriam os principados hereditários, mistos e novos. Os hereditários são mais fáceis de conservar, uma vez que seus súditos têm o costume de obe- decer. Nos governos mistos, é mais difícil encontrar uma estabilidade de poder, sobretudo se a parte nova do estado não pertencer à mesma nação que a antiga. Para que sejam superadas as dificuldades referentes à parte nova do estado, uma vez que seja ela de nação estrangeira, Maquiavel sugere quatro medidas: “ Primeira, que o príncipe habite nesta parte; segunda, que ele estabe- leça aí suas colônias; terceira, que impeça ele que na mesma região se estabeleça outro domínio ou influência estrangeira; quarto, que enfraqueça os Estados mais poderosos e sustente os mais fracos (MOSCA; BOUTHOUL, 1980, p. 113). Maquiavel destaca, ainda, que o rei Luis XII da França, por não colocar em prática esses preceitos, acaba perdendo a Lombardia. O Príncipe foca mais a atenção nos principados novos, que foram fundados ou pelas armas ou pela habilidade política, ou ainda, atos que se aproximam do banditismo. César Bórgia seria o grande exemplo de príncipe que se vale das armas e da habilidade política. Já, outros príncipes, chegaram ao poder por outros meios. Alguns deles seriam, por exemplo, Oliverotto da Fermo e Agátocles. 2 OS PRINCIPADOS: COMO SER UM PRÍNCIPE U N ID A D E 2 66 “ Oliverotto da Fermo foi certamente um bandido infame; havia chegado ao poder assassinando por traição seu tio e os principais cidadãos de Fermo. Agátocles, homem pouco escrupuloso, chegou (ele,filho de um oleiro e que foi soldado afortunado) a conservar o poder durante longos anos, malgrado o poderio de seus inimigos interiores e exteriores, dando provas de qualidades políticas muito altas e de virtudes militares pouco comuns. Quanto a César Bórgia, filho de um papa e não menos destituído de escrúpulos, apode- rou-se da Romanha, aproveitando-se da fraqueza dos senhores que tinham em suas mãos as cidades, e graças à ajuda que o Papa lhe conseguira do rei de França. Mas logo depois da morte de seu pai perdeu ele todos os Estados (MOSCA; BOUTHOUL, 1980, p. 113). Essas exposições vão de encontro com os ensinamentos de Maquiavel, quanto a fazer o que for necessário para se manter no poder, governando bem um povo. Virtù e Fortuna Maquiavel apresenta alguns preceitos, dos quais deve ser dotado todo e qualquer homem que liderar o Estado. Trata-se da virtù e da fortuna, que, se bem execu- tados, poderiam ter ajudado a Itália a conseguir a unidade e força política que o filósofo tanto almejava. A virtù se refere às qualidades desejáveis ao homem de Es- tado, são as qualidades que todo homem que quiser conquistar e manter o Estado deve ter. A virtù trata da sagacidade, da inteligência, isto é, saber quando manter a palavra e quando é necessário quebrá-la. “O carisma da virtù é próprio daquele que se conforma à natureza de seu tempo, aprende-lhe o sentido e se capacita a realizar praticamente a necessidade latente nas circunstâncias” (MARTINS, 1996, p. 209). Quem melhor se adaptar terá, consequentemente, o melhor resultado. Nessa busca de definir quais são as qualidades que realmente importam para a arte política, percebemos que Maquiavel “dialoga” com a Antiguidade, entretanto parece ser esse o ponto de ruptura com o pensamento de seu tempo. Em um contexto de invenções, como a imprensa, tornou-se possível que as ideias e teorias fossem propagadas de um modo mais rápido e amplo. Foi por causa da invenção da imprensa, inclusive, que surgiu os manuais que “ensinavam” a bem governar, materiais esses que aconselhavam os governantes sobre o que seria melhor fazerem para obter bons resultados. U N IC ES U M A R 67 A influência de filósofos da antiguidade, como Cícero, faz-se bem visível. Do conceito de virtus deixado por Cícero, saem as seguintes diferentes qua- lidades: primeiro, seria necessário que o príncipe tivesse as quatro virtudes cardeais: sabedoria, justiça, coragem e temperança (ver explicação mais deta- lhada dessas na Unidade 1, “Ação Política em Cícero”). Sendo necessário juntar posteriormente a essas virtudes, mais quatro atributos: honradez, magnani- midade, liberdade e moralidade, de modo a reforçar a ideia de que a melhor política é a da “moralidade”. Tudo deve concorrer para que a conveniência não conflite com a retidão. No início do capítulo XV d’O Príncipe, nosso filósofo alerta para o perigo de se pensar uma república ou principado de modo a empunhar a bandeira da ‘bondade natural’. “ E muitos imaginaram repúblicas e principados nunca vistos ou reconhecidos como reais. Tamanha diferença se encontra entre o modo como se vive e o modo como deveria ser feito, em vez do que na realidade se faz, aprendem antes a própria derrota do que sua preservação; e, quando um homem deseja professar a bondade, natural é que vá à ruína, entre tantos maus. Assim, é preciso que, para se conservar, um príncipe aprenda a ser mau, e que sirva ou não disso de acordo com a necessidade (MAQUIAVEL, 1999, p. 99). O que resolve os problemas de fato, é agir do modo que for necessário, visando se conservar. Maquiavel não está discutindo aqui se o homem é bom ou mau por natureza. A questão está em atender às próprias necessidades. A análise das coisas de um modo realista parece retomar lugar aqui. O fato de contrapor-se ao pensamento cristão à grande parte dos pensadores antigos, faz com que Ma- quiavel tenha uma dura tarefa, mas é exatamente isso que constitui o marco de seu trabalho, um pensamento que, de forma original, coloca-se contra a cultura dominante de sua época. O príncipe que quisesse fracassar, precisaria tão somente praticar os princípios da moral cristã. Princípios, esses, que visariam o bem em geral, enquanto que o governante precisaria priorizar o bem de seu povo. O conceito de virtù aparece mais claramente no decorrer das lições que podemos apreender em sua obra. Maquiavel vai contra o pensamento polí- tico dominante de sua época. A virtù tem relação com a capacidade de agir de acordo com a necessidade do estado, sem se ater quanto a praticar uma boa ou má ação. Costumamos dizer na atualidade que há exceções nas ques- U N ID A D E 2 68 tões morais, estando a vida acima de qualquer lei, por ser essa (a vida) um bem maior. Mas, aqui, o ‘bem maior’ é uma preservação do estado para seu fortalecimento. Trata-se de uma flexibilidade moral, da qual o prín- cipe não poderá abrir mão. Partindo da discussão anterior, podemos pôr em cheque a moral do próprio Ma- quiavel? O termo maquiavélico tem origem de seu nome, isso é inegável. Nome que descreve tudo o quanto há de mais sórdido, ao menos na inter- pretação “popular” equivocada. Bem, não é necessariamente atribuível a ele a posição de uma pessoa má, se bem que a Igreja o perseguiu na segunda metade do século XVI, colocando as suas obras no Index, lista dos livros proibidos. Mas sua condenação chegou a ser feita por pessoas que conheciam sua obra de segunda mão, o que as levou a fazerem uma leitura “maquiavélica”. Esses fatos fizeram com que, até hoje, seja alimentada uma opinião equivocada sobre sua pessoa e suas atitudes, associan- do-o, ainda, hoje, a tudo o que é imoral (PANCERA, 2009). Figura 1 - Instrumentos de Tortura O Index Librorum Prohibitorum ou “Index Expurgatorius” foi uma lista de publicações proibidas pela Santa Sé (ou sede), por serem consideradas heréticas e de várias linhas de pensamentos divergentes, desde o início do cristianismo. Fonte: Silvestre ([2019], on-line)1. conceituando Também expressivo é o conceito de fortuna. Podemos perceber que a fortuna se refere a estar preparado, porque se não estiver, quando a oportunidade passar você pode perdê-la. É saber enfrentar as adversidades. A fortuna poderia pegar o sujeito desprevenido, daí a importância de estar sempre alerta. Esse fenômeno poderia tanto trazer a glória, sem o emprego de qualquer esforço, quanto levar um governante desavisado à ruína. U N IC ES U M A R 69 Como ressaltamos, a força da fortuna dirigi-se tanto a um sentido ruim quanto a um sentido bom. A “deusa da fortuna” tem seus caprichos, como no esquema de antropomorfização dos deuses da antiguidade, podendo conceder benesses ou cas- tigos. Poderíamos perguntar, então: como se poderia chamar a atenção da fortuna para que ela venha a escolher o governante? A fortuna seria mesmo uma mulher? Pensavam os moralistas que, se ela fosse mulher, poderia preferir as qualidades de um homem viril e corajoso. Esses atributos, vamos lembrar, já afirmava Cícero, poderiam ser encontrados apenas no homem que possui virtù. Em sua obra O Príncipe, Maquiavel, no capítulo XXV, diz serem os homens governados pelos desígnios da fortuna e também por Deus. A prudência dos ho- mens também é insuficiente para corrigir ou evitar algo. Há, ainda, a preocupação de Maquiavel com o livre arbítrio. Se a fortuna, como determinada oportunidade que é, nos aparecer e não estivermos preparados, realmente seria uma situação complicada. O livre-arbítrio proposto pelo filósofo parece ser parcial. Como pode- mos observar na citação seguinte a fortuna interferiria em metade de nossas ações. “ Entretanto, para que nosso livre-arbítrio não se anule, penso que se pode afirmar que a fortuna decide sobre metade de nossas ações, mas deixa a nosso governo a outra metade, ou quase. Comparo-a a um desses rios devastadores que, quando se enfurecem, alagam as pla- nícies, derrubam árvores e construções, arrastam grandes torrões de terra deum lado para outro: todos fogem diante dele, todos cedem a seu ímpeto sem poder contê-lo minimamente. E, como eles são feitos assim, só resta aos homens providenciar barreiras e diques em tem- pos de calmaria, de modo que, quando vierem as cheias, eles escoem por um canal ou provoquem menos estragos e destruições com seu ímpeto. Algo semelhante ocorre com a fortuna, que demonstra toda sua potência ali onde a virtude não lhe pôs anteparos; e para aí ela volta seus ímpetos, onde sabe que não se construíram barreiras nem diques para detê-la. E, se considerarem a Itália, que é a sede dessas variações e quem lhes deu movimento, verão que ela é um campo sem barreiras e sem nenhum anteparo; porém, se estivesse protegida por adequadas virtudes, como estão a Alemanha, a Espanha e a França, ou esta cheia não teria feito as grandes mudanças que fez, ou ela não teria nem mesmo ocorrido. E creio que, de modo geral, isto baste quanto a fazer frente à fortuna (MAQUIAVEL, 2008, p. 98). U N ID A D E 2 70 O texto é esclarecedor acerca de que, há coisas que não podemos impedir, como o turbilhão de água que corre rio abaixo, devido a uma chuvarada, e coisas que podemos e devemos fazer, de modo a precavermo-nos de tais intempéries. É exatamente o que ocorre no caso da fortuna. Se o sujeito não for dotado de suficiente virtude, terá ao menos que se precaver, de modo que a fortuna será a clareza e motivação, independentemente de querer ou não. Teria, pois, o governo da Itália que se precaver das intempéries da desunião e partir para o fortalecimen- to político. Formar as Milícias Nacionais seria o modo como poderiam montar os “diques” para tal reestruturação. O Príncipe e os Discursos Sobre a Primeira Década de Tito Lívio Talvez, pela sua relevância e fama, O Príncipe venha a obscurecer a importância dos Discursos Sobre a Primeira Década de Tito Lívio, o que, por sua vez, pare- ce “ocultar” aspectos republicanos de sua obra, contidos nessa última. Já outras interpretações, que destacam aspectos mais republicanos, tendem a valorizar os Discursos. Como ressalta Pancera (2009, p. 420), muitos foram os que desquali- ficaram O Príncipe, como se fosse uma obra de ocasião, escrita num momento em que parecia ser possível o estabelecimento de um principado na Itália, ou pelo fato da obra ter sido dedicada ao senhor de Florença, para que Maquiavel voltasse a participar dos serviços públicos. Do que foi exposto anteriormente, o que podemos verificar? Tratariam O Príncipe e os Discursos de temas tão dife- rentes e, mesmo, contraditórios? Ou será que mesmo diferentes, as obras atuam de um modo complementar? Há, para maquiavel, em todo tipo de sociedade política, uma estrutura de re- lação de domínio. De um lado estão os que desejam governar e, do outro, aqueles que desejam não ser oprimidos. Tais desejos ambíguos, constituem a sociedade política, que apontam para o que formaria a unidade da obra maquiaveliana. As mais variadas coisas que se dão, a partir de tais junções e problemas, é que faz surgir a república, um principado, ou ainda, o que o filósofo chamava de licença, que significa a ausência de qualquer tipo de ordem. N’O Príncipe não é tratado, apenas, da república e dos principados. O modo de se referir aos principados, ajuda a entender e, talvez, desfazer as rígidas fronteiras que pareciam separar os objetos de ambas as obras, o que facilita a passagem de uma obra a outra. U N IC ES U M A R 71 Não teriam, dessa forma, O Príncipe e os Discursos as suas particularidades? É claro que teriam. Maquiavel pensa O Príncipe, partindo da consideração da divisão de desejos que constituíram as sociedades políticas. Regime esse que se instaura pelas relações de servidão, em que as leis são diferentes do que ocorre nas repúblicas. Na república, a lei é a mediadora das relações. Essas leis devem ser derivadas da participação dos cidadãos. Já nos Discursos Sobre a Primeira Década de Tito Lívio, o filósofo trata da república, de um governo livre. Ele fala de uma liberdade que coloca os cidadãos em pé de igualdade perante as leis. Os cidadãos podem participar na determinação dos rumos do estado. No capítulo II dos Discursos, Maquiavel fala sobre como foram feitas as leis em alguns Estados: “ Umas, desde o momento do seu nascimento, ou logo depois, rece- beram as leis das mãos de um só homem, como as deu Licurgo a Esparta. As outras as receberam várias vezes e segundo os eventos: foi o que se deu em Roma. Pode-se chamar feliz a república à qual o destino concede um homem tão prudente, que as leis que ele lhe dá são combinadas de maneira a poder assegurar a tranquilidade de cada um, sem que seja necessário reformá-las. É assim que se vê Esparta observar as suas, durante mais de oito séculos, sem alteração e sem desordens perigosas. Pelo contrário, pode-se considerar infeliz a cida- de que, não tendo caído nas mãos de um sábio legislador, é obrigada a restabelecer, por si própria, a ordem no seu seio. Entre as cidades desse gênero, a mais infeliz é aquela que se encontra mais afastada da ordem; e a mais afastada da ordem é aquela cujas instituições se acham todas desviadas do caminho reto, que a pode conduzir a seu algo perfei- to e verdadeiro, pois é quase impossível que ela ache nessa posição qualquer evento feliz que restabeleça a ordem no seu seio. Aquelas, pelo contrário, cuja constituição é imperfeita, mas cujos princípios são bons e suscetíveis de aperfeiçoamento, podem, segundo o curso dos acontecimentos, alçar-se até a perfeição. Deve-se estar persuadido de que as reformas nunca se farão sem perigos pois a maior parte dos homens não se curva voluntariamente a uma lei nova quando essa lei estabelece na cidade uma nova ordem de coisas à qual eles não vêem a necessidade de se submeter. (MAQUIAVEL, 2008, p. 80-81). Há uma dificuldade na correção do rumo, com a implantação de outras leis para que a república possa atingir a perfeição, e essa reside nos homens não acatarem com facilidade uma lei nova. U N ID A D E 2 72 A cidade de Florença, como complementa Maquiavel, é prova dessa di- ficuldade que estamos trazendo à tona aqui. Ela foi reorganizada depois da revolta de Arezzo em 1502, mas tornou a ser desorganizada. O acaso e o imponderável podem se dar no que compete à fortuna. Ela, ao mesmo tempo que pode trazer a glória, pode também trazer a ruína. A vida e a conjuntura política são essencialmente mutáveis. Há que ficar, o homem, de olho em tudo, estando atento a qualquer mudança. O homem que observa es- sas coisas seria o homem de virtù. É aquele homem que, como dissemos, pode construir um dique, levantar barreiras capazes de controlar os transtornos e as intempéries da vida. As coisas mudam de tempos em tempos, devendo, então, o governante preparar-se para o que for necessário para se precaver. Tudo isso envolve, ainda, a astúcia Política. O filósofo apregoa que o governante tenha a qualidade da audácia, co- ragem e virilidade, de modo a poder atrair e enfrentar a fortuna, ou melhor, dominá-la. Com certeza, a estabilida- de política estará sempre ao alcance do príncipe corajoso e impetuoso. Este receberá prêmios pela escolha da fortuna e sua sabedoria, evitando todo possível desastre. Seria besteira governar sem os instrumentos da virtù e da fortuna, elas cruzarão o caminho uma da outra. Maquiavel em sua teoria do gover- no faz uma péssima imagem do ho- mem. Ao ser estudadas as relações de virtudes tradicionais, transmitidas pe- los moralistas romanos e comparadas com a virtù maquiaveliana, é possível vermos de modo mais claro, a razão de recusa que o filósofo fez da vontade ou da generosidade como vetor das ações adotadas pelos governantes. Há uma grande distância entre a visão utópica de como se deveria viver para como se vive. U N IC ES U M A R 73 “ Porque há tamanha distância entre como se vive e como se deveria viver, que aquele que trocar o que se faz por aquilo que se deveria fazer aprendeantes a arruinar-se que a preservar-se; pois um homem que queira fazer em todas as coisas profissão de bondade deve arruinar-se entre tantos que não são bons. Daí ser necessário a um príncipe, se quiser manter-se, aprender a poder não ser bom e a valer-se disso segundo a necessidade (MAQUIAVEL, 2007, p. 73). Em nome da manutenção de si, um homem não deve se fiar em ajudar a to- dos quantos puder, mas garantir a si mesmo e, se estiver no governo, garantir o bem do estado. Para Maquiavel, os homens não são bons. A bondade na condução do estado não tem vez. Os homens, como diz Skinner, são ingratos, mentirosos, embusteiros, fogem do perigo e são ávidos de vantagem (SKIN- NER, 2003). Nos Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio, o pessimismo quan- to ao homem continua a aflorar. Entretanto, não seria necessário recorrer ao uso da força para conduzir o povo. E também, não é apregoado pelo filósofo que o povo deva temer os soberanos o tempo todo. Referente a essa questão de conduzir o governo e o povo com habilidade, podemos recorrer ao início do capítulo XXVII dos Discursos. “ Os homens muito raramente sabem ser inteiramente bons ou inteiramente maus. O Papa Júlio II, indo a Bolonha em 1505, para de lá escorraçar a família dos Bentivogli, que havia possuído o poderio dessa cidade durante largos anos, queria também afastar de Perúgia João Paulo Baglioni, que era o tirano dessa cidade, pretendendo agir como se tivesse resolvido dar cabo de todos os tiranos que ocupavam as possessões da Igreja. Chegado perto de Perúgia, transbordante desse espírito audacioso e decidido que todos nele reconheciam, não quis esperar, para entrar na cidade, o exército que o poderia apoiar. Penetrou nela sozinho e desar- mado, apesar de saber que João Paulo aí se achava com grande número de tropas, reunidas para defendê-lo. Arrebatado pela impetuosidade que dirigia todas as suas ações, confiou-se com sua simples guarda, nas mãos do inimigo, que conseguiu trazer consigo, deixando na cidade um governador para administrá-la em nome da Igreja (MAQUIAVEL, 2008, p. 134). U N ID A D E 2 74 Essa ação do Papa Júlio II colocou em destaque sua coragem e ressaltou a atitude covarde de Baglioni, que não reagiu. Nem sempre se revestir de autoridade deu certo na história, mas, nesse caso, acabou bem. A ideia que Maquiavel passa na citação é que ninguém é ou precisa ser mau o tempo todo, pois não é isso neces- sariamente que leva ao êxito. Mesmo porque um povo não suportaria viver sob o domínio de um governante que fosse mau a todo momento. A Mandrágora Mesmo em obras que não tratam diretamente sobre política, por exemplo, na co- média A Mandrágora, podemos perceber o ardil de um dos personagens principais, que vai de consonância com uma moral do interesse. Na peça, Callimaco por estar apaixonado por Lucrezia, esposa de Messer Nicia, um advogado já idoso, procura enganar esse último para conquistar sua amada. Diante da infertilidade de Messer, callimaco diz haver uma planta que poderia resolver seu problema: a mandrágora. Essa planta deveria ser dada a Lucrezia antes dela ter relação com outro homem, o qual morreria, depois disso, o perigo passaria e tudo estaria bem, podendo enfim ter um filho. Mas tudo não passava de uma trama para que Messer consentisse de outro homem (no caso Callimaco) pudesse ficar com ela e tentar conquistá-la. Essa peça é mais um exemplo de como a virtude cristã não entra no esquema de sua teoria. É uma busca pelo ganhar a todo custo. O cinismo não tem prece- dentes, de forma que os homens são vistos como invejosos, ingratos, dissimu- lados, maldosos, ambiciososetc., tudo concorre para que Maquiavel pense ser melhor que o príncipe seja alguém odiado do que amado. Como o mundo pode se apresentar hostil a qualquer tempo, o príncipe deve estar com sua espada pronta para reagir a qualquer conflito da forma mais vantajosa possível. Como ser um Príncipe O embate entre amor versus temor aparece tanto em O Príncipe quanto nos Dis- cursos. O filósofo cita os casos de Cipião e de Aníbal. Olhando o governo de Cipião, percebe-se que ele foi bom e liberal e, além disso, conquistou o amor de seu povo, porém teve seus soldados se rebelando contra ele. O acontecido se deu na Espanha, onde preponderou o fato de terem pouco a devotar a seu líder. Os homens em sua U N IC ES U M A R 75 inquietude, mesmo tendo quem lhes oportunize uma coisa, por melhor que seja, logo esque- cem do amor que nutriam pelo príncipe. E qual foi a forma, de contornar tal ocorrido, adotada por Cipião? Ele se viu obrigado a se utilizar, em parte, da mes- ma crueldade a qual fugira an- tes. Para Maquiavel, Cipião te- ria pago pela sua imprudência. Aníbal, por sua vez, foi temido pela sua crueldade. E não parece haver, na história, algum exemplo particular que mostre que sua crueldade e deslealdade tenham lhe causado prejuízo. Qual é, então, a mensagem que Maquiavel quer nos transmitir sobre o prínci- pe? É a de que o príncipe ser bom ou mau não é uma questão de escolha, necessa- riamente. Vê-se que a bondade, a clemência e a justiça nem sempre são passíveis de serem implantadas. Por mais beleza que haja nesses adjetivos citados, não é assim que a sociedade funciona. Não é uma defesa dos defeitos e vícios humanos, é a realidade como ela se apresenta. A história tem uma “tendência a se repetir”, daí que se faz importante analisar bem os fatos, na intenção de que o presente e o futuro não se mostrem traiçoeiros. O que o filósofo, aqui em pauta, procurou fazer, não ignorando seu objetivo de voltar à cena política, foi mostrar de modo insistente a forma como os fatos têm dado prova de que não compensa agir sem mão firme. Qual seria, então, uma das mais importantes funções do príncipe de virtù? Esse deve estudar a história, para que saiba qual o melhor curso que deve tomar as suas ações políticas. Chabod afirma que Maquiavel, nos Discursos, fala da religião e insiste em sublinhar sua im- portância (“E assim como a observância do culto divino é causa da grandeza das repúblicas, assim o desprezo do mesmo é causa da ruína dela ”). Continuando, nos próprios Discursos, Maquiavel afirma: “Onde não existe o temor de Deus é preciso que o império sucumba ou que seja sustentado pelo temor de um príncipe capaz de substituir a religião ”. Fontes: Chabod (1984, p. 257); Maquiavel (2008, p. 108-109). explorando Ideias U N ID A D E 2 76 Como acentua Isaiah Berlin, o fato de Maquiavel sustentar que o ser humano é ruim e deve estar preparado para fazer as mais diversas crueldades, não deve se confundir com a personalidade do próprio filósofo, tornando-o um “sádico”, ou coisa do gênero. Em resumo, ele quer dizer que não se deve traçar o perfil de Maquiavel, partindo de seus escritos políticos (BERLIN apud FER- REIRA, 2009). Outro fator que confirma um perfil diferente, em Maquiavel, é o fato dele não se agradar dos líderes que abusam da crueldade, sem que haja necessidade. No capítulo XV d’O Príncipe, Maquiavel, mais uma vez, tateando pelo seu realismo, fala do comportamento dos príncipes, pelo fato de estarem em um alto cargo referente ao governo, no que concerne a seu comportamento. Fala também das qualidades que lhes dão valor ou reprovação. Alguns seriam tidos como liberais, outros considerados miseráveis, que vem do termo toscano misero, porque avaro, que está associado àquele que deseja possuir as coisas por meio de rapinagem, e a palavra miseri denota os que se abstêm muito de usar aquilo que possuem. No geral, os príncipes são tidos como pródigos, outros como rapaces, alguns seriam cruéis, outros ainda piedosos; “perjuros ou leais; efeminados e covardes ou truculentos e corajosos; humanitários ou arrogantes; lascivos ou castos; estúpidos ou astutos; enérgicos ou fracos; sérios ou levianos; religiosos ou incrédulos, e assim por diante” (MAQUIAVEL, 1999, p. 100). O filósofo diz ainda que não haveria quem discordasse ser louvável um príncipepossuir das qualidades mencionadas, as consideradas boas. En- tretanto a natureza humana impediria a posse total de todas elas. E é mesmo difícil que tudo isso se dê na prática. O príncipe deve sempre evitar os defeitos que possam lhe tirar o governo, e pôr em prática todas as qualidades possíveis de auxiliar para que ele garanta a posse desse. Tudo, é claro, dentro do possível. E uma vez que não possa, deve deixar as coisas seguirem seu curso natural. Que ele ignore a má fama de ter tantos defeitos, sujeitando-se a isso se preciso for. A observância de todas a virtudes, no entanto, poderá levá-lo à ruína, e outras podem se assemelhar a vícios, mas que, se observadas, podem levar à estabilidade e segurança do principado e do governante. A história fornece os exemplos acerca do governo do príncipe, da guerra e de tantas outras coisas, e Maquival valorizava isso. As observações fornecem dados capazes de orientar e aconselhar os políticos. Ao tratar da guerra ele também dá destaque à história. No entanto o que seria, exatamente, tal arte: U N IC ES U M A R 77 “ Arte da Guerra é um tratado de estratégia militar, desdobrado de maneira sistemática e com minúcia obsessiva, a despeito de que formalmente se apresente como um diálogo, como uma conversa- ção aprazível entre homens experientes e cultivados, desfrutando a sombra e as comodidades do jardim da casa de um dos persona- gens: o palácio Rucellai em Florença. Os personagens, curiosamente, Maquiavel os forma e nomina como contemporâneos seus, nota- damente o comandante Fabrizio Collona, em cujas falas coloca seu pensamento, e que é secundado na tertúlia por outras pessoas tam- bém muito reais, como são Cosimo Rucellai – o anfitrião – e Bat- tista della Palla, Zanobi Buondelmonte e Luigi Alemanni – jovens amigos de Rucellai, que, diz Maquiavel, eram homens de qualidade e amantes dos estudos (TORRES apud MAQUIAVEL, 2008, p. 11). Entretanto as últimas páginas d’O Príncipe discutem o fato da Arte da Guerra não ser mera complementaridade do estudo, visando, apenas, a uma satisfação à necessidade teóricae ao complemento da estratégia militar. A Arte da Guerra pode ser vista como uma obra engajada, que objetiva incentivar o povo italiano a se preparar e se desenvolver e, ao mesmo tempo, mostrar-lhe suas fraquezas, pois, assim, ele poderá achar o caminho necessário para se livrar dos problemas. Em que medida devemos nos perguntar se a arte da guerra é importante para o príncipe? Maquiavel aconselha os principados a terem sempre um exército bem treinado. Disso, depende a defesa do principado e a sua própria. O capítulo XIV d’O Príncipe é bem claro acerca dos deveres do Príncipe com suas milícias. “ Um príncipe não deve ter outro objetivo ou pensamento, ou manter qualquer outra coisa como prática, a não ser a guerra, seu regulamento e sua disciplina, pois essa é a única arte que se espera de quem coman- da. É ela de tal poder que não apenas conserva príncipes aqueles que assim nasceram como muitas vezes permite que cidadãos de situação particular elevem-se àquela condição. Constata-se a perda dos Estados aos príncipes que se ocuparam mais com os luxos da vida do que com as armas. A casa que te levará a perder o domínio, em primeiro, é des- cuidar dessa arte, e só o poderás conquistá-lo ao professá-la. Francesco Sforza, de simples particular, tornou-se duque de Milão, e isso porque se armou; já seus filhos, fugidos aos deveres das armas, de duques pas- saram a simples cidadãos (MAQUIAVEL, 1999, p. 95). U N ID A D E 2 78 Claramente, um príncipe deve deixar de lado sua particularidade. O exemplo dos Sforza é claro: age-se preventivamente ou se entrega a uma condição me- nor de vida. O desarmamento para Maquiavel leva, rapidamente, à submissão, o que caracteriza uma desonra e essa é uma condição que deve ser evitada pelo príncipe. Chega a ser incomparável a situação de um príncipe armado em relação a um desarmado. O príncipe que estiver armado não obedecerá de bom grado o que está desarmado. Na concepção republicana de Maquiavel, foram os conflitos que geraram tamanha desor- dem e fizeram com que a Florença perdesse de vista o ideário de governo republicano, que, na visão do nosso autor, seria a melhor maneira de governar uma cidade, por ser um modelo mais razoável, visando geralmente os interesses mútuos de seus cidadãos. (A. Borges Neto)1). pensando juntos MILÃO Ducado de Milão Atualmente sob controle francês FLORENÇAFLORENÇA República de Florença Ameaçada pelo expansionismo dos Bórgia Reino de Nápoles Recém-invadido e dividido entre a França e os espanhóis de Aragão REINO DE NÁPOLES Roma ESTADOSESTADOS PONTIFÍCIOSPONTIFÍCIOS República de Veneza A potência comercial do Mar Adriático enfrenta cerco turco VENEZA Estados Pontifícios Alexandre VI agita os territórios da Igreja A ITÁLIA NO TEMPO DE MAQUIAVELA ITÁLIA NO TEMPO DE MAQUIAVEL (1469-1527)(1469-1527) A PENÍNSULA DIVIDIDAA PENÍNSULA DIVIDIDA Figura 2 - Península da Itália no Tempo de Maquiavel (1469-1527) Fonte: adaptada de Medeiros (2014, on-line)2. U N IC ES U M A R 79 O príncipe deve se preocupar a todo momento com a arte da guerra, pra- ticando exercícios que possibilitem atingir os seguintes objetivos: treinar o pensamento e exercitar o corpo nos mais variados terrenos. “Quanto à ação, além de conservar os soldados sob disciplina e sob exercício constante, deve sempre fazer grandes caçadas, nas quais além de acostumar o corpo aos des- confortos naturais da vida em campanha ainda aprenderá a natureza dos locais[...]” (MAQUIAVEL, 1999, p. 96). Essa experiência possibilitará que o príncipe conheça melhor o seu próprio país; observe sua defesa; reconheça lugares novos, sabendo de imediato o que é preciso especular, uma vez que os montes, vales, planícies, pântanos e rios da Toscana são semelhantes aos de outras cidades. Essa preparação para a guerra está vinculada, como já aler- tara insistentemente Maquiavel, à defesa dos principados e, principalmente, à tentativa de unificação da Itália. Por meio de alguns mapas de sua época, em um comparativo com as fases da unificação de seu país, percebemos, vendo o mapa da Itália atual, as mudanças ocorridas. Na figura 3, a seguir, podemos ver o processo de unificação. Muito além da época em que Maquia- vel viveu. Observe que o mapa apresenta modifi- cações que vão desde o ano 1859 até o ano 1920. Reparemos que, acima do mapa em listras verme- lhas, aparecem territórios cedidos à França. Desde o tempo de Maquiavel, a Itá- lia era constituída por um aglomerado de pequenos reinos ou repúblicas isola- das. Ela caminha rumo a se tornar um estado moder- no, conseguindo se unifi- car em fins do século XIX. IMPÉRIO AUSTROHÚNGARO SAVOIA MAR TIRRENO MAR ADRIÁTICO MAR JÔNICO MAR MEDITERRÂNEO ESTADOS PONTIFÍCIOS ESTADOS PONTIFÍCIOS SEGREGADOS PARMA MODENA TOSCANA Reino de Piemonte - Sardenha em 1859 Aquisição em 1859 Aquisição em 1860 Territórios cedidos à França em 1860 SICÍLIA REINO DAS DUAS SICÍLIAS PIEMONTE TIROL NICE SARDENHA VENEZA ÍSTRIALOMBARDIA FASES DA UNIFICAÇÃO Aquisições em 1866 Anexos em 1870 Ampliações em 1920 Figura 3 - Itália - Fases Da Unificação (1859- 1920) Fonte: adaptada de Espinoza (2010, on-line)3. U N ID A D E 2 80 Na figura 4, a seguir, podemos perceber a nova, ou se preferirmos, a atual divisão político-geográfica da Itália. Os estados con- servam hoje um tamanho mais proporcional em re- lação às divisões da época de Maquiavel. A medida do agir do Príncipe Novamente, recorrendo ao seu realismo político, Maquiavel se firma na posi- ção de elogiar o príncipe capaz de manter a palavra dada. Não teria problema um príncipe voltar atrás na palavra dada. Mas por qual razão poderia o prín- cipe tomar tal atitude? Trata-se do que o filósofo chama de atitude prudente, uma vez que guardar a palavra seria prejudicial. Também pode ser que tenha sido extinguida a razão pela qual se iria agir, não necessitandomais, para o bem do principado, que se mantenha o acordo. “Um príncipe prudente não pode nem deve manter a palavra dada quando isso lhe é nocivo e quando aquilo que a determinou não mais exista. Fossem os homens todos bons, esse preceito seria mau” (MAQUIAVEL, 1999, p. 110). Vemos, aqui, que não se trata de uma opção de Maquiavel o agir de uma forma que pareça má. É a natureza humana, por não ser necessariamente só boa que obriga o homem a agir de modo preventivo. As outras pessoas também não manterão suas palavras, o que faz com que não seja o agir, segundo seus interesses, uma atitude arbitrária. Figura 4 - Atual divisão político-geográfica da Itália U N IC ES U M A R 81 Ao falar da autonomia da política, temos que pensar na autonomia do indivíduo. Falamos, até aqui, da necessidade que Maquiavel via na ação do homem, visando o seu próprio bem. O combate às coisas pode se dar de dois modos: pela lei ou pela força. A primeira forma de combate, pela lei, corresponde à natureza do homem. A segunda é própria dos animais. Pelo fato de que só a primeira não se faz suficiente em todos os casos, há que se apelar, em muitos casos, complemen- tarmente, à segunda. E, nessa metáfora, temos o seguinte: “ [...]uma vez que um príncipe se vê obrigado a bem valer-se da nature- za da besta, deve tirar dela as qualidades da raposa e do leão, porque este não tem defesa nenhuma contra as armadilhas, e a raposa, contra os lobos. Precisa, portanto, ser raposa para conhecer as armadilhas, e leão para atemorizar os lobos. Os que servirem exclusivamente dos leões não serão bem-sucedidos (MAQUIAVEL, 1999, p. 109-110). O príncipe deve impor o medo pela força, como o leão, e ser astuto como a raposa. Um representante não deve se mostrar fraco por causa do empenho da palavra. Com o passar do tempo, a humanidade ganha novos conhecimentos. Certamen- te, hoje em dia, devido ao sistema de comunicação do qual gozamos, podemos enxergar “mais longe” do que podia fazê-lo Maquiavel. 3 A ATUALIDADE E A AUTONOMIA DA POLÍTICA U N ID A D E 2 82 Vamos aos aspectos que transparecem maior autonomia em sua obra. O que pretendeu Maquiavel em sua teoria? Teria sido satírico ou realista? Vemos que ele põe à mostra tudo quanto foi iniquidade dos príncipes. É isso mesmo o que ocor- reu? Assim, aferem Mosca e Bouthoul: “ Como se sabe, esta tese foi colocada pela primeira vez por Alberico Gentile, aceita por Rousseau e repetida em seguida por Alfieri e por Fóscolo. Mas esta hipótese parece que deve ser afastada porquanto, contrariamente ao que foi afirmado por Rousseau, não se encontra qualquer contradição entre o pensamento de Maquiavel, tal como o expõe no Príncipe, e o que exprime nas suas outras obras. Além disto, quando Maquiavel sugere uma ação imoral, muito frequentemente ele se escusa, alegando a necessidade de agir com malignidade, dado que os homens são maus. Subentende-se que se os homens fossem bons ele aconselharia que se seguissem outros métodos (MOSCA; BOUTHOUL, 1980, p. 115). O príncipe tem autoridade para agir de modo autônomo, mas o reflexo de sua ação não visará e nem expressará a justiça. Lida-se com a realidade da melhor forma possível, tentando representar o principado, mesmo que a face mais torpe do príncipe precise aparecer. Poderíamos dizer que a política pode ser realizada, mantendo-se longe dos princípios morais? O príncipe deve se conformar à sua realidade. Não se apregoa, no entanto, na obra de Maquiavel que se deva ficar de modo sistemático fora da moral. Caso contrário, o político seria abominado pelos seus governados, e com razão, uma vez que isso foi exatamente o que ocorreu com César Bórgia a ponto de causar sua queda. Quem não se propõe a agir de um modo misto, deve ser questio- nado quanto à sua aptidão para se tornar um homem de Estado. Teria Maquiavel fundado uma ciência política de fato? Parece que vai de en- contro com suas aptidões, tal proposição. Ele fez uma grande análise das socieda- des humanas, identificando tendências políticas marcantes e com características típicas. Para ele, bastava que se estudasse a história dos mais diferentes povos. Ele se esforçou por fundamentar a ciência política, mas o que ocorreu é que, em sua época, a crítica histórica não havia nascido ainda. E qual a consequência disso? Sem dados mais precisos ficava difícil tratar do assunto de modo mais assertivo. O que Maquiavel tinha disponível em sua época era a história dos gregos e dos romanos. U N IC ES U M A R 83 Maquiavel elaborou um manual de política, passível de ser utilizado, com algu- mas atualizações, é claro, por governantes de todos os tempos. Há quem diga que ele criou uma arte política. Apregoando que devemos nos fiar na história, Maquiavel recomenda que o governante se baseie nela. Ele próprio, como dissemos, parece ter se inspirado demasiadamente nos feitos dos antigos gregos e romanos. Por outro lado, ele se equivocou ao pensar que seria suficiente, para ter bom êxito, imitar esses povos. Mosca e Bouthoul (1980) afirmam que Maquiavel comete várias vezes tais equívocos n’O Príncipe e, ainda, nos Discursos. Nessa última obra, isso aparece de um modo mais acentuado, numa constante contraposição entre a Roma Antiga e Florença, com maior destaque a superioridade da primeira em relação à segunda. O que ele não levava em conta era a grande diferença de meio e circulação em que cada uma das cidades se encontrava. Para Maquiavel, portanto,seria necessário e útil que o governante pudesse fa- vorecer os homens que eles não podem destruir. No entanto Mosca e Bouthoul contrapõem tal ideia com a seguinte análise acerca desse assunto: “ [...]é impossível favorecer a uns sem lesar a outros: é o que acontece toda vez que se deve dispor de um cargo disputado por várias pessoas interessadas. Como é impossível, muitas vezes, reduzir à impotência aqueles que necessariamente tivermos descontentado, é preciso pos- suir juízo rápido e seguro com o fim de discernir aquele que, entre os eventuais descontentes, devemos mais temer (MOSCA; BOU- THOUL, 1980, p. 118). Podemos perceber que realmente não é de simples aplicação tudo o que o filóso- fo florentino apregoa, sendo passível, ainda, depararmo-nos com contradições. A obra de Maquiavel invita o governante a adular, fazer parceria, desprezar e quebrar acordos, conforme lhe parecer melhor para sua atuação política. O próprio filósofo parece não ter agido de modo imoral. Falam inclusive de ser um homem de fácil trato, além de não ter angariado mesmo uma grande fortuna, mas ter levado uma vida modesta. U N ID A D E 2 84 Originalidade do Pensamento Político de Maquiavel Teria o pensamento político de Maquiavel trazido algo de original, ou seria so- mente uma continuidade? Bem se sabe que ele é um marco na filosofia política, e isso tem obviamente determinadas razões. Uma primeira seria a preocupação de dar uma resposta à instabilidade política que marcava a Itália de sua época. É exatamente, por isso, que O Príncipe tinha, além do intento de ensinar a conquista dos Estados, ensinar como mantê-los e torná-los estáveis. A segunda é uma diferença no que se refere às obras políticas tradicionais. Maquiavel não coloca, na obra referida, todaa questão de abstração filosófica, especulativa ou mesmo utópica. Ele fala da realidade política, visando mostrar o que pode ser mais eficiente nas ações humanas. Essas ações não precisam ser norteadas pela moral e pela ética cristã, ou ainda qualquer outro critério de justiça. U N IC ES U M A R 85 Para buscar a estabilidade, a política das ações morais não pode vigorar. O que importa de fato, é construir um estado forte. Esse modelo de pensamento inaugu- rado por Maquiavel, traz à tona, como alertamos anteriormente, a era do realis- mo político. Para ele, o cerceamento da Igreja e sua imposição por meio de seus mandamentos eram coisas que poderiam atravancar o ideal de um estado livre e forte. Seu liberalismo vem, inclusive,a quebrar a ideia de que ele era absolutista. “ A ideia que se tem de Maquiavel é a de que ele foi o grande defen- sor do absolutismo, - e se há alguma coisa contra a qual o liberalis- mo é radical, esta é sabidamente o absolutismo, quer dizer, o poder concentrado e ilimitado nas mãos de um só indivíduo, o monarca. Contudo, quando era inconcebível pensar fora dos padrões autori- zados pela ética e pela teologia dogmáticas, Maquiavel rompe com tudo isso, promovendo a descoberta da liberdade do pensamento e inaugurando a modernidade. E não foi apenas essa liberdade que ele promoveu, diga-se de passagem. Com seu Príncipe absoluta- mente inescrupuloso, Maquiavel estabelece, na prática, embora não tenha sido essa sua intenção, o império da esperteza e da força, ou da possibilidade do êxito do mais forte e astucioso, no jogo do poder, da competição e da concorrência (ULHÔA, 1999, p. 13). Temos que tomar cuidado para que, uma interpretação errada da teoria de Maquiavel, principalmente impulsionada pelo fato de acharem que o filósofo ensina os príncipes a serem maus, venha a corroborar a ideia de que um regime absolutista seja mais adequado. A aplicação de suas teorias, em sua época, poderia ter ajudado a unificar a Itália dividida, mas sua obra começa a circular, principalmente, depois de sua morte. Hoje, ainda, encontramos um mar de gente que frequenta seu pensamento. Alguns movi- dos pela interpretação preconceituosa do que seria uma ação maquiavélica, outros ainda podem estar incitados pela sede de aprender a conquistar o poder e querer fazê-lo a todo custo, bem como mantê-lo. Mas o que se sobressalta, de fato, na teoria de Maquiavel é a forma realista de mostrar a natureza humana. U N ID A D E 2 86 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em relação ao que estudamos das teorias de Maquiavel, pudemos inferir que sua originalidade, quanto ao estilo realista de escrever, torna sua filosofia um marco no advento da modernidade. Ele dá uma resposta ao problema da instabilidade, pela qual passava a Itália de sua época, cuja dificuldade de uni- ficação era o grande problema da política vigente. Sua obra mais famosa, O Príncipe, além de ter sido dedicada a Lourenço de Médice, vem a ser também um manual com lições curtas acerca de como os governantes, no caso dele, o príncipe, podem agir, tanto para conquistar os Estados como para man- tê-los. A obra de Maquiavel foge, portanto, às questões de abstração filosófica, especulativa ou mesmo utópica, inaugurando, como já assinalamos, uma teoria política realista, de modo que visa mostrar o que pode ser mais eficiente nas ações humanas. Dois conceitos básicos foram fundamentais para alimentar a convicção do filósofo da certeza do êxito da implantação de sua teoria: a virtù e a fortuna. A primeira trata das qualidades que todo governante deve , isto é, a sagacidade e a inteligência para discernir quando é melhor manter e quando é melhor retirar a palavra. Já a fortuna é estar preparado. Todo aquele que não estiver preparado pode perder a oportunidade que se lhe apresenta. O cotidiano apresenta várias adversidades, de forma que quem for pego desprevenido pode sucumbir às forças inimigas. Enfim, a melhor forma de governo seria uma república ou principado. Os principados podem ser divididos em hereditários, esta é a forma mais fácil de conservar, porque os súditos já estão aptos a obedecer; mistos, onde não há uma estabilidade de poder; e novos, por incluir uma nação estrangeira em uma que já estava estabelecida. Se por um lado, nem todas as teorias de Maquiavel foram postas em prática, para o bem de todos; por outro lado, até hoje, algumas dessas teorias têm inspirado muitos homens, na tentativa de conquistar o poder e se impor por ele. 87 na prática 1. A obra O Príncipe constituiu-se um manual para governantes, com o intuito de en- sinar o príncipe como conquistar Estados e conservá-los. Assim sendo, de acordo com as teorias contidas nas obras de Maquiavel, como o príncipe poderia agir para assegurar tais coisas? 2. Maquiavel, apresenta alguns preceitos, dos quais deve ser dotado todo e qualquer homem que liderar o Estado. Trata-se da virtù e da fortuna, que, se bem executadas, poderiam ter ajudado a Itália a conseguir a unidade e força política que o filósofo tanto almejava. Leia as questões a seguir que confirmam o que sejam a virtù e a fortuna: I - A virtù não trata da sagacidade e nem da inteligência. Ela não representa o fato de saber quando manter a palavra e quando é necessário quebrá-la. II - A força da fortuna pode se referir a um sentido ruim ou asentido bom. A “deusa da fortuna” tem seus caprichos, como no esquema de antropomorfização dos deuses da antiguidade, podendo conceder benesses ou castigos. III - Uma das qualidades desejáveis ao homem de Estado deve ser a virù. IV - Em sua obra O Príncipe, Maquiavel, no capítulo XXV, diz serem os homens go- vernados pelos desígnios da fortuna e, também, por Deus. Assinale a alternativa correta: ( ) Apenas, I e II estão corretas. ( ) Apenas, II e III estão corretas. ( ) Apenas, I está correta. ( ) Apenas, II, III e IV estão corretas. ( ) Nenhuma das alternativas está correta. 88 na prática 3. No tocante à autonomia da política, temos que pensar também no que seria a autonomia do indivíduo. Falamos da necessidade que Maquiavel via na ação do homem, visando o seu próprio bem. Nesse sentido, combate no campo das coisas políticas pode se dar de dois modos: pela lei ou pela força. Leia as alternativas a seguir, depois, assinale Verdadeiro (V) ou Falso (F): ( ) A primeira forma de combate, pela lei, corresponde à natureza do homem. ( ) A segunda não é própria dos animais. ( ) Pelo fato de que só a primeira não se faz suficiente em todos os casos, há que se apelar, em muitos casos, complementarmente, à segunda. 4. Considere o texto: “para buscar a estabilidade, a política das ações morais não pode vigorar. O que importa de fato é construir um estado forte. Esse modelo de pensamento, inaugurado por Maquiavel, traz à tona, a era do realismo político. Para ele o cerceamento da Igreja e sua imposição por meio de seus mandamentos eram coisas que poderiam atravancar o ideal de um estado livre e forte. Seu liberalismo vem, inclusive, a quebrar a ideia de que ele era absolutista”. Agora, responda: quais são as contribuições originais que o pensamento de Maquiavel nos traz? 5. “Um príncipe prudente não pode nem deve manter a palavra dada quando isso lhe é nocivo e quando aquilo que a determinou não mais exista. Fossem os homens todos bons, este preceito seria mau” (MAQUIAVEL, 1999, p. 110). A partir dessa assertiva, o que o príncipe deve fazer para que possa evitar que lhe tirem o poder? 89 aprimore-se Por ocasião da busca de Maquiavel por uma teoria realista, no intento de formar um governo republicano, lançamos, aqui, luz à teoria democrática por um viés realista. O objetivo é apurar a possibilidade do realismo, como base, fomentar diferentes formas de governo. “A visão partilhada por muitos daqueles realistas que se dedicaram ao estudo da Democracia no século XX levou a conclusões diversas (por vezes pessimistas) sobre a plausibilidade de se encontrar efetivados os clássicos ideais democráticos. Max Weber e Joseph Schumpeter, dois dos autores mais representativos dessa corrente, ofereceram análises das Democracias contemporâneas em que a participação de- mocrática e o ideal da soberania popular deram lugar aos mecanismos institucionais formais e a processos de concorrência pelo poder. A perspectiva do realismo político está ancorada no diagnóstico mais amplo de uma modernidade política caracteri- zada pela existência de sociedades altamente complexas e pluralistas. Sociedades complexas (compostas por um Estado burocratizado, por uma economia de merca- do desenvolvida e por uma sociedade civil fragmentada em grupos de interesse) possuem um alto grau de diferenciação funcional que acompanhaa racionalização do direito, a concentração das empresas e a extensão da intervenção estatal sobre os mais diversos âmbitos da atividade humana. Sociedades plurais, que não contam mais com uma eticidade tradicional e comum, são regidas por uma multiplicidade de valores e de interesses que na maior parte das vezes são irreconciliáveis entre si e ensejam uma individuação cada vez mais radical de formas de vida: cada indivíduo assume radicalmente a responsabilidade de avaliar os valores que orientarão suas decisões (WEBER, 2008). 90 aprimore-se É importante notar que, embora Weber e Schumpeter tenham adotado o rea- lismo político como pressuposto metodológico de suas análises, seria um erro afir- mar que eles se limitaram a uma descrição normativamente neutra do funciona- mento do sistema político. Cada um dos autores nos oferece ferramentas teóricas com as quais podemos distinguir regimes autoritários e antidemocráticos daque- les legítimos e democráticos. Curiosamente, o realismo político sempre preten- deu ser mais coerente do que as concepções normativas na sua preocupação em apresentar justificações racionais plausíveis para uma defesa da Democracia. Se a racionalização do Estado moderno, como veremos, impõe limites aos ideais iguali- tários da liberdade política – ideais considerados vagos, segundo o vocabulário rea- lista –, aspectos institucionais das Democracias existentes ainda assim possibilitam uma justificação do governo democrático segundo definições mínimas, tais como a manutenção de eleições periódicas, o princípio da maioria e procedimentos de tomadas de decisão razoavelmente consensuais. Para tais autores, o núcleo liberal instaurado nos mecanismos de funcionamento do sistema político é passível de justificação porque promoveria procedimentalmente a pluralização dos valores e a organização democrática da concorrência entre os grupos de interesse, fomen- tando, assim, o princípio da liberdade de escolha sob as condições de um mundo racionalizado”. Fonte: Ramos, Melo e Frateschi (2018). 91 eu recomendo! Compreender Maquiavel Autor: Denis Collin Editora: Vozes Sinopse: Maquiavel tem uma teoria política intrigante. Essa obra vai mostrá-lo como defensor do povo. Ele admite a implantação de uma certa ditadura, não hesitando em procurar um príncipe capaz de implantar seus conselhos para que a Itália fosse liberta. O príncipe teria de ser um ‘homem providencial’. Não é o caso de que ele tivesse proposto uma teoria política, como fizeram os utopistas, mas definiu uma política para tempos de crise. livro Poder & Manipulação: Como entender o mundo em vinte lições extraídas de “O Príncipe”, de Maquiavel Autor: Jacob Petry Editora: Faro Editorial Sinopse: você verá, nessa obra, um trabalho de análise dos en- sinamentos de Maquiavel, de uma forma mais comentada, rela- cionados ao que ocorre no mundo atual. São vinte estratégias relevantes sobre o clássico: O Príncipe. Aqui, ficarão mais claras as formas como algumas pessoas podem tentar lhe manipular, e o que você deve fazer para que possa se sobressair na vida e na carreira. livro Documentário O Príncipe (Nicolau Maquiavel) Sinopse: esse documentário sobre O Príncipe trata de forma me- tafórica da virtù e da fortuna. Explica como deve ser jogado o jogo do poder. Trata do que realmente acontece no governo de um príncipe, não se orientando pelo que deveria ser feito num plano ideal. O vídeo está permeado por indicativos de que os líderes dos Estados Unidos da América teriam agido conforme os precei- tos do príncipe de Maquiavel. filme 3 OS FILÓSOFOS CONTRATUALISTAS PROFESSOR Esp. Silvanir Aldá PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • Hobbes: o Estado é Sinônimo de Segurança • John Locke:Estado e Propriedade • A vontade geral em Jean-Jacques Rousseau. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Compreender o porquê de Hobbes pensar ser o estado de natureza um estado de guerra de todos contra todos, e os motivos que justificam a formação do Estado • Verificar, nas teorias de John Locke, o que justifica a instituição da propriedade e como se dá sua legitimação pelo estado • Distinguir em Jean-Jacques Rousseau a vontade geral da vontade de todos e porque o estado de natureza não se sustenta, apesar de ser o estado ideal para o filósofo. INTRODUÇÃO O Contratualismo se refere à questão de justificar o porquê do surgi- mento do Estado. Primeiramente, os filósofos contratualistas, Hobbes, Locke e Rousseau, partem de uma análise de como nos apresentava o estado de natureza para, depois, partir para um pacto, ou contrato. Antes de viver em sociedade, o homem vivia em estado de natureza. Para Hobbes, os homens, em estado de natureza, viviam em “estado de guerra”. “O homem era o lobo do homem ”, dessa forma, os conflitos eram permanentes e os homens estavam se matando. Era necessário, então, que se instituísse o Estado. Locke não via o estado de natureza com tanto rigor, como o fez Hobbes, porque, para ele, existia até uma relativa paz. O que faltava era a segurança jurídica, dado que não se tinha um juiz imparcial. Mas o gozo de direitos naturais, como a vida, a liberdade, a propriedade e a felicidade já se davam. Dessa forma, o que vimos é que faltava um ajuste, e este era a proteção da sociedade civil a cargo do Estado. Rousseau falará que o homem, no estado de natureza, é o bom sel- vagem, mas com o surgimento da sociedade, o homem é corrompido e passa a viver oprimido. Assim, o Estado é fundado para que possa regular as relações e direcionar as coisas. Cada filósofo vai dizer que o homem vive de um jeito, de modo que, partindo de um estado hipotético, lançarão as “regras” de convivência nesse Estado ideal. Para Hobbes, o Estado terá poder absoluto, de modo que, mesmo se incorrer em abuso, o soberano não será punido devido a ter sido feito o contrato e os poderes lhe terem sido atribuídos. Locke proporá um Estado de intervenção mínima, e Rousseau, com o corpo político, trará à tona a possibilidade de liberdade e igualdade amparadas na vontade geral. U N ID A D E 3 94 1 HOBBES: o Estado é sinônimo de segurança Thomas Hobbes, filósofo inglês, nasceu na aldeia de Westport, adjacente a Mal- mesbury, no Wiltshire, no dia 5 de abril de 1588. De família de parcos recursos, era filho de um clérigo semiletrado. Logo, deixou de contar com a ajuda do pai, tendo seus estudos custeados por um tio, Francis Hobbes, luveiro de Malmesbury, que tinha uma prosperidade relativa. Foi pupilo de Robert Latimer, o qual o versou em latim e em grego. Isso lhe oportunizou frequentar os clássi- cos literários. Em 1603, ingressou no Magdalen Hall, em Oxford, tendo nes- sa época 14 anos. Hobbes começa sua incursão filosófica a partir do contato com Francis Bacon (1561-1626), do qual foi secretário, entre 1621 e 1626. Ele chegou a traduzir algumas obras de Bacon para o latim. Hobbes não ficou somente no empirismo baconiano. Ele entra em contato com padre Mersene, corres- pondente e amigo de Descartes. Teve, U N IC ES U M A R 95 ainda, contato com Galileu. No retorno das viagens ao continente, retorna à Inglaterra, colocando-se como defensor do Rei Carlos I (1600-1649), que era ameaçado por uma revolução liberal. Em apoio ao soberano, compôs seu pri- meiro tratado: Elementos de Lei Natural e Política, obra que fundamenta a ciência política e a justiça. O trabalho foi disseminado em cópias manuscritas, vindo a ser publicado, apenas, em 1650, na forma de dois tratados separados: Natureza Humana e Sobre o Corpo Político. Refugiou-se em Paris, onde es- creveu em defesa do poder real Sobre o Cidadão, em 1642, no mesmo ano em que se desencadeou a Guerra Civil na Inglaterra. Hobbes morreu em Hardwick, em 1679 (HOBBES, 1999a). Embora deduza sua ciência política de conceitos e definições, Hobbes aponta o fato de que tais conceitos seriam relativos aos fatos da natureza humana. Tal como podemos verificarnos capítulos I a XI do Leviatã, contém um considerável número de fatos acerca da experiência. Há um destaque especial, aqui, para a doutrina do homem (que é o que constitui o fundamento da política), onde o filósofo admite apenas uma espécie de demonstração, essa é uma demonstração não dedutiva que consiste em que cada sujeito encontre em si mesmo sua natureza, a natureza huma- na. A resposta para tais questões, o filósofo diz ter encontrado ‘lendo-se a si mesmo’. O Estado moderno estava fundado sobre o monopólio do uso da força física. No Estado, podia-se exercer os direitos de proibir, matar, encarcerar e multar, isso compõe uma visão individualista, que diferia do modo de pensar dos antigos. Para Hobbes, o ponto de partida para a ação humana e, em consequência, da ação moral e política seria o conato, que é o esforço ou empenho. O Jusnaturalismo em Hobbes Podemos considerar, como uma das mais expressivas interpretações do jus- naturalismo de Hobbes, a obra de G. B. Macpherson: The Political Theory of Possessive Individualism (A Teoria Política do Individualismo Possessivo), em que Macpherson (2005) vê no estado de natureza de Hobbes, algo diferente do que a maioria percebeu. O estado de natureza representaria não a guerra civil, mas a sociedade de mercado “possessiva”, em que o termo ‘possessiva’ é empregado para distingui-la do mercado simples. Posteriormente, veremos que John Locke avançará nesse sentido da sociedade natural e do Estado como associação de proprietários. U N ID A D E 3 96 No intento de fazer uma teoria política rigorosa, Hobbes tenta atingir vários alvos. As teorias de Aristóteles são, entretanto, as mais visadas. Para Aristóteles, a ética e a política não eram conhecimentos certos, mas sim prováveis. Isso quer dizer que não há uma lógica aí, mas é uma questão de retórica (BOBBIO, 1991). Entre o Hobbes jusnaturalista ou positivista jurídico, Norberto Bobbio (1985) prefere classificá-lo na segunda posição. Mesmo que haja quem tente enquadrar a teoria de Hobbes em um totalitarismo ou como antecipador do estado liberal, Bobbio destaca que o tema central do pensamento dele é a unidade do Estado, não é a liberdade, nem do cidadão nem do Estado. Assim, nas teorias de Hobbes: “ O único caminho que tem o homem para sair da anarquia natural, que depende de sua natureza, e para estabelecer a paz, prescrita pela primeira lei natural, é a instituição artificial de um poder comum, ou seja, do Estado (BOBBIO, 1991). A instituição desse Estado seria o Leviatã, referência a um lendário monstro marinho, que representa para Hobbes a figura artificial do Estado. Esse vem a substituir o estado de natureza, que, devido a toda insegurança que proporcionava, deveria ter encerrada sua existência, sendo instituído um modelo mais seguro, que assegurasse a paz. Contrato e formação do Estado Se nos questionarmos acerca de Hobbes ter trazido alguma novidade no campo po- lítico, veremos que sim. É o fato de que seu pensamento diferencia Estado e Governo. Uma separação que não apareceu, por exemplo, na teoria de Maquiavel. Para Hobbes, o Estado e o governo são coisas distintas. O Estado seria independente das formas de governo. Ele se define pela sobera- nia e por seu poder, que são fundados em um contrato e legitimado juridica- mente. Mas a soberania desse Estado é exercida, não mais baseada no con- trato, ela se dá de acordo com as cir- cunstâncias que podem vir a impedir ou contribuir para sua manutenção (LIMONGI, 2002). U N IC ES U M A R 97 Para Hobbes, o fim último do homem é sua conservação e uma vida satisfeita. O que ele quer é se livrar da mísera condição de guerra, a “guerra de todos contra todos”, apesar desse ser consequência natural das paixões dos homens, quando da ausência de um poder capaz de manter o respeito, forçando-os, por medo do castigo, a cum- prirem seus pactos e respeitarem as leis de natureza (que são a justiça, a equidade, a modéstia, a piedade, enfim, fazer aos outros o que queremos que nos façam). “Seria um mal menor suportar uma lei injusta que permitir a cada um decidir da justiça das leis” (FERREIRA FILHO, 2002, p. 41). No De Corpore Politico, vemos, ainda: “Em todo Estado onde os homens em particular são privados dos seus direitos de se protegerem, lá reside um soberano absoluto, como eu já mostrei” (HOBBES, 1999c. p. 117). Agir, individualmente, não levará à defesa e proteção de ninguém, é preciso agir em conjunto e sob o comando de um. E ainda sobre o estado de guerra vemos: “ A situação de guerra é uma situação de miséria e incerteza. O pro- duto de nosso trabalho pode nos ser retirado a qualquer instante por um poder maior que o nosso. Nossa vida está constantemente ameaçada, pois nada nos garante, a não ser nosso próprio e ínfimo poder, contra o poder dos outros, o que não é insensato supor que será usado contra nós. É portanto razoável que queiramos sair dessa situação, garantindo as condições da paz. Esse desejo de paz, que se supõe ser o desejo de todos os homens que tenham refletido sobre as causas e os efeitos da guerra, está na base de um suposto contrato ao qual Hobbes pretende fazer remontar o fundamento jurídico do Estado, pensado ele mesmo como um ente jurídico e, nesse sentido, não natural. Por meio desse contrato, segundo o modelo de Hobbes, os homens se comprometem reciprocamente a submeter suas von- tades à vontade de um homem ou assembleia de homens, que passa a ter poder para decidir acerca de todos os assuntos concernentes à paz. Institui-se desse modo o Estado (LIMONGI, 2002, p. 28). No Estado de Natureza, os indivíduos vivem isolados e em luta permanente en- tre si. É exatamente, aqui, que reina o medo e, principalmente, medo de morte violenta. Querendo então se proteger uns dos outros, os homens inventaram as armas e cercaram as terras que ocupavam. Essas atitudes foram, no entanto, inúteis, dado que sempre haverá alguém mais forte que derrotará o mais fraco e ficará com as terras outrora cercadas. Não há garantias na vida, onde quem faz a lei é o mais forte, que pode tudo quanto tenha força para conquistar e conservar. U N ID A D E 3 98 No Tratado sobre el Ciudadano (Tratado sobre o Cidadão), Hobbes nos mostra, o porquê de tantos problemas no estado de natureza. “ No estado de natureza, todos são acometidos por uma vontade agressiva, mas que não se dá pela mesma causa, nem é igualmente condenável. Já que alguns, segundo a igualdade natural, permitem aos demais o mesmo que se permitem a eles (o que é próprio aos ho- mens modestos e que valoram retamente suas forças). Outros, por sua vez, acreditando-se superiores aos demais, se permitem tudo, somente para si mesmos, e se atribuem honra diante dos demais (o que é próprio de uma condição feroz). Para estes, a vontade agres- siva nasce de uma glória vã e de uma falsa estima de suas forças; para aqueles, da necessidade de defender suas coisas e sua liberdade contra estes últimos (HOBBES, 1999b, p. 17). A busca de uma glória vã, isto é, que não tem sentido, ou a vontade agressiva, é o que transforma o estado de natureza em um estado de guerra de todos contra todos. Aliás, “a questão é, tão-somente a seguinte: o que pode motivar alguém no estado de natureza a ser a primeira pessoa a cumprir sua palavra?” (TUCK, 2001, p. 89). Hobbes diz não haver motivo algum, racional, que obrigue alguém a cumprir sua palavra, posteriormente, a outra pessoa. Instaurada a insegurança, vê-se a necessi- dade de instituir o Estado Civil. O filósofo viu a necessidade de um pacto, em que o poder se concentrava nas mãos de um só (não tendo esse nenhum dever para com os súditos). Fala-se que um Estado foi instituído, a partir do momento em que uma multidão de homens concordam e pactuam entre si, sendo que daí a maioria atribui o direito de ser representada por um homem ou assembleia de homens. “ Esta submissão das vontades de todos à vontade de um só homem ou de uma assembleia se dá quando cadaum se obriga mediante um pacto diante dos demais a não resistir à vontade daquele homem ou assem- bleia a que se submete. [...]. A união assim conseguida se chama Estado ou sociedade civil, e também pessoa civil. Porque ao ser una a vontade de todos, há que considerar-se como uma pessoa e há de ser distinguida e reconhecida com um único nome por todos os particulares, e deve ter seus direitos e suas propriedades; desta forma, nem um cidadão nem o conjunto deles tem de se considerar como se fosse do Estado (com exceção daqueles cuja vontade está no lugar das vontades dos demais). U N IC ES U M A R 99 Por tanto, o ESTADO (para defini-lo já), é uma só pessoa cuja vontade, como consequência dos acordos de muitos homens, deve ser tomado no lugar de todos, para que possa ter a força e as faculdades de cada um para a paz e a defesa comum (HOBBES, 1999b, p. 53). Ninguém pode desistir do acordo, nem tentar tirar a soberania a quem foi confe- rida, pois se assim agir estará tirando o que é seu, o que constitui injustiça. Todos formam com o Estado uma só pessoa. Analisando os estatutos da lei em sua obra: Diálogo entre un Filósofo y un Jurista (Diálogo entre um Filósofo e um Jurista), Hobbes afirma a importância da questão da obediência. “Pois a lei da razão or- dena que todos observem a lei a qual prestaram seu assentimento, e obedeçam a pessoa a qual prometeram obediência e fidelidade” (HOBBES, 1992, p. 136). Partindo da argumentação sobre o estado de natureza e dos problemas aí encontrados, como a igualdade de fato, em que os homens podem causar males uns aos outros, vê-se que os homens podem chegar até mesmo à morte. E, ainda, a escassez dos bens, da qual pode ocorrer que mais de um homem queira possuir a mesma coisa. Nasce, desta forma, um es- tado de permanente desconfiança recíproca, que leva cada um a se preparar mais para a guerra e a ignorar a busca da paz. Ao tratar da parte orgânica, constituinte do poder soberano, aparece a figura do ministro público, que é o homem encarregado pelo soberano (seja ele um monar- ca ou uma assembleia) de qualquer missão, representando a pessoa do Estado. Há ministros públicos encarregados da administração geral, seja de todo o domínio, seja de uma parte dele. Eles têm, ainda, autoridade para ensinar ou permitir que seja ensinado ao povo seu dever para com o soberano, instruindo-o no conhecimento do que é justo e injusto, a fim de que o povo seja capaz de viver em paz e harmonia e resistir ao inimigo comum. Entre outras atribuições ainda, aos ministros públicos também são concedidos os poderes judiciais. U N ID A D E 3 100 Sobre o Soberano O soberano deve ser juiz em relação às opiniões e doutrinas contrárias ou a favor à paz. Ele deve instituir as leis civis, que são as regras pelas quais o homem pode saber quais os bens de que pode gozar, as ações que pode praticar, sem ser molestado por seus concidadãos. Ele deve julgar as controvérsias referen- tes às leis, evitando que se volte ao estado de guerra, pois a dissipação desse foi o objetivo proposto, ao se instituir o Estado. O soberano tem direito ainda de fazer a guerra e a paz com outras nações e Estados. Ele deve escolher seus conselheiros, ministros, funcionários e magistrados e pode, ainda, punir com castigos corporais ou pecuniários como também, recompensar com honras e riquezas. Como destaca Bobbio, o raciocínio de Hobbes acerca da soberania é realmente algo simples: “se o poder soberano está efetivamente dividido, não é mais soberano; se continua a ser de fato soberano, não está dividido - a divisão é só aparente” (BOBBIO, 1985, p. 112). “Um reino dividido em si mesmo não pode manter-se” (HOBBES, 1999a s.p.). Aqui, Hobbes faz menção a que o soberano deve concentrar todos os poderes em sua mão, se não o fizer poderá ser prejudicado. O filósofo apre- senta as espécies de governo: ■ Monarquia: governo de um só. ■ Democracia: assembleia de todos os que se uniram. ■ Aristocracia: assembleia de apenas uma parte. Hobbes parece mostrar, aqui, a divisão dos governos já proposta por Aristó- teles, porém diz ser desnecessário falar de suas formas degenerativas: tirania, oligarquia e anarquia, pois não se trata de novas formas de governo. “A diferença entre essas três espécies de governo não reside numa diferença de poder, mas numa diferença de conveniência, isto é, de capacidade para garantir a paz e a segurança do povo, fim para o qual foram instruídos” (HOBBES, 1999a, p. 154). Na monarquia, o interesse pessoal é o mesmo que o interesse público. Pri- meiro que “nenhum rei pode ser rico ou glorioso, ou pode ter segurança, se aca- so seus súditos forem pobres, desprezíveis, ou demasiado fracos, por carência ou dissensão, para manter uma guerra contra seus inimigos” (HOBBES, 1999a, p. 155). Já, a democracia e a aristocracia contribuem menos para a riqueza e fortuna pessoal a prosperidade do povo. U N IC ES U M A R 101 Pode-se, ainda, na visão de Hobbes, pensar formas de governo derivadas das três apresentadas, como em primeiro a monarquia eletiva, em que o soberano governará até o fim de sua vida, porém não indicará um novo monarca, esse outro será eleito. Assim, o absolutismo não deriva de um direito divino, mas sim do pacto, e a existência do Direito – leis civis – vincula-se à existência do Estado. Embora manifeste sua preferência por um rei absoluto, Hobbes reconhece a legitimidade de outros tipos “puros” de governo – estão reunidos numa mesma pessoa o Legislativo, o Executivo e o Judiciário – porque os vários poderes que cabem ao soberano são tão estreitamente ligados um ao outro, tão interdependentes, que não podem deixar de pertencer a uma só pessoa. A justificativa para a preferência do governo monárquico está na antropologia humana: todo homem e, por conseguinte, todo governante, pensa no seu interesse pessoal. Portanto, interesse público só é possível na monarquia. Fonte: Chevallier (1973, p. 73 apud SOUZA; OLIVEIRA, 2009, p. 9). explorando Ideias No capítulo XX do Leviatã, é apresentado a diferença entre: Estado por aquisição – o poder soberano foi adquirido pela força, ou seja, o soberano foi eleito pelo medo que os homens tinham dele (de serem mortos ou postos em cativeiro– e Estado por instituição, em que os homens elegem um soberano por medo uns dos outros. Vemos que, dessa forma, os dois tipos de soberanias são instituídos por medo. E o domínio pode se dar dos seguintes modos: por geração – de pai para filho (tendo que contar com o consentimento do filho) –, ou por conquista – domínio conquistado ou vitória militar (despótico), de modo que o dominado se torna seu servo. Liberdade Para Hobbes, não é a vitória que confere o direito de domínio sobre o vencido, mas o pacto celebrado por esse. O filósofo dá uma ampla definição de liberdade, que não se restringe somente à liberdade humana, mas vai além, pois implica a noção de movimento: Liberdade significa a ausência de oposição (ou seja, de impedimentos ex- ternos do movimento). Essa liberdade é aplicada igualmente às criaturas inanimadas, irracionais e racionais. Há pelo menos dois tipos de impedimentos dos movimentos, U N ID A D E 3 102 um é a oposição oferecida por algum corpo externo, e o segundo é constituinte da própria coisa, daí não poder dizer que ela não tem liberdade, mas que lhe falta o po- der de se mover. Exemplos da primeira podem ser paredes ou cadeias, e da segunda, uma pedra quando está parada, ou um doente que se encontra preso à cama pela sua enfermidade. Pode-se, ainda, verificar um reforço desse argumento no seu: Tratado sobre el Ciudadano (Tratado sobre o Cidadão, Parte II, p. 85). Em síntese, parece que o es- forço, uma vez que implique movimento, estará, para Hobbes, subordinado, ainda, à liberdade desse movimento, que é, em termos gerais, a liberdade do súdito, dos objetos inanimados. A definição de homem livre que o filósofo nos fornece, em consequência do que foi expresso, é a seguinte:“[...]um homem livre é aquele que, naquelas coisas que graças a sua força e engenho é capaz de fazer, não é impedido de fazer o que tem vontade de fazer”. Quanto à expressão livre-arbítrio, não há aqui como inferir uma liberdade da vontade, desejo ou inclinação, mas tão somente a liberdade do homem, que consiste, nele, não deparar com entraves ao fazer o que tem vontade. Podemos nos perguntar, qual a participação de Deus nisso tudo? Ao que o autor responde: “Portanto Deus, que vê e dispõe todas as coisas, vê também que a liberdade que o homem tem de fazer o que quer é acompanhada pela necessidade de fazer aquilo que Deus quer, e nem menos que isso” (HOBBES, 1999a, p. 172). A Propriedade e as Leis Em Hobbes, o Estado se nutre via abundância e distribuição dos materiais neces- sários à vida, em seu acondicionamento e preparação, e uma vez acondicionados, a sua entrega para o uso público se dá por meio de canais adequados. A distribuição dessa nutrição é o que o nosso filósofo chama de constituição da propriedade. Se um monarca soberano, ou a maioria de uma assembleia soberana, pudesse dar ordens, segundo suas paixões e contrariamente a sua consciência, isso seria uma quebra da confiança e das leis da natureza. Hobbes fala do conselho, distinguindo-o da ordem, pois o primeiro deduz suas razões do benefício que tal acarreta para aquele a quem o diz. Já do segundo, o que se espera não é nada mais que a vontade de quem a diz. “Há portanto entre um conselho e uma ordem uma diferença: a ordem é dirigida para benefício de quem a dá, e o conselho para benefício de outrem” (HOBBES, 1999a, p. 201-202). U N IC ES U M A R 103 No Leviatã, a preocupação do autor, ao abordar as leis, não é falar de uma ou outra, ou seja, das leis particulares, mas o importante para ele é ressaltar o seu caráter geral. A Lei Civil é, então, definida: “ A lei civil é, para todo súdito, constituída por aquelas regras que o Estado lhe impõe, oralmente ou por escrito, ou por outro sinal suficiente de sua vontade, para usar como critério de distinção entre o bem e o mal; isto é, do que é contrário ou não é contrário à regra (HOBBES, 1999a, p. 207). Ele expõe, ainda, que os Estados cristãos castigavam a quem se rebelasse contra a reli- gião cristã; e quanto ao direito no estado de natureza, e depois como a lei já instituída: “ A natureza deu a cada homem o direito de se proteger com sua pró- pria força, e ao de invadir um vizinho suspeito a título preventivo, e a lei civil tira essa liberdade, em todos os casos em que a proteção da lei pode ser imposta de modo seguro (HOBBES, 1999a, p. 221). Fica mais claro, aqui, que um pecado não é apenas uma transgressão da lei mas é também o ato de manifestar desprezo pelo legislador (soberano). Dessa forma, esse desprezo é a violação de todas as leis, ao mesmo tempo, que pode se dar pela prática de um ato, pela pronúncia de palavras proibidas pela lei, da omissão do que a lei ordena ou, ainda, no próprio propósito de transgredir. Hobbes diferencia crime e pecado da seguinte maneira: “ Um crime é um pecado que consiste em cometer (por feito ou pa- lavra) um ato que a lei proíbe, ou em omitir um ato que ele ordena. Assim, todo crime é um pecado, mas nem todo pecado é um crime. [...]. Todo homem chegado ao uso da razão sabe que não deve fazer aos outros o que jamais faria a si mesmo (HOBBES, 1999a, p. 223). Sobre os Contratos Das paixões que o homem pode sofrer, a que mais o impede de violar as leis é o medo. Porém mesmo o medo pode, em muitos, casos levar a cometer um crime. No estado de natureza: “O homem é o lobo do homem”. Essa proposição que aparece, U N ID A D E 3 104 na obra Sobre o Cidadão, levanta a questão de que o homem, em um estado sem regulamentações, viveria de um modo perigoso, propenso ao ataque uns dos outros. Aqui, o homem está vivendo um momento anterior ao estado social. No estado de natureza, o que importa é mais o útil do que, propriamente, outros valores. “ Apesar de defensor do despotismo político e adversário da democracia política, Hobbes afirma que “todos os homens são naturalmente iguais”. Essa igualdade baseia-se no desejo universal de autopreservação, isto é, da procura do que é necessário e cômodo à vida. Com isso, fica esta- belecido um direito fundamental de autoconservação. Como todos os homens seriam dotados de força igual (pois o fisicamente mais fraco pode matar o fisicamente mais forte, lançando mão deste ou daquele recurso), e como as aptidões intelectuais também se igualam, o recurso à violência generaliza-se e complica-se, cada qual elaborando novos meios de destruição do próximo, com o que a vida se torna “solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta”, na qual cada um é lobo para o ou- tro, em guerra de todos contra todos. Assim, o estado natural exige uma saída com base no próprio instinto de conservação da vida. Deixado a si, o instinto de conservação é abertura para a violência que o reitera e, ao mesmo tempo, para a paz tática que prometa conservação. É esse o campo da lei natural. A concepção que Hobbes tem do estado de natureza distancia-o da maior parte dos filósofos políticos, que acredi- tam haver no homem uma disposição natural para viver em sociedade (MONTEIRO apud HOBBES, 1999a, p. 13-14). Quando na condição natural, o homem se vê frente aos desafios das intempéries da natureza, que traz consigo a privação do alimento e do gozo, muitas vezes, das coisas mínimas necessárias à sobrevivência, o lado animal, do lobo que quer se preservar, vem à tona. Em um estado de “iguais”, a pobreza, a solidão e outros privativos ressal- tam o embrutecimento do homem. Nesse contexto, temos que ressaltar ainda, a relevância da pena, que é o dano que a autoridade pública inflige a quem fez ou omitiu o que pela mesma autoridade é considerado transgressão da lei, a fim de que, assim, a vontade dos homens fique mais disposta à obediência. Já a recompensa pode ser de duas formas: por dádiva, que é um benefício proveniente da graça de quem o confere, com intuito de capacitar alguém para lhe prestar serviço; ou por contrato, aqui se diz contrato por salário ou ordenado, que é o benefício devido por serviços prestados ou prometidos. U N IC ES U M A R 105 Assim sendo, para que o homem possa gozar de relativa paz, faz-se necessário um contrato, que garanta uma vida mais longa, protegido da violência que poderia ser instaurada no estado de natureza. Uma vez que aconteça a dissolução do Estado, não por violência externa, mas por desordem indistinta, a causa não reside nos homens enquanto matéria, mas enquanto seus obreiros ou organizadores. 2 JOHN LOCKE: Estado e propriedade John Locke nasceu em 1632, em Wrington (Somerset, perto de Bristol), Ingla- terra, vindo a falecer no ano de 1704 em Otes (na região de Essex). A época em que Locke viveu era de uma política conturbada na inglaterra. Aos 10 anos de idade, vê iniciar-se a guerra civil, na qual seu pai, que também se chamava John Locke, atuou como capitão de cavalaria no exército do rei Carlos I. Aos 28 anos, já cansado da guerra, o filósofo Locke fica feliz com o retorno, naquele tempo, de Carlos II, momento esse em que se dá a Restauração. Seus textos, da época de 1660 e 1664, mostram o seu anseio pelo fim das hostilidades e o desejo de paz e segurança. Tais preocupações mostraram uma aproximação entre as teorias de Hobbes e as suas. U N ID A D E 3 106 Locke é considerado o pai do liberalismo polí- tico. Ele era contra o absolutismo monárquico, mas defende que haja uma intervenção mínima do Estado na sociedade. Em sua obra Dois Tra- tados sobre o Governo, ele justifica a Revolução Gloriosa, em que o Rei perde muito dos seus poderes, sendo assim, quem passa a governar de fato é o parlamento. Essa sua obra foi, ainda, o mais completo tratado sobre o Estado liberal, do qual se tem notícia até hoje. Qual é o fundamento da arte de governar? O que dá legitimidade para que o Estado gover-ne e quais seriam os limites até onde ele poderia ir? Em Hobbes, vimos que o Estado intervém em tudo, mas com Locke isso não acontece, de modo que o indivíduo pode viver à vontade. O homem teve um estágio pré-sociedade e esse era um estado de relativa paz. Aqui, podemos destacar que, pelo fato do homem ser racional teria direitos naturais: vida, liberdade, propriedade e felicidade. O Estado liberal seria um Estado regulador de algumas situações. O trabalho “impresso” na terra daria ao homem o direito à propriedade da terra. O x da questão da propriedade em Locke é que o adquirir terras, por meio do trabalho, é apenas uma das formas de poder consegui-la. Outra forma seria pelo dinheiro que as pessoas poderiam ganhar a partir da venda de produto excedente. Por exemplo, se ao plantar, a colheita for abundante, o homem pode vender esse excedente, angariar dinheiro e comprar mais terras. Percebemos que esses direitos são, ainda, anteriores à formação da sociedade civil. Carlos II de Inglaterra, Monarca britânico (1630-1685), rei da Grã-Bretanha e da Irlanda, nascido em Londres. Reinou entre 1660 e 1685. Casou com D. Catarina de Bragança, filha de D. João IV e de D. Luísa de Gusmão, em 1661. Das negociações para o esse casamento resultou o tratado anglo-luso do mesmo ano, nos termos do qual Portugal entregou a Carlos II a cidade e a fortaleza de Tânger e o domínio do porto e ilha de Bombaim. O rei- nado de Carlos II representou a pacificação do país e a restauração da monarquia, após as guerras civis entre católicos e protestantes e o regime republicano de Oliver Cromwell. Fonte: Porto Editora ([2019], on-line)4. conceituando U N IC ES U M A R 107 O estado de natureza Os direitos naturais, ou direitos dos homens, são as coisas inerentes a esses, como suas liberdades individuais e civis, governo representativo mínimo e constitucional, separação de poderes, o executivo e sua subordinação ao le- gislativo, defesa da propriedade privada, laicismo e tolerância religiosa. Para John Locke, alguém poderia se opor de alguma forma à defesa dos direitos naturais? Não, uma vez que agindo assim atentaria contra a vida de outro homem. Implementação do Estado não quer dizer a subjugação dos homens por meio da escravidão. O jusnaturalismo é parte da resposta e da proposta do filósofo, para a questão de se partir do modelo de vida do estado de natureza, em que os indivíduos constituem uma associação que independe de sua vontade. Se por um lado, essa passagem do estado de natureza para o estado civil não advém de uma evolução natural, como apregoava Aristóteles, por outro lado, era uma manifestação por meio de um contrato, por essa razão que o jusnaturalismo moderno é conhecido também como contratualista. Como já assinalamos, o homem continua com alguns direitos trazidos do estado de natureza. Sua liberdade se mantém, isto é, pode continuar a dispor de seus bens da forma que lhe aprouver. O que tem de fazer é observar os limi- tes colocados pela lei natural. A igualdade trata da condição na qual o poder e a jurisdição são recíprocos, havendo, dessa forma, um equilíbrio entre as possessões. Mesmo no tempo de Locke, a liberdade na condição natural não significava fazer o que cada um bem entendesse, já nesse estado havia uma lei natural que governa e obriga a todos. A quem caberia, então, executar a lei natural, para que essa tivesse seu efeito? Pelo fato de todos serem iguais, qualquer pessoa poderia castigar o culpado, colocando em prática a lei natural. Um dos maiores problemas em julgar (inclusive em causa própria) é que se pode cair num julgamento parcial, Para Locke, o dinheiro é uma mercadoria e é importante na medida em que tem valor de troca com outras mercadorias. Mas sua função não é apenas facilitar as trocas das coisas produzidas para o consumo. O objetivo característico do dinheiro é servir como capital. Mesmo a terra, Locke a vê simplesmente como uma forma de capital. Fonte: Macpherson (2005, p. 204). explorando Ideias U N ID A D E 3 108 excedendo no castigo. Corre-se, assim, o risco dos homens empreenderem vingança uns contra os outros. No estado de natureza, falta um juiz imparcial que dê auxílio à resolução das contendas. Há, inclusive, a possibilidade de se chegar em um estado de guerra, o qual é difícil reconduzir à paz. Vemos que, quem viola as leis de natureza ameaçando a vida de outro ou a propriedade de outro, põe-se em estado de guerra com esse. No início do capítulo III do segundo livro de sua obra Dois Tratados sobre o Governo, Locke diz o seguinte: “ O estado de guerra é um estado de inimizade e destruição; por- tanto, aquele que declara, por palavra ou ação, um desígnio firme e sereno, e não apaixonado ou intempestivo, contra a vida de outrem, coloca-se em estado de guerra com aquele contra quem declarou tal intenção e, assim, expõe sua própria vida ao poder dos outros e para ser tirada por aquele ou por qualquer um que a ele se junte em sua defesa ou adira a seu embate. Pois é razoável e justo que eu tenha o direito de destruir aquilo que me ameaça de destruição, já que, pela lei fundamental da natureza, como o homem deve ser preservado tanto quanto possível, quando nem todos podem ser preservados, a segurança do inocente deve ter precedência. E pode-se destruir um homem que promove a guerra contra nós (LOCKE, 2005, p. 396). Das condições, aqui, apresentadas do estado de natureza, o que precisa ficar claro é que a condição do homem melhora e,partindo da garantia de seguran- ça, ele passou também a esperar outros direitos naturais, como a liberdade, a propriedade, a vida. E que, mesmo com a necessidade da implantação da so- ciedade civil, o Estado apenas auxiliará o que já caminhava relativamente bem. E é justamente no estado de natureza que se compreende existir a perfeita liberdade e igualdade entre os homens, pois, todos têm o domínio sobre si mesmo e as leis da natu- reza que, cabem a todos de forma indiscriminada e sem restrições, não existindo subor- dinação nem sujeição de um em relação a outro. (Stenio da Paixão Ribeiro) pensando juntos U N IC ES U M A R 109 Criação do Estado O Estado será um juiz imparcial para resolver os conflitos do estado de nature- za. Fazendo isso, o Estado está exercendo asua função de preservar os direitos naturais. Isso seria, na visão de Locke, o Estado mínimo. O Estado tem ainda que oferecer proteção interna e externamente. Enquanto para Hobbes, o pacto pressupõe submissão; para Locke, pelo pacto, as coisas podem melhorar um pou- co mais, uma vez que o estado de natureza não é ruim, as pessoas já têm alguns benefícios, mas é possível melhorar. Na contraposição entre sociedade civil e Estado, podemos questionar: o Esta- do precisa existir? Sim, entretanto deve ser de uma intervenção menor possível, para que não suprima o liberalismo. Quanto ao sistema de governo, Locke resgata as formas de governo que Aris- tóteles já falava na antiguidade e pensa que a melhor forma seria colocar todos em funcionamento ao mesmo tempo. A Monarquia, com o rei; a Aristocracia, com a câmara dos lordes, e a democracia, com a câmara dos comuns. O Estado deve garantir as liberdades de pensamento, expressão e de culto. O Estado como garantia da Propriedade John Locke também trata da questão da vida no estado de natureza e de sua re- levância para a filosofia política. Ele não enxerga, nesse estado, necessariamente, uma guerra incessante. A liberdade não era causadora de um estado sem lei, porque ainda ali os homens seriam governados pela lei natural da razão. A pre- servação da vida ocorria, não havendo agressões nem mortes no intuito de se U N ID A D E 3 110 apossar do que era do outro. Mesmo no estado de natureza os homens podem possuir bens, inclusive a primeira propriedade que ele possui é seu próprio corpo e, ao crescer, sua capacidade de trabalho. Ao transformar a natureza e produzir coisas, esse seu trabalho será de sua propriedade. Assim sendo,o que ele vende não é a si mesmo, mas sua força de trabalho. Na segunda parte dos Dois Tratados sobre o Governo, no capítulo V, Da Propriedade, podemos ver que: “ Quer consideremos a razão natural - que nos diz que os homens, uma vez nascidos, têm direito à sua preservação e, portanto, à comida, bebida e a tudo quanto a natureza lhes fornece para sua subsistência - ou a revelação - que nos relata as concessões que Deus fez do mundo para Adão, Noé e seus filhos -, é perfeitamente claro que Deus, como diz O rei Davi (sl 115, 61), deu a terra aos filhos dos homens, deu-a para a humanidade em comum. Supondo-se isso, porém, parece ser da maior dificuldade, para alguns, entender como pode alguém che- gar a ter a propriedade de alguma coisa (LOCKE, 2005, p. 405-406). Todos, só pelo fato de terem nascido, já têm direito à pre- servação, isto é, ao mínimo ne- cessário para sua subsistência. Locke ressalta que o próprio Deus concede as benesses a todos, sendo, pois, importante entender como alguém pode ser proprietário de alguma coisa em detrimento de outros não terem nada. Os homens são donos de todo trabalho que realizam com suas próprias mãos. Ao anexar o trabalho às coisas que a natureza fornece, ficam os homens como que misturados ao próprio trabalho, daí poder tomar tais coisas como fruto de seu tra- balho. Ao trabalhar com uma determinada coisa, que antes era de pertencimento comum, também de outros homens, tal coisa fica pertencente somente a ele, porque foi ele quem a transformou. Entretanto, esse pertencimento das coisas aos homens que as trabalhou fica condicionado ao fato de que: não falte aos outros. U N IC ES U M A R 111 Uma vez que todos fossem colocados em pé de igualdade, quem seria o verdadeiro proprietário das coisas? E se ainda todos forem iguais, quem vai julgar as questões em geral e mesmo essa primeira? Essa reunião dos homens objetiva que haja uma fruição do direito de propriedade que, apesar de ser possível no estado natural, não traz uma certeza e uma segurança. A ideia de unir os homens em uma comunidade seria fazer com que a propriedade fosse preservada. Da mesma forma que se dá em Hobbes, na teoria de Locke, é o pacto que instituirá a sociedade civil, capaz de julgar em defesa do direito de propriedade para todos. Para Locke, o contrato se apresenta pelo fato dos homens terem dado seu consentimento, não para se submeterem a algum poder comum, mas para que concordem em se preservar, garantindo tudo o que desfrutaram no estado de natureza, e esse era o objetivo principal para Locke, e depois poder assegurar outras coisas mais possíveis com a formação da sociedade civil. O casamento seria o grande reforçador das características do contrato que institui a sociedade política, porque nele os indivíduos envolvidos, o homem e a mulher, podem ver partindo deles a decisão de se unirem, e isso é o que possibilita a instauração da sociedade. Pelo fato de serem homens livres por natureza, isso os faz iguais e inde- pendentes. Isso faz com que não possam ser expulsos de suas propriedades e submetidos ao poder político de outros sem que consintam disso poder acontecer. A renúncia à liberdade natural está ancorada no fato do sujeito ver vantagens nos laços que se cria com a sociedade, pelo gozo da paz, pela garantia da propriedade, e poderem desfrutar de alguma proteção. Daí ser constituído uma comunidade ou governo, um corpo político no qual a maioria tem direito de agir e resolver por todos os demais. O que John Locke quer fazer, não é implementar a renúncia da liberdade, mas promover uma nova forma de liberdade, que conte com o apoio da so- ciedade civil. Há, ainda, aqui, a preservação daquela liberdade do estado de natureza, mas com sua ampliação. Se os direitos naturais forem preservados, isso fará com que o Estado não seja visto como um mal necessário, mas pela realização dos direitos humanos, que preservam a propriedade e garante que se possa acessar a felicidade. U N ID A D E 3 112 Contrato e Sociedade Política ou Civil A lei natural era o que nor- teava a vida no estado de natureza. Como já assina- lamos, a inexistência de um juiz imparcial, para regular as situações, era um fator complicante. Assim sendo, vai-se de um estado pacífico para as situações conturba- das, em um piscar de olhos, o que acarreta a instauração do estado de guerra. Uma vez que muitos sucumbem aos conflitos, vê-se a necessi- dade de instituir a sociedade civil, de modo que o governo poderá atuar como juiz, podendo resolver os conflitos aí existentes. Quando de sua entrada no estado civil, os homens ainda, conservam todos os seus direitos, exceto um, o de fazer justiça por si mesmo. Temos, aqui, a grande representação do estado liberal. Deve ocorrer que o poder político deve ser limitado, já o poder econômico deve ter estímulo. Uma vez que todos os homens são livres, iguais e independentes por natureza, não se deve retirar o indivíduo de tal condição e sujeitá-lo ao poder político, sem que ele consinta. Tal consentimento deve ser manifesto por meio do contrato social. E é esse contrato que representa a passagem do estado de natureza para a sociedade civil. Nos Dois Tratados sobre o Governo, livro II, capítulo VII, diz Locke: “ Portanto, sempre que qualquer número de homens estiver unido numa sociedade de modo que cada um renuncie ao poder executivo da lei da natureza e o coloque nas mãos do público, então, haverá uma sociedade política ou civil. E tal ocorre sempre que qualquer número de homens no estado de natureza entra em sociedade para formar um povo, um corpo político sob um único governo, ou então quando qualquer um se junta e se incorpora a qualquer governo já formado. Pois com isso, essa pessoa autoriza a sociedade ou, o que vem a ser o mesmo, o legislativo desta a elaborar leis em seu nome segundo o exija o bem público, cuja execução sua própria assistência (como se fossem decretos de sua própria pessoa) é devida (LOCKE, 2005, p. 460). U N IC ES U M A R 113 Uma vez que o corpo político tenha sido constituído, esse era regido pela maioria. De modo que cada indivíduo se reconhecesse como parte inte- grante de uma totalidade. Essa era, para John Locke, a forma dos homens não precisarem regressar ao estado de natureza. Entra-se, aqui, no esquema jusnaturalista, em que a resposta para as coisas é baseada no princípio da maioria. Não é o consenso da maioria que dita as regras, mas corresponde à natureza das coisas. No tocante, ainda, à questão contratualista, é importante destacarmos a co- locação de Ames (2012) sobre a forma tradicional e o modo como Locke agiu: “ Na doutrina contratualista tradicional o pacto de associação con- verte uma multidão num povo, enquanto que o pacto de sujeição forma o governo. Estes dois pactos representam dois momentos da formação do corpo político: o primeiro cria o corpo social, o segundo produz o governo. Ao longo da obra de Locke não se encontra qualquer referência explícita ao segundo pacto. O silêncio sobre o segundo contrato não significa, porém, que Loc- ke não reconhecesse a distinção dos dois momentos. Quando a sociedade se dissolve devido a uma guerra civil, por exemplo, extingue-se também o governo, mas este pode desaparecer sem acarretar a dissolução da sociedade. Isto significa que a constitui- ção da sociedade e a constituição do governo são coisas distintas, representando dois momentos diferentes da formação do Estado (AMES, 2012, p. 120-121). Cada um foi constituído para um fim: o povo na sociedade visava manter os direitos bons que tinham outrora, e o governo tinha a função mais específica de proteger as pessoas no Estado. Houve até mesmo críticas das ideias de Loc- ke que diziam não ser possível realizar contratos, uma vez que, na história, não havia exemplos de grupos de homens independentes e iguais que tivessem se reunido para estabelecer um governo por contrato. Locke refuta tal argumen- to, dando o exemplo da formaçãode Roma e Veneza. O mesmo ocorreria em alguns estados, onde o vínculo com este não se transmitia ao filho. E o filho poderia escolher entre a cidadania do pai ou uma outra cidadania. Uma vez que aceitasse tomar posse dos bens de herança que os pais deixaram, teria de aceitar pertencer ao país onde se localizava tais bens. U N ID A D E 3 114 Jean-Jacques Rousseau nasceu em Genebra, na Suíça (1712-1778). Teve ao longo de sua vida várias profissões: aprendiz de escriturário, secretário, educador, funcionário do registro público de imóveis, copista de partitura, maestro, compositor de ópera e dramaturgo. Nesse tempo, passou, além de sua cidade em Genebra, na Suíça pelos seguintes países: Itália e França. O filósofo não era um exemplo moral, admitindo em sua obra Confissões ter cometido roubos, mentiras, entregue-se à preguiça, difa- mação de moças inocentes, além é claro do chocante episódio para um educador, em que, por não saber o que fazer com os filhos, manda-os para um orfanato. Entretanto o nosso objeto de estudo aqui é mais propriamente a política. O filóso- fo genebrino escreveu durante o que foi chamado de Século das Luzes, período em que ocorreram mudanças decisivas de mentalidade e de comportamento. Mu- danças essas que teriam começado com o Renascimento do século XV. Para Rousseau, Hobbes se equivoca 3 A VONTADE GERAL EM JEAN-JACQUES ROUSSEAU U N IC ES U M A R 115 ao pensar e concluir que o homem natural é mau, por não ter nenhuma ideia de bondade, ou mesmo que ele seja corrupto por não conhecer a virtude. Para o filósofo de Genebra, Hobbes teria visto muito bem o defeito de todas as definições modernas de direito natural, mas as consequências que tira de sua formulação sobre a mesma questão apresentaria os mesmos problemas, isto é, também seria falsa. Liberdade O ponto central do Contrato Social de Rousseau, é justamente seu início: “O homem nasce livre, e por toda parte encontra-se a ferros” (ROUSSEAU, 1997a, p. 53). Essa assertiva não tem sentido, aqui, para ele de irrestrição, mas sim de passagem da liberdade natural para a liberdade convencional. Pode-se perceber, ao ler a teoria de Rousseau, que o problema que ele põe em destaque, aqui, é de que forma a natureza original do homem pode se conciliar com a existência em sociedade? Essa nova ordem social que está para ser constituída, não vem a se fundar na natureza fundamental do homem, em seu substrato físico e mental, mas sim em suas convenções. Mesmo a família se mantém por convenção, se fugir a isso age voluntariamente. O homem tem como sua primeira lei sua própria conservação, e só aliena sua liberdade em proveito próprio. O Estado moderno visa sua própria conservação. A sociedade age de modo a impedir o homem de ser bom, porque está fundada somente no amor próprio, o que impede os homens de serem felizes. Para que o mais forte seja sempre senhor, teria que transformar sua força em direito e a obediência em dever. O problema dessa atitude é o que o próprio filósofo assinala: “ [...] desde que a força faz o direito, o efeito toma lugar da causa. Uma vez que não há homem que tenha autoridade natural sobre seus semelhantes e que a força não produz nenhum direito, fica es- tabelecido como base de toda a autoridade legítima existente entre os homens, as convenções. Renunciar à liberdade é o mesmo que renunciar à qualidade de homens, aos direitos da humanidade, e inclusive aos próprios deveres. [...] nulo é o direito de escravidão não só por ser ilegítimo, mas por ser absurdo e nada significar (ROU- SSEAU, 1997a, s.p.). U N ID A D E 3 116 Antes de qualquer atitude a ser tomada, tem-se que remontar a uma conven- ção anterior, em que uns mandam e outros obedecem. Como exemplifica e quer Grotius, que povo pode dar-se a um rei, deve-se examinar e conhecer, segundo Rousseau, antes o ato pelo qual um povo é povo. Uma vez que os homens se defrontam com a impossibilidade e subsistem por seus próprios meios no estado de natureza, ou seja, como simples indivíduos, fazem um contrato que rege daqui para adiante seu modo de vida. Há, aqui, uma “forma de associação que defenda e proteja as pessoas e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mes- mo, permanecendo assim tão livre quanto antes” (ROUSSEAU, 1997a ,s.p.). Nasce aqui, então, um corpo moral e coletivo, chamado ainda de corpo político. Vontade geral Rousseau expõe que, entre o corpo político ativo e seus componentes, surge uma questão ímpar do contrato social, essa é a vontade geral, que, por sua vez, é sempre certa e que, não podendo errar, jamais agirá contra a liberdade de qualquer membro que seja do corpo social. Dentro do Estado civil, o que o homem ganha e o que ele perde, por participar deste contrato, fica claro uma vez que distingamos entre a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto, porventura, poder alcançar, e ganha a liberdade civil e a propriedade de tudo que possui. O próprio Rousseau, no Contrato Social, Livro Segundo, Capítulo III, é claro na diferenciação do que seja realmente a vontade geral e como essa difere da vontade de todos. “ Há comumente muita diferença entre a vontade de todos e a vonta- de geral. Esta se prende somente ao interesse comum; a outra, ao in- teresse privado, e não passa de uma soma das vontades particulares. Quando se retiram, porém, dessas mesmas vontades, os a-mais e os a-menos que nela se destroem mutuamente, resta, como soma das diferenças, a vontade geral. [...]. E, finalmente, quando uma dessas associações for tão grande que se sobreponha a todas as outras, não se terá mais como resultado uma soma das pequenas diferenças, mas uma diferença única - então, não há mais vontade geral, e a opinião que dela se assenhoreia não passa de uma opinião particu- lar. Importa, pois, para alcançar o verdadeiro enunciado da vontade U N IC ES U M A R 117 geral, que não haja no Estado sociedade parcial e que cada cidadão só opine de acordo consigo mesmo (ROUSSEAU, 1997a, p. 91-92). Como bem assinala Ames (2012), anteriormente à filosofia de Rousseau, na Filosofia Política, tínhamos a definição de dois sujeitos fundamentais, que eram, de um lado, o príncipe (detentor do mando), e o povo (aqueles que obedeciam). O filósofo de Genebra, porém, vem a redefinir de modo radical essa visão. Ago- ra, o corpo político é constituído por cidadãos livres e iguais, o que impossibilita que se continue qualquer forma de submissão pessoal. Não tem mais o pacto de submissão, o que se firma nesse momento é um pacto de associação. O que ocorre é que, pela renúncia plena dos direitos e poderes naturais em favor da co- letividade, há a formação do corpo político, em que a vontade é a vontade geral. Propriedade A fundação da sociedade civil está estreitamente conjugada com a questão da propriedade. No início da segunda parte do Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, Rousseau coloca que: “O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer, isto é, meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo” (ROUSSEAU, 1997b, p. 87). Muitos coisas ruins teriam deixado de acontecer se alguém tivesse se colocado contra tudo isso, desde o início. Essa crítica, no entanto, traz o reconhecimento do fato de que: além das coisas não poderem permanecer da forma como estavam, era essa passa- gem para a sociedade civil fruto de muitas ideias que vinham amadurecendo de longa data, desde outrora. O estabelecimento da propriedade trouxe uma transformação verdadeira. Com o cultivo da terra, deu-se origem à propriedade, e com ela veio a desigualdade. E da desigualdade é que se criou a ambição, o desânimo dos pobres, o estado de guerra, a escravidão (SÉE, 1982). O domínio real (e o autor entende real como: “das coisas”, ou “sobre as coisas”) deve obedecer a certas condições.Dado que, no Estado civil, o pri- meiro ocupante tem direito, mesmo sobre o mais forte, à posse da terra, deve ainda respeitar que: primeiro, o terreno não seja ainda habitado por outrem; segundo, que ocupe só a porção necessária à sua subsistência, e, terceiro, que a posse não seja uma cerimônia vã, mas pelo trabalho e pela cultura. “Esses U N ID A D E 3 118 são os únicos sinais que devem ser respeitados pelos outros na ausência de títulos jurídicos” (ROUSSEAU, 1997a, s. p.). Em seu Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade en- tre os Homens (1997), ao tratar da questão do trabalho, o filósofo genebrino expõe a seguinte suposição quando a uma possível condição ao homem: a de que a população, uma vez que venha a aumentar, de modo que as produções da natureza não sejam suficientes para alimentar a todos. Apesar da vantagem de ter a condição de ser humano, suponha-se, ainda, que os instrumentos de trabalho lhes tenham caído do céu em suas mãos, e esse tenha, ainda, vencido o ódio mortal que todos têm pelo trabalho contínuo. E continua dizendo desses homens terem, agora, aprendido a prever suas necessidades, adivinhado como se cultiva a terra e a fazer as demais atividades. Dito isso, ele faz a seguinte colocação: “qual seria depois disso, o homem suficientemente insensato para atormentar-se com a cultura de um campo de que o despo- jaria o primeiro a chegar, fosse indiferentemente homem ou besta, e a quem conviesse essa colheita?” (ROUSSEAU, 1997b, p. 68). No momento em que não estivesse a propriedade ainda instituída, o que poderia fazer com que alguém, no seu sensato juízo, propusesse-se a plantar e cuidar de uma cultura que, mais que provável, certamente, outro colheria e daria cabo? Rousseau indaga, dessa forma, como podem os homens continuar a cultivar a terra, sem que essa seja dividida entre eles? Sem a instituição da propriedade que garante a possibilidade de divisão das terras, realmente seria algo complicado convencer alguns a realizar esforços em vão. Daí a necessi- dade de firmar um pacto entre os homens. “ [...]o pacto fundamental, em lugar de destruir a igualdade natural, pelo contrário substitui por uma igualdade moral e legítima aquilo que a natureza poderia trazer de desigualdade física entre os ho- mens, que podendo ser desiguais na força ou no gênio, todos se tornam iguais por convenção e direito (ROUSSEAU, 1997a, p. 81). A partir do segundo livro do Contrato Social, é apresentado um estudo mais por- menorizado da estrutura e comportamento da soberania, com o que se prepara a definição da lei, para depois formulá-la. U N IC ES U M A R 119 Soberano Para Rousseau, a soberania é indivisível pela mesma razão que é inalienável, uma vez que a vontade é geral (que visa o bem comum) ou não é, é a vontade do corpo do povo ou somente de uma parte. É possível que o poder seja sempre certo e tenda sempre à utilidade pública, mas isso não significa que as deliberações do povo apre- sentem sempre a mesma exatidão. “Salvo em caso de deperecimento e perversão, a vontade geral nunca erra” (ROUSSEAU, 1997a). O que o pacto social faz é estabe- lecer uma determinada igualdade entre os cidadãos, em que eles se comprometem todos nas mesmas condições e devem todos gozar dos mesmos direitos. O Estado, caso esteja em estado de guerra, uma vez que precise das vidas de seus súditos, pode delas fazer uso. “ Ora, o cidadão não é mais juiz do perigo do qual a lei quer que se exponha e quando o príncipe lhe diz: É útil ao Estado que morras, deve morrer, pois foi exatamente por essa condição que até então viveu em segurança e que sua vida não é mais mera dádiva da na- tureza, porém um Dom condicional do Estado. Só se tem o direito de matar mesmo para exemplo, aquele que não se pode conservar sem perigo (ROUSSEAU, 1997a, p. 101). Se pelo pacto social foram dadas existência e vida ao corpo políti- co, uma vez que o ato primitivo pelo qual o corpo se forma e se une não determina aquilo que ele deve fazer para se conservar, é pela legislação que lhe será dado movimento e vontade, “[...] a matéria sobre a qual se estatui é geral como a vontade que a es- tatui. A esse ato dou o nome de lei” (ROUSSEAU, 1997a, p. 106- 107). Quando Rousseau diz que os objetos das leis são sempre gerais, é porque a lei considera os súditos como corpo e as ações como abstratas, jamais como um indivíduo ou uma ação particular. U N ID A D E 3 120 A tarefa do legislador é mais difícil que a do próprio soberano que, tão so- mente, precisa segui-la. Há ainda legisladores que recorrem a Deus (deuses) para persuadir aqueles que a razão humana não persuade. O bom legislador avalia quais tipos de leis são mais convenientes a cada povo, pois não adianta dar leis que um povo não consiga cumprir (ROUSSEAU, 1997a). Os sistemas de legis- lação devem visar precisamente, como sua finalidade primordial, dois objetos: à liberdade e a igualdade. A primeira porque qualquer dependência particular corresponde a outro tanto de força tomada ao corpo do Estado, e a igualdade porque a liberdade não subsiste sem ela (ROUSSEAU, 1997a). No livro III do Contrato Social, Rousseau se dedica, de modo mais compene- trado, ao estudo do governo. A princípio, ele parece realizar a questão de forma geral, visando estabelecer um critério para avaliar as várias formas de organiza- ções governamentais. Seria o governo, segundo sua visão, um corpo intermédio entre o soberano e os súditos, servindo assim de mediador e equilíbrio dessa relação. Ao firmar distinção entre o poder executivo e a realidade estatal, já se detectava grandes abusos políticos, ficando difícil dizer qual seria a melhor forma de governo, se a monarquia, aristocracia ou a democracia. Segundo Rousseau: “ [...]nos vários Estados, o número de magistrados superiores deve estar em razão inversa à do número de cidadão, conclui-se daí que em geral o Governo democrático convém aos Estados pe- quenos, o aristocrático aos médios e o monárquico aos grandes (ROUSSEAU, 1997a, p. 148). Há momentos em que são ressaltados os pontos negativos e positivos de se viver numa democracia, tais como: ser contra a ordem natural governar a maioria e ser a menoria governada; cita um pensador virtuoso da Polônia que dizia: “Prefiro a liberdade perigosa à tranquila servidão”. A igualdade não poderia subsistir por muito tempo no direito e na autoridade etc. A aristocracia era a forma de governo das primeiras sociedades. Essa forma de governo teve um bom andamento, até que a desigualdade da instituição prevaleceu sobre a desigualdade natural, sendo daí que a riqueza ou o poder foram preferidos à idade, daí a aristocracia ter se tornado eletiva (os bens agora eram junto ao poder transmitidos dos pais aos filhos). A aristocracia se divide em três: a natural, que só convém a povos simples; a hereditária, que é a pior, e a eletiva, que é o melhor governo, pois é a aristocracia propriamente dita, estabelecida por eleição (ROUSSEAU, 1997a). U N IC ES U M A R 121 O príncipe é visto como uma pessoa moral e coletiva unida pela força das leis e de- positária, no Estado, do poder executivo. Mas Rousseau falará agora da monarquia, em que o poder reunido nas mãos de uma pessoa natural, de um homem real, está enfim nas mãos daquele único que tem o direito de dispor dele, segundo as leis. A esse se chama monarca, ou rei. Mesmo adverso a esse regime, o filósofo aceita, ao menos teoricamente, como uma das formas possíveis de governo legítimo. O corpo político, cedo ou tarde, terá sua morte, ele já traz em si, desde o seu nascimento, as causas de sua morte. Porém, é mais vigoroso o corpo político que tem clareza, e o princípio da vida política reside na autoridade soberana. “Onde o poder legislativo é o coração do Estado, o poder executivo, o cérebro, que dá movimento a todas as partes. O cérebro pode paralisar-se e o indivíduo continuar a viver”, mas não se o coração parar (ROUSSEAU, 1997a, p. 178). Uma vezque os homens reunidos em um único corpo formam o estado, esse é fruto de sua busca de conservação e bem-estar geral, em que todos de- vem se guiar pelas soluções mais simples, vinda de homens simples. As divisões em facções só vêm a enfraquecer o Estado. É o fim da vontade geral? Não, esta sempre será constante, inalterável e pura. No livro IV, cap. I do Contrato Social, vê-se que quanto mais unanimidade, mais dominante será a vontade geral. Já as dissenções e os túmultos causam o declínio do Estado. Quanto ao pacto social, esse é a única lei que exige consentimento unânime. O consentimento unânime, em outro caso (que não seja o pacto), leva à servidão, pois afeta a liberdade e a vontade. A vontade da maioria é igual a vontade geral. A respeito das eleições, temos as que se dão pela sorte, em que Rousseau discorda com Montesquieu, que diz ser a melhor, pois pertence a natureza da democracia; e a que se dá pela escolha, em que, na aristocracia, o príncipe escolhe o príncipe, pois o governo se conserva por si mesmo. E, nela, cabem melhor os sufrágios. Onde os costumes, talentos e fortunas fossem iguais, a escolha pela sorte não teria problemas. Onde O fato básico da política não é o governo. O governo, para Rousseau, é um mal necessário, porque os homens necessitam direção no exercício da liberdade. Quanto menos governo houver, tanto melhor. Existe uma grande preocupação em limitar a esfera do governo e em impedir que contradiga a vontade geral. Por causa da tendência de controlar a vonta- de geral, o governo é visto sempre com desconfiança. Fonte: Ames (2012, p. 140). explorando Ideias U N ID A D E 3 122 há escolha e sorte juntas, há cargos que necessitam de talentos especiais, tal como os cargos militares. O monarca é o único que escolherá seus auxiliares diretos (ROUSSEAU, 1997a). É atribuído ao tribunato conservar as leis e o poder legislativo, outras vezes pode proteger o soberano contra o governo. Pelo fato de tribunato não ser parte constitutiva da polis, não deve, portanto, ter porção alguma do poder executivo nem do legislativo, porém é aqui que reside sua força, seu poder, pois uma vez que nada pode fazer, tudo pode impedir. Semelhante ao governo, o tribunato enfraquece uma vez que seja multiplicado seus membros. Rousseau pensava que o estado ideal para que o homem vivesse seria o pró- prio estado de natureza. Como podemos verificar, por exemplo, nessa passagem de sua obra Emílio ou da Educação: “ [...]quanto mais o homem permanece perto de sua condição natural, mais a diferença de suas faculdades com seus desejos se faz pequena e menos, por conseguinte, ele se acha longe de ser feliz. Ele não é nunca menos miserável do que quando parece desprovido de tudo; pois a miséria não consiste na privação das coisas e sim na necessi- dade que delas se faz sentir (ROUSSEAU, 1968, p. 63). Os homens eram sadios, bons e felizes enquanto cuidavam de sua sobrevivência, porém uma vez reconhecendo que seria impossível continuar assim, no estado de natureza, chega o momento em que é criada a propriedade, e uns passam a trabalhar para os outros, fato que gera escravidão e miséria. Tem-se que passar também para a vida em sociedade. Mas não no regime monárquico, mas numa democracia, e esse regime é preferível, mesmo que se pense estar mais seguro em outra forma de governo, por exemplo, o monárquico ou aristocrático. Como ele citou no Contrato Social, e que já referimos, anteriormente, ele explana o que dis- se o palatino: “prefiro a liberdade perigosa, à tranquilidade servidão”. Em Hobbes, uma vez que o soberano erre, não pode ser punido, porque é ele mesmo quem atribui as penas, e fazendo isso não irá consequentemente punir a si próprio; nem mesmo o povo pode lhe punir, pois uma vez que o instituíram soberano, ou mesmo que esse o seja por força, ele representa o corpo todo de cidadãos, assim, querendo o penalizar, estariam penalizando a si mesmos. Já para Rousseau, o que impera é a vontade geral, que é fruto do contrato social e sempre certa, e não podendo, jamais agirá contra a liberdade de qualquer membro do corpo social. U N IC ES U M A R 123 Por falar em liberdade, esse conceito tem importância fundamental para os fi- lósofos. Para o filósofo francês, o contrato realizado pelos homens, ao formar a sociedade civil, “desloca-os” da liberdade natural, em que não precisava prestar satisfação de seus atos, para a liberdade convencional. Por convenção, os homens passam a ter, por exemplo, que respeitar as leis; conquistar terras não mais pela força, mas pelo trabalho, de modo a justificar seu uso: “O homem nasce livre, e por toda parte encontra-se a ferros”, vem lhe propor que obedeça às convenções. De outro lado, Hobbes vê a liberdade do homem naquilo que, graças a sua força, e engenho é capaz de fazer, não sendo impedido de tal ação que, porventura, tenha vontade de fazer. Vemos, aqui, que diferente do sentido empregado por Rousseau ao termo, ele incute a questão do impedimento ou não do movimento. Para Rousseau, o Estado de Natureza, é o estado de felicidade original, em que desconhecem as lutas e se comunicam pelos gestos, gritos e cantos. Esse seria um modo selvagem e inocente, mas que tem seu fim quando alguém diz: “Isso é meu”. Ocorre a divisão entre o meu e o teu, isto é, a propriedade privada é estabelecida, originando-se, assim, o Estado de Sociedade. U N ID A D E 3 124 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pudemos entender que para Hobbes, Locke e Rousseau, o contrato teve papel importante para uma melhor organização da humanidade. Em Hobbes, o Estado vem substituir o estado de natureza, fazendo com que a insegurança seja dissipada, propiciando a paz necessária à vida e ao desenvolvimento. A primeira ideia, então, é a conservação de si próprio, esquivando-se da violên- cia, e para que não se caia numa anarquia, o Estado deve ser instituído. A teoria política de John Locke, de viés liberal, já enxergava no estado de natureza um bom desenvolvimento ‘social’ e uma certa paz. Entretanto o filósofo queria a implantação do estado, para que houvesse a possibilidade de se julgar e resolver os conflitos, firmando assim a preservação dos direitos naturais. Da primeira propriedade do homem, que era seu próprio corpo e depois seu trabalho, passa-se pela questão de sua preservação, podendo contar com um mínimo necessário à sua subsistência. Tudo isso acarretará, como assinalamos a pouco, em um liberalismo de propriedade e conservação dessa e de si mesmo. Com Jean-Jacques Rousseau vimos que o estado de natureza era bom. Mas o fato de um homem não ter direito natural sobre seu semelhante pressiona para que seja adotada uma nova ordem social, por meio das convenções. A forma como Rousseau propõe uma forma de associação visa defender as pessoas e os bens de cada associado, fazendo com que a vontade geral, que é a expressão do interesse comum, possa ser exercida. No sistema político, o filósofo diz que: onde o poder legislativo é o coração do Estado, o poder executivo é o cérebro que dá movimento a todas as partes. Enfim, o contratualismo acabou por compreender os fundamentos que le- varam a uma avaliação do modo de vida no estado de natureza, e a importân- cia de se fazer um pacto social que contou com o acordo expresso da maioria dos indivíduos para a formação do Estado e as garantias por ele oferecidas. 125 na prática 1. Para Hobbes, o fim último do homem é sua conservação e uma vida satisfeita. O que ele quer é se livrar da mísera condição de guerra, a “guerra de todos contra todos”, apesar dessa ser consequência natural das paixões dos homens, quando da ausência de um poder capaz de manter o respeito, forçando-os por medo do castigo a cumprirem seus pactos e respeitarem as leis de natureza (que são a justiça, a equidade, a modéstia, a piedade, enfim, fazer aos outros o que queremos que nos façam). “Seria um mal menor suportar uma lei injusta que permitir a cada um decidir da justiça das leis” (FERREIRAFILHO, 2002, p. 41). Tomando como base o que foi dito acima, quais as opções corretas? ( ) Para Hobbes, o medo impulsiona a formação do Estado. ( ) Segundo Rousseau, o “estado de guerra” deve ser implantado para que poste- riormente se obtenha melhores resultados. ( ) Sempre houve, como apregoou Hobbes, e sempre haverá miséria, independen- te de como o governante realiza sua administração. ( ) Mesmo havendo alguma lei injusta, para Locke, compensa aderir à formação do Estado, uma vez que esse pode “garantir” a proteção dos indivíduos e o estado de natureza apresenta o risco da guerra de todos contra todos. ( ) É melhor, para Rousseau, condicionar-se a um estado que lhe ofereça alguma garantia, do que permanecer no estado de natureza, no qual, apesar de ter maior liberdade, corre-se mais riscos. 2. Os homens são donos de todo trabalho que realizam com suas próprias mãos. Ao anexar o trabalho às coisas que a natureza fornece, ficam os homens como que misturados ao próprio trabalho, daí poder tomar tais coisas como fruto de seu tra- balho. Como podemos analisar essa passagem frente à teoria de John Locke? 126 na prática 3. Rousseau, no Contrato Social, Livro Segundo, Capítulo III, sobre a vontade geral: Há comumente muita diferença entre a vontade de todos e a vonta- de geral. Esta se prende somente ao interesse comum; a outra, ao interesse privado, e não passa de uma soma das vontades particula- res. Quando se retiram, porém, dessas mesmas vontades, os a-mais e os a-menos que nela se destroem mutuamente, resta, como soma das diferenças, a vontade geral. (...) E, finalmente, quando uma des- sas associações for tão grande que se sobreponha a todas as outras, não se terá mais como resultado uma soma das pequenas diferen- ças, mas uma diferença única - então, não há mais vontade geral, e a opinião que dela se assenhoreia não passa de uma opinião particu- lar. Importa, pois, para alcançar o verdadeiro enunciado da vontade geral, que não haja no Estado sociedade parcial e que cada cidadão só opine de acordo consigo mesmo (ROUSSEAU, 1997a, p. 91-92). Assinale Verdadeiro (V) ou Falso (F): ( ) A vontade geral é melhor para os homens do que a vontade de todos, uma vez que essa primeira pensa o bem da sociedade como um todo. ( ) Uma associação muito grande prejudica o resultado da soma de pequenas diferenças, em quenão se pode mais falar, nesse caso, de vontade geral. ( ) Rousseau quer instaurar um novo liberalismo, em que, com a formação do Estado, os homens poderão continuar a fazer tudo o que faziam antes. 4. A definição de Locke sobre o estado de natureza é a seguinte: “homens vivem juntos segundo a razão e sem um superior comum sobre a Terra, com autorida- de para julgar entre eles” (II, 19). O estado de natureza está regulado pela razão (diferentemente de Hobbes) e é possível que o homem viva em sociedade, mas se carecem desse “poder decisivo de apelo, tais homens se encontrarão ainda no estado de natureza” (II, 89). Em outras palavras, “a ausência de um juiz comum dotado de autoridade coloca todos os homens em um estado de natureza” (II, 19)(VÁRNAGY, 2006, p. 59). A partir desse texto responda o que motiva, para Locke, a formação do Estado”? 127 na prática 5. O fim último, causa final e desígnio dos homens (que amam naturalmente a liber- dade e o domínio sobre os outros), ao introduzir aquela restrição sobre si mesmos sob a qual os vemos viver nos Estados, é o cuidado com sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita. Quer dizer, o desejo de sair daquela mísera condição de guerra que é a consequência necessária (conforme se mostrou) das paixões naturais dos homens, quando não há um poder visível capaz de os manter em respeito, forçando-os, por medo do castigo, ao cumprimento de seus pactos e ao respeito àquelas leis de natureza[...]” (HOBBES, 1999a, 141). Referente ao texto, aqui, citado de Hobbes, assinale as alternativas corretas, colocando (V) para Verdadeiro e (F) para Falso. ( ) O homem quer sair do estado de natureza para alcançar um liberalismo se- melhante ao proposto por Rousseau. ( ) Viver sob o Estado é se impor restrições, mas é, ao mesmo tempo, assegurar a própria preservação. ( ) A formação do Estado não exclui necessariamente o medo. Do medo das incer- tezas, passa-se ao medo do soberano. Entretanto, para Hobbes, essa condição é melhor, uma vez que traz mais segurança. ( ) O desrespeito é uma coisa natural, portanto, deve-se viver do jeito que der. ( ) As paixões naturais dos homens geravam desentendimentos, e isso era com- parável para Hobbes ao estado de guerra de todos contra todos. 128 aprimore-se O CONTRATUALISMO NA IDADE MODERNA DOS SÉCULOS XV A XVIII: UMA TEORIA POLÍTICO-FILOSÓFICA DE VIÉS ILUMINISTA Após a invenção da imprensa, por Johannes Gensfleisch Zur Laden Zum Gutem- berg (1395-1468), no século XV, na Alemanha, há o advento do Iluminismo (tam- bém denominado Idade da Ilustração, Século das Luzes ou Época do Esclarecimen- to), o qual, de acordo com Santos (2016), consistia em um movimento filosófico e artístico-literário que se estendera de 1680 a 1780 (século XVIII) e analisava a sociedade a partir de uma perspectiva racional, sendo assim originário da teoria mecanicista do cientista inglês Isaac Newton (1642-1727), pela qual os fenômenos se explicam por conjuntos de causas mecânicas, ou seja, de forças e movimentos. Grosso modo, pode-se dizer que o Iluminismo foi um amplo movimento reacioná- rio contra o Antigo Regime (o Absolutismo), que obtivera grande repercussão prin- cipalmente na França e na Inglaterra (VAZ, 2007), sendo considerado o apogeu da centralização monárquica na Europa durante a Idade Moderna, nos séculos XV-X- VIII. Diante disso, as transformações ocorridas nesses períodos históricos levaram os pensadores de tais épocas a buscar explicações sobre os homens e a vida social em sentido amplo, desencadeando o surgimento de diferentes teorias que fossem capazes de solucionar, ao menos em parte, os conflitos e as guerras sociais exis- tentes. Outra questão latente que ocupou bastante os filósofos da Idade Moderna (séculos XV a XVIII) foi a justificação racional para a existência das sociedades hu- manas e a criação do Estado. Conforme apontado por Cotrim (2006, p.276), essa questão apresentou-se, de modo geral, nos seguintes moldes: Qual é a natureza do ser humano? Qual é o seu “estado natural”? – em suas diversas conjecturas chegaram, em geral, à conclusão básica de que os homens são, por natureza, li- vres e iguais. Como explicar, então, a existência do Estado e como legitimar seu poder? – Com base na tese de que todos são naturalmente livres e iguais, deduzi- ram que, em dado momento, por um conjunto de circunstâncias e necessidades, 129 aprimore-se os homens se viram obrigados a abandonar essa liberdade e estabelecer entre si um acordo, uma aliança, um pacto social ou um contrato social, o qual teria dado, por consequência, origem ao Estado (ou à sociedade civil) por excelência. A res- posta para estas indagações conduziu, portanto, os filósofos iluministas da Idade Moderna, no século XVIII, às concepções de “estado de natureza” (“estado natu- ral” ou “estado de natureza original”) e Estado Civil (ou Estado Moderno). Dentre as principais contribuições do Iluminismo, pode-se citar uma das mais influentes correntes de pensadores iluministas no contexto da Teoria Política: os contratua- listas; dando destaque especial às denominadas teorias contratualistas (ou teorias políticas contratualistas) elaboradas cada qual de forma diferenciada, segundo critério cronológico específico, por Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632- 1704) e Jean Jacques Rousseau (1712-1778). Nesse contexto, cabe-nos então per- guntar: o que significa contratualismo? Em sentido muito amplo, o contratualismo compreende todas aquelas teorias políticas que veem a origem da sociedade e o fundamento do poder político (chamado,quando em quando, potestas, imperium, Governo, soberania, Estado) num contrato, isto é, num pacto social, num acordo tácito ou expresso entre a maioria dos indivíduos; acordo esse que assinalaria o fim do “estado natural” e o início do Estado Social e Político. Com efeito, num sen- tido mais restrito, por tal termo se entende uma escola (filosófica) que floresceu na Europa entre os começos do século XVII e os fins do XVIII, aproximadamente, e teve seus máximos expoentes em J. Althusius (1557- 1638), T. Hobbes (1588-1679), B. Spinoza (1632-1677), S. Pufendorf (1632- 1694), J. Locke (1632-1704), J. J. Rous- seau (1712-1778), I. Kant (1724- 1804), dentre outros renomados teóricos. Vale sa- lientar que por escola (filosófica) concebe-se não uma comum orientação política, mas o comum uso de uma mesma sintaxe ou de uma mesma estrutura conceitual para racionalizar a força e alicerçar o poder no consenso. Fonte: Bobbio (1998, p.272) e Santos e Henich (2018, p. 38). 130 eu recomendo! A Teoria Contratualista do Estado: Convergências e Diver- gências em T. Hobbes, J. Rousseau e J. Locke Autor: Gustavo Granado Editora: Gramma Sinopse: o modo como Granado trata do contratualismo expõe convergências e divergências entre Thomas Hobbes, Jean-Jac- ques Rousseau e John Locke. A obra oportuniza o conhecimento de um mesmo problema, mas sob diferentes perspectivas. Cada uma das teorias será analisada separadamente, tentando estabelecer entre alas um certo diálogo, o que ressalta alguns aspectos da política. livro Ética, direito e política: a paz em Hobbes, Locke, Rousseau e Kant Autor: Paulo César Nodari Editora: Paulus Sinopse: nesta segunda indicação, propomos uma leitura em que as vidas dos homens desembocam na paz, por meio da segurança que é transmitida com a formação do Estado, perpassando ques- tões de ética, direito e política e suas implicações. Além de tratar das épocas de Hobbes, Locke, Rousseau e Kant, a obra também traz uma análise sobre o momen- to atual, no que compete à globalização, tecnociência e os mais variados tipos de violência. livro Os Três Mosqueteiros Ano: 2011 Sinopse: esse filme é uma adaptação de uma das obras de Alexan- dre Dumas, contendo muita ação e aventura. Mas para além das aventuras, o filme mostra as artimanhas e as disputas pelo poder que mobilizavam os povo inglês e o povo francês no século XVII. filme https://www.amazon.com.br/s/ref=dp_byline_sr_book_1?ie=UTF8&field-author=Gustavo+Granado&search-alias=books anotações 4 A FILOSOFIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA PROFESSOR Esp. Silvanir Aldá PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • O Pensamento Político de Han- nah Arendt: crítica ao Totalitarismo • Norberto Bobbio: o Futuro da Democracia • A Sociedade Justa em John Rawls. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Entender o que é a política em Hannah Arendt e como se dá a banalidade do mal dentro do contexto do totalitarismo • Verificar a possibilidade de implantação dos mais variados tipos de democracia em diferentes sociedades • Compreender a noção de sociedade justiça e os problemas internos à justiça, como o caso da equidade. INTRODUÇÃO Na filosofia contemporânea, trataremos das teorias de três filósofos de peso: Hannah Arendt, Norberto Bobbio e John Bordley Rawls. Uma conversa que parte de um dos, senão o mais horrendo evento da his- tória mundial, que foi o nazismo, a anulação do ser humano no campo de concentração, em nome de um ideal genético e perfeito de homem. Percorreremos, depois, na contramão do nazismo, a discussão sobre a democracia, não só da questão desta ser representada pelo povo, como do fato dela emanar do povo. Teríamos encontrado uma forma de go- verno melhor que a democracia? Até onde poderemos chegar com ela? Qual é o seu limite? Essas e outras respostas estão ligadas, ainda, aos limites do próprio homem. Com John Rawls veremos a necessidade das instituições levantarem a ‘bandeira’ da justiça. Como organizar a sociedade sem que essa esteja fundamentada na justiça? Deve haver um constante repensar, para que toda vez que se identifique teorias injustas possa haver as correções necessárias ao bom crescimento social. Arendt pensou os elementos opressores presentes, em um dos que foram conhecidos como mais cruéis regimes totalitários, o Nazismo. Nesse, o isolamento aparecerá como fator preponderante e pré-requisito da tirania, de modo avassalador. Com Bobbio, verificaremos que, na democracia, o poder emanará do povo, ela vem desse lugar comum. A democracia é composta tanto da democracia representativa quanto na democracia direta. Na antigui- dade, o envolvimento e o comprometimento com as coisas públicas fora algo muito apreciado. A democracia é um dos temas de maior destaque na teoria política desse autor, sendo, para ele, um regime democrático ruim melhor que qualquer regime totalitário. Em Rawls, veremos que seu liberalismo político reage ao debate dos liberais. O que ele fará é tentar trabalhar uma concepção de justiça como equidade. Sua visão contratualista trata da distribuição de bens sociais, a qual apresentará o critério de justiça. U N ID A D E 4 134 1 O PENSAMENTO POLÍTICO DE HANNAH ARENDT: crítica ao Totalitarismo Pouco ou quase nunca ouvimos falar de filósofas, mesmo na Modernidade. Se por um lado, poucas foram as filósofas; por outro, suas teorias deixaram marcas profundas, principalmente no campo da política. Trataremos, aqui, especificamente, de Hannah Arendt (1906-1975), filósofa alemã, de origem judaica, com expressão notável, prin- cipalmente na filosofia política do século XX. Sua obra trata dos seguintes assuntos: política e autoridade, suas reflexões têm, inclusive, um caráter pedagógico, acrescenta- -se à lista, ainda, as questões sobre o totalitarismo, o trabalho, a violência, pluralismo, liberdade, igualdade no âmbito político e a condição da mulher na sociedade. A Condição Humana A obra de Hannah Arendt, Origens do Totalitarismo, foi publicada em 1951. E a A Condição Humana publicada em 1958. Nessa última, ela faz mais do que dar uma resposta à questão da possibilidade do totalitarismo. Sua obra torna-se uma fenomenologia das atividades humanas fundamentais, no campo do que ela chamava de vida ativa. A vida ativa compreendia, para a filósofa, três tipos de atividades do homem: o trabalho (manutenção da vida), a obra (produção de algo novo) e ação (vida pú- blica, política). Essa distinção feita entre obra e trabalho tem um caráter inovador. U N IC ES U M A R 135 “ Ao defender esta distinção, ela argumenta que todas as línguas euro- peias possuem duas palavras de etimologia diferente para designar o que hoje para nós é uma mesma atividade, e curiosamente elas con- servam as duas palavras mesmo elas sendo usadas como sinônimas. Neste sentido, a palavra trabalho nunca designa o produto final; já a palavra correspondente a obra, ao contrário, deriva do nome do próprio produto. No mundo ocidental o desprezo pelo trabalho, que resulta da luta do homem contra a necessidade e todo o seu esforço que não deixa qualquer vestígio ou obra que seja digna de ser lembra- da pode ser o motivo, segundo a autora, pelo qual esta distinção per- maneça durante bastante tempo ignorada (CAMARGO, 2013, p. 191). Para Arendt o fato, por exemplo, de que, na Grécia antiga, valorizava-se tanto o trabalho quanto a obra, fundava-se na necessidade de se ter escravose, es- pecialmente, por se considerar a natureza servil das ocupações pertinentes à manutenção da vida. A liberdade do cidadão grego estava fundada no fato dele subjugar os outros homens pelo viés da necessidade. Trabalho e obra não eram considerados, na antiguidade clássica, coisas distintas. Os dois eram per- tencentes à casa privada (oikos), assinalando necessidades a serem supridas, ao contrário do que se dava na esfera pública. O homem é um animal social ou político.O que regula as atividades dos homens é o fato de viverem juntos. Realizar um trabalho não requer neces- sariamente a presença de outros, mas ao trabalhar na mais completa solidão não o tornaria exatamente ‘humano’, mas um animal laborans. Ao fabricar ou construir algo, o homem seria um fabricador, mas não um homo faber, Arendt questiona se seria ele um demiurgo divino, como dizia Platão (ARENDT, 2010, p. 26). O agir e o estar juntos poderiam, ainda, arremeter ao zoon politikon de Aristóteles, ao animal socialis de Sêneca ou o homem por natureza política e social de Tomás de Aquino. Quando se faz a substituição social pela significação política, fica claro o quanto se tinha perdido a originalidade da compreensão grega da política. “Para tanto, é significativo, mas não decisivo, que a palavra ‘social’ seja de origem romana e não tenha equivalente na língua ou no pensamento gregos” (ARENDT, 2010, p. 27). A condição do homem no domínio público ocorreu a partir do domínio privado da família e do lar. Nesse sentido, o que fez a polis deixar de violar a vida privada de seus cidadãos e, como sagrados, os limites que cercavam cada pro- priedade não foi o respeito à propriedade privada, mas o fato de possuírem casa. U N ID A D E 4 136 O que é Política? Autora de uma obra com esse mesmo título, O que e po- lítica?, em meados de 1950, aborda a temática da plu- ralidade dos homens.O ho- mem é uma criação de Deus e esse produto de suas mãos tem uma natureza humana. Para Arendt, tanto a filosofia quanto a teologia sempre se ocuparam do homem e isso se estenderia, ou melhor, con- tinuaria a acontecer mesmo que houvesse apenas um homem, ou dois, ou mesmo que esses fossem idênticos uns aos outros. Seria devido a isso que não encontra- ram, ainda, uma resposta válida para a questão: “o que é política?”, do ponto de vista filosófico. Para as várias áreas das ciências, existe, meramente, o homem. Na filosofia, na biologia, na teologia, na psicologia. Da mesma forma que acontece em outras áreas, como na zoologia, em que existe apenas o leão. Voltemos mais diretamente para o campo da política. Hannah Arendt critica as obras da filosofia política em relação às outras obras dos grandes pensadores, inclusive Platão. A falta de profundidade de pensamento na política seria fruto da própria falta de profundidade da política. Além do que: Na segunda parte da obra, Origens do totalitarismo: antissemitismo, imperialismo, tota- litarismo, a autora aborda o Imperialismo e expõe a crise dos direitos humanos. Neste ítem, Arendt disserta sobre a insuficiência dos direitos humanos, pois a vida, defendida na declaração dos direitos humanos, conjugada com a idéia de nação, é abstrata, natural, biológica. A defesa abstrata da vida foi incapaz de barrar o mal radical, a descartabilidade dos homens como seres capazes de pensar e agir. Esse processo inicia-se com a desna- cionalização, gera um contingente enorme de refugiados e se transforma no leitmotiv do domínio total e do extermínio. Fonte: adaptado de Aguiar (2008, p. 76-77). explorando Ideias U N IC ES U M A R 137 “ A política trata da convivência entre diferentes. Os homens se orga- nizam politicamente para certas coisas em comum, essenciais num caos absoluto, ou a partir do caos absoluto das diferenças. Enquanto os homens organizam corpos políticos sobre a família, em cujo qua- dro familiar se entendem, o parentesco significa, em diversos graus, por um lado aquilo que pode ligar os mais diferentes e por outro aquilo pelo qual formas individuais semelhantes podem separar-se de novo umas das outras e umas contra as outras. Nessa forma de or- ganização, a diversidade original tanto é extinta de maneira efetiva como também destruída a igualdade essencial de todos os homens. A ruína da política em ambos os lados surge do desenvolvimento de corpos políticos a partir da família. Aqui já está indicado o que se torna simbólico na imagem da Sagrada Família: Deus não criou tanto o homem como o fez com a família (ARENDT, 2006, p. 2). Podemos ver que para a filósofa, as famílias são fundadas como abrigos e, ainda, como castelos sólidos em um mundo inóspito e estranho. A filosofia não se limita a meramente encontrar o lugar onde a política surge. Em um primeiro momento, podemos falar na questão do homem ser um Zoon Politikon, que fala da questão de que, no homem poderia haver algo que fizesse com que a política pertencente à sua essência. Entretanto, para Arendt, isso não procede. Onde então surgiria a política? Essa surgiria entre os homens. Não haveria nenhuma substância política original, uma vez que essa surgiria no intra-espaço, estabelecendo-se como relação, e para Hannah Arendt, o filósofo Thomas Hobbes teria compreendido bem essa questão. A filósofa assinala que se tornaria difícil compreender que devemos ser livres de fato num campo, isto é, onde não seríamos movidos nem por nós mesmos, in- dependentemente do material dado. A tarefa da política é construir um mundo tão transparente para a verdade como parece ter sido transparente a criação de Deus. Arendt assinala que, ao se tentar falar sobre política em sua época, deve-se avaliar os preconceitos que todos temos contra a política, e isso pode se dar pelo fato de não sermos políticos profissionais. Esses preconceitos seriam comuns, representando inclusive algo de político no sentido mais amplo da palavra: “não brotam da soberba das pessoas cultas e não são culpados do cinismo delas, que viveram demais e com- preenderam de menos” (ARENDT, 2006, p. 25). Ela analisa que haveria o risco de a política desaparecer do mundo. Os preconceitos se antecipam e é nesse momento que se corre o risco de se ‘jogar a criança fora com a água do banho’. Parece haver uma confusão acerca daquilo que seria o fim da política com a política em si mesma. U N ID A D E 4 138 Apesar do preconceito contra a política, os medos quanto à invenção da bom- ba atômica eliminar a vida na face da terra, incluindo a questão de outros tipos de violência, deve haver a esperança de que a humanidade tenha juízo, não chegando a tal ponto de extinguir a si mesma. O que deveria ser eliminado parece ser tais tipos de política. Precisaríamos da ação de um governo mundial, quanto à questão colocada acima. A máquina administrativa deve ser capaz de por fim a esses conflitos. Os exércitos deveriam ser substituídos por tropas policiais. Todavia seria ‘utopia’ pensar dessa forma, uma vez que a política expõe em geral uma relação que se dá entre dominadores e dominados. O Totalitarismo Arendt se interessou por elemen- tos totalitários do marxismo. Em sua obra, As Origens do Totalita- rismo, ela vem a traçar um perfil abrangente dos elementos crista- lizados no totalitarismo nazista. Houve, na época, quem a criticou por não dar um tratamento igual à questão do bolchevismo. O isolamento tem a ver com o modelo totalitário. O isolamento, para Arendt, é um pré-requisito da tirania e essa destruição causa mais destruição ou torna capaz de agir, o que termina por destruir a esfera comum. Depois que Hanna Arendt escreveu: “Ideologia e terror: uma nova forma de governo”, a filósofa investigou quais seriam os elementos totalitários do marxismo. Em outra obra sua, vemos ainda: “ A versão definitiva de A Condição Humana, mais que uma resposta à pergunta sobre como e porque foi possível o totalitarismo e mais que um exame da relação entre totalitarismo e tradição, conver- teu-se em fenomenologia das atividades humanas fundamentais no âmbito da vida ativa - o trabalho, a obra ou fabricação e a ação (CORREIA apud ARENDT, 2010, p. 23). U N IC ES U M A R 139 Os elementos últimos dessa citação, já nos referimos no início desse trabalho sobre Arendt. Posterior às experiências nazista e stalinista, para a filósofa, te- mos que nos questionar qual seria o significado da política, uma vez que, para Arendt, a política preserva o sentido de liberdade, coisa da qual careceram detantas pessoas subjugadas por regimes totalitários. Não pode entrar nessa definição de política programas que promoveram a desumanização, a eugenia, transformando o ser humano num objeto para pesquisa, ou mesmo para des- cartar por não se enquadrar no estereótipo dito “ideal”. Seria a política, que fora exercida de modo totalitário, responsável pela trans- formação da natureza humana, elevando o mal a seu nível mais radical, absoluto e imperdoável? Haveria, ainda, a ocultação das ações não políticas, ou mesmo antipolíticas? O próprio termo, política totalitária já é por si mesmo contraditório. Os regimes totalitários vem, ao longo do tempo, fazendo sua “catequização” ou, expressando num termo melhor, sua “politização”, termo que deprecia muito o sentido original da boa política. O modo como agem leva as pes- soas a aprovar as razões liberais? Liberdade e política seriam, de fato, coisas incompatíveis? Só haveria política sob os ditames do Estado. Mas Hannah Arendt traz esse questionamento. Seria a liberdade uma coisa a-política, ou seria, uma liberdade política? A política teria algum sentido e, mesmo, o que de fato ocorre na política? O que acontece é que a perplexidade diante das catástrofes do século XX, conjuga- da à destruição total, pode possibilitar que a humanidade e toda vida orgânica possa ser eliminada. Não se tratava somente de uma decisão poĺitica em uma guerra de extermínio, mas acabou mostrando uma certa aversão pela política. Parece ter havido uma ilusória extinção da mesma. Para Arendt, a “política” levou à desumanização dos indivíduos no campo de concentração. O que resultou na extinção do fenômeno humano está incrustado nos preconceitos contra, inclusive, as sociedades atuais. Uma vez que a política se identifica com a violência, isso faz emergir no seio da sociedade a violência de modo desenfreado. Os interesses pessoais, e porque não dizer egoístas e mesqui- nhos, corrompem e quanto maior o poder dirigido por esses interesses escusos, o poder absoluto tem o poder de corromper mais ainda. Se os indivíduos se comportam de modo apático e passivo, renunciando à própria cidadania, essa condenação do poder seria correspondente a um ‘desejo inarticulado das mas- sas’, o que tem gerado uma fuga à impotência (TORRES, 2007, p. 236). U N ID A D E 4 140 O julgamento de Eichmann em Jerusalém e a banalidade do mal Para Hannah Arendt, o tota- litarismo é a miséria da po- lítica. Ao tratar da questão de Eichmann, ela se espanta ao vê-lo se apresentar como um tipo assustadoramente comum e normal, um zeloso cumpridor de ordens, mas que tem dificuldade de julgar so- bre o bem e o mau uma vez que julgar o bem e o mau é, realmente, necessário. Eichmann pode ser con- siderado o maior carrasco nazista. As autoridades o en- contraram e capturaram no subúrbio de Buenos Aires em 1960, na Argentina, onde estava morando, foragido há anos. Entretanto seu julga- mento em Jerusalém, uma cidade judia, foi um marco para a justiça contra o que fora feito aos judeus durante o nazismo. Hannah Arendt pediu para acompanhar o julgamento, representando a Revista The New Yorker, após, relatou os fatos sob uma perspectiva política e filosófica. Com uma reflexão até hoje atual, Arendt traz à tona o que seria a figura de um funcionário mediano, metido com as burocracias e que não tinha capacida- de de refletir sobre seus próprios atos. E isso poderia representar uma ameaça à democracia. Aquele sujeito, atrás da cabine blindada, sempre, representou o papel de um funcionário honesto e obediente, sempre pronto a cumprir as metas e a lei. Seguindo-se todos os trâmites da lei, Eichmann é processado, defendido e julgado, mas algo que intriga fortemente a todos é o fato de que se questiona se teriam os judeus, por meio de seus líderes, colaborado com sua própria U N IC ES U M A R 141 destruição. Quanto a Eichmann, ele não tinha problemas de consciência, obe- decendo de forma incondicional ao seu líder, Hitler. Era um gigantesco traba- lho organizacional, onde esse funcionário teria de ‘resolver a questão judaica’. “ Eichmann, quando é ouvido no banco dos réus, tem presente de forma muito tranquila em seu discurso que apenas “transportava os judeus”, não se sentindo em momento algum o responsável pela morte deles. A mediocridade de Eichmann espanta, afinal, era incapaz de pensar, de transcender o que representavam seus atos e atitudes. Tinha para si apenas o cumprimento de uma ta- refa, enaltecendo que a sua maior honra era sua lealdade. Nesse sentido, encontra-se a banalidade do mal, a que inviabiliza a ca- pacidade para juízos morais. Trata-se de apenas um burocrata zeloso, seguidor de regulamentos, orgulhoso de quando completa suas tarefas com êxito, mesmo que essas tarefas sejam encami- nhar judeus para câmaras de gás, valas de morte ou, ainda, cam- pos de concentração (KONRAD, 2014, p. 53-54). Aqui, parece se destacar o sentimento de impunidade que a “guerra” imputa às pessoas, que tendo o aval do estado para matar ou ajudar a matar, o fazem sem se envolverem com o fato em si. Não há uma preocupação em pensar para distin- guir o que seja o bem e o mal, o bom e o ruim, acompanhando o julgamento de Eichmann e a descrição de seu trabalho de Chefe da Seção de Assuntos Judaicos, Arendt constata a alienação moral que se deu por parte dos oficiais nazistas. Nem em seu próprio julgamento, muitos anos depois das atrocidades nazistas, Eichmann não teria se dado conta das crueldades que cometeu. Um dos artifícios dos quais se muniam alguns nazistas seria, por exemplo, o uso de argumentos, como que eufemismos. Em vez de dizer ‘Que coisas horríveis eu fiz com as pessoas’, os assassinos poderiam dizer “Que coisas horríveis eu tive de ver na execução dos meus deveres, como essa tarefa pesa sobre os meus ombros! ” (ARENDT, 1999, p. 122). O que Arendt tentou fazer, quanto ao julgamento de Eichmann, não foi concordar com o que ele fez, como alguns tentaram acusá-la, mas sim tentar entender seu pensamento. Tentar conciliar a mediocridade desse homem com seus atos abomináveis. Do que resulta que, ao se esquivar de pensar no que fazia, deixava também de elaborar juízos morais. U N ID A D E 4 142 Norberto Bobbio nasceu em Turim, na Itália, no dia 18 de outubro de 1909. Filho de um renomado médico-cirurgião, teve a oportunidade de frequentar as me- lhores escolas. Com formação em Direito, especializou-se em Filosofia. Chegou a participar de um grupo de oposição ao regime fascista, foi preso em 1935. Bobbio participou do Partido de Ação, considerado um grupo de radicais de esquerda. Como assinalamos, era contrário ao fascismo e, quanto ao comunismo, até aceitava dialogar referente aos temas da li- berdade, justiça social e democracia. Sendo inclusive esse último tema o viés pelo qual enveredaremos aqui nossa discussão. Bob- bio teve ainda oportunidade de visitar a China de Mao Tsé Tung, decepcionando-se quanto ao ‘modelo’ de comunismo viven- ciado por essa, uma vez que tinha pouco a ver com as ideias de Marx e Hegel. Sen- do assim, não acreditava em um modelo de socialismo que não fosse voltado para a questão da liberdade. O filósofo faleceu em Turim, Itália, no dia 9 de janeiro de 2004. 2 NORBERTO BOBBIO: o futuro da Democracia U N IC ES U M A R 143 Tendo escrito vários livros ao longo da carreira, destacamos aqui as se- guintes obras: “Teoria da Ciência Jurídica” (1950), “Política e Cultura” (1955), “Teoria das Formas de Governo” (1976), “Qual Socialismo?” (1976), “As Ideo- logias e o Poder em Crise” (1981), “Estado, Governo e Sociedade - Para uma teoria geral da política” (1985), “O Futuro da Democracia” (1986) e as obras- -primas da literatura moral e autobiográfica: “Tempo de Memória” (1996) e “Elogio da Serenidade” (1997). A Dicotomia: Público/Privado Na história social do ocidente pode se falar da divisão entre o que é público e o que é privado. Ao longo do tempo, não só as disciplinas jurídicasorganizaram e deli- mitaram seu campo de investigação dessa forma. Bobbio dá nesse caso, o exemplo do campo das ciências sociais, onde tem-se: paz/guerra, democracia/autocracia, sociedade/comunidade, estado de natureza/estado civil (BOBBIO, 1997, p. 13). Outra dicotomia que vem a somar à questão acima é a da sociedade de iguais e sociedade de desiguais. Uma vez que o direito é um ordenamento de relações sociais: entre iguais e entre desiguais. Qualquer sociedade organiza- da, e mesmo o Estado, tem em sua esfera pública, seja total ou parcialmente, características de subordinação entre governantes e governados, isto é, entre quem detém o poder de comandar e aqueles que se destinam a obedecer, chegando-se, assim, a uma relação de desiguais. Bobbio assinala que em seu tempo, na linguagem política, a expressão ‘so- ciedade civil’ era empregada geralmente como um dos termos que representa a grande dicotomia sociedade civil/Estado. Vejamos a passagem que ‘ilustra’ isso: “ Na linguagem política de hoje, a expressão “sociedade civil” é geral- mente empregada como um dos termos da grande dicotomia socie- dade civil/Estado. O que quer dizer que não se pode determinar seu significado e delimitar sua extensão senão redefinindo simultanea- mente o termo “Estado” e delimitando a sua extensão. Negativamente, por “sociedade civil” entende-se a esfera das relações sociais não re- guladas pelo Estado, entendido restritivamente e quase sempre tam- bém polemicamente como o conjunto dos aparatos que num sistema social organizado exercem o poder coativo (BOBBIO, 1997, p. 33). U N ID A D E 4 144 O Estado, apesar de exercer um poder coativo, acaba sendo necessária sua im- plantação. Na citação anterior, extraída da obra: Estado, Governo, Sociedade - Para uma Teoria Geral da Política, Bobbio ressalta que a sociedade civil não é a condição ideal, por trazer junto a si os aparatos coativos, integrantes de um sistema de controle distante da efetividade ‘positiva’ que o Estado pode fornecer. “ Remonta a August Ludwig von Schlozer (1974) - tendo sido conti- nuamente retomada pela literatura alemã dedicada ao assunto - a distinção entre societas civilis sine imperio e societas civilis cum imperio, na qual a segunda expressão indica aquilo que na grande dicotomia é designado com o termo “Estado”, num contexto em que, como se verá depois, ainda não nasceu a contraposição entre socie- dade e Estado e basta um único termo para designar um e outra, em- bora com uma distinção interna em espécies. Com a noção restritiva do Estado como órgão do poder coativo, que permite a formação e assegura a persistência da grande dicotomia, concorre o conjunto das ideias que acompanharam o nascimento do mundo burguês: a afirmação de direitos naturais que pertencem ao indivíduo e aos grupos sociais independentemente do Estado e que como tais limi- tam e restringem a esfera do poder político (BOBBIO, 1997, p. 33). Fica posto que antes da formação da sociedade civil, predominava o Estado, sen- do esse o detentor do poder coativo. Ao se falar em sociedade civil, deve-se falar também em Estado. Entretanto, a sociedade civil não seria totalmente regulada pelo Estado, uma vez que esse seria, como citamos, uma esfera do poder coativo. A Democracia em Norberto Bobbio A democracia se constitui em um dos temas centrais na teoria política de Norberto Bobbio. A ideia dele era implementar suas ideias democráticas, em que ele diz que mesmo o modelo de regime democrático mais distante do ideal não seria tão ruim como os regimes totalitários ou autocráticos. U N IC ES U M A R 145 Nesse sentido, temos a concepção processual ou teoria das regras constituti- vas da democracia, que, por sua vez, constituem o que seria a ‘regra do jogo’ nesse campo. O autor colocará em cena o debate sobre a democracia representativa e a democracia direta, essas formas de democracia não são alternativas ou exclu- dentes, como poderia pensar alguém que fizesse uma análise básica das mesmas nos tempos atuais e, ainda, sobre a relação entre liberdade e igualdade bem como suas diferenças. E no texto: ‘O futuro da Democracia’, Bobbio compara os ideais democráticos com a situação concreta. Para que se chegue a um acordo, ao se tratar da democracia como antônimo dos governos autocráticos, essa deve ser considerada portadora de um conjunto de regras (primárias e fundamentais), que dirão quem irá tomar as decisões co- letivas e quais os procedimentos a serem adotados. Os grupos sociais têm que, obrigatoriamente, tomar decisões vinculatórias para todos os seus membros, tendo em vista que seja provida a própria sobrevivência interna e externamente. Tais atitudes constituem o que o pensamento democrático bobbiano nomeou de ‘significado formal de democracia’, que sob a ótica do regime democrático cons- titui, mais propriamente, um conjunto de regras de procedimento para formar as decisões coletivas, das quais os interessados podem participar mais amplamente. “ De acordo com Bobbio, é inerente a qualquer regime democrático a instituição de normas e leis que regulem o “jogo” das disputas po- líticas. Com o advento do Estado moderno, passou-se a estabelecer previamente em constituições um conjunto de regras que tratassem da forma de como o poder político seria disputado e exercido em um dado país. Na visão do autor, a existência de tais regras caracte- riza um regime como “democrático”, visto que num estado “autocrá- tico” o poder nunca está em disputa, e o povo jamais é chamado para tomar alguma decisão. Nesta perspectiva, as “regras do jogo” valem como condição da democracia (PEREIRA, 2012, p. 54). Em um regime autocrático não há necessariamente regras para o jogo, porque não se trata de algo justo e participativo. Bobbio reforça as diferenças existentes entre as formas de governo democráticas e as formas não democráticas. O regi- me democrático trata da adoção por parte deste do referido conjunto de regras que regulam, de modo antecipado em Lei, quem está autorizado a decidir pelo coletivo e de que forma proceder. De acordo com Norberto Bobbio, há regras que podem constituir um instrumento diagnóstico para medir o grau da democracia U N ID A D E 4 146 dentro dos regimes políticos. Bobbio enumera seis regras que ele classifica como ‘procedimentos universais’, isto é, normas que podem ser encontradas em qual- quer regime ao qual se tenham dado o nome de democrático. “ 1. Todos os cidadãos que alcançaram a maioridade, sem distinção de raça, religião, condição econômica e sexo, devem desfrutar dos direitos políticos, ou seja, todos têm o direito de expressar sua própria opinião ou de escolher quem a exprima por eles; 2. O voto de todos os cidadãos deve ter o mesmo peso; 3. Todas as pessoas que desfrutam de direitos políticos devem ser livres para poder votar de acordo com sua própria opinião, formada com a maior liberdade possível por meio de uma concorrência livre en- tre grupos políticos organizados, competindo entre si; 4. Devem ser livres também no sentido de ter condições de escolher entre soluções diferentes, ou seja, entre partidos que têm programas diferentes e alternativos; 5. Seja por eleições, seja por decisão coletiva, deve valer a regra da maioria numérica, no sentido de considerar o candidato eleito ou considerar válida a decisão ob- tida pelo maior número de votos; 6. Nenhuma decisão tomada pela maioria deve limitar os direitos da minoria, particularmente, o direito de se tornar, por sua vez, maioria em igualdade de con- dições (BOVERO, 2010, on-line)5. São essas as regras importantes para se aplicar à vida política. Entretanto não existe para o filósofo aqui abordado, na história, algum regime político que tenha conseguido seguí-las todas na plenitude de conteúdo que elas trazem. Haveria apenas “graus de aproximação do modelo ideal, por isso é lícito falar de regimes mais ou menos democráticos” (BOBBIO, 2000, p. 367). U N IC ES U M A R 147 Os fundamentos da democraciaPara Norberto Bobbio, a democracia dos antigos e a democracia dos modernos tornaram-se assuntos que não podem ser desvinculados dos currículos. Trata- -se de duas diferenças, a saber, a analítica e a axiológica. Descritivamente, a democracia dos antigos era entendida como uma demo- cracia direta, já os modernos como uma democracia representativa. A demo- cracia traz à mente o dia das eleições, com suas longas filas, em que os cidadãos esperam para depositar seu voto na ‘urna’. O filósofo questiona se, a cada queda de ditadura, instala-se um regime democrático. O que ocorre é que, na demo- cracia atual, o voto não é para decidir, mas para eleger quem decidirá. Na formulação hoje mais corrente, o liberalismo é a doutrina do “Estado mínimo” (o mini- mal state dos anglo-saxões). Ao contrário dos anarquistas, para quem o Estado é um mal absoluto e deve, pois, ser eliminado, para o liberal o Estado é sempre um mal, mas é ne- cessário, devendo, portanto, ser conservado dentro de limites os mais restritos possíveis. Fonte: Bobbio (2000, p. 89). explorando Ideias Para Bobbio, as dificuldades de se seguir as regras, aqui citadas, podem ser verificadas, recorrendo a investigação de um regime democrático concreto. Fazendo isso, pode-se verificar o desvio existente entre o que está posto no enunciado das regras e o modo como elas são aplicadas na realidade, de modo a tornar possível perceber quais são as democracias reais mais democráticas e as que são menos democráticas. U N ID A D E 4 148 “ Quando descrevemos o processo de democratização ocorrido ao lon- go do século XIX nos diferentes países que hoje chamamos de demo- cráticos, nos referimos à ampliação progressiva, mais rápida ou mais lenta segundo os diferentes países, do direito de eleger os representan- tes, ou então à extensão do processo eleitoral a partes do Estado, como a Câmara alta, na qual os membros eram habitualmente nomeados pelo soberano. Nada mais. Um dos maiores teóricos da democracia moderna, Hans Kelsen, considera elemento essencial da democracia real (não da democracia ideal, que não existe em lugar algum) o mé- todo da seleção dos líderes, ou seja, a eleição (BOBBIO, 2000, p. 372). Ao povo foi dado o direito de eleger um representante. Citando a afirmação de um juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, na ocasião da eleição de 1902, este magistrado cita a cabine eleitoral como sendo o ‘templo’ das instituições america- nas, onde cada eleitor é um sacerdote, para o qual foi confiada a guarda de algo sagrado e, portanto, muito importante, como a arca da aliança. “ Para os antigos a imagem da democracia era completamente di- ferente: falando de democracia eles pensavam em uma praça ou então em uma assembleia na qual os cidadãos eram chamados a tomar eles mesmos as decisões que lhes diziam respeito. “Demo- cracia” significava o que a palavra designa literalmente: poder do démos, e não como entendido genericamente como hoje, poder dos representantes do démos. Se depois o termo démos, entendido ge- nericamente como a “comunidade de cidadãos”, fosse definido dos mais diferentes, ora como os mais, os muitos, a massa, os pobres em oposição aos ricos, e portanto se democracia fosse definida ora como poder dos mais ou dos muitos, ora como poder do povo ou da massa ou dos pobres, não modifica em nada o fato de que o poder do povo, dos mais, dos muitos, da massa, ou dos pobres, não era aquele de eleger quem deveria decidir por eles, mas de decidir eles mesmos, como escreve Moses Finley, “sobre a guerra e a paz, as finanças, os tratados, a legislação, as obras públicas, em suma, toda a gama de atividades governativas”. Na célebre oração fúnebre de Péricles são louvadas as pessoas que se ocupam não apenas de seus interesses privados, mas também dos negócios públicos, e são censurados como cidadãos inúteis aqueles que não se ocupam dos segundos (BOBBIO, 2000, p. 372). U N IC ES U M A R 149 Podemos observar que a de- mocracia representativa e a de- mocracia direta vem do mesmo lugar comum, qual seja, da ideia de que o poder emana do povo. E o envolvimento e comprome- timento como as coisas públicas é ressaltado desde a antiguidade como uma coisa louvável. O que temos de diferente, nas democracias anteriormente citadas, é o fato de se diversi- ficarem pelas modalidades e formas com que se exerce tal soberania. Por que as duas formas de governo existem? Elas podem coexistir, ou se excluem? Os dois sistemas de democracia não precisam, para Bobbio, ser colocados como alterna- tivos, ou mesmo, excluírem-se, no sentido de que onde um estiver o outro não poder estar. Esses dois sistemas podem se integrar reciprocamente. A democracia representativa, que Bobbio chama de ‘democracia dos modernos’, está relacionada ao pensamento liberal. Ela apregoa a necessidade de se instaurar um ‘Estado de Direito’, que garanta as liberdades individuais, a igualdade jurídica frente à lei e o direito de participar das decisões políticas de modo democrático. Vejamos como o autor faz essa proposição em sua obra: O Futuro da Democracia: “ No entanto, mesmo para uma definição mínima de democracia, como é a que aceito, não bastam nem a atribuição a um elevado número de cidadãos do direito de participar direta ou indiretamente da tomada de decisões coletivas, nem a existência de regras de procedimento como a da maioria (ou, no limite, da unanimidade). É indispensável uma terceira condição: é preciso que aqueles que são chamados a decidir ou a eleger os que deverão decidir sejam colocados diante de alternativas reais e postos em condição de poder escolher entre uma e outra. Para que se realize esta condição é necessário que aos cha- mados a decidir sejam garantidos os assim denominados direitos de liberdade, de opinião, de expressão das próprias opiniões, de reunião, de associação, etc. - Os direitos à base dos quais nasceu o estado liberal e foi construída a doutrina do estado de direito em sentido forte, isto é, do estado que não apenas exerce o poder sub lege, mas o exerce dentro de limites derivados do reconhecimento constitucional dos direitos “invioláveis” do indivíduo (BOBBIO, 2009, p. 19). U N ID A D E 4 150 Uma questão complicada é a seguinte: como se poderia instituir um regime demo- crático em um território tão extenso e populoso, como são os países modernos? Devido a isso é que surge a ideia de representação. Disso decorre que os liberais ins- tituíram o modelo representativo de democracia, em que os representantes tomam decisões políticas em seu nome. Ao menos dois pontos têm de ser considerados quanto à representação política: os poderes do representante, que é o ‘como’ esse representa; e, o conteúdo da representação, que é ‘que coisa’ esse representa. Ter representantes de uma classe geral e representantes de uma classe específica, como uma classe social, profissional, religiosa etc., pode surtir alguns problemas. Para Bobbio, sobretudo as correntes de esquerda dizem que a democracia represen- tativa não chega a estabelecer um vínculo real entre representantes e representados e, assim sendo, não representando em todas as ocasiões a vontade dos que elegeram esses representantes. A democracia direta não seria possível na atualidade, devido à extensão territorial, ao grande número de habitantes, as questões específicas de cada região, a complexidade e a heterogeneidade das sociedades modernas, entre outros motivos. Isso não quer dizer que se deva, necessariamente, para o autor, descartar os métodos de representação direta. O que se deveria fazer é tentar implementar alguns elementos da democracia direta na democracia representativa. Todos os cidadãos que alcançaram a maioridade, sem distinção de raça, religião, condi- ção econômica e sexo, devem desfrutar dos direitos políticos, ou seja, todos têm o direito de expressar sua própria opinião ou de escolher quem a exprima por eles. (Michelangelo Bovero) pensando juntos Bobbio acrescenta que, em algunspaíses, já se utilizam de mecanismos previstos em lei, para que o povo possa decidir algumas questões diretamente pelo poder do voto, sem que algum representante intervenha. Exemplos disso podem ser o referendum e as assembleias populares de caráter regional. Isso dito, percebe-se que os cidadãos não se contentam mais em participar apenas de eleições para escolher seus representantes, mas querem também ampliar o espaço para a to- mada de decisões políticas que dizem respeito às suas próprias vidas. U N IC ES U M A R 151 O filósofo John Bordley Rawls nasceu em 21 de fevereiro de 1921, em Baltimore (Mariland) e faleceu em 24 de novembro de 2001, em Lexington (Massachusetts), aos 81 anos. Desenvolveu sua escrita no sentido de que se compreendesse a teoria jurídica contemporânea. Se até o ano de 1971 a política havia parado de estrutu- rar teorias normativas abrangentes, que pudessem desvendar conceitos relevantes para a filosofia moral e do direito, aconte- ce uma reviravolta, a partir da publicação de sua obra Uma Teoria da Justiça. Na obra citada, Rawls expõe uma visão contratualista da distribuição de bens sociais entre as pessoas, de modo que não fosse deixado de lado o critério de justiça como equidade. Além disso, o que poderia fazer um cientista do direi- to, senão, no máximo, estipular sentidos possíveis das normas jurídicas? Do mes- mo modo que um indivíduo, ao apreciar e interpretar uma obra de arte poderia perceber e identificar determinados traços, sua interpretação diferiria da de 3 A SOCIEDADE JUSTA EM JOHN RAWLS U N ID A D E 4 152 outra pessoa. Ainda mais, se comparado com um especialista, que com certeza consegue ir mais ao fundo, podendo, inclusive, opinar de um modo mais ‘legítimo’. Mesmo se tratando do mesmo quadro, o que ‘inibe’ de certa forma a interpretação, o leque de questões que poderiam ser discutidas, ainda, seria grande. A interpretação da norma jurídica seguiria o mesmo percurso. Apesar de ficar posta uma ‘moldura’, como um elemento constrangedor das possibilidades de interpretação, o julgador pode adotar interpretações diversas, mesmo não sendo essas, muitas vezes, previstas pelo julgador, pela doutrina ou ainda na ju- risprudência. Tudo isso deixaria o juiz livre para decidir da forma que lhe convier, pautado em suas próprias concepções de justiça. Algumas obras de Rawls De 1980 a 1990, Raws leciona em Harvard. Quanto às suas obras ele se pro- põe a responder às críticas a sua obra Uma Teoria da Justiça. A partir de sua obra: O Liberalismo Político (1993), Rawls aborda a questão do pluralismo razoável, que trata da existência de várias visões de mundo diferentes, e de sua relação com o consenso de sobreposição, fazendo com que sejam, vez ou outra, antagônicas, mas que possam coexistir na sociedade e confirmar um determinado consenso político do que seja justiça. Sua obra O Direito dos Povos (1999) projeta para as relações internacionais os princípios de justiça que seriam escolhidos entre os povos, com referência no liberalismo político e no consenso de sobreposição (BRAGA apud FERREIRA; GUANABARA e JORGE, 2009, p. 418). A partir dessas obras, ele combate à desigualdade social e econômica en- tre as pessoas e entre os povos. Ele trabalha com padrões de compensação em nível nacional e internacional. Rawls atualiza a seguinte questão: “Como se justifica moralmente os termos sob os quais as pessoas livres e iguais po- dem viver juntas numa associação política?” (RAMOS, MELO, FRATESCHI, 2012, p. 261). Para responder a tão profundo questionamento, nosso autor traz consigo, resgatados, vários temas clássicos modernos, como: a institu- cionalização dos direitos humanos, qual o sentido da democracia, as relações entre os indivíduos e a comunidade, a conceituação de liberdade e igualdade, a separação Estado-Igreja, os limites da tolerância e a relação entre Estado, sociedade civil e mercado. U N IC ES U M A R 153 O que fica posto como centro da teoria da justiça de Rawls é, além de sua proposição de fundamentação e organização de uma sociedade justa que traga à tona a autonomia plena dos indivíduos, sua teoria da justiça se evidenciaria pelas mais variadas críticas que teceram outros liberais. Não é algo tão simples encontrarmos uma base comum de justificação de concepção política e pública da teoria da justiça de Rawls, que possam preencher os critérios de aceitabilidade racional. Mesmo que se parta das concepções de bem, muitos cidadãos não estão de acordo em renunciar às concepções de vida boa que constituiu e constitui suas identidades e formas de vida cultural. “ Nessas circunstâncias, uma teoria da justiça conseguirá apresen- tar princípios que possam ser compartilhados pelos cidadãos como um fundamento comum de acordo político à medida que conseguir alcançar um ponto de equilíbrio entre as exigências de universalidade - aquilo que todos estariam dispostos a aceitar - e as exigências particulares de cada concepção abrangente do bem. Essa é a ideia que está no cerne do conceito de overlapping consensus: um acordo razoável em torno de princípios de justiça e valores políticos com os quais os cidadãos podem se identificar, mas por razões diferentes e mantendo suas diferenças de crenças e estilos de vida (RAMOS; MELO; FRATESCHI, 2012, p. 281). A sociedade justa está fundada para Rawls na distribuição de bens e direitos. Mas como fazer essa distribuição? Isso deve ser feito por meio de regras e princípios formulados. Quais regras e princípios utilizar? Para Rawls, se per- guntarmos ao rico se o governo deve prestar auxílios como saúde, educação, entre outros cuidados aos pobres, esse responderá que não. Cada um que cuide de si e de suas coisas! Já o pobre diria que sim, que deve-se tributar os bens dos ricos e atender a todos. Devido a tudo isso, Rawls propõe que sejam feitos novos contrato social, mas não um contrato nos moldes dos contratualistas clássicos. Esse novo contrato acontece, tirando o sujeito de sua posição social para a posição que ele chama de original. Nessa condição, onde ele estará coberto por um “véu de ignorância”, ele não saberá quem ele é. Todos devem ter igual liberdade. Devem, ainda, ter direito a voto e de participar dos cargos públicos. Todos devem ter, em síntese, os direitos civis e políticos, que são os direitos humanos de primeira U N ID A D E 4 154 geração. Num segundo momento, Rawls diz que: as desigualdades econômicas são legítimas, se: (a) respeitarmos o princípio da diferença, onde as pessoas podem ser ricas o quanto elas ‘quiserem’ e puderem, mas quem é pobre tem, por exemplo, di- reito aos estudos numa boa escola. Desse modo, deve-se respeitar as desigualdades. O segundo ponto, (b) a igualdade de oportunidades, como o próprio exemplo ex- presso no final da letra (a) contempla. Assim, o sujeito pode chegar onde quiser, mas sem esquecer que numa sociedade justa os outros devem ter oportunidades iguais. Apesar de ser liberal, devido a essas ideias, começaram a pensar que Rawls as sustentava pelo fato de ser adepto de uma ‘ética socialista’, ou um ‘comunismo disfarçado’. Seriam os direitos sociais que dariam a igualdade de oportunidades e, pelas quais, as desigualdades econômicas seriam suprimidas. O sujeito que não conse- guisse, nesse formato de sociedade justa, uma boa posição social, seria por culpa dele mesmo, pelo fato de não ter se esforçado o tanto que poderia. O Liberalismo Político Podemos perceber que Rawls tem em seu liberalismo político uma resposta à crítica comunitarista. Com seu libe- ralismo político, ele reage ao debate dos liberais e comunitaristas. Ele pa- rece não ter mais uma teoria moral da justiça, mas sim o que ele chamara de concepção de justiça como equi- dade, mesmo que essa ainda conte- nha fundamentos morais. Dessa for- ma, a justiça como equidade é situada no interior do liberalismo político. É como uma concepção pública e política da justiça. A escolha desses termos nãose dá de forma gratuita, mas com a intenção de se ‘diferenciar’ de liberalismos éticos, como os de Stuart Mill e Immanuel Kant. As teorias de Rawls visam, ainda, dar um melhor rumo a alguns problemas in- ternos à justiça, como é o caso da equidade. E quanto a sustentar uma concepção política e pública da justiça, há que se pensar princípios que possam ser comparti- lhados pelos cidadãos. U N IC ES U M A R 155 O filósofo acaba por introduzir determinadas modificações na forma de interpre- tar a justiça como equidade. Mesmo que a estratégia adotada para isso mostre, aqui, uma forma dupla de justificação em sua obra Uma Teoria da Justiça, ele apresenta o artifício de representação da posição original de deliberação, revestido sob o véu da ignorância e o recurso ao método por ele chamado de equilíbrio reflexivo. “ [...] nas últimas formulações de sua teoria Rawls se inclina mais favora- velmente para o método do equilíbrio reflexivo e a justificação pública (ou o uso público da razão) como instâncias privilegiadas de funda- mentação de seus princípios de justiça. Como resultado, os princípios da justiça passam a ser preferencialmente justificados a partir de uma razão prática que reconstrói as intuições morais mais profundas e os ideais normativos da eticidade política presentes na cultura política pú- blica e nas instituições das democracias constitucionais modernas, e que aposta na capacidade de os cidadãos encontrarem, mediante a formação pública do juízo, um ponto de equilíbrio entre os princípios de justiça e esses ideais (RAMOS; MELO; FRATESCHI, 2012, p. 281-282). A concepção pública e política de Rawls não é metafísica, o que não a faz deixar de ser moral. Ela deve ser reconhecida por motivos morais e estratégicos, derivados do uso público da razão, como citam Ramos, Melo e Frateschi. O PAPEL DA JUSTIÇA Em sua obra, Teoria da Justiça, Rawls dá o mote necessário para que possamos visualizar sua intenção quanto ao que é a justiça e sua abrangência. U N ID A D E 4 156 “ A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento. Embora elegante e econômica, uma teoria deve ser rejeitada ou revisada se não é verdadeira da mesma forma leis e instituições, por mais eficientes e bem organizadas que sejam, devem ser reformadas ou abolidas se são injustas. Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar. Por essa razão a justiça nega que a perda da liberdade de alguns se justifique por um bem maior partilhado por outros. Não permite que os sacrifícios impostos a uns poucos tenham menos valor que o total maior das vantagens desfrutadas por muitos. Portanto numa sociedade justa as liberdades da cida- dania igual são consideradas invioláveis; os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo de interesses sociais (RAWLS, 1997, p. 3-4). A justiça estaria para as instituições sociais, assim como a verdade está para os sistemas de pensamento. O que quer dizer que a justiça se constitui em um pilar fundamental de toda essa questão da organização da sociedade como um todo. Rawls não nega o movimento que há nas teorias e que essas tendem e devem mudar conforme sejam ‘inconsistentes’, ou seja, injustas. Ao falar que cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo a sociedade pode ignorar, isso dá relevância para o fato de que a sociedade como um todo pode progredir, todavia sem ferir os direitos de cada indivíduo e sem deixar de dar oportunidades a todos para alcançarem seu desenvolvimento e demais conquistas. A justiça com equidade não é uma doutrina religiosa, filosófica ou moral abrangente que se aplique a todos os temas e abarque todos os valores. Doutrinas morais abrangentes como, por exemplo, o utilitarismo ou o intuicionismo, possuem um tipo de moral que dita o que é “bom” e “mau”. Rawls pretende com a justiça como equidade falar de uma noção razoável de justiça, que nos permita mediar a convivência política através do contrato (fa- zendo acordos mútuos entre as pessoas em iguais condições). Na justiça como equidade o conceito do certo vem antes do conceito de bom (Leonor Gulart Soler) pensando juntos U N IC ES U M A R 157 De nada adianta na construção da sociedade justa, que alguns tenham bens para partilhar abundantemente, se isso custar a perda da liberdade de outras pessoas, a justiça não está nisso. O esforço de todos deve ser reconheci- do, sem que se penda para um lado somente as tarefas penosas e para o outro vá todas as vantagens e benefícios. Que não haja, portanto, tais diferenças, evitando-se a violação da igualdade das liberdades cidadãs. Para o nosso filó- sofo, o desenvolvimento da política e mesmo os cálculos de interesses sociais, não devem passar por cima dos direitos assegurados pela justiça, isso seria inegociável. Desse modo, a única coisa que poderia fazer para que se aceitasse uma teoria errônea seria o fato de não se ter uma teoria melhor. Quando então uma injustiça poderia ser tolerada? No caso dessa, evitar uma injustiça ainda maior. Rawls vê a sociedade como um empreendimento cooperativo, no qual as pessoas enxergam vantagens mútuas. Há conflito? Sim, há, mas também pode-se perceber uma identidade de interesses. Como isso se dá? É que a cooperação social dá uma abertura para que todos possam ter uma vida melhor do que teriam se cada membro dependesse apenas de seus próprios esforços. “ Há um conflito de interesses porque as pessoas não são indiferentes no que se refere ao como os benefícios maiores produzidos pela colaboração mútua são distribuídos, pois para perseguir seus fins cada um prefere uma participação maior a uma menor. Exige-se um conjunto de princípios para escolher entre várias formas de ordena- ção social que determinam essa divisão de vantagens e para selar um acordo sobre as partes distributivas adequadas. Esses princípios são os princípios da justiça social: eles fornecem um modo de atribuir direitos e deveres nas instituições básicas da sociedade e definem a distribuição apropriada dos benefícios e encargos da cooperação social (RAWLS, 1997, p. 5). O ser humano parece ter uma propensão natural para querer crescer e juntar para si os frutos dos esforços mútuos, os benefícios do que produziu, conforme estes surgem. A justa divisão desses produtos deve se dar por meio de um conjunto de ordenamentos, que vise o mais adequado ao grupo. Tais princípios são os que Rawls nomeia de: princípios da justiça social, que são os reguladores dos direitos, mas também dos deveres que compete a cada um. U N ID A D E 4 158 Todo esse movimento impresso nas citações de Uma Teoria da Justiça, que estamos apresentando, mostra como o filósofo traz à tona o que seria uma so- ciedade bem-ordenada. Isso não se refere, apenas, ao aspecto do planejamento para promover o bem de seus cidadãos como também a uma concepção pública de justiça. Em tal sociedade, as pessoas mostram os seguintes aspectos: “(1) todos aceitam e sabem que os outros aceitam os mesmos princípios de justiça, e (2) as instituições sociais básicas geralmente satisfazem, e geralmente se sabe que satisfazem, esses princípios” (RAWLS, 1997, p. 5). Na busca de uma vida pautada na justiça como equidade, a cooperação social se faz elemento necessário para que se possa levar um estilo de vida decente. Os cidadãos não são indiferentes ao modo como os benefícios e encargos da cooperação serão divididos entre todos. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do que disse Hannah Arendt, sobre as experiências nazista e stalinista, temos que nos questionar qual seria o significado da política, uma vez que, para Arendt, a política preserva o sentido de liberdade. Liberdade essa de que mais carecem aspessoas subjugadas por regimes totalitários. Não pode entrar nessa definição de política programas que promoveram a desumanização,a eugenia, transformando o ser humano num objeto para pesquisa, ou mesmo para que o indivíduo seja descartado por não se enquadrar no estereótipo dito “ideal”. Bobbio trata da democracia de forma a podermos perceber que tal tema nunca se exaure. Passa pelas relações de poder entre governantes e governa- dos de modo a que se possa perceber uma inclinação para que se construa relações mais acertadas. Saber sobre a democracia é essencial. Isso porque o saber e a democracia são coisas complementares, de modo que a democracia pode se expressar como procedimento para formar as decisões coletivas, e os interessados podem participar de modo amplo. A questão primordial a ser respondida por Rawls é: como se justifica moralmente os termos sob os quais as pessoas livres e iguais podem viver associadas? É a justiça e a equidade que permeará uma sociedade organizada, desenvolvendo a autonomia dos indivíduos. 159 na prática 1. De acordo com a passagem, a seguir, que estudamos em Hannah Arendt, marcar qual é a resposta correta: os regimes totalitários vem, ao longo do tempo, fazendo sua “catequização” ou, expressando num termo melhor, sua “politização”, termo que deprecia muito o sentido original da boa política. O modo como agem leva as pessoas a aprovar as razões liberais? Liberdade e política seriam, de fato, coisas incompatíveis? Só haveria política sob os ditames do Estado. Mas Hannah Arendt traz esse questionamento. Seria a liberdade uma coisa a-política, ou seria, uma liberdade política? ( ) Sempre houve e sempre haverá regimes totalitários, e sempre existirá miséria independente de como o governante faça com que a política seja gerida. ( ) Os regimes totalitários passam a imagem de que eles são indispensáveis para o progresso e que suas barbáries (disfarçadas de boa política) são a verdadeira política que deve ser implantada. ( ) Estar livre e ser livre seriam a mesma coisa, desde que se deixe implantar o totalitarismo. ( ) O totalitarismo é o braço forte de todo regime republicano, o que leva conse- quentemente à democracia. 2. Uma vez que o direito é um ordenamento de relações sociais: entre iguais e entre desiguais. Qualquer sociedade organizada, e mesmo o Estado, tem em sua esfera pública, total ou parcialmente, características de subordinação entre governantes e governados, isto é, entre quem detém o poder de comandar e aqueles que se destinam a obedecer, chegando-se, assim, a uma relação de desiguais. O que podemos apreender dessa passagem referente ao conteúdo que estudamos em Norberto Bobbio? 160 na prática 3. Nesse texto, retirado da obra de Rawls, Uma Teoria da Justiça, o filósofo trata da ques- tão da equidade, analisando não só o que uma das partes fará, mas o compromisso que deve ser cumprido por todos. Vejamos o trecho que melhor expressa isso: Os argumentos a favor do princípio da equidade. Enquanto há vários princípios do dever natural, todas as obrigações se originam do princípio da equidade. [...] Deve-se lembrar que esse princípio afirma que uma pessoa tem a obrigação de fazer a sua parte, especificada pelas regras de uma ins- tituição, desde que tenha aceitado o sistema de benefícios ou se tenha beneficiado das oportunidades que a instituição oferece para a promoção de seus interesses, supondo-se que essa instituição seja justa ou equitativa, isto é, satisfaça os dois princípios da justiça. Como se observou anteriormente, a ideia intuitiva neste ponto é que, quando um número de pessoas se envolve num empreendimento cooperativo mutuamente vantajoso, seguindo certas regras e assim restringindo voluntariamente a própria liberdade, aqueles que se submeteram a essas limitações têm direito a uma aceitação, semelhante por parte dos que se beneficiaram com a sua submissão. Não devemos lucrar com os esforços cooperativos dos outros sem fazer a parte que nos cabe (RAWLS, 1997, p.380 ). A partir das alternativas seguintes, assinale Verdadeiro (V) ou Falso (F): ( ) Podemos fazer o que bem entendermos para garantir nossa liberdade e isso pode ser percebido na teoria de John Rawls. ( ) Não é correto lucrar com os esforços cooperativos dos outros e deixar de fazer a parte que compete a nós. ( ) Uma vez que tenha considerado justas as instituições, a pessoa deve, desde que “tenha aceitado o sistema de benefícios ou se tenha beneficiado das opor- tunidades que a instituição oferece”, seguir fazendo sua parte. Não pode ficar, somente, recebendo os benefícios que a sociedade lhe fornece, sem retribuir. 161 na prática 4. Ao falar (denunciar) sobre Eichmann, Hannah Arendt quer desmascarar a crueldade de quem participou do horror nazista, mesmo que de forma indireta. Como ela vê esse cidadão (Eichmann)? Com uma reflexão até hoje atual, Arendt traz à tona o que seria a figura de um funcionário mediano, metido com as burocracias e que não tinha capacidade de refletir sobre seus próprios atos. Isso poderia representar uma ameaça à democracia. O que mais representa a figura de Eichmann? 5. “Duas idéias básicas motivam o Direito dos Povos: [1] a de que os grandes males que afligem a história humana tais como guerras injustas, opressões, perseguição religio- sa, fome, pobreza, genocídios e, dentre outros, privação de liberdade de consciência, são decorrentes da injustiça política; [2] que esses males só serão eliminados através daquilo que o autor chama de “políticas sociais justas (ou, pelo menos, decentes) e instituições básicas justas (ou pelo menos decentes)”. A eliminação desses grandes males constitui o que ele chama de “utopia realista” (LIMA, 2011, p. 2). A partir des- se texto identifique e assinale a letra que corresponde às opções corretas. I - Por fim, Rawls põe o Direito dos Povos como guia para a política exterior. II - O objetivo fundamental de Rawls é levar todas as sociedades a honrar o Direito dos Povos e se tornarem membros plenos e de boa reputação da sociedade dos povos bem-ordenados. III - Uma das qualidades desejáveis ao homem de Estado deve ser o governo para si mesmo. IV - O direito dos povos passam pelas grandes guerras e essas é que impulsionam a sociedade. Assinale a alternativa correta: a) Apenas, I e II estão corretas. b) Apenas, II e III estão corretas. c) Apenas, I está correta. d) Apenas, II, III e IV estão corretas. e) Nenhuma das alternativas está correta. 162 aprimore-se Deve-se, ainda, diferenciar a desobediência civil da desobediência criminosa. Para Arendt (1999, p. 69), “há um abismo de diferença entre o criminoso que evita os olhos do público e o contestador civil que toma a lei em suas próprias mãos em aberto desafio”. Assim, enquanto o transgressor comum age de modo furtivo, visando seu próprio benefício; o contestador civil faz questão de que sua ação seja notada, para que assim possa surtir efeitos e, além disso, atua pensan- do no interesse comum do grupo com o qual se identifica. A distinção entre con- testador civil e revolucionário (ou militante), defendida por Hannah Arendt, John Rawls e Norberto Bobbio, se dá conforme o meio de ação utilizado. Enquanto o contestador civil lança mão de manifestações não-violentas, o revolucionário tem na violência seu modus operandi. Assim, “enquanto a resistência, ainda que não necessariamente violenta, pode chegar até o uso da violência e, de qualquer modo, não é incompatível com o uso da violência, a violência do contestador, ao contrário, é sempre apenas ideológica” (BOBBIO, 1992, p. 145). Nessa perspecti- va, John Rawls (1981) defende ainda que o militante se opõe ao sistema político como um todo, enquanto o desobediente, por sua vez, aceita a Constituição e o sistema vigente, mas se opõe a leis e/ou decisões específicas. Nesse sentido, “o militante crê que este sistema ou está profundamente afastado dos princípios que prega, ou apresenta uma concepção de justiça totalmente falsa. [...] ele não está em sintonia com o senso e justiça da maioria” (RAWLS, 1981, p. 275). O autor163 aprimore-se complementa essa ideia indicando que, para o militante, a estrutura básica da sociedade está “de tal modo afastada dos ideais por ela própria professados, que se deve tentar favorecer mudanças radicais, ou mesmo revolucionárias” (RAWLS, 1981, p. 275). À guisa de conclusão da primeira parte do trabalho, faz-se interes- sante destacar o entendimento de Hannah Arendt (1999) quanto à importância da desobediência civil para as sociedades democráticas. Na visão da autora, por terem sido fundadas a partir da união dos indivíduos, as sociedades democrá- ticas encontram no direito de associação um de seus princípios fundamentais. Logo, ao reunirem-se em grupos com identidade de interesses e lançarem mão de meios pacíficos a fim de obter uma mudança, seja legislativa ou política, os contestadores civis não fogem ao “espírito” democrático, visto que as democra- cias surgiram desse modo, mas, do contrário, seguem uma tradição essencial- mente democrática. Ante ao exposto, embora seja difícil a absorção da desobe- diência civil pelo sistema jurídico, porque não se pode conceber a existência de uma lei que permita a violação de outra lei, isso não pode servir de obstáculo para que a desobediência civil seja assimilada pelo sistema político, uma vez que tal instituto complementa a experiência democrática, indo ao encontro dos prin- cípios que norteiam essa forma de governo. Fonte: Lucas, Copetti e Oliveira (2018, p. 73). 164 eu recomendo! É Isto um Homem? Autor: Primo Levi Editora: Rocco Sinopse: essa obra traz os relatos da prisão e vivência do judeu italiano Primo Levi, no campo de extermínio nazista de Ausch- witz, em 1944. O autor divide sua experiência sem, no entanto, recorrer à autopiedade, apontando as esperanças e/ou desespe- ranças de cada dia ali passados. Fala ainda da constante humilhação física, como a fome permanente, a longa jornada de trabalho. E a tortura psicológica, como a incerteza de até quando viveriam e os castigos de ver tantas atrocidades. livro Breve História da Justiça Autor: David Johnston Editora: WMF Martins Fontes Sinopse: nesta segunda indicação de obra, trazemos um texto de ímpar importância. Um aprofundamento na história da justiça, resgatando desde suas origens no direito babilônico e hebraico, passando pelo pensamento grego até chegar à modernidade e aos textos contemporâneos de Rawls. O trabalho de Johnston consegue aliar discus- sões filosóficas cruciais a importantes questões contemporâneas sobre a justiça. livro Hannah Arendt Sinopse: alemã de origem judaica, Hannah Arendt (1906 – 1975) foi uma filósofa-política do século XX. Ela defendia o conceito de pluralismo, liberdade e igualdade no âmbito político. O filme tra- ta do julgamento de Adolf Eichmann, colaborador do nazismo na organização e envio de pessoas, perseguidas na época, ao campo de concentração. A autora acompanhou o julgamento, escreven- do uma série de artigos sobre o caso. Nesse sentido, a filósofa criou o conceito de “banalidade do mal”, que gerou controvérsias, devido às inter- pretações pessoais sobre o assunto. filme https://www.amazon.com.br/s/ref=dp_byline_sr_book_1?ie=UTF8&field-author=David+Johnston&search-alias=books anotações 5 MARX E AS INFLUÊNCIAS DE SUA TEORIA POLÍTICA PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • Alienação e Ideologia em Karl Marx • Antonio Gramsci e o Estado Capitalista • Politicidade em Georg Lukács • Louis Althusser: os Aparelhos Ideológicos do Estado • Slavoj Zizek e a questão da liberdade. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Compreender os conceitos de ideologia e alienação na teoria de Karl Marx • Analisar a relevância da sociedade política e a da sociedade civil e a forma como a ideologia permeia tais conceitos • Entender o que é a construção ontológica do ser social • Pesquisar a questão da distinção entre o poder do Es- tado e de seu aparelho repressivo • Perceber como se dá a liberdade de pensamento e liberdade do homem frente aos embates econômicos e políticos e da luta de classe. PROFESSOR Esp. Silvanir Aldá INTRODUÇÃO Veremos que, para Karl Marx, o homem precisa satisfazer suas ne- cessidades, indo além do básico. Produz sua subsistência e participa da primeira comunidade, a família, para daí avançar na formação das classes e produção. Para tanto, o homem tem de lidar com a ideologia dominante, que mascara a realidade para explorá-lo, além de sobrepor a essa questão o trabalho alienado. Em seguida, passaremos a trabalhar as teorias de filósofos que foram influenciados por Marx. Com Gramsci, a sociedade civil deve continuar a se organizar no sentido de superar a hegemonia do Estado, desmisti- ficando as ideologias, dentro de suas instituições. Ler Lukács é revisitar a dignidade do ser social, fugindo da decadên- cia e banalidade da vida. É um reforço à esperança, mesmo em tempos tão difíceis. O filósofo falará de uma alienação objetiva, instalada no ser social, cujo nome mais adequado a se dar a tal fato é: alienação. Esta alienação traduz-se como escravidão. O indivíduo alienado quererá apenas manter seus particularismos. Ao deixar de ser massacrado, o homem deixa de ser escravo e isso representa um progresso em sua vida. Com Atlhusser, poderemos perceber que o Estado, na verdade, é o Estado da classe dominante. Não é uma questão dele ser público ou privado. Veremos, aqui, as forças agentes dentro desse Estado, que são os seguintes: Aparato Repressivo do Estado, que ‘trabalha de modo vio- lento’, e o Aparelho Ideológico de Estado, que opera ‘ideologicamente’. E, por fim, com Zizek, questionaremos a desigualdade econômica vigente. No contraste entre a pobreza e a riqueza extremos sob o olhar de quem critica tais diferenças e a questão da aceitação, ou não, da posição de quem faz tal crítica. Para essa última, é fato que a ética não passaria de um pretexto, uma espécie de maquiagem ou adereço, que poderia, de certa forma, dar legitimidade ao intervencionismo militar, que estaria, ainda, a serviço de objetivos econômico-políticos específicos. U N ID A D E 5 168 1 ALIENAÇÃO E IDEOLOGIA EM KARL MARX Karl Marx nasceu no dia 5 de maio de 1818, em Trier, Renânia, província loca- lizada ao sul da Prússia. Apesar de ser de família judaico-alemã, ele foi batizado na igreja protestante. Após terminado os primeiros estudos, foi para a univer- sidade de Bonn, engajando-se na época na luta política estudantil, passando depois para a universidade de Berlim. Casado com Jenny von Westphalen, ti- veram sete filhos, o que os fez viver em situação difícil, de modo que quatro de seus filhos não sobreviveram. Ele teve ainda um filho fora do casamento, com uma empregada socialista. Após a morte da esposa, ele ficara deprimido, chegando mesmo a contrair algumas doenças. Veio a falecer no ano de 1883, sendo enterrado em Londres. Atribui-se a Karl Marx a fundação do sistema econômico socialista, tendo ainda orientado a criação de sindicatos, para que os proletários pudessem ter uma qualidade de vida melhor, ajudando, dessa forma, a eliminar a exploração que recaía sobre eles. De suas obras, a de maior destaque foi O Capital, onde o filósofo analisa a sociedade capitalista e socialista, a cultura, a política e a economia. Escreveu ainda: A Questão Judaica, Crítica ao Programa de Gotha, Guerra Civil na França. Em parceria com Engels tem obras como O Manifesto do Partido Comunista e A Ideologia Alemã. U N IC ES U M A R 169 No momento em que se deu a Revolução de 1848, Marx retornou a Paris, ela- borando em conjunto com Engels a obra citada, Manifesto do Partido Comunista, trouxeram à reflexão o que seriam consideradas ideias fundamentais do que passou a ser chamado de sistema marxista. Uma primeira ideia seria sobre as relações entre o capital e o trabalho. Tais relações não seriam arbitrárias, mas produtodos instrumentos e métodos usados pela produção. E a segunda ideia consistiria em sustentar que toda a estrutura social, religiosa, jurídica e política das sociedades são mera consequência do fator econômico, isto é, da técnica de produção. Tempos depois, por volta de 1859, Marx começara a publicar uma obra que tratava do seguinte assunto: a crítica da Economia Política. Na introdução, ele re- toma, porém de modo bem mais claro, duas ideias expostas, anteriormente, em seu Manifesto Comunista. Uma abordava o fato de depender da técnica da produção as relações entre empregados e empregadores. A outra fazia considerações a toda a estrutura política, jurídica e religiosa de um povo, em um momento determinado, e como fruto do tipo de organização econômica que este povo atingiu, nessa mesma época. Tal doutrina é chamada de materialismo histórico. O Homem O homem se diferencia dos animais. Quando fala do homem Marx diz que este é ativo, por satisfazer suas necessidades básicas. Ele produz seus meios de subsistência. O que importa, inclusive, é sua história real e não especulações filosóficas (metafísicas). O animal é passivo. Na relação com os outros, o homem forma a família, que é considerada por Marx como a primeira célula social. ■ Divisão social do trabalho: nessa se dá o aparecimento tanto da distribuição desigual do trabalho e do produto como a aparição da propriedade privada. ■ Formação das classes sociais: com a formação das classes sociais surge a consciência de classe. A luta de classe se mostra, maioria das vezes, como a luta dos opressores contra os oprimidos. A sociedade capitalista tem duas classes definidas pela propriedade privada. Burguesia e Proletariado Dona da força de produção e do material. Vende sua força de trabalho para o burguês. U N ID A D E 5 170 Em sua obra, A Questão Judaica, Marx traz à tona duas questões de extrema importância. Uma primeira se refere à crítica da posição baueriana e a segunda é sobre a não coincidência entre emancipação política e emancipação humana. Para Marx, o que Bauer faz é transformar as questões sociais em questões teoló- gicas, onde se ter uma emancipação religiosa como algo prévio da emancipação política. Bauer não teria percebido o antagonismo que há entre a vida individual e coletiva, ele somente combate a expressão religiosa deste conflito. Em segundo lugar, dá destaque à situação histórica presente: “a não coincidên- cia entre emancipação política e emancipação humana, por que persiste ainda a divisão ou o hiato entre sociedade civil e Estado” (MORÃO, 1999). O Conceito de Ideologia Na Ideologia Alemã, o con- ceito de ideologia, como o próprio Marx e seu com- panheiro Engels resgatam, remonta a Destutt de Tracy, em sua obra Elementos de Ideologia, de 1801. Para esse último autor, a ideologia se- ria o estudo da origem e da formação das ideias. Vejamos por exemplo a dinâmica do conceito de ideologia: a palavra “Ideologia” pode ser pensada etimologicamente como a ciência, ou o estudo, das ideias, e foi precisamente com este sentido que ela surgiu pela primeira vez quando, em 1801, logo após a Revolu- ção Francesa, Antoine Destutt de Tracy, um iluminista liberal, escreveu um livro intitulado Eléments d’idéologie [Elementos de Ideologia]. Como um bom iluminista, Tracy estava certo de que o avanço das ciências apagaria da face da terra qualquer tipo de ignorância ou obscurantismo, e que a submissão de tudo ao crivo da razão consistia em uma arma importante para que a humanidade se livrasse das amarras da religião, da tradição e da rígida política que marcavam o antigo regime. Fonte: Pereira (2016, p. 298-299). explorando Ideias U N IC ES U M A R 171 Para Marx a ideologia pertence ao âmbito do que ele chamou de superestrutura. Antes dessa, ainda, vem a estrutura. Vejamos, em que essas teorias consistem. ■ Estrutura - é a base material, o modo de produção, que são compostos de relações sociais de produção e forças produtivas. ■ Superestrutura - Edifício jurídico-político e Fenômenos ideológicos. Como já assinalamos, para Marx, o homem se diferencia dos animais por esses últi- mos terem uma postura passiva, enquanto o homem tem uma postura ativa, buscan- do satisfazer suas necessidades por meio da produção dos meios de subsistência. A educação fazia parte da superestrutura de controle, usada pelas classes dominantes. A escola veicularia, dessa forma, ideias para a classe trabalhadora (proletários) que cria- ria uma falsa classe burguesa. O proletariado deveria se libertar dessa visão opressora. “ Marx percebeu que a Revolução de 1830, ocorrida na França, havia destronado os grandes proprietários de terra e colocado no poder a burguesia industrial e os banqueiros, que se aproveitavam da si- tuação para explorar os operários: além da negação dos direitos políticos, aumentavam a jornada de trabalho e diminuíam os sa- lários. Essa situação, segundo Marx, era propícia para fecundar as ideias socialistas e revolucionárias. Foi além das ideias do socialismo utópico e demonstrou que o capitalismo deveria ser derrotado pela organização e ação direta da classe operária (BOGO, 2005, p. 70). Apesar da visão de que a mudança era uma coisa extremamente necessária, cons- tituía-se um desafio imenso pensar uma forma de fazer as coisas acontecerem. O desenvolvimento d’O Manifesto do Partido Comunista ocorreu de modo a dar suporte para a classe proletária, em meio às revoluções burguesas, uma vez que não se tinha, ainda, bem claro, o que se poderia fazer. Entretanto, tal texto correra o mundo, disseminando ideias que elevaram o conhecimento dos revolucioná- rios, aproximando cada vez mais os trabalhadores. Marx e Engels organizaram o Manifesto em três partes: ■ Burgueses e proletários. ■ Proletários e comunistas. ■ Literatura socialista e comunista. O início dessa obra é deveras marcante: U N ID A D E 5 172 “ Um espectro paira sobre a Europa - o espectro do comunismo. [...] Qual partido de oposição não foi acusado de comunismo por seus adversários no poder? Que partido de oposição, por sua vez, que não lançou contra seus adversários de direita ou de esquerda o epíteto infamante de comunista? (MARX; ENGELS, 2007, p. 47) A princípio, a classe dominante costumava tratar com demérito a classe proletária, em nosso caso, hoje, a classe trabalhadora. E quanto aos partidos, Marx e Engels vão mais a fundo na questão, dizendo que a esquerda também imputa a marca de comunista à classe burguesa. Uma vez que nos perguntemos como andam os proletários em geral, o que podemos aferir é que: os comunistas não eram um partido particular em relação aos outros partidos operários. O que poderia diferenciar os comunistas dos demais proletários seria a questão de que, nas diversas lutas nacionais travadas por esses, o que se acentua são os interesses comuns, sejam quais forem suas nacionalidades. A ideologia para Marx não é algo que seria possível de ocorrer no campo do proletariado. Dizer que há uma ‘ideologia proletária’ não seria correto, o povo não dissemina suas ideias e nem mesmo força sua implantação uma vez que a classe dominante cria determinadas mistificações que não bate com o real papel a ser assumido pelo povo, que é o de exterminar tais mistificações. Alienação Para Karl Marx, a alienação se dá quando o homem se sente alheio ao produto de seu trabalho. Temos três formas de alienação: 1. A alienação do trabalhador acerca dos produtos de seu trabalho, porque uma vez que termina de realizar o trabalho este não lhe pertence mais. 2. Ato da produção. 3. A respeito do gênero humano. No trabalho alienado, há um processo de particularização da espécie humana. Para Marx, o homem, no que se refere ao conceito de alienação no capitalismo, seria alienado pelo fato de que o próprio fruto de seu trabalho não lhe pertence. O conceito de alienação em Karl Marx pode ser encontrado em sua obra Ma- nuscritos Econômico-Filosóficos de 1844. Vejamos como CarlosE. Sell analisa ser a alienação para Marx: U N IC ES U M A R 173 “ A alienação significa que a ‘exteriorização’ e objetivação dos bens so- ciais que resultam do processo de trabalho tornaram-se autônomos e independentes do homem, apresentando-se como realidades ‘estranhas’ e opostas a ele, como um ser alheio que o domina (SELL, 2013, p. 48). O homem se torna estranho ao trabalho, isto é, alheio a ele. É o trabalho que diferencia o homem do animal e, dessa forma, o homem pode adquirir cul- tura e dominar a natureza, mas o problema é enfrentar as deformações que o capitalismo pode lhe impor, subjugando-o ao lhe impor as mais variadas ordens. O que ocorre é que perde-se o processo criativo e mesmo recreativo concernente ao que se produz. “ [...] quanto mais a Economia Política reconhece o trabalho como o único princípio da riqueza, mais ela degrada e empobrece o traba- lhador e faz do próprio trabalho uma mercadoria - e está aí tanto um axioma teórico necessário à sua ciência quanto uma verdade prática da vida social atual. Ademais de a expressão “trabalho acu- mulado” indicar a origem do capital, significa igualmente que o tra- balho tornou-se cada vez mais uma coisa, uma mercadoria e que progressivamente é concebido apenas sob o aspecto de um capital e que progressivamente é concebido apenas sob o aspecto de um capital e não como atividade humana (MARX, 2015a, p. 224). U N ID A D E 5 174 Referente aos demais homens, a alienação também tem seus efeitos. O capital é que regerá as relações entre eles, porque os homens vivem sob a lógica do capital. Seu valor será tanto maior quanto mais tiver a capacidade de aumentar o capital que lhe for confiado. Se nos voltarmos para o que foi a indústria na época de Marx, sendo essa o setor mais produtivo em termos de capital, poderemos perceber que o capitalis- mo desenvolveu mecanismos que dessem conta de não atribuir muito valor aos homens trabalhadores das fábricas. Assim sendo, o lucro aumentava, concentran- do-se nas mãos de poucos, que nesse caso eram os burgueses. “ Portanto, temos agora que conceber a conexão essencial com o sis- tema do dinheiro de toda a alienação que é a propriedade privada, a ganância, a separação entre trabalho, capital e propriedade da terra, entre troca e concorrência, entre valor e desvalorização do homem, entre monopólio e concorrência etc. O trabalhador torna-se tanto mais pobre quanto mais riqueza pro- duz, quanto mais a sua produção cresce em poder e volume. O tra- balhador torna-se uma mercadoria tanto mais barata quanto mais mercadoria cria. Com a valorização do mundo das coisas, cresce a desvalorização do mundo dos homens em proporção direta. O trabalho não produz apenas mercadorias; produz-se a si próprio e o trabalhador como uma mercadoria, e, a saber, na mesma proporção em que produz mercadorias em geral. Esse fato exprime apenas que: o objeto que o trabalho produz, o seu produto, enfrenta-o como um ser alienado, como um po- der independente do produtor. O produto do trabalho é o tra- balho que se fixou num objeto, se coisificou, ele é a objetivação do trabalho. A realização do trabalho é a sua objetivação. Essa realização do trabalho aparece na situação nacional-econômica como desrealização do trabalhador, a objetivação como perda do objeto e servidão ao objeto, a apropriação como alienação, como exteriorização (MARX, 2015b, p. 303-305). Para Marx, o capital e a propriedade privada são grandes geradores de alienação. Quanto mais o homem se distanciar da produção mais artesanal das coisas, mais distante ele ficará de se identificar como o produto. Cada vez mais o objeto ganha valor em detrimento do ser humano. U N IC ES U M A R 175 A divisão de tarefas, além de fazer com que o trabalhador não fizesse mais o produto por inteiro, o deixava especializado em exercer funções de modo mais au- tomatizado. Isso pode jogar a favor das pessoas, fisicamente mais frágeis e menos hábeis, mas, no geral, vinha a desvalorizar cada trabalhador em relação ao que ele produz. Voltar à produção manufaturada não era uma opção, pois não seria possível se equiparar aos preços pelos quais a produção industrializada era vendida. “ O que caracteriza a divisão do trabalho na fábrica é o fato de o trabalho perder aí todo caráter de especialidade. Mas, a partir do momento em que cessa todo o desenvolvimento especial, a necessidade de universali- dade, a tendência a um desenvolvimento integral do indivíduo começa a se fazer sentir. A fábrica líquida as especializações e o idiotismo do ofício (MARX, 2009, p. 160). Podemos ver que, para Marx, a especialização causa uma alienação do trabalhador em relação ao produto, evento esse que o filósofo nomeará de ‘fetichismo da mercadoria’. O salário, por exemplo, quando da produção das coisas em série, deixa de ser algo que se possa ‘negociar’, dependendo da submissão/alienação ao ganho ofertado pelo patrão. “ Além disso, o produto é propriedade do capitalista, não do produtor imediato, o trabalhador. O capitalista paga, por exemplo, o valor diário da força de trabalho. Sua utilização, como a de qualquer outra merca- doria - por exemplo, a de um cavalo que alugou por um dia -, perten- ce-lhe durante o dia. Ao comprador pertence o uso da mercadoria, e o possuidor da força de trabalho apenas cede realmente o valor de uso que vendeu, ao ceder seu trabalho. Ao penetrar o trabalhador na oficina do capitalista, pertence a este o valor de uso de sua força de trabalho, sua utilização, o trabalho. O capitalista compra a força de trabalho e incorpora o trabalho, fermento vivo, aos elementos mortos constituti- vos do produto, os quais também lhe pertencem (MARX, 2014, p. 219). No capitalismo, o homem é alienado em seu próprio trabalho, no que concerne ao modo de produção, à natureza humana e à sua espécie. No capital, para Marx, as relações sociais ficam desajustadas, no sentido de inverter o papel do sujeito e do objeto. O homem é visto como objeto e o objeto ocupa o lugar do sujeito. Isso é a mercantilização da vida e das relações sociais, uma vez que o homem é tomado por completo pelo processo de produção. U N ID A D E 5 176 A ideia de Marx era disseminar o conceito filosófico de alienação para além do campo da filosofia da religião e, para que isso fosse levado a cabo, ele partiu do estudo da filosofia política de Hegel. Karl Marx acaba por descobrir que os jovens hegelianos caem no mesmo erro que a teologia e a filosofia hegeliana da religião cometeram, fazendo com que fossem invertidas a essência e a aparência. 2 ANTÔNIO GRAMSCI e o Estado Capitalista Fonte: Wikipédia ([2020], on-line)6. O filósofo Antonio Gramsci nasceu em Ales, Sardenha, Itália (1891-1937). Foi um dos fun- dadores do Partido Comunista Italiano em 1921. De extrema relevância para o debate po- lítico, Gramsci traz uma relevante contribuição ao pensamento acerca do Estado. Pensador de viés marxista, sua obra Cadernos do Cárcere foi objeto de grandes investigações e, mesmo, interpretações controversas. O contexto em que ele viveu teria sido marcado pela grande crise civilizatória do capitalismo. U N IC ES U M A R 177 O Estado seria formado por duas instâncias: a sociedade política e a sociedade civil. O governo era quem fazia as leis que regulavam a vida das pessoas e as ins- tituições também contavam com um papel relevante. Para Gramsci, a sociedade civil deve se organizar para vencer a hegemonia do Estado no campo das ideias, dentro de suas instituições e não como propôs Marx, com a luta de classe. Teoria do Estado Ampliado Sociedade Política (Governo) Sociedade Civil (Instituições) Aparelho repressivo do Estado - Partidos políticos - Mídia - Religiões - Sindicatos A classe dominada, deve ter o seu próprio partido, para defender suas ideias nesse campo (contra a ideologia opressora). A mídia não pode ficar somente na mão dos dominadores, mas o povo deve ter suas mídias (jornal, rádio, cinema). Ossindi- catos eram importantes no sentido de organizar os trabalhadores para que esses pudessem reivindicar suas demandas, mas eram limitados, à essa lógica da relação trabalhador e patrão, ao contrário das instituições que apresentamos antes. A re- ligião dominante em sua época era a católica. Para ele as pessoas ao ir à Igreja, na saída debatiam sobre política. Na passagem a seguir, de seu Cadernos do Cárcere, podemos verificar um outro exemplo relacionado à religião: “ O público “crê” que o mundo exterior seja objetivamente real, mas pre- cisamente aqui surge o problema: qual é a origem desta “crença” e que valor crítico tem “objetivamente”? De fato, esta crença é de origem reli- giosa, mesmo se quem dela partilha é religiosamente indiferente. Dado que todas as religiões ensinaram e ensinam que o mundo, a natureza, o universo, foi criado por Deus antes da criação do homem e, portanto, que o homem já encontrou o mundo pronto e acabado, catalogado e definido de uma vez por todas, esta crença tornou-se um dado fér- reo do “senso comum”, vivendo com a mesma solidez ainda quando o sentimento religioso está apagado e adormecido. Daí que, portanto, fundar-se nesta experiência do senso comum para destruir com a “co- micidade” a concepção subjetivista é algo que tem uma significação so- bretudo “reacionária”, de retorno implícito ao sentimento religioso; de fato, os escritores e os oradores católicos recorrem ao mesmo meio para obter o mesmo efeito de ridículo corrosivo (GRAMSCI, 1999, p. 130). U N ID A D E 5 178 Para Gramsci, o ideal seria o povo explorado ter sua própria religião, libertan- do-se de imposições de ideias que atravanquem sua conquista por meio das ideias. Em sua época, o modelo liberal já se encontrava saturado, de modo que o Estado assumiu funções determinantes na economia. Vendo a dominação da burguesia sobre os mais desfavorecidos, ele ajudou a fortalecer a concepção de um proletariado atuante, que empunhasse seus valores próprios, ajudando a criarem estratégias para evitar serem submissos. Surgiram por todas as partes os movimentos que organizaram as classes su- balternas. Essas classes reivindicavam melhores condições de trabalho e de vida, o que representou uma ameaça à burguesia. Para coibir tal ameaça, o Estado vai muito além de uma reprimenda, executando ações políticas nesse sentido. Cadernos do Cárcere Gramsci foi preso em 8 de novembro de 1926, aos 35 anos de idade, pelo regi- me fascista, que por tentar combater todo e qualquer tipo de divulgação de ideias, não aceitou a opção socia- lista do filósofo que estava sendo expressa em uma di- versidade de materiais. Na época, ele era secretário geral do Partido Comunista da Itália e deputado. Ainda desconhecido como escritor, apesar de ter escrito inúmeros artigos engajado na imprensa operária, além de outros materiais menores. Após ser preso, relata em carta de 19 de março de 1927, à sua cunhada Tatiana Schucht que tem um programa de trabalho intelectual a ser desenvolvido no cárcere. Como já era de se esperar, Gramsci sofreu um grande desgaste, tanto físico como moral, durante o longo tempo na prisão. Seus escritos, durante o período em que ficou encarcerado, somavam cerca de 2.550 páginas. Infelizmente, ele só alcançou o reconhecimento após sua morte, sendo muito discutido no século XX. Uma pergunta que intrigava Gramsci, como participante do Partido Comu- nista, era a seguinte: ‘por que perdemos?’ Sendo esse inquirimento o que o ajudou a traçar a linha analítica de seu pensamento. No cárcere, o filósofo era norteado U N IC ES U M A R 179 por sua mensuração do que era de fato a luta revolucionária. “ Para responder tal indagação, Gramsci deu-se conta de que não bastava a crise econômica e a organização operária para que o capitalismo fosse suplantado: o poder parecia não se circunscrever apenas ao campo eco- nômico ou à “tomada do Estado”. Gramsci mergulhou em profundas re- flexões, traçando, de forma pioneira, um “sistema conceitual completo para apreender de forma unitária a complexa fenomenologia do poder nas sociedades capitalistas contemporâneas” (ACANDA, 2010, p. 172). Trilhando um caminho diferente do que era comum encontrarmos em quem abordava as teorias de Karl Marx, Gramsci trata do Estado e da política. Tendo para tanto, a resistência das correntes do liberalismo e do marxismo economicis- ta. Relativo ao primeiro, ele contrapõe uma visão classista do Estado burocrático; e ao segundo ponto, ele propõe o resgate da abordagem marxista dialética da realidade, o que abre o horizonte quanto às reflexões sobre política. Para Antônio Gramsci, tanto a política como o Estado não podem ser pensados como coisas isoladas uma da outra. Apesar das ciências sociais particulares nascen- tes adotarem essa proposta dentro do período em que ele realiza suas reflexões. De acordo com Coutinho, Gramsci parecia considerar que: a produção e a reprodução da vida material, implicando a produção e a reprodução das relações sociais globais, é o fator ontologicamente primário na explicação da história” (COUTINHO, 1981, p. 88). A Ideologia Se questionarmos sobre a ideologia, Antônio Gramsci, dirá que essa atua de um modo positivo, como um cimento da estrutura social. Isso se dá quando um grupo exerce li- derança moral e intelectual, de modo a unificar uma va- riedade de aliados, constituindo assim um “bloco” social de forças. Todavia se incorporada ao senso comum, chega-se a estabelecer um consenso. U N ID A D E 5 180 A ideologia dominante, como diz o filósofo de Ales, procura indicar de modo exato os meios pelos quais tais ideias do pensamento dominante se inserem em meio aos opri- midos, controlando-os. É para isso que se deve instalar uma filosofia da práxis, que dará suporte à construção de uma visão crítica das coisas e mostrará uma saída da opressão. É fato que todas as atividades que são realizadas por grupos sociais podem ser ditas pertencentes à ideologia. A ideologia compreende todas as atividades humanas, não ficando apenas no campo das ideias, mas exercidas na prática, tanto cotidiana quanto científica. “ Para Gramsci, somente as “ideologias orgânicas” deviam ser conside- radas, ou seja, só aquelas vinculadas a uma das classes fundamentais da sociedade, no caso do capitalismo, a burguesia e o proletariado. Ele estabelece níveis dentro desse todo a que podemos chamar de ideologia dominante, ou seja, entre a concepção de mundo “produzida” pelos intelectuais orgânicos da classe dominante e as idéias, senso comum, das classes subalternas, informadas por aquela concepção de mundo. Esta diferenciação em níveis é engendrada pelas contradições objetivas inerentes à sociedade dividida em classes sociais antagônicas. Esta con- tradição é a fonte das constantes fissuras; responsável, em certo sentido, pela falta de homogeneidade entre o discurso (sempre ideológico) de dominantes e dominados, apesar de esses últimos, no fundamental estarem presos nos laços da ideologia burguesa, que os informam (BUONICORE, 1991, p. 79). Podemos perceber que, não é qualquer ideologia que requer que se dispenda esforços para compreendê-la. Basta que tão somente víssemos as componentes das instâncias mais relevantes da sociedade. A ideologia das camadas dirigentes da sociedade seria uma forma de pensamen- to mais elaborado. Para Gramsci, o povo não conseguiria sair de meros e esparsos fragmentos de sua multifacetada cultura. Para Gramsci, a filosofia seria o atingir um nível superior da ideologia, com uma estrutura coesa. A reflexão gramsciana sobre o social e o político é, portanto, atravessada pelo princípio da totalidade, evidenciando que essas duas esferas não são tratadas desvinculadas do fator eco- nômico, ou seja, da relação entre infra-estrutura e superestrutura. (Ivete Simionatto). pensando juntos U N IC ES U M A R 181 A função da filosofia, segundo nosso autor, para que se cumpra, necessita de estar ligada às classessubalternas, às massas. De modo que, se isso não se der, per- de-se a sua capacidade de trilhar um caminho político e ideológico. Com Marx, já víamos que é quando está inserida na massa que a teoria adquire sua força material. Para que as pessoas componentes da classe trabalhadora adquirissem uma visão que pudesse ser considerada superior, isto é, uma visão filosófica das coisas, seria preciso uma filosofia que tivesse a capacidade de unificar e elevar as pessoas por meio do que Gramsci chama de filosofia das práxis. 3 POLITICIDADE EM GEORG LUKÁCS Georg Lukács nasceu em Budapeste, no dia 13 de abril de 1885. Filho de Adél Wer- theimer e Jozséf Lukács. Seu pai dirigia a principal instituição bancária da Hungria. Desde muito jovem, o filósofo recusou o próprio mundo burguês no qual foi criado. Envereda pelo caminho da literatura, deixando aflorar um notável talento para a crítica. Tal como Karl Marx, seu grande inspirador, Lukács escreve em periódicos progressistas, ora como colaborador desses, ora como fundador. Em 1902, ingressa no curso de Jurisprudência da Universidade de Budapest e doutora-se em Leis em 1906 e em Filosofia em 1909. Uma vez empolgado com a Revolução de Outubro e es- U N ID A D E 5 182 timulado por E. Szabó, lê Karl Marx, Rosa Luxemburgo, Anton Pannekoek e Sorel. Em dezembro de 1918, ele se ingressa no Partido Comunista da Hungria, engajan- do-se na política e na teoria revolucioná- ria. Em março de 1919, foi proclamada a República Soviética da Hungria, sendo Lukács designado como vice-comissário do Povo para a Cultura e a Educação Po- pular. Em agosto do mesmo ano, as tropas fascistas de Horthy atacam, de forma que o Partido Comunista é obrigado a atuar clandestinamente. Exilado em Viena, é condenado preso e condenado à morte por Rorthy. Ele só conseguiu escapar des- sa condenação devido à mobilização de intelectuais alemães, como P. Ersnt, Heinrich e Thomas Mann. Sua obra As Teses de Blum, foram publicadas sob pseudônimo, numa época em que o autor viveu na clandestinidade. Ele as escreveu por ocasião do II Congresso do PC húngaro. Entretanto, uma vez derrotadas suas teses, Lukács se desliga da política partidária. Morre em 4 de julho de 1971 (PINASSI; LESSA, 2002). Lukács foi um dos maiores, senão o maior filósofo marxista. Vivemos até certo ponto uma cultura da ‘barbárie’, e nesse sentido, ler esse filósofo, cujo huma- nismo é o centro de seu pensamento, primando sempre pela defesa da dignidade do ser social é evitar cairmos em uma decadência e banalidade da vida. Ele nos ajuda a perceber que o que passamos, ainda hoje, quase cinquenta anos depois de sua morte, mesmo em tempos tão difíceis, deve haver esperança. Assim sendo, o livre desenvolvimento de cada ser humano acaba por se tornar condição para o desenvolvimento de todos. Mesmo sendo dono de um pensamento tão fértil, os desafios pelos quais o filósofo passou foram muitos. “ Condenado pelas ideias contidas em “Literatura e democracia” e “Por uma nova cultura magiar”, abre-se a “questão Lukács”, pela qual é acu- sado interna e internacionalmente como epíteto de “reformista” e “ca- luniador de Lenin”. Retira-se da vida pública e intensifica seus estudos estéticos publicando “Realistas alemães do século XIX” (1951), “Bal- zac e o realismo francês” (1952).”Breve história da literatura alemã” Fonte: Wikipédia ([2020], on-line)7. U N IC ES U M A R 183 e “Contribuições à história da estética, de 1953. Em 1954, publica A destruição da razão, obra na qual imprime a ideia de que “nenhuma ideologia é inocente”; o critério de sua avaliação do “caminho seguido pela Alemanha para chegar a Hitler, no campo da filosofia”, é a pos- tura favorável ou não à Razão, procedimento que balizaria a crítica que faz do irracionalismo de Schelling, Schopenhauer, Kierkegaard, Nietzsche, Dilthey, Simmel, Scheller, Heidegger, Jasper, Weber, entre outros (PINASSI; LESSA, 2002 , s. p.). Para Lukács, o pensamento marxiano se mostra como uma novidade que faz frente ao edifício teórico erigido por Karl Marx. Teria sido Marx o pensador que mais se ocupou da questão da ontologia do ser social. “ Na compreensão de Lukács o caráter ontológico do pensamento marxiano ficou obscurecido pela rigidez dogmática que conta- giou quase todas as correntes do marxismo desde a morte de Lênin. Sob a influência em parte do stalinismo, em parte do pre- domínio das questões gnosiológicas e até mesmo neopositivistas, tais correntes rechaçaram toda discussão acerca da ontologia, qualificando-a de ideológica, idealista ou simplesmente metafí- sica (FORTES; VAISMAN, 2015, p. 119). Para Lukács, essa rigidez decorre das reflexões lógico-epistemológicas passarem a dominar o cenário da filosofia a partir do século XVII. Construção Ontológica do ser Social O que é essa construção ontológica do ser social? Desde já, podemos ao menos dizer, para agirmos, de um modo mais filosófico-especulativo, o que ela não é. Ela não é, por exemplo, uma consequência natural dos interesses do autor, mas algo que nos é propos- to para centralizar suas preocupações e a própria emancipação do homem. Para que isso ocorra, de- ve-se retomar um conjunto de questões, da esfera prática e da esfera teórica e repensá-las a partir de U N ID A D E 5 184 uma nova perspectiva. O que nos apresentaria de novo essa análise lukacsiana acerca do ser social? Ela nos remeteria a problemas relevantes do pensamento filosófico, como a ideologia, o estranhamento e, por fim, à política. A ideologia para Lukács conferiria tal amplitude à sua determinação, que chegaria a seu ápice, ao absorver o tema politicidade para o seu interior. A po- lítica para o filósofo húngaro se constitui numa forma específica de ideologia. “ Lukács se propõe a analisar e desvelar o real sentido do complexo na ideologia em Marx, tarefa que o coloca na posição contrária à vasta tradição filosófica e do próprio marxismo, quase sempre fundados em pressupostos gnosiológicos. O desenvolvimento do tema da ideologia em Lukács não está voltado para a elaboração de uma teoria do falso – perfil amplamente assumido nos debates filosóficos mais importantes acerca da questão –, pelo contrário, combatendo exatamente essa perspectiva de caráter gnosiológi- co, sua análise parte da caracterização da ideologia como veículo de conscientização e prévia ideação da prática social dos homens (FORTES; VAISMAN, 2015, p. 120). Podemos perceber que, não é meramente um ponto de vista verdadeiro ou falso que constitui, de modo isolado, uma ideologia. Eles podem, até mesmo, tornar-se uma ideologia com o passar do tempo. Deve-se evitar o conflito social. Inclusive, a ideologia deve ser entendida como função social, variando nos tipos de formação ideal. Com vistas a investigar a gênese do ser social, Lukács procura analisar os vínculos e as distinções entre o ser meramente orgânico (animal) e o ser social (humano). Nesse caso, ele esclarece também que se trata da passagem de um nível de ser a outro, ou seja, de um salto ontológico – uma mudança qualitativa e estrutural do ser. Ao contrário da conti- nuidade normal do desenvolvimento, o salto consiste essencialmente em uma ruptura. A gênese do ser social pressupõe a superação qualitativa da vida orgânica, um processo de extrema lentidão, mas que não deixa de ser um salto. Fonte: Duayer; Escurra; Siqueira (2013, p. 19). explorando Ideias U N IC ES U M A R 185 Para Lukács, pode-se entender a ideologia como função social. São ideias diver- sificadas, que se formam a partir da organização que cada indivíduo faz de suas ações e reações ao mundo, visando conscientizar e considerar a forma de resolver os conflitos da práxis social. Progresso e Alienação Para Lukács, o fato do desenvolvimento social não ser teleológico é de extrema re- levância, uma vez que se queira verificar qual a verdadeira natureza do fenômeno da alienação. Se pudesse haver um desenvolvimento teleológico global objetivo, issodescartaria a possibilidade de que existisse aí um caráter de desigualdade. Olhando do ponto de vista do ser social, os momentos progressivos, que se dão necessários e objetivamente articulados entre si, vêm mostrar desi- gualdades, não somente pela força das coisas em sua sucessão, mas também relativas às suas bases. O que ocorre é que este tipo de coisa se manifesta no que é chamado de primeira grande alienação objetiva e se encontra no ser social. Essa alienação é a escravidão. A alienação deixa que os indivíduos mantenham, meramente, seus particu- larismos. Esse seria o segundo salto ontológico do gênero humano. Ao deixar de ser massacrado, passam a não ser mais escravos, o que caracteriza um certo progresso. Já o sujeito de uma contradição, por mais bárbara que essa pareça, é, nesse momento, necessária e concorre inevitavelmente para o progresso que é possível para se desenvolver. O Capitalismo e a Politicidade Como se apresenta o capitalismo frente ao pensamento de Lukács e à politicida- de? A intensidade com que aparece o capitalismo é de uma intensidade que, até, não fora vista. Ressalta-se, aqui, uma contraditoriedade, difícil de ser sanada. As influências econômicas atuam aí, de modo a transformar a sociedade de forma diversificada. Aqui, a alienação pode aparecer, ainda, de uma forma matizada, oprimindo a personalidade dos homens de todos os lados. U N ID A D E 5 186 Lukács, ao redescobrir o pensamento marxiano, traz a seguinte novidade, frente ao amplo trabalho teórico erigido pelas postulações teóricas de Karl Marx. Pri- meiro, afirma-se originalmente que não houve ninguém que se ocupou mais do que o próprio Marx da ontologia do ser social. As correntes do marxismo foram obscurecidas pela rigidez dogmática que a ‘contagiou’, desde a morte de Lênin. “ Sob a influência em parte do stalinismo, em parte do predomínio das questões gnosiológicas e até mesmo neopositivistas, tais correntes re- chaçaram toda discussão acerca da ontologia, qualificando-a de ideoló- gica, idealista ou simplesmente metafísica. Na verdade, como o próprio Lukács sugere, esta rigidez nada mais é do que a resultante específica das reflexões lógico-epistemológicas que passaram a dominar o cená- rio da filosofia a partir do séc. XVII (FORTES; VAISMAN, 2015, p. 119). Levando em conta que as relações sociais capitalistas são permeadas de coisas complexas, para que seja possível que o sujeito se auto-liberte do estado de alie- nação, em que é pressuposto estar, esse deve mostrar uma inteligência crítica, mais avançada que a de épocas atrás. Isso não quer dizer que a luta seja do interior da pessoa, de modo isolado. Não se trata também de um impulso libertador da individualidade das tendências que se mostram alienadoras da sociabilidade. Dessa forma, deve-se superar a própria alienação, mesmo que essa se apresente de modo autônomo e, portanto, diferente do que seja a luta social contra o próprio fenômeno social da alienação. Há, ainda, aqui, uma forte determinação histórico-social. U N IC ES U M A R 187 Para Lukács o papel, a que se presta a ideologia burguesa, é exatamente o de não entender a contrariedade do progresso, tal como ele de fato se constitui, isto é, ele tem o caráter intrínseco a todo movimento que a sociedade realiza no sentido de seguir em frente. “ A relação entre a consciência de classe e a história é, por con- seguinte, uma nos tempos pré-capitalistas e outra na época ca- pitalista. Nos tempos pré-capitalistas, as classes não podiam ser destacadas da realidade histórica imediatamente dada a não ser por intermédio da interpretação da história elaborada pelo mate- rialismo histórico. Enquanto hoje as classes são essa própria rea- lidade imediata, histórica. Não é, pois, de modo algum um acaso - como já ressaltava Engels - que esse conhecimento só se tornou possível na época do capitalismo. E isso não somente em razão da simplicidade maior dessa estrutura em comparação com as “co- nexões complicadas e ocultas” dos tempos passados, como pensa Engels, mas, antes de tudo, porque o interesse econômico de classe, como motor da história, só apareceu em toda a sua pureza com o advento do capitalismo. As verdadeiras “forças motrizes” que “estão por trás dos móveis dos homens que atuam na história “ ja- mais poderiam alcançar a consciência (mesmo como consciência simplesmente adjudicada) nos tempos pré-capitalistas. Permane- cem, na verdade, ocultas por trás dos móveis como forças cegas da evolução histórica. Os momentos ideológicos não “acobertam” somente os interesses econômicos, não são somente as bandeiras e as palavras-de-ordem de combate. São parte integrante e os pró- prios elementos da luta real (LUKÁCS, 1960, p. 11-12). Com a ajuda do materialismo histórico, esse sentido sociológico é pesqui- sado, revelando momentos de exploração contundente. E a diferença disso para a época capitalista, os momentos econômicos não se fazem ocultos, mas sim presentes na própria consciência. Enfim, a partir do desaparecimento da estrutura estamentária que se deu com o capitalismo, constitui-se uma sociedade de articulações estritamente econômicas e a consciência de classe alcança condições de se tornar consciente. U N ID A D E 5 188 Louis Althusser nasceu em 1918, na Birmandreis, Argélia (colônia francesa na época), vindo a falecer em 1990, em La Verrière, França. Comunis- ta e filósofo francês, estudou na École Normale Supérieure em Paris. Teve influência do racionalismo e do estruturalis- mo francês. Ao estudar a obra de Karl Marx, identificou um corte radical entre os escritos do ‘jovem Marx’ em relação ao ‘Marx da maturidade’ e, a favor do último, sustentou o marxis- mo como ciência, enfatizando seu anti-humanismo. Suas obras Pour Marx (Para Marx - 1965) e, com Étienne Balibar, Lire Le Capital (Ler o Capital - 1966) lhe renderam um público vasto, embora fosse um público frequentemente crítico. 4 LOUIS ALTHUSSER: os aparelhos ideológicos do estado https://www.google.com/search?client=ubuntu&hs=Ckf&channel=fs&sxsrf=ACYBGNQ0hUi1TOc02afF-6hHlIkg4FS1LQ:1572874516915&q=louis+althusser+&stick=H4sIAAAAAAAAAOPgE-LQz9U3yDYzM1XiArGMC9OTc5K05LOTrfQLUvMLclL1U1KTUxOLU1PiC1KLivPzrFIyU1MWsQrk5JdmFisk5pRklBYXpxYpAACOZFaQTAAAAA&sa=X&ved=2ahUKEwiFpO2W1tDlAhVlIrkGHWgjDAoQmxMoATAPegQIDRAL&biw=1920&bih=931 U N IC ES U M A R 189 Aparelho Ideológico de Estado Escolar e a Ideologia A escola também tem seu papel político e ideológico, e também o tem a luta de classes, travada com maior ou menor intensidade no interior dela (da escola), podendo ser feitas de modo que se recupere a concepção de ideologia em geral, do autor e de forma a compreendê-lo no campo do AIE - Aparelho Ideológico de Estado escolar e da própria escola. “ Marx e Engels, no “Manifesto do Partido Comunista”, ao responder às críticas da burguesia à proposta de educação dos comunistas, apontam a relação da educação e da escola como instrumento de reprodução das relações sociais, afirmam os autores: “Mas, dizeis, suprimimos as rela- ções mais íntimas ao substituirmos a educação doméstica pela social. E não está também a vossa educação determinada pela sociedade? Pelas relações sociais em que educais, pela intromissão mais directa ou mais indirecta da sociedade, por meio da escola, etc? Os comunistas não in- ventaram a acção da sociedade sobre a educação; apenas transformam o seu caráter, arrancam a educação à influência da classe dominante” (MARX; ENGELSapud COUTINHO, 1998, p. 50-51). Uma vez que a tese sobre a ideologia em geral se aplica de forma direta a uma ideologia considerada revolucionária, parece haver aí uma abertura. A concep- ção althusseriana de ideologia em geral traz três teses. Primeira: a ideologia é uma representação da relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência. Segunda: “a ideologia tem uma existência material”. E a terceira apregoa que: a ideologia vem interpelar os indivíduos enquanto sujeitos, o quea leva a ser pensada a partir do AIE escolar e de suas instituições e da luta ideológica. E isso ocorre, inclusive, como uma forma de luta de classes, travada entre a ideologia dominante e a ideologia subordinada, que encontramos no interior do Aparelho Ideológico de Estado Escolar. Althusser concebe o marxismo como uma ciência da sociedade. Sua produção concentra- -se na tarefa de desenvolver essa ciência que, seguindo a tradição, ele denomina materia- lismo histórico. [...] Ora, se o materialismo histórico é uma ciência da sociedade ele deve, como toda ciência, ser desenvolvida, submetida à prova e renovada. (Armando Boito Júnior) pensando juntos U N ID A D E 5 190 A primeira e a segunda teses, também, possibilitam que se pense a ideologia, no campo escolar, como práticas sociais. Tais práticas, englobam as formações sociais capitalistas que representam relações de exploração, e tais relações de exploração pressupõem uma relação de dominação, em que segmentos domi- nados podem tomar para si o trabalho de reverter a correlação de forças, tanto no interior das escolas, como do próprio AIE escolar. Observando melhor a segunda tese, pode-se inferir que a existência de ideo- logias subordinadas podem ser vistas no interior das escolas e também do AIE escolar, é a existência da participação de indivíduos em práticas tão diferentes que não tem a ver com as relações que são reproduzidas dessas relações de produção dominante, que pode contribuir na luta ideológica (que, por sua vez, é a própria luta de classes), que busca uma nova hegemonia, tanto no interior da escola com também do Estado. E a terceira tese, da ideologia, interpelar os indivíduos en- quanto sujeitos, esse supõe haver um Sujeito que possa interpelar, e do sujeito interpelado e constituído, a partir do reconhecimento que se tem. O Estado e seus aparelhos ideológicos Quando fala em teoria do Estado, Althusser leva em conta que não se deve fazer apenas uma distinção entre o poder do Estado e de seu aparelho, mas assinalar que há, por outro lado, o dispositivo do Estado que podemos traduzir como aparelho re- pressivo. A tal formulação, o filósofo dará o nome de aparelho ideológico do estado. A ideia aqui é não confundir aparelho ideológico de estado com aparato estatal (repressivo): ■ O aparelho de Estado, que pode ser definido pela sigla (AE) se refere a: Governo, Administração, Exército, Polícia, Tribunais, Prisões etc., e o aparato estatal, que é a parte repressiva, vem a indicar que o aparelho do estado age com violência, ao menos no que diz respeito aos seus limites e, principalmente, quando a repressão toma formas não físicas. ■ Os Aparelhos Ideológicos do Estado se encontram espalhados por todas as partes da sociedade. Vejamos as instituições nas quais podemos percebê-los. U N IC ES U M A R 191 • Família. • Escola (o sistema de diferentes “Escolas”, públicas e privadas). • Religião (o sistema das diferentes igrejas). • O AIE legal. • O AIE político (o sistema político, incluindo os diferentes partidos). • O AIE sindicato. • Cultural (Letras, Belas Artes, Esportes etc.). • O AIE de informação (imprensa, rádio-TV etc.). Como já frisamos anteriormente, tomemos cuidado para não confundir Apare- lhos Ideológicos do Estado (também identificado com a sigla AIE), com o aparato de estado. Mas o que distingue um do outro? O aparato estatal pertence ao domí- nio público, enquanto a maioria dos aparatos ideológicos do Estado pertencem ao domínio privado. E esses particulares seriam as igrejas, festas, sindicatos, famílias, algumas escolas, a maioria dos jornais, empresas culturais, entre outros. “ [...] agir por leis e decretos no Aparelho (repressivo) de Estado e “agir” por intermédio da ideologia dominante nos Aparelhos ideológicos de Estado são duas coisas diferentes. Será preciso entrar no pormenor desta diferença, - mas ela não poderá es- conder a realidade de uma profunda identidade. A partir do que sabemos, nenhuma classe pode duravelmente deter o poder de Estado sem exercer simultaneamente a sua hegemonia sobre e nos Aparelhos Ideológicos de Estado. Dou um único exemplo e prova: a preocupação lancinante de Lenine de revolucionar o Aparelho ideológico de Estado escolar (entre outros) para permi- tir ao proletariado soviético, que tinha tomado o poder de Esta- do, assegurar o futuro da ditadura do proletariado e a passagem ao socialismo (ALTHUSSER, 1970, p. 48-49). O filósofo Gramsci, por exemplo, já observara que a distinção entre direito públi- co e direito privado é uma distinção que reside no interior das ideias burguesas e em seu modo de exercer o poder. U N ID A D E 5 192 Para Althusser, o Estado é o Estado da classe dominante, e não público ou privado, mas a distinção do mesmo entre o público e o privado. Enquanto o Aparato Repressivo do Estado ‘trabalha de modo violento’, o Aparelho Ideo- lógico de Estado opera ‘ideologicamente’. “ É porque, por sua conta, o aparelho de Estado (repressivo) opera de maneira maciçamente preponderante na repressão, (incluindo física), enquanto trabalha secundariamente a ideologia. (Não há dispositivo puramente repressivo.) Exemplos: O Exército e a Po- lícia também funcionam ideologicamente, tanto para garantir a sua própria coesão e reprodução, e pelos “valores” que oferecem fora (ALTHUSSER, 1970, s. p.). A diversidade com a qual operam os AIE, tendem a prevalecer de modo ma- ciço sobre a ideologia. A princípio podemos considerar que a classe domi- nante é que detém o poder estatal, tendo nas mãos todo o aparato repressivo. Uma coisa é agirmos por leis e decretos no aparelho de Estado (repressivo) e outra, diferente, é ‘agir’ por intermédio da ideologia dominante nos aparatos ideológicos do Estado. Dessa forma, podemos concluir que a teoria marxista clássica do estado pode encerrar em si e a distinguir o poder do Estado (e o que esse contém), por um lado, e por outro, o dispositivo estatal. Qual seria, então, a medida exata do papel do aparelho ideológico estatal? “ Os aparatos estatais funcionam tanto na repressão como na ideo- logia, com a diferença de que o aparelho de estado (repressivo) opera de maneira maciça e prevalecente na repressão, enquanto os estados ideológicos operam de maneira maciçamente predo- minante na ideologia (ALTHUSSER, 1970, s. p.). Os aparatos estatais acabam considerando que o aparelho de Estado (repres- sivo) vem a constituir um todo organizado, e que os membros desses são centralizados sob uma forma de comando. De modo que a política de luta de classe é imposta pelos representantes políticos da classe dominante que detêm o poder do Estado. U N IC ES U M A R 193 O filósofo Slavoj Zizek nasceu em Liubliana, Eslovênia em 1949. Sua for- mação é influenciada pela escola Laca- niana da Eslovênia. Ele é testemunha ativa da queda do regime socialista na Iugoslávia. Analisou os interesses capi- talistas, nos mercados recém-abertos, bem como a onda de democratização capitalista que se passou nos países do Leste Europeu, nas décadas de 80 e 90. Algumas obras Na obra de Zizek, Bem-vindo ao deserto do real! O que podemos encontrar é uma coletânea que reúne cinco ensaios, neles o autor aborda os aconte- cimentos de 11 de setembro, analisando suas consequências. Em Alguém disse totalitarismo? Cinco intervenções no (mau) uso de uma noção, Slavoj Zizek trata da questão do totalitarismo. Sem cair em uma exegese repetitiva, o filósofo analisa, inclusive, os mais candentes impasses ideológicos do pre- 5 SLAVOJ ZIZEK E A questão da liberdade http://brasil.elpais.com/tag/slavoj_zizek/a U N ID A D E 5 194 sente. Ele não apresenta uma análise política das estruturas de exceção, o que envolveria a administração totalitária, mas defende que a própria noção de “totalitarismo”, longe de ser um conceito teórico efetivo, é essencialmente um tapa-buraco. Para Zizek, o totalitarismo não possibilita o pensamento, antes, desobriga-nos de pensar, ou o que é pior, impede-nosativamente de pensar. Ideologia da Liberdade de Expressão na Democracia Em seus questionamentos, podemos verificar, por exemplo: haveria uma ideo- logia da liberdade de expressão na democracia, ‘na forma como ela é pensada no ocidente liberal’? Não é meramente uma questão de enxergar no Outro as coisas que não podem ser toleradas, mas de ver o que é intolerável, no Outro, refletir e espelhar as coisas que são intoleráveis em nós mesmos. O filósofo questiona o porquê de continuarmos a ver tanta desigualdade econômica. Ainda hoje, há um contraste entre a extrema pobreza e a extrema riqueza. E nisso está presente um julgamento intolerante sobre aqueles que não toleram esta diferença: são taxados como fanáticos. Essa intolerância ‘se converte’ em uma noção política fundamental. “ Entretanto, não será a questão fundamental de Hegel e de Lacan, ao menos na leitura de Zizek, a de pensar este impossível? Não no sentido, é claro, de uma perspectiva do Saber Absoluto como o agente que poderia antecipar a marcha da história, mas no sen- tido de apontar o bloqueio inerente ao presente que constitui, ao mesmo tempo, a condição de sua ultrapassagem (SOBRINO; TUBINAMBÁ, 2015, s. p.). Poderia o discurso de Slavoj Zizek influenciar a política e a filosofia futuras? O que vemos em Hegel, por exemplo, é que seria impossível saltarmos sobre o tempo presente, uma vez que a filosofia, sempre, é produto do tempo histórico em que ela é realizada. U N IC ES U M A R 195 A Ética e a Política do Real Zizek firmou-se como um grande interlocutor nos debates acerca do destino do pensamento político de esquerda. Marxista assumido, ele demonstra grande preocupação com um proletariado que se sente desestimulado. Sua forma de pensar o lançou como “guia” dos cultural studies norte-americanos, apontando uma via de pensamento da cultura contemporânea que parece se afastar da doxa pós-moderna. O filósofo esloveno não defende o velho comunismo, sua ideia é que se em- preenda em um novo comunitarismo globalista. E se nos perguntarmos quais serão os novos desafios, ele afirma que são a ecologia, a renovação do Estado do bem-estar e a prevenção da “guerra digital cognitiva”. O filósofo Slavoj Zizek parece discutir no senti- do de uma politização da ética, visando desmistifi- car uma visão ética que é meramente idealista e até certo ponto abstrata, em uma tentativa de que o pensamento ético se aproxime, ou melhor, in- vada a política. Isso acar- retaria na transformação do pensamento em ação concreta, o que daria destaque à coerência (que parece inexistir na atualidade) entre discurso e ação de fato. É aí que surgiria o que podemos chamar de “ética do real”, em detrimento de uma ética meramente abstrata e que pareça estar fora do alcance do sujeito. É importante alertarmos quanto ao risco de se cair no vazio ético, que é algo que marca a política e, principalmente, a geopolítica internacional. Para essa úl- tima, é fato que a ética não passaria de um pretexto, uma espécie de maquiagem ou adereço, que poderia, de certa forma, dar legitimidade ao intervencionismo militar, que estaria ainda, a serviço de objetivos econômico-políticos específicos. Qual seria, então, a proposta zizekiana? A retomada do real ideia de política, de modo que essa realizasse sua junção com a ética. U N ID A D E 5 196 Quanto ao que foi dito anteriormente, é plausível que concordemos com Zizek. O que é passível de se verificar nas ações políticas, seja qual tendências te- nham (de esquerda, direita ou mais de centro), trata-se de embates ‘enlouquecidos’ para se conquistar e manter o poder. Muitos podem afirmar que a essência da Política consiste em uma visão pragmática e realista, mas isso deve ser direcio- nado de modo a incorporar essa luta natural pelo poder, da qual se incorporaria a Política com os parâmetros fornecidos pela ética, sob pena de converter toda a atuação Política em cinismo. Crítica à “igualdade formal” e ao princípio da liberdade Zizek, mesmo não se referindo propriamente a Evgeni Pachukanis (1891 – 1937), apresenta uma nítida aproximação com a ideologia desse autor. Slavoj Zizek se volta para a questão da igualdade, legalmente e constitucionalmente, estabelecida. E onde isso se dá? Nos Estados Democráticos de Direito, isso seria como que uma equivalência da ‘forma-mercadoria’, isto é, algo possível de ser tocado no mercado, e que é passível de ser utilizado como parâmetro de comparação. “ A igualdade nada mais seria do que uma “equivalência entre indivíduos livres intercambiáveis” a propiciar a negociação da força de trabalho. Acontece que para Zizek, tal como para Pachukanis, essa suposta igual- dade e consequente liberdade na troca da força de trabalho pelo salário é apenas e tão somente aparente, refletindo, na verdade, uma forma de dominação de classes em que os donos do capital impõem sua vontade, deixando ao trabalhador um campo de liberdade muito restrito, o que implica em uma desigualdade de condições material, inobstante a igual- dade formal prevista na legislação (CABETTE, 2014,on-line, p. 23)8. U N IC ES U M A R 197 O que Zizek faz aqui é o que fez o jurista soviético Evgeni Bronislávovich Pachukanis (1891-1937) e causou uma revolução na teoria geral do direito, tendo tal teoria uma forte conotação do ponto de vista das ideias marxis- tas. Ele denuncia uma igualdade formal e legal de sujeitos que interagem no mercado, e essa igualdade formal seria uma camuflagem que viria a ocultar a real exploração desse binômio ‘capital - trabalho’. Para Zizek, o direito se apresentaria como uma superestrutura (referência a Marx), em que, dentre outras coisas, sustentaria a infraestrutura mercantil e econômica da sociedade capitalista. A privação de liberdade econômica vem a implicar em caso de privação de liberdade social, do mesmo modo que a privação de liberdade social ou política acarreta a privação da liberdade econômica. Quando denuncia que uma liberdade formal e legal não corresponde, necessariamente, a uma li- berdade material ou real, ele (Zizek) tem razão, e tal correspondência vem a implicar uma desigualdade material, o que se contrapõe à igualdade formal enquanto direito fundamental, que encontramos nas várias constituições de Estados de Direito Democráticos. Ainda, a esse respeito, podemos ver, por exemplo, em Bobbio que a questão ou problema fundamental acerca dos direitos do homem, ainda hoje, não é necessariamente o de justificá-los, mas de protegê-los. Isso se refere não a um problema filosófico, mas a um problema de ordem política. Dessa forma, esses problemas, como foram colocados a Zizek e também a Pachukanis, são de ordem marxista. De forma mais atenuada em Zizek, no que se refere ao questionamento sobre qual seria o modelo de garantia dessa liberdade e igual- dade material. O modelo político e econômico, surgido da ideologia marxista, não assegurou a prosperidade econômica nem a liberdade política e social. Podemos perceber que obtém-se disso, no máximo, uma igualdade ni- velada muito por baixo. É claro que isso não foi feito para todos, mas para um grande número de pessoas com uma casta governamental que detinha mais privilégios do que propriamente as elites capitalistas. Uma vez gerada a dúvida, quanto à possibilidade de ascensão de outras classes, onde essas entra- ram numa imobilidade social, o marxismo parece ter caído numa descrença, quanto a sua viabilidade nos aspectos político e econômico. U N ID A D E 5 198 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como pudemos ver, apesar da polêmica que se faz em torno do pensamento de Marx, ele tem uma preocupação com a classe menos abastada (proletários). Se sua (de Marx) ideologia de mudança parece, por vezes, exacerbada em sua “utopia”, há por outro lado a geração e contribuição de seu pensamento, com elementos como o conceito de alienação e de ideologia. Um fator importante a ser ressaltado é que a ideologia nunca vem do proletariado, mas sempre das classesdominantes, sendo a mesma que, além de propagar suas ideias, tenta implantá-las. No seu desenvolvimento, o ser humano tem de lidar com as ordens rece- bidas, horários a cumprir e objetivos da empresa a atingir, uma alienação que parece não ter fim. A rotina parece tomar conta do dia a dia do proletariado. Ele é controlado; não detém mais o domínio da produção; tem que obedecer ao capitalismo, que longe de se preocupar com o desenvolvimento do homem por inteiro, quer implementar a lógica da produção: venda (escoação da produção) e lucro. É nessa esteira que pudemos tratar aqui de filósofos que foram, até certa medida, seguidores de Marx, como Gramsci e sua tentativa de superar a he- gemonia do Estado, revendo suas ideologias. Lukács e o resgate da dignidade do ser social. A crítica de Althusser sobre o Estado, que não passa de um Estado da classe dominante. Estado esse que vem munido com seus Aparatos Repressivos e Ideológicos. E a questão dos contrastes econômicos, com Zizek, e a aceitabilidade da crítica social. A herança que nos foi deixada por Karl Marx tem sido elemento de muitas reflexões, dissabores e mesmo vitórias no campo das ideias e na análise do real. Amado e aclamado por muitos, odiado e evitado por outros, o filósofo transpôs a fronteira da “comodidade” para lançar a semente da discussão sobre um tema de relevância inquestionável: a exploração do trabalho. 199 na prática 1. Para Marx, o capital e a propriedade privada são grandes geradores de alienação. Quanto mais o homem se distanciar da produção artesanal das coisas, mais dis- tante ele ficará de se identificar como o produto. Cada vez mais o objeto ganha valor em detrimento do ser humano. Quais as respostas corretas, relativas à passagem acima? a) Para Marx, todo homem que tem um trabalho manual está em vantagem em relação aos que tem somente um trabalho intelectual. b) A propriedade privada causa a retenção de bens nas mãos de poucos, de forma a excluir parte da população de seus benefícios. c) Para Marx, sempre houve e sempre haverá pobres e miséria, independente- mente de como o governante realiza sua administração. d) Não fazer um produto por inteiro faz com que o homem não se identifique com ele, e Karl Marx dá nome a isso de alienação. e) Com os novos processos de produção, o foco na produtividade e os procedi- mentos industrializados têm afastado, cada vez mais, o homem do produto que ele ajuda a fabricar. 2. Podemos perceber que não é, meramente, um ponto de vista verdadeiro ou falso que constitui, de modo isolado, uma ideologia. Eles podem, até mesmo, tornar uma ideologia com o passar do tempo. Deve-se evitar o conflito social. Inclusive, a ideologia deve ser entendida como função social, variando nos tipos de formação ideal. Como podemos interpretar essa passagem de Lukács? 3. Marxista assumido, Zizek demonstra grande preocupação com um proletariado que se sente desestimulado. Sua forma de pensar o lançou como “guia” dos cul- tural studies norte-americanos, apontando uma via de pensamento da cultura contemporânea que parece se afastar da doxa pós-moderna. O filósofo esloveno não defende o velho comunismo, sua ideia é que se empreenda um novo comuni- tarismo globalista. E se nos perguntarmos quais serão os novos desafios, ele afirma que são a ecologia, a renovação do Estado do bem-estar e a prevenção da “guerra digital cognitiva”. Dito isto e levando em conta o que estudamos da teoria de Zizek, assinale Verdadeiro (V) ou Falso (F): 200 na prática ( ) Um comunismo à moda da China (em sua época de alge comunista) seria a melhor resposta aos problemas da sociedade. ( ) Explorado como é ainda hoje, o trabalhador (proletariado) se sente desesti- mulado diante de uma ausência de possibilidade de mudança ou de reação à opressão sofrida. ( ) O liberalismo atua na formação do Estado, de forma a sustentar uma mudança positiva em todos os lugares em que é implantado. ( ) A preocupação de Zizek com questões, como a ecologia, bem-estar, entre ou- tros, dá-se pela forma crítica (para não dizer ruim) como a política está sendo conduzida, de modo a relegar ao esquecimento tais coisas relevantes. 4. Partindo do texto de Gramsci, analise as opções corretas: a classe dominada, deve ter o seu próprio partido, para defender suas ideias nesse campo (contra a ideologia opressora). A mídia não pode ficar somente na mão dos dominadores, mas o povo deve ter suas mídias (jornal, rádio, cinema etc.). Os sindicatos eram importantes no sentido de organizar os trabalhadores para que esses pudessem reivindicar suas demandas, mas eram limitados apenas à essa lógica da relação trabalhador e patrão, ao contrário das instituições que apresentamos antes. A religião dominante em sua época era a católica. Para ele, as pessoas ao ir à Igreja, na saída, debatiam sobre política. I - Tratando da política exterior, Gramsci deseja a implantação de um modelo oligárquico. II - Ter parte da mídia ajudaria a se defender da ideologia opressora. III - Apesar das críticas que se faz aos sindicatos na atualidade, e mesmo na época de Gramsci, esses tinham sua validade, no sentido de ajudar os trabalhador es a reivindicarem suas demandas. IV - O filósofo, aqui abordado, não ressalta na passagem citada a importância da religião, mas o fato das pessoas irem à igreja contribuiria para que elas deba- tessem sobre política após prestarem culto. 201 na prática Assinale a alternativa correta: a) Apenas, I e II estão corretas. b) Apenas, II e III estão corretas. c) Apenas, I está correta. d) Apenas, II, III e IV estão corretas. e) Nenhuma das alternativas está correta. 5. Texto sobre a teoria de Althusser: uma vez que a tese sobre a ideologia em geral se aplica de forma direta a uma ideologia considerada revolucionária, parece haver aí uma abertura. A concepção althusseriana de ideologia em geral traz três teses. Primeira: a ideologia é uma representação da relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência. Segunda: "a ideologia tem uma existên- cia material". E a terceira apregoa que: a ideologia vem interpelar os indivíduos enquanto sujeitos, o que a leva a ser pensada a partir do AIE escolar e de suas instituições e da luta ideológica. Assinale Verdadeiro (V) ou Falso (F): ( ) A ideologia de Althusser de forma geral se aplica indiretamente de uma forma não revolucionária. ( ) A terceira tese da ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos, fato que pode ser pensado a partir do AIE escolar de suas instituições. ( ) Podemos verificar que a segunda tese sobre a ideologia ressalta que essa tem um caráter material. ( ) Na primeira tese da ideologia, o que prevalece é uma relação não imaginária dos indivíduos com as formas de governo. 202 aprimore-se No exercício de entendimento sobre o funcionamento e o papel da ideologia, Marx e Engels defendem que não é correto partir daquilo que os homens di- zem, pensam ou imaginam, nem mesmo daquilo que remete ao significado das palavras, da imaginação ou dos pensamentos para chegar até a constituição em carne e osso dos homens, deve-se partir dos homens, da atividade real. É neste sistema de vida que é possível compreender o desenvolvimento dos reflexos e das repercussões ideológicas presentes no processo vital (MARX & ENGELS, 1998). A teoria desenvolvida por estes autores influenciou o pensa- mento político e filosófico de Antônio Gramsci. Contudo, Gramsci desenvolve argumentos que vão além do que foi formulado por Marx e Engels sobre a caracterização do conceito de ideologia. Para Gramsci, a ideologia deveria ser tratada mais positivamente do que negativamente. Marx e Engels localizavam a ideologia no nível da “supraestrutura”, e, desta forma, deveria ser analisada de forma crítica. Estas construções supraestruturais possuem a capacidade de combinar elementos de conhecimento e expressões prejudiciais à universali- dade do conhecimento. A ideologia, no sentido emque é dado a palavra por Marx e Engels, passa a representar, no nível da supraestrutura, um fator de equívocos, ou, segundo Gramsci, um elemento de erro (KONDER, 2002). [...] Lukács afirma que, na maioria das vezes, e mesmo no interior de uma tradição intelectual que pode ser caracterizada como marxista, a ideologia está contra- posta à ciência. Começando com algumas citações da obra A Ideologia Alemã, o fenômeno ideológico é comparado com uma câmara escura que possui a capacidade de inverter a realidade, escondendo assim as contradições sociais entre os homens ao mesmo tempo em que legitima as relações de exploração e dominação (LESSA, 1997). A ideia de que a ideologia seria responsável pela criação de uma penumbra no interior da qual estaria escondida a realidade das contradições sociais, permitindo que as classes dominantes reproduzissem a dominação e a exploração está implícita nas alegações de Lukács. Retornando a discussão sobre a distinção entre ciência e ideologia, Lukács afirma que não é a função social que determina o papel efetivo jogado na processualidade so- cial, mas sim o conteúdo, que é mais ou menos verdadeiro dos conhecimentos, 203 aprimore-se o elemento responsável pela distinção entre ciência e ideologia. Admitindo a ideologia como função socialmente estabelecida, Lukács rompe com esta con- cepção, “postula que uma conquista da ciência, que nada tenha em si de ideo- lógica, pode, em dadas condições, se converter ou não, em seguida da mesma forma que uma dada ideologia” (LESSA, 1997, p.49). Diferente de Lukács, que afirma que a ideologia é um elemento pertinente à materialidade como tal, que emerge das atividades dos indivíduos, o fetichismo da mercadoria, etc., Althus- ser argumenta que o exterior institucionalizado, que é capaz de subjugar e re- gular a vida social dos indivíduos, através dos Aparelhos Ideológicos do Estado (AIEs) representa o agente superior externo que organiza a sociedade (ŽIŽEK, 1996). Para Althusser, os AIEs indicam a existência material da ideologia através das práticas, dos rituais, regras e instituições ideológicas (ALTHUSSER, 1983). Uma teoria das ideologias, segundo o autor, estaria situada na história das for- mações sociais, e, desta forma, naqueles modos de produção combinados nes- tas diversas formações, repercutindo também nas lutas de classe que acabam se desenvolvendo nelas. Apresentando um projeto de teoria da ideologia em geral, nas quais outras teorias da ideologia dependem, Althusser defende que a ideologia não tem história (ALTHUSSER, 1983), visto que está é “eterna, onipre- sente, sob a sua forma imutável, em toda a história, a história das formações sociais de classe” (ALTHUSSER, 1983, p.85). No exercício de entendimento sobre o funcionamento e o papel da ideolo- gia, Marx e Engels defendem que não é correto partir daquilo que os homens dizem, pensam ou imaginam, nem mesmo daquilo que remete ao significado das palavras, da imaginação ou dos pensamentos para chegar até a constitui- ção em carne e osso dos homens, deve-se partir dos homens, da atividade real. É neste sistema de vida que é possível compreender o desenvolvimento dos reflexos e das repercussões ideológicas presentes no processo vital (MARX & ENGELS, 1998). A teoria desenvolvida por estes autores influenciou o pensa- mento político e filosófico de Antônio Gramsci. Contudo, Gramsci desenvolve argumentos que vão além do que foi formulado por Marx e Engels sobre a caracterização do conceito de ideologia. Para Gramsci, a ideologia deveria ser 204 aprimore-se tratada mais positivamente do que negativamente. Marx e Engels localizavam a ideologia no nível da “supraestrutura”, e, desta forma, deveria ser analisa- da de forma crítica. Estas construções supraestruturais possuem a capacidade de combinar elementos de conhecimento e expressões prejudiciais à univer- salidade do conhecimento. A ideologia, no sentido em que é dado a palavra por Marx e Engels, passa a representar, no nível da supraestrutura, um fator de equívocos, ou, segundo Gramsci, um elemento de erro (KONDER, 2002). No exercício de entendimento sobre o funcionamento e o papel da ideologia, Marx e Engels defendem que não é correto partir daquilo que os homens dizem, pensam ou imaginam, nem mesmo daquilo que remete ao significado das pa- lavras, da imaginação ou dos pensamentos para chegar até a constituição em carne e osso dos homens, deve-se partir dos homens, da atividade real. É neste sistema de vida que é possível compreender o desenvolvimento dos reflexos e das repercussões ideológicas presentes no processo vital (MARX & ENGELS, 1998). A teoria desenvolvida por estes autores influenciou o pensamento polí- tico e filosófico de Antônio Gramsci. Contudo, Gramsci desenvolve argumentos que vão além do que foi formulado por Marx e Engels sobre a caracterização do conceito de ideologia. Para Gramsci, a ideologia deveria ser tratada mais positivamente do que negativamente. Marx e Engels localizavam a ideologia no nível da “supraestrutura”, e, desta forma, deveria ser analisada de forma crítica. Estas construções supraestruturais possuem a capacidade de combinar elementos de conhecimento e expressões prejudiciais à universalidade do co- nhecimento. A ideologia, no sentido em que é dado a palavra por Marx e Engels, passa a representar, no nível da supraestrutura, um fator de equívocos, ou, segundo Gramsci, um elemento de erro (KONDER, 2002). Fonte: Gonçalves (2015, p. 4-8). 205 eu recomendo! A Ideologia Alemã Autores: Karl Marx e Friedrich Engels Editora: Boi Tempo Sinopse: a ideologia alemã é a obra filosófica mais importante de Marx e Engels. Sendo elaborada entre os anos de 1845-1846, é uma exposição estruturada da concepção materialista da história bem como o texto principal desses autores, no que se refere à reli- gião. Na obra, os filósofos promovem, ainda, um acerto de contas com a filosofia de seu tempo e com a obra de Hegel e os chamados hegelianos, entre eles Feuerbach. livro Marxismo e teoria da literatura Autor: Georg Lukács Editora: Civilização Brasileira Sinopse: os temas abordados nesta obra são os mais variados. Esse livro contém um exame das ideias estéticas de Engels bem como uma abordagem da teoria marxiana da decadência ideológica e os seus reflexos na literatura. E ,para finalizar, Lukács apresenta algu- mas das principais determinações desenvolvidas pelo realismo. livro “O Jovem Marx” Ano: 2000 Sinopse: esse filme retrata a época da juventude de Karl Marx e as primeiras mobilizações realizadas por ele e Friedrich Engels. Já aos 26 anos, Marx e sua esposa são exilados. Ele irá conhecer Engels somente em 1844, em Paris. Esse último investigou o nascimento da classe trabalhadora britânica, complementando a nova visão de mundo de Marx, o que gerou várias obras escritas em parceria. filme https://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&tbo=p&tbm=bks&q=inauthor:%22Gy%C3%B6rgy+Luk%C3%A1cs%22 206 conclusão geral conclusão geral 206 conclusão geral conclusão geral Olá, querido(a) aluno(a)! Chegamos ao término do nosso estudo, mas, na verdade, este é só o começo. Os filósofos que conhecemos, aqui, são o ponto de partida para que possamos estruturar bem a sociedade em que vivemos, aperfeiçoando e imple- mentando a forma de governo mais adequada. Com Aristóteles, havia uma busca pelos direitos mínimos que deveríamos garantir aos cidadãos, para que esses pudessem evitar os trabalhos manuais e se voltar à contemplação. O estagirita falou de um tipo de governo específico para cada tipo de povo. Depois, com Cícero, tivemos o resgate do amor pátrio, no qual o homem tem de se esforçar para fundar o Estado. Avançando até Maquiavel, expusemos o verdadeiro objetivo de sua obra, livrando o filósofo de interpretações derivadas de leituras apressadas de sua teoria. O filósofo florentino objetivava, mais exatamente, responder à instabilidade políticana qual se encontrava a Itália em que ele viveu, ensinando, ainda, como um príncipe deve agir para se manter no poder. Sua obra traz um outro objetivo nobre: alertar a popula- ção de sua época sobre os exageros que podem ser cometidos pelo príncipe. Com as teorias dos filósofos contratualistas, pudemos perceber certos níveis de ins- tabilidade no estado de natureza, mais hostil na visão de Hobbes, e com um agra- vante: o medo do sujeito de habitar um lugar, onde “o homem pode ser o lobo do homem”. De um modo mais abrandado na teoria de Locke, com seu liberalismo, e chegando em Rousseau, a ser um estado ideal para se educar a criança e o jovem (ao menos até os 25 anos de idade). 207 conclusão geral conclusão geral Arendt mostrou uma política voltada para uma crítica aos elementos componentes dos regimes totalitários e Nazista. Já Bobbio trouxe à tona a preocupação com a questão democrática, deixando mais claro a diferença entre a democracia direta e a democracia representativa. Inclusive afirmou que a pior democracia consegue ser melhor do que qualquer regime totalitário. Rawls ressignificou o liberalismo, traba- lhando a noção de justiça com equidade. Assim, fechamos a última unidade com o polêmico Karl Marx, destacando as impli- cações envolvidas em seu conceito de trabalho alienado e de ideologia comunista, que, por sua vez, “assusta” tantas pessoas. Um filósofo de marca maior, como foi Karl Marx, não poderia deixar de ter uma legião de seguidores. Como dissemos anteriormente, seria difícil nomear e explanar a teoria de todos eles numa obra que é, de certa forma, não muito extensa, desse modo, expusemos alguns dos mais relevantes: Antonio Gramsci e a questão do Estado Capitalista; Georg Lukács e o conceito de politicidade e a dignidade do ser social; Louis Althusser e os Aparelhos Ideológicos do Estado e, por fim, a questão da liberdade, em Slavoj Zizek. referências 208 ACANDA, J. L. Gramsci. Recife, jan. 2010. [Notas de aula]. AGUIAR, O. A. A tipificação do totalitarismo segundo Hannah Arendt. Dois pontos, Curitiba; São Carlos, v. 5, n. 2, p.73-88, out. 2008. ALDÁ, S. As Provas da Existência de Deus Segundo os Filósofos. Maringá: Pensador, 2018. ALTHUSSER, L. Ideologia e Aparelhos ideológicos do Estado. Queluz de Baixo: Presença, 1980. AMES, J. L. Filosofia Política: Reflexões. Curitiba: Protexto, 2012. ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Com- panhia das Letras, 1999. ARENDT, H. 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