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Introdução à Criminologia e a Segurança Pública Criminologia: introdução A criminologia é o conjunto de conhecimentos a respeito do crime, da criminalidade e suas causas, da vítima, do controle social do ato criminoso, bem como da personalidade do criminoso e da maneira de ressocializá-lo. Etimologicamente o termo deriva do latim crimino ("crime") e do grego logos ("tratado" ou "estudo"), seria portanto o "estudo do crime". É uma ciência empírica, por basear-se na experiência da observação, nos fatos e na prática, mais do que em opiniões e argumentos, e também interdisciplinar, por ser formada pelo diálogo de uma série de ciências e disciplinas, tais como a biologia, a psicopatologia, a sociologia, política, a antropologia, o direito, a criminalística, a filosofia e outros. A palavra "Criminologia" foi empregada pela primeira vez por Paul Topinard em 1883, e aplicada internacionalmente pelo italiano Raffaele Garofalo em 1885, em sua obra Criminologia. Escolas Quando surgiu, a criminologia tratava de explicar a origem da delinquência (crime), utilizando o método das ciências naturais, a etiologia, ou seja, buscava a causa do delito. Pensou-se que erradicando a causa se eliminaria o efeito, como se fosse suficiente fechar as maternidades para o controle de natalidade. A criminologia é dividida em escola clássica (Beccaria, século XVIII), escola positiva (Lombroso, século XIX) e escola sociológica (final do século XIX). Academicamente a Criminologia começa com a publicação da obra de Cesare Lombroso chamada L'Uomo Delinquente ("O Homem Delinquente", em tradução livre), em 1876. Sua tese principal era a do delinquente nato. Com isto, Lombroso pretendia identificar o criminoso por intermédio de sua aparência física (orelha, tamanho da cabeça, ossos, cor da pele, olhos) e inclusive, de procedência espacial (asiáticos, indígenas, etc.) o que se comprovou completamente equivocado. https://pt.wikipedia.org/wiki/Raffaele_Garofalo https://pt.wikipedia.org/wiki/Cesare_Lombroso https://pt.wikipedia.org/wiki/Cesare_Lombroso Porém, até os dias atuais o sistema penal vive o dilema de selecionar os suspeitos especialmente pelos seus estigmas. Em 2004, Carlos Roberto Bacila fez uma releitura histórica do crime, apresentando a tese dos estigmas como metarregras, na qual realizou um amplo estudo sobre os preconceitos de todas as naturezas (racial, mulher, pobreza, religião, física etc.) e as influências deles no sistema penal. Já existiram várias tendências causais na criminologia. Baseado em Rousseau, a criminologia deveria procurar a causa do delito na sociedade; baseado em Lombroso, para erradicar o delito deveríamos encontrar a eventual causa no próprio delinquente e não no meio. Enquanto um extremo que procura todas as causas de toda criminalidade na sociedade, o outro, organicista, investigava o arquétipo do criminoso nato (um delinquente com determinados traços morfológicos, influência do Darwinismo). (Veja Rousseau, Personalidade Criminosa) Isoladamente, tanto as tendências sociológicas, quanto as orgânicas fracassaram. Hoje em dia fala-se no elemento bio-psico-social. Volta a tomar força os estudos de endocrinologia, que associam a agressividade do delinquente à testosterona (hormônio masculino), os estudos de genética ao tentar identificar no genoma humano um possível conjunto de "genes da criminalidade" (fator biológico ou endógeno), e ainda há os que atribuem a criminalidade meramente ao ambiente (fator mesológico), como fruto de transtornos como a violência familiar, a falta de oportunidades, etc. Lombroso é considerado o marco da Escola Positivista, em termos filosóficos encontramos Augusto Comte. Esta escola italiana critica os da Escola Clássica, como Beccaria e Bentham, no que diz respeito à utilização de uma metodologia lógico-dedutiva, metafísica, onde não existia a observação empírica dos fatos. As características principais desta escola mostram-se em três pontos: Empirismo (cientificidade, observação e experimentação dos factos. Negação aos pensamentos dedutivos e abstractos); O Criminoso como objecto de estudo (importância do estudo do criminoso como autor do crime. A delinquência é vista como um mero sintoma dos instintos criminogéneos do sujeito. Deve-se procurar trabalhar com estes instintos por forma a evitar o crime); Determinismo. Ele aborda o delinquente através de um caráter plurifatorial, para ele o indivíduo é compelido a delinquir por causas externas, as quais não consegue controlar, assim, as penas teriam o objetivo de proteção da sociedade e de [reeducação] do delinquente. Como em outras ciências, também em criminologia se tem tentado eliminar o conceito de "causa", substituindo-o pela ideia de "fator". Isso implica o reconhecimento de não apenas uma causa mas, sobretudo, de fatores que possam desencadear o efeito criminoso (fatores biológicos, psíquicos, sociais...). Uma das funções principais da criminologia é estabelecer uma relação estreita entre três disciplinas consideradas fundamentais: a psicopatologia, o direito penal e a ciência político-criminal. Outra atribuição da criminologia é, por exemplo, elaborar uma série de teorias e hipóteses sobre as razões para o aumento de um determinado delito. Os criminólogos se encarregam de dar esse tipo de informação a quem elabora a política criminal, os quais, por sua vez, idealizarão soluções, proporão leis, etc. Esta última etapa se faz através do direito penal. Posteriormente, outra vez mais o criminólogo avaliará o impacto produzido por essa nova lei na criminalidade. Interessam ao criminólogo as causas e os motivos para o fato delituoso. Normalmente ele procura fazer um diagnóstico do crime e uma tipologia do criminoso, assim como uma classificação do delito cometido. Essas causas e motivos abrangem desde avaliação do entorno prévio ao crime, os antecedentes vivenciais e emocionais do delinquente, até a motivação que leva o agressor a praticar pragmática o crime. Cientificidade da criminologia A criminologia é ciência moderna, sendo um modo específico e qualificado de conhecimento e uma sistematização do saber de várias disciplinas. A partir da experimentação desse saber multidisciplinar surgem teorias (um corpo de conceitos sistematizados que permitem conhecer um dado domínio da realidade). Enquanto ciência, a criminologia possui objeto próprio e um rigor metodológico que inclui a necessidade de experimentação, a possibilidade de refutação de suas teorias e a consciência da transitoriedade de seus postulados. Ainda que interdisciplinar é também ciência autônoma, não se confundindo com nenhuma das áreas que contribuem para a sua formação e sem deixar considerar o jogo dialético da realidade social como um todo. Objeto da criminologia é o crime, o criminoso (que é o sujeito que se envolve numa situação criminógena de onde deriva o crime), os mecanismos de controle social (formais e informais) que atuam sobre o crime; e, a vítima (que às vezes pode ter inclusive certa culpa no evento). A relevância da criminologia reside no fato de que não existe sociedade sem crime. Ela contribui para o crescimento do conhecimento científico com uma abordagem adequada do fenômeno criminal. O fato de ser ciência não significa que ela esteja alheia a sua função na sociedade. Muito pelo contrário, ela filia- se ao princípio de justiça social. Os estudos em criminologia têm como finalidade, entre outros aspectos, determinar a etiologia do crime, fazer uma análise da personalidade e conduta do criminoso para que se possa puni-lo de forma justa (que é uma preocupação da criminologia e não do Direito Penal), identificar as causas determinantes do fenômeno criminógeno, auxiliar na prevenção da criminalidade; e permitir a ressocialização do delinquente. Os estudos em criminologia se dividem em dois ramos que nãosão independentes, mas sim interdependentes. Temos de um lado a Criminologia Clínica (bioantropológica) - esta utiliza-se do método individual, (particular, análise de casos, biológico, experimental), que envolve a indução. De outro lado vemos a Criminologia Geral (sociológica), esta utiliza-se do método estatístico (de grupo, estatístico, sociológico, histórico) que enfatiza o procedimento de dedução. Criminologia e ciências afins A interdisciplinaridade é uma perspectiva de abordagem científica envolvendo diversos continentes do saber. Ela é uma visão importante para qualquer ciência social. Em seus estudos, a criminologia se engaja em diálogo tanto com disciplinas das Ciências Sociais ou humanas quanto das Ciências Físicas ou naturais. Entre as áreas de estudo mais próximas da Criminologia temos: Direito penal: o principal ponto de contato da criminologia com o Direito Penal está no fato de que este delimita o campo de estudo da criminologia, na medida em que tipifica(define juridicamente) a conduta delituosa; O direito penal é sancional por excelência; Ele caracteriza os delitos e, através de normas rígidas, prescreve penas que objetivam levar os indivíduos a evitar essas condutas. Direito Processual Penal: a Criminologia fornece os elementos necessários para que se estipule o adequado tratamento do réu no âmbito jurisdicional. Também indica qual a personalidade e o contexto social do acusado e do crime, auxiliando os juristas para que a sentença seja mais justa. A criminologia oferece os critérios valorativos da conduta criminosa. Ela pesquisa a eficácia das normas do Direito Penal, bem como estuda e desenvolve métodos de prevenção e ressocialização do criminoso. Direito Penitenciário: os dados criminológicos são importantes no Direito Penitenciário para permitir o correto e eficaz tratamento e ressocialização do apenado. A criminologia ajuda a tornar a pena mais humana, buscando o objetivo de punir sem castigar. Psicologia Criminal: é ciência que demonstra a dimensão individual do ato criminoso; estuda a personalidade do criminoso, orientando a Criminologia. Psiquiatria Criminal: é ramo do saber que identifica as diversas patologias que afetam o criminoso e envolve o estudo da sanidade mental. Antropologia criminal: abrange o fenômeno criminológico em sua dimensão holística, ou seja, biopsicosocial. É o Estudo do homem na sua história, em sua totalidade (homem como fator presente no todo); Sociologia Criminal: demonstra que a personalidade criminosa é resultante de influências psicológicas e do meio social; https://pt.wikipedia.org/wiki/Antropologia_criminal https://pt.wikipedia.org/wiki/Hol%C3%ADstica https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Biopsicosocial&action=edit&redlink=1 Ciências Biológicas: fornecem os elementos naturais e orgânicos que influenciam ou determinam a conduta do criminoso; Vitimologia: estuda a vítima e sua relação com o crime e o criminoso (estuda a proteção e tratamento da vítima, bem como sua possível influência para a ocorrência do crime); Criminalística: é o ramo do conhecimento que cuida da dinâmica de um crime. Estuda os fatores técnicos de como o crime aconteceu. Há um setor especializado da polícia destinado a essa área. Ciências Econômicas: estuda o crime a partir do instrumental analítico racionalista. O crime é visto como um mercado e sua oferta é determinada por fatores como o ganho esperado da atividade criminosa, probabilidade de sucesso e intensidade da punição em caso de falha. Criminologia. Um breve histórico das escolas: clássica, positiva, crítica, moderna alemã e a influência da escola positiva na formação do Código Penal de 1940 INTRODUÇÃO O professor Nestor Sampaio explica que não existe uniformidade na doutrina quanto ao surgimento da criminologia segundo padrões científicos, porque há diversos critérios e informes diferentes que procuram situá-la no tempo e no espaço. No plano contemporâneo, a criminologia decorreu de longa evolução, marcada, muitas vezes, por atritos teóricos irreconciliáveis, conhecidos por “disputas de escolas”. O próprio Cesare Lombroso não se dizia criminólogo e sustentava ser adepto da escola antropológica italiana. É bem verdade que a criminologia como ciência autônoma existe há pouco tempo, mas também é indiscutível que ela ostenta um grande passado, uma enorme fase pré- científica. Para que se possa delimitar esse período pré-científico, é importante definir o momento em que a criminologia alcançou status de ciência autônoma. Muitos doutrinadores afirmam que o fundador da criminologia moderna foi Cesare https://pt.wikipedia.org/wiki/Vitimologia https://pt.wikipedia.org/wiki/Criminal%C3%ADstica https://pt.wikipedia.org/wiki/Ci%C3%AAncias_Econ%C3%B4micas Lombroso , com a publicação, em 1876, de seu livro "O homem delinquente". Para outros, foi o antropólogo francês Paul Topinard quem, em 1879, teria empregado pela primeira vez a palavra “criminologia”, e há os que defendem a tese de que foi Rafael Garófalo quem, em 1885, usou o termo como nome de um livro científico. Ainda existem importantes opiniões segundo as quais a Escola Clássica, com Francesco Carrara (Programa de direito criminal, 1859), traçou os primeiros aspectos do pensamento criminológico. Não se pode perder de vista, no entanto, que o pensamento da Escola Clássica somente despontou na segunda metade do século XIX e que sofreu uma forte influência das ideias liberais e humanistas de Cesare Bonesana , o Marquês de Beccaria, com a edição de sua obra genial, intitulada Dos delitos e das penas, em 1764. Por derradeiro, releva frisar que, numa perspectiva não biológica, o belga Adolphe Quetelet9 , integrante da Escola Cartográfica, ao publicar seu Ensaio de Física Social (1835), seria um expoente da criminologia inicial, projetando análises estatísticas relevantes sobre criminalidade, incluindo os primeiros estudos sobre “cifras negras de criminalidade” (percentual de delitos não comunicados formalmente à Polícia e que não integram dados estatísticos oficiais). Nessa discussão quase estéril acerca de quem é o criador da moderna criminologia, uma coisa é imperiosa: houve forte influência do Iluminismo, tanto nos clássicos quanto nos positivistas, conforme veremos. ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA A partir do século XIX, o conceito de crime e os fatores que desencadeiam uma conduta criminosa foram sendo estudados com mais ênfase, tanto pela ciência médica, assim como pelos filósofos e juristas da época. Diante disso, partindo dessa interação, surge a Criminologia, que nesse momento se ocupou de estudar as causas do crime, e o deliquente. Conforme leciona o professor Nestor Sampaio , a etapa pré-científica da criminologia ganha destaque com os postulados da Escola Clássica, muito embora antes dela já houvesse estudos acerca da criminalidade. Nessa etapa pré-científica havia dois enfoques muito nítidos: de um lado, os clássicos, influenciados pelo Iluminismo, com seus métodos dedutivos e de lógica formal, e, de outro lado, os empíricos, que investigavam a gênese delitiva por meio de técnicas fracionadas, tais como as empregadas pelos fisionomistas, antropólogos, biólogos etc., os quais substituíram a lógica formal e a dedução pelo método indutivo experimental (empirismo). Essa divisão existente entre o que se convencionou chamar de clássicos e positivistas, quer com o caráter pré-científico, quer com o apoio da cientificidade, ensejou aquilo que se entendeu por “luta de escolas”. No século XIX surgiram inúmeras correntes de pensamento estruturadas de forma sistemática, segundo determinados princípios fundamentais. Essas correntes, que se convencionou chamar de Escolas Penais, foram definidas como o corpo orgânico de concepções contrapostas sobre a legitimidade do direito de punir, sobre a natureza dodelito e sobre o fim das sanções. ESCOLA CLÁSSICA Segundo o professor Cezar Roberto Bitencourt, não houve uma Escola Clássica propriamente, entendida como um corpo de doutrina comum, relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados pelo crime e pela sanção penal. Com efeito, é praticamente impossível reunir os diversos juristas, representantes dessa corrente, que pudessem apresentar um conteúdo homogêneo. Na verdade, a denominação Escola Clássica não surgiu, como era de esperar, da identificação de uma linha de pensamento comum entre os adeptos do positivismo jurídico, mas foi dada, com conotação pejorativa, por aqueles positivistas que negaram o caráter científico das valorações jurídicas do delito. Os postulados consagrados pelo Iluminismo, que, de certa forma, foram sintetizados na célebre obra de Cesare de Beccaria, Dos Delitos e das Penas (1764), serviram de fundamento básico para a nova doutrina, que representou um grande avanço na humanização das Ciências Penais. A crueldade que comandava as sanções criminais em meados do século XVIII exigia uma verdadeira revolução no sistema punitivo então reinante. A partir da segunda metade desse século, os filósofos, moralistas e juristas, dedicam suas obras a censurar abertamente a legislação penal vigente, defendendo as liberdades do indivíduo e enaltecendo os princípios da dignidade do homem. Os clássicos partiram de duas teorias distintas, como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho, in verbis: Os Clássicos partiram de duas teorias distintas: o jusnaturalismo (direito natural, de Grócio), que decorria da natureza eterna e imutável do ser humano, e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo, de Rousseau), em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os homens, no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da segurança coletiva. Diante das teorias supracitadas, a vida em sociedade, tanto de forma natural ou convencionada, só é possível após se criar um rol de regramentos, ou melhor dizendo, normas sociais, das quais a inobservância resultara em uma reprimenda por parte do Estado. Diante da existência da norma, que de maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijurídicas, cabe ao individuo participante da sociedade a observância ou não da lei, como preleciona Alfonso Serrano Maíllo, senão vejamos: Quando alguém encara a possibilidade de cometer um delito, efetua um cálculo racional dos benefícios esperados (prazer) e os confronta com os prejuízos (dor) que acredita vão derivar da prática do delito; se os benefícios são superiores aos prejuízos, tenderá a cometer a conduta delitiva. Por fim, Serrano defende a ideia de que as ações humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indivíduo e contribuam ou não para maior satisfação do grupo social. ESCOLA POSITIVA Segundo Bitencourt, “Durante o predomínio do pensamento positivista no campo da filosofia, no fim do século XIX, surge a Escola Positiva, coincidindo com o nascimento dos estudos biológicos e sociológicos”. Sampaio explica que a chamada Escola Positiva tem sua origem no século XIX na Europa, influenciada no campo das ideias pelos princípios desenvolvidos pelos fisiocratas e iluministas no século anterior. No entanto, é importante lembrar que, antes da expressão “italiana” do positivismo - Lombroso, Ferri e Garófalo - , já se delineava um cunho científico aos estudos criminológicos, com a publicação, em 1827, na França, dos primeiros dados estatísticos sobre a criminalidade. Tal publicação chamou a atenção de um importante pesquisador, o belga Adolphe Quetelet – já mencionado na introdução deste artigo, que ficou fascinado com a sistematização de dados sobre delitos e delinquentes, justamente em função disso, em 1835, Quetelet publicou a obra Física Social. A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos métodos de observação e investigação que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia, Antropologia, etc.). No entanto, logo se constatou que essa metodologia era inaplicável em algo tão circunstancial como a norma jurídica. Essa constatação levou os positivistas a concluírem que a atividade jurídica não era científica e, em consequência, proporem que a consideração jurídica do delito fosse substituída por uma sociologia ou antropologia do delinquente, chegando, assim, ao verdadeiro nascimento da Criminologia, independente da dogmática jurídica. Ademais, os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva são os seguintes: a ineficácia das concepções clássicas relativamente à diminuição da criminalidade; o descrédito das doutrinas espiritualistas e metafísicas e a difusão da filosofia positivista; a aplicação dos métodos de observação ao estudo do homem, especialmente em relação ao aspecto psíquico; os novos estudos estatísticos realizados pelas ciências sociais (Quetelet) permitiram a comprovação de certa regularidade e uniformidade nos fenômenos sociais, incluída a criminalidade. Por fim, as novas ideologias políticas que pretendiam que o Estado assumisse uma função positiva na realização dos fins sociais, mas, ao mesmo tempo, entendiam que o Estado tinha ido longe demais na proteção dos direitos individuais, sacrificando os direitos coletivos. Desse modo, pode-se afirmar que a Escola Positiva teve três fases: antropológica (Lombroso), sociológica (Ferri) e jurídica (Garófalo), das quais iremos discorrer mais adiante. CESAR LOMBROSO (1835-1909) Segundo Bintecourt: “Lombroso — com inegável influência de Comte25 e Darwin26 — foi o fundador da Escola Positivista Biológica, destacando-se, sobretudo, seu conceito sobre o criminoso atávico”. Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro “o homem delinquente”, que deu início a um período científico de estudos criminológicos. Na verdade Lombroso não criou uma teoria moderna, mas sistematizou uma série de conhecimentos esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligível. Considerado o pai da “Antropologia Criminal”, Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas para traçar um perfil dos criminosos. Lombroso examinava com intensa profundidade as características fisionômicas e as comparou com os dados estatísticos de criminalidade. Nesse sentido, dados como estrutura torácica, estatura, peso, tipo de cabelo, comprimento de mãos e pernas foram analisados com detalhes. Lombroso também buscou informes em dezenas de parâmetros frenológicos , decorrentes de exames de crânios, traçando um viés científico para a teoria do criminoso nato. Em seus últimos estudos, Lombroso reconhecia que o crime pode ser consequência de vários fatores, que podem ser convergentes ou independentes. Todos esses fatores, como ocorre com qualquer fenômeno humano, devem ser considerados, não atribuindo à conduta criminosa uma única causa. Essa evolução no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua tipologia de delinquentes: a) nato; b) por paixão; c) louco; d) de ocasião; e) epilético. Muitas foram as críticas feitas a Lombroso, justamente pelo fato de que milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime. Os fenótipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam relacionados diretamente com a população que vivia à margem da sociedade na época, porquanto, os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria em manicômios e prisões, vejam o que diz o professor Nestor Sampaio: Registre-se, por oportuno, que suas pesquisas foram feitas na maioria em manicômios e prisões, concluindo que o criminoso é um ser atávico, um ser que regride ao primitivismo, um verdadeiro selvagem (ser bestial), que nasce criminoso, cuja degeneração é causada pela epilepsia, que ataca seus centros nervosos. Estavam fixadas as premissas básicas de sua teoria: atavismo, degeneração epilética e delinquente nato, cujascaracterísticas seriam: fronte fugidia, crânio assimétrico, cara larga e chata, grandes maçãs no rosto, lábios finos, canhotismo (na maioria dos casos), barba rala, olhar errante ou duro etc.32 Como já tido anteriormente, inúmeras foram as criticas à teoria do “criminoso nato” de Lombroso. Então, em socorro do mestre, surgiu o pensamento sociológico de Ferri. RAFAEL GAROFALO (1851-1934) Segundo Heleno Fragoso “Garofalo foi o jurista da primeira fase da Escola Positiva, cuja obra fundamental foi sua Criminologia, publicada em 1885”. 33 Como ocorre com todos os demais autores positivistas, Garofalo deixa transparecer em sua obra a influência do darwinismo e das ideias de Herbert Spencer34. Conseguiu, na verdade, dar uma sistematização jurídica à Escola Positiva, estabelecendo, basicamente, os seguintes princípios: a) a periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente; b) a prevenção especial como fim da pena, que, aliás, é uma característica comum da corrente positivista; c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da Defesa Social, deixando, por isso, em segundo plano os objetivos reabilitadores; d) formulou uma definição sociológica do crime natural, uma vez que pretendia superar a noção jurídica. 35 Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo, teorizou que o crime estava no homem e que se revelava como degeneração deste; criou o conceito de temibilidade ou periculosidade, que seria o propulsor do delinquente e a porção de maldade que deve se temer em face deste; fixou, por derradeiro, a necessidade de conceber outra forma de intervenção penal – a medida de segurança. Seu grande trabalho foi conceber a noção de delito natural (violação dos sentimentos altruísticos de piedade e probidade). Classificou os criminosos em natos (instintivos), fortuitos (de ocasião) ou pelo defeito moral especial (assassinos, violentos, ímprobos e cínicos), propugnando pela pena de morte aos primeiros. 36 Bitencourt explica que a posição de Garofalo era a da defesa social como principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos, já que estes não se adequariam de nenhuma forma às normas que regulam a vida em sociedade, vejamos: As contribuições de Garofalo, na verdade, não foram tão expressivas como as de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto à readaptação do homem criminoso. Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posições radicais em favor da pena de morte. Partindo das ideias de Darwin, aplicando a seleção natural ao processo social (darwinismo social), sugere a necessidade de aplicação da pena de morte aos delinquentes que não tivessem absoluta capacidade de adaptação, que seria o caso dos “criminosos natos”. Sua preocupação fundamental não era a correção (recuperação), mas a incapacitação do delinquente (prevenção especial, sem objetivo ressocializador), pois sempre enfatizou a necessidade de eliminação do criminoso. Enfim, insistiu na necessidade de individualizar o castigo, fato que permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas. A ênfase que dava à defesa social talvez justifique seu desinteresse pela ressocialização do delinquente. ENRICO FERRI (1856-1929) Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal. Na investigação que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) — seu primeiro trabalho importante — sustentou a teoria sobre a inexistência do livre- arbítrio, considerando que a pena não se impunha pela capacidade de autodeterminação da pessoa, mas pelo fato de ser um membro da sociedade. De certa forma, Ferri adota, como Lombroso, a concepção de Romagnosi sobre a Defesa Social, através da intimidação geral. Por essa tese de Ferri, passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social. Mais adiante, quando publica a terceira edição de sua Sociologia Criminal, adere às ideias de Garofalo sobre prevenção especial e à contribuição de Lombroso ao estudo antropológico, criando o conteúdo da doutrina que se consubstanciou nos princípios fundamentais da Escola Positiva. O sociólogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepção da defesa social do grande mestre Romagnosi39, assim como os demais precursores da escola positivista italiana, no entanto, divergia de Lombroso, no que diz respeito à impossibilidade de ressocialização de um “criminoso nato”, afirmando que só poderiam ser considerados incorrigíveis apenas os criminosos habituais, admitindo que até mesmo entre estes, seria possível a eventual correção de uma minoria. Vejamos o que diz Bintecourt: Apesar de seguir a orientação de Lombroso e Garofalo, deixando em segundo plano o objetivo ressocializador (correcionalistas), priorizando a Defesa Social, Ferri assumiu uma postura diferente em relação à recuperação do criminoso. Contrariando a doutrina de Lombroso e Garofalo, Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptável. Considerava incorrigíveis apenas os criminosos habituais, admitindo, assim mesmo, a eventual correção de uma pequena minoria dentro desse grupo.40 Apesar do predomínio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social, não deixou de marcar o início da preocupação com a ressocialização do criminoso. Para Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da Escola Positiva.41 Os principais aspectos da Escola Positiva são: a) o Direito Penal é um produto social, obra humana; b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida em sociedade); c) o delito é um fenômeno natural e social (fatores individuais, físicos e sociais); d) a pena é um meio de defesa social, com função preventiva; e) o método é o indutivo ou experimental; e f) os objetos de estudo do Direito Penal são o crime, o delinquente, a pena e o processo. 42 Por fim, cabe ressaltar que, a Escola Positiva teve enorme repercussão, destacando-se como algumas de suas contribuições: a) a descoberta de novos fatos e a realização de experiências ampliaram o conteúdo do direito; b) o nascimento de uma nova ciência causal-explicativa: a criminologia; c) a preocupação com o delinquente e com a vítima; d) uma melhor individualização das penas (legal, judicial e executiva); e) o conceito de periculosidade; f) o desenvolvimento de institutos como a medida de segurança, a suspensão condicional da pena e o livramento condicional; e g) o tratamento tutelar ou assistencial do menor. 43 TERZA SCUOLA ITALIANA O professor Bintecourt explica que a Escola Clássica e a Escola Positiva foram as duas únicas escolas que possuíam posições extremas e filosoficamente bem definidas. Posteriormente, surgiram outras correntes que procuravam uma conciliação dos postulados das duas predecessoras. Nessas novas escolas intermediárias reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias, mas que evitavam romper completamente com as orientações das escolas anteriores, especialmente os primeiros ecléticos. Enfim, essas novas correntes representaram a evolução dos estudos das ciências penais, mas sempre com uma certa prudência, como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de novas ideias.44 Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento, explica em seu Manual de Criminologia: As Escolas Clássica e Positiva foram as únicas correntes do pensamento criminal que, em sua época, assumiram posições extremadas e bem diferentes filosoficamente. Depois delas apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos. Dentre essas teorias ecléticas ou intermediárias, reuniram-se penalistas orientados por novas ideias, mas sem romper definitivamente com as orientações clássicas ou positivistas.45 A primeira dessas correntes ecléticas surgiu com a Terza Scuola italiana, também conhecida como escola crítica, a partir do famoso artigo publicado por Manuel Carnevale, Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia, em 1891. Integrou também essa nova escola, que marcouo início do positivismo crítico, Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e João Impallomeni (Istituzioni di Diritto Penale).46 A Terza Scuola acolhe o princípio da responsabilidade moral e a consequente distinção entre imputáveis e inimputáveis, mas não aceita que a responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbítrio, substituindo-o pelo determinismo psicológico: o homem é determinado pelo motivo mais forte, sendo imputável quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos. A quem não tiver tal capacidade deverá ser aplicada medida de segurança e não pena. Enfim, para Impallomeni, a imputabilidade resulta da intimidabilidade e, para Alimena, resulta da dirigibilidade dos atos do homem. O crime, para esta escola, é concebido como um fenômeno social e individual, condicionado, porém, pelos fatores apontados por Ferri. O fim da pena é a defesa social, embora sem perder seu caráter aflitivo, e é de natureza absolutamente distinta da medida de segurança.47 ESCOLA MODERNA ALEMÃ O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notável das correntes ecléticas, que ficou conhecida como Escola Moderna Alemã, a qual representou um movimento semelhante ao positivismo crítico da Terza Scuola italiana, de conteúdo igualmente eclético. Esse movimento, também conhecido como escola de política criminal ou escola sociológica alemã, contou ainda com a contribuição decisiva do belga Adolphe Prins e do holandês Von Hammel, que, com Von Liszt, criaram, em 1888, a União Internacional de Direito Penal, que perdurou até a Primeira Guerra Mundial. O trabalho dessa organização foi retomado em 1924, por sua sucessora, a Associação Internacional de Direito Penal, a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade, destinada a promover, por meio de congressos e seminários, estudos científicos sobre temas de interesse das ciências penais. 48 Von Liszt (1851-1919) foi discípulo de grandes mestres, dentre os quais os mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49, recebendo grande influência deste último, inclusive quanto à ideia de fim do Direito, que motivou toda a orientação do sistema que Liszt viria a construir. Von Liszt, além de jurista, foi também grande político austríaco, tendo liderado, na sua juventude, o Partido Nacional-Alemão da juventude acadêmica austríaca. Nunca perdeu o interesse pela política, que na verdade determinou sua postura jurídico- científica, levando-o a conceber o Direito Penal como política criminal. Catedrático austríaco, posteriormente catedrático alemão, especialmente em Marburg (1882), concluiu sua cátedra na Universidade de Berlim, quando se aposentou em 1916, vindo a falecer em 1919. Autor de inúmeras obras jurídicas, publicou o seu extraordinário Tratado do Direito Penal alemão, em 1881, que teve vinte e duas edições, consagrando-se como o grande dogmático e sistematizador do Direito Penal alemão. Von Liszt encarregou-se, digamos assim, da segunda versão do positivismo jurídico, dividindo a utilização de um método descritivo/classificatório que excluía o filosófico e os juízos de valor, mas se diferenciava ao apresentar ligações à consideração da realidade empírica não jurídica: o positivismo de Von Liszt foi um positivismo jurídico com matizes naturalísticas.50 Em 1882, Von Liszt ofereceu ao mundo jurídico o seu famoso Programa de Marburgo — A ideia do fim no Direito Penal, verdadeiro marco na reforma do Direito Penal moderno, trazendo profundas mudanças de política criminal, fazendo verdadeira revolução nos conceitos do Direito Penal positivo até então vigentes. Como grande dogmático que se revelou, sistematizou o Direito Penal, dando-lhe uma complexa e completa estrutura, admitindo a fusão com outras disciplinas, como a criminologia e a política criminal. Por isso é possível afirmar que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt. 51 Inicialmente, Von Liszt não admitia o livre-arbítrio, que substituía pela normalidade que deveria conduzir o indivíduo, e deixou em segundo plano a finalidade retributiva da pena, priorizando a prevenção especial. Von Liszt incluiu na sua ampla concepção de ciências penais a Criminologia e a Penologia (esta expressão criada por ele): a Criminologia, para ele, teria a missão de explicar as causas do delito, enquanto a Penologia estudaria as causas e os efeitos da pena. Embora conhecedor das teorias de Lombroso, Ferri e Garofalo, com os quais não concordava, com seu Programa de Marburgo passou a defender a prevenção especial, ganhando grande repercussão internacional. 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em choque com os seguidores da escola clássica, que tinha seu principal representante na Alemanha, Karl Binding (1841-1920), o mais autêntico seguidor das teorias de Kant e Hegel.53 Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca dessa temática, destaca-se a importância das lições formuladas pela Escola moderna alemã cujo maior expoente fora Franz Von Liszt. Esse movimento, também conhecido como escola de política criminal ou escola sociológica alemã, contou ainda com a contribuição decisiva do belga Adolphe Prins e do holandês Von Hammel, que, com Von Liszt, criaram, em 1888, a União Internacional de Direito Penal. A referida Escola “era deliberadamente eclética e visava ao estudo do “direito penal total”, ou seja, à confluência das ciências contributivas que formariam a “enciclopédia penal” (Jimenez de Asúi). O crime era estudado não somente do ponto de vista jurídico, mas antropológico e sociológico”. 54 Enfim, as principais características da moderna escola alemã podem ser sintetizadas nas seguintes: a) adoção método lógico-abstrato e indutivo- experimental — o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais ciências criminais. Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das demais ciências criminais, tais como Criminologia, Sociologia, Antropologia etc.; b ) distinção entre imputáveis e inimputáveis — o fundamento dessa distinção, contudo, não é o livre arbítrio, mas a normalidade de determinação do indivíduo. Para o imputável a resposta penal é a pena, e para o perigoso, a medida de segurança, consagrando o chamado duplo-binário; c) o crime é concebido como fenômeno humanosocial e fato jurídico — embora considere o crime um fato jurídico, não desconhece que, ao mesmo tempo, é um fenômeno humano e social, constituindo uma realidade fenomênica; d) função finalística da pena — a sanção retributiva dos clássicos é substituída pela pena finalística, devendo ajustar-se à própria natureza do delinquente. Mesmo sem perder o caráter retributivo, prioriza a finalidade preventiva, particularmente a prevenção especial; e) eliminação ou substituição das penas privativas de liberdade de curta duração — representa o início da busca incessante de alternativas às penas privativas de liberdade de curta duração, começando efetivamente a desenvolver uma verdadeira política criminal liberal.55 CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA Após o estudo das diferentes correntes do positivismo, é fácil constatar os motivos do seu declínio. O principal deles consiste na visão formalista e causal explicativa do Direito Penal, proporcionada pela pretensão de fundamentar e legitimar o sistema penal a partir do método indutivo. Como vimos, o positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos métodos de observação e investigação que eram utilizados nas disciplinas experimentais (física, biologia, antropologia, etc.). 56 Logo se percebeu, no entanto, que essa metodologia era inaplicável em algo tão circunstancial como a norma jurídica. Essa constatação levou os positivistas a concluírem, apressadamente, que a atividade não era científica e, em consequência, proporem que a consideração do delito fosse por uma sociologia ou antropologia do delinquente, chegando,dessa forma, ao nascimento da Criminologia, independentemente da dogmática jurídica. 57 Com efeito, a preocupação com a produção de um conhecimento estritamente científico conduziu os juristas dessa época a uma disputa acerca do autêntico conteúdo da Ciência do Direito Penal. Como vimos nas epígrafes anteriores, houve uma grande polêmica em torno das duas grandes vertentes que abrangem a Ciência Penal: a criminológica e a jurídico-dogmática. A vertente criminológica, voltada para a explicação do delito como fenômeno social, biológico e psicológico, não era capaz de resolver questões estritamente jurídicas, como a diferença entre tentativa e preparação do delito, em que casos a imprudência é punível, os limites das causas de justificação, etc. 58 A vertente jurídico-dogmática, por sua vez, ao considerar que a Ciência do Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e, como missão, a análise e sistematização das leis e normas para a construção jurídica através do método indutivo, não foi capaz de determinar o conteúdo material das normas penais, nem de compreender o fenômeno delitivo como uma realidade social, permanecendo em um insustentável formalismo. Há um claro entendimento, na atualidade, de que a Ciência do Direito Penal abrange tanto a Criminologia como a Dogmática, e que os conhecimentos produzidos por esses ramos se inter-relacionam na configuração da Política Criminal mais adequada para a persecução de crimes. Essa diferenciação permitiu o avanço da construção jurídico-dogmática a partir dos estudos de Von Liszt e Binding, mas sem os equívocos do método positivista. 59 INFLUÊNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO CÓDIGO PENAL DE 1940 A leitura do Código mostra a cada passo a decisiva e palpável influência da Escola Positiva, na Exposição de Motivos está consignado que nele "os postulados clássicos fazem causa comum com os princípios da Escola Positiva". 60 A política de transação ou conciliação, a que se refere à Exposição de Motivos, permitiu que os traços de inspiração positivista, dessem um aspecto novo e sadio à fisionomia geral do Código. Donnedieu de Vabres, em arguta crítica, diz que o Código Penal de 1940 foi guiado por um prudente oportunismo, acessível às sugestões da ciência nova, mas firmemente agarrado, segundo a tradição, ao valor cominatório e intimidativo da pena. 61O Código Penal foi elaborado por uma comissão de seis membros, dos quais Roberto Lyra era o único positivista, todavia, podemos dizer que se trata de código de feitio eclético, onde se conciliam o positivismo de Lyra e o classicismo politicamente autoritário de Hungria. Os princípios da escola positiva forneceram ao Código Penal brasileiro à tônica individualizadora, o talhe subjetivista, o porte defensista, com os avanços da responsabilidade legal, através, principalmente, da periculosidade, com as flexões do arbítrio judicial sobre os traslados biossociológicos. 62 A influência da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no critério diretivo estabelecido pelo artigo 59, no tocante a consideração da personalidade do criminoso. A Exposição de Motivos do Código Penal de 1940 deixa bem ressaltado que o réu terá de ser apreciado através de todos os fatores, endógeno e exógeno de sua individualidade moral e da maior ou menor intensidade de sua “mens rea” (aspecto subjetivo da responsabilidade). 63 O Código Penal ressalta a consideração do crime em função do seu autor, assim, a referida legislação adotou, de forma explícita, o exame da personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade.64 Ressaltamos a inegável influência do positivismo nos dados pertinentes aos motivos determinantes do crime. Para a Escola Positiva, o motivo era a pedra de toque da periculosidade criminal, com efeito, o motivo fútil e o motivo torpe representam significativos sintomas de periculosidade individual, conforme acentua a Exposição de Motivos, “adquire culminante relevo o motivo, o “porque” do crime, sendo que na “aplicação da pena, os motivos do crime figuram como um dos critérios centrais de orientação”. Outrossim, o motivo de relevante valor moral ou social, inspira-se no artigo 22, 2.0, do Projeto Ferri.65 A Escola Positiva começou a desacreditar da chamada pena dosimétrica, pena medida e contada com ridículos requintes de pretensa exatidão matemática, em correspondência quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato", assim, generalizou-se a tendência de considerar a pessoa do delinquente, em seus aspectos físico, antropológico e moral, para efetiva individualização da pena, essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 1940.66 O Código satisfez a exigência da Escola Positiva, ao estabelecer a circunstância atenuante do erro de direito escusável (artigo 20 do Código Penal). Assim como a atenuante constante na alínea “e”, inciso III, do artigo 65 do Código Penal. Influência decisiva encontramos na disciplina das circunstâncias do crime, dois critérios fundamentais guiam o legislador, ao disciplinar as circunstâncias do delito: o objetivo e o subjetivo. O critério objetivo tem em mira o elemento político do crime, ou seja, o alarma social por ele causado, é o critério preferido pelas legislações inspiradas, pela Escola Clássica. Para o critério subjetivo, o singular valor das circunstâncias do delito resulta da periculosidade revelada pelo criminoso, é o critério preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no Projeto Ferri. 67 Não escapou também a disciplina da reincidência ao influxo da escola de Ferri, além de Ferri, sustentavam a perpetuidade da reincidência, Garofalo, Carelli, Niceforo, dentre outros. Por este critério a reincidência prolonga-se no tempo, nada a desfigurando ou esmaecendo. O Código Penal de 1940, seguindo o critério da perpetuidade da reincidência, salientando a exposição ministerial de motivos, à relevância da sentença condenatória estrangeira, para o efeito de reconhecimento da reincidência.68 As medidas de segurança não foram introduzidas diretamente pela Escola Positiva, foram uma resultante do desenvolvimento das concepções positivistas sobre a prevenção dos delitos, tais concepções positivistas de defesa social foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940, acolhendo a fórmula das medidas de segurança destinadas a proteger a sociedade contra a periculosidade criminal. É a periculosidade, diretriz fundamental da Escola Positiva, seu conceito surge pela primeira vez na “temibilità” de Garofalo, definiu-a este como "a perversidade constante e ativa do delinquente e a quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo delinquente".69 O Código Penal de 1940 constrói seu sistema dentro do dualismo culpabilidade e periculosidade criminal, pena e medida de segurança. Entretanto, como observa Roberto Lyra, "a periculosidade, inclusive presumida, condiciona não só a medida de segurança, como a aplicação da pena, e governa os instrumentos de política criminal". 70 CONSIDERAÇÕES FINAIS As escolas penais foram correntes filosófico-jurídicas que buscaram firmar teses sobre o crime e a figura do deliquente. A Escola Clássica, de inspiração Iluminista, visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbítrio do Estado. A Escola Positivista encarou o crime sob a ótica sociológica e o criminoso tornou- se alvo de investigações biopsicológicas com fundamentos que não resistem a uma análise mais minuciosa e negam o livre-arbítrio, base da responsabilidade inalienável que cabe ao homem por seus atos. Ressaltamos que a Escola Positiva, não obstante a contestação de seus representantes foi um reflexo no campo penal, do pensamento positivista de Comte, Darwin e Spencer. A Escola Crítica (também denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna Alemã buscaram a moderação como meio para avançar nos estudos do crime e do criminoso, levando em conta as duas correntesanteriores. O Papel da Criminologia na Definição do Delito Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a análise do fenômeno delitivo é o primeiro e fundamental passo em direção à sua conceituação. A compreensão do crime como fato social engloba a visão de que tanto o delito, quanto o delinquente são produtos da sociedade. Mais do que isso, conforme será visto no presente trabalho, o delito como fato social é responsável pela construção de um ciclo, qual seja: a socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes; escolhe, dessa for- ma, aqueles que serão vistos como delinquentes; e a prática das referidas condutas tipificadas se voltará contra a própria comunidade responsável pela criação de todas estas figuras envolvidas. A sociedade dos dias de hoje é tida como uma sociedade de riscos, e não é à toa. A criminalidade produz uma sensação de medo que atinge o individual e o coletivo de uma comunidade. Com isso, não apenas os indivíduos vivem suas vidas com uma constante sensação de insegurança, mas – principalmente – a ideia de sociedade de riscos é responsável pela adoção de diversas atitudes por meio do poder estatal. De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsável pela implementação das referidas medidas, a criminologia se dispõe a en- tender o fenômeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele. Assim, a partir da construção de um conceito do que seja crime pelos criminólogos, estará essa ciência auxiliando a política criminal na importante e complicada tarefa de elencar as medidas penais necessárias para cada sociedade em seu tempo. Em constante contato com a dogmática penal e com a política crimi- nal, a criminologia se faz cada vez mais necessária para uma real compre- ensão acerca do fenômeno delitivo. A utilização de seu método cientifico e de sua observação empírica dos fatos levará a resultados considerados válidos e extremamente eficientes no combate aos altos índices de crimi- nalidade, visando a controlá-los – tendo em vista a utopia na pretensão de extinguir por completo a prática delitiva em uma sociedade. NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIÊNCIA O ponto de partida reside na compreensão do que seja crimino- logia, bem como na análise da sua natureza como ciência. Ciência, de acordo com uma das definições do dicionário MICHAELIS, é um ramo de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observação e classificação de fatos atinentes a determinado grupo de fenômenos, e for- mulação das leis que os regem. Entender a criminologia como uma ciência é o primeiro passo em direção à sua definição como ciência penal, capaz de construir uma definição satisfatória do delito. De acordo com o valioso ensinamento do professor SÉRGIO SALO- MÃO SHECAIRA, “qualquer observação conceitual sobre a criminologia esbarra nas diferentes perspectivas existentes nas ciências humanas”. Dessa forma, é preciso ter em mente que a definição que se apresente acerca da criminologia será intimamente relacionada com a ótica sob a qual ela está sendo observada. Ao mesmo tempo, deve haver uma ideia comum acerca das ciências criminológicas, a partir da qual positivistas, críticos e radicais construirão seus próprios conceitos. Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus tempos e locais de realização. Logo, uma discussão acerca da crimi- nologia implica na realização de uma breve análise histórica. A história da criminologia, cujo aparecimento remonta há cerca de um século, é a his- tória de uma época de continua sucessão, alternância ou confluência de métodos e técnicas de investigação – isto é, uma época em que surgiram diversas escolas criminológicas, as quais identificavam seus problemas com as concretas questões e métodos que selecionaram. A partir dos anos 30 do século XX, a criminologia contemporânea se propôs a enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era constituída. Para tanto, pretendia individualizar as causas e os sinais antropológicos da referida criminalidade, de forma a observar os indivíduos que eram assinalados dentro de instituições como o cárcere e os manicômios judiciários. O conceito jurídico de delito não é o objeto do discurso autônomo da criminologia, e sim o homem delinquente. Este, por sua vez, é conside- rado um indivíduo diferente e, como tal, clinicamente observável. Em ou- tras palavras, a criminologia surgiu com a função de tentar compreender os fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batê- los por meio de práticas que tendem a modificar o delinquente. Dessa forma, a criminologia trata da criminalidade como algo que é produto da sociedade. Mais do que isso, o crime vem a atingir a própria sociedade da qual é fruto. Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer época em todas as comunidades de que se tem noticia. Valen- do-se do conhecimento acerca dessa inevitável relação entre o delito e o corpo social, os criminólogos buscam entender a fundo como ela pode ser controlada, ou mesmo interrompida. Neste momento, vale apresentar um viés da criminologia, denomi- nado criminologia da reação social. Segundo esse posicionamento, a audi- ência social atua mediante três diferentes processos de criminalização.6 Estuda-se, em primeiro lugar, a maneira com a qual a reação social se manifesta ao criminalizar condutas antes lícitas, mediante a criação de normas penais. Em segundo lugar, de que forma esta reação se torna uma variável que interfere na criminalidade de indivíduos. E, em terceiro lugar, como esta mesma reação contribui para a criminalização do comporta- mento desviante e para a consequente perpetuação do papel delitivo. Com relação a esse tema, vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res com os dados utilizados pela ciência criminológica. Entre eles, desta- ca-se a opinião de NILS CHRISTIE, para quem o crime é produto de pro- cessos culturais, sociais e mentais. Segundo o autor, condutas passíveis de criminalização são como recursos naturais ilimitados, estando o crime em permanente oferta. A partir desse raciocínio, a conclusão do autor confirma a ideia de ciclo da criminalidade anteriormente referida. Segundo afirma, a socieda- de dos dias de hoje foi construída de forma com que o interesse de muitos permita a facilidade em definir condutas indesejáveis como crime (em vez de simplesmente taxá-las como más, insanas ou excêntricas). Concomi- tantemente, nessa mesma sociedade é permanentemente encorajada a prática de condutas indesejáveis, enquanto são reduzidas as possibilida- des de controle informal da criminalidade. Nesse sentido, BARATTA ressalta o critério utilizado para que se realize a distinção entre um comportamento dito conforme a lei e o com- portamento desviado. Para o autor, tal diferenciação irá depender muito mais da definição legal – a qual elenca quais são os comportamentos cri- minosos e quais são os comportamentos lícitos – do que de uma atitude interior intrinsecamente boa ou má, isto é, valorada positiva ou negativa- mente pelos indivíduos. Isso confirma a ideia apresentada no parágrafo anterior: não há meio-termo entre condutas tipicas e atipicas; não há va- loração de práticas como meramente positivas ou negativas. A principal atividade da criminologia é estudar as causas do deli- to. Existem diversas teorias criminológicas que tentam explicá-lo, motivo pelo qual existem autores que ousam afirmar que essa função está em crise, ou mesmo que teria sido abandonada. No entanto, na análise do fe- nômeno delitivo sob uma perspectiva social, parece pouco provável (além de demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas razões que o ocasionam. A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possíveis respostas preventivas para o delito,de forma a controlá-lo. Com relação a esse ponto, insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementação de medidas para prevenção e controle do delito é a Política Criminal. Não se trata de uma parte da criminologia, e sim de uma ciência autônoma que conta com o auxílio das teorias criminológicas e dos fatos empíricos bem conhecidos sobre o crime, para que possa emitir a decisão final sobre se determinada medida deverá ser adotada. Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia são complementadas uma pela outra. Isto porque, conforme leciona SER- RANO MAÍLLO10, “será dificil melhorar a prevenção e o controle do delito se antes não conhecermos algo sobre suas causas”. Portanto, não é possí- vel tratar da atividade criminológica de forma fragmentada, pois o estudo do fenômeno delitivo é algo que demanda uma unidade de atenção volta- da à observação dos fatos que a ele dizem respeito. O estudo cientifico do delito abarca também a análise de quantos delitos são cometidos em determinada localização durante certo período de tempo, bem como quais são as tendências das taxas de criminalidade ao longo do tempo. Por fim, com relação à atividade da criminologia, esta se ocupa de entender por que as leis são elaboradas – mais especifica- mente, as leis penais. A natureza da criminologia como ciência tem fundamento em di- versas razões. Em primeiro lugar, não se pode afirmar que a criminologia seja meramente uma disciplina. KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo qual se pode realizar tal conclusão. O filósofo afirma que disciplinas nada mais são do que aglomerados de teorias e de técnicas de prova, que tendem a solucionar os problemas. Estes, por sua vez, são encontrados sempre que se realize uma investiga- ção. Problemas surgem dentro de uma teoria, a qual, por sua vez, é uma dentre as muitas teorias que constituem uma disciplina. CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con- junto desordenado de distintas teorias, as quais se encontram em conflito entre si e não podem ser consideradas como unitárias. Ao contrário, as teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali- dade ou totalidade, justamente por serem sempre formais. Não sendo mera disciplina, a criminologia se enquadra na categoria de ciência. Além dos seus métodos de análise – os quais em breve serão explicados –, o estudo do fenômeno delitivo passa também pela conside- ração do papel dos determinantes fortuitos. Isso porque os antecedentes que produzem o delito não consistem apenas naquilo que os indivíduos fazem, mas também naquilo que é feito a eles por outros. Em outras palavras, o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma força impulsora ou de forma a conspirar contra. Com isso, o delinquen- te deve estar sempre consciente do papel daquilo que há de acidental em suas condutas. Naturalmente, tais antecedentes não são de forma alguma a única causa da prática do crime, mas complicações acidentais serão de funda- mental importância para o destino da carreira criminal de um indivíduo. O azar em muitas formas segue regendo o agir humano, e isso deve sempre ser levado em consideração nos estudos criminológicos. No entanto, por óbvio, o estudo do delito pela criminologia não poderia se pautar apenas na consideração dos desenvolvimentos acidentais ocorri- dos ao longo da vida do delinquente. É preciso realizar uma análise con- creta acerca das razões das referidas práticas, bem como das possíveis respostas mais adequadas a estas. A criminologia aspira a aplicar o método cientifico no estudo do delito16, motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciência. Como ciência, visa a descrever e explicar a realidade, atribuindo, para tanto, de- cisiva importância à análise empírica: observação dos fatos, experimenta- ção e experiência real. Ainda, conforme já fora anteriormente mencionado, a resposta al- cançada pela criminologia dependerá da ótica pela qual se optará. Dessa forma, para a criminologia, é imprescindível o estudo das diversas teorias que tratam de explicar o fenômeno criminoso. AUGUSTO THOMPSON cor- robora com essa afirmativa, ao lecionar: Praticamente, cada criminólogo que se preza adota posição pessoal no que concerne ao ponto. O fato indiscutivel é ine- xistir a mais longínqua ou remota esperança de consenso a respeito da questão. Diante disso, a criminologia inevitavelmente irá se converter em um campo formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela relacionadas. Cada uma dessas seguirá seus próprios critérios, estabele- cendo suas próprias premissas e axiomas. A compreensão de tais teorias permite obter respostas às perguntas formuladas com relação ao delito, auxiliando a definição da criminologia como ciência. O método empírico a que se fez referência, utilizado para o estudo do crime, também é objeto de críticas. A fundamental delas diz respeito ao fato de que o sucesso desta técnica depende diretamente da neutrali- dade e do desinteresse por parte do sujeito que realiza a análise em ques- tão. O conhecimento obtido somente poderá ser sistematizado a partir da pureza dos dados recolhidos. Então, constrói-se a seguinte questão: como seria possível a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo é também par- te do objeto investigado? Apontada a referida crítica, é preciso ressaltar que ela corresponde à opinião minoritária dos estudiosos. Majoritariamente, entende-se que a criminologia tem natureza de ciência, utilizando-se, portanto, do método cientifico de estudo. Por certo, é preciso que se conte com o maior rigor de imparcialidade possível, tendo sempre em mente que a imparcialidade completa do investigador é uma utopia. O filósofo Popper é novamente citado na obra de Serrano Maíllo, para explicar que será cientifica toda hipótese que puder ser negada me diante fatos observáveis. Diante disso, tem-se que o método cientifico empregado pela criminologia aspira à construção de teorias, das quais deverão derivar hipóteses que serão, por fim, submetidas à refutação. A tarefa para quem trabalha com criminologia é, definitivamente, descobrir a maior quantidade possível de erros nas teorias para encontrar sempre uma teoria melhor. Uma vez que supera com êxito os critérios de refutação, levadas em consideração as demais qualidades já elencadas, resta clara a natureza da criminologia como ciência. Sendo uma ciência voltada ao estudo do crime, serão os avanços criminológicos de grande utilidade para a construção de um conceito de delito. Mais do que uma ciência, a criminologia é ciência autônoma e inde- pendente, não sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes- mo da política criminal. Para que realizem de forma plena seus estudos, busca ser, na medida do possível, livre de valorações por parte de qual- quer dos criminólogos envolvidos em sua pesquisa. Dessa forma, procura essta ciência alcançar maior pureza nas informações colhidas, bem como objetividade, realismo e constante progresso. CRIMINOLOGIA E DOGMÁTICA JURÍDICO-PENAL Neste momento, urge fazer a seguinte ressalva: também o direito penal estuda o crime, o criminoso e, em sua essência, a criminalidade. Da mesma forma, a política criminal não prescinde de indagar quanto ao estudo desses três objetos. Diante dessa constatação, é possível que surja o seguinte questionamento: seriam, então, a mesma coisa a criminologia,o direito penal e a política criminal? Parece evidente que não, embora não pareça justificável apartá- las radicalmente em nome da autonomia cientifica. Dentre as inúmeras diferenças que possuem entre si tais esferas de estudo do fenômeno cri- minal, SHECAIRA optou por apontar uma em especial: “... a criminologia, além de requerer consideráveis esforços, exige profundos conhecimentos psicológicose sociológicos, por ser uma disciplina que trabalha com métodos diferentes daqueles normalmente utilizados na esfera jurídico-penal”. Apesar das diferenças, existem pontos de semelhança entre estas três distintas esferas que tornam imprescindível o exame do direito penal e da política criminal para que se realize o estudo da criminologia. Isso porque tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas, depen- dendo mutuamente umas das outras para se fazerem compreender, uma vez que “não existe problema jurídico-dogmático que não requeira um conhecimento de suas bases criminológicas”. O objeto do presente trabalho é a criminologia, e, embora guarde inevitável relação com o direito penal e com a política criminal, não serão essas duas disciplinas analisadas com especial atenção neste estudo. A criminologia, de acordo com a clássica concepção de Sutherland, é o “con- junto de conhecimentos sobre o delito como fenômeno social. Inclui em seu âmbito os processos de elaboração das leis, de infração das leis e de reação à infração das leis.” A tendência no sentido da integração entre a dogmática penal e discipli- nas antropológicas e sociológicas – como é o caso da criminologia – fará com que sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciência. Espe- cificamente com relação à formulação de um conceito de delito, este será mais completo quanto maior a ciência se utilizar do auxílio das demais disciplinas. Importante ressaltar que isso não significa que o direito penal ou a política criminal sejam meramente auxiliares da criminologia. Assim como o inverso não é verdadeiro, é preciso ter em mente que se está diante de três esferas autônomas e independentes umas das outras, que contam com seus respectivos resultados e conceitos para alcançarem suas pró- prias realizações, distintamente. Por meio dessa integração entre a ciência da criminologia e as dis- ciplinas penais, a criminologia enriquece seu campo de estudo, de forma a obter resultados mais completos para seus questionamentos. Desta for- ma, com relação ao estudo do delinquente, a criminologia irá buscar nos sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variáveis (excluindo- se o processo de criminalização por si só) que possam vir a explicar sua diver- sidade com relação aos demais sujeitos, ditos “normais”. Ainda sobre o estudo do delinquente, foi necessário que a crimi- nologia partisse de definições prévias e, de certa forma, até óbvias. Em primeiro lugar, “criminoso é um homem, e homem é algo concreto, real, fático, existente no mundo”. Entendendo-se o crime como um mal – assim como a doença é um mal no corpo do paciente de um médico – analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por meio do corpo dos seus portadores: os delinquentes. Resta mostrada a importância da supramencionada colaboração das disciplinas penais para os estudos criminológicos. Do mesmo modo, a criminologia liberal contemporânea toma por empréstimo do direito penal suas definições do que venha a ser compor- tamento criminoso, estudando tal comportamento como se fosse uma qualidade criminal objetiva. Partindo dessa premissa, este viés da crimi- nologia realiza a análise das normas e valores transgredidos pelos indiví- duos, ou desviados por estes. Sendo a ordem legal uma construção incontestável, não pode ela ser deixada de lado na análise do crime e de seus fatores pela criminolo- gia. A proposta da ciência deve ser uma análise não valorada – na medida do possível – de tudo aquilo que envolve a prática de uma conduta tipica. Para tanto, naturalmente não poderá abster-se do estudo da lei positiva, a qual é objeto e ferramenta também de outras disciplinas. Para que seja realizada a distinção entre as diferentes esferas pe- nais, é preciso ter em mente qual é a finalidade do estudo de cada uma de- las. Nem sempre esta tarefa será de pacífico entendimento. Não somente porque são muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem alcançados pelas ciências penais, como também pelo simples fato de que já se tem como saber que em muitos casos tais fins não mais lograrão sucesso. É o que ocorre com a política criminal, e mesmo com o próprio direito penal. Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de tratamento ressocializador, com vistas à reabilitação do delin- quente, parece óbvio concluir que tal finalidade já se encontra fracassada em nosso país. Com a criminologia, não é diferente: para que se analise a integração desta ciência com as supramencionadas disciplinas – em especial, com a dogmática jurídico-penal – é preciso partir da compreensão da finalidade dos estudos criminológicos. Conforme já fora anteriormente explicitado, a finalidade da crimi- nologia é o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como fenômeno social. O direito penal, por sua vez, também possui suas finalidades próprias e específicas do seu campo de saber, que fazem com que seja um campo conexo com a criminologia, enquanto ambos possuem autonomia e independência. Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando, insta salientar que este ramo do Direito é, em boa parte, vol- tado a funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as menos favorecidas. Diante desta informação, tem-se que teo- rias relativas, absolutas ou agnósticas resultarão nesta afirmativa de que o Direito não é mais visto como um instrumento relativamente pacífico. Ao contrário, corresponde a um conflito real e constante entre interesses diversos de classes distintas. Dessa forma, “o trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo do próprio Direito e de sua produção” (grifo do autor). Por meio da análise das especificidades acerca da dogmática jurídico-penal e mes- mo do direito penal como um todo, será possível que a criminologia alcance os resultados para seus estudos acerca do delito e do delinquente. As informações obtidas com o auxílio das demais disciplinas serão acrescidas dos resultados conquistados pelo método empírico dos criminólogos, en- riquecendo a ambos os campos do conhecimento. A comunicação entre os diversos estudiosos da lei penal importa também para fins de discordarem uns dos outros. Tido por muitos como o princípio de maior importância de todo o ordenamento jurídico – e, portanto, do direito penal –, a ideia de igualdade é convenientemente refutada por uma teoria da criminologia: a teoria do etiquetamento ou da reação social (labelling approach). De acordo com essa teoria, é errôneo o enunciado do princípio da igualdade, segundo o qual o direito penal é igual para todos. Isso porque o desvio e a criminalidade são qualidades atribuídas a determinados sujei- tos, selecionados formal ou informalmente. Dessa forma, afirmam os crimi- nólogos que o fenômeno da criminalidade não pode ser estudado sem que se leve em consideração tais processos de seleção dos indivíduos desviados. Da mesma forma, também as finalidades das distintas esferas do saber criminal são questionadas entre si. O princípio do fim e da preven- ção afirma que a pena não tem unicamente o objetivo de retribuir a prá- tica do delito, mas também visa a preveni-lo. No entanto, essa ideia é questionada pela criminologia. A ciência se utiliza dos resultados de inúmeras pesquisas sobre a efetividade do direito penal e de suas consequências jurídicas. A partir des- sa análise, conclui ser uma ilusão o fim preventivo e retributivo do direito penal, a que faz referência o supramencionado princípio. A criminologia se justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocialização do delin- quente uma função efetiva do cárcere, sendo impossível considerá-la como um fim que possa ser alcançado pela pena de privação da liberdade. Esses foramalguns dos exemplos elencados para demonstrar que o confronto entre as ideias da criminologia e da dogmática jurídico-penal nem sempre é algo negativo. Pelo contrário, na maioria das vezes será algo construtivo para uma maior eficácia das medidas que serão adotadas – pelo campo da política criminal – para que se vise a solucionar ao máxi- mo o problema da criminalidade. Além do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicáveis a cada sociedade de modo a enfrentar a prática delitiva – objetos do saber do direito penal e da política criminal –, é imprescindível que se faça uso dos resultados obtidos pela criminologia. Um valor importante dessa ci- ência em face de outras reside em seu conhecimento acerca do sistema penal. Dessa forma, um estudo do delito e das formas de controlá-lo precisa contar com uma análise acerca da definição dos problemas sociais e da ampliação destes na esfera jurídico-penal. A integração entre o saber da dogmática jurídico-penal e a ciên- cia criminológica tem relevância também no que diz respeito ao auxílio na evolução de tais esferas de conhecimento. Naturalmente, existe quem pense que a dogmática encontra-se estagnada, ancorada, sem qualquer possibilidade de evolução. Para os teóricos do Direito que se filiam a essa opinião, a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- cançado sua perfeição. Por óbvio, não é o que ocorre. No atual contexto da sociedade brasilei- ra, o ordenamento jurídico-penal ainda necessita de melhorias teóricas e práti- cas. O direito penal já atingiu um limite muito além do que outrora se esperou desse ramo do Direito, e, com o auxílio dos demais campos do saber – em especial, a criminologia – possui ainda muitas possibilidades de evolução. Hoje em dia, é majoritário o entendimento de que o Direito deve sempre se dispor a evoluir, não podendo o penalista se acomodar aos limites da interpretação da lei positiva. Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente, tentando buscar a verdade do contexto jurídico em que está inserido, de forma a alcançar uma segurança jurídica cada vez maior.39 O jurista deve dispor do auxílio das diversas ciências penais, vez que não pode se conformar em realizar uma valoração do direito positivo. Conforme já fora ressaltado anteriormente, não pode haver qual- quer tipo de confusão entre o direito penal e a criminologia. Trata-se de duas esferas de conhecimento acerca das ciências penais que possuem pontos de convergência e pontos extremamente distintos. Logo, é preciso esclarecer que não apenas são a dogmática e a criminologia autônomas e independentes entre si, como são disciplinas diversas uma da outra em muitos aspectos. O principal diferenciador entre a dogmática jurídico-penal e a cri- minologia é o objeto de cada uma delas. O passar dos anos e a evolução da história são responsáveis por mudanças ocorridas nos objetos de investiga- ção de cada uma das referidas disciplinas. Ressalte-se, mais uma vez, que ja- mais se pode deixar de ter em mente o papel do contexto histórico e social para a compreensão do estudo do fenômeno delitivo como fato social. Dessa forma, conforme leciona ALESSANDRO BARATTA, acerca do objeto das referidas esferas de conhecimento: “Hoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigação das instâncias oficiais e dos mecanismos oficiais e não oficiais que constituem a realidade total do sistema penal. Pois bem. A dogmática penal é também parte desse sistema, é um elemento do mesmo. (...) No caso da dogmática, a legislação penal é seu objeto fundamental.” Existe, portanto, um nível distinto de abstração e de autonomia de am- bas as disciplinas com relação ao seu objeto. As semelhanças, porém, permi- tem que tais objetos se auxiliem e se complementem, enriquecendo os resul- tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcançados pela outra. Importante ressaltar que tanto a dogmática, quanto a criminologia, também são alicerces para o eficaz funcionamento da política criminal. É certo que ainda não se pode contar com um conceito claro e definido do que seja política criminal, ou mesmo do que possa ser inserido em seu conteúdo de estudo. Entretanto, é possível apreciar como as concepções mais amplas acerca da política criminal tratam-na de forma mais além daquilo que meramente consta nos códigos penais. Entende-se que a política criminal deve alcançar até mesmo uma análise do que trata o processo penal e a execução das penas. Resta clara a existência e inegável importância da integração mútua entre dogmática jurídico-penal e a ciência da criminologia. Conservando- se a autonomia cientifica de cada uma, tal integração deve ser incentiva- da, de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formação de um entendimento global acerca da delinquência e dos demais problemas da sociedade atual, acompanhando suas constantes transformações. O PROBLEMA DA DEFINIÇÃO DE DELITO O ordenamento jurídico brasileiro adota o sistema bipartido para definição de infração penal. A partir do Código Criminal do Império, as terminologias crime e delito são tratadas como sinônimos. Tais expres- sões se diferenciam da outra espécie de infração penal existente no or- denamento pátrio – as contravenções – uma vez que estas últimas são infrações de menor gravidade. Ainda de acordo com a atual legislação penal brasileira, a Lei de Introdução ao Código Penal traz a definição legal do que seja crime ou delito, diferenciando-o da contravenção penal. Em seu artigo 1º, lê-se: Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de re- clusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infra- ção penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão sim- ples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. Em outras palavras, no que tange à definição legal de delito, o Brasil historicamente optou pela adoção do chamado critério dicotômico. No entanto, uma análise mais aprofundada acerca do fenômeno delitivo não deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva. Dotada de tal conhecimento, a criminologia deve partir para a construção de um concei- to cientifico do que seja crime. A sociedade atual é caracterizada por ser uma sociedade de riscos. Em outras palavras, uma sociedade que já não se orienta por ideais posi- tivos e solidários, e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados. Diante disso, torna-se imprescindível uma busca pela justiça por meio de ações estatais, o que propicie a propagação de uma sensação de segurança entre os indivíduos. Em uma sociedade de riscos, é cada vez mais visível a admissão dos problemas por parte da população. A produção de toda forma de so- frimento e opressão pode ser observada e confirmada até mesmo por aqueles que negavam tais fatos. Com isso, o Direito deve ajustar-se às necessidades de seu povo, se forma a atingir a finalidade a que se propõe a atividade estatal, qual seja, atender às demandas sociais. A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este cunho assecuratório da população é a construção de uma premis- sa que deverá servir de ponto de partida em tal empreitada: a completa compreensão de tudo que envolva a criminalidade. Por meio de uma defi- nição do que seja o crime, será possível tratá-lo como fato social e, a partir de então, realizar um estudo sobre suas causas e as possíveis respostas que lhes deverão ser aplicadas. A definição sociológica de criminalidade partirá, portanto, daqui- lo que a lei penal positiva define como delito. Junto a isso, englobará também a análise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem certa conduta como criminosa. A explicação de tudo que en- volve o delito e sua natureza dependerá de comoele é definido em seu momento de observação. Nesse sentido, SERRANO MAÍLLO relembra que a “autonomia e in- dependência da Criminologia se justificam, entre outras razões, porque estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de vista”. Significa dizer que deverá ser enquadrado no conceito de delito também o exame da reação social diante do comportamento que é enten- dido como desviante. Essa reação social será observada levando-se sempre em considera- ção o contexto – histórico e cultural – no qual aquele ato é definido social- mente como delitivo. Isso porque a sociedade não representa meramente uma soma de indivíduos: “o sistema formado pela sua associação repre- senta uma realidade específica que tem suas próprias características”. Terá relevância, portanto, o fato criminoso, apenas quando este atingir a consciência coletiva de determinada sociedade. O papel da criminologia na definição de delito é demasiadamente importante diante desta atual condição da sociedade. Sendo uma ci- ência empírica e disciplinar, conforme fora explicado anteriormente, a criminologia visa a apresentar uma informação válida e confiável sobre tudo o que diz respeito ao seu objeto: o delito. Dessa forma, apresen- tará resultados que explicarão o surgimento, a dinâmica e as variáveis do crime, encarado pelos criminólogos tanto como fato social, quanto como problema individual de todos. A criminalidade é inerente à existência de qualquer sociedade. É utópica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual não haja o co- metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu- lação. Igualmente absurdo tentar imaginar a hipótese de todos os crimes serem solucionados, pois, para tanto, seria preciso que todos os crimes fossem conhecidos – e, portanto, se estaria abrindo mão de toda a priva- cidade dos indivíduos que vivem em um grupo. A premissa da inevitabilidade da ocorrência de crimes correspon- de ao princípio da normalidade do delito. Trata-se, portanto, da ideia de que em todas as sociedades haverá a prática de condutas entendidas como desviadas – e, assim, tipificadas como crimes. A investigação em- pírica realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos que foram por ela estudados. Uma vez firmado o referido raciocínio, as medidas implementadas pela política criminal, valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos da dogmática jurídico-penal e da criminologia, não tem o condão de eliminar por completo os índices de criminalidade do local onde serão aplicadas. Uma vez que tal objetivo é inatingível, é preciso agir de forma a normalizar tais cifras. SHECAIRA sintetiza tal premissa, ao lecionar que “O anormal não é a existência do delito, senão um súbito incremento ou decréscimo dos números médios ou das taxas de criminalidade”. Neste momento, um adendo precisa ser feito. Parte importante da doutrina penal brasileira é manifestamente contrária à utilização da ter- minologia “criminalidade” para que se faça referência aos números relati- vos a práticas delitivas. O Professor NILO BATISTA é categórico ao afirmar que a ideia de criminalidade na verdade não existe. A justificativa para tanto, nos valiosos ensinamentos do Professor, reside no fato de que qualquer taxa de criminalidade é falha. Isso porque, em primeiro lugar, deve-se sempre ter em mente a existência das chama- das cifras negras – ou seja, existem delitos que são cometidos sem que se tenha conhecimento, resultando, portanto, em uma inexatidão das re- feridas taxas de criminalidade. Em segundo lugar, porque tais índices são levantados por pessoas, resultando sempre falhos em razão da inevitável possibilidade de falha humana. Feita a ressalva, insta salientar que o presente trabalho tem ciência da falibilidade do que se entende por criminalidade. O termo é empregado para que se faça entender a ideia acerca do índice de práticas delitivas ocorridas em determinado local, sem que se tenha a pretensão de alcançar exatidão. A definição do que seja delito representa não apenas um problema para a criminologia, mas sim talvez o maior de seus problemas. Ao mes mo tempo, as consequências de se alcançar uma conclusão a respeito da referida conceituação são de fundamental importância para a realização dos estudos criminológicos e para as consequentes conclusões obtidas pela dogmática jurídico-penal e pela política criminal (para futura decisão acerca das medidas a serem implementadas). SERRANO MAÍLLO apresenta as concepções de delito de acordo com uma ótica legal ou uma ótica natural. Segundo o autor, a concepção legal de delito refere-se à ideia de que o limite do objeto de estudo da cri- minologia é o Código Penal e as leis penais especiais. A concepção natural, por sua vez, propõe a definição de crime como todo ato de força fisica ou fraude que é realizado pelo indivíduo em busca de beneficio próprio. Ambos os entendimentos mencionados acima são objeto de críticas.56 A concepção legal de delito é refutada principalmente pelo argumento de que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo. Além disso, alega-se que as leis penais são demasiadamente vagas e imprecisas, além de serem facilmente mutáveis, bem como que tais leis podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais dominantes. A concepção natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a necessidade de que a ciência da criminologia defina por si mesma seu próprio objeto de estudo. No entanto, também fora alvo de sérias crí- ticas, referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre- cisos para a compreensão do crime. Refutou-se também o fato de que tal concepção abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor- tam para o objeto da referida ciência, além do fato de que, de acordo com tal percepção, um crime não poderia ser cometido em beneficio alheio. Partindo da compreensão da criminologia como ciência autônoma e independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenômeno delitivo, resta clara a necessidade de uma definição criminológica do fato criminoso. Pois, por mais que conte com o auxílio de esferas do conhecimento como o Direito penal e a política criminal, o estudo das leis positivas e das medi- das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciência, que dev dotando-se dos seus métodos de estudo e de seus próprios resultados obtidos – construir seu próprio conceito acerca do fato criminoso. Dessa forma, dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em mente o contexto histórico, cultural e social no qual se está inserido,a criminologia construiu sua definição de delito, a qual é limitada à função etiológica (causal) própria da sua maneira de explicar. Trata-se do seguinte enunciado: “delito é toda infração de normas sociais consagradas nas leis pe- nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descoberta”. NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA Conceito CRIMINOLOGIA é o conjunto de conhecimentos que estudam as causas (fatores determinantes) da criminalidade, bem como a personalidade, a conduta do delinquente e a maneira de ressocializá-lo1. Histórico As idéias da Criminologia são antigas e remontam desde a antiguidade, senão vejamos: https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote1sym#sdfootnote1sym Sócrates certa vez professou: “ se devia ensinar aos indivíduos que se tornavam criminosos como não reincidirem no crime dando a eles a instrução e a formação de caráter de que precisavam”.2 Platão disse:”...a falta de educação dos cidadãos e má organização do Estado são causas geradoras do crime”3 Em 1875, a criminologia, que não tinha ainda tal nomenclatura, nasce com omédico psiquiatra Cesare Lombroso, que estudou o vínculo “das características físicas do indivíduo com o delito4”. O estudioso é considerado o genitor da Criminologia.. Para o médico italiano, o indivíduo nasceria com predisposição para a prática de infrações penais, sendo que tal predisposição é delineada pelas suas características físicas. Enrico Ferri, aluno de Lombroso, passa a sustentar que “ o criminoso nato carecia de certos fatores físico ambientais para desenvolver sua potencialidade criminal5”. Em 1894, Rafael Garofalo, utiliza pela primeira vez o termo Criminologia. O estudioso definiu delito como “Ofensa aos sentimentos altruístas fundamentais de piedade e probidade, na medida média em que os possua um determinado grupo social6”. Frederico Oliveira nos ensina que a fase eclética da Criminologia ou de Política Criminal nasce em 1905, com “a criação de institutos de Criminologia e de gabinetes penitenciários de Antropologia e ainda a formação de organismos internacionais que permitem a reunião dos mais famosos tratadistas para discutir, em congressos, seus pontos de vista7.” Ainda citando o festejado autor:” A diferença entre Criminologia e Política Criminal repousa no fato de que esta é ramo do Direito Penal e não estuda o delinquente, eis que tal estudo é objeto da Criminologia.” Para finalizar: a Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente, procurando a maneira de readaptá-lo, enquanto a Política Criminal é ramo do Direito Penal e como tal busca a aplicação, pelo Estado, das medidas necessárias à repressão e prevenção da criminalidade.8 Objeto da Criminologia Segundo o Prof. Frederico Oliveira os objetos da criminologia são o: https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote2sym#sdfootnote2sym https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote3sym#sdfootnote3sym https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote4sym#sdfootnote4sym https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote5sym#sdfootnote5sym https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote6sym#sdfootnote6sym https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote7sym#sdfootnote7sym https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote8sym#sdfootnote8sym “a) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente) básicos da criminalidade mediante investigação empírica. (Hurwitz). b) estudo dos fatores básicos e do fenômeno natural da luta contra o crime: tratamento e profilaxia”.9 Métodos O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidável os métodos empregados pela Criminologia: “No que concerne ao método da Criminologia cabe considerar, objetivamente, que a Criminologia, como ciência nova, constrói seus métodos das ciências naturais ou sociais (...) Os métodos de análise utilizados pela Criminologia são: a) relativamente aos fatores sociais, os da sociologia; b) no concernente aos fatores individuais, os da Psicologia Social, do Exame Médico, do Exame Psiquiátrico e do Exame Psicológico.(...) Os métodos de síntese compreenderiam o estudo das constelações de fatores criminais, a verificação das hipóteses formuladas como resultado desse estudo, a pesquisa do comportamentos pós-pena e o emprego das tábuas de prognóstico”10. Finalidade da Criminologia É de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu conceito. O nobre colega Marcelo Sales França no trabalho “Personalidades psicopáticas e delinquentes: semelhanças e dessemelhanças “nos ensina: “De forma direta e precisa, Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar para a orientação tanto da Política Criminal – prevenindo diretamente os delitos mais relevantes para a sociedade – como da Política Social – prevenindo genérica e indiretamente os delitos, ou mesmo ações e omissões atípicas, e intervindo quando de suas manifestações e efeitos na sociedade. Um pouco mais exigente, participante da denominada Criminologia Crítica, Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve, mais do que ter consciência das condições criminológicas atuais, aplicar concretamente os seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos, https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote9sym#sdfootnote9sym https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote10sym#sdfootnote10sym uma vez que a Criminologia Tradicional não fez outra coisa senão endossar, legitimar e manter o status quo.11” Criminologia e outras disciplinas Sociologia Criminal Surge com Enrico Ferri, seu criador e para o estudioso três seriam as causas dos crimes: a) biológicas (genética);b) físicas (as condições climáticas) e c) sociais. Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira, o autor conceitua a sociologia criminal como sendo “a ciência que cogita do fenômeno social da criminalidade.12” Professor Frederico ainda leciona dizendo que a “Sociologia criminal torna o crime como um fato natural da vida em sociedade (...)” .13 “Hoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenômeno social, mas se sabe que é impossível a separação dos fatores exógenos daqueles de ordem individual”14 Psicologia Criminal A Psicologia Criminal propõe-se desvendar o caráter e as tendências do criminoso, indicando os rumos necessários à avaliação de sua periculosidade e estudando a incidência do fenomenologia psíquica da Criminalidade15. Psiquiatria Criminal A função da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a profilaxia é mais cabível à Psicologia16. Biologia Criminal A presente foi fundada por Cesare Lombroso. Também chamada de Antropologia Criminal, segundo Guaracy Moreira Filho, “é a ciência que estuda o homem delinquente, a sua constituição física, as causas que o levam a cometer crime”. “Hoje a Antropologia Criminal é o estudo integral da personalidade do delinquente, onde não só os fatores endógenos do delito, mas também os coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a ação criminosa devem ser focalizados e equacionados”17. A reação social à criminalidade e a prevenção do delito https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote11sym#sdfootnote11sym https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote12sym#sdfootnote12sym https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote13sym#sdfootnote13sym https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote14sym#sdfootnote14sym https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote15sym#sdfootnote15sym https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote16sym#sdfootnote16sym http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/188546065/constitui%C3%A7%C3%A3o-federal-constitui%C3%A7%C3%A3o-da-republica-federativa-do-brasil-1988 https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote17sym#sdfootnote17sym Acompanhado de Antônio García-Pablos de Molina, meu mestre Luiz Flávio Gomes nos ensina que: “A resposta tradicional ao problema da prevenção do delito é concretizada em dois modelos muito semelhantes: o clássico e o neoclássico. Coincidem ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter natureza "penal" (a ameaça do castigo); que o mecanismo dissuasório ou contramotivador expressa fielmente a essência da prevenção; e que o único destinatário dos programas dirigidos a tal fim é o infrator potencial. Prevenção equivale a dissuasão medianteo efeito inibitório da pena. As discrepâncias não são acentuadas. O modelo clássico polariza em torno da pena, do seu rigor ou severidade a suposta eficácia preventiva do mecanismo intimidatório. Compartilha, ademais, uma imagem estandardizada e quase linear do processo de motivação e deliberação. O denominado modelo neoclássico, por sua vez, no que pertine à efetividade do impacto dissuasório ou contramotivador, confia mais no funcionamento do sistema legal, tal como ele é percebido pelo infrator potencial, que na severidade abstrata das penas. O centro de atenção se desloca, portanto, da lei ao sistema legal, daspenas que o ordenamento contempla à sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e singular percepção do autor, cujo processo motivacional se torna mais complexo.(...) a) O modelo clássico De acordo com uma opinião muito generalizada, o Direito Penal simboliza a resposta primária e natural (por excelência) ao delito, a mais eficaz. A referida eficácia, ademais, depende fundamentalmente da capacidade dissuasória do castigo, isto é, da sua gravidade. Prevenção, dissuasão e intimidação, conforme tais idéias, são termos correlatos: o incremento da delinqüência explica-se pela debilidade da ameaça penal; o rigor da pena se traduz, necessariamente, no correlativo descenso da criminalidade. Pena e delito constituem os dois elementos de uma equação linear. Muitas políticas criminais do nosso tempo (leia-se: políticas penais), de fato, identificam-se com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito, e que trata de ocultar o fracasso da política preventiva (na realidade, repressiva) apelando em vão às "iras" da lei. O modelo tradicional de prevenção não convence de modo algum, por muitas razões. Antes de tudo, a suposta excelência do Direito Penal como instrumento preventivo - diante de outras possíveis estratégias - parece mais produto de prejuízos ou pretextos defensistas que de uma serena análise científica da realidade. Pois a capacidade preventiva de um determinado meio não depende de sua natureza (penal ou não penal), senão dos efeitos que ele produz. Convém recordar, a propósito, que a intervenção penal possui elevadíssimos custos sociais. E que sua suposta efetividade está longe de ser exemplar. A pena, na verdade, não dissuade: atemoriza, intimida. E reflete mais a impotência, o fracasso, a ausência de soluções que a convicção e energia imprescindíveis para abordar os problemas sociais. Nenhuma política criminal realista pode prescindir da pena; porém, tampouco cabe denegrir a política de prevenção, convertendo-a em mera política penal. Que um rigor desmedido, longe de reforçar os mecanismos inibitórios e de prevenir o delito, tem paradoxalmente efeitos criminógenos, é algo, de outro lado, sobre o que existe evidência empírica. Mais dureza, mais Direito Penal, não significa necessariamente menos crime. Do mesmo modo que o incremento da criminalidade não pode ser explicado como conseqüência exclusiva da debilidade das penas ou do fracasso do controle social. Não faltava razão, portanto, a Beccaria quando sustentava já em 1764 que o decisivo não é a gravidade das penas, senão a rapidez (imediatidade) com que são aplicadas; não o rigor ou a severidade do castigo, senão sua certeza ou infalibilidade: que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator potencial, dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente a pronta imposição do castigo. Que a pena não é um risco futuro e incerto, senão um mal próximo e certo, inexorável. Pois se as leis nascem para ser cumpridas, temos que concordar com o ilustre milanês que só a efetiva aplicação da pena confirma a seriedade de sua cominação legal. Que a pena que realmente intimida é a que se executa: e que se executa prontamente, de forma implacável, e ainda caberia acrescentar a que é percebida pela sociedade como justa e merecida18. b) O modelo neoclássico Para a denominada escola neoclássica (ou moderno classicismo), o efeito dissuasório preventivo aparece associado mais ao funcionamento https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote18sym#sdfootnote18sym (efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena. Seus teóricos, de fato, atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele, isto é, a seus baixos rendimentos. Melhorar a infra-estrutura e a dotação orçamentária do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estratégia para prevenir a criminalidade: mais e melhores policiais, mais e melhores juízes, mais e melhores prisões. Deste modo, os "custos" do delito se "encarecem" para o infrator, que desistirá de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de um sistema em perfeito estado de funcionamento. A sociedade, concluem os partidários deste enfoque neoclássico, tem o crime que quer ter, pois sempre poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele, incrementando progressivamente o rendimento do sistema legal, aperfeiçoando a sua estrutura material e dotação orçamentária, invertendo mais e mais recursos em suas necessidades (humanas e materiais); assim se poderia sempre esperar e conseguir, de forma sucessiva e ilimitada, mais êxitos e melhores resultados. Mas este modelo de prevenção tampouco é convincente. Para a prevenção do crime, a efetividade do sistema legal é, sem dúvida, relevante, sobretudo a curto prazo e com relação a certos setores da delinqüência (p. ex. ocasional). Porém, não cabe esperar muito dele. Porque o sistema legal deixa intactas as "causas" do crime e atua tarde demais (do ponto de vista etiológico), quando o conflito se manifesta (...). Sua capacidade preventiva (prevenção primária), em conseqüência, tem alguns limites estruturais insuperáveis. A médio ou longo prazo não resolve por si mesmo o problema criminal, cuja dinâmica deriva de outras razões. Em segundo lugar, e contrariamente ao que com freqüência se supõe, já não parece razoável atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o descenso de seus índices) à efetividade maior ou menor do sistema legal. Tampouco a fragilidade deste, sem mais, determina um ascenso correlativo da criminalidade (da criminalidade "real", naturalmente, não da "oficial" ou da "registrada"), nem uma melhora sensível de seu rendimento reduz na mesma proporção os índices de criminalidade. Não existe tal correlação, porque o problema é muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variáveis. Pela mesma razão, melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da prevenção do delito por meio do sistema legal, potencializando o rendimento e a efetividade dele, é uma pretensão pouco realista, condenada ao fracasso a médio prazo. De uma parte, porque não falta razão, provavelmente, àqueles que invertem a suposta relação de causa e efeito, afirmando que não é o fracasso do sistema legal (causa) que produz o incremento da delinqüência (efeito), senão este último (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do sistema legal. De outra parte, porque não podemos confundir a criminalidade "real" e a "registrada", supondo erroneamente que os números desta última constituem um indicador seguro da eficácia preventiva do sistema legal. Mais e melhores policiais, mais e melhores juízes, mais e melhores prisões, dizia a propósito um autor, significam mais infratores na prisão, mais condenados, porém não necessariamente menos delitos. Uma substancial melhora da efetividade do sistema legal incrementa, desde logo, o volume do crime registrado, se apuram mais crimes e se reduz a distância entre os números "oficiais" e os "reais" (cifra negra). Porém, nem por isso se evita mais crime, nem se produz ou gera menos delito em idêntica proporção: só se detecta mais crime. (...) É péssima a política criminal que esquece que aschaves de uma prevenção eficaz do delito residem não no fortalecimento do controle social "formal", senão numa melhor sincronização do controle social "formal" e do "informal", e na implicação ou compromisso ativo da comunidade. É imprescindível distinguir a "política criminal" da "política penal", se não se quer privar de conteúdo e autonomia o próprio conceito de "prevenção", que reclama uma certa política criminal (de base etiológica, positiva, assistencial, social e comunitária), não fórmulas repressivas ou intimidatórias, meramente sintomatológicas, policiais, que não cuidam das raízes do problema criminal e prescindem de toda análise científica do mesmo”(Grifei). As duas grandes etapas da criminologia A) ETAPA PRÉ-CIENTÍFICA A.1) FILÓSOFOS E PENSADORES – Aqui podemos citar Montesquieu, Voltaire, Rousseau e Marquês de Beccaria. A.2) FISIONOMISTAS – Vem de fisionomia. Os fisionomistas preocupam-se com o estudo da aparência externa do indivíduo, ressaltando a inter-relação entre o somático (corpo) e o psíquico. Como métodos de estudo, eles visitavam presos e realizavam necrópsias (exame do cadáver) A.3) FRENÓLOGOS – Os frenólogos estudavam o caráter das pessoas pela observação não apenas dos traços fisionômicos, mas também da configuração do crânio. A.4) PSIQUIATRAS – Felipe Pinel é o pai da psiquiatria moderna. Deu base para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime. Depois dos estudos promovidos pelo médico, iniciou-se uma nova concepção psiquiátrica: a loucura moral (indivíduo que apresenta nível de conhecimento, mas com psicopatologia grave). B) CIENTÍFICA B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL – Fundada por Cesare Lombroso, com o lançamento do livro “O homem delinquente”. Nele, Lombroso diz: “O estudo antropológico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas suas características anatômicas”. Baer (médico das cadeias de Berlim), verificou por meio de inúmeras investigações, que os ocupantes das cadeias não distinguem da população não-criminosa por qualquer sinal particular, e, assim o criminoso nato não existe como variedade morfológica da espécie. A Criminologia moderna embora não consagre a teoria do criminoso nato, admite a hipótese da tendência para a prática de infrações. Reconhecendo que o homem pode nascer com uma inclinação para a violência. B.2) SOCIOLOGIA CRIMINAL – Como já foi dito, Enrico Ferri é o criador da Sociologia Criminal. Classifica o criminoso em: 1) nato, 2) louco, 3) ocasional, 4) habitual e 5) passional. Rafael Garofalo cria o termo Criminologia. Classifica o criminoso em 1) assassino, 2) violento ou energético, 3) ladrões ou neurastênicos, 4) cínicos. Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgânicos eram os causadores da criminalidade; na Sociologia Criminal, os fatores ambientais eram efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito. B.3) POLÍTICA CRIMINAL – A característica primordial deste período é ter estabelecido uma espécie de trégua entre aqueles filiados às teorias lombrosianas e aqueles crentes na influência exclusiva dos fatores sociais no cometimento do crime. A pessoa com predisposição para a prática de infrações poderá se tornar um criminoso, desde que esteja colocada em um ambiente apto para que tal fato ocorra, por conta da influência do ambiente em que vive. As concepções de prevenção primária, secundária e terciária estão abaixo: Para a prevenção primária deve-se dar especial relevo para aspectos como,a educação, a habitação, o trabalho, a inserção do homem no meio social, aqualidade de vida, sendo estes elementos essenciais que contribuem para a prevenção do crime, operando sempre a longo e médio prazo, com a especialidade de que se dirige a todos os cidadãos e não somente à pessoa do delinquente. O campo de atuação se dá em estratégias voltadas para a economia, o social e o cultural, para que os cidadãos tenham melhor qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os conflitos cotidianos de forma produtiva. Enfim, a melhor qualidade de vida é proporcionalmente influente sobre a delinquência. Fala-se em prevenção secundária a atuação onde os conflitos criminais podem se manifestar ou exteriorizar. É a atuação de curto e médio prazo seletivamente sobre grupos ou subgrupos concretos, que apresentam maiores riscos de eclosão de problemas criminais. Basta lembrar-se da política legislativa penal e de ações policiais em determinadas localidades, assim como políticas de ordenação urbana com escopo de se evitar a criminalidade. Por fim, a prevenção terciária se dá sobre um sujeito já identificado como delinquente, naturalmente o condenado, recluso, tendo por objetivo evitar que ele reincida novamente em práticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao meio social. O Estado Democrático de Direito e a prevenção da infração penal Antonio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes, na obra Criminologia, 5.ed.rev. e atual.- São Paulo: Revista dos Tribinais, 2007, ensinam: “O crime não é um tumor nem uma epidemia, senão um doloroso "problema" interpessoal e comunitário. Uma realidade próxima, cotidiana, quase doméstica: um problema "da" comunidade, que nasce "na" comunidade e que deve ser resolvido "pela" comunidade. Um "problema social", em suma, com tudo que tal caracterização implica em função de seu diagnóstico e tratamento. A Criminologia "clássica" contemplou o delito como enfrentamento formal, simbólico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator -, que lutam entre si solitariamente, como lutam o bem e o mal, a luz e as trevas; é uma luta, um duelo, como se vê, sem outro final imaginável que a incondicionada submissão do vencido à força vitoriosa do Direito. Dentro deste modelo criminológico, a pretensão punitiva do Estado, isto é, o castigo do infrator, polariza e esgota a resposta ao fato delitivo, prevalecendo a face patológica sobre seu profundo significado problemático e conflitual. A reparação do dano causado à vítima (a uma vítima que é desconsiderada, "neutralizada" pelo próprio sistema) não interessa, não constitui nem se apresenta como exigência social; tampouco preocupa a efetiva "ressocialização" do infrator (pobre pretexto defensista, mito inútil ou piedoso eufemismo, por desgraça, quando tão sublimes objetivos fazem abstração da dimensão comunitária do conflito criminal e da resposta solidária que ele reclama). Nem sequer se pode falar dentro deste modelo criminológico e político-criminal de "prevenção" do delito (estricto sensu), de prevenção "social", senão de "dissuasão penal". A moderna Criminologia, pelo contrário, é partidária de uma imagem mais complexa do acontecimento delitivo, de acordo com o papel ativo e dinâmico que atribui aos seus protagonistas (delinqüente, vítima, comunidade) e com a relevância acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e interatuam no "cenário" criminal. Destaca o lado humano e conflitivo do delito, sua aflitividade, os elevados "custos" pessoais e sociais deste doloroso problema, cuja aparência patológica, epidêmica, de modo algum mediatiza a serena análise de sua etiologia, de sua gênese e dinâmica (diagnóstico), nem o imprescindível debate político-criminal sobre as técnicas de intervenção e de seu controle. Neste modelo teórico, o castigo do infrator não esgota as expectativas que o fato delitivo desencadeia. Ressocializar o delinqüente, reparar o dano e prevenir o crime são objetivos de primeira magnitude. Sem dúvida, este é o enfoque cientificamente mais satisfatório e o mais adequado às exigências de um Estado "social" e democrático de Direito. A Criminologia no Brasil É nas últimas décadas do século XIX que começa a recepção da criminologia no país. Diversos historiadores do direito penal18 consideram João Vieira de Araújo (1844- 1922), professorda Faculdade de Direito do Recife, o primeiro autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais, ao comentar as idéias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e também em textos sobre a legislação criminal do Império. E, de fato, em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repetições Escritas sobre o Código Criminal do Império do Brasil, publicado em 1884, João Vieira de Araújo já aponta para a necessidade de analisar a legislação nacional de um ponto de vista filosófico mais "moderno", que no campo do direito criminal seria representado sobretudo pela obra de Lombroso: "O direito criminal dentre todos os outros direitos é justamente o que está sujeito às mais constantes e rápidas mudanças em seu conceito. Basta ler a obra do grande professor italiano Cesare Lombroso – LUomo Delinquente – e ter uma ligeira notícia da importância dos estudos realizados na antropologia em diversos países adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos estão reservados no futuro às instituições criminais." (Araújo, 1884:v). João Vieira de Araújo se dedicará a divulgar as idéias da antropologia criminal de Lombroso não apenas entre seus alunos do Recife, mas também para um público especializado mais amplo, ao publicar artigos em revistas jurídicas do Rio de Janeiro. Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil, como o jurista Francisco José Viveiros de Castro, reconhecerão João Vieira de Araújo como o legítimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no país (cf. Viveiros de Castro, 1894:14). Outros autores, no entanto, como Silvio Romero (1951:55), atribuem a Tobias Barreto esse mérito. E, realmente, no mesmo ano de 1884, quando João Vieira de Araújo publica seus trabalhos acerca da legislação criminal do Império, Tobias Barreto, em seu livro Menores e Loucos, faz referências ao LUomo Delinquente, ao discutir a necessidade de diferenciação das diversas categorias de irresponsáveis no campo penal. A avaliação de Tobias Barreto sobre essa obra não é, no entanto, totalmente elogiosa, pois, se, por um lado, admite que o trabalho de Lombroso "pertence ao pequeno número dos livros revolucionários", e que este estava muito familiarizado com a ciência germânica e com a língua alemã (Barreto, 1926:67-68) – o que para o jurista sergipano era condição quase suficiente para garantir o interesse em relação a um autor –, por outro, não deixa de censurar os exageros naturalistas da abordagem da questão criminal feita por Lombroso. De qualquer modo, após essa recepção pioneira no Recife, inúmeros outros juristas, ao longo da Primeira República, passam a divulgar as novas abordagens "científicas" acerca do crime e do criminoso: Clóvis Beviláqua, José Higino, Paulo Egídio de Oliveira Carvalho, Raimundo Pontes de Miranda, Viveiros de Castro, Aurelino Leal, Cândido Mota, Moniz Sodré de Aragão, Evaristo de Moraes, José Tavares Bastos, Esmeraldino Bandeira, Lemos Brito, entre outros, publicam artigos e livros em que são discutidos os principais conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal. Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais, outros censuram o exagero de certas colocações consideradas radicais, mas a grande maioria toma as novas discussões no campo da criminologia como temas obrigatórios de debate no interior do direito penal. Se não é possível apontar com absoluta precisão quem foi efetivamente o pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil, é interessante ressaltar que tanto a reivindicação do pioneirismo no novo campo quanto a busca de reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos de legitimação e distinção entre os pensadores que começavam a trabalhar com as novas teorias. Viveiros de Castro, por exemplo, chama para si o mérito de ter apresentado o primeiro livro de divulgação das novas idéias no Brasil (Viveiros de Castro, 1894:14), ao passo que Cândido Mota, na apresentação da reedição de seu livro Classificação dos Criminosos (Mota, 1925), cita, entre os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior, a suposta aprovação do próprio Lombroso – maior glória possível para os discípulos das novas teorias criminológicas. Provavelmente, o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na América Latina no momento em que entrava em decadência no continente europeu deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que, no Brasil, se fizeram discípulos das novas teorias, pois, se Lombroso e seus seguidores já não encontravam a mesma receptividade para suas idéias no cenário europeu, podiam encontrar na América Latina e, especificamente, no Brasil grande número de entusiastas dispostos a divulgar as principais idéias do pai da antropologia criminal e de seus correligionários. Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na incorporação dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber jurídico no Brasil é compreensível no âmbito da construção de uma nova tradição intelectual, é certo também que os juristas brasileiros se mostram efetivamente atualizados e sintonizados com as discussões que então ocorriam no exterior. Tanto é assim que os comentários de João Vieira de Araújo e Tobias Barreto são publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885, que foi o marco a partir do qual as idéias de Lombroso ganham efetivamente repercussão internacional. Os juristas nacionais, que posteriormente se destacam na discussão das teorias da antropologia criminal, acompanham de perto o debate europeu em torno das novas teorias penais, conhecendo inclusive as principais críticas a Lombroso e seus discípulos. Portanto, se os juristas valorizam a Escola Antropológica não é por falta de informação a respeito do que ocorria na Europa, mas sim por acreditarem que se tratava do que de melhor se produzia na época no campo da compreensão científica do crime. Desse modo, mesmo conhecendo as críticas mais significativas apresentadas na Europa contra a antropologia criminal, os simpatizantes no Brasil não deixam de reafirmar a importância fundamental dos conceitos dessa escola. Nesse sentido, por exemplo, o magistrado A. J. Macedo Soares, ao defender as novas idéias penais em 1888, nas páginas da revista O Direito, editada no Rio de Janeiro, admite que mesmo na Itália as idéias de Lombroso e seus correligionários não conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Código Penal italiano. Mas isso, ainda segundo esse autor, longe de desestimular a divulgação da antropologia criminal em terras nacionais, mostrava, pelo contrário, que o Brasil estava na mesma situação que os demais países europeus, podendo assim se situar na vanguarda da realização dessa autêntica revolução que começava a despontar no campo do direito: "[...] o que é notável é que, na própria Itália, a Escola de Lombroso e Ferri não tenha recrutado prosélitos entre os legisladores, professores e estadistas, isto é, entre aqueles que mais podiam contribuir para a introdução das idéias novas na economia das leis pátrias.[...] Não vemos, porém, que de nenhum desses fatos se possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-jurídica. A única conclusão a tirar é que os estadistas e professores italianos estão quase no mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros. Para uns, como para outros, esses estudos estão por fazer, são novos e como toda a novidade que abala desde os alicerces um sistema inteiro, incutem receio e provocam resistências." (Macedo Soares, 1888:499). Ou seja, não era por mera imitação que o Brasil deveria seguir as novas concepções da antropologia criminal, mas sim por se tratar do que havia de mais avançado no mundo em termos de doutrinas penais, segundo os defensores da criminologia.Outros autores, mesmo diante das críticas específicas feitas aos trabalhos de Lombroso na Europa, ou apenas as desconsideram ou, então, se esforçam por refutá-las. Viveiros de Castro, por exemplo, cita em seu trabalho a contestação de Tarde à idéia do "tipo criminoso" quase que apenas a título de ilustração (Viveiros de Castro, 1894:97-115). Paulo Egídio de Oliveira Carvalho, por sua vez, discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime, mas indica a impropriedade de suas objeções à antropologia criminal (Carvalho, 1900:111-139). Já Aragão defende enfaticamente Lombroso e a teoria do criminoso nato da "tempestade que se desencadeou contra as afirmações audaciosas das suas teorias, que vinham abalar tão fundamente os alicerces da ciência oficial" (Aragão, 1928:25). Logo, se esses e outros juristas defendem as idéias da antropologia criminal, fazem-no tendo consciência das principais objeções presentes no debate europeu. Parece difícil, desse modo, caracterizar a presença da antropologia criminal e da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importação equivocada de idéias19. Longe de se apresentarem somente como "idéias fora do lugar", ou como simples modismo da época, as novas teorias criminológicas parecem responder às urgências históricas que se colocavam para certos setores da elite jurídica nacional. Não se pode negar, entretanto, que o estilo dos autores brasileiros, ao incorporarem as novas teorias, é bastante eclético e, na maioria das vezes, pouco original em termos teóricos. O ecletismo manifesta-se na tendência a apagar as diferenças entre as diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal, tal como se definiam na Europa, justapondo autores e teorias rivais. A própria terminologia utilizada é, na maioria das vezes, vaga: antropologia criminal, criminologia e sociologia criminal20 são termos freqüentemente usados como sinônimos que indicariam uma única disciplina. Mas mesmo esse ecletismo não é totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa. Especialmente os intelectuais ligados à antropologia criminal, Lombroso à frente, não podem ser classificados como autores por demais rigorosos na construção de seus conceitos. E é seguindo as orientações de Lombroso que a maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um prolongamento da antropologia criminal, de tal maneira que os aspectos sociais aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos criminosos. Assim, a forte cisão presente no debate europeu entre a antropologia criminal de Lombroso, Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de Tarde e Durkheim, no Brasil, dilui-se em benefício das concepções da Escola Antropológica, com todos os autores aparentando pertencer ao campo único da criminologia. Para exemplificar essa freqüente indiferenciação, basta mencionar como autores que, ainda no final do Império, defendem a necessidade de incorporação da antropologia criminal pelo pensamento jurídico nacional sustentam que esta se dê sobretudo mediante a criação da cadeira de sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares, 1888; Araújo, 1889b). Os trabalhos desenvolvidos são, igualmente, pouco originais teoricamente, constituindo-se em geral no recenseamento das principais idéias criminológicas em voga. Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os problemas práticos que se apresentam em face da realidade nacional. Pelo contrário, é como se as questões mais imediatas precisassem ser vistas pela grade conceitual fornecida pelas teorias importadas. Assim, as questões jurídico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades, ao mesmo tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais avançado existia no mundo. Como resultado da recepção eclética e conciliadora das teorias criminológicas européias pelos juristas brasileiros, o crime e o criminoso passam a ser pensados como problemas complexos demais para serem observados de um ponto de vista único. Tanto os aspectos biológicos quanto o meio social devem ser assim estudados pelas disciplinas criminológicas. Nessa direção, Clóvis Beviláqua argumenta que, mesmo sendo simpatizante da Escola Sociológica, não deixa de admitir a presença de causas biológicas na origem do crime: "Estou convencido de que há um pathos criminogêneo, um morbus que impele ao delito, qualquer que seja a sua natureza, e contra o qual a pena se revelará impotente na maioria dos casos; mas essa anomalia é menos comum do que se poderia supor; estou igualmente convencido. O que mais ordinariamente se depara na vida, é a combinação de certas condições fisio-psíquicas apropriadas à perpetração do malefício, com certas outras condições sociais que fecundam esse germe individual, se é que muitas vezes não o fazem produzir-se." (1896:17). O que Beviláqua censura na Escola Antropológica é o exagero daqueles que interpretam de maneira exclusivamente biológica as causas do crime, subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes. Situado no extremo oposto da discussão, Antonio Moniz Sodré de Aragão, em seu livro As Três Escolas Penais, publicado originalmente em 1907, no qual critica as abordagens sociológicas do crime (inclusive a de Beviláqua), não deixa de admitir que as causas sociais estão igualmente presentes, embora sejam secundárias em relação às causas biológicas individuais21. Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se, desse modo, entre as Escolas Antropológica ou Sociológica, especialmente pelo acento maior ou menor que atribuem aos fatores biológicos ou socioculturais na etiologia do crime, mas não discordam que a compreensão do crime e do criminoso requer a presença simultânea das duas abordagens. Sob essa tênue linha divisória, do lado da antropologia criminal perfilamse nomes como João Vieira de Araújo, Viveiros de Castro, Cândido Mota, Antonio Moniz Sodré de Aragão. Mais propensos a atribuir importância decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do crime, alinham-se, Clóvis Beviláqua e Paulo Egídio de Oliveira Carvalho, entre outros. De todo modo, é evidente a forte presença de Lombroso na maioria dos trabalhos, indicando a subordinação, como já afirmei, no Brasil, das abordagens sociológicas do crime àquela da antropologia criminal. Mesmo aqueles que não se empolgam com os exageros deterministas da Escola Antropológica não deixam de render homenagem a Lombroso e seus discípulos. Este é o caso, já citado, de Tobias Barreto que, embora tenha lançado muitas críticas aos exageros de LUomo Delinquente, não deixa de considerá-lo um livro revolucionário. Mais do que a concordância em torno da contribuição de Lombroso, o principal ponto de convergência do discurso da criminologia no Brasil, ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada com mais propriedade pelos autores nacionais, é a idéia de que o objeto das ações jurídica e penal deve ser não o crime, mas o criminoso, considerado como um indivíduo anormal. Assim, com a emergência do discurso da Nova Escola Penal no interior dos debates jurídicos nacionais, o que temos é a presença de um discurso normalizador no interior do saber jurídico22. Por isso, diferentes expressões – criminologia, Nova Escola Penal, antropologia criminal, Escola Antropológica, sociologia criminal, Escola Positiva de Direito Penal – são utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinônimos de uma nova concepção do direito penal que deve ser aplicada na reforma das instituições jurídico-penais nacionais. Não há, portanto, diferenças substanciais entre aqueles que passam a defender as novas teorias penais no Brasil, quer do ponto de vista antropológico quer do sociológico. A crítica às concepções jurídicas da Escola Clássica, a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidadede reforma das leis e instituições penais são pontos de convergência entre os diversos autores, a despeito das divergências pontuais que possam existir. Não surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de entrada das idéias criminológicas no Brasil, pois, como já tive oportunidade de mencionar, o ambiente intelectual nessa faculdade era, desde a década de 1870, bastante permeável à introdução de teorias cientificistas, importadas sobretudo da Europa. O ambiente filosófico mais crítico que vai então sendo formado acaba por apontar para a necessidade de renovação dos estudos jurídicos e, na época, sem dúvida a antropologia criminal aparecia como o triunfo, por excelência, das concepções cientificistas no campo do direito penal. Assim, a renovação dos estudos jurídicos, estimulada pelo ambiente intelectual do Recife, teria de passar inevitavelmente pela discussão dessas teorias e, efetivamente, os três professores que então se destacam na renovação da ciência do direito – José Higino, Tobias Barreto e João Vieira de Araújo (cf. Barros, 1959:148) – acabam por abordar, em diferentes momentos de seus trabalhos, os debates em torno da antropologia criminal. Essa recepção pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito penal na faculdade. Nesse sentido, Schwarcz (1993), por exemplo, ao analisar a Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife, a partir de 1891, mostra como a antropologia criminal ganha importância nessa publicação, servindo como instrumento de afirmação do direito enquanto prática científica e justificando a ação missionária dos legisladores em vista dos problemas da nação (idem:156-157). Além disso, dissertações e monografias sobre o tema foram produzidas por professores e alunos da faculdade23. Mas, se como afirma Schwarcz em relação à produção jurídica nacional, se do Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicação, enquanto de São Paulo partiam as práticas políticas convertidas em leis e medidas (idem:184), as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates teóricos dos juristas do Recife, sem surtir efeitos concretos mais significativos. Mas isso não aconteceu, e rapidamente as idéias da antropologia chegaram aos debates jurídicos realizados no Rio de Janeiro e em São Paulo. Na então capital do Império, um dos principais responsáveis por essa divulgação é o próprio João Vieira de Araújo. A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro na recepção da antropologia criminal no país, é certo que a divulgação dos novos conhecimentos, inclusive para além do Recife, coube muito mais a João Vieira de Araújo, mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a antropologia criminal, ao contrário de Tobias Barreto, que foi mais reticente na defesa das idéias de Lombroso. Clóvis Beviláqua define o perfil de João Vieira de Araújo como jurista da seguinte maneira: "João Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos, a que se deu o nome de Escola do Recife, na sua fase jurídica, ou, antes, aos que lhe prepararam, a princípio, o advento, e, depois, se deixaram arrastar pelo movimento. Adotara os princípios da doutrina evolucionista de Spencer, Ardigó e outros mestres italianos. Especializando-se no Direito criminal, seguiu a orientação da Escola de Lombroso, Ferri e Garofalo; entretanto nem foi jamais um sectário intransigente, nem se restringiu a cultivar o Direito criminal." (1896:67). Pela citação de Beviláqua, já é possível perceber que a antropologia criminal, tal como se apresenta na trajetória de João Vieira de Araújo, aparece no interior do movimento de especialização da onda cientificista, própria da Escola do Recife. Como disse, é o espírito crítico e polêmico do movimento cientificista que estimula a renovação dos estudos jurídicos mediante a importação, entre outras teorias, da antropologia criminal, que adquire, desde o início, um claro significado reformador. Mesmo não sendo, no dizer de Beviláqua, um defensor radical das novas teorias penais, Vieira de Araújo fortaleceu ainda mais sua reputação como jurista ao divulgar as idéias da antropologia criminal no Brasil. Ele se correspondia diretamente com o próprio Lombroso, o que facilitou o reconhecimento de seus trabalhos na Itália (cf. Castiglione, 1962:276). Provavelmente inspirado pelo espírito militante de Lombroso e seus seguidores, João Vieira de Araújo se propôs a divulgar as noções da Nova Escola para além do Recife. Assim, nas páginas de O Direito, revista especializada em legislação, doutrina e jurisprudência e publicada na cidade do Rio de Janeiro, João Vieira de Araújo apresentou vários artigos, nos quais defendia as teorias da Escola Antropológica. No primeiro deles, intitulado "A Nova Escola de Direito Criminal", comenta os trabalhos de Lombroso, Ferri e Garofalo, explicitando que a Nova Escola "tem por objeto o homem criminoso e sua atividade anormal e como fim a diminuição dos crimes que assoberbam as sociedades atuais no esplendor de toda sua civilização" (Araújo, 1888:487). No ano seguinte, ele divulga as idéias da Escola Positiva em dois artigos, "O Direito e o Processo Criminal Positivo" e "Antropologia Criminal". No primeiro, afirma que Lombroso e outros autores, como Spencer, Darwin e Hackel, haviam mudado a face não apenas das doutrinas jurídicas, mas de todo o processo penal. Nesse sentido, Araújo defende idéias que posteriormente serão bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos, tais como as de que o essencial é combater os crimes ocasionados por uma constituição orgânica e psíquica defeituosa, e de que o júri deve ser totalmente abolido perante os crimes comuns: "Há um outro ponto cardeal em que a Nova Escola não pode transigir. O júri é uma instituição mais política do que judiciária e pois ela pode ser conservada para julgar crimes políticos. Mas entregar ao júri assassinos, ladrões, estupradores, falsários, enfim o julgamento dos crimes comuns é sancionar a impunidade e a impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressão social que se funde nos ensinamentos da ciência e no conhecimento exato da natureza real do delinqüente." (Araújo, 1889b:330). O júri será, sem dúvida, o principal alvo de críticas da esmagadora maioria dos juristas da Nova Escola24. No segundo artigo, João Vieira de Araújo esclarece que os estudos anatômicos que haviam celebrizado Lombroso eram, na verdade, apenas um apêndice da nova ciência do crime, que consistiria muito mais em uma grande "síntese de conhecimentos obtidos pelos processos científicos da observação e da experiência no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus caracteres somáticos e psíquicos" (1889a:178). Percebe-se, desse modo, que João Vieira de Araújo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da antropologia criminal. Em outro texto publicado na mesma revista, já em 1894, intitulado "Sociologia, Filosofia, Ciência e Direito", João Vieira de Araújo vê com satisfação que o direito penal, mesmo no Brasil, passa a ser influenciado, cada vez mais, pelos estudos científicos modernos sobre a criminalidade, consolidando-se, assim, a tendência, aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada no país, para aplicação dos métodos positivos também aos estudos jurídicos. O otimismo manifesto por João Vieira de Araújo nesses artigos, publicados sobretudo nos derradeiros anos do Império, não era descabido, uma vez que, nas mesmas páginas de O Direito, outros juristas o acompanham na defesa das novas teorias penais, como Macedo Soares e Melo Franco, mostrando assim que as idéias da antropologia criminal já ganhavam importância no centro político do país. Vai ficando claro nos artigos que a incorporação da Nova Escola Penal pelo pensamento jurídico nacional é, segundo seusdefensores, uma imposição tanto da evolução do pensamento moderno, quanto das condições políticas e sociais nacionais. O jurista Melo Franco (1889:337) lamentava, no entanto, que no Brasil as reformas só se impunham quando já se estava, como naquele momento, diante da iminência de uma revolução social. A revolução social não ocorreu, mas veio a Proclamação da República e, com ela, novas esperanças de reformas legais e institucionais, que animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia, presentes, cada vez em maior número, nas duas principais metrópoles do país, Rio de Janeiro e São Paulo. Tratar Desigualmente os Desiguais No Brasil, a Proclamação da República foi saudada com grande entusiasmo por muitos juristas, que viam na consolidação do novo regime a possibilidade de reforma das instituições jurídico-penais, segundo os ideais da Escola Criminológica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal na Europa. Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepção, uma vez que o Código Penal de 1890 ficou muito aquém do que se esperava, por se organizar como um código ainda alicerçado nos ideais da Escola Clássica, a percepção dos juristas reformadores – de que as transformações sociais e políticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do século XIX ao início do XX colocavam a necessidade de novas formas de exercício do poder de punir – mantém-se ao longo de toda a Primeira República. A substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre, o acelerado processo de urbanização no Rio de Janeiro e em São Paulo e os ideais de igualdade política e social associados à constituição da República estabeleceram novas urgências históricas para as elites políticas e intelectuais no período, e para os juristas reformadores em particular. Sobretudo, o ideal das elites republicanas de construir uma sociedade organizada em torno do modelo jurídico-político contratual defronta-se com uma população que aparece aos olhos dessa mesma elite ou excessivamente insubmissa, como no Rio de Janeiro da época da Revolta da Vacina (cf. Sevcenko, 1984), ou por demais "multifacetada e disforme", como em São Paulo (cf. Adorno, 1990). Assim, o antigo medo das elites diante dos escravos será substituído pela grande inquietação em face da presença da pobreza urbana nas principais metrópoles do país. A criminologia, como conhecimento voltado para a compreensão do homem criminoso e para o estabelecimento de uma política "científica" de combate à criminalidade, será vista como um instrumento essencial para a viabilização dos mecanismos de controle social necessários à contenção da criminalidade local. Mas, com a Proclamação da República, os desafios colocados para as elites republicanas não irão limitar-se ao estabelecimento de novas formas de controle social, mas incluirão especialmente o problema ainda maior de como consolidar os ideais de igualdade política e social do novo regime ante as particularidades históricas e sociais da situação nacional. É com relação a esse problema que os desdobramentos das idéias da criminologia parecem ter sido mais interessantes. As elites republicanas, desde o princípio, manifestam grande desconfiança diante da possibilidade de a maior parte da população contribuir positivamente para a construção da nova ordem política e social. O novo regime republicano, longe de permitir uma real expansão da participação política, irá se caracterizar pelo seu aspecto não democrático, pela restrição da participação popular na vida política (cf. Carvalho, 1987; 1990). A mesma desconfiança em relação ao que chamaríamos atualmente de "expansão da cidadania" estará presente entres os juristas reformadores adeptos da criminologia. Para os criminologistas, a igualdade jurídica não poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades históricas, raciais e sociais do país. Os ideais de igualdade não poderiam afirmar-se em face das desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira. Essa desconfiança em relação à igualdade jurídica transparece tanto nos muitos debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de reformulação ou substituição do Código de 1890 que atravessam toda a Primeira República (cf. Brito, 1930). Contudo, quem desenvolveu de modo mais coerente a crítica ao ideal da igualdade jurídica, baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia criminal, foi o médico Nina Rodrigues. Um dos mais importantes adeptos de Lombroso no Brasil, Rodrigues – em seu ensaio As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil, publicado pela primeira vez em 1894 – expõe as principais conseqüências, no campo jurídico-penal, que poderiam ser deduzidas da aplicação rigorosa das idéias da antropologia criminal à realidade nacional. Se as características raciais locais influíam na gênese dos crimes e na evolução específica da criminalidade no país, conseqüentemente toda a legislação penal deveria adaptar-se às condições nacionais, sobretudo no que diz respeito à diversidade racial da população. Daí sua crítica inequívoca ao Código Liberal de 1890, que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a uma população amplamente diferenciada: "Posso iludir-me, mas estou profundamente convencido de que a adoção de um código único para toda a república foi um erro grave que atentou grandemente contra os princípios mais elementares da fisiologia humana. Pela acentuada diferença da sua climatologia, pela conformação e aspecto físico do país, pela diversidade étnica da sua população, já tão pronunciada e que ameaça mais acentuar-se ainda, o Brasil deve ser dividido, para os efeitos da legislação penal, pelo menos nas suas quatro grandes divisões regionais, que, como demonstrei no capítulo quarto, são tão natural e profundamente distintas." (Rodrigues, 1938:225-226). Ou seja, se o país apresentava uma grande diversidade climática, física e étnica, como seria possível estabelecer uma legislação penal que abstraísse toda essa diversidade? Assim, para o médico maranhense, se as análises científicas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade física, biológica e social da nação, somente as ilusões metafísicas da Escola Clássica poderiam ter levado, como efetivamente ocorreu no Código de 1890, o legislador a estabelecer uma igualdade jurídica genérica diante de uma realidade tão desigual. Segundo Nina Rodrigues, o legislador pátrio simplesmente abstraiu todas as desigualdades biológicas e sociais que marcavam de maneira inconteste, aos olhos da ciência, a população brasileira, ao cometer o grande erro de tratar igualmente indivíduos desiguais, o que, ainda segundo o autor, só poderia criar conflitos no interior do organismo social. Os juristas adeptos da criminologia se, por um lado, concordavam no geral com as idéias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues, por outro, não podiam levar tão longe os argumentos da Escola Positiva, pois isto poderia colocar em risco o próprio monopólio dos profissionais da lei no campo da justiça. O que parece singularizar a atuação desses juristas reformadores é que eles buscaram conciliar teórica e praticamente as doutrinas e os dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Clássica. Mesmo sem a tão desejada substituição do Código Penal de 1890, eles buscaram realizar reformas jurídicas e institucionais que forçassem os limites aos quais o liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no país, pois, nas disputas entre os adeptos da Escola Clássica e da Escola Positiva de direito penal, estavam fundamentalmente em jogo concepções diferentes acerca do papel do Estado ante a sociedade: Os clássicos, portadores de uma concepção liberal, viam o indivíduo como possuidor de uma vontade ou consciência livre e soberana. Os 'positivistas' de vários matizesrepresentavam o indivíduo como produto ou reflexo, de um meio genético e social singulares. [...] Ligadas evidentemente a essas duas representações sociais do indivíduo, duas representações modelares do Estado e seu papel na sociedade. De um lado, um Estado guardião de rebanhos, mantenedor, liberal; de outro, um Estado intervencionista e tutelar, para o qual não poderia haver mais nenhuma barreira sagrada à sua atuação em prol do bem comum." (Fry e Carrara, 1986:50). Os juristas adeptos da Escola Positiva, ao longo de toda a Primeira República, irão propor, e por vezes realizar, reformas legais e institucionais que buscarão ampliar o papel da intervenção estatal. Mulheres, menores e loucos, ou seja, aqueles que não se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que necessitariam de um tratamento jurídico diferenciado, serão alvos constantes das preocupações dos criminologistas25. A discussão em torno da legislação da menoridade, que culminará na elaboração do Código de Menores de 192726, e a criação de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a Penitenciária do Estado28 em São Paulo serão algumas das reformas legais e institucionais concretizadas ao longo da Primeira República e que foram influenciadas, em grande medida, pelas idéias originalmente desenvolvidas por Lombroso e seus seguidores. Também nos tribunais, as concepções acerca do criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito tempo no Brasil29. Portanto, a incorporação das idéias da antropologia criminal ao debate jurídico local não deixou de produzir efeitos concretos e duradouros, tanto no plano dos saberes como no das práticas penais. Em todas essas discussões e ações, o grande desafio consistia em "tratar desigualmente os desiguais" e não em estender a igualdade de tratamento jurídicopenal para o conjunto da população. A introdução da criminologia no país representava a possibilidade simultânea de compreender as transformações pelas quais passava a sociedade, de implementar estratégias específicas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de tratamento jurídico-penal para determinados segmentos da população. Como um saber normalizador, capaz de identificar, qualificar e hierarquizar os fatores naturais, sociais e individuais envolvidos na gênese do crime e na evolução da criminalidade, a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas clássicas de direito penal, baseadas na igualdade ao menos formal dos indivíduos, não conseguiam enfrentar, ao estabelecer ainda os dispositivos jurídico-penais condizentes com as condições tipicamente nacionais. Se, por um lado, os juristas adeptos da criminologia não puderam reformar totalmente a justiça criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e de seus seguidores, por outro, conseguiram ao menos influenciar reformas legais e institucionais ao longo da Primeira República. E, mesmo nas décadas seguintes, as idéias discriminatórias da antropologia criminal de Lombroso e de seus discípulos continuaram a "operar como um contraponto semiclandestino ao valor formal da igualdade perante a lei" (Fry, 2000:213). Portanto, o estudo dessa e de outras correntes cientificistas – que tiveram grande presença no debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do século XIX e na primeira metade do século XX –, além de esclarecer um momento importante de nossa história intelectual, pode contribuir igualmente para repensarmos as práticas discriminatórias ainda presentes no campo jurídico-penal em nosso país. Criminologia: introdução Criminologia. Um breve histórico das escolas: clássica, positiva, crítica, moderna alemã e a influência da escola positiva na formação do Código Penal de 1940 INTRODUÇÃO ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA ESCOLA CLÁSSICA Os clássicos partiram de duas teorias distintas, como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho, in verbis: Os Clássicos partiram de duas teorias distintas: o jusnaturalismo (direito natural, de Grócio), que decorria da natureza eterna e imutável do ser humano, e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo, de Rousseau), em que o Estado surge a partir... Diante das teorias supracitadas, a vida em sociedade, tanto de forma natural ou convencionada, só é possível após se criar um rol de regramentos, ou melhor dizendo, normas sociais, das quais a inobservância resultara em uma reprimenda por parte do Est... Quando alguém encara a possibilidade de cometer um delito, efetua um cálculo racional dos benefícios esperados (prazer) e os confronta com os prejuízos (dor) que acredita vão derivar da prática do delito; se os benefícios são superiores aos prejuízos,... Por fim, Serrano defende a ideia de que as ações humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indivíduo e contribuam ou não para maior satisfação do grupo social. ESCOLA POSITIVA CESAR LOMBROSO (1835-1909) RAFAEL GAROFALO (1851-1934) ENRICO FERRI (1856-1929) TERZA SCUOLA ITALIANA ESCOLA MODERNA ALEMÃ CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA INFLUÊNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO CÓDIGO PENAL DE 1940 CONSIDERAÇÕES FINAIS NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIÊNCIA CRIMINOLOGIA E DOGMÁTICA JURÍDICO-PENAL O PROBLEMA DA DEFINIÇÃO DE DELITO