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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I Cynthia Roncaglio Origens e transformações das cidades Não há uma definição única e simples do que seja a cidade, como surge, quais são as suas formas e funções. Para Lewis Munford (1998, p. 9-36), a origem das cidades ocorre fisicamente a partir das últimas fases da cul- tura neolítica1 e é sustentada pela última grande fase da revolução agrícola, com a domesticação dos cereais e a introdução da cultura do gado e da irrigação. No entanto, segundo o autor, o germe da cidade pode ser detectado em um período anterior e está relacionado a vários fatores de conteúdo social, religioso, econômi- co e cultural. Entre esses fatores, pode-se assinalar, antes de tudo, a predisposição do homem, assim como de outras espécies animais, para a vida social; depois, a utilização de cavernas e os acampamentos como esconderijo e moradia ocasional; mais tarde, a necessidade de estabelecer santuários, aldeias e povoamentos, locais onde as finalidades espirituais e materiais levam ao surgimento das cidades – o ponto de encontro cerimonial, para onde as pessoas voltam a intervalos determi- nados e regulares por encontrarem, além de quaisquer vantagens naturais, certas faculdades “espirituais” ou sobrenaturais, de significado cósmico, mais amplo que os processos ordinários da vida. A revolução agrícola – como é frequentemente chamada a transição que durou cerca de cinco mil anos, efetuada pelos seres humanos que sobreviviam da coleta, da caça e do pastoreio, para a agricultura – baseava-se na colonização e do- mesticação de plantas, animais, homem e paisagem natural. Essa transição impli- ca duas mudanças significativas para o surgimento das cidades. A primeira delas é a permanência e a continuidade da residência: os homens combinam a ocupação de um espaço e sua fixidez, o que implica inclusive uma crescente valorização da sexualidade e da reprodução com intervalos de mobilidade para a caça e a coleta e outras atividades. A segunda mudança é o crescente exercício do controle e a previsão dos processos antes sujeitos aos caprichos da natureza, como a utilização e o cuidados com o plantio de sementes, o acompanhamento do crescimento das árvores, a criação dos animais e assim por diante. Jacques Le Goff (1998, p. 9-21), por sua vez, considera que há muito mais semelhanças entre as funções da cidade medieval e a cidade contemporânea (ape- 1Neolítico ou Idade da Pedra Polida: o final do período neolítico é também chamado de Proto-história. Os vestígios mais antigos até hoje encontrados nas regiões onde atualmente situa-se o Iraque, a Palestina e a Tur- quia remetem a 8.000 a 5.000 anos a.C. o fim do período neolítico, remetendo também ao início do uso dos metais, sendo o cobre o primeiro a ser utilizado. 101 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br sar das grandes transformações destas) do que daquela com a cidade antiga. As funções e os monumentos das cidades antigas não podem ser comparados aos das cidades medievais, segundo Le Goff, por algumas razões: o templo foi substituído ou reutilizado pela Igreja. E com a Igreja surge o sino (e o campanário), que servirá de ponto de referência da cidade, a partir do século VII no Ocidente, sendo em par- te responsável por uma nova forma de marcar e perceber o tempo; os anfiteatros e o estádio deixam de existir ou de apresentar a utilidade que tinham anteriormente, seja porque o cristianismo ocidental não admite mais o circo, seja porque os espor- tes assumem novas e diferentes formas; as termas onde as pessoas se lavavam nas cidades antigas são abandonadas por novas formas de relação com o corpo, com a higiene e com novas formas de sociabilidade, preferindo-se fazer a higiene pessoal no âmbito privado e mais tarde em estabelecimentos especiais, como as saunas; as praças também mudam de função, não são mais lugares onde os cidadãos se reú- nem para discutir os assuntos de interesse público. Em geral, na cidade medieval, os assuntos e negócios públicos ou privados, quando discutidos em conjunto, serão debatidos em lugares fechados, frequentemente nas dependências da igreja. A cidade medieval e a cidade contemporânea se assemelham porque a cida- de medieval é um espaço concentrado onde as pessoas se encontram motivadas por interesses diversos e, como bem representa Le Goff (1998, p. 25), [...] um lugar de produção e de trocas em que se mesclam o artesanato e o comércio ali- mentados por uma economia monetária. É também o cadinho de um novo sistema de valores nascidos da prática laboriosa e criadora do trabalho, do gosto pelo negócio e pelo dinheiro. [...] Mas a cidade concentra também os prazeres, os da festa, os dos diálogos na rua, nas tabernas, nas escolas, nas igrejas e mesmo nos cemitérios. Em uma obra clássica sobre a urbanização na América Latina, escrita nos anos 1970, Paul Singer (1998), com sólida formação marxista, caracteriza o surgi- mento da cidade em oposição ao campo. Se o campo é o lugar por excelência de onde se retira o produto primário para a subsistência dos seres humanos e pode ser considerado, como ainda muitas vezes tem sido, autossuficiente, a cidade depende de uma produção alimentar excedente para vir a existir. No entanto, isso não é suficiente para que surja a cidade. Faz-se necessário ainda, nas palavras do autor, [...] que se criem instituições sociais, uma relação de dominação e de exploração, que as- segure a transferência do mais-produto do campo à cidade. Isso significa que a existência da cidade pressupõe uma participação diferenciada dos homens no processo de produção e de distribuição, ou seja, uma sociedade de classes. Pois, de outro modo, a transferência do mais-produto não seria possível. (SINGER, 1998, p. 9) Em torno dessa ideia, Singer fará um apanhado da origem da cidade e da sua forte imbricação com a origem da sociedade de classes. Embora esta a preceda historicamente2, a consolidação de uma sociedade de classes ocorre quando se estabelece uma diferenciação entre o campo e a cidade, que passa a se apresentar como uma nova técnica de dominação e de organização da produção. Ou seja: as cidades adquirem variados significados e fun- ções no tempo e no espaço, mas, entre as funções essenciais que se podem identificar como características da cidade, além das condi- ções de produção e do trabalho, estão a troca, a informação, a vida cultural e o poder. Evidentemente que se comparadas às formas das cidades atuais, as cidades antigas e medievais não passariam As cidades adquirem variados significados e funções no tempo e no espaço. 2O que autor quer dizer é que mesmo nas socieda- des rurais existem diferen- ciações de classe, quando um segmento, por exemplo, passa a se dedicar a uma atividade não produtiva, como a guerra ou a religião, recebendo do resto da sociedade o seu sus- tento material. Mas enquanto guerreiros e sacerdotes não criam fortes e templos e seus criados passam a viver ao seu redor, e deixam de ser produ- tores diretos, só então a estru- tura de classe se consolida e a diferenciação entre campo e cidade se estabelece. Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I 102 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br de pequenas aldeias ou vilas. Sobretudo, sob o ponto de vista demográfico, apenas uma pequena parte da população mundial vivia nas cidades até 1800. Em 1900, uma em cada dez pessoas no mundo vivia em cidade e no decorrer do século XX as cidades continuaram a crescer em número, tamanho e importância econômica e política. Em 2000, 47% da população mundial viviam nas cidades. Estima-se que, em torno de 2030, cerca de 60% da população mundial viverão nas cidades, algo em torno de 4,9 bilhões de pessoas. Em alguns países, como Cingapura e Israel, mais de 90% da população já vivem em áreas urbanas. No Brasil, cerca de 80% da população vivem nas cidades.Representações do campo e da cidade Os temas da urbanização, da produção da cidade, das relações entre campo e cidade e das territorialidades têm inspirado a reflexão de muitos historiadores, economistas, geógrafos e arquitetos nas últimas três décadas. O desafio atual de se viver em grandes centros urbanos e os problemas com os quais se depara a so- ciedade contemporânea propiciam a manifestação de discursos em geral antiurba- nos que veem na aglomeração urbana, entre outros aspectos, a causa da violência, do desemprego ou da baixíssima qualidade de vida. Mas como a humanidade extrai matéria e energia da natureza e dela depen- de para sobreviver, não apenas discursos científicos se constroem sobre a cidade e o campo mas também mitos, conceitos, percepções, atitudes e práticas relacio- nados com a dinâmica e as inter-relações do mundo natural com o mundo social, o que podem ser verificado desde a Pré-história. Na Antiguidade, os termos relacionados à cidade denotavam a educação, a cultura, os bons costumes, a elegância. Urbanidade vem de urbs, “polidez”. A Idade Média herda e reforça o preconceito con- tra o campo, considerado lugar dos bárbaros e rústicos. A cidade me- dieval é o lugar de produção e das trocas comerciais e monetárias e, ao mesmo tempo, ideal de igualdade e divisão social (mercadores, ar- tesãos e senhores feudais), concentração de prazeres, festas, diálogos, criatividade, lugar de civilização em oposição à rusticidade do campo. Nos séculos XVII e XVIII, repletos de novidades trazidas pelas descobertas cien- tíficas e tecnológicas, proliferaram pensamentos, imagens e valores acerca do mundo urbano e do mundo rural. As mutações produzidas pela urbanização sedimentaram e generalizaram atitudes emocionais poderosas em relação ao campo e a cidade. O campo passou a ser associado a uma forma natural de vida – de paz, inocência e vir- tudes simples. À cidade associou-se a ideia de centro de realizações – de saber, comu- nicações, luz. Também constelaram-se associações negativas: a cidade como lugar de barulho, mundanidade e ambição; o campo como lugar de atraso, ignorância e limitação. (WILLIAMS, 1989, p. 11) No século XX, especialmente nos anos 1970, o ambiente urbano é des- denhado, provocando, sobretudo nos Estados Unidos da América, uma ten- dência que seria chamada de “retorno à natureza”. Como sublinha Alphandérx (1992, p. 156), Na Antiguidade, os termos relacionados à cidade denotavam a educação, a cultura, os bons costumes, a elegância. Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I 103 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br [...] os ecologistas foram, mais que outros, nos anos 1970, progressivamente fantasiados de [...] valores negativos, imediatamente após os camponeses. Sua crítica da agricultura industrial, do recurso maciço às energias fósseis, da sociedade de consumo e, mais geralmente, do produtivismo, sua defesa das culturas locais, dos “interiores” e das pai- sagens, das atividades “autônomas”, do auxílio mútuo e das relações de vizinhança, seu interesse, enfim, pelas comunidades pós-68 levaram-nos a serem vistos como represen- tantes de um neorruralismo nostálgico e reacionário. Hoje, essas associações combinam-se com outras, não menos poderosas, como as que vinculam violência, poluição e estresse ao urbano e qualidade de vida, saúde e longevidade ao rural. Mas o rural, especialmente em países do Sul, também está associado a meio ambiente degradado pelo uso intensivo de agrotóxicos, baixa qualidade de vida e saúde, problemas de sanidade mental, desemprego etc. De qualquer modo, prevalece uma percepção da cidade no mundo con- temporâneo, como resultado do trabalho humano, expressão material do pro- gresso de uma civilização, símbolo da modernidade e da capacidade de trans- formar a natureza. Como o trabalho humano é mediado pela técnica, a cidade expressa, ainda, o avançado grau de desenvolvimento da ciência e da tecno- logia produzida na cidade. O tipo de organização política, econômica e social das cidades faz delas espaços privilegiados nas decisões da produção, difusão de valores e ideias. Problemas urbanos Os problemas enfrentados pelas cidades têm se alterado ao longo da his- tória. A partir do século XIX, observam-se melhorias na saúde dos seres hu- manos e ao mesmo tempo deterioração do ambiente. No início do século XX, mudanças socioeconômicas e técnico-sanitárias tornaram possível o transporte de resíduos para as áreas rurais, no entorno das cidades, e novas ideias urbanís- ticas provocaram a adoção de um zoneamento funcional, conforme assinalou, em 1933, a Carta de Atenas3. Isso força muitas indústrias a se localizarem longe de áreas residenciais e os problemas ambientais locais/urbanos passam a atingir proporções regionais, alterando, inclusive, a noção de espaço urbano. Ou seja, o espaço urbano não é constituído apenas pelos limites político-administrativos de uma cidade, mas também abrange o espaço social e geográfico (incluindo o rural) que permite a produção e o desenvolvimento da cidade. Em muitos países desenvolvidos, esse fato fez da questão ambiental das cidades um problema não mais aparente – as cidades sob essa nova condição urbanística parecem ter eliminado os impactos negativos sobre o seu ambien- te (poluição industrial, resíduos industriais e hospitalares, sub-habitações etc.). Diante do processo de globalização, unindo mercados e transformando a pro- dução e o consumo em fatos espacialmente distintos, os impactos ambientais tornaram-se ainda maiores. Essa mudança tem feito dos problemas ambientais urbanos algo de difícil percepção, ou melhor, eles passam a ser mais facilmente observáveis fora dos limites das cidades. 3 Carta de Atenas – As- sembleia do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (Ciam), Atenas, novembro de 1933. O zonea- mento funcional, conforme conclusões obtidas nesse evento, deve harmonizar as quatro funções-chave da cidade: habitar, trabalhar, recrear-se (nas horas livres), circular. Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I 104 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Nesse contexto, é preciso assinalar que a percepção dos problemas am- bientais é profundamente influenciada pelas características so- cioeconômicas e culturais de cada país e de sua população. De fato, os países desenvolvidos, ao contrário dos países em desen- volvimento, têm sido bem-sucedidos na transformação de pro- blemas ambientais em fenômenos não aparentes nas áreas urba- nas – pelo simples fato de expandirem seu ecological footprint4. Isso pode explicar as diferenças entre as agendas ambientais dos países desenvolvidos e dos países em desenvolvimento. A insus- tentabilidade de cidades em países desenvolvidos evidencia-se, principalmente, em regiões mais distantes desses centros. É que a satisfação das crescentes necessidades das populações urbanas levam a impac- tos ambientais em áreas localizadas a muitos quilômetros das cidades. Muitos centros progrediram no sentido do desenvolvimento sustentável, como reflexo do desenvolvimento socioeconômico dos seus países, porém esses resultados positi- vos são encontrados apenas no interior de suas próprias fronteiras. Assim, nos países desenvolvidos, os grupos preocupados com a questão ambiental deixam de ter como prioridade os problemas ambientais não aparentes, dirigindo seus esforços para uma agenda de ações globais mais preocupada com os recursos naturais do planeta. Essa agenda, formulada sob influência de polí- ticas e ações preconizadas por organismos de ajuda internacional, empréstimos multilaterais e declarações universais, é caracterizada por questões planetárias como a redução da camada de ozônio na atmosfera terrestre, a destruição de gran- des ecossistemas como a Mata Atlântica e a Floresta Amazônica, a exportação do lixo tóxico, as mudanças climáticas. Nos países emdesenvolvimento, as agendas ambientais são ou deveriam ser mais voltadas para os problemas locais (ocupações irregulares, falta de saneamen- to básico, problemas de abastecimento de água etc.), os quais, por sua gravidade, são prioritários em relação às questões globais. Nesses países, os problemas so- ciais urbanos merecem uma ação urgente, muitas vezes às custas da exploração de recursos ou habitats naturais. São exemplos dessa realidade a necessidade de uma maior flexibilidade das normas e exigências urbanísticas para que se viabilizem programas de habitação popular – menor tamanho dos lotes, maior taxa de ocu- pação, entre outros índices que exigem crescentes demandas do ambiente natural. Também é exemplo disso a política de atração de unidades industriais, justificada pela necessidade de criação de empregos e aumento da arrecadação de impostos e taxas públicas. Conforme pesquisas divulgadas pelos meios de comunicação, entre os principais problemas das grandes cidades brasileiras5 apresentam-se o acúmulo, manuseio e destinação final do lixo urbano, a degradação do patrimônio históri- co-cultural e a conservação dos equipamentos e espaços públicos; os problemas de trânsito e educação no trânsito; a poluição sonora, visual, do ar e dos recursos hídricos; a falta e os problemas de transporte coletivo; a ocupação irregular de áreas ambientalmente frágeis; o desabastecimento e a contaminação da água; a A percepção dos problemas ambientais é profundamente influenciada pelas características socio- econômicas e culturais de cada país e de sua população. 4Pegadas ecológicas são uma ferramenta para me- dir e comunicar os impactos ambientais das atividades (produção de bens e serviços) no ambiente e a sustentabili- dade dessas atividades. 5A partir de pesquisa feita no site da internet: Infra- estrutura e meio ambiente. In: <www.gcsnet.com.br/oa- mis/civitas/ci150220.html>, julho de 1999 (apud LIMA; RONCAGLIO, 2001, p. 57). Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I 105 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br diminuição da cobertura vegetal; a falta de espaços públicos de lazer; a falta de infraestrutura e saneamento básico; os problemas de uso e ocupação irregular ou inadequada do solo. No entanto, se existem diferenças entre as agendas, determinadas sobretudo pelo descompasso socioeconômico entre países desenvolvidos e países em desenvol- vimento, trata-se também de aprofundar a discussão da sustentabilidade em cidades. Uma das perguntas a ser feita é, pois, quais as ações possíveis para que se caminhe em direção ao desenvolvimento sustentável nos espaços urbanos quando tais espa- ços são comumente caracterizados pela sua insustentabilidade ambiental? Limites da sustentabilidade urbana Com relação às cidades, o uso da noção de sustentabilidade urbana torna-se ainda mais complexa, pois os espaços urbanos são incapazes de satisfazer todas as necessidades humanas, sendo dependentes de outras espacialidades, próximas ou distantes; são grandes consumidores de energia; produzem enorme quantidade de resíduos, que não podem ser inteiramente eliminados ou reaproveitados; pro- vocam profundas mudanças na ocupação da terra e no uso do solo, decorrentes da transformação de áreas naturais ou rurais em áreas urbanas, gerando diversos impactos ambientais e socioeconômicos. As diferentes noções de desenvolvimento sustentável em cidades têm sido empregadas pelo poder público e pelas empresas privadas no âmbito urbano. As estratégias baseadas na noção de sustentabilidade, além de serem meios para se alcançar uma pretendida combinação sustentável de desenvolvimento e conserva- ção ambiental, são também uma forma participativa de planejamento e execução de políticas públicas que envolvem vários atores sociais do espaço urbano – Esta- do, ONGs, empresas privadas, associação de moradores etc. Suas estratégias, ins- trumentos e políticas para a construção da sustentabilidade ambiental nas cidades são fundamentais para se identificar o comprometimento de cada agente no pro- cesso de degradação urbana e/ou na busca de equacionar os problemas decorren- tes da interação do ambiente natural com o ambiente criado ou ambiente artificial, como são denominadas as cidades por alguns autores. No entanto, cidades são sistemas abertos, com uma depen- dência profunda e complexa de recursos externos. Tal característica impõe dificuldade aos esforços de se preparar o caminho para a sus- tentabilidade ambiental urbana – um princípio relacionado com a autossuficiência nas atividades de produção e de consumo de bens, materiais e serviços e na disposição de resíduos gerados por esses binômio, constituindo um ciclo que deve ocorrer no interior de um mesmo espaço. A proposta de desenvolvimento sustentável nas cidades contém contra- dições impostas por aspectos intrínsecos a esses espaços, aspectos estes que parecem constituir perfis contrários ao desejado e caracterizam as cidades en- quanto sistemas que não podem sobreviver se limitados às suas fronteiras. E quais são as características dos sistemas urbanos? Podem-se apontar quatro características essenciais: Cidades são sistemas abertos, com uma dependência profunda e complexa de recur- sos externos. Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I 106 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br são incapazes de satisfazer todas as necessidades humanas – portanto, são dependentes de outras espacialidades, próximas ou distantes; são grandes consumidores de energia (exemplos de energia sendo produ- zida localmente são ainda raros e até o momento nunca experimentados em grande escala com resultados positivos); produzem enorme quantidade de resíduos que não podem ser inteiramen- te eliminados ou reaproveitados; provocam profundas mudanças na ocupação da terra e no uso do solo, decorrentes das transformações de áreas naturais ou rurais em áreas ur- banas, gerando impactos ambientais e socioeconômicos. A somatória desses aspectos e limitações sugere a conclusão de que a expressão desenvolvimento urbano sustentável é contraditória em si mesma. Um grande número de conceitos atrelados ao de desenvolvimento sustentável em cida- des tem sido disseminado desde que as questões urbanas tornaram-se uma preo- cupação generalizada e amplamente divulgada pela mídia impressa e eletrônica: cidade ecológica, cidade sustentável, cidade saudável, ecossistema urbano du- rável. Tais conceitos vêm sendo usados para caracterizar algumas iniciativas dos poderes públicos/empresariais no âmbito urbano. No entanto, eles só se efetivam em práticas quando acompanhados da ideia de transformação contínua e de avan- ços na gestão e nas práticas ambientais urbanas convivendo com deteriorações talvez irreparáveis. É preciso ver a urbanização, o crescimento das cidades e a consequente dinâmica da transformação da natureza como processo e não como produto. É preciso valorizar os espaços públicos para a vida, como uma das formas de ver a natureza não somente como recurso ou paisagem para contemplação, mas como ambiente. Antes mesmo da discussão, da elaboração e da aplicação de leis que expressam um conjunto de atos, juízos e valores escolhidos por uma sociedade para pautar suas formas de intervenção na realidade, é preciso refletir sobre qual é o ambiente urbano em que queremos viver. Faça um levantamento em grupo de quais são os principais problemas ambientais percebidos na sua cidade. SANTOS, Milton. Ensaios sobre a Urbanização Latino-Americana. São Paulo: Hucitec, 1982. VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Dois Séculos de Pensamento sobre a Cidade. Ihéus: Editus, 1999. Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I 107 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br ALPHANDÉRY, Pierre; BITOUN, Pierre; DUPONT, Yves. O Equívoco Ecológico: riscospolíticos da inconseqüência. São Paulo: Brasiliense, 1992. LE GOFF, Jacques. Por Amor às Cidades: conversações com Jean Lebrun. São Paulo: Edunesp, 1998. LIMA, Myriam del Vecchio de; RONCAGLIO, Cynthia. 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