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TEMAS POLÊMICOS EM DIREITO
VOLUME 2
FRANCISCO FERNANDEZ GONZALEZ JR.
[ ORGANIZADOR ]
CATALOGAÇÃO
Coordenação editorial
Lygia Caselato
Projeto editorial/Design
Wilbett OLiveira
Conselho Editorial
Dr. Carolina Noura de M. Rêgo
Dnd Fabrizio B. Vecchio
Dnd. Leonardo Barroso Coutinho
MsC Roberta Mucare Pazzian
Revisão:
Dos autores
1a edição
Outubro de 2022
[CIP]
Dados Internacionais da Catalogação na Publicação)
S586b
Gonzalez Junior Francisco Fernandez et al.
Temas polêmicos em direito: direito constitucional, direito processual civil, direito civil, e outros temas Francisco Fernandez
Gonzalez Junior [Organizador] . 1ª edição . Cotia, SP, Editora Cajuína, 2021. 260 p. Volume 2.
ISBN: 978-65-85121-00-2 (PDF)
ISBN: 978-65-86270-97-6 (Epub)
1. Direito 2. Direito processual. 3. Direito constitucional. 4. Direito penal.
I Francisco Fernandez Gonzalez Junior. II. Titulo
CDD 340
Elaborado por Maurício Amormino Júnior - CRB6/2422
[CIP]
Índice para catálogo sistemático:
1. Direito: 340
2.Direito Constitucional 342
3. Direito penal 345
Copyright by © 2022
Francisco Fernandez Gonzalez Junior et al.
Todos os direitos reservados.
Rua José Giorgi, 600 Bl. 18/33
Granja Viana II - 06701-100 - Cotia, SP
Telefones: (11) 4777-0123 - 9574-1406
Site: www.cajuinaeditora.com.br
E-mail: contato@editoracajuina.com.br
Facebook/Instagram: editoracajuina
Textos publicados em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição
e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.
SUMÁRIO
CAPA
TEMAS POLÊMICOS EM DIREITO
CATALOGAÇÃO
PREFÁCIO
PRIMEIRA PARTE
CAPÍTULO UM
INTRODUÇÃO
1 OS ATIVOS DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL COMO BENS
INTANGÍVEIS DA EMPRESA
2 O PROCESSO DE ENCERRAMENTO EMPRESARIAL
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO DOIS
INTRODUÇÃO
1 A MARCA
2 A PROPRIEDADE DA MARCA E FUNÇÃO SOCIAL
3 A FUNÇÃO SOCIAL DA MARCA PRESENTE NA PROTEÇÃO AO
CONSUMIDOR E À LIVRE CONCORRÊNCIA
4 A PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL E CONCORRÊNCIA
DESLEAL
5 OS DESAFIOS DA PROTEÇÃO À MARCA NA ERA DIGITAL
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
SEGUNDA PARTE
CAPÍTULO TRÊS
INTRODUÇÃO
1 O USO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO ÂMBITO JURÍDICO
1.1 O USO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PARA O
JULGAMENTO PELOS TRIBUNAIS SUPERIORES NO BRASIL
2 A LIMITAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO QUATRO
INTRODUÇÃO
1 COISA JULGADA E AÇÃO RESCISÓRIA
2 SEGURANÇA JURÍDICA
3 A SÚMULA 343 do STF
4 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO CINCO
1 INTRODUÇÃO
2 O ACESSO À JUSTIÇA
3 RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO
4 O ABUSO DO DIREITO PROCESSUAL E A BOA-FÉ
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
TERCEIRA PARTE
CAPÍTULO SEIS
1 INTRODUÇÃO
2 DISPOSIÇÕES DO TELETRABALHO EM CONFORMIDADE COM A
LEI Nº 13.467/2017
3 PONDERAÇÕES DO TELETRABALHO SOB A ÓTICA DA LEI Nº
14.442/2022
4 VANTAGENS E DESVANTAGENS DO TELETRABALHO
5 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO SETE
INTRODUÇÃO
1 A SOCIEDADE DO CANSAÇO
2 A MUDANÇA DAS RELAÇÕES SOCIAIS DE CONSUMO E DE
TRABALHO
3 DIREITO À DESCONEXÃO
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO OITO
INTRODUÇÃO
1 COMO SURGIU A EXPRESSÃO ESG?
2 O TRABALHO DECENTE
3 O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E A VALORIZAÇÃO DO
TRABALHO PERANTE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
4 ESG NA PRÁTICA
5 CONVERGÊNCIA ENTRE ESG, ODS E DIREITO DO TRABALHO
6 DESAFIOS PÓS PANDEMIA E NECESSÁRIA MUDANÇA DE
MINDSET
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
QUARTA PARTE
CAPÍTULO NOVE
1 INTRODUÇÃO
2 CONCEITO E FUNÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
2.1 OS SUBPRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE
3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE EM RELAÇÃO ÀS
PROVAS ILÍCITAS
4 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO DEZ
INTRODUÇÃO
1 APRESENTAÇÃO DO CASO E O DISCURSO DE LEVY FIDELIX
1.1 EXPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA EM
PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO
1.2 EXPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO EM
SEGUNDA INSTÂNCIA
2 O DISCURSO DE ÓDIO E SEUS ELEMENTOS
3 UMA VISÃO DIVERGENTE PARA O CASO
4 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO ONZE
1 INTRODUÇÃO
2 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA
3 OS IMPACTOS DA PANDEMIA SOBRE O ACESSO À JUSTIÇA
4 A QUESTÃO DO ACESSO À JUSTIÇA NA PANDEMIA PARA
MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
5 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO DOZE
1 INTRODUÇÃO
2 A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS: UMA BREVE
LIÇÃO A PARTIR DA DOUTRINA DE ROBERT ALEXY
3 O TEMPUS REGIT ACTUM E O DIREITO PREVIDENCIÁRIO
4 O PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM NA JURISPRUDÊNCIA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
PREFÁCIO
Grande felicidade e honra ser convidada, novamente, para prefaciar a obra Temas Polêmicos
em Direito — volume dois — organizada pelo autor incansável Francisco Fernandez Gonzalez
Jr., que, de novo, consegue o difícil trabalho de juntar ótimos e relevantes artigos científicos com
temas instigantes nesta coleção.
Diante das atuações prática e acadêmica dos autores, em diversas áreas da ciência jurídica,
surge uma coletânea de um mar infinito de reflexões úteis para os tempos vividos nos dias de
hoje, com reais e evidentes provocações, levando o leitor a pensamentos e questionamentos, mais
do que a respostas concretas.
Com uma divisão didática em quatro grandes áreas: Direito Empresarial, Direito Processual
Civil, Direito do Trabalho e Direito Constitucional, o leitor pode se deleitar com temas
polêmicos e importantes da atualidade jurídica brasileira.
Na Primeira Parte – DIREITO EMPRESARIAL, no capítulo um a autora Katia Jane Ferreira
Evangelista no seu texto OS ATIVOS DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO
ENCERRAMENTO DAS SOCIEDADES EMPRESARIAIS mostra os ativos de propriedade
industrial e como eles têm sido negligenciados no término das sociedades empresarias. Já no
capítulo dois a autora Maria Mercedes Filártiga Cunha no seu artigo A PROTEÇÃO DA
MARCA E INTERESSE PÚBLICO disserta sobre a propriedade industrial / intelectual e o
interesse público e sua função social.
Na Segunda Parte – DIREITO PROCESSUAL CIVIL, no capítulo três a aluna Ingrid Elise
Scaramucci Fernandes nos questiona sobre A PADRONIZAÇÃO DAS DECISÕES ATRAVÉS
DA UTILIZAÇÃO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PELOS TRIBUNAIS BRASILEIROS:
EFETIVO ACESSO À JUSTIÇA? E se o uso da Inteligência Artificial, pelos Tribunais, em
especial os brasileiros, garante ou pode prejudicar o efetivo acesso à Justiça. No capítulo quatro a
autora Juliana Guimarães Müller no artigo intitulado A SÚMULA 343 DO STF: UMA
DISCUSSÃO SOBRE A MANUTENÇÃO DE SUA APLICABILIDADE À LUZ DO
CPC/2015 é discutida essa importante súmula do STF em um ponto de vista de sua
aplicabilidade ou não acerca do novo CPC. Ainda no tema de Direito Processual Civil, no
capítulo cinco, a autora Ludmila Moretto Sbarzi Guedes sob o título A RAZOÁVEL
DURAÇÃO DO PROCESSO COMO ACESSO ÀJUSTIÇA: O COMBATE AO ABUSO
PROCESSUAL discorre sobre a duração do processo e a cooperação dos sujeitos no processo,
evitando abusos.
Caminhando para a TERCEIRA PARTE DO LIVRO, depara-se com DIREITO DO
TRABALHO, que consta em três capítulos. O capítulo seis do livro, dos autores Caio Rangel
Finocchiaro E Betina Cançado, traz o artigo: AS LEIS Nº 13.467/2017 e 14.442/2022: AS
INOVAÇÕES DO TELETRABALHO que abordam vantagens e desvantagens do teletrabalho.
No capítulo sete os autores Hallifer Augusto Garutti e Marina Gabriela Menezes Santiago
exploram o DIREITO À DESCONEXÃO: UMA NOVA PERSPECTIVA PARA AS
RELAÇÕES DE TRABALHO NA SOCIEDADE DO CANSAÇO abordando perspectivas
psíquicas nesta falsa sensação de liberdade e autonomia profissional que a internet traz. E por
fim, finalizando essa parte da obra, como capítulo 8, a autora Maria Mercedes Filártiga Cunha
discorre sobre OS FATORES ESG COMO IMPORTANTE FERRAMENTA DE GESTÃO
EMPRESARIAL E VALORIZAÇÃO DO TRABALHO DECENTE.
O livro finaliza com a quarta parte intitulada DIREITO CONSTITUCIONAL, no qual o
capítulo nove, da autora Aline Feitosa Azevedo, sob o título O PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE E SUA APLICAÇÃO COM RELAÇÃO ÀS PROVAS ILÍCITAS, o
qual discorre sobre o princípio da proporcionalidade e sua aplicabilidade. O capítulo dez,
Carolina Noura de Moraes Rêgo e Francisco Fernandez Gonzalez Junior trazem o tema
DISCURSO DE ÓDIOE SUA CARACTERIZAÇÃO: UMA VISÃO DIVERGENTE tratando
sobre o discurso de ódio e sobre a necessidade de se localizar elementos básicos de potencial
danoso para a sua caracterização e combate. No capítulo onze, a autora Amanda Moreira de
Carvalho fala sobre O IMPACTO DA PANDEMIA DO COVID 19 NO ACESSO À JUSTIÇA
DOS GRUPOS VULNERÁVEIS: CASO DAS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA. E finalizando, a obra, no capítulo doze, o autor Welison Nunes da Silva trata da
REGÊNCIA DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS PELA NORMA VIGENTE AO
TEMPO DO FATO GERADOR.
Nessa perspectiva, essa obra organizada pelo admirável Francisco Fernandez Gonzalez Junior
com as presenças ilustres dos autores: Katia Jane Ferreira Evangelista, Maria Mercedes Filártiga
Cunha, Ingrid Elise Scaramucci Fernandes, Juliana Guimarães Müller, Ludmila Moretto Sbarzi
Guedes, Caio Rangel Finocchiaro, Betina Cançado, Hallifer Augusto Garutti, Marina Gabriela
Menezes Santiago, Francisco Fernandez Gonzalez Junior, Aline Feitosa Azevedo, Amanda
Moreira de Carvalho e Welison Nunes da Silva, é uma grande obra onde se nota que cada
capítulo discorre sobre tema de grandes indagações, trazendo, assim, uma apreciável produção
científica que nos leva ao interesse de uma leitura imediata.
PRIMEIRA PARTE
CAPÍTULO UM
 
Sumário: Introdução. 1. Os ativos de propriedade industrial como bens intangíveis da empresa. 2. O processo de
encerramento empresarial. Conclusão.
RESUMO: Os ativos de propriedade industrial, incluindo as marcas, desenhos industriais, patentes, entre outros, constituem
bem imaterial importante das sociedades empresariais. Embora tenham seu valor, esses ativos têm sido negligenciados no
término das sociedades empresariais. Os diversos cuidados necessários dentro do processo de encerramento de uma empresa,
mais especificamente no caminho prático da dissolução, liquidação e encerramento das empresas são apontados,
especialmente com relação às responsabilidades do liquidante em relação à manutenção dos mesmos de forma a não prejudicar
o processo de encerramento.
Palavras-chave: Propriedade Industrial, Encerramento de empresas, marcas, patentes, desenhos industriais
ABSTRACT: Industrial property assets, including trademarks, industrial designs, patents, among others, are an important
intangible asset of business companies. Although they have their value, these assets have been neglected at the end of business
partnerships. The various precautions necessary within the process of termination of a company, more specifically in the
practical way of dissolution, liquidation and termination of companies are pointed out, especially with regard to the
liquidator’s responsibilities in relation to their maintenance in order not to jeopardize the process of termination.
Keywords: Industrial Property, Termination of companies, trademarks, patents, industrial designs
INTRODUÇÃO
Os ativos de propriedade industrial, incluindo as marcas, desenhos industriais, patentes,
entre outros, constituem bem imaterial que pode ser convertido em valor pecuniário durante o
encerramento das sociedades empresariais.
Entretanto, em que pese seu possível valor, esses ativos têm sido negligenciados no término
das sociedades empresariais, não integrando o ativo no processo de encerramento, sendo
valorados de forma inadequada ou sendo simplesmente descuidados pelo não pagamento das
devidas taxas de manutenção.
Os diversos cuidados necessários dentro do processo de encerramento de uma empresa,
mais especificamente no caminho prático da dissolução, liquidação e encerramento das
empresas são apontados.
1 OS ATIVOS DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL COMO BENS INTANGÍVEIS DA
EMPRESA
O racional de buscar maior aproveitamento da inovação gerada por uma empresa se
concretiza sob forma de duas vantagens interligadas, uma de natureza econômica, outra de
natureza concorrencial.
Esses aspectos estão correlacionados aos direitos de propriedade industrial, tratados no
Brasil pela Lei da Propriedade Industrial nº 9279 de 14/05/1996 (LPI) (BRASIL, 1996). Isso
porque, para o direito de Propriedade Industrial, a garantia de exclusividade está
necessariamente vinculada à possibilidade de obtenção de alguma vantagem de natureza
econômica.
Além disso, ao transformar inovação em valor econômico, a lei garante ao titular do direito
de propriedade industrial uma vantagem concorrencial temporária.
A propriedade industrial é um ramo dentro da área de propriedade intelectual, regida por
um apanhado de leis nacionais e transnacionais, disponíveis a qualquer empresa, em qualquer
setor.
Pimentel (1999, p. 125) traz o seguinte conceito:
As diversas produções da inteligência humana e alguns institutos afins são denominados genericamente de propriedade
imaterial ou intelectual.
No Brasil, nota-se uma crescente preocupação do empresariado em buscar proteção para
ativos intangíveis, sejam eles de natureza tecnológica, estética ou distintiva. Os mais
conhecidos ativos intangíveis são as marcas, as patentes e os desenhos industriais.
A marca é o sinal visualmente perceptível, utilizado com o fim específico de distinguir
produtos ou serviços de uma empresa de produtos ou serviços de outras empresas. Exemplos
de tais sinais são letras, palavras, imagens, isoladas ou combinadas entre si, e até objetos
tridimensionais.
Como prática de mercado, todo negócio empresarial, independentemente de seu tamanho,
adota um nome ou símbolo para se identificar ou para identificar seu produto ou serviço, que,
quando registrado, pode se tornar um dos ativos mais importantes do negócio empresarial,
garantindo proteção ad aeternum, enquanto prorrogada nos prazos legais. Marie-Angèle Pérot-
Morel, citada por Maitê Moro (2003, p. 26), ressalta que:
Nos tempos modernos a marca é antes de tudo o símbolo de um produto e a força de seu poder de evocação lhe confere
uma importância econômica de primeiro plano.
Os desenhos industriais, por sua vez, protegem o aspecto estético externo de produtos
utilitários, na forma bidimensional (estampas aplicadas a objetos úteis, por exemplo, forração
de móveis, tapeçaria, decoração na superfície de embalagens etc.) ou tridimensional (formas
plásticas de objetos úteis, por exemplo, frascos, embalagens, eletrodomésticos, etc.). Os
registros de desenho industrial têm o condão que garantir exclusividade de mercado por até 25
anos para o aspecto estético adotado, tornando-se um elemento concorrencial importante da
empresa. Gama Cerqueira (2010, v.1, p. 213) define os desenhos industriais:
Os desenhos e modelos industriais constituem invenções de forma, destinadas a produzir efeito meramente visual, o que
os distingue das invenções propriamente ditas, isto é, invenções industriais. São, no dizer de RAMELLA, invenções
limitadas à novidade de forma dos produtos industriais.
As patentes, por sua vez, protegem criações na área de tecnologia e ciência aplicada. As
entidades tecnológicas mais tipicamente abordadas são os produtos (incluindo moléculas,
composições, ferramentas, máquinas) e os processos (subdivididos em processos produtivos,
métodos e usos). Em que pese discussões recentes sobre o prazo de proteção, as patentes
protegem a tecnologia por 20 anos.
BARBOSA ensina (2010, p. 1099):
Uma patente, na sua formulação clássica, é um direito, conferido pelo Estado, que dá ao seu titular a exclusividade de
exploração de uma tecnologia. Como contrapartida pelo acesso do público ao conhecimento dos pontos essenciais do
invento, a Lei dá ao titular da patente um direito limitado no tempo, no pressuposto de que é socialmente mais produtiva
em tais condições a troca da exclusividade de fato (a do segredo da tecnologia) pela exclusividade temporária de direito.
Outros direitos de propriedade industrial também estão acessíveis às empresas. Em todos os
casos, seja um sinal distintivo, um desenho ou uma tecnologia ou outro, o processo de ideação,
bem como a materialização da proteção perante as autoridades competentes no Brasil e/ou no
exterior, requerem dedicação e alto custeio pelas empresas, não somentepara sua obtenção,
mas também para sua manutenção pelos diferentes períodos previstos em lei.
Conforme definição da LPI, em seu art. 5º (BRASIL, 1996), os direitos de propriedade
industrial são considerados bens móveis para os efeitos legais. Como se ensina na obra
Comentários à Lei de Propriedade Industrial (2013, p. 17):
Os direitos de propriedade industrial, objeto da LPI, são parte da carteira de ativos intangíveis da empresa, carteiras estas
que são organizadas e administradas de forma integrada e estratégica com vistas a maximizar a lucratividade das
empresas.
Entretanto, quando a sociedade empresarial termina, surge uma série de questões, ainda
pouco debatidas e eivadas de dúvidas de ordem prática.
2 O PROCESSO DE ENCERRAMENTO EMPRESARIAL
No encerramento de uma empresa, bens materiais tipicamente são enumerados, avaliados,
convertidos em valor e utilizados para quitação do passivo ou distribuição entre seus sócios.
Em geral, bens materiais são mais facilmente quantificados, avaliados e convertidos em valor.
Contrariamente, a apuração dos bens imateriais enfrenta questões em todas as etapas desse
processo. De início, o processo de apuração dos bens intangíveis de propriedade industrial
encontra dificuldades de enumeração e categorização. Por exemplo, ativos relacionados a bens
intangíveis registrados, podem ser levantados junto os órgãos competentes. No caso de marcas,
patentes ou desenhos industriais, no Brasil, por exemplo, junto ao Instituto Nacional de
Propriedade Industrial (INPI). Entretanto, outros órgãos devem ainda ser consultados a
depender da natureza de trabalho da empresa (por exemplo, para o caso de existência de
proteção por cultivares, direito autoral etc.), inclusive em outros países.
Nesse sentido, esse processo, chamado por alguns de due diligence, é demasiadamente
complexo e cauteloso, pois requer considerar o estado do bem, ou seja, se se trata de um
pedido ou de um registro válido. No caso de um pedido, seja de marcas, patentes ou desenho
industrial, a empresa prestes a ser encerrada possui apenas uma expectativa de direito, que
pode vir a se concretizar ou não e que, ainda como expectativa de direito, pode ter seu valor
empresarial, na medida em que, como dito antes, tem reflexos econômicos e concorrenciais
direitos e indiretos.
Ainda considerando registros, outro ponto não menos importante é a regularidade do
mesmo, ou seja, está em dia com suas prorrogações (no caso de marcas), anuidades (patentes)
ou quinquênios (desenhos industriais), está de fato ativo ou já se encontra encerrado, seja de
forma definitiva ou não.
Além disso, há ativos intangíveis que não são necessariamente tangibilizados por meio de
registros, como é o caso do segredo industrial, o know-how, do direito autoral etc. Nesse caso,
a mera enumeração desse ativo para posterior valoração já se torna um desafio.
Superada a apuração e enumerados os ativos de propriedade intelectual efetivamente
disponíveis, não menos complexas são as valorações ou conversão em valor para pagamento
do eventual passivo. Quando não é o caso de conversão monetária, surgem então questões
como: quem ficará com o ativo, seja a marca, a patente, o desenho industrial ou outros.
Lembrando que esses não bens divisíveis, mas podem ser compartilhados por meio da co-
titularidade ou negociados por meio de licenças remuneradas ou gratuitas.
Gama Cerqueira (1982, p. 438) bem define as licenças: “A licença é o contrato pelo qual o
concessionário da patente autoriza alguém a usar ou explorar a invenção, sem lhe transferir a
propriedade”.
Fato bastante comum no Brasil a ser considerado, é que por razões diversas (na maior parte,
de natureza econômica), os ativos de propriedade industrial são registrados em nome de um ou
mais sócios da empresa. Em casos como esse, também não é incomum a inexistência de
formalização dessa relação, por exemplo, por licenciamento. Nesse caso, no rigor da lei, a
pessoa que continuará sendo a titular do bem e ele não integrará a distribuição do ativo
empresarial, em que pese uma série de questionamentos possam ser levantados em um caso
concreto.
Em não poucos casos, o bem de mais alto valor da empresa em encerramento é, por
exemplo, suas marcas e patentes. A LPI socorre alguns casos pontuais, por exemplo, nos
artigos. 88 a 93 (BRASIL, 1996), mas há complexidade envolvida.
Ainda no caso de ativos de propriedade industrial serem registrados em nome de um ou
mais sócios da empresa, idealmente, a questões surgidas no encerramento da empresa
poderiam ser minimizadas por meio da formalização por um contrato de licenciamento, por
exemplo, de modo que se estabeleça cláusulas regulamentando o fim da licença para o caso do
encerramento da empresa. Obviamente, essa hipótese não blindaria os ativos de propriedade
industrial na medida em que seus titulares são sócios da empresa e, como tal, serão bens a
serem considerados no caso do passivo ser maior que o ativo no encerramento da empresa.
Em suma, os ativos de propriedade industrial são considerados ativos intangíveis que
integram o patrimônio da empresa e, na hipótese de fim dela, seguirá as mesmas regras
aplicadas aos demais bens apurados, que serão aquelas vinculadas ao tipo de encerramento que
ocorrer.
O encerramento da empresa pode ocorrer extrajudicialmente (pelo vencimento de seu prazo
de duração, consenso unânime dos sócios ou pela deliberação dos sócios, por maioria absoluta,
na sociedade de prazo indeterminado), por decisão judicial ou por decisão de autoridade
administrativa competente, conforme previsão dos artigos 1.033, 1.034 e 1.044 do Código
Civil de 2002 (BRASIL, 2002) e art. 206 da Lei nº 6404/76 (BRASIL, 1976).
No ensinamento de Fabio Ulhoa Coelho (2020, 193-194):
[...] à dissolução total seguem-se a liquidação e a partilha, enquanto que à dissolução parcial segue-se a apuração de
haveres e o reembolso. Entre uma e outra forma de dissolução não há, nem pode haver, qualquer diferença de conteúdo
econômico. Quer dizer, o sócio deve receber, na dissolução parcial, a título de reembolso, o mesmo valor que receberia na
dissolução total, a título de quota na partilha.
Se o fim da sociedade se der em razão da decretação de sua falência, os ativos de
propriedade industrial, assim como outros bens tangíveis ou intangíveis, são arrecadados,
avaliados por um perito do juiz e levados a leilão, podendo ser arrematados por aquele que
oferecerem o melhor lance. Os valores arrecadados serão utilizados para saldar as dívidas da
empresa e apenas o remanescente (se houver) será distribuído entre os sócios nas proporções
de suas cotas.
Entretanto, se o fim da sociedade se der por deliberação dos sócios, se não houver consenso
unânime de quem permanecerá com os ativos de propriedade industrial, eles deverão ser
avaliados e poderão ser vendidos para outras empresas, interessados ou até mesmo um dos
sócios, sendo que o valor arrecadado integrará o patrimônio para pagamento das dívidas e
divisão entre os sócios. Nessa situação, sempre há incertezas, principalmente, com relação a
valoração e a gestão de ativos ainda não concretizados (p.ex. os pedidos de registro, conforme
mencionado antes).
A judicialização pode ser reflexo de divergências na valoração extrajudicial de tais ativos,
em vista de discordâncias entre o valor contábil do patrimônio social e o valor real dele, que
repercutirá na participação acionária e no reembolso ou haveres decorrentes.
Na lição de CARVALHOSA (2005, p.358):
Esta disparidade entre o valor contábil do patrimônio da sociedade — ao qual se chegaria pela mera subtração entre os
seus ativos e passivos contábeis — e o valor real do patrimônio social, o qual incluiria o valor de mercado de seus ativos,
bem como o dos intangíveis da sociedade, poderia gerar um enriquecimento sem causa da própria sociedade e,
indiretamente, dos demais sócios em detrimento daquele que se desligava.
No caso de uma aquisição da empresa por outro grupo econômico, normalmente todos os
ativos de propriedade industrial são transferidos para o grupo adquirente,portanto, a
formalização da transferência é feita por meio de cessões regularmente averbadas nos órgãos
competentes no Brasil ou exterior.
Essa ponte também merece atenção, pois a cessão para a finalidade de concluir o negócio
jurídico, seja de aquisição por outro grupo econômico ou por um dos sócios tem requisitos
específicos tanto no Brasil quanto no exterior, o que pode dificultar a conclusão do negócio
jurídico. Além é claro, os tempos, por vezes exagerados para conclusão desses processos de
transferência perante os órgãos competentes no Brasil ou exterior.
O encerramento de uma empresa tem etapas muito bem determinadas dentro da legislação
pátria (dissolução, liquidação e extinção), como prevê o Código Civil de 2002 (BRASIL,
2002) e na Lei 6404/76 (BRASIL, 1976).
A dissolução se inicia o processo de encerramento da sociedade empresária e levanta as
questões inerentes ao seu patrimônio, incluindo o de propriedade industrial. Seria fácil tratar
da gestão desses ativos no encerramento da empresa, se o próprio contrato social já possuísse
clausulas sobre sua dissolução e idealmente tratando dos ativos intangíveis. Ocorre que, na
prática, pouco se verifica situações ideais como essa, por exemplo, cláusulas que estipulem a
destinação dos ativos de propriedade industrial da empresa, a divisão e/ou possibilidades de
aquisição pelos sócios, determinando prioridades (por exemplo, o sócio majoritário ou por
voto de maioria será feita a escolha de quem ficará com tais ativos, pagando o valor
proporcional aos demais sócios, na medida de suas quotas societárias).
Na ausência de previsão, resta então, no distrato social, incluir eventualmente cláusulas
nesse sentido, se houver consenso entre os sócios.
Importante considerar que o encerramento da empresa pode ser total ou parcial, conforme
previsão legal. Na hipótese de ser parcial, por exemplo, pela resolução ou resilição do contrato
de sociedade em relação a um ou mais sócios (p.ex. por morte, aposentadoria, vontade pessoal,
determinação judicial etc.). Em geral, nesses casos não é comum que as empresas considerem
os ativos de propriedade industrial na apuração, deixando a porta aberta a discussões futuras
para apuração insuficiente no processo de liquidação.
A dissolução por si só não extingue a sociedade, apenas inicia a fase de liquidação com
esse propósito, podendo ocorrer a redução de seu capital. A companhia dissolvida conserva a
personalidade jurídica em todas as hipóteses de dissolução, com o fim de proceder à
liquidação.
A liquidação constitui um conjunto de atos destinados a vender o ativo pagar o passivo e
dividir o saldo restante entre os sócios. Nessa fase, a empresa deverá nomear um liquidante,
que pode ser sócio ou outra pessoa fora da sociedade, mas desde que se averbe seu nome no
registro competente.
Dentre outras responsabilidades inerentes ao processo liquidação, passa então a ser de
responsabilidade do liquidante a gestão de todos os ativos de propriedade industrial, que detém
poderes para obter informações sobre eles, buscar sua avaliação, dando destino aos mesmos.
É de competência do liquidante representar a companhia e praticar todos os atos
necessários à liquidação, inclusive alienar bens intangíveis, transigir, receber e dar quitação.
Importante considerar que também é dever do liquidante, nessa fase, zelar pela manutenção
desses ativos e, no caso de prorrogações necessárias, é importante considerar que a condição
da sociedade deve ser informada aos órgãos competentes. E, não menos importante, nessa fase,
é dever do liquidante representar a empresa encerranda em eventuais ações extrajudiciais ou
judiciais contra terceiros em curso ou a iniciar.
O liquidante também tem o dever de uma vez definido o destino do ativo de propriedade
industrial, promover as devidas regularizações perante os órgãos competentes, bem como
encerrar ou transferir também eventuais negócios jurídicos com terceiros (p.ex. no caso de
franquias).
Na prestação de contas final, o destino dos bens de propriedade industrial deve ser
considerado, seja como ativo financeiro convertido ou como partilha entre os sócios.
A extinção, última etapa do encerramento de uma empresa, se caracteriza por não existir
mais personalidade jurídica. Ocorre mediante averbação no registro, vulgarmente chamada da
“baixa” da sociedade. Importante considerar que uma empresa baixada não pode ser titular de
ativos de propriedade industrial por não mais existir personalidade jurídica e na hipótese de
termos uma empresa que chegue à extinção sem promover as devidas transferências de ativo
(necessárias para produção de efeitos perante terceiros), restaria o questionamento de tais
ativos passam a integrar o domínio público, visto que a personalidade jurídica deixa de existir.
Poderia ser considerada inclusive como renúncia, nos termos da Lei 9279/96 (BRASIL, 1996).
CONCLUSÃO
Como discutido, independentemente de seu tamanho ou posicionamento no mercado, os
ativos de propriedade industrial, incluindo as marcas, desenhos industriais, patentes, entre
outros, constituem bem imaterial importante e de valor pecuniário das sociedades
empresariais.
Entretanto, em que pese seu valor, seja de fácil ou difícil apuração, esses ativos têm sido
negligenciados no término das sociedades empresariais. Embora possam até recuperar
importante valor para pagamento do passivo, em não poucos casos, são até desconsiderados.
Os diversos cuidados necessários dentro do processo de encerramento empresarial, mais
especificamente no caminho prático da dissolução, liquidação e encerramento foram
abordados, chamando a atenção para o complexo e cauteloso processo de due diligence, que
identificará não somente tais bens em número, mas em qualidade e andamento processual.
Como discutido, há inúmeros cuidados a serem tomados durante o processo de
encerramento de uma empresa no que diz respeito aos ativos de propriedade industrial e que
podem impactar inclusive na perda do direito ou no questionamento judicial do encerramento
da sociedade no caso de não serem observados durante as etapas de dissolução, liquidação e
extinção. Nesse sentido, o papel e responsabilidade do liquidante pelo zelo do ativo, bem como
valoração rigorosa dele, faz-se essencial.
Na hipótese de a sociedade empresarial chegar à extinção sem promover as devidas
transferências de ativo, restaria aberta a possibilidade de considerar que tais ativos passam a
integrar o domínio público, perdendo assim seu valor.
REFERÊNCIAS
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II, Patentes, Rio de Janeiro, 2010.
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COELHO, Fábio Ulhoa. Novo manual de direito comercial: direito de empresa. 31ª ed. São
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INSTITUTO DANNEMANN SIEMSEM DE ESTUDOS JURÍDICOS E TÉCNICOS (IDS).
Comentários à Lei da Propriedade Industrial. Editora Renovar, 3ª edição, Rio de Janeiro,
2013.
MORO, Maite Cecilia Fabbri. Direito de marcas: abordagem das marcas notorias na lei
9.279/1996 e nos acordos internacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
PIMENTEL, Luiz Otavio. Direito Industrial: As funções doDireito de Patentes. Editora
Síntese. Porto Alegre, 1999.
CAPÍTULO DOIS
 
Sumário: Introdução. 1. A marca. 2. A propriedade da marca e função social. 3. A função social da marca presente na
proteção ao consumidor e à livre iniciativa. 4. A proteção da propriedade industrial e concorrência desleal. 5. Os desafios da
proteção à marca na era digital. Conclusão.
RESUMO: O ordenamento jurídico pátrio tutela a propriedade industrial/intelectual, assim como protege a propriedade
comum, não como um direito absoluto, mas limitado ao atendimento de sua função social. Também a marca – principal
símbolo distintivo da atividade empresária – é resguardada pelo legislador, observada o atendimento de sua função social, no
que o uso é seu mais efetivo instrumento. Dentro desse contexto, é relevante se debater a importância da utilidade da marca
para o mercado, bem ainda, para justificar a proteção da lei. Da mesma forma pertinente é o debate sobre o interesse público
presente na proteção marcaria, em especial, o que envolve o direito do consumidor, da livre iniciativa e a repressão à
concorrência desleal, incentivando práticas sustentáveis no ambiente concorrencial, seja real ou virtual.
Palavras-chaves: Propriedade – marca – interesse público – era digital
ABSTRACT: The legal system protects industrial/intellectual property, as well as common property, not as an absolute right,
but limited to the fulfillment of it’s social function. The trademark - the main distinctive symbol of business activity - is also
protected by the legislature, subject to the fulfillment of it’s social function, in which use is its most effective instrument.
Within this context, it is relevant to debate the importance of the usefulness of the trademark for the market, as well as to
justify the protection of the law. It is also pertinent to debate the clear public interest present in trademark protection,
especially that which involves consumer rights, free enterprise and repression of unfair competition, encouraging sustainable
practices in the competitive environment, whether real or virtual.
Keywords: Property - trademark - public interest – digital age
INTRODUÇÃO
Não é incomum ao se tratar do Direito à Propriedade Industrial e Intelectual se ter a falsa
impressão de que a tutela do Estado envolve interesses, unicamente, particulares. O direito
marcário ao mesmo tempo em que resguarda direitos do titular, igualmente, assegura a
proteção do consumidor contra atos confusórios e fraudulentos que podem impactar no amplo
exercício de escolha do consumidor, levando-o ao erro.
A proteção à marca envolve, ainda, o interesse público de garantir que o mercado se
desenvolva de forma sustentável, e nessa medida, é imperioso que haja a devida repressão às
condutas ilegais e fraudulentas que visem macular o processo de competição, tão salutar e
enriquecedor para o mercado.
Não coibir esse desequilíbrio causado pela concorrência desleal leva ao inevitável
desestímulo à inovação e à disputa, permitindo que a força do maior competidor domine o
mercado, violando o exercício ao pleno direito de escolha ostentado pelo consumidor,
prejudicando não apenas o empresário, mas toda a coletividade que se verá compelida a
consumir produtos e serviços oferecidos por um único fornecedor, que poderá não ter
compromisso com a qualidade e com o justo preço.
A combinação entre proteção à imagem empresarial e proteção ao consumidor, denomina-
se função social da marca, que é constitucionalmente prevista e corrobora com a afirmação
inicial de que o direito à propriedade intelectual, no que se insere a marca, possui cunho
privado e público.
A proteção à marca recebe do ordenamento jurídico a mesma importância e proteção
destinada à propriedade comum, material, haja vista que importante instrumento de fomento
do livre comércio, da inovação e do desenvolvimento econômico do mercado.
Por sua relevância econômica, a proteção à propriedade intelectual recebe a mesma atenção
do ordenamento destinado à propriedade comum ou material, porquanto fomenta a inovação,
incrementa a economia com o comércio do produtos, com o pagamento de royalties, além de
incentivar a pesquisa, robustecendo a economia nacional e auxiliando no desenvolvimento do
país.
Com a chegada da era digital importantes desafios deverão ser enfrentados para que a
propriedade intelectual seja garantida, garantindo proteção jurídica e incentivo econômico
necessários.
1 A MARCA
A marca no Direito de Propriedade Intelectual “integra o conjunto formado pelos signos
distintivos, ao qual também pertencem os nomes empresariais, os títulos de estabelecimento e
os nomes de domínio” (SCHMIDT, 2013, p. 23).1
Tem como uma das funções diferenciar um produto ou serviço dos demais existentes no
mercado, bem ainda, identificá-lo, incutindo-lhe uma referência ou característica distinta aos
similares.
O artigo 123, inciso I, da Lei nº 9.279/962 estabelece que marca é aquela usada para
distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa.
A diferenciação entre produtos ou serviços é da essência do princípio da especialidade, do
qual a propriedade marcaria se subsome.
Lélio Denicoli Schmidt ao citar Otero Lastres registra:
Em estudo dedicado ao tema, Otero Lastres chega a defender que a adstrição da marca ao princípio da especialidade seria
elemento essencial à sua conceituação, observando que “para ser correcta, una definición legal da marca debe [...] acoger
la regla de la especialidad [...]”, segundo a qual a proteção da marca se dá no tocante a produtos ou serviços idênticos,
semelhantes ou afins (SCHMIDT, 2013, p. 23).3
Há doutrinadores, contudo, que compreendem que a função distintiva da marca se mantém,
mesmo quando inexistente produto ou serviço similar, criticando, portanto, a vinculação da
conceituação da marca ao princípio da especialidade.
Pontes de Miranda, citado por Lélio Schmidt, compreende que “a marca seria um sinal que
se apõe em produtos ou mercadorias para servir de indicação da sua qualidade” (SCHMIDT,
2013, p. 34).4
Para Maitê Cecília Fabbri Moro vai além, sinalizando a existência de importante interesse
público na proteção do direito das marcas, ao enfatizar o importante papel que a marca exerce
na garantia da livre concorrência de mercado e ao direito de escolha do consumidor,
conceituando que a marca como:
[...] sinal distintivo, facilita a identificação de produtos e/ou serviços dentro do mercado, possibilitando, ao mesmo tempo,
o seu reconhecimento pelo público consumidor e a diferenciação de seus concorrentes. Identificar e diferenciar são,
portanto, características intrínsecas das marcas, as quais constituem, atualmente, o principal e mais valorizado elemento
distintivo imaterial de uma empresa (MORO, 2017, p. 344).5
De toda maneira e a par das divergências conceituais travadas pela doutrina, para o trabalho
em destaque, o que parecer ser relevante é a compreensão de que a marca é um sinal, um
símbolo, um signo, que diferencia o produto e/ou serviços dos demais, similares ou não,
trazendo-lhe a identidade que o individualiza e o distingue no mercado em que se insere,
assegurando ao consumidor o exercício do seu direito de escolha, bem ainda, reforçando no
mercado a concorrência.
2 A PROPRIEDADE DA MARCA E FUNÇÃO SOCIAL
O artigo 5º, inciso XXIX da Constituição Federal de 19886 ao dispor sobre a propriedade
intelectual estabeleceu que: “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio
temporário para sua utilização, bem como proteção às suas criações industriais, à propriedade
das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse
social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país”.
A leitura do texto constitucional não deixa margem de dúvidas de que a marca é uma
propriedade, e como tal, receberá a proteção constitucional, assim como deverá cumprir com
as funções a ela vinculadas.
Fazendo coro ao conceito amplo de propriedade, Pedro Marcos Nunes Barbosa compreende
que “...no tocantea estrutura, formato, da espécie jurídica que contempla o titular do direito de
exclusiva, é possível notar que o artigo 1.228 do Código Civil não se limita aos bens materiais,
servindo de fonte normativa hábil – subsidiariamente – à caracterização do direito que irá
consagrar os signos distintivos marcários” (BARBOSA, 2011, p. 11).7
Em sendo propriedade – até porque a Constituição Federal se utilizou de conceito amplo,
acolhendo todas as formas de propriedade (material ou imaterial) -, a marca se destina a
cumprir uma função social, conforme disposto no artigo 5º, incisos XXIII e XXIX, cumulado
com o artigo 170, inciso III da Constituição Federal:8
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
III - função social da propriedade;
Para Lélio Schmidt (2013, p. 48),9 dois fundamentos jurídicos sustentam a função social da
propriedade marcaria, quais sejam:
1. A necessidade de se distinguir e resguardar o aviamento erguido em torno do signo que
identifica o produto ou serviço e;
2. Evitar confusões e associações indevidas no mercado de consumo.
O cunho social atribuído ao direito de propriedade lhe retirou o caráter absoluto, impondo-
lhe condição fundamental à proteção do Estado, representado pela função social da
propriedade.
André Ramos Tavares em bem lançadas linhas traça um perfil evolutivo do conceito de
propriedade e função social, esclarecendo que:
[...] no desenvolvimento universal do conceito, caminhou-se, em primeiro lugar, de uma concepção coletiva da
propriedade, considerada como bem como de todos, para se chegar, então, à ideia de um direito individual absoluto, até se
alcançar, por fim, a concepção atual de que, embora assegurada individualmente, a propriedade deverá atender a sua
função social... (TAVARES, 2013, p. 62).10
E prossegue o autor:
Assim, houve, mais recentemente, em termos comparados, uma civilização desse direito (de propriedade), que deixou de
considerar-se absoluto. Essa mudança de concepção ocorreu paralelamente ao deslocamento do instituto do Direito
Privado para o Direito Público. Ocorreu a categorização constitucional do direito de propriedade e a consequente
conotação constitucional mínima do conteúdo desse direito. Constata-se que o direito de propriedade assumiu uma
conotação que se tem designado de social, em oposição à característica essencialmente individualista de que desfrutara
outrora (TAVARES, 2013, p. 62).11
Assim, embora direito individual, é imperioso para a salvaguarda da lei (Estado), que a
propriedade traga benefícios para além da esfera de direito do proprietário, contribuindo para a
circulação de riquezas e incremento da economia.
Ao tratarmos dos limites à propriedade privada dentro do contexto dos princípios constitucionais econômicos, podemos
reconhecer a nota social dada ao instituto pelo preceito constitucional da função social, que harmoniza seu caráter de
direito individual, por um lado, e sua concepção coletiva, econômico-social, por outro (TAVARES, 2013, p. 75).12
A exemplo da propriedade imobiliária, a propriedade marcária precisa ter uma utilidade,
uma destinação e para a geração e circulação da riqueza, beneficiando não apenas para seu
titular, como também, as demais pessoas envolvidas na cadeia econômica a ela vinculada
(coletivo).
Nesse contexto, a função social, tal qual a propriedade material “é um limite encontrado
pelo legislador para delinear a propriedade, em obediência ao princípio da supremacia do
interesse público sobre o interesse particular”.13 A propriedade imaterial precisa ser útil, sendo
através do seu uso contínuo que a função social é comprovada, garantindo a proteção
constitucional.
Mesmo para as marcas de alto renome – cuja proteção do Estado ultrapassa os limites
territorial e da especialidade – será o uso efetivo da marca o fator fundamental para o
cumprimento da função social e, portanto, da salvaguarda da maior proteção concedido pela
legislação marcaria.14
A ausência de concretização da função social, portanto, faz com que cesse a razão pela qual se garante e se reconhece o
direito de propriedade. Outrossim, o alto renome dará maior poder de exclusão de uma marca, impedirá terceiros que
maliciosamente se aproveitem da notoriedade alheia, desde que o titular não goze da propriedade sem dela dar uma
destinação socialmente útil (BARBOSA, 2011, p. 21).15
Lélio Schmidt reforça o argumento assentando que “é o uso efetivo da marca o instrumento
para que ela cumpra a função social que dela se espera” (SCHMIDT, 2013, p. 49).16
Mesmo para as marcas de alto renome – cuja proteção do Estado ultrapassa os limites
territorial e da especialidade – será o uso efetivo da marca o fator fundamental para o
cumprimento da função social e, portanto, da salvaguarda da maior proteção concedido pela
legislação marcaria.
A ausência de concretização da função social, portanto, faz com que cesse a razão pela qual se garante e se reconhece o
direito de propriedade. Outrossim, o alto renome dará maior poder de exclusão de uma marca, impedirá terceiros que
maliciosamente se aproveitem da notoriedade alheia, desde que o titular não goze da propriedade sem dela dar uma
destinação socialmente útil (BARBOSA, 2011, p. 21).17
É por essa razão que o artigo 143 da Lei de Propriedade Industrial (LPI)18 prevê a
caducidade do registro caso, após 5 (cinco) anos de sua concessão, o uso da marca não tiver
sido iniciado, tiver sido interrompido por igual período ou tiver sido feito com alteração
substancial da marca constante do certificado do registro.
Vez mais, Pedro Nunes Barbosa vem em reforço:
A marca é - outrossim – um direito de oponibilidade absoluta, qualificado pela sua inserção e delimitação mercadológica:
tal como na propriedade comum, ela só merecerá tutela enquanto funcionalmente útil (...) Dessa forma, ainda que no
exercício não essencial, os signos distintivos, para merecerem tutela, precisam observar os impedimentos legais, bem
como serem objeto de uso (BARBOSA, 2011, p. 12).19
Não há como negar, portanto, que a propriedade da marca é resguardada pelo ordenamento,
contudo e a exemplo da propriedade comum, deverá observar o seu fim social, comprovado
através do uso efetivo da marca, contribuindo com o incremento social e econômico da
atividade empresarial.
3 A FUNÇÃO SOCIAL DA MARCA PRESENTE NA PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR
E À LIVRE CONCORRÊNCIA
Senso comum de que o Direito de Propriedade Intelectual envolva discussão
exclusivamente de direito privado, o que é compreensível. Contudo, muito embora a existência
de forte interesse privado, a proteção à propriedade industrial e intelectual carrega importante
interesse de ordem pública, a exemplo da proteção à livre concorrência e aos direitos dos
consumidores.
Resguardar e garantir aos competidores que o processo de concorrência se dará em um
ambiente juridicamente seguro e saudável, por meio de adequada promoção das marcas e da
repressão aos atos confusórios, denegritórios da concorrência e de concorrência desleal, é
fundamental para criar condições para o desenvolvimento econômico e tecnológico, e à
própria inovação, em consonância com a função estipulada pela Constituição Federal aos
direitos da propriedade industrial (art. 5º, inc. XXIX).20
Isso porque a proteção à marca registrada interessa não só ao seu titular, mas principalmente, trata-se de instituto que está
ligado aos interesses de ordem pública que deverão ser observados por ocasião da proteção à propriedade industrial de
acordo com o artigo 2º da LPI. Além disso, cabe lembrar que a regra da especialidade está intimamente ligadaà livre
concorrência e ao princípio da defesa do consumidor que são fundamentos da ordem econômica (BARBOSA, 2011, p.
14).21
Acaso não houvesse a proteção legal à marca, certamente condutas conhecidas como de
free rider22 ocorreriam sem qualquer controle, freio ou repressão, prejudicando sobremaneira a
distintividade da marca que é essencial para permitir que o consumidor, por exemplo, escolha
e identifique o produto ou serviço do qual pretende adquirir.
Nesse sentido, a atividade empresarial seria severamente impactada (negativamente), uma
vez que todo o esforço e investimento destinado para a construção de uma marca com
credibilidade e reputação no mercado seria aniquilado, desestimulando a inovação, a
criatividade, a diferenciação entre produtor e consequentemente, a dinâmica da sociedade de
consumo seria quebrada.
Como já visto, uma das finalidades da marca é se diferenciar dos demais produtos, além, de
servir de instrumento ao processo competitivo, garantindo a proteção e a continuidade dos
investimentos em produtos e serviços, criando, ainda, condições favoráveis ao
desenvolvimento tecnológico e econômico do país.
Sem a devida repressão ao efeito carona (free riders) nenhum sentido faria que as empresas
se dedicassem para criar produtos e serviços inovadores, diferentes aos existentes no mercado,
solapando a salutar competitividade no mercado da concorrência, impondo aos consumidores a
aquisição de produtos e serviços obsoletos e de qualidade duvidosas.
O Superior Tribunal de Justiça ao analisar o caso concreto envolvendo as marcas
BIGFRAL e MEGAFRAL fez importante registro sobre a necessária proteção marcaria:
A marca se constitui como sinal distintivo que viabiliza a identificação do produto ou serviços disponíveis no mercado, a
relevância de sua proteção é, subjetivamente, dúplice: de um lado, beneficia o titular, que tem seu produto ou serviço
diferenciado dos demais no ambiente concorrencial, de outro, favorece o público consumidor, pois certifica a origem do
produto ou serviço adquirido, evitando-se equívocos acerca de sua procedência. A proteção das marcas é, também, de
grande valia para a dinâmica do mercado, na medida em que dá suporte a um ambiente de competição profícuo, sob a
tônica da livre concorrência, apto a garantir “o fornecimento de produtos ou serviços com qualidade crescente e preços
decrescentes” (COELHO, Fabio Ulhoa. Princípios do Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2012, p.34). Pode-se
afirmar, nesse contexto que, para além de garantir direitos individuais a seu proprietário, a tutela jurídica da marca
salvaguarda interesses coletivos/sociais (STJ – 3ªT - REsp nº 1.721.697-RJ. Min. Nancy Andrighi. P. 26.03.18) (grifo do
autor).23
Ademais, a proteção à marca tem como escopo, ainda, evitar que o consumidor se
equivoque quanto ao produto ou serviço que, de fato, tencionava adquirir.
É por essa razão que a Lei de Propriedade Industrial combate a prática de atos que resultem
em imitação ideológica, justamente, para que o consumidor não seja induzido a levar produto
diverso daquele que desejava adquirir.
[...] contrapondo-se as marcas em questão, a conclusão inafastável é no sentido do reconhecimento da existência de
sensível afinidade ideológica entre elas (pois transmitem a ideia de “fralda grande”), o que pode implicar associação
indevida por parte do público consumidor, de modo que o registro concedido ao recorrido dever ser invalidade, por
malferimento ao art. 124, XIX, da LPI.
Consoante assinalado linhas atrás, ainda que a marca BIGFRAL possa ser considerada evocativa, tal fato não retira (ao
contrário do que entendeu o Tribunal de origem) o direito de seu titular, detentor de registro anterior, de se opor ao uso
não autorizado de marca que transmita ao consumidor a mesma ideia acerca do produto que designa.23a
Vale registro, ainda, de que a proteção à marca basta a mera possibilidade confusão, não
sendo exigido prova cabal de equívoco ou confusão causada no consumidor para que a
conduta seja devidamente reprimida pela legislação.
Isto porque “[...] a repressão a tais atos é feita à luz do mero risco de confusão que ensejam,
não sendo necessário que o lesado comprove que a confusão tenha se concretizado. O próprio
legislador presume o risco de confusão na hipótese de reprodução de marca alheia registrada
para identificar produtos idênticos aos cobertos pelo registro” (SCHMIDT, 2011, p. 55).24
Para a tutela da marca, basta a possibilidade de confusão, não se exigindo prova de efetivo engano por parte de clientes ou
consumidores específicos.25
Ao se proteger a marca da ocorrência de atos confusórios o ordenamento não apenas tutela
o direito do proprietário, como também assegura ao consumidor o pleno exercício do direto de
escolher e identificar os produtos e serviços de seu interesse, minimizando as chances de ser
ludibriado por comerciantes mal-intencionados.
4 A PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL E CONCORRÊNCIA DESLEAL
A livre concorrência, como já apontado, é um princípio constitucional, previsto no artigo
170, inciso IV da Constituição Federal26 e tem como escopo garantir a livre concorrência, ou
seja, viabilizar que o maior número de competidores participe do mercado apresentando seus
serviços e/ou produtos que serão adquiridos livre e espontaneamente pelo consumidor.
Estimula, ainda, a inovação uma vez que os concorrentes deverão apresentar sempre
produtos e/ou serviços novos, diferentes aos existentes, visando conquistar o interesse de um
número cada vez maior de clientes, fortalecendo-se no mercado.
Auxilia, também, no controle e variação dos preços no mercado de consumo, sendo essa
uma das razões pelas quais o ordenamento reprime o monopólio. Garantir e proteger o
ambiente concorrencial é função do Estado, a quem cabe reprimir as condutas desleais,
assegurando transparência e equidade na disputa.
A concorrência desleal, por sua vez, é geralmente conceituada como qualquer ato de
concorrência que seja contrário às práticas honestas em matéria comercial ou industrial. É
possível se observar a adoção de conduta desleal sempre que houver a utilização técnicas
desonestas ou fraudulentas para desviar clientes de um concorrente.
No campo da proteção de marcas e patentes o registro é importante instrumento para se
assegurar o uso exclusivo do símbolo, especialmente, quando o símbolo alcança renome, além
de coibir condutas desleais, permitindo que o consumidor identifique e escolha exatamente
aquilo que lhe interessa adquirir ou contratar.
A livre concorrência é protegida e assegurada pelo ordenamento pátrio, ao mesmo tempo
em que reprime o abuso do direito econômico, uma vez que tais práticas desequilibram a
dinâmica do mercado e desestimulam a competição.
[ ...] o direito da propriedade industrial e a concorrência desleal são dois lados de uma mesma moeda. De um lado,
estabelecem-se direitos que permitem aos seus titulares a utilização, de forma exclusiva, de símbolos; de outro,
estabelecem-se deveres recíprocos aos sujeitos econômicos para que todos atuem de maneira honesta e leal (OLAVO,
2005, p. 284).27
A insegurança gerada por um ambiente onde inexiste a repressão a atos ilícitos, ilegais ou
fraudulentos torna desigual a disputa, favorecendo a dominação pelo mais fortes ao mesmo
tempo em que frustra o amplo exercício do direito de escolha ostentado pelo consumidor.
Dentro desse conceito, o artigo 173, § 4º da Constituição Federal de 1988,28 expressamente
dispõe que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à
eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.
A concorrência desleal constitui, portanto, justificativa para a anulação de registros das
marcas, dos nomes e das insígnias (OLAVO, 2005) e representa a base para que titulares de
marcas, registradas ou não registradas, impeçam que terceiros realizem atos ilícitos ou
fraudulentos que possam desviar-lhes a clientela.
Ademais, na disciplina do crime de concorrência desleal, aqueles ilícitos cometidos
contramarcam de alto renome,notoriamente conhecida e de certificação ou coletiva têm a
penalidade agravada por força do art. 196 da LPI.29 Também na LPI, há uma lista de atos que
podem configurar concorrência desleal e está disposta no art. 195.
De modo geral, a repressão da concorrência desleal visa à proteção da liberdade de
concorrência em seu sentido subjetivo, isto é, a liberdade do agente econômico de atuar e
desenvolver-se no mercado.
O propósito compreende a proteção dos investimentos na reputação empresarial, na
proibição a comportamentos oportunistas e na proteção do consumidor de modo que o
instituto, de fato, possa ser utilizado como um instrumento a favor da regular manutenção do
processo competitivo, beneficiando interesses privados e públicos.
Maitê Cecília Fabbri Moro defende que a concorrência desleal está intimamente ligada à
conduta dos competidores que se utilizam de práticas “moralmente questionáveis” para atingir
e conquistar a clientela do concorrente.
Para a autora “práticas consideradas desleais entre os próprios competidores, com vistas a
angariar clientela alheia podem ser consideradas um atentado à livre concorrência” (MORO,
2017, p. 339).30
O conceito defendido pela Professora Doutora Maitê Moro traz a reflexão sobre a
necessidade de se incentivar – e porque não perseguir – a ética nas relações empresariais,
visando resguardar a competitividade saudável, lícita, que beneficia não apenas os
competidores, mas o mercado como um todo.
A noção de ética no ordenamento jurídico brasileiro pode ser encontrada na CF/88 que
possui diversos valores éticos, dentre eles a noção de dignidade da pessoa humana (art. 1º,
inciso II), os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa (art. 1º, inciso IV).31
Os tribunais também se mostram atentos à questão, valendo como exemplo o excerto
abaixo:
A eticidade é característica de toda ordem jurídica, como bem assevera o saudoso Miguel Reale: “Poder-se-ia dizer que a
bilateralidade atributiva se caracteriza pela sua estrutura axiologicamente binada, de tal modo que a correlação entre posse
e debere, entre pretensão e prestação, graças a ela se exime de maneira objetiva, ficando superado o plano da relação
empírica entre dois sujeitos, visto se referir a algo essencial à vida do espírito: à possibilidade e à necessidade ética de
obrigar-se o espírito também em virtude e em razão de algo transobjetivo” (em Filosofia do Direito, p. 694). Por
conseguinte, não há atuação do sujeito desvinculada da eticidade, de sorte que a análise que se faz de um requerimento de
patente deve toar em consideração também a eticidade do postulante (TRF2, 2008).32
Esse conceito “sustentável” é importante para garantir a saúde do processo competitivo, a
equidade entre os concorrentes e estimular a disputa, favorecendo o mercado como um todo.
A livre concorrência encontra, assim, os seus limites, primeiro, nos direitos alheios, depois, nos deveres do indivíduo para
com a sociedade em que vice, e, finalmente, nos deveres da caridade. Ora, se os indivíduos observassem,
espontaneamente, a regra moral que lhes deve pautar a atividade econômica, é evidente que não se tornariam necessárias
as leis reguladoras da concorrência comercial e industrial, ou da concorrência econômica. Não é isso, porém, o que se
verifica, mas justamente o contrário, tendendo a livre concorrência para o abuso desse direito, o que exige a intervenção
do Estado os seus domínios, a fim de contê-la dentro de certas regras impostas pela lealdade, boa-fé e pelo interesse
social. Os princípios e que se funda a teoria da repressão da concorrência desleal dominam todos os institutos da
propriedade industrial, como o reverso moral da lei positiva, revelando-se, assim, sob mais este aspecto, a unidade desse
ramo do direito (CERQUEIRA, 2010, p. 16).33
Por tais razões é que o legislador ao coibir as práticas desleais na concorrência, em verdade,
buscou resguardar o crescimento sustentável do mercado, onde todos os envolvidos possam
participar de forma segura, transparente e obtendo justas vantagens, beneficiando a todos.
Compreender que a repressão à concorrência desleal teria como objeto apenas tutelar
direitos privados é relegar ao esquecimento a proteção ao direito do consumidor e à livre
concorrência, preceitos de ordem pública e que estão diretamente ligados ao direito de
proteção às marcas.
Mais uma vez vem esclarecer a Professora Doutora Maitê Moro:
Compreender a concorrência desleal como um instituto que simplesmente se preocupa com interesses privados em jogo
não é a tendência atual. A concorrência desleal tem sido vista sob um olhar muito mais amplo e integrado à ordem jurídica
como um todo. Trata-se da denominada concepção integrada da concorrência desleal, originada na doutrina alemã, sob a
qual se visa proteger pelas regras da concorrência desleal, de forma conjunta, interesses públicos, interesses dos
concorrentes e o interesse dos consumidores (MORO, 2017, p. 342).34
Em artigo titulado “A doutrina da concorrência”, Denis Borges Barbosa leciona ao
discorrer sobre a concorrência como liberdade:
É nos confins dessa liberdade, na liberdade alheia de alguém de também concorrer, que se desenha a tutela da
concorrência leal. Presume-se que cada concorrente haja em um exercício legal e honesto do direito próprio, entendendo-
se como tal o que se tem como correto ou normal no mundo dos negócios (BARBOSA, 2002, p. 11).35
É bom que se compreenda que tanto na concorrência “saudável” como na concorrência
desleal o propósito é o mesmo: conseguir clientela do adversário/concorrente.
O que as diferencia é o método, é o meio utilizado para se alcançar o objetivo,
evidenciando que em um ambiente onde os competidores são éticos, probos e honestos, o
processo concorrencial tende a se desenrolar de forma transparente, lícita, sem a utilização de
subterfúgios e enganações para conquistar a clientela do adversário, beneficiando a
coletividade.
Assim, todos aqueles meios utilizados na concorrência e considerados desleais, diferentemente do enunciado da norma,
não estimulam a concorrência, e sim a degeneram, a maculam, por isso devem ser reprimidos. Ressalta-se então o (sic) um
subprincípio decorrente da liberdade concorrencial, para resguardar a concorrência saudável, que é o princípio da
repressão à concorrência desleal (MORO, 2017, p. 343).36
Dito isto, são os prejuízos causados pela concorrência desleal à dinâmica do mercado que
justificam a atuação do Estado para coibir essas práticas perniciosas, que enfraquecem e
prejudicam não apenas aos particulares, como também, aos consumidores e ao próprio
mercado.
5 OS DESAFIOS DA PROTEÇÃO À MARCA NA ERA DIGITAL
Como já analisado, a marca é o elementos identificador e distintivo do produto ou serviço e
“bem explorada, permite ao consumidor e ao investidor associarem produtos e/ou serviços ao
seu idealizador e a um determinado segmento de mercado”.37 Seu poder de persuasão e de
influência sobre o mercado consumidor tem justificado os altos investimentos em propaganda,
buscando massificar a marca perante aos consumidores, especialmente, os mais jovens.
É importante instrumento econômico para grandes empresas, já que uma marca original e distintiva, tem o poder de
exercer forte influência e fascínio sobre os consumidores, durante o processo de escolha. Dessa forma, sua afetação pode
se tornar um fator determinante para o sucesso ou insucesso de um produto ou serviço.38 (PAIXÂO, 2020, p.13).
Importante considerar que será, através do registro no órgão competente que o titular da
marca obterá a garantia de exclusividade do uso e plena fruição, conforme artigo 129, da Lei
nº 9.279/96. Devidamente registrada, a marca poderá ser protegida, por exemplo, de imitações,
que desvalorizam a marca e tendem a abalar a credibilidade de produto, prejudicando o
empreendedor e o mercado consumidor.
Para o bom funcionamento da livre concorrência, é necessário que a imagem favorável construída por determinada marca
seja usufruída apenas e tão somente por ser legítimo titular. A preferênciaconquistada no gosto do consumidor não pode
ser deslealmente desviada por alguém que venha a reproduzir ou imitar indevidamente a marca de outrem. As vantagens
devem ser distribuídas em razão do mérito: quem adotou determinada marca e por seu labor e competência tornou-a um
sinal distintivo atrativo ao consumidor deve gozar com exclusividade dos frutos de seu trabalho39 (SCHMIDT, 2013, p.
43).
Com a utilização cada vez maior da internet para a realização de transações comerciais, as
chamadas e-commerce40, a preocupação com a proteção marcaria se elevou exponencialmente,
sendo relevante buscar mecanismos que combatam a degeneração das marcas e o seu uso
indevido ou ilícito, “ferindo a integridade do símbolo”41 (PAIXÃO, 2020, p.13).
Com a chegada da pandemia do COVID-19 as empresas foram obrigadas a buscar meios
alternativos e seguros de desenvolverem sua atividade econômica e a internet se mostrou
eficaz e necessária à manutenção do negócio. Contudo, ao passo em que o meio digital
favoreceu as transações comerciais, deixou vulnerável a proteção à marca, já que exposta a um
ambiente altamente acessível e pouco controlável.
A utilização inadequada da propriedade intelectual da marca, gerou preocupações e grandes
corporações se adiantaram a promover, por exemplo, o registro de suas marcas no meio digital,
precavendo-se de irregularidades, ameaças ou mesmo ilícitos. O grande volume de negócios
realizados no universo virtual do metaverso, também tem gerado a adequação das empresas
àquele ambiente, justificando a diligência das empresas em se promover os devidos registros
de seus sinais distintivos no meio digital.
Muitos desafios ainda serão apresentados visando garantir a desejada proteção à marca e
conflitos entre a realidade virtual e a legislação atual, certamente serão travadas, a exemplo da
aplicação do princípio da territorialidade, previsto no artigo 129 da LPI, frente à realidade do
metaverso.
Em verdade, o que se é possível afirmar é a nova era digital imporá profundas
transformações na sociedade e nas relações jurídicas habituais, sendo imperioso que a
legislação e os profissionais do direito evoluam, adequando-se a essa nova ordem social, no
que o direito da propriedade intelectual não poderá se eximir.
CONCLUSÃO
Não há negar que o direito à proteção às marcas assegura que o titular dela desfrute e
obtenha o proveito econômico decorrente de sua utilidade. A relevância da proteção à
propriedade imaterial para o desenvolvimento econômico do país justifica a sua proteção,
sendo chancelado por norma infraconstitucional, como pelo próprio texto constitucional.
A tutela da propriedade marcaria carrega o interesse não apenas o interesse particular
evidente, como também público, a exemplo do incentivo à livre concorrência e da defesa dos
direitos do consumidor.
Proteger a marca de fraudes e imitações, coibindo práticas desleais, garante ao titular a
segurança necessária para continuar a investir e a inovar, como também, assegura ao mercado
a competitividade salutar e sustentável do processo concorrencial, além de garantir ao
consumidor seu pleno direito de escolher produtos e/ou serviços que lhe aprouverem.
O estabelecimento da era digital, por sua vez, trouxe desafios ao direito marcário,
especialmente no que se refere à proteção dos sinais distintivos das exposições decorrentes do
meio digital.
Imperioso, portanto, que o ordenamento jurídico e os profissionais da área se adequem e se
capacitem para essa nova realidade, garantindo a segurança necessárias ao bom
desenvolvimento econômico, sem se descurar da necessária segurança jurídica e proteção ao
titular a marca e consumidor.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Denis Borges. A Doutrina da Concorrência, p.11, 2002. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2835629/mod_resource/content/1/Denis%20Borges%20Barbosa.pdf.
Acesso em: 05/07/22.
BARBOSA. Pedro Marcos Nunes. As Marcas de Alto Renome. Revista ABPI – nº 110 –
Jan/Fev, p. 03-17, 2011.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal:
Centro Gráfico, 1988.
BRASIL, Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm. Acesso em: 05/07/2022
BRASIL – Superior Tribunal de Justiça – 3ªT - REsp nº 1.721.697-RJ. Min. Nancy
Andrighi. P. 26.03.18.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2a Região (TRF2). EDAC 2000.02.01.018537-5.
Segunda Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, à unanimidade,
Des. André Fontes, 26 de agosto de 2008.
CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial, vol. I, p. XVI, 3ª. Ed.,
Lumen Juris, 2010.
MORO, Maitê Cecília Fabbri. A proteção dos sinais distintivos como promoção da ética e
da sustentabilidade em um mercado delivre concorrência. Fortaleza: Revista Pensar nº.1,
jan/abr. 2017.
OLAVO, Carlos. Propriedade Industrial - Sinais distintivos do Comércio, Concorrência
Desleal. 2ª ed. Coimbra: Almedina, v.1, p.284, 2005.
SCHMIDT, Lélio. A distintividade das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013.
TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional da Empresa. Rio de Janeiro: Forense. São
Paulo: Método, 2013.IDT, 2011, p. 55).42
SEGUNDA PARTE
1 SCHMIDT, Lélio. A distintividade das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 23.
2 BRASIL, Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm. Acesso
em: 05 jul. 2022
3 SCHMIDT, Lélio. A distintividade das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 23.
4 SCHMIDT, Lélio. A distintividade das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 24.
5 MORO, Maitê Cecília Fabbri. A proteção dos sinais distintivos como promoção da ética e da sustentabilidade em um
mercado delivre concorrência. Fortaleza:Revista Pensar, nº.1, jan/abr. 2017, p. 344.
6 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
7 BARBOSA. Pedro Marcos Nunes. As marcas de alto renome. Revista ABPI – nº 110 – Jan/Fev, p. 03-17, 2011.
8 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
9 SCHMIDT, Lélio. A distintividade das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 48.
10 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional da Empresa. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2013, p. 62.
11 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional da Empresa. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2013, p. 62.
12 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional da Empresa. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2013, p. 75.
13 VARELLA, Marcelo Dias. Propriedade intelectual nos setores emergentes. São Paulo: Atlas, 1996.
14 BARBOSA. Pedro Marcos Nunes. As marcas de alto renome. Revista ABPI – nº 110 – Jan/Fev, p. 03-17, 2011.
15 BARBOSA. Pedro Marcos Nunes. As marcas de alto renome.. Revista ABPI – nº 110 – Jan/Fev, p. 03-17, 2011.
16 SCHMIDT, Lélio. A distintividade das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 48.
17 BARBOSA. Pedro Marcos Nunes. As marcas de alto renome. Revista ABPI – nº 110 – Jan/Fev, p. 03-17, 2011, p. 21
18 BRASIL, Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm.
Acesso em: 05/07/2022
19 BARBOSA. Pedro Marcos Nunes. As marcas de alto renome. Revista ABPI – nº 110 – Jan/Fev, p. 03-17, 2011, p. 12.
20 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
21 BARBOSA. Pedro Marcos Nunes.As marcas de alto renome. Revista ABPI – nº 110 – Jan/Fev, p. 03-17, 2011, p. 14.
22 Free rider ou efeito carona no direito marcário significa agir ardilosamente usufruindo do prestigio conquistado por marca
consolidada após altos e longos investimentos.
23 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ) REsp nº 1.721.697-RJ. Min. Nancy Andrighi. Disponível
em: https://processo.stj.jus.br/processo/a/?
tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201703075285&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea.
Acesso em: 30 out. 2022.
23A BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). REsp 1.721.697-RJ. Rel. Min. NancyAndrighi. Disponível em:
https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?
tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201703075285&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea.
Acesso em: 30 out. .2022. 
24 SCHMIDT, Lélio. A distintividade das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 55.
25 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). REsp 954.272-RS. Rel. Min. Nancy Andrighi. Disponível
em: https://processo.stj.jus.br/processo/a/?
tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=200700985600&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea.
Acesso em: 30 out. 2022.
26 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
27 OLAVO, Carlos. Propriedade Industrial: Sinais distintivos do Comércio, Concorrência Desleal. 2ª ed. Coimbra:
Almedina, v.1, p.284, 2005.
28 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
29 BRASIL, Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm.
Acesso em: 05/07/2022
30 MORO, Maitê Cecília Fabbri. A proteção dos sinais distintivos como promoção da ética e da sustentabilidade em um
mercado de livre concorrência. Fortaleza: Revista Pensar nº.1, jan/abr. 2017, p. 339.
31 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
32 TRF2, EDAC 2000.02.01.018537-5, Segunda Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, à
unanimidade, Des. André Fontes, 26 de agosto de 2008. Disponível em: Disponível
em: https://www10.trf2.jus.br/consultas/jurisprudencia/ Acesso em: 30.10.2022.
33 CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial, vol. I, p. XVI, 3ª. Ed., Lumen Juris, 2010, p. 16.
34 MORO, Maitê Cecília Fabbri. A proteção dos sinais distintivos como promoção da ética e da sustentabilidade em um
mercado de livre concorrência. Fortaleza: Revista Pensar nº.1, jan/abr. 2017, p. 342.
35 BARBOSA, Denis Borges. A doutrina da concorrência, p.11, 2002. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2835629/mod_resource/content/1/Denis%20Borges%20Barbosa.pdf. Acesso em: 05
jul. 2022.
36 MORO, Maitê Cecília Fabbri. A proteção dos sinais distintivos como promoção da ética e da sustentabilidade em um
mercado delivre concorrência. Fortaleza: Revista Pensar nº.1, jan/abr. 2017, p. 343.
37 ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. A imprescindibilidade da proteção da marca na era da economia
digital. Empório do Direito.com.br. 28.09.2019. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/a-
imprescindibilidade-da-protecao-da-marca-na-era-da-economia-digital. Acesso em: 30 out .2022.
38 PAIXÃO, Maria Helena Silva Gracelácio da. Teoria da diluição marcaria e a exceção da paródia: o abuso de direito na
liberdade de expressão. Revista ASPI. Nº 7. Agosto. 2020. Disponível em: https://www.montaury.com.br/pt/teoria-da-
diluicao-marcaria-e-a-excecao-da-parodia. Acesso em: 30 out. 2022.
39 SCHMIDT, Lélio Denicoli. A distintividade das marcas. São Paulo, Saraiva, 2013, p.43.
40 E-Commerce ou comércio eletrônico é uma modalidade de negócio em que as transações comerciais são realizadas
totalmente online.
41 PAIXÃO, Maria Helena Silva Gracelácio da. Teoria da diluição marcaria e a exceção da paródia: o abuso de direito na
liberdade de expressão. Revista ASPI. Nº 7. Agosto. 2020. Disponível em: https://www.montaury.com.br/pt/teoria-da-
diluicao-marcaria-e-a-excecao-da-parodia. Acesso em: 30 out. 2022.
42 SCHMIDT, Lélio. A distintividade das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 55.
CAPÍTULO TRÊS
SUMÁRIO: Introdução. 1. O uso de Inteligência Artificial no âmbito jurídico. 1.1. O uso de Inteligência Artificial para o
julgamento pelos Tribunais Superiores no Brasil. 2. A limitação do acesso à Justiça. Conclusão. Referências bibliográficas.
RESUMO: A tecnologia vem crescendo cada vez mais utilizada e é impensável que se consiga evoluir sem o uso desta
ferramenta. Por esta razão, o Direito, por ser uma ciência desenvolvida através da evolução humana e de acordo com esta,
também precisa se adaptar as mudanças que ocorrem no dia a dia, inclusive no que diz respeito ao modo como se decide e os
meios utilizados para tanto. Com o passar dos anos, cada vez mais a tecnologia tem sido utilizada para fim de facilitar a
comunicação e a vida humana. Há anos são desenvolvidos sistemas que otimizam e facilitam o trabalho mecânico, deixando
ao ser humano mais tempo para o desenvolvimento de atividades intelectuais. Curiosamente, uma das formas desenvolvidas
para facilitar o trabalho foi, justamente, a criação de programas, altamente tecnológicos, que “imitam” a mente humana,
chamadas de Inteligência Artificial, que realizam a análise de milhares de dados e padrões, a partir dos quais, o próprio
sistema tenha autonomia para tomar decisões e gerar respostas, sem a interferência humana, somente se utilizando dos dados
que coleta. Apesar de parecer estranho, tais tecnologias estão inseridas no dia a dia, desde as redes sociais, marketing,
buscadores, pesquisas de consumo, tudo é feito a partir de Inteligência Artificial que analisa os dados e os compila de forma a
entender um padrão e gerar os resultados mais interessantes para aquela situação. Deste modo, verificou-se a possibilidade,
também, de utilizar estes mecanismos para facilitar o trabalho dos operadores do Direito, desde a possibilidade de realizar
pesquisas com determinados termos técnicos, apresentar a jurisprudência que melhor se aplica a um determinado caso, até
verificar a possibilidade percentual de êxito de determinada causa e como torná-la mais provável de ganho. Ao que parece,
esta tecnologia veio para auxiliar o Direito e sua evolução, entretanto, alguns detalhes de como a Inteligência Artificial
funciona e o modo como ela é programada podem gerar resultados falhos. Por esta razão, o presente trabalho tem por objetivo
verificar se o uso da Inteligência Artificial, pelos Tribunais, em especial os brasileiros, garante ou pode prejudicar o efetivo
acesso à Justiça e é essa a pergunta que se buscará responder.
Palavras-chave: Inteligência Artificial. Precedentes. Julgamento. Tribunal. STF. Brasil.
ABSTRACT: The technology has been growing more and more, and it is unthinkable that it can evolve without the use of this
tool. For this reason, the Law, being a Science developed through human Evolution and in accordance with it, also needs to
adapt to the changes that occur in everyday life, including the way in which decisions are made and the means used to. Over
the Years, technology has been increasingly used to facilitate communication and human life. Systems have been developed
for years to optimize and facilitate mechanical works, leaving Man with more time to develop intellectual activities.
Interestingly, one of the ways to facilitate the work was, precisely, the development of highly technological programs that
“imitate” the human mind, called Artificial Intelligence, in which thousands of data and patterns are grouped, from which the
system, itself, has autonomy to make decisions and generate answers, without human interference, only from the analysis of
the data that it collects. Although it seems strange, such technologies are part of everyday life, from social networks,
marketing companies, search engines, consumer research, everything is done using Artificial Intelligence, that analyzes data
and compiles them, in order to, understand a pattern and generate the most interesting results for that situation. From then
onwards, the possibility was also verified of using this mechanism to facilitate the work of legal practitioners, from the
possibility of conducting research with certain technical terms, presenting the jurisprudence that best applies to a given case, to
even check the percentage possibility of success of a lawsuit and how to make it more likely to win. It seems, this technology
came to help the Law and its evolution, however, some details of how Artificial Intelligence works and how itis programmed
may yield flawed results. For this reason, the present paper aims to verify whether the use of Artificial Intelligence, by the
Courts, especially the Brazilian ones, guarantees or can harm the effective access to Justice and this is the question that will
seek to answer.
Keywords: Artificial Intelligence. Precedents. Law Decision. Court. STF. Brazil.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo trazer uma visão sobre o uso de Inteligência Artificial
nos Tribunais e como essa tecnologia pode auxiliar ou prejudicar no alcance do Direito,
especificamente na efetivação do acesso à Justiça. Por isso, se utilizou de material
bibliográfico, para fim de se alcançar uma resposta, através do método dedutivo.
O tema é de extrema relevância na atualidade, uma vez que a maioria dos Tribunais
brasileiros já possui algum tipo de Inteligência Artificial, para desenvolver inúmeras tarefas,
razão pela qual é necessário um melhor estudo sobre esse tipo de mecanismo e a sua
interferência nas decisões jurídicas.
Com o intuito de responder se o uso de Inteligência Artificial é um meio de se garantir o
acesso à Justiça, primeiramente é necessário entender o que é a Inteligência Artificial, no que
ela consiste e quais são os modos de ser programada e utilizada, o que será abordado no
primeiro capítulo.
Posteriormente, considerando que se trata de um artigo científico, que não tem por objetivo
o esgotamento de toda a matéria disponível quanto ao uso de tecnologias no Direito, mas sim
de uma análise concentrada, optou-se pela pesquisa de quais são as Inteligências Artificiais
utilizadas nos Tribunais brasileiros, a partir de 2018, quando se teve, efetivamente, a notícia da
primeira destas, pelo Supremo Tribunal Federal, corte de maior importância no território
nacional, sendo este o maior destaque deste trabalho.
Após, será feita uma análise de quais as possíveis falhas existentes no uso de Inteligência
Artificial, especialmente quanto aos seus resultas e se é possível que esta tecnologia seja
utilizada para decidir um determinado caso jurídico, seja como meio de sugestão da decisão
que deverá ser tomada pelo julgador, seja como forma de substituição deste, tudo à luz das
normas brasileiras, principalmente da Constituição Federal e do Código de Processo Civil.
Ao final, pretende-se concluir pela necessidade de se utilizar a Inteligência Artificial de
modo a gerar uma resposta válida e justa, atendendo ao princípio do acesso à Justiça em toda a
sua extensão, sem que se retire o poder de decisão dos julgadores ou afaste a necessidade de
uma análise individualizada de cada processo, para fim de que o Direito não se torne mero
trabalho robótico, uma vez que este é produto extraído diretamente da evolução humana e não
pode estar distante do seu criador, muito menos deixar de acompanhar o seu desenvolvimento.
1 O USO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO ÂMBITO JURÍDICO
O mundo tem se desenvolvido de maneira surpreendente no último século, sendo que, nas
últimas décadas, a evolução tecnológica realizou saltos gigantescos. Com isso, o ser humano
foi obrigado a se adaptar e a se inserir no mundo digital.
Nos últimos anos, tem-se utilizado os meios eletrônicos e a Internet para todo tipo de
relação, desde transações bancárias, interação social, trabalho, estudos, sendo quase
inimaginável a vida em um mundo sem tais ferramentas.
A tecnologia existente atualmente é tão extensa que o ser humano já é capaz de desenvolver
órgãos artificiais em laboratórios, realizar transplantes sem a necessidade de fazer grandes
cortes no paciente e, até mesmo, entender os padrões de consumo de determina pessoa pelo
tipo de conteúdo acessado por ela nas redes sociais.
A essa tecnologia é dado o nome de Inteligência Artificial (IA) que, segundo John
McCarthy:43
É uma ciência e engenharia de fazer máquinas inteligentes, especialmente programas de computador. Está relacionado
com a capacidade de um computador em entender a inteligência humana, mas a IA não está confinada em métodos
biologicamente observáveis.44
Deste modo, pode-se entender que os computadores, ou softwares, dotados de Inteligência
Artificial, armazenam dados e criam padrões para cada tipo de dado inserido, quanto mais
informações são lançadas no sistema, mais independente e maior é o nível de conhecimento
que esta inteligência atinge.45
Pode-se fazer um comparativo com a inteligência humana, cada vez que se adquire novo
conhecimento este é armazenado e pode ser relacionado com outras informações, já pré-
existentes, a fim de formar um conceito ou uma ideia. Entretanto, diferentemente da mente
humana, a Inteligência Artificial é programada em um servidor digital, com capacidade
infinitamente maior do que a humana de armazenamento de informações, não precisa
descansar para que esses dados sejam fixados e não deteriora com a facilidade o que ocorre
com o corpo humano.
Verifica-se, assim, que a Inteligência Artificial é um grande artifício, que pode ser utilizada
em diversos seguimentos, podendo gerar informações com uma exatidão impensável para a
mente humana, além de ser muito mais rápida e eficiente.
Segundo informações da Oracle, uma das empresas desenvolvedoras de Inteligência
Artificial:
O princípio central da IA é replicar, e depois exceder, a maneira como os humanos
percebem e reagem ao mundo. Ela está rapidamente se tornando o pilar da inovação.
Alimentada por várias formas de machine learning que reconhecem padrões em dados para
permitir previsões, a IA pode agregar valor ao seu negócio ao:
- Fornecer uma compreensão mais abrangente sobra a abundância de dados disponíveis;
- Contar com previsões para automatizar tarefas excessivamente complexas ou mundanas.46
Deste modo, verifica-se que a Inteligência Artificial pode ser muito útil e facilitar a vida e o
desenvolvimento humano em muitos aspectos.
Importante ressaltar que a Inteligência Artificial é um programa, criado por humanos, sendo
que são fornecidos determinados dados no sistema, a partir dos quais será possível o machine
learning (aprendizado da máquina), no qual a IA irá analisar as informações, a fim de
encontrar padrões e, a partir de então, prever os resultados, sendo certo que a qualidade dos
dados gerados pela IA dependerá da qualidade dos dados que lhe foram fornecidos.47
Diante de tantos aspectos positivos, verificou-se a possibilidade de a utilizar no âmbito
jurídico.
Nos EUA, desde 2017, já é grande o número de escritórios de advocacia que se utilizam de
IA para realizar diversas funções, desde pesquisa, conferência de documentos e organização
destes, análise de contratos e documentos legais para fim de criar petições e dar pareceres,
além de jurimetria (previsão analítica de um resultado possível a partir da análise de dados e
dos julgamentos realizados por determinado Tribunal)48.
Evidentemente que, essa utilização, por si só, já gera inúmeros questionamentos, uma vez
que o Direito é propriedade intelectual e deve ser produzido por humanos, considerando que
advém destes, a partir da vivência humana é que são verificadas as necessidades de
regramento.
Por isso, a mecanização do Direito se mostra preocupante.
Por outro lado, Anthony E. Davis, estima que, até 2026 a IA desenvolvida para fins
jurídicos e legais, de forma global, irá crescer cerca de 35,9% ao ano. Sua previsão é baseada
em estudos realizados por Zion Market Research. Além disso, também se pautou no
lançamento, em 2017, de uma IA, pela empresa JP Morgan, com a finalidade exclusiva de
fazer o trabalho acima indicado, além de outras funcionalidades básicas e, até mesmo,
petições. A IA da JP Morgan tem como slogan que tal sistema “realiza em segundos o que
advogados levam trezentos e sessenta mil horas para fazer”49 50.
Assim, verifica-se que a IA é uma realidade que não pode ser afastada do âmbito jurídico,
de todo modo, há necessidade de ser estudada e utilizada com cautela.
1.1 O USO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PARA O JULGAMENTO PELOS TRIBUNAIS SUPERIORES NO BRASIL
No Brasil, a IA já vem sendo utilizada, também,no âmbito judicial, tanto por escritórios de
advocacia, quanto pelo próprio Poder Judiciário e organismos governamentais, para fim de
pautar suas decisões.
O Código de Processo Civil de 2015 inovou ao trazer o instituto dos precedentes, como
forma de criar um entendimento a ser seguido no julgamento de determinado assunto.
Abellán51 conceitua os precedentes, em tradução livre, como:
Na linguagem jurídica o termo precedente se usa para designar o critério da razão jurídica na qual se funda a decisão
judicial adotada em um caso anterior, substancialmente igual ao que se deve decidir agora. O precedente faz referência
não propriamente ao caso nem a decisão proferida no caso, mas sim ao critério utilizado para apoiar a decisão e a
aplicação da lei ao caso52.
Deste modo, cada vez mais há a necessidade de criação de mecanismos para pacificar a
interpretação dada a determinado dispositivo legal, à fim de garantir a segurança jurídica.
Com o advento dos precedentes no sistema processual brasileiro, se tornou latente a
necessidade de verificação da similitude entre os casos, para fim de que se possa aplicar o
precedente existente, ou mesmo, para que se possa escolher quais os casos que irão liderar o
julgamento do Recurso Repetitivo que firmará o precedente vinculante. Deste modo, se mostra
necessária a criação de um sistema informatizado de agrupamento e catalogação dos inúmeros
casos que chegam ao Poder Judiciário brasileiro.
Além da necessária padronização das decisões judiciais, outro problema que assola o Poder
Judiciário brasileiro é o grande volume de ações que são distribuídas anualmente.
Conforme pesquisa divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)53, no ano de 2020,
foram distribuídos aos Tribunais Superiores 724.816 novos casos, sendo que foram julgados,
no mesmo período, um total de 701.051, entre casos já existentes, oriundos dos anos anteriores
e novos casos, deste modo, há um passivo (casos pendentes de julgamento), nos Tribunais
Superiores de 799.118, um crescimento de 10,7% em relação ao ano de 2019.
Em que pese o aumento no passivo se dê, em grande parte, pela pandemia da Covid-19 e a
necessidade de adaptação ao ambiente virtual durante o ano de 2020, o fato é que, mesmo que
assim não fosse, o número que casos levados a julgamento, anualmente, aos Tribunais
Superiores é muito elevado frente ao contingente disponível.
Ciente do acima exposto, o CNJ e os Tribunais brasileiros vêm buscando formas de
otimizar e melhorar a prestação jurisdicional. Deste modo, no dia 30 de maio de 2018, a
Ministra Carmem Lúcia, ao final da sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF),
divulgou que já estava em funcionamento a ferramenta Victor, uma IA, desenvolvida em
parceria com a UnB (Universidade de Brasília), para fim de auxiliar e agilizar os julgamentos
do STF54.
Segundo informações disponíveis no próprio site do STF, o primeiro estudo realizado com
a IA foi no sentido de identificar a necessidade de conversão dos processos, recebidos de todos
os Tribunais do país, para o formato de texto, uma vez que, os arquivos digitais, muitas vezes,
estão gravados em formato de imagem, que não é lido pela IA.
Posteriormente, foi necessário fazer a divisão das peças, gravas em um único arquivo,
identificando o que é petição, documentos e decisões, para, somente depois, proceder à
separação e classificação das peças mais usadas no STF e, por fim, realizar a separação dos
temas mais recorrentes.
Quanto aos temas de repercussão geral, estes foram separados em vinte e sete matérias55.
Victor recebeu este nome, em homenagem ao Ministro Victor Nunes Leal (falecido), que
atuou no STF de 1960 a 1969, e foi o “principal responsável pela sistematização da
jurisprudência do STF em Súmula, o que facilitou a aplicação dos precedentes judiciais aos
recursos.56”
Em que pese Victor tenha entrado em funcionamento, em fase de testes, em 2018, até
agosto de 2021 ainda não se têm notícias sobre a sua implantação definitiva, sendo
aprimorado, para fim de realizar a indexação das peças e classificá-las.
Segundo o STF:
O Victor é uma inteligência artificial voltada para apoiar a atividade de análise de admissibilidade recursal, mediante
sinalização de que um dado tema de repercussão geral, ou mais de um, se aplica ao caso dos autos. Trata-se, portanto, de
um indicativo que sempre é validado ou confirmado durante a efetiva apreciação do caso concreto pelos ministros.
Atualmente, todos os recursos extraordinários e recursos extraordinários com agravo recebidos no STF são autuados e
analisados pela Secretaria de Gestão de Precedentes e decididos pelo ministro presidente.
Decidindo-se pelo enquadramento em tema de repercussão geral, o processo é devolvido à instância de origem para sua
apreciação. Em caso negativo, e igualmente não se verificando outras questões processuais, como a tempestividade e
oportunidade de aplicação de súmulas, o presidente determina a distribuição dos recursos aos demais ministros da Corte.57
Portanto, a princípio, a IA, no âmbito da Suprema Corte brasileira, não é utilizada para
proferir decisões, mas sim para identificar a existência, ou não, de tema de repercussão geral
no recurso interposto e para auxiliar a decisão do Ministro Presidente quanto ao processamento
do recurso.
Além disso, em novembro de 2021, o STF informou a implementação de novos recursos
para a extração automática das leis citadas em acórdãos e decisões monocráticas, como modo
de melhorar, ainda mais, o pesquisador de jurisprudência do órgão. O trabalho, desenvolvido
pela Coordenadoria de Jurisprudência está sendo aprimorado a partir de uma ferramenta
informatizada, elaborada pela STI, em parceria com a Digesto Pesquisa e Banco de Dados S.A.
e tem por objetivo a extração automatizada de precedentes das decisões, através de
indexadores e mecanismos de busca, facilitando a pesquisa dos usuários externos:
A legislação é extraída por um modelo de reconhecimento de entidades nomeadas (named-entity recognition - NER), que
emprega redes neurais (neural networks) e foi treinado em uma coleção de 20 mil acórdãos cujas normas já haviam sido
previamente catalogadas pela Coordenadoria de Jurisprudência. Em complemento a esse modelo e para apoiar o sistema, a
empresa contratada também construiu um dicionário de apelidos de normas e estruturou um conjunto de regras destinadas
a identificar as relações de hierarquia dos elementos com as normas correspondentes e dos elementos entre si.58
É possível constatar, deste modo, que a Corte Suprema vem utilizando, cada vez mais da IA
para auxiliar o seu processamento interno e otimizar o seu trabalho, facilitando a análise dos
processos que lhe são apresentados, além de auxiliar a consulta à jurisprudência já existente.
Para além do STF, outros Tribunais brasileiros também estão desenvolvendo suas próprias
IA com o objetivo de auxiliar nos seus julgamentos, quer para a facilitação de consultas à
precedentes, quer para a análise de casos.
Em pesquisa realizada pela FGV Conhecimento Centro de Inovação, Administração e
Pesquisa do Judiciário, sob a coordenação do Ministro do Superior Tribunal Justiça (STJ),
Luis Felipe Salomão, foram analisados 36 Tribunais brasileiros, dentre Superiores, Regionais
do Trabalho, Regionais Federais e de Justiça, sendo que, somente nove Estados brasileiros não
possuem nenhum tipo de IA (seja projeto ou em funcionamento)59.
Segundo a pesquisa, os projetos de IA desenvolvidos pelos Tribunais brasileiros, em sua
maioria, são elaborados pela própria equipe interna do órgão (quarenta e sete), três foram
elaborados em parceria com universidades e treze foram desenvolvidos através de parceria
com empresas privadas e, apenas um, por outro órgão governamental60.
A pesquisa constata que:
De forma geral, os projetos de IA nos tribunais comportaram as seguintes funcionalidades: verificação das hipóteses de
improcedência liminar do pedido nos moldes enumerados nos incisos do artigo 332 do Código de Processo Civil; sugestão
de minuta; agrupamento por similaridade;realização do juízo de admissibilidade dos recursos; classificação dos processos
por assunto; tratamento de demandas de massa; penhora on-line; extração de dados de acórdãos; reconhecimento facial;
chatbot; cálculo de probabilidade de reversão de decisões; classificação de petições; indicação de prescrição;
padronização de documentos; transcrição de audiências; distribuição automatizada; e classificação de sentenças.
Os principais objetivos atendidos pela inteligência artificial são: otimização de atendimentos aos advogados e ao público;
maior segurança; automação de atividades; melhor gestão dos recursos humanos para a atividade-fim do Judiciário;
aumento da celeridade na tramitação processual.61
Verifica-se, assim, que os Tribunais brasileiros, em sua maioria, já possuem ferramentas,
no mínimo em fase de desenvolvimento, para fim de: auxiliar os julgadores a realizar
pesquisas; organizar pareceres; verificar a existência de precedentes que podem ser utilizados
no julgamento de determinada matéria; realizar a divisão, por tema, dos processos; e já existe,
inclusive, sistemas capazes de sugerir minutas de decisões, a partir das decisões tomadas
anteriormente e com base nos dados de outros processos já julgados por aquele Tribunal.
2 A LIMITAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA
Não há dúvidas da capacidade da IA de analisar dados e gerar resultados, com base nas
informações carreadas em seus sistemas, inclusive, de construir sentenças, acórdãos, petições,
tudo de acordo com o que está sendo avaliado e, ainda, baseando-se nas próprias decisões
tomadas anteriormente, seja por aquele julgador, seja pelo advogado, seja em razão de quem
postula ou a qual órgão é dirigido, de modo que, com precisão matemática, a IA consegue
verificar as melhores possibilidades a serem aplicadas em determinado caso, para fim de que
se tenha o resultado almejado, no caso dos postulantes, ou para fim de facilitar e apenas
reproduzir o entendimento já fixado anteriormente, no caso dos julgadores.
Em que pese haja uma desigualdade entre aqueles que detém IA e aqueles que não tem
acesso a essa tecnologia, o que já, por si só, pode ser considerado como um fator que prejudica
e torna desigual o acesso à Justiça, não é nesse sentido que se irá discorrer, aqui a análise será
mais pragmática.
Sabe-se, de todo modo, da necessidade da otimização do trabalho desempenhado pelo
Poder Judiciário brasileiro, uma vez que, como já visto acima, existe um número expressivo de
ações que chegam aos Tribunais, diariamente, tornando quase impossível, considerada a
capacidade dos órgãos, de haver uma solução rápida e efetiva aos problemas que lhe são
apresentados.
Para além disso, ainda existe a disparidade nas interpretações dadas à lei, que faz com que
haja a necessidade de se garantir a isonomia jurídica e a segurança jurídica, não deixando o
cidadão à mercê de um entendimento ou de outro quando coloca sob judice a sua demanda.
Sopesando o princípio da soberania das decisões com o princípio da segurança jurídica,
verifica-se que há uma necessidade urgente na padronização das decisões tomadas pelos
Tribunais Superiores, para fim de evitar incongruências e disparidade entre as interpretações
dadas à determinada norma, tanto o é que, em 2015, foi incluído no Código de Processo Civil
o sistema de precedentes, como forma de trazer ao jurisdicionado uma solução equitativa.
A princípio, parece uma boa solução o uso de IA para tal fim, uma vez que, mecanizando o
trabalho, as chances de erro diminuem, gerando, assim, resultados mais céleres e corretos, de
acordo com o que foi definido como apropriado no desenvolvimento da IA.
De todo modo, não é uma análise tão simples de ser feita. Dierle Nunes e Ana Luiza Pinto
Coelho Marques destacam que:
[...] assim, que, na própria constituição dos sistemas de IA se fazem escolhas que refletem também as opiniões e
prioridades dos criadores, as quais influenciam diretamente as respostas do sistema. Não se pode ignorar, assim, a
impossibilidade de isenção completa, até mesmo ao se falar de inteligência artificial e de sistemas que, muitas vezes, são
tratados como universais e “desenviesados”, porquanto o ponto de partida é sempre uma atividade humana de seleção de
informações e dados, os quais refletem, também, o contexto social de quem os produziu. E tal preocupação se liga
diretamente ao estudo dos vieses cognitivos (cognitive biases)62.
Portanto, a IA não pode ser considerada como isenta de equívocos ou de resultados
parciais, uma vez que foi criada com determinado objetivo, por humanos e, desta forma, pode
privilegiar determinados dados ao invés de outros, a conduzir a uma falsa realidade.
Um dos maiores problemas está, justamente, no fato dos operadores do Direito não serem
experts em desenvolvimento de IA cabendo, a uma pequena parcela o conhecimento técnico
necessário para identificar essas lacunas existentes na IA e, assim, ter um olhar crítico quanto
aos resultados que são ofertados.
Nesse sentido, Dierle e Aline ressaltam que, as informações selecionadas, por si só, não são
um problema, de todo modo, a ignorância sobre este fato e a omissão quanto aos dados
pesquisados pela IA (somente são gerados resultados, nem sempre o sistema informa as fontes
que o levaram àquela conclusão – até por serem muitos), somados à autoalimentação dos
dados pela IA podem enviesar para um mecanismo de “segregação ou erro, amparado pela
pretensa imparcialidade da matemática”.63
A título de exemplo dos erros que podem ser cometidos pelas IA são as diversas notícias e
pesquisas realizadas, em todo o mundo, que demonstram que há mais chances de uma pessoa
negra ser presa erroneamente, em razão de reconhecimento facial feito por IA através de um
retrato falado do que um branco.
Recentemente, a rede social twitter foi acusada de racismo, uma vez que sua IA privilegia
rostos brancos em fotografias nas quais também estejam presentes pessoas negras64.
São muitas as acusações de racismo cometidas em razão dos algoritmos gerados por IA
sendo que, nem mesmo seus desenvolvedores, conseguem explicar o ocorrido, haja vista que
as IA se sustentam e desenvolvem novas bases e resultados a partir da sua autoalimentação de
dados, atuando sem a necessidade de ingerência humana após a sua implementação.
Claramente esses problemas ocorrem em razão da sua base cadastral inicial, que privilegiou
determinado grupo de informações, de acordo com o que foi programado, mesmo que essa
informação inicial não tivesse cunho racista ou segregacionista. Entretanto, como já falado
acima, as IA são desenvolvidas por pessoas, que, por vezes, acabam por preterir determinados
dados em favor de outros, gerando, sem intenção, um resultado que seja mais enviesado para
uma determinada corrente ou assunto.
Se até mesmo direitos fundamentais globais sofrem com IA que já se encontram
disponíveis há tempos, como são os casos de racismo, o que dizer de sistemas nos quais são
analisadas decisões judiciais em determinada localidade.
A partir disso, é possível verificar que a IA não é isenta de equívocos, e pior, estes muitas
vezes sequer serão descobertos prontamente, considerando o número de dados analisados para
cada decisão e a impossibilidade de se verificar cada um desses dados para fim de fazer um
juízo de valor do que está sendo apresentado pelo sistema.
Não se pretende afastar a importância de tal mecanismo para fim de celeridade processual,
uma vez que pode analisar milhares de dados em segundos, de forma a melhor separar os
temas a serem decididos, com a indicação dos precedentes auxiliadores do julgamento etc.
Entretanto, franquear à IA o poder decisório pode ser perigoso. Uma vez que lhe é
conferida a capacidade de decidir determinado caso autonomamente, a IA utilizará do seu
banco de dados para a tomada daquela decisão – o que já foi demonstrado acima como falível.
Ademais, não há como garantir que a IA possa, a partir dos precedentes, de fato, verificar a
existência de distinguishing ou overruling (distinção ou superação do precedente), uma vez
que,como já dito, não se tem acesso integral aos dados que motivaram a decisão do sistema,
não sendo capaz de identificar a ratio decidendi.
E mais, tornar o ato decisório em aplicação fria e matemática retira a essência do Poder
Judiciário, uma vez que o Direito é produto cultural, o qual depende da análise não apenas da
lei, mas da lei em aplicação a um caso concreto, em determinada época, à luz de determinada
população, sendo certo que não é possível garantir a igualdade de casos, de forma universal.
Permitir que as decisões sejam conferidas de forma robótica, em verdadeira aplicação
fordista é o mesmo que desumanizar o caráter decisório, gerando apenas uma resposta
calculada.
Importante refletir, ainda, que a atividade decisória sempre deve ser fundamentada (vide
artigo 93, IX e X da CF65, bem como artigo 489, II, do CPC). Verifica-se que, o Código de
Processo Civil (CPC) considera não fundamentada a decisão que (artigo 489, § 1º):
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão
decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo
julgador;
V - se limitar a invocar precedentes ou enunciados de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem
demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência
de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. 66
Da simples análise dos incisos acima já é possível verificar que, no contexto atual, a IA é
incapaz de decidir, considerando que somente consegue reproduzir resultados já constantes em
seu banco de dados, sem a real verificação dos elementos individualizadores do caso.
Permitir que decisões judiciais sejam tomadas por IA é o mesmo que impedir o acesso à
Justiça na sua forma mais fundamental, uma vez que a justa expectativa criada ao
jurisdicionado, a partir dos preceitos constitucionais e processuais é justamente de que a sua
resposta será dada em decisão racional, fundamentada e à luz das especificidades do caso.
Ora, possibilitar que decisões sejam proferidas por IA fará com que o cidadão tenha
possibilidade de ingressar com uma ação, para fim de ter uma resposta quanto ao direito que
alega ter, de todo modo, a sua demanda será analisada de acordo com o que já ocorreu em
outros casos semelhantes, sem, de fato, haver uma análise individualizada e pessoal, apenas
uma análise informatizada e genérica feita pela IA.
A resposta que lhe será dada dificilmente será reformada, considerando que a IA já antevê o
que poderia ser decidido no futuro, a partir da análise dos julgamentos anteriores, para fim de
evitar reformas e mitigar os recursos – afinal de contas a finalidade dela é justamente a
diminuição dos casos que são levados aos Tribunais.
Portanto, a resposta que será conferida ao jurisdicionado não será a resposta à sua questão,
mas sim uma questão genérica e já analisada, ferindo, assim, o seu direito constitucional de
acesso à Justiça, uma vez que, conforme traz Capelleti, o verdadeiro acesso à Justiça se dá pela
“igualdade de armas” e que a resposta à lide “depende apenas dos méritos jurídicos relativos
das partes antagônicas, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao Direito e que, no
entanto, afetam a afirmação e reivindicação dos direitos.”67
Não se pode criar mecanismos com a justificativa de garantir o acesso à Justiça, através do
seu elemento celeridade, se este não for específico e individualizado ao caso que se apresenta.
Desta feita, Streck bem elucida o que é necessário à uma decisão judicial:
Ao contrário do que se diz, não interpretamos para, depois, compreender. Na verdade, compreendemos para interpretar,
sendo a interpretação a explicitação do compreendido, para usar as palavras de Gadamer. Essa explicitação não prescinde
de uma estruturação no plano argumentativo (é o que se pode denominar de “como apofântico”). A explicitação da
resposta de cada caso deverá estar sustentada em consistente justificação, contendo a reconstrução do direito, doutrinária e
jurisprudencialmente, confrontando tradições, enfim, trazendo a lume a fundamentação jurídica que, ao fim e ao cabo,
legitimará a decisão no plano do que se entende por responsabilidade política do intérprete no paradigma do Estado
Democrático de Direito.68
Também se questiona a preocupação exacerbada em se resolver o número de demandas e
não se importar com “quem são” as pessoas envolvidas. Sendo que o que se verifica é uma
importância muito elevada em números e estatísticas de casos resolvidos, sem se analisar a que
“custo” essas demandas são resolvidas, se há de fato a prestação jurisdicional que foi esperada,
se houve uma resposta efetiva e a satisfação do jurisdicionado.69
Por isso, não se pode dizer que há a verdadeira efetivação do acesso à Justiça, esculpido no
artigo 5º, XXXV, da CF70, caso as decisões judiciais sejam proferidas por IA, uma vez que esta
não tem o poder, e nem a capacidade, de dar a resposta necessária, com a análise
individualizada e precisa do caso que lhe é apresentado, com todas as nuances que devem ser
analisadas.
CONCLUSÃO
Considerando o desenvolvimento social e tecnológico, cada vez mais existe a necessidade
do Poder Judiciário se atualizar para acompanhar a sociedade que representa e para fim de
melhorar o desempenho das suas atividades.
Desde que os computadores foram criados, o ser humano vem aprimorando a ferramenta,
para facilitar a sua vida e se enveredar para o desenvolvimento intelectual, deixando os
serviços mecânicos para as máquinas.
Todavia, nas últimas décadas, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, o
desenvolvimento tecnológico cresceu de tal maneira que chegou a se equiparar, em alguns
pontos, à inteligência humana.
Atualmente, sistemas informatizados, chamados de Inteligência Artificial, têm a capacidade
de analisar dados e, a partir desses, dar uma resposta inteligente ao que lhe é exposto, em
verdadeira simulação da inteligência humana. Esta Inteligência Artificial está inserida no dia a
dia, embora muitas vezes não a vejamos, desde o aplicativo de mapas e trânsito que prevê a
rota mais rápida até o nosso destino, até mesmo os supercomputadores que são capazes de
desvendar o DNA do Novo Coronavírus e desenvolver medicamentos/vacinas eficazes para o
seu tratamento ou mesmo robôs capazes de realizarem cirurgias.
Não há como negar que estamos na era digital e, recentemente, nos foi apresentado,
inclusive um Metaverso, no qual a interação é toda digital, no qual todas as relações, trabalhos,
propriedades são apenas algoritmos de computador.
Diante disso, o Poder Judiciário também tem necessidade de se adequar a essas ferramentas
para melhor atender ao jurisdicionado.
Desde 2017 os Tribunais brasileiros vêm desenvolvendo Inteligências Artificiais capazes de
indexar, compilar e organizar decisões judiciais, processos e precedentes de acordo com a
matéria que está sendo analisada, para fim de tornar mais célere e eficiente a resposta a ser
dada.
Victor, Inteligência Artificial do STF em convênio com a UnB, tem por objetivo
destrinchar os casos pendentes de exame na Corte Suprema, para fim de identificar qual o caso
a ser analisado e se está de acordo com algum recurso repetitivo, para fim de otimizar o exame
e a resposta a ser dada pelo Tribunal.
Verifica-se, entretanto, que já existe, no Brasil, algumas Inteligências Artificiais capazes,
até mesmo, de elaborar minutas para os julgadores, de acordo com as decisões e precedentes já
constantes no seu banco de dados, sem, efetivamente, analisar as especificidades do caso, uma
vez que se utiliza de parâmetros pré-determinados para realizar esse julgamento.
O problemaque se verifica com esse tipo de Inteligência Artificial é, justamente, a falsa
sensação de acesso à Justiça que ela gera. Apesar de, a princípio, parecer algo interessante que
gere uma resposta rápida e padronizada, nos moldes previstos em determinado precedente, a
otimizar o tempo de resposta e, também, não gerar insegurança jurídica quanto à disparidade
das decisões que poderiam existir, a questão é mais profunda.
As Inteligências Artificiais são sistemas, os quais são programados para fim de analisar
determinado número de dados e, a partir de então, criar um padrão de resposta para casos
semelhantes ou, ainda, prever a decisão que será dada em relação aos dados que existem em
seu banco.
Apesar de ser um sistema totalmente independente, após seu desenvolvimento, existem
pontos em branco na análise que ele realiza, uma vez que é humanamente impossível prever,
para fins de programação, todas as hipóteses que podem existir em determinada questão.
Por isso, o sistema se utilizará do padrão que conhece, ao qual foi programado, não fazendo
uma análise crítica e global do assunto, mas apenas de acordo com o que tem em seu banco de
dados e, apesar de se autoalimentar, para fim de aprimoramento, o padrão será seguido, de
acordo com o que conhece, não sendo capaz de inovar.
A partir disso é possível concluir que, caso a Inteligência Artificial seja programada para
decidir questões judiciais, seu programa apenas irá refletir o que já conhece e o que está em
seu banco de dados, não analisando propriamente o caso, mas sim o conjunto de elementos que
conhece sobre aquela matéria. Desta forma, pode a Inteligência Artificial não analisar um
determinado elemento do caso que era de extrema importância e que poderia modificar a
decisão ali sugerida, justamente por não a ter inserida, previamente, em seu sistema.
O que a Inteligência Artificial é capaz de fazer é meramente uma análise matemática de
dados, não tendo capacidade de, à vista de um caso concreto, analisá-lo da forma necessária
para chegar a um resultado, sendo que a sua resposta sempre será unicamente lógica e não
necessariamente racionalizada.
Assim, conclui-se que, à luz dos preceitos constitucionais, especificamente do princípio do
acesso à Justiça, que deve se dar no seu conceito amplo e não apenas no direito de ingressar
com uma petição, a Inteligência Artificial é capaz de auxiliar na tomada de decisões, uma vez
que poderá servir como ferramenta para análise de precedentes, jurisprudência e tendências em
determinada matéria, além de poder fazer o controle de questões meramente processuais como
a contagem de prazo, pagamento de taxas, existência de procuração nos autos etc.
De todo modo, a Inteligência Artificial não poderá ser utilizada como mecanismo decisório,
uma vez que essa atividade somente cabe ao julgador, que detém essa capacidade, nos termos
da Constituição Federal, artigo 93, IX e X, enquanto qualquer decisão emitida por um sistema
esbarrará no óbice disposto no artigo 489, § 1º, do Código de Processo Civil, não produzindo,
efetivamente, uma decisão.
Portanto, em que pese o uso da Inteligência Artificial possa auxiliar o Poder Judiciário a
otimizar o seu trabalho e organizá-lo através de um método definido, a gerar maior eficiência e
permitir uma resposta mais célere e equitativa aos jurisdicionados, ela não pode ser utilizada
em substituição ao juiz, cabendo a este a análise de todos os elementos constantes no processo
capazes de gerar seu livre convencimento.
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Disponível em http://dx.doi.org/10.18593/ejjl.v17i3.12206. Acesso em 06/11/2021.
43 MCCARTH, John. What is artificial inteligence? Computer Science Departament. Stanford University: Stanford, 2007.
Disponível em http://www-formal.stanford.edu/jmc/. Acesso em 13/12/2021 p. 2.
44 Tradução livre elaborada pela autora – vide original:
It is the science and engineering of making intelligent machines, especially intelligent computer programs. It is related to the
similar task of using computers to understand human intelligence, but AI does not have to confine itself to methods that are
biologically observable.
45 O Dilema das Redes. Direção: Jeff Orlowski. Produção: Netflix (Estados Unidos): Netflix, 2020. (94 minutos) Streaming.
Acesso em 01/11/2022.
46 ORACLE, O que é Inteligência Artificial – IA? Disponível em https://www.oracle.com/br/artificial-intelligence/what-is-ai/.
Acesso em 26/11/2021.
47 NUNES, Dierle. MARQUES, Ana Luiza Pinto Coelho. Inteligência Artificial e Direito Processual: vieses algorítmicos e os
riscos de atribuição de função decisória às máquinas in Revista de Processo: Revista dos Tribunais. vol. 285 Nov 2018 p. 423.48 DAVIS. Anthony E. The Future of Law Firms (and Lawyers) in the Age of Artificial Intelligence in Revista Direito GV:
São Paulo. V. 16 n. 1 e1945, 2020. Disponível em
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/view/81684/77904. Acesso em 14/12/2021. p. 3-5.
49 Tradução livre elaborada pela autora – vide original: “Seconds What Took Lawyers 360,000 Hours.”
50 DAVIS. Anthony E. The Future of Law Firms (and Lawyers) in the Age of Artificial Intelligence in Revista Direito GV:
São Paulo. V. 16 n. 1 e1945, 2020. Disponível em
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/view/81684/77904. Acesso em 14/12/2021. p. 5.
51 ABELLÁN, Marina Felicia Gascón. Autoprecedente y creación de precedentes en el Tribunal Supremo in Teoría jurídica
contemporanea, jul. dez., 2016. p. 239.
52 Tradução livre elaborada pela autora – vide original:
“En el lenguaje jurídico el término precedente se usa para designar el criterio o razón jurídica en el que se funda la decisión
judicial adoptada en un caso anterior sustancialmente igual al que debe decidir - se ahora. El precedente, pues, hace
referencia no propiamente al caso ni a la decisión provista para el mismo sino al criterio o regla ofrecido para apoyar esa
decisión: la ley del caso.”
53 BRASIL, Conselho Nacional de Justiça, Justiça em números 2021 – Brasília: CNJ, 2021. Disponível em
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/11/relatorio-justica-em-numeros2021-221121.pdf. Acesso em: 29/11/2021 p.
53.
54 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Ministra Cármen Lúcia anuncia início de funcionamento do Projeto Victor, de
Inteligência Artificial. Publicada em 30/05/2018 Disponível em http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?
idConteudo=388443&ori=1. Acesso em 14/12/2021.
55 BRASIL. STF. Projeto Victor avança em pesquisa e desenvolvimento para identificação dos temas de repercussão geral.
Publicado em 19/08/2021 Disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=471331&ori=1.
Acesso em 10/12/2021.
56 BRASIL. STF. Projeto Victor avança em pesquisa e desenvolvimento para identificação dos temas de repercussão geral.
Publicado em 19/08/2021 Disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=471331&ori=1.
Acesso em 10/12/2021.
57 BRASIL. STF. Projeto Victor avança em pesquisa e desenvolvimento para identificação dos temas de repercussão geral.
Publicado em 19/08/2021 Disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=471331&ori=1.
Acesso em 10/12/2021.
58 BRASIL. STF. Inteligência Artificial otimiza catalogação de legislação no banco de jurisprudência do STF. Publicado em
25/11/2021. Disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=477199&ori=1. Acesso em
14/12/2021.
59 FGV CONHECIMENTO CENTRO DE INOVAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PESQUISA DO JUDICIÁRIO. Inteligência
Artifical: Tecnologia aplicada à gestão dos conflitos no âmbito do Poder Judiciário Brasileiro. Coord. Luis Felipe Salomão.
FGV: 2020 p. 65 .
60 FGV Conhecimento Centro De Inovação, Administração E Pesquisa Do Judiciário. Inteligência Artifical: Tecnologia
aplicada à gestão dos conflitos no âmbito do Poder Judiciário Brasileiro. Coord. Luis Felipe Salomão. FGV: 2020 p. 69.
61 FGV Conhecimento Centro De Inovação, Administração E Pesquisa Do Judiciário. Inteligência Artifical: Tecnologia
aplicada à gestão dos conflitos no âmbito do Poder Judiciário Brasileiro. Coord. Luis Felipe Salomão. FGV: 2020 p. 69.
62 NUNES, Dierle. MARQUES, Ana Luiza Pinto Coelho. Inteligência Artificial e Direito Processual: vieses algorítmicos e os
riscos de atribuição de função decisória às máquinas in Revista de Processo: Revista dos Tribunais. vol. 285 Nov 2018 p. 425.
63 NUNES, Dierle. MARQUES, Ana Luiza Pinto Coelho. Inteligência Artificial e Direito Processual: vieses algorítmicos e os
riscos de atribuição de função decisória às máquinas in Revista de Processo: Revista dos Tribunais. vol. 285 Nov 2018 p. 425.
64 INFOBASE. Inteligência Artifical e a perpetuação do racismo. Disponível em https://infobase.com.br/inteligencia-artificial-
e-a-perpetuacao-do-racismo/. Acesso em 14/12/2021.
65 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Publicada em 05 de outubro de 1988.
66 BRASIL. Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. Publicada em 16 de março de 2015.
67 CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988 p. 15.
68 STRECK, Lênio Luiz. Entre o ativismo e a judicialização da política: a difícil concretização do direito fundamental a uma
decisão judicial constitucionalmente adequada in Espaço Jurídico Journal of Law. Joaçaba, v. 17, n. 3, set./dez. 2016, p. 721-
732. Disponível em http://dx.doi.org/10.18593/ejjl.v17i3.12206. Acesso em 06/11/2021 p. 730.
69 NUNES, Dierle. PAOLINELLI, Camilla Mattos. Novos designs tecnológicos no sistema de resolução de conflitos: ODR, e-acesso à justiça e seus
paradoxos no Brasil in Revista de Processo. Revista dos Tribunais. vol. 314/2021 Abril/2021 p. 397.
70 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Publicada em 05 de outubro de 1988.
CAPÍTULO QUATRO
 
Sumário: Introdução. 1. Coisa julgada e ação rescisória. 2. Segurança jurídica. 3. A súmula 343 do STF. 4. Conclusão.
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo discutir a aplicabilidade da Súmula 343 do STF na vigência do CPC/2015,
uma vez que as alterações feitas no inciso V do artigo 966 do CPC, com a adoção da manifesta violação à ordem jurídica
como causa de rescisão, bem como as relativas ao implemento do sistema de precedentes e ao julgamento do RE nº 590.809
pelo Supremo Tribunal permitem indagar sobre a racionalidade do impedimento imposto às ações rescisórias sobre temas
outrora controvertidos que afinal receberam definição em consonância com a ordem constitucional, mas que não pode ser
aplicada a casos semelhantes em virtude do entendimento sumulado. Nesse sentido, tratou-se dos princípios da segurança
jurídica e da isonomia, assim como da observação das posições adotadas pelos tribunais superiores quanto à aplicação da
mencionada súmula às rescisões propostas nas demandas que discutiram a denominada “tese do século”.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Processual Civil. Direito constitucional. Ação rescisória. Súmula 343 do STF.
ABSTRACT: This article aims to discuss the applicability of Precedent 343 of Supreme Court under the CPC/2015, since the
changes made in item V of article 966 of the CPC, with the adoption of the manifest violation of the legal order as a cause for
rescission, as well as those relating to the implementation of the system of precedents and the judgment of RE N. 590,809 by
the Supreme Court, allow us to inquire about the rationality of the impediment imposed on rescissory actions on formerly
controversial issues that, in the end, were defined in accordance with the constitutional order, but which cannot be applied to
similar cases by virtue of the implied understanding. Thereby, it dealt with the principles of legal certainty and equality, as
well as the observation of the positions adopted by the higher courts regarding the application of the aforementioned summary
to the rescissions proposed in the demands that discussed the so-called “thesis of the century”.
KEYWORDS: Civil Procedural Law. Constitutional right. Rescissory action. Precedent 343 of the STF.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 2º, estabelece que são poderes da União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Este último tem
como escopo último a promoção da paz social por meio da resolução de conflitos de interesse
e, para tanto, é manifestação cogente e definitiva do Estado, que efetiva os direitos que
reconhece e que declara obrigações. Estabelece, em última análise, regras e diretrizes para a
vida em sociedade a partir das interpretações dadas às leis.
A população tem nos dizeres do Poder Judiciário regras de condutae parâmetros para
discernir se age de maneira lícita e quais as consequências para os seus atos. O Brasil, Estado
Democrático de Direito que é, investiu o Poder Judiciário de poderes-deveres e garantias a fim
de que pudesse exercer a função de pacificar os conflitos sociais e assumisse a tarefa de
induzir o comportamento dos cidadãos para que se conformem às finalidades públicas71. A
partir destas primeiras ponderações já se percebe a enorme importância do papel dogmático da
coisa julgada em nosso ordenamento jurídico: ali reside a força não só do que foi decidido
entre as partes e para as partes, mas também se alicerçam as estruturas da previsibilidade de
que o cidadão necessita para pautar as suas condutas cotidianas.
Há que se ressaltar que a observância da coisa julgada não constitui garantia absoluta. É
possível identificar mecanismos idealizados pelo legislador ordinário para possibilitar a sua
relativização, sem que seja ferida a ordem constitucional. Há que se perquirir, todavia, quais
limites devem ser observados e qual o modus operandi.
Para que o Judiciário possa exercer adequadamente o seu papel de pacificador social, é
preciso propor que a comunidade jurídica repense as alterações de entendimento dos tribunais
e as repercussões nos feitos outrora transitados em julgado, a fim de que os cidadãos tenham
claras quais as regras a observar durante a vida em sociedade e quais as consequências
advindas de cada ato. Por tais razões, propõe-se neste trabalho uma reflexão sobre a ação
rescisória e a aplicação da Súmula 343 do STF, que dispõe sobre o não cabimento da ação
rescisória por violação à literal disposição de lei no caso de matéria controvertida nos
tribunais, notadamente à luz do novo CPC e o sistema brasileiro de precedentes.
1 COISA JULGADA E AÇÃO RESCISÓRIA
Trata a coisa julgada da autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito
não mais sujeita a recurso, consoante define o artigo 502 do CPC. A imutabilidade decorrente
da formação da coisa julgada tem duas consequências, conforme explica Cândido Rangel
Dinamarco e Bruno V.C. Lopes:
o impedimento à propositura de demanda com objeto idêntico (função negativa da coisa julgada – CPC, arts. 337, inc. VII
e §4º, e 485, inc. V) e a vinculação dos juízes de processos futuros a tomar como premissa a situação jurídica definida na
decisão transitada em julgado sempre que ela figurar como questão prejudicial (função positiva da coisa julgada – CPC,
art. 503).72
A formação da coisa julgada, por sua vez, decorre da conjugação de dois fatos, quais sejam,
uma decisão jurisdicional prolatada após cognição exauriente e a existência de trânsito em
julgado. Interessante reflexão é posta por Fredie Didier e Paula Sarno no sentido de que, para
compreendê-la, há que se partir da premissa de que a norma jurídica concreta que decorre de
uma decisão pode se tornar indiscutível e imutável a partir de determinado momento e, quando
isso acontecer, há o fenômeno da coisa julgada.73
Quanto aos seus limites objetivos, o órgão julgador, ao dizer o direito para o caso concreto
que foi chamado a resolver, estabelece a norma jurídica individualizada e, a partir de então,
definitivamente impositiva. O Código de Processo Civil de 2015 alterou a sistemática da
preclusão e da extensão da coisa julgada, que passou abranger as questões prejudiciais
incidentais, desde que preenchidos os requisitos dos artigos 502 e 503, com destaque para a
garantia do efetivo contraditório. Não se inserem dentro de tais limites, contudo, a motivação
da decisão e as questões de direito genericamente consideradas.
Os limites subjetivos da coisa julgada, por sua vez, vêm expressamente tratados no artigo
506 do CPC, que preceitua que a sentença faz coisa julgada somente às partes às quais é dada e
não prejudicará terceiros, sob pena de ofensa às garantias constitucionais do direito de defesa e
do contraditório. Há que se observar, por fim, a sua eficácia preclusiva, descrita no artigo 508
do CPC, que dispõe que “transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão
deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao
acolhimento quanto à rejeição do pedido”.
Constata-se, assim, a fulcral importância da coisa julgada, uma vez que a garantia desta
última é, como ensina Tércio Sampaio Ferraz Jr.:
uma manifestação da segurança jurídica, segundo a qual não se pode, desde o presente, alterar o sentido normativo
decorrente de decisão judicial anterior, com o que se confere segurança por estabilidade, à relação jurídica objeto da
decisão, impedindo a continuidade da discussão.74
A eficácia preclusiva da coisa julgada obsta, inclusive, o exame das matérias de ordem
pública, pois podem ser examinadas a qualquer tempo, mas antes do trânsito em julgado.
Como a preclusão máxima trata indubitavelmente da concretização do princípio da segurança
jurídica e em si mesma constitui garantia fundamental, nas palavras de Rennan Thamay75, cabe
estudar o instrumento processual por excelência para a sua desconstituição.
É a ação rescisória o meio processual próprio para desconstituir a autoridade da coisa
julgada. O artigo 800 do Código de Processo Civil de 1939 já registrava a ideia de que a ação
rescisória não se presta a corrigir eventual injustiça do julgado. Desde então já restava clara,
pois, a proteção legislativa conferida à estabilização das decisões judiciais, eis que a intenção
do legislador era permitir a correção de errores in procedendo. O artigo 485 do Código de
Processo Civil de 1973, por sua vez, ampliou o seu espectro de cabimento, pois enumera vícios
graves que aconselham a desconstituição do julgado, seja em razão de problemas relacionados
à competência ou à invalidação de confissão e renúncia, entre outras hipóteses.
Objetiva a ação rescisória, portanto, desconstituir provimento jurisdicional eivado de
mácula (iudicium rescindens) e, se for o caso, a realização de novo julgamento (iudicium
rescissorium). Trata-se de ação autônoma de impugnação que pode ter como causa de pedir
apenas as taxativamente enumeradas na legislação processual civil em vigor (artigo 966, §15
do artigo 525, §8º do artigo 535 e 658, todos do CPC) e cujo objeto é um provimento
jurisdicional de mérito.
Nos artigos 525, §§12 a 15, e 535, §§5º a 8º, o CPC/2015 instituiu nova disciplina relativa à
ação rescisória fulcrada em decisão do STF sobre inconstitucionalidade de norma jurídica
posterior ao trânsito em julgado. A regulamentação legal da situação já tratada no Tema 733
do STF inovou ao fixar o termo inicial do prazo decadencial na data do trânsito em julgado da
decisão que declarar a inconstitucionalidade. Patente, pois, certa instabilidade, como bem
pontua Fredie Didier e Paula Sarno: “toda coisa julgada seria intrinsecamente instável, já que
há sempre a possibilidade de o STF vir a reconhecer a inconstitucionalidade do ato normativo
em que se funda a decisão que transitou em julgado.”76 De toda sorte, há que se resguardar a
proteção à coisa julgada, o que poderá ser feito com a modulação dos efeitos da decisão
paradigma, de acordo com os parágrafos 13 do artigo 525 e 6º do artigo 538 do CPC. Assim, o
STF poderá fixar uma data a partir da qual os efeitos da decisão paradigma serão produzidos.
Situação diversa, todavia, é a que se refere às decisões que regulam relações jurídicas
permanentes ou de trato continuado, das quais são exemplos as previdenciárias, as alimentícias
e as locatícias. Nesses casos, a decisão posterior do STF terá duplo efeito, quais sejam, a
autorização de revisão da decisão judicial (artigo 505, inciso I, do CPC) e a eventual rescisão
do provimento jurisdicional, por meio de ação rescisória. O novo CPC inaugurou, assim, dois
regimes distintos de rescisão: o comum, contido no artigo 966, para rescindir sentenças não
executivas, e o especial, para provimentos jurisdicionais com comandos executivos, conforme
o momento da mudança jurisprudencial: se anterior ou posterior à formação da coisa julgada.
Questão que merece especialatenção é a rescisão outrora prevista no artigo 485, inciso V,
do CPC, e atualmente delineada, com alguma modificação, no inciso V do artigo 966 do CPC:
a violação à literal disposição ou, hodiernamente, a manifesta violação à norma jurídica.
Cuida-se de adaptação da legislação à evolução da realidade jurídica e dos conceitos
interpretativos. Há muito a jurisprudência, mesmo a existente sob a vigência do CPC
antecessor, admitia a rescisória fundamentada em afronta a princípio77, entendendo o vocábulo
lei em seu sentido lato. Dessa forma:
‘Lei’, no dispositivo sob exame, há de entender-se em sentido amplo. Compreende, à evidência, a Constituição, a lei
complementar, ordinária ou delegada, a medida provisória, o decreto legislativo, a resolução (Carta da República, art. 59),
o decreto emanado do Executivo, o ato normativo baixado por órgão do Poder Judiciário (v.g., regimento interno:
Constituição Federal, art. 96, n° I, letra a).78
A norma jurídica, para os fins da ação rescisória, é aquela cujo caráter é geral, e pode ser lei
propriamente dita, medida provisória, decreto, processual ou material, precedente obrigatório
(artigo 927 do CPC). Norma, por outro lado, é gênero do qual se extraem duas espécies, quais
sejam, as regras e os princípios. Ambos, princípios e regras, são normas jurídicas porquanto
constituem fundamentos para juízos concretos do dever ser. Todavia, pode-se dizer que
exercem papéis distintos no sistema normativo. Segundo Humberto Ávila, a definição do que
são princípios recebeu decisiva contribuição a partir dos estudos de Ronald Dworkin:
(...) as regras são aplicadas ao modo tudo ou nada (all-or-nothing), no sentido de que, se a hipótese de incidência uma
regra é preenchida, ou é a regra válida e a consequência normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada válida. No
caso de colisão entre regras, uma delas deve ser considerada inválida. Os princípios, ao contrário, não determinam
absolutamente a decisão, mas somente contêm fundamentos, os quais devem ser conjugados com outros fundamentos
provenientes de outros princípios. Daí a afirmação de que os princípios possuem uma dimensão de peso
(dimensionofweight), demonstrável na hipótese de colisão entre os princípios, caso em que o princípio com peso relativo
maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca a validade.79
Tanto a manifesta violação às regras quanto aos princípios poderão fundamentar a
rescindibilidade da decisão de mérito, consoante bem explicitam Fredie Didier Jr. e Leonardo
Carneiro da Cunha:
Todas essas fontes são objeto de interpretação, a partir da qual se constrói a norma jurídica. O texto de uma lei, da
Constituição, de um ato infralegal, de um negócio jurídico ou de uma decisão judicial é objeto de interpretação, devendo-
se extrair dele o sentido da norma. Da interpretação das fontes extraem-se ou constroem-se normas jurídicas. Quando se
diz que uma norma foi violada, o que se violou foi a interpretação dada à fonte do direito utilizada no caso.80
Tal mudança decorre da transformação sofrida pela metodologia jurídica a partir da
segunda metade do século XX, principalmente quanto à hermenêutica jurídica, com o
reconhecimento do papel criativo e normativo da atividade jurisdicional, a partir da definição
da norma geral a ser extraída e que deve ser aplicada a casos semelhantes. Estabelece-se,
ainda, a distinção teórica entre texto e norma, sendo essa o produto da interpretação daquele e,
em consequência, expande-se a técnica legislativa das cláusulas gerais, que exigem do órgão
jurisdicional um papel ainda mais ativo na criação do Direito.81
A violação, por sua vez, configurar-se-á sob duas formas: ao se aplicar a norma jurídica de
maneira indevida ou ao se deixar de aplicar aquela que deveria ter sido observada. Sem
dúvida, a violação referida no dispositivo é quanto ao direito, não quanto aos fatos. Há muito
já advertia Pontes de Miranda:
É preciso, portanto, que se não confundam o erro de direito e o erro de fato. Se foi alegada violação de regra jurídica,
acoima-se de error iuris a sentença. Pode não ter sido discutido, nem, sequer, apontado, durante o processo, tal erro. A
infração basta. Se o erro foi de fato, então o trato é diferente: quer o juiz tenha admitido fato inexistente, quer tenha
considerado o ocorrido fato que não ocorreu, é indispensável que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento
judicial sobre isso (art. 485, IX, e §§ 1° e 2° [do CPC/1973]). O que se exige para a ação rescisória por ofensa a regra
jurídica é que o juiz a tenha aplicado, e o não devia, ou não a tenha aplicado, se o devia. É rescindível a sentença em que o
juiz aplicou regra jurídica, que não cabia ser aplicada, mesmo se nenhuma das partes a invocara: é na aplicação ou na
ausência de aplicação que se revela o pressuposto do art. 485, V (‘violar literal disposição de lei’). [...] Quem propõe ação
rescisória de sentença com invocação do art. 485, V, somente pode levantar quaestiones iuris. Toda a matéria de fato está
definitiva e irrescindivelmente julgada.82
Todos os debates envolvendo a violação à literal disposição de lei ou manifesta
inobservância da norma jurídica convidam a ponderar sobre as implicações de se admitir a
alteração de provimentos jurisdicionais que já foram acobertados pelo manto da coisa julgada
e os eventuais prejuízos à segurança jurídica.
2 SEGURANÇA JURÍDICA
Várias são as acepções que podem ser atribuídas à expressão “segurança jurídica”. Opta-se,
aqui, por tratá-la como valor e como norma-princípio. A segurança jurídica como valor é
aquela que denota juízo axiológico que implica qualificá-la como desejável para fins de
desenvolvimento econômico e social de um sistema. Pode, portanto, denotar, na sua concepção
axiológica, um ideal de justiça a ser alcançado. O que mais interessa, todavia, é o conceito de
segurança jurídica como norma-princípio, como juízo prescritivo para que seja adotado
determinado comportamento a fim de aumentar o grau de previsibilidade. Tal concepção é:
[...] juspositivista argumentativa, pois, se, de um lado defende a segurança jurídica como dever decorrente do Direito
posto, de outro, sustenta que a sua realização depende da reconstrução de sentidos normativos por meio de estruturas
argumentativas e hermenêuticas83.
Em outros dizeres, é norma que preceitua que a aplicação de outras normas seja realizada
de forma a incrementar a capacidade do cidadão de antecipar consequências jurídicas
referentes a um determinado fato. Assim, na qualidade de norma, assume as feições de um
princípio instrumental e, na qualidade de direito, uma espécie de direito-garantia, cuja função é
tanto servir como instrumento de realização de princípios ou de direitos quanto de segurança
de orientação e de estado de coisas cuja busca é programática.
Seu objeto abrange as consequências jurídicas de atos ou fatos: há segurança jurídica
quando o cidadão tem a capacidade de conhecer e de calcular os resultados que serão
atribuídos pelo Direito aos seus atos. Todavia, como princípio objetivo, é relativo ao
ordenamento jurídico como um todo, a fim de que funcione de forma coerente e estável.
Quanto às suas bases constitucionais, não restam dúvidas. O próprio Supremo Tribunal
Federal já assentou a hierarquia do princípio constitucional da segurança jurídica84. Princípios
procedimentais como os que estabelecem que a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito (artigo 5º, XXXV), que alguém só pode ser processado e
sentenciado pela autoridade competente (artigo 5º, inciso LIII), a observância ao devido
processo legal e do contraditório, são comandos que promovem a segurança jurídica. Da
mesma forma, as regras de proibição de modificação constitucional (artigo 60 da CF), de
legalidade, de anterioridade (artigo 150, III, da CF) e irretroatividade trabalham no mesmo afã.
Verifica-se, ainda, que a ideia de certeza é essencial para a compreensão da segurança
jurídica. Segundo Canotilho85, o princípio da segurança jurídica pauta-se principalmente em
duasideias centrais: a primeira, da estabilidade, na qual se insere o conceito de que uma vez
prolatadas, na forma e procedimento legalmente exigidos, as decisões não devem ser
modificadas, a não ser quando houver pressupostos materiais particularmente relevantes. A
segunda, da previsibilidade, que, fundamentalmente, reconduz à exigência de certeza e da
calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos atos normativos.
Em resumo, pode-se dizer que a segurança jurídica consiste no “conjunto de condições que
tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas
de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida”86. É um direito fundamental que
implica normalidade, estabilidade, proteção contra alterações bruscas numa realidade fático-
jurídica, expectativa de que o Estado adote comportamentos coerentes, estáveis, não
contraditórios. É, portanto, respeito às realidades consolidadas.
Nesse sentido, inclusive, a adoção gradual no direito brasileiro de instrumentos de
uniformização jurisprudencial para aumentar o grau de cognoscibilidade do ambiente
normativo brasileiro, o que estimula a observância voluntária das normas jurídicas, como
pondera Paulo Mendes de Oliveira.87
3 A SÚMULA 343 DO STF
A discussão posta neste tópico deve ser, antes de mais nada, contextualizada. A Súmula
343 do Supremo Tribunal Federal foi aprovada na Sessão Plenária de 13/12/1963, a partir das
interpretações dadas ao artigo 798, I, “c”, do Código de Processo Civil de 1939, que dispunha
que seria nula a sentença quando proferida contra literal disposição de lei, ou seja, redação
similar à do artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil/1973. À época, a Suprema
Corte ainda era responsável pela última palavra na interpretação tanto do direito constitucional
quanto infraconstitucional, porquanto a criação do Superior Tribunal de Justiça aconteceria
somente em 1988. Editou, assim, as Súmulas 343 e 400, que tratavam da interpretação
razoável da lei como óbice à ação rescisória e ao recurso extraordinário, respectivamente.
Segundo conta Welder Queiroz dos Santos, a preocupação, naquele momento histórico, era
com a estabilidade das decisões judiciais (ou seja, com a segurança jurídica), uma vez que o
prazo decadencial da ação rescisória era de cinco anos na vigência do CPC de 1939.88
Os questionamentos e divergências doutrinárias sobre a aplicação do referido dispositivo
têm sua origem na dificuldade de se estabelecer o que era “violação literal da lei”. Parte da
doutrina defendia que a expressão “violar literal disposição de lei” representaria uma
dissonância clara, manifesta e expressa entre a decisão rescindenda e o texto legal, desde que
tal texto tivesse uma única interpretação predominante e aceita nos tribunais. Este foi o
entendimento abraçado pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a propositura de
ação rescisória com base naquela causa de pedir só seria possível se a decisão rescindenda
adotasse posicionamento contrário ao entendimento consolidado em determinado sentido no
âmbito dos tribunais. Por outro lado, se a questão era controvertida à época da decisão, a
adoção de interpretação tida como razoável, ainda que não a melhor, afastaria o cabimento da
rescisória.
O Supremo Tribunal Federal estabeleceu, ainda, a impossibilidade de aplicação da Súmula
343 aos casos em que se discutiam normas constitucionais, ante o princípio da supremacia da
Constituição, segundo o qual nenhum órgão julgador pode deixar de conferir aplicabilidade às
normas constitucionais no exercício da atividade jurisdicional.89 O Superior Tribunal de Justiça
adotou o mesmo posicionamento90, de maneira a resguardar o papel de guardião da Lei Maior
que o STF preponderantemente ostenta, com a garantia da autoridade de suas decisões.
Assim, por um bom tempo, caminhou a jurisprudência do STF no sentido da possibilidade
de se utilizar a rescisória para extirpar do mundo jurídico decisões conflitantes com as suas
interpretações da Carta Magna. A alteração veio com o julgamento realizado em 22.10.2014,
em recurso extraordinário de relatoria do Ministro Marco Aurélio. O caso em questão
apresentava a peculiaridade de que havia jurisprudência pacífica no sentido de se admitir o
creditamento de IPI pela aquisição de insumos isentos, sujeitos à alíquota zero ou não
tributados, entre 1998 e 2004. Em 2007, com a alteração de entendimento, a União começou a
ajuizar ações rescisórias para recuperar os créditos obtidos judicialmente.
No julgamento do RE nº 590.809, a Suprema Corte rechaçou a rescisão de julgados
favoráveis aos contribuintes em decorrência da mudança de entendimento no âmbito do
próprio STF quanto à possibilidade de creditamento do IPI pela aquisição de insumos (Tema
nº 136 da Repercussão Geral). O voto vencedor trouxe à baila argumentos de segurança
jurídica e autoridade da coisa julgada. A divergência, representada pelos Ministros Teori
Zavascki e Gilmar Mendes, consignou que não admitir a rescisão em tais casos equivaleria a
modular os efeitos de decisão que contém novo entendimento do STF sobre o texto
constitucional e, assim, malferir o tratamento igualitário aos cidadãos na mesma situação de
fato.
Uma das principais questões sobre o tema é justamente os efeitos das modificações
jurisprudenciais sobre a coisa julgada formada em favor ou desfavor do contribuinte. É que,
numa perspectiva analítica, a coisa julgada (declaratória) em favor do contribuinte representa
um obstáculo de ordem sintática que condiciona e redesenha, dentro de certos limites objetivos
e subjetivos, a regra matriz aplicável a determinado caso.91
Por fim, como bem grifa Humberto Ávila, a segurança jurídica visa à proteção do
contribuinte na medida em que as normas constitucionais têm como objetivo, de um lado,
permitir a antecipação da atuação estatal, como comprovam os princípios da moralidade e da
publicidade; de outro, têm como finalidade permitir o conhecimento das consequências
atribuíveis aos atos praticados pelo contribuinte, como ilustra o conjunto de regras de
competência e as regras da anterioridade e da irretroatividade tributárias.92 Tais atos geram um
efeito: o contribuinte age e planeja em razão deles. E mesmo que deva contar com a
possibilidade da sua modificação futura, o fato é que esses atos normativos criam expectativas
naqueles que confiam na sua permanência e vinculatividade93.
Suscitam-se, pois, questionamentos a respeito da aplicabilidade da Súmula 343 do STF na
vigência do Novo Código de Processo Civil suscita. A principal questão que se coloca é o que
proteger: a uniformidade da ordem constitucional e da igualdade entre jurisdicionados versus a
existência de decisão definitiva que se contrapõe ao atual entendimento das cortes superiores.
A preocupação central repousa no fato de que é preciso prestigiar a confiança depositada pelos
indivíduos alcançados pela eficácia subjetiva da coisa julgada. Como bem explica Humberto
Ávila:
A dimensão objetiva da segurança jurídica demanda estabilidade e credibilidade do ordenamento jurídico, cuja restrição
requer, por parte de quem a alega, a demonstração de que uma determinada regra, ato ou decisão causará, sob o ponto de
vista da maioria das pessoas e de acordo com critérios médios de racionalidade, forte abalo na própria credibilidade
regular do Direito como instituição. É o caso, por exemplo, de uma decisão judicial que, modificando orientação
jurisprudencial consolidada anterior, atinja um sem número de cidadãos que confiaram na orientação abandonada,
causando uma desconfiança geral e abstrata da comunidade jurídica no Poder Judiciário e no Direito como instituição
social.94
Claro que não se trata de desconsiderar a ideia de que a eficácia da modificação dos
precedentes é, em regra, retroativa, uma vez que se o precedente é incorreto e injusto, o era
desde o início. Ocorre que os sujeitos de direito podem ter-se comportado conforme ditava a
jurisprudência, de maneira que taxar tais comportamentos de inadequados, inclusivecom
consequências retroativas (muitas vezes financeiras, como ocorre em regra com as questões
afetas ao direito tributário) é fomentar insegurança jurídica intolerável.
Por outro lado, ao se adotar a ideia de que a eficácia da modificação dos precedentes é
prospectiva, prestigia-se a segurança jurídica, aplicando-se o princípio da proteção da
confiança, adotado pelo novo Código de Processo Civil (artigo 927, § 4º). Em outras palavras,
a revogação do precedente/entendimento jurisprudencial não deveria atingir a vida, liberdade e
propriedade daqueles que confiaram na tese jurídica então adotada e celebraram atos jurídicos
com tal base, sob pena de inegável descrédito da estabilidade das relações jurídicas, em
flagrante prejuízo ao Estado de Direito. É o que pondera Antonio do Passo Cabral:
A segurança projeta-se num continuum, temporalmente balanceada entre as estabilidades pretéritas, as exigências do
presente e as expectativas e prognoses futuras. E assim deve ocorrer também quando o Judiciário lida com posições
jurídicas consolidadas. Na atualidade, portanto, o formato mais adequado para a segurança jurídica é a segurança-
continuidade. A continuidade jurídica é um conceito que está na síntese da tensão entre uma total e estanque eternização
de conteúdos estabilizados e o oposto de uma ampla e irrestrita alterabilidade. Continuidade, então, não significa
petrificação, mas mudança com consistência, protegendo os interesses humanos de estabilidade e permanência, mas
viabilizando também a alteração das posições jurídicas estáveis. Por conseguinte, a continuidade revela uma maneira de
não bloquear totalmente as mudanças e, ao mesmo tempo, preservar a segurança.95
A coisa julgada tem relação sistêmica com o controle de constitucionalidade e a legalidade,
especialmente em matéria tributária. Nas relações contínuas, como é o caso, o próprio STF tem
o poder de modular os efeitos de suas decisões, tanto no sentido ex tunc, quanto no sentido ex
nunc, excepcionalmente.96
O fato é que a Súmula 343 do STF já sofria críticas a partir dos princípios da isonomia e da
legalidade mesmo sob as regras do CPC/73. No sistema do CPC/2015, possível argumentar
que se configurou a perda do elemento interpretação controvertida, uma vez que cabível a
propositura de ação rescisória por violação aos artigos 926 e 927 do CPC se constatado o
desrespeito à aplicação do decidido em súmulas ou precedentes vinculantes.97 Não obstante, a
interpretação dada ao Tema 136 do STF pelo Superior Tribunal de Justiça trouxe questão
interessante. Como se vê do julgamento do AgInt na AR 6434, ao apreciar ação rescisória
proposta para desconstituir coisa julgada sobre exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e
da Cofins, o STJ entendeu que a Súmula 343 do STF mantém-se hígida para a parte que
propõe demanda rescisória com a finalidade de aplicar simples alteração de orientação
jurisprudencial, com característica de sucedâneo recursal.98
Sobre o tema (exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS), não houve, de
fato, alteração de entendimento no âmbito do STF, de forma que a tese que permite a aplicação
da Súmula 343 do STF também para matéria de índole constitucional, não se aplicaria ao caso
concreto99. A controvérsia deu-se em tribunais inferiores, de forma que, fixado entendimento
pelo STF com força vinculativa, a ação rescisória deveria ser cabível, sob pena de se manter
coisa julgada em desconexão com a interpretação dada pelo STF à questão constitucional.
Essa, contudo, não tem sido a posição adotada no Superior Tribunal de Justiça, consoante
destacado em recente julgado da lavra da Ministra Regina Helena Costa:
Justifica-se o afastamento da Súmula n. 343/STF tão somente se a matéria constitucional apreciada divergir de orientação
firmada pelo STF em controle concentrado de constitucionalidade, não servindo, contudo, quando a parte propõe ação
rescisória com o objetivo de aplicar alteração jurisprudencial.100
Há visível divergência em relação à interpretação do STF, pois não havia posicionamento
consolidado naquela corte quanto à validade jurídica da incidência do PIS e da COFINS sobre
os valores relativos ao ICMS, ou seja, a decisão no RE 574.706 não representou uma
superação de um paradigma jurisprudencial anterior, conforme ressaltado por ocasião da
fixação da tese no Tema 136101. No mesmo sentido, no Ag.Reg em RE 1.272.437/SP, destaca-
se que se aplica a Súmula 343 também em matéria constitucional, desde que a decisão
objurgada pela ação rescisória esteja, à época de sua prolação, em harmonia com o
entendimento do Supremo Tribunal Federal.102 Logo, se à época da prolação do acórdão
rescindendo não havia entendimento dominante na Suprema Corte sobre a questão, cabível a
rescisória. Mais recentemente, relatora Ministra Rosa Weber didaticamente examina em que
situações incide a limitação do cabimento da ação rescisória em matéria constitucional:
Ao exame do RE 590.809/RS, submetido à sistemática da repercussão geral (Tema nº 136), de relatoria do Ministro
Marco Aurélio, o Tribunal firmou entendimento que restringiu, minimamente, o cabimento de ação rescisória, aplicando a
Súmula nº 343/STF mesmo quando a matéria versada nos autos for de índole constitucional. 3. Firmada, naquela
oportunidade, compreensão segundo a qual, acaso a decisão rescindenda esteja em harmonia com precedentes do próprio
STF à época, a posterior alteração de entendimento por esta Casa não autoriza a rescisória, aplicando-se a Súmula nº
343/STF. 4. A limitação do cabimento da ação rescisória em matéria constitucional cingiu-se a duas hipóteses específicas,
quais sejam, (i) quando o acórdão rescindendo estiver em conformidade com a jurisprudência do Plenário desta Casa à
época, mesmo que posteriormente alterada, e (ii) quando a matéria seja controvertida no âmbito deste Supremo Tribunal
Federal. Precedentes. 5. Para efeito de aplicação da Súmula nº 343/STF em matéria constitucional indispensável perquirir
(i) se a matéria era controvertida neste STF e (ii) se a decisão rescindenda estava em consonância com o entendimento
deste Tribunal à época. Assim, caso a resposta para ambos os questionamentos seja negativa, inaplicável o entendimento
sumulado e, portanto, cabível, em tese, a rescisória. Precedentes. 6. Consolidada jurisprudência desta Corte no sentido da
inaplicabilidade da Súmula nº 343/STF quando a matéria versada nos autos for de índole constitucional, mesmo que a
decisão objeto da rescisória tenha sido fundamentada em interpretação controvertida em outros Tribunais judiciários ou
anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal, ressalvadas as hipóteses acima explicitadas.103
Referido verbete, registre-se, veicula “critério não jurídico e tampouco razoável para
sujeitar a decisão à rescindibilidade: o “acaso” de a discussão existir, ou não, quando da
prolação da decisão”104. Diferentemente, pontua Araken de Assis que
Os parâmetros do que seja violação manifesta à ordem jurídica localizam-se no art. 926, caput. É manifesta a aplicação da
norma incoerente, pouco razoável ou de forma desigual, comparativamente a casos semelhantes, sem o devido
distinguishing, comprometendo a integridade e a estabilidade do ordenamento jurídico.105
Para o autor, o dissídio jurisprudencial entre tribunais distintos é importante para ampliar as
discussões até que um dos posicionamentos seja, afinal, adotado. Para ele, enquanto não
houver precedente, não há direito à rescisão com fulcro no inciso V do artigo 966 do CPC,
incidindo a Súmula 343 do STF, pois “sobrevindo o precedente, no prazo do art. 975, caberá a
rescisão da decisão discrepante, em homenagem ao princípio da sonomia e da segurança
jurídica”106.
Destarte, à luz de todo o exposto e, em especial, do estudo decorrente da aplicação da
denominada “tese do século”, considera-se que hoje não mais se amolda ao ordenamento
jurídico brasileiro a aplicação da Súmula 343 do STF, porquanto “permite que casos
rigorosamente idênticos (ou semelhantes) ocorridos em um mesmo momento histórico
recebaminterpretações e aplicações jurídicas diversas, vedando o cabimento de ação rescisória
para assegurar a isonomia e a legalidade no caso concreto”.107 Afirma Welder Queiroz dos
Santos:
a igualdade, a legalidade e a segurança jurídica em seu aspecto de previsibilidade da atuação estatal devem prevalecer
sobre a segurança jurídica sob seu aspecto da estabilidade das relações jurídicas decorrentes da coisa julgada, no prazo
previsto em lei para a sua desconstituição, em caso de superveniência de precedente ou enunciado de súmula com efeito
vinculante. Prestigiar a coisa julgada em detrimento da igualdade substancial, da legalidade e da segurança jurídica
decorrente da expectativa da atuação estatal leva à prevalência da segurança jurídica individual à segurança jurídica geral
e social, o que não é almejável em um Estado de Direito.108
Para Teresa Arruda Alvim não parece ser justificável, à luz da Constituição Federal, a
subsistência de tal verbete, pois desrespeita princípios constitucionais fundamentais, como o
da legalidade e da isonomia. Segunda ela, “não há como dizer-se que a interpretação incorreta
da lei não se constitua numa ilegalidade”. Por outro lado, o próprio desenho do sistema
brasileiro de precedentes se oporia ao malfadado verbete, à luz da previsão do artigo 966, §5º,
do CPC, que trata especificamente da possibilidade de se intentar ação rescisória para
desconstituir decisão que indevidamente se baseou em precedentes vinculativos pelo desajuste
do caso concreto à norma contida na súmula ou no precedente utilizado como parâmetro
decisório. A mesma autora assevera:
Só o fato de existir o art. 966, § 5º, já é elemento que auxilia a insubsistência da Súmula 343: normalmente, o que há antes
de ser julgado o recurso afetado no regime dos recursos repetitivos é justamente jurisprudência conflitante. Devesse ser
prestigiada a Súmula 343 e o art. 966, § 5º ficaria esvaziado ou seriamente comprometido!109
De fato, ao se tolerar a interpretação razoável de um texto legal, automaticamente se
permite a convivência concomitante de interpretações diversas e, assim, a existência de
tratamento desigual para situações idênticas. A questão que já era tormentosa à luz do papel do
Superior Tribunal de Justiça enquanto intérprete da lei federal torna-se ainda mais preocupante
com a aplicação da Súmula 343 do STF inclusive no âmbito de matéria constitucional, como
têm veiculado a Corte Suprema após o julgamento do RE 590.089. Destarte, por tais razões e
para cumprir os desígnios do novo CPC, que preceitua que os tribunais devem uniformizar a
sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, a aplicabilidade da Súmula 343 do
STF deveria ser superada.
4 CONCLUSÃO
Hodiernamente, não é possível interpretar o direito sem ter em mente os ditames da
Constituição. A transformação do texto normativo em norma jurídica e a construção do seu
sentido exsurge da fundamentação, que desnuda as razões do julgador e permite a assimilação
pelos seus destinatários. E essa atividade interpretativa passa pela compreensão de mundo
vigente e pelas alterações da sociedade. Confia-se ao Judiciário a tarefa de dizer o que é de
cada um e de propiciar a efetividade de tais decisões. Também a ele cabe interpretar as leis e
aplicar as respectivas sanções em caso de descumprimento. Delineia-se, assim, a importância
da coisa julgada, tamanha, que vem protegida em um dos primeiros e mais importantes artigos
da Carta Magna Brasileira, qual seja, o 5º, em seu inciso XXXVI. Todavia, apesar de
importante garantia, não é absoluta e pode ser relativizada, notadamente por meio da ação
rescisória.
É bem verdade que não se pode perder de vista o prestígio à segurança jurídica,
notadamente enquanto considerada como juízo prescritivo para que seja adotado determinado
comportamento a fim de aumentar o grau de previsibilidade. Tampouco se pode olvidar do
respeito à isonomia. Nesse contexto, considera-se que a Súmula 343 do STF não mais se
amolda ao ordenamento jurídico vigente, notadamente à luz do sistema do CPC/2015, que
prevê a propositura de ação rescisória para desconstituir decisão que indevidamente se baseou
em precedentes vinculativos pelo desajuste do caso concreto à norma contida na súmula ou no
precedente utilizado como parâmetro decisório. Significa dizer que a busca pela jurisprudência
íntegra, coerente e estável prima pela aplicação da interpretação correta do texto legal ditada
pelos tribunais superiores, possibilitando àqueles em situações idênticas a aplicação de uma
mesma interpretação legal. Não obstante, como exemplo, observa-se que a tese da validade
jurídica da incidência do PIS e da COFINS sobre os valores relativos ao ICMS (RE 574.706)
que a Súmula 343 do STF tem sido usada para impedir a rescisão de julgados com base na
controvérsia do tema em outros tribunais regionais e no próprio STJ, reforçando a aplicação de
critério não jurídico e tampouco razoável para sujeitar a decisão à rescindibilidade: o “acaso”
de a discussão existir, ou não, quando da prolação da decisão que se pretende desconstituir, nas
palavras da professora Teresa Arruda Alvim.
Destarte, ao se constatar que a aplicação da Súmula 343 do STF permite que casos
idênticos (ou semelhantes) ocorridos em um mesmo momento histórico recebam interpretações
e aplicações jurídicas diversas, em flagrante ofensa às garantias da isonomia e aos desígnios do
novo CPC, no sentido da coerência e estabilidade da jurisprudência dos tribunais, conclui-se
no sentido da sua desconformidade com o vigente ordenamento jurídico brasileiro e da
necessidade de discutir a sua superação.
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85 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1997, p. 375.
86 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito, 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 87.
87 OLIVEIRA, Paulo Mendes de. Segurança jurídica e processo: da rigidez à flexibilização processual. 1. ed. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2018. Disponível em:
https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/152089336/v1/document/154634591/anchor/a-154634591.
Acesso em: 15.09.2022.
88 SANTOS, Welder Queiroz dos. Ação rescisória por violação a precedente. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
(Coleção Liebman). Disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/266454664/v1/page/1.
Acesso em: 20 set. 2022.
89 “Preliminar de descabimento da ação por incidência da Súmula STF 343. Argumento rejeitado ante a jurisprudência desta
Corte que elide a incidência da súmula quando envolvida discussão de matéria constitucional”. In: BRASIL. Supremo
Tribunal Federal (STF). AR 1409/SC, Rel. Min. Ellen Gracie. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=592510. Acesso em: 15.08.2022.
90 “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal
de interpretação controvertida nos tribunais.” In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). REsp 896728/RS, Rel. Min.
Luiz Fux. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?
componente=ITA&sequencial=824136&num_registro=200602330006&data=20081016&formato=PDF. Acesso em:
16.08.2022.
91 MASSUD, Rodrigo G. Nunes.Coisa julgada, rescisória, Súmula STF 343 e Parecer PGFN 492/2011: impactos com o CPC
de 2015. In: CONRADO, Paulo César; ARAÚJO, Juliana Furtado Costa (Coord). O novo CPC e seu impacto no direito
tributário. São Paulo: Fiscosoft Ltda, 2015. p. 171
92 ÁVILA, Humberto. Teoria da Segurança Jurídica. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 272.
93 Como bem pontua Teresa Arruda Alvim: se “A” deixa de recolher certo tributo, porque o STF entende que o tal tributo não
incide na atividade que A realiza e, de repente, este mesmo tribunal passa a entender que o tal tributo incide, à luz do mesmo
texto de lei, deve usar este novo entendimento apenas para decidir processos oriundos de casos fáticos posteriores à alteração
de posição. Caso contrário, “A” será julgado com base num padrão normativo que não existia quando praticou sua conduta:
praticou sua conduta em conformidade com o direito. In A modulação e a Súmula 343. 2017. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/depeso/268728/a-modulacao-e-a-sumula-343. Acesso em: 30 ago. 2022.
94 ÁVILA, Humberto. Teoria da Segurança Jurídica. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 153.
95 CABRAL, Antonio do Passo. Estabilidade e alteração de jurisprudência consolidada: proteção da confiança e a técnica do
julgamento alerta. In: GALLOTI, Isabela (org.). O papel da jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2014. p. 47.
96 ZILVETI, Fernando Aurelio. Coisa julgada no direito tributário e o caso do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS – Um
estudo de caso. Revista de Estudos Tributários, Porto Alegre, v. 22, n. 134, p. 9-20, jul./ago. 2020.
97 ARSUFFI, Arthur Ferrari. SANTOS, Ceres Linck dos. Ação rescisória fundada em violação à norma jurídica intuída de
princípios expressos e a Súmula 343 do STF. Revista Forense, São Paulo, v. 113, n. 425, p. 143–163, jan./jun., 2017.
98 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). AgInt na AR 6434/MT, Rel. Min. Herman Benjamin. Disponível em:
https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?
documento_tipo=integra&documento_sequencial=119547351&registro_numero=201900854538&peticao_numero=202000631847&publicacao_data=20201218&formato=PDF.
Acesso em: 16.08.2022.
99 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). AR: 00707524120144010000, Rel. DES. FED. Maria Do Carmo
Cardoso. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trf-1/896036376. Acesso em: 15.08.2022.
100 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). AgInt no AgInt no REsp 1801723/RS, Rel. Min. Regina Helena Costa.
Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?
documento_tipo=integra&documento_sequencial=127265019&registro_numero=201802940619&peticao_numero=202100107157&publicacao_data=20210519&for
Acesso em: 17.08.2022.
101 “Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à
época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente. In: BRASIL. Supremo
Tribunal Federal (STF). RE nº 590.809, Rel. Ministro Marco Aurélio. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7303880. Acesso em: 20.08.2022.
102 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). RE nº 1272437, Rel. Ministro Dias Toffoli. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=755173853. Acesso em: 19.08.2022.
103 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). RE nº 1389170/SP, Rel. Ministra Rosa Weber. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=763296451. Acesso em: 16.08.2022.
104 ALVIM, Teresa Arruda. In: A modulação e a Súmula 343. 2017. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/depeso/268728/a-modulacao-e-a-sumula-343. Acesso em: 30 ago. 2022.
105 ASSIS, Araken de. Ação rescisória. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. Disponível em:
https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/278685845/v1/page/1. Acesso em: 01 ago. 2022. RB-3.24.
106 ASSIS, Araken de. Ação rescisória. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. Disponível em:
https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/278685845/v1/page/1. Acesso em: 01 ago. 2022.
107 SANTOS, Welder Queiroz dos. Ação rescisória por violação a precedente. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
(Coleção Liebman). Disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/266454664/v1/page/1.
Acesso em: 20 set. 2022.
108 SANTOS, Welder Queiroz dos. Ação rescisória por violação a precedente. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
(Coleção Liebman). Disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/266454664/v1/page/1.
Acesso em: 20 set. 2022.
109 ALVIM, Teresa Arruda; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. Ação Rescisória e Querela Nullitatis. 3. ed. São Paulo: Thomson
Reuters Brasil, 2022. Disponível em:
https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/161692485/v3/page/1. Acesso em: 10 ago. 2022.
CAPÍTULO CINCO
Sumário: 1. Introdução. 2. O acesso à justiça. 3. Razoável duração do processo. 4. O abuso do direito processual e a boa-fé.
5. Considerações finais.
RESUMO: O acesso à justiça garante o acesso ao órgão do Poder Judiciário, mas também o respeito aos princípios
processuais, uma decisão justa e em tempo razoável. A longa duração injustificada do processo consiste em obstáculo ao
acesso à justiça e causa frustração aos jurisdicionados. Para afirmar se o processo teve ou não uma duração razoável, deve-se
analisar a complexidade da causa, o número de litigantes, o comportamento das partes e do juiz na condução do processo. A
prestação jurisdicional deve ser efetiva e tempestiva. A razoável duração do processo almeja que a atividade jurisdicional seja
otimizada e eficiente, mas é necessário um tempo mínimo para que os princípios processuais constitucionais sejam
respeitados, não podendo a busca pela celeridade violar tais garantias. Todos os atores processuais devem cooperar para a
busca de uma decisão justa, adequada e célere, pois o abuso do direito processual e a atuação com má-fé dificulta a tramitação
do processo. Dessa forma, necessária se torna a busca pela cooperação dos sujeitos do processo e a atuação no processo de
acordo com a boa-fé, evitando assim abuso dos direitos processuais.
PALAVRAS-CHAVE: Acesso à justiça. Razoável duração do processo. Abuso processual.
ABSTRACT: Access to justice guarantees access to the body of the Judiciary, but also respect for procedural principles, a fair
decision and within a reasonable time. The unjustified long duration of the process constitutes an obstacle to access to justice
and causes frustration to the jurisdictions. To affirm whether the process had a reasonable duration or not, it is necessary to
analyze the complexity of the case, the number of litigants, the behavior of the parties and the judge in conducting the process.
The jurisdictional provision must be effective and timely. The reasonable duration of the process aims for the jurisdictional
activity to be optimized and efficient, but a minimum time is necessary for the constitutional procedural principles to be
respected, and the search for speed cannot violate such guarantees. All procedural actors must cooperate in the search for a
fair, adequate and speedy decision, as the abuse of procedural law and acting in bad faith makes it difficult to proceed with the
process. Thus, it is necessary to seek the cooperation of the subjects of the process and to act in the process in accordance with
good faith, thus avoiding abuse of procedural rights.
KEYWORDS: Access to justice. Reasonable duration of the process. Procedural abuse.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal e o Código de Processo Civil consagram o princípio da
inafastabilidade da jurisdição, que garante a apresentação ao Estado, na pessoa do juiz, de
todos os conflitos de interesse.
O presente trabalho visa abordar o acesso à justiça que, além de estabelecer o acesso ao
judiciário, em virtudeda inafastabilidade da jurisdição, garante que o processo deva observar
os princípios processuais, conferir ao jurisdicionado uma decisão justa e em tempo razoável.
Assim, a expressão acesso à justiça abrange um processo justo, com observância ao devido
processo legal e às garantias processuais para a viabilização dos demais direitos.
A longa duração injustificada do processo consiste em obstáculo ao acesso à justiça,
devendo ser levados em consideração a complexidade da causa, o número de litigantes e o
comportamento dos sujeitos processuais na condução do processo.
Não se pode olvidar que é preciso um tempo mínimo para que os princípios processuais
constitucionais sejam respeitados, de modo que o processo deve durar o tempo necessário para
que tais garantias sejam observadas.
Desse modo, a prestação jurisdicional deve ser efetiva e tempestiva.
A conduta dos sujeitos do processo, por meio do abuso dos direitos processuais e a atuação
com má-fé consistem em obstáculos à razoável duração do processo, que pode ser alcançada se
todos os sujeitos processuais atuarem de forma cooperativa.
Os direitos processuais devem ser respeitados. No entanto, tais direitos não são absolutos,
encontrando limites na lealdade processual e na boa-fé.
Destarte, o direito à inafastabilidade da jurisdição não é absoluto, havendo limites a serem
observados, que objetivam reprimir o abuso aos direitos processuais.
Embora a Constituição Federal assegure a garantia fundamental da duração razoável do
processo, muitas atitudes dos atores processuais podem ocasionar o atraso no deslinde do feito.
Diante da importância do assunto, a pesquisa tem por finalidade a análise da cooperação
dos sujeitos processuais e da atuação no processo de acordo com a boa-fé para se alcançar a
razoável duração do processo e, assim, conferir o amplo acesso à justiça.
2 O ACESSO À JUSTIÇA
A Constituição Federal,110 em seu artigo 5º, XXXV, consagra o princípio da
inafastabilidade da apreciação jurisdicional ao estabelecer que “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
O dispositivo citado estabelece que todos os conflitos de interesses podem ser colocados
sob o controle dos órgãos jurisdicionais. Trata-se da proteção jurisdicional adequada,
tempestiva e efetiva a quem tiver razão, ou seja, acesso à justiça, e não apenas de uma garantia
de acesso ao juízo.111
Denota-se que o direito de acesso à justiça abrange a forma repressiva, ao mencionar
“lesão” e a forma preventiva, ao citar “ameaça à lesão” e, tendo em vista que o direito de ação
não está atrelado à procedência do pedido, o dispositivo veda a possibilidade de exclusão da
alegação de lesão ou ameaça, de modo que não há confusão entre o não acolhimento do pedido
da parte com a ausência de prestação jurisdicional.112
O Código de Processo Civil,113 seguindo a orientação da Constituição Federal, também
garante a inafastabilidade da jurisdição em seu artigo 3º.
No tocante ao conceito de acesso à justiça, Mauro Cappelletti e Bryant Garth ensinam:
A expressão ‘acesso à Justiça’ é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas
do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os
auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que
sejam individual e socialmente justos.114
Desse modo, verifica-se que, por meio do acesso à justiça, os jurisdicionados podem buscar
seus direitos e resolver seus litígios diante de um órgão imparcial.
Ademais, o acesso à justiça não exprime apenas um direito de ingressar com uma ação
judicial, mas a observância dos princípios componentes do devido processo legal às partes.115
A expressão acesso à justiça não significa apenas conferir aos jurisdicionados o acesso ao
Poder Judiciário, mas também fornecer um processo justo, com observância ao devido
processo legal e às garantias processuais para a viabilização dos demais direitos. Assim, o
acesso à justiça efetivo é pressuposto do exercício de todos os demais direitos e garantias.116
Desse modo, não basta conceder o direito às pessoas de ingressarem em juízo, pois isso não
é suficiente para o efetivo acesso à justiça. É preciso fornecer decisões justas e, além disso,
que tais decisões sejam conferidas em tempo razoável e com observância dos princípios
processuais constitucionais.
Por meio do acesso à justiça, o jurisdicionado busca todos os demais direitos, sendo,
portanto, um direito fundamental. E para que seja de fato efetivo, deve ser alinhado com a
razoável duração do processo, pois o conflito deve ser resolvido em tempo adequado.117
Assim, o acesso à justiça consiste em requisito fundamental, o mais básico dos direitos
humanos, que almeja garantir os direitos de todos.118
Na busca da condução de uma atividade jurisdicional célere, adequada e efetiva na solução
dos conflitos sociais, o acesso à justiça tem grande importância tanto na efetividade do direito
material como na resolução de questões do direito processual.119
Salienta-se que a Constituição Federal e o Código de Processo Civil, ao garantirem a
inafastabilidade da jurisdição, não impedem a busca de meios alternativos de solução de
conflitos, porém, pelo contrário, até incentiva essa prática, pois o Judiciário não é a única
maneira de resolver conflitos. Dessa forma, o acesso à justiça não deve ser impedido, mas
pode haver, por escolha do jurisdicionado, a solução de conflitos por outros métodos.120
Nesse sentido, o Código de Processo Civil, no parágrafo 3º do artigo 4º, prevê os métodos
alternativos de solução dos conflitos.
O acesso à justiça é considerado um direito fundamental na sociedade, mas há muitos
obstáculos para alcançá-lo, entre eles se destaca a demora para a solução do processo, que
possui grande importância, em virtude da função social do Estado de prestar a justiça social.121
Mauro Cappelletti e Bryant Garth afirmam que o tempo é um dos obstáculos ao acesso à
justiça, assegurando que a demora para a obtenção de uma decisão exequível faz com que,
muitas vezes, a parte economicamente fraca, aceite um acordo prejudicial.122
Ademais, citando a Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades
Fundamentais (artigo 6º, parágrafo 1º) afirmam que a justiça que não é cumprida dentro de um
prazo razoável acaba sendo inacessível.123
Outrossim, o acesso à justiça não é apenas daquele que ajuíza uma ação, mas também do
réu, que irá apresentar sua defesa.
O efetivo acesso à justiça deve eliminar os empecilhos indispensáveis à concretização de
um processo ético e justo, devendo ser ressaltada a sua “característica instrumental”, pois por
meio dela os demais direitos fundamentais são protegidos e efetivados.124
O acesso à justiça eficiente e amplo não é alcançado quando se declara ou constitui o
direito sem que esse possa ser exercido no momento e condição necessários.
Destarte, conclui-se que o acesso à justiça inclui, além do acesso ao judiciário, a entrega da
prestação jurisdicional adequada, com observância a todas as garantias processuais, uma
decisão justa e em tempo razoável.
A sociedade possui alguns mecanismos para facilitar o acesso à justiça como, por exemplo,
o benefício da gratuidade processual, os juizados especiais, a defensoria pública, além dos
mecanismos de autocomposição como arbitragem, mediação e conciliação.125
Uma das formas de fortalecer a acessibilidade é a celeridade dos procedimentos, de modo
que há uma intrínseca relação entre o princípio da razoável duração do processo e o acesso à
justiça.126
Assim, a demora injustificada e excessiva na prestação jurisdicional é um dos obstáculos a
serem superados para que o acesso à justiça seja garantido de modo efetivo e amplo.
3 RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO
Como foi observado no tópico anterior que a apreciação jurisdicional é inafastável,
devendo o Estado, por meio do Poder Judiciário, apreciar o pedido e a defesa dos
jurisdicionados.No entanto, a simples prestação da justiça não é suficiente, devendo ser prestada de forma
rápida, efetiva e adequada.127
Um dos fatores que dificultam ou impedem o acesso à justiça é a morosidade processual, de
modo que fica clara a correlação entre a razoável duração do processo e o acesso à justiça,
direito fundamental por meio do qual outros direitos são buscados.128
A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica),129 em
seu artigo 8º.1, estabelece que todo indivíduo tem direito fundamental à prestação jurisdicional
em tempo razoável.130
Nesse sentido, o artigo 5º, LXXVIII da Constituição Federal estabelece que “a todos, no
âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios
que garantam a celeridade de sua tramitação”.
O dispositivo em comento veda que leis ou atos normativos estabeleçam normas que
ocasionem a demora no trâmite processual de forma irrazoável como, por exemplo, uma lei
que aumente absurdamente o número de recursos. Ademais, apresenta a conclusão de que o
processo mais simples, com poucos autores e réus, que discutam matérias de direito, serão
solucionados de forma mais rápida do que os processos mais complexos, que possuam
múltiplos atores processuais131.
Assim, para se analisar se o processo alcançou sua razoável duração, é preciso observar a
complexidade da causa, o número de litigantes, o comportamento das partes e do juiz na
condução do processo.
O Código de Processo Civil também garante a solução do mérito em prazo razoável (art.
4º)132 e atribui ao juiz o cuidado com a duração do processo (art. 139, II).133
Quanto ao termo “duração razoável”, cumpre trazer o conceito apresentado por Antônio do
Passo Cabral:
A duração “razoável” do processo é aquela em que, atendidos os direitos fundamentais, permita uma tratativa da pretensão
e da defesa em tempo adequado, sem descuidar da qualidade e sem que as formas do processo representem um fator de
prolongamento imotivado do estado de incerteza que a litispendência impõe às partes.134
Nessa perspectiva, denota-se que a duração razoável consiste no tempo necessário e
adequado para que o processo tramite com garantia dos princípios processuais.
Em virtude da demora nas soluções dos processos, além de gerar grande frustração, os
jurisdicionados acabam por desacreditar na justiça brasileira e acabam por relacionar a
morosidade à ineficiência estatal.135
Sustenta-se, nessa lógica, que “a decisão tardia é ineficiente, desserve aos seus
propósitos”.136
Além disso, a falta de confiança no Poder Judiciário acarreta o aumento de formas paralelas
de obtenção da justiça, acabando por estimular a autotutela. Dessa forma, há o impedimento da
promoção da paz e o desestímulo do acesso à justiça.137
A efetividade da ação depende, além das técnicas processuais para garantir o direito
material, do tempo para a concessão da tutela jurisdicional, que deve ser razoável, mesmo que
não exista perigo de dano.138
A busca pela efetividade do processo fez com que a preocupação por celeridade fosse
aumentada, na certeza de que a prestação jurisdicional morosa não seria justiça.139
No entanto, embora a demora na prestação jurisdicional traga uma sensação de frustração,
por outro lado, é preciso um tempo mínimo para que os outros princípios processuais
constitucionais sejam respeitados.
Dessa forma, o abandono completo do formalismo, em prol da ideia de que o juiz pode,
sozinho, flexibilizar as formas, deve ser combatido, pois toda forma processual guarda
fundamento numa garantia constitucional.140
Cumpre mencionar que todos que atuam no processo podem cooperar para a sua celeridade,
efetividade e justiça.
Muitas vezes, podemos observar advogados que se utilizam de recursos com a única
finalidade de protelar e tal conduta ocasiona a demora na solução do processo.
Nesse sentido, um importante fato que contribui para a celeridade processual é a aplicação
do artigo 6º do Código de Processo Civil, que traz o princípio da cooperação, dispondo que
todos os sujeitos processuais devem cooperar entre si para que seja alcançado uma decisão de
mérito, em tempo razoável, justa e efetiva.141
O dispositivo citado é direcionado a todos os sujeitos do processo, exigindo a atuação com
boa-fé e de forma cooperativa para que alcancem um resultado justo mais célere.
A respeito da responsabilidade do Estado em relação à demora do processo por
comportamento inadequado da parte, defende-se que, tendo o juiz o dever de velar pela rápida
solução do litígio, sua omissão na repressão ao ato abusivo da parte contribui para dilação
indevida, gerando a responsabilidade do Estado.142
Para a efetivação da tramitação do processo em tempo razoável, o Código de processo Civil
estabelece em seu artigo 12,143 que os processos devem ser julgados, preferencialmente, de
acordo com a ordem cronológica de conclusão.
Tal dispositivo representa a impessoalidade, isonomia e um parâmetro único de
organização das varas e tribunais.144
Ademais, a Constituição Federal designa que a quantidade de juízes na unidade
jurisdicional deve ser proporcional à demanda judicial e à população.145
Importante, entretanto, constatar que o processo não deve ser rápido, mas deve demorar o
tempo necessário e adequado à solução do conflito levado ao Judiciário, pois diante do devido
processo legal, as garantias do contraditório, produção de provas e recursos devem ser
observadas.146
Nesse sentido, um processo com duração razoável não significa que seja rápido, pois, por
mais simples que seja, deve observar um trâmite para garantir os demais princípios
processuais.
Por mais que se utilize as convenções processuais e a calendarização, por exemplo,
institutos previstos no Código de Processo Civil e que também podem auxiliar na celeridade,
há um trâmite a ser seguido e respeitado.
Aquele que pede algo ao judiciário, ao exercer um direito previsto constitucionalmente,
deve ter seu pedido atendido de forma eficiente, sendo necessário que o processo assegure o
direito efetivo e no menor tempo possível, ou seja, dentro de um lapso temporal razoável.147
Quanto mais tempo demorar para ser proferida a sentença após o fato discutido nos autos, a
sua eficácia vai se tornando mais fraca e o direito reconhecido mais frágil, uma vez que o
julgamento realizado em atraso excessivo também caracteriza uma prestação jurisdicional
deficiente e injusta.148
Dessa forma, a demora injustificada na prestação jurisdicional traz aos jurisdicionados
sentimento de insatisfação.
O direito de acesso à justiça só é efetivado quando o período da “porta de entrada” até a
“porta de saída” ocorre em tempo razoável, de modo que a delonga na solução dos conflitos
consiste em uma grande barreira para o acesso à justiça efetivo e pleno.149
Na mesma perspectiva, a jurisdição apenas será efetiva se o objetivo buscado com o
processo, qual seja, a solução da demanda, ocorrer de forma tempestiva. Caso a jurisdição seja
fornecida com atrasos, o aproveitamento do direito material pode não mais ser proveitoso.150
Assim, a razoável duração do processo é uma das bases do processo justo.
O que o princípio em comento almeja é que a atividade jurisdicional e os métodos
empregados por ela sejam otimizados, de modo a se tornarem mais eficientes, sendo essa
faceta do dispositivo constitucional denominada “princípio da eficiência da atividade
jurisdicional”.151
Verifica-se, dessa forma, que o princípio da razoável duração do processo está conectado
diretamente com o princípio da eficiência, pois se o processo demora mais que o tempo
necessário, deixa de ser efetivo.
Dessa forma, além da efetividade, a duração razoável do processo também assegura a
eficácia, que diz respeito ao resultado a ser atingido, e a eficiência, que se relaciona com a
obtenção do resultado com o menor gasto de recursos possível.152
O princípio da eficiência, previsto no artigo 8º do Código de Processo Civil, se relaciona
com a gestão do processo e com o princípio da adequação, de modo que o procedimentoe a
atividade jurisdicional podem se ajustar às peculiaridades do caso, para a solução de forma
efetiva e dentro de um tempo razoável.153
Não adianta, dessa forma, que o judiciário forneça decisões justas, mas tardias ou uma
decisão rápida, mas injusta. Assim, o que se busca, para alcançar de fato o acesso à justiça, é o
aperfeiçoamento do sistema para que seja mais rápido e, ao mesmo tempo, capaz de proferir
decisões justas e efetivas.
4 O ABUSO DO DIREITO PROCESSUAL E A BOA-FÉ
A conduta dos sujeitos processuais no sentido de abusar dos seus direitos e conduzir o
processo com má-fé impede a razoável duração do processo.
Se as partes agirem com a intenção de procrastinar o processo, ele nunca irá avançar.154
Inicialmente, cumpre estabelecer que o conceito de abuso de direito processual decorre de
“valores gerais de lealdade e correção supostamente existentes nos níveis mais profundos do
sistema legal como tal”.155
Geralmente, a definição de abuso de direito processual é atrelada à deslealdade processual e
má-fé.
Abusar de um direito consiste em ir além dos limites do poder ou da faculdade que o direito
confere ao sujeito.156
Dessa forma, o abuso do direito processual ocorre quando o indivíduo se utiliza da
faculdade de agir no processo com a finalidade de atrasá-lo, dificultando o resultado justo da
demanda.
O abuso do direito processual, cometido de forma reiterada, caracteriza “assédio
processual”, e se consubstancia na realização de práticas desleais com intuito de tumultuar e
atrasar o deslinde do processo.157
Entre os exemplos de abuso processual está a conduta de ajuizar uma ação sem interesse
em prosseguir com a demanda ou cometer um erro processual grosseiro que prejudica a outra
parte ou ainda uma conduta que almeja alcançar propósitos ilegais ou impróprios.158
Os recursos infundados e protelatórios também consistem em exemplo frequente de abuso.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, LV, garante aos litigantes o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Denota-se, portanto, que o direito de recorrer é uma garantia do litigante. No entanto, esse
direito não é absoluto.
Nesse sentido, o artigo 80, VII, do Código de Processo Civil afirma que quem recorre com
o objetivo manifestamente protelatório é considerado litigante de má-fé.
Eduardo Cambi e Matheus Gomes Camacho diferenciam a litigância de má-fé e o assédio
processual, afirmando que aquela consiste na prática de ato ilícito tipificado na lei processual,
sem a necessidade da prática ser reiterada, enquanto, para a configuração deste, se exige a
prática reiterada de atos processuais abusivos, com o intuito de obstruir a realização da
justiça.159
Buscando o combate ao abuso processual e a concretização do princípio da boa-fé, o
Código de Processo Civil estabelece, em diversos dispositivos, as consequências para quem
agir de má-fé ou abusar do seu direito processual.
O artigo 79 dispõe que aquele que litigar de má-fé responde por perdas e danos e o artigo
81 permite ao juiz, de ofício ou a requerimento, fixar multa pela má-fé e ainda fixar
indenização pelos prejuízos que a parte contrária sofreu.
Ademais, o artigo 311 garante que a tutela de evidência será concedida quando estiver
caracterizado o abuso do direito de defesa ou o propósito protelatório da parte.
O artigo 918, III, por sua vez, menciona que o os embargos à execução serão rejeitados
liminarmente quando manifestamente protelatórios e, segundo o parágrafo único, tal conduta
caracteriza ato atentatório à dignidade da justiça.
Além disso, o parágrafo segundo do artigo 1.026 prevê a aplicação de multa de até 2%
sobre o valor atualizado da causa em caso de embargos de declaração protelatórios e o
parágrafo terceiro possibilita a elevação da multa a até 10%, além de condicionar qualquer
recurso ao depósito prévio da referida multa no caso de reiteração, além de prever que caso
dois embargos de declaração anteriores tiverem sido considerados protelatórios não se admitirá
novos.
Cumpre salientar que os direitos processuais podem ser objeto de abuso pelas partes, pelo
Ministério Público e pelos juízes, sendo nesse último caso um abuso de discricionaridade que é
praticado principalmente pelo mau uso dos poderes gerenciais do juiz referentes ao
desenvolvimento dos procedimentos processuais.160
Salienta-se que os muitos advogados públicos, diante da orientação da União e demais
entes federativos, abusam do direito de recorrer em muitas situações e eternizam as lides,
quando deveriam dar o exemplo para a prestação jurisdicional efetiva.161
Há espécies de abuso processual, quais sejam, o abuso processual macroscópico e o
microscópico. O macroscópico ocorre em razão do direito de ação do autor ou em razão da
defesa do réu. O microscópico se refere à utilização abusiva de mecanismos processuais
específicos, como por exemplo, os recursos abusivos.162
Para combater o abuso processual, caracterizado por atitudes procrastinadoras que buscam
tumultuar e obstruir o processo, o Código de Processo Civil afirma que o participante do
processo deve agir conforme a boa-fé.163
Importante salientar que tal princípio deve ser observado pelas partes e pelo julgador.
A boa-fé mencionada se refere ao princípio, correspondendo, portanto, à boa-fé objetiva,
que busca evitar comportamentos que violem a lealdade ou a ética, devendo ser entendida
como uma norma de conduta.
Ela consiste em cláusula geral por meio da qual se busca uma série de comportamentos dos
sujeitos processuais que conduzam à proteção da confiança legítima.164
Desse modo, a boa-fé nas demandas judiciais é um padrão de comportamento, visando que
os participantes do processo atuem com lealdade e em colaboração com a justiça165.
Tanto a boa-fé objetiva como a subjetiva são fundamentais para a construção do processo
pautado na colaboração.166
No entanto, não se deve confundir o princípio (norma) da boa-fé com a exigência de boa-fé
(elemento subjetivo). A boa-fé objetiva é uma norma de conduta que impõe e proíbe
comportamentos.167 Já a boa-fé subjetiva se relaciona com a intenção do indivíduo, buscando a
sua motivação na prática de atos processuais.168
Verifica-se, portanto, que a boa-fé objetiva consiste em uma das normas fundamentais que
estruturam o processo civil brasileiro, devendo ser observado por todos os sujeitos do
processo.
No tocante à relação entre abuso do direito processual e a boa-fé, Fredie Didier Jr. afirma
que “é fácil constatar que o princípio da boa-fé é a fonte da proibição do exercício
inadmissível de posições jurídicas processuais, que podem ser reunidas sob a rubrica ‘abuso do
direito processual’ (desrespeito à boa-fé objetiva).169
O processo, para ser devido, precisa ser ético, de modo que o princípio em tela decorre do
princípio do devido processo legal.
Embora todo cidadão possa exercer o direito à prestação jurisdicional, tal direito é relativo,
devendo haver respeito aos limites legais e constitucionais vigentes, pois o uso irregular de
uma prerrogativa ou uma faculdade processual constitui abuso de direito.170
Dessa forma, as garantias processuais não são absolutas, havendo limites a serem
observados, de modo que o indivíduo não cometa abusos ao exercer o seu direito, devendo tal
conduta ser evitada por todos os sujeitos processuais, para que não impeça a prestação
jurisdicional justa, efetiva e em tempo razoável.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muitas vezes o acesso à justiça encontra obstáculo na duração do processo, pela demora
injustificada no trâmite processual.
Diante disso, a pesquisa propôs o estudo do acesso à justiça, por meio da razoável duração
do processo, que pode ser alcançada se este for conduzido com boa-fé, evitando o abuso dos
direitos processuais.
O trabalho constatou que o acesso à justiça vai muito além do acesso ao judiciário,
incluindo o respeito aos princípios constitucionais processuais, além da entrega de uma
decisão justa, adequada e efetiva, além de ser proferida em tempo razoável.
Apresentou ainda que a razoável duração doprocesso busca a otimização e a efetividade,
pois uma decisão tardia pode não servir mais ao jurisdicionado.
Verificou-se que o abuso do direito processual acarreta a demora no trâmite do processo, de
modo que se busca que os sujeitos processuais atuem de forma cooperativa, na busca de uma
decisão de mérito efetiva e tempestiva.
O abuso do direito processual ocorre quando o indivíduo se utiliza, de forma excessiva, de
um direito com a finalidade de atrasar o processo.
Ademais, a utilização abusiva dos instrumentos processuais, de forma reiterada, com o
objetivo de atrasar o deslinde do feito caracteriza assédio processual.
Não se pode negar que há vários recursos à disposição das partes que, se usados de forma
indevida, retardam demasiadamente o processo.
Para evitar tal fato e alcançar o trâmite processual em tempo adequado, as partes devem
atuar com lealdade, observando o princípio da boa-fé.
Desse modo, o presente trabalho não se destina ao esgotamento do tema, mas ao
levantamento de questionamentos que façam refletir acerca da atuação dos sujeitos processuais
e seu papel na duração do processo.
Conclui-se, destarte, que a razoável duração do processo é uma forma de acesso à justiça, e
para tanto, todos os sujeitos processuais devem agir com boa-fé, cooperando para uma decisão
justa, efetiva e em tempo razoável.
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111 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Manual de direito processual civil contemporâneo. São Paulo: Saraiva Educação,
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114 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris,
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115 PEDRON, Flávio Quinaud. Reflexões sobre o “acesso à Justiça” qualitativo no novo Código de Processo Civil Brasileiro.
In: DIDIER JUNIOR, Fredie (Coord.). Normas fundamentais (Coleção Grandes Temas do Novo CPC. vol. 8). Salvador:
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116 CASTILHO, Ricardo. Acesso à justiça: tutela coletiva de direitos pelo Ministério Público: uma nova visão. São Paulo:
Atlas, 2006. p. 14-15.
117 SILVA, Queli Cristiane Schiefelbein da; SPENGLER, Fabiana Marion. O acesso à justiça como direito humano
fundamental: a busca da efetivação da razoável duração do processo por meio do processo eletrônico. Espaço Jurídico Journal
of Law [EJJL], v. 16, n. 1, p. 131-148, 2014. Disponível em:
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118 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris,
1988. p. 12.
119 CERQUEIRA, Társis Silva de. Uma breve reflexão sobre as técnicas de resolução de casos repetitivos. In: DIDIER
JUNIOR, Fredie (Coord.). Julgamento de casos repetitivos (Coleção Grandes Temas do Novo CPC. vol. 10). Salvador:
Juspodivm, 2016. p. 425.
.120 BUENO, Cassio Scarpinela. Manual de Direito Processual Civil. Volume único. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
p. 70.
121 SILVA, Queli Cristiane Schiefelbein da; SPENGLER, Fabiana Marion. O acesso à justiça como direito humano
fundamental: a busca da efetivação da razoável duração do processo por meio do processo eletrônico. Espaço Jurídico Journal
of Law [EJJL], v. 16, n. 1, p. 131-148, 2014. Disponível em:
https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/espacojuridico/article/view/2555/3776. Acesso em: 10 jun. 2021.
122 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris,
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123 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris,
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direito de acesso à justiça com o princípio da razoável duração do processo. Revista de Desenvolvimento e Direito da
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129 BRASIL. Decreto no 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto
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130 Art. 8º. 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou
tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal
formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de
qualquer outra natureza.
131 BORELLI, Rafael de Souza; SOARES, Marcos Antônio Striquer. Análise crítica do reexame necessário à luz do acesso à
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mérito, incluída a atividade satisfativa.
133 Brasil. Código de Processo Civil (CPC). Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código,
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mérito e o formalismo processual democrático. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (Coord.). Normas fundamentais (Coleção
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141 BRASIL. Código de Processo Civil (CPC). Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se
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142 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: teoria do
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144 CABRAL, Antônio do Passo. A duração razoável do processo e a gestão do tempo no novo Código de Processo Civil. In:
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157 CAMBI, Eduardo; CAMACHO, Matheus Gomes. Acesso (e descesso) à justiça e assédio processual. Revista Jurídica da
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158 TARUFFO, Michele. Relatório Geral. Abuso de Direitos Processuais: padrões comparativos de lealdade processual. In:
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159 CAMBI, Eduardo; CAMACHO, Matheus Gomes. Acesso (e descesso) à justiça e assédio processual. Revista Jurídica da
Escola Superior de Advocacia da OAB-PR, ano 2, número 1, abril, 2017. Disponível em:
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160 TARUFFO, Michele. Relatório Geral. Abuso de Direitos Processuais: padrões comparativos de lealdade processual. In:
DIDIER JUNIOR, Fredie (Coord.). Normas fundamentais (Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 8). Tradução: Lorena
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161 PORTO BELO, Duína. A razoável duração do processo como instrumento de acesso à justiça. Direito e Desenvolvimento,
v. 1, n. 2, p. 55–68, 2017. Disponível em: https://45.227.6.12/index.php/direitoedesenvolvimento/article/view/148/131. Acesso
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163 BRASIL. Código de Processo Civil (CPC). Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se
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164 BUENO, Cassio Scarpinela. Manual de Direito Processual Civil. Volume único. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
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165 CAMPOS, Valdir de Carvalho. Combate ao abuso do direito de ação: uma necessidade para a celeridade e efetividade
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166 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos
direitos mediante procedimento comum. Volume 2. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2017. p. 88.
167 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de
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168 CRAMER, Ronaldo. O Princípio da boa-fé objetiva no novo CPC. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (Coord.). Normas
fundamentais (Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 8). Salvador: Juspodivm, 2016. p. 197.
169 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de
conhecimento. 21. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 143.
170 MALCHER, Wilson de Souza. O abuso processual. Revista de Direito da ADVOCEF, o V, n. 10, Porto Alegre/RS,
maio/2010, p. 149-168. Disponível em: https://www.advocef.org.br/wp-content/uploads/2014/11/10-maio-
2010.pdf#page=149. Acesso em: 19/06/2021.
CAPÍTULO SEIS
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Disposições do teletrabalho em conformidade com a lei nº 13.467/2017. 3. Ponderações do
teletrabalho sob a ótica da lei nº 14.442/2022. 4. Vantagens e desvantagens do teletrabalho. 5. Conclusão.
RESUMO: Este artigo tem por objetivo analisar as novas disposições previstas na CLT acerca do teletrabalho. Inicialmente,
serão objetos de estudo as inovações trazidas pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017). Com a pandemia ocasionadapelo novo coronavírus (COVID-19), a demanda pela utilização do teletrabalho aumentou de forma exponencial, o que faz com
o que legislador tivesse que atualizar algumas das disposições trazidas pela reforma trabalhista. Neste contexto foi criada a Lei
nº 14.442/2022 que alterou algumas disposições acerca do teletrabalho previsto na CLT, bem como, introduziu novos artigos,
ampliando assim a legislação deste importante instituto. Essa Lei já está sendo alvo de inúmeras críticas e elogios e por isso
este artigo também possui como finalidade analisar as vantagens e as desvantagens do teletrabalho, e ainda as principais
dúvidas que podem aparecer nas discussões perante a justiça do trabalho.
Palavras-chave: Direito trabalhista. Consolidação das leis do trabalho. Reforma trabalhista. Teletrabalho.
ABSTRACT: This article aims to analyze the new provisions in the CLT regarding teleworking. Initially, the innovations
brought by the Labor Reform (Law nº 13.467/2017) will be objects of study. With the pandemic caused by the new
coronavirus (COVID-19), the demand for the use of telework has increased exponentially, which makes the legislator have to
update some of the provisions brought by the labor reform. In this context, Law nº 14.442/2022 was created, which amended
some provisions on teleworking provided for in the CLT, as well as introduced new articles, thus expanding the legislation of
this important institute. This Law is already being the subject of numerous criticisms and praise and therefore this article also
aims to analyze the advantages and disadvantages of teleworking, and also the main doubts that may appear in discussions
before the labor court.
Keywords: Labor law. Consolidation of labor laws. Labor reform. Telework.
1 INTRODUÇÃO
A sociedade mundial avançou no sentido de reconhecer a importância da utilização da
tecnologia em diversos setores.
A indústria já utiliza a tecnologia por meios de maquinas e robôs que conseguem realizar
tarefas que antes eram apenas praticadas pelo ser humano.
Outro fato que comprova a importância da tecnologia, é que a mesma também é utilizada
para tarefas domesticas, como por exemplo, com robôs que possuem a função de aspirar a sala
de uma casa, sem a assistência de um ser humano.
Neste contexto, outros setores da sociedade começaram a utilizar e aceitar a tecnologia.
Com a pandemia ocasionada pelo novo coronavírus, a necessidade do uso da tecnologia
aumentou sendo essencial para que as atividades empresariais não ficassem estagnadas.
No direito do trabalho isso não foi diferente, sendo a tecnologia utilizada para que a justiça
não ficasse inerte e assim não prejudicasse os litigantes. Diversas medidas impensáveis há
anos atrás foram utilizadas e permanecem até hoje, como por exemplo, a realização de
audiências e julgamentos virtuais, o ato de despachar virtualmente com a secretária da vara do
trabalho, e o mais inovador, a possibilidade da parte ao ajuizar uma ação trabalhista poder
optar pelo tramite pelo juízo 100% digital.
O preconceito existente da utilização da tecnologia e da realização do trabalho por meios
tecnológicos fora das dependências da empresa também foi diminuído drasticamente, pois as
companhias viram que os trabalhos prestados fora de suas dependências não diminuíram a
produtividade das tarefas realizadas pelos seus trabalhadores, pelo contrário aumentaram a
produtividade, haja vista que o empregado conseguiria acessar o trabalho em qualquer horário.
Assim, a utilização de tecnologias como, por exemplo, notebooks, tablets, celulares entre
outros foram essenciais às empresas e aos empregados durante o período de pandemia
permanecendo até hoje.
O direito do trabalho anteviu que em pouco tempo o trabalho em locais fora da empresa
seria uma das novas tendências da relação empregatícia, e por essa razão com a Reforma
Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) regulamentou nos artigos 75-A a e75-E da CLT, o
teletrabalho.
Com a pandemia e a necessidade da utilização do teletrabalho, a Lei acima mencionada foi
aprimorada e modificada pela Lei nº 14.442/2022, trazendo novas situações e alterando
situações existentes acerca do teletrabalho.
2 DISPOSIÇÕES DO TELETRABALHO EM CONFORMIDADE COM A LEI Nº
13.467/2017
A Lei nº 13.467/2017, intitulada “Reforma Trabalhista” entrou em vigor no ordenamento
jurídico brasileiro em 11 de novembro de 2017. Referida Lei causou um grande impacto com
suas novas disposições, alterações e revogações legislativas.
Dentre as diversas inovações da Lei nº 13.467/2017 está à regulamentação do teletrabalho,
onde foram incluídos os artigos 75-A a 75-E na CLT, que posteriormente veio a ser alterada,
conforme veremos em tópico específico.
Todavia, as novas disposições também trouxeram diversos questionamentos e críticas
quanto ao texto, que acompanharemos a partir de agora.
O artigo 75-A da CLT vigora com a seguinte redação: “Art. 75-A. A prestação de serviços
pelo empregado em regime de teletrabalho observará o disposto neste Capítulo” (BRASIL,
1943).
Este primeiro artigo não nos traz muita discussão, haja vista que apenas menciona que a
regulamentação do teletrabalhador será regida pelas disposições do capítulo II-A, “Do
Teletrabalho”.
Já o artigo 75-B da CLT traz o conceito de teletrabalho para a legislação trabalhista, qual
seja:
Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador,
com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho
externo.
Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que
exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho (BRASIL, 1943).
Ao analisar de forma crítica, a hermenêutica existente no conceito acima mencionado pode-
se destacar algumas observações que vão servir de ponto norteador.
A primeira delas: o teletrabalhador é aquele que presta serviços fora das dependências da
empresa, ou seja, não necessariamente prestará serviços em sua residência, podendo trabalhar,
por exemplo, de um clube, de uma sala de cooworking, desde que não seja na empresa. Aqui já
conseguimos diferenciar o teletrabalho do trabalho em casa (home office), possuindo o
teletrabalho uma maior amplitude de locais para a prestação de serviços.
A segunda: para que o empregado seja considerado um teletrabalhador deverá também
fazer uso das tecnologias de informações e de comunicação, que não se constituam como
trabalho externo. A legislação aqui tenta diferenciar o teletrabalhador do trabalhador externo.
Podemos imaginar como exemplo, um vendedor viajante que utiliza o celular para agendar
consultas com os clientes. Neste caso o trabalhador em que pese utilize um equipamento
tecnológico não é considerado teletrabalhador, pois a natureza do serviço prestado pelo
empregado é de um trabalho externo, não conseguindo exercer a mesma atividade nas
dependências da empresa. Já o teletrabalhador deverá utilizar as tecnologias de informações e
de comunicação para o exercício do seu trabalho, como por exemplo, notebook, tablets,
celulares, entre outros. Todavia, o trabalho do teletrabalhador não necessariamente é
imprescindível que seja realizado de forma virtual, podendo ser realizado de forma presencial,
ou seja, nas dependências da empresa.
A terceira é tida como a de maior peso e diz respeito à palavra “preponderância” prevista
no conceito. A palavra preponderante nos traz uma ideia de predominância. Ou seja, para a
legislação o empregado só seria um teletrabalhador se prestasse serviços de forma
preponderante fora das dependências do empregador. Ocorre que a própria legislação não
classificou um critério do que seria esta preponderância. Por essa razão, abriu-se margem para
discussão sobre qual modulo deveria ser adotado para que fosse analisada a preponderância.
Poderíamos por gentileza adotar um modulo semanal, onde o empregado deveria trabalhar fora
das dependências da empresa por pelomenos de 3 a 4 vezes, a depender de sua jornada. Se
adotássemos um critério mensal, dentro do mês o empregado deverá ter trabalhado mais dias
foras das dependências da empresa do que na sede da companhia. Também poderia ser
adotado um critério anual. A Lei nº 13.467/2017 não solucionou essa questão, todavia,
conforme veremos adiante a palavra “preponderância” perdeu seu sentido.
O parágrafo único do artigo 75-B se preocupou com eventuais comparecimentos a empresa
que o teletrabalhador poderia ter que fazer. Segundo o artigo o comparecimento às
dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença
do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho. Assim,
podemos concluir que o comparecimento para participar de uma reunião presencial, de uma
palestra presencial, de um evento presencial, não descaracteriza o regime do teletrabalho.
Em relação aos requisitos e formalidades para a contratação do empregado como
teletrabalhador, o artigo 75-C da CLT passou a prever quais as condições.
O “caput” o artigo acima mencionado traz a necessidade de dois requisitos para que o
empregado seja um teletrabalhador, quais sejam: (a) previsão expressa no contrato individua
de trabalho; e, (b) especificação das atividades realizadas pelo empregado (BRASIL, 1943).
Caso o contrato de trabalho não possua esses dois requisitos, entende-se que o teletrabalho
fica descaracterizado.
A legislação também pensou na aplicação do teletrabalho aos empregados que já eram
contratados na modalidade presencial. Nesse sentido, o §1º do artigo 75-C trata sobre a
possibilidade de alteração do regime de trabalho presencial para o teletrabalho (BRASIL,
1943).
Para que ocorra a alteração de regime presencial para o teletrabalho são necessários dois
requisitos: (a) mútuo consentimento; e, (b) registro da Alteração por meio de Aditivo
Contratual.
Neste particular, interpreta-se que a redação é adequada, pois observa o artigo 468 da CLT,
no que diz respeito ao princípio da inalterabilidade contratual lesiva. Assim, cabe também ao
trabalhador o aceite em migrar para o regime de teletrabalho (BRASIL, 1943).
Seguindo essa linha, a legislação também pensou na situação contrária, ou seja, na alteração
da modalidade de teletrabalho para o regime presencial.
Neste aspecto, a legislação também trouxe requisitos para que ocorra a alteração de regime
do teletrabalho para o trabalho presencial, que são: (a) garantia de um prazo de transição
mínimo de quinze dias; e, (b) registro da alteração por meio de aditivo contratual.
Note-se aqui que não há como requisito o mútuo acordo, pelo contrário, a redação do §2º
do artigo 75-C deixa expresso que a alteração do regime telepresencial para o presencial é
pode ser realizada de forma unilateral pelo empregador (BRASIL, 1943).
Crítica que se pondera pertinente no tocante a essa redação, é que se cria uma nova hipótese
de jus variandi, onde o empregado não tem a opção de se opor a alteração. Nessa linha,
entende-se também ocorrer violação ao princípio da inalterabilidade contratual lesiva (artigo
468) da CLT, vez que a alteração pode trazer prejuízos ao empregado (BRASIL, 1943).
Pensamos como exemplo, que o empregado pode ter toda uma rotina alterada em razão da
mudança de forma unilateral.
Nesse sentido, o entendimento de Antunes (2019, p. 24), ao abordar o tema pontua que
“nesta alteração também se considera possível violação ao artigo 468 da CLT, em que a
alteração contratual poderia gerar prejuízo ao empregado”.
Outro ponto de discussão e debate diz respeito a quem caberia a responsabilidade pela
aquisição, manutenção ou fornecimento de materiais tecnológicos e infraestrutura para a
realização do teletrabalho e outras despesas decorrentes deste.
O legislador se posicionou neste ponto, sendo criado o artigo 75-D da CLT.
Referido artigo deixou certo que as questões relativas à responsabilidade pela aquisição,
manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e
adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo
empregado, serão previstas em contrato escrito. Ou seja, caberão as partes no ato da
contratação negociar a quem caberá esta responsabilidade, deixando claro por escrito.
Seguindo o posicionamento da legislação, tem sido o entendimento da jurisprudência do
Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região ao decidir sobre o tema:
[...] Da ajuda de custo
A reclamada se insurge contra a r. sentença de origem que a condenou no pagamento de despesas com teletrabalho no
importe de R$80,00 mensais. Sustenta que o artigo 75-D da CLT prevê que as partes podem ajustar quem arcará com os
custos relacionados ao trabalho em regime de “home office”, alegando que o reclamante estava ciente desde a contratação
de que trabalharia de maneira remota enquanto durassem as medidas de isolamento para prevenção do contágio pelo vírus
da Covid-19.
Sem razão.
O artigo 75-D estabelece que “As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento
dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao
reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito”.
Logo, incumbia à reclamada ter instituído, por meio de contrato escrito, as disposições relativas ao teletrabalho,
especialmente quanto ao reembolso pretendido pelo reclamante, haja vista que o risco do empreendimento é do
empregador, bem como é dele todos os custos de produção e prestação do serviço, nos termos do artigo 2º, caput, da CLT.
No entanto, não há nos autos prova de que as partes realizaram esse ajuste, porquanto os documentos juntados pela
reclamada às fls. 237/241 e 243 não estão assinados pelo empregado. Dessa forma, correta a r. decisão de origem que
condenou o réu no pagamento de ajuda de custo, nos valores corretamente fixados na sentença. [...]
2.2. Da ajuda de custo
Requer a reclamante a reforma da r. sentença, alegando que, em março de 2020, passou a laborar na modalidade de home
office, sem receber a devida ajuda de custo, haja vista que, ao laborar de sua casa, passou a ter que dispor de seus próprios
recursos a fim de custear despesas inerentes à prestação de seu labor, tais como plano de internet, plano de celular e,
ainda, conta de energia elétrica.
Ao exame.
O artigo 75-D da CLT estabelece:
Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos
tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de
despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.
Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado.
No caso em apreço, as partes firmaram um aditamento ao contrato de trabalho para a implementação do teletrabalho (fl.
158), no qual ficou estabelecido, na cláusula sétima, que caberia ao empregado arcar exclusivamente com as despesas
domiciliares de refeição, água, energia elétrica, etc.
Neste contexto, a autora tinha plena ciência dos encargos que arcaria com o trabalho “home office” e, ainda que assim não
fosse, a reclamante sequer juntou aos autos os comprovantes das despesas alegadas, motivos pelo qual mantenho a r.
sentença. Nego provimento (TRT, 2022).
Apesar dos apontamentos aqui apresentado, importa dispor que o contrato de trabalho é um
contrato de adesão, ou seja, se o empregado não aceitar as condições impostas pelo
empregador, este não contratado.
Nesse sentido, referido dispositivo não pensou no desiquilíbrio evidente que existe na
relação de emprego, muito menos no princípio básico do direito do trabalho, qual seja, o
princípio da proteção.
Ademais, também foi ignorado por este artigo a ideia de alteridade (artigo 2º da CLT), na
qual o empregador é o responsável pelos riscos de sua atividade econômica, e assim, caberia a
este fornecer os equipamentos e a infraestrutura para que o trabalhadorprestasse serviços em
seu favor (BRASIL, 1943).
Para Delgado (2018, p. 1070), “o artigo 75-D da CLT não determinou fixação imperativa
de qualquer custo ao empregador, desprezando assim os riscos do empreendimento, referindo-
se apenas a previsão do contrato escrito”.
O parágrafo único do referido artigo deixa certo que as utilidades mencionadas não
integram a remuneração do empregado. Neste aspecto correta a legislação, pois, por exemplo,
no caso do reembolso de despesas, este não se dá por contraprestação e assim, não há que se
falara em reflexos de natureza salarial.
No que diz respeito às normas de saúde, higiene e segurança do teletrabalhador, o artigo
75-E da CLT veio regulamentar as mesmas.
Note-se que o “caput” do artigo traz uma obrigação ao empregador, qual seja, de instruir os
empregados quanto as precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.
No papel a norma está muito bem elaborada, todavia poderão existir problemas na prática.
Imaginamos um caso concreto onde a empresa orienta o teletrabalhador a possuir uma
cadeira ergonômica para que não tenha problemas na coluna. Ocorre que no contrato de
trabalho ficou determinado que caberia ao empregado a responsabilidade em adquirir a
cadeira, e o trabalhador não possui condições financeiras de adquirir a mesma, comprando
outra que não o protege de eventual problema na coluna.
Portanto, mesmo que o empregador oriente o trabalhador em relação as precauções para se
evitar uma doença, no caso prático, a depender do previsto em contrato, poderá o
teletrabalhador ainda assim ser lesionado, por não possuir meios de se obter o melhor material
possível para exercício da sua atividade.
O artigo em análise também traz uma obrigação ao empregado em seu parágrafo único, no
sentido de que deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as
instruções fornecidas pelo empregador. Neste aspecto tal norma vai de encontro aos direitos
anexos ao contrato de trabalho, bem como ao princípio da cooperação.
Por fim, vale destacarmos ainda um artigo que não está contido entre os artigos 75-A a 75-
E da CLT, qual seja o artigo 62 da CLT.
O artigo 62 da CLT elenca os trabalhadores que não estão sujeitos ao controle de jornada.
Antes da reforma trabalhista entrar em vigor já existiam duas classes de empregados que não
estariam sujeitos ao controle de jornada, quais sejam: (a) os empregados que exercem
atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho; (b) os gerentes, assim
considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do
disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial (BRASIL, 1943).
Ocorre que, a Reforma Trabalhista incluiu no inciso III do artigo 62 da CLT o
teletrabalhador, pontuando que “Art. 62 Não são abrangidos pelo regime previsto neste
capítulo: [...] III - os empregados em regime de teletrabalho” (BRASIL, 2017).
Ou seja, para a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) o teletrabalhador não estaria
sujeito ao controle de jornada, isto é, não teria direito a eventual pagamento de horas extras,
intervalos violados e outros direitos inerentes a duração do trabalho.
De outro lado, o empregador não poderia controlar e fiscalizar a jornada do teletrabalhador,
sob pena de descaracterização do teletrabalho.
Neste contexto, é o entendimento da jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional da 15ª
Região, ao julgar o recurso apresentado no processo judicial nº0010477-19.2018.5.15.0096,
dispondo, no tocante às horas extras que:
2 - RECURSO DA RECLAMADA
2.1 - HORAS EXTRAS
O MM. Juízo a quo condenou a ré ao pagamento de horas extras com base no documento de ID. d6df789.
Inconformada, a reclamada argumenta que o regime de teletrabalho, previsto no artigo 75-B da CLT, inserido pela Lei
13.467/2017, não está sujeito ao controle de jornada.
Alega, em síntese, que a própria reclamante fazia suas anotações manuais e as assinava, constando as mesmas no espelho
de ponto. Por fim, sustenta que todas as horas foram pagas ou compensadas.
Com relação ao labor ocorrido parcialmente em teletrabalho, no período posterior à Reforma Trabalhista, entendo que,
conforme dispõe o artigo 62, III da CLT, com redação dada pela Lei 13.467/2017, tal modalidade está, em regra, excluída
do controle de jornada.
No caso em exame, entretanto, o documento de fl. 28 (ID. d6df689 - Pág. 18) comprova que a autora é credora de 6 (seis)
horas, as quais seriam pagas em 17/01/2018. Todavia, não houve a comprovação do referido pagamento.
Ainda que assim não fosse, entendo que os demais elementos de prova evidenciam que era possível o controle de jornada
da autora, inclusive no período no qual laborou em teletrabalho, como observo nas anotações manuais da reclamante (fl.
117, por exemplo).
Nesse contexto, compactuo com o entendimento explicitado pelo MM. Juízo de origem, razão pela qual, em face dos
princípios da celeridade e economia processuais, peço vênia para adotar os fundamentos da r. sentença como razões de
decidir.
Registre-se que o trabalho em sistema de “home office”, por si só, não significa ausência de controle de jornada, eis que
tal controle pode ocorrer por meios tecnológicos e pela comunicação do superior hierárquico, nos moldes indicados na
inicial, tanto que foram reconhecidas as horas suplementares pela ré.
O cálculo das horas suplementares observará os seguintes critérios: a) evolução salarial da autora; b) adicionais previstos
nas normas coletivas da categoria da autora; c) globalidade salarial na base de cálculo, na forma da Súmula 264 do TST.
Não se cogita de compensação, ante a ausência de pagamentos sob iguais títulos da condenação, notadamente em se
considerando que a reclamada não comprovou que a importância de R$197,77, depositada em 27/02/2018, dizia respeito
às horas suplementares reconhecidas na mensagem de id n. d6df789, p.18.
Por decorrência, rejeito o apelo (TRT, 2019).
Por conseguinte, em conformidade com o posicionamento da jurisprudência pátria, Melo
(2019 p. 331), aduz que:
Sob o manto da garantia de uma maior comodidade, alguns empresários poderiam enxergar no teletrabalho uma
ferramenta de grande utilidade para aumentar ilegal e excessivamente sua produtividade, o que acabou tomando força pela
inclusão do regime do teletrabalhador no art. 62, inciso III.
Critica a esta redação, é no sentido de que em um mundo globalizado como o nosso atual,
não é razoável que o teletrabalhador não tenha horário para início e fim do expediente. Tal
dispositivo gera uma sobre jornada do teletrabalhador e com isso o mesmo poderá adquirir
doenças, inclusive de cunho psicológico. Podemos citar como exemplo a síndrome de burnout,
crises de ansiedade, estresse, crises de pânico, depressão entre outras.
Neste contexto é o entendimento de Souza (2019 p. 42) ao aduzir que:
A implementação do home office é o mais novo desafio do mundo contemporâneo, mas perfeitamente viável, desde que
haja empenho em promover mudanças eficazes, não só no mobiliário e ambiente físico, mas também em aspectos
cognitivos que possam afetar a sua saúde mental.
Em consonância com esse posicionamento é o entendimento de Delgado (2018 p. 1066):
A CLT cria apenas uma presunção – a de que tais empregados não estão submetidos, no cotidiano laboral, a fiscalização e
controle de horário, não se sujeitando, pois, à regência das regras sobre jornada de trabalho. Repita-se: presunção jurídica
... e não discriminação legal. Desse modo, havendo prova firma (sob ônus do empregado) de que ocorria efetiva
fiscalização e controle sobre o cotidiano da prestação laboral, fixando fronteiras claras à jornada laborada, afasta-se a
presunção legal instituída, incidindo o conjunto das regras clássicas concernentes à duração do trabalho.
Sem dúvidas, a Lei nº 13.467/17 foi importantíssima de forma geral para o ordenamento
jurídico trabalhista, todavia, inúmeras disposições foram fortemente criticadas, principalmente
referentes ao teletrabalho.
Por essa razão, foi criada a Lei nº 14.442/2022 que alterou diversasdas disposições acima
mencionadas, bem como incluiu novas disposições.
3 PONDERAÇÕES DO TELETRABALHO SOB A ÓTICA DA LEI Nº 14.442/2022 
No tópico acima analisamos as inovações do teletrabalho promovidas pela Lei nº
13.467/2017.
Ocorre que, em razão da pandemia do coronavírus iniciada em meados de março de 2020,
que impossibilitou as pessoas de saírem de casa, haja vista as recomendações para fechamento
de indústrias, comércio, entre outros setores da economia, as empresas e os empregados
tiveram a necessidade de se submeterem ao trabalho fora das dependências do empregador,
pela utilização do teletrabalho.
Nesse sentido, constatou-se que a legislação trazida pela reforma trabalhista precisava ser
aperfeiçoada, para tentar aproximar a Lei as novas situações fáticas existentes na relação de
trabalho.
Assim, foi publicada Lei nº 14.442/2022 que alterou algumas das disposições do
teletrabalho previstas na CLT.
Inicialmente o artigo 75-A da CLT. A Lei nº 14.442/2022 não alterou este dispositivo e,
portanto, continua vigente a redação da Lei nº 13.467/2017. Apenas para relembrar que a
redação do artigo 75-A menciona que a regulamentação do teletrabalhador será regida pelas
disposições do capítulo II-A, “Do Teletrabalho” (BRASIL, 2022).
Todavia, em relação ao artigo 75-B da CLT, este sofreu profunda alteração pela Lei nº
14.442/2022. A nova redação alterou o “caput” do artigo e excluiu o parágrafo único existente
e acrescentou nove novos parágrafos.
Como podemos observar o artigo 75-B foi drasticamente alterado pela nova legislação,
sendo alterado inclusive o conceito de teletrabalho.
Pela nova redação o teletrabalho ou trabalho remoto é a prestação de serviços fora das
dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de
tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não configure trabalho
externo.
Verifica-se que a polêmica relacionada à palavra “preponderantemente” foi encerrada pela
nova legislação, tendo em vista que o empregado em regime de teletrabalho pode ser aquele
que presta serviços de forma preponderante ou não, fora das dependências da empresa.
Portanto, concluímos que inexiste qualquer critério para configuração do teletrabalhador,
cabendo às partes no ato da contratação estabelecer o regime presencial ou de teletrabalho.
Critica a redação apenas no sentido de que a Lei não precisaria mencionar a expressão
“preponderante ou não”, haja vista que inexiste atualmente qualquer critério para
caracterização do teletrabalhador.
O §1º do novo artigo 75-B, praticamente reproduz o disposto no parágrafo único da redação
da reforma trabalhista, incluindo apenas no final da redação a palavra “trabalho remoto”
(BRASIL, 2022).
Assim, para a Lei, o comparecimento, ainda que de modo habitual, às dependências do
empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado
no estabelecimento continua não descaracterizando o regime de teletrabalho ou trabalho
remoto (BRASIL, 2022).
A redação do §2º traz uma novidade, qual seja a possibilidade do teletrabalhador prestar
serviços por jornada ou por produção ou tarefa. Nesse sentido, há possibilidade de contratação
de um teletrabalhador para um serviço especifico ou ainda para obra especifica (BRASIL,
2022).
Nesse sentido, o §2º deve ser estudado conjuntamente com a alteração do artigo 62, inciso
III da CLT.
O artigo 62, III da CLT também foi alterado pela Lei nº 14.442/2022, passando a prever a
seguinte redação: “Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: [...] III -
os empregados em regime de teletrabalho que prestam serviço por produção ou tarefa”
(BRASIL, 2022).
A nova redação traz uma importante mudança. Se com o texto da Lei nº 13.467/2017 o
teletrabalhador era excluído do capítulo referente à jornada de trabalho, a legislação atual
alterou esse entendimento prevalecendo que em regra o teletrabalhador deverá ser submetido
ao controle de jornada, e apenas os teletrabalhadores que prestam serviço por produção ou
tarefa estão excluindo do controle de jornada (BRASIL, 2022).
Nesse sentido, retornando a análise do §3º do artigo 75-B, o mesmo apenas reproduz o
mencionado no parágrafo acima, no sentido de que se ao teletrabalhador contratado por
produção ou tarefa, não se aplicarão a disposições referentes a jornada de trabalho (BRASIL,
2022).
O § 4º do artigo 75-B vem trazer uma diferenciação entre o teletrabalhador e aqueles que
realizam trabalho remoto com o operador de telemarketing ou de tele atendimento (BRASIL,
2022).
Para a nova legislação não se confunde o regime de teletrabalho ou trabalho remoto com a
ocupação de operador de telemarketing ou de tele atendimento.
Em relação ao §5º do artigo 75-B, este tenta de certa forma delimitar o que seria tempo á
disposição do empregador no regime de teletrabalho (BRASIL, 2022).
Assim, o tempo de uso de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária, bem
como de softwares, de ferramentas digitais ou de aplicações de internet utilizados para o
teletrabalho, fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à
disposição ou regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo
individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Portanto, a regra aqui é a que o uso de tecnologias durante o intervalo para refeição e
descanso, antes e após a jornada de trabalho não seriam considerados tempo à disposição da
empresa. A exceção seria se nessas hipóteses houvesse previsão em acordo coletivo de
trabalho ou convenção coletiva de trabalho.
A redação do § 6º vem ampliar a aplicação do regime de teletrabalho ou trabalho remoto
aos aprendizes e aos estagiários (BRASIL, 2022).
Em relação aos aprendizes, em tese, não há maiores problemas, haja vista que a Lei
possibilita o comparecimento do trabalhador na empresa, e assim, caso necessário alguma
tarefa pratica que exija o comparecimento do aprendiz na empresa este poderia aparecer na
companhia para a realização do trabalho. Ademais, o aprendiz está previsto na CLT e por essa
razão o teletrabalho pode ser aplicado ao mesmo.
Já em relação ao estagiário, embora a intenção da Lei fosse a melhor possível, vislumbra-se
certa incompatibilidade. Isso porque o estagiário possui relação de trabalho e não relação de
emprego, sendo regido por Lei especifica (Lei nº 11.788/08). Portanto, em tese a CLT não
seria aplicável ao estagiário ante a existência da lei especifica mencionada. Com essa
autorização da nova legislação em se aplicar o teletrabalho ao estagiário, as discussões aqui
apresentadas demonstram a possível existência de discussões jurídicas acerca da aplicação de
outros direitos previstos na CLT ao estagiário.
O § 7º do artigo 75-B da CLT veio definir quais os acordos coletivos de trabalho e as
convenções coletivas de trabalho devem ser aplicados ao teletrabalhador (BRASIL, 2022).
Aos teletrabalhadores serão aplicadas as disposições previstas na legislação local e nas
convenções e nos acordos coletivos de trabalho relativos à base territorial do estabelecimento
de lotação do empregado. Ou seja, se a empresa possui sede em São Paulo e contrata um
teletrabalhador para prestar serviços do Estado do Rio de Janeiro, a este teletrabalhador serão
aplicadas as disposições previstas no acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho de São
Paulo, vez que a empresa possui estabelecimento na cidade paulista.
Com o aperfeiçoamento do teletrabalho a legislação teve também que estipular a hipótese
do empregado contrato no Brasil para prestar serviços no exterior como teletrabalhador.
Para esta hipótese foi criado o §8º que estabelece que ao contrato de trabalho do empregado
admitido no Brasil que optar pela realização de teletrabalho fora do território nacional aplica-
se a legislação brasileira, excetuadas as disposições constantes da Lei nº 7.064, de 6 de
dezembro de 1982, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes (BRASIL, 2022).
Por fim, § 9º do novo artigo 75-B dispõe que acordo individualpoderá dispor sobre os
horários e os meios de comunicação entre empregado e empregador, desde que assegurados os
repousos legais. Assim, este artigo revela a ideia da nova regra do artigo 62 da CLT, de que o
teletrabalhador deverá possuir controle de jornada, excetuando apenas aqueles que trabalhem
por produção ou tarefa (BRASIL, 2022).
O artigo 75-C da CLT trouxe uma alteração no texto do seu “caput” e incluiu um §3º a este
artigo.
A redação anterior do “caput” fazia menção a necessidade de dois requisitos para que o
empregado seja um teletrabalhador, quais fossem: a previsão expressa no contrato individual
de trabalho e a especificação das atividades realizadas pelo empregado.
A nova redação excluiu o requisito da especificação das atividades realizadas pelo
empregador, e, portanto, atualmente prevalece à existência apenas do requisito da previsão
expressa no contrato individual de trabalho.
Já o novo §3º veio definir que o empregador não será responsável pelas despesas
resultantes do retorno ao trabalho presencial, na hipótese de o empregado optar pela realização
do teletrabalho ou trabalho remoto fora da localidade prevista no contrato, salvo disposição em
contrário estipulada entre as partes. Ou seja, se o empregado foi contratado para trabalhar em
São Paulo, mas prestava o serviço de teletrabalho na cidade do Rio de Janeiro, por sua escolha,
caso a empresa determine o retorno do trabalhador ao regime presencial, esta não será
responsável pelo pagamento de eventuais despesas com a mudança.
Mais uma vez, há crítica nesse sentido, pois ignora a ideia de alteridade a ainda desrespeita
o princípio da inalterabilidade contratual lesiva (BRASIL, 1943).
Os §§1º e 2º do artigo 75-C não foram alterados pela Lei nº 14.442/2022, e assim, passa a
continuar valendo o texto da reforma trabalhista referente as hipóteses de alteração do regime
de trabalho presencial para o tele presencial e vice e versa.
Os artigos 75-D e 75-E da CLT também não foram alterados pela Lei nº 14.442/2022, e,
portanto, prevalecem as disposições referentes aos direitos e obrigações e as normas de saúde,
higiene e segurança.
Por último, cabe destacar uma novidade trazida pela Lei nº 14.442/2022. A instituição do
artigo 75-F da CLT. Este artigo 75-F vem trazer uma regra de prioridade e inclusão, pois prevê
que os empregadores deverão dar prioridade aos empregados com deficiência e aos
empregados com filhos ou criança sob guarda judicial até 4 (quatro) anos de idade na alocação
em vagas para atividades que possam ser efetuadas por meio do teletrabalho ou trabalho
remoto (BRASIL, 2022).
Portanto, essas foram as alterações e novas disposições do teletrabalho que prevalecem
atualmente na legislação trabalhista, contudo, apesar das mudanças realizadas que aparentam o
objetivo de suprir as falhas apontadas na legislação anterior, não se mostrou possível uma
análise jurisprudencial acerca das mudanças, tendo em vista a sua novidade.
Assim, é esperado que a jurisprudência, ao analisar as mudanças apresentadas pela Lei
nº14.442/2022 venha para suprir as faltas e as lacunas outrora existentes.
4 VANTAGENS E DESVANTAGENS DO TELETRABALHO
É evidente que o teletrabalho transformou a vida dos empregados e empregadores de todo
mundo.
Por essa razão, com a construção do presente arquivo é possível considerar o levantamento
de algumas vantagens e algumas desvantagens em relação à instituição e legislação acerca do
teletrabalho.
Em relação às vantagens, foi levantado as seguintes:
- Otimização do tempo.
- O empregado possui maior contato com a família, amigos, comunidade e política.
- O empregado possui maior tempo para buscar uma qualificação profissional.
- Os empregadores tiveram redução de custas com aluguel, alimentação, transporte e vestuário.
Também é o entendimento de MELO (2020, p. 24):
Para a empresa, suas principais vantagens estão na redução do espaço imobiliário, com diminuição de custos inerentes à
aquisição de locais, alugueis manutenção, transporte, etc.
Por sua vez, em relação às desvantagens elencou-se as seguintes:
- A dificuldade natural do trabalhador em separar o tempo de trabalho com o tempo de outras
atividades.
- A ausência de contato físico dos trabalhadores pode prejudicar a reivindicação de direitos e
gerar problemas emocionais e psicológicos.
- A dificuldade com a fiscalização no meio ambiente de trabalho.
É evidente que com o passar do tempo novas vantagens e desvantagens irão surgir, todavia,
a pesquisa que se desenvolveu até o presente momento possibilitou extrair as acima
estipuladas enquanto as principais.
5 CONCLUSÃO
Frente o desenvolvimento da presente pesquisa que contou com a análise da legislação mais
atualizada acerca do tema, o diálogo com a doutrina e as jurisprudências é possível extrair, a
título de ponto conclusivo que o teletrabalho é uma modalidade de emprego que veio para
ficar, portanto, é preciso uma agilidade, por parte dos legisladores e dos julgadores quanto à
existência das legislações e suas interpretações, evitando que direitos sejam violados ou
suprimidos.
Nesse contexto, a primeira busca por essa regulação foi verificada com o advento da
legislação, que em um primeiro momento trouxe regulamentação para a existência daquele
instituto, todavia com a pandemia novas situações foram criadas, sendo necessária uma revisão
dos dispositivos trazidos pela Reforma Trabalhista.
Assim, foi possível trazer à tona o modo como a nova legislação trouxe diversas alterações
e novos dispositivos, ampliando assim a regulamentação do teletrabalhador, mas ao mesmo
tempo trouxe novos questionamentos que caberão à doutrina e à jurisprudência ponderar suas
resoluções.
Outrossim, é inconteste que, com o advento dessas novas relações de trabalho, como restou
demonstrado novas situações irão surgir e a Lei deverá ser constantemente revisada e
discutida, a fim de aproximar o teletrabalho as novas exigências sociais.
Até o presente momento os resultados extraídos deste novo instituto evidenciam que as
empresas obtiveram redução de custos com os empregados inerentes a concessão de vale
transporte, bem como, redução nos custos com alugueis, conta de luz e conta de água. Mais
importante que as reduções de custos, foi a maior produtividade dos empregados, que
atualmente conseguem acessar o ambiente de trabalho a qualquer dia e horário.
Em relação aos empregados, podemos extrair como resultados, a maior otimização do
tempo, pois não precisam utilizar transporte publico ou privado para chegar até o emprego, à
proximidade com a família e o maior tempo para obter novas qualificações profissionais.
Contrapartida, há o isolamento do trabalhador, pois ele passa a executar suas atividades em
um espaço no qual tem ausência de contato físico para com outros trabalhadores, podendo
desenvolver problemas de saúde, principalmente de ordem psicológica, condição que apesar de
não ser o objetivo deste trabalho, merece ser citada, pois afeta diretamente os direitos morais
do trabalhador.
REFERÊNCIAS
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após a reforma trabalhista. Ixtlan. 2019 (ebook), s/p.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988.
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em 26
out 2022.
BRASIL. DECRETO-LEI Nº 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943. Aprova a Consolidação das
Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del5452.htm Acesso em 26 out 2022.
BRASIL. LEI Nº 13.467, DE 13 DE JULHO DE 2017. Altera a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nº
6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991,
a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm. Acesso em 26 out
2022.
BRASIL. LEI Nº 14.442, DE 2 DE SETEMBRO DE 2022. Dispõe sobreo pagamento de
auxílio-alimentação ao empregado e altera a Lei nº 6.321, de 14 de abril de 1976, e a
Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de
1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2022/lei/L14442.htm. Acesso em 26 out 2022.
BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da da 2ª Região (TRT). Processo nº: 1001034-
30.2021.5.02.0372. 2022. Data: 25-04-2022. Órgão Julgador: 1ª Turma - Cadeira 5 - 1ª Turma.
Relator(a): Sueli Tome da Ponte. Disponível em: https://juris.trt2.jus.br/jurisprudencia/ Acesso
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BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da da 15ª Região (TRT). Processo: 0010477-
19.2018.5.15.0096. 2019. Data: 23-10-2019. Órgão Julgador: 2ª Câmara - Relator(a): Patrícia
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DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 18 ed. São Paulo: LTr, 2019.
MELO, Luiz Fernando de. Teletrabalho em tempos de corona-vírus. sem editora. 2020
(ebook), s/p.
MELO, Luiz Fernando de. Horas extras no regime de tele-trabalho (home office) de acordo
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SOUZA, André Aguerri Pimenta de. Home office: cuidados com sua saúde física e mental.
sem editora. 2021 (ebook), s/p.
CAPÍTULO SETE
SUMÁRIO: Introdução. 1. A sociedade do cansaço. 2. A mudança das relações sociais de consumo e de trabalho. 3. Direito
à desconexão. 4. Conclusão.
RESUMO: Nos dias atuais, a internet é parte fundamental na vida da sociedade, inclusive, sendo uma ferramenta para as
atividades diárias, como por exemplo: de locomoção, esportes, finanças, alimentação, saúde e, principalmente, de trabalho.
Sua conexão veloz e sem fronteiras liga qualquer ser humano a qualquer lugar do mundo com apenas um clique. Com os
avanços tecnológicos surgem também novos meios operacionais de trabalho sempre visando a rapidez e a eficiência da
produção laboral, seja por aplicativos de mensagens, ligações de vídeo, e-mails, SMS ou, até mesmo, ligações de voz. Ou seja,
há cada vez mais conexão e tecnologia entre os seres humanos. Ainda falando de trabalho, o empregado se submete ao
excesso de conexão buscando cumprir as metas estipuladas, a satisfação de seu superior hierárquico e o anseio por novos
cargos melhores qualificados. Assim, o direito à desconexão torna-se cada vez mais obsoleto, pois a incomunicabilidade -
mesmo que em seus momentos legais de descanso (férias, descanso semanal remunerado, intervalo interjornada e interjornada,
etc.) – faz do ser humano um profissional improdutivo, logo, descartável e prejudicial para empresa. De modo negativo, os
seres humanos estão desenvolvendo cada vez mais patologias psíquicas (depressão, Síndrome de Bornout, Transtorno do
déficit de atenção com hiperatividade - Tdah) agindo de modo imediato e ansioso, afinal, a internet traz consigo uma falsa
sensação de liberdade e de autonomia profissional.
Palavras-chave: sociedade do cansaço; direito à desconexão; relações de trabalho; tecnologia no trabalho.
ABSTRACT: Nowadays, the internet is a fundamental part of society’s life, including being a tool for daily activities,
locomotion, sports, food and, mainly, work. Its fast and borderless connection connects any Human Being anywhere in the
world with just one click. With technological advances, new operational means of work also emerge, always aiming at the
speed and efficiency of work production, whether through messaging applications, vídeo calls, emails, SMS or voice calls. In
other words, there is more and more connection and technology between Human Beings. Still talking about work, the
employee submits to the excess of connection seeking to fulfill the stipulated goals, the satisfaction of his hierarchical superior
and the yearning for new, better qualified positions. Thus, the Right to Disconnect becomes increasingly obsolete, as
incommunicability - even in their legal moments of rest (vacation, Weekly Paid Rest, inter-working break, inter-working etc.)
- makes the Human Being an unproductive professional, therefore, disposable and harmful to the company. In a negative way,
Human Beings are increasingly developing psychic pathologies (depression, Burnout Syndrome, Attention Deficit
Hyperactivity Disorder - ADHD) acting immediately and anxiously, after all, the internet brings with it a false sense of
freedom and profesional autonomy.
Keywords: tiredness society; right to disconnect; labor relations; technology at work.
INTRODUÇÃO
As novas formas de relações da sociedade hodierna acabam por impor a todos os indivíduos
o estreitamento de suas relações pessoais por meio virtual, bem como desenvolvimento de suas
atividades mais simples e rotineiras por meio de toda sorte de sites e aplicativos. Para além das
interações humanas por redes sociais, atualmente quase tudo é possível (ou passível) de
utilização de funcionalidades virtuais: fazer compras, promover estudos, usufruir de lazer,
realizar deslocamentos, contratar transportes e empreender cuidados com a saúde – para citar
alguns exemplos.
Tal digressão se faz necessária para que, de partida, seja possível vislumbrar que, de um
lado, há seres humanos ávidos por consumir rápida e volumosamente toda sorte de serviços e
produtos que são continuamente colocados à disposição; de outro, que há trabalhadores que se
inserem voluntária e isoladamente em tais cadeias de entregas de produção e serviço e que
tanto um quanto outro (mas especialmente os últimos) compõem uma significativa parcela da
sociedade à beira do profundo esgotamento emocional.
O presente trabalho tem por escopo demonstrar o impacto dessas transformações no
indivíduo, utilizando como alicerce a ótica do trabalho de Byung-Chul Han, em sua obra
Sociedade do Cansaço, a fim de demonstrar como as novas relações de trabalho –
descentralizadas e sem hierarquia, ditas uberizadas – conduzem ao estado geral de
esgotamento da nossa sociedade, decorrente especialmente da falsa sensação de liberdade e do
excesso de positividade, que impelem os indivíduos à autoexploração.
Inegável que a tecnologia tem proporcionado a facilitação do consumo, da interação e do
trabalho, rompendo limitações físicas e possibilitando o desenvolvimento das mais diversas
atividades em horários e locais. No entanto, o excesso de conexão mantém os seres humanos
ininterruptamente ligados a dispositivo eletrônicos (computadores e celulares, especialmente),
afetando o repouso dos indivíduos e reduzindo os necessários períodos de recuperação humana
após uma jornada ativa.
Embora a legislação atual não preveja o direito à desconexão, a discussão sobre o tema tem
assumido centralidade quando consideradas as relações de emprego e as atividades autônomas
de trabalho, restando a ideia mais estruturada em outros países. No entanto, a despeito de uma
previsão legal específica, é necessário que se reconheça como decorrência lógica dos direitos
fundamentais do indivíduo no exercício de suas atividades profissionais, bem como mister que
se vislumbre que o adoecimento dos indivíduos produz efeitos nefastos e irreversíveis por toda
sociedade, que passa a viver uma verdadeira epidemia de doenças psicológicas.
O remédio para tal epidemia, portanto, passa pelo reconhecimento de que o ser humano
necessita de um tempo de não-conexão, para que se dedique ao repouso e à recuperação
mental. Desse modo, buscando uma melhor elucidação da problemática em questão, expor-se-
á sobre a (i) sociedade do cansaço, (ii) a mudança das relações sociais de consumo e de
trabalho e o (iii) direito à desconexão. Ato contínuo, através das considerações finais, será
possível notar que nem sempre evolução é sinônimo de melhoria e, de modo análogo, nem
sempre é bom estar conectado à tecnologia e desconectado com a vida.
Assim, em se tratando da metodologia lidada, utilizar-se-á o método dedutivo,
especialmente, através de fontes jurídicas, pesquisas bibliográficas, pesquisas legislativas,
periódicos e monografias.1 A SOCIEDADE DO CANSAÇO
O livro Sociedade do Cansaço é um ensaio produzido pelo filósofo sul-coreano Byung
Chun Han, que parte de uma análise fundada nos pensamentos de Michel Foucault, Nietzsche
e Hannah Arendt (dentre outros), para formular um pensamento crítico em relação às formas
de sociabilidade e às enfermidades que as relações sociais atuais produzem nos indivíduos.
Na sociedade do cansaço, segundo HAN (2015, p. 17),
O explorador é ao mesmo tempo o explorado. Agressor e vítima não podem mais ser distinguidos. Essa
autorreferencialidade gera uma liberdade paradoxal que, em virtude das estruturas coercitivas que lhe são inerentes, se
transforma em violência. Os adoecimentos psíquicos da sociedade de desempenho são precisamente as manifestações
patológicas dessa liberdade paradoxal.
Para chegar a tal afirmação, o autor parte de uma análise das epidemias inerentes a cada
época da vida em sociedade, pontuando que cada fase da sociedade ostenta epidemias que lhe
são peculiares, tais como as doenças bacteriológicas ou virais – apontando que o século XXI,
ao revés, é marcado pelas patologias de ordem neural, que surgem pelo excesso de
positividade.
Neste mesmo sentido, HAN (2015, p. 7-8) acrescenta:
Doenças neuronais como a depressão, transtorno de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade (Tdah), Transtorno
de personalidade limítrofe (TPL) ou a Síndrome de Burnout (SB) determinam a paisagem patológica do começo do século
XXI. Não são infecções, mas enfartos, provocados não pela negatividade de algo imunologicamente diverso, mas pelo
excesso de positividade. Assim, eles escapam a qualquer técnica imunológica, que tem a função de afastar a negatividade
daquilo que é estranho.
Em outras palavras, nenhuma das doenças que acometem massivamente a sociedade
(TDAH, depressão ou burnout, por exemplo) decorrem de infecções por agentes biológicos,
mas do excesso de positividade da nossa sociedade. Assim, as patologias psicológicas não
podem ser combatidas por técnicas imunológicas já conhecidas.
É preciso, portanto, que se compreenda que os discursos de positividade são marcados
pelas mensagens positivas e pelos discursos das metas a serem alcançadas, o que acaba criando
uma sociedade do desempenho. Tal sociedade do desempenho se opõe à sociedade disciplinar
delineada por Michel Foucalt, na qual o indivíduo era constantemente vigiado e qualquer
desvio de conduta é punido – focado em desempenho, o indivíduo baseia sua conduta pelo
método regulamentar, de ordem e organização que se verifica em quartéis, presídios, fábricas e
hospitais, por exemplo. No entanto, o filósofo em estudo assevera que a nossa sociedade
mudou e passou a ocupar diferentes núcleos com os mais diversos escopos, como academias,
escritórios, shoppings: cenários em que os sujeitos de obediência passaram a ser empresários
de si mesmos.
Nesse ponto, Han aponta que o objetivo da sociedade do desempenho é exclusivamente o
de maximizar a produção, mas que, no entanto, o sujeito do desempenho não se desconecta
completamente da noção de “dever” característica do sujeito de obediência da sociedade
disciplinar, funcionando a disciplina como uma etapa para o aumento de produtividade. Nesse
sentido (HAN, 2018, p. 15):
A partir de determinado ponto da produtividade, a técnica disciplinar ou o esquema negativo da proibição se choca
rapidamente com seus limites. Para elevar a produtividade, o paradigma da disciplina é substituído pelo paradigma do
desempenho ou pelo esquema positivo do poder, pois a partir de um determinado nível de produtividade, a negatividade
da proibição tem um efeito de bloqueio, impedindo um maior crescimento. A positividade do poder é bem mais eficiente
que a negatividade do dever. Assim o inconsciente social do dever troca de registro para o registro do poder. O sujeito de
desempenho é mais rápido e mais produtivo que o sujeito da obediência. O poder, porém, não cancela o dever. O sujeito
de desempenho continua disciplinado. Ele tem atrás de si o estágio disciplinar. O poder eleva o nível de produtividade que
é intencionado através da técnica disciplinar, o imperativo do dever. Mas em relação à elevação da produtividade não há
qualquer ruptura; há apenas continuidade.
O indivíduo, então, passa a usufruir de uma sensação de liberdade, pois o sujeito do
desempenho não sofre uma coação externa que o força a trabalhar. Porém, imbuído pela
obtenção do máximo desempenho e pelos resquícios do dever, ele mesmo se submete ao
trabalho exaustivo – por muitas vezes ultrapassando exacerbadamente a sua jornada normal de
trabalho ou, ainda, abdicando de seus descansos expressos na Lei Maior.
Em tal transição, em suma, os sujeitos saíram das relações com proibições e mandamentos
para entrarem em projetos, movidos pela iniciativa e pela motivação. Assim, o sujeito de
desempenho se torna mais rápido e mais produtivo que o sujeito de obediência; no entanto, a
sociedade do desempenho produz mais depressivos e fracassados. Diz Han (2017, p. 29):
O sujeito de desempenho encontra-se em guerra consigo mesmo. O depressivo é o inválido dessa guerra internalizada. (...)
O sujeito de desempenho está livre da instância externa de domínio que o obriga a trabalhar ou que poderia explora-lo. É
senhor e soberano de si mesmo. Assim, não está submisso a ninguém ou está submisso apenas a si mesmo. É nisso que ele
se distingue do sujeito de obediência. A queda da instância dominadora não leva à liberdade. Ao contrário, faz com que
liberdade e coação coincidam.
As potencialidades a serem exploradas e esgotadas pelo indivíduo tornam o poder (isto é,
todas as potencialidades a serem exercidas pelo indivíduo) em um dever e a depressão surge
do esforço constante e inesgotável do sujeito em ser ao máximo ele mesmo (e em atingir o
máximo de seu potencial). O sucesso, então, resume-se à força de vontade individual, em que
tudo depende exclusivamente do próprio indivíduo, acabando por conduzi-lo a uma
autoexploração, movido por uma falsa sensação de liberdade. O esgotamento que conduz à
depressão e outros estados de perturbação neuronal, portanto, não se vinculam somente à
obrigatoriedade de obedecer a si mesmo (resíduo do dever), mas também à maneira imperativa
que o desempenho se impõe na sociedade (máxima do sujeito de desempenho).
O excesso de positividade, portanto, acaba causando uma fadiga geral pelo excesso de
estímulos ao qual o sujeito é submetido. Nesse ponto, mister destacar que a habilidade
individual de desempenhar tarefas simultâneas (multitarefas) não é necessariamente um sinal
de evolução. Ao revés, é uma característica de retrocesso, já que é uma habilidade inerentes a
animais selvagens. Os indivíduos, tal e qual os animais para sobreviverem à natureza,
tornaram-se multitarefa, fragmentando atenção e tempo em várias direções o que, também,
conduz ao esgotamento mental.
O filósofo ainda aborda em sua obra outras consequências da violência neuronal à qual os
indivíduos da sociedade do cansaço estão submetidos, como a crítica ao aumento de estímulos
na sociedade atual, que conduz à falta de condições para a contemplação, defendendo a
oportunidade para fruição do tédio profundo, elemento essencial à contemplação e ao
descanso. Aponta-se, portanto, que o tédio é importante para o fluxo de ideias, para incremento
do dom da escuta e para a atenção profunda.
Chega-se ao último capítulo da obra com a exposição, pelo autor, da ideia de cansaço, em
que há uma exacerbação do desempenho que conduz ao esgotamento, ao cansaço excessivo
que acaba por isolar o indivíduo – a violência neuronal e seus efeitos psíquicos são coletivos,
porém, são vividos e sentidos individualmente.
2 A MUDANÇA DAS RELAÇÕES SOCIAIS DE CONSUMO E DE TRABALHO
É notável que, nos dias atuais, a tecnologia e sua evolução estão presentes no dia-a-dia do
ser humano e, de forma não diferente, estes também estão presentes na vida laboral do
indivíduo, deste modo, SIQUEIRA JUNIOR (2015, p. 66-67) afirma que:
O mundo da informática passa a integrar a nossa realidade sociale, consequentemente, seguindo o brocardo jurídico ubi
societas, ibi jus (onde houver sociedade, haverá direito), a informática integra o direito. Atualmente, verificamos a
informatização da sociedade. Estamos hoje a uma transformação radical da relação entre informática e a sociedade. A
informática aparece para todos os operadores do direito como uma nova ferramenta de trabalho. O computador eletrônico,
máquina a serviço do homem, penetra rapidamente em todos os setores da vida social. No campo do Direito, o
computador já se mostra como um importante instrumento de trabalho.
Não diferente, as novas relações de trabalho surgem especialmente a partir de modelos de
negócios que se desenvolvem por meio da internet, em uma relação de consumo ou negócio
em que uma plataforma virtual combina a oferta e a demanda por determinada mão de obra e
em que uma infraestrutura digital de terceiro coordena e organiza a atividade econômica sendo
traço digno de nota que, executada a atividade, o consumidor final realiza o pagamento para
aquela empresa que figura como responsável pela plataforma digital de intermediação, para
que esta efetue a retenção de sua parte e, só então, efetue o repasse os valores devidos ao
trabalhador.
Essas empresas, no geral, efetuam a gestão e o tratamento de alguns dados, com a
localização, pagamento e distribuição, repassando ao trabalhador os riscos e os custos da
implantação efetiva da operação. Esta é o que vem se convencionando denominar de
“economia de demanda” ou “economia de plataforma”. Inequívoco, nesse sentido, que a
mudança de padrão de organização social – especialmente quando se considera que o ser
humano saiu do padrão de sujeito de disciplina para o padrão de sujeito de desempenho – tem
repercussão direta na forma de organização das relações de consumo e de trabalho.
Do quanto observado por Han e exposto anteriormente, há alguns elementos centrais que
podem ser identificados nessa mudança das relações de consumo e de trabalho:
1. o crescente estímulo ao consumo rápido e insaciável (excesso de positividade);
2. a saída do indivíduo da sociedade da disciplina, para tornar-se empresário de si mesmo;
3. a busca do máximo desempenho, na qual o único limite para obtenção dos resultados é o
esforço sobre si mesmo (e que conduz à auto exploração);
4. a falsa sensação de liberdade já que, aparentemente, as formas de trabalho derivadas de tal
configuração são produto de uma opção de trabalho livre, pois o indivíduo pode construir seus
horários de acordo com suas expectativas de vida e de ganhos financeiros.
O primeiro reflexo é percebido na faceta do consumo, dado que o excesso de mensagens
positivas sobre a aquisição de bens e fruição de serviços enseja um transbordamento do
materialismo e da acumulação. O consumo é agressivamente estimulado por todos os meios de
comunicação existentes e a busca da satisfação passa a estar atrelada à possibilidade de
detenção e de exibição de grandes quantidades de bens e serviços.
Na busca infindável por ter o máximo de si mesmo, as relações de consumo se
potencializam, posto que geram momentâneas sensações de prazer e de realização: a satisfação
das necessidades passa pela demonstração de prestígio e sucesso, fatores decisivos para
obtenção de reconhecimento social.
Porém, a faceta mais agressiva está relacionada à flexibilização das relações de trabalho,
sob o manto do empreendedorismo, conduzindo ao modelo de uberização das relações de
trabalho.
No dizer de SOUZA (2021, p. 3):
A dimensão do trabalho é ressignificada e reorganizada por plataformas digitais que instituem a chamada uberização:
rótulo para trabalhadores empreendedores que são remunerados por tarefa, demandas ou horas, que inaugura a falsa ideia
do empregador de si mesmo sem qualquer tipo de garantia de jornada ou rendimentos, o que incide em implicações
importantes na dinâmica da gestão e nova organização da força de trabalho, uma vez que não há compromisso explícito de
continuidade e oscilação de renda salarial.
Nesse ponto, mister uma ressalva de que, não obstante o nome remeta à plataforma de
transportes Uber, tal forma de relação de trabalho vem sendo explorada por diversas outras
empresas ao redor do mundo.
Da combinação dos elementos da economia de plataformas com as características que
resultam em uma sociedade do cansaço tem-se que o indivíduo, para obter o máximo de
desempenho, torna-se empresário de si mesmo imbuído da sensação de liberdade e da crença
de que seus ganhos e sucesso dependem exclusivamente de seus esforços. E que a exibição de
um resultado positivo é o que lhe garantirá reconhecimento social entre seus pares.
O modelo de uberização das relações de trabalho serve, em última análise, ao modelo
capitalista de produção, posto que permite ampliar, praticamente sem adição de custos, a
escala de produção de bens e serviços, atendendo ao consumo maximizado e atingindo
sobremaneira a parcela da população que se encontra em estado de desemprego, enfrentando
condições adversas para recolocação no mercado de trabalho formal e que estão dispostas a
assumir qualquer ocupação remunerada. É a brecha de liberdade que o capital encontra para
exploração da força de trabalho:
Assim, buscando a subsistência por meio do trabalho, os indivíduos que já não podem atuar profissionalmente em seus
ofícios originais, se dedicam ao “empreendedorismo” ou ao “proletariado de si mesmos”, se sujeitando as condições
impostas pelas plataformas e aplicativos online, provendo suas próprias ferramentas de trabalho, reservando uma parte de
seus ganhos ao grande capital, não sendo reconhecidos como empregados com direitos, de um lado, e de outro, tendo
exigências de condutas, controle, metas financeiras e jornadas de trabalho exacerbadas como seus deveres (FLAUSINO,
REZENDE, BRISOLA, 2022, p. 3)
Portanto, em um cenário social desfavorável, o labor em plataformas – ao contrário do que
é propalado – não é uma opção livre do trabalhador, mas resultado do contexto econômico e
social, que propicia tal opção como solução. Esses indivíduos, portanto, sob o pretexto de
serem empresários de si mesmos, empreendedores cujo sucesso depende apenas da exploração
dos próprios limites, acabam por atuar sob condições precárias, em longas jornadas com
poucas ou nenhuma pausa para descanso e explorando recursos próprios.
Nessa conformação das relações de trabalho, assim sendo, o primeiro aspecto é que os
indivíduos que exploram sua própria força de trabalho deixam de ser reconhecidos como
empregados. O indivíduo, desta maneira, perde a sua identidade como empregado, já que
desconhece os limites da própria atuação (senão o próprio esgotamento), não reconhecendo a
figura de um chefe e a quem está hierarquicamente subordinado, de modo consequente, não
dispondo de representação de classe. Nesse sentido, como previu Han, passam a uma jornada
solitária e individual em seu trabalho.
Não obstante, a perda de identidade como empregado não é o único aspecto a ser
considerado como fator do esgotamento psíquico. Assim como o consumidor de produtos e
serviços na outra ponta, também o indivíduo que desenvolve suas atividades profissionais
recebe constantes estímulos por meio dos algoritmos da plataforma, por exemplo, com a
possibilidade de chamados para uma nova corrida ou uma nova entrega, antes de concluída
aquela que está em curso e; um monitoramento constante de desempenho, com alertas de
atingimento de objetivos e de queda de padrões já alcançados, estimulando o trabalhador a não
optar por se desconectar da plataforma (FRANCO, FERRAZ, 2019).
As plataformas acabam, de tal maneira, determinando diversos padrões de conduta – seja
ao consumidor, seja aos trabalhadores – estabelecendo formas invisíveis de controle de
comportamento, criando necessidades em torno de possibilidades, tempo e metas a serem
conquistadas, conduzindo o indivíduo, inexoravelmente, ao esgotamento psíquico.
3 DIREITO À DESCONEXÃO
Do até aqui exposto, infere-se que a sociedade do cansaço não enxerga o indivíduo como
ente propensoa falhar. Pelo contrário: com toda sorte de estímulos, não permite que o
indivíduo se desligue, ensejando a guerra do ser consigo mesmo em busca de otimização,
conquistas e máximo desempenho. E esse sujeito de desempenho está livre das instâncias de
domínio externo que o obrigue ao trabalho e o explore, levando à auto exploração.
Inequívoca e unânime a constatação de que nossa sociedade vem sofrendo profundas e
intensas transformações – que impactam todas as searas da vida humana. No dizer de
RODRIGUES (2022, p. 15):
Vivemos um novo tempo tecnológico, uma nova era de desenvolvimento científico, tantas vezes referida como revolução
4.0. Assistimos à emergência da economia digital e ouvimos palavras novas que remetem a realidades instigantes e pouco
conhecidas, de que são exemplos as expressões ‘gig economy’ ou economia compartilhada, ‘uberização da economia’ ou
‘capitalismo de plataforma’ (‘crowdwork’ e trabalho sob demanda por meio de aplicativos). (...) No campo das relações de
trabalho, os efeitos da tecnologia (automação acelerada e trabalho por plataformas) envolvem, essencialmente, a extinção
de postos de trabalho e o agravamento do desemprego, impactando negativamente os cofres previdenciários, as políticas
públicas assistencialistas e os programas de qualificação profissional.
Destarte, os indivíduos, impelidos pelo excesso de positividade, pelo empreendedorismo de
si mesmos e pela obtenção de resultados pela máxima exploração de suas potencialidades
acabam por se sobrecarregar para manutenção de um padrão de consumo e de atividades,
impelido pelas necessidades criadas pelas novas conformações sociais. Há uma violência
neuronal intrínseca aos modelos de consumo e de trabalho, passíveis de causar toda sorte de
danos morais e psicológicos.
Conciliando esse cenário com as lições inicialmente expostas de Byung Chul-Han, é de
concluir que a sociedade atual está direta e inexoravelmente submetida às violências mentais
que produzem uma sociedade do cansaço, com consequências que tem como destino a própria
estrutura social da qual se originam – eis as causas do aumento do adoecimento mental da
população.
Como já exposto, uma das críticas de Han à sociedade de cansaço é a perda da capacidade
contemplativa no caminho da busca por uma vida constantemente ativa. Os sujeitos da
sociedade do cansaço acabam por rejeitar o tédio e o repouso, perdendo a habilidade de
promover o estado de atenção profunda. Neste mesmo diapasão, diz Jucá e Damião (2019, p.
398):
Quando há o convívio familiar, o ser não vive em isolamento. Existe a troca de experiências. Esta troca é essencial para
qualquer pessoa, posto que há o compartilhamento de informações e vivências, o que leva o crescimento e
amadurecimento mútuos. As relações sociais são fortalecidas, os laços ratificados, o “porto seguro” estabelecido. Tem-se
a foça ativa da vida, a razão da existência, o projeto de vida. Os pais levam para os filhos os valores e ensinamentos que
receberam de seus pais e assim as gerações vão aprimorando o que os antepassados conheceram. É a perpetuação da
espécie. Corroboram para tal, além da física da comunicação, o amor, o carinho, o respeito, as liberdades.
Isto posto, a vida social e o convívio com seus familiares e amigos são tão importantes
quanto o trabalho, afinal, um empregado com a consciência e o humor descansados e/ou
relaxados é capaz de aumentar a produção da empresa em um número significativamente
maior, bem como, haverá uma relação melhor dentro do ambiente laboral (empregado x
empregador e empregado x empregado). Ressalta-se, também, que há uma melhora na
qualidade do serviço prestado e não somente em sua produção, assim, por muitas vezes, o
descanso ou o direito de se desconectar age como estratégia empresarial.
Ocorre que, a tecnologia e a velocidade de informação fazem com que o
empregado/trabalhador não consiga desconectar de seu trabalho, ou seja, o mesmo levará ao
seu ambiente familiar os problemas de sua vida profissional ou, ainda, em seu período de
descanso estará disponível virtualmente (Whattsapp, Telegram, E-mails, Skype, entre outros)
para seu empregador, assim, perde-se seu direito à desconexão. Ao empregado/trabalhador não
há opção de negar tal conexão, pois, o mesmo precisa de seu emprego para conseguir manter
sua vida digna e custear suas despesas e de seus dependentes, isto é, muitas vezes o empregado
se submete a tal atitude por medo do desemprego e de suas consequências.
[...] os altos empregados estão sujeitos a jornadas de trabalho extremamente elevadas, interferindo, negativamente em sua
vida privada. Além disso, em função da constante ameaça do desemprego, são forçados a lutar contra a
“desprofissionalização”, o que lhes exige constante preparação e qualificação, pois que o desemprego desses trabalhadores
representa muito mais que uma desocupação temporária, representa interrupção de uma trajetória de carreira, vista como
um plano de vida, implicando crise de identidade, humilhação, sentimento de culpa e deslocamento social. (MAIOR, p.
303)
No mesmo sentido, enaltece Pinto (2019, p.326):
O desemprego é fenômeno mundial, obstinado, resistente à todas as tentativas de medicação. Segundo dados da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), o numero de desempregados alcança a cifra de 19,3 milhões, com taxas de
podem variar de 4% a 40% da população apta a trabalhar. No Brasil, alastrou-se durante o governo da presente Dilma
Roussef, quando atingiu o patamar de 14 milhões. A lenta recuperação da economia em 2018, sob o governo de Michel
Temer, provocou o retrocesso da desocupação a 12,2 milhões neste inicio de 2019. Aumenta, todavia, o mercado
informal, ou seja, de trabalhadores por conta própria sem registro em carteira.
Percebe-se, então, que o trabalhador, por muitas vezes, abre mão de sua vida pessoal e
social com medo de ficar desempregado ou, dentre outras hipóteses e procurando um cenário
de melhor feição, para que assim possa lograr êxito em seu anseio pela hierarquia profissional
desejada ou, se o caso, atingir metas inumanas e irreais com a auto exploração de seu próprio
trabalho.
Retificou-se, então, a premissa de que o trabalho dignifica o homem, isto é, hoje, fala-se
que o trabalho em excesso o dignifica, porém, como já sabido por muitos, tudo aquilo
quantificado em excesso faz mal à saúde do ser humano, seja física, mental ou intelectual.
Visando, portando, o direito à desconexão, a Constituição Federal de 1988, especificamente
em seu artigo 7°, IV, ainda que de forma implícita, busca assegurar aos Trabalhadores o
Direito ao Lazer, o que por similaridade engloba o Direito à Desconexão, sendo este crucial ao
Trabalhador para que possa desenvolver uma vida digna, exercer seu direito de cidadão e,
também, de assegurar os mesmos direitos aos seus herdeiros.
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de
sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com
reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.
Pois bem, o Direito supracitado está na Constituição Federal, porém, na prática será que há
uma efetividade em sua aplicação? Nos delineados do presente artigo, busca-se alertar o Ser
Humano, sobretudo o Trabalhador, para os malefícios que a tecnologia traz em suas vidas no
âmbito do trabalho, isto é, torna-se explicito na prática quando o empregado/trabalhador,
mesmo estando em seu descanso amparado por Lei, tem que responder o seu superior
hierárquico em aplicativos e instrumentos tecnológicos ou atender a demanda do trabalho
autônomo. Cita-se, por exemplo, a trabalhadora que no exercício de sua licença gestante
atende ligações de seu chefe, não diferente, o trabalhador que tira uma pausa em suas férias
para responder os e-mails de seus colegas de trabalhoou, ainda, em seu horário intrajornada ou
interjornada o mesmo precisa ficar atento quanto a uma possível reunião online.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST), a contrário sensu, diante da corroboração da
Súmula de número 428, distancia o trabalhador do Direito à Desconexão e ao Lazer, posto que
o mesmo concretiza o regime de Sobreaviso do trabalhador somente quando este, mesmo que
utilizando meios tecnológicos, esteja em regime de plantão ou equivalente, assim diz:
Súmula nº 428 do TST
SOBREAVISO APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 244, § 2º DA CLT (redação alterada na sessão do Tribunal
Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 
I - O uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza
o regime de sobreaviso. 
II - Considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos
telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o
chamado para o serviço durante o período de descanso.
Fez-se, então, a inserção do presente entendimento na Consolidação das Leis do Trabalho,
estando-o expresso em seu artigo 75-B, §5°:
§ 5º O tempo de uso de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária, bem como de softwares, de ferramentas
digitais ou de aplicações de internet utilizados para o teletrabalho, fora da jornada de trabalho normal do empregado não
constitui tempo à disposição ou regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou
em acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Nota-se, portanto, que o respectivo entendimento é, exacerbadamente prejudicial ao
empregado/trabalhador, pois a caracterização de regime de plantão ou semelhante se torna
ludibriável por seu empregador, isto é, o superior hierárquico estará conectado com seu
empregado/trabalhador mesmo que este não esteja em tal regime, logo, não haverá regime de
sobreaviso. É indiscutível, dessa maneira, os malefícios que a legislação, especificamente
neste caso, traz aos seus empregados/trabalhadores.
Dessa forma, o empregado (e o trabalhador de uma forma geral) se distancia cada vez mais
de seu Lazer, haja vista que os mesmos estão intimamente mais conectados com sua atividade
laboral e, desse modo, desconectados com sua vida.
Reforça-se, com isso, a ideia de que as legislações, mesmo com o avanço abrupto da
tecnologia, têm que o acompanhar de modo ainda mais rápido e, não somente isso, tem que se
fazer valer, seja com fiscalização, com sanções ou orientações.
Pondera-se, portanto, que o que se busca é de enaltecer o bem mais precioso e democrático
que o ser humano possui, no caso: a vida. Enfim, desconectar é conectar consigo.
É válido, também, referenciar que a tecnologia não traz consigo somente pontos negativos,
pelo contrário, a mesma possui inúmero pontos positivos seja no ramo educacional com aulas
remotas, seja no ramo alimentício com aplicativos de fast food, seja no ramo financeiro com a
eficiência e rapidez dos aplicativos bancários, seja no ramo de transporte com a facilitação de
locação de carros e localização de motoristas privados e, também, seja no ramo de saúde com a
criação da telemedicina.
CONCLUSÃO
Com o passar dos anos a tecnologia, juntamente com a atividade laboral, vem avançando
abruptamente e, com isso, traz consigo inúmeros problemas que o operador do direito tem de
enfrentar e solucionar. É verdade, também, que tal solução não é unanime, isto é, não será de
agrado a todos, mas, deverá levar em consideração o cenário social atual e, principalmente, o
bem maior do ser humano: a vida.
O indivíduo vem operando toda sorte de máquinas e dispositivos e passa a se comportar
como elas e a nossa sociedade baseada nos excessos de consumo e produção tende a produzir
cada vez mais indivíduos estafados. O que se busca pontuar é que o uso em excesso dos meios
tecnológicos, principal e exclusivamente, no âmbito do trabalho está sobrecarregando o
trabalhador e desenvolvendo patologias irreparáveis, como por exemplo: depressão, Síndrome
de Burnout, déficit de atenção com síndrome de hiperatividade – Tdha, entre outros. Uma
verdadeira epidemia de sofrimentos psíquicos que decorrem, essencialmente da forma de
desenvolvimento das atividades profissionais.
Dito isso, cabe aos órgãos governamentais e à sociedade civil procurar uma solução que
estabeleça a vida e a saúde do ser humano como prioridade, visto que se está caminhando em
sentido contrário ao seu bem estar. Os padrões de autorrealização estão conduzindo os
indivíduos, na verdade, à autodestruição porque o estímulo ao aumento de produtividade afasta
o indivíduo da desconexão e do necessário repouso.
A sociedade de desempenho, tal como descrita por HAN, com a sensação de liberdade e o
estímulo à auto exploração vem conduzindo a uma inegável desregulamentação dos
parâmetros de jornada de trabalho, rompendo barreiras e proibições que sempre foram muito
presentes na sociedade disciplinar. Em outras palavras, não vivemos mais na sociedade do
relógio de ponto, mas na sociedade em que computadores e celulares são o ambiente de
trabalho. Portáveis, tornam o trabalho possível a qualquer tempo, lugar e com qualquer
duração.
Urge reconhecer que nessa jornada de produção e consumo desenfreados, ao indivíduo não
é mais permitido se desconectar. É preciso, para viver em nossa sociedade e ser considerado
produtivo, estar permanentemente conectado. O sucesso passa a estar atrelado ao maior tempo
de conectividade – já que é o meio que permite a obtenção de resultados, o atingimento da
maior produção.
O que se está olvidando é que essa dificuldade de desconexão gerará (como já vem
gerando) certa ausência de produtividade. O indivíduo tende a estagnar quando tomado pelas
consequências dos males psíquicos que desenvolve. A epidemia de violência neuronal produz
um esgotamento crescente que tende a consumir completamente o indivíduo – e os efeitos
irradiam-se por toda sociedade, dado que será formada por pessoas doentes, cansadas e
esgotadas.
Sugere-se, desse modo, pela fiscalização, orientação e, sobretudo, pela sanção das práticas
exaustivas em que empregado e prestador de serviços são expostos diariamente. Em
similaridade, faz-se necessário, também, maior regulamentação de atividades e jornadas
desempenhadas em relação aos aplicativos que permitem o labor autônomo ou qualquer outra
tecnologia que possa vir a surgir no futuro, ainda que distante.
Mister pontuar, nesse sentido, que em 2016 a França aprovou legislação que contempla o
direito à desconexão, regulando o uso de ferramentas digitais para garantir o respeito ao
descanso e a vida pessoal e familiar do empregado. Funciona, portanto, como uma contenção
legislativa, já que tem como escopo limitar o poder diretivo do empregador em relação à
conexão. Embora se trate de significativo avanço legislativo a ser observado, é de se pontuar
que ainda restrito: limita-se às relações de trabalho formalmente constituídas e a empresas que
tenham um certo número mínimo de funcionários, tal previsto em lei.
Assim, urge que eventual legislação a ser editada não apenas contemple a previsão do
direito à desconexão, mas que produza seus efeitos sobre todas as relações de trabalho, sejam
aquelas autônomas, sejam aquelas formais, dado que a mudança de comportamento em relação
aos excessos de conexão é o grande antídoto em para a epidemia de doenças psicológicas que a
sociedade atual atravessa.
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CAPÍTULO OITO
Sumário: Introdução. 1. Como surgiu a expressão ESG?. 2. O trabalho decente. 3. O desenvolvimento econômico e a
valorização do trabalho perante a Constituição Federal de 1988. 4. ESG na prática. 5. Convergência entre ESG, ODS e
direito do trabalho. 6. Desafios pós pandemia e necessária mudança de mindset. Conclusão.
RESUMO: O tema ESG ganha destaque no mundo corporativo incentivado pelo mercado de capitais que assumiu a agenda
da sustentabilidade inserindo em seus propósitos o cumprimento e valorização dos fatores de responsabilidade social,
ambiental e de governança para o fortalecimento das relações econômicas mundiais.
A nova perspectiva de governança global tem os olhos voltados para ações de sustentabilidade ambiental, social e de
governança que perseguidas e trabalhadas em conjunto, agregam valor à empresa e promovem o bem-estar de todos os
personagens envolvidos na cadeia produtiva, impactando positivamente na comunidade, no que se inserem as melhorias nas
condições de trabalho, o incentivo à inclusão, a garantia da justa remuneração, a valorização da éticos, da transparência e da
probidade, que são objetivos sociais, integrantes do fator “S” que integra a sigla.
O momento pandêmico, serviu ainda, para a quebra de paradigmas dantes intransponíveis relativos às relações de trabalho,
causando transformações importantes no seio social que atualmente, valoriza postos de trabalho com jornada híbrida, impondo
relevante mudança de mentalidade no ambiente corporativo a fim de adaptar-se.
Analisar essas transformações sob o enfoque dos fatores ESG é pertinente e necessário, em especial, para se encontrar a
pacificação social necessária para garantir o progresso aliado à valorização do trabalhador.
Palavras-chaves: ESG – valorização – trabalho decente - pandemia
ABSTRACT: The ESG theme is gaining prominence in the corporate world encouraged by the capital market that has taken
on the sustainability schedule, inserting in it’s purposes the fulfillment and appreciation of social responsibility, environmental
and governance factors for the strengthening of global economic relations.
The new perspective of global governance has it’s eyes turned to environmental, social, and governance sustainability actions
that, when pursued and worked on together, add value to the company and promote the well-being of all the characters
involved in the production chain, impacting positively on the community, which includes improvements in working
conditions, the incentive to inclusion, the guarantee of fair remuneration, the appreciation of ethics, transparency, and probity,
which are social objectives, integral to the “S” factor that integrates the acronym.
The pandemic moment has also served to break paradigms that used to be insurmountable regarding labor relations, causing
important transformations in the social environment, which currently values jobs with hybrid working hours, imposing a
relevant change of mentality in the corporate environment in order to adapt.
Analyzing these transformations from the standpoint of ESG factors is pertinent and necessary, especially in order to find the
social pacification needed to ensure progress combined with the valorization of the worker.
Palavras-chaves: ESG – validation – decent work – pandemic
INTRODUÇÃO
Apesar de ser um tema recorrente nos dias atuais, a discussão envolvendo a
sustentabilidade e a adoção de práticas e medidas de responsabilidade social, ambiental e de
governança remonta a décadas anteriores.
Desde a Revolução Industrial é possível se perceber a preocupação em se promover
melhorias no meio ambiente laboral e se combater a degradação das condições de trabalho
impostas aos trabalhadores pelos senhores fabris, consequência de um êxodo rural sem
precedentes que resultou na aglomeração de pessoas nos centros urbanos e a abundância de
mão de obra barata, causando a exploração do trabalhador.
O surgimento das primeiras legislações trabalhistas, regulando a jornada de trabalho e
vedando a contratação de mão de obra infantil marcou o início da conscientização da
sociedade da importância de se combinar a busca pelo lucro com o respeito ao trabalhador. A
transformação cultural foi lenta e ainda se mostra em construção, acompanhando os anseios da
sociedade que se renova rapidamente e impõe ao Estado, às pessoas e aos negócios, um olhar
diferenciado para os temas sociais, ambientais e de integridade corporativa.
A crise sanitária do COVID-19 veio reforçar a importância de se inserir na cultura social e
corporativa a prática de fatores de sustentabilidade, deixando clarividentes as fragilidades
sociais e econômicas por que passa o mundo, e a necessidade de se promover profunda
mudança de pensamento, a níveis globais, para que a agenda da sustentabilidade seja adotada
com rapidez e responsabilidade, visando o fortalecimento da sociedade e o incremento das
atividades econômicas, visando a perenidade das empresas.
Nesse contexto, investir em pessoas se mostrou imprescindível, especialmente, porque
somente o ser humano é capaz de se inovar e trazer soluções imediatas em momento de crise,
fruto de sua inteligência, que nenhuma tecnologia foi, ainda, capaz de superar. As pessoas são,
portanto, oponto de relevância e o propósito maior do desenvolvimento da sociedade, no que
se insere a valorização das relações de trabalho e seu incremento, a submissão às normas do
trabalho, a paridade salarial entre homens e mulheres e a inclusão de minorias em cargos de
poder, especialmente, das mulheres.
Forte nesse propósito os fatores ESG, proveniente das iniciais de três palavras em inglês
(environmental, social and governance) e cunhado em 2004 na publicação referente ao Pacto
Global em conjunto com o Banco Mundial, conhecido Who Cares Wins (quem se importa
ganha ou lucra) tem sido, cada vez mais, objeto de pauta de discussão no ambiente
corporativo.
Isto porque o mercado financeiro ao aderir ao movimento de sustentabilidade, tem
direcionado recursos, com predileção, às empresas que pratiquem, ativamente, os fatores ESG
em sua atividade econômica, que passam a integrar a cultura da corporação.
A adoção de ações que tenham como escopo a responsabilidade sustentável e auferível
nessas três searas (ambiental, social e governança), demonstra, ainda, que a empresa tem
consciência e se preocupa com os efeitos negativos que as suas decisões causaram na
comunidade, buscando, então, minimizar ou mesmo neutralizar eventuais efeitos nocivos,
implementando, ações que visem o benefício de todos os personagens envolvidos na cadeia
econômica: colaboradores, gestores, diretores, fornecedores, terceirizados, consumidores e a
comunidade.
Essa prática tem recebido o nome de “capitalismo de stakeholder” ou capitalismo de
regeneração e tem como ponto central o conceito de que o lucro e o progresso podem caminhar
juntos, de forma sustentável e sustentada, contribuindo para o bem-estar da coletividade. A
busca do lucro pelo lucro se mostra, então, desconectado com a nova ordem social e
econômica, que compreendeu que os efeitos nocivos decorrentes do capitalismo irresponsável,
selvagem e nocivo, podem ser combatidos com a mudança de cultura corporativa e social, bem
como, a adoção de ações práticas voltadas à melhoria das condições de vida das pessoas
envolvidas no ciclo produtivo, no que se incluem: meio ambiente de trabalho sustentável,
salários dignos e justos, reparações a direitos humanos violados.
Vale reconhecer, também, que empresas comprometidas com a sustentabilidade tendem a
se expor a menos riscos, diante do fortalecimento da governança e integridade corporativa,
elevando sua credibilidade, resultando, por fim, na atratividade de novos talentos e maiores
investimentos.
Ao mercado consumidor também se atribui importante parcela de contribuição nessa virada
de mentalidade, uma vez que as novas gerações têm genuína preocupação com a
sustentabilidade, preferindo produtos e serviços alinhados com os propósitos sustentáveis.
Considerando a relevância das pessoas nesse processo de transformação, debater os fatores
ESG como instrumento de valorização do trabalho se mostra pertinente, com destaque aos
desafios apresentados pelo período pandêmico e as soluções encontradas para se garantir o
cumprimento da jornada de trabalho às restrições sanitárias, bem ainda, os reflexos sentidos na
sociedade e que serviram para transformar o seio social, quebrando paradigmas e superando
obstáculos, dantes considerados intransponíveis, valendo como exemplo, a incorporação do
trabalho à distância ou home office nas empresas e órgãos públicos, o que antes da pandemia
não era aceitável, por ser sinônimo de baixa produtividade.
Frente a essa nova sociedade, marcada pela inovação tecnológica, pelo livre acesso à
informação e de acentuado interesse em práticas sustentáveis, interferindo em suas escolhas
consumeristas e laborais, é que se propõem lançar um olhar mais disruptivo aos valores sociais
do trabalho e da livre iniciativa, buscando-se um equilíbrio, sendo que a adoção de práticas de
sustentabilidade pode representar um caminho possível à valorização do trabalhador e das
relações do trabalho.
1 COMO SURGIU A EXPRESSÃO ESG?
O termo ESG foi cunhado no ano 2004 em publicação pioneira de autoria do Banco
Mundial em parceria com o Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) e
instituições financeiras de 9 países, chamada Who Cares Wins171 (Quem se importa ganha ou
lucra, em tradução livre).
À época, o então Secretário-Geral da ONU, Sr. Kofi Annan instigou os 50 maiores CEO’s
das grandes instituições financeiras a inserirem os fatores de sustentabilidade ambiental, social
e de governança no mercado de capitais. Era o pontapé inicial para que uma onda sustentável,
de grandes proporções, atingisse todo o mercado e provocasse mudanças no ambiente
corporativo.
No documento se defendeu o entendimento de que empresas engajadas com causas
socioambientais, preocupadas com o bem-estar das pessoas e adeptas a boas práticas de
governança corporativa alcançavam melhores resultados financeiros, se expunham a menos
riscos e eram mais transparentes, sinalizando ao mercado a adoção de gestão íntegra,
sustentada em valores e comprometida com a responsabilidade ambiental interna e externa à
corporação. Cunhava-se, então, o termo ESG (Environmental, Social and Governance).
Em contribuição ao estímulo de Kofi Annan, em 2015 a ONU propôs aos seus países
membros uma nova agenda de desenvolvimento sustentável para os próximos 15 anos, que
ficou conhecida como Agenda 2030, composta por 17 Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS)172, embasado em quatro pilares maiores: governança, planeta, pessoas e
prosperidade.
O desafio é imenso e não há como o setor privado não se envolver e contribuir,
especialmente, por deter vigor econômico majoritário - advindo do setor empresarial - além de
concentrar grande partes inovações tecnológicas que auxiliarão no cumprimento das metas
estabelecidas.
Cabe, ainda, ao setor privado o relevante papel de pessoas ao engajamento da causa, por
reunir o concentrar número indivíduos expressivos de indivíduos, dos mais diversos grupos,
que interagem entre si, com governos, fornecedores e consumidores, atingindo a comunidade,
com um todo.
É importante dizer, contudo, que apesar de pulsante na atualidade, o tema não é novo, tendo
surgido na década de 1970. O debate, no entanto, ficou restrito ao setor público por anos, não
se expandindo ao setor privado ou a outros campos da sociedade, contribuindo para a sua
segregação, sendo que somente nos anos 2000, com a publicação Who cares wins, é que a
discussão se ampliou, ganhando a dimensão atual.
2 O TRABALHO DECENTE
O termo “trabalho decente” foi formalizado em 1999 pela Organização Internacional do
Trabalho, e:
[...] sintetiza a sua missão histórica de promover oportunidades para que homens e mulheres obtenham um trabalho
produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, sendo considerado
condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades, a garantia da governabilidade
democrática e o desenvolvimento sustentável.173
O trabalho decente é o ponto de convergência dos quatro objetivos estratégicos da OIT:
1. O respeito aos direitos no trabalho, especialmente definidos como fundamentais (liberdade
sindical, direito de negociação coletiva, eliminação de todas as formas de discriminação em
matéria de emprego e ocupação e erradicação de toda as formas de trabalho forçado e trabalho
infantil);
2. A promoção do emprego produtivo e de qualidade;
3. A ampliação da proteção social;
4. E o fortalecimento do diálogo social.
A persecução do trabalho decente é tarefa que vem sendo realizada desde a Revolução
Industrial, quando o êxodo das pessoas do campo para a cidade, resultou em um aglomerado
de indivíduos vivendo e trabalhando em condições degradantes dada a imensa oferta de mão
de obra disponível e a incapacidade dos gestores públicos, à época, de atenderem às
necessidades mais básicas da população.
As precárias condições de vida nas cidades e de trabalho nas fábricas despertou o interesse
de estudiosos a buscarem mecanismos para coibir as práticas degenerantes da condição
humana, fazendosurgir as primeiras legislações que visaram regular a carga horária do
trabalhador.
A partir de então, outras leis e regulamentos/normativas foram elaboradas ao longo das
décadas pretendendo garantir a dignidade da pessoa humana e de suas relações laborais.
Em 2015 esses avanços ganharam maior destaque e importância quando a ONU elencou os
17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para serem implementados pelos países
signatários, tendo a Agenda 2030 – como ficou conhecido - como prazo final à concretização.
O ODS 8 tem como meta “promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e
sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos e todas”174.
Para Rosana Jobim e Maíra Lanner:
[...] o empregador, enquanto gestor de um empreendimento, contribui para o pilar social e se aproxima do objetivo de
desenvolvimento sustentável por meio da promoção do trabalho decente preconizada no Direito do Trabalho. (...) Dessa
forma, ao se comprometer com práticas de trabalho decente e exigir o mesmo comportamento daqueles com quem se
relaciona, o empregador supera as exigências da legislação trabalhista, contribuindo para o desenvolvimento
socioeconômico sustentável.175
Interessante notar que a apropriação dos conceitos ESG na cultura e no DNA corporativos
permite que os ganhos ultrapassem os limites dos benefícios financeiros – imprescindíveis para
a manutenção da atividade econômica – para viabilizar melhorias na vida das pessoas que
participam direta ou indiretamente da cadeia produtiva. A relação é de “ganha-ganha” onde
todos os personagens integrantes dessa imensa roda econômica se beneficiam, não apenas o
empresário ou mesmo os colaboradores.
Ter o olhar para dentro da corporação foi importante em tempos anteriores, especialmente,
para despertar a importância de se ter responsabilidade social, ambiental e de governança nas
atividades empresárias. Mas o objetivo ainda se restringia ao autocontrole do próprio negócio e
não vislumbrava a expansão dos benefícios e vantagens provenientes da gestão responsável,
que favorece todo o entorno.
Incorporar os fatores ESG é ir mais adiante, é voltar os olhos para os reflexos que a
atividade econômica causa para além das fronteiras das fábricas, empresas e corporações. É ter
consciência que nesse ambiente multiconectado e multifacetado, as decisões dos gestores
podem impactar nas condições de trabalho do colaborador, bem como, interferir na qualidade
de vida de outras pessoas diretamente envolvidas na atividade comercial.
O empreendedor, enquanto gestor de um empreendimento, deve ter consciência do papel da
sua empresa no ecossistema social, conhecendo os impactos positivos e negativos do negócio.
Não são apenas os clientes do empreendimento que sofrem influência das decisões
empresariais, mas também os colaboradores, os fornecedores, os investidores e a comunidade
local. O pilar S-social de uma estratégia ESG trata dessas inter-relações, identificando e
validando a capacidade da empresa de manter relacionamentos mutuamente positivos com
segmentos da sociedade que podem ser impactados por suas atividades.176
Considerando que as fontes de recursos são limitadas e que a diferença social se alargou
exponencialmente com a pandemia, imperioso se buscar o equilíbrio e a adoção da gestão
corporativa responsável e sustentável se mostra como importante ferramenta.
Relevante é, assim, o papel do empregador que abandona a veste do combatido opressor,
imagem abertamente vendida durante a implantação do capitalismo primitivo, para contribuir
com o desenvolvimento não apenas econômico – inerente à atividade – como também para o
incremento das condições sociais, no que se incluem o trabalho decente, preocupado com o
bem estar do trabalhador, com o meio ambiente laboral e com a remuneração justa e digna,
como defendido no capitalismo regenerativo ou de stakeholder.
3 O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO
PERANTE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A boa leitura do artigo primeiro e incisos da Constituição Federal de 1988 não deixa
dúvidas de que o Estado Democrático de Direito – estabelecido em nosso país – tem como
fundamentos:
1. A soberania;
2. A cidadania;
3. A dignidade da pessoa humana;
4. Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
5. O pluralismo político.
É no preâmbulo do texto constitucional, por sua vez, que se verifica que o estado
democrático é:
Destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais democráticos, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida (...) com a solução pacífica das controvérsias.177
Nas bem lançadas palavras do Professor Georges Abboud:178
...a existência e a preservação dos direitos fundamentais são requisitos fundamentais para se assegurar o Estado
Constitucional, tanto no âmbito formal quanto material. (...) Os referidos direitos apresentam dupla função: constituem
prerrogativas que asseguram diversas posições jurídicas ao cidadão, ao mesmo em que constituem limites/restrições à
atuação do Estado.
Clarividente, portanto, que a engenharia constitucional estruturada pelo constituinte, tem
como um dos alicerces do Estado Democrático os valores sociais do trabalho aliado à livre
iniciativa, que deverão ser protegidos de ameaças e incrementados por propósitos que visem
assegurar o trabalho digno e decente ao lado do desenvolvimento econômico do país (livre
iniciativa).
Significa dizer, ainda, que a par de se compreender a importância do desenvolvimento e
fortalecimento da atividade empresarial, é fundamental que as relações de trabalho ocorram
sem que haja abusos e degradações na exploração da força de trabalho, resguardando a
dignidade do ser humano, garantindo remuneração justa e paritária, além de assegurar os
valores sociais do trabalho, que dignificam e engrandecem o trabalhador.
A mensagem é a de que o ordenamento não tolerará a abusiva exploração do trabalhador, a
pretexto do desenvolvimento econômico, como também se observa da leitura do artigo 170 da
CF/88, que estabelece que: “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e
na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social”179.
Forçoso reconhecer, portanto, “o caráter humanista e social da matriz constitucional de
1988, que inspira a estruturação da sociedade política e da sociedade civil no País, de seus
subsistemas e de sua ordem jurídica”.180
Não há negar, em acréscimo, que o ordenamento brasileiro, para além de incentivar e
assegurar o exercício da livre iniciativa como fator de fomento do desenvolvimento
econômico, não se mostra desatento ao resguardo imperioso do trabalho valoroso, humano e
desempenhado em condições “decentes” ao incremento da atividade laboral e aperfeiçoamento
do próprio ser humano, coibindo práticas humilhantes e degradantes ao trabalhador.
O entendimento de que a atividade empresária não deve buscar unicamente o lucro – pelo
lucro – mas assumir obrigações junto aos empregados, consumidores e com a comunidade com
um todo, representa importante mudança de mindset para se reconhecer a relevância de se
inserir a sustentabilidade na gestão empresarial, uma vez que as decisões tentem a refletir não
apenas na rotina interna da empresa e colaboradores, como também, no macro sistema que a
engloba, exatamente como proposto pelo capitalismo de stakeholder.
No que diz respeito à proteção aos trabalhadores, consubstanciada pela busca pelo pleno
emprego (CF, art. 170, VIII) e pelos direitos fundamentais dos trabalhadores previstos no art.
7º da CF/88, a função social age no sentido de legitimar ou promover a implementação de
mecanismos para distribuição dos resultados da atividade empresarial e a viabilização de
iniciativas de cogestão.181
O exemplo citado serve para demonstrar que todos os princípios da ordem econômica
constitucional já relacionados, estãoconectados com a função social da empresa e têm por
objetivo ampliar os interesses que devem ser protegidos e atendidos por meio da atividade
empresarial, no que se insere a proteção aos trabalhadores e o incentivo à valorização do
trabalho digno, com remuneração justa e livre de excessos, preconceitos ou desigualdades.
4 ESG NA PRÁTICA
Compreendido o que são fatores ESG é importante verificarmos como esse propósito é
verificável na prática empresarial. Quais ações podem ser implementadas e interiorizadas na
cultura da empresa para que se promovam a sustentabilidade social, por exemplo.
Por muitos anos a luta dos trabalhadores se concentrou em melhorias salariais e em
melhores condições físicas e estruturais no ambiente laboral. Esse conceito integrou a
compreensão da classe empresarial – em sua maioria – pressionada, em grande parte, por
condenações impostas pela Justiça Trabalhista, quando verificadas violações às normas do
trabalho.
Nesse aspecto, a atuação do Ministério Público do Trabalho foi relevante, porquanto ao
fiscalizar a submissão à lei, tratou de coibir a prática de atos degradantes contra os
trabalhadores, a exemplo do combate ao trabalho escravo ou a exploração do trabalho infantil.
Trabalhadores também tiveram de se adequar ao cumprimento da lei, especialmente,
aquelas que visavam a proteção da integridade física do trabalhador, e assim, equipamentos de
segurança do trabalho foram incorporados a rotina dos empregados, em especial, naquelas
atividades onde houvesse risco real de acidentes. Todos esses avanços foram e são importantes
para valorizar o trabalhador e trazer segurança na relação laboral, contudo ESG é mais que
isso.
O “S” da sigla tem como propósito, além das garantias já conquistadas pelos trabalhadores,
incentivar a ocupação de mulheres em cargos de alta gestão nas grandes corporações e
Conselhos de Administração, a paridade financeira entre os sexos e a contratação e inclusão
das chamadas “minorias” sociais em funções de relevância. A responsabilidade social de antes,
preocupada com as necessidades dos trabalhadores do “chão das fábricas”, ganha relevo para
alçar voos maiores e assegurar que todos os trabalhadores, sem distinção de sexo, raça, opção
sexual ou credo tenham as mesmas oportunidades no mercado de trabalho e para isso,
investimento financeiros têm sido direcionados para garantir a sustentabilidade social.
Reunir pessoas com as mesmas histórias de vida, as mesmas referências sociais, pessoais,
financeiras não agrega valor e estagna a visão do próprio negócio. Ademais, em momentos de
crise, contar com uma equipe multifacetada é valoroso para a tomada de decisões inovadoras,
tão necessárias para se superar momentos de instabilidade.
São com esses temas que o ESG se preocupa e avalia as diversas empresas e corporações
que buscam se enquadrar nos padrões sustentáveis. Assim, adotar fatores ESG significa
promover ações que melhorem a qualidade de vida daqueles que dela participam, mesmo de
forma indireta.
O empregador-gestor deve tomar suas decisões considerando os interesses do seu público
de relacionamento interno e externo. O pilar S-social, no viés trabalhista, significa não apenas
respeitar a dignidade dos trabalhadores e promover o trabalho decente dentro dos muros da
empresa, mas também combater práticas de trabalho degradante, compartilhando seus valores
com a sociedade182.
Podemos citar, como exemplo, a empresa Natura que investiu em práticas sustentáveis na
região do Amazonas, gerando um incremento na economia local em mais de R$ 1.5 bilhão,
melhorando a vida de toda a comunidade183. Por ter a sustentabilidade em sua cultura e
inserida na gestão corporativa, a Natura “foi reconhecia como uma das empresas mais
sustentáveis do mundo e a primeira do setor de cosméticos pelo ranking Global 100, elaborado
pela companhia canadense de mídia e pesquisa Knights e o anúncio aconteceu no Fórum
Econômico Mundial, em Davos, realizado em 21.01.21184.
A sustentabilidade social também serviu para que as empresas desenvolvessem regras e
controles mais rígidos contra o assédio sexual e moral, além do combate à corrupção,
incrementar seus valores éticos e valorizando a imagem das empresas no ambiente interno e
perante o mercado investidor e consumidor. Como resultado, Códigos de Ética e Compliance
foram elaborados pelas organizações e incluídos na cultura e nos valores das organizações,
cujo descumprimento, pode acarretar em justa demissão185, observadas as disposições do artigo
482 da CLT.
A ideia é que o negócio se desenvolva de forma ética, segura e justa, “não apenas no que
diz respeito às práticas anticorrupção, mas também em aspectos trabalhistas, relacionados a
temas de relações humanas, inclusão e diversidade, vê-se cada vez mais práticas corporativas
voltadas a demonstrar o respeito ao “S” de “Social” às diferenças e a importância da inclusão e
da diversidade, não apenas no discurso de líderes corporativo, mas na atuação prática do
mundo empresarial”186.
O panorama descrito esclarece, portanto, que buscar o desenvolvimento sustentável e
sustentado impõe compreender o negócio por uma visão tridimensional envolvendo as esferas
ambiental, social e de governança, sempre tendo como foco a melhoria das condições de vida
das pessoas. Essa é a finalidade e o objetivo ESG.
5 CONVERGÊNCIA ENTRE ESG, ODS E DIREITO DO TRABALHO
O Direito do Trabalho tem como objetivo regular as relações laborais e proteger o
trabalhador de situações degradantes e aviltantes no ambiente laboral, assegurando os direitos
fundamentais dos trabalhadores:
dessa forma, o Direito do Trabalho, cria para os empregados um direito na empresa à garantia ao trabalho considerado
decente, que respeita a condição humana do trabalhador, valorizando sua dignidade por meio do estabelecimento de
condições de saúde, segurança e higiene no ambiente de trabalho, com pagamento de salário justo, todos amparados em
patamares mínimos de igualdade entre todos os trabalhadores187.
Ao adotar os fatores/valores ESG o empreender altera sua maneira de encarar as relações de
trabalho, valorizando o trabalhador, retendo talentos, coibindo o racismo e práticas de assédio
e por consequência, tende a obter melhores resultados.
Ao respeitar a legislação trabalhista o empresário evita o ajuizamento de demandas e mitiga
os impactos negativos pecuniários que uma condenação poderia causar no seu planejamento
estratégico.
Tendo como norte os conceitos e propósitos ESG, as sensíveis questões trabalhistas deixam
de integrar o “passivo” da empresa, para gerar valor e melhores resultados no desempenho da
atividade, agregando credibilidade e segurança à imagem e reputação da empresa.
Nesse compasso os propósitos ESG convergem com o Direito do Trabalho e com a busca
do trabalho decente.
Criar mecanismos para debater e implementar políticas públicas de promoção do trabalho
decente é um dever do Estado, que deve elaborar política e ações Inter setoriais de geração de
emprego e renda, além de fomentar tais discussões entre as esferas governamentais,
empresariais, sindicais e da sociedade civil.188
Como exemplo dessa ação conjunta vale citar o ODS 8 estabelecido pela ONU para a
agenda 2030, do qual o Brasil é signatário e se comprometeu, trabalho decente e crescimento
econômico e como objetivo: promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e
sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos.
Dentre as 10 metas que compõem o ODS8 destacamos:189
META ONU BRASIL Indicador
8.3
Promover políticas orientadas para o desenvolvimento que
apoiem as atividades produtivas, geração de emprego decente,
empreendedorismo, criatividade e inovação, e incentivar a
formalização e o crescimento das micro, pequenas e médias
empresas, inclusive por meio do acesso a serviços financeiros.
Promover o desenvolvimento com a
geração de trabalho digno; a formalização;
o crescimento das micro, pequenas e
médias empresas; o empreendedorismo e
a inovação. 
8.3.1 - Proporção de trabalhadores ocupados
em atividadesnão agrícolas informais, por
sexo.
Até 2030, alcançar o emprego pleno e produtivo e trabalho
Até 2030, reduzir em 40% a taxa de
desemprego e outras formas de
8.5.1 - Salário médio por hora de
empregados por sexo, por ocupação,
8.5 decente todas as mulheres e homens, inclusive para os jovens
e as pessoas com deficiência, e remuneração igual para
trabalho de igual valor.
subutilização da força de trabalho,
garantindo o trabalho digno, com ênfase
na igualdade de remuneração para
trabalho de igual valor. 
idade e pessoas com deficiência.
8.5.2 - Taxa de desocupação, por sexo,
idade e pessoas com deficiência
8.6
Até 2020, reduzir substancialmente a proporção de jovens
sem emprego, educação ou formação.
Alcançar uma redução de 3 pontos
percentuais até 2020 e de 10 pontos
percentuais até 2030 na proporção de
jovens que não estejam ocupados, nem
estudando ou em formação profissional.
8.6.1 - Percentagem de jovens (15-24) que
não estão na força de trabalho (ocupados e
não ocupados), não são estudantes, nem estão
em treinamento para o trabalho.
8.7
Tomar medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho
forçado, acabar com a escravidão moderna e o tráfico de
pessoas, e assegurar a proibição e eliminação das piores
formas de trabalho infantil, incluindo recrutamento e
utilização de crianças-soldado, e até 2025 acabar com o
trabalho infantil em todas as suas formas.
Até 2025 erradicar o trabalho em
condições análogas às de escravo, o
tráfico de pessoas e o trabalho infantil,
principalmente nas suas piores formas.
8.7.1 - Proporção e número de crianças de 5-
17 anos envolvidos no trabalho infantil, por
sexo e idade
8.8
Proteger os direitos trabalhistas e promover ambientes de
trabalho seguros e protegidos para todos os trabalhadores,
incluindo os trabalhadores migrantes, em particular as
mulheres migrantes, e pessoas em empregos precários.
Reduzir o grau de descumprimento da
legislação trabalhista, no que diz respeito
ao registro, às condições de trabalho, às
normas de saúde e segurança no trabalho,
com ênfase nos trabalhadores em situação
de vulnerabilidade.
8.8.1 - Taxas de frequência de lesões
ocupacionais fatais e não fatais, por sexo e
situação de migração.
8.8.2 - Nível de conformidade nacional dos
direitos trabalhistas (liberdade de associação e
negociação coletiva) com base em fontes
textuais da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) e legislação nacional, por sexo
e situação de migração.
Figura 2. Metas correspondentes ao ODS 8 da ONU elaborado pela autora.
Os ODS em destaque evidenciam que as metas estabelecidas pela ONU convergem com os
objetivos do Direito do Trabalho, bem ainda, com os propósitos dos fatores ESG, porquanto:
- Buscam a equidade no ambiente de trabalho, coibindo práticas discriminatórias de qualquer
natureza;
- Asseguram que o trabalho e sua consequente escolha decorram do direito de liberdade,
afastando coações;
- Combatem e punem as situações degradantes que, porventura, seja exposto o trabalhador;
- Visam garantir a integridade física do trabalhador;
- Buscam assegurar o cumprimento das normas trabalhistas de defesa do trabalhador.
Para Luciane Barzotto, o trabalho decente é “...aquele desenvolvido em ocupação
produtiva, justamente remunerada e que se exerce em condições de liberdade e equidade,
seguridade e respeito à dignidade da pessoa humana”190
A atenta análise do ODS 8, em conjunto com a legislação trabalhista e os fatores ESG
permite romper “a falsa ideia de que o respeito às questões sociais e boas práticas trabalhistas
são um entrave ao desenvolvimento de negócios e prejudicam os resultados financeiros”191.
Ao revés, revelam que a adoção de boas práticas de governança corporativa, buscando com
o bem-estar social das pessoas envolvidas na atividade econômica e comprometido com a
sustentabilidade ambiental agregam valor à empresa, aos seus produtos e serviços, ao mesmo
tempo em que valorizam o capital humano, resultando em melhoria nos resultados financeiros.
6 DESAFIOS PÓS PANDEMIA E NECESSÁRIA MUDANÇA DE MINDSET
A pandemia do COVID-19 alterou a vida e a concepção das pessoas sob vários aspectos,
especialmente, o profissional. O necessário distanciamento nos obrigou a buscar alternativas
seguras e eficazes para mantermos as atividades econômicas em funcionamento e se evitar um
aumento exponencial da taxa de desemprego, impactando fortemente a vida da coletividade.
O home office foi a solução mais rápida, eficaz e segura encontrada para que o cotidiano
mantivesse a sua aparente normalidade. Contudo, reflexos sociais e jurídicos foram
experimentados a partir desse novo modelo de trabalho e cabendo a toda sociedade refletir
sobre os caminhos a serem seguidos a partir da pandemia.
A necessidade de tornar os negócios mais digitais, rápidos e ao alcance de todos parece ser
um dos caminhos desenhados no decorrer da crise sanitária. Isto porque, para se evitar a
contaminação descontrolada – o que depois se viu impossível de prever e frear – o comércio
foi obrigado e orientado a fechar suas portas. A saída para se evitar a bancarrota de uma
infinidade de lojas – dos mais variados segmentos – foi a venda on-line.
Comerciantes e comerciários tiveram de se adaptar à nova forma de trabalho, se capacitar
para a utilização de softwares e plataformas de venda digital, além de aprenderem a fazer
marketing digital. Nada foi fácil. Entretanto, a sociedade parece ter se adaptado – muito bem e
em pouquíssimo tempo – a esse novo momento e a inovação digital ganhou espaço e
importância.
Nesse sentido, também a maneira como o trabalho é realizado sofreu alterações. Antes
impensável, o trabalho à distância ou mesmo a forma híbrida, ganhou a predileção das pessoas,
que passaram a valorizar a vida em família, especialmente, após os meses de reclusão e a
mudança de valores trazidos pelas dificuldades e dores provocadas pelas ausências de
familiares e entes queridos. A pandemia causou uma profunda mudança de mindset e o mundo
corporativo, sociedade e o próprio Direito deverão acompanhar essa transformação.
Mais uma vez a valorização da pessoa passou a ser ponto fulcral em qualquer organização,
de qualquer porte, e contribuir para o bem-estar do funcionário deixou de ser meta para ser
valor, o que vai ao encontro com o fator “S” da sustentabilidade ESG, como já visto.
As doenças adquiridas pelo momento de exceção sanitária também fizeram os líderes
voltarem as atenções à utilização de mecanismos que minimização – ao menos – a carga de
estresse no ambiente corporativo. Nesse sentido, dar ao colaborador a escolha da melhor
maneira à realização do seu trabalho e atingimento das naturais metas profissionais, passou a
ser uma boa alternativa, aliando bem-estar, valorização pessoal e desempenho.
Os contratos de trabalho, certamente, deverão sofrer alterações na sua constituição original,
garantindo a segurança jurídica necessária para ambas as partes.
Mas não apenas o empresariado deverá se inovar. Os trabalhadores também precisarão se
desenvolver, porque o período pandêmico fez emergir a necessidade de profissionais mais
técnicos, mais capacitados, mais adaptados aos momentos de risco, os chamados soft skills.
Ademais, “informação é poder” como dito no jargão popular e a sociedade em que nos
encontramos, a informação circula de forma quase instantânea, exigindo que os profissionais
dessa nova era, estejam adaptados e conectados com a tecnologia, além de criativos e
inovadores, rompendo com velhos modelos não mais adequados aos tempos de hoje e de
amanhã.
Definir jornadas de trabalho no modelo remoto ou híbrido é um dos desafios a serem
encarados e vencidos, especialmente, porque, acaso não sejam bem definidas e fiscalizadas,
trarão efeito reverso, já que o excesso de jornada poderá resultar em doenças, físicas ou
emocionais, situação avessa ao objetivo sustentável.
Álvaro dos Santos Maciel e Giorge André Lando ao discorrerem sobre o direito ao
descanso lecionam:
O direito à desconexão é, sobretudo, o direitoque a Constituição conferiu ao trabalhador para que ele possa descansar sem
ter contato com o trabalho. (...) Com o teletrabalho, que tende a se perpetuar como resultado do Pós-pandemia nesta 4ª
Revolução Industrial, tem sido cada vez mais comum que, mesmo após ter se ausentado do horário de trabalho, o
empregado ser acionado durante o período de descanso para responder e-mails, atender telefonemas, mensagens de texto.
Logo, há violação do direito à desconexão. Ao violar o período de descanso do trabalhador, quando ele deveria desligar-se
do trabalho para usufruir da liberdade que o descanso proporciona ao indivíduo para trará de demais assuntos relacionados
ao seu cotidiano, ocorre a violação do princípio da dignidade humana e por conseguinte, a incidência do dano existencial
para o empregado.192
O direito ao descanso está disciplinado no artigo 6º da CF, incisos XII, XIV, XV, no artigo
7º, inciso XVII e pelo artigo 71 e parágrafos da CLT, além da Súmula 437 do TST.
Um bom exemplo dos efeitos negativos do excesso de jornada é a síndrome de Burnout193,
ou síndrome do esgotamento profissional, onde o excesso de trabalho, aliado às imposições
exageradas pelo cumprimento de metas, acarreta a exaustão física e mental do colaborador, o
que não é desejado.
A crescimento expressivo de trabalhadores que apresentaram a Síndrome de Baurnaut fez
com a que a OMS, em abril de 2019, a incluísse a dentre as síndromes ligadas à saúde, e “a
síndrome de Burnout este classificada como um fenômeno ligado ao trabalho que afeta a
saúde”.194
Vê-se, pois, que o período de pandemia trouxe transformações significativas na sociedade e
nas relações de trabalho, merecendo uma reanálise do modelo adotado até então, aliado às
novas expectativas criadas por uma sociedade marcada pela tecnologia, pela informação e por
valores distintos aos praticados antes da crise sanitária, sendo o trabalho remoto um desses
divisores de água, impondo aos líderes a fixação de limites e regras claras quanto à jornada,
para que excessos não prejudiquem a saúde do trabalhador, tampouco violem a dignidade da
pessoa, fatores homenageados pelo conceito ESG.
CONCLUSÃO
Uma nova ordem econômica está se formando mundialmente, onde a busca pelo lucro sem
precedentes, do lucro pelo lucro cede espaço ao desenvolvimento econômico responsável. É
bem verdade que os resultados financeiros são relevantes, contudo, os indicadores
socioambientais hoje integram os temas de importância para a gestão sustentável, formando
um tripé indissociável que revelará a genuína adesão aos valores de sustentabilidade,
contribuindo para o atingimento das metas financeiras desejadas.
Compreendeu-se, portanto, que empresas que adotam práticas de gestão responsável,
tendem a apresentar melhores resultados, demonstrando segurança ao mercado investidor que
a cada dia, direciona mais e maiores recursos para atividades e empresas que têm o selo da
sustentabilidade.
Longe de ser uma estratégia de marketing, os fatores ESG são um propósito de boa
governança e moderna atividade empresarial, uma vez que os impactos das decisões
corporativas são sentidos para além dos limites da empresa.
E nesse ambiente de mutua colaboração é que se desenvolve o capitalismo de
“stakeholder” preocupado não apenas no incremento dos resultados financeiros, mas com a
adoção de ações reais e comprovadas que beneficiem os demais participantes da atividade
produtiva, como fornecedores, consumidores, colaboradores e comunidade.
Os avanços na legislação trabalhista, aliado aos objetivos de desenvolvimento sustentável
elencados pela ONU e presentes na Agenda 2030, bem demonstram o alinhamento com os
propósitos ESG e o comprometimento do ambiente corporativo com as boas práticas de
sustentabilidade sócio-econômico-ambientais.
Para além das críticas mais pessimistas, ESG não é uma “tendência”, uma “moda” volúvel
e instável, mas uma escolha consciente de valorização da sustentabilidade, da busca pela
perenidade da atividade empresarial e da garantia do bem-estar das pessoas.
O trabalho e o trabalhador não podem ser encarados como uma mercadoria e a adoção de
fatores ESG contribui para que o ambiente laboral seja digno, decente e sirva para desenvolver
as melhores potencialidades do trabalhador, sem se descuidar do desenvolvimento econômico
e da sustentabilidade ambiental, importante tripé de sustentação da Economia do país.
Impulsionada pela pandemia do COVID-19 a sociedade se transmudou, assim como as
relações de trabalho, que não mais estão adstritas aos modelos praticados anteriormente. O
trabalho à distância é uma realidade e manifesta expressão de valorização do trabalhador, que
tem papel de relevância em um mercado sustentável, juntamente com o combate às situações
degradantes ao trabalhador e toda a ordem de preconceitos e desigualdades raciais, sexuais ou
religiosas.
Conhecimento é por fim um canal importante para que as pessoas se capacitem a esse novo
olhar corporativo e os ramos do direito empresarial e trabalhista não poderão se descurar de
acompanhar.
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175 JOBIM, Rosana Kim. LANNER, Maíra Brecht. O ESG sob a perspectiva das relações laborais: A concretização do
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176 JOBIM, Rosana Kim. LANNER, Maíra Brecht. O ESG sob a perspectiva das relações laborais: A concretização do trabalho
decente. In: NASCIMENTO, Juliana Oliveira (coord.). ESG o cisne verde e o capitalismo de stakeholder – A Tríade
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177 BRASIL. Constituição Federal do Brasil (CF/88). Disponível em:
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178 ABBOUD, Georges. Processo Constitucional Brasileiro. 4ed. ver. atual. ampl. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos
Tribunais, 2020, p. 854.
179 BRASIL. Constituição Federal do Brasil (CF/88). Disponível em:
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180 DELGADO, Maurício. Alterações no Direito do Trabalho. Comentários à Lei de Liberdade Econômica.
Organizadores: MARQUES, Floriano Peixoto Neto. RODRIGUES, Otávio Luiz. Jr. LEONARDO, Rodrigo Xavier. São
Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020, p.605.
181 FRAZÃO, Ana. Função social da empresa: repercussões sobre a responsabilidade civil de controladores e
administradores de S/As, pp. 195-196.
182 JOBIM, Rosana Kim. LANNER, Maíra Brecht. ESG o cisne verde e o capitalismo de stakeholders – A Tríade
regenerativa do futuro global. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, ٢٠٢٢, p. ٣١٦.
183 Programa Amazônia desenvolvido pela empresa Natura. Desde 2000, a empresa se comprometeu a desenvolver alternativas
sustentáveis e inclusivas na Amazônia. Em 2011, todas as iniciativas para transformar desafios socioambientais em
oportunidades de negócio foram reunidas nesse programa, gerando entre 2012 e 2020 na região, R$ 1,5 bilhão em volume de
negócios, fortalecendo ainda mais as parcerias de conservação do meio ambiente e das cadeias de biodiversidade.
184 Disponível em: https://www.natura.com.br/blog/mais-natura/natura-e-uma-das-empresas-mais-sustentaveis-do-mundo?
gclid=Cj0KCQjwwfiaBhC7ARIsAGvcPe5eAMU3vjXVfTqNUpR-
8GLfAMzudBta69L7FHwI6i2A7_linCGEjDkaAmq0EALw_wcB&gclsrc=aw.ds Acesso em: 26.10.2022.
185 BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 17a Região (TRT). RO 0001146-06.2016.5.17.0006. Des. Gerson Fernando
da Sylveira Novais. J. 07.11.2017. Disponível em: https://pje.trt17.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/0001146-
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186 CRESPO, Liana Irani Affonso Cunha. ESG e o Papel do Compliance Officer. In: NASCIMENTO, Juliana Oliveira
(coord.). ESG O Cisne Verde e o Capitalismo de Stakeholder. A tríade regenerativa do futuro global. São Paulo: Thompson
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187 STUCHI, Victor Hugo Nazário. O meio ambiente do trabalho como forma de efetividade do trabalho decente. Revista
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188 JOBIM, Rosana Kim. LANNER, Maíra Brecht. O ESG sob a perspectiva das relações laborais: A concretização do trabalho
decente. In: NASCIMENTO, Juliana Oliveira (coord.). ESG o cisne verde e o capitalismo de stakeholder – A Tríade
regenerativa do futuro global. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2022, p. 320.
189 BRASIL. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Disponível em: https://www.ipea.gov.br/ods/ods8.html
Acesso em: 28.10.2022
190 BARZOTTO, Luciane Cardoso. Trabalho decente: Dignidade e sustentabilidade. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII,
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sustentabilidade/ Acesso em: 12.06.2022
191 JOBIM, Rosana Kim. LANNER, Maíra Brecht. O ESG sob a perspectiva das relações laborais: A concretização do trabalho
decente. In: NASCIMENTO, Juliana Oliveira (coord.). ESG o cisne verde e o capitalismo de stakeholder – A Tríade
regenerativa do futuro global. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2022, p. 321.
192 MACIEL, Álvaro dos Santos. LANDO, Giorge André. Desafios e perspectivas do mundo do trabalho pós-pandemia no
Brasil: uma análise da flexibilização trabalhista e os paradoxos do home office/anywhere office. Revista Espaço Acadêmico.
Edição Especial. Abril 2021, p. 70. Disponível em:
https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/58043/751375151854 Acesso em: 28.10.2022.
193 BRASIL, Ministério da Saúde. Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional é um distúrbio emocional
com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que
demandam muita competitividade ou responsabilidade. Disponível em: www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-
z/s/sindrome-de-
burnout#:~:text=O%20que%20%C3%A9%20S%C3%ADndrome%20de,demandam%20muita%20competitividade%20ou%20responsabilidade.
Acesso em 29.10.2022
194 MACIEL, Álvaro dos Santos. LANDO, Giorge André. Desafios e perspectivas do mundo do trabalho pós-pandemia no
Brasil: uma análise da flexibilização trabalhista e os paradoxos do home office/anywhere office. Revista Espaço
Acadêmico. Edição Especial. Abril 2021, p. 72. Disponível em:
https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/58043/751375151854 Acesso em: 28.10.2022.
CAPÍTULO NOVE
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito e função do princípio da proporcionalidade. 2.1. Os subprincípios da
proporcionalidade. 3. O princípio da proporcionalidade em relação às provas ilícitas. 4. Conclusão.
RESUMO: O intuito do presente trabalho tem a finalidade de demonstrar o princípio da proporcionalidade e sua devida
aplicação no direito constitucional, penal e processo penal correlacionando mais especificamente às provas ilícitas. Para tanto
aborda-se as considerações referentes aos princípios e normas para após adentrar aos princípios relacionados aos direitos
humanos fundamentais.
Palavras-chaves: Princípios. Proporcionalidade. Subprincípios. Processo. Provas ilícitas. Direitos humanos.
ABSTRACT: The purpose of this work is to demonstrate the principle of proportionality and its proper application in
constitutional law, criminal law and criminal procedure, correlating more specifically to illicit evidence. For that, the
considerations referring to the principles and norms are approached for after entering the principles related to fundamental
human rights.
Keywords: Principles. Proportionality. Subprinciples. Process. Illicit evidence. Human rights.
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa teve o condão de analisar o texto constitucional brasileiro, no que diz
respeito ao princípio da proporcionalidade relacionando à sua aplicação no contexto das provas
ilícitas.
Como instrumento de coleta de dados, foi analisado o texto constitucional brasileiro, as leis
que disciplinam o assunto, bem como a jurisprudência pátria.
Sendo assim, o procedimento de investigação foi o documental (Constituição Federal
Brasileira, Código Penal Brasileira e Código de Processo Penal Brasileiro) e bibliográfico
(literatura).
Desta forma, a pesquisa aborda as normas atualmente vigentes, sem preocupar-se com a
evolução histórica das mesmas.
Como se trata de uma tese teórica, o que, por si só, requer a interpretação da bibliografia e
dos textos legais acerca do assunto, foi feita uma análise crítica entre o que se encontra
legalmente previsto no ordenamento jurídico brasileiro e confrontar tal previsão com a
aplicação dos princípios da proporcionalidade.
Esse artigo foi estruturado em dois capítulos: o primeiro capítulo trata acerca do conceito e
da função do princípio da proporcionalidade, analisando seus subprincípios e como são
delineados. O segundocapítulo versa sobre o princípio da proporcionalidade em relação às
provas ilícitas.
2 CONCEITO E FUNÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Ainda que não haja no Brasil norma constitucional que ilustre de forma expressa o
princípio da proporcionalidade, demonstra-se a sua existência no sistema normativo, em razão
da escolha política do Estado Democrático de Direitos, o qual visa a tutela dos direitos
fundamentais, sejam individuais ou coletivos.
O significado do citado princípio, essencialmente é a maior satisfação da busca de um
direito mediante a menor exclusão possível de outro, sendo o gravame até a medida do
necessário, a fim de que se realize a devida ponderação dos valores abrangidos com o escopo
de harmonizar os direitos que se afrontam.
Compreende-se que o princípio da proporcionalidade pode funcionar como meio para
controlar a função legislativa, forçando-a a um critério de razoabilidade, cuja atividade
limitadora é comprovada pelo termo proibição do excesso.
À vista disso, uma das funções do princípio é estipular que a atividade legislativa
acompanhe a evolução histórica de cada nação, a fim de que não exerça o papel de fazer valer
um direito que não se encontra na lei, uma vez que atualmente se objetiva que esta mesma lei
não transgrida os direitos e garantias fundamentais vigentes na Constituição.
Por fim, o referido princípio é capaz de proporcionar ao julgador, meios eficazes para
solucionar conflitos de interesses que o ordenamento jurídico não é capaz de realizar diante da
rigidez de suas leis inaplicáveis, garantindo assim que se atinja equilíbrio nas relações.
Não é difícil encontrar várias decisões que versam sobre o princípio da proporcionalidade
como meio para resolver conflitos. Neste sentido algumas jurisprudências do Supremo
Tribunal Federal:
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPORTAÇÃO DE
MEDICAMENTOS SEM REGISTRO SANITÁRIO. EXAME DE PROPORCIONALIDADE DA PENA.
PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. A decisão recorrida declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do
preceito secundário do art. 273 do Código Penal, cuja pena cominada é 10 (dez) a 15 (quinze) anos de reclusão, para
aqueles que importam medicamento sem registro na ANVISA (art. 273, § 1º-B, do CP). 2. O Tribunal de origem afirmou
que viola o princípio da proporcionalidade a cominação de pena elevada e idêntica para uma conduta completamente
diversa daquela praticada por quem falsifica, corrompe, adultera ou altera produto destinado a fins terapêuticos ou
medicinais (art. 273, caput, do CP). Em razão disso, indicou que a conduta do § 1º-B, I, do art. 273, do Código Penal,
deve ser sancionada com base no preceito secundário do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006. 3. Constituem questões
constitucionais relevantes definir (i) se a cominação da pena em abstrato prevista para importação de medicamento sem
registro, tipificada no art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal, viola os princípios da proporcionalidade e da ofensividade; e
(ii) se é possível utilizar preceito secundário de outro tipo penal para fixação da pena pela importação de medicamento
sem registro. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). RE 979.962/RS, Rel. Min. Roberto Barroso.
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ARTIGO 33, CAPUT, DA LEI 11.343/2006.
PENA DE MULTA. ALEGADA CONTRARIEDADE AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA
INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO SUBSTITUIR O PODER
LEGISLATIVO NA QUANTIFICAÇÃO DA PENA. PRECEDENTES. MULTIPLICIDADE DE RECURSOS
EXTRAORDINÁRIOS. CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL DOTADA DE REPERCUSSÃO GERAL.
REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. A multa mínima prevista no artigo 33 da Lei 11.343/06 é opção legislativa
legítima para a quantificação da pena, não cabendo ao Poder Judiciário alterá-la com fundamento nos princípios da
proporcionalidade, da isonomia e da individualização da pena. – Acórdão(s) citado(s): (competência, poder judiciário,
interferência, poder legislativo, princípio da proporcionalidade, individualização da pena). BRASIL. Supremo Tribunal
Federal (STF). ARE 1233698/SP, Rel. Min. Luiz Fux.
Assim, há princípios que são mais fáceis de compreender do que definir e o princípio da
proporcionalidade encaixa-se neste tipo.
Segundo Guerra Filho (2003, p. 63),
É imprescindível, para um bom funcionamento de um Estado Democrático de Direito, empregar o princípio da
proporcionalidade, também denominado de ‘mandado de proibição de excesso’.
E ainda:
Esse princípio, embora não esteja explicitado de forma individualizada em nosso ordenamento jurídico, é uma exigência
inafastável da própria forma política adotada por nosso constituinte, a do Estado Democrático de Direito, pois em a
utilização, não se concebe como bem realizar o mandamento básico dessa fórmula, de respeito simultâneo dos interesses
individuais, coletivos e públicos (Idem, p. 61).
Faz-se ainda possível estabelecer um caráter provisório, dando este duas noções de
proporcionalidade: uma na acepção lata e outra na acepção estrita.
Em sentido amplo entende-se que o princípio da proporcionalidade é regra fundamental,
devendo todos obedecer.
Em sentido estrito, caracteriza-se pelo fato de presumir a solução adequada entre os fins e
os meios, sendo este princípio violado quando o meio dito para realizar um fim não é
apropriado ou quando neste meio existe uma desproporção evidente. Esta relação entre fim e
meio pretende um controle de excesso.
O fato de não estar previsto expressamente na Constituição do Brasil, não impede que seja
reconhecido no que está disposto no §2º do art. 5º: “os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou
dos tratados intencionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Este artigo
abrange a parte não escrita ou expressa dos direitos e garantias da Constituição, a saber,
aqueles direitos e garantias, cujo fundamento decorre da natureza do regime, da essência do
Estado de Direito e dos princípios que este consagra e que fazem inviolável a unidade da
Constituição.
Embora a Constituição de 1988 não tenha adotado de forma expressa o princípio da
proporcionalidade, sua aplicação é corolário dos direitos e garantias nela expressos e
implícitos, em especial o princípio do Estado Democrático de Direito, estampado já em seu
primeiro artigo, do qual o princípio da legalidade (art. 5º, II) é decorrência.
A essência do princípio da proporcionalidade é de preservar os direitos fundamentais,
coincidindo assim com a mesma essência da Constituição, isto é, pretende um bom
funcionamento de um Estado Democrático de Direito.
Ressalta-se que o princípio da proporcionalidade se aplica não só aos direitos do homem,
mas também a todas as categorias ou gerações de direito, isto é, o princípio vai além dos
direitos da primeira geração.
Sabe-se que com esse princípio surge um novo Estado de Direito, o qual necessita em toda
a sua ordem social não só os direitos da primeira geração, como também da segunda e da
terceira. A primeira geração abrange os direitos de liberdade, os chamados direitos e garantias
dos indivíduos, a saber, os civis e políticos. Na segunda geração surgiram os direitos sociais,
culturais e econômicos, sendo prestados pelo Estado, com o objetivo de suprir interesses da
coletividade. Já a terceira geração, envolve os direitos do próprio gênero humano, ou seja, o
direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito ao desenvolvimento, o direito de
propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação. Para
Bonavides (2003), ainda existe uma quarta geração, a qual corresponde o direito à democracia,
à informação e ao pluralismo.
Tem o princípio da proporcionalidade a vinculação ao Direito Constitucional por via dos
direitos fundamentais e também por isso ganha a mesma importância de outros princípios tão
relevantes, como o princípio da igualdade com a função de proteger a liberdade dos direitosfundamentais, sendo por isso obrigado a fornecer o critério das limitações das liberdades
individuais.
Os juízes usam o princípio da proporcionalidade para que em determinadas ocasiões em
que existam deficiências legislativas ocasionadas pelo próprio Estado, possa corrigir as lacunas
da lei.
2.1 OS SUBPRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE
A dúvida consiste em como a ponderação de bens aplica-se na prática e de que forma irá
solucionar o caso concreto. Objetivamente, por meio do princípio da proporcionalidade, será
possível essa operacionalização, na medida em que o julgador o utilize juntamente com outros
métodos interpretativos. É ele que permite fazer o “sopesamento” dos princípios e direitos
fundamentais, bem como dos interesses e bens jurídicos em que se expressam, quando se
encontram em estado de contradição, solucionando-a de forma que maximize o respeito a
todos os envolvidos no conflito (GUERRA FILHO, 2003).
De acordo com a doutrina existem três subprincípios que pertencem ao princípio da
proporcionalidade (BONAVIDES, 2003).
O primeiro consiste na persistência, adequação ou aptidão, isto é, que o meio seja adequado
a alcançar o fim ou em outras palavras que a medida seja suscetível de alcançar o objetivo
desejado, observando assim a adequação do fim.
O segundo consiste na necessidade ou exigibilidade, onde a medida não pode exceder os
limites indispensáveis à conservação do fim que se almeja, ou melhor, explicando uma medida
para ser admissível deve ser necessária.
Em outras palavras, de todas as medidas que servem para a aquisição de um fim, deve-se
verificar a que seja menos nociva ao cidadão, podendo assim o princípio da necessidade ser
também chamado de princípio da escolha do meio mais suave.
Já o terceiro consiste na proporcionalidade em stricto sensu, o qual deve ser observado uma
obrigação e uma interdição, obrigação pelo fato de fazer uso dos meios adequados e interdição
quanto ao uso de meios desproporcionados.
Uma medida é adequada, se atinge o fim almejado, exigível, por causar o menor prejuízo
possível e, finalmente, proporcional em sentido estrito (GUERRA FILHO, 1989, p. 75).
Somente se inicia a análise do controle de proporcionalidade se o fim que se pretende
alcançar encontra proteção no núcleo constitucional. Em segundo lugar, faz-se necessária uma
descrição do conflito, pontuando todas as situações relevantes do caso. Passada a fase de
análise prévia desses preliminares, passa-se assim aos exames da adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito. A decisão judicial (meio) para a resolução do conflito
deve buscar a solução que primeiro seja adequada, depois necessária e, finalmente,
proporcional.
3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE EM RELAÇÃO ÀS PROVAS
ILÍCITAS
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, LVI garante que as provas obtidas por
meios ilícitos são inadmissíveis, entendendo por ilícitas as provas que ferirem as normas do
direito material.
O Supremo Tribunal Federal em sua composição plena decidiu que a prova ilícita deve ser
desprezada, isto é, estas provas são desentranhadas do processo, mesmo que esse ato
prejudique a apuração da verdade, sendo assim mais justo aos direitos e garantias
fundamentais da pessoa humana, valor hierarquicamente maior do que os interesses da
sociedade numa repressão aos delitos.
A prova ilícita torna-se imprestável, isto é, não se reveste de aptidão para a verdade
jurídica. Sendo assim, um réu não pode ser denunciado, julgado e posteriormente condenado
pelo fato de a prova não ser lícita e por isso não estar dentro do ordenamento jurídico do
Estado.
Ressalta-se também quando a prova é derivada de uma prova ilícita, não podendo esta gerar
a nulidade de um processo, tendo em vista que não há previsão legal e que por isso, deve-se
fazer uma verificação, para saber se haverá contaminação de todas as provas que resultarem de
provas ilícitas.
O Supremo Tribunal Federal decidiu pela inaplicabilidade do fruits of the poisonus tree
(fruto da árvore envenenada), isto é, as provas decorrentes de provas ilícitas tornam-se
incomunicáveis.
Segue o posicionamento, conforme jurisprudência:
EMENTA: PROVA PENAL - BANIMENTO CONSTITUCIONAL DAS PROVAS ILÍCITAS (CF, ART. 5º, LVI) -
ILICITUDE (ORIGINÁRIA E POR DERIVAÇÃO) - INADMISSIBILDADE – [...] - PROVA ILÍCITA -
INIDONEIDADE JURÍDICA - RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. BUSCA E APREENSÃO EM APOSENTOS
OCUPADOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO QUARTOS DE HOTEL) – [...] Precedentes (STF).
ILICITUDE DA PROVA - INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE
QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DA
TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS
INDIVIDUAIS [...] A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA (“FRUITS OF
THE POISONOUS TREE”): A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. - Ninguém pode ser investigado,
denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de
ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subsequente,
não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude
originária. - A exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação -
representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do “due process of law” e a tornar
mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas
que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes. - A doutrina da ilicitude por derivação
(teoria dos “frutos da árvore envenenada”) repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não
obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da
ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos
dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada,
originariamente, pelos agentes da persecução penal, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade
domiciliar. - Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a
que os órgãos da persecução penal somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como
resultado da transgressão, por agentes estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante,
no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face
dos cidadãos. - Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de
informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da
prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente
admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária. - a questão da fonte autônoma de prova (“an
independent source”) e a sua desvinculação causal da prova ilicitamente obtida - doutrina - BRASIL. Supremo Tribunal
Federal (STF). RHC 90376/RJ, Rel. Min. Celso de Mello.
Entretanto, apesar de o Superior Tribunal Federal não admitir as provas ilícitas, não gera
nulidade em todo o processo, pois como ressalta o Ministro Moreira Alves (1994): a previsão
constitucional não afirma serem nulos os processos em que haja prova obtida por meios
ilícitos.
Contrariando, posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal inverteu a antiga
decisão, adotando por maioria dos votos, a incomunicabilidade das provas derivadas de provas
ilícitas, devendo estas ser desentranhadas do processo, sem que haja nulidade do mesmo, bem
como que sejam válidas as demais provas licitas. Esta é a atual posiçãomajoritária do
Supremo Tribunal Federal.
Concluindo, as provas ilícitas, bem como todas aquelas derivadas, são constitucionalmente
inadmissíveis, devendo, pois, serem desentranhadas do processo, não tendo, porém, o condão
de anulá-lo, permanecendo válidas as demais provas lícitas e autônomas delas não decorrentes.
Contudo, com o uso do princípio da proporcionalidade, a doutrina constitucional moderna
teve oportunidade de atenuar a rigidez tão explícita na vedação da prova ilícita, abrindo a
possibilidade de ser regularmente concebida em caráter excepcional ou em casos de extrema
gravidade, tendo em vista que nenhuma liberdade é absoluta e que em casos delicados pode o
direito tutelado, respeitando os direitos fundamentais, ser mais relevante do que o direito da
maioria.
De acordo com a teoria da proporcionalidade, Nery Júnior (1997, p. 16) afirma que:
Na interpretação de determinada norma jurídica, constitucional ou infraconstitucional, devem ser sopesados os interesses e
direitos em jogo, de modo a dar-se a solução concreta mais justa. Assim, o desatendimento de um preceito não pode ser
mais forte e nem ir além do que indica a finalidade da medida a ser tomada contra o preceito a ser sacrificado.
É importante ressaltar que só se aplica o critério da proporcionalidade pro reo, isto é, em
prol do princípio da inocência.
Dessa forma, segundo Moraes (2003, p. 382-383),
Aqueles que, ao praticarem atos ilícitos, inobservarem as liberdades públicas de terceiras pessoas e da própria sociedade,
desrespeitando a própria dignidade da pessoa humana, não poderão invocar, posteriormente, a ilicitude de determinadas
provas para afastar suas responsabilidades civil e criminal perante o Estado.
Conclui-se então, que não se trata do acolhimento de provas ilícitas em desfavor dos
acusados e, consequentemente, em desrespeito ao art. 5º, LVI, da Constituição Federal.
O que ocorre na hipótese é a ausência de ilicitude dessa prova, uma vez que aqueles que
produziram agiram em legítima defesa de seus direitos humanos fundamentais, que estavam
sendo ameaçados ou lesionados em face de condutas ilícitas. Assim agindo em legítima defesa,
a ilicitude na colheita da prova é afastada, não incidindo, portanto, o inciso LVI, do art. 5º, da
Constituição Federal.
4 CONCLUSÃO
Diante dos vários casos relacionados a conflitos de interesses e em contrapartida da rigidez
das leis em encontrar uma solução adequada, percebe-se que o princípio da proporcionalidade
funciona como um melhor meio de se chegar a um equilíbrio nas relações.
No ordenamento jurídico pátrio não é difícil encontrar várias decisões que versam sobre o
princípio da proporcionalidade como meio para resolver conflitos.
Diante disso, a pesquisa teve como escopo o estudo da aplicação do princípio da
proporcionalidade frente às provas ilícitas encontradas em um processo penal.
O trabalho verificou que a Suprema Corte brasileira entende que as provas ilícitas são
inadmissíveis, motivo pelo qual devem ser retiradas do processo, mesmo que a apuração da
verdade fique prejudicada, por ser medida mais justa e adequada aos direitos e garantias
fundamentais da pessoa humana, valor hierarquicamente maior do que os interesses da
sociedade numa repressão aos delitos.
Em decorrência do citado fato, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL também decidiu pela
inaplicabilidade do fruits of the poisonus tree (fruto da árvore envenenada), isto é, pela
incomunicabilidade as provas decorrentes de provas ilícitas.
Verificou-se que a prova derivada de uma prova ilícita não pode gerar a nulidade de todo
um processo, devendo se fazer uma avaliação para se verificar a extensão da contaminação de
todas as provas que resultarem das ilícitas e como consequencias serem desentranhadas do
processo, permanecendo válidas as demais provas lícitas e autônomas delas não decorrentes..
Entretanto, com o uso do princípio da proporcionalidade, houve uma atenuação na rigidez
da vedação da prova ilícita, percebendo-se a possibilidade de ser conhecida, em caráter
excepcional ou em casos de extrema gravidade, tendo em vista que nenhuma liberdade é
absoluta e que em casos delicados pode o direito tutelado, respeitando os direitos
fundamentais, ser mais relevante do que o direito da maioria.
Desse modo, o presente trabalho se destina ao levantamento de questionamentos que façam
refletir acerca do uso do princípio da proporcionalidade na solução de conflitos diante das
provas ilícitas dentro de um processo penal.
Assim, não se trata do acolhimento de provas ilícitas em desfavor dos acusados e,
consequentemente, em desrespeito ao art. 5º, LVI, da Constituição Federal. O que ocorre na
hipótese é a ausência de ilicitude dessa prova, uma vez que aqueles que produziram agiram em
legítima defesa de seus direitos fundamentais.
REFERÊNCIAS
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
BRASIL. Constituição da República Federativa del Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 25 de
setembro 2022.
BRASIL. Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em: 24 setembro
2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). RE 979.962/RS, Rel. Min. Roberto Barroso.
Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verPronunciamento.asp?
pronunciamento=7646814. Acesso em 24 de setembro 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). ARE 1233698/SP, Rel. Min. Luiz Fux.
Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verPronunciamento.asp?
pronunciamento=9636519. Acesso em: 25 maio 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). RHC 90376/RJ, Rel. Min. Celso de Mello.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/757640. Acesso em: 25 maio
2022.
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria processual da constituição. São Paulo: Celso
Bastos Editor, 2000.
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2006.
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997.
CAPÍTULO DEZ
SUMÁRIO: Introdução. 1. Apresentação do caso e o discurso de Levy Fidelix. 1.1. Exposição dos fundamentos da sentença
em primeiro grau de jurisdição. 1.2. Exposição dos fundamentos do acórdão em segunda instância. 2. O discurso de ódio e
seus elementos. 3. Uma visão divergente para o caso. Conclusão.
RESUMO: O presente artigo pretende analisar a fala proferida pelo candidato José Levy Fidelix durante debate político em
que participou como candidato à Presidência da República pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) nas eleições
de 2014 bem como verificar sua caracterização como um discurso de ódio. Utilizando-se do método hipotético-dedutivo, com
vista a investigar o problema de caracterização de um discurso político como discurso de ódio, o estudo analisou os pedidos
feitos pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo na ação civil pública - autos 1098711-29.2014.8.26.0100, os principais
pontos apresentados pela defesa e os argumentos das decisões de primeiro e segundo graus proferidas nos referidos auto. Ao
final, a pesquisa concluiu pela hipótese de que um endereçamento mais apropriado à solução de questões envolvendo
discursos com afetação tão nociva como os discursos de ódio se daria com a aplicação de uma visão que diverge daquela
proferida pelo acórdão analisado e através da qual um discurso que contenha determinados elementos básicos de
caracterização possui potencial danoso e merece ser combatido.
Palavra-chave: Discurso de ódio; Igualdade; Minorias; Dignidade da pessoa humana.
ABSTRACT: This article intends to analyze the speech given by the candidate José Levy Fidelix during a political debate in
which he participated as a candidate for the Presidency of the Republic by the Partido Renovador Trabalhista Brasileiro
(PRTB) in the 2014 elections, as well as verify its characterization as a hate speech. Using the hypothetical-deductivemethod,
in order to investigate the problem of characterizing a political speech as hate speech, the study analyzed the requests made by
the Public Defender’s Office of the State of São Paulo in the public civil action - records 1098711-29.2014. 8.26.0100, the
main points presented by the defense and the arguments of the first and second degree decisions rendered in the referred case.
In the end, the research concluded by the hypothesis that a more appropriate approach to the solution of issues involving
speeches with such harmful affectation as hate speech would occur with the application of a vision that diverges from that
given by the analyzed judgment and through which a speech that contains certain basic elements of characterization, has
harmful potential and must be considered as hate speech and, therefore, fought.
Keyword: Hate speech; Equality; Minorities; Dignity of human person.
[...] temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa
igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que
não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.
Boaventura Souza Santos (2003, p. 56)
INTRODUÇÃO
O presente artigo buscou investigar o discurso de José Levy Fidelix em debate político no
dia 28 de setembro de 2014 e do qual participou como candidato à Presidência da República
pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB). Sua fala foi transmitida ao vivo em
rede nacional de televisão e gerou a propositura de ação civil pública promovida pela
Defensoria Pública do Estado de São Paulo, com autos do processo sob número 1098711-
29.2014.8.26.0100.
O estudo analisou os pedidos feitos pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo na
ação civil pública, os principais pontos apresentados pela defesa e os argumentos das decisões
de primeiro e segundo graus proferidas nos referidos autos.
Buscando verticalizar a análise do tema em tela, a pesquisa demonstrou o conceito de
discurso de ódio, bem como seus principais elementos, os quais, posteriormente, são testados
na verificação da hipótese de caracterização de discurso de ódio. A pesquisa teceu comentários
respeitosos sobre os principais pontos trazidos como razão de decidir pelo acórdão proferido
pela 4a Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
apresentando uma visão divergente sobre a caracterização de discurso de ódio, numa tentativa
de contribuição para pesquisa de um tema tão relevante e de impacto intelectual e social.
1 APRESENTAÇÃO DO CASO E O DISCURSO DE LEVY FIDELIX
Em 28 de setembro de 2014, José Levy Fidelix era candidato a Presidência da República
pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) e participou de debate político
transmitido pela Rede Record às eleições que ocorreram no dia 05 de outubro de 2014. Em
certo momento desse evento, a candidata Luciana Genro mencionou ao referido candidato
sobre a violência que homossexuais sofrem na sociedade atual e questionou sobre a
dificuldade daqueles que se reputam defensores da família não reconhecerem as famílias
homossexuais.
Ao comentário da candidata, houve a resposta transcrita infra e considerada como tema do
presente estudo:
Pelo que eu vi na vida, dois iguais não fazem filho. E digo mais: desculpe, mas aparelho
excretor não reproduz. É feio dizer isso, mas não podemos jamais, gente, [sic] eu que sou um
pai de família e um avô, deixar que estes que aí estão achacando a gente no dia a dia, querendo
escorar essa minoria à maioria do povo brasileiro. Como é que pode um pai de família, um
avô, ficar aqui escorado porque tem medo de perder voto? Prefiro não ter esses votos, mas ser
um pai, um avô, que tem vergonha na cara! Que instrua seu filho! Que instrua seu neto! E vou
acabar com essa historinha. Eu vi agora o Santo Padre, o Papa, expurgar - fez muito bem - do
Vaticano um pedófilo. Está certo! Nós tratamos a vida toda com a religiosidade para que
nossos filhos possam encontrar realmente um bom caminho familiar. Então, Luciana, lamento
muito. Que façam um bom proveito que querem fazer e continuar como estão. Mas, eu,
Presidente da República, não vou estimular (YOUTUBE, 2021).
Luciana Genro, em réplica, menciona a importância de ser reconhecido o casamento civil
igualitário, independentemente da orientação sexual das pessoas envolvidas.
Em tréplica, Levy Fidelix continua:
O Brasil tem 200 milhões de habitantes. Se começarmos a estimular isso aí, vai reduzir para 100. Vá pra (avenida)
Paulista, anda lá e vê. É feio o negócio. Então gente, vamos ter coragem, nós somos maioria! Vamos enfrentar essa
minoria! Vamos enfrentá-los e não ter medo de dizer que sou o pai, [sic] mamãe, [sic] vovô! E o mais importante é que
esses, que tem esses problemas, realmente sejam atendidos no plano psicológico e afetivo, mas bem longe da gente, bem
longe mesmo, porque aqui, não dá.
Com base nesse discurso do candidato Levy Fidelix, a Defensoria Pública do Estado de São
Paulo ingressou com ação civil pública em 08 de outubro de 2014, mencionando que o
candidato havia ultrapassado os limites da liberdade de expressão, incidindo em discurso de
ódio ao afirmar que “dois iguais não fazem filho” e que “aparelho excretor não reproduz”,
sendo que também havia comparado a homossexualidade à pedofilia. Por fim, ele havia
mencionado que o mais importante é que a população LGBT195 seja atendida no plano
psicológico e afetivo, mas “bem longe da gente”. Pediu a condenação do candidato e do
Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) ao pagamento dos custos da produção de um
programa, a ser exibido em mesmo horário de programação e na mesma duração dos discursos
do candidato. Foi requerido o reconhecimento de dano moral coletivo, com a condenação dos
réus ao pagamento de indenização no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
A defesa dos réus alegou que o candidato jamais proferiu discurso de ódio, mas apenas
exerceu o direito constitucional à liberdade de expressão em debate eleitoral televisivo.
Destaca que a atitude do candidato não é homofóbica, sendo que apenas apresentou sua
ideologia de vida, com amparo no artigo 1.514 do Código Civil196 combinado com o artigo
226, parágrafo 5º da Constituição Federal.197
Nos próximos tópicos serão apresentados os fundamentos das duas decisões proferidas no
caso em tela até o encerramento deste artigo.
1.1 EXPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO
A decisão em primeira instância julgou procedente o pedido de indenização por danos
morais coletivos no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e determinou que os réus
promovessem um programa, com a mesma duração do discurso que havia sido proferido por
Levy Fidelix e na mesma faixa de horário, com o fim de promover os direitos da população
LGBT no prazo de 30 dias a partir da publicação da sentença (BRASIL, 2015).
Importante observar que a referida sentença, em seu mérito, utilizou como ponto central
para a condenação dos réus a compreensão de que o discurso do candidato Levy Fidelix
ultrapassou os limites da liberdade de expressão, não podendo ser aceita a tese de defesa de
que o requerido estava apenas expressando sua ideologia. Reproduzindo opinião do Ministério
Público do Estado de São Paulo, a sentença fundamentou a necessidade de limitação da
liberdade de expressão quando são atacados os direitos fundamentais do homem, sendo que o
discurso em tela negou [...] “a própria dignidade humana à população LGBT”.
Ressalta que a fala propagada é um discurso de ódio contra uma minoria que luta pela
garantia de direitos fundamentais mínimos e que tem sido vítima de discriminação e de
violência, inclusive de mortes. Menciona, ainda:
[...] os efeitos nocivos das declarações adotaram dimensões especialmente amplas, na medida em que as ofensas do então
candidato à população LGBT propagam falso sentimento de legitimação política de condutas discriminatórias,
fortalecendo-se as condutas de exclusão e violência

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