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A CLÍNICA DO TRAUMA 
AULA 2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Giovana Fonseca Madrucci 
 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
A visão econômica do psiquismo e a importância do irrepresentável para 
a clínica do trauma 
Até aqui, trabalhamos o percurso percorrido por Freud naquilo que 
chamamos de teoria do trauma. Inicialmente, Freud entende a questão dessa 
forma: um certo acontecimento, afeto, impulso muito intenso, que o sujeito não 
teve condições psíquicas de elaborar/incorporar ao seu psiquismo, produz um 
efeito traumático, gera um movimento de repressão (que é emanado pelo eu), 
que por sua vez leva ao recalque e, com isso, à formação do sintoma. O trauma, 
então, seria a causa do adoecimento neurótico/histérico do indivíduo e essa é a 
base da neurótica freudiana. 
A partir do momento em que Freud se atenta para a origem sexual desse 
conteúdo traumático e para o papel que esse conteúdo proveniente 
principalmente da sexualidade infantil tem no inconsciente do indivíduo, ele 
estabelece a sua teoria da sedução. Ele propõe, nesse momento, que a pessoa 
adoecida (traumatizada) haveria sofrido abuso (ou algo similar) por parte de um 
adulto e que essa experiência seria aquilo que deixaria o sujeito traumatizado. 
Passa a entender também o trauma como algo que acontece em dois tempos: 
num primeiro momento, o sujeito sofre o golpe e não tem condições de dar o 
sentido/elaborar a experiência vivida; e, num segundo momento, que remete ao 
primeiro, o sujeito já tem mais possibilidades de dar sentido à experiência e se 
entende abusado. 
A teoria da sedução logo é abandonada, pois, para que se levasse essa 
ideia adiante, dever-se-ia presumir que as famílias normalmente possuíssem 
pessoas abusadoras, e essa generalização é um tanto complicada. Nesse ponto, 
a noção de realidade psíquica torna-se muito importante e cede terreno à noção 
de fantasia. Não importava mais, portanto, que houvesse o abuso real ou não, 
mas sim as impressões particulares e aquilo que o sujeito significou das 
experiências sexuais vividas. Haveria, então, a fantasia do abuso/sedução. 
Entretanto, com o avanço das ideias que sustentavam a formalização de 
topologia psíquica – na passagem da primeira para a segunda tópica, 
principalmente –, Freud percebe que uma visão de economia psíquica era 
também muito importante para a compreensão do trauma. 
 
 
3 
Para o entendimento do funcionamento do sintoma, além dos aspectos 
topológicos, ele nos evidenciou que o psiquismo funcionaria regido por um 
mecanismo importantíssimo: o princípio do prazer. O princípio do prazer seria a 
busca pela homeostase psíquica (excitação demais e excitação de menos 
seriam sentidas como desprazeres e poderiam deixar registros de trauma no 
psiquismo do indivíduo). Além disso, ele entende que a força que rege o 
psiquismo é a libido. Num primeiro momento, ele entende que, para que haja a 
vigência do princípio do prazer, a libido deve se dirigir tanto para o próprio eu 
(autopreservação) quanto para os objetos (o investimento em objetos impede 
que o psiquismo fique inundado e, com isso, produza no indivíduo a sensação 
de desprazer). 
É com o atendimento às neuroses (traumáticas) de guerra e com o 
aprofundamento da compreensão sobre o sintoma (a compulsão à repetição) 
que, em 1920, Freud (2010a) muda sua concepção sobre o funcionamento 
econômico do psiquismo e postula a existência de duas forças psíquicas que 
regeriam o psiquismo: a pulsão de vida e a pulsão de morte. A pulsão de morte 
iria em direção à aniquilação e à destruição e procuraria o nível zero de tensão 
psíquica (estado nirvânico). Com isso, Freud também muda sua compreensão 
sobre a angústia e essa mudança também gera alterações na forma de se 
entender a questão do trauma. Tenha um bom estudo! 
TEMA 1 – AS NEUROSES TRAUMÁTICAS DE GUERRA E O FORT-DA: A 
PULSÃO DE MORTE EM CENA PARA O ENTENDIMENTO DO TRAUMA 
Favero (2009) nos diz que, com base nas primeiras formalizações de 
Freud acerca do funcionamento do psiquismo (a questão do inconsciente, do 
recalque etc.), pode-se concluir que a relação estabelecida entre o trauma e o 
sintoma nos dá subsídios para afirmar que ele seria a forma encontrada pelo 
inconsciente para obter satisfação e trazer à tona (e de volta) o conteúdo 
traumático, mesmo que esse conteúdo pertença ao campo da fantasia. A 
formação sintomática seria como uma atualização do trauma, fazendo aflorar os 
conteúdos libidinais do sujeito, que, em momento muito anterior, por lhe gerarem 
um conflito ético e moral, precisaram ser esquecidos, recalcados. 
A autora (Favero, 2009) ainda nos situa que, no período em que Freud 
estabelece a sua neurótica, tem-se uma concepção de que as fantasias 
funcionam como fachadas psíquicas diante dos eventos que são realmente 
Highlight
 
 
4 
importantes na etiologia das neuroses (os conteúdos e impulsos provenientes da 
sexualidade infantil), que estariam ocultos, à primeira vista, cifrados pelo 
sintoma. Freud, nesse momento, entende o papel crucial e a importância da 
fantasia e da realidade psíquica e se preocupa menos com reencontrar 
elementos realmente ocorridos (factuais), que poderiam estar na base da 
irrupção de um quadro histérico, preocupação que tinha no início das suas 
investigações sobre a histeria. Nesse momento de suas elaborações, ele já se 
dá conta de que o acontecimento concebido como desencadeador da neurose 
pode ser um elemento imaginário, que provoca o trauma. 
Ainda sobre a formação e a importância do sintoma, Vitorello (2015) nos 
assinala que a pulsão tem uma busca imperativa por satisfação, e a forma como 
ela a encontra é por meio daquele que seria o derivado mais importante da 
fantasia: o sintoma. Segundo o autor, a fantasia funciona como um tipo de matriz 
ou script que fixa a forma com a qual o sujeito se relaciona com o real. Determina, 
por exemplo, sua forma de se relacionar e suas escolhas pulsionais e de objeto. 
Sintetizando, a fantasia é uma forma de organizar a relação do sujeito com uma 
realidade que a própria fantasia transforma. Trauma e fantasia, nesse início das 
formulações de Freud sobre o tema, portanto, estão profundamente interligados. 
Mas, com as observações e reformulações de Freud acerca do aparelho psíquico 
(a transição da primeira para a segunda tópica, por exemplo), entram em cena 
novas concepções, agora com alguma ênfase na economia psíquica, que é 
crucial para o entendimento do impacto do trauma, no psiquismo. 
De acordo com Favero (2009), a ideia de trauma retorna modificada entre 
os anos 1915 a 1929. Essa nova forma de entender a questão acabou sendo 
imposta a Freud devido aos casos de neurose traumática pós-guerra, que 
resultavam de acidentes dolorosos recentes e que, aparentemente, não tinham 
nenhuma relação privilegiada com objetos sexuais, concepção primordial em seu 
primeiro entendimento da questão. Freud, a partir daí, passa a entender que os 
sintomas provenientes do trauma (com base nas neuroses de guerra) resultam 
de uma fixação no momento do acidente traumático. O momento 
traumático/acidente passa a ser reeditado nos sonhos e a ressurgir em ataques 
histeriformes, ataques esses que transportam o sujeito, de forma repetitiva, para 
a situação do trauma. Sendo assim, não seria mais uma questão de se impedir 
o aparelho psíquico de ser tomado por grandes somas de excitação; há uma 
outra tarefa que se faz mais importante: dominar a excitação e ser capaz de 
 
 
5 
estabelecer ligações psíquicas nas somas de excitação que penetraram de 
maneira abrupta no indivíduo, para levá-las, em seguida, à liquidação. 
[...] o desprazer do neurótico não passa de um prazer que não pode 
ser sentido como tal. A transformação de uma situação prazerosa em 
desprazer perceptivo seria de responsabilidade do princípio da 
realidade. Resta esclarecer o que confere benefício à atualização do 
evento traumático sob a forma de sintoma.O que faz um sujeito 
recordar o que, em princípio, é um acontecimento doloroso, se o 
aparelho psíquico é orientado, em seu funcionamento, pelo princípio 
do prazer, que supõe a evitação do desprazer? (Favero, 2009, p. 322) 
A questão principal, aqui, seria: por que revivemos experiências 
claramente desprazerosas se o psiquismo funciona regido pelo princípio do 
prazer? Por que o conteúdo traumático volta através dos sonhos, dos sintomas 
e da repetição? Como isso deve ser conduzido e compreendido, clinicamente? 
Seja essa repetição a repetição de um ato, de um sonho ou do próprio sintoma, 
é como se o trauma não cessasse de tentar se inscrever no psiquismo, de 
alguma forma. Com esses questionamentos e a importante passagem anterior 
de Favero (2009), seguimos para o próximo item de nossa etapa. 
TEMA 2 – A IMPORTÂNCIA DA COMPULSÃO À REPETIÇÃO 
De acordo com Presa (2016), até o momento em que Freud postula a 
existência da pulsão de morte, o que importa, em sua visão a respeito do 
psiquismo, é o equilíbrio das pressões pulsionais que existem nele, e esse 
equilíbrio se daria por intermédio de ações que protegessem o aparelho psíquico 
dos excessos energéticos. A autora (Presa, 2016) ainda pontua que o princípio 
do prazer é a busca de satisfação com base numa descarga energética imediata 
e funciona nos moldes do processo primário (inconsciente); já o princípio da 
realidade funciona nos moldes do processo secundário (consciente) e retém 
essa livre descarga transformando a energia livre em energia ligada, sob o 
domínio das representações. 
Ela afirma que não se pode dizer que “[...] o princípio do prazer não se 
opõe definitivamente ao princípio de realidade, já que ambos buscam a 
satisfação e se prestam a lidar com esse acúmulo energético que se tornou 
insuportável.” (Presa, 2016, p. 72). Ainda nesse primeiro momento, antes que 
Freud postulasse a existência da pulsão de morte, entendia-se que: 
[...] para o bom funcionamento do aparelho psíquico [...]: i) o princípio 
do prazer fosse modificado pelo princípio de realidade; ii) o recalque 
agiria sobre as pulsões que comprometeriam a integridade egoica; iii) 
 
 
6 
as pulsões recalcadas buscariam atingir suas metas de satisfação por 
vias substitutivas e, consequentemente, a satisfação seria vivenciada 
como desprazer, graças à ação do recalque. (Presa, 2017, p. 73) 
Nesse momento, Freud se atenta para o fato de que tal explicação dada 
para a dinâmica psíquica não era suficiente para explicar o que acontecia com 
alguns dos pacientes, que pareciam manifestar sofrimentos de outra ordem e 
extrapolavam essas variações do eixo prazer-desprazer em tais manifestações. 
Em Além do princípio de prazer, de 1920, Freud (2010a) escreve sobre suas 
observações e dificuldades no atendimento dos quadros das neuroses 
traumáticas de guerra. O manejo/condução e a compreensão clínica desses 
casos de trauma pós-guerra extrapolavam a compreensão de neurose da 
psicanálise, até então. Sobre essa questão, Presa (2017, p. 73) ainda contribui 
afirmando que: 
Essas patologias, assim como as manifestações masoquistas, 
autoataques e reações terapêuticas negativas sobre as quais o autor 
discorre, constituíam verdadeiros obstáculos à efetividade do 
tratamento analítico e confrontavam o autor com seu postulado de que 
‘o que é prazer para um sistema é desprazeroso para o outro’. Nesses 
casos, ficava cada vez mais evidente que se tratava de algum tipo de 
determinação no aparelho psíquico que condenava o sujeito a repetir 
um sofrimento que nunca trouxera satisfação e, que, portanto, estava 
além da repetição dos desejos inconscientes recalcados orquestrados 
pelo princípio de prazer. Como explicar, então, o caráter “demoníaco”, 
bizarro, representado na compulsão à repetição, se o próprio princípio 
de prazer não promovia tal inteligibilidade? 
Com base nisso, podemos focar nesse outro aspecto importante que leva 
Freud a repensar a dinâmica do princípio do prazer e a teoria da libido, que é o 
fenômeno da compulsão à repetição. Com a observação da brincadeira infantil 
do fort-da, ele se atenta a que, no psiquismo, nem tudo o que acontece vai pela 
via da evitação do desprazer. O jogo do fort-da baseou-se na observação de 
Freud de uma brincadeira de seu neto, constatando que o menino realizava, por 
meio da brincadeira, a repetição de uma experiência vivida como desprazer, que 
era a ausência de sua mãe. O menino jogava o carretel e emitia o som de ôôô..., 
identificado por Freud como a palavra alemã fort (longe, ausente); e, quando o 
puxava de volta, alegremente dizia aaa..., identificado como da (cá, aqui). Esse 
jogo evidencia uma brincadeira de desaparecimento e retorno, que faz referência 
à ausência e à presença materna. 
Ainda com relação à questão da compulsão à repetição, Barbosa Neto 
(2010) nos situa que, na primeira tópica, Freud se volta para a interpretação do 
inconsciente e a revelação do conteúdo recalcado, e é assim que a repetição 
Highlight
Primeira tópica : Qual foi o momento traumatizante. 
 
 
7 
adquire sua relevância clínica. A preocupação, ali, era desvelar o momento do 
trauma e como se construiu o sintoma. É a partir da segunda tópica – com a 
introdução do conceito de pulsão de morte – que a repetição adquire caráter 
compulsivo e entra em cena uma dimensão irrepresentável da pulsão. 
Agora o interesse de Freud é no sentido de um trabalho psíquico com 
fins de ligação de representações: diante da impossibilidade da 
recordação e/ou “localização” da cena traumática, a atenção se dá em 
relação a todos os eventos psíquicos que possam minimizar o caos 
gerado por afetos sem representação, e que ameaçam a estabilidade 
da vida psíquica, gerando sofrimento. (Barbosa Neto, 2010, p. 9) 
Podemos associar a pulsão de morte àquilo que não possui 
representação psíquica, àquilo que se expressa somente por ação e impulso. 
Fica evidente, aqui, a importância, portanto, da questão da pulsão de morte para 
o trauma: ela nos traz à tona o que há de irrepresentável, no psiquismo. E a falta 
de recursos simbólicos e de representação psíquica é o que define se o trauma 
ocorrerá ou não. 
Outro tema bastante importante para a compreensão da teoria do trauma 
em Freud é a angústia, cuja compreensão também é reformulada por Freud após 
a virada de 1920 e a formalização da existência da pulsão de morte. Seguimos 
com o que Freud falou sobre a angústia e as suas relações com o trauma, nos 
itens a seguir. 
TEMA 3 – A ANGÚSTIA COMO EXCESSO DE AFETO NÃO ELABORADO 
PSIQUICAMENTE 
Segundo Pisetta (2008), o afeto pode ser caracterizado e definido como 
algo que vem à consciência e provoca uma sensação; logo, algo que se sente. 
Entender a angústia, sobretudo, como um afeto nos revela a importância de que, 
como clínicos, não a consideremos apenas como algo que surge como 
consequência do processo de recalcamento que gera o sintoma; mas como algo 
que, acima de tudo, nos afeta. Essas ideias ficarão mais claras no decorrer de 
nosso conteúdo; mas, o que precisamos saber, primeiramente, é que a angústia 
é difícil de ser definida. 
Num primeiro momento de suas construções teóricas – na obra freudiana, 
partindo dos rascunhos e incluindo os artigos em que Freud discute a questão 
das neuroses atuais (melancolia, neurose de angústia e neurastenia) e as 
psiconeuroses de defesa –, Freud entende inicialmente que a angústia é uma 
Segunda tópica: Entender como que opera a dinâmica do trauma 
Angústia = afeta. - Algo que se sente.
 
 
8 
tensão sexual que não encontra as condições suficientes nem as vias 
satisfatórias para que haja a inscrição psíquica/ligações psíquicas desse afeto. 
Essas explicações são provenientes das tentativas de Freud de formalizar e 
sistematizar aquilo que conhecia do fenômeno da histeria, mas sempre levando 
em conta que outros fenômenos (os citados anteriormente, por exemplo) 
também se apresentavam em termos de adoecimentopsíquico. 
Pisetta (2008) nos diz que, para Freud, além da produção clara da 
sensação de desprazer, a angústia vem acompanhada quase sempre de 
sensações físicas (dificuldades de respirar e coração acelerado, por exemplo, 
típicos sintomas da crise de pânico). A autora ainda nos afirma que Freud – 
devido às observações da ligação profunda entre angústia e corpo – considera 
também um ponto de vista filogenético para a compreensão da angústia, ou 
melhor, uma explicação que leve em conta os aspectos evolutivos da espécie. O 
protótipo (ou modelo) de situação em que isso ocorreria seria o trauma do 
nascimento. Ou seja, a primeira experiência de angústia com potencial 
traumático para o ser humano é o nascer. Os estados de angústia seriam, por 
esse prisma, uma reprodução de tal evento traumático. 
Por este último, ganha importância a apreciação do caráter econômico 
na teorização da angústia, já que há uma intrínseca relação entre a 
descarga afetiva (que caracteriza a angústia) e a inervação motora a 
fisiologia da angústia, encontraremos um aumento de excitação que 
encontra seu alívio em uma descarga motora. Em última instância, é 
na angústia que o ato encontra sua força energética. (Pisetta, 2008, p. 
407) 
De acordo com Caropreso e Aguiar (2015), por outro lado, Freud aponta 
também, nesse momento inicial da teoria, que se fazia presente a hipótese de 
que a angústia consistiria em uma carga libidinal desligada de suas 
representações por meio da repressão, fenômeno esse que ele pode observar 
com alguma clareza nas neuroses de transferência. O que fica evidente para 
Freud, nesse momento, é que o afeto de angústia trata-se de uma reação à 
sensação de incapacidade de lidar com um perigo externo. “A neurose de 
angústia, por sua vez, surgiria como uma reação a uma excitação endógena. 
Diante da incapacidade de equilibrar essa excitação sexual vinda de dentro, ela 
seria projetada para fora.” (Caropreso; Aguiar, 2015, p. 6). Essa excitação 
endógena, que produz a angústia, seria a excitação sexual que não pôde ser 
adequadamente descarregada ou que não encontrou descarga no campo 
psíquico do indivíduo. 
 
 
9 
Nesse ponto, podemos perceber uma grande aproximação com a questão 
do trauma, pois, se a angústia é aquele afeto que não conseguiu encontrar 
nenhum tipo de representação psíquica, ela é, por si só, a expressão psíquica 
principal, no campo do trauma. Fica também evidente a sua relação com a 
questão da pulsão de morte: o trauma é aquilo que está na ordem do 
irrepresentável. Se, justamente, o trauma é aquilo que não encontra meios para 
a representação psíquica, a angústia é seu afeto por excelência. Retornemos a 
como Freud concebeu a angústia em dois momentos: antes e depois de 1926. 
TEMA 4 – A PRIMEIRA FORMA DE ENTENDER A ANGÚSTIA: A ANGÚSTIA 
COMO POSTERIOR AO RECALQUE 
Como vimos no item anterior, de acordo com o que foi postulado por 
Freud, inicialmente a angústia era entendida como um excesso de afeto não 
elaborado psiquicamente. O excesso de afeto tornar-se-ia, portanto, angústia. 
Ao estabelecer uma relação entre os afetos e os sintomas, Freud entendeu que 
a angústia pode funcionar como a moeda de troca para os afetos: paga-se o 
afeto indesejável com angústia. 
Traçando um retorno histórico sobre a questão, Pisetta (2008) nos afirma 
que, para Freud, desde seus primeiros artigos e suas primeiras investigações 
sobre o fenômeno da histeria, a angústia aparece vinculada ao recalque. A 
compreensão desse primeiro momento é de que a angústia equivale à 
emergência do recalcado. Ela apareceria para o sujeito como decorrente de um 
processo anterior, bastante elaborado, alicerçado na sensação de desprazer 
(entende-se aqui a sensação de desprazer como base do recalque). 
Freud buscava um lugar para a angústia. Esse lugar, como 
entendemos, na primeira tópica, restringe-se à sua manifestação 
fenomenológica, já que ela se mostra, na clínica, posterior ao recalque, 
incidente no momento mesmo do recalque secundário. Freud a 
postula, assim, como um dos destinos do afeto, atravessado pelo 
recalque. (Pisetta, 2008) 
O que temos até aqui, portanto? Que a angústia é entendida como muito 
próxima dos sintomas. Para esclarecer e tornar essa concepção mais 
compreensível, o que temos nos escritos e formalizações iniciais de Freud é que, 
para ele, a angústia era uma consequência da formação sintomática e era 
também sinal de desprazer, no psiquismo. 
Highlight
 
 
10 
O conteúdo indesejável do eu (vinculado a um afeto, sempre), antes 
recalcado, quando não é vivido como o afeto original, transforma-se em angústia 
(a moeda de troca do psiquismo). Ou seja, a angústia, nesse primeiro momento, 
era uma consequência do recalque e do sintoma. A questão da angústia também 
se encontra sempre muito atrelada às noções de Freud sobre as defesas, que 
nos remetem ao trauma. A angústia também pode ser um sinal, um sinal de 
perigo para que o ego não seja inundado por uma excitação. Considere a 
passagem a seguir: 
Para Freud, uma vez ocorrida tal vivência de dor, quando a 
representação do objeto hostil fosse ocupada novamente, a partir de 
uma percepção ou associação com outras representações, ocorreria 
uma liberação de quantidade no aparelho que geraria desprazer. Esse 
processo foi denominado de “afeto”. A inclinação à desocupação da 
representação do objeto hostil pela via reflexa foi chamada de “defesa 
primária”. No entanto, Freud observa que a produção de afeto pela 
ocupação do objeto hostil seria prejudicial nos casos em que tal 
ocupação não fosse estimulada a partir do mundo externo, mas a partir 
do interior do aparelho, ou seja, apenas a partir de uma recordação. 
Nas primeiras repetições da vivência de dor, seria produzido um afeto 
intenso e uma defesa primária excessiva, de acordo com o modo de 
funcionamento chamado de processo primário. Essa descarga afetiva 
seria, com o tempo, inibida, de modo que a produção do afeto 
passasse a se limitar a um sinal. No entanto, a inibição da ocupação 
intensa da representação do objeto hostil seria um processo gradual 
que pressuporia o estabelecimento da excitação em estado ligado. 
(Caropreso; Aguiar, 2015, p. 10) 
Caropreso e Aguiar (2015) situam ainda que a angústia surgiria diante do 
que Freud (2006a) chama, no Projeto para uma psicologia científica, de vivência 
de dor e, em Inibição, sintoma e angústia, Freud (2010b) vai tratar como a 
possibilidade de se reviver uma situação traumática anterior, não apenas diante 
do sinal de um perigo atual. Assim, a angústia surgiria também de um processo 
de rememoração. Ao modificar algumas de suas concepções sobre a questão 
da angústia, Freud também repensa algumas questões sobre como funciona o 
trauma. Passemos, então, ao nosso item seguinte. 
TEMA 5 – A ANGÚSTIA EM INIBIÇÃO, SINTOMA E ANGÚSTIA, DE 1926: 
ANGÚSTIA E TRAUMA 
Como pudemos estudar nos itens anteriores, num primeiro momento, 
Freud entende a angústia como resultado de uma energia flutuante, sentida 
como desprazer, em consequência do recalque. Entretanto, ele, de acordo com 
Klein e Herzog (2017), num segundo momento, percebe a importância do ego e 
Highlight
 
 
11 
de seus mecanismos de defesa no que diz respeito à angústia. Essa percepção 
nos coloca diante do fato de que o recalque não seria mais o motor da angústia, 
mas sua consequência. 
O que isso quer dizer? Quer dizer que a angústia é que é o motor da 
formação do sintoma e da compulsão à repetição, ou melhor, a angústia é o 
representante afetivo do conteúdo traumático. O trauma seria, também, 
decorrente da angústia. Devido ao fato de o psiquismo ser invadido pela angústia 
é que o eu se defende e se utiliza do mecanismo de defesa do recalque (Freud, 
2010c). Essa visão que Freud nos proporciona, de suas reflexões sobre a 
formação sintomática da fobia (principalmente no caso do pequeno Hans), nos 
traz a ideia de que há mecanismos de defesa diante desse afetoe de como é 
importante o eu, nesse processo todo. 
[...] o interesse de Freud em relação à angústia, na segunda teoria, 
deixa de ser a sua origem e passa a ser a sua função. O nascimento 
torna-se o paradigma desse afeto e o protótipo dos efeitos de um 
perigo real que vem se repetindo na filogênese. A função que Freud 
circunscreve para a angústia é a de impedir que esse trauma se repita 
em toda a sua intensidade; logo, de caráter defensivo. Sua função de 
sinal está inscrita neste sentido: esse afeto é ativado como prevenção 
contra uma experiência de invasão pulsional traumática que se remete 
à filogênese. (Klein; Herzog, 2017, p. 92) 
Levy e Ceccarelli (2020) destacam que, quando esse sinal defensivo 
emitido pelo eu falha, vem à cena uma dimensão de angústia automática, de 
ordem traumática e marcada por uma invasão pulsional. Freud (2010c) afirma 
que a angústia é a reação original ao desamparo no trauma, e que ela é 
reproduzida, depois da situação de perigo, como um sinal em busca de ajuda. O 
eu que experimentou o trauma agora o repete ativamente/compulsivamente em 
uma versão enfraquecida, como forma de conseguir adquirir algum controle e 
elaborar aquilo que está na ordem do irrepresentável psiquicamente. 
A situação traumática e a situação de perigo se distinguem na medida 
em que o Eu aprende a tomar a angústia como um sinal. A angústia 
que, originalmente, foi automaticamente deslanchada na situação de 
desamparo, será depois reproduzida como sinal de perigo, graças ao 
que o Eu passa, tal como a criança em suas brincadeiras, da 
passividade para atividade, buscando dominar psiquicamente suas 
experiências. (Levy; Ceccarelli, 2015, p. 145) 
Com essa passagem, fica nítida a importância de o eu ter forças e 
integridade o suficiente para administrar os excessos energéticos do psiquismo. 
O trauma ocorreria quando o eu não tivesse a integridade suficiente para 
administrar tais excessos. Os autores ainda nos situam que, devido ao fato de o 
 
 
12 
psiquismo ser inundado por esse excesso energético da angústia na cena 
traumática, o trauma obriga o psiquismo a encontrar outras formas para dar 
vazão ao excesso produzido. “Este excesso só pode ser descarregado através 
do representante psíquico da pulsão. Caso a ligação pulsão-representante não 
ocorra, a integridade do sujeito se vê ameaçada” (Levy; Ceccarelli, 2015, p. 146). 
Em outras palavras: o entendimento da angústia, na segunda teoria da 
angústia de Freud, nos coloca diante da questão de que a angústia é anterior à 
formação sintomática e à compulsão à repetição. A angústia é um sinal, emitido 
pelo eu, que funciona como protetor do psiquismo. Quando o eu não tem 
integridade suficiente para lidar com os excessos energéticos da angústia (por 
diversos motivos), ocorre o trauma. Na etapa seguinte, trabalharemos 
novamente essa concepção, para, então, podermos adentrar o terreno das 
contribuições de Sàndor Ferenczi à teoria do trauma. 
NA PRÁTICA 
Em nosso conteúdo, pudemos discutir uma questão clínica bastante 
importante: como conduzir clinicamente aquilo que parece que não tem 
elaboração e se repete incessantemente (compulsão à repetição)? Pudemos 
perceber que, no psiquismo, há uma força/impulso – ou melhor, uma pulsão – 
que se manifesta, e que essa pulsão estaria mais interessada na aniquilação e 
na destruição do que na sobrevivência. Pode parecer um tanto incoerente, mas, 
sabendo que na vida mental nem tudo é consciente, a existência de uma força 
psíquica que se manifesta dessa forma não é de se estranhar. 
A noção de que há no psiquismo duas forças pulsionais, a pulsão de vida 
e a pulsão de morte, bem como a noção de que o psiquismo tem um 
funcionamento também econômico, e não somente topológico, são de extrema 
importância quando falamos em abordagem clínica do trauma (mas não só do 
trauma). A pulsão de morte, no que diz respeito ao trauma, nos coloca diante 
daquilo que é o irrepresentável. Logo, quando se tratam de questões relativas 
ao trauma e às patologias da ação e da impulsividade, não basta e muitas vezes 
nem conseguimos pedir que o paciente associe livremente ou mesmo fale de 
lembranças da infância. Os recursos simbólicos estão escassos e precisam ser 
“desenvolvidos”. 
Na condução clínica das questões relativas ao trauma, como veremos 
num momento seguinte, no material sobre Sàndor Ferenczi, muitas vezes só a 
 
 
13 
presença sensível do analista é o que importa. O fato de alguém o testemunhar 
já fornece uma organização pulsional importante para o indivíduo. Um exemplo: 
quando estávamos na graduação, participamos de um grupo de apoio a pessoas 
em luto. Esse grupo de apoio funcionava com as pessoas (principalmente mães 
que perderam seus filhos) testemunhando o que haviam sofrido e, com isso, 
essas pessoas se sentiam amparadas/acolhidas e podiam formular uma 
narrativa sobre a experiência vivida. Esse testemunho (que pode ser repetitivo) 
tem uma função, a de poder angariar recursos simbólicos para inscrever a perda 
(ou o trauma sofrido) no psiquismo. Se o irrepresentável da pulsão de morte não 
cessa de se repetir, é importante termos em mente que a repetição também tem 
um caráter criativo. 
Outra questão bastante importante, até aqui, é a ideia da força do eu. Ela 
é bastante importante para o entendimento da clínica da contemporaneidade. 
Quando o eu não se desenvolve com força narcísica suficiente, adentramos o 
terreno que extrapola a neurose, entramos na clínica dos estados-limite e do 
trauma. Essa ideia ficará mais clara no decorrer do curso. 
Retornando à questão da condução clínica da compulsão à repetição, 
temos que ter em mente que, mesmo que a pulsão de morte pareça uma grande 
vilã, é somente com base naquilo que se repete que podemos fazer um trabalho 
clínico de elaboração e criação. A compulsão à repetição tem esse aspecto 
criativo de que, com base nela, seja possível criar e elaborar o conteúdo 
patogênico. Tendo em mente as concepções econômicas do psiquismo e essa 
noção de que daquilo que se repete é possível dar um novo sentido àquilo que 
gera o sofrimento, tem-se um bom atendimento clínico do trauma, empático e 
espontâneo. 
FINALIZANDO 
Quais conteúdos foram mais importantes para serem absorvidos desta 
etapa? Seguem os principais itens: 
a. A partir dos anos 1920, a noção de economia psíquica se altera. Freud, a 
partir do atendimento prestado a pacientes que apresentavam neurose 
traumática de guerra e interrogando o fenômeno da compulsão à 
repetição (por meio também da observação da brincadeira infantil do fort-
da), passa a entender que há no psiquismo uma força que extrapola a 
 
 
14 
noção de princípio de prazer. Com isso, postula a existência da pulsão de 
morte. 
b. A pulsão de morte não visaria à sobrevivência psíquica e nem iria ao 
encontro da evitação de desprazer. Ela seria uma força que levaria ao 
estado de excitação zero e à aniquilação psíquica. Entretanto, para a 
teoria das pulsões, estas não se manifestariam sozinhas mas sim, 
sempre, de forma híbrida. Não haveria nem pulsão de vida e nem pulsão 
de morte totalmente puras. 
c. A pulsão de morte nos evidencia algo da ordem do irrepresentável, no 
psiquismo. Sua existência também faz com que Freud repense a questão 
da angústia. 
d. Inicialmente, Freud concebia a angústia como um montante de excitação 
que o psiquismo não dava conta de inscrever simbolicamente no 
psiquismo. Num primeiro momento, a excitação ainda era tratada como 
algo de ordem apenas sexual. Com a evolução de sua concepção sobre 
o trauma, muda também a concepção sobre a angústia. 
e. Primeiramente, também, Freud entendeu a angústia como consequência 
da formação do sintoma e do recalque. O trauma, aqui, geraria a angústia. 
A angústia é entendida como o representante afetivo do conteúdo 
traumático. 
f. Com a revisão acerca da questão da angústia, Freud entende que a 
angústia viria antes da formação dosintoma, seria decorrente dela. Isso 
significa que a angústia funcionaria como motor para o trauma. O 
excesso energético da angústia faria com que o psiquismo tivesse que 
administrar os excessos energéticos e, quando não houvesse recursos 
suficientes/necessários para tal, ocorreria o trauma. O trauma seria 
decorrente daquilo que não encontra nenhum tipo de representação 
psíquica. 
g. Os recursos necessários para lidar com os excessos energéticos são 
provenientes da força narcísica do eu. Se o eu não tem integridade e força 
suficientes, mais propenso estará o sujeito a que as suas vivências sejam 
traumatizantes. 
 
 
15 
REFERÊNCIAS 
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ressonâncias clínicas na reelaboração simbólica do repetido. 86 f. Dissertação 
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Janeiro: Imago, 2006a. v. 1. 
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VITORELLO, D. M. Autenticidade: o psicanalista entre Ferenczi e Lacan. 230 f. 
Tese (Doutorado em Psicologia Clínica) – Instituto de Psicologia, Universidade 
de São Paulo, São Paulo, 2015.

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