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Introdução à Criminologia e a
Segurança Pública
Criminologia: introdução
A criminologia é o conjunto de conhecimentos a respeito do crime, da
criminalidade e suas causas, da vítima, do controle social do ato criminoso,
bem como da personalidade do criminoso e da maneira de ressocializá-lo.
Etimologicamente o termo deriva do latim crimino ("crime") e
do grego logos ("tratado" ou "estudo"), seria portanto o "estudo do crime".
É uma ciência empírica, por basear-se na experiência da observação, nos fatos
e na prática, mais do que em opiniões e argumentos, e também interdisciplinar,
por ser formada pelo diálogo de uma série de ciências e disciplinas, tais como
a biologia, a psicopatologia, a sociologia, política, a antropologia, o direito,
a criminalística, a filosofia e outros.
A palavra "Criminologia" foi empregada pela primeira vez por Paul Topinard em
1883, e aplicada internacionalmente pelo italiano Raffaele Garofalo em 1885,
em sua obra Criminologia.
Escolas
Quando surgiu, a criminologia tratava de explicar a origem da delinquência
(crime), utilizando o método das ciências naturais, a etiologia, ou seja, buscava
a causa do delito. Pensou-se que erradicando a causa se eliminaria o efeito,
como se fosse suficiente fechar as maternidades para o controle de natalidade.
A criminologia é dividida em escola clássica (Beccaria, século XVIII), escola
positiva (Lombroso, século XIX) e escola sociológica (final do século XIX).
Academicamente a Criminologia começa com a publicação da obra de Cesare
Lombroso chamada L'Uomo Delinquente ("O Homem Delinquente", em
tradução livre), em 1876. Sua tese principal era a do delinquente nato. Com
isto, Lombroso pretendia identificar o criminoso por intermédio de sua
aparência física (orelha, tamanho da cabeça, ossos, cor da pele, olhos) e
inclusive, de procedência espacial (asiáticos, indígenas, etc.) o que se
comprovou completamente equivocado.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Raffaele_Garofalo
https://pt.wikipedia.org/wiki/Cesare_Lombroso
https://pt.wikipedia.org/wiki/Cesare_Lombroso
Porém, até os dias atuais o sistema penal vive o dilema de selecionar os
suspeitos especialmente pelos seus estigmas. Em 2004, Carlos Roberto Bacila
fez uma releitura histórica do crime, apresentando a tese dos estigmas como
metarregras, na qual realizou um amplo estudo sobre os preconceitos de todas
as naturezas (racial, mulher, pobreza, religião, física etc.) e as influências deles
no sistema penal.
Já existiram várias tendências causais na criminologia. Baseado em Rousseau,
a criminologia deveria procurar a causa do delito na sociedade; baseado em
Lombroso, para erradicar o delito deveríamos encontrar a eventual causa no
próprio delinquente e não no meio. Enquanto um extremo que procura todas as
causas de toda criminalidade na sociedade, o outro, organicista, investigava
o arquétipo do criminoso nato (um delinquente com determinados
traços morfológicos, influência do Darwinismo). (Veja Rousseau, Personalidade
Criminosa)
Isoladamente, tanto as tendências sociológicas, quanto as orgânicas
fracassaram. Hoje em dia fala-se no elemento bio-psico-social. Volta a tomar
força os estudos de endocrinologia, que associam a agressividade do
delinquente à testosterona (hormônio masculino), os estudos de genética ao
tentar identificar no genoma humano um possível conjunto de "genes da
criminalidade" (fator biológico ou endógeno), e ainda há os que atribuem a
criminalidade meramente ao ambiente (fator mesológico), como fruto de
transtornos como a violência familiar, a falta de oportunidades, etc.
Lombroso é considerado o marco da Escola Positivista, em termos filosóficos
encontramos Augusto Comte. Esta escola italiana critica os da Escola Clássica,
como Beccaria e Bentham, no que diz respeito à utilização de uma metodologia
lógico-dedutiva, metafísica, onde não existia a observação empírica dos fatos.
As características principais desta escola mostram-se em três pontos:
Empirismo (cientificidade, observação e experimentação dos factos. Negação
aos pensamentos dedutivos e abstractos); O Criminoso como objecto de
estudo (importância do estudo do criminoso como autor do crime. A
delinquência é vista como um mero sintoma dos instintos criminogéneos do
sujeito. Deve-se procurar trabalhar com estes instintos por forma a evitar o
crime); Determinismo.
Ele aborda o delinquente através de um caráter plurifatorial, para ele o
indivíduo é compelido a delinquir por causas externas, as quais não consegue
controlar, assim, as penas teriam o objetivo de proteção da sociedade e de
[reeducação] do delinquente.
Como em outras ciências, também em criminologia se tem tentado eliminar o
conceito de "causa", substituindo-o pela ideia de "fator". Isso implica o
reconhecimento de não apenas uma causa mas, sobretudo, de fatores que
possam desencadear o efeito criminoso (fatores biológicos, psíquicos,
sociais...). Uma das funções principais da criminologia é estabelecer uma
relação estreita entre três disciplinas consideradas fundamentais: a
psicopatologia, o direito penal e a ciência político-criminal.
Outra atribuição da criminologia é, por exemplo, elaborar uma série
de teorias e hipóteses sobre as razões para o aumento de um
determinado delito. Os criminólogos se encarregam de dar esse tipo de
informação a quem elabora a política criminal, os quais, por sua vez,
idealizarão soluções, proporão leis, etc. Esta última etapa se faz através do
direito penal. Posteriormente, outra vez mais o criminólogo avaliará o impacto
produzido por essa nova lei na criminalidade.
Interessam ao criminólogo as causas e os motivos para o fato delituoso.
Normalmente ele procura fazer um diagnóstico do crime e uma tipologia do
criminoso, assim como uma classificação do delito cometido. Essas causas e
motivos abrangem desde avaliação do entorno prévio ao crime, os
antecedentes vivenciais e emocionais do delinquente, até a motivação que leva
o agressor a praticar pragmática o crime.
Cientificidade da criminologia
A criminologia é ciência moderna, sendo um modo específico e qualificado de
conhecimento e uma sistematização do saber de várias disciplinas. A partir da
experimentação desse saber multidisciplinar surgem teorias (um corpo de
conceitos sistematizados que permitem conhecer um dado domínio
da realidade).
Enquanto ciência, a criminologia possui objeto próprio e um
rigor metodológico que inclui a necessidade de experimentação, a possibilidade
de refutação de suas teorias e a consciência da transitoriedade de
seus postulados. Ainda que interdisciplinar é também ciência autônoma, não se
confundindo com nenhuma das áreas que contribuem para a sua formação e
sem deixar considerar o jogo dialético da realidade social como um todo.
Objeto da criminologia é o crime, o criminoso (que é o sujeito que se envolve
numa situação criminógena de onde deriva o crime), os mecanismos de
controle social (formais e informais) que atuam sobre o crime; e, a vítima (que
às vezes pode ter inclusive certa culpa no evento).
A relevância da criminologia reside no fato de que não existe sociedade sem
crime. Ela contribui para o crescimento do conhecimento científico com uma
abordagem adequada do fenômeno criminal. O fato de ser ciência não significa
que ela esteja alheia a sua função na sociedade. Muito pelo contrário, ela filia-
se ao princípio de justiça social.
Os estudos em criminologia têm como finalidade, entre outros aspectos,
determinar a etiologia do crime, fazer uma análise da personalidade e conduta
do criminoso para que se possa puni-lo de forma justa (que é uma
preocupação da criminologia e não do Direito Penal), identificar as causas
determinantes do fenômeno criminógeno, auxiliar na prevenção da
criminalidade; e permitir a ressocialização do delinquente.
Os estudos em criminologia se dividem em dois ramos que nãosão
independentes, mas sim interdependentes. Temos de um lado a Criminologia
Clínica (bioantropológica) - esta utiliza-se do método individual, (particular,
análise de casos, biológico, experimental), que envolve a indução. De outro
lado vemos a Criminologia Geral (sociológica), esta utiliza-se do método
estatístico (de grupo, estatístico, sociológico, histórico) que enfatiza o
procedimento de dedução.
Criminologia e ciências afins
A interdisciplinaridade é uma perspectiva de abordagem científica envolvendo
diversos continentes do saber. Ela é uma visão importante para qualquer
ciência social. Em seus estudos, a criminologia se engaja em diálogo tanto com
disciplinas das Ciências Sociais ou humanas quanto das Ciências Físicas ou
naturais.
Entre as áreas de estudo mais próximas da Criminologia temos:
Direito penal: o principal ponto de contato da criminologia com o Direito
Penal está no fato de que este delimita o campo de estudo da criminologia,
na medida em que tipifica(define juridicamente) a conduta delituosa; O
direito penal é sancional por excelência; Ele caracteriza os delitos e,
através de normas rígidas, prescreve penas que objetivam levar os
indivíduos a evitar essas condutas.
Direito Processual Penal: a Criminologia fornece os elementos
necessários para que se estipule o adequado tratamento do réu no âmbito
jurisdicional. Também indica qual a personalidade e o contexto social do
acusado e do crime, auxiliando os juristas para que a sentença seja mais
justa. A criminologia oferece os critérios valorativos da conduta criminosa.
Ela pesquisa a eficácia das normas do Direito Penal, bem como estuda e
desenvolve métodos de prevenção e ressocialização do criminoso.
Direito Penitenciário: os dados criminológicos são importantes no Direito
Penitenciário para permitir o correto e eficaz tratamento e ressocialização
do apenado. A criminologia ajuda a tornar a pena mais humana, buscando
o objetivo de punir sem castigar.
Psicologia Criminal: é ciência que demonstra a dimensão individual do ato
criminoso; estuda a personalidade do criminoso, orientando a Criminologia.
Psiquiatria Criminal: é ramo do saber que identifica as diversas patologias
que afetam o criminoso e envolve o estudo da sanidade mental.
Antropologia criminal: abrange o fenômeno criminológico em sua
dimensão holística, ou seja, biopsicosocial. É o Estudo do homem na sua
história, em sua totalidade (homem como fator presente no todo);
Sociologia Criminal: demonstra que a personalidade criminosa é
resultante de influências psicológicas e do meio social;
https://pt.wikipedia.org/wiki/Antropologia_criminal
https://pt.wikipedia.org/wiki/Hol%C3%ADstica
https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Biopsicosocial&action=edit&redlink=1
Ciências Biológicas: fornecem os elementos naturais e orgânicos que
influenciam ou determinam a conduta do criminoso;
Vitimologia: estuda a vítima e sua relação com o crime e o criminoso
(estuda a proteção e tratamento da vítima, bem como sua possível
influência para a ocorrência do crime);
Criminalística: é o ramo do conhecimento que cuida da dinâmica de um
crime. Estuda os fatores técnicos de como o crime aconteceu. Há um setor
especializado da polícia destinado a essa área.
Ciências Econômicas: estuda o crime a partir do instrumental
analítico racionalista. O crime é visto como um mercado e sua oferta é
determinada por fatores como o ganho esperado da atividade criminosa,
probabilidade de sucesso e intensidade da punição em caso de falha.
Criminologia.
Um breve histórico das escolas: clássica, positiva, crítica, moderna alemã
e a influência da escola positiva na formação do Código Penal de 1940
INTRODUÇÃO
O professor Nestor Sampaio explica que não existe uniformidade na doutrina
quanto ao surgimento da criminologia segundo padrões científicos, porque há
diversos critérios e informes diferentes que procuram situá-la no tempo e no
espaço. No plano contemporâneo, a criminologia decorreu de longa evolução,
marcada, muitas vezes, por atritos teóricos irreconciliáveis, conhecidos por
“disputas de escolas”. O próprio Cesare Lombroso não se dizia criminólogo e
sustentava ser adepto da escola antropológica italiana. É bem verdade que a
criminologia como ciência autônoma existe há pouco tempo, mas também é
indiscutível que ela ostenta um grande passado, uma enorme fase pré-
científica.
Para que se possa delimitar esse período pré-científico, é importante definir o
momento em que a criminologia alcançou status de ciência autônoma. Muitos
doutrinadores afirmam que o fundador da criminologia moderna foi Cesare
https://pt.wikipedia.org/wiki/Vitimologia
https://pt.wikipedia.org/wiki/Criminal%C3%ADstica
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ci%C3%AAncias_Econ%C3%B4micas
Lombroso , com a publicação, em 1876, de seu livro "O homem delinquente".
Para outros, foi o antropólogo francês Paul Topinard quem, em 1879, teria
empregado pela primeira vez a palavra “criminologia”, e há os que defendem a
tese de que foi Rafael Garófalo quem, em 1885, usou o termo como nome de
um livro científico.
Ainda existem importantes opiniões segundo as quais a Escola Clássica, com
Francesco Carrara (Programa de direito criminal, 1859), traçou os primeiros
aspectos do pensamento criminológico. Não se pode perder de vista, no
entanto, que o pensamento da Escola Clássica somente despontou na
segunda metade do século XIX e que sofreu uma forte influência das ideias
liberais e humanistas de Cesare Bonesana , o Marquês de Beccaria, com a
edição de sua obra genial, intitulada Dos delitos e das penas, em 1764. Por
derradeiro, releva frisar que, numa perspectiva não biológica, o belga Adolphe
Quetelet9 , integrante da Escola Cartográfica, ao publicar seu Ensaio de Física
Social (1835), seria um expoente da criminologia inicial, projetando análises
estatísticas relevantes sobre criminalidade, incluindo os primeiros estudos
sobre “cifras negras de criminalidade” (percentual de delitos não comunicados
formalmente à Polícia e que não integram dados estatísticos oficiais). Nessa
discussão quase estéril acerca de quem é o criador da moderna criminologia,
uma coisa é imperiosa: houve forte influência do Iluminismo, tanto nos
clássicos quanto nos positivistas, conforme veremos.
ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
A partir do século XIX, o conceito de crime e os fatores que desencadeiam uma
conduta criminosa foram sendo estudados com mais ênfase, tanto pela ciência
médica, assim como pelos filósofos e juristas da época. Diante disso, partindo
dessa interação, surge a Criminologia, que nesse momento se ocupou de
estudar as causas do crime, e o deliquente. Conforme leciona o professor
Nestor Sampaio , a etapa pré-científica da criminologia ganha destaque com os
postulados da Escola Clássica, muito embora antes dela já houvesse estudos
acerca da criminalidade. Nessa etapa pré-científica havia dois enfoques muito
nítidos: de um lado, os clássicos, influenciados pelo Iluminismo, com seus
métodos dedutivos e de lógica formal, e, de outro lado, os empíricos, que
investigavam a gênese delitiva por meio de técnicas fracionadas, tais como as
empregadas pelos fisionomistas, antropólogos, biólogos etc., os quais
substituíram a lógica formal e a dedução pelo método indutivo experimental
(empirismo). Essa divisão existente entre o que se convencionou chamar de
clássicos e positivistas, quer com o caráter pré-científico, quer com o apoio da
cientificidade, ensejou aquilo que se entendeu por “luta de escolas”.
No século XIX surgiram inúmeras correntes de pensamento estruturadas de
forma sistemática, segundo determinados princípios fundamentais. Essas
correntes, que se convencionou chamar de Escolas Penais, foram definidas
como o corpo orgânico de concepções contrapostas sobre a legitimidade do
direito de punir, sobre a natureza dodelito e sobre o fim das sanções.
ESCOLA CLÁSSICA
Segundo o professor Cezar Roberto Bitencourt, não houve uma Escola
Clássica propriamente, entendida como um corpo de doutrina comum,
relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados
pelo crime e pela sanção penal. Com efeito, é praticamente impossível reunir
os diversos juristas, representantes dessa corrente, que pudessem apresentar
um conteúdo homogêneo. Na verdade, a denominação Escola Clássica não
surgiu, como era de esperar, da identificação de uma linha de pensamento
comum entre os adeptos do positivismo jurídico, mas foi dada, com conotação
pejorativa, por aqueles positivistas que negaram o caráter científico das
valorações jurídicas do delito. Os postulados consagrados pelo Iluminismo,
que, de certa forma, foram sintetizados na célebre obra de Cesare de Beccaria,
Dos Delitos e das Penas (1764), serviram de fundamento básico para a nova
doutrina, que representou um grande avanço na humanização das Ciências
Penais. A crueldade que comandava as sanções criminais em meados do
século XVIII exigia uma verdadeira revolução no sistema punitivo então
reinante. A partir da segunda metade desse século, os filósofos, moralistas e
juristas, dedicam suas obras a censurar abertamente a legislação penal
vigente, defendendo as liberdades do indivíduo e enaltecendo os princípios da
dignidade do homem.
Os clássicos partiram de duas teorias distintas, como ensina o professor Nestor
Sampaio Penteado Filho, in verbis:
Os Clássicos partiram de duas teorias distintas: o jusnaturalismo (direito natural, de Grócio),
que decorria da natureza eterna e imutável do ser humano, e o contratualismo (contrato social
ou utilitarismo, de Rousseau), em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os
homens, no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da segurança
coletiva.
Diante das teorias supracitadas, a vida em sociedade, tanto de forma natural
ou convencionada, só é possível após se criar um rol de regramentos, ou
melhor dizendo, normas sociais, das quais a inobservância resultara em uma
reprimenda por parte do Estado. Diante da existência da norma, que de
maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijurídicas, cabe ao
individuo participante da sociedade a observância ou não da lei, como
preleciona Alfonso Serrano Maíllo, senão vejamos:
Quando alguém encara a possibilidade de cometer um delito, efetua um cálculo racional dos
benefícios esperados (prazer) e os confronta com os prejuízos (dor) que acredita vão derivar
da prática do delito; se os benefícios são superiores aos prejuízos, tenderá a cometer a
conduta delitiva.
Por fim, Serrano defende a ideia de que as ações humanas devem ser julgadas
conforme tragam mais ou menos prazer ao indivíduo e contribuam ou não para
maior satisfação do grupo social.
ESCOLA POSITIVA
Segundo Bitencourt, “Durante o predomínio do pensamento positivista no
campo da filosofia, no fim do século XIX, surge a Escola Positiva, coincidindo
com o nascimento dos estudos biológicos e sociológicos”. Sampaio explica que
a chamada Escola Positiva tem sua origem no século XIX na Europa,
influenciada no campo das ideias pelos princípios desenvolvidos pelos
fisiocratas e iluministas no século anterior. No entanto, é importante lembrar
que, antes da expressão “italiana” do positivismo - Lombroso, Ferri e Garófalo -
, já se delineava um cunho científico aos estudos criminológicos, com a
publicação, em 1827, na França, dos primeiros dados estatísticos sobre a
criminalidade. Tal publicação chamou a atenção de um importante
pesquisador, o belga Adolphe Quetelet – já mencionado na introdução deste
artigo, que ficou fascinado com a sistematização de dados sobre delitos e
delinquentes, justamente em função disso, em 1835, Quetelet publicou a obra
Física Social.
A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos métodos de
observação e investigação que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia,
Antropologia, etc.). No entanto, logo se constatou que essa metodologia era
inaplicável em algo tão circunstancial como a norma jurídica. Essa constatação
levou os positivistas a concluírem que a atividade jurídica não era científica e,
em consequência, proporem que a consideração jurídica do delito fosse
substituída por uma sociologia ou antropologia do delinquente, chegando,
assim, ao verdadeiro nascimento da Criminologia, independente da dogmática
jurídica.
Ademais, os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva
são os seguintes: a ineficácia das concepções clássicas relativamente à
diminuição da criminalidade; o descrédito das doutrinas espiritualistas e
metafísicas e a difusão da filosofia positivista; a aplicação dos métodos de
observação ao estudo do homem, especialmente em relação ao aspecto
psíquico; os novos estudos estatísticos realizados pelas ciências sociais
(Quetelet) permitiram a comprovação de certa regularidade e uniformidade nos
fenômenos sociais, incluída a criminalidade. Por fim, as novas ideologias
políticas que pretendiam que o Estado assumisse uma função positiva na
realização dos fins sociais, mas, ao mesmo tempo, entendiam que o Estado
tinha ido longe demais na proteção dos direitos individuais, sacrificando os
direitos coletivos.
Desse modo, pode-se afirmar que a Escola Positiva teve três fases:
antropológica (Lombroso), sociológica (Ferri) e jurídica (Garófalo), das quais
iremos discorrer mais adiante.
CESAR LOMBROSO (1835-1909)
Segundo Bintecourt: “Lombroso — com inegável influência de Comte25 e
Darwin26 — foi o fundador da Escola Positivista Biológica, destacando-se,
sobretudo, seu conceito sobre o criminoso atávico”.
Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro “o homem delinquente”, que deu
início a um período científico de estudos criminológicos. Na verdade Lombroso
não criou uma teoria moderna, mas sistematizou uma série de conhecimentos
esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligível. Considerado o pai da
“Antropologia Criminal”, Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas
para traçar um perfil dos criminosos.
Lombroso examinava com intensa profundidade as características fisionômicas
e as comparou com os dados estatísticos de criminalidade. Nesse sentido,
dados como estrutura torácica, estatura, peso, tipo de cabelo, comprimento de
mãos e pernas foram analisados com detalhes. Lombroso também buscou
informes em dezenas de parâmetros frenológicos , decorrentes de exames de
crânios, traçando um viés científico para a teoria do criminoso nato.
Em seus últimos estudos, Lombroso reconhecia que o crime pode ser
consequência de vários fatores, que podem ser convergentes ou
independentes. Todos esses fatores, como ocorre com qualquer fenômeno
humano, devem ser considerados, não atribuindo à conduta criminosa uma
única causa. Essa evolução no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua
tipologia de delinquentes: a) nato; b) por paixão; c) louco; d) de ocasião; e)
epilético.
Muitas foram as críticas feitas a Lombroso, justamente pelo fato de que
milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime.
Os fenótipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam
relacionados diretamente com a população que vivia à margem da sociedade
na época, porquanto, os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria
em manicômios e prisões, vejam o que diz o professor Nestor Sampaio:
Registre-se, por oportuno, que suas pesquisas foram feitas na maioria em
manicômios e prisões, concluindo que o criminoso é um ser atávico, um ser
que regride ao primitivismo, um verdadeiro selvagem (ser bestial), que nasce
criminoso, cuja degeneração é causada pela epilepsia, que ataca seus centros
nervosos. Estavam fixadas as premissas básicas de sua teoria: atavismo,
degeneração epilética e delinquente nato, cujascaracterísticas seriam: fronte
fugidia, crânio assimétrico, cara larga e chata, grandes maçãs no rosto, lábios
finos, canhotismo (na maioria dos casos), barba rala, olhar errante ou duro
etc.32
Como já tido anteriormente, inúmeras foram as criticas à teoria do “criminoso
nato” de Lombroso. Então, em socorro do mestre, surgiu o pensamento
sociológico de Ferri.
RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
Segundo Heleno Fragoso “Garofalo foi o jurista da primeira fase da Escola
Positiva, cuja obra fundamental foi sua Criminologia, publicada em 1885”. 33
Como ocorre com todos os demais autores positivistas, Garofalo deixa
transparecer em sua obra a influência do darwinismo e das ideias de Herbert
Spencer34. Conseguiu, na verdade, dar uma sistematização jurídica à Escola
Positiva, estabelecendo, basicamente, os seguintes princípios: a) a
periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente; b) a
prevenção especial como fim da pena, que, aliás, é uma característica comum
da corrente positivista; c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da
Defesa Social, deixando, por isso, em segundo plano os objetivos
reabilitadores; d) formulou uma definição sociológica do crime natural, uma vez
que pretendia superar a noção jurídica. 35
Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo, teorizou que o crime estava no
homem e que se revelava como degeneração deste; criou o conceito de
temibilidade ou periculosidade, que seria o propulsor do delinquente e a porção
de maldade que deve se temer em face deste; fixou, por derradeiro, a
necessidade de conceber outra forma de intervenção penal – a medida de
segurança. Seu grande trabalho foi conceber a noção de delito natural
(violação dos sentimentos altruísticos de piedade e probidade). Classificou os
criminosos em natos (instintivos), fortuitos (de ocasião) ou pelo defeito moral
especial (assassinos, violentos, ímprobos e cínicos), propugnando pela pena
de morte aos primeiros. 36
Bitencourt explica que a posição de Garofalo era a da defesa social como
principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos, já que
estes não se adequariam de nenhuma forma às normas que regulam a vida em
sociedade, vejamos:
As contribuições de Garofalo, na verdade, não foram tão expressivas como as
de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto à readaptação do
homem criminoso. Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posições
radicais em favor da pena de morte. Partindo das ideias de Darwin, aplicando a
seleção natural ao processo social (darwinismo social), sugere a necessidade
de aplicação da pena de morte aos delinquentes que não tivessem absoluta
capacidade de adaptação, que seria o caso dos “criminosos natos”. Sua
preocupação fundamental não era a correção (recuperação), mas a
incapacitação do delinquente (prevenção especial, sem objetivo
ressocializador), pois sempre enfatizou a necessidade de eliminação do
criminoso. Enfim, insistiu na necessidade de individualizar o castigo, fato que
permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas. A ênfase que dava à defesa
social talvez justifique seu desinteresse pela ressocialização do delinquente.
ENRICO FERRI (1856-1929)
Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal. Na
investigação que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) — seu
primeiro trabalho importante — sustentou a teoria sobre a inexistência do livre-
arbítrio, considerando que a pena não se impunha pela capacidade de
autodeterminação da pessoa, mas pelo fato de ser um membro da sociedade.
De certa forma, Ferri adota, como Lombroso, a concepção de Romagnosi
sobre a Defesa Social, através da intimidação geral. Por essa tese de Ferri,
passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social. Mais
adiante, quando publica a terceira edição de sua Sociologia Criminal, adere às
ideias de Garofalo sobre prevenção especial e à contribuição de Lombroso ao
estudo antropológico, criando o conteúdo da doutrina que se consubstanciou
nos princípios fundamentais da Escola Positiva.
O sociólogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepção da defesa social do
grande mestre Romagnosi39, assim como os demais precursores da escola
positivista italiana, no entanto, divergia de Lombroso, no que diz respeito à
impossibilidade de ressocialização de um “criminoso nato”, afirmando que só
poderiam ser considerados incorrigíveis apenas os criminosos habituais,
admitindo que até mesmo entre estes, seria possível a eventual correção de
uma minoria. Vejamos o que diz Bintecourt:
Apesar de seguir a orientação de Lombroso e Garofalo, deixando em segundo plano o objetivo
ressocializador (correcionalistas), priorizando a Defesa Social, Ferri assumiu uma postura
diferente em relação à recuperação do criminoso. Contrariando a doutrina de Lombroso e
Garofalo, Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptável. Considerava
incorrigíveis apenas os criminosos habituais, admitindo, assim mesmo, a eventual correção de
uma pequena minoria dentro desse grupo.40
Apesar do predomínio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social, não deixou
de marcar o início da preocupação com a ressocialização do criminoso. Para
Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da
Escola Positiva.41
Os principais aspectos da Escola Positiva são: a) o Direito Penal é um produto
social, obra humana; b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida
em sociedade); c) o delito é um fenômeno natural e social (fatores individuais,
físicos e sociais); d) a pena é um meio de defesa social, com função
preventiva; e) o método é o indutivo ou experimental; e f) os objetos de estudo
do Direito Penal são o crime, o delinquente, a pena e o processo. 42
Por fim, cabe ressaltar que, a Escola Positiva teve enorme repercussão,
destacando-se como algumas de suas contribuições: a) a descoberta de novos
fatos e a realização de experiências ampliaram o conteúdo do direito; b) o
nascimento de uma nova ciência causal-explicativa: a criminologia; c) a
preocupação com o delinquente e com a vítima; d) uma melhor individualização
das penas (legal, judicial e executiva); e) o conceito de periculosidade; f) o
desenvolvimento de institutos como a medida de segurança, a suspensão
condicional da pena e o livramento condicional; e g) o tratamento tutelar ou
assistencial do menor. 43
TERZA SCUOLA ITALIANA
O professor Bintecourt explica que a Escola Clássica e a Escola Positiva foram
as duas únicas escolas que possuíam posições extremas e filosoficamente
bem definidas.
Posteriormente, surgiram outras correntes que procuravam uma conciliação
dos postulados das duas predecessoras. Nessas novas escolas intermediárias
reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias, mas que evitavam
romper completamente com as orientações das escolas anteriores,
especialmente os primeiros ecléticos. Enfim, essas novas correntes
representaram a evolução dos estudos das ciências penais, mas sempre com
uma certa prudência, como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de
novas ideias.44
Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento, explica em seu Manual de
Criminologia:
As Escolas Clássica e Positiva foram as únicas correntes do pensamento criminal que, em sua
época, assumiram posições extremadas e bem diferentes filosoficamente. Depois delas
apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos. Dentre essas teorias
ecléticas ou intermediárias, reuniram-se penalistas orientados por novas ideias, mas sem
romper definitivamente com as orientações clássicas ou positivistas.45
A primeira dessas correntes ecléticas surgiu com a Terza Scuola italiana,
também conhecida como escola crítica, a partir do famoso artigo publicado por
Manuel Carnevale, Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia, em 1891.
Integrou também essa nova escola, que marcouo início do positivismo crítico,
Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e João Impallomeni
(Istituzioni di Diritto Penale).46
A Terza Scuola acolhe o princípio da responsabilidade moral e a consequente
distinção entre imputáveis e inimputáveis, mas não aceita que a
responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbítrio, substituindo-o pelo
determinismo psicológico: o homem é determinado pelo motivo mais forte,
sendo imputável quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos. A
quem não tiver tal capacidade deverá ser aplicada medida de segurança e não
pena. Enfim, para Impallomeni, a imputabilidade resulta da intimidabilidade e,
para Alimena, resulta da dirigibilidade dos atos do homem. O crime, para esta
escola, é concebido como um fenômeno social e individual, condicionado,
porém, pelos fatores apontados por Ferri. O fim da pena é a defesa social,
embora sem perder seu caráter aflitivo, e é de natureza absolutamente distinta
da medida de segurança.47
ESCOLA MODERNA ALEMÃ
O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notável das correntes
ecléticas, que ficou conhecida como Escola Moderna Alemã, a qual
representou um movimento semelhante ao positivismo crítico da Terza Scuola
italiana, de conteúdo igualmente eclético. Esse movimento, também conhecido
como escola de política criminal ou escola sociológica alemã, contou ainda com
a contribuição decisiva do belga Adolphe Prins e do holandês Von Hammel,
que, com Von Liszt, criaram, em 1888, a União Internacional de Direito Penal,
que perdurou até a Primeira Guerra Mundial. O trabalho dessa organização foi
retomado em 1924, por sua sucessora, a Associação Internacional de Direito
Penal, a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade,
destinada a promover, por meio de congressos e seminários, estudos
científicos sobre temas de interesse das ciências penais. 48
Von Liszt (1851-1919) foi discípulo de grandes mestres, dentre os quais os
mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49, recebendo grande
influência deste último, inclusive quanto à ideia de fim do Direito, que motivou
toda a orientação do sistema que Liszt viria a construir. Von Liszt, além de
jurista, foi também grande político austríaco, tendo liderado, na sua juventude,
o Partido Nacional-Alemão da juventude acadêmica austríaca. Nunca perdeu o
interesse pela política, que na verdade determinou sua postura jurídico-
científica, levando-o a conceber o Direito Penal como política criminal.
Catedrático austríaco, posteriormente catedrático alemão, especialmente em
Marburg (1882), concluiu sua cátedra na Universidade de Berlim, quando se
aposentou em 1916, vindo a falecer em 1919. Autor de inúmeras obras
jurídicas, publicou o seu extraordinário Tratado do Direito Penal alemão, em
1881, que teve vinte e duas edições, consagrando-se como o grande
dogmático e sistematizador do Direito Penal alemão. Von Liszt encarregou-se,
digamos assim, da segunda versão do positivismo jurídico, dividindo a
utilização de um método descritivo/classificatório que excluía o filosófico e os
juízos de valor, mas se diferenciava ao apresentar ligações à consideração da
realidade empírica não jurídica: o positivismo de Von Liszt foi um positivismo
jurídico com matizes naturalísticas.50
Em 1882, Von Liszt ofereceu ao mundo jurídico o seu famoso Programa de
Marburgo — A ideia do fim no Direito Penal, verdadeiro marco na reforma do
Direito Penal moderno, trazendo profundas mudanças de política criminal,
fazendo verdadeira revolução nos conceitos do Direito Penal positivo até então
vigentes. Como grande dogmático que se revelou, sistematizou o Direito Penal,
dando-lhe uma complexa e completa estrutura, admitindo a fusão com outras
disciplinas, como a criminologia e a política criminal. Por isso é possível afirmar
que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt. 51
Inicialmente, Von Liszt não admitia o livre-arbítrio, que substituía pela
normalidade que deveria conduzir o indivíduo, e deixou em segundo plano a
finalidade retributiva da pena, priorizando a prevenção especial. Von Liszt
incluiu na sua ampla concepção de ciências penais a Criminologia e a
Penologia (esta expressão criada por ele): a Criminologia, para ele, teria a
missão de explicar as causas do delito, enquanto a Penologia estudaria as
causas e os efeitos da pena. Embora conhecedor das teorias de Lombroso,
Ferri e Garofalo, com os quais não concordava, com seu Programa de
Marburgo passou a defender a prevenção especial, ganhando grande
repercussão internacional. 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em
choque com os seguidores da escola clássica, que tinha seu principal
representante na Alemanha, Karl Binding (1841-1920), o mais autêntico
seguidor das teorias de Kant e Hegel.53
Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca
dessa temática, destaca-se a importância das lições formuladas pela Escola
moderna alemã cujo maior expoente fora Franz Von Liszt. Esse movimento,
também conhecido como escola de política criminal ou escola sociológica
alemã, contou ainda com a contribuição decisiva do belga Adolphe Prins e do
holandês Von Hammel, que, com Von Liszt, criaram, em 1888, a União
Internacional de Direito Penal. A referida Escola “era deliberadamente eclética
e visava ao estudo do “direito penal total”, ou seja, à confluência das ciências
contributivas que formariam a “enciclopédia penal” (Jimenez de Asúi). O crime
era estudado não somente do ponto de vista jurídico, mas antropológico e
sociológico”. 54
Enfim, as principais características da moderna escola alemã podem ser
sintetizadas nas seguintes: a) adoção método lógico-abstrato e indutivo-
experimental — o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais
ciências criminais. Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das
demais ciências criminais, tais como Criminologia, Sociologia, Antropologia
etc.; b ) distinção entre imputáveis e inimputáveis — o fundamento dessa
distinção, contudo, não é o livre arbítrio, mas a normalidade de determinação
do indivíduo. Para o imputável a resposta penal é a pena, e para o perigoso, a
medida de segurança, consagrando o chamado duplo-binário; c) o crime é
concebido como fenômeno humanosocial e fato jurídico — embora considere o
crime um fato jurídico, não desconhece que, ao mesmo tempo, é um fenômeno
humano e social, constituindo uma realidade fenomênica; d) função finalística
da pena — a sanção retributiva dos clássicos é substituída pela pena
finalística, devendo ajustar-se à própria natureza do delinquente. Mesmo sem
perder o caráter retributivo, prioriza a finalidade preventiva, particularmente a
prevenção especial; e) eliminação ou substituição das penas privativas de
liberdade de curta duração — representa o início da busca incessante de
alternativas às penas privativas de liberdade de curta duração, começando
efetivamente a desenvolver uma verdadeira política criminal liberal.55
CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
Após o estudo das diferentes correntes do positivismo, é fácil constatar os
motivos do seu declínio. O principal deles consiste na visão formalista e causal
explicativa do Direito Penal, proporcionada pela pretensão de fundamentar e
legitimar o sistema penal a partir do método indutivo. Como vimos, o
positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos métodos de observação e
investigação que eram utilizados nas disciplinas experimentais (física, biologia,
antropologia, etc.). 56 Logo se percebeu, no entanto, que essa metodologia era
inaplicável em algo tão circunstancial como a norma jurídica. Essa constatação
levou os positivistas a concluírem, apressadamente, que a atividade não era
científica e, em consequência, proporem que a consideração do delito fosse
por uma sociologia ou antropologia do delinquente, chegando,dessa forma, ao
nascimento da Criminologia, independentemente da dogmática jurídica. 57
Com efeito, a preocupação com a produção de um conhecimento estritamente
científico conduziu os juristas dessa época a uma disputa acerca do autêntico
conteúdo da Ciência do Direito Penal. Como vimos nas epígrafes anteriores,
houve uma grande polêmica em torno das duas grandes vertentes que
abrangem a Ciência Penal: a criminológica e a jurídico-dogmática. A vertente
criminológica, voltada para a explicação do delito como fenômeno social,
biológico e psicológico, não era capaz de resolver questões estritamente
jurídicas, como a diferença entre tentativa e preparação do delito, em que
casos a imprudência é punível, os limites das causas de justificação, etc. 58
A vertente jurídico-dogmática, por sua vez, ao considerar que a Ciência do
Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e, como missão, a
análise e sistematização das leis e normas para a construção jurídica através
do método indutivo, não foi capaz de determinar o conteúdo material das
normas penais, nem de compreender o fenômeno delitivo como uma realidade
social, permanecendo em um insustentável formalismo. Há um claro
entendimento, na atualidade, de que a Ciência do Direito Penal abrange tanto a
Criminologia como a Dogmática, e que os conhecimentos produzidos por esses
ramos se inter-relacionam na configuração da Política Criminal mais adequada
para a persecução de crimes. Essa diferenciação permitiu o avanço da
construção jurídico-dogmática a partir dos estudos de Von Liszt e Binding, mas
sem os equívocos do método positivista. 59
INFLUÊNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO CÓDIGO PENAL DE 1940
A leitura do Código mostra a cada passo a decisiva e palpável influência da
Escola Positiva, na Exposição de Motivos está consignado que nele "os
postulados clássicos fazem causa comum com os princípios da Escola
Positiva". 60 A política de transação ou conciliação, a que se refere à
Exposição de Motivos, permitiu que os traços de inspiração positivista, dessem
um aspecto novo e sadio à fisionomia geral do Código. Donnedieu de Vabres,
em arguta crítica, diz que o Código Penal de 1940 foi guiado por um prudente
oportunismo, acessível às sugestões da ciência nova, mas firmemente
agarrado, segundo a tradição, ao valor cominatório e intimidativo da pena. 61O
Código Penal foi elaborado por uma comissão de seis membros, dos quais
Roberto Lyra era o único positivista, todavia, podemos dizer que se trata de
código de feitio eclético, onde se conciliam o positivismo de Lyra e o
classicismo politicamente autoritário de Hungria. Os princípios da escola
positiva forneceram ao Código Penal brasileiro à tônica individualizadora, o
talhe subjetivista, o porte defensista, com os avanços da responsabilidade
legal, através, principalmente, da periculosidade, com as flexões do arbítrio
judicial sobre os traslados biossociológicos. 62
A influência da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no critério diretivo
estabelecido pelo artigo 59, no tocante a consideração da personalidade do
criminoso. A Exposição de Motivos do Código Penal de 1940 deixa bem
ressaltado que o réu terá de ser apreciado através de todos os fatores,
endógeno e exógeno de sua individualidade moral e da maior ou menor
intensidade de sua “mens rea” (aspecto subjetivo da responsabilidade). 63
O Código Penal ressalta a consideração do crime em função do seu autor,
assim, a referida legislação adotou, de forma explícita, o exame da
personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade.64
Ressaltamos a inegável influência do positivismo nos dados pertinentes aos
motivos determinantes do crime. Para a Escola Positiva, o motivo era a pedra
de toque da periculosidade criminal, com efeito, o motivo fútil e o motivo torpe
representam significativos sintomas de periculosidade individual, conforme
acentua a Exposição de Motivos, “adquire culminante relevo o motivo, o
“porque” do crime, sendo que na “aplicação da pena, os motivos do crime
figuram como um dos critérios centrais de orientação”. Outrossim, o motivo de
relevante valor moral ou social, inspira-se no artigo 22, 2.0, do Projeto Ferri.65
A Escola Positiva começou a desacreditar da chamada pena dosimétrica, pena
medida e contada com ridículos requintes de pretensa exatidão matemática,
em correspondência quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato",
assim, generalizou-se a tendência de considerar a pessoa do delinquente, em
seus aspectos físico, antropológico e moral, para efetiva individualização da
pena, essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 1940.66
O Código satisfez a exigência da Escola Positiva, ao estabelecer a
circunstância atenuante do erro de direito escusável (artigo 20 do Código
Penal). Assim como a atenuante constante na alínea “e”, inciso III, do artigo 65
do Código Penal.
Influência decisiva encontramos na disciplina das circunstâncias do crime, dois
critérios fundamentais guiam o legislador, ao disciplinar as circunstâncias do
delito: o objetivo e o subjetivo. O critério objetivo tem em mira o elemento
político do crime, ou seja, o alarma social por ele causado, é o critério preferido
pelas legislações inspiradas, pela Escola Clássica. Para o critério subjetivo, o
singular valor das circunstâncias do delito resulta da periculosidade revelada
pelo criminoso, é o critério preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no
Projeto Ferri. 67
Não escapou também a disciplina da reincidência ao influxo da escola de Ferri,
além de Ferri, sustentavam a perpetuidade da reincidência, Garofalo, Carelli,
Niceforo, dentre outros. Por este critério a reincidência prolonga-se no tempo,
nada a desfigurando ou esmaecendo. O Código Penal de 1940, seguindo o
critério da perpetuidade da reincidência, salientando a exposição ministerial de
motivos, à relevância da sentença condenatória estrangeira, para o efeito de
reconhecimento da reincidência.68
As medidas de segurança não foram introduzidas diretamente pela Escola
Positiva, foram uma resultante do desenvolvimento das concepções positivistas
sobre a prevenção dos delitos, tais concepções positivistas de defesa social
foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940, acolhendo a fórmula das
medidas de segurança destinadas a proteger a sociedade contra a
periculosidade criminal. É a periculosidade, diretriz fundamental da Escola
Positiva, seu conceito surge pela primeira vez na “temibilità” de Garofalo,
definiu-a este como "a perversidade constante e ativa do delinquente e a
quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo
delinquente".69
O Código Penal de 1940 constrói seu sistema dentro do dualismo culpabilidade
e periculosidade criminal, pena e medida de segurança. Entretanto, como
observa Roberto Lyra, "a periculosidade, inclusive presumida, condiciona não
só a medida de segurança, como a aplicação da pena, e governa os
instrumentos de política criminal". 70
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As escolas penais foram correntes filosófico-jurídicas que buscaram firmar
teses sobre o crime e a figura do deliquente. A Escola Clássica, de inspiração
Iluminista, visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbítrio do Estado. A
Escola Positivista encarou o crime sob a ótica sociológica e o criminoso tornou-
se alvo de investigações biopsicológicas com fundamentos que não resistem a
uma análise mais minuciosa e negam o livre-arbítrio, base da responsabilidade
inalienável que cabe ao homem por seus atos. Ressaltamos que a Escola
Positiva, não obstante a contestação de seus representantes foi um reflexo no
campo penal, do pensamento positivista de Comte, Darwin e Spencer. A
Escola Crítica (também denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna
Alemã buscaram a moderação como meio para avançar nos estudos do crime
e do criminoso, levando em conta as duas correntesanteriores.
O Papel da Criminologia na Definição do Delito
Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a análise do
fenômeno delitivo é o primeiro e fundamental passo em direção à sua
conceituação. A compreensão do crime como fato social engloba a visão de
que tanto o delito, quanto o delinquente são produtos da sociedade.
Mais do que isso, conforme será visto no presente trabalho, o delito como
fato social é responsável pela construção de um ciclo, qual seja: a
socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes; escolhe,
dessa for- ma, aqueles que serão vistos como delinquentes; e a prática
das referidas condutas tipificadas se voltará contra a própria
comunidade responsável pela criação de todas estas figuras
envolvidas.
A sociedade dos dias de hoje é tida como uma sociedade de riscos, e
não é à toa. A criminalidade produz uma sensação de medo que atinge
o individual e o coletivo de uma comunidade. Com isso, não apenas os
indivíduos vivem suas vidas com uma constante sensação de
insegurança, mas – principalmente – a ideia de sociedade de riscos é
responsável pela adoção de diversas atitudes por meio do poder
estatal.
De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsável pela
implementação das referidas medidas, a criminologia se dispõe a en-
tender o fenômeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele. Assim, a partir da
construção de um conceito do que seja crime pelos criminólogos, estará essa
ciência auxiliando a política criminal na importante e complicada tarefa de
elencar as medidas penais necessárias para cada sociedade em seu tempo.
Em constante contato com a dogmática penal e com a política crimi- nal, a
criminologia se faz cada vez mais necessária para uma real compre-
ensão acerca do fenômeno delitivo. A utilização de seu método cientifico
e de sua observação empírica dos fatos levará a resultados
considerados válidos e extremamente eficientes no combate aos altos
índices de crimi- nalidade, visando a controlá-los – tendo em vista a utopia
na pretensão de extinguir por completo a prática delitiva em uma
sociedade.
NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIÊNCIA
O ponto de partida reside na compreensão do que seja crimino- logia,
bem como na análise da sua natureza como ciência. Ciência, de
acordo com uma das definições do dicionário MICHAELIS, é um ramo
de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observação e
classificação de fatos atinentes a determinado grupo de fenômenos, e for-
mulação das leis que os regem. Entender a criminologia como uma ciência
é o primeiro passo em direção à sua definição como ciência penal,
capaz de construir uma definição satisfatória do delito.
De acordo com o valioso ensinamento do professor SÉRGIO SALO- MÃO
SHECAIRA, “qualquer observação conceitual sobre a criminologia esbarra
nas diferentes perspectivas existentes nas ciências humanas”. Dessa
forma, é preciso ter em mente que a definição que se apresente acerca da
criminologia será intimamente relacionada com a ótica sob a qual ela está
sendo observada. Ao mesmo tempo, deve haver uma ideia comum acerca
das ciências criminológicas, a partir da qual positivistas, críticos e radicais
construirão seus próprios conceitos.
Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus
tempos e locais de realização. Logo, uma discussão acerca da crimi-
nologia implica na realização de uma breve análise histórica. A história da
criminologia, cujo aparecimento remonta há cerca de um século, é a his-
tória de uma época de continua sucessão, alternância ou confluência de
métodos e técnicas de investigação – isto é, uma época em que surgiram
diversas escolas criminológicas, as quais identificavam seus problemas
com as concretas questões e métodos que selecionaram.
A partir dos anos 30 do século XX, a criminologia contemporânea se propôs a
enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era
constituída. Para tanto, pretendia individualizar as causas e os sinais
antropológicos da referida criminalidade, de forma a observar os indivíduos
que eram assinalados dentro de instituições como o cárcere e os
manicômios judiciários.
O conceito jurídico de delito não é o objeto do discurso autônomo da
criminologia, e sim o homem delinquente. Este, por sua vez, é conside- rado
um indivíduo diferente e, como tal, clinicamente observável. Em ou- tras
palavras, a criminologia surgiu com a função de tentar compreender os
fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batê-
los por meio de práticas que tendem a modificar o delinquente.
Dessa forma, a criminologia trata da criminalidade como algo que é produto
da sociedade. Mais do que isso, o crime vem a atingir a própria sociedade
da qual é fruto. Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer época
em todas as comunidades de que se tem noticia. Valen- do-se do
conhecimento acerca dessa inevitável relação entre o delito e o
corpo social, os criminólogos buscam entender a fundo como ela pode ser
controlada, ou mesmo interrompida.
Neste momento, vale apresentar um viés da criminologia, denomi- nado
criminologia da reação social. Segundo esse posicionamento, a audi-
ência social atua mediante três diferentes processos de criminalização.6
Estuda-se, em primeiro lugar, a maneira com a qual a reação social se
manifesta ao criminalizar condutas antes lícitas, mediante a criação de
normas penais. Em segundo lugar, de que forma esta reação se torna
uma variável que interfere na criminalidade de indivíduos. E, em terceiro
lugar, como esta mesma reação contribui para a criminalização do
comporta- mento desviante e para a consequente perpetuação do papel
delitivo.
Com relação a esse tema, vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res
com os dados utilizados pela ciência criminológica. Entre eles, desta-
ca-se a opinião de NILS CHRISTIE, para quem o crime é produto de
pro- cessos culturais, sociais e mentais. Segundo o autor, condutas
passíveis de criminalização são como recursos naturais ilimitados,
estando o crime em permanente oferta.
A partir desse raciocínio, a conclusão do autor confirma a ideia de ciclo
da criminalidade anteriormente referida. Segundo afirma, a socieda- de
dos dias de hoje foi construída de forma com que o interesse de muitos
permita a facilidade em definir condutas indesejáveis como crime (em vez
de simplesmente taxá-las como más, insanas ou excêntricas).
Concomi- tantemente, nessa mesma sociedade é permanentemente
encorajada a prática de condutas indesejáveis, enquanto são reduzidas
as possibilida- des de controle informal da criminalidade.
Nesse sentido, BARATTA ressalta o critério utilizado para que se
realize a distinção entre um comportamento dito conforme a lei e o com-
portamento desviado. Para o autor, tal diferenciação irá depender muito
mais da definição legal – a qual elenca quais são os comportamentos
cri- minosos e quais são os comportamentos lícitos – do que de uma
atitude interior intrinsecamente boa ou má, isto é, valorada positiva ou
negativa- mente pelos indivíduos. Isso confirma a ideia apresentada no
parágrafo anterior: não há meio-termo entre condutas tipicas e atipicas;
não há va- loração de práticas como meramente positivas ou negativas.
A principal atividade da criminologia é estudar as causas do deli- to.
Existem diversas teorias criminológicas que tentam explicá-lo, motivo pelo
qual existem autores que ousam afirmar que essa função está em crise, ou
mesmo que teria sido abandonada. No entanto, na análise do fe- nômeno
delitivo sob uma perspectiva social, parece pouco provável (além de
demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas
razões que o ocasionam.
A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possíveis respostas
preventivas para o delito,de forma a controlá-lo. Com relação a esse ponto,
insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementação de
medidas para prevenção e controle do delito é a Política Criminal. Não se
trata de uma parte da criminologia, e sim de uma ciência autônoma que
conta com o auxílio das teorias criminológicas e dos fatos empíricos bem
conhecidos sobre o crime, para que possa emitir a decisão final sobre se
determinada medida deverá ser adotada.
Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia são
complementadas uma pela outra. Isto porque, conforme leciona SER- RANO
MAÍLLO10, “será dificil melhorar a prevenção e o controle do delito se antes
não conhecermos algo sobre suas causas”. Portanto, não é possí- vel tratar
da atividade criminológica de forma fragmentada, pois o estudo do fenômeno
delitivo é algo que demanda uma unidade de atenção volta- da à observação
dos fatos que a ele dizem respeito.
O estudo cientifico do delito abarca também a análise de quantos delitos
são cometidos em determinada localização durante certo período de tempo,
bem como quais são as tendências das taxas de criminalidade ao longo do
tempo. Por fim, com relação à atividade da criminologia, esta se ocupa de
entender por que as leis são elaboradas – mais especifica- mente, as leis
penais.
A natureza da criminologia como ciência tem fundamento em di- versas
razões. Em primeiro lugar, não se pode afirmar que a criminologia seja
meramente uma disciplina. KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo
qual se pode realizar tal conclusão.
O filósofo afirma que disciplinas nada mais são do que aglomerados
de teorias e de técnicas de prova, que tendem a solucionar os problemas.
Estes, por sua vez, são encontrados sempre que se realize uma
investiga- ção. Problemas surgem dentro de uma teoria, a
qual, por sua vez, é uma dentre as muitas teorias que
constituem uma disciplina.
CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-
junto desordenado de distintas teorias, as quais se encontram em conflito
entre si e não podem ser consideradas como unitárias. Ao contrário, as
teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-
dade ou totalidade, justamente por serem sempre formais.
Não sendo mera disciplina, a criminologia se enquadra na categoria de
ciência. Além dos seus métodos de análise – os quais em breve serão
explicados –, o estudo do fenômeno delitivo passa também pela conside-
ração do papel dos determinantes fortuitos. Isso porque os antecedentes
que produzem o delito não consistem apenas naquilo que os indivíduos
fazem, mas também naquilo que é feito a eles por outros.
Em outras palavras, o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma
força impulsora ou de forma a conspirar contra. Com isso, o delinquen- te
deve estar sempre consciente do papel daquilo que há de acidental em
suas condutas. Naturalmente, tais antecedentes não são de forma alguma a
única causa da prática do crime, mas complicações acidentais serão de funda-
mental importância para o destino da carreira criminal de um indivíduo.
O azar em muitas formas segue regendo o agir humano, e isso deve
sempre ser levado em consideração nos estudos criminológicos. No
entanto, por óbvio, o estudo do delito pela criminologia não poderia se
pautar apenas na consideração dos desenvolvimentos acidentais ocorri-
dos ao longo da vida do delinquente. É preciso realizar uma análise
con- creta acerca das razões das referidas práticas, bem como das
possíveis respostas mais adequadas a estas.
A criminologia aspira a aplicar o método cientifico no estudo do
delito16, motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciência.
Como ciência, visa a descrever e explicar a realidade, atribuindo, para
tanto, de- cisiva importância à análise empírica: observação dos fatos,
experimenta- ção e experiência real.
Ainda, conforme já fora anteriormente mencionado, a resposta al- cançada
pela criminologia dependerá da ótica pela qual se optará. Dessa forma, para
a criminologia, é imprescindível o estudo das diversas teorias que tratam de
explicar o fenômeno criminoso. AUGUSTO THOMPSON cor- robora com
essa afirmativa, ao lecionar:
Praticamente, cada criminólogo que se preza adota posição pessoal
no que concerne ao ponto. O fato indiscutivel é ine- xistir a mais
longínqua ou remota esperança de consenso a respeito da
questão.
Diante disso, a criminologia inevitavelmente irá se converter em um campo
formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela
relacionadas. Cada uma dessas seguirá seus próprios critérios, estabele-
cendo suas próprias premissas e axiomas. A compreensão de tais teorias
permite obter respostas às perguntas formuladas com relação ao delito,
auxiliando a definição da criminologia como ciência.
O método empírico a que se fez referência, utilizado para o estudo do crime,
também é objeto de críticas. A fundamental delas diz respeito ao fato de
que o sucesso desta técnica depende diretamente da neutrali- dade e do
desinteresse por parte do sujeito que realiza a análise em ques- tão. O
conhecimento obtido somente poderá ser sistematizado a partir da pureza
dos dados recolhidos. Então, constrói-se a seguinte questão: como seria
possível a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo é também par- te do
objeto investigado?
Apontada a referida crítica, é preciso ressaltar que ela corresponde à opinião
minoritária dos estudiosos. Majoritariamente, entende-se que a criminologia
tem natureza de ciência, utilizando-se, portanto, do método cientifico de
estudo. Por certo, é preciso que se conte com o maior rigor de
imparcialidade possível, tendo sempre em mente que a imparcialidade
completa do investigador é uma utopia.
O filósofo Popper é novamente citado na obra de Serrano Maíllo, para
explicar que será cientifica toda hipótese que puder ser negada me
diante fatos observáveis. Diante disso, tem-se que o método cientifico
empregado pela criminologia aspira à construção de teorias, das quais
deverão derivar hipóteses que serão, por fim, submetidas à refutação.
A tarefa para quem trabalha com criminologia é, definitivamente,
descobrir a maior quantidade possível de erros nas teorias para encontrar
sempre uma teoria melhor. Uma vez que supera com êxito os critérios
de refutação, levadas em consideração as demais qualidades já
elencadas, resta clara a natureza da criminologia como ciência. Sendo
uma ciência voltada ao estudo do crime, serão os avanços
criminológicos de grande utilidade para a construção de um conceito
de delito.
Mais do que uma ciência, a criminologia é ciência autônoma e inde-
pendente, não sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-
mo da política criminal. Para que realizem de forma plena seus
estudos, busca ser, na medida do possível, livre de valorações por
parte de qual- quer dos criminólogos envolvidos em sua pesquisa. Dessa
forma, procura essta ciência alcançar maior pureza nas informações
colhidas, bem como objetividade, realismo e constante progresso.
CRIMINOLOGIA E DOGMÁTICA JURÍDICO-PENAL
Neste momento, urge fazer a seguinte ressalva: também o direito penal
estuda o crime, o criminoso e, em sua essência, a criminalidade. Da
mesma forma, a política criminal não prescinde de indagar quanto ao
estudo desses três objetos. Diante dessa constatação, é possível que
surja o seguinte questionamento: seriam, então, a mesma coisa a
criminologia,o direito penal e a política criminal?
Parece evidente que não, embora não pareça justificável apartá- las
radicalmente em nome da autonomia cientifica. Dentre as inúmeras
diferenças que possuem entre si tais esferas de estudo do fenômeno cri-
minal, SHECAIRA optou por apontar uma em especial:
“... a criminologia, além de requerer consideráveis esforços, exige
profundos conhecimentos psicológicose sociológicos, por ser uma
disciplina que trabalha com métodos diferentes daqueles
normalmente utilizados na esfera jurídico-penal”.
Apesar das diferenças, existem pontos de semelhança entre estas três
distintas esferas que tornam imprescindível o exame do direito penal e da
política criminal para que se realize o estudo da criminologia. Isso porque
tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas, depen- dendo
mutuamente umas das outras para se fazerem compreender, uma vez que
“não existe problema jurídico-dogmático que não requeira um
conhecimento de suas bases criminológicas”.
O objeto do presente trabalho é a criminologia, e, embora guarde inevitável
relação com o direito penal e com a política criminal, não serão essas duas
disciplinas analisadas com especial atenção neste estudo. A criminologia,
de acordo com a clássica concepção de Sutherland, é o “con- junto de
conhecimentos sobre o delito como fenômeno social. Inclui em seu âmbito
os processos de elaboração das leis, de infração das leis e de reação à
infração das leis.”
A tendência no sentido da integração entre a dogmática penal e discipli- nas
antropológicas e sociológicas – como é o caso da criminologia – fará com que
sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciência. Espe-
cificamente com relação à formulação de um conceito de delito, este será mais
completo quanto maior a ciência se utilizar do auxílio das demais disciplinas.
Importante ressaltar que isso não significa que o direito penal ou a política
criminal sejam meramente auxiliares da criminologia. Assim como o inverso
não é verdadeiro, é preciso ter em mente que se está diante de três esferas
autônomas e independentes umas das outras, que contam com seus
respectivos resultados e conceitos para alcançarem suas pró- prias
realizações, distintamente.
Por meio dessa integração entre a ciência da criminologia e as dis- ciplinas
penais, a criminologia enriquece seu campo de estudo, de forma a obter
resultados mais completos para seus questionamentos. Desta for- ma, com
relação ao estudo do delinquente, a criminologia irá buscar nos
sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variáveis (excluindo-
se o processo de criminalização por si só) que possam vir a explicar sua
diver- sidade com relação aos demais sujeitos, ditos “normais”.
Ainda sobre o estudo do delinquente, foi necessário que a crimi-
nologia partisse de definições prévias e, de certa forma, até óbvias. Em
primeiro lugar, “criminoso é um homem, e homem é algo concreto, real,
fático, existente no mundo”. Entendendo-se o crime como um mal –
assim como a doença é um mal no corpo do paciente de um médico –
analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por
meio do corpo dos seus portadores: os delinquentes. Resta mostrada a
importância da supramencionada colaboração das disciplinas penais
para os estudos criminológicos.
Do mesmo modo, a criminologia liberal contemporânea toma por
empréstimo do direito penal suas definições do que venha a ser compor-
tamento criminoso, estudando tal comportamento como se fosse uma
qualidade criminal objetiva. Partindo dessa premissa, este viés da crimi-
nologia realiza a análise das normas e valores transgredidos pelos
indiví- duos, ou desviados por estes.
Sendo a ordem legal uma construção incontestável, não pode ela ser
deixada de lado na análise do crime e de seus fatores pela criminolo-
gia. A proposta da ciência deve ser uma análise não valorada – na
medida do possível – de tudo aquilo que envolve a prática de uma
conduta tipica. Para tanto, naturalmente não poderá abster-se do estudo
da lei positiva, a qual é objeto e ferramenta também de outras
disciplinas.
Para que seja realizada a distinção entre as diferentes esferas pe- nais,
é preciso ter em mente qual é a finalidade do estudo de cada uma de- las.
Nem sempre esta tarefa será de pacífico entendimento. Não somente
porque são muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem
alcançados pelas ciências penais, como também pelo simples fato de
que já se tem como saber que em muitos casos tais fins não mais
lograrão sucesso.
É o que ocorre com a política criminal, e mesmo com o próprio direito penal.
Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de
tratamento ressocializador, com vistas à reabilitação do delin- quente,
parece óbvio concluir que tal finalidade já se encontra fracassada em nosso
país. Com a criminologia, não é diferente: para que se analise a integração
desta ciência com as supramencionadas disciplinas – em especial, com a
dogmática jurídico-penal – é preciso partir da compreensão da finalidade
dos estudos criminológicos.
Conforme já fora anteriormente explicitado, a finalidade da crimi- nologia é
o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como
fenômeno social. O direito penal, por sua vez, também possui suas
finalidades próprias e específicas do seu campo de saber, que fazem com
que seja um campo conexo com a criminologia, enquanto ambos possuem
autonomia e independência.
Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando,
insta salientar que este ramo do Direito é, em boa parte, vol- tado a
funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as
menos favorecidas. Diante desta informação, tem-se que teo- rias
relativas, absolutas ou agnósticas resultarão nesta afirmativa de que o
Direito não é mais visto como um instrumento relativamente pacífico. Ao
contrário, corresponde a um conflito real e constante entre interesses
diversos de classes distintas.
Dessa forma, “o trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo
do próprio Direito e de sua produção” (grifo do autor). Por meio da análise
das especificidades acerca da dogmática jurídico-penal e mes- mo do direito
penal como um todo, será possível que a criminologia alcance os resultados
para seus estudos acerca do delito e do delinquente. As informações
obtidas com o auxílio das demais disciplinas serão acrescidas dos resultados
conquistados pelo método empírico dos criminólogos, en- riquecendo a
ambos os campos do conhecimento.
A comunicação entre os diversos estudiosos da lei penal importa
também para fins de discordarem uns dos outros. Tido por muitos como
o princípio de maior importância de todo o ordenamento jurídico – e,
portanto, do direito penal –, a ideia de igualdade é convenientemente
refutada por uma teoria da criminologia: a teoria do etiquetamento ou da
reação social (labelling approach).
De acordo com essa teoria, é errôneo o enunciado do princípio da
igualdade, segundo o qual o direito penal é igual para todos. Isso porque
o desvio e a criminalidade são qualidades atribuídas a determinados sujei-
tos, selecionados formal ou informalmente. Dessa forma, afirmam os crimi-
nólogos que o fenômeno da criminalidade não pode ser estudado sem que se
leve em consideração tais processos de seleção dos indivíduos desviados.
Da mesma forma, também as finalidades das distintas esferas do saber
criminal são questionadas entre si. O princípio do fim e da preven- ção
afirma que a pena não tem unicamente o objetivo de retribuir a prá- tica
do delito, mas também visa a preveni-lo. No entanto, essa ideia é
questionada pela criminologia.
A ciência se utiliza dos resultados de inúmeras pesquisas sobre a
efetividade do direito penal e de suas consequências jurídicas. A partir des-
sa análise, conclui ser uma ilusão o fim preventivo e retributivo do direito
penal, a que faz referência o supramencionado princípio. A criminologia se
justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocialização do delin-
quente uma função efetiva do cárcere, sendo impossível considerá-la como
um fim que possa ser alcançado pela pena de privação da liberdade.
Esses foramalguns dos exemplos elencados para demonstrar que o
confronto entre as ideias da criminologia e da dogmática jurídico-penal
nem sempre é algo negativo. Pelo contrário, na maioria das vezes será
algo construtivo para uma maior eficácia das medidas que serão adotadas
– pelo campo da política criminal – para que se vise a solucionar ao
máxi- mo o problema da criminalidade.
Além do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicáveis a cada
sociedade de modo a enfrentar a prática delitiva – objetos do saber do
direito penal e da política criminal –, é imprescindível que se faça uso
dos resultados obtidos pela criminologia. Um valor importante dessa ci-
ência em face de outras reside em seu conhecimento acerca do
sistema penal. Dessa forma, um estudo do delito e das formas de
controlá-lo precisa contar com uma análise acerca da definição dos
problemas sociais e da ampliação destes na esfera jurídico-penal.
A integração entre o saber da dogmática jurídico-penal e a ciên- cia
criminológica tem relevância também no que diz respeito ao auxílio na
evolução de tais esferas de conhecimento. Naturalmente, existe quem pense
que a dogmática encontra-se estagnada, ancorada, sem qualquer
possibilidade de evolução. Para os teóricos do Direito que se filiam a essa
opinião, a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- cançado
sua perfeição.
Por óbvio, não é o que ocorre. No atual contexto da sociedade brasilei- ra, o
ordenamento jurídico-penal ainda necessita de melhorias teóricas e práti- cas. O
direito penal já atingiu um limite muito além do que outrora se esperou desse ramo
do Direito, e, com o auxílio dos demais campos do saber – em especial, a
criminologia – possui ainda muitas possibilidades de evolução.
Hoje em dia, é majoritário o entendimento de que o Direito deve sempre se
dispor a evoluir, não podendo o penalista se acomodar aos limites da
interpretação da lei positiva. Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente,
tentando buscar a verdade do contexto jurídico em que está inserido, de
forma a alcançar uma segurança jurídica cada vez maior.39 O jurista deve
dispor do auxílio das diversas ciências penais, vez que não pode se
conformar em realizar uma valoração do direito positivo.
Conforme já fora ressaltado anteriormente, não pode haver qual- quer tipo
de confusão entre o direito penal e a criminologia. Trata-se de duas esferas
de conhecimento acerca das ciências penais que possuem pontos de
convergência e pontos extremamente distintos. Logo, é preciso esclarecer
que não apenas são a dogmática e a criminologia autônomas e
independentes entre si, como são disciplinas diversas uma da outra em
muitos aspectos.
O principal diferenciador entre a dogmática jurídico-penal e a cri- minologia
é o objeto de cada uma delas. O passar dos anos e a evolução da história são
responsáveis por mudanças ocorridas nos objetos de investiga- ção de cada
uma das referidas disciplinas. Ressalte-se, mais uma vez, que ja- mais se pode
deixar de ter em mente o papel do contexto histórico e social para a
compreensão do estudo do fenômeno delitivo como fato social.
Dessa forma, conforme leciona ALESSANDRO BARATTA, acerca do
objeto das referidas esferas de conhecimento:
“Hoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se
deslocou para a investigação das instâncias oficiais e dos
mecanismos oficiais e não oficiais que constituem a realidade total do
sistema penal. Pois bem. A dogmática penal é também parte desse
sistema, é um elemento do mesmo. (...) No caso da dogmática, a
legislação penal é seu objeto fundamental.”
Existe, portanto, um nível distinto de abstração e de autonomia de am- bas as
disciplinas com relação ao seu objeto. As semelhanças, porém, permi- tem
que tais objetos se auxiliem e se complementem, enriquecendo os resul-
tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcançados pela outra.
Importante ressaltar que tanto a dogmática, quanto a criminologia,
também são alicerces para o eficaz funcionamento da política criminal. É
certo que ainda não se pode contar com um conceito claro e definido do
que seja política criminal, ou mesmo do que possa ser inserido em seu
conteúdo de estudo.
Entretanto, é possível apreciar como as concepções mais amplas
acerca da política criminal tratam-na de forma mais além daquilo que
meramente consta nos códigos penais. Entende-se que a política criminal
deve alcançar até mesmo uma análise do que trata o processo penal e
a execução das penas.
Resta clara a existência e inegável importância da integração mútua entre
dogmática jurídico-penal e a ciência da criminologia. Conservando- se a
autonomia cientifica de cada uma, tal integração deve ser incentiva- da,
de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formação de um
entendimento global acerca da delinquência e dos demais problemas da
sociedade atual, acompanhando suas constantes transformações.
O PROBLEMA DA DEFINIÇÃO DE DELITO
O ordenamento jurídico brasileiro adota o sistema bipartido para
definição de infração penal. A partir do Código Criminal do Império, as
terminologias crime e delito são tratadas como sinônimos. Tais expres-
sões se diferenciam da outra espécie de infração penal existente no or-
denamento pátrio – as contravenções – uma vez que estas últimas são
infrações de menor gravidade.
Ainda de acordo com a atual legislação penal brasileira, a Lei de
Introdução ao Código Penal traz a definição legal do que seja crime ou
delito, diferenciando-o da contravenção penal. Em seu artigo 1º, lê-se:
Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de re- clusão ou
de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente
com a pena de multa; contravenção, a infra- ção penal a que a lei comina,
isoladamente, pena de prisão sim- ples ou de multa, ou ambas, alternativa
ou cumulativamente.
Em outras palavras, no que tange à definição legal de delito, o Brasil
historicamente optou pela adoção do chamado critério dicotômico. No
entanto, uma análise mais aprofundada acerca do fenômeno delitivo não
deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva. Dotada de tal
conhecimento, a criminologia deve partir para a construção de um concei- to
cientifico do que seja crime.
A sociedade atual é caracterizada por ser uma sociedade de riscos. Em
outras palavras, uma sociedade que já não se orienta por ideais posi- tivos
e solidários, e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados.
Diante disso, torna-se imprescindível uma busca pela justiça por meio de
ações estatais, o que propicie a propagação de uma sensação de segurança
entre os indivíduos.
Em uma sociedade de riscos, é cada vez mais visível a admissão dos
problemas por parte da população. A produção de toda forma de so-
frimento e opressão pode ser observada e confirmada até mesmo por
aqueles que negavam tais fatos. Com isso, o Direito deve ajustar-se às
necessidades de seu povo, se forma a atingir a finalidade a que se propõe a
atividade estatal, qual seja, atender às demandas sociais.
A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este
cunho assecuratório da população é a construção de uma premis- sa que
deverá servir de ponto de partida em tal empreitada: a completa
compreensão de tudo que envolva a criminalidade. Por meio de uma defi-
nição do que seja o crime, será possível tratá-lo como fato social e, a partir de
então, realizar um estudo sobre suas causas e as possíveis respostas que
lhes deverão ser aplicadas.
A definição sociológica de criminalidade partirá, portanto, daqui- lo que
a lei penal positiva define como delito. Junto a isso, englobará também
a análise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem
certa conduta como criminosa. A explicação de tudo que en- volve o
delito e sua natureza dependerá de comoele é definido em seu
momento de observação.
Nesse sentido, SERRANO MAÍLLO relembra que a “autonomia e in-
dependência da Criminologia se justificam, entre outras razões, porque
estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de
vista”. Significa dizer que deverá ser enquadrado no conceito de delito
também o exame da reação social diante do comportamento que é enten-
dido como desviante.
Essa reação social será observada levando-se sempre em considera- ção
o contexto – histórico e cultural – no qual aquele ato é definido social-
mente como delitivo. Isso porque a sociedade não representa meramente
uma soma de indivíduos: “o sistema formado pela sua associação
repre- senta uma realidade específica que tem suas próprias
características”. Terá relevância, portanto, o fato criminoso, apenas
quando este atingir a consciência coletiva de determinada sociedade.
O papel da criminologia na definição de delito é demasiadamente
importante diante desta atual condição da sociedade. Sendo uma ci-
ência empírica e disciplinar, conforme fora explicado anteriormente, a
criminologia visa a apresentar uma informação válida e confiável sobre
tudo o que diz respeito ao seu objeto: o delito. Dessa forma, apresen-
tará resultados que explicarão o surgimento, a dinâmica e as variáveis
do crime, encarado pelos criminólogos tanto como fato social, quanto
como problema individual de todos.
A criminalidade é inerente à existência de qualquer sociedade. É
utópica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual não haja o co-
metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-
lação. Igualmente absurdo tentar imaginar a hipótese de todos os crimes
serem solucionados, pois, para tanto, seria preciso que todos os crimes
fossem conhecidos – e, portanto, se estaria abrindo mão de toda a priva-
cidade dos indivíduos que vivem em um grupo.
A premissa da inevitabilidade da ocorrência de crimes correspon- de ao
princípio da normalidade do delito. Trata-se, portanto, da ideia de que em
todas as sociedades haverá a prática de condutas entendidas como
desviadas – e, assim, tipificadas como crimes. A investigação em- pírica
realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem
ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos
que foram por ela estudados.
Uma vez firmado o referido raciocínio, as medidas implementadas pela
política criminal, valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos
da dogmática jurídico-penal e da criminologia, não tem o condão de
eliminar por completo os índices de criminalidade do local onde serão
aplicadas. Uma vez que tal objetivo é inatingível, é preciso agir de forma a
normalizar tais cifras. SHECAIRA sintetiza tal premissa, ao lecionar que “O
anormal não é a existência do delito, senão um súbito incremento ou
decréscimo dos números médios ou das taxas de criminalidade”.
Neste momento, um adendo precisa ser feito. Parte importante da doutrina
penal brasileira é manifestamente contrária à utilização da ter- minologia
“criminalidade” para que se faça referência aos números relati- vos a práticas
delitivas. O Professor NILO BATISTA é categórico ao afirmar que a ideia de
criminalidade na verdade não existe.
A justificativa para tanto, nos valiosos ensinamentos do Professor, reside no
fato de que qualquer taxa de criminalidade é falha. Isso porque, em primeiro
lugar, deve-se sempre ter em mente a existência das chama- das cifras
negras – ou seja, existem delitos que são cometidos sem que se tenha
conhecimento, resultando, portanto, em uma inexatidão das re- feridas taxas
de criminalidade. Em segundo lugar, porque tais índices são levantados por
pessoas, resultando sempre falhos em razão da inevitável possibilidade de
falha humana.
Feita a ressalva, insta salientar que o presente trabalho tem ciência da falibilidade
do que se entende por criminalidade. O termo é empregado para que se faça
entender a ideia acerca do índice de práticas delitivas ocorridas em
determinado local, sem que se tenha a pretensão de alcançar exatidão.
A definição do que seja delito representa não apenas um problema para
a criminologia, mas sim talvez o maior de seus problemas. Ao mes mo
tempo, as consequências de se alcançar uma conclusão a respeito da
referida conceituação são de fundamental importância para a realização
dos estudos criminológicos e para as consequentes conclusões obtidas
pela dogmática jurídico-penal e pela política criminal (para futura decisão
acerca das medidas a serem implementadas).
SERRANO MAÍLLO apresenta as concepções de delito de acordo com
uma ótica legal ou uma ótica natural. Segundo o autor, a concepção
legal de delito refere-se à ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-
minologia é o Código Penal e as leis penais especiais. A concepção
natural, por sua vez, propõe a definição de crime como todo ato de força
fisica ou fraude que é realizado pelo indivíduo em busca de beneficio
próprio.
Ambos os entendimentos mencionados acima são objeto de críticas.56 A
concepção legal de delito é refutada principalmente pelo argumento de
que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo. Além
disso, alega-se que as leis penais são demasiadamente vagas e
imprecisas, além de serem facilmente mutáveis, bem como que tais leis
podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais
dominantes.
A concepção natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a
necessidade de que a ciência da criminologia defina por si mesma seu
próprio objeto de estudo. No entanto, também fora alvo de sérias crí-
ticas, referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-
cisos para a compreensão do crime. Refutou-se também o fato de que tal
concepção abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-
tam para o objeto da referida ciência, além do fato de que, de acordo com
tal percepção, um crime não poderia ser cometido em beneficio alheio.
Partindo da compreensão da criminologia como ciência autônoma e
independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenômeno delitivo,
resta clara a necessidade de uma definição criminológica do fato criminoso.
Pois, por mais que conte com o auxílio de esferas do conhecimento como
o Direito penal e a política criminal, o estudo das leis positivas e das medi-
das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciência, que dev
dotando-se dos seus métodos de estudo e de seus próprios resultados
obtidos – construir seu próprio conceito acerca do fato criminoso.
Dessa forma, dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em
mente o contexto histórico, cultural e social no qual se está inserido,a
criminologia construiu sua definição de delito, a qual é limitada à função
etiológica (causal) própria da sua maneira de explicar. Trata-se do seguinte
enunciado: “delito é toda infração de normas sociais consagradas nas leis pe-
nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descoberta”.
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
Conceito
CRIMINOLOGIA é o conjunto de conhecimentos que estudam as causas
(fatores determinantes) da criminalidade, bem como a personalidade, a
conduta do delinquente e a maneira de ressocializá-lo1.
Histórico
As idéias da Criminologia são antigas e remontam desde a antiguidade,
senão vejamos:
https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote1sym#sdfootnote1sym
Sócrates certa vez professou: “ se devia ensinar aos indivíduos que se
tornavam criminosos como não reincidirem no crime dando a eles a instrução
e a formação de caráter de que precisavam”.2
Platão disse:”...a falta de educação dos cidadãos e má organização do
Estado são causas geradoras do crime”3
Em 1875, a criminologia, que não tinha ainda tal nomenclatura, nasce com omédico psiquiatra Cesare Lombroso, que estudou o vínculo “das
características físicas do indivíduo com o delito4”. O estudioso é considerado
o genitor da Criminologia..
Para o médico italiano, o indivíduo nasceria com predisposição para a prática
de infrações penais, sendo que tal predisposição é delineada pelas suas
características físicas.
Enrico Ferri, aluno de Lombroso, passa a sustentar que “ o criminoso nato
carecia de certos fatores físico ambientais para desenvolver sua
potencialidade criminal5”.
Em 1894, Rafael Garofalo, utiliza pela primeira vez o termo Criminologia. O
estudioso definiu delito como “Ofensa aos sentimentos altruístas
fundamentais de piedade e probidade, na medida média em que os possua
um determinado grupo social6”.
Frederico Oliveira nos ensina que a fase eclética da Criminologia ou de
Política Criminal nasce em 1905, com “a criação de institutos de Criminologia
e de gabinetes penitenciários de Antropologia e ainda a formação de
organismos internacionais que permitem a reunião dos mais famosos
tratadistas para discutir, em congressos, seus pontos de vista7.” Ainda
citando o festejado autor:” A diferença entre Criminologia e Política Criminal
repousa no fato de que esta é ramo do Direito Penal e não estuda o
delinquente, eis que tal estudo é objeto da Criminologia.” Para finalizar: a
Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente, procurando a
maneira de readaptá-lo, enquanto a Política Criminal é ramo do Direito Penal
e como tal busca a aplicação, pelo Estado, das medidas necessárias à
repressão e prevenção da criminalidade.8
Objeto da Criminologia
Segundo o Prof. Frederico Oliveira os objetos da criminologia são o:
https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote2sym#sdfootnote2sym
https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote3sym#sdfootnote3sym
https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote4sym#sdfootnote4sym
https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote5sym#sdfootnote5sym
https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote6sym#sdfootnote6sym
https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote7sym#sdfootnote7sym
https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote8sym#sdfootnote8sym
“a) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)
básicos da criminalidade mediante investigação empírica. (Hurwitz).
b) estudo dos fatores básicos e do fenômeno natural da luta contra o crime:
tratamento e profilaxia”.9
Métodos
O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidável os
métodos empregados pela Criminologia:
“No que concerne ao método da Criminologia cabe considerar, objetivamente,
que a Criminologia, como ciência nova, constrói seus métodos das ciências
naturais ou sociais (...) Os métodos de análise utilizados pela Criminologia
são: a) relativamente aos fatores sociais, os da sociologia;
b) no concernente aos fatores individuais, os da Psicologia Social, do Exame
Médico, do Exame Psiquiátrico e do Exame Psicológico.(...)
Os métodos de síntese compreenderiam o estudo das constelações de
fatores criminais, a verificação das hipóteses formuladas como resultado
desse estudo, a pesquisa do comportamentos pós-pena e o emprego das
tábuas de prognóstico”10.
Finalidade da Criminologia
É de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu
conceito.
O nobre colega Marcelo Sales França no trabalho “Personalidades
psicopáticas e delinquentes: semelhanças e dessemelhanças “nos ensina:
“De forma direta e precisa, Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar
para a orientação tanto da Política Criminal – prevenindo diretamente os
delitos mais relevantes para a sociedade – como da Política Social –
prevenindo genérica e indiretamente os delitos, ou mesmo ações e omissões
atípicas, e intervindo quando de suas manifestações e efeitos na sociedade.
Um pouco mais exigente, participante da denominada Criminologia Crítica,
Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve, mais do que ter
consciência das condições criminológicas atuais, aplicar concretamente os
seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos,
https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote9sym#sdfootnote9sym
https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote10sym#sdfootnote10sym
uma vez que a Criminologia Tradicional não fez outra coisa senão endossar,
legitimar e manter o status quo.11”
Criminologia e outras disciplinas
Sociologia Criminal
Surge com Enrico Ferri, seu criador e para o estudioso três seriam as causas
dos crimes: a) biológicas (genética);b) físicas (as condições climáticas) e c)
sociais.
Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira, o
autor conceitua a sociologia criminal como sendo “a ciência que cogita do
fenômeno social da criminalidade.12”
Professor Frederico ainda leciona dizendo que a “Sociologia criminal torna o
crime como um fato natural da vida em sociedade (...)” .13
“Hoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenômeno social, mas se
sabe que é impossível a separação dos fatores exógenos daqueles de ordem
individual”14
Psicologia Criminal
A Psicologia Criminal propõe-se desvendar o caráter e as tendências do
criminoso, indicando os rumos necessários à avaliação de sua periculosidade
e estudando a incidência do fenomenologia psíquica da Criminalidade15.
Psiquiatria Criminal
A função da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a
profilaxia é mais cabível à Psicologia16.
Biologia Criminal
A presente foi fundada por Cesare Lombroso. Também chamada de
Antropologia Criminal, segundo Guaracy Moreira Filho, “é a ciência que
estuda o homem delinquente, a sua constituição física, as causas que o
levam a cometer crime”.
“Hoje a Antropologia Criminal é o estudo integral da personalidade do
delinquente, onde não só os fatores endógenos do delito, mas também os
coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a ação criminosa
devem ser focalizados e equacionados”17.
A reação social à criminalidade e a prevenção do delito
https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote11sym#sdfootnote11sym
https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote12sym#sdfootnote12sym
https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote13sym#sdfootnote13sym
https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote14sym#sdfootnote14sym
https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote15sym#sdfootnote15sym
https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote16sym#sdfootnote16sym
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/188546065/constitui%C3%A7%C3%A3o-federal-constitui%C3%A7%C3%A3o-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote17sym#sdfootnote17sym
Acompanhado de Antônio García-Pablos de Molina, meu mestre Luiz Flávio
Gomes nos ensina que:
“A resposta tradicional ao problema da prevenção do delito é concretizada em
dois modelos muito semelhantes: o clássico e o neoclássico. Coincidem
ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter
natureza "penal" (a ameaça do castigo); que o mecanismo dissuasório ou
contramotivador expressa fielmente a essência da prevenção; e que o único
destinatário dos programas dirigidos a tal fim é o infrator potencial. Prevenção
equivale a dissuasão medianteo efeito inibitório da pena. As discrepâncias
não são acentuadas. O modelo clássico polariza em torno da pena, do seu
rigor ou severidade a suposta eficácia preventiva do mecanismo intimidatório.
Compartilha, ademais, uma imagem estandardizada e quase linear do
processo de motivação e deliberação. O denominado modelo neoclássico, por
sua vez, no que pertine à efetividade do impacto dissuasório ou
contramotivador, confia mais no funcionamento do sistema legal, tal como ele
é percebido pelo infrator potencial, que na severidade abstrata das penas. O
centro de atenção se desloca, portanto, da lei ao sistema legal, daspenas que
o ordenamento contempla à sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e
singular percepção do autor, cujo processo motivacional se torna mais
complexo.(...)
a) O modelo clássico
De acordo com uma opinião muito generalizada, o Direito Penal simboliza a
resposta primária e natural (por excelência) ao delito, a mais eficaz. A referida
eficácia, ademais, depende fundamentalmente da capacidade dissuasória do
castigo, isto é, da sua gravidade. Prevenção, dissuasão e intimidação,
conforme tais idéias, são termos correlatos: o incremento da delinqüência
explica-se pela debilidade da ameaça penal; o rigor da pena se traduz,
necessariamente, no correlativo descenso da criminalidade. Pena e delito
constituem os dois elementos de uma equação linear. Muitas políticas
criminais do nosso tempo (leia-se: políticas penais), de fato, identificam-se
com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito, e
que trata de ocultar o fracasso da política preventiva (na realidade,
repressiva) apelando em vão às "iras" da lei.
O modelo tradicional de prevenção não convence de modo algum, por muitas
razões. Antes de tudo, a suposta excelência do Direito Penal como
instrumento preventivo - diante de outras possíveis estratégias - parece mais
produto de prejuízos ou pretextos defensistas que de uma serena análise
científica da realidade. Pois a capacidade preventiva de um determinado meio
não depende de sua natureza (penal ou não penal), senão dos efeitos que ele
produz. Convém recordar, a propósito, que a intervenção penal possui
elevadíssimos custos sociais. E que sua suposta efetividade está longe de ser
exemplar. A pena, na verdade, não dissuade: atemoriza, intimida. E reflete
mais a impotência, o fracasso, a ausência de soluções que a convicção e
energia imprescindíveis para abordar os problemas sociais. Nenhuma política
criminal realista pode prescindir da pena; porém, tampouco cabe denegrir a
política de prevenção, convertendo-a em mera política penal. Que um rigor
desmedido, longe de reforçar os mecanismos inibitórios e de prevenir o delito,
tem paradoxalmente efeitos criminógenos, é algo, de outro lado, sobre o que
existe evidência empírica. Mais dureza, mais Direito Penal, não significa
necessariamente menos crime. Do mesmo modo que o incremento da
criminalidade não pode ser explicado como conseqüência exclusiva da
debilidade das penas ou do fracasso do controle social.
Não faltava razão, portanto, a Beccaria quando sustentava já em 1764 que o
decisivo não é a gravidade das penas, senão a rapidez (imediatidade) com
que são aplicadas; não o rigor ou a severidade do castigo, senão sua certeza
ou infalibilidade: que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator
potencial, dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente
a pronta imposição do castigo. Que a pena não é um risco futuro e incerto,
senão um mal próximo e certo, inexorável. Pois se as leis nascem para ser
cumpridas, temos que concordar com o ilustre milanês que só a efetiva
aplicação da pena confirma a seriedade de sua cominação legal. Que a pena
que realmente intimida é a que se executa: e que se executa prontamente, de
forma implacável, e ainda caberia acrescentar a que é percebida pela
sociedade como justa e merecida18.
b) O modelo neoclássico
Para a denominada escola neoclássica (ou moderno classicismo), o efeito
dissuasório preventivo aparece associado mais ao funcionamento
https://sergiobautzer.jusbrasil.com.br/noticias/539204488/nocoes-de-criminologia#sdfootnote18sym#sdfootnote18sym
(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena. Seus teóricos, de
fato, atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele, isto é, a
seus baixos rendimentos. Melhorar a infra-estrutura e a dotação orçamentária
do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estratégia para prevenir a
criminalidade: mais e melhores policiais, mais e melhores juízes, mais e
melhores prisões. Deste modo, os "custos" do delito se "encarecem" para o
infrator, que desistirá de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de
um sistema em perfeito estado de funcionamento. A sociedade, concluem os
partidários deste enfoque neoclássico, tem o crime que quer ter, pois sempre
poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele, incrementando
progressivamente o rendimento do sistema legal, aperfeiçoando a sua
estrutura material e dotação orçamentária, invertendo mais e mais recursos
em suas necessidades (humanas e materiais); assim se poderia sempre
esperar e conseguir, de forma sucessiva e ilimitada, mais êxitos e melhores
resultados.
Mas este modelo de prevenção tampouco é convincente.
Para a prevenção do crime, a efetividade do sistema legal é, sem dúvida,
relevante, sobretudo a curto prazo e com relação a certos setores da
delinqüência (p. ex. ocasional). Porém, não cabe esperar muito dele. Porque
o sistema legal deixa intactas as "causas" do crime e atua tarde demais (do
ponto de vista etiológico), quando o conflito se manifesta (...). Sua capacidade
preventiva (prevenção primária), em conseqüência, tem alguns limites
estruturais insuperáveis. A médio ou longo prazo não resolve por si mesmo o
problema criminal, cuja dinâmica deriva de outras razões.
Em segundo lugar, e contrariamente ao que com freqüência se supõe, já não
parece razoável atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o
descenso de seus índices) à efetividade maior ou menor do sistema legal.
Tampouco a fragilidade deste, sem mais, determina um ascenso correlativo
da criminalidade (da criminalidade "real", naturalmente, não da "oficial" ou da
"registrada"), nem uma melhora sensível de seu rendimento reduz na mesma
proporção os índices de criminalidade. Não existe tal correlação, porque o
problema é muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variáveis.
Pela mesma razão, melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da
prevenção do delito por meio do sistema legal, potencializando o rendimento
e a efetividade dele, é uma pretensão pouco realista, condenada ao fracasso
a médio prazo.
De uma parte, porque não falta razão, provavelmente, àqueles que invertem a
suposta relação de causa e efeito, afirmando que não é o fracasso do sistema
legal (causa) que produz o incremento da delinqüência (efeito), senão este
último (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do
sistema legal. De outra parte, porque não podemos confundir a criminalidade
"real" e a "registrada", supondo erroneamente que os números desta última
constituem um indicador seguro da eficácia preventiva do sistema legal. Mais
e melhores policiais, mais e melhores juízes, mais e melhores prisões, dizia a
propósito um autor, significam mais infratores na prisão, mais condenados,
porém não necessariamente menos delitos. Uma substancial melhora da
efetividade do sistema legal incrementa, desde logo, o volume do crime
registrado, se apuram mais crimes e se reduz a distância entre os números
"oficiais" e os "reais" (cifra negra). Porém, nem por isso se evita mais crime,
nem se produz ou gera menos delito em idêntica proporção: só se detecta
mais crime.
(...) É péssima a política criminal que esquece que aschaves de uma
prevenção eficaz do delito residem não no fortalecimento do controle social
"formal", senão numa melhor sincronização do controle social "formal" e do
"informal", e na implicação ou compromisso ativo da comunidade.
É imprescindível distinguir a "política criminal" da "política penal", se não se
quer privar de conteúdo e autonomia o próprio conceito de "prevenção", que
reclama uma certa política criminal (de base etiológica, positiva, assistencial,
social e comunitária), não fórmulas repressivas ou intimidatórias, meramente
sintomatológicas, policiais, que não cuidam das raízes do problema criminal e
prescindem de toda análise científica do mesmo”(Grifei).
As duas grandes etapas da criminologia
A) ETAPA PRÉ-CIENTÍFICA
A.1) FILÓSOFOS E PENSADORES – Aqui podemos citar Montesquieu,
Voltaire, Rousseau e Marquês de Beccaria.
A.2) FISIONOMISTAS – Vem de fisionomia. Os fisionomistas preocupam-se
com o estudo da aparência externa do indivíduo, ressaltando a inter-relação
entre o somático (corpo) e o psíquico. Como métodos de estudo, eles
visitavam presos e realizavam necrópsias (exame do cadáver)
A.3) FRENÓLOGOS – Os frenólogos estudavam o caráter das pessoas pela
observação não apenas dos traços fisionômicos, mas também da
configuração do crânio.
A.4) PSIQUIATRAS – Felipe Pinel é o pai da psiquiatria moderna. Deu base
para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime.
Depois dos estudos promovidos pelo médico, iniciou-se uma nova concepção
psiquiátrica: a loucura moral (indivíduo que apresenta nível de conhecimento,
mas com psicopatologia grave).
B) CIENTÍFICA
B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL – Fundada por Cesare Lombroso, com o
lançamento do livro “O homem delinquente”. Nele, Lombroso diz: “O estudo
antropológico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas
suas características anatômicas”.
Baer (médico das cadeias de Berlim), verificou por meio de inúmeras
investigações, que os ocupantes das cadeias não distinguem da população
não-criminosa por qualquer sinal particular, e, assim o criminoso nato não
existe como variedade morfológica da espécie.
A Criminologia moderna embora não consagre a teoria do criminoso nato,
admite a hipótese da tendência para a prática de infrações. Reconhecendo
que o homem pode nascer com uma inclinação para a violência.
B.2) SOCIOLOGIA CRIMINAL – Como já foi dito, Enrico Ferri é o criador da
Sociologia Criminal. Classifica o criminoso em: 1) nato, 2) louco, 3) ocasional,
4) habitual e 5) passional.
Rafael Garofalo cria o termo Criminologia. Classifica o criminoso em 1)
assassino, 2) violento ou energético, 3) ladrões ou neurastênicos, 4) cínicos.
Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgânicos eram os causadores
da criminalidade; na Sociologia Criminal, os fatores ambientais eram
efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito.
B.3) POLÍTICA CRIMINAL – A característica primordial deste período é ter
estabelecido uma espécie de trégua entre aqueles filiados às teorias
lombrosianas e aqueles crentes na influência exclusiva dos fatores sociais no
cometimento do crime. A pessoa com predisposição para a prática de
infrações poderá se tornar um criminoso, desde que esteja colocada em um
ambiente apto para que tal fato ocorra, por conta da influência do ambiente
em que vive.
As concepções de prevenção primária, secundária e terciária estão abaixo:
Para a prevenção primária deve-se dar especial relevo para aspectos como,a
educação, a habitação, o trabalho, a inserção do homem no meio social,
aqualidade de vida, sendo estes elementos essenciais que contribuem para a
prevenção do crime, operando sempre a longo e médio prazo, com a
especialidade de que se dirige a todos os cidadãos e não somente à pessoa
do delinquente. O campo de atuação se dá em estratégias voltadas para a
economia, o social e o cultural, para que os cidadãos tenham melhor
qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os
conflitos cotidianos de forma produtiva. Enfim, a melhor qualidade de vida é
proporcionalmente influente sobre a delinquência. Fala-se em prevenção
secundária a atuação onde os conflitos criminais podem se manifestar ou
exteriorizar. É a atuação de curto e médio prazo seletivamente sobre grupos
ou subgrupos concretos, que apresentam maiores riscos de eclosão de
problemas criminais. Basta lembrar-se da política legislativa penal e de ações
policiais em determinadas localidades, assim como políticas de ordenação
urbana com escopo de se evitar a criminalidade. Por fim, a prevenção
terciária se dá sobre um sujeito já identificado como delinquente,
naturalmente o condenado, recluso, tendo por objetivo evitar que ele reincida
novamente em práticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao
meio social.
O Estado Democrático de Direito e a prevenção da infração penal
Antonio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes, na obra Criminologia,
5.ed.rev. e atual.- São Paulo: Revista dos Tribinais, 2007, ensinam:
“O crime não é um tumor nem uma epidemia, senão um doloroso "problema"
interpessoal e comunitário. Uma realidade próxima, cotidiana, quase
doméstica: um problema "da" comunidade, que nasce "na" comunidade e que
deve ser resolvido "pela" comunidade. Um "problema social", em suma, com
tudo que tal caracterização implica em função de seu diagnóstico e
tratamento.
A Criminologia "clássica" contemplou o delito como enfrentamento formal,
simbólico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator -, que lutam entre si
solitariamente, como lutam o bem e o mal, a luz e as trevas; é uma luta, um
duelo, como se vê, sem outro final imaginável que a incondicionada
submissão do vencido à força vitoriosa do Direito. Dentro deste modelo
criminológico, a pretensão punitiva do Estado, isto é, o castigo do infrator,
polariza e esgota a resposta ao fato delitivo, prevalecendo a face patológica
sobre seu profundo significado problemático e conflitual. A reparação do dano
causado à vítima (a uma vítima que é desconsiderada, "neutralizada" pelo
próprio sistema) não interessa, não constitui nem se apresenta como
exigência social; tampouco preocupa a efetiva "ressocialização" do infrator
(pobre pretexto defensista, mito inútil ou piedoso eufemismo, por desgraça,
quando tão sublimes objetivos fazem abstração da dimensão comunitária do
conflito criminal e da resposta solidária que ele reclama). Nem sequer se
pode falar dentro deste modelo criminológico e político-criminal de
"prevenção" do delito (estricto sensu), de prevenção "social", senão de
"dissuasão penal".
A moderna Criminologia, pelo contrário, é partidária de uma imagem mais
complexa do acontecimento delitivo, de acordo com o papel ativo e dinâmico
que atribui aos seus protagonistas (delinqüente, vítima, comunidade) e com a
relevância acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e
interatuam no "cenário" criminal. Destaca o lado humano e conflitivo do delito,
sua aflitividade, os elevados "custos" pessoais e sociais deste doloroso
problema, cuja aparência patológica, epidêmica, de modo algum mediatiza a
serena análise de sua etiologia, de sua gênese e dinâmica (diagnóstico), nem
o imprescindível debate político-criminal sobre as técnicas de intervenção e
de seu controle.
Neste modelo teórico, o castigo do infrator não esgota as expectativas que o
fato delitivo desencadeia. Ressocializar o delinqüente, reparar o dano e
prevenir o crime são objetivos de primeira magnitude. Sem dúvida, este é o
enfoque cientificamente mais satisfatório e o mais adequado às exigências de
um Estado "social" e democrático de Direito.
A Criminologia no Brasil
É nas últimas décadas do século XIX que começa a recepção da criminologia
no país. Diversos historiadores do direito penal18 consideram João Vieira de
Araújo (1844- 1922), professorda Faculdade de Direito do Recife, o primeiro
autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais, ao
comentar as idéias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e
também em textos sobre a legislação criminal do Império.
E, de fato, em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repetições Escritas sobre o
Código Criminal do Império do Brasil, publicado em 1884, João Vieira de Araújo
já aponta para a necessidade de analisar a legislação nacional de um ponto de
vista filosófico mais "moderno", que no campo do direito criminal seria
representado sobretudo pela obra de Lombroso:
"O direito criminal dentre todos os outros direitos é justamente o que está sujeito
às mais constantes e rápidas mudanças em seu conceito. Basta ler a obra do
grande professor italiano Cesare Lombroso – LUomo Delinquente – e ter uma
ligeira notícia da importância dos estudos realizados na antropologia em diversos
países adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos
estão reservados no futuro às instituições criminais." (Araújo, 1884:v).
João Vieira de Araújo se dedicará a divulgar as idéias da antropologia criminal
de Lombroso não apenas entre seus alunos do Recife, mas também para um
público especializado mais amplo, ao publicar artigos em revistas jurídicas do
Rio de Janeiro. Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil,
como o jurista Francisco José Viveiros de Castro, reconhecerão João Vieira de
Araújo como o legítimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no país (cf.
Viveiros de Castro, 1894:14).
Outros autores, no entanto, como Silvio Romero (1951:55), atribuem a Tobias
Barreto esse mérito. E, realmente, no mesmo ano de 1884, quando João Vieira
de Araújo publica seus trabalhos acerca da legislação criminal do Império,
Tobias Barreto, em seu livro Menores e Loucos, faz referências ao LUomo
Delinquente, ao discutir a necessidade de diferenciação das diversas
categorias de irresponsáveis no campo penal. A avaliação de Tobias Barreto
sobre essa obra não é, no entanto, totalmente elogiosa, pois, se, por um lado,
admite que o trabalho de Lombroso "pertence ao pequeno número dos livros
revolucionários", e que este estava muito familiarizado com a ciência
germânica e com a língua alemã (Barreto, 1926:67-68) – o que para o jurista
sergipano era condição quase suficiente para garantir o interesse em relação a
um autor –, por outro, não deixa de censurar os exageros naturalistas da
abordagem da questão criminal feita por Lombroso.
De qualquer modo, após essa recepção pioneira no Recife, inúmeros outros
juristas, ao longo da Primeira República, passam a divulgar as novas
abordagens "científicas" acerca do crime e do criminoso: Clóvis Beviláqua,
José Higino, Paulo Egídio de Oliveira Carvalho, Raimundo Pontes de Miranda,
Viveiros de Castro, Aurelino Leal, Cândido Mota, Moniz Sodré de Aragão,
Evaristo de Moraes, José Tavares Bastos, Esmeraldino Bandeira, Lemos Brito,
entre outros, publicam artigos e livros em que são discutidos os principais
conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal.
Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais, outros censuram o
exagero de certas colocações consideradas radicais, mas a grande maioria
toma as novas discussões no campo da criminologia como temas obrigatórios
de debate no interior do direito penal.
Se não é possível apontar com absoluta precisão quem foi efetivamente o
pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil, é interessante ressaltar que
tanto a reivindicação do pioneirismo no novo campo quanto a busca de
reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos
de legitimação e distinção entre os pensadores que começavam a trabalhar
com as novas teorias. Viveiros de Castro, por exemplo, chama para si o mérito
de ter apresentado o primeiro livro de divulgação das novas idéias no Brasil
(Viveiros de Castro, 1894:14), ao passo que Cândido Mota, na apresentação
da reedição de seu livro Classificação dos Criminosos (Mota, 1925), cita, entre
os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior, a suposta
aprovação do próprio Lombroso – maior glória possível para os discípulos das
novas teorias criminológicas.
Provavelmente, o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na América
Latina no momento em que entrava em decadência no continente europeu
deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que, no Brasil,
se fizeram discípulos das novas teorias, pois, se Lombroso e seus seguidores
já não encontravam a mesma receptividade para suas idéias no cenário
europeu, podiam encontrar na América Latina e, especificamente, no Brasil
grande número de entusiastas dispostos a divulgar as principais idéias do pai
da antropologia criminal e de seus correligionários.
Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na
incorporação dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber jurídico no
Brasil é compreensível no âmbito da construção de uma nova tradição
intelectual, é certo também que os juristas brasileiros se mostram efetivamente
atualizados e sintonizados com as discussões que então ocorriam no exterior.
Tanto é assim que os comentários de João Vieira de Araújo e Tobias Barreto
são publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885,
que foi o marco a partir do qual as idéias de Lombroso ganham efetivamente
repercussão internacional. Os juristas nacionais, que posteriormente se
destacam na discussão das teorias da antropologia criminal, acompanham de
perto o debate europeu em torno das novas teorias penais, conhecendo
inclusive as principais críticas a Lombroso e seus discípulos. Portanto, se os
juristas valorizam a Escola Antropológica não é por falta de informação a
respeito do que ocorria na Europa, mas sim por acreditarem que se tratava do
que de melhor se produzia na época no campo da compreensão científica do
crime.
Desse modo, mesmo conhecendo as críticas mais significativas apresentadas
na Europa contra a antropologia criminal, os simpatizantes no Brasil não
deixam de reafirmar a importância fundamental dos conceitos dessa escola.
Nesse sentido, por exemplo, o magistrado A. J. Macedo Soares, ao defender
as novas idéias penais em 1888, nas páginas da revista O Direito, editada no
Rio de Janeiro, admite que mesmo na Itália as idéias de Lombroso e seus
correligionários não conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do
direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Código Penal italiano. Mas
isso, ainda segundo esse autor, longe de desestimular a divulgação da
antropologia criminal em terras nacionais, mostrava, pelo contrário, que o Brasil
estava na mesma situação que os demais países europeus, podendo assim se
situar na vanguarda da realização dessa autêntica revolução que começava a
despontar no campo do direito:
"[...] o que é notável é que, na própria Itália, a Escola de Lombroso e Ferri não
tenha recrutado prosélitos entre os legisladores, professores e estadistas, isto é,
entre aqueles que mais podiam contribuir para a introdução das idéias novas na
economia das leis pátrias.[...] Não vemos, porém, que de nenhum desses fatos se
possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-jurídica. A única
conclusão a tirar é que os estadistas e professores italianos estão quase no
mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros. Para uns, como para outros,
esses estudos estão por fazer, são novos e como toda a novidade que abala
desde os alicerces um sistema inteiro, incutem receio e provocam resistências."
(Macedo Soares, 1888:499).
Ou seja, não era por mera imitação que o Brasil deveria seguir as novas
concepções da antropologia criminal, mas sim por se tratar do que havia de
mais avançado no mundo em termos de doutrinas penais, segundo os
defensores da criminologia.Outros autores, mesmo diante das críticas específicas feitas aos trabalhos de
Lombroso na Europa, ou apenas as desconsideram ou, então, se esforçam por
refutá-las. Viveiros de Castro, por exemplo, cita em seu trabalho a contestação
de Tarde à idéia do "tipo criminoso" quase que apenas a título de ilustração
(Viveiros de Castro, 1894:97-115). Paulo Egídio de Oliveira Carvalho, por sua
vez, discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime, mas
indica a impropriedade de suas objeções à antropologia criminal (Carvalho,
1900:111-139). Já Aragão defende enfaticamente Lombroso e a teoria do
criminoso nato da "tempestade que se desencadeou contra as afirmações
audaciosas das suas teorias, que vinham abalar tão fundamente os alicerces
da ciência oficial" (Aragão, 1928:25). Logo, se esses e outros juristas defendem
as idéias da antropologia criminal, fazem-no tendo consciência das principais
objeções presentes no debate europeu.
Parece difícil, desse modo, caracterizar a presença da antropologia criminal e
da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importação
equivocada de idéias19. Longe de se apresentarem somente como "idéias fora
do lugar", ou como simples modismo da época, as novas teorias criminológicas
parecem responder às urgências históricas que se colocavam para certos
setores da elite jurídica nacional. Não se pode negar, entretanto, que o estilo
dos autores brasileiros, ao incorporarem as novas teorias, é bastante eclético
e, na maioria das vezes, pouco original em termos teóricos.
O ecletismo manifesta-se na tendência a apagar as diferenças entre as
diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal, tal como
se definiam na Europa, justapondo autores e teorias rivais. A própria
terminologia utilizada é, na maioria das vezes, vaga: antropologia criminal,
criminologia e sociologia criminal20 são termos freqüentemente usados como
sinônimos que indicariam uma única disciplina. Mas mesmo esse ecletismo não
é totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa.
Especialmente os intelectuais ligados à antropologia criminal, Lombroso à
frente, não podem ser classificados como autores por demais rigorosos na
construção de seus conceitos. E é seguindo as orientações de Lombroso que a
maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um
prolongamento da antropologia criminal, de tal maneira que os aspectos sociais
aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos
criminosos. Assim, a forte cisão presente no debate europeu entre a
antropologia criminal de Lombroso, Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de
Tarde e Durkheim, no Brasil, dilui-se em benefício das concepções da Escola
Antropológica, com todos os autores aparentando pertencer ao campo único da
criminologia. Para exemplificar essa freqüente indiferenciação, basta
mencionar como autores que, ainda no final do Império, defendem a
necessidade de incorporação da antropologia criminal pelo pensamento jurídico
nacional sustentam que esta se dê sobretudo mediante a criação da cadeira de
sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares, 1888; Araújo, 1889b).
Os trabalhos desenvolvidos são, igualmente, pouco originais teoricamente,
constituindo-se em geral no recenseamento das principais idéias criminológicas
em voga. Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os
problemas práticos que se apresentam em face da realidade nacional. Pelo
contrário, é como se as questões mais imediatas precisassem ser vistas pela
grade conceitual fornecida pelas teorias importadas. Assim, as questões
jurídico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades, ao mesmo
tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais
avançado existia no mundo.
Como resultado da recepção eclética e conciliadora das teorias criminológicas
européias pelos juristas brasileiros, o crime e o criminoso passam a ser
pensados como problemas complexos demais para serem observados de um
ponto de vista único. Tanto os aspectos biológicos quanto o meio social devem
ser assim estudados pelas disciplinas criminológicas. Nessa direção, Clóvis
Beviláqua argumenta que, mesmo sendo simpatizante da Escola Sociológica,
não deixa de admitir a presença de causas biológicas na origem do crime:
"Estou convencido de que há um pathos criminogêneo, um morbus que impele ao
delito, qualquer que seja a sua natureza, e contra o qual a pena se revelará
impotente na maioria dos casos; mas essa anomalia é menos comum do que se
poderia supor; estou igualmente convencido. O que mais ordinariamente se
depara na vida, é a combinação de certas condições fisio-psíquicas apropriadas à
perpetração do malefício, com certas outras condições sociais que fecundam esse
germe individual, se é que muitas vezes não o fazem produzir-se." (1896:17).
O que Beviláqua censura na Escola Antropológica é o exagero daqueles que
interpretam de maneira exclusivamente biológica as causas do crime,
subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes. Situado
no extremo oposto da discussão, Antonio Moniz Sodré de Aragão, em seu livro
As Três Escolas Penais, publicado originalmente em 1907, no qual critica as
abordagens sociológicas do crime (inclusive a de Beviláqua), não deixa de
admitir que as causas sociais estão igualmente presentes, embora sejam
secundárias em relação às causas biológicas individuais21.
Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se, desse modo, entre as Escolas
Antropológica ou Sociológica, especialmente pelo acento maior ou menor que
atribuem aos fatores biológicos ou socioculturais na etiologia do crime, mas
não discordam que a compreensão do crime e do criminoso requer a presença
simultânea das duas abordagens. Sob essa tênue linha divisória, do lado da
antropologia criminal perfilamse nomes como João Vieira de Araújo, Viveiros
de Castro, Cândido Mota, Antonio Moniz Sodré de Aragão. Mais propensos a
atribuir importância decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do
crime, alinham-se, Clóvis Beviláqua e Paulo Egídio de Oliveira Carvalho, entre
outros.
De todo modo, é evidente a forte presença de Lombroso na maioria dos
trabalhos, indicando a subordinação, como já afirmei, no Brasil, das
abordagens sociológicas do crime àquela da antropologia criminal. Mesmo
aqueles que não se empolgam com os exageros deterministas da Escola
Antropológica não deixam de render homenagem a Lombroso e seus
discípulos. Este é o caso, já citado, de Tobias Barreto que, embora tenha
lançado muitas críticas aos exageros de LUomo Delinquente, não deixa de
considerá-lo um livro revolucionário. Mais do que a concordância em torno da
contribuição de Lombroso, o principal ponto de convergência do discurso da
criminologia no Brasil, ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada
com mais propriedade pelos autores nacionais, é a idéia de que o objeto das
ações jurídica e penal deve ser não o crime, mas o criminoso, considerado
como um indivíduo anormal. Assim, com a emergência do discurso da Nova
Escola Penal no interior dos debates jurídicos nacionais, o que temos é a
presença de um discurso normalizador no interior do saber jurídico22. Por isso,
diferentes expressões – criminologia, Nova Escola Penal, antropologia criminal,
Escola Antropológica, sociologia criminal, Escola Positiva de Direito Penal –
são utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinônimos de uma
nova concepção do direito penal que deve ser aplicada na reforma das
instituições jurídico-penais nacionais.
Não há, portanto, diferenças substanciais entre aqueles que passam a
defender as novas teorias penais no Brasil, quer do ponto de vista
antropológico quer do sociológico. A crítica às concepções jurídicas da Escola
Clássica, a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidadede reforma das leis e instituições penais são pontos de convergência entre os
diversos autores, a despeito das divergências pontuais que possam existir.
Não surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de
entrada das idéias criminológicas no Brasil, pois, como já tive oportunidade de
mencionar, o ambiente intelectual nessa faculdade era, desde a década de
1870, bastante permeável à introdução de teorias cientificistas, importadas
sobretudo da Europa. O ambiente filosófico mais crítico que vai então sendo
formado acaba por apontar para a necessidade de renovação dos estudos
jurídicos e, na época, sem dúvida a antropologia criminal aparecia como o
triunfo, por excelência, das concepções cientificistas no campo do direito penal.
Assim, a renovação dos estudos jurídicos, estimulada pelo ambiente intelectual
do Recife, teria de passar inevitavelmente pela discussão dessas teorias e,
efetivamente, os três professores que então se destacam na renovação da
ciência do direito – José Higino, Tobias Barreto e João Vieira de Araújo (cf.
Barros, 1959:148) – acabam por abordar, em diferentes momentos de seus
trabalhos, os debates em torno da antropologia criminal. Essa recepção
pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito
penal na faculdade. Nesse sentido, Schwarcz (1993), por exemplo, ao analisar
a Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife, a partir de 1891,
mostra como a antropologia criminal ganha importância nessa publicação,
servindo como instrumento de afirmação do direito enquanto prática científica e
justificando a ação missionária dos legisladores em vista dos problemas da
nação (idem:156-157). Além disso, dissertações e monografias sobre o tema
foram produzidas por professores e alunos da faculdade23.
Mas, se como afirma Schwarcz em relação à produção jurídica nacional, se do
Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicação, enquanto de São
Paulo partiam as práticas políticas convertidas em leis e medidas (idem:184),
as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates
teóricos dos juristas do Recife, sem surtir efeitos concretos mais significativos.
Mas isso não aconteceu, e rapidamente as idéias da antropologia chegaram
aos debates jurídicos realizados no Rio de Janeiro e em São Paulo. Na então
capital do Império, um dos principais responsáveis por essa divulgação é o
próprio João Vieira de Araújo.
A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro
na recepção da antropologia criminal no país, é certo que a divulgação dos
novos conhecimentos, inclusive para além do Recife, coube muito mais a João
Vieira de Araújo, mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a
antropologia criminal, ao contrário de Tobias Barreto, que foi mais reticente na
defesa das idéias de Lombroso. Clóvis Beviláqua define o perfil de João Vieira
de Araújo como jurista da seguinte maneira:
"João Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos, a que se deu o nome de Escola do
Recife, na sua fase jurídica, ou, antes, aos que lhe prepararam, a princípio, o
advento, e, depois, se deixaram arrastar pelo movimento. Adotara os princípios da
doutrina evolucionista de Spencer, Ardigó e outros mestres italianos.
Especializando-se no Direito criminal, seguiu a orientação da Escola de Lombroso,
Ferri e Garofalo; entretanto nem foi jamais um sectário intransigente, nem se
restringiu a cultivar o Direito criminal." (1896:67).
Pela citação de Beviláqua, já é possível perceber que a antropologia criminal,
tal como se apresenta na trajetória de João Vieira de Araújo, aparece no
interior do movimento de especialização da onda cientificista, própria da Escola
do Recife. Como disse, é o espírito crítico e polêmico do movimento cientificista
que estimula a renovação dos estudos jurídicos mediante a importação, entre
outras teorias, da antropologia criminal, que adquire, desde o início, um claro
significado reformador.
Mesmo não sendo, no dizer de Beviláqua, um defensor radical das novas
teorias penais, Vieira de Araújo fortaleceu ainda mais sua reputação como
jurista ao divulgar as idéias da antropologia criminal no Brasil. Ele se
correspondia diretamente com o próprio Lombroso, o que facilitou o
reconhecimento de seus trabalhos na Itália (cf. Castiglione, 1962:276).
Provavelmente inspirado pelo espírito militante de Lombroso e seus
seguidores, João Vieira de Araújo se propôs a divulgar as noções da Nova
Escola para além do Recife. Assim, nas páginas de O Direito, revista
especializada em legislação, doutrina e jurisprudência e publicada na cidade do
Rio de Janeiro, João Vieira de Araújo apresentou vários artigos, nos quais
defendia as teorias da Escola Antropológica. No primeiro deles, intitulado "A
Nova Escola de Direito Criminal", comenta os trabalhos de Lombroso, Ferri e
Garofalo, explicitando que a Nova Escola "tem por objeto o homem criminoso e
sua atividade anormal e como fim a diminuição dos crimes que assoberbam as
sociedades atuais no esplendor de toda sua civilização" (Araújo, 1888:487).
No ano seguinte, ele divulga as idéias da Escola Positiva em dois artigos, "O
Direito e o Processo Criminal Positivo" e "Antropologia Criminal". No primeiro,
afirma que Lombroso e outros autores, como Spencer, Darwin e Hackel,
haviam mudado a face não apenas das doutrinas jurídicas, mas de todo o
processo penal. Nesse sentido, Araújo defende idéias que posteriormente
serão bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos,
tais como as de que o essencial é combater os crimes ocasionados por uma
constituição orgânica e psíquica defeituosa, e de que o júri deve ser totalmente
abolido perante os crimes comuns:
"Há um outro ponto cardeal em que a Nova Escola não pode transigir. O júri é uma
instituição mais política do que judiciária e pois ela pode ser conservada para
julgar crimes políticos. Mas entregar ao júri assassinos, ladrões, estupradores,
falsários, enfim o julgamento dos crimes comuns é sancionar a impunidade e a
impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressão social que se
funde nos ensinamentos da ciência e no conhecimento exato da natureza real do
delinqüente." (Araújo, 1889b:330).
O júri será, sem dúvida, o principal alvo de críticas da esmagadora maioria dos
juristas da Nova Escola24.
No segundo artigo, João Vieira de Araújo esclarece que os estudos anatômicos
que haviam celebrizado Lombroso eram, na verdade, apenas um apêndice da
nova ciência do crime, que consistiria muito mais em uma grande "síntese de
conhecimentos obtidos pelos processos científicos da observação e da
experiência no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus
caracteres somáticos e psíquicos" (1889a:178). Percebe-se, desse modo, que
João Vieira de Araújo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da
antropologia criminal.
Em outro texto publicado na mesma revista, já em 1894, intitulado "Sociologia,
Filosofia, Ciência e Direito", João Vieira de Araújo vê com satisfação que o
direito penal, mesmo no Brasil, passa a ser influenciado, cada vez mais, pelos
estudos científicos modernos sobre a criminalidade, consolidando-se, assim, a
tendência, aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada
no país, para aplicação dos métodos positivos também aos estudos jurídicos.
O otimismo manifesto por João Vieira de Araújo nesses artigos, publicados
sobretudo nos derradeiros anos do Império, não era descabido, uma vez que,
nas mesmas páginas de O Direito, outros juristas o acompanham na defesa
das novas teorias penais, como Macedo Soares e Melo Franco, mostrando
assim que as idéias da antropologia criminal já ganhavam importância no
centro político do país. Vai ficando claro nos artigos que a incorporação da
Nova Escola Penal pelo pensamento jurídico nacional é, segundo seusdefensores, uma imposição tanto da evolução do pensamento moderno, quanto
das condições políticas e sociais nacionais. O jurista Melo Franco (1889:337)
lamentava, no entanto, que no Brasil as reformas só se impunham quando já
se estava, como naquele momento, diante da iminência de uma revolução
social. A revolução social não ocorreu, mas veio a Proclamação da República
e, com ela, novas esperanças de reformas legais e institucionais, que
animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia, presentes, cada vez
em maior número, nas duas principais metrópoles do país, Rio de Janeiro e
São Paulo.
Tratar Desigualmente os Desiguais
No Brasil, a Proclamação da República foi saudada com grande entusiasmo
por muitos juristas, que viam na consolidação do novo regime a possibilidade
de reforma das instituições jurídico-penais, segundo os ideais da Escola
Criminológica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal
na Europa. Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepção,
uma vez que o Código Penal de 1890 ficou muito aquém do que se esperava,
por se organizar como um código ainda alicerçado nos ideais da Escola
Clássica, a percepção dos juristas reformadores – de que as transformações
sociais e políticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do século
XIX ao início do XX colocavam a necessidade de novas formas de exercício do
poder de punir – mantém-se ao longo de toda a Primeira República. A
substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre, o acelerado processo de
urbanização no Rio de Janeiro e em São Paulo e os ideais de igualdade
política e social associados à constituição da República estabeleceram novas
urgências históricas para as elites políticas e intelectuais no período, e para os
juristas reformadores em particular. Sobretudo, o ideal das elites republicanas
de construir uma sociedade organizada em torno do modelo jurídico-político
contratual defronta-se com uma população que aparece aos olhos dessa
mesma elite ou excessivamente insubmissa, como no Rio de Janeiro da época
da Revolta da Vacina (cf. Sevcenko, 1984), ou por demais "multifacetada e
disforme", como em São Paulo (cf. Adorno, 1990). Assim, o antigo medo das
elites diante dos escravos será substituído pela grande inquietação em face da
presença da pobreza urbana nas principais metrópoles do país.
A criminologia, como conhecimento voltado para a compreensão do homem
criminoso e para o estabelecimento de uma política "científica" de combate à
criminalidade, será vista como um instrumento essencial para a viabilização
dos mecanismos de controle social necessários à contenção da criminalidade
local. Mas, com a Proclamação da República, os desafios colocados para as
elites republicanas não irão limitar-se ao estabelecimento de novas formas de
controle social, mas incluirão especialmente o problema ainda maior de como
consolidar os ideais de igualdade política e social do novo regime ante as
particularidades históricas e sociais da situação nacional. É com relação a esse
problema que os desdobramentos das idéias da criminologia parecem ter sido
mais interessantes.
As elites republicanas, desde o princípio, manifestam grande desconfiança
diante da possibilidade de a maior parte da população contribuir positivamente
para a construção da nova ordem política e social. O novo regime republicano,
longe de permitir uma real expansão da participação política, irá se caracterizar
pelo seu aspecto não democrático, pela restrição da participação popular na
vida política (cf. Carvalho, 1987; 1990).
A mesma desconfiança em relação ao que chamaríamos atualmente de
"expansão da cidadania" estará presente entres os juristas reformadores
adeptos da criminologia. Para os criminologistas, a igualdade jurídica não
poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades históricas, raciais e
sociais do país. Os ideais de igualdade não poderiam afirmar-se em face das
desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira. Essa
desconfiança em relação à igualdade jurídica transparece tanto nos muitos
debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de
reformulação ou substituição do Código de 1890 que atravessam toda a
Primeira República (cf. Brito, 1930).
Contudo, quem desenvolveu de modo mais coerente a crítica ao ideal da
igualdade jurídica, baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia
criminal, foi o médico Nina Rodrigues. Um dos mais importantes adeptos de
Lombroso no Brasil, Rodrigues – em seu ensaio As Raças Humanas e a
Responsabilidade Penal no Brasil, publicado pela primeira vez em 1894 –
expõe as principais conseqüências, no campo jurídico-penal, que poderiam ser
deduzidas da aplicação rigorosa das idéias da antropologia criminal à realidade
nacional. Se as características raciais locais influíam na gênese dos crimes e
na evolução específica da criminalidade no país, conseqüentemente toda a
legislação penal deveria adaptar-se às condições nacionais, sobretudo no que
diz respeito à diversidade racial da população. Daí sua crítica inequívoca ao
Código Liberal de 1890, que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a
uma população amplamente diferenciada:
"Posso iludir-me, mas estou profundamente convencido de que a adoção de um
código único para toda a república foi um erro grave que atentou grandemente
contra os princípios mais elementares da fisiologia humana.
Pela acentuada diferença da sua climatologia, pela conformação e aspecto
físico do país, pela diversidade étnica da sua população, já tão pronunciada e
que ameaça mais acentuar-se ainda, o Brasil deve ser dividido, para os efeitos
da legislação penal, pelo menos nas suas quatro grandes divisões regionais,
que, como demonstrei no capítulo quarto, são tão natural e profundamente
distintas." (Rodrigues, 1938:225-226).
Ou seja, se o país apresentava uma grande diversidade climática, física e
étnica, como seria possível estabelecer uma legislação penal que abstraísse
toda essa diversidade? Assim, para o médico maranhense, se as análises
científicas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade
física, biológica e social da nação, somente as ilusões metafísicas da Escola
Clássica poderiam ter levado, como efetivamente ocorreu no Código de 1890, o
legislador a estabelecer uma igualdade jurídica genérica diante de uma
realidade tão desigual. Segundo Nina Rodrigues, o legislador pátrio
simplesmente abstraiu todas as desigualdades biológicas e sociais que
marcavam de maneira inconteste, aos olhos da ciência, a população brasileira,
ao cometer o grande erro de tratar igualmente indivíduos desiguais, o que,
ainda segundo o autor, só poderia criar conflitos no interior do organismo
social.
Os juristas adeptos da criminologia se, por um lado, concordavam no geral com
as idéias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues, por
outro, não podiam levar tão longe os argumentos da Escola Positiva, pois isto
poderia colocar em risco o próprio monopólio dos profissionais da lei no campo
da justiça. O que parece singularizar a atuação desses juristas reformadores é
que eles buscaram conciliar teórica e praticamente as doutrinas e os
dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Clássica. Mesmo sem a
tão desejada substituição do Código Penal de 1890, eles buscaram realizar
reformas jurídicas e institucionais que forçassem os limites aos quais o
liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no país, pois, nas disputas
entre os adeptos da Escola Clássica e da Escola Positiva de direito penal,
estavam fundamentalmente em jogo concepções diferentes acerca do papel do
Estado ante a sociedade:
Os clássicos, portadores de uma concepção liberal, viam o indivíduo como
possuidor de uma vontade ou consciência livre e soberana. Os 'positivistas' de
vários matizesrepresentavam o indivíduo como produto ou reflexo, de um meio
genético e social singulares. [...] Ligadas evidentemente a essas duas
representações sociais do indivíduo, duas representações modelares do Estado e
seu papel na sociedade. De um lado, um Estado guardião de rebanhos,
mantenedor, liberal; de outro, um Estado intervencionista e tutelar, para o qual não
poderia haver mais nenhuma barreira sagrada à sua atuação em prol do bem
comum." (Fry e Carrara, 1986:50).
Os juristas adeptos da Escola Positiva, ao longo de toda a Primeira República,
irão propor, e por vezes realizar, reformas legais e institucionais que buscarão
ampliar o papel da intervenção estatal. Mulheres, menores e loucos, ou seja,
aqueles que não se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que
necessitariam de um tratamento jurídico diferenciado, serão alvos constantes
das preocupações dos criminologistas25. A discussão em torno da legislação
da menoridade, que culminará na elaboração do Código de Menores de
192726, e a criação de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a
Penitenciária do Estado28 em São Paulo serão algumas das reformas legais e
institucionais concretizadas ao longo da Primeira República e que foram
influenciadas, em grande medida, pelas idéias originalmente desenvolvidas por
Lombroso e seus seguidores. Também nos tribunais, as concepções acerca do
criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito
tempo no Brasil29. Portanto, a incorporação das idéias da antropologia criminal
ao debate jurídico local não deixou de produzir efeitos concretos e duradouros,
tanto no plano dos saberes como no das práticas penais.
Em todas essas discussões e ações, o grande desafio consistia em "tratar
desigualmente os desiguais" e não em estender a igualdade de tratamento
jurídicopenal para o conjunto da população. A introdução da criminologia no
país representava a possibilidade simultânea de compreender as
transformações pelas quais passava a sociedade, de implementar estratégias
específicas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de
tratamento jurídico-penal para determinados segmentos da população. Como
um saber normalizador, capaz de identificar, qualificar e hierarquizar os fatores
naturais, sociais e individuais envolvidos na gênese do crime e na evolução da
criminalidade, a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas
clássicas de direito penal, baseadas na igualdade ao menos formal dos
indivíduos, não conseguiam enfrentar, ao estabelecer ainda os dispositivos
jurídico-penais condizentes com as condições tipicamente nacionais.
Se, por um lado, os juristas adeptos da criminologia não puderam reformar
totalmente a justiça criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e
de seus seguidores, por outro, conseguiram ao menos influenciar reformas
legais e institucionais ao longo da Primeira República. E, mesmo nas décadas
seguintes, as idéias discriminatórias da antropologia criminal de Lombroso e de
seus discípulos continuaram a "operar como um contraponto semiclandestino
ao valor formal da igualdade perante a lei" (Fry, 2000:213). Portanto, o estudo
dessa e de outras correntes cientificistas – que tiveram grande presença no
debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do século XIX e na
primeira metade do século XX –, além de esclarecer um momento importante
de nossa história intelectual, pode contribuir igualmente para repensarmos as
práticas discriminatórias ainda presentes no campo jurídico-penal em nosso
país.
Criminologia: introdução
Criminologia.
Um breve histórico das escolas: clássica, positiva, crítica, moderna alemã e a influência da escola positiva na formação do Código Penal de 1940
INTRODUÇÃO
ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
ESCOLA CLÁSSICA
Os clássicos partiram de duas teorias distintas, como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho, in verbis:
Os Clássicos partiram de duas teorias distintas: o jusnaturalismo (direito natural, de Grócio), que decorria da natureza eterna e imutável do ser humano, e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo, de Rousseau), em que o Estado surge a partir...
Diante das teorias supracitadas, a vida em sociedade, tanto de forma natural ou convencionada, só é possível após se criar um rol de regramentos, ou melhor dizendo, normas sociais, das quais a inobservância resultara em uma reprimenda por parte do Est...
Quando alguém encara a possibilidade de cometer um delito, efetua um cálculo racional dos benefícios esperados (prazer) e os confronta com os prejuízos (dor) que acredita vão derivar da prática do delito; se os benefícios são superiores aos prejuízos,...
Por fim, Serrano defende a ideia de que as ações humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indivíduo e contribuam ou não para maior satisfação do grupo social.
ESCOLA POSITIVA
CESAR LOMBROSO (1835-1909)
RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
ENRICO FERRI (1856-1929)
TERZA SCUOLA ITALIANA
ESCOLA MODERNA ALEMÃ
CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
INFLUÊNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO CÓDIGO PENAL DE 1940
CONSIDERAÇÕES FINAIS
NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIÊNCIA
CRIMINOLOGIA E DOGMÁTICA JURÍDICO-PENAL
O PROBLEMA DA DEFINIÇÃO DE DELITO