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Direitos Humanos Gestão e Implementação de Políticas Públicas e de Organismos de Políticas para Mulheres Enap, 2024 Fundação Escola Nacional de Administração Pública Diretoria de Desenvolvimento Profissional SAIS - Área 2-A - 70610-900 — Brasília, DF Fundação Escola Nacional de Administração Pública Diretoria de Desenvolvimento Profissional Conteudista/s Marlise Matos - DCP/NEPEM/UFMG (Conteudista, 2024). Curso desenvolvido no âmbito da Diretoria de Desenvolvimento Profissional – DDPRO em parceria com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania – MDHC 3Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Sumário Apresentação .................................................................................................................... 5 Módulo 1 –Estado, Democracia e Políticas Públicas 6 Unidade 1 - Estado, Democracia e Cidadania ....................................................... 6 1.1. Estado e Democracia ................................................................................................ 6 Unidade 2 - Estado e Políticas Públicas .............................................................. 15 2.1. O que são Políticas Públicas? ................................................................................. 15 2.2. O Ciclo de Políticas Públicas ................................................................................... 21 Unidade 3 - As Políticas Públicas para as Mulheres: gestão da complexidade ........................................................................................................ 25 3.1. Políticas para as Mulheres em Perspectiva Interseccional................................. 26 3.2. A Transversalidade .................................................................................................. 27 3.3. A Intersetorialidade ................................................................................................. 32 3.4. A Interseccionalidade .............................................................................................. 37 3.5. Panorama Atual das Políticas Públicas para Mulheres em perspectiva interseccional .................................................................................................................. 41 Referências ............................................................................................................. 45 Módulo 2 –As políticas públicas e os organismos de políticas para as mulheres – OPM 48 Unidade 1: Fundamentos dos OPM ...................................................................... 48 1.1. O que são os OPM? Quando surgiram? ................................................................ 48 1.2. O Papel dos OPM na gestão das Políticas para mulheres em perspectiva interseccional .................................................................................................................. 52 1.3. A Função dos OPM .................................................................................................. 56 1.4. A Importância dos OPM .......................................................................................... 56 Referências ............................................................................................................. 58 Módulo 3 –Como devem funcionar os OPM Unidade 1: Criação e Estruturação dos OPM ...................................................... 59 4Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1.1. Como criar um OPM ................................................................................................ 59 1.2. Planejamento do orçamento, estrutura de Secretaria e recursos humanos .. 61 Unidade 2: Diálogos Interinstitucionais, Sustentabilidade e Articulação na gestão dos OPM ...................................................................................................... 67 2.1. Estratégias para garantir a permanência das políticas públicas para mulheres nos OPM ........................................................................................................................... 67 2.2. Fóruns Nacional e Estaduais de OPM: papéis e importância ............................ 69 Referências ...................................................................................................................... 70 Módulo 4 –OPM e a sua relação com a participação e o controle social Unidade 1: Engajamento e Controle .................................................................... 71 1.1. A importância da Participação e do Controle social .......................................... 71 1.2. Os Conselhos dos Direitos das Mulheres e de Promoção da Igualdade Racial 74 1.3. As Procuradorias das Mulheres ............................................................................. 79 1.4. As Ouvidorias ........................................................................................................... 81 Referências ............................................................................................................. 83 Módulo 5 –OPM na perspectiva do planejamento, da gestão e das parcerias Unidade 1: Análise e Planejamento Participativo.............................................. 84 1.1. Mapeamento e Diagnósticos das demandas dos movimentos de mulheres .. 84 Unidade 2: As Conferências de Políticas para as Mulheres no Brasil recente 88 2.1. O histórico de construção participativa das políticas para as mulheres em perspectiva interseccional ............................................................................................. 88 Unidade 3: Plano Estratégico para a Construção e Promoção da Igualdade de Gênero em Perspectiva Interseccional ............................................................. 100 3.1. Como elaborar um Plano de Políticas para Mulheres em Perspectiva Interseccional com metas e ações a partir de dados coletados ............................. 100 3.2. Construção de parcerias com entes governamentais, instituições da sociedade civil, movimentos de mulheres e feministas, movimentos antirracistas (dentre outros) para elaboração e implementação do Plano ............................................... 103 Referências ........................................................................................................... 110 5Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Apresentação Desejamos boas-vindas ao Curso Gestão e Implementação de Políticas Públicas e de Organismos de Políticas para Mulheres. Neste Curso você terá acesso aos elementos básicos para planejar, gerir e implementar políticas para as mulheres numa perspectiva interseccional. Desde a discussão mais simples sobre fundamentos do Estado e das Políticas Públicas, passando pela construção e sustentabilidade dos Organismos de Políticas para as Mulheres, o curso busca qualificar lideranças femininas e suas equipes na gestão pública dos diferentes níveis e aperfeiçoar seus conhecimentos na atuação político- institucional na construção dessas políticas públicas. O conteúdo deste curso é estruturado em 5 módulos: • Módulo 1 – Estado, Democracia e Políticas Públicas; • Módulo 2 – As Políticas Públicas e os Organismos de Políticas para as Mulheres (OPM; • Módulo 3 – Como Devem Funcionar os OPM; • Módulo 4 – OPM e a sua Relação com a Participação e o Controle Social • Módulo 5 – OPM na perspectiva do Planejamento, da Gestão e das Parcerias. Bom estudo! 6Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Módulo 1 Estado, Democracia e Políticas Públicas Unidade 1 - Estado, Democracia e Cidadania Ao final desta unidade, você será capaz de reconhecer os elementos fundamentais de Estado e Democracia e as dinâmicas das desigualdades e opressões brasileiras, com foco na superação como condição para consolidação democrática no país. Vídeo: Apresentação Duração: 3:11 1.1. Estado e Democracia Para iniciarmos as discussões sobre Gestão e Implementação de Políticas Públicas e de Organismos de Políticas para Mulheres devemospartir de algumas definições principais para facilitar o melhor entendimento do conteúdo. Vamos então, bem do começo, apresentar as definições centrais de política, Estado e democracia. Isso porque estes três conceitos são introdutórios para compreendermos melhor o que, afinal, as políticas públicas e, também, as políticas públicas para as mulheres se constituíram no país, e como elas nos colocam desafios significativos no campo da gestão do Estado brasileiro. O intuito é consolidar determinados entendimentos que venham a ser compartilhados por aquelas/es que vão atuar nesse campo fundamental da Gestão Pública no Brasil. A partir das definições a serem debatidas aqui, você poderá ter os elementos necessários para refletir criticamente a respeito da relação entre a construção das políticas públicas e a democracia brasileira, podendo ainda entender quais são as principais etapas de construção dessas políticas (sendo, pois, capaz de identificar o ciclo de vida das políticas públicas e das políticas públicas focalizadas nas mulheres) junto ao Estado brasileiro. Será capaz de entender, ademais, que as políticas para https://youtu.be/0OYlQe3ykVE 7Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública as mulheres em perspectiva interseccional nos colocam o desafio de uma gestão pública de caráter complexo (considerando-se que é preciso entender e situar as mulheres brasileiras em sua diversidade: negras, indígenas, brancas, urbanas, rurais, quilombolas, ribeirinhas, ciganas, jovens, idosas, lésbicas, transsexuais, heterossexuais, deficientes, pobres, de classe média, ateias, religiosas etc.). Por isso, precisamos, também, entender o que é a “transversalidade”, “multi e transdisciplinaridade”, “intersetorialidade” e “interseccionalidade” com que lidamos no cotidiano das políticas públicas, entendendo como esses conceitos interagem e tornam o campo da gestão das políticas para as mulheres muito desafiador. Entender que gênero, raça, sexualidade, classe, geração, deficiências, território, área de moradia, dentre outros fatores que delimitam diferenças e recortam especificidades nas demandas e nos interesses das mulheres é o que nos leva a defender que as políticas para as mulheres devam ser trabalhadas numa perspectiva interseccional. Essa compreensão vai ajudar cada pessoa envolvida a situar os objetivos e também os resultados que todas nós precisamos atender e alcançar. Comecemos pelo conceito principal de política. O que é a “política” para você? Qual ou quais os sentidos que ela tem? Ela interfere na sua vida? Quando? Como? Por quê ? O conceito de política tem mais de um significado, e a depender da perspectiva teórica e de qual o campo de conhecimento que se enuncia a definição ele vai variar. Para iniciar, podemos dizer que a política está presente em todos os aspectos da vida humana, mesmo quando você se recusa a enxergar a política, ela está lá, ela continua existindo. Mesmo que você não goste da política, ou prefira não fazer parte da política, ou queira permanecer apática em relação à política, todas essas ações são políticas, porque cada uma delas tem consequências. Etimologicamente, a palavra “política” é originária do grego “pólis” (politikós), referindo-se ao que é urbano, civil, público, enfim, a tudo o que se relaciona à cidade, ou seja, à pólis (Bobbio et al., 1993, p. 954). Essa conceituação originária se relaciona às cidades da Grécia Antiga, que foram, como sabemos, o berço de nascimento no mundo ocidental da política e da democracia clássica. Para a filósofa Hannah Arendt (2002, p. 21)), por exemplo, a “política se baseia na pluralidade dos homens” e “a política trata da convivência entre diferentes”, ou seja, 8Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública o que a política faz afinal é organizar a vida em coletividade. Assim, é muito comum se estabelecer que a política é uma forma de atividade humana relacionada ao exercício, à distribuição e à organização do poder em uma determinada sociedade. Desse modo, a política refere-se ao jogo de forças que é constituído nas mais diferentes formas de estabelecermos relações e interações, sendo todas elas mediadas por algum tipo de poder e de autoridade. A política, então, é a arena na qual se travam as lutas e as disputas pelo poder. E o poder, por sua vez, existe em todos os lugares onde existem pessoas se relacionando. Por exemplo, entre mães, pais e seus descendentes existe relação de poder, como também entre o corpo docente e sua classe, entre homens e mulheres, entre pessoas brancas e negras, entre ricos e pobres, entre gestores de uma política e as pessoas beneficiárias dessa mesma política pública etc. Dalmo Dallari (1984, p. 11), chama então de “política” toda organização social que procura atender à necessidade de convivência entre os seres humanos que são, por princípio, distintos ou diferentes, bem como toda ação humana que produz algum efeito sobre a organização, o funcionamento e os objetivos de uma sociedade. Como vemos, “política” possui várias acepções, mas, de forma geral, pode-se dizer que discutir política é referir-se ao poder, considerado aqui, de forma genérica, como a capacidade ou possibilidade de agir, de produzir determinados efeitos sobre pessoas ou sobre os grupos humanos. Portanto, entender as relações que permeiam o poder e a política torna-se algo fundamental e, aqui, as principais relações de poder que estão revestidas completamente de política e que vão nos interessar muito são as relações de poder dentro do Estado e do Estado com sua população, que se estabelecem na forma política de uma instituição estatal. Mas, vamos precisar nos interessar ainda pelas relações de poder entre os homens e as mulheres, entre as próprias mulheres e entre as pessoas de diferentes raças e etnias. Outra definição importante é a de Estado. O Estado é uma instituição social e política (com práticas repetidas no tempo e no espaço, que vão se formalizando, ganhando vida e concretude próprias, sendo o resultado sistemático de determinados tipos de ações sociais ) e é uma forma específica de associação humana, tal como o são também: a escola, a i greja, a família, o mercado, a empresa etc. Max Weber (1981), por exemplo, definiu o Estado (nacional soberano) como uma instituição organizada política, social e juridicamente, que ocupa um território definido, normalmente onde a lei máxima é uma Constituição escrita, e é dirigida por um governo que possui soberania reconhecida, tanto interna como externamente. A definição canônica de Estado weberiana pode ser sintetizada na máxima: “Um governo, um povo, um território”, sendo este mesmo Estado responsável pela organização política e pelo controle legal, formal e social, pois, deteria o monopólio legítimo do uso da força e da violência (coerção física, mas especialmente também, coerção formal-legal) numa determinada sociedade. 9Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública A unidade estatal também costuma ser tradicionalmente definida como o espaço institucional onde se realiza o processamento e a transação legítima dos dissensos/ conflitos entre as diferentes figuras socio políticas. Nessa definição é enfatizado o papel do Estado como instituição “mediadora” dos interesses, definindo, ao fim e ao cabo, aquilo que seria (ou não) legítimo e deve pertencer à sua esfera de atuação. Mas a instituição estatal vai além de seu caráter de unidade superior de decisão política ou legal sobre uma determinada população, relativamente homogênea, que habita um território delimitado. Outro elemento importante à definição de Estado é o fato de este possibilitar acesso a muitos recursos que podem ser de várias naturezas. Sendo assim, destaca-se, também, que o Estado é, afinal, um recurso de poder em si mesmo na medida em que é capaz de mobilizar outros recursos (sejam materiais, financeiros, simbólico- culturais e, claro, políticos) de poder. Todo Estado possui, ademais, um governo quese refere ao conjunto daquelas pessoas que detêm cargos oficiais e que exercem a autoridade pública e política em nome do Estado, que definem leis, medeiam e controlam legalmente os conflitos e fazem a gestão do Estado e de seus recursos através das políticas públicas. Ou seja, o governo são as pessoas que realizam, na qualidade de representantes ou agentes, as funções do Estado. Na verdade, faz parte do jogo democrático os governos mudarem, enquanto o Estado continua a existir. A ideia de governo implica também, dentro do Estado, a distinção necessária entre governantes (p residente e presidenta, g overnadores e governador as, p refeitos e prefeit as, m inistros e ministr as, s ecretários e secretári as, g estores e gestor as e servidores públicos e servidor as pública s em geral, quando nos referimos ao braço estatal do Poder Executivo; e parlamentares, suas a ssessorias, servidores e servidoras das Casas Legislativas, quando nos referimos ao Poder Legislativo; e presidentes e presidentas de Tribunais, d esembargadores e desembargador as, j uízes e juíz as e demais servidores e servidor as da Justiça, quando nos referimos ao Poder Judiciário) e governados e governad as: cada cidadã o e cidadã dest e país. Hoje em dia é mais comum nos referirmos ao lugar social que ocupam os governados e as governad as pelo termo de sociedade civil. Nossa sociedade, do ponto de vista político, seria constituída do Estado (governantes que governam), da sociedade civil (governadas e governad os que democraticamente participam) e das instituições do Mercado (o agente que se responsabiliza pelos interesses do modo capitalista de produção). E stes três agentes juntos conformam aquilo que entendemos como “espaço público ou as esferas públicas” (estatais e não estatais). Num regime democrático, o governo precisa responder e atender às reivindicações, às demandas e às solicitações que a população faz, a fim de realizar as funções do Estado. Est a é a atribuição primordial do Poder Executivo. E é daí que surgem 10Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública as políticas públicas. Política pública significa, pois, o “estado em ação” (Jobert e Müller, 1987), os objetos específicos das mesmas conformam as decisões, os programas e ações/intervenções dos poderes público-estatais, a respeito das várias áreas de atuação do aparato do Estado em seus três grandes níveis federativos: União ou federal, estadual e municipal. Os poderes Legislativo e Judiciário podem também ser propositores de políticas públicas, mas, o mais comum é o próprio Estado – na forma do Poder Executivo – o agente responsável pelas políticas governamentais (e públicas), ou seja, quem se responsabiliza por elas atuando como o principal propositor ou implementador, o gestor e aquele que as avalia. As políticas públicas não são neutras: elas têm caráter normativo ou prescritivo (ou ambos). Isto quer dizer que esta área está intimamente articulada com as questões de valor/valorativas, de sentido e significado, daqueles que det êm o poder de governar e daqueles que, a partir da sociedade civil, pressionam o Estado, e desse embate vão surgindo os “problemas políticos”, solicitando alguma forma de intervenção do Estado. A incorporação das perspectivas de gênero e raça, por exemplo, nas políticas públicas desenvolvidas por determinados projetos de governos, no Brasil, nos levaram à construção das políticas públicas sensíveis a gênero e raça. Assim, ao adotar os conceitos de gênero, raça e classe social (considerando-se que há outros que são também relevantes) como referências para as análises, formulação e a implementação das políticas públicas estatais, procura-se chamar a atenção para a construção – social e histórica – dos femininos, dos masculinos, das formas fluidas e não demarcadas sexualmente, das relações sociais entre os sexos plurais, das diversas identidades de gênero e as diferentes orientações sexuais, bem como para a construção histórico-política de pessoas negra s e indígenas, das relações étnico-raciais fortemente violentas da nossa sociedade, marcadas por relações de poder hierárquicas e por assimetrias estruturais, e ainda, para o fato das distinções de classe social atravessarem de forma decisiva todos ess es aspectos. No caso específico das políticas públicas de combate às discriminações contra as mulheres e contra as desigualdades étnico-raciais existe um campo aberto de disputas, a respeito de certas imagens/representações sobre o que é gênero, o que é raça, o que é o patriarcado e o sexismo, o que é o racismo (dentre outros) e o que o preconceito de classe, que se encontram aderidos, afinal, às diferentes formas de políticas que são gestadas pelo poder público. A seguir, para uma fixação e melhor síntese de algumas das definições centrais debatidas até aqui, temos a seguinte figura: 11Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Figura: Síntese de algumas definições centrais. Fonte: Elaboração própria, 2021. Ao falarmos de classe social, outro conceito importante a ser mencionado é o de capitalismo (mercado capitalista ou modo capitalista de produção). O Estado Moderno, em qualquer que seja a sua forma, é uma máquina essencialmente capitalista. O capitalismo nasceu na Europa e nos Estados Unidos juntamente com o Estado moderno, é sempre bom lembrar disto. É importante salientar que, mesmo existindo diferentes definições de Estado, como cientista política, eu não faço a defesa de nenhuma posição neutra, universal para o Estado, especialmente quando este toma as suas decisões ou quando age. Pelo contrário, de um modo geral, as ideologias e valores dominantes, representadas e defendidas sobretudo por classes sociais privilegiadas, que se constituem frequentemente nas elites políticas e nos governantes de um determinado país/região, e em um determinado momento histórico, costumam administrar seletivamente o ingresso/acesso aos recursos estatais e enviesam as suas ações. Essa “seletividade” tem consequências múltiplas, e entre elas está aquela que termina definindo padrões “aceitáveis” de legitimidade e de autoridade que, costumeiramente, passam a ser, então, considerados como mais “democráticos”, quando não “universais” e/ou “neutros”. E isso, geralmente, é levado a termo através da colaboração de múltiplas agências institucionais (desde os partidos políticos, os meios de comunicação de massa, o sistema escolar, as igrejas, o mercado capitalista etc.), as quais o Estado costuma lançar mão para 12Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública efetivar a sua necessidade de legitimação social. Conclui-se que não é só o Estado e suas instituições que possuem determinadas “inclinações”, que são frequentemente naturalizadas como “neutras” (mas são classistas, racistas e sexistas, por exemplo), é a nossa sociedade como um todo. De qualquer forma, em sociedades democráticas complexas – multi e transculturais, multiétnicas – como é a sociedade brasileira, é claramente possível identificar essas inclinações e tendências de ação em relação às mulheres, às pessoas negras e indígenas e aos pobres, por exemplo. É possível identificar determinados padrões de agir, no âmbito estatal, que foram se institucionalizando, seja através de políticas públicas especificamente direcionadas para ess es grupos, entrelaçadas, contudo, com as inclinações de classe (um ótimo exemplo é o do Programa Bolsa Família), seja pelos mecanismos que vêm sendo criados para, ou ignorar ou empoderar diferentes grupos. Por exemplo, as ações estatais têm consequências nas formas de organização das famílias, das outras instituições políticas, sociais e do mercado, pois este interfere nestes espaços a partir de orientações histórico-político-econômicas. No nosso modelo de democracia ocidental moderna, essas orientações ora tendem ao liberalismo político e econômico (apontando para perspectivas de atuação em que o Estado, deixando de intervir, abre mais espaçopara as ações do o mercado, que é considerado por esta ideologia “mais eficiente”, autorizando a este último o papel de regular-se e de organizar a divisão da riqueza – e isso é, em linhas bem breves, o que chamamos de paradigma do Estado de laissez-faire, marcado pela menor intervenção estatal possível em todas as áreas da vida social e econômica), ora tendem ao formato de um Estado mais interventor (que estaria por exemplo na base do Estado de bem-estar social, um agente estatal que possui compromissos com a inclusão social e a justiça, que se ocupa com a garantia de redução das desigualdades entre a sua população e com a provisão de serviços públicos em diversas áreas da vida social, fazendo intervenções frequentes neste campo, por exemplo). É importante salientar que o Estado brasileiro foi historicamente constituído por períodos bem mais extensos e continuados de regimes não democráticos, períodos de autoritarismo político. Nossa história democrática é recente e frequentemente é ameaçada por um tipo de contrato ou pacto político-social, que se organizou entre nós como um agente poderoso de segregação, discriminação ou, no mínimo, de distanciamento da população feminina, negra e indígena do país das suas próprias ações e decisões. As estatísticas e indicadores sociais, em qualquer área que se possa averiguar, demonstram isso. Esses padrões, por sua vez, têm uma longa história política e estão diretamente articulados aos nossos processos de colonização e de colonialismo, dentre outras dimensões. Ou seja, a história brasileira é atravessada pelas desigualdades sociais e o Estado brasileiro teve e tem um papel central nessa trajetória. 13Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Para conhecer um pouco mais, você pode consultar: 1) O Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça no Brasil (https://www.ipea.gov.br/retrato/apresentacao.html). 2) O s dados do IBGE sobre desigualdades por raça (https://www. ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/25844-desigualdades- sociais-por-cor-ou-raca.html) e sobre mulheres (https://www.ibge. gov.br/estatisticas/multidominio/genero/20163-estatisticas-de- genero-indicadores-sociais-das-mulheres-no-brasil.html). Veja também a reportagem “Entenda por que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e como podemos combater a desigualdade social” https://confluentes.org.br/2023/06/01/ entenda-por-que-o-brasil-e-um-dos-paises-mais-desiguais-do- mundo-e-como-podemos-combater-a-desigualdade-social/. Onde você consegue a presença das políticas públicas sensíveis a gênero e raça? Elas existem na sua cidade/Estado? Entre nós, os traços coloniais de nossos sistemas social, econômico, cultural e político (a exemplo do racismo, do patriarcalismo etc.) nem sempre são abertamente debatidos, apesar de estarem presentes no debate público, isso porque há ainda muita desinformação intencional sobre esses temas e debates, com rigor científico e acadêmico, que precisam ganhar maior centralidade. Se o Estado brasileiro, pelo seu passado colonial, é patriarcal e racista, é necessário finalmente construir as formas de efetivamente democratizá-lo. Chegamos ao conceito de democracia. Esta pode ser considerada um dos pilares de estudo da Ciência Política. Assim, a adoção de regimes democráticos pode ser entendida como uma das principais características dos Estados contemporâneos. Mas é preciso lembrar também que as democracias são construídas coletivamente e, inclusive, que elas podem ser desconstruídas, ameaçadas e que podem deixar de existir. https://www.ipea.gov.br/retrato/apresentacao.html)%20e%202 https://www.ipea.gov.br/retrato/apresentacao.html)%20e%202 https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/25844-desigualdades-sociais-por-cor-ou-raca.html https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/25844-desigualdades-sociais-por-cor-ou-raca.html https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/25844-desigualdades-sociais-por-cor-ou-raca.html https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/genero/20163-estatisticas-de-genero-indicadores-sociais-das-mulheres-no-brasil.html https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/genero/20163-estatisticas-de-genero-indicadores-sociais-das-mulheres-no-brasil.html https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/genero/20163-estatisticas-de-genero-indicadores-sociais-das-mulheres-no-brasil.html https://confluentes.org.br/2023/06/01/entenda-por-que-o-brasil-e-um-dos-paises-mais-desiguais-do-mundo-e-como-podemos-combater-a-desigualdade-social/ https://confluentes.org.br/2023/06/01/entenda-por-que-o-brasil-e-um-dos-paises-mais-desiguais-do-mundo-e-como-podemos-combater-a-desigualdade-social/ https://confluentes.org.br/2023/06/01/entenda-por-que-o-brasil-e-um-dos-paises-mais-desiguais-do-mundo-e-como-podemos-combater-a-desigualdade-social/ 14Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Etimologicamente, a democracia nasceu na Grécia, especificamente na cidade-Estado de Atenas, no período clássico, sendo composta pelos radicais “demos” e “kratos”, que significam, respectivamente: “povo” e “governo”. Em linhas gerais, a democracia é definida, desde a Grécia, como “governo do povo”, ou “governo popular”, em contraposição a outras formas de governo, que também remontam à Idade Antiga, como a aristocracia, a monarquia, a diarquia, a tirania, a oligarquia, entre outros. Entretanto, quando pensamos em democracia no mundo contemporâneo, na democracia moderna, tal como a concebemos hoje: pautada em ordenamentos jurídicos e instituições políticas, que representam os três poderes (executivo, judiciário e legislativo), ela só se tornou possível após a derrocada do Antigo Regime Absolutista, na transição do século XVIII para o século XIX. Com a Revolução Francesa e, depois, a Era Napoleônica, surgiram na Europa os alicerces do que viria a ser o modelo de regime democrático: a formação de grandes centros populacionais, em virtude da Revolução Industrial; a noção de povo associada a uma nação; a soberania política da nação passou a ser vinculada a esse povo, e não mais ao rei; e a instituição do voto, ou sufrágio universal, como parte do sistema representativo direto. Para uma parte significativa dos cientistas políticos, a democracia é um tipo de regime político, um conjunto de regras e de procedimentos para se governar com foco na soberania popular e a partir do sistema de sufrágio e do voto. Segundo Robert Dahl (1997), que criou o conceito de “poliarquia” para se referir à democracia em larga escala, por exemplo, tem-se as seguintes características da poliarquia: liberdade de formar e aderir a organizações; respeito às minorias e busca pela equidade; liberdade de expressão; direito de voto; elegibilidade para cargos públicos; direito de líderes políticos disputarem apoio e, consequentemente, conquistarem votos; garantia de acesso a fontes alternativas de informação; eleições livres, frequentes e idôneas; instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e de outras manifestações, de preferência do eleitorado. Mas, destaca-se que para além de um sistema de governar ou de regime político, a democracia precisa ser uma realidade vivida pelas pessoas. Governantes precisam oferecer condições, recursos e oportunidades para que a população tenha, afinal, uma vida digna, justa. Espera-se que a democracia seja, ademais de um sistema, uma forma de promover a distribuição mais justa de riqueza, de bens e de condições para que cada pessoa viva bem. Mas não é isso que acontece frequentemente no Brasil, um dos países mais desiguais do mundo. A democracia brasileira foi sendo construída, ao longo de muitos anos, pautada em relações de opressão e de violência de diversas naturezas. Salientam-se as inclinações patriarcais racistas: tendo o Estado sido responsável por facilitar ou por bloquear determinadas agendas, por oportunizar o desenvolvimento político de determinados grupos em seu seio, em detrimentode outros, assim como por beneficiar homens brancos em detrimentos de mulheres brancas, de mulheres negras, de mulheres indígenas, por exemplo. 15Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Assim, a democracia, mesmo como regime político, exige uma gestão pública que, além de ser eficiente e buscar alcançar resultados ótimos e efetivos de políticas públicas, precisa alcançar também resultados cívicos e inclusivos. A democracia que defendemos é aquela que se realiza na vida prática, na vida cotidiana das pessoas governadas, e não é apenas o conjunto abstrato de regras e de procedimentos político-eleitorais. Trata-se, então, de pensar um formato de Estado Democrático de Direito que, finalmente, esteja voltado para a promoção dos direitos humanos, da justiça social e da cidadania inclusiva de todas as pessoas em nosso país. Unidade 2 - Estado e Políticas Públicas Ao final desta unidade, você será capaz de compreender o processo de formulação de políticas públicas e como a agenda pública está voltada para o desenvolvimento de políticas públicas para mulheres em perspectiva Interseccional. 2.1. O que são Políticas Públicas? A definição de políticas públicas ainda é um campo em discussão. Diferentes autores e autor as ressaltam o crescimento desta área do conhecimento e têm produzido teorias diferenciadas sobre o tema. De um modo bem simples, pode-se afirmar que as políticas públicas são o “Estado em ação” (Jobert e Muller, 1987) e, de modo geral, a política pública pode ser definida como tudo aquilo que o(s) governo(s) (municipal, estadual ou federal) faz(em) no que diz respeito às leis, medidas reguladoras, decisões, projeto, programas e ações. A cientista política Celina Souza (2006), numa revisão da literatura sobre políticas públicas, afirma que, como área de conhecimento, as políticas públicas surgiram a partir dos EUA, onde foi criado como um novo campo de estudos que focalizava as produções dos governos sem, necessariamente, o vínculo com as ações dos Estados: (...) na Europa, a área de política pública vai surgir como um desdobramento dos trabalhos baseados em teorias explicativas sobre o papel do Estado e de uma das mais importantes instituições do Estado - o governo 16Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública -, produtor, por excelência, de políticas públicas. Nos EUA, ao contrário, a área surge no mundo acadêmico sem estabelecer relações com as bases teóricas sobre o papel do Estado, passando direto para a ênfase nos estudos sobre a ação dos governos (Souza, 2006, p. 22). Em resumo, os conceitos de Estado e de governo são: + Estado São as unidades políticas (municípios, estados, nações), que se apresentam sob a forma de repúblicas e/ou democracias e, neste sentido, dizem respeito ao modo como o poder é exercido e quem exerce o poder. + Governo A organização, que é a autoridade administrativa ou gestora de uma unidade política. Sendo assim, governo não se confunde com Estado. Por exemplo, o Estado Democrático de Direito, que é a forma como é definida a maioria das repúblicas democráticas nos tempos atuais, assume o compromisso da manutenção das liberdades individuais, do respeito aos Direitos Humanos, de agir em acordo com uma Constituição, que prevê garantias jurídicas construídas ao longo do tempo por representantes do povo. Este Estado Democrático de Direito subsiste, não importando quem esteja no governo: se o governante ‘X’ do partido ‘Y’ ou se o governante ‘W’ do partido ‘Z’. + Políticas de governo São aquelas em que o Executivo decide num processo mais elementar de formulação e implementação de determinadas medidas para responder às demandas colocadas na própria agenda política interna – pela dinâmica econômica ou política-parlamentar, por exemplo – ou vindos de fora (agenda externa), como, por exemplo, a partir do resultado ou de eventos internacionais com impacto doméstico. Elas podem até envolver escolhas complexas, mas pode-se dizer que o caminho entre a apresentação do problema e a definição de uma ação política determinada (de governo) é bem mais curto e simples, ficando geralmente no plano administrativo, ou na competência dos próprios ministérios ou secretarias setoriais. + Políticas de Estado Por sua vez, são aquelas que envolvem as burocracias de mais de uma agência do Estado e acabam passando pelo Parlamento ou por instâncias diversas de 17Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública discussão, depois que sua tramitação dentro de uma esfera (ou mais de uma) da máquina do Estado envolveu estudos técnicos, simulações, análises de impacto horizontal e vertical, efeitos econômicos ou orçamentários, quando não, um cálculo de custo-benefício, levando-se em conta a trajetória completa da referida política que se pretende implementar. O trabalho da burocracia pode levar meses, bem como o eventual exame e discussão no Parlamento, pois políticas de Estado, que respondem efetivamente a essa designação, geralmente envolvem mudanças, alterações e/ou revisões de outras normas ou disposições pré-existentes, com incidência em setores mais amplos da sociedade. E por isso mesmo são mais estáveis e duradouras. Você acha que existem “riscos” das políticas de governo se submeterem aos processos de alternância de poder? De se perderem ou de serem “abandonadas”, a depender de qual governo assume o comando? Você conhece casos desse tipo? Como podemos enfrentar isso? Mas nenhum Estado, nem governo, se constitui sem a atuação da sociedade civil. Assim, a sociedade civil se refere àquela arena de ações coletivas voluntárias em torno de interesses, propósitos, opiniões, perspectivas e valores. Na teoria, suas formas institucionais são distintas daquelas do Estado, das famílias e das instituições de mercado, embora na prática, as fronteiras entre Estado, sociedade civil, e estas outras instituições sejam frequentemente complexas e negociadas. A sociedade civil comumente abraça uma diversidade de espaços, de figuras e de formas institucionais, variando em seu grau de formalidade, autonomia e poder. Sociedades civis são povoadas por organizações, como instituições de caridade, organizações não-governamentais, associações produtivas, grupos comunitários, organizações femininas, organizações religiosas, associações profissionais, sindicatos, grupos de autoajuda, movimentos sociais, associações comerciais, coalizões e grupos de lobby e advocacy. As necessidades da população impulsionam os governos a agir de acordo com as leis democráticas. Cabe destacar ainda a atuação dos s pesquisadores e d as pesquisadoras, de acadêmicos e especialistas, que têm contribuído para a qualificação e o aprofundamento dos debates sobre as políticas públicas. São economistas, matemáticas e matemátic os, analistas de sistemas, engenheiras e engenheir os, sociólogas e sociólog os, antropólogas e antropólog os, psicólogas e 18Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública psicólog os, cientistas políticas e políticos, profissionais da área da saúde, pedagogas e pedagogos, educadores, assistentes sociais e profissionais de outras áreas que, ao pesquisar as políticas públicas, lhes dão caráter interdisciplinar. Por isso, Souza (2006) afirma que as políticas públicas podem ser pensadas como: (...) o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, ‘colocar o governo em ação’ e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real (Souza, 2006, p. 26). Uma forma comum de se classificar as políticas públicas é seguindo o modelo proposto por Theodor Lowi (1972), considerada a tipologia mais conhecida da área e segundo a qual as políticas públicas são divididasem quatro categorias: 1. Políticas distributivas, com relação aos recursos limitados e que têm efeitos mais individuais que gerais; 2. Políticas regulatórias, mais visíveis, envolvendo a burocracia e os grupos de interesses; 3. Políticas redistributivas, que atingem maior número de pessoas e impõe perdas a alguns, sendo de mais difícil aprovação e; 4. Políticas constitutivas, que tratam de regras e procedimentos (apud Souza, 2006, p. 28). É importante lembrar em todos os modelos que é a política pública que: permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz; envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada através dos governos, e não necessariamente se restringe a participantes formais, já que os informais são 19Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública também importantes; é abrangente e não se limita a leis e regras; é uma ação intencional, com objetivos a serem alcançados; a política pública, embora tenha impactos no curto prazo, é uma política de longo prazo; envolve processos subsequentes após sua decisão e proposição, ou seja, implica também implementação, execução e avaliação (Souza, 2006, p. 36-37). Cabe destacar que as políticas sociais devem atacar o maior drama social brasileiro, que são as nossas desigualdades históricas. Para esse enfrentamento, o Estado pode adotar ao menos duas estratégias políticas: a universalização e a focalização. A universalização ou o universalismo nas políticas públicas de caráter social, segundo Lariú (2004): (...) é a forma de conceber a política social que surgiu e se desenvolveu a partir da ampliação do conteúdo de cidadania no século XX. Tal conceito parte da premissa de que a redistribuição de bens e serviços, adequada às necessidades e relacionada a uma concepção de direitos, deve ser garantida igualmente a todos os cidadãos e independe de qualquer condicionante prévia, como diferenças pessoais, contribuições sociais e inserção no mercado de trabalho (Lariú, 200, p. 71). Há quem imagine o alcance desses resultados de superação das nossas mazelas sociais a partir de outra estratégia: a focalização das políticas. Nesse enfoque o que se faz é concentrar os recursos disponíveis (algo quase sempre escasso) n as pessoas beneficiári as potenciais e que devem receber um tratamento preferencial. A focalização das políticas enxerga e atende a determinados grupos da população que são considerados os mais vulneráveis e em risco social. No caso específico do enfrentamento à pobreza, o objetivo é direcionar a política no sentido de que: quanto mais focalizados forem os gastos sociais do governo, quanto mais direcionados forem eles para os 20Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública grupos de renda mais baixa, maior o efeito na redução do grau de desigualdade, na distribuição de renda e na diminuição da pobreza do país (Lariú, 2004, p. 72). Desta forma, destaca-se ainda que nem sempre é possível ou é necessário “escolher” entre uma ou outra estratégia ou adotar políticas universais ou focalizadas. Frequentemente é conjugar ambas, já que elas são, muitas vezes, complementares. Assim, destaca-se que o foco analítico principal das políticas públicas se encontra no tipo de problema que se visa corrigir, de modo que seja possível identificar o problema e avaliar a melhor forma de chegada desse problema ao sistema político (politics), à sociedade política (policy) e às instituições-regras que irão modelar a decisão e a implementação da política pública. A palavra política na língua portuguesa não alcança essa distinção que existe na língua inglesa: a politics é determinada pelo jogo político, englobando os partidos políticos, as eleições, bem como os interesses políticos; e a policy consiste na dimensão material da política, ou seja, as próprias políticas públicas. O percurso da identificação do problema até a decisão que for tomada de se implementar uma certa política pública, conta quase sempre com a ação da sociedade civil, que também tem como sua responsabilidade a regulação e a avaliação dos resultados alcançados por meio da construção de instrumentos e/ou mecanismos de accountability, ou seja, de controle e de prestação de contas. MECANISMOS DE ACCOUNTABILITY Não existe uma única palavra em português que traduza accountability, mas sim uma dezena de termos que tentam conceituá-la, tais como controle, fiscalização, responsabilização, prestação de contas, compromisso, proatividade e transparência. Esses e todos os outros termos querem mostrar que accountability – seja na esfera pública, privada ou pessoal – é uma cultura na qual um sujeito ou instituição exerce o “papel de dono”, tomando a responsabilidade para si, dos processos no qual está inserido. Na prática, accountability na administração pública parte do princípio de que existe alguém ou alguma organização responsável por fazer a gestão de decisões que impactam a sociedade – os órgãos públicos e seus gestores – que deve deixar esse processo o mais transparente possível, prestando contas à população e a outros órgãos das suas ações, gastos e políticas, aumentando a responsividade dos gestores públicos e o poder de controle da sociedade. 21Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública A partir disso, existem duas formas de exigir a prestação de contas que é a accountability horizontal e a accountability vertical. Accountability Horizontal: é realizada por “poderes de mesmo nível” como instituições da esfera pública dentro dos três poderes, em que um fiscaliza o outro: como partidos políticos de oposição, a mídia, órgãos de controladoria e instituições supranacionais. Accountability Vertical: é realizada em instância de poderes diferentes. Uma vertente de grande impacto é accountability societal ou social: nesse caso é a sociedade que, individualmente ou em grupos, realiza pressão para que os poderes públicos esclareçam políticas, gastos e (in)eficiências da máquina pública. E é aqui, que você pode, na prática, transformar o Brasil num país melhor para todos. *Fonte: https://www.clp.org.br/o-que-e-accountability/ A sociedade civil tem como ação primordial, então, apontar os problemas a serem enfrentados, propor e colaborar na formulação das políticas mais adequadas para saná-los e, ainda, fazer o controle social da execução dess as políticas, por meio dos espaços de democracia participativa e deliberativa, como os conselhos, as conferências, as audiências públicas etc. É fundamental, em uma política pública, pensarmos em quem ganha o quê, por quê e qual diferença isso faz. Isso nos remete diretamente ao coração da formulação das políticas públicas e às relações entre sociedade e governo para a definição daquelas ações que serão, afinal, tomadas. Nos espaços institucionais de gestão em que você atua (OPM), o que poderia ser enfatizado na construção de mais políticas públicas para as mulheres? 2.2. O Ciclo de Políticas Públicas Quando se fala em “ciclo de vida das políticas públicas” o que se está pretendendo tratar é do processo que vai da definição de agenda à elaboração, propriamente dita, da política pública, além da sua efetiva implantação, monitoramento e avaliação. Tratando-se da formulação de políticas públicas, Easton (1965) construiu um paradigma para demonstrar o que entende por atividades políticas. Para este https://www.clp.org.br/o-que-e-accountability/ 22Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública autor, a atividade política é analisada em termos de um sistema que abarca uma série de ações que, por sua vez, devem permanecer em equilíbrio para a atividade sobreviver. Ness es sistemas, a vida política é pensada como um processo que engloba informações ou questões, que vêm do ambiente externo (econômico, religioso, cultural e de toda a sociedade civil), se transformam em resultados ou respostas e que são, afinal, as decisões políticas tomadas. Estas decisões políticasafetam diretamente o ambiente externo e resultam em novas questões e perguntas tanto para dentro quanto para fora do Estado. A partir do momento em que se dá a inserção de uma demanda na agenda política de qualquer governo, considera-se que tem início o ciclo de vida das políticas públicas, que pode ser assim esquematizado: 1. definição da agenda; 2. formulação de políticas, com identificação de alternativas, avaliação das opções e seleção das opções; 3. implementação da política pública; e 4. monitoramento e a valiação. Detalhando melhor: + A AGENDA (ou “decidindo decidir”) É o espaço em que são constituídos os problemas, assuntos ou demandas que os “fazedores” escolhem ou são compelidos a escolher. Partindo das indagações: por que alguns problemas e assuntos são agendados e outros não? + A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS (“decidindo como decidir”) a) uma massa de dados transforma-se em informações importantes; b) os valores, ideais, princípios e ideologias combinam-se com informações fáticas produzindo conhecimento sobre ação; e c) o conhecimento empírico e normativo se transforma em ações públicas, aqui e agora. + A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS compreende as fases: a) a definição do problema em seus aspectos normativos e casuais; b) a decomposição de problema; c) a demonstração de tratamento do problema e identificação de solução alternativa; d) as estimativas brutas de valores orçamentários; e e) a definição de estratégias de implementação. 23Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública + A AVALIAÇÃO E O MONITORAMENTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Permitem verificar quem, de fato, se beneficiou da implementação de certa política pública e se ela, efetivamente, atingiu o fim para o qual foi desenhada. No momento da avaliação é possível responder com mais precisão “que diferença fez” a implementação de determinada política. Diante dos resultados, seriam feitos ajustes ou implementadas novas políticas. Embora a avaliação de políticas públicas no Brasil, enquanto ferramenta de gestão, tenha se mostrado deficiente, é possível perceber cada vez mais o potencial do monitoramento e da avaliação na correção do curso das políticas públicas. Há cada vez mais seminários, congressos, ferramentas, bem como a construção de s istemas de a valiação de p olíticas p úblicas, que têm sido produzidos por institutos de p esquisas (do Estado ou de fora dele) ou por organizações da sociedade civil. A avaliação, afinal, é mesmo uma parceira inseparável do planejamento, da definição de diretrizes, objetivos e metas da administração pública. Outro aspecto fundamental para entendermos o que são as políticas públicas é a compreensão do porquê de algumas questões entrarem na agenda pública e política e outras não. Souza (2006) aponta que a pergunta acerca de como os governos definem as suas agendas políticas têm recebido três tipos de respostas: A primeira focaliza os problemas, isto é, problemas entram na agenda quando assumimos que devemos fazer algo sobre eles. O reconhecimento e a definição dos problemas afetam os resultados da agenda. A segunda resposta focaliza a política propriamente dita, ou seja, como se constrói a consciência coletiva sobre a necessidade de se enfrentar um dado problema. (...) A terceira resposta focaliza os participantes, que são classificados como visíveis, ou seja, políticos, mídia, partidos, grupos de pressão, etc., e invisíveis, tais como acadêmicos e burocracia. Segundo esta perspectiva, os participantes visíveis definem a agenda e os invisíveis, as alternativas (Souza, 2006, p. 30). Considerando os temas transversais e interseccionalizados de gênero e raça, é possível perceber que a implementação das políticas públicas conjuga as três respostas acima: 24Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1. primeiramente, assumindo que há problemas na sociedade referentes ao tratamento desigual que frequentemente é conferido às mulheres, às pessoas negras e indígenas e a outros grupos discriminados; 2. por meio de informações, produção de conhecimento e ação coletiva criam-se novas concepções em torno do que seja, afinal, gênero e raça, almejando-se alcançar, a partir desses conceitos, maior justiça social e equidade; e 3. por fim, há a conjunção entre participantes visíveis e invisíveis para que, finalmente, a política pública seja implementada. Na figura a seguir, podemos evidenciar uma síntese desse Ciclo: Figura: O Ciclo de Vida das Políticas Públicas. Fonte: Adaptado de Rua, 2009. Vídeo: Aula inaugural do curso Gênero e Políticas Públicas em Perspectiva Interseccional Duração: 00:42 https://youtu.be/nFOR_kdyodY https://youtu.be/nFOR_kdyodY 25Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública No seu município/E stado há espaços institucionais de políticas públicas para as mulheres (OPM)? Como eles têm atuado? Estão se preocupando com a expansão dos direitos das mulheres? Eles acompanham esses passos do Ciclo de Vidas das Políticas Públicas acima descritos? Unidade 3 - As Políticas Públicas para as Mulheres: gestão da complexidade Ao final desta unidade, você será capaz de identificar os desafios, a complexidade e a intersetorialidade envolvidos na implementação das políticas públicas para mulheres na perspectiva interseccional. Vídeo: A Desconstrução do Patriarcado A Desconstrução do Patriarcado, Professora Marlise Matos, Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista Duração: 1:15 Vídeo: Direitos das Mulheres: o que são e como surgiram? Direitos das Mulheres: o que são e como surgiram? | Projeto Equidade, Politize! Duração: 09:55 https://www.youtube.com/watch?v=OwZzNZmymiE https://youtu.be/wQHeL2hHe7g 26Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 3.1. Políticas para as Mulheres em Perspectiva Interseccional A agenda dos movimentos sociais, constituídos desde os anos 70 no Brasil, girou em torno da luta pela democratização no regime político e de reivindicações ligadas ao maior e melhor acesso a serviços públicos, à melhoria da qualidade de vida, especialmente nos centros urbanos. Já nesse primeiro momento, as mulheres, as pessoas negras e indígenas e a problemática de gênero, raça e classe estavam presentes. Cada p rograma social, cada decisão, cada ação se encontra, pois, diretamente relacionada com a concepção que os governos têm sobre como devem praticar a ação política em relação a esses temas (vinculadas a diferentes posições que, em última instância, são sempre ideológicas e até partidárias) e, sobretudo, com a percepção que os gestores públicos têm daquilo que seja gênero e raça, e daquilo que venha a se constituir em seus “problemas” efetivos. Historicamente, as desigualdades de raça, de gênero e de classe foram construídas, uma em relação à outra, usando-se as diferenças raciais para explicar a diferença de gênero e, de outro lado, as diferenças entre os sexos e gêneros para explicar as diferenças entre as supostas raças, e também, muitas vezes, a saliência aparecia na dimensão das classes pobres, sem se fazer nenhuma referência a gênero ou à raça. Assim, as raças “inferiores” passaram a representar o tipo “feminino” da espécie humana, enquanto as mulheres tornaram-se a “ ‘raça inferior’ de gênero”. As políticas públicas sensíveis a gênero e raça, ou que pretendem adotar uma perspectiva interseccional, também demarcando as diferenças de classes sociais, a partir desses princípios normativos, visam desmontar e reverter essa engenharia institucional estatal (e social), rumo à construção mais efetiva da democracia e da justiça social. Essas iniciativas precisam, então, estar investidas de processos de desracialização e de despatriarcalização (portanto de descolonização) na construção de políticas públicas. Vídeo: A Rede Hidrometeorológica Nacional Políticas Públicas e Mulheres, da Fundação Podemos Duração: 03:14 Vamos explorar alguns dos princípios que organizam e delimitam as políticas para as mulheresnum regime de gestão complexa. Os princípios são: a transversalidade, https://youtu.be/98P82dJa08g 27Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública a intersetorialidade e, sobretudo, o menos conhecido desses princípios, a interseccionalidade. Estes princípios delimitam uma nova base conceitual capaz de adequar a prática da gestão ao ambiente institucional contemporâneo que tráz inúmeros desafios de aprofundamento democrático, inclusão social, promoção de equidade e justiça social. Aqui, estes princípios não se alinham à Teoria da Administração Complexa, abordagem gerencial que visa trazer para o universo das organizações contemporâneas os conceitos referidos aos chamados “sistemas complexos adaptativos”, tais como autonomia, cooperação, agregação e auto- organização. Defende-se, então, que uma análise linear, meramente explicativa em termos de causa e efeito, é insuficiente para gerirmos fenômenos que necessariamente apresentam dimensões complexas. Entende-se por desracialização o processo necessário de desmontagem daquelas engrenagens sociais e políticas responsáveis pela construção de uma identidade nacional brasileira fundamentada na racialização da experiência negra, algo ainda presente no processo formativo dos brasileiros. O processo de construção das pessoas como “racializadas” é fruto da opressão orquestrada pela modernidade colonial que, apesar de todo o processo de desumanização (e das inúmeras formas de resistência e de lutas que foram sendo silenciadas) sofrido pela população negra e indígena, esses grupos continuaram sendo significados como “inferiores”, “primitivos”, “ignorantes”, verdadeiras “zonas de não-ser” e do apagamento ontológico promovido na modernidade. Entende-se por despatriarcalização, a partir do enquadramento dos feminismos decoloniais latino-americanos, não apenas o processo de retirada das camadas de patriarcado que estão enraizadas nas nossas sociedades, mas despatriarcalizar envolve ainda a práxis da disputa entre epistemologias, ontologias e cosmovisões feministas que discutem e problematizam as nossas experiências como mulheres simultaneamente impactadas pelo racismo, capitalismo, colonialismo e também patriarcado (Malheiros, 2021). 3.2. A Transversalidade A transversalidade é um princípio das políticas para as mulheres que está intimamente vinculado à forma de gestão dessas políticas. No documento intitulado Orientações Estratégicas para Institucionalização da Temática de Gênero nos Órgãos Governamentais (SPM, 2011), a transversalidade é entendida em três dimensões: https://www.abenforj.com.br/site/arquivos/manuais/214.pdf https://www.abenforj.com.br/site/arquivos/manuais/214.pdf 28Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública + 1) Transversalidade como conceito Mudança da abordagem das políticas públicas, com a incorporação de abordagem de gênero e raça em todas. + 2) Transversalidade como estratégia Articulação não hierárquica entre as diferentes instâncias governamentais para uma governabilidade mais democrática em relação às mulheres em sua diversidade. + 3) Gestão da transversalidade Integração de programas complementares, para potencializar os resultados das ações e o avanço na internalização da perspectiva de gênero em políticas que apresentem potencialidade para concretizar a igualdade entre homens e mulheres As políticas de transversalização de gênero e raça devem também incorporar, por exemplo, a transversalização da igualdade racial e vice- versa, favorecendo o avanço dos interesses estratégicos das mulheres (e das meninas, das mulheres negras, indígenas, com deficiência, trans etc.) no sentido da transformação social. Assim, é muito importante que sejamos capazes de tratar, no mesmo patamar, a urgência de transversalizar igualmente a dimensão é tnico -racial, sobretudo para que o Estado saiba por que e como enfrentar as desigualdades raciais nos mais variados âmbitos das políticas públicas. Trata-se do reconhecimento de que a discriminação racial é, de fato, um mecanismo que restringe o acesso a oportunidades na sociedade brasileira. É preciso disseminar a compreensão de que as enraizadas desigualdades de gênero e raça no Brasil são estruturantes das desigualdades sociais, de classe. Ser mulher e negra, por exemplo, significa ser oprimida e discriminada num grau diferenciado e com consequências e gravidade singulares. Assim, entende-se a importância de se considerar transversalmente gênero, raça e classe em todo e processo de construção de políticas públicas. Estes marcadores e categorias devem estar contidos nas propostas e ações estatais, bem como na sua operacionalização. Vídeo: A Importância da Transversalidade nas Políticas Públicas A Importância da Transversalidade nas Políticas Públicas, ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA | POLÍTICAS PÚBLICAS | CNU Duração: 03:24 https://youtu.be/KojpF69P-tQ 29Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Em sociedades democráticas complexas – multiculturais e multiétnicas como é a sociedade brasileira – é possível identificar determinadas inclinações e/ou tendências étnico-raciais e de gênero que foram institucionalizadas, no âmbito do Estado brasileiro, seja por meio de políticas públicas especificamente direcionadas a estes grupos, entrelaçadas, contudo, com as inclinações de classe (a exemplo do Programa Bolsa Família), seja pelos mecanismos que vêm sendo criados para empoderar esses diferentes grupos. E isso tem se dado porque parte-se do pressuposto de que o Estado foi constituído historicamente como agente ativo que segregou e distanciou a população feminina, indígena e negra do país, do acesso a direitos, recursos e oportunidades. E tal segregação e exclusão estão diretamente articulada s a processos históricos da nossa forma de colonização. Por outro lado, no movimento de racionalização e burocratização dos Estados modernos, as políticas públicas, especialmente aquelas de caráter social, foram sendo construídas a partir de campos disciplinares específicos, ou seja, como políticas setorializadas ou políticas setoriais. POLÍTICAS SETORIAIS: As políticas públicas que mais se aproximam da vida cotidiana são as políticas sociais, e estas são comumente organizadas em políticas públicas setoriais, como por exemplo, saúde, educação, saneamento básico, transporte público, segurança pública, habitação etc. Deste modo, nos últimos tempos já tem se apresentado como significativa e desafiadora a construção de esforços de superação da gestão de políticas públicas, a partir exclusivamente da dinâmica setorial: os princípios da transversalidade, da intersetorialidade das ações governamentais e da interseccionalidade, seja das formas de opressão e dominação, seja das formas de emancipação, prenunciam a alteração do regime dessa gestão, que precisa ser entendida e gerida como complexa. Inicialmente, é preciso compreender que o princípio da transversalidade implica: A aderência das políticas e ações públicas a uma agenda de promoção de direitos e de emancipação que é organizada por determinada s pessoas, historicamente discriminada s, que são beneficiada s pela promoção da igualdade e da equidade. 30Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Assim, a transversalidade na demanda por acesso a direitos passou a implicar no alargamento da concepção de direitos humanos e na ampliação da base e dos segmentos das mobilizações sociais e políticas a reivindicar por direitos. E foi assim que importante dimensão de complexidade passou a estar necessariamente associada às políticas públicas que têm foco nos direitos humanos: os seus distintos segmentos demandantes, ou, no jargão dos gestores públicos, os distintos “públicos- alvo” das políticas de promoção de direitos. Ao seu ver, quais são as facilidades encontradas para a incidência de ações para as mulheres nas demais políticas públicas? Figura: Os distintos segmentos das políticas públicas sociais e de promoção de direitos.Fonte: LEMOS, Lorena, 2019. 31Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Ao longo das últimas décadas, em consequência do ativismo das mulheres, das pessoas negras e indígenas, de ambientalistas etc., tanto em c onferências mundiais, quanto no campo das organizações internas de direitos humanos, desenvolveu-se o consenso de que os direitos humanos das mulheres não deveriam ser ou estar limitados apenas às situações nas quais os seus problemas, suas dificuldades e vulnerabilidades se assemelhavam aos sofridos pelos homens, por exemplo. Historicamente, no caso das mulheres, a ampliação de seus direitos humanos ficou mais clara nas determinações sobre incluir a perspectiva de gênero (o gender mainstreaming) – ou ainda da transversalidade de gênero – oriundas, por exemplo, das Conferências Mundiais de Viena (1993) e de Pequim (1995). Nesses novos contextos foi surgindo um consenso a partir do qual a diferença entre homens e mulheres precisa ser considerada e ela passou a servir de apoio à própria lógica de incorporação de uma “perspectiva de gênero”, nessas Conferências e nos Tratados internacionais delas advindos. A introdução da perspectiva ou da transversalidade de gênero significou, então, incorporar os múltiplos aspectos associados ao gênero na agenda dos direitos das mulheres e, por via de consequência, na agenda dos Estados. Sendo o gênero importante, seus efeitos diferenciais deveriam necessariamente ser analisados no contexto de todas as atividades relativas aos direitos humanos e em todas as dimensões de políticas públicas de promoção desses direitos, implicando, então, na sua transversalidade. Assim, enquanto no passado a diferença entre mulheres e homens serviu como justificativa para marginalizar e/ou excluir dos direitos humanos as mulheres, e para justificar as desigualdades daí derivadas, no segundo momento, a “diferença” das mulheres passou a indicar a responsabilidade que qualquer instituição de direitos humanos – inclusive os Estados – te m de incorporar uma análise ou perspectiva transversal de gênero em suas práticas, com vistas à ampliação dos direitos humanos das mulheres. A transversalidade é indispensável para as ações governamentais que tenham o compromisso com a efetiva resolução dos problemas sociais de violências e violações de direitos e com a superação das desigualdades. Assim, para que mudanças aconteçam, para que resultados mais efetivos possam ser alcançados na gestão de políticas para as mulheres, é muito importante transversalizar a perspectiva de classe combinada com gênero e raça. É necessário que os governos e as gestoras e os gestor es tenham a sensibilidade e saibam compreender tanto quanto identificar as inúmeras desvantagens sociais, econômicas e políticas que afetam as mulheres, as pessoas negras e indígenas e, a partir dest a leitura crítica, começar a construir ações que, de fato, promovam mais cidadania e direitos, e melhorem as condições para que as mulheres conquistem mais poder, recursos e oportunidades. A isso chamamos de políticas públicas para mulheres em perspectiva interseccional. 32Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública É necessário que os programas e as políticas estatais incorporem o conceito de transversalidade nas políticas de promoção dos direitos. Assim, a transversalidade se constitui na capacidade de perpassar diversas realidades, segmentos, dimensões, setores e sujeitos, de forma a se começar a abranger a complexidade real dos problemas que enfrentamos nessa área. Desta forma, a própria produção do conhecimento precisa avançar no sentido de ser ressignificada a partir de uma perspectiva dialógica que é multi, inter e transdisciplinar. 3.3. A Intersetorialidade Nossos desafios frequentemente enfrentam uma forma de gestão setorializada das políticas públicas que, por sua vez, não dialogam com o princípio da transversalidade de gênero, raça e classe na afirmação e na promoção de direitos. Para entendermos o princípio da intersetorialidade é preciso compreender que a forma de agir setorial e disciplinarmente nasceu da racionalidade científica moderna, que se baseia numa lógica que é a de tudo dividir para melhor compreender. Este procedimento de racionalização foi produzindo, ao longo do tempo, uma série de desdobramentos reducionistas sobre a concepção de mundo e sobre a forma de se relacionar no e com o mundo. Uma consequência deste paradigma foi a fragmentação do saber científico, o surgimento das especializações e a dicotomia entre as diversas áreas do saber e da vida. A partir daí, todo o mundo todo se departamentalizou, se disciplinarizou, se setorializou. Dimensões da vida humana (e das ciências) passaram a ser consideradas isoladamente: enfrentamento à violência, trabalho e renda, transporte e mobilidade, saúde, educação, artes e cultura, e por aí vai. Assim, antes de se compreender melhor a intersetorialidade, é preciso compreender que foi a própria ciência que compartimentou o mundo e isso se deu através da constituição das ciências e dos campos disciplinares científicos setorializados. Vídeo: A Importância da Intersetorialidade nas Políticas Públicas A Importância da Intersetorialidade nas Políticas Públicas, Conhecimentos Gerais | CNU Duração: 2:53 Mas, a ciência hoje já vem debatendo a urgência de sairmos dessas “caixinhas” disciplinares e começarmos a pensar na multi, inter e transdisciplinaridade. https://youtu.be/-l9Hj8C8xKM 33Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública A inter transdisciplinaridade envolve, por sua vez, simultaneamente, no mínimo três níveis: + a) Multidisciplinaridade: “Integração de diferentes conteúdos de uma mesma disciplina, porém sem nenhuma preocupação de seus temas comuns estarem sob uma mesma ótica, articulando algumas vezes bibliografia, técnicas de ensino e procedimentos de avaliação” (Silva e Tavares, 2005). + b) Interdisciplinaridade: “O tema objeto ou abordagem em que duas ou mais disciplinas intencionalmente estabelecem nexos e vínculos entre si, para alcançar um conhecimento mais abrangente, ao mesmo tempo diversificado e unificado” (Coimbra, 2005). + c) Transdisciplinaridade: “Diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento” (Nicolescu, 1999). A transversalidade e a multi, inter e transdisciplinaridade, além de serem modos de se trabalhar o próprio conhecimento complexo do mundo, numa busca incessante pela reintegração de aspectos que ficaram isolados, alijados e excluídos uns dos outros, pelo tratamento disciplinar e setorial, são ainda formas de gerir as políticas públicas. Se pensarmos, por exemplo, nas políticas de saúde, de saúde efetivamente integral, tem sido comum trazer para os debates um modelo que articula de forma transversal e intersetorial vários determinantes sociais de saúde que, segundo Dahlgreen e Whiteahead (1990), envolveria uma camada sucessiva e entrecruzada de vários elementos: desde as condições socioeconômicas, culturais e ambientais até os fatores idiossincráticos da herança genética da pessoa, passando por um extenso conjunto de fatores intermediários que podemos ver identificados na figura: 34Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Figura: Modelo de Determinantes de Saúde, de Whiteahead e Dahlgreen (1991) Fonte: adaptada de LEMOS, Lorena, 2019 O padrão da racionalização, por intermédio da especialização e da setorialização das políticas, como uma das suas muitas consequências, gerou demandas postas ao aparelho estatal que terminaram encontrando apenas respostas fragmentadas, setorializadas, sem a devida atenção às especificidades que estão entrecruzadas nas experiências da s pessoas que necessitam dessas políticas, além de outros problemas. Todos esses elementos concorrem para sua baixa resolutividade: oparalelismo das ações, a centralização das decisões, a falta de recursos e de informações necessárias, as divergências de objetivos e funções de cada área, assim como o fortalecimento de poderes políticos e hierarquias, em detrimento dos próprios direitos integrais e indivisíveis da população. Em função da estratégia reducionista de tratar fenômenos complexos de forma compartimentalizada/setorializada, e de se dar respostas setoriais a problemas mutuamente implicados, as pessoas, muitas vezes, sequer sabem a quem cobrar as soluções para as questões que lhes afetam. Certamente isso também gera a desresponsabilização do setor específico, que a princípio seria também responsável 35Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública pela “solução do problema”. Isso é como o “enxugar gelo”: quando as respostas estatais não são capazes, de fato, de alcançar as soluções devidas para os problemas complexos demandados e cada setor se justifica dizendo que “fez a sua parte”. Assim, frequentemente também, mais do que cooperar para que as mudanças necessárias sejam efetivadas, cria-se um clima competitivo entre os setores de políticas, em que vai sendo “esquecida” a verdadeira razão de ser do Estado, que é atender a toda s as pessoas e promover a cidadania. Desta forma, ao lado do princípio da transversalidade precisamos ainda utilizar, o mais frequentemente possível, outro princípio, o da intersetorialidade, cuja noção provém das ciências humanas, ao se discutir os conceitos de inter e transdisciplinaridade. A primeira consiste na integração entre diferentes campos do saber para a construção do conhecimento, sendo que um determinado saber é privilegiado em detrimento de outros; e a segunda, busca compreender a realidade para além de um campo de saber especializado, isto é, intenciona o entendimento da complexidade que é inerente à realidade social. Desta forma, o conceito de intersetorialidade, no campo das políticas públicas, relaciona-se à ideia de inter e transdisciplinaridade das ciências humanas. Podemos dizer, então, que a intersetorialidade se refere à articulação de experiências e saberes com a finalidade precípua de planejar, realizar e avaliar políticas e programas, para o alcance de resultados sinérgicos em situações complexas. A intersetorialidade representa o diálogo efetivo e democrático entre saberes, poderes, vontades e representantes de setores sociais diversos e de setores estatais diferentes para enfrentar problemas complexos. É importante observar que a intersetorialidade não anula a singularidade do fazer setorial, ao contrário, ela reconhece os domínios temáticos de cada campo, valoriza-os, mas quer colocá-los em diálogo edificante, onde antes estavam em posição incomunicável, como saberes que podem ser somados para a obtenção de resultados exitosos nas políticas implementadas pelo Estado. A aplicação do princípio da intersetorialidade nas políticas públicas se manifesta na medida em que o tratamento das necessidades das cidadãs e dos cidadãos é pensado a partir da forma como estas se apresentam na realidade social – complexamente. Essa postura permite a apreensão dos problemas de um modo mais abrangente, visualizando melhor processos e interconexões com os diferentes contextos e sujeitos. A ação intersetorial implica, portanto, a articulação de diferentes setores que, conjuntamente, buscam a resolução dos problemas sociais (sempre complexos, assim como os direitos de cidadania) e, além disso, buscam proteger a sociedade dos processos de exclusão social, e ainda, efetivar a possibilidade concreta de 36Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública promoção e garantia, na integralidade, dos direitos humanos. Como consequência da integração de saberes, busca-se obter resultados mais significativos e duradouros de intervenção nas problemáticas às quais o Estado pretende dar respostas. No mundo atual, por exemplo, para se resolver o problema da fome, não basta somar as ações possíveis, mas é preciso promover a interação entre todas as partes envolvidas no processo de produção e reprodução da fome e, assim, conferir maior agilidade, integridade, equidade e dignidade ao cidadão nesta grave situação de exclusão social: combater a fome é um trabalho intersetorial; enfrentar as violências e violações de direitos a que estão submetidas as mulheres e as pessoas negras no Brasil é um trabalho intersetorial. E a ação intersetorial é um trabalho que, necessariamente, se realiza no plano coletivo. Ela pressupõe o reconhecimento, a valorização e o respeito à diversidade e às particularidades de cada setor, e ainda envolve a criação de espaços comunicativos, dialógicos, de encontros em que a capacidade de negociar e trabalhar conflitos para o desenvolvimento das ações com maior eficiência e eficácia precisaria prevalecer à vontade (individual) do agir setorial. Assim, para a adoção de uma estratégia de trabalho intersetorial, tornam-se imprescindíveis a abertura ao diálogo e ao trabalho simultâneo e compartilhado entre as pessoas envolvida s, de modo a impulsionar as ações necessárias para se atingir os resultados esperados. O Estado que se empenha em solucionar os grandes desafios que lhe são postos precisa redefinir as práticas transversais e intersetoriais que serão objeto de sua atenção, na condução das ações governamentais. Vídeo: Políticas Públicas Intersetoriais, com a pesquisadora Urânia Flores e a professora Doriana Daroit (UnB) Diálogos - Políticas Públicas Intersetoriais, com a pesquisadora Urânia Flores e a professora Doriana Daroit (UnB) Duração: 20:20 No caso brasileiro, sabemos que, tradicionalmente, a implementação de políticas poucas vezes tratou os temas de forma transversal e, é ainda mais raro, estabelecer o diálogo intersetorial entre os diferentes órgãos envolvidos na promoção das ações governamentais. Mas esse é um movimento urgente, que reflete a necessidade de empreender uma discussão mais aprofundada sobre a importância dos princípios da transversalidade e da intersetorialidade nas políticas públicas, não apenas como mera utopia ou elucubração teórica. Algumas experiências brasileiras já se destacam nesse campo e mostram que, aos poucos, mesmo com dificuldades – e lições aprendidas –, a intersetorialidade e a transversalidade são formas de gestão https://youtu.be/-CaptGhEbXA https://youtu.be/-CaptGhEbXA 37Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública possíveis e eficientes em termos da promoção do desenvolvimento social e justo do país e de garantia do atendimento integral aos direitos humanos. A figura a seguir procura sintetizar esses argumentos. Figura: O Agir Intersetorial. Fonte: adaptada de LEMOS, Lorena, 2019. 3.4. A Interseccionalidade A interseccionalidade como um conceito, um construto analítico-conceitual foi inicialmente introduzido por Kimberlé Crenshaw (1989), na sua discussão a respeito do tema do desemprego das mulheres negras nos EUA. Ela foi, então, convidada para apresentar tal noção na Sessão Especial em Genebra, no encontro preparatório da Conferência Mundial sobre o Racismo que aconteceu em 2001, em Durban. Há uma controvérsia, entretanto, segundo Conceição Nogueira (2017), a respeito da origem desse conceito, e esta última autora destaca que, diferente da primeira 38Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública explicação, teria sido Patricia Hill Collins (2000) a autora precursora do conceito de interseccionalidade, já que foi ela a responsável por criar o conceito de “matriz de dominação” (Collins, 2000, p. 200) e quem desenvolveu a teoria do standpoint. Todavia, para além do consenso de que este é, sim, um conceito produzido a partir da matriz dos feminismos negros (especialmente, neste caso, dos feminismos negros dos Estados Unidos), há explicitamente o reconhecimento das próprias autoras estadunidenses (e mesmo de Collins) de que essa ideia já teria sido avançada e de forma pioneira discutida por LéliaGonzalez (1988a, 1988b), feminista negra brasileira que, ainda nos anos 1980, trouxe em suas análises sobre os discursos acerca da mulher negra na construção e manutenção do mito da democracia racial no Brasil, a abordagem relacional de raça, classe e gênero (sem nomear diretamente o conceito). E, posteriormente, foi estabelecido o conceito da interseccionalidade. Gonzalez, em sua trajetória como pesquisadora, inovou ainda por buscar articular, interdisciplinarmente, marxismo e psicanálise, passando ainda pelas ciências sociais e a história, para compreender e tentar desconstruir o “mito da democracia racial” no Brasil. No debate internacional, o final da década de 1990 foi marcado pela emergência de categorias que aludem à multiplicidade de diferenciações que, articulando-se ao gênero, permeariam o social. Algumas autoras optam por “articulação”, outras por “interseccionalidade” (McKlintock, 1995; Crenshaw, 2002), outras utilizam alternativamente ambos (Brah, 2006). Foi então, na década de 2000, que a utilização dessas categorias ficou amplamente difundida. Contudo, assim como aconteceu com o conceito de gênero, essas categorias foram adquirindo conteúdos diferentes, segundo as abordagens teóricas das autoras que com elas trabalhavam. De qualquer forma, a proposta dessa categoria foi a de oferecer ferramentas analíticas para se apreender melhor como se dão as articulações de múltiplas diferenças, identidades e desigualdades. Trata- se de uma discussão sobre as diferenças, em sentido amplo, para dar atenção e foco às interações possíveis entre diferenças presentes em contextos específicos. O que vale destacar, independentemente de quem teria formulado pela primeira vez esse princípio/conceito, é a sua importância quando se debate a urgência de tornar a gestão das políticas públicas mais sensível ao regime das complexidades. As diferentes abordagens divergem também em termos das margens de agência (agency) concedidas às pessoas para sair da trama interseccional que oprime, isto é, a respeito das possibilidades no que se refere à capacidade de agir, mediada cultural, política e socialmente de cada um a com a suas respectivas marcas interseccionais. E há ainda autoras como Costa (2015, p. 155), que destacam que esse princípio necessitaria ser enxergado também, a partir de uma perspectiva emancipadora, em que: 39Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública a depender da contextualização, o conceito de interseccionalidade pode ser utilizado não somente para enfatizar uma dimensão negativa, de opressão e desempoderamento, mas pode também – como enfatiza Crenshaw – ser utilizado para pensar a emancipação e a mobilização política (Brah, 1996, 2006). Vídeo: O que é interseccionalidade, Carla Akotirene? O que é interseccionalidade, Carla Akotirene? | Espelho com Lázaro Ramos do Canal Brasil Duração: 4:27 A figura a seguir, traz algumas das dimensões de “diferenças” que podem e, frequentemente, estão articuladas, quando se pensa no princípio da interseccionalidade. https://youtu.be/enBXbQilljI 40Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Figura: As Interseccionalidades. Fonte: Adaptado de LEMOS, Lorena, 2019. As interseccionalidades são formas de capturar as consequências da interação entre duas ou mais formas de subordinação: sexismo, racismo, patriarcalismo, a exclusão de classe, por exemplo, e também de articular as formas possíveis de emancipação dessas condições. Daí é que vem a importância central de pensarmos numa gestão interseccional das políticas públicas para as mulheres: o princípio da interseccionalidade trataria da forma como ações e políticas públicas específicas, tanto podem: 1. identificar (e mesmo gerar) opressões. Ou seja, a interseccionalidade sendo aqui tratada e compreendida como uma lente para se enxergar as opressões entrecruzadas. É preciso ter atenção a esse princípio porque, justamente, algumas políticas/ações públicas podem simplesmente não enxergar esses entrecruzamentos, e assim serem omissas sobre eles. Agir dessa forma, pode reforçar as opressões; 2. ao contrário, promover a emancipação: ou seja a interseccionalidade, para além de demarcar o registro das opressões, quando bem trabalhada 41Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública nas políticas para as mulheres, pode ser um instrumento fundamental e sensível às marcas entrecruzadas de diferenças. Enxergar as diferenças entrecruzadas e trabalhar afirmativamente com elas para gerar autonomia e empoderamento (e não opressões). As duas veias dessas formas mutuamente implicadas de articulações fluem ao longo dos mais variados eixos, confluindo e, nessas confluências, constituindo tanto aspectos ativos do desempoderamento, quanto do próprio empoderamento. Vídeo: O que é interseccionalidade e qual sua importância para a questão racial? O que é interseccionalidade e qual sua importância para a questão racial? | Nexo Políticas Públicas, com Flávia Rios (UFF) Duração: 8:02 3.5. Panorama Atual das Políticas Públicas para Mulheres em perspectiva interseccional Para fazer um breve panorama da construção das políticas para as mulheres no Brasil, vamos remontar aos anos 70. A partir dessa década, passaram a ocorrer mudanças importantes na agenda de reforma do Estado brasileiro. Em um primeiro momento, enfatizou-se a democratização dos processos decisórios e dos resultados das políticas públicas, reivindicando-se a ampliação do leque de atores envolvidos nas decisões e, ao mesmo tempo, a inclusão de novos segmentos da população brasileira entre os beneficiários das políticas públicas. As principais propostas priorizadas tiveram foco na descentralização e na participação da sociedade civil nas políticas públicas. Os movimentos de mulheres e feministas, assim como os movimentos das pessoas negra s, protagonizaram essa tentativa de reconstrução estatal. E as transformações foram intensificadas a partir da chegada ao poder dos governos de centro-esquerda e, especialmente, durante os governos do Partido dos Trabalhadores – PT. A agenda dos movimentos sociais, constituídos n esses anos de resistência ao autoritarismo militar, girou em torno da luta pela democratização do regime e de reivindicações ligadas ao acesso a serviços públicos e à melhoria da qualidade de vida, especialmente nos grandes centros urbanos. Já nesse primeiro momento, as mulheres e as discussões sobre gênero e raça estiveram presentes. https://youtu.be/PVO4CQVlPPE https://youtu.be/PVO4CQVlPPE 42Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Desta forma, é preciso reforçar a compreensão de que cada programa, cada projeto, cada lei, cada decisão, cada ação estatal se encontra diretamente relacionada com a concepção que os governos têm sobre como praticar a ação política em relação a gênero e à raça (vinculadas a diferentes posições que, em última instância, são sempre ideológicas e até partidárias) e, sobretudo, com a percepção do que as gestoras públicas e/ os gestor es público s têm daquilo que seja gênero e raça, e daquilo que venha a se constituir em seus “problemas”. Assim, um dos primeiros desafios n a construção de políticas públicas para a promoção da igualdade de gênero e raça é dar visibilidade para as desigualdades, reconhecer que elas existem (em termos concretos), onde, em quais espaços, em quais áreas e de que forma. No local onde você vive, quais desigualdades estão mais visíveis ao seu redor? Quais delas mais te preocupam? No Brasil, as desigualdades e a discriminação de gênero, raça e classe são problemas que dizem respeito à ampla maioria da sociedade brasileira. Isso não significa que a discriminação contra qualquer minoria possa ser justificada, mas que, no Brasil, esse problema claramente se refere à maioria da população. Nos últimos anos, as mulheres brasileiras avançaram muito rumo à equidade de gênero e raça. Persistem, no entanto, enormes desigualdades, que constituem uma das principaismarcas do nosso país. É inegável que aconteceram progressos consideráveis em relação aos direitos das mulheres e à igualdade de gênero e raça no país. Avanços que certamente podem ser creditados ao movimento de mulheres e à abertura relativa do Estado brasileiro para buscar a superação dessas desigualdades. Em qualquer indicador social considerado – educação, emprego, saúde, trabalho, moradia etc. – existe a desvantagem sistemática das mulheres em relação aos homens, e do conjunto de pessoas negras em relação aos brancos. E essa desvantagem é especialmente marcada no caso das mulheres negras. Assim, as políticas para as mulheres em perspectiva interseccional (de raça, classe, etnia etc.) só se tornam efetivas e garantidoras de direitos quando são as próprias mulheres que atuam como protagonistas durante o processo de construção dessas políticas. Por isso, desde 2004, o Brasil vem construindo coletivamente as políticas públicas para as mulheres e as políticas de promoção da igualdade racial. Já foram realizadas quatro Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres e quatro de Promoção da Igualdade Racial. O quadro a seguir nos situa em relação a estas importantes construções coletivas: 43Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Temáticas Exemplo de Instituições participativas Conferências Nacionais de Políticas Públicas Gênero / Mulheres Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres CNPM I CNPM 2004 II CNPM 2007 III CNPM 2011 IV CNPM 2016 Raça / Etnia Conferências Nacionais de Promoção da Igualdade Racial CONPIR I CONAPIR 2005 II CONAPIR 2009 III CONAPIR 2013 IV CONAPIR 2018 : O conjunto das Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres e de Promoção da Igualdade Racial, Brasil. Fonte: Elaboração própria. Dessas Conferências, em geral, saem Planos Nacionais de Políticas para Mulheres e também Planos Nacionais de Promoção da Igualdade Racial. A proposição, por exemplo, de uma Política Nacional para as Mulheres na direção da igualdade e equidade de gênero, raça e classe – considerando-se a etnia e a livre orientação sexual – implica, pois, em reconhecer que a organização do E stado, especialmente a sua lógica de formulação de políticas, interfere na vida das mulheres, determinando, sancionando, reproduzindo ou alterando padrões de relações de gênero, raça e etnia, e a liberdade de orientação sexual. N a medida em que reconhecemos que essas relações têm um caráter sistêmico, o alcance de uma Política Nacional deve interferir no sentido das ações de todo o E stado brasileiro. Em síntese, a seguir temos um breve histórico desses processos que serão mais aprofundados nos Módulos 4 e 5 a seguir: + 2004 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres. Arena de definição de prioridades e avaliações compartilhadas. I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres – I PNPM; + 2005 Política Nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres; 44Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública + 2006 • Sanção da Lei nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha; • Programa Pró -equidade de Gênero e Raça; + 2007 • Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra a Mulher; • 2ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres; + 2008 • II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, II PNPM; • Comitê de Articulação e Monitoramento do PNPM, que chegou a reunir, a partir de sua terceira edição, 33 órgãos governamentais, além do CNDM; + 2011 3ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres + 2013 III Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, III PNPM; + 2015 Criação do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos; + 2016 4ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres; + 2019 • Criação do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH); • Mudanças no escopo da SPM e projetos em andamento, criação de uma Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM) com novo escopo e proposta de atuação; e + 2023 Criação do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), do Ministério das Mulheres (MMulheres), do Ministério da Igualdade Racial (MIR) e do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), e a retomada da construção coletiva das políticas para as mulheres em perspectiva de interseccional. Destaca-se que o Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres/CNDM deliberou, com o apoio do Ministério das Mulheres, pela realização da 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres em 2025, e deve-, a partir dessa nova edição da CNPM, elaborar a proposta de um novo Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, já que o III PNPM foi revogado pelo Decreto nº 10.086, de 5 de novembro de 2019. 45Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública É preciso destacar que a gestão complexa das políticas para as mulheres em perspectiva interseccional está igualmente orientada por princípios democráticos, tais como: participação, controle, inclusão, reconhecimento e justiça social. Como sabemos, olhando para a nossa trajetória histórica, desde a colonização, há uma reduzida experiência (em anos) com regimes democráticos em comparação a regimes autoritários e/ou autocráticos. Precisamos também reconhecer que recentemente vivemos tentativa s de desmonte da nossa democracia. No Brasil, depois de duros golpes, vivemos pouco mais de três décadas de democracia institucionalizada, e somos um país que possui um legado internacionalmente reconhecido de construção de dimensões importantes de democracia participativa, uma das melhores formas políticas para se assegurar o bem comum em nosso país. As políticas públicas para as mulheres, construídas de forma participativa, contando com os mecanismos existentes de aprofundamento democrático, são um importante instrumento dessa direção. Mas elas só podem existir se dentro da própria estrutura estatal houver uma abertura institucional, a presença concretizada de um organismo estatal que se comprometa com estas ações. Estes são os OPM. Vídeo: As complexidades das Políticas Públicas para as Mulheres Duração: 8:34 Referências ARENDT, Hannah. Fragmento 1. In: O que é Política? 3ª Edição. São Paulo: Editora Bertrand Brasil, 2002. BOBBIO, Norberto. ; MATTEUCCI, Nicola.; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 5. Ed. 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Os Organismos de Políticas para as Mulheres, conhecidos de forma abreviada entre nós como OPM, têm a sua origem no Sistema Internacional de Direitos Humanos e, muito especialmente, no processo de organização e, posteriormente, nas próprias recomendações da Quarta Conferência Mundial de Mulheres (QCMM), realizada em Pequim, no ano de 1995. Mas é possível rastrear a sugestão de criação dess es organismos desde a década de 70. Foi o que ocorreu durante a I Conferência Mundial do Ano Internacional da Mulher, realizada no México, em 1975, onde foi criado o Plano de Ação Mundial que, naquele momento, estabeleceu como prioridade o “Enfoque Mulheres no Desenvolvimento (MED)”. Est e enfoque destaca o impacto diferenciado das estratégias de desenvolvimento sobre a vida de homens e de mulheres. E foi assim que, buscando-se aliança com os programas públicos e privados de combate à pobreza, a princípio, iniciaram-se os processos de elaboração de políticas específicas de apoio ao papel produtivo e reprodutivo das mulheres no escopo dos projetos de desenvolvimento dos mais diferentes países . O Plano de Ação da Conferência do México recomendava a criação desses mecanismos institucionais: O estabelecimento de órgãos interdisciplinares e multisetoriais no interior do governo, como comissões nacionais, escritórios de mulheres e outros, com adequado pessoal e orçamento, pode ser uma medida de transição efetiva para acelerar o alcance Módulo 2 49Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública da equidade de oportunidades para as mulheres e sua total integração na vida nacional. [...] Esses órgãos devem investigar a situação das mulheres em todos os campos e níveis e fazer recomendações de legislação, políticas e programas necessários, estabelecendo prioridades (ONU, 1976, p. 14, negritos nossos). A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher – CEDAW, de 1979, em seu art. 17, também os referenciou: Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na vida política e pública do país e, em particular, garantindo, em igualdade de condições com os homens o direito a [...] participar na formulação das políticas governamentais e na execução destas e ocupar cargos públicos e exercer todas as funções públicas em todos os planos governamentais (ONU, 1979, negritos nossos). E, finalmente, foi a Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial de Mulheres (1995), que reforçou, de forma ainda mais incisiva, a criação dos OPM, a partir da recomendação aos países de: [... ] criar, sobre a base de um sólido compromisso político, um mecanismo nacional, quando não exista e fortalecer os mecanismos nacionais existentes para o avanço da mulher nas instâncias mais altas do governo possíveis; o mecanismo deve ter mandatos e atribuições claramente definidos; disponibilidade de recursos suficientes e capacidade e competência para influir nas questões de políticas e formular e examinar a legislação; entre outras coisas, deve realizar uma análise das políticas e levar a cabo 50Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública funções de fomento, comunicação, coordenação e vigilância da aplicação (ONU, 1995, p. 92, negritos nossos). A partir deste breve histórico de construção, pode-se afirmar, portanto, que os OPM: São órgãos gestores e/ou executores de políticas públicas voltadas para garantir os direitos humanos das mulheres, para se promover a igualdade efetiva e incorporar, de forma concreta, as mulheres como seres políticos nas agências dos Estados. Na América Latina, esses organismos foram antes nomeados como Mecanismos de Adelanto de las Mujeres (MAM), ou ainda, como Mecanismos Institucionales de Mujeres (MIM). Independente da designação, eles se constituem naquelas instâncias que, a partir do interior da organização estatal, buscam promover os direitos das mulheres e das meninas, e podem ser localizadas tanto a nível nacional, quanto estadual e municipal. São ess as estruturas institucionais que convergem para o objetivo, para a missão complexa de transversalizar a perspectiva de gênero (em suas dinâmicas interseccionais) nas políticas públicas, e realizar ações para a defesa e promoção dos direitos humanos de mulheres e meninas, em toda a sua diversidade, assim como para erradicar as frequentes violências e violações a que elas estão submetidas. Ess es mecanismos institucionais são, pois, consequência dos processos de conscientização internacional sobre a presença negativa das desigualdades persistentes entre mulheres e homens. Conforme relatado, foi a partir da promulgação da Plataforma de Ação de Pequim que diversos países instauraram tais mecanismos como parte de um sistema institucional que permitia materializar ações substantivas para a igualdade,coordenar agentes sociais (estatais e não estatais), atender ou canalizar recursos para a defesa e o empoderamento das mulheres. Assim, os OPM são dispositivos institucionais que devem integrar a estrutura administrativa do Poder Executivo, das esferas governamentais, e que têm por responsabilidade articular, elaborar, coordenar, organizar, implementar, monitorar e avaliar as políticas públicas para as mulheres numa perspectiva interseccional, ou seja, levando em consideração todas as dimensões do ser mulher: raça, etnia, geração, território etc., nos municípios e nos estados brasileiros. A institucionalização dos OPM deve considerar, ademais, as demandas sociais e políticas das próprias mulheres nas mais variadas áreas setoriais de políticas, tais como educação, trabalho, saúde, enfrentamento à violência, participação política, segurança pública e desenvolvimento econômico, sempre respeitando a diversidade das mulheres. É necessário que os OPM tenham equipe própria para dar conta https://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2013/03/declaracao_beijing.pdf 51Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública dessas muitas demandas e que possuam recursos orçamentários suficientes para enfrentar os desafios de fazer chegar às mulheres os benefícios das ações e das políticas públicas. Além disso, é fundamental, para além das discussões que estamos fazendo neste Curso, que a equipe dos OPM conheça e se aproprie de outros importantes instrumentos de gestão pública, principalmente aqueles relacionados ao ciclo orçamentário governamental, considerando que precisam conhecer bem como se dá a elaboração do Plano Plurianual (PPA), do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA). Essas nomenclaturas podem mudar nas esferas dos estados e municípios, mas estes dispositivos orçamentários existem nos três níveis federativos brasileiros. A elaboração desses instrumentos é função do conjunto do governo e sua aprovação compete ao legislativo estadual/municipal. A execução das políticas públicas para as mulheres só é possível de ser realizada se estiverem previstas, de fato, nos instrumentos de planejamento orçamentário. Além destes instrumentos, é preciso também conhecer o Plano Diretor da sua cidade. Idealmente, tanto quanto para o PPA, a LDO e a LOA, o Plano Diretor também deveria funcionar como instrumento de planejamento que incorporou as perspectivas das mulheres e das meninas no planejamento das cidades, adotando-se, inclusive, os princípios da transversalidade de gênero e raça, da intersetorialidade e da interseccionalidade como estratégias centrais para a garantia de uma intervenção, ampla e articulada, entre as diversas políticas públicas. Contudo, estar presente nesse planejamento é uma tarefa difícil, mas necessária. + O PPA – Plano Plurianual É o instrumento de planejamento governamental do governo federal, de médio prazo, previsto no art. 165 da Constituição Federal, que estabelece, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da Administração Pública, organizado em programas e estruturado em ações que resultem em bens e serviços para a população. O PPA tem duração de quatro anos, começando no início do segundo ano do mandato do chefe do poder executivo e terminando no fim do primeiro ano de seu sucessor, de modo que haja continuidade do processo de planejamento. Nele constam, detalhadamente, os atributos das políticas públicas executadas, tais como: metas físicas e financeiras, públicos- alvo, produtos a serem entregues à sociedade etc. Nos Estados e m unicípios, esse plano é conhecido como PPAG – Plano Plurianual de Ação Governamental. + A LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias Compreende as metas e prioridades da A dministração P ública e orienta a elaboração da L ei O rçamentária A nual (LOA) para o exercício subsequente. + O Plano Diretor É um instrumento estabelecido na Constituição Federal e regulamentado pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257, de 2001), como parte integrante do 52Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública processo de planejamento municipal. É a ferramenta central do planejamento de cidades, nas dimensões urbana e rural, e estabelece as prioridades e ações compatibilizadas com a capacidade de investimento do Município, devendo assegurar o atendimento das necessidades dos cidadãos e das cidadãs quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas. Para compreender melhor todo esse processo de construção de Políticas Públicas, a partir de uma perspectiva complexa, consulte o seguinte d ocumento elaborado pelo Tribunal de Contas da União (TCU): “Política pública em dez passos” (2021). Tribunal de Contas da União. – Brasília: Secretaria-Geral de Controle Externo (Segecex); Secretaria de Orientação, Métodos, Informações e Inteligência para o CE e o Combate à Corrupção (Soma), 2021.https:// portal.tcu.gov.br/data/files/1E/D0/D4/DF/12F99710D5C6CE87F18818A8/ Politica%20Publica%20em%20Dez%20Passos_web.pdf 1.2. O Papel dos OPM na gestão das Políticas para mulheres em perspectiva interseccional As políticas para mulheres implicam uma perspectiva de gestão que é, necessariamente, complexa. Essa complexidade, conforme discutido, envolve princípios que devem reger as ações governamentais, a exemplo da transversalidade, intersetorialidade e também a interseccionalidade. No plano ideal, os OPM têm que alcançar todas as mulheres brasileiras em sua diversidade constitutiva. Assim, neste Curso defendo a perspectiva interseccional nas políticas para as mulheres porque ela traz não apenas ganhos teórico-analíticos, em termos de aprofundamento, já que se organiza a partir da abordagem de formas múltiplas de desigualdades e subordinação social, mas traz também ganhos técnicos e políticos, uma vez que pode contribuir significativamente para o maior aperfeiçoamento do combate às desigualdades sociais, e muito especialmente, das desigualdades de gênero, raça, etnia e classe e pode organizar melhor o formato do trabalho a ser realizado. Talvez o primeiro de todos os papéis de um OPM seja conhecer a realidade onde ele vai incidir, conhecer as dificuldades, os obstáculos principais que afetam as mulheres de sua região a partir de estudos e pesquisas cientificamente orientados. Para isso, é necessário realizar levantamentos de dados, de informações, conhecer, acessar e monitorar indicadores e, tanto quanto for necessário, produzir (ou estimular outros órgãos que produzam) pesquisas e diagnósticos que, afinal, permitam o planejamento estratégico daquelas ações a serem efetivamente tomadas, discutir e definir como isso será feito, quando, a partir de quais objetivos e metas, com quais recursos e por quem. https://portal.tcu.gov.br/data/files/1E/D0/D4/DF/12F99710D5C6CE87F18818A8/Politica%20Publica%20em%20Dez%20Passos_web.pdf https://portal.tcu.gov.br/data/files/1E/D0/D4/DF/12F99710D5C6CE87F18818A8/Politica%20Publica%20em%20Dez%20Passos_web.pdf https://portal.tcu.gov.br/data/files/1E/D0/D4/DF/12F99710D5C6CE87F18818A8/Politica%20Publica%20em%20Dez%20Passos_web.pdf 53Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Também é papel do OPM promover formas e estruturas de conexão e mediação entre as agências estatais que precisam se articular e cooperar para superar as violências e injustiças de gênero e raça, entre outras). As agências precisam também elaborar, coordenar e executar as políticas para as mulheres, capacitar toda s as pessoas envolvida s nesses processos, disseminar informações, regras, conteúdos, oportunidades, recursos etc., mensurar, monitorar e avaliar o trabalho realizado, de forma a identificar os gargalos e buscar as possíveis soluções para superá-los. Vídeo: Igualdade de Gênero, ONU Mulheres Brasil Duração: 2:36 Na teorização do campo dos estudos de gênero e feministas, há um consenso acerca da necessidade de atentar para os cruzamentos entre normatividadese marcadores de identidade de raça, gênero e classe, dentre outros, constituindo-se numa dimensão integral da teorização de diferentes tradições feministas sobre as formas de subordinação e de possibilidades de emancipação a que estão submetidas as mulheres como categoria sócio-histórica. Autora fundamental nestas discussões, como vimos, Patricia Hill Collins (1993) é enfática em afirmar que aquelas análises convencionais do tipo “isso ou aquilo”, binarizantes e hierarquizantes, favorecem a reprodução de reducionismos conceituais, de generalizações indevidas de características peculiares, ou ao gênero, ou à raça/etnia, ou à classe, como se estes fossem atributos universais. Um exemplo bastante comum está nas definições do senso comum que sustentam o homem como “agressivo”, “líder natural”, “ser racional”, “forte” e “intelectual”, e a mulher como “passiva”, “dócil”, “obediente”, “emotiva”, “fraca ou frágil” e voltada para o mundo material. Desta forma, se é verdade que: tipos específicos de diferenciais de poder e/ ou normatividades restritivas, baseados em categorizações socioculturais discursivamente, institucionalmente e/ou estruturalmente construídas, como sexo, etnia, raça, classe, sexualidade, idade/ geração, deficiências, nacionalidade, língua materna e assim por diante, interagem e, ao fazê-lo, produzem diferentes tipos de desigualdades sociais e relações sociais injustas (Lykke, 2010, p. 50); https://youtu.be/d45Woc456DY 54Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública também é verdade que: A perspectiva interseccional aplicada às políticas para as mulheres pode e deve buscar remover, corrigir, minimizar ou superar essas desigualdades e injustiças. Só que esse trabalho se realiza, necessariamente, no plano coletivo, e um dos papéis centrais de um OPM é articular as diferentes estruturas estatais e não estatais, de modo a possibilitar encontros, diálogos e trabalho sinérgico, convergente. Ademais, aos OPM cabe também o papel de elaboração de diretrizes, marcos, metodologias e ferramentas que possam subsidiar a atuação compartilhada dos entes estatais e não estatais. Assim como a visão generalizante ou universal do ser mulher não deve orientar a formulação dessas políticas, o trabalho institucional do OPM não pode se dar dentro de si mesmo. Pelo contrário: as políticas para as mulheres que vão buscar a superação dessas injustiças precisam operar no registro da complexidade. Assim, tanto é necessário trazer para o centro das formulações as diferenças interseccionais que delimitam – constrangem tanto quanto podem emancipar – o estar no mundo das mulheres, quanto os OPM precisam funcionar como estruturas de conexão e mediação entre as agências estatais que precisam se articular e cooperar para superar as violências e injustiças. E, é por isso, também, que: As equipes que trabalham no interior dos OPM precisam ser capacitadas, tanto para compreender as nuances e as especificidades dos direitos humanos das mulheres e meninas, quanto da diversidade de ações complexas que precisam desenvolver ou articular para que sejam desenvolvidas em outras instâncias, para, de fato, atender às demandas dessas mulheres. E, para isto, não vai ser suficiente ter apenas a “vontade” de fazer. Ainda que a vontade seja sim uma pré-condição, outras condições são igualmente necessárias, recursos são necessários, tais como: conhecimento, contatos, informação qualificada e cientificamente orientada, tempo disponível e dinheiro. Ademais, cabe também insistir em outro papel central dos OPM, que reside em funcionar como uma estrutura irradiadora, difusora, seja de informações, regras, conteúdos, oportunidades, recursos etc., seja de parâmetros que vão normatizar a ação dos vários setores de políticas públicas, seja junto à sociedade civil organizada, para que seja possível, de forma coletiva, promover o enfrentamento mais eficaz às desigualdades de gênero e raça. Para isso, o OPM precisa igualmente exercer o papel de 55Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública coordenação das diferentes personagens que precisam tomar decisões, e eventualmente também executar determinadas ações, complementando as iniciativas que visa m garantir a implementação e o cumprimento efetivo de seus objetivos. Por fim, mas não menos relevante, cabe ao OPM mensurar, monitorar e avaliar o trabalho realizado, de forma a identificar os gargalos e buscar as possíveis soluções para superá-los. De forma sintética, os principais papéis a serem exercidos nos OPM estão apresentados na figura abaixo: Figura: Principais papéis e funções exercidos pelos OPM. Fonte: Elaboração própria. 56Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1.3. A Função dos OPM Segundo o Guia para Criação e Implementação de Organismos Governamentais de Políticas para as Mulheres – OPM (FNOPM e SPM/2014), a criação dos OPM fortaleceu e beneficiou a sociedade em geral, já que ampliou a capacidade dos governos para “efetuar ações, mesmo naqueles municípios que possuem estruturas administrativas que oferecem serviços especializados para as mulheres em áreas relacionadas, por exemplo, ao enfrentamento à violência contra as mulheres” (Fórum, 2014, p. 6- 7). Assim, em que pese a importância desses serviços prestados às mulheres, tais estruturas administrativas, geralmente de caráter municipal, não se configuram como OPM. Da mesma forma, os mecanismos de participação e controle social presentes em conselhos e conferências não devem ser confundidos com os OPM (nós vamos falar melhor sobre eles mais adiante no Módulo 4 deste Curso). Os serviços especializados para o atendimento às mulheres, por sua vez, precisam de coordenação e o ideal é que o órgão gestor, nesse caso o OPM e a sua equipe devidamente capacitada, seja responsável por isso. Já nos outros serviços que também serão fundamentais para promover os direitos das mulheres, tais como: assistência jurídica, social, saúde, trabalho e renda, segurança pública etc., as ações precisam do trabalho conjunto, articulado e integral, com uma Secretaria responsável pela execução da política e também em permanente diálogo com a equipe do OPM. Assim: NÃO SÃO, de fato, OPM: aqueles serviços especializados de atendimento às mulheres (centros de referência de atendimento à mulher; casas-abrigo; casas de acolhimento provisório) e serviços de assistência social (CRAS, CREAS etc.). TAMBÉM NÃO SÃO OPM: os Conselhos de Direitos das Mulheres, pois, são espaços políticos de controle social e participação popular. De qualquer modo, tendo estabelecido estas importantes distinções, as funções principais dos OPM são aquelas já descritas na figura, anteriormente apresentada. 1.4. A Importância dos OPM Os OPM destacam-se, pois, como agentes e/ou estruturas governamentais (de nível nacional, estaduais e locais) de promoção das políticas públicas dirigidas às mulheres em suas próprias localidades, o u seja: O OPM é um canal, um meio, um instrumento institucional de promoção e aprofundamento das políticas para as mulheres em https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas-para-mulheres/arquivo/central-de-conteudos/publicacoes/publicacoes/2014/guia-para-a-criacao-de-opm-dez2014.pdf https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas-para-mulheres/arquivo/central-de-conteudos/publicacoes/publicacoes/2014/guia-para-a-criacao-de-opm-dez2014.pdf https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas-para-mulheres/arquivo/central-de-conteudos/publicacoes/publicacoes/2014/guia-para-a-criacao-de-opm-dez2014.pdf 57Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública perspectiva interseccional que o Estado (e seus vários recursos, e não apenas o econômico) às demandas, necessidades e anseios da diversidade de mulheres brasileiras. Assim, cada OPM que vem a ser criado potencializa as possibilidades de ações específicas dirigidas às mulheres em cada estado ou município. A sua criação demonstra o reconhecimentopelo poder público da presença de desigualdades, violências, violações e discriminações contra as mulheres e as meninas, e demarca para todas as pessoas a vontade de superá-las. Estes organismos são, ao fim e ao cabo, oportunidades e possibilidades abertas para se obter mais e melhores recursos que têm o objetivo de transformar para melhor a vidas das mulheres e das meninas, que são, segundo vários estudos e pesquisas, as mais afetadas pelas desigualdades sociais e, principalmente, pelas desigualdades existentes entre mulheres e homens, ainda persistentes na cultura racista patriarcal brasileira. A existência de um OPM num determinado estado ou município significa maior chance de articulação entre os órgãos que atendem às mulheres na sua diversidade e nas suas múltiplas necessidades. Esses organismos tendem a melhorar os indicadores sociais relativos às mulheres e a potencializar conquistas para a sociedade em geral. Conforme dados do IBGE (Censo 2022), mais de 51,5% da nossa população é composta por mulheres. Portanto, propiciar mecanismos de fortalecimento desse grupo social, por meio de ações e políticas públicas, potencializa conquistas para todos os brasileiros, e não apenas para as mulheres. Dados do Censo Demográfico de 2022 Os dados do Censo Demográfico de 2022 apontaram que o Brasil tem 6,0 milhões de mulheres a mais do que homens. A população brasileira é composta por cerca de 104,5 milhões de mulheres e 98,5 milhões de homens, o que, respectivamente, corresponde a 51,5% e 48,5% da população residente no país. Para ver mais dados consulte: https://www.gov.br/mulheres/pt-br/central-de-conteudos/ noticias/2023/outubro/ministerio-das-mulheres-lanca-painel-de- indicadores-do-observatorio-brasil-da-igualdade-de-genero https://www.gov.br/mulheres/pt-br/central-de-conteudos/noticias/2023/outubro/ministerio-das-mulheres-lanca-painel-de-indicadores-do-observatorio-brasil-da-igualdade-de-genero https://www.gov.br/mulheres/pt-br/central-de-conteudos/noticias/2023/outubro/ministerio-das-mulheres-lanca-painel-de-indicadores-do-observatorio-brasil-da-igualdade-de-genero https://www.gov.br/mulheres/pt-br/central-de-conteudos/noticias/2023/outubro/ministerio-das-mulheres-lanca-painel-de-indicadores-do-observatorio-brasil-da-igualdade-de-genero 58Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Referências COLLINS, Patricia Hill. Toward a new vision: race, class, and gender as categories of analysis and connection. Race, Sex and Class, v. 1, n. 1, 1993. LYKKE, Nina. Feminist studies: a guide to intersectional theory, methodology and writing. New York: Routledge, 2010. 59Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Como devem funcionar os OPM Unidade 1: Criação e Estruturação dos OPM Ao final desta unidade, você será capaz de identificar quais são os dispositivos, protocolos, modelos legais de criação, implementação e fortalecimento dos OPM com foco nas políticas para as mulheres em perspectiva interseccional. 1.1. Como criar um OPM Um OPM pode funcionar a partir de diferentes graus de incidência e de importância dentro da estrutura estatal e, de qualquer forma, a escolha pelo formato do OPM deve-se ao Executivo local, estadual ou nacional. Entretanto, a escuta e uma construção colaborativa e participativa é muito importante. Paradis (2013) problematizou e debateu alguns critérios analíticos específicos que são, de fato, muito importantes para se poder afinal identificar o grau de incidência desse equipamento público, quais sejam: (a) função representativa; (b) estabilidade no tempo; (c) estrutura técnica e orçamentária; (d) localização na hierarquia governamental; (e) atribuições; (f) relação com a sociedade civil e, mais especificamente, com os movimentos e organizações de mulheres (Paradis, 2013, p. 84). Módulo 3 60Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Conforme demonstrado, é a própria condição de criação e de continuidade dessa estrutura, se ela é reconhecida internamente no Estado (e ocupa uma posição hierárquica relevante na estrutura estatal) e externamente pela sociedade civil, como uma estrutura de importância, se ela é executora ou não de orçamento próprio, se ela possui equipe, estrutura físico-material e recursos humanos compatíveis para a realização de suas atribuições, se ela articula e interage bem dentro e fora da estrutura estatal – que define, ao fim e ao cabo, o seu lugar e a sua capacidade de incidência estatal e político-social. Por todos estes motivos é muito importante se pensar estrategicamente quando se pretende a criação de um OPM (ou ainda quando se pretende reestruturá-lo). O passo a passo para a criação de uma estrutura institucional como o OPM, segundo o “Guia para Criação e Implementação de Organismos Governamentais de Políticas para as Mulheres – OPM” (FNOPM e SPM/2014) está representado abaixo : 1. Elaboração, pelo Poder Executivo, do Projeto de Lei estadual/ municipal para criação do OPM com indicação de dotação orçamentária pela qual correrá as despesas decorrentes da execução dessa Lei. Em seguida, encaminha-se a proposta para a Assembleia Legislativa/Câmara de Vereadores, para fins de submissão do Projeto ao devido processo legislativo de criação de leis. Após a sanção, a Lei entrará em vigor, havendo a necessidade da sua regulamentação; 2. Edição do Decreto para a regulamentação da Lei Estadual/ Municipal, que disciplinará as atividades descritas na lei. Este documento não necessita passar pela Câmara, apenas receberá a assinatura da(o) Governadora(o) ou Prefeita(o) e a devida publicação; 3. Elaboração e publicação, pelo Poder Executivo, da Portaria de nomeação da equipe que comporá o OPM municipal/estadual; 4. Após este passo estará legalmente criado o OPM, devendo ser dada publicidade em Diário Oficial ou equivalente (Fórum, 2014, p. 11, negritos nossos). É preciso ainda se compreender que todo OPM tem função primordial de articulação política e, sendo assim, torna-se estratégico garantir a capacidade de articulação da gestão do mecanismo, na medida em que as políticas para as mulheres são, afinal, frequentemente executadas por vários órgãos da 61Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública administração pública. E para que o OPM exerça, de fato, seu papel de articulador das políticas públicas para as mulheres em perspectiva interseccional: é essencial que ele funcione em caráter permanente e integral. Além disso, o OPM deve garantir uma relação direta com os demais órgãos da estrutura administrativa, devendo, preferencialmente, ser criado como uma Secretaria de Políticas para as Mulheres ou, no caso de impossibilidade existente nos municípios de pequeno porte, estar vinculado diretamente ao Gabinete da(o) Prefeita(o). Os OPM fazem parte do processo de consolidação de uma sociedade justa e cidadã (Fórum, 2014, p. 10- 11). Para saber mais, consulte: RIBAS, Maria Fernanda. Mecanismos Institucionais para o Avanço das Mulheres. In: Beijing +20: Avanços e Desafios no Brasil Contemporâneo, Fontoura, Natália; Rezende, Marcela; e Querino, Ana Carolina (org .), Brasília: IPEA cap. 8, p. 367-405. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/retrato/pdf/190215_ tema_h_mecanismos_institucionais_para_o_avanco_da_mulher. pdf. 1.2. Planejamento do orçamento, estrutura de Secretaria e recursos humanos É preciso compreender que os OPM, para serem efetivos, devem ir além do respaldo e da legitimidade para atuar, uma vez que são frutos de um processo demandado de forma coletiva por agentes polític os que também se organizaram nesta direção, devem ir além de ser apenas respostas simbólicas e retóricas às demandas das mulheres e atuarem de modo real nos governos. Seus integrantes não podem ser apenas “burocratas” já que, frequentemente, essas pessoas vão necessitar traduzir os https://www.ipea.gov.br/retrato/pdf/190215_tema_h_mecanismos_institucionais_para_o_avanco_da_mulher.pdf https://www.ipea.gov.br/retrato/pdf/190215_tema_h_mecanismos_institucionais_para_o_avanco_da_mulher.pdfhttps://www.ipea.gov.br/retrato/pdf/190215_tema_h_mecanismos_institucionais_para_o_avanco_da_mulher.pdf 62Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública objetivos dos movimentos de mulheres e feministas – que estão fora do Estado – para dentro da estrutura estatal e torná-los palatáveis para os decisores estatais. Em que pese, no nível organizacional, os OPM sejam burocracias relativamente novas, estabelecidas no contexto de reformas estatais focadas em certos tipos de projetos governativos que, ora enfatizam que o discurso vigente é o da necessidade de maior efetividade e eficiência da máquina estatal, ora insistem em destacar a importância de processos mais justos, diversos e inclusivos de produção de políticas públicas, eles enfrentam a resistência de outros setores e órgãos dos governos, muitas vezes insensíveis às desigualdades de gênero, raça e classe e, frequentemente, vão oferecer obstáculos às mudanças dos padrões organizacionais, para incluir, por exemplo, processos mais participativos e com elementos promotores da igualdade e cidadania dentro dos governos. Como outras burocracias que lidam com políticas e ações intersetoriais, conforme descrito no Módulo 1 deste Curso, é frequente que estes mecanismos tenham que lidar com diferentes formas de resistência dos setores que deveriam coordenar suas ações, bem como de setores que deveriam implementá-las. É por isso que a posição hierárquica dentro dos governos importa, estar alinhado a uma posição hierarquicamente superior é um tipo de capital político importante para a vida institucional do OPM, e é também um recurso estratégico de barganha para se alcançar mais recursos. Conforme destacado até aqui, o planejamento é, pois, um elemento essencial para o sucesso de qualquer OPM. Sabemos que existe na própria constituição desse organismo uma tomada de responsabilidade pública, e esta é permanentemente disputada, questionada, seja pelos movimentos, seja pelos próprios agentes de governos democraticamente eleitos. Assim, é de se esperar que os OPM, sua institucionalização e a criação das políticas que vão torná-lo efetivo, enfrentem várias dificuldades. Estamos lidando com estruturas estatais tradicionais que se constituíram historicamente como conservadoramente patrimonialistas, coloniais, patriarcais e racistas, e muitos de seus elementos continuam operando de forma ativa dentro do Estado brasileiro. Como dito, o lugar ocupado na hierarquia organizacional pelo OPM já diz bastante sobre estas disputas: é preciso que estes organismos estejam em posição hierárquica de relevância e que possam, a partir dela, promover as necessárias e complexas ações de articulação transversal e intersetorial. A posição na hierarquia é central, mas também é fundamental obter recursos: políticos, humanos, materiais, infra estruturais e orçamentários. Entendemos que a melhor forma de lidar com as resistências que existirão é disputar 63Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública e ganhar recursos de envergadura, que tornem possível a eficácia das ações do OPM. Falamos disso no Módulo anterior. O orçamento, enquanto dispositivo que ordena os gastos públicos, não é uma peça neutra, a sua elaboração e execução correspondem aos valores que informam, que ordenam a realidade das disputas existentes na própria estrutura governamental e político-social, assim como ordenam aquilo que o chefe do executivo (e seus assessores) julgam ser realmente importante em termos de ação dos seus governos. Toda peça orçamentária quando é insensível às dimensões/perspectivas de gênero, raça e classe é, afinal, um instrumento que mantém e reproduz as desigualdades entre mulheres e homens, bem como entre as pessoas brancas e negras, ricas e pobres. Assim, ampliar a atuação no campo da elaboração do orçamento significa, em primeiro lugar, desconstruir essa aparente neutralidade e, em segundo lugar, que é preciso: [...] desvendar os bastidores do processo orçamentário, conferindo visibilidade a um instrumento ao qual se atribui um caráter eminentemente técnico, mas que, politicamente, pode servir para aprofundar as desigualdades e a exclusão social ou para promover a transformação social, no sentido do bem viver, da justiça socioambiental e da igualdade (Cfêmea, 2014, p. 16). Disponível em: https:// www.cfemea.org.br/images/stories/publicacoes/ orcamentomulher_12anosincidenciapoliticacfemea. pdf. A Constituição Federal em seu art. 165, § 9º, estabeleceu que uma Lei Complementar deveria dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do Plano Plurianual (PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA), conforme apresentado no Módulo 2. No entanto, passados 36 anos, tal lei ainda não foi definitivamente aprovada. E é assim que, para driblar essa ausência, o Poder Executivo implementa, com os devidos limites legais, mudanças na estrutura da LDO e da LOA sempre que entende ser conveniente. Recentemente foi aprovada no Congresso Nacional a Reforma Tributária e do Arcabouço Fiscal, e será necessário acompanhar a sua regulamentação nos próximos anos e observar se, para além dos novos impostos criados, haverá algum impacto https://www.cfemea.org.br/images/stories/publicacoes/orcamentomulher_12anosincidenciapoliticacfemea.pdf https://www.cfemea.org.br/images/stories/publicacoes/orcamentomulher_12anosincidenciapoliticacfemea.pdf https://www.cfemea.org.br/images/stories/publicacoes/orcamentomulher_12anosincidenciapoliticacfemea.pdf https://www.cfemea.org.br/images/stories/publicacoes/orcamentomulher_12anosincidenciapoliticacfemea.pdf 64Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública na regulamentação final das peças orçamentárias brasileiras. De qualquer modo, é importante para quem se interessa por um Curso dessa natureza, conhecer melhor sobre o ciclo orçamentário, especialmente aquele da sua estrutura de governo, de forma que possa incidir sobre ele e ter os recursos humanos e econômicos para, de fato, implementar as ações e programas de políticas para as mulheres em perspectiva interseccional. No mundo ideal seria muito importante que o Brasil contasse com um Orçamento Temático para as Mulheres, ou seja, um Orçamento Mulheres ou um Orçamento Sensível a Gênero e isso em seus três níveis federativos, e ainda, que estes orçamentos fossem diretamente alimentados por f undos específicos, sendo uma excelente boa prática de governança orçamentária constituir esses f undos de recursos orçamentários específicos para as políticas para as mulheres, sejam eles fundos municipais, estaduais e mesmo um Fundo Nacional. Vídeo: AGU Explica - Orçamento Sensível a Gênero Duração: 2:36 Desta forma, esses f undos orçamentários se configuram em um tipo de mecanismo orçamentário-financeiro, estabelecido pelo governo, a depender de seu nível federativo: local, estadual ou nacional, para gerenciar recursos destinados a fins específicos de políticas para as mulheres. O seu objetivo primordial é garantir a alocação eficiente e transparente de recursos para atender às necessidades das mulheres em sua diversidade constitutiva e atendê-las naquelas demandas que são, afinal, de interesse público. Os f undos desempenham um papel crucial na gestão pública para fortalecer políticas direcionadas a essa parcela da sociedade, bem como possuem um papel importante para a transferência de recursos financeiros dos diversos entes federados, para planejar e implementar medidas visando impulsionar a equidade e combater a violência. O executivo municipal, por exemplo, seria responsável por associar receitas a esses programas e garantir, afinal, a sua realização, visando o desenvolvimento, a aplicação e a execução dos p lanos, programas e projetos para fomentar, proteger, defender e garantir os direitos das mulheres em sua diversidade. Do ponto de vista dos recursos humanos, os membros das equipes dos OPM devem estar em condições dediscutir com os outros órgãos o atendimento aos direitos das mulheres, levando em conta a multiplicidade de aspectos que as caracterizam e definindo ações diferenciadas de prevenção, atendimento/acolhimento e promoção https://youtu.be/JO2f6F9H_bU 65Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública de seus direitos ou de reparação de direitos violados. É necessário que todas as pessoas da equipe compreendam que a promoção dos direitos das mulheres exige um olhar interseccional que seja capaz de identificar os vários aspectos decorrentes das diferenças que atravessam os corpos das mulheres brasileiras: de classe social, geracionais, étnico- raciais, orientação sexual, mulheres com deficiência, mulheres que vivem nas áreas urbanas ou rurais, entre outras. Portanto, a capacitação continuada das equipes do OPM é uma estratégia de suma importância. Assim, é preciso pensar num sistema (complexo) de governança para as políticas para as mulheres, em perspectiva interseccional, que se torne, de fato, eficaz no Brasil. Esse sistema precisará envolver diferentes personagens – sejam estes governamentais e não-governamentais nas políticas públicas: Figura: Principais personagens atuando na gestão de políticas para as mulheres em perspectiva interseccional. Fonte: Elaboração própria. 66Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Esse sistema de governança pode ser sintetizado na seguinte figura: Figura: Principais Instituições envolvidas no Sistema de Governança das Políticas para as Mulheres. Fonte: Elaboração própria. Nestas figuras se está apresentando uma proposta de sistema de governança na sua formulação ideal, ou seja, aquilo que seria importante e necessário que municípios, Estados e União contassem para a gestão - mais efetiva e eficaz - das políticas para as mulheres. Todavia, o desafio está, justamente, em colocar todas essas estruturas institucionais em funcionamento. Por exemplo, a 4ª CNPM teve como uma de suas metas (não concretizada em função dos desdobramentos políticos que se seguiram), a elaboração de um “Sistema Nacional de Políticas para as Mulheres”. Esse “Sistema” precisaria incorporar, por certo, todas as estruturas descritas na Figura acima. No entanto, nos Estados e municípios onde essas políticas se enraizaram, em nosso país, nem sempre isso ocorreu, contando-se com o planejamento de um Orçamento Temático e de um Fundo específico para essas políticas. E, como sabemos, sem essas estruturas institucionais, todo o sistema de governança se vê comprometido e pode sofrer abalos, além de desestruturação concreta. 67Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Unidade 2: Diálogos Interinstitucionais, Sustentabilidade e Articulação na gestão dos OPM Ao final desta unidade, você será capaz de indicar as estratégias necessárias para a consolidação e a permanência das políticas para mulheres em perspectiva interseccional no âmbito dos diferentes níveis de governo do Estado b rasileiro. 2.1. Estratégias para garantir a permanência das políticas públicas para mulheres nos OPM A seguir são listadas algumas iniciativas importantes que podem buscar garantir que o OPM permaneça atuante, apesar dos ciclos de projetos governativos que vêm e vão. Dentre estas iniciativas destacam-se: + Iniciativa 1 Dialogar e reconhecer as demandas do movimento de mulheres, feministas e antirracistas da sua localidade e região. + Iniciativa 2 Conhecer as demandas das mulheres, sempre orientada por uma perspectiva interseccional, do seu município/Estado. Os resultados das Conferências de Políticas para as Mulheres (Nacional, Estadual e Municipal) são uma excelente fonte de conhecimento dessas demandas. + Iniciativa 3 Mapear as ações que já estão em desenvolvimento na gestão, e dialogar com as/os gestores responsáveis para potencializar essas ações, tendo em vista a forma como as políticas públicas atingem ou afetam as mulheres em sua diversidade.; + Iniciativa 4 Efetuar levantamento dos dados estaduais ou municipais que podem, inicialmente, ser acessados em sites de órgãos de pesquisa existentes nas diferentes esferas de governo. Existem várias publicações e sites que podem funcionar como fonte de dados cruciais que contribuem com as equipes de OPM na elaboração dos planos municipais de políticas para as mulheres, bem como outras ações relativas às demandas locais. Além dos órgãos nacionais aqui mencionados, ainda existem as universidades que frequentemente 68Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública possuem Núcleos de defesa dos direitos das mulheres, bem como os órgãos estaduais e municipais que oferecem outras bases de dados valiosas para um bom diagnóstico da realidade local das mulheres. + Iniciativa 5 Efetuar levantamento das organizações da sociedade civil que têm relação com a efetivação de políticas para as mulheres. Dependendo do contexto de cada município ou estado é importante identificar, além dos movimentos feministas e de mulheres e movimentos de mulheres negras, outras organizações que possam ser parceiras em ações futuras. + Iniciativa 6 Identificar as demandas mais importantes das mulheres para que o seu OPM possa desenvolver as ações de atendimento às mulheres com qualidade. + Iniciativa 7 A partir dos dados coletados sobre a realidade, a equipe responsável pelo OPM deve construir, juntamente com as organizações da sociedade civil e os Conselhos de Direito das Mulheres, um Plano de Políticas para as Mulheres (estadual ou municipal) na forma de metas e ações, a exemplo do que ocorre no governo federal. Caso esse Plano já exista no seu município ou Estado e esteja em vigência, é preciso conhecê-lo profundamente e respeitá-lo (já que ele foi fruto de pactos e negociações políticas anteriores), se comprometendo com ele, com a implementação de suas ações e, eventualmente, num novo ciclo de construção participativa do Plano, incluir outras ações prioritárias e urgentes. + Iniciativa 8 Buscar o fortalecimento de parcerias que devem estar presentes em todos os momentos da execução do Plano de Política para as Mulheres. Muitas vezes esses parceiros já possuem dados sobre demandas locais, o que possibilita o desenvolvimento imediato de ações, ainda que o diagnóstico local da realidade das mulheres esteja em processo de elaboração ou de consolidação. Reforça-se, portanto, que as parcerias podem ser constituídas por: i nstituições governamentais (federal/ estadual/ municipal); i nstituições da sociedade civil, tais como ONGs, empresas, associações, conselhos e movimentos de mulheres, sindicatos, entre outras. Aqui nesses sites/links você poderá encontrar muitas informações e dados relevantes para formular as políticas ou monitorá-las: https : / /www.ibge.gov.br/estat ist icas/mult idominio/ genero/20163-estatisticas-de-genero-indicadores-sociais-das- mulheres-no-brasil.html https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas- para-mulheres/arquivo/assuntos/estatisticas-de-genero https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/genero/20163-estatisticas-de-genero-indicadores-sociais-das-mulheres-no-brasil.html https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/genero/20163-estatisticas-de-genero-indicadores-sociais-das-mulheres-no-brasil.html https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/genero/20163-estatisticas-de-genero-indicadores-sociais-das-mulheres-no-brasil.html https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas-para-mulheres/arquivo/assuntos/estatisticas-de-genero https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas-para-mulheres/arquivo/assuntos/estatisticas-de-genero 69Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 2.2. Fóruns Nacional e Estaduais de OPM: papéis e importância Segundo o próprio Ministério das Mulheres, o Fórum Nacional de Organismos de Políticas para as Mulheres (OPM) é um espaço de diálogo do Governo Federal, por meio do Ministério das Mulheres, com as gestoras estaduais e municipais. T rata-sede um importante mecanismo de interlocução e reflexão sobre a implementação e integração das políticas públicas voltadas às mulheres com o objetivo de garantir direitos e combater as desigualdades, discriminações e todas as formas de violência. Estão entre os objetivos do Fórum: 1. Contribuir com o fortalecimento dos Organismos de Políticas para as Mulheres nos governos federal, estaduais e municipais, ampliando os níveis de articulação entre as esferas; 2. Estimular a criação de novos Organismos de Políticas para as Mulheres nos municípios; e 3. Contribuir com a integração de políticas públicas para as mulheres em todos os níveis da gestão pública. O seu público- alvo são, portanto, as Gestoras estaduais e municipais dos Organismos de Políticas para as Mulheres brasileiros” (Fonte: Encontro Nacional, abril 2023). Assim como esta estrutura existe no nível federal seria muito importante que ela também existisse na escala dos estados brasileiros, se criando também os Fóruns Estaduais de OPM. Alguns municípios ou redes de instituições de defesa dos direitos das mulheres criaram documentos informativos, cartilhas sobre como replicar a criação de OPM, sobre as suas principais políticas, sobre estruturas institucionais e serviços em termos de políticas para as mulheres etc. Est e é um trabalho de divulgação e de disseminação de informações muito importante para as mulheres de seu município. Seria muito relevante que a sua cidade também dispusesse de materiais dessa natureza. Eles facilitam a compreensão e o acesso, por parte das mulheres, daquilo que existe próximo a ela para o seu atendimento, e ajudam as gestoras a compreender bem os desafios e as etapas para a criação de OPM. Conheça a seguir alguns destes materiais: 70Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública SISTEMA DE GOVERNANÇA DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MULHERES Guia Orientativo para a implantação de Organismo de Políticas para Mulheres (OPM) Conselho Municipal das Mulheres e da Mulher e Fundo Municipal da Mulher, Governo do Estado do Paraná, Secretaria da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa, 2023. Ver: https://www.semipi.pr.gov.br/sites/default/arquivos_ restritos/files/documento/2023-09/ap_sistemadegovernanca_ a4-1.pdf Guia de orientação para criação e implementação de Organismos de Políticas para Mulheres (OPM), Governo do Estado do Amazonas, Secretaria Executiva de Políticas para as Mulheres (SEPM), 2023. Ver: https://www.sejusc.am.gov.br/wp- content/uploads/2023/10/Guia-OPM.jpg Guia para a adesão de políticas de proteção às mulheres nos municípios, Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Departamento de Políticas para as Mulheres (DPM), 2021. Ver: https://famurs.com.br/uploads/noticia/25238/CARTILHA_DA_ MULHER.pdf Guia prático de serviços para a mulher “Mulher, O Gama te ama!”, Promotoria de Justiça do Gama, Rede de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher do Gama, 2019. Ver: https://www. mpdft.mp.br/portal/pdf/imprensa/cartilhas/guia_pratico_ servicos_mulher_o_gama_te_ama.pdf Referências PARADIS, Clarisse Entre o Estado patriarcal e o feminismo estatal: o caso dos mecanismos institucionais de mulheres na América Latina. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós Graduação em Ciência Política/PPGCP, Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG, 2013, 179 p. RIBAS, Maria Fernanda, Mecanismos Institucionais para o Avanço das Mulheres. In: Beijing +20: Avanços e Desafios no Brasil Contemporâneo, Fontoura, Natália; Rezende, Marcela; e Querino, Ana Carolina (org .),Brasília: IPEA p. 367-405. https://www.semipi.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2023-09/ap_sistemadegovernanca_a4-1.pdf https://www.semipi.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2023-09/ap_sistemadegovernanca_a4-1.pdf https://www.semipi.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2023-09/ap_sistemadegovernanca_a4-1.pdf https://www.sejusc.am.gov.br/wp-content/uploads/2023/10/Guia-OPM.jpg https://www.sejusc.am.gov.br/wp-content/uploads/2023/10/Guia-OPM.jpg https://famurs.com.br/uploads/noticia/25238/CARTILHA_DA_MULHER.pdf https://famurs.com.br/uploads/noticia/25238/CARTILHA_DA_MULHER.pdf https://www.mpdft.mp.br/portal/pdf/imprensa/cartilhas/guia_pratico_servicos_mulher_o_gama_te_ama.pdf https://www.mpdft.mp.br/portal/pdf/imprensa/cartilhas/guia_pratico_servicos_mulher_o_gama_te_ama.pdf https://www.mpdft.mp.br/portal/pdf/imprensa/cartilhas/guia_pratico_servicos_mulher_o_gama_te_ama.pdf 71Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública OPM e a sua relação com a participação e o controle social Unidade 1: Engajamento e Controle Ao final desta unidade, você será capaz de identificar os dispositivos de participação e controle social na gestão compartilhada das políticas para as mulheres em perspectiva interseccional. 1.1. A importância da Participação e do Controle social A democracia se realiza com a participação política de cada integrante da sociedade, sendo que ela está, inclusive, prevista constitucionalmente no Brasil. A Constituição Federal (CF), de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã, garante o controle social, o direito e o dever da participação da sociedade nas políticas públicas, e isso é promovido, afinal, por diferentes meios. Essa participação pode ocorrer dentro das esferas de poder estatal: + Legislativo É a forma mais comum e, frequentemente, a mais conhecida de participação da sociedade, pelo processo eleitoral, o qual nos diz da representação política, por meio do voto direto, momento em que escolhemos a nossa representação parlamentar. Vale lembrar que, no Brasil, a democracia é representativa. Por isso, o voto é a forma mais clássica de demonstração da vontade da população. + Judiciário A participação em um júri popular para julgar crimes dolosos contra a vida. + Executivo Pode se dar por vários caminhos como, por exemplo, no ingresso em conselhos e comitês de políticas públicas. Os conselhos podem ser populares – como as associações de bairro – e também mais institucionais. Eles ainda podem ser consultivos (poder público é consultado a fim de obter opiniões para aprimorar a organização da administração pública), participativo (maior envolvimento Módulo 4 72Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública e participação na tomada de decisão, com medidas de monitoramento do Estado) e deliberativo (trabalho conjunto com o poder público, com decisões de aprovação ou veto nas tomadas de decisões e participação ativa em políticas públicas). Destaque-se que participar é parte essencial do exercício de cidadania e um dos cinco fundamentos da República Federativa do Brasil, determinados no art. o 1º da CF/88, que compreende os direitos e deveres do indivíduo, indo muito além do sufrágio, que é o exercício do voto e da possibilidade de ser votado. A participação política, tal como foi conceituada, é estritamente dependente da existência de estruturas políticas que sirvam para fornecer as condições, as oportunidades e os devidos incentivos aos cidadãos e às cidadãs para estarem lá, levando sua voz e visão de mundo para dentro do poder constituído. Em sistemas democráticos, as estruturas de participação política consideradas mais importantes estão relacionadas, como já dissemos, ao sufrágio universal (direito ao voto: eleger e ser eleita e eleito), e aos processos eleitorais competitivos que se dão a partir de forças políticas organizadas, sobretudo, partidos políticos, onde se disputam cargos eletivos. Mas não se esgotam por aí. Também é preciso salientar a importância da participação nas comunidades, nos bairros, nas periferias e nas associações voluntárias, provenientes de uma sociedade civil do tipo pluralista e inclusiva. Essas entidades atuam como agentes fundamentais de socialização política, servindo, inclusive, de elo, de conexão e recrutamento, entre a sociedade civil e as organizações político-partidárias. Sendo assim, vale lembrar que a participaçãopopular não deve ser considerada um elemento periférico ou meramente complementar na gestão das políticas públicas. Apesar de ser possível constatar um efeito possível de “elitização” na participação, especialmente quando ela ocorre dentro de estruturas institucionalizadas, tais como c onselhos, por exemplo, é forçoso trabalhar para que ocorra o contrário: a participação é popular e deve ser possível para todas as pessoas, indistintamente do seu nível de escolaridade ou de especialização. Assim, é importante destacar que a participação social e popular é muito importante nas decisões de todos os poderes e, muito especialmente, no âmbito do Poder Executivo. É fundamental também esclarecer que ela pode ocorrer em diferentes momentos do ciclo de vida das políticas públicas. Podemos ver a importância da participação nos mecanismos de participação em processos de decisão pública, tais como: as audiências públicas; os conselhos de direitos e de políticas públicas; as conferências de políticas públicas; os diferenciados métodos de planejamento participativo (orçamento participativo, planos diretores elaborados pelos municípios) etc. 73Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública A participação social e popular é crucial numa democracia porque é através dela que podemos vocalizar as nossas demandas, controlar e monitorar as ações governamentais. As mulheres, por exemplo, mesmo sendo minoria na elaboração da CF de 1988, tiveram um papel fundamental em inserir as demandas das mulheres brasileiras na nossa lei máxima. Ou seja: a participação popular é compreendida como um recurso de luta pelos direitos de cidadania, principalmente em sociedades tão hierárquicas, discriminatórias e desiguais como a nossa. É através dela, da participação ativa, que as pessoas menos favorecidas socialmente (excluídos e os pobres) podem incidir mais e melhor no campo político. Então, é preciso que compreendamos que, a fim de se consolidar uma democracia, é fundamental a participação da população no processo de construção, elaboração e definição de ações que venham lhe garantir uma melhor qualidade de vida para a nossa população. Vídeo: Mulheres na Constituinte (1988), Arquivo Nacional Duração: 0:32 Vídeo: Entrega da Carta das Mulheres à Assembléia Constituinte na sessão de 26 de março de 1987, Senado Federal Duração: 39:04 No Brasil, o exercício do controle social se dá principalmente a partir da participação popular nos Conselhos (sobre os quais discutiremos melhor a seguir). Cabe destacar que essa participação e controle exigem: socialização de informações; acompanhamento e fiscalização das ações governamentais; controle do orçamento público; fiscalização dos fundos públicos; monitoramento e avaliação do desempenho das políticas públicas; realização de reuniões regulares e abertas; realização de audiências, assembleias e fóruns para ampliar a participação da sociedade no controle das políticas públicas. Torna-se, pois, possível constatar a contribuição da democracia participativa – a estrutura de governança inclusiva estabelecida pela CF/88 –, para o país e, os objetivos são alcançados por meio das diversas formas de participação da sociedade no nosso destino. A Constituição, em seu art. 1º, determina que o Brasil é uma República Federativa, formada pela união indissolúvel dos Estados e dos Municípios e do Distrito Federal. São esses elementos que qualificam o Estado como Democrático de Direito. No Parágrafo ú nico do mesmo artigo, a CF/88 prevê que todo o poder emana https://youtu.be/WgRLqqsef34 https://youtu.be/JSXgY90OOIY https://youtu.be/JSXgY90OOIY 74Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública do povo; que esse poder será exercido por meio de representantes (democracia indireta/ democracia representativa) e também de forma direta (democracia participativa). Significa dizer que a base do sistema democrático do nosso país será não apenas o voto, mas também a participação popular, direta, pelos meios e instrumentos constitucionais e legais previstos. Assim, a democracia participativa é elemento constitucional que visa colaborar na atuação efetiva da população na tomada de decisões. Outro elemento crucial da participação popular é que ela pode afetar positivamente o reconhecimento, a legitimidade, a justiça e a eficácia das políticas públicas. Vídeo: O Controle Social nas Políticas Públicas O controle social nas Políticas Públicas | Administração Pública | Políticas Públicas | CNU Duração: 3:34 1.2. Os Conselhos dos Direitos das Mulheres e de Promoção da Igualdade Racial Antes de falarmos especificamente dos Conselhos de Direitos das Mulheres, vamos apresentar brevemente, e de uma forma geral, o que são, afinal, as estruturas institucionais participativas e híbridas (sociedade civil e Estado) dos Conselhos. Trata-se, pois, de um dos tipos de interação possível entre Estado e sociedade civil (Abers; Serafim; Tatagiba, 2014), uma arena de participação institucional, amparada por legislação, e que tem como características a formulação, o acompanhamento e a fiscalização das políticas públicas nas três esferas governamentais. As áreas dos Conselhos são aquelas das políticas governamentais, tais como: as de educação, saúde, assistência social, política para mulheres, meio ambiente etc. Em geral, os conselhos são paritários: 50% de representantes do Estado e 50% de representantes da sociedade civil. São necessárias algumas condições para o bom funcionamento e o fortalecimento da atuação de controle social que deve ser realizado pelos Conselhos: a. autonomia e infraestrutura (espaço físico, secretaria- executiva e dotação orçamentária, no mínimo) e condições de funcionamento autônomo; b. transparência e socialização de informações, para que seja realmente possível controlar com racionalidade o orçamento e os gastos públicos; https://youtu.be/jTh7QtSopzw 75Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública c. visibilidade, divulgação e publicização das ações que os Conselhos decidem implementar; d. integração e estratégias para se criar, de forma adequada, a articulação do Conselho, como por exemplo, através da pactuação de agendas comuns e da criação de fóruns mais amplos, que contribuam para superar a setorização e a fragmentação das políticas públicas; e. articulação dos Conselhos com outras instâncias de controle social, tais como: como os Fóruns e Comissões Temáticas, ampliando-se a participação da sociedade nesse campo da participação popular e do controle social das políticas públicas; e f. capacitação continuada dos Conselhos, de forma que seja possível desenvolver um processo contínuo de formação dos Conselheiros e das Conselheir as, instrumentalizando-os para o efetivo exercício do controle social. Assim, os conselhos de políticas públicas evidenciam a presença de uma nova institucionalidade pública e demo crática no país; configuram um arranjo institucional, porque não são mera mente comunitários – são distintos dos fóruns congregadores de entidades e associações da sociedade civil – e não são apenas estatais. Trazem consigo a novidade pelo caráter com partilhado, estatal e social, na formulação, gestão, controle e avaliação das políticas públicas. Esta participação com igualdade de poderes é inteira mente nova para o Estado, em especial para a Administração Públi ca, já tão habituada aos padrões de centralização das decisões e pelo poder discricionário de seus agentes, mesmo em matéria de direitos humanos, especialmente de direitos sociais. Sendo a ssim, os Conselhos já existem hoje no país nas três esferas de governo: na esfera federal, temos Conselhos Setoriais das Políticas Públicas (Saúde, Educação, Assistência Social, entre outro s) e Conselhos de Direitos, a maioria deles com seus respectivos Fundos implementados. Nas esferas estaduais, temos os Conselhos Estaduais de Políticas Públicas (Saúde, Educação e Assistência Social, entre outro s), que estão funcionando emtodas as 27 (vinte e sete) unidades federadas e alguns deles com seus respectivos fundos implementados. Já nas esferas municipais, também temos um processo forte de descentralização, sendo que a maioria dos Municípios também possuem estes Conselhos. Vídeo: Conselhos de Direitos, o que é isso? Conselhos de Direitos, o que é isso? CeMAIS. Duração: 7:52 https://youtu.be/vM2ZrwxeoEU 76Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Apesar da Lei determinar a necessidade da existência de um caráter deliberativo para os Conselhos, em geral estas estruturas denotam, ainda hoje, um caráter eminentemente consultivo. E existem outros obstáculos e limitações para o bom funcionamento dess as estruturas, para as quais precisamos prestar atenção s: ainda há dificuldades e mesmo resistência do poder público em permitir a publicização das ações do Estado; nem sempre ocorre transparência e socialização de todas as informações fundamentais para que os Conselhos (e conselheiras e conselheiros) exerçam, de fato, o controle social; há ainda problemas que se relacionam à ausência de esquemas próprios de divulgação e de comunicação com a sociedade (o que pode afetar diretamente a visibilidade, confiabilidade e transparência na atuação dos Conselhos); há também, em muitos casos, problemas com a autonomia dessas estruturas, já que, na prática, fica evidente a dependência dos Conselhos quanto às condições administrativas, financeiras e técnicas. Por isso, é preciso estar vigilante e alerta a como os Conselhos estão de fato atuando. A proliferação dos Conselhos representa um aspecto positivo ao criar oportunidades para a participação da sociedade na gestão das Políticas Públicas. No entanto, há que se avaliar o funcionamento efetivo e a eficácia da atuação dess es organismos. Para que um Conselho funcione adequadamente algumas condições são necessárias, a saber: que o Conselho tenha legitimidade, que ele seja, de fato, representativo e que possa trabalhar de forma a ter maior controle das políticas. No Brasil, no ano de 1983, as mulheres conquistaram seu primeiro conselho de direitos, o Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo (CECF), impulsionando outros estados na criação de seus próprios conselhos, inclusive o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), que foi criado em 1985 e está atuante até hoje. Outros conselhos municipais dos direitos das mulheres também foram criados na década de 80, antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988, a exemplo do que aconteceu no Estado de São Paulo, Minas Gerais (1984), Bahia (1985), Rio Grande do Sul (1986), Rio de Janeiro (1987), entre outros. Mas este processo continua até os dias atuais, pois muitos municípios ainda não têm ess es Conselhos de Direitos das Mulheres (ou eles apenas existem arrolados no papel, sem atuação efetiva de participação e controle social). Suas composições, o caráter e atribuições têm grande variação, segundo as Leis Municipais responsáveis pelas criações desses Conselhos. O Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (CNDM) foi criado, conforme afirmado, em 29 de agosto de 1985, por meio da Lei Federal nº 7.353. Vinculado inicialmente ao Ministério da Justiça, era composto por um Conselho Deliberativo, 77Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública por Assessoria Técnica e Secretaria- Executiva. A mesma lei também criou o Fundo Especial dos Direitos da Mulher. Segundo Schuma Schumaher (2018), ativista e feminista que atuou em vários momentos neste Conselho, o corpo técnico do CNDM era composto, na maioria, por feministas autônomas vindas de diversas regiões do país, com o compromisso de abrir espaço na estrutura política do governo, ser um canal de interlocução com os movimentos de mulheres, além da formulação e monitoramento das políticas. Entretanto, várias mudanças estruturais ocorreram nas trocas de mandatos presidenciais e das tendências políticas, sendo que, em 1995, o Conselho Nacional foi reativado, todavia sem estrutura administrativa e sem orçamento próprio. Em 1997, com a implementação do Programa Nacional de Promoção da Igualdade e Oportunidades na função pública (em parceria com o Ministério da Administração), o Conselho Nacional sofreu um rebaixamento na hierarquia do Ministério da Justiça. Uma das últimas mudanças implementadas no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher foi em 2003, no início do primeiro governo Lula, com a criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (com status de Ministério), que possibilitou a vinculação do CNDM a esse novo órgão. Pela Medida Provisória nº 103, de 2003, transformada na Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, o CNDM passou então a integrar a estrutura administrativa da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM). O Decreto nº 4773, de 7 de julho de 2003, dispôs sobre a composição, estruturação, competência e funcionamento do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), passando a instituí-lo como um órgão colegiado, de caráter consultivo, não mais deliberativo, e integrante da estrutura básica da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Hoje, o CNDM está sediado no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, tendo na sua presidência, a Ministra das Mulheres Aparecida Gonçalves e a Secretária de Nacional de Articulação Institucional, Ações Temáticas e Participação Política, Carmen Helena Ferreira Foro, também do Ministério das Mulheres. De outro lado, olhando agora para as questões étnico- raciais, o estado de São Paulo também foi o pioneiro na criação de Conselhos de Promoção da Igualdade Racial. Muito antes desse processo federal de institucionalização, já no ano de 1984, foi criado o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra neste estado. A iniciativa pioneira do governo paulista apresentou, porém, dificuldades nas negociações entre os representantes do movimento negro e do governo; fato natural tendo em vista a inédita experiência de um espaço institucional de diálogo entre o movimento social e o Estado brasileiro (Santos, 2006). Mas é inegável a importância que o Conselho da Comunidade Negra teve dentro do processo de institucionalização das políticas de igualdade racial em São Paulo. A criação do Conselho no governo estadual influenciou uma atitude semelhante na capital paulista. Em 20 de novembro do ano de 1987, a partir do Decreto Municipal nº 24.986, o então Prefeito Jânio Quadros criou o Conselho Municipal do Negro (Laia, 2012). 78Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Vídeo: As estatísticas que revelam a desigualdade racial no Brasil e nos EUA Fonte: BBC News Brasil Duração: 6:16 Vídeo: Igualdade Racial - Aula 2, Instituto Cultiva Duração: 18:48 São Paulo também adiantou uma demanda, que viria a se tornar obrigatória, nos municípios brasileiros que quisessem aderir ao sistema de políticas afirmativas brasileiro. A partir da formalização do SINAPIR, em 2010, quando muitos estados e municípios ainda estavam se adaptando à nova realidade institucional, São Paulo acumulava uma expertise histórica no assunto e carregava a memória institucional nesse sentido. Outras cidades brasileiras também apresentaram ações institucionais vanguardistas nesse assunto, como é o caso de Salvador e de Recife. Todavia, um Conselho nacional dessa temática veio a ser criado apenas mais tarde: o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR), enquanto órgão colegiado de caráter consultivo, criado pela Lei nº 10.678, de 23 de maio de 2003, e regulamentado pelo Decreto nº 4.885, de 20 de novembro de 2003. Ele esteve inicialmente vinculado à SEPPIR (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) e agora está vinculado ao Ministério da Igualdade Racial (MIR). A criação do CNPIR foi fruto da luta dos movimentos negros desde a CF/88, mas foi na III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada entre31 de agosto e 8 de setembro de 2001, em Durban, na África do Sul, que o governo brasileiro reafirmou o seu compromisso com estratégias e políticas para o desenvolvimento social igualitário para vítimas de discriminação racial. Como você avalia o grau de efetividade do Conselho estadual/ municipal dos Direitos das Mulheres na sua cidade/Estado? https://youtu.be/d45Woc456DY https://youtu.be/d45Woc456DY https://youtu.be/gc_r4XR9QG0 79Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1.3. As Procuradorias das Mulheres Até onde foi possível investigar, as Procuradorias da Mulher são estruturas institucionais mais recentes. A Procuradoria da Mulher da Câmara dos Deputados, por exemplo, foi criada pela Resolução nº 10, de 2009, que definiu como suas atribuições: zelar pela participação mais efetiva das deputadas nos órgãos e nas atividades da Câmara; receber e encaminhar aos órgãos competentes denúncias de discriminação e violência contra a mulher; fiscalizar programas do Governo Federal; cooperar com organismos nacionais e internacionais na promoção dos direitos da mulher; promover pesquisas e estudos sobre violência e discriminação contra a mulher e sobre a representação feminina na política. No caso desta Procuradoria, a Procuradora da Mulher é eleita por todas as deputadas federais juntamente com três procuradoras-adjuntas (de partidos distintos), em sessões legislativas da primeira quinzena, da primeira e da terceira sessão. Em consulta ao Regimento Interno da Câmara dos Deputados é possível verificar que tal órgão possui, em verdade, uma estrutura mais ampla denominada “Secretaria da Mulher”, prevista no Capítulo II-A do referido regimento, que foi acrescido pela Resolução nº 10, de 2009, e ostenta hoje outra redação presente na Resolução nº 31, de 2013. A Secretaria da Mulher é, pois, composta pela Procuradoria da Mulher e pela Coordenadoria dos Direitos da Mulher, e o indicativo regimental é de que tais estruturas, às quais se soma o “Comitê de Defesa da Mulher contra Assédio Moral ou Sexual”, buscam “tornar a Câmara dos Deputados um centro de debate das questões relacionadas à igualdade de gênero e à defesa dos direitos das mulheres no Brasil e no mundo” (art. 20- A, RI). Para além da Secretaria, cabe ainda mencionar que a Câmara dos Deputados do Brasil possui uma Comissão Permanente de Defesa dos Direitos da Mulher (art. 32, RI). Em 2013 foi também criada a Procuradoria Especial da Mulher do Senado Federal, através da Resolução nº 9, de 2013. São competências dessa Procuradoria Especial: zelar pela defesa dos direitos da mulher; incentivar a participação das parlamentares em suas ações e participações nos trabalhos legislativos e na administração do Senado Federal; receber, examinar e encaminhar aos órgãos competentes as denúncias de violência e discriminação contra a mulher; sugerir, fiscalizar e acompanhar a execução de programas do governo federal que visem à promoção da igualdade de gênero, assim como a implementação de campanhas educativas e antidiscriminatórias de âmbito regional ou nacional; cooperar com organismos nacionais e internacionais, públicos e privados, voltados à implementação de políticas para as mulheres; promover audiências públicas, pesquisas e estudos sobre violência e discriminação contra a mulher, bem como sobre a participação política da mulher; e, finalmente, auxiliar as Comissões do Senado Federal na discussão de proposições que tratem, no mérito, de direito relativo à mulher ou à família. Há autoras, Oliveira e Cristovam ( 2023, p. 4) que consideram as Procuradorias da Mulher como mecanismos de impulsionamento legislativo (ainda pouco conhecidos), 80Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública que podem “constituir um bom exemplo de constitucionalismo feminista e/ ou expressão de institucionalidade democrática e de concretização/promoção constitucional da igualdade de gênero, o u seja, estas instituições têm maior vínculo com as estruturas e órgãos do Poder Legislativo. Essas autoras identificaram em seu levantamento outros formatos de atuação legislativa por e para mulheres, quais sejam: (i) Bancadas Femininas, com e sem competência regimental específica para s questões afeitas às mulheres; (ii) Comissões Parlamentares Permanentes exclusivas das mulheres e de seus direitos; (iii) Comissões Parlamentares Permanentes não exclusivas da mulher e/ou de seus direitos; (iv) Câmara Setorial Temática das Mulheres; (v) Frentes Parlamentares das Mulheres; e (vi) Ação Formativa Mulheres na Tribuna e Tribuna da Mulher (Oliveira e Cristovam, 2023, p. 23). A partir dessas experiências ocorreu um processo de indução federativa, e foi amplamente estimulado que os Estados e as suas respectivas Assembleias Legislativas também criassem essas estruturas no âmbito do Legislativo estadual. Além disso, foi criada a Rede Nacional de Procuradorias da Mulher, que é constituída pela Procuradoria da Mulher da Câmara dos Deputados, pela Procuradoria Especial da Mulher do Senado Federal, e pelas Procuradorias da Mulher Estaduais, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como, demais parceiros associados. A Rede Nacional de Procuradorias da Mulher, por sua vez, tem os seguintes objetivos gerais: a. promover diálogo e comunicação facilitada entre as Procuradoras; b. construir um fluxo para orientação, registro e cadastro das denúncias recebidas – com a possibilidade de acionarem as parlamentares do local da denúncia ou do Estado para acompanharem a denúncia em caso de federalização; c. produzir uma agenda conjunta com a realização de reuniões, debates e treinamentos, inclusive com estabelecimento de parcerias e convênios com órgãos e entidades que promovam a proteção de meninas e mulheres, como Defensoria Pública da União, a Ordem dos Advogados 81Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública do Brasil – OAB Mulher, Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Associação dos Magistrados Brasileiros e ONU Mulheres, entre outras; e d. produzir um “Banco de Ideias”, um espaço em que as Procuradoras possam compartilhar as boas práticas da sua gestão e projetos de lei de temas correlatos. A Rede Nacional de Procuradorias da Mulher foi pensada para se constituir num espaço de integração das ações que as parlamentares desenvolvem para o enfrentamento à violência contra as mulheres, promovendo-se, desta forma, maior conhecimento sobre o tema e orientações mais unificadas. 1.4. As Ouvidorias As Ouvidorias Públicas também representam um avanço para a promoção dos direitos e das demandas por inclusão, justiça e cidadania, no caso da Administração Pública brasileira, especialmente no campo da gestão democrática. Desta forma, as Ouvidorias, em geral, são também espaços institucionais que viabilizam formas de participação da cidadania nas políticas públicas. A partir dessas estruturas, as cidadãs e os cidadãos podem fazer sugestões, elogios, solicitações, reclamações, denúncias e pedidos de acesso a informações, dentre outros procedimentos. Parece-nos claro que, para que as Ouvidorias públicas cumpram seu papel no fortalecimento da democracia participativa e no aperfeiçoamento da gestão pública, é fundamental que ouvidoras e ouvidores exerçam suas atribuições com autonomia e independência (Menezes; Neto e Cardoso, 2016). Assim, o papel principal da Ouvidoria é garantir que a demanda da cidadania seja considerada e tratada, à luz das garantias constitucionais e legais, atuando no sentido de recomendar adequações necessárias ao efetivo funcionamento da gestão pública (Silva; Pedrozo e Zucchi, 2014). A criação das Ouvidorias da Mulher é mais recente do que a das Procuradorias. Na verdade, estes são órgãos responsivos às demandas de gênero e étnico-raciais que vêm sendo criados dentro de várias estruturas do poder público brasileiro. De forma mais orientada e específica, as Ouvidorias da Mulher funcionam frequentemente como um canal para as mulheres que sofreram ou estãoem situação de violência (física, psicológica, sexual, patrimonial, na internet e redes sociais, no trabalho, no ambiente público ou privado, na política) e que desejam pedir ajuda e denunciar. A ex-Senadora Simone Tebet, inclusive, enquanto atuava como parlamentar, protocolou o Projeto de L ei nº 1.882, de 2022, que busca criar as Ouvidorias da Mulher em estatais e em empresas de economia mista também. 82Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Assim, as suas atribuições e papéis vão variar de acordo com o órgão aos quais as Ouvidorias são vinculadas. No levantamento prévio que realizei, ess as estruturas parecem estar mais frequentemente vinculadas aos órgãos do Poder Judiciário e do Executivo (mas elas não se limitam às instituições deste poder estatal), bem como do Ministério Público e, com bem menor frequência, começaram a surgir as Ouvidorias da Mulher no âmbito das Instituições Federais do Ensino Superior (IFES) e nos Institutos Federais de Educação. Todavia, algumas Câmaras Municipais e Assembleias também contam com Ouvidorias deste tipo específico, e alguns Tribunais de Justiça (federais e dos estados) também têm constituído essas estruturas. Assim, no âmbito federal, já existem as seguintes estruturas: a Ouvidoria da Mulher do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), criada em 2020; a Ouvidoria Nacional da Mulher, criada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2020; a Ouvidoria da Mulher do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), criada em 2022; a Ouvidoria das Mulheres que integra a Ouvidoria do Conselho da Justiça Federal (CJF), criada em 2022; e a Ouvidoria das Mulheres do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), criada em 2023. Desta forma, as Ouvidorias vêm se constituindo, com o passar do tempo, em um espaço de denúncias de violações e estratégia para a melhoria dos serviços prestados, favorecendo a avaliação e o aprimoramento das atividades de organização das políticas públicas. Por meio do acompanhamento do fluxo das solicitações apresentadas pelos usuários como busca de solução de problemas e pela análise das informações obtidas é possível identificar as áreas que necessitam de maior atenção, embasando a definição de novos planos de ação. Ademais, as Ouvidorias também são canais fundamentais para viabilizar os princípios da LAI – Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527, de 2011), que tem como principal objetivo garantir o direito fundamental de acesso à informação, e que também contribui para a garantia de outros direitos. Isso só é possível porque as informações que podem ser obtidas dos órgãos públicos, como por exemplo, dados sobre gastos do governo, políticas e serviços públicos, são importantes para se garantir direitos referentes à educação, à saúde, à igualdade, dentre outros. O processo de democratização passa pela aproximação das políticas públicas à sociedade, pelo alcance das decisões políticas à cidadania e pela possibilidade do controle democrático mediante práticas participativas. No cenário político- administrativo brasileiro, reconhece-se as necessidades de participação, controle, regulação, análise e avaliação de políticas públicas. As ouvidorias públicas têm se apresentado como instrumentos importantes para o alcance desses objetivos. 83Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Na sua cidade/Estado vocês contam com Ouvidorias e Procuradorias da Mulher? Se ainda não: o que poderia ser feito para promover a criação delas? Se sim: como, de fato, elas vêm atuando para promover as políticas para as mulheres? Referências ABERS, Rebecca; SERAFIM, Lizandra; TATAGIBA, Luciana. Repertórios de Interação Estado-Sociedade em um Estado Heterogêneo: A experiência na era Lula. Revista Dados, Rio de Janeiro, v. 57, n. 2, p. 325-357, 2014. LAIA, M. A. (o rg.). Coordenadoria dos Assuntos da População Negra: 20 anos de Contribuição para as Políticas Públicas Etnicorraciais no Município de São Paulo. São Paulo: MENEZES, R. do A ; NETO, F. C. L ; CARDOSO, A. S. R. (org.). As ouvidorias e o uso público da razão: proposta de um modelo ideal-possível à luz dos atos normativos das Ouvidorias Públicas federais no Brasil. In: Ouvidoria Pública brasileira: reflexões, avanços e desafios. Brasília: Ipea, 2016. 231 p. OLIVEIRA, F. A. de;, CRISTOVAM, T. C. Procuradorias Especiais das Mulheres nos Estados Brasileiros: Uma Realidade Paradoxal. Revista da Faculdade de Direito da UERJ – Rio de Janeiro: RFD, (42), 1- 28. SANTOS, I. A. A. O movimento negro e o Estado (1983-1987): O caso do conselho de participação e desenvolvimento da comunidade negra no Governo de São Paulo. São Paulo: Prefeitura de São Paulo, 2006. SCHUMAHER, Schuma Os movimentos feministas ontem e hoje no Brasil: desafios da sua institucionalização. In: Quem são as Mulheres das Políticas para as Mulheres no Brasil?: expressões Feministas nas Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres. Volume II. MARLISE Matos; ALVAREZ, Sonia E. (o rg .). Porto Alegre: Editora Zouk, 1ª. Edição, 2018, p. 21-56. SILVA, R. de C. C. da; PEDROSO, M. C ; ZUCCHI, P. Ouvidorias públicas de saúde: estudo de caso em ouvidoria municipal de saúde. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 48, n. 1, p. 134-141, f ev. 2014. 84Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública OPM na perspectiva do planejamento, da gestão e das parcerias Unidade 1: Análise e Planejamento Participativo Ao final desta unidade, você será capaz de reconhecer o papel dos OPM na elaboração de Planos e Planejamentos de Políticas para Mulheres em perspectiva interseccional 1.1. Mapeamento e Diagnósticos das demandas dos movimentos de mulheres A forma de gestão das políticas para as mulheres em perspectiva interseccional é complexa. E o é porque, fundamentalmente, essas políticas precisam atender a uma diversidade setorial de demandas, para um conjunto plural de formas de ser mulher que, cotidianamente, precisam se haver com um legado estrutural de opressões e desigualdades. E esse contexto estrutural nos deixou numa situação nada fácil de promover ações estatais que busquem a superação de violências e violações de muitas naturezas sobrepostas. Sendo assim, essa forma necessária de gestão complexa inclui construir mecanismos e dinâmicas institucionais que sejam permeáveis, sensíveis, a este contexto complexo, sendo que parte fundamental dessa construção passa pelo planejamento de ações, projetos, programas e políticas para se intervir nesse contexto. Existem, no campo da Administração Pública, diferentes Modelos de Planejamento (Sechi, 2009; Mota, 2013). É preciso reconhecer ainda que o forte processo de descentralização federativa das políticas públicas brasileiras produziu mudanças no modo como o planejamento das ações do Estado é concebido e realizado. De forma muito sintética, é possível dizer que nos dias atuais ainda nos enfrentamos com dois grandes modelos de planejamento, são tratados na literatura como diferentes modos de gerir o planejamento: o modelo tecnocrático e o modelo participativo. Tais modelos revelam, afinal, distintas formas de se compreender o que é a finalidade pública, a autoridade governamental e a quem deve ser entregue, de fato, o poder coletivo. Módulo 5 85Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública A partir dos anos 80, a maioria das reformas do setor público se concentrava na busca por se aprimorar o desempenho, a eficiência e a responsabilização, na tentativa de melhorar a prestação de serviços, aumentar a satisfação das/os usuárias/os e adotar abordagens de “governo gerencial”, incluindo-se a adoção de governo eletrônico para alavancar o poder das tecnologias de informação e comunicação. De qualquer modo, a maioria das instituições públicas, que hoje conhecemos, nasceram no final do século XIX ou início do século XX, num período caracterizado pela revolução industrial, pela emergência das burocracias públicas nas sociedades democráticas e pela influência da administraçãoracional-legal-científica. A estrutura de poder no âmbito destas instituições era predominantemente de cima para baixo, hierarquizada, com fortes controles que asseguravam desempenho e responsabilização para a autoridade que era delegada, e algumas dessas características e práticas mudaram em resposta às inúmeras realidades que estão permanentemente em mudança. Mas, de uma forma geral, o modelo burocrático e tecnocrático da era industrial ainda é o cerne de muitas organizações públicas. É por esse motivo que o primeiro modelo mais conhecido de planejamento é, justamente, o modelo tecnocrático. Nesta forma de planejamento, o destaque está nas técnicas e nos próprios técnicos, nas e nos burocratas, especialistas que pertencem ao poder público ou são contratadas e contratad os para essa finalidade. Todavia, se esse modelo serviu bem a governos e sociedades, o que se constata hoje é que ele, ainda sendo necessário, já não é mais suficiente para dar conta do novo regime de complexidades. Um volume crescente de desafios no campo da gestão das políticas públicas passou a exigir maior participação ativa de personagens de dentro e de fora dos governos (especialmente na sociedade civil e terceiro setor), incluindo-se também o setor privado, mas principalmente agentes da sociedade civil, as cidadãs e os cidadãos, suas formas de organização e mobilização política, bem como as suas comunidades. Foi assim que se passou a exigir que os governos trabalhassem para além das suas fronteiras convencionais, lançando mão de estratégias de articulação em redes, pautadas por processos de participação pública e outros, que passaram a exigir dos governos que utilizassem a sua autoridade e os seus recursos para habilitar e empoderar grupos historicamente excluídos. Também é notável a mudança nos padrões da gestão que demarcavam a crescente necessidade de flexibilidade, de ações estatais intersetoriais, de compartilhamentos de informação e conhecimento, contra os quais os modelos organizacionais e de governança tradicionais eram pouco eficazes. 86Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública E é aqui que entra, por fim, o papel central dos OPM: tratam- se de estruturas internas aos governos que têm por missão primordial buscar e realizar estas articulações complexas. E foi com o surgimento desse outro modelo de gestão governamental, de planejamento e de governança, o modelo participativo, que estes organismos foram ganhando mais e mais importância. Inclusive, sabemos que futuras reformas do setor público precisarão continuar empurrando os governos para além do seu papel tradicional, burocrático-tecnocrático, de tomador de decisões. No modelo participativo, o planejamento é elaborado – como o próprio nome indica – com a participação da comunidade e/ou da população diretamente interessada nessas ações governamentais. Essa nova forma é resultante da constatação de que o papel das organizações públicas é, afinal, não apenas gerir recursos de forma eficiente e ótima, mas alcançar resultados de elevado valor público, resultados cívicos de políticas públicas (Bourgon, 2010), de forma a evoluir princípios cívicos, ou o que muitos estados reconhecem como, de fato, os princípios democráticos (a exemplo da participação, da inclusão e da justiça). Essa outra forma de planejar se constitui, de fato, naquela que é adequada a esse regime de complexidade já que, alcançar resultados de elevado valor público nos governos, muitas vezes é um esforço coletivo que atravessa fronteiras de instituições, de programas, de personagens e de agências. Ademais, os governos obtêm resultados por intermédio do trabalho coletivo de um conjunto extenso de redes de pessoas e de organizações, incluindo as cidadãs e os cidadãos e seus grupos ou movimentos na sociedade civil, bem como todas as pessoas que têm, de fato, interesse em obter resultados comuns, compartilhados e cívicos com a política em geral e a política pública em específico. É de especial importância que os resultados cívicos das políticas públicas sejam convergentes de maneira ainda mais significativa para obter os desejados resultados sociais, e que esses resultados sejam igualmente capazes de transformar e desconstruir formas históricas opressoras, enraizadas tanto nas instituições do Estado quanto n a própria sociedade, como o racismo e o sexismo, por exemplo. Aquilo que se designa por formas de opressão estruturalmente racista, patriarcal e heterosexista enraizadas dentro do Estado brasileiro só poderá ser superada a partir da gestão complexa, popular e participativa, inclusive no âmbito do planejamento público. Apenas a partir dessa inflexão é que os resultados das ações do Estado poderão ser desdobrados em resultados sociais mais justos para toda a coletividade, poderão ser alcançados por toda a população, tanto na esfera pública quanto na 87Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública privada, e sobretudo para aqueles que são e estão mais excluídos. É fato, pois, que cada vez mais as pessoas desejam contribuir na identificação e na definição de interesses coletivos; as s cidadãs e os cidadãos não estão satisfeit os em apenas votar a cada dois ou quatro anos. Desta forma, é o modelo de planejamento participativo, cívico, exigente desse novo enquadramento normativo de complexidades, que torna o poder público mais poroso e acessível às demandas das mulheres em toda a sua diversidade. E isso se dá porque as decisões são tomadas tendo-se uma base popular mais ampla, construída a partir de consensos que foram fruto de discussões e debates prévios e da produção contingente de consensos (que é o que acontece nos processos de Conferências, por exemplo, e que vamos discutir na próxima seção). Essa outra forma de governança e de planejamento permite que se esteja afastada, por exemplo, do controle de instituições como os partidos políticos e/ou outras estruturas masculinizadas que sempre ocupam cargos nos poderes de Estado. 88Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Unidade 2: As Conferências de Políticas para as Mulheres no Brasil recente Ao final desta unidade, você será capaz de descrever e identificar o ciclo político-participativo das políticas para as mulheres em perspectiva interseccional construído ao longo da recente história governamental brasileira. 2.1. O histórico de construção participativa das políticas para as mulheres em perspectiva interseccional PODCAST 1 - Larvas Incendiadas, Marlise Matos - Quem são as mulheres das políticas para mulheres? Duração: 1:12 É preciso, então, reconhecer que a presença das próprias mulheres interessadas nas deliberações públicas é muito necessária. E no planejamento das ações que vão organizar o Estado elas (em sua diversidade) também precisam estar presentes. E isso tem, como temos insistido, mais a ver com o novo regime normativo e de governança de complexidades, que exige mais participação popular, e não se deve apenas ao fato delas compartilharem mesmos interesses ou opiniões. As mulheres são diversas, plurais, assim como os seus interesses, desejos e demandas. Mas é urgente que tenhamos claro, especialmente para o público alvo deste curso, que mesmo sendo elas diferentes e diversas, partem de uma mesma perspectiva social, vinculada a padrões estruturalmente opressores, de diferentes níveis de exclusão simbólica, política e material, que organizam as suas experiências de vida. Muito brevemente, é possível rastrear alguns momentos históricos de construção das políticas para as mulheres no Brasil. Vamos iniciar essa breve narrativa histórica a partir do processo de redemocratização brasileira, porque foi neste momento que vimos florescer e reemergir com mais força os movimentos de mulheres e feministas e, também, os movimentos das pessoas negra s, de mulheres negras, quase sempre em uma relação de desconfiança para com o Estado brasileiro. Nas palavras de Schumaher (2018): https://youtu.be/5UKq3fBP23I89Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública De costas para o Estado, espalhadas em diferentes partidos políticos, ou longe deles, o movimento de mulheres e feminista seguia crescendo. A multiplicidade de formas organizativas, a partir dos anos 1980, foi ganhando novos contornos e incorporando e novas sujeitas, até então invisibilizadas dentro do próprio movimento, como os grupos de mulheres negras, lésbicas, trabalhadoras urbanas e rurais, prostitutas, empresárias, produtoras culturais, educadoras populares e donas de casa. Vítimas das desigualdades salariais, da carestia, dos preconceitos, violência e do racismo, organizam-se em grupos de autoestima, de denúncias e de ação política. De acordo com a assistente social Matilde Ribeiro (1995): ‘Resguardadas as particularidades, os movimentos feminista e negro ressurgem no Brasil em meados dos anos 70, em plena ditadura militar, tendo como eixos básicos a luta pela democracia, a extinção das desigualdades sociais e a conquista da cidadania. Porém, em ambos os movimentos as mulheres negras aparecem como ‘sujeitos implícitos’: partiu-se de uma suposta igualdade entre as mulheres, assim como não foi considerado, entre os negros, as diferenças entre homens e mulheres’ (Schumaher, 2018, p.34). Assim, foi em 1983 que o Estado brasileiro criou, por exemplo, o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) e foram os movimentos de mulheres, movimentos feministas e de profissionais da saúde, os agentes precursores da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM). Também em 1983, como já mencionado, foi criado o Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo e, em 1985, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM, no governo José Sarney, devido, mais uma vez, à pressão exercida pelos movimentos de mulheres. O CNDM foi inicialmente vinculado ao Ministério da Justiça, com papel executor de políticas públicas. Ele teve um papel importantíssimo na Constituinte de 1988, tendo atuado de forma muito ativa com a Campanha “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher”/ “Constituinte sem mulher fica pela metade”, e já nesse momento inaugural se articula fortemente com os movimentos de mulheres e feministas, reivindicando a inclusão de mais direitos das mulheres na nova Constituição (essa forma de atuação ficou historicamente conhecida como o Lobby do Batom). Em 1997, o CNDM passou a ser vinculado à Secretaria de Estado dos Direitos Humanos para, em 2003, passar a integrar a estrutura da Secretaria de Políticas para as Mulheres e, em 2023, o Ministério das Mulheres. 90Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública A partir daí é possível reconhecer que as primeiras políticas voltadas para as mulheres foram direcionadas para o enfrentamento às múltiplas formas de violências que elas experimentam ao longo de todo o ciclo de suas vidas. E assim se deu porque, naquele momento da redemocratização brasileira, ganharam grande visibilidade pública os vários assassinatos de mulheres por seus companheiros: Ângela Diniz (RJ), Maria Regina Rocha e Eloísa Ballesteros (MG) e Eliane de Gramont (SP) foram os principais casos de grande repercussão e foi, a partir deles, que a opinião pública brasileira identificou o problema do silêncio institucional que protegia os homens assassinos de mulheres. As delegacias da mulher surgiram, então, em resposta às demandas das mulheres e feministas, embora a primeira delegacia não tenha sido uma ideia desses movimentos, mas do próprio governo que a criou. Naquela época, as divergências sobre a participação concreta das mulheres nas instituições do Estado eram uma constante e, muito especialmente, havia ainda a desconfiança em relação às instituições policiais, amplamente identificadas com os órgãos da recente experiência de repressão política. De qualquer modo, como já indicado, foi o governo de Franco Montoro, em São Paulo, o pioneiro na criação das primeiras instituições de atendimento às mulheres em situação de violência: o Centro de Orientação Jurídica e Encaminhamento à Mulher (COJE), em 1983, e em agosto de 1985, foi criada a primeira delegacia da mulher do Brasil. A partir da década de 90, com os processos de especialização, de ONGuização, e da formação de Redes nos movimentos sociais, cada vez maior pressão passou a ser feita sobre as estruturas estatais. Em 1994, foi enviado aos candidatos à presidência da República, pela primeira vez, a proposta de criação de uma Secretaria temática de mulheres, naquele momento específico ligada à Presidência da República. Impulsionado pelo Fórum Nacional de Presidentes de Conselhos, a proposta demandava a criação do Programa para Igualdade e Direitos das Mulheres, a ser alocado na Casa Civil da Presidência da República, cuja estrutura contaria com um Conselho Deliberativo e uma Secretaria Especial. Desta forma, respondendo às muitas pressões, em novembro de 2002, no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi criada a primeira estrutura dessa natureza: a Secretaria do Estado dos Direitos da Mulher (SEDIM), que ficou vinculada ao Ministério da Justiça. Foi a partir daí que se deflagrou a ideia de transversalidade de gênero nas políticas públicas. E, em 2003, no primeiro momento do governo Lula, foi criada a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), desta vez com status de Ministério, orçamento e gestão transversal. Segundo a síntese elaborada por Schumaher (2018): Um termo guarda-chuva que inclui as aplicações, infraestrutura e ferramentas e as melhores práticas 91Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública que permitem acesso e análise de informações para promover e otimizar decisões e performance. Quem estiver em busca de uma revisão mais detalhada desse processo histórico de institucionalização, sugerimos a consulta ao Capítulo “Os movimentos feministas ontem e hoje no Brasil: desafios da sua institucionalização”, escrito em 2018 por Schuma Schumaher, no segundo volume de livros sobre as pesquisas de survey realizadas nas duas últimas Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres (Organização Marlise Matos e Sônia Alvarez, 2018). Na verdade, trata-se de uma Coletânea de dois Volumes - “Quem são as Mulheres das Políticas para as Mulheres?”- que traz muitas informações relevantes sobre o Ciclo das Conferências de Políticas para as Mulheres no Brasil a partir de duas pesquisas de s urvey realizadas pelo NEPEM UFMG na 3a e 4a CNPM. Disponíveis em: https://www.fafich.ufmg.br/nepem/biblioteca/ Em 2010, a SPM tornou-se, pois, um órgão da Presidência da República (MP nº 483, de 2010), deixando de ser Secretaria “especial”, o que representou, por certo, no processo de institucionalização, o reconhecimento do desafio da superação das desigualdades a partir de um novo compromisso político. Todavia, a partir de 2015, as Secretarias de Promoção da Igualdade Racial, das Mulheres e dos Direitos Humanos foram reunidas em novo ministério: o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (no escopo agora do segundo governo Dilma). Apenas esse fato já revelava a dinâmica de, no mínimo, estagnação para essa agenda. E, em 2016, SPM perdeu o seu status de Ministério e foi incorporada ao Ministério da Justiça e da Cidadania (no governo de Michel Temer), deflagrando-se um conjunto de retrocessos concretos. A condição institucional mais precária dessa agenda institucionalizada das políticas para as mulheres foi experimentada, então, a partir de 2019. No Texto para Discussão 2866, de abril de 2023, intitulado “De política pública à ideologia de gênero: o processo de (des)institucionalização das políticas para as mulheres de 2003 a 2020”, de autoria de Tokarski, Matias, Pinheiro e Corrêa (2023), é estabelecida a seguinte divisão em três fases distintas e/ou forma de classificação para os processos de institucionalização que se deram ao longo do período de 2003 a 2020, a saber: i) 2003-2014:consolidação de uma agenda de políticas para as mulheres; ii) 2015-2018: estagnação desta agenda; e iii) 2019-2020: deslegitimação da agenda e desmonte das políticas. Recomendamos fortemente a leitura deste texto, pois o mesmo, assim como o Capítulo escrito por Schuma Schumaher já indicado, trazem um quadro geral detalhado sobre estas transformações. https://www.fafich.ufmg.br/nepem/biblioteca/ 92Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Cabe destacar, pois, que em 2019, a partir de um conjunto sistemático de indicadores “para mensuração do desmonte da política para mulheres, com parâmetros quantificáveis para cada dimensão, subdimensão e categoria” (p. 20), as autoras concluem: As principais demandas, construídas ao longo da história de lutas dos movimentos de mulheres e feministas, ganharam, então, um novo patamar. Havia, agora, um instrumento governamental de escuta, canalização, organização, execução e institucionalização da agenda das mulheres/gênero, oficialmente estabelecido. (...) O diálogo do governo federal – representado pela SPM/PR – com os movimentos sociais fluiu democraticamente ao longo do período, o que foi bastante positivo para o avanço de algumas conquistas. Além disso, em função da história e do perfil do novo governo popular, passa a ser um estimulador de demandas sociais, convocando Conferências Nacionais em diversas áreas. Com certo entendimento de que era necessário o envolvimento de todos os entes para que as políticas públicas se tornassem exequíveis e para que os objetivos de melhorar a vida das mulheres se concretizasse, o processo de realização da I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, em 2003, foi extremamente mobilizador e envolveu os governos federal, estaduais e municipais, bem como os movimentos de mulheres. Como resultado das discussões e votações, a SPM construiu o I Plano Nacional de Políticas para Mulheres (I PNPM), que sistematizou e propôs políticas públicas que atendessem às principais demandas das mulheres. O I Plano de Políticas para as Mulheres veio a se complementar nas duas edições seguintes, após a II e III Conferências Nacionais, com a inserção de novos eixos: autonomia, igualdade no mundo do trabalho e cidadania; educação inclusiva 93Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública e não sexista; saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos; enfrentamento à violência contra as mulheres; participação das mulheres nos espaços de poder e decisão; desenvolvimento sustentável no meio rural, na cidade e na floresta, com garantia de justiça ambiental, inclusão social, soberania e segurança alimentar; direito à terra, moradia digna e infraestrutura social nos meios rural e urbano, considerando as comunidades tradicionais; cultura, comunicação e mídia não discriminatórias; enfrentamento ao racismo, sexismo e lesbofobia e enfrentamento às desigualdades geracionais que atingem as mulheres, com especial atenção às jovens e idosas (Schumaher, 2018. p.47). Quem estiver em busca de uma revisão mais detalhada desse processo histórico de institucionalização, sugerimos a consulta ao Capítulo “Os movimentos feministas ontem e hoje no Brasil: desafios da sua institucionalização”, escrito em 2018 por Schuma Schumaher, no segundo volume de livros sobre as pesquisas de survey realizadas nas duas últimas Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres (Organização Marlise Matos e Sônia Alvarez, 2018). Na verdade, trata-se de uma Coletânea de dois Volumes - “Quem são as Mulheres das Políticas para as Mulheres?”- que traz muitas informações relevantes sobre o Ciclo das Conferências de Políticas para as Mulheres no Brasil a partir de duas pesquisas de survey realizadas pelo NEPEM UFMG na 3a e 4a CNPM. Disponíveis em: https://www.fafich.ufmg.br/nepem/biblioteca/. Em 2010, a SPM tornou-se, pois, um órgão da Presidência da República (MP nº 483, de 2010), deixando de ser Secretaria “especial”, o que representou, por certo, no processo de institucionalização, o reconhecimento do desafio da superação das desigualdades a partir de um novo compromisso político. Todavia, a partir de 2015, as Secretarias de Promoção da Igualdade Racial, das Mulheres e dos Direitos Humanos foram reunidas em novo ministério: o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (no escopo agora do segundo governo Dilma). Apenas esse fato já revelava a dinâmica de, no mínimo, estagnação para essa agenda. E, em 2016, SPM perdeu o seu status https://www.fafich.ufmg.br/nepem/biblioteca/ 94Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública de Ministério e foi incorporada ao Ministério da Justiça e da Cidadania (no governo de Michel Temer), deflagrando-se um conjunto de retrocessos concretos. A condição institucional mais precária dessa agenda institucionalizada das políticas para as mulheres foi experimentada, então, a partir de 2019. No Texto para Discussão 2866, de abril de 2023, intitulado “De política pública à ideologia de gênero: o processo de (des)institucionalização das políticas para as mulheres de 2003 a 2020”, de autoria de Tokarski, Matias, Pinheiro e Corrêa (2023), é estabelecida a seguinte divisão em três fases distintas e/ou forma de classificação para os processos de institucionalização que se deram ao longo do período de 2003 a 2020, a saber: i) 2003-2014: consolidação de uma agenda de políticas para as mulheres; ii) 2015-2018: estagnação desta agenda; e iii) 2019-2020: deslegitimação da agenda e desmonte das políticas. Recomendamos fortemente a leitura deste texto, pois o mesmo, assim como o Capítulo escrito por Schuma Schumaher já indicado, trazem um quadro geral detalhado sobre estas transformações. Cabe destacar, pois, que em 2019, a partir de um conjunto sistemático de indicadores “para mensuração do desmonte da política para mulheres, com parâmetros quantificáveis para cada dimensão, subdimensão e categoria” (2023, p. 20), as autoras concluem: A mudança de Ministério dos Direitos Humanos do governo Michel Temer para MMFDH do governo Bolsonaro poderia ser lida como uma pequena alteração nominal, com as inserções das palavras ‘mulher’ e ‘família’ no título da pasta ministerial. Essa alteração, contudo, já anunciava uma arena completamente diferente para a secretaria de mulheres, na qual a transversalidade de gênero foi substituída pela “transversalidade da família”, produzindo implicações em todos os âmbitos das políticas para as mulheres. (p.37) Estranhamente, o conceito de ‘transversalização’ foi transposto das políticas para as mulheres para as políticas de família (como visto, no sentido conservador), ou seja, a lente que deve ser utilizada de forma transversal é uma lente moral e de cristalização de papéis sociais a partir do sexo de cada indivíduo. O conceito de “gênero” e toda a discussão teórica e pragmática que o mesmo engendra no sentido do enfrentamento das desigualdades socialmente construídas também 95Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública é uma ausência percebida na normatização do MIM e em toda a atuação estatal observada a partir de 2019. A interseccionalidade das desigualdades de gênero com outras desigualdades estruturais em que se assenta a sociedade brasileira e em diálogo com a qual foram construídos os PNPMs e as ações específicas voltadas para o enfrentamento do racismo e para a promoção de políticas específicas para as mulheres negras também permanece ausente. Esses três indicadores das capacidades procedimentais da política (conforme explicitado no quadro 1) já nos permitem caminhar em direção à ideia de que há uma perda gradual dessa capacidade entre o período 2003-2014, 2015-2018 e o período abordado nesta subseção. Um quarto indicador, ainda nesta dimensão, refere-se à participação social. Entre 2019 e 2020, a participação social na institucionalidade das políticas para as mulheres que já vinha sendo solapada desde 2016, quandoas decisões da IV CNPM não foram articuladas em um plano nacional, foi ainda mais prejudicada. Apesar de o CNDM continuar tendo competência consultiva e deliberativa e de contar com a mesma quantidade de representantes de entidades da sociedade civil que nas gestões anteriores – um total de 21 organizações –, não houve a realização de uma nova CNPM. Desde 2018, sucessivas conferências foram convocadas sem, contudo, terem sido realizadas (p. 41 e 42). Assim, importantes instrumentos de políticas para as mulheres – as Conferências de Políticas para as Mulheres/CNPM, as Conferências de Promoção da Igualdade Racial/ CNPIR e os respectivos Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres/PNPM e Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial/PNPIR – também foram descontinuados e “ao final do biênio 2019-2020 todo o arcabouço de políticas, instrumentos, capacidade de enforcement, capacidades administrativas e capacidades procedimentais das políticas para as mulheres foi desmontado, sem que nada tenha efetivamente sido construído em seu lugar” (Ibid. p. 50). 96Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Você já participou dos processos das Conferências de Políticas para as Mulheres? Você acha que esses processos são, de fato, importantes? Por quê ? De qualquer modo, é preciso salientar que as CNPM (as quatro até aqui realizadas: 2004, 2007, 2011 e 2016) e as CNPIR (as três até aqui realizadas: 2005, 2009 e 2013) e os seus ciclos, experimentados em diferentes entes federados: estados e municípios) foram e são as principais arenas institucionais de construção participativa das políticas para mulheres e de promoção da igualdade racial que o país construiu. Sinteticamente, observe, na figura a seguir, algumas das principais características comuns a estas Conferências Nacionais: Figura: Características comuns às CNPM e CNPIR. Fonte: Adaptada de Matos e Lins, 2018. 97Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Em relação às políticas para as mulheres, podemos afirmar que, tanto as Conferências, quanto os Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres, podem ser compreendidos como uma etapa importante dos processos intrincados e complexos das lutas por reconhecimento e inclusão das mulheres brasileiras no âmbito do Estado. Entre os seus principais objetivos é preciso, pois, citar: 1. aprofundar e radicalizar a democracia; 2. impulsionar inovações no campo prático e teórico; 3. desafiar as tradições autoritárias e patriarcais do passado que fundamentaram e legitimaram padrões de exclusão na sociedade brasileira e, por sua vez, nos imaginários sociopolíticos brasileiros; e 4. os Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres (PNPM) surgiram como resultados das Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres (CNPM), em 2004 e 2007, e impulsionaram a formulação de políticas públicas focadas em gênero nos anos de 2004 a 2016. As Conferências se diferenciam de outras formas de participação porque el as são realizadas em etapas interconectadas, formando o que entendemos aqui como, ciclo participativo e popular de funcionamento, que termina, como se sabe, na realização de sua etapa nacional em Brasília. Na figura a seguir, reproduzimos as principais etapas desse Ciclo: 98Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Figura: O Ciclo das Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres. Fonte: Matos e Lins, 2018. Esse mesmo formato, na verdade, orienta boa parte dos demais ciclos conferencistas de políticas públicas construídas no processo relativamente recente de redemocratização do país. Assim, a realização das CNPIR também obedeceu a um formato semelhante. Como já mencionado, a participação política institucionalizada no Brasil foi legalmente ampliada pela Constituição Federal de 1988 que definiu, para algumas políticas específicas, a sua obrigatoriedade, assim como reuniu mecanismos indiretos e diretos para operacionalizá-la. As formas de promoção da participação da sociedade civil nos processos de tomada de decisão foram então multiplicadas nos diversos níveis da federação, como já vimos no caso dos Conselhos, e o mesmo se deu em relação aos Orçamentos Participativos (OP) e às Conferências. De qualquer modo, é digno de lembrança que esse formato institucional não foi, de fato, criado na ou pela redemocratização brasileira, sendo que a primeira Conferência foi convocada no Brasil, em 1941, pelo então presidente Getúlio Vargas e, até 2016, já haviam sido realizadas no país cerca de 138 Conferências Nacionais. Desse total, 112 ocorreram nos governos de Lula e Dilma, percorrendo-se as mais diversas 99Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública áreas setoriais de políticas públicas. A realização desse conjunto de Conferências de políticas públicas constitui, de fato, uma das marcas registradas desses governos e mobilizou milhões de pessoas em milhares de municípios, estados e também no nível federal. Ainda segundo Matos e Lins (2018), os objetivos e os formatos que as Conferências assumem, bem como suas dinâmicas participativa, deliberativa e representativa, são regulados, em geral, pelos decretos de convocação e pelos seus respectivos regimentos internos. Nesses documentos, elaborados em parceria pelos conselhos e/ou ministérios/secretarias, são estabelecidos: o tema geral da Conferência, seus eixos temáticos que serão debatidos, seus objetivos (o geral e os específicos da conferência), as etapas e datas de realização dos processos, assim como as regras de composição dos participantes, construção e encaminhamento das propostas aprovadas. Em resumo, é nos regimentos internos, principalmente, que encontramos a metodologia que define a dinâmica interna da conferência, tanto em termos participativos, quanto deliberativos. Em todos os níveis da federação, esse documento deverá passar, então, pelo crivo da plenária da referida conferência, que poderá aprová-lo na íntegra ou propor mudanças ou rejeitá-lo. Nesse Ciclo descrito, portanto, é que te m sido proposto as ações de políticas públicas que se constituirão em seus respectivos Planos para orientar as futuras tomadas de decisões dos governos em seus diferentes níveis federativos. 100Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Unidade 3: Plano Estratégico para a Construção e Promoção da Igualdade de Gênero em Perspectiva Interseccional Ao final desta unidade, você vai indicar os principais elementos necessários à elaboração de um Planejamento estratégico de políticas para as mulheres, com foco no seu enraizamento e consolidação no Estado brasileiro 3.1. Como elaborar um Plano de Políticas para Mulheres em Perspectiva Interseccional com metas e ações a partir de dados coletados O planejamento estratégico é o processo de identificar oportunidades, desenvolver uma estratégia, definir metas e ações para se atingir os objetivos previamente definidos. A função do planejamento estratégico é de ser um guia para que as ações estatais a serem realizadas durante um período determinado estejam alinhadas ao propósito institucional estatal. Isto é, ele estabelece quais serão os objetivos, as metas e as ações a serem executadas no presente, considerando o seu impacto no futuro. Esse tipo de planejamento é muito importante na gestão pública porque ele facilita também a rápida identificação de desvios de rota para que sejam corrigidos, prontamente, sem causar maiores danos ao processo de alcance dos objetivos. São essas correções, por sua vez, que dão suporte para o Estado administrar melhor o tempo, os recursos e os esforços das suas equipes. Os Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres/PNPM podem ser considerados exemplos de Planejamento Estratégico, já que eles representaram grande avanço para a luta dos movimentos feministas e de mulheres e são considerados instrumentos importantes para orientar a construção e implementação dessas políticas. São ess es Planos, afinal, que deveriam guiar asações dos OPM e dos demais ministérios e secretarias envolvidas nesse planejamento estratégico. Eles foram responsáveis por oferecer as principais diretrizes para a Política Nacional para as Mulheres e, também, serviram de instrumento de demanda e atuação dos movimentos de mulheres, assim como nortearam os governos federal, estaduais e municipais na execução dessas políticas. O I PNPM (2004), fruto da I CNPM, gerou 239 diretrizes aprovadas que se desdobraram na proposição de 199 ações, agrupadas em 5 eixos: 101Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 1. Autonomia, Igualdade no mundo do Trabalho e Cidadania; 2. Educação inclusiva e não sexista; 3. Saúde das Mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos; 4. Enfrentamento à Violência contra as Mulheres; e 5. Gestão e Monitoramento do Plano. Já no II PNPM (2008), deu-se continuidade às demandas já contempladas no I PNPM, houve ainda a expansão dos eixos programáticos (de quatro para nove temas), tendo sido incorporados os seguintes novos temas: • participação das mulheres nos espaços de poder e decisão; • desenvolvimento sustentável no meio rural, na cidade e na floresta, com garantia de justiça ambiental, soberania e segurança alimentar; • direito à terra, moradia digna e infraestrutura social nos meios rural e urbano, considerando as comunidades tradicionais; • cultura, comunicação e mídia igualitárias, democráticas e não discriminatórias; • enfrentamento do racismo, sexismo e lesbofobia; e • enfrentamento das desigualdades geracionais que atingem as mulheres, em especial atenção às jovens e idosas. Como se pode perceber, o II PNPM já trouxe a incorporação de novos eixos que, por sua vez, viabilizaram as interseccionalidades e aprofundaram o debate e as ações que abordavam as diferenças e diversidades entre mulheres e entre seus diferentes grupos na sociedade civil. A construção do II PNPM pode ser considerada como um primeiro passo fundamental na construção das políticas para as mulheres numa perspectiva interseccional. Destaca-se ainda a forte preocupação com a temática das mulheres nos espaços de poder, uma agenda transversal que foi então considerada estratégica para a continuidade das ações. Pode-se afirmar que a implantação do II PNPM teve sua execução facilitada, a fim de dar continuidade às muitas ações que já estavam em andamento. Nesse sentido, a partir do II PNPM já contava com expertise instalada na estrutura estatal, com o uso inteligente das parcerias consolidadas e com o fomento direto à criação de conselhos de direitos da mulher e OPM nas demais instâncias governativas. Assim, destacamos os onze eixos de atuação do II PNPM, que foram: 1. Autonomia e igualdade no mundo do trabalho; 2. Educação inclusiva, não sexista, não racista, não homofóbica e não lesbofóbica; 102Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 3. Saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos; 4. Enfrentamento de todas as formas de violência contra as mulheres; 5. Participação das mulheres nos espaços de poder e decisão; 6. Desenvolvimento sustentável no meio rural, na cidade e na floresta; 7. Direito à terra, moradia digna e infraestrutura social nos meios rural e urbano, considerando as comunidades tradicionais; 8. Cultura, comunicação e mídia igualitárias, democráticas e não discriminatória; 9. Enfrentamento do racismo, sexismo e lesbofobia; 10. Enfrentamento das desigualdades que atingem as mulheres, com especial atenção às jovens e idosas; e 11. Gestão e monitoramento do Plano. É preciso salientar que a 3ª CNPM e a 4ª CNPM não produziram Planos Nacionais como ocorrido nas conferências anteriores. Ao final do processo da 3ª CNPM houve a aprovação de 91 propostas e nas deliberações da 4ª CNPM, que ocorreu no contexto do julgamento do pedido de impeachment da presidenta Dilma, ainda não foram publicadas no Diário Oficial da União (DOU) e nem disponibilizadas em algum meio eletrônico, pela antiga SPM ou pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), o Plano Nacional produzido na Conferência. De qualquer modo, para a 4ª CNPM existem já tornadas públicas 173 propostas (oriundas do Caderno de propostas elaboradas para esta última CNPM). Assim, o III PNPM (2013) foi resultado da articulação das resoluções da 3ª Conferência (2011), da releitura dos eixos contidos no II PNPM, dos compromissos assumidos no PPA 2013-2015, bem como do Planejamento Estratégico Interno que, naquela época, propunha e sistematizava os principais objetivos e metas a serem perseguidos pela SPM para o ano de 2013. Este plano foi formado, então, por 102 metas e 411 ações distribuídas nos seus 10 capítulos. Como estamos observando, as conferências tiveram em comum a participação cada vez maior de estados e de membros de organizações da sociedade civil, e o clima generalizado de cooperação foi o que permitiu a adoção de documentos consensuais – os Planos – tanto no que se refere às declarações de princípios, como aos planos de ação de políticas públicas. A abordagem adotada foi inovadora e pode ser sintetizada nos seguintes pontos: 1. Levar em consideração os múltiplos fatores dos temas em suas interconexões; 103Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 2. Fazer uma interação entre as diversas esferas de resolução de problemas (local, nacional, regional e global); 3. Enfatizar a participação não só de governos, mas também de agentes sociais diversificados na formulação das propostas; e 4. Abordar os temas de forma complexa, ou seja, interdisciplinar, sistêmica, não compartimentada, de modo que as deliberações de uma conferência influenciassem e fossem retomadas pelas demais. A seguir, discutimos o papel central da construção de parcerias, do trabalho efetivamente em rede (governos, sociedade civil/movimentos sociais, terceiro setor e, em determinados casos, até de instituições privadas) na consolidação das políticas para mulheres em perspectiva interseccional. Para se organizar e se preparar melhor para a elaboração de um Plano de Políticas para as Mulheres no seu município ou Estado consulte: “Guia para a construção e implementação de planos estaduais e municipais de políticas para as mulheres” (2012), Presidência da República, Secretaria de Políticas para as Mulheres, Brasília, 2012, 88 p. http://www.mulheres.ba.gov.br/arquivos/File/Publicacoes/ Guiaparaconstrucaoeimplementacaodeplanosestaduais emunicipaisdepoliticasparaasmulheres_2012.pdf 3.2. Construção de parcerias com entes governamentais, instituições da sociedade civil, movimentos de mulheres e feministas, movimentos antirracistas (dentre outros) para elaboração e implementação do Plano Das avaliações realizadas até aqui podemos afirmar que os Planos foram um passo fundamental para a institucionalização das Políticas Nacionais para as Mulheres e de Promoção da Igualdade Racial, e isso apesar dos retrocessos experimentados, porque tais dispositivos são importantes instrumentos para a implementação e o enraizamento dess as políticas públicas. http://www.mulheres.ba.gov.br/arquivos/File/Publicacoes/Guiaparaconstrucaoeimplementacaodeplanosestaduaisemunicipaisdepoliticasparaasmulheres_2012.pdf http://www.mulheres.ba.gov.br/arquivos/File/Publicacoes/Guiaparaconstrucaoeimplementacaodeplanosestaduaisemunicipaisdepoliticasparaasmulheres_2012.pdf http://www.mulheres.ba.gov.br/arquivos/File/Publicacoes/Guiaparaconstrucaoeimplementacaodeplanosestaduaisemunicipaisdepoliticasparaasmulheres_2012.pdf 104Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Os Planos também foram cruciais para o incentivo à criação de mais organismos governamentais – estaduais e municipais (os OPM) – para a coordenação e o gerenciamento das políticas para as mulheres. Assim, Conferências e Planos Nacionais representam, de forma clara, as muitas lutas por reconhecimento das demandas e dos interesses desses segmentos populacionais, em um sentido mais amplamente democrático.A elaboração de Planos trouxe visibilidade para muitas das desigualdades enraizadas na sociedade brasileira quando falamos das mulheres, das mulheres negras e das pessoas negras em geral, dentre outras. Estas estratégias tiveram o importante papel de convocar o Estado a participar na sua desconstrução. Vamos resgatar aqui uma última figura que pode representar alguns dos principais desafios a serem enfrentados quando mencionamos a importância da atuação complexa e em rede dessas iniciativas de políticas públicas. Trata-se do Triângulo de Velvet, elaborado por Catherine Woodward (2004). Essa figura do triângulo dá destaque, num contexto político que já vivemos, o qual se espera que seja retomado, de oportunidades políticas para a construção de redes fortes de mobilização dentro das burocracias estatais com a construção de OPM, que estejam, de fato, comprometidas com as agendas feminista e antirracista, enfatizando, ademais, a importância da presença atuante dos movimentos sociais antirracistas e das organizações de mulheres e feministas, bem como também destaca o papel a ser desempenhado por acadêmicas e acadêmicos feministas e antirracistas confiáveis, e potenciais aliada s e aliados dessa luta por democratização e descolonização do Estado brasileiro: Figura: O Triângulo de Velvet. Fonte: Adaptada de Woodward, 2004. 105Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Os três vértices (o Movimentalista, o Estatal e o Acadêmico) do triângulo revelam as possibilidades e as oportunidades de parcerias – sinérgicas e positivas – que podem ter impactos na consolidação e enraizamento deste tipo de políticas públicas aqui no Brasil. Ademais, para finalizar nossa discussão neste curso, retomamos a importância a ser atribuída para os esforços de superação do racismo patriarcal brasileiro. A figura a seguir sintetiza aspectos importantes destas relações: Figura: O Brasil do racismo patriarcal – desafios para as políticas públicas. Fonte: Elaboração própria. Como sabemos, há um nexo estrutural entre as relações de classe e a constituição social de grupos raciais, de gênero e sexuais no Brasil, que não pode mais ser ignorado na constituição e na condução das ações do próprio Estado brasileiro. Sendo assim, estamos propondo a necessidade de promover iniciativas de “descolonização do Estado brasileiro”, ou seja, de ações estatais que sejam simultaneamente de desracialização e despatriarcalização estatais, já que esta instituição política é tomada aqui também como um eixo central na perpetuação de formas distintas de opressão de gênero/patriarcal e étnica e racial, e entendemos que para uma efetiva construção e consolidação democrática brasileira será necessário um processo de democratização social ainda mais radical do Estado brasileiro. Destaca e-se que no Brasil, diferente de muitos outros países latino-americanos, os traços coloniais de seu sistema social e político não estão sendo atualmente debatidos de maneira pública e ampla, sendo que tal agenda não é ainda central entre nós. Mas a fixação da atenção política neste tema, uma das propostas deste 106Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Curso, nos leva, necessariamente, aos problemas da colonização- descolonização- contracolonização brasileira, um debate que não podemos mais nos recusar a fazer. As acadêmicas e teóricas feministas têm insistentemente observado que o exercício do poder estatal apresenta uma inclinação e/ou pré-julgamento sobre as relações de gênero que estruturam os Estados, sendo estas, quase sempre, disfarçadas sob o manto de uma imaginária neutralidade de gênero no âmbito das instituições estatais (no Executivo, no Legislativo e no Judiciário). Mas essa neutralidade simplesmente não existe e é possível afirmar a forte presença de inclinações patriarcais estruturadas na constituição do Estado brasileiro. Sendo assim, entendemos que seria igualmente necessário o processo permanente de crítica e de desconstrução desses elementos e dessas estruturas que ainda se organizam de modo enviesado em relação a gênero (e raça), ou seja, se organizam patriarcalmente dentro do Estado brasileiro. Só a partir desse exercício é que seria possível acumular e disseminar as forças necessárias para efetivamente se “despatriarcalizar” o nosso Estado, investindo esforços na descolonização e despatriarcalização das suas diferentes instituições. Acadêmicas e acadêmicos e teóricas e teóricos antirracistas vêm buscando enfatizar que, desde a colonização, entendendo colonização como uma das maneiras de a pretensão europeia ao domínio universal se manifestar, tivemos a organização, de uma forma de poder constituinte, na qual a relação com a terra, as populações e o território se associaram, de modo inédito, na história da humanidade, às três lógicas da raça, da burocracia e do negócio (commercium). Na ordem colonial, a raça operou enquanto princípio do corpo político e permitiu classificar os seres humanos em categorias físicas e mentais específicas. A burocracia emergiu como um dispositivo de dominação também nesse sentido étnico-racial. A rede que ligava a morte e o negócio operou como matriz fulcral do poder no exercício da escravidão e no genocídio indígena. A força e a violência passaram a ser lei, e a lei tinha por conteúdo a própria força de escravizar. Só a partir desse exercício é que foi possível acumular elementos constitutivos que vieram a “racializar” o nosso Estado. Assim, se o Estado é responsável por facilitar ou por bloquear determinadas agendas, e também por oportunizar o desenvolvimento político de determinados grupos (antigos ou novos) em seu seio, em detrimento de outros, e essa sua posição estratégica propiciou a diferentes grupos sociais condições mais concretas de acesso à estrutura estatal, seus recursos e oportunidades, bem como delimitou e determinou as suas possíveis margens de manobra e, sobretudo, o seu acesso efetivo a recursos políticos, que costumam ser de várias ordens, e não apenas orçamentários, 107Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública já passamos por processos de democratização qu e demonstraram a capacidade do Estado de intervir e de fazer diferente. Despatriarcalizar e desracializar aqui significam, pois, conduzir e produzir – orquestradamente – estratégias e mecanismos de descolonização patriarcal e racial do Estado brasileiro e da sua forma de gestão pública, com vistas a reforçar uma nova etapa que tenha foco na conquista e no aprofundamento mais radical de resultados cívicos de políticas públicas. Trata-se de pensar um formato de Estado finalmente voltado para a promoção da justiça social e da cidadania inclusiva de todas as pessoas em nosso país. Certamente, já caminhamos muito nessa direção, e foi a partir da construção de muitas e diferentes parcerias com entes governamentais (vértice estatal), as instituições da sociedade civil, a exemplo dos movimentos de mulheres e feministas (vértice movimentalista), e também da aproximação necessária com pesquisadoras e acadêmicas confiáveis e comprometidas com estas agendas (vértice acadêmico) que será possível avançar ainda mais. A proposta de abordagem complexa para este tipo de política, anunciada desde o primeiro módulo deste Curso, envolve, ao menos, três dimensões conjuntamente: 1. A ênfase na igualdade de tratamento (de oportunidades, com atenção para as diferenças e processos de transformação) para as mulheres e as pessoas negras e indígenas; 2. A ênfase na perspectiva das mulheres e das pessoas negras e indígenas (com valorização da inclusão, reversão e deslocamento das agendas para a promoção e o real empoderamento desses segmentos majoritários da população brasileira); e 3. A ênfase na perspectiva interseccional de gênero e raça – na integração combinada de uma dimensão de gênero e raça com ações específicas interseccionais. Assim, (Matos, Cypriano e Pinheiro, 2018): Nesse sentido, as políticas públicas, enquantoconjuntos de decisões e ações destinados à resolução de problemas políticos (Rua, 1998), se apresentaram entre nós como ‘respostas’ do Estado brasileiro às demandas de atrizes/atores sociais – mulheres, negros(as), segmentos LGBT, entre outros – que, por 108Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública sua vez, fizeram esforços para que, de fato, as suas reivindicações fossem pautadas na agenda política. Mas colocar na agenda, ainda que seja importante para a gestão complexa desses direitos, não foi suficiente. Não conseguimos enraizá-los como práticas efetivamente transformadoras do sexismo/ patriarcado, racismo e LGBTfobia institucionalizados no Estado brasileiro. Assim, aquelas(es) atrizes/atores que tiveram maior força política para pressionar o Estado puderam ter maior parcela de suas demandas assistidas pelo aparelho estatal. Outros(as) alcançaram êxitos mais parciais. Foi assim que assumiu relevância o protagonismo exercido pelo movimento de mulheres e pelos feminismos no estabelecimento de formas alternativas de interlocução entre Estado e sociedade e na instauração de políticas públicas voltadas à garantia dos direitos humanos das mulheres e da promoção de maior equidade de gênero. Esse segmento protagonizou iniciativas concretas de agendamento de suas demandas (Matos, Cypriano e Pinheiro, 2018, p. 230). Apesar dos retrocessos que também aconteceram na agenda dos direitos das pessoas negras e indígenas no Brasil (Abreu et al., 2021), é preciso acreditar que seja possível a retomada vigorosa rumo às estratégias estabelecidas anteriormente e a outras que ainda estão por vir. Para tanto vamos precisar ainda superar grandes obstáculos: 1. A insuficiência de recursos, humanos e financeiros, para a realização das atividades que estavam sob responsabilidade da SPM e SEPPIR e hoje dos Ministérios da Mulher, da Igualdade Racial e dos Povos Indígenas; 2. O alcance limitado e público restrito das políticas descritas até aqui e a importância de comprometer também os Estados e municípios brasileiros com a sua execução; 3. As resistências da própria burocracia: a construção de um novo paradigma para gestão, formulação e implementação de políticas públicas, baseada em conceitos como equidade de gênero, transversalidade, interseccionalidade e participação social encontrou resistências na burocracia, que vinha atuando com base em um ethos 109Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública próprio e consolidado há muitos anos. Trabalhar a partir deste marco significa se deslocar para um outro local no campo público, que demanda integração, articulação e ação conjunta entre os órgãos. A falta de compreensão sobre o que significaria de fato transversalizar a perspectiva de gênero e de raça nos órgãos setoriais, o pouco apoio político e técnico ao tema – que muitas vezes ficava sob responsabilidade de uma única pessoa no Ministério ou de um pequeno conjunto de pessoas que compunham um mecanismo de gênero, fez com que, ainda que avanços tenham sido verificados, ao final do período o êxito tenha sido limitado no que se refere à incorporação da temática de forma sustentada e efetiva no governo federal; e 4. A trajetória de consolidação da agenda dessas políticas foi interrompida a partir de 2015/2016 e, desde então, temos que lidar com o recrudescimento do neoconservadorismo moral e político, inclusive a partir de dentro do Estado brasileiro. Não por acaso, a desmobilização de atores e o desmonte dessas políticas ocorreram de forma rápida e até mesmo sem muitas resistências. O conservadorismo moral e político e a sua entrada no campo do Estado fizeram a política migrar para uma nova arena na qual o entendimento dos papéis de homens e mulheres em sociedade parece retornar a algumas décadas, e na qual a gestão da transversalidade deixa de ser prioridade na atuação do mecanismo de políticas para as mulheres e para as pessoas negras e indígenas. Apesar das tentativas de aprofundamento das relações com os movimentos de mulheres e feminista organizados, que motivaram o novo formato para a IV CNPM, o turbulento período em que esta aconteceu e os encaminhamentos da gestão seguinte fizeram com que deste encontro não tenham havido desdobramentos, sequer revisões ou atualização do plano vigente, e as diversas ações ali previstas – já enfraquecidas pela segunda gestão Dilma – foram descontinuadas. É muito importante destacar, todavia, que os muitos desafios enfrentados pelos OPM no Brasil precisam ser inseridos agora em um novo contexto: a partir de 2023, com a terceira eleição de Lula para a presidência, esse quadro parece estar sendo novamente alterado. Foram criados como Ministérios (e não mais apenas com status de ministério), o Ministério das Mulheres (MMulheres), o Ministério da Igualdade Racial (MIR) e, de forma inédita, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI). Aos poucos estas estruturas, sob o guarda-chuva do atual Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), estão retomando a pauta das políticas para as mulheres e vão sendo reconstruídas as condições que permitem que as políticas para as mulheres possam retomar seu protagonismo na agenda governamental, mas, desta vez, ainda mais organicamente a partir de uma perspectiva interseccional. Essa conjuntura histórico-política nos convoca fortemente a aproveitar a nova janela de oportunidades e nos impele à necessidade de um lado, de promover o 110Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública fortalecimento das estruturas institucionais governamentais para as mulheres já existentes e, por outro, nos estimula ainda mais à criação de novos OPM municipais e, sobretudo, ainda nos impele ao desafio de colaborar com a consolidação do maior número possível de “secretarias” efetivas de políticas para as mulheres (deslocando essas estruturas institucionais quando estiverem organizadas de forma periférica) no país, que contem com efetiva autonomia, planejamento orçamentário, fu ndos concretos e bom volume de recursos. Cada pessoa que chegou até aqui neste Curso, entende que o processo de fortalecimento destas estruturas governamentais de gestão das políticas para as mulheres, necessita, ademais, de contar – e com urgência – de excelentes gestoras. 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Panorama Atual das Políticas Públicas para Mulheres em perspectiva interseccional Referências As políticas públicas e os organismos de políticas para as mulheres – OPM Unidade 1: Fundamentos dos OPM 1.1. O que são os OPM? Quando surgiram? 1.2. O Papel dos OPM na gestão das Políticas para mulheres em perspectiva interseccional 1.3. A Função dos OPM 1.4. A Importância dos OPM Referências Como devem funcionar os OPM Unidade 1: Criação e Estruturação dos OPM 1.1. Como criar um OPM 1.2. Planejamento do orçamento, estrutura de Secretaria e recursos humanos Unidade 2: Diálogos Interinstitucionais, Sustentabilidade e Articulação na gestão dos OPM 2.1. Estratégias para garantir a permanência das políticas públicas para mulheres nos OPM 2.2. Fóruns Nacional e Estaduais de OPM: papéis e importância Referências OPM e a sua relação com a participação e o controle social Unidade 1: Engajamento e Controle 1.1. A importância da Participação e do Controle social 1.2. Os Conselhos dos Direitos das Mulheres e de Promoção da Igualdade Racial 1.3. As Procuradorias das Mulheres 1.4. As Ouvidorias Referências OPM na perspectiva do planejamento, da gestão e das parcerias Unidade 1: Análise e Planejamento Participativo 1.1. Mapeamento e Diagnósticos das demandas dos movimentos de mulheres Unidade 2: As Conferências de Políticas para as Mulheres no Brasil recente 2.1. O histórico de construção participativa das políticas para as mulheres em perspectiva interseccional Unidade 3: Plano Estratégico para a Construção e Promoção da Igualdade de Gênero em Perspectiva Interseccional 3.1. Como elaborar um Plano de Políticas para Mulheres em Perspectiva Interseccional com metas e ações a partir de dados coletados 3.2. Construção de parcerias com entes governamentais, instituições da sociedade civil, movimentos de mulheres e feministas, movimentos antirracistas (dentre outros) para elaboração e implementação do Plano Referências