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TEMAS POLÊMICOS EM DIREITO VOLUME 2 FRANCISCO FERNANDEZ GONZALEZ JR. [ ORGANIZADOR ] CATALOGAÇÃO Coordenação editorial Lygia Caselato Projeto editorial/Design Wilbett OLiveira Conselho Editorial Dr. Carolina Noura de M. Rêgo Dnd Fabrizio B. Vecchio Dnd. Leonardo Barroso Coutinho MsC Roberta Mucare Pazzian Revisão: Dos autores 1a edição Outubro de 2022 [CIP] Dados Internacionais da Catalogação na Publicação) S586b Gonzalez Junior Francisco Fernandez et al. Temas polêmicos em direito: direito constitucional, direito processual civil, direito civil, e outros temas Francisco Fernandez Gonzalez Junior [Organizador] . 1ª edição . Cotia, SP, Editora Cajuína, 2021. 260 p. Volume 2. ISBN: 978-65-85121-00-2 (PDF) ISBN: 978-65-86270-97-6 (Epub) 1. Direito 2. Direito processual. 3. Direito constitucional. 4. Direito penal. I Francisco Fernandez Gonzalez Junior. II. Titulo CDD 340 Elaborado por Maurício Amormino Júnior - CRB6/2422 [CIP] Índice para catálogo sistemático: 1. Direito: 340 2.Direito Constitucional 342 3. Direito penal 345 Copyright by © 2022 Francisco Fernandez Gonzalez Junior et al. Todos os direitos reservados. Rua José Giorgi, 600 Bl. 18/33 Granja Viana II - 06701-100 - Cotia, SP Telefones: (11) 4777-0123 - 9574-1406 Site: www.cajuinaeditora.com.br E-mail: contato@editoracajuina.com.br Facebook/Instagram: editoracajuina Textos publicados em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado. SUMÁRIO CAPA TEMAS POLÊMICOS EM DIREITO CATALOGAÇÃO PREFÁCIO PRIMEIRA PARTE CAPÍTULO UM INTRODUÇÃO 1 OS ATIVOS DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL COMO BENS INTANGÍVEIS DA EMPRESA 2 O PROCESSO DE ENCERRAMENTO EMPRESARIAL CONCLUSÃO REFERÊNCIAS CAPÍTULO DOIS INTRODUÇÃO 1 A MARCA 2 A PROPRIEDADE DA MARCA E FUNÇÃO SOCIAL 3 A FUNÇÃO SOCIAL DA MARCA PRESENTE NA PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR E À LIVRE CONCORRÊNCIA 4 A PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL E CONCORRÊNCIA DESLEAL 5 OS DESAFIOS DA PROTEÇÃO À MARCA NA ERA DIGITAL CONCLUSÃO REFERÊNCIAS SEGUNDA PARTE CAPÍTULO TRÊS INTRODUÇÃO 1 O USO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO ÂMBITO JURÍDICO 1.1 O USO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PARA O JULGAMENTO PELOS TRIBUNAIS SUPERIORES NO BRASIL 2 A LIMITAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA CONCLUSÃO REFERÊNCIAS CAPÍTULO QUATRO INTRODUÇÃO 1 COISA JULGADA E AÇÃO RESCISÓRIA 2 SEGURANÇA JURÍDICA 3 A SÚMULA 343 do STF 4 CONCLUSÃO REFERÊNCIAS CAPÍTULO CINCO 1 INTRODUÇÃO 2 O ACESSO À JUSTIÇA 3 RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO 4 O ABUSO DO DIREITO PROCESSUAL E A BOA-FÉ 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS TERCEIRA PARTE CAPÍTULO SEIS 1 INTRODUÇÃO 2 DISPOSIÇÕES DO TELETRABALHO EM CONFORMIDADE COM A LEI Nº 13.467/2017 3 PONDERAÇÕES DO TELETRABALHO SOB A ÓTICA DA LEI Nº 14.442/2022 4 VANTAGENS E DESVANTAGENS DO TELETRABALHO 5 CONCLUSÃO REFERÊNCIAS CAPÍTULO SETE INTRODUÇÃO 1 A SOCIEDADE DO CANSAÇO 2 A MUDANÇA DAS RELAÇÕES SOCIAIS DE CONSUMO E DE TRABALHO 3 DIREITO À DESCONEXÃO CONCLUSÃO REFERÊNCIAS CAPÍTULO OITO INTRODUÇÃO 1 COMO SURGIU A EXPRESSÃO ESG? 2 O TRABALHO DECENTE 3 O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO PERANTE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 4 ESG NA PRÁTICA 5 CONVERGÊNCIA ENTRE ESG, ODS E DIREITO DO TRABALHO 6 DESAFIOS PÓS PANDEMIA E NECESSÁRIA MUDANÇA DE MINDSET CONCLUSÃO REFERÊNCIAS QUARTA PARTE CAPÍTULO NOVE 1 INTRODUÇÃO 2 CONCEITO E FUNÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE 2.1 OS SUBPRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE 3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE EM RELAÇÃO ÀS PROVAS ILÍCITAS 4 CONCLUSÃO REFERÊNCIAS CAPÍTULO DEZ INTRODUÇÃO 1 APRESENTAÇÃO DO CASO E O DISCURSO DE LEVY FIDELIX 1.1 EXPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO 1.2 EXPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA 2 O DISCURSO DE ÓDIO E SEUS ELEMENTOS 3 UMA VISÃO DIVERGENTE PARA O CASO 4 CONCLUSÃO REFERÊNCIAS CAPÍTULO ONZE 1 INTRODUÇÃO 2 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA 3 OS IMPACTOS DA PANDEMIA SOBRE O ACESSO À JUSTIÇA 4 A QUESTÃO DO ACESSO À JUSTIÇA NA PANDEMIA PARA MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA 5 CONCLUSÃO REFERÊNCIAS CAPÍTULO DOZE 1 INTRODUÇÃO 2 A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS: UMA BREVE LIÇÃO A PARTIR DA DOUTRINA DE ROBERT ALEXY 3 O TEMPUS REGIT ACTUM E O DIREITO PREVIDENCIÁRIO 4 O PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM NA JURISPRUDÊNCIA CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS PREFÁCIO Grande felicidade e honra ser convidada, novamente, para prefaciar a obra Temas Polêmicos em Direito — volume dois — organizada pelo autor incansável Francisco Fernandez Gonzalez Jr., que, de novo, consegue o difícil trabalho de juntar ótimos e relevantes artigos científicos com temas instigantes nesta coleção. Diante das atuações prática e acadêmica dos autores, em diversas áreas da ciência jurídica, surge uma coletânea de um mar infinito de reflexões úteis para os tempos vividos nos dias de hoje, com reais e evidentes provocações, levando o leitor a pensamentos e questionamentos, mais do que a respostas concretas. Com uma divisão didática em quatro grandes áreas: Direito Empresarial, Direito Processual Civil, Direito do Trabalho e Direito Constitucional, o leitor pode se deleitar com temas polêmicos e importantes da atualidade jurídica brasileira. Na Primeira Parte – DIREITO EMPRESARIAL, no capítulo um a autora Katia Jane Ferreira Evangelista no seu texto OS ATIVOS DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL NO ENCERRAMENTO DAS SOCIEDADES EMPRESARIAIS mostra os ativos de propriedade industrial e como eles têm sido negligenciados no término das sociedades empresarias. Já no capítulo dois a autora Maria Mercedes Filártiga Cunha no seu artigo A PROTEÇÃO DA MARCA E INTERESSE PÚBLICO disserta sobre a propriedade industrial / intelectual e o interesse público e sua função social. Na Segunda Parte – DIREITO PROCESSUAL CIVIL, no capítulo três a aluna Ingrid Elise Scaramucci Fernandes nos questiona sobre A PADRONIZAÇÃO DAS DECISÕES ATRAVÉS DA UTILIZAÇÃO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PELOS TRIBUNAIS BRASILEIROS: EFETIVO ACESSO À JUSTIÇA? E se o uso da Inteligência Artificial, pelos Tribunais, em especial os brasileiros, garante ou pode prejudicar o efetivo acesso à Justiça. No capítulo quatro a autora Juliana Guimarães Müller no artigo intitulado A SÚMULA 343 DO STF: UMA DISCUSSÃO SOBRE A MANUTENÇÃO DE SUA APLICABILIDADE À LUZ DO CPC/2015 é discutida essa importante súmula do STF em um ponto de vista de sua aplicabilidade ou não acerca do novo CPC. Ainda no tema de Direito Processual Civil, no capítulo cinco, a autora Ludmila Moretto Sbarzi Guedes sob o título A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO COMO ACESSO ÀJUSTIÇA: O COMBATE AO ABUSO PROCESSUAL discorre sobre a duração do processo e a cooperação dos sujeitos no processo, evitando abusos. Caminhando para a TERCEIRA PARTE DO LIVRO, depara-se com DIREITO DO TRABALHO, que consta em três capítulos. O capítulo seis do livro, dos autores Caio Rangel Finocchiaro E Betina Cançado, traz o artigo: AS LEIS Nº 13.467/2017 e 14.442/2022: AS INOVAÇÕES DO TELETRABALHO que abordam vantagens e desvantagens do teletrabalho. No capítulo sete os autores Hallifer Augusto Garutti e Marina Gabriela Menezes Santiago exploram o DIREITO À DESCONEXÃO: UMA NOVA PERSPECTIVA PARA AS RELAÇÕES DE TRABALHO NA SOCIEDADE DO CANSAÇO abordando perspectivas psíquicas nesta falsa sensação de liberdade e autonomia profissional que a internet traz. E por fim, finalizando essa parte da obra, como capítulo 8, a autora Maria Mercedes Filártiga Cunha discorre sobre OS FATORES ESG COMO IMPORTANTE FERRAMENTA DE GESTÃO EMPRESARIAL E VALORIZAÇÃO DO TRABALHO DECENTE. O livro finaliza com a quarta parte intitulada DIREITO CONSTITUCIONAL, no qual o capítulo nove, da autora Aline Feitosa Azevedo, sob o título O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E SUA APLICAÇÃO COM RELAÇÃO ÀS PROVAS ILÍCITAS, o qual discorre sobre o princípio da proporcionalidade e sua aplicabilidade. O capítulo dez, Carolina Noura de Moraes Rêgo e Francisco Fernandez Gonzalez Junior trazem o tema DISCURSO DE ÓDIOE SUA CARACTERIZAÇÃO: UMA VISÃO DIVERGENTE tratando sobre o discurso de ódio e sobre a necessidade de se localizar elementos básicos de potencial danoso para a sua caracterização e combate. No capítulo onze, a autora Amanda Moreira de Carvalho fala sobre O IMPACTO DA PANDEMIA DO COVID 19 NO ACESSO À JUSTIÇA DOS GRUPOS VULNERÁVEIS: CASO DAS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. E finalizando, a obra, no capítulo doze, o autor Welison Nunes da Silva trata da REGÊNCIA DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS PELA NORMA VIGENTE AO TEMPO DO FATO GERADOR. Nessa perspectiva, essa obra organizada pelo admirável Francisco Fernandez Gonzalez Junior com as presenças ilustres dos autores: Katia Jane Ferreira Evangelista, Maria Mercedes Filártiga Cunha, Ingrid Elise Scaramucci Fernandes, Juliana Guimarães Müller, Ludmila Moretto Sbarzi Guedes, Caio Rangel Finocchiaro, Betina Cançado, Hallifer Augusto Garutti, Marina Gabriela Menezes Santiago, Francisco Fernandez Gonzalez Junior, Aline Feitosa Azevedo, Amanda Moreira de Carvalho e Welison Nunes da Silva, é uma grande obra onde se nota que cada capítulo discorre sobre tema de grandes indagações, trazendo, assim, uma apreciável produção científica que nos leva ao interesse de uma leitura imediata. PRIMEIRA PARTE CAPÍTULO UM Sumário: Introdução. 1. Os ativos de propriedade industrial como bens intangíveis da empresa. 2. O processo de encerramento empresarial. Conclusão. RESUMO: Os ativos de propriedade industrial, incluindo as marcas, desenhos industriais, patentes, entre outros, constituem bem imaterial importante das sociedades empresariais. Embora tenham seu valor, esses ativos têm sido negligenciados no término das sociedades empresariais. Os diversos cuidados necessários dentro do processo de encerramento de uma empresa, mais especificamente no caminho prático da dissolução, liquidação e encerramento das empresas são apontados, especialmente com relação às responsabilidades do liquidante em relação à manutenção dos mesmos de forma a não prejudicar o processo de encerramento. Palavras-chave: Propriedade Industrial, Encerramento de empresas, marcas, patentes, desenhos industriais ABSTRACT: Industrial property assets, including trademarks, industrial designs, patents, among others, are an important intangible asset of business companies. Although they have their value, these assets have been neglected at the end of business partnerships. The various precautions necessary within the process of termination of a company, more specifically in the practical way of dissolution, liquidation and termination of companies are pointed out, especially with regard to the liquidator’s responsibilities in relation to their maintenance in order not to jeopardize the process of termination. Keywords: Industrial Property, Termination of companies, trademarks, patents, industrial designs INTRODUÇÃO Os ativos de propriedade industrial, incluindo as marcas, desenhos industriais, patentes, entre outros, constituem bem imaterial que pode ser convertido em valor pecuniário durante o encerramento das sociedades empresariais. Entretanto, em que pese seu possível valor, esses ativos têm sido negligenciados no término das sociedades empresariais, não integrando o ativo no processo de encerramento, sendo valorados de forma inadequada ou sendo simplesmente descuidados pelo não pagamento das devidas taxas de manutenção. Os diversos cuidados necessários dentro do processo de encerramento de uma empresa, mais especificamente no caminho prático da dissolução, liquidação e encerramento das empresas são apontados. 1 OS ATIVOS DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL COMO BENS INTANGÍVEIS DA EMPRESA O racional de buscar maior aproveitamento da inovação gerada por uma empresa se concretiza sob forma de duas vantagens interligadas, uma de natureza econômica, outra de natureza concorrencial. Esses aspectos estão correlacionados aos direitos de propriedade industrial, tratados no Brasil pela Lei da Propriedade Industrial nº 9279 de 14/05/1996 (LPI) (BRASIL, 1996). Isso porque, para o direito de Propriedade Industrial, a garantia de exclusividade está necessariamente vinculada à possibilidade de obtenção de alguma vantagem de natureza econômica. Além disso, ao transformar inovação em valor econômico, a lei garante ao titular do direito de propriedade industrial uma vantagem concorrencial temporária. A propriedade industrial é um ramo dentro da área de propriedade intelectual, regida por um apanhado de leis nacionais e transnacionais, disponíveis a qualquer empresa, em qualquer setor. Pimentel (1999, p. 125) traz o seguinte conceito: As diversas produções da inteligência humana e alguns institutos afins são denominados genericamente de propriedade imaterial ou intelectual. No Brasil, nota-se uma crescente preocupação do empresariado em buscar proteção para ativos intangíveis, sejam eles de natureza tecnológica, estética ou distintiva. Os mais conhecidos ativos intangíveis são as marcas, as patentes e os desenhos industriais. A marca é o sinal visualmente perceptível, utilizado com o fim específico de distinguir produtos ou serviços de uma empresa de produtos ou serviços de outras empresas. Exemplos de tais sinais são letras, palavras, imagens, isoladas ou combinadas entre si, e até objetos tridimensionais. Como prática de mercado, todo negócio empresarial, independentemente de seu tamanho, adota um nome ou símbolo para se identificar ou para identificar seu produto ou serviço, que, quando registrado, pode se tornar um dos ativos mais importantes do negócio empresarial, garantindo proteção ad aeternum, enquanto prorrogada nos prazos legais. Marie-Angèle Pérot- Morel, citada por Maitê Moro (2003, p. 26), ressalta que: Nos tempos modernos a marca é antes de tudo o símbolo de um produto e a força de seu poder de evocação lhe confere uma importância econômica de primeiro plano. Os desenhos industriais, por sua vez, protegem o aspecto estético externo de produtos utilitários, na forma bidimensional (estampas aplicadas a objetos úteis, por exemplo, forração de móveis, tapeçaria, decoração na superfície de embalagens etc.) ou tridimensional (formas plásticas de objetos úteis, por exemplo, frascos, embalagens, eletrodomésticos, etc.). Os registros de desenho industrial têm o condão que garantir exclusividade de mercado por até 25 anos para o aspecto estético adotado, tornando-se um elemento concorrencial importante da empresa. Gama Cerqueira (2010, v.1, p. 213) define os desenhos industriais: Os desenhos e modelos industriais constituem invenções de forma, destinadas a produzir efeito meramente visual, o que os distingue das invenções propriamente ditas, isto é, invenções industriais. São, no dizer de RAMELLA, invenções limitadas à novidade de forma dos produtos industriais. As patentes, por sua vez, protegem criações na área de tecnologia e ciência aplicada. As entidades tecnológicas mais tipicamente abordadas são os produtos (incluindo moléculas, composições, ferramentas, máquinas) e os processos (subdivididos em processos produtivos, métodos e usos). Em que pese discussões recentes sobre o prazo de proteção, as patentes protegem a tecnologia por 20 anos. BARBOSA ensina (2010, p. 1099): Uma patente, na sua formulação clássica, é um direito, conferido pelo Estado, que dá ao seu titular a exclusividade de exploração de uma tecnologia. Como contrapartida pelo acesso do público ao conhecimento dos pontos essenciais do invento, a Lei dá ao titular da patente um direito limitado no tempo, no pressuposto de que é socialmente mais produtiva em tais condições a troca da exclusividade de fato (a do segredo da tecnologia) pela exclusividade temporária de direito. Outros direitos de propriedade industrial também estão acessíveis às empresas. Em todos os casos, seja um sinal distintivo, um desenho ou uma tecnologia ou outro, o processo de ideação, bem como a materialização da proteção perante as autoridades competentes no Brasil e/ou no exterior, requerem dedicação e alto custeio pelas empresas, não somentepara sua obtenção, mas também para sua manutenção pelos diferentes períodos previstos em lei. Conforme definição da LPI, em seu art. 5º (BRASIL, 1996), os direitos de propriedade industrial são considerados bens móveis para os efeitos legais. Como se ensina na obra Comentários à Lei de Propriedade Industrial (2013, p. 17): Os direitos de propriedade industrial, objeto da LPI, são parte da carteira de ativos intangíveis da empresa, carteiras estas que são organizadas e administradas de forma integrada e estratégica com vistas a maximizar a lucratividade das empresas. Entretanto, quando a sociedade empresarial termina, surge uma série de questões, ainda pouco debatidas e eivadas de dúvidas de ordem prática. 2 O PROCESSO DE ENCERRAMENTO EMPRESARIAL No encerramento de uma empresa, bens materiais tipicamente são enumerados, avaliados, convertidos em valor e utilizados para quitação do passivo ou distribuição entre seus sócios. Em geral, bens materiais são mais facilmente quantificados, avaliados e convertidos em valor. Contrariamente, a apuração dos bens imateriais enfrenta questões em todas as etapas desse processo. De início, o processo de apuração dos bens intangíveis de propriedade industrial encontra dificuldades de enumeração e categorização. Por exemplo, ativos relacionados a bens intangíveis registrados, podem ser levantados junto os órgãos competentes. No caso de marcas, patentes ou desenhos industriais, no Brasil, por exemplo, junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Entretanto, outros órgãos devem ainda ser consultados a depender da natureza de trabalho da empresa (por exemplo, para o caso de existência de proteção por cultivares, direito autoral etc.), inclusive em outros países. Nesse sentido, esse processo, chamado por alguns de due diligence, é demasiadamente complexo e cauteloso, pois requer considerar o estado do bem, ou seja, se se trata de um pedido ou de um registro válido. No caso de um pedido, seja de marcas, patentes ou desenho industrial, a empresa prestes a ser encerrada possui apenas uma expectativa de direito, que pode vir a se concretizar ou não e que, ainda como expectativa de direito, pode ter seu valor empresarial, na medida em que, como dito antes, tem reflexos econômicos e concorrenciais direitos e indiretos. Ainda considerando registros, outro ponto não menos importante é a regularidade do mesmo, ou seja, está em dia com suas prorrogações (no caso de marcas), anuidades (patentes) ou quinquênios (desenhos industriais), está de fato ativo ou já se encontra encerrado, seja de forma definitiva ou não. Além disso, há ativos intangíveis que não são necessariamente tangibilizados por meio de registros, como é o caso do segredo industrial, o know-how, do direito autoral etc. Nesse caso, a mera enumeração desse ativo para posterior valoração já se torna um desafio. Superada a apuração e enumerados os ativos de propriedade intelectual efetivamente disponíveis, não menos complexas são as valorações ou conversão em valor para pagamento do eventual passivo. Quando não é o caso de conversão monetária, surgem então questões como: quem ficará com o ativo, seja a marca, a patente, o desenho industrial ou outros. Lembrando que esses não bens divisíveis, mas podem ser compartilhados por meio da co- titularidade ou negociados por meio de licenças remuneradas ou gratuitas. Gama Cerqueira (1982, p. 438) bem define as licenças: “A licença é o contrato pelo qual o concessionário da patente autoriza alguém a usar ou explorar a invenção, sem lhe transferir a propriedade”. Fato bastante comum no Brasil a ser considerado, é que por razões diversas (na maior parte, de natureza econômica), os ativos de propriedade industrial são registrados em nome de um ou mais sócios da empresa. Em casos como esse, também não é incomum a inexistência de formalização dessa relação, por exemplo, por licenciamento. Nesse caso, no rigor da lei, a pessoa que continuará sendo a titular do bem e ele não integrará a distribuição do ativo empresarial, em que pese uma série de questionamentos possam ser levantados em um caso concreto. Em não poucos casos, o bem de mais alto valor da empresa em encerramento é, por exemplo, suas marcas e patentes. A LPI socorre alguns casos pontuais, por exemplo, nos artigos. 88 a 93 (BRASIL, 1996), mas há complexidade envolvida. Ainda no caso de ativos de propriedade industrial serem registrados em nome de um ou mais sócios da empresa, idealmente, a questões surgidas no encerramento da empresa poderiam ser minimizadas por meio da formalização por um contrato de licenciamento, por exemplo, de modo que se estabeleça cláusulas regulamentando o fim da licença para o caso do encerramento da empresa. Obviamente, essa hipótese não blindaria os ativos de propriedade industrial na medida em que seus titulares são sócios da empresa e, como tal, serão bens a serem considerados no caso do passivo ser maior que o ativo no encerramento da empresa. Em suma, os ativos de propriedade industrial são considerados ativos intangíveis que integram o patrimônio da empresa e, na hipótese de fim dela, seguirá as mesmas regras aplicadas aos demais bens apurados, que serão aquelas vinculadas ao tipo de encerramento que ocorrer. O encerramento da empresa pode ocorrer extrajudicialmente (pelo vencimento de seu prazo de duração, consenso unânime dos sócios ou pela deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado), por decisão judicial ou por decisão de autoridade administrativa competente, conforme previsão dos artigos 1.033, 1.034 e 1.044 do Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002) e art. 206 da Lei nº 6404/76 (BRASIL, 1976). No ensinamento de Fabio Ulhoa Coelho (2020, 193-194): [...] à dissolução total seguem-se a liquidação e a partilha, enquanto que à dissolução parcial segue-se a apuração de haveres e o reembolso. Entre uma e outra forma de dissolução não há, nem pode haver, qualquer diferença de conteúdo econômico. Quer dizer, o sócio deve receber, na dissolução parcial, a título de reembolso, o mesmo valor que receberia na dissolução total, a título de quota na partilha. Se o fim da sociedade se der em razão da decretação de sua falência, os ativos de propriedade industrial, assim como outros bens tangíveis ou intangíveis, são arrecadados, avaliados por um perito do juiz e levados a leilão, podendo ser arrematados por aquele que oferecerem o melhor lance. Os valores arrecadados serão utilizados para saldar as dívidas da empresa e apenas o remanescente (se houver) será distribuído entre os sócios nas proporções de suas cotas. Entretanto, se o fim da sociedade se der por deliberação dos sócios, se não houver consenso unânime de quem permanecerá com os ativos de propriedade industrial, eles deverão ser avaliados e poderão ser vendidos para outras empresas, interessados ou até mesmo um dos sócios, sendo que o valor arrecadado integrará o patrimônio para pagamento das dívidas e divisão entre os sócios. Nessa situação, sempre há incertezas, principalmente, com relação a valoração e a gestão de ativos ainda não concretizados (p.ex. os pedidos de registro, conforme mencionado antes). A judicialização pode ser reflexo de divergências na valoração extrajudicial de tais ativos, em vista de discordâncias entre o valor contábil do patrimônio social e o valor real dele, que repercutirá na participação acionária e no reembolso ou haveres decorrentes. Na lição de CARVALHOSA (2005, p.358): Esta disparidade entre o valor contábil do patrimônio da sociedade — ao qual se chegaria pela mera subtração entre os seus ativos e passivos contábeis — e o valor real do patrimônio social, o qual incluiria o valor de mercado de seus ativos, bem como o dos intangíveis da sociedade, poderia gerar um enriquecimento sem causa da própria sociedade e, indiretamente, dos demais sócios em detrimento daquele que se desligava. No caso de uma aquisição da empresa por outro grupo econômico, normalmente todos os ativos de propriedade industrial são transferidos para o grupo adquirente,portanto, a formalização da transferência é feita por meio de cessões regularmente averbadas nos órgãos competentes no Brasil ou exterior. Essa ponte também merece atenção, pois a cessão para a finalidade de concluir o negócio jurídico, seja de aquisição por outro grupo econômico ou por um dos sócios tem requisitos específicos tanto no Brasil quanto no exterior, o que pode dificultar a conclusão do negócio jurídico. Além é claro, os tempos, por vezes exagerados para conclusão desses processos de transferência perante os órgãos competentes no Brasil ou exterior. O encerramento de uma empresa tem etapas muito bem determinadas dentro da legislação pátria (dissolução, liquidação e extinção), como prevê o Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002) e na Lei 6404/76 (BRASIL, 1976). A dissolução se inicia o processo de encerramento da sociedade empresária e levanta as questões inerentes ao seu patrimônio, incluindo o de propriedade industrial. Seria fácil tratar da gestão desses ativos no encerramento da empresa, se o próprio contrato social já possuísse clausulas sobre sua dissolução e idealmente tratando dos ativos intangíveis. Ocorre que, na prática, pouco se verifica situações ideais como essa, por exemplo, cláusulas que estipulem a destinação dos ativos de propriedade industrial da empresa, a divisão e/ou possibilidades de aquisição pelos sócios, determinando prioridades (por exemplo, o sócio majoritário ou por voto de maioria será feita a escolha de quem ficará com tais ativos, pagando o valor proporcional aos demais sócios, na medida de suas quotas societárias). Na ausência de previsão, resta então, no distrato social, incluir eventualmente cláusulas nesse sentido, se houver consenso entre os sócios. Importante considerar que o encerramento da empresa pode ser total ou parcial, conforme previsão legal. Na hipótese de ser parcial, por exemplo, pela resolução ou resilição do contrato de sociedade em relação a um ou mais sócios (p.ex. por morte, aposentadoria, vontade pessoal, determinação judicial etc.). Em geral, nesses casos não é comum que as empresas considerem os ativos de propriedade industrial na apuração, deixando a porta aberta a discussões futuras para apuração insuficiente no processo de liquidação. A dissolução por si só não extingue a sociedade, apenas inicia a fase de liquidação com esse propósito, podendo ocorrer a redução de seu capital. A companhia dissolvida conserva a personalidade jurídica em todas as hipóteses de dissolução, com o fim de proceder à liquidação. A liquidação constitui um conjunto de atos destinados a vender o ativo pagar o passivo e dividir o saldo restante entre os sócios. Nessa fase, a empresa deverá nomear um liquidante, que pode ser sócio ou outra pessoa fora da sociedade, mas desde que se averbe seu nome no registro competente. Dentre outras responsabilidades inerentes ao processo liquidação, passa então a ser de responsabilidade do liquidante a gestão de todos os ativos de propriedade industrial, que detém poderes para obter informações sobre eles, buscar sua avaliação, dando destino aos mesmos. É de competência do liquidante representar a companhia e praticar todos os atos necessários à liquidação, inclusive alienar bens intangíveis, transigir, receber e dar quitação. Importante considerar que também é dever do liquidante, nessa fase, zelar pela manutenção desses ativos e, no caso de prorrogações necessárias, é importante considerar que a condição da sociedade deve ser informada aos órgãos competentes. E, não menos importante, nessa fase, é dever do liquidante representar a empresa encerranda em eventuais ações extrajudiciais ou judiciais contra terceiros em curso ou a iniciar. O liquidante também tem o dever de uma vez definido o destino do ativo de propriedade industrial, promover as devidas regularizações perante os órgãos competentes, bem como encerrar ou transferir também eventuais negócios jurídicos com terceiros (p.ex. no caso de franquias). Na prestação de contas final, o destino dos bens de propriedade industrial deve ser considerado, seja como ativo financeiro convertido ou como partilha entre os sócios. A extinção, última etapa do encerramento de uma empresa, se caracteriza por não existir mais personalidade jurídica. Ocorre mediante averbação no registro, vulgarmente chamada da “baixa” da sociedade. Importante considerar que uma empresa baixada não pode ser titular de ativos de propriedade industrial por não mais existir personalidade jurídica e na hipótese de termos uma empresa que chegue à extinção sem promover as devidas transferências de ativo (necessárias para produção de efeitos perante terceiros), restaria o questionamento de tais ativos passam a integrar o domínio público, visto que a personalidade jurídica deixa de existir. Poderia ser considerada inclusive como renúncia, nos termos da Lei 9279/96 (BRASIL, 1996). CONCLUSÃO Como discutido, independentemente de seu tamanho ou posicionamento no mercado, os ativos de propriedade industrial, incluindo as marcas, desenhos industriais, patentes, entre outros, constituem bem imaterial importante e de valor pecuniário das sociedades empresariais. Entretanto, em que pese seu valor, seja de fácil ou difícil apuração, esses ativos têm sido negligenciados no término das sociedades empresariais. Embora possam até recuperar importante valor para pagamento do passivo, em não poucos casos, são até desconsiderados. Os diversos cuidados necessários dentro do processo de encerramento empresarial, mais especificamente no caminho prático da dissolução, liquidação e encerramento foram abordados, chamando a atenção para o complexo e cauteloso processo de due diligence, que identificará não somente tais bens em número, mas em qualidade e andamento processual. Como discutido, há inúmeros cuidados a serem tomados durante o processo de encerramento de uma empresa no que diz respeito aos ativos de propriedade industrial e que podem impactar inclusive na perda do direito ou no questionamento judicial do encerramento da sociedade no caso de não serem observados durante as etapas de dissolução, liquidação e extinção. Nesse sentido, o papel e responsabilidade do liquidante pelo zelo do ativo, bem como valoração rigorosa dele, faz-se essencial. Na hipótese de a sociedade empresarial chegar à extinção sem promover as devidas transferências de ativo, restaria aberta a possibilidade de considerar que tais ativos passam a integrar o domínio público, perdendo assim seu valor. REFERÊNCIAS BARBOSA, Denis Borges. Tratado da Propriedade Intelectual. Editora Lumen Juris, Tomo II, Patentes, Rio de Janeiro, 2010. BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Lei das Sociedades Anônimas, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Lei da Propriedade Industrial, disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm . BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito de empresa (artigos 1.052 a 1.195), vol 13. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1982. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. v. I. e v. II, Tomos I e II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. COELHO, Fábio Ulhoa. Novo manual de direito comercial: direito de empresa. 31ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020. INSTITUTO DANNEMANN SIEMSEM DE ESTUDOS JURÍDICOS E TÉCNICOS (IDS). Comentários à Lei da Propriedade Industrial. Editora Renovar, 3ª edição, Rio de Janeiro, 2013. MORO, Maite Cecilia Fabbri. Direito de marcas: abordagem das marcas notorias na lei 9.279/1996 e nos acordos internacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. PIMENTEL, Luiz Otavio. Direito Industrial: As funções doDireito de Patentes. Editora Síntese. Porto Alegre, 1999. CAPÍTULO DOIS Sumário: Introdução. 1. A marca. 2. A propriedade da marca e função social. 3. A função social da marca presente na proteção ao consumidor e à livre iniciativa. 4. A proteção da propriedade industrial e concorrência desleal. 5. Os desafios da proteção à marca na era digital. Conclusão. RESUMO: O ordenamento jurídico pátrio tutela a propriedade industrial/intelectual, assim como protege a propriedade comum, não como um direito absoluto, mas limitado ao atendimento de sua função social. Também a marca – principal símbolo distintivo da atividade empresária – é resguardada pelo legislador, observada o atendimento de sua função social, no que o uso é seu mais efetivo instrumento. Dentro desse contexto, é relevante se debater a importância da utilidade da marca para o mercado, bem ainda, para justificar a proteção da lei. Da mesma forma pertinente é o debate sobre o interesse público presente na proteção marcaria, em especial, o que envolve o direito do consumidor, da livre iniciativa e a repressão à concorrência desleal, incentivando práticas sustentáveis no ambiente concorrencial, seja real ou virtual. Palavras-chaves: Propriedade – marca – interesse público – era digital ABSTRACT: The legal system protects industrial/intellectual property, as well as common property, not as an absolute right, but limited to the fulfillment of it’s social function. The trademark - the main distinctive symbol of business activity - is also protected by the legislature, subject to the fulfillment of it’s social function, in which use is its most effective instrument. Within this context, it is relevant to debate the importance of the usefulness of the trademark for the market, as well as to justify the protection of the law. It is also pertinent to debate the clear public interest present in trademark protection, especially that which involves consumer rights, free enterprise and repression of unfair competition, encouraging sustainable practices in the competitive environment, whether real or virtual. Keywords: Property - trademark - public interest – digital age INTRODUÇÃO Não é incomum ao se tratar do Direito à Propriedade Industrial e Intelectual se ter a falsa impressão de que a tutela do Estado envolve interesses, unicamente, particulares. O direito marcário ao mesmo tempo em que resguarda direitos do titular, igualmente, assegura a proteção do consumidor contra atos confusórios e fraudulentos que podem impactar no amplo exercício de escolha do consumidor, levando-o ao erro. A proteção à marca envolve, ainda, o interesse público de garantir que o mercado se desenvolva de forma sustentável, e nessa medida, é imperioso que haja a devida repressão às condutas ilegais e fraudulentas que visem macular o processo de competição, tão salutar e enriquecedor para o mercado. Não coibir esse desequilíbrio causado pela concorrência desleal leva ao inevitável desestímulo à inovação e à disputa, permitindo que a força do maior competidor domine o mercado, violando o exercício ao pleno direito de escolha ostentado pelo consumidor, prejudicando não apenas o empresário, mas toda a coletividade que se verá compelida a consumir produtos e serviços oferecidos por um único fornecedor, que poderá não ter compromisso com a qualidade e com o justo preço. A combinação entre proteção à imagem empresarial e proteção ao consumidor, denomina- se função social da marca, que é constitucionalmente prevista e corrobora com a afirmação inicial de que o direito à propriedade intelectual, no que se insere a marca, possui cunho privado e público. A proteção à marca recebe do ordenamento jurídico a mesma importância e proteção destinada à propriedade comum, material, haja vista que importante instrumento de fomento do livre comércio, da inovação e do desenvolvimento econômico do mercado. Por sua relevância econômica, a proteção à propriedade intelectual recebe a mesma atenção do ordenamento destinado à propriedade comum ou material, porquanto fomenta a inovação, incrementa a economia com o comércio do produtos, com o pagamento de royalties, além de incentivar a pesquisa, robustecendo a economia nacional e auxiliando no desenvolvimento do país. Com a chegada da era digital importantes desafios deverão ser enfrentados para que a propriedade intelectual seja garantida, garantindo proteção jurídica e incentivo econômico necessários. 1 A MARCA A marca no Direito de Propriedade Intelectual “integra o conjunto formado pelos signos distintivos, ao qual também pertencem os nomes empresariais, os títulos de estabelecimento e os nomes de domínio” (SCHMIDT, 2013, p. 23).1 Tem como uma das funções diferenciar um produto ou serviço dos demais existentes no mercado, bem ainda, identificá-lo, incutindo-lhe uma referência ou característica distinta aos similares. O artigo 123, inciso I, da Lei nº 9.279/962 estabelece que marca é aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa. A diferenciação entre produtos ou serviços é da essência do princípio da especialidade, do qual a propriedade marcaria se subsome. Lélio Denicoli Schmidt ao citar Otero Lastres registra: Em estudo dedicado ao tema, Otero Lastres chega a defender que a adstrição da marca ao princípio da especialidade seria elemento essencial à sua conceituação, observando que “para ser correcta, una definición legal da marca debe [...] acoger la regla de la especialidad [...]”, segundo a qual a proteção da marca se dá no tocante a produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins (SCHMIDT, 2013, p. 23).3 Há doutrinadores, contudo, que compreendem que a função distintiva da marca se mantém, mesmo quando inexistente produto ou serviço similar, criticando, portanto, a vinculação da conceituação da marca ao princípio da especialidade. Pontes de Miranda, citado por Lélio Schmidt, compreende que “a marca seria um sinal que se apõe em produtos ou mercadorias para servir de indicação da sua qualidade” (SCHMIDT, 2013, p. 34).4 Para Maitê Cecília Fabbri Moro vai além, sinalizando a existência de importante interesse público na proteção do direito das marcas, ao enfatizar o importante papel que a marca exerce na garantia da livre concorrência de mercado e ao direito de escolha do consumidor, conceituando que a marca como: [...] sinal distintivo, facilita a identificação de produtos e/ou serviços dentro do mercado, possibilitando, ao mesmo tempo, o seu reconhecimento pelo público consumidor e a diferenciação de seus concorrentes. Identificar e diferenciar são, portanto, características intrínsecas das marcas, as quais constituem, atualmente, o principal e mais valorizado elemento distintivo imaterial de uma empresa (MORO, 2017, p. 344).5 De toda maneira e a par das divergências conceituais travadas pela doutrina, para o trabalho em destaque, o que parecer ser relevante é a compreensão de que a marca é um sinal, um símbolo, um signo, que diferencia o produto e/ou serviços dos demais, similares ou não, trazendo-lhe a identidade que o individualiza e o distingue no mercado em que se insere, assegurando ao consumidor o exercício do seu direito de escolha, bem ainda, reforçando no mercado a concorrência. 2 A PROPRIEDADE DA MARCA E FUNÇÃO SOCIAL O artigo 5º, inciso XXIX da Constituição Federal de 19886 ao dispor sobre a propriedade intelectual estabeleceu que: “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às suas criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país”. A leitura do texto constitucional não deixa margem de dúvidas de que a marca é uma propriedade, e como tal, receberá a proteção constitucional, assim como deverá cumprir com as funções a ela vinculadas. Fazendo coro ao conceito amplo de propriedade, Pedro Marcos Nunes Barbosa compreende que “...no tocantea estrutura, formato, da espécie jurídica que contempla o titular do direito de exclusiva, é possível notar que o artigo 1.228 do Código Civil não se limita aos bens materiais, servindo de fonte normativa hábil – subsidiariamente – à caracterização do direito que irá consagrar os signos distintivos marcários” (BARBOSA, 2011, p. 11).7 Em sendo propriedade – até porque a Constituição Federal se utilizou de conceito amplo, acolhendo todas as formas de propriedade (material ou imaterial) -, a marca se destina a cumprir uma função social, conforme disposto no artigo 5º, incisos XXIII e XXIX, cumulado com o artigo 170, inciso III da Constituição Federal:8 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: III - função social da propriedade; Para Lélio Schmidt (2013, p. 48),9 dois fundamentos jurídicos sustentam a função social da propriedade marcaria, quais sejam: 1. A necessidade de se distinguir e resguardar o aviamento erguido em torno do signo que identifica o produto ou serviço e; 2. Evitar confusões e associações indevidas no mercado de consumo. O cunho social atribuído ao direito de propriedade lhe retirou o caráter absoluto, impondo- lhe condição fundamental à proteção do Estado, representado pela função social da propriedade. André Ramos Tavares em bem lançadas linhas traça um perfil evolutivo do conceito de propriedade e função social, esclarecendo que: [...] no desenvolvimento universal do conceito, caminhou-se, em primeiro lugar, de uma concepção coletiva da propriedade, considerada como bem como de todos, para se chegar, então, à ideia de um direito individual absoluto, até se alcançar, por fim, a concepção atual de que, embora assegurada individualmente, a propriedade deverá atender a sua função social... (TAVARES, 2013, p. 62).10 E prossegue o autor: Assim, houve, mais recentemente, em termos comparados, uma civilização desse direito (de propriedade), que deixou de considerar-se absoluto. Essa mudança de concepção ocorreu paralelamente ao deslocamento do instituto do Direito Privado para o Direito Público. Ocorreu a categorização constitucional do direito de propriedade e a consequente conotação constitucional mínima do conteúdo desse direito. Constata-se que o direito de propriedade assumiu uma conotação que se tem designado de social, em oposição à característica essencialmente individualista de que desfrutara outrora (TAVARES, 2013, p. 62).11 Assim, embora direito individual, é imperioso para a salvaguarda da lei (Estado), que a propriedade traga benefícios para além da esfera de direito do proprietário, contribuindo para a circulação de riquezas e incremento da economia. Ao tratarmos dos limites à propriedade privada dentro do contexto dos princípios constitucionais econômicos, podemos reconhecer a nota social dada ao instituto pelo preceito constitucional da função social, que harmoniza seu caráter de direito individual, por um lado, e sua concepção coletiva, econômico-social, por outro (TAVARES, 2013, p. 75).12 A exemplo da propriedade imobiliária, a propriedade marcária precisa ter uma utilidade, uma destinação e para a geração e circulação da riqueza, beneficiando não apenas para seu titular, como também, as demais pessoas envolvidas na cadeia econômica a ela vinculada (coletivo). Nesse contexto, a função social, tal qual a propriedade material “é um limite encontrado pelo legislador para delinear a propriedade, em obediência ao princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse particular”.13 A propriedade imaterial precisa ser útil, sendo através do seu uso contínuo que a função social é comprovada, garantindo a proteção constitucional. Mesmo para as marcas de alto renome – cuja proteção do Estado ultrapassa os limites territorial e da especialidade – será o uso efetivo da marca o fator fundamental para o cumprimento da função social e, portanto, da salvaguarda da maior proteção concedido pela legislação marcaria.14 A ausência de concretização da função social, portanto, faz com que cesse a razão pela qual se garante e se reconhece o direito de propriedade. Outrossim, o alto renome dará maior poder de exclusão de uma marca, impedirá terceiros que maliciosamente se aproveitem da notoriedade alheia, desde que o titular não goze da propriedade sem dela dar uma destinação socialmente útil (BARBOSA, 2011, p. 21).15 Lélio Schmidt reforça o argumento assentando que “é o uso efetivo da marca o instrumento para que ela cumpra a função social que dela se espera” (SCHMIDT, 2013, p. 49).16 Mesmo para as marcas de alto renome – cuja proteção do Estado ultrapassa os limites territorial e da especialidade – será o uso efetivo da marca o fator fundamental para o cumprimento da função social e, portanto, da salvaguarda da maior proteção concedido pela legislação marcaria. A ausência de concretização da função social, portanto, faz com que cesse a razão pela qual se garante e se reconhece o direito de propriedade. Outrossim, o alto renome dará maior poder de exclusão de uma marca, impedirá terceiros que maliciosamente se aproveitem da notoriedade alheia, desde que o titular não goze da propriedade sem dela dar uma destinação socialmente útil (BARBOSA, 2011, p. 21).17 É por essa razão que o artigo 143 da Lei de Propriedade Industrial (LPI)18 prevê a caducidade do registro caso, após 5 (cinco) anos de sua concessão, o uso da marca não tiver sido iniciado, tiver sido interrompido por igual período ou tiver sido feito com alteração substancial da marca constante do certificado do registro. Vez mais, Pedro Nunes Barbosa vem em reforço: A marca é - outrossim – um direito de oponibilidade absoluta, qualificado pela sua inserção e delimitação mercadológica: tal como na propriedade comum, ela só merecerá tutela enquanto funcionalmente útil (...) Dessa forma, ainda que no exercício não essencial, os signos distintivos, para merecerem tutela, precisam observar os impedimentos legais, bem como serem objeto de uso (BARBOSA, 2011, p. 12).19 Não há como negar, portanto, que a propriedade da marca é resguardada pelo ordenamento, contudo e a exemplo da propriedade comum, deverá observar o seu fim social, comprovado através do uso efetivo da marca, contribuindo com o incremento social e econômico da atividade empresarial. 3 A FUNÇÃO SOCIAL DA MARCA PRESENTE NA PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR E À LIVRE CONCORRÊNCIA Senso comum de que o Direito de Propriedade Intelectual envolva discussão exclusivamente de direito privado, o que é compreensível. Contudo, muito embora a existência de forte interesse privado, a proteção à propriedade industrial e intelectual carrega importante interesse de ordem pública, a exemplo da proteção à livre concorrência e aos direitos dos consumidores. Resguardar e garantir aos competidores que o processo de concorrência se dará em um ambiente juridicamente seguro e saudável, por meio de adequada promoção das marcas e da repressão aos atos confusórios, denegritórios da concorrência e de concorrência desleal, é fundamental para criar condições para o desenvolvimento econômico e tecnológico, e à própria inovação, em consonância com a função estipulada pela Constituição Federal aos direitos da propriedade industrial (art. 5º, inc. XXIX).20 Isso porque a proteção à marca registrada interessa não só ao seu titular, mas principalmente, trata-se de instituto que está ligado aos interesses de ordem pública que deverão ser observados por ocasião da proteção à propriedade industrial de acordo com o artigo 2º da LPI. Além disso, cabe lembrar que a regra da especialidade está intimamente ligadaà livre concorrência e ao princípio da defesa do consumidor que são fundamentos da ordem econômica (BARBOSA, 2011, p. 14).21 Acaso não houvesse a proteção legal à marca, certamente condutas conhecidas como de free rider22 ocorreriam sem qualquer controle, freio ou repressão, prejudicando sobremaneira a distintividade da marca que é essencial para permitir que o consumidor, por exemplo, escolha e identifique o produto ou serviço do qual pretende adquirir. Nesse sentido, a atividade empresarial seria severamente impactada (negativamente), uma vez que todo o esforço e investimento destinado para a construção de uma marca com credibilidade e reputação no mercado seria aniquilado, desestimulando a inovação, a criatividade, a diferenciação entre produtor e consequentemente, a dinâmica da sociedade de consumo seria quebrada. Como já visto, uma das finalidades da marca é se diferenciar dos demais produtos, além, de servir de instrumento ao processo competitivo, garantindo a proteção e a continuidade dos investimentos em produtos e serviços, criando, ainda, condições favoráveis ao desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Sem a devida repressão ao efeito carona (free riders) nenhum sentido faria que as empresas se dedicassem para criar produtos e serviços inovadores, diferentes aos existentes no mercado, solapando a salutar competitividade no mercado da concorrência, impondo aos consumidores a aquisição de produtos e serviços obsoletos e de qualidade duvidosas. O Superior Tribunal de Justiça ao analisar o caso concreto envolvendo as marcas BIGFRAL e MEGAFRAL fez importante registro sobre a necessária proteção marcaria: A marca se constitui como sinal distintivo que viabiliza a identificação do produto ou serviços disponíveis no mercado, a relevância de sua proteção é, subjetivamente, dúplice: de um lado, beneficia o titular, que tem seu produto ou serviço diferenciado dos demais no ambiente concorrencial, de outro, favorece o público consumidor, pois certifica a origem do produto ou serviço adquirido, evitando-se equívocos acerca de sua procedência. A proteção das marcas é, também, de grande valia para a dinâmica do mercado, na medida em que dá suporte a um ambiente de competição profícuo, sob a tônica da livre concorrência, apto a garantir “o fornecimento de produtos ou serviços com qualidade crescente e preços decrescentes” (COELHO, Fabio Ulhoa. Princípios do Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2012, p.34). Pode-se afirmar, nesse contexto que, para além de garantir direitos individuais a seu proprietário, a tutela jurídica da marca salvaguarda interesses coletivos/sociais (STJ – 3ªT - REsp nº 1.721.697-RJ. Min. Nancy Andrighi. P. 26.03.18) (grifo do autor).23 Ademais, a proteção à marca tem como escopo, ainda, evitar que o consumidor se equivoque quanto ao produto ou serviço que, de fato, tencionava adquirir. É por essa razão que a Lei de Propriedade Industrial combate a prática de atos que resultem em imitação ideológica, justamente, para que o consumidor não seja induzido a levar produto diverso daquele que desejava adquirir. [...] contrapondo-se as marcas em questão, a conclusão inafastável é no sentido do reconhecimento da existência de sensível afinidade ideológica entre elas (pois transmitem a ideia de “fralda grande”), o que pode implicar associação indevida por parte do público consumidor, de modo que o registro concedido ao recorrido dever ser invalidade, por malferimento ao art. 124, XIX, da LPI. Consoante assinalado linhas atrás, ainda que a marca BIGFRAL possa ser considerada evocativa, tal fato não retira (ao contrário do que entendeu o Tribunal de origem) o direito de seu titular, detentor de registro anterior, de se opor ao uso não autorizado de marca que transmita ao consumidor a mesma ideia acerca do produto que designa.23a Vale registro, ainda, de que a proteção à marca basta a mera possibilidade confusão, não sendo exigido prova cabal de equívoco ou confusão causada no consumidor para que a conduta seja devidamente reprimida pela legislação. Isto porque “[...] a repressão a tais atos é feita à luz do mero risco de confusão que ensejam, não sendo necessário que o lesado comprove que a confusão tenha se concretizado. O próprio legislador presume o risco de confusão na hipótese de reprodução de marca alheia registrada para identificar produtos idênticos aos cobertos pelo registro” (SCHMIDT, 2011, p. 55).24 Para a tutela da marca, basta a possibilidade de confusão, não se exigindo prova de efetivo engano por parte de clientes ou consumidores específicos.25 Ao se proteger a marca da ocorrência de atos confusórios o ordenamento não apenas tutela o direito do proprietário, como também assegura ao consumidor o pleno exercício do direto de escolher e identificar os produtos e serviços de seu interesse, minimizando as chances de ser ludibriado por comerciantes mal-intencionados. 4 A PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL E CONCORRÊNCIA DESLEAL A livre concorrência, como já apontado, é um princípio constitucional, previsto no artigo 170, inciso IV da Constituição Federal26 e tem como escopo garantir a livre concorrência, ou seja, viabilizar que o maior número de competidores participe do mercado apresentando seus serviços e/ou produtos que serão adquiridos livre e espontaneamente pelo consumidor. Estimula, ainda, a inovação uma vez que os concorrentes deverão apresentar sempre produtos e/ou serviços novos, diferentes aos existentes, visando conquistar o interesse de um número cada vez maior de clientes, fortalecendo-se no mercado. Auxilia, também, no controle e variação dos preços no mercado de consumo, sendo essa uma das razões pelas quais o ordenamento reprime o monopólio. Garantir e proteger o ambiente concorrencial é função do Estado, a quem cabe reprimir as condutas desleais, assegurando transparência e equidade na disputa. A concorrência desleal, por sua vez, é geralmente conceituada como qualquer ato de concorrência que seja contrário às práticas honestas em matéria comercial ou industrial. É possível se observar a adoção de conduta desleal sempre que houver a utilização técnicas desonestas ou fraudulentas para desviar clientes de um concorrente. No campo da proteção de marcas e patentes o registro é importante instrumento para se assegurar o uso exclusivo do símbolo, especialmente, quando o símbolo alcança renome, além de coibir condutas desleais, permitindo que o consumidor identifique e escolha exatamente aquilo que lhe interessa adquirir ou contratar. A livre concorrência é protegida e assegurada pelo ordenamento pátrio, ao mesmo tempo em que reprime o abuso do direito econômico, uma vez que tais práticas desequilibram a dinâmica do mercado e desestimulam a competição. [ ...] o direito da propriedade industrial e a concorrência desleal são dois lados de uma mesma moeda. De um lado, estabelecem-se direitos que permitem aos seus titulares a utilização, de forma exclusiva, de símbolos; de outro, estabelecem-se deveres recíprocos aos sujeitos econômicos para que todos atuem de maneira honesta e leal (OLAVO, 2005, p. 284).27 A insegurança gerada por um ambiente onde inexiste a repressão a atos ilícitos, ilegais ou fraudulentos torna desigual a disputa, favorecendo a dominação pelo mais fortes ao mesmo tempo em que frustra o amplo exercício do direito de escolha ostentado pelo consumidor. Dentro desse conceito, o artigo 173, § 4º da Constituição Federal de 1988,28 expressamente dispõe que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. A concorrência desleal constitui, portanto, justificativa para a anulação de registros das marcas, dos nomes e das insígnias (OLAVO, 2005) e representa a base para que titulares de marcas, registradas ou não registradas, impeçam que terceiros realizem atos ilícitos ou fraudulentos que possam desviar-lhes a clientela. Ademais, na disciplina do crime de concorrência desleal, aqueles ilícitos cometidos contramarcam de alto renome,notoriamente conhecida e de certificação ou coletiva têm a penalidade agravada por força do art. 196 da LPI.29 Também na LPI, há uma lista de atos que podem configurar concorrência desleal e está disposta no art. 195. De modo geral, a repressão da concorrência desleal visa à proteção da liberdade de concorrência em seu sentido subjetivo, isto é, a liberdade do agente econômico de atuar e desenvolver-se no mercado. O propósito compreende a proteção dos investimentos na reputação empresarial, na proibição a comportamentos oportunistas e na proteção do consumidor de modo que o instituto, de fato, possa ser utilizado como um instrumento a favor da regular manutenção do processo competitivo, beneficiando interesses privados e públicos. Maitê Cecília Fabbri Moro defende que a concorrência desleal está intimamente ligada à conduta dos competidores que se utilizam de práticas “moralmente questionáveis” para atingir e conquistar a clientela do concorrente. Para a autora “práticas consideradas desleais entre os próprios competidores, com vistas a angariar clientela alheia podem ser consideradas um atentado à livre concorrência” (MORO, 2017, p. 339).30 O conceito defendido pela Professora Doutora Maitê Moro traz a reflexão sobre a necessidade de se incentivar – e porque não perseguir – a ética nas relações empresariais, visando resguardar a competitividade saudável, lícita, que beneficia não apenas os competidores, mas o mercado como um todo. A noção de ética no ordenamento jurídico brasileiro pode ser encontrada na CF/88 que possui diversos valores éticos, dentre eles a noção de dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso II), os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa (art. 1º, inciso IV).31 Os tribunais também se mostram atentos à questão, valendo como exemplo o excerto abaixo: A eticidade é característica de toda ordem jurídica, como bem assevera o saudoso Miguel Reale: “Poder-se-ia dizer que a bilateralidade atributiva se caracteriza pela sua estrutura axiologicamente binada, de tal modo que a correlação entre posse e debere, entre pretensão e prestação, graças a ela se exime de maneira objetiva, ficando superado o plano da relação empírica entre dois sujeitos, visto se referir a algo essencial à vida do espírito: à possibilidade e à necessidade ética de obrigar-se o espírito também em virtude e em razão de algo transobjetivo” (em Filosofia do Direito, p. 694). Por conseguinte, não há atuação do sujeito desvinculada da eticidade, de sorte que a análise que se faz de um requerimento de patente deve toar em consideração também a eticidade do postulante (TRF2, 2008).32 Esse conceito “sustentável” é importante para garantir a saúde do processo competitivo, a equidade entre os concorrentes e estimular a disputa, favorecendo o mercado como um todo. A livre concorrência encontra, assim, os seus limites, primeiro, nos direitos alheios, depois, nos deveres do indivíduo para com a sociedade em que vice, e, finalmente, nos deveres da caridade. Ora, se os indivíduos observassem, espontaneamente, a regra moral que lhes deve pautar a atividade econômica, é evidente que não se tornariam necessárias as leis reguladoras da concorrência comercial e industrial, ou da concorrência econômica. Não é isso, porém, o que se verifica, mas justamente o contrário, tendendo a livre concorrência para o abuso desse direito, o que exige a intervenção do Estado os seus domínios, a fim de contê-la dentro de certas regras impostas pela lealdade, boa-fé e pelo interesse social. Os princípios e que se funda a teoria da repressão da concorrência desleal dominam todos os institutos da propriedade industrial, como o reverso moral da lei positiva, revelando-se, assim, sob mais este aspecto, a unidade desse ramo do direito (CERQUEIRA, 2010, p. 16).33 Por tais razões é que o legislador ao coibir as práticas desleais na concorrência, em verdade, buscou resguardar o crescimento sustentável do mercado, onde todos os envolvidos possam participar de forma segura, transparente e obtendo justas vantagens, beneficiando a todos. Compreender que a repressão à concorrência desleal teria como objeto apenas tutelar direitos privados é relegar ao esquecimento a proteção ao direito do consumidor e à livre concorrência, preceitos de ordem pública e que estão diretamente ligados ao direito de proteção às marcas. Mais uma vez vem esclarecer a Professora Doutora Maitê Moro: Compreender a concorrência desleal como um instituto que simplesmente se preocupa com interesses privados em jogo não é a tendência atual. A concorrência desleal tem sido vista sob um olhar muito mais amplo e integrado à ordem jurídica como um todo. Trata-se da denominada concepção integrada da concorrência desleal, originada na doutrina alemã, sob a qual se visa proteger pelas regras da concorrência desleal, de forma conjunta, interesses públicos, interesses dos concorrentes e o interesse dos consumidores (MORO, 2017, p. 342).34 Em artigo titulado “A doutrina da concorrência”, Denis Borges Barbosa leciona ao discorrer sobre a concorrência como liberdade: É nos confins dessa liberdade, na liberdade alheia de alguém de também concorrer, que se desenha a tutela da concorrência leal. Presume-se que cada concorrente haja em um exercício legal e honesto do direito próprio, entendendo- se como tal o que se tem como correto ou normal no mundo dos negócios (BARBOSA, 2002, p. 11).35 É bom que se compreenda que tanto na concorrência “saudável” como na concorrência desleal o propósito é o mesmo: conseguir clientela do adversário/concorrente. O que as diferencia é o método, é o meio utilizado para se alcançar o objetivo, evidenciando que em um ambiente onde os competidores são éticos, probos e honestos, o processo concorrencial tende a se desenrolar de forma transparente, lícita, sem a utilização de subterfúgios e enganações para conquistar a clientela do adversário, beneficiando a coletividade. Assim, todos aqueles meios utilizados na concorrência e considerados desleais, diferentemente do enunciado da norma, não estimulam a concorrência, e sim a degeneram, a maculam, por isso devem ser reprimidos. Ressalta-se então o (sic) um subprincípio decorrente da liberdade concorrencial, para resguardar a concorrência saudável, que é o princípio da repressão à concorrência desleal (MORO, 2017, p. 343).36 Dito isto, são os prejuízos causados pela concorrência desleal à dinâmica do mercado que justificam a atuação do Estado para coibir essas práticas perniciosas, que enfraquecem e prejudicam não apenas aos particulares, como também, aos consumidores e ao próprio mercado. 5 OS DESAFIOS DA PROTEÇÃO À MARCA NA ERA DIGITAL Como já analisado, a marca é o elementos identificador e distintivo do produto ou serviço e “bem explorada, permite ao consumidor e ao investidor associarem produtos e/ou serviços ao seu idealizador e a um determinado segmento de mercado”.37 Seu poder de persuasão e de influência sobre o mercado consumidor tem justificado os altos investimentos em propaganda, buscando massificar a marca perante aos consumidores, especialmente, os mais jovens. É importante instrumento econômico para grandes empresas, já que uma marca original e distintiva, tem o poder de exercer forte influência e fascínio sobre os consumidores, durante o processo de escolha. Dessa forma, sua afetação pode se tornar um fator determinante para o sucesso ou insucesso de um produto ou serviço.38 (PAIXÂO, 2020, p.13). Importante considerar que será, através do registro no órgão competente que o titular da marca obterá a garantia de exclusividade do uso e plena fruição, conforme artigo 129, da Lei nº 9.279/96. Devidamente registrada, a marca poderá ser protegida, por exemplo, de imitações, que desvalorizam a marca e tendem a abalar a credibilidade de produto, prejudicando o empreendedor e o mercado consumidor. Para o bom funcionamento da livre concorrência, é necessário que a imagem favorável construída por determinada marca seja usufruída apenas e tão somente por ser legítimo titular. A preferênciaconquistada no gosto do consumidor não pode ser deslealmente desviada por alguém que venha a reproduzir ou imitar indevidamente a marca de outrem. As vantagens devem ser distribuídas em razão do mérito: quem adotou determinada marca e por seu labor e competência tornou-a um sinal distintivo atrativo ao consumidor deve gozar com exclusividade dos frutos de seu trabalho39 (SCHMIDT, 2013, p. 43). Com a utilização cada vez maior da internet para a realização de transações comerciais, as chamadas e-commerce40, a preocupação com a proteção marcaria se elevou exponencialmente, sendo relevante buscar mecanismos que combatam a degeneração das marcas e o seu uso indevido ou ilícito, “ferindo a integridade do símbolo”41 (PAIXÃO, 2020, p.13). Com a chegada da pandemia do COVID-19 as empresas foram obrigadas a buscar meios alternativos e seguros de desenvolverem sua atividade econômica e a internet se mostrou eficaz e necessária à manutenção do negócio. Contudo, ao passo em que o meio digital favoreceu as transações comerciais, deixou vulnerável a proteção à marca, já que exposta a um ambiente altamente acessível e pouco controlável. A utilização inadequada da propriedade intelectual da marca, gerou preocupações e grandes corporações se adiantaram a promover, por exemplo, o registro de suas marcas no meio digital, precavendo-se de irregularidades, ameaças ou mesmo ilícitos. O grande volume de negócios realizados no universo virtual do metaverso, também tem gerado a adequação das empresas àquele ambiente, justificando a diligência das empresas em se promover os devidos registros de seus sinais distintivos no meio digital. Muitos desafios ainda serão apresentados visando garantir a desejada proteção à marca e conflitos entre a realidade virtual e a legislação atual, certamente serão travadas, a exemplo da aplicação do princípio da territorialidade, previsto no artigo 129 da LPI, frente à realidade do metaverso. Em verdade, o que se é possível afirmar é a nova era digital imporá profundas transformações na sociedade e nas relações jurídicas habituais, sendo imperioso que a legislação e os profissionais do direito evoluam, adequando-se a essa nova ordem social, no que o direito da propriedade intelectual não poderá se eximir. CONCLUSÃO Não há negar que o direito à proteção às marcas assegura que o titular dela desfrute e obtenha o proveito econômico decorrente de sua utilidade. A relevância da proteção à propriedade imaterial para o desenvolvimento econômico do país justifica a sua proteção, sendo chancelado por norma infraconstitucional, como pelo próprio texto constitucional. A tutela da propriedade marcaria carrega o interesse não apenas o interesse particular evidente, como também público, a exemplo do incentivo à livre concorrência e da defesa dos direitos do consumidor. Proteger a marca de fraudes e imitações, coibindo práticas desleais, garante ao titular a segurança necessária para continuar a investir e a inovar, como também, assegura ao mercado a competitividade salutar e sustentável do processo concorrencial, além de garantir ao consumidor seu pleno direito de escolher produtos e/ou serviços que lhe aprouverem. O estabelecimento da era digital, por sua vez, trouxe desafios ao direito marcário, especialmente no que se refere à proteção dos sinais distintivos das exposições decorrentes do meio digital. Imperioso, portanto, que o ordenamento jurídico e os profissionais da área se adequem e se capacitem para essa nova realidade, garantindo a segurança necessárias ao bom desenvolvimento econômico, sem se descurar da necessária segurança jurídica e proteção ao titular a marca e consumidor. REFERÊNCIAS BARBOSA, Denis Borges. A Doutrina da Concorrência, p.11, 2002. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2835629/mod_resource/content/1/Denis%20Borges%20Barbosa.pdf. Acesso em: 05/07/22. BARBOSA. Pedro Marcos Nunes. As Marcas de Alto Renome. Revista ABPI – nº 110 – Jan/Fev, p. 03-17, 2011. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. BRASIL, Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm. Acesso em: 05/07/2022 BRASIL – Superior Tribunal de Justiça – 3ªT - REsp nº 1.721.697-RJ. Min. Nancy Andrighi. P. 26.03.18. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2a Região (TRF2). EDAC 2000.02.01.018537-5. Segunda Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, à unanimidade, Des. André Fontes, 26 de agosto de 2008. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial, vol. I, p. XVI, 3ª. Ed., Lumen Juris, 2010. MORO, Maitê Cecília Fabbri. A proteção dos sinais distintivos como promoção da ética e da sustentabilidade em um mercado delivre concorrência. Fortaleza: Revista Pensar nº.1, jan/abr. 2017. OLAVO, Carlos. Propriedade Industrial - Sinais distintivos do Comércio, Concorrência Desleal. 2ª ed. Coimbra: Almedina, v.1, p.284, 2005. SCHMIDT, Lélio. A distintividade das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013. TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional da Empresa. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2013.IDT, 2011, p. 55).42 SEGUNDA PARTE 1 SCHMIDT, Lélio. A distintividade das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 23. 2 BRASIL, Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm. Acesso em: 05 jul. 2022 3 SCHMIDT, Lélio. A distintividade das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 23. 4 SCHMIDT, Lélio. A distintividade das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 24. 5 MORO, Maitê Cecília Fabbri. A proteção dos sinais distintivos como promoção da ética e da sustentabilidade em um mercado delivre concorrência. Fortaleza:Revista Pensar, nº.1, jan/abr. 2017, p. 344. 6 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 7 BARBOSA. Pedro Marcos Nunes. As marcas de alto renome. Revista ABPI – nº 110 – Jan/Fev, p. 03-17, 2011. 8 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 9 SCHMIDT, Lélio. A distintividade das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 48. 10 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional da Empresa. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2013, p. 62. 11 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional da Empresa. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2013, p. 62. 12 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional da Empresa. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2013, p. 75. 13 VARELLA, Marcelo Dias. Propriedade intelectual nos setores emergentes. São Paulo: Atlas, 1996. 14 BARBOSA. Pedro Marcos Nunes. As marcas de alto renome. Revista ABPI – nº 110 – Jan/Fev, p. 03-17, 2011. 15 BARBOSA. Pedro Marcos Nunes. As marcas de alto renome.. Revista ABPI – nº 110 – Jan/Fev, p. 03-17, 2011. 16 SCHMIDT, Lélio. A distintividade das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 48. 17 BARBOSA. Pedro Marcos Nunes. As marcas de alto renome. Revista ABPI – nº 110 – Jan/Fev, p. 03-17, 2011, p. 21 18 BRASIL, Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm. Acesso em: 05/07/2022 19 BARBOSA. Pedro Marcos Nunes. As marcas de alto renome. Revista ABPI – nº 110 – Jan/Fev, p. 03-17, 2011, p. 12. 20 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 21 BARBOSA. Pedro Marcos Nunes.As marcas de alto renome. Revista ABPI – nº 110 – Jan/Fev, p. 03-17, 2011, p. 14. 22 Free rider ou efeito carona no direito marcário significa agir ardilosamente usufruindo do prestigio conquistado por marca consolidada após altos e longos investimentos. 23 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ) REsp nº 1.721.697-RJ. Min. Nancy Andrighi. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/a/? tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201703075285&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea. Acesso em: 30 out. 2022. 23A BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). REsp 1.721.697-RJ. Rel. Min. NancyAndrighi. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/? tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201703075285&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea. Acesso em: 30 out. .2022. 24 SCHMIDT, Lélio. A distintividade das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 55. 25 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). REsp 954.272-RS. Rel. Min. Nancy Andrighi. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/a/? tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=200700985600&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea. Acesso em: 30 out. 2022. 26 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 27 OLAVO, Carlos. Propriedade Industrial: Sinais distintivos do Comércio, Concorrência Desleal. 2ª ed. Coimbra: Almedina, v.1, p.284, 2005. 28 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 29 BRASIL, Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm. Acesso em: 05/07/2022 30 MORO, Maitê Cecília Fabbri. A proteção dos sinais distintivos como promoção da ética e da sustentabilidade em um mercado de livre concorrência. Fortaleza: Revista Pensar nº.1, jan/abr. 2017, p. 339. 31 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 32 TRF2, EDAC 2000.02.01.018537-5, Segunda Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, à unanimidade, Des. André Fontes, 26 de agosto de 2008. Disponível em: Disponível em: https://www10.trf2.jus.br/consultas/jurisprudencia/ Acesso em: 30.10.2022. 33 CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial, vol. I, p. XVI, 3ª. Ed., Lumen Juris, 2010, p. 16. 34 MORO, Maitê Cecília Fabbri. A proteção dos sinais distintivos como promoção da ética e da sustentabilidade em um mercado de livre concorrência. Fortaleza: Revista Pensar nº.1, jan/abr. 2017, p. 342. 35 BARBOSA, Denis Borges. A doutrina da concorrência, p.11, 2002. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2835629/mod_resource/content/1/Denis%20Borges%20Barbosa.pdf. Acesso em: 05 jul. 2022. 36 MORO, Maitê Cecília Fabbri. A proteção dos sinais distintivos como promoção da ética e da sustentabilidade em um mercado delivre concorrência. Fortaleza: Revista Pensar nº.1, jan/abr. 2017, p. 343. 37 ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. A imprescindibilidade da proteção da marca na era da economia digital. Empório do Direito.com.br. 28.09.2019. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/a- imprescindibilidade-da-protecao-da-marca-na-era-da-economia-digital. Acesso em: 30 out .2022. 38 PAIXÃO, Maria Helena Silva Gracelácio da. Teoria da diluição marcaria e a exceção da paródia: o abuso de direito na liberdade de expressão. Revista ASPI. Nº 7. Agosto. 2020. Disponível em: https://www.montaury.com.br/pt/teoria-da- diluicao-marcaria-e-a-excecao-da-parodia. Acesso em: 30 out. 2022. 39 SCHMIDT, Lélio Denicoli. A distintividade das marcas. São Paulo, Saraiva, 2013, p.43. 40 E-Commerce ou comércio eletrônico é uma modalidade de negócio em que as transações comerciais são realizadas totalmente online. 41 PAIXÃO, Maria Helena Silva Gracelácio da. Teoria da diluição marcaria e a exceção da paródia: o abuso de direito na liberdade de expressão. Revista ASPI. Nº 7. Agosto. 2020. Disponível em: https://www.montaury.com.br/pt/teoria-da- diluicao-marcaria-e-a-excecao-da-parodia. Acesso em: 30 out. 2022. 42 SCHMIDT, Lélio. A distintividade das marcas. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 55. CAPÍTULO TRÊS SUMÁRIO: Introdução. 1. O uso de Inteligência Artificial no âmbito jurídico. 1.1. O uso de Inteligência Artificial para o julgamento pelos Tribunais Superiores no Brasil. 2. A limitação do acesso à Justiça. Conclusão. Referências bibliográficas. RESUMO: A tecnologia vem crescendo cada vez mais utilizada e é impensável que se consiga evoluir sem o uso desta ferramenta. Por esta razão, o Direito, por ser uma ciência desenvolvida através da evolução humana e de acordo com esta, também precisa se adaptar as mudanças que ocorrem no dia a dia, inclusive no que diz respeito ao modo como se decide e os meios utilizados para tanto. Com o passar dos anos, cada vez mais a tecnologia tem sido utilizada para fim de facilitar a comunicação e a vida humana. Há anos são desenvolvidos sistemas que otimizam e facilitam o trabalho mecânico, deixando ao ser humano mais tempo para o desenvolvimento de atividades intelectuais. Curiosamente, uma das formas desenvolvidas para facilitar o trabalho foi, justamente, a criação de programas, altamente tecnológicos, que “imitam” a mente humana, chamadas de Inteligência Artificial, que realizam a análise de milhares de dados e padrões, a partir dos quais, o próprio sistema tenha autonomia para tomar decisões e gerar respostas, sem a interferência humana, somente se utilizando dos dados que coleta. Apesar de parecer estranho, tais tecnologias estão inseridas no dia a dia, desde as redes sociais, marketing, buscadores, pesquisas de consumo, tudo é feito a partir de Inteligência Artificial que analisa os dados e os compila de forma a entender um padrão e gerar os resultados mais interessantes para aquela situação. Deste modo, verificou-se a possibilidade, também, de utilizar estes mecanismos para facilitar o trabalho dos operadores do Direito, desde a possibilidade de realizar pesquisas com determinados termos técnicos, apresentar a jurisprudência que melhor se aplica a um determinado caso, até verificar a possibilidade percentual de êxito de determinada causa e como torná-la mais provável de ganho. Ao que parece, esta tecnologia veio para auxiliar o Direito e sua evolução, entretanto, alguns detalhes de como a Inteligência Artificial funciona e o modo como ela é programada podem gerar resultados falhos. Por esta razão, o presente trabalho tem por objetivo verificar se o uso da Inteligência Artificial, pelos Tribunais, em especial os brasileiros, garante ou pode prejudicar o efetivo acesso à Justiça e é essa a pergunta que se buscará responder. Palavras-chave: Inteligência Artificial. Precedentes. Julgamento. Tribunal. STF. Brasil. ABSTRACT: The technology has been growing more and more, and it is unthinkable that it can evolve without the use of this tool. For this reason, the Law, being a Science developed through human Evolution and in accordance with it, also needs to adapt to the changes that occur in everyday life, including the way in which decisions are made and the means used to. Over the Years, technology has been increasingly used to facilitate communication and human life. Systems have been developed for years to optimize and facilitate mechanical works, leaving Man with more time to develop intellectual activities. Interestingly, one of the ways to facilitate the work was, precisely, the development of highly technological programs that “imitate” the human mind, called Artificial Intelligence, in which thousands of data and patterns are grouped, from which the system, itself, has autonomy to make decisions and generate answers, without human interference, only from the analysis of the data that it collects. Although it seems strange, such technologies are part of everyday life, from social networks, marketing companies, search engines, consumer research, everything is done using Artificial Intelligence, that analyzes data and compiles them, in order to, understand a pattern and generate the most interesting results for that situation. From then onwards, the possibility was also verified of using this mechanism to facilitate the work of legal practitioners, from the possibility of conducting research with certain technical terms, presenting the jurisprudence that best applies to a given case, to even check the percentage possibility of success of a lawsuit and how to make it more likely to win. It seems, this technology came to help the Law and its evolution, however, some details of how Artificial Intelligence works and how itis programmed may yield flawed results. For this reason, the present paper aims to verify whether the use of Artificial Intelligence, by the Courts, especially the Brazilian ones, guarantees or can harm the effective access to Justice and this is the question that will seek to answer. Keywords: Artificial Intelligence. Precedents. Law Decision. Court. STF. Brazil. INTRODUÇÃO O presente artigo tem por objetivo trazer uma visão sobre o uso de Inteligência Artificial nos Tribunais e como essa tecnologia pode auxiliar ou prejudicar no alcance do Direito, especificamente na efetivação do acesso à Justiça. Por isso, se utilizou de material bibliográfico, para fim de se alcançar uma resposta, através do método dedutivo. O tema é de extrema relevância na atualidade, uma vez que a maioria dos Tribunais brasileiros já possui algum tipo de Inteligência Artificial, para desenvolver inúmeras tarefas, razão pela qual é necessário um melhor estudo sobre esse tipo de mecanismo e a sua interferência nas decisões jurídicas. Com o intuito de responder se o uso de Inteligência Artificial é um meio de se garantir o acesso à Justiça, primeiramente é necessário entender o que é a Inteligência Artificial, no que ela consiste e quais são os modos de ser programada e utilizada, o que será abordado no primeiro capítulo. Posteriormente, considerando que se trata de um artigo científico, que não tem por objetivo o esgotamento de toda a matéria disponível quanto ao uso de tecnologias no Direito, mas sim de uma análise concentrada, optou-se pela pesquisa de quais são as Inteligências Artificiais utilizadas nos Tribunais brasileiros, a partir de 2018, quando se teve, efetivamente, a notícia da primeira destas, pelo Supremo Tribunal Federal, corte de maior importância no território nacional, sendo este o maior destaque deste trabalho. Após, será feita uma análise de quais as possíveis falhas existentes no uso de Inteligência Artificial, especialmente quanto aos seus resultas e se é possível que esta tecnologia seja utilizada para decidir um determinado caso jurídico, seja como meio de sugestão da decisão que deverá ser tomada pelo julgador, seja como forma de substituição deste, tudo à luz das normas brasileiras, principalmente da Constituição Federal e do Código de Processo Civil. Ao final, pretende-se concluir pela necessidade de se utilizar a Inteligência Artificial de modo a gerar uma resposta válida e justa, atendendo ao princípio do acesso à Justiça em toda a sua extensão, sem que se retire o poder de decisão dos julgadores ou afaste a necessidade de uma análise individualizada de cada processo, para fim de que o Direito não se torne mero trabalho robótico, uma vez que este é produto extraído diretamente da evolução humana e não pode estar distante do seu criador, muito menos deixar de acompanhar o seu desenvolvimento. 1 O USO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO ÂMBITO JURÍDICO O mundo tem se desenvolvido de maneira surpreendente no último século, sendo que, nas últimas décadas, a evolução tecnológica realizou saltos gigantescos. Com isso, o ser humano foi obrigado a se adaptar e a se inserir no mundo digital. Nos últimos anos, tem-se utilizado os meios eletrônicos e a Internet para todo tipo de relação, desde transações bancárias, interação social, trabalho, estudos, sendo quase inimaginável a vida em um mundo sem tais ferramentas. A tecnologia existente atualmente é tão extensa que o ser humano já é capaz de desenvolver órgãos artificiais em laboratórios, realizar transplantes sem a necessidade de fazer grandes cortes no paciente e, até mesmo, entender os padrões de consumo de determina pessoa pelo tipo de conteúdo acessado por ela nas redes sociais. A essa tecnologia é dado o nome de Inteligência Artificial (IA) que, segundo John McCarthy:43 É uma ciência e engenharia de fazer máquinas inteligentes, especialmente programas de computador. Está relacionado com a capacidade de um computador em entender a inteligência humana, mas a IA não está confinada em métodos biologicamente observáveis.44 Deste modo, pode-se entender que os computadores, ou softwares, dotados de Inteligência Artificial, armazenam dados e criam padrões para cada tipo de dado inserido, quanto mais informações são lançadas no sistema, mais independente e maior é o nível de conhecimento que esta inteligência atinge.45 Pode-se fazer um comparativo com a inteligência humana, cada vez que se adquire novo conhecimento este é armazenado e pode ser relacionado com outras informações, já pré- existentes, a fim de formar um conceito ou uma ideia. Entretanto, diferentemente da mente humana, a Inteligência Artificial é programada em um servidor digital, com capacidade infinitamente maior do que a humana de armazenamento de informações, não precisa descansar para que esses dados sejam fixados e não deteriora com a facilidade o que ocorre com o corpo humano. Verifica-se, assim, que a Inteligência Artificial é um grande artifício, que pode ser utilizada em diversos seguimentos, podendo gerar informações com uma exatidão impensável para a mente humana, além de ser muito mais rápida e eficiente. Segundo informações da Oracle, uma das empresas desenvolvedoras de Inteligência Artificial: O princípio central da IA é replicar, e depois exceder, a maneira como os humanos percebem e reagem ao mundo. Ela está rapidamente se tornando o pilar da inovação. Alimentada por várias formas de machine learning que reconhecem padrões em dados para permitir previsões, a IA pode agregar valor ao seu negócio ao: - Fornecer uma compreensão mais abrangente sobra a abundância de dados disponíveis; - Contar com previsões para automatizar tarefas excessivamente complexas ou mundanas.46 Deste modo, verifica-se que a Inteligência Artificial pode ser muito útil e facilitar a vida e o desenvolvimento humano em muitos aspectos. Importante ressaltar que a Inteligência Artificial é um programa, criado por humanos, sendo que são fornecidos determinados dados no sistema, a partir dos quais será possível o machine learning (aprendizado da máquina), no qual a IA irá analisar as informações, a fim de encontrar padrões e, a partir de então, prever os resultados, sendo certo que a qualidade dos dados gerados pela IA dependerá da qualidade dos dados que lhe foram fornecidos.47 Diante de tantos aspectos positivos, verificou-se a possibilidade de a utilizar no âmbito jurídico. Nos EUA, desde 2017, já é grande o número de escritórios de advocacia que se utilizam de IA para realizar diversas funções, desde pesquisa, conferência de documentos e organização destes, análise de contratos e documentos legais para fim de criar petições e dar pareceres, além de jurimetria (previsão analítica de um resultado possível a partir da análise de dados e dos julgamentos realizados por determinado Tribunal)48. Evidentemente que, essa utilização, por si só, já gera inúmeros questionamentos, uma vez que o Direito é propriedade intelectual e deve ser produzido por humanos, considerando que advém destes, a partir da vivência humana é que são verificadas as necessidades de regramento. Por isso, a mecanização do Direito se mostra preocupante. Por outro lado, Anthony E. Davis, estima que, até 2026 a IA desenvolvida para fins jurídicos e legais, de forma global, irá crescer cerca de 35,9% ao ano. Sua previsão é baseada em estudos realizados por Zion Market Research. Além disso, também se pautou no lançamento, em 2017, de uma IA, pela empresa JP Morgan, com a finalidade exclusiva de fazer o trabalho acima indicado, além de outras funcionalidades básicas e, até mesmo, petições. A IA da JP Morgan tem como slogan que tal sistema “realiza em segundos o que advogados levam trezentos e sessenta mil horas para fazer”49 50. Assim, verifica-se que a IA é uma realidade que não pode ser afastada do âmbito jurídico, de todo modo, há necessidade de ser estudada e utilizada com cautela. 1.1 O USO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PARA O JULGAMENTO PELOS TRIBUNAIS SUPERIORES NO BRASIL No Brasil, a IA já vem sendo utilizada, também,no âmbito judicial, tanto por escritórios de advocacia, quanto pelo próprio Poder Judiciário e organismos governamentais, para fim de pautar suas decisões. O Código de Processo Civil de 2015 inovou ao trazer o instituto dos precedentes, como forma de criar um entendimento a ser seguido no julgamento de determinado assunto. Abellán51 conceitua os precedentes, em tradução livre, como: Na linguagem jurídica o termo precedente se usa para designar o critério da razão jurídica na qual se funda a decisão judicial adotada em um caso anterior, substancialmente igual ao que se deve decidir agora. O precedente faz referência não propriamente ao caso nem a decisão proferida no caso, mas sim ao critério utilizado para apoiar a decisão e a aplicação da lei ao caso52. Deste modo, cada vez mais há a necessidade de criação de mecanismos para pacificar a interpretação dada a determinado dispositivo legal, à fim de garantir a segurança jurídica. Com o advento dos precedentes no sistema processual brasileiro, se tornou latente a necessidade de verificação da similitude entre os casos, para fim de que se possa aplicar o precedente existente, ou mesmo, para que se possa escolher quais os casos que irão liderar o julgamento do Recurso Repetitivo que firmará o precedente vinculante. Deste modo, se mostra necessária a criação de um sistema informatizado de agrupamento e catalogação dos inúmeros casos que chegam ao Poder Judiciário brasileiro. Além da necessária padronização das decisões judiciais, outro problema que assola o Poder Judiciário brasileiro é o grande volume de ações que são distribuídas anualmente. Conforme pesquisa divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)53, no ano de 2020, foram distribuídos aos Tribunais Superiores 724.816 novos casos, sendo que foram julgados, no mesmo período, um total de 701.051, entre casos já existentes, oriundos dos anos anteriores e novos casos, deste modo, há um passivo (casos pendentes de julgamento), nos Tribunais Superiores de 799.118, um crescimento de 10,7% em relação ao ano de 2019. Em que pese o aumento no passivo se dê, em grande parte, pela pandemia da Covid-19 e a necessidade de adaptação ao ambiente virtual durante o ano de 2020, o fato é que, mesmo que assim não fosse, o número que casos levados a julgamento, anualmente, aos Tribunais Superiores é muito elevado frente ao contingente disponível. Ciente do acima exposto, o CNJ e os Tribunais brasileiros vêm buscando formas de otimizar e melhorar a prestação jurisdicional. Deste modo, no dia 30 de maio de 2018, a Ministra Carmem Lúcia, ao final da sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF), divulgou que já estava em funcionamento a ferramenta Victor, uma IA, desenvolvida em parceria com a UnB (Universidade de Brasília), para fim de auxiliar e agilizar os julgamentos do STF54. Segundo informações disponíveis no próprio site do STF, o primeiro estudo realizado com a IA foi no sentido de identificar a necessidade de conversão dos processos, recebidos de todos os Tribunais do país, para o formato de texto, uma vez que, os arquivos digitais, muitas vezes, estão gravados em formato de imagem, que não é lido pela IA. Posteriormente, foi necessário fazer a divisão das peças, gravas em um único arquivo, identificando o que é petição, documentos e decisões, para, somente depois, proceder à separação e classificação das peças mais usadas no STF e, por fim, realizar a separação dos temas mais recorrentes. Quanto aos temas de repercussão geral, estes foram separados em vinte e sete matérias55. Victor recebeu este nome, em homenagem ao Ministro Victor Nunes Leal (falecido), que atuou no STF de 1960 a 1969, e foi o “principal responsável pela sistematização da jurisprudência do STF em Súmula, o que facilitou a aplicação dos precedentes judiciais aos recursos.56” Em que pese Victor tenha entrado em funcionamento, em fase de testes, em 2018, até agosto de 2021 ainda não se têm notícias sobre a sua implantação definitiva, sendo aprimorado, para fim de realizar a indexação das peças e classificá-las. Segundo o STF: O Victor é uma inteligência artificial voltada para apoiar a atividade de análise de admissibilidade recursal, mediante sinalização de que um dado tema de repercussão geral, ou mais de um, se aplica ao caso dos autos. Trata-se, portanto, de um indicativo que sempre é validado ou confirmado durante a efetiva apreciação do caso concreto pelos ministros. Atualmente, todos os recursos extraordinários e recursos extraordinários com agravo recebidos no STF são autuados e analisados pela Secretaria de Gestão de Precedentes e decididos pelo ministro presidente. Decidindo-se pelo enquadramento em tema de repercussão geral, o processo é devolvido à instância de origem para sua apreciação. Em caso negativo, e igualmente não se verificando outras questões processuais, como a tempestividade e oportunidade de aplicação de súmulas, o presidente determina a distribuição dos recursos aos demais ministros da Corte.57 Portanto, a princípio, a IA, no âmbito da Suprema Corte brasileira, não é utilizada para proferir decisões, mas sim para identificar a existência, ou não, de tema de repercussão geral no recurso interposto e para auxiliar a decisão do Ministro Presidente quanto ao processamento do recurso. Além disso, em novembro de 2021, o STF informou a implementação de novos recursos para a extração automática das leis citadas em acórdãos e decisões monocráticas, como modo de melhorar, ainda mais, o pesquisador de jurisprudência do órgão. O trabalho, desenvolvido pela Coordenadoria de Jurisprudência está sendo aprimorado a partir de uma ferramenta informatizada, elaborada pela STI, em parceria com a Digesto Pesquisa e Banco de Dados S.A. e tem por objetivo a extração automatizada de precedentes das decisões, através de indexadores e mecanismos de busca, facilitando a pesquisa dos usuários externos: A legislação é extraída por um modelo de reconhecimento de entidades nomeadas (named-entity recognition - NER), que emprega redes neurais (neural networks) e foi treinado em uma coleção de 20 mil acórdãos cujas normas já haviam sido previamente catalogadas pela Coordenadoria de Jurisprudência. Em complemento a esse modelo e para apoiar o sistema, a empresa contratada também construiu um dicionário de apelidos de normas e estruturou um conjunto de regras destinadas a identificar as relações de hierarquia dos elementos com as normas correspondentes e dos elementos entre si.58 É possível constatar, deste modo, que a Corte Suprema vem utilizando, cada vez mais da IA para auxiliar o seu processamento interno e otimizar o seu trabalho, facilitando a análise dos processos que lhe são apresentados, além de auxiliar a consulta à jurisprudência já existente. Para além do STF, outros Tribunais brasileiros também estão desenvolvendo suas próprias IA com o objetivo de auxiliar nos seus julgamentos, quer para a facilitação de consultas à precedentes, quer para a análise de casos. Em pesquisa realizada pela FGV Conhecimento Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário, sob a coordenação do Ministro do Superior Tribunal Justiça (STJ), Luis Felipe Salomão, foram analisados 36 Tribunais brasileiros, dentre Superiores, Regionais do Trabalho, Regionais Federais e de Justiça, sendo que, somente nove Estados brasileiros não possuem nenhum tipo de IA (seja projeto ou em funcionamento)59. Segundo a pesquisa, os projetos de IA desenvolvidos pelos Tribunais brasileiros, em sua maioria, são elaborados pela própria equipe interna do órgão (quarenta e sete), três foram elaborados em parceria com universidades e treze foram desenvolvidos através de parceria com empresas privadas e, apenas um, por outro órgão governamental60. A pesquisa constata que: De forma geral, os projetos de IA nos tribunais comportaram as seguintes funcionalidades: verificação das hipóteses de improcedência liminar do pedido nos moldes enumerados nos incisos do artigo 332 do Código de Processo Civil; sugestão de minuta; agrupamento por similaridade;realização do juízo de admissibilidade dos recursos; classificação dos processos por assunto; tratamento de demandas de massa; penhora on-line; extração de dados de acórdãos; reconhecimento facial; chatbot; cálculo de probabilidade de reversão de decisões; classificação de petições; indicação de prescrição; padronização de documentos; transcrição de audiências; distribuição automatizada; e classificação de sentenças. Os principais objetivos atendidos pela inteligência artificial são: otimização de atendimentos aos advogados e ao público; maior segurança; automação de atividades; melhor gestão dos recursos humanos para a atividade-fim do Judiciário; aumento da celeridade na tramitação processual.61 Verifica-se, assim, que os Tribunais brasileiros, em sua maioria, já possuem ferramentas, no mínimo em fase de desenvolvimento, para fim de: auxiliar os julgadores a realizar pesquisas; organizar pareceres; verificar a existência de precedentes que podem ser utilizados no julgamento de determinada matéria; realizar a divisão, por tema, dos processos; e já existe, inclusive, sistemas capazes de sugerir minutas de decisões, a partir das decisões tomadas anteriormente e com base nos dados de outros processos já julgados por aquele Tribunal. 2 A LIMITAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA Não há dúvidas da capacidade da IA de analisar dados e gerar resultados, com base nas informações carreadas em seus sistemas, inclusive, de construir sentenças, acórdãos, petições, tudo de acordo com o que está sendo avaliado e, ainda, baseando-se nas próprias decisões tomadas anteriormente, seja por aquele julgador, seja pelo advogado, seja em razão de quem postula ou a qual órgão é dirigido, de modo que, com precisão matemática, a IA consegue verificar as melhores possibilidades a serem aplicadas em determinado caso, para fim de que se tenha o resultado almejado, no caso dos postulantes, ou para fim de facilitar e apenas reproduzir o entendimento já fixado anteriormente, no caso dos julgadores. Em que pese haja uma desigualdade entre aqueles que detém IA e aqueles que não tem acesso a essa tecnologia, o que já, por si só, pode ser considerado como um fator que prejudica e torna desigual o acesso à Justiça, não é nesse sentido que se irá discorrer, aqui a análise será mais pragmática. Sabe-se, de todo modo, da necessidade da otimização do trabalho desempenhado pelo Poder Judiciário brasileiro, uma vez que, como já visto acima, existe um número expressivo de ações que chegam aos Tribunais, diariamente, tornando quase impossível, considerada a capacidade dos órgãos, de haver uma solução rápida e efetiva aos problemas que lhe são apresentados. Para além disso, ainda existe a disparidade nas interpretações dadas à lei, que faz com que haja a necessidade de se garantir a isonomia jurídica e a segurança jurídica, não deixando o cidadão à mercê de um entendimento ou de outro quando coloca sob judice a sua demanda. Sopesando o princípio da soberania das decisões com o princípio da segurança jurídica, verifica-se que há uma necessidade urgente na padronização das decisões tomadas pelos Tribunais Superiores, para fim de evitar incongruências e disparidade entre as interpretações dadas à determinada norma, tanto o é que, em 2015, foi incluído no Código de Processo Civil o sistema de precedentes, como forma de trazer ao jurisdicionado uma solução equitativa. A princípio, parece uma boa solução o uso de IA para tal fim, uma vez que, mecanizando o trabalho, as chances de erro diminuem, gerando, assim, resultados mais céleres e corretos, de acordo com o que foi definido como apropriado no desenvolvimento da IA. De todo modo, não é uma análise tão simples de ser feita. Dierle Nunes e Ana Luiza Pinto Coelho Marques destacam que: [...] assim, que, na própria constituição dos sistemas de IA se fazem escolhas que refletem também as opiniões e prioridades dos criadores, as quais influenciam diretamente as respostas do sistema. Não se pode ignorar, assim, a impossibilidade de isenção completa, até mesmo ao se falar de inteligência artificial e de sistemas que, muitas vezes, são tratados como universais e “desenviesados”, porquanto o ponto de partida é sempre uma atividade humana de seleção de informações e dados, os quais refletem, também, o contexto social de quem os produziu. E tal preocupação se liga diretamente ao estudo dos vieses cognitivos (cognitive biases)62. Portanto, a IA não pode ser considerada como isenta de equívocos ou de resultados parciais, uma vez que foi criada com determinado objetivo, por humanos e, desta forma, pode privilegiar determinados dados ao invés de outros, a conduzir a uma falsa realidade. Um dos maiores problemas está, justamente, no fato dos operadores do Direito não serem experts em desenvolvimento de IA cabendo, a uma pequena parcela o conhecimento técnico necessário para identificar essas lacunas existentes na IA e, assim, ter um olhar crítico quanto aos resultados que são ofertados. Nesse sentido, Dierle e Aline ressaltam que, as informações selecionadas, por si só, não são um problema, de todo modo, a ignorância sobre este fato e a omissão quanto aos dados pesquisados pela IA (somente são gerados resultados, nem sempre o sistema informa as fontes que o levaram àquela conclusão – até por serem muitos), somados à autoalimentação dos dados pela IA podem enviesar para um mecanismo de “segregação ou erro, amparado pela pretensa imparcialidade da matemática”.63 A título de exemplo dos erros que podem ser cometidos pelas IA são as diversas notícias e pesquisas realizadas, em todo o mundo, que demonstram que há mais chances de uma pessoa negra ser presa erroneamente, em razão de reconhecimento facial feito por IA através de um retrato falado do que um branco. Recentemente, a rede social twitter foi acusada de racismo, uma vez que sua IA privilegia rostos brancos em fotografias nas quais também estejam presentes pessoas negras64. São muitas as acusações de racismo cometidas em razão dos algoritmos gerados por IA sendo que, nem mesmo seus desenvolvedores, conseguem explicar o ocorrido, haja vista que as IA se sustentam e desenvolvem novas bases e resultados a partir da sua autoalimentação de dados, atuando sem a necessidade de ingerência humana após a sua implementação. Claramente esses problemas ocorrem em razão da sua base cadastral inicial, que privilegiou determinado grupo de informações, de acordo com o que foi programado, mesmo que essa informação inicial não tivesse cunho racista ou segregacionista. Entretanto, como já falado acima, as IA são desenvolvidas por pessoas, que, por vezes, acabam por preterir determinados dados em favor de outros, gerando, sem intenção, um resultado que seja mais enviesado para uma determinada corrente ou assunto. Se até mesmo direitos fundamentais globais sofrem com IA que já se encontram disponíveis há tempos, como são os casos de racismo, o que dizer de sistemas nos quais são analisadas decisões judiciais em determinada localidade. A partir disso, é possível verificar que a IA não é isenta de equívocos, e pior, estes muitas vezes sequer serão descobertos prontamente, considerando o número de dados analisados para cada decisão e a impossibilidade de se verificar cada um desses dados para fim de fazer um juízo de valor do que está sendo apresentado pelo sistema. Não se pretende afastar a importância de tal mecanismo para fim de celeridade processual, uma vez que pode analisar milhares de dados em segundos, de forma a melhor separar os temas a serem decididos, com a indicação dos precedentes auxiliadores do julgamento etc. Entretanto, franquear à IA o poder decisório pode ser perigoso. Uma vez que lhe é conferida a capacidade de decidir determinado caso autonomamente, a IA utilizará do seu banco de dados para a tomada daquela decisão – o que já foi demonstrado acima como falível. Ademais, não há como garantir que a IA possa, a partir dos precedentes, de fato, verificar a existência de distinguishing ou overruling (distinção ou superação do precedente), uma vez que,como já dito, não se tem acesso integral aos dados que motivaram a decisão do sistema, não sendo capaz de identificar a ratio decidendi. E mais, tornar o ato decisório em aplicação fria e matemática retira a essência do Poder Judiciário, uma vez que o Direito é produto cultural, o qual depende da análise não apenas da lei, mas da lei em aplicação a um caso concreto, em determinada época, à luz de determinada população, sendo certo que não é possível garantir a igualdade de casos, de forma universal. Permitir que as decisões sejam conferidas de forma robótica, em verdadeira aplicação fordista é o mesmo que desumanizar o caráter decisório, gerando apenas uma resposta calculada. Importante refletir, ainda, que a atividade decisória sempre deve ser fundamentada (vide artigo 93, IX e X da CF65, bem como artigo 489, II, do CPC). Verifica-se que, o Código de Processo Civil (CPC) considera não fundamentada a decisão que (artigo 489, § 1º): I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedentes ou enunciados de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. 66 Da simples análise dos incisos acima já é possível verificar que, no contexto atual, a IA é incapaz de decidir, considerando que somente consegue reproduzir resultados já constantes em seu banco de dados, sem a real verificação dos elementos individualizadores do caso. Permitir que decisões judiciais sejam tomadas por IA é o mesmo que impedir o acesso à Justiça na sua forma mais fundamental, uma vez que a justa expectativa criada ao jurisdicionado, a partir dos preceitos constitucionais e processuais é justamente de que a sua resposta será dada em decisão racional, fundamentada e à luz das especificidades do caso. Ora, possibilitar que decisões sejam proferidas por IA fará com que o cidadão tenha possibilidade de ingressar com uma ação, para fim de ter uma resposta quanto ao direito que alega ter, de todo modo, a sua demanda será analisada de acordo com o que já ocorreu em outros casos semelhantes, sem, de fato, haver uma análise individualizada e pessoal, apenas uma análise informatizada e genérica feita pela IA. A resposta que lhe será dada dificilmente será reformada, considerando que a IA já antevê o que poderia ser decidido no futuro, a partir da análise dos julgamentos anteriores, para fim de evitar reformas e mitigar os recursos – afinal de contas a finalidade dela é justamente a diminuição dos casos que são levados aos Tribunais. Portanto, a resposta que será conferida ao jurisdicionado não será a resposta à sua questão, mas sim uma questão genérica e já analisada, ferindo, assim, o seu direito constitucional de acesso à Justiça, uma vez que, conforme traz Capelleti, o verdadeiro acesso à Justiça se dá pela “igualdade de armas” e que a resposta à lide “depende apenas dos méritos jurídicos relativos das partes antagônicas, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao Direito e que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação dos direitos.”67 Não se pode criar mecanismos com a justificativa de garantir o acesso à Justiça, através do seu elemento celeridade, se este não for específico e individualizado ao caso que se apresenta. Desta feita, Streck bem elucida o que é necessário à uma decisão judicial: Ao contrário do que se diz, não interpretamos para, depois, compreender. Na verdade, compreendemos para interpretar, sendo a interpretação a explicitação do compreendido, para usar as palavras de Gadamer. Essa explicitação não prescinde de uma estruturação no plano argumentativo (é o que se pode denominar de “como apofântico”). A explicitação da resposta de cada caso deverá estar sustentada em consistente justificação, contendo a reconstrução do direito, doutrinária e jurisprudencialmente, confrontando tradições, enfim, trazendo a lume a fundamentação jurídica que, ao fim e ao cabo, legitimará a decisão no plano do que se entende por responsabilidade política do intérprete no paradigma do Estado Democrático de Direito.68 Também se questiona a preocupação exacerbada em se resolver o número de demandas e não se importar com “quem são” as pessoas envolvidas. Sendo que o que se verifica é uma importância muito elevada em números e estatísticas de casos resolvidos, sem se analisar a que “custo” essas demandas são resolvidas, se há de fato a prestação jurisdicional que foi esperada, se houve uma resposta efetiva e a satisfação do jurisdicionado.69 Por isso, não se pode dizer que há a verdadeira efetivação do acesso à Justiça, esculpido no artigo 5º, XXXV, da CF70, caso as decisões judiciais sejam proferidas por IA, uma vez que esta não tem o poder, e nem a capacidade, de dar a resposta necessária, com a análise individualizada e precisa do caso que lhe é apresentado, com todas as nuances que devem ser analisadas. CONCLUSÃO Considerando o desenvolvimento social e tecnológico, cada vez mais existe a necessidade do Poder Judiciário se atualizar para acompanhar a sociedade que representa e para fim de melhorar o desempenho das suas atividades. Desde que os computadores foram criados, o ser humano vem aprimorando a ferramenta, para facilitar a sua vida e se enveredar para o desenvolvimento intelectual, deixando os serviços mecânicos para as máquinas. Todavia, nas últimas décadas, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento tecnológico cresceu de tal maneira que chegou a se equiparar, em alguns pontos, à inteligência humana. Atualmente, sistemas informatizados, chamados de Inteligência Artificial, têm a capacidade de analisar dados e, a partir desses, dar uma resposta inteligente ao que lhe é exposto, em verdadeira simulação da inteligência humana. Esta Inteligência Artificial está inserida no dia a dia, embora muitas vezes não a vejamos, desde o aplicativo de mapas e trânsito que prevê a rota mais rápida até o nosso destino, até mesmo os supercomputadores que são capazes de desvendar o DNA do Novo Coronavírus e desenvolver medicamentos/vacinas eficazes para o seu tratamento ou mesmo robôs capazes de realizarem cirurgias. Não há como negar que estamos na era digital e, recentemente, nos foi apresentado, inclusive um Metaverso, no qual a interação é toda digital, no qual todas as relações, trabalhos, propriedades são apenas algoritmos de computador. Diante disso, o Poder Judiciário também tem necessidade de se adequar a essas ferramentas para melhor atender ao jurisdicionado. Desde 2017 os Tribunais brasileiros vêm desenvolvendo Inteligências Artificiais capazes de indexar, compilar e organizar decisões judiciais, processos e precedentes de acordo com a matéria que está sendo analisada, para fim de tornar mais célere e eficiente a resposta a ser dada. Victor, Inteligência Artificial do STF em convênio com a UnB, tem por objetivo destrinchar os casos pendentes de exame na Corte Suprema, para fim de identificar qual o caso a ser analisado e se está de acordo com algum recurso repetitivo, para fim de otimizar o exame e a resposta a ser dada pelo Tribunal. Verifica-se, entretanto, que já existe, no Brasil, algumas Inteligências Artificiais capazes, até mesmo, de elaborar minutas para os julgadores, de acordo com as decisões e precedentes já constantes no seu banco de dados, sem, efetivamente, analisar as especificidades do caso, uma vez que se utiliza de parâmetros pré-determinados para realizar esse julgamento. O problemaque se verifica com esse tipo de Inteligência Artificial é, justamente, a falsa sensação de acesso à Justiça que ela gera. Apesar de, a princípio, parecer algo interessante que gere uma resposta rápida e padronizada, nos moldes previstos em determinado precedente, a otimizar o tempo de resposta e, também, não gerar insegurança jurídica quanto à disparidade das decisões que poderiam existir, a questão é mais profunda. As Inteligências Artificiais são sistemas, os quais são programados para fim de analisar determinado número de dados e, a partir de então, criar um padrão de resposta para casos semelhantes ou, ainda, prever a decisão que será dada em relação aos dados que existem em seu banco. Apesar de ser um sistema totalmente independente, após seu desenvolvimento, existem pontos em branco na análise que ele realiza, uma vez que é humanamente impossível prever, para fins de programação, todas as hipóteses que podem existir em determinada questão. Por isso, o sistema se utilizará do padrão que conhece, ao qual foi programado, não fazendo uma análise crítica e global do assunto, mas apenas de acordo com o que tem em seu banco de dados e, apesar de se autoalimentar, para fim de aprimoramento, o padrão será seguido, de acordo com o que conhece, não sendo capaz de inovar. A partir disso é possível concluir que, caso a Inteligência Artificial seja programada para decidir questões judiciais, seu programa apenas irá refletir o que já conhece e o que está em seu banco de dados, não analisando propriamente o caso, mas sim o conjunto de elementos que conhece sobre aquela matéria. Desta forma, pode a Inteligência Artificial não analisar um determinado elemento do caso que era de extrema importância e que poderia modificar a decisão ali sugerida, justamente por não a ter inserida, previamente, em seu sistema. O que a Inteligência Artificial é capaz de fazer é meramente uma análise matemática de dados, não tendo capacidade de, à vista de um caso concreto, analisá-lo da forma necessária para chegar a um resultado, sendo que a sua resposta sempre será unicamente lógica e não necessariamente racionalizada. Assim, conclui-se que, à luz dos preceitos constitucionais, especificamente do princípio do acesso à Justiça, que deve se dar no seu conceito amplo e não apenas no direito de ingressar com uma petição, a Inteligência Artificial é capaz de auxiliar na tomada de decisões, uma vez que poderá servir como ferramenta para análise de precedentes, jurisprudência e tendências em determinada matéria, além de poder fazer o controle de questões meramente processuais como a contagem de prazo, pagamento de taxas, existência de procuração nos autos etc. De todo modo, a Inteligência Artificial não poderá ser utilizada como mecanismo decisório, uma vez que essa atividade somente cabe ao julgador, que detém essa capacidade, nos termos da Constituição Federal, artigo 93, IX e X, enquanto qualquer decisão emitida por um sistema esbarrará no óbice disposto no artigo 489, § 1º, do Código de Processo Civil, não produzindo, efetivamente, uma decisão. Portanto, em que pese o uso da Inteligência Artificial possa auxiliar o Poder Judiciário a otimizar o seu trabalho e organizá-lo através de um método definido, a gerar maior eficiência e permitir uma resposta mais célere e equitativa aos jurisdicionados, ela não pode ser utilizada em substituição ao juiz, cabendo a este a análise de todos os elementos constantes no processo capazes de gerar seu livre convencimento. REFERÊNCIAS ABELLÁN, Marina Felicia Gascón. Autoprecedente y creación de precedentes en el Tribunal Supremo. Teoría jurídica contemporanea, jul. dez., 2016. p. 238-271. BRASIL, Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2021 – Brasília: CNJ, 2021. Disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/11/relatorio-justica-em- numeros2021-221121.pdf. Acesso em: 29/11/2021. BRASIL. Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. Publicada em 16 de março de 2015. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Publicada em 05 de outubro de 1988. BRASIL. 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Inteligência Artificial e Direito Processual: vieses algorítmicos e os riscos de atribuição de função decisória às máquinas in Revista de Processo: Revista dos Tribunais. vol. 285 Nov 2018 p. 423.48 DAVIS. Anthony E. The Future of Law Firms (and Lawyers) in the Age of Artificial Intelligence in Revista Direito GV: São Paulo. V. 16 n. 1 e1945, 2020. Disponível em https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/view/81684/77904. Acesso em 14/12/2021. p. 3-5. 49 Tradução livre elaborada pela autora – vide original: “Seconds What Took Lawyers 360,000 Hours.” 50 DAVIS. Anthony E. The Future of Law Firms (and Lawyers) in the Age of Artificial Intelligence in Revista Direito GV: São Paulo. V. 16 n. 1 e1945, 2020. Disponível em https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/view/81684/77904. Acesso em 14/12/2021. p. 5. 51 ABELLÁN, Marina Felicia Gascón. Autoprecedente y creación de precedentes en el Tribunal Supremo in Teoría jurídica contemporanea, jul. dez., 2016. p. 239. 52 Tradução livre elaborada pela autora – vide original: “En el lenguaje jurídico el término precedente se usa para designar el criterio o razón jurídica en el que se funda la decisión judicial adoptada en un caso anterior sustancialmente igual al que debe decidir - se ahora. El precedente, pues, hace referencia no propiamente al caso ni a la decisión provista para el mismo sino al criterio o regla ofrecido para apoyar esa decisión: la ley del caso.” 53 BRASIL, Conselho Nacional de Justiça, Justiça em números 2021 – Brasília: CNJ, 2021. Disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/11/relatorio-justica-em-numeros2021-221121.pdf. Acesso em: 29/11/2021 p. 53. 54 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Ministra Cármen Lúcia anuncia início de funcionamento do Projeto Victor, de Inteligência Artificial. Publicada em 30/05/2018 Disponível em http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp? idConteudo=388443&ori=1. Acesso em 14/12/2021. 55 BRASIL. STF. Projeto Victor avança em pesquisa e desenvolvimento para identificação dos temas de repercussão geral. Publicado em 19/08/2021 Disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=471331&ori=1. Acesso em 10/12/2021. 56 BRASIL. STF. Projeto Victor avança em pesquisa e desenvolvimento para identificação dos temas de repercussão geral. Publicado em 19/08/2021 Disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=471331&ori=1. Acesso em 10/12/2021. 57 BRASIL. STF. Projeto Victor avança em pesquisa e desenvolvimento para identificação dos temas de repercussão geral. Publicado em 19/08/2021 Disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=471331&ori=1. Acesso em 10/12/2021. 58 BRASIL. STF. Inteligência Artificial otimiza catalogação de legislação no banco de jurisprudência do STF. Publicado em 25/11/2021. Disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=477199&ori=1. Acesso em 14/12/2021. 59 FGV CONHECIMENTO CENTRO DE INOVAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PESQUISA DO JUDICIÁRIO. Inteligência Artifical: Tecnologia aplicada à gestão dos conflitos no âmbito do Poder Judiciário Brasileiro. Coord. Luis Felipe Salomão. FGV: 2020 p. 65 . 60 FGV Conhecimento Centro De Inovação, Administração E Pesquisa Do Judiciário. Inteligência Artifical: Tecnologia aplicada à gestão dos conflitos no âmbito do Poder Judiciário Brasileiro. Coord. Luis Felipe Salomão. FGV: 2020 p. 69. 61 FGV Conhecimento Centro De Inovação, Administração E Pesquisa Do Judiciário. Inteligência Artifical: Tecnologia aplicada à gestão dos conflitos no âmbito do Poder Judiciário Brasileiro. Coord. Luis Felipe Salomão. FGV: 2020 p. 69. 62 NUNES, Dierle. MARQUES, Ana Luiza Pinto Coelho. Inteligência Artificial e Direito Processual: vieses algorítmicos e os riscos de atribuição de função decisória às máquinas in Revista de Processo: Revista dos Tribunais. vol. 285 Nov 2018 p. 425. 63 NUNES, Dierle. MARQUES, Ana Luiza Pinto Coelho. Inteligência Artificial e Direito Processual: vieses algorítmicos e os riscos de atribuição de função decisória às máquinas in Revista de Processo: Revista dos Tribunais. vol. 285 Nov 2018 p. 425. 64 INFOBASE. Inteligência Artifical e a perpetuação do racismo. Disponível em https://infobase.com.br/inteligencia-artificial- e-a-perpetuacao-do-racismo/. Acesso em 14/12/2021. 65 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Publicada em 05 de outubro de 1988. 66 BRASIL. Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. Publicada em 16 de março de 2015. 67 CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988 p. 15. 68 STRECK, Lênio Luiz. Entre o ativismo e a judicialização da política: a difícil concretização do direito fundamental a uma decisão judicial constitucionalmente adequada in Espaço Jurídico Journal of Law. Joaçaba, v. 17, n. 3, set./dez. 2016, p. 721- 732. Disponível em http://dx.doi.org/10.18593/ejjl.v17i3.12206. Acesso em 06/11/2021 p. 730. 69 NUNES, Dierle. PAOLINELLI, Camilla Mattos. Novos designs tecnológicos no sistema de resolução de conflitos: ODR, e-acesso à justiça e seus paradoxos no Brasil in Revista de Processo. Revista dos Tribunais. vol. 314/2021 Abril/2021 p. 397. 70 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Publicada em 05 de outubro de 1988. CAPÍTULO QUATRO Sumário: Introdução. 1. Coisa julgada e ação rescisória. 2. Segurança jurídica. 3. A súmula 343 do STF. 4. Conclusão. RESUMO: O presente artigo tem como objetivo discutir a aplicabilidade da Súmula 343 do STF na vigência do CPC/2015, uma vez que as alterações feitas no inciso V do artigo 966 do CPC, com a adoção da manifesta violação à ordem jurídica como causa de rescisão, bem como as relativas ao implemento do sistema de precedentes e ao julgamento do RE nº 590.809 pelo Supremo Tribunal permitem indagar sobre a racionalidade do impedimento imposto às ações rescisórias sobre temas outrora controvertidos que afinal receberam definição em consonância com a ordem constitucional, mas que não pode ser aplicada a casos semelhantes em virtude do entendimento sumulado. Nesse sentido, tratou-se dos princípios da segurança jurídica e da isonomia, assim como da observação das posições adotadas pelos tribunais superiores quanto à aplicação da mencionada súmula às rescisões propostas nas demandas que discutiram a denominada “tese do século”. PALAVRAS-CHAVE: Direito Processual Civil. Direito constitucional. Ação rescisória. Súmula 343 do STF. ABSTRACT: This article aims to discuss the applicability of Precedent 343 of Supreme Court under the CPC/2015, since the changes made in item V of article 966 of the CPC, with the adoption of the manifest violation of the legal order as a cause for rescission, as well as those relating to the implementation of the system of precedents and the judgment of RE N. 590,809 by the Supreme Court, allow us to inquire about the rationality of the impediment imposed on rescissory actions on formerly controversial issues that, in the end, were defined in accordance with the constitutional order, but which cannot be applied to similar cases by virtue of the implied understanding. Thereby, it dealt with the principles of legal certainty and equality, as well as the observation of the positions adopted by the higher courts regarding the application of the aforementioned summary to the rescissions proposed in the demands that discussed the so-called “thesis of the century”. KEYWORDS: Civil Procedural Law. Constitutional right. Rescissory action. Precedent 343 of the STF. INTRODUÇÃO A Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 2º, estabelece que são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Este último tem como escopo último a promoção da paz social por meio da resolução de conflitos de interesse e, para tanto, é manifestação cogente e definitiva do Estado, que efetiva os direitos que reconhece e que declara obrigações. Estabelece, em última análise, regras e diretrizes para a vida em sociedade a partir das interpretações dadas às leis. A população tem nos dizeres do Poder Judiciário regras de condutae parâmetros para discernir se age de maneira lícita e quais as consequências para os seus atos. O Brasil, Estado Democrático de Direito que é, investiu o Poder Judiciário de poderes-deveres e garantias a fim de que pudesse exercer a função de pacificar os conflitos sociais e assumisse a tarefa de induzir o comportamento dos cidadãos para que se conformem às finalidades públicas71. A partir destas primeiras ponderações já se percebe a enorme importância do papel dogmático da coisa julgada em nosso ordenamento jurídico: ali reside a força não só do que foi decidido entre as partes e para as partes, mas também se alicerçam as estruturas da previsibilidade de que o cidadão necessita para pautar as suas condutas cotidianas. Há que se ressaltar que a observância da coisa julgada não constitui garantia absoluta. É possível identificar mecanismos idealizados pelo legislador ordinário para possibilitar a sua relativização, sem que seja ferida a ordem constitucional. Há que se perquirir, todavia, quais limites devem ser observados e qual o modus operandi. Para que o Judiciário possa exercer adequadamente o seu papel de pacificador social, é preciso propor que a comunidade jurídica repense as alterações de entendimento dos tribunais e as repercussões nos feitos outrora transitados em julgado, a fim de que os cidadãos tenham claras quais as regras a observar durante a vida em sociedade e quais as consequências advindas de cada ato. Por tais razões, propõe-se neste trabalho uma reflexão sobre a ação rescisória e a aplicação da Súmula 343 do STF, que dispõe sobre o não cabimento da ação rescisória por violação à literal disposição de lei no caso de matéria controvertida nos tribunais, notadamente à luz do novo CPC e o sistema brasileiro de precedentes. 1 COISA JULGADA E AÇÃO RESCISÓRIA Trata a coisa julgada da autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso, consoante define o artigo 502 do CPC. A imutabilidade decorrente da formação da coisa julgada tem duas consequências, conforme explica Cândido Rangel Dinamarco e Bruno V.C. Lopes: o impedimento à propositura de demanda com objeto idêntico (função negativa da coisa julgada – CPC, arts. 337, inc. VII e §4º, e 485, inc. V) e a vinculação dos juízes de processos futuros a tomar como premissa a situação jurídica definida na decisão transitada em julgado sempre que ela figurar como questão prejudicial (função positiva da coisa julgada – CPC, art. 503).72 A formação da coisa julgada, por sua vez, decorre da conjugação de dois fatos, quais sejam, uma decisão jurisdicional prolatada após cognição exauriente e a existência de trânsito em julgado. Interessante reflexão é posta por Fredie Didier e Paula Sarno no sentido de que, para compreendê-la, há que se partir da premissa de que a norma jurídica concreta que decorre de uma decisão pode se tornar indiscutível e imutável a partir de determinado momento e, quando isso acontecer, há o fenômeno da coisa julgada.73 Quanto aos seus limites objetivos, o órgão julgador, ao dizer o direito para o caso concreto que foi chamado a resolver, estabelece a norma jurídica individualizada e, a partir de então, definitivamente impositiva. O Código de Processo Civil de 2015 alterou a sistemática da preclusão e da extensão da coisa julgada, que passou abranger as questões prejudiciais incidentais, desde que preenchidos os requisitos dos artigos 502 e 503, com destaque para a garantia do efetivo contraditório. Não se inserem dentro de tais limites, contudo, a motivação da decisão e as questões de direito genericamente consideradas. Os limites subjetivos da coisa julgada, por sua vez, vêm expressamente tratados no artigo 506 do CPC, que preceitua que a sentença faz coisa julgada somente às partes às quais é dada e não prejudicará terceiros, sob pena de ofensa às garantias constitucionais do direito de defesa e do contraditório. Há que se observar, por fim, a sua eficácia preclusiva, descrita no artigo 508 do CPC, que dispõe que “transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido”. Constata-se, assim, a fulcral importância da coisa julgada, uma vez que a garantia desta última é, como ensina Tércio Sampaio Ferraz Jr.: uma manifestação da segurança jurídica, segundo a qual não se pode, desde o presente, alterar o sentido normativo decorrente de decisão judicial anterior, com o que se confere segurança por estabilidade, à relação jurídica objeto da decisão, impedindo a continuidade da discussão.74 A eficácia preclusiva da coisa julgada obsta, inclusive, o exame das matérias de ordem pública, pois podem ser examinadas a qualquer tempo, mas antes do trânsito em julgado. Como a preclusão máxima trata indubitavelmente da concretização do princípio da segurança jurídica e em si mesma constitui garantia fundamental, nas palavras de Rennan Thamay75, cabe estudar o instrumento processual por excelência para a sua desconstituição. É a ação rescisória o meio processual próprio para desconstituir a autoridade da coisa julgada. O artigo 800 do Código de Processo Civil de 1939 já registrava a ideia de que a ação rescisória não se presta a corrigir eventual injustiça do julgado. Desde então já restava clara, pois, a proteção legislativa conferida à estabilização das decisões judiciais, eis que a intenção do legislador era permitir a correção de errores in procedendo. O artigo 485 do Código de Processo Civil de 1973, por sua vez, ampliou o seu espectro de cabimento, pois enumera vícios graves que aconselham a desconstituição do julgado, seja em razão de problemas relacionados à competência ou à invalidação de confissão e renúncia, entre outras hipóteses. Objetiva a ação rescisória, portanto, desconstituir provimento jurisdicional eivado de mácula (iudicium rescindens) e, se for o caso, a realização de novo julgamento (iudicium rescissorium). Trata-se de ação autônoma de impugnação que pode ter como causa de pedir apenas as taxativamente enumeradas na legislação processual civil em vigor (artigo 966, §15 do artigo 525, §8º do artigo 535 e 658, todos do CPC) e cujo objeto é um provimento jurisdicional de mérito. Nos artigos 525, §§12 a 15, e 535, §§5º a 8º, o CPC/2015 instituiu nova disciplina relativa à ação rescisória fulcrada em decisão do STF sobre inconstitucionalidade de norma jurídica posterior ao trânsito em julgado. A regulamentação legal da situação já tratada no Tema 733 do STF inovou ao fixar o termo inicial do prazo decadencial na data do trânsito em julgado da decisão que declarar a inconstitucionalidade. Patente, pois, certa instabilidade, como bem pontua Fredie Didier e Paula Sarno: “toda coisa julgada seria intrinsecamente instável, já que há sempre a possibilidade de o STF vir a reconhecer a inconstitucionalidade do ato normativo em que se funda a decisão que transitou em julgado.”76 De toda sorte, há que se resguardar a proteção à coisa julgada, o que poderá ser feito com a modulação dos efeitos da decisão paradigma, de acordo com os parágrafos 13 do artigo 525 e 6º do artigo 538 do CPC. Assim, o STF poderá fixar uma data a partir da qual os efeitos da decisão paradigma serão produzidos. Situação diversa, todavia, é a que se refere às decisões que regulam relações jurídicas permanentes ou de trato continuado, das quais são exemplos as previdenciárias, as alimentícias e as locatícias. Nesses casos, a decisão posterior do STF terá duplo efeito, quais sejam, a autorização de revisão da decisão judicial (artigo 505, inciso I, do CPC) e a eventual rescisão do provimento jurisdicional, por meio de ação rescisória. O novo CPC inaugurou, assim, dois regimes distintos de rescisão: o comum, contido no artigo 966, para rescindir sentenças não executivas, e o especial, para provimentos jurisdicionais com comandos executivos, conforme o momento da mudança jurisprudencial: se anterior ou posterior à formação da coisa julgada. Questão que merece especialatenção é a rescisão outrora prevista no artigo 485, inciso V, do CPC, e atualmente delineada, com alguma modificação, no inciso V do artigo 966 do CPC: a violação à literal disposição ou, hodiernamente, a manifesta violação à norma jurídica. Cuida-se de adaptação da legislação à evolução da realidade jurídica e dos conceitos interpretativos. Há muito a jurisprudência, mesmo a existente sob a vigência do CPC antecessor, admitia a rescisória fundamentada em afronta a princípio77, entendendo o vocábulo lei em seu sentido lato. Dessa forma: ‘Lei’, no dispositivo sob exame, há de entender-se em sentido amplo. Compreende, à evidência, a Constituição, a lei complementar, ordinária ou delegada, a medida provisória, o decreto legislativo, a resolução (Carta da República, art. 59), o decreto emanado do Executivo, o ato normativo baixado por órgão do Poder Judiciário (v.g., regimento interno: Constituição Federal, art. 96, n° I, letra a).78 A norma jurídica, para os fins da ação rescisória, é aquela cujo caráter é geral, e pode ser lei propriamente dita, medida provisória, decreto, processual ou material, precedente obrigatório (artigo 927 do CPC). Norma, por outro lado, é gênero do qual se extraem duas espécies, quais sejam, as regras e os princípios. Ambos, princípios e regras, são normas jurídicas porquanto constituem fundamentos para juízos concretos do dever ser. Todavia, pode-se dizer que exercem papéis distintos no sistema normativo. Segundo Humberto Ávila, a definição do que são princípios recebeu decisiva contribuição a partir dos estudos de Ronald Dworkin: (...) as regras são aplicadas ao modo tudo ou nada (all-or-nothing), no sentido de que, se a hipótese de incidência uma regra é preenchida, ou é a regra válida e a consequência normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada válida. No caso de colisão entre regras, uma delas deve ser considerada inválida. Os princípios, ao contrário, não determinam absolutamente a decisão, mas somente contêm fundamentos, os quais devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros princípios. Daí a afirmação de que os princípios possuem uma dimensão de peso (dimensionofweight), demonstrável na hipótese de colisão entre os princípios, caso em que o princípio com peso relativo maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca a validade.79 Tanto a manifesta violação às regras quanto aos princípios poderão fundamentar a rescindibilidade da decisão de mérito, consoante bem explicitam Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha: Todas essas fontes são objeto de interpretação, a partir da qual se constrói a norma jurídica. O texto de uma lei, da Constituição, de um ato infralegal, de um negócio jurídico ou de uma decisão judicial é objeto de interpretação, devendo- se extrair dele o sentido da norma. Da interpretação das fontes extraem-se ou constroem-se normas jurídicas. Quando se diz que uma norma foi violada, o que se violou foi a interpretação dada à fonte do direito utilizada no caso.80 Tal mudança decorre da transformação sofrida pela metodologia jurídica a partir da segunda metade do século XX, principalmente quanto à hermenêutica jurídica, com o reconhecimento do papel criativo e normativo da atividade jurisdicional, a partir da definição da norma geral a ser extraída e que deve ser aplicada a casos semelhantes. Estabelece-se, ainda, a distinção teórica entre texto e norma, sendo essa o produto da interpretação daquele e, em consequência, expande-se a técnica legislativa das cláusulas gerais, que exigem do órgão jurisdicional um papel ainda mais ativo na criação do Direito.81 A violação, por sua vez, configurar-se-á sob duas formas: ao se aplicar a norma jurídica de maneira indevida ou ao se deixar de aplicar aquela que deveria ter sido observada. Sem dúvida, a violação referida no dispositivo é quanto ao direito, não quanto aos fatos. Há muito já advertia Pontes de Miranda: É preciso, portanto, que se não confundam o erro de direito e o erro de fato. Se foi alegada violação de regra jurídica, acoima-se de error iuris a sentença. Pode não ter sido discutido, nem, sequer, apontado, durante o processo, tal erro. A infração basta. Se o erro foi de fato, então o trato é diferente: quer o juiz tenha admitido fato inexistente, quer tenha considerado o ocorrido fato que não ocorreu, é indispensável que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre isso (art. 485, IX, e §§ 1° e 2° [do CPC/1973]). O que se exige para a ação rescisória por ofensa a regra jurídica é que o juiz a tenha aplicado, e o não devia, ou não a tenha aplicado, se o devia. É rescindível a sentença em que o juiz aplicou regra jurídica, que não cabia ser aplicada, mesmo se nenhuma das partes a invocara: é na aplicação ou na ausência de aplicação que se revela o pressuposto do art. 485, V (‘violar literal disposição de lei’). [...] Quem propõe ação rescisória de sentença com invocação do art. 485, V, somente pode levantar quaestiones iuris. Toda a matéria de fato está definitiva e irrescindivelmente julgada.82 Todos os debates envolvendo a violação à literal disposição de lei ou manifesta inobservância da norma jurídica convidam a ponderar sobre as implicações de se admitir a alteração de provimentos jurisdicionais que já foram acobertados pelo manto da coisa julgada e os eventuais prejuízos à segurança jurídica. 2 SEGURANÇA JURÍDICA Várias são as acepções que podem ser atribuídas à expressão “segurança jurídica”. Opta-se, aqui, por tratá-la como valor e como norma-princípio. A segurança jurídica como valor é aquela que denota juízo axiológico que implica qualificá-la como desejável para fins de desenvolvimento econômico e social de um sistema. Pode, portanto, denotar, na sua concepção axiológica, um ideal de justiça a ser alcançado. O que mais interessa, todavia, é o conceito de segurança jurídica como norma-princípio, como juízo prescritivo para que seja adotado determinado comportamento a fim de aumentar o grau de previsibilidade. Tal concepção é: [...] juspositivista argumentativa, pois, se, de um lado defende a segurança jurídica como dever decorrente do Direito posto, de outro, sustenta que a sua realização depende da reconstrução de sentidos normativos por meio de estruturas argumentativas e hermenêuticas83. Em outros dizeres, é norma que preceitua que a aplicação de outras normas seja realizada de forma a incrementar a capacidade do cidadão de antecipar consequências jurídicas referentes a um determinado fato. Assim, na qualidade de norma, assume as feições de um princípio instrumental e, na qualidade de direito, uma espécie de direito-garantia, cuja função é tanto servir como instrumento de realização de princípios ou de direitos quanto de segurança de orientação e de estado de coisas cuja busca é programática. Seu objeto abrange as consequências jurídicas de atos ou fatos: há segurança jurídica quando o cidadão tem a capacidade de conhecer e de calcular os resultados que serão atribuídos pelo Direito aos seus atos. Todavia, como princípio objetivo, é relativo ao ordenamento jurídico como um todo, a fim de que funcione de forma coerente e estável. Quanto às suas bases constitucionais, não restam dúvidas. O próprio Supremo Tribunal Federal já assentou a hierarquia do princípio constitucional da segurança jurídica84. Princípios procedimentais como os que estabelecem que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (artigo 5º, XXXV), que alguém só pode ser processado e sentenciado pela autoridade competente (artigo 5º, inciso LIII), a observância ao devido processo legal e do contraditório, são comandos que promovem a segurança jurídica. Da mesma forma, as regras de proibição de modificação constitucional (artigo 60 da CF), de legalidade, de anterioridade (artigo 150, III, da CF) e irretroatividade trabalham no mesmo afã. Verifica-se, ainda, que a ideia de certeza é essencial para a compreensão da segurança jurídica. Segundo Canotilho85, o princípio da segurança jurídica pauta-se principalmente em duasideias centrais: a primeira, da estabilidade, na qual se insere o conceito de que uma vez prolatadas, na forma e procedimento legalmente exigidos, as decisões não devem ser modificadas, a não ser quando houver pressupostos materiais particularmente relevantes. A segunda, da previsibilidade, que, fundamentalmente, reconduz à exigência de certeza e da calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos atos normativos. Em resumo, pode-se dizer que a segurança jurídica consiste no “conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida”86. É um direito fundamental que implica normalidade, estabilidade, proteção contra alterações bruscas numa realidade fático- jurídica, expectativa de que o Estado adote comportamentos coerentes, estáveis, não contraditórios. É, portanto, respeito às realidades consolidadas. Nesse sentido, inclusive, a adoção gradual no direito brasileiro de instrumentos de uniformização jurisprudencial para aumentar o grau de cognoscibilidade do ambiente normativo brasileiro, o que estimula a observância voluntária das normas jurídicas, como pondera Paulo Mendes de Oliveira.87 3 A SÚMULA 343 DO STF A discussão posta neste tópico deve ser, antes de mais nada, contextualizada. A Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal foi aprovada na Sessão Plenária de 13/12/1963, a partir das interpretações dadas ao artigo 798, I, “c”, do Código de Processo Civil de 1939, que dispunha que seria nula a sentença quando proferida contra literal disposição de lei, ou seja, redação similar à do artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil/1973. À época, a Suprema Corte ainda era responsável pela última palavra na interpretação tanto do direito constitucional quanto infraconstitucional, porquanto a criação do Superior Tribunal de Justiça aconteceria somente em 1988. Editou, assim, as Súmulas 343 e 400, que tratavam da interpretação razoável da lei como óbice à ação rescisória e ao recurso extraordinário, respectivamente. Segundo conta Welder Queiroz dos Santos, a preocupação, naquele momento histórico, era com a estabilidade das decisões judiciais (ou seja, com a segurança jurídica), uma vez que o prazo decadencial da ação rescisória era de cinco anos na vigência do CPC de 1939.88 Os questionamentos e divergências doutrinárias sobre a aplicação do referido dispositivo têm sua origem na dificuldade de se estabelecer o que era “violação literal da lei”. Parte da doutrina defendia que a expressão “violar literal disposição de lei” representaria uma dissonância clara, manifesta e expressa entre a decisão rescindenda e o texto legal, desde que tal texto tivesse uma única interpretação predominante e aceita nos tribunais. Este foi o entendimento abraçado pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a propositura de ação rescisória com base naquela causa de pedir só seria possível se a decisão rescindenda adotasse posicionamento contrário ao entendimento consolidado em determinado sentido no âmbito dos tribunais. Por outro lado, se a questão era controvertida à época da decisão, a adoção de interpretação tida como razoável, ainda que não a melhor, afastaria o cabimento da rescisória. O Supremo Tribunal Federal estabeleceu, ainda, a impossibilidade de aplicação da Súmula 343 aos casos em que se discutiam normas constitucionais, ante o princípio da supremacia da Constituição, segundo o qual nenhum órgão julgador pode deixar de conferir aplicabilidade às normas constitucionais no exercício da atividade jurisdicional.89 O Superior Tribunal de Justiça adotou o mesmo posicionamento90, de maneira a resguardar o papel de guardião da Lei Maior que o STF preponderantemente ostenta, com a garantia da autoridade de suas decisões. Assim, por um bom tempo, caminhou a jurisprudência do STF no sentido da possibilidade de se utilizar a rescisória para extirpar do mundo jurídico decisões conflitantes com as suas interpretações da Carta Magna. A alteração veio com o julgamento realizado em 22.10.2014, em recurso extraordinário de relatoria do Ministro Marco Aurélio. O caso em questão apresentava a peculiaridade de que havia jurisprudência pacífica no sentido de se admitir o creditamento de IPI pela aquisição de insumos isentos, sujeitos à alíquota zero ou não tributados, entre 1998 e 2004. Em 2007, com a alteração de entendimento, a União começou a ajuizar ações rescisórias para recuperar os créditos obtidos judicialmente. No julgamento do RE nº 590.809, a Suprema Corte rechaçou a rescisão de julgados favoráveis aos contribuintes em decorrência da mudança de entendimento no âmbito do próprio STF quanto à possibilidade de creditamento do IPI pela aquisição de insumos (Tema nº 136 da Repercussão Geral). O voto vencedor trouxe à baila argumentos de segurança jurídica e autoridade da coisa julgada. A divergência, representada pelos Ministros Teori Zavascki e Gilmar Mendes, consignou que não admitir a rescisão em tais casos equivaleria a modular os efeitos de decisão que contém novo entendimento do STF sobre o texto constitucional e, assim, malferir o tratamento igualitário aos cidadãos na mesma situação de fato. Uma das principais questões sobre o tema é justamente os efeitos das modificações jurisprudenciais sobre a coisa julgada formada em favor ou desfavor do contribuinte. É que, numa perspectiva analítica, a coisa julgada (declaratória) em favor do contribuinte representa um obstáculo de ordem sintática que condiciona e redesenha, dentro de certos limites objetivos e subjetivos, a regra matriz aplicável a determinado caso.91 Por fim, como bem grifa Humberto Ávila, a segurança jurídica visa à proteção do contribuinte na medida em que as normas constitucionais têm como objetivo, de um lado, permitir a antecipação da atuação estatal, como comprovam os princípios da moralidade e da publicidade; de outro, têm como finalidade permitir o conhecimento das consequências atribuíveis aos atos praticados pelo contribuinte, como ilustra o conjunto de regras de competência e as regras da anterioridade e da irretroatividade tributárias.92 Tais atos geram um efeito: o contribuinte age e planeja em razão deles. E mesmo que deva contar com a possibilidade da sua modificação futura, o fato é que esses atos normativos criam expectativas naqueles que confiam na sua permanência e vinculatividade93. Suscitam-se, pois, questionamentos a respeito da aplicabilidade da Súmula 343 do STF na vigência do Novo Código de Processo Civil suscita. A principal questão que se coloca é o que proteger: a uniformidade da ordem constitucional e da igualdade entre jurisdicionados versus a existência de decisão definitiva que se contrapõe ao atual entendimento das cortes superiores. A preocupação central repousa no fato de que é preciso prestigiar a confiança depositada pelos indivíduos alcançados pela eficácia subjetiva da coisa julgada. Como bem explica Humberto Ávila: A dimensão objetiva da segurança jurídica demanda estabilidade e credibilidade do ordenamento jurídico, cuja restrição requer, por parte de quem a alega, a demonstração de que uma determinada regra, ato ou decisão causará, sob o ponto de vista da maioria das pessoas e de acordo com critérios médios de racionalidade, forte abalo na própria credibilidade regular do Direito como instituição. É o caso, por exemplo, de uma decisão judicial que, modificando orientação jurisprudencial consolidada anterior, atinja um sem número de cidadãos que confiaram na orientação abandonada, causando uma desconfiança geral e abstrata da comunidade jurídica no Poder Judiciário e no Direito como instituição social.94 Claro que não se trata de desconsiderar a ideia de que a eficácia da modificação dos precedentes é, em regra, retroativa, uma vez que se o precedente é incorreto e injusto, o era desde o início. Ocorre que os sujeitos de direito podem ter-se comportado conforme ditava a jurisprudência, de maneira que taxar tais comportamentos de inadequados, inclusivecom consequências retroativas (muitas vezes financeiras, como ocorre em regra com as questões afetas ao direito tributário) é fomentar insegurança jurídica intolerável. Por outro lado, ao se adotar a ideia de que a eficácia da modificação dos precedentes é prospectiva, prestigia-se a segurança jurídica, aplicando-se o princípio da proteção da confiança, adotado pelo novo Código de Processo Civil (artigo 927, § 4º). Em outras palavras, a revogação do precedente/entendimento jurisprudencial não deveria atingir a vida, liberdade e propriedade daqueles que confiaram na tese jurídica então adotada e celebraram atos jurídicos com tal base, sob pena de inegável descrédito da estabilidade das relações jurídicas, em flagrante prejuízo ao Estado de Direito. É o que pondera Antonio do Passo Cabral: A segurança projeta-se num continuum, temporalmente balanceada entre as estabilidades pretéritas, as exigências do presente e as expectativas e prognoses futuras. E assim deve ocorrer também quando o Judiciário lida com posições jurídicas consolidadas. Na atualidade, portanto, o formato mais adequado para a segurança jurídica é a segurança- continuidade. A continuidade jurídica é um conceito que está na síntese da tensão entre uma total e estanque eternização de conteúdos estabilizados e o oposto de uma ampla e irrestrita alterabilidade. Continuidade, então, não significa petrificação, mas mudança com consistência, protegendo os interesses humanos de estabilidade e permanência, mas viabilizando também a alteração das posições jurídicas estáveis. Por conseguinte, a continuidade revela uma maneira de não bloquear totalmente as mudanças e, ao mesmo tempo, preservar a segurança.95 A coisa julgada tem relação sistêmica com o controle de constitucionalidade e a legalidade, especialmente em matéria tributária. Nas relações contínuas, como é o caso, o próprio STF tem o poder de modular os efeitos de suas decisões, tanto no sentido ex tunc, quanto no sentido ex nunc, excepcionalmente.96 O fato é que a Súmula 343 do STF já sofria críticas a partir dos princípios da isonomia e da legalidade mesmo sob as regras do CPC/73. No sistema do CPC/2015, possível argumentar que se configurou a perda do elemento interpretação controvertida, uma vez que cabível a propositura de ação rescisória por violação aos artigos 926 e 927 do CPC se constatado o desrespeito à aplicação do decidido em súmulas ou precedentes vinculantes.97 Não obstante, a interpretação dada ao Tema 136 do STF pelo Superior Tribunal de Justiça trouxe questão interessante. Como se vê do julgamento do AgInt na AR 6434, ao apreciar ação rescisória proposta para desconstituir coisa julgada sobre exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, o STJ entendeu que a Súmula 343 do STF mantém-se hígida para a parte que propõe demanda rescisória com a finalidade de aplicar simples alteração de orientação jurisprudencial, com característica de sucedâneo recursal.98 Sobre o tema (exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS), não houve, de fato, alteração de entendimento no âmbito do STF, de forma que a tese que permite a aplicação da Súmula 343 do STF também para matéria de índole constitucional, não se aplicaria ao caso concreto99. A controvérsia deu-se em tribunais inferiores, de forma que, fixado entendimento pelo STF com força vinculativa, a ação rescisória deveria ser cabível, sob pena de se manter coisa julgada em desconexão com a interpretação dada pelo STF à questão constitucional. Essa, contudo, não tem sido a posição adotada no Superior Tribunal de Justiça, consoante destacado em recente julgado da lavra da Ministra Regina Helena Costa: Justifica-se o afastamento da Súmula n. 343/STF tão somente se a matéria constitucional apreciada divergir de orientação firmada pelo STF em controle concentrado de constitucionalidade, não servindo, contudo, quando a parte propõe ação rescisória com o objetivo de aplicar alteração jurisprudencial.100 Há visível divergência em relação à interpretação do STF, pois não havia posicionamento consolidado naquela corte quanto à validade jurídica da incidência do PIS e da COFINS sobre os valores relativos ao ICMS, ou seja, a decisão no RE 574.706 não representou uma superação de um paradigma jurisprudencial anterior, conforme ressaltado por ocasião da fixação da tese no Tema 136101. No mesmo sentido, no Ag.Reg em RE 1.272.437/SP, destaca- se que se aplica a Súmula 343 também em matéria constitucional, desde que a decisão objurgada pela ação rescisória esteja, à época de sua prolação, em harmonia com o entendimento do Supremo Tribunal Federal.102 Logo, se à época da prolação do acórdão rescindendo não havia entendimento dominante na Suprema Corte sobre a questão, cabível a rescisória. Mais recentemente, relatora Ministra Rosa Weber didaticamente examina em que situações incide a limitação do cabimento da ação rescisória em matéria constitucional: Ao exame do RE 590.809/RS, submetido à sistemática da repercussão geral (Tema nº 136), de relatoria do Ministro Marco Aurélio, o Tribunal firmou entendimento que restringiu, minimamente, o cabimento de ação rescisória, aplicando a Súmula nº 343/STF mesmo quando a matéria versada nos autos for de índole constitucional. 3. Firmada, naquela oportunidade, compreensão segundo a qual, acaso a decisão rescindenda esteja em harmonia com precedentes do próprio STF à época, a posterior alteração de entendimento por esta Casa não autoriza a rescisória, aplicando-se a Súmula nº 343/STF. 4. A limitação do cabimento da ação rescisória em matéria constitucional cingiu-se a duas hipóteses específicas, quais sejam, (i) quando o acórdão rescindendo estiver em conformidade com a jurisprudência do Plenário desta Casa à época, mesmo que posteriormente alterada, e (ii) quando a matéria seja controvertida no âmbito deste Supremo Tribunal Federal. Precedentes. 5. Para efeito de aplicação da Súmula nº 343/STF em matéria constitucional indispensável perquirir (i) se a matéria era controvertida neste STF e (ii) se a decisão rescindenda estava em consonância com o entendimento deste Tribunal à época. Assim, caso a resposta para ambos os questionamentos seja negativa, inaplicável o entendimento sumulado e, portanto, cabível, em tese, a rescisória. Precedentes. 6. Consolidada jurisprudência desta Corte no sentido da inaplicabilidade da Súmula nº 343/STF quando a matéria versada nos autos for de índole constitucional, mesmo que a decisão objeto da rescisória tenha sido fundamentada em interpretação controvertida em outros Tribunais judiciários ou anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal, ressalvadas as hipóteses acima explicitadas.103 Referido verbete, registre-se, veicula “critério não jurídico e tampouco razoável para sujeitar a decisão à rescindibilidade: o “acaso” de a discussão existir, ou não, quando da prolação da decisão”104. Diferentemente, pontua Araken de Assis que Os parâmetros do que seja violação manifesta à ordem jurídica localizam-se no art. 926, caput. É manifesta a aplicação da norma incoerente, pouco razoável ou de forma desigual, comparativamente a casos semelhantes, sem o devido distinguishing, comprometendo a integridade e a estabilidade do ordenamento jurídico.105 Para o autor, o dissídio jurisprudencial entre tribunais distintos é importante para ampliar as discussões até que um dos posicionamentos seja, afinal, adotado. Para ele, enquanto não houver precedente, não há direito à rescisão com fulcro no inciso V do artigo 966 do CPC, incidindo a Súmula 343 do STF, pois “sobrevindo o precedente, no prazo do art. 975, caberá a rescisão da decisão discrepante, em homenagem ao princípio da sonomia e da segurança jurídica”106. Destarte, à luz de todo o exposto e, em especial, do estudo decorrente da aplicação da denominada “tese do século”, considera-se que hoje não mais se amolda ao ordenamento jurídico brasileiro a aplicação da Súmula 343 do STF, porquanto “permite que casos rigorosamente idênticos (ou semelhantes) ocorridos em um mesmo momento histórico recebaminterpretações e aplicações jurídicas diversas, vedando o cabimento de ação rescisória para assegurar a isonomia e a legalidade no caso concreto”.107 Afirma Welder Queiroz dos Santos: a igualdade, a legalidade e a segurança jurídica em seu aspecto de previsibilidade da atuação estatal devem prevalecer sobre a segurança jurídica sob seu aspecto da estabilidade das relações jurídicas decorrentes da coisa julgada, no prazo previsto em lei para a sua desconstituição, em caso de superveniência de precedente ou enunciado de súmula com efeito vinculante. Prestigiar a coisa julgada em detrimento da igualdade substancial, da legalidade e da segurança jurídica decorrente da expectativa da atuação estatal leva à prevalência da segurança jurídica individual à segurança jurídica geral e social, o que não é almejável em um Estado de Direito.108 Para Teresa Arruda Alvim não parece ser justificável, à luz da Constituição Federal, a subsistência de tal verbete, pois desrespeita princípios constitucionais fundamentais, como o da legalidade e da isonomia. Segunda ela, “não há como dizer-se que a interpretação incorreta da lei não se constitua numa ilegalidade”. Por outro lado, o próprio desenho do sistema brasileiro de precedentes se oporia ao malfadado verbete, à luz da previsão do artigo 966, §5º, do CPC, que trata especificamente da possibilidade de se intentar ação rescisória para desconstituir decisão que indevidamente se baseou em precedentes vinculativos pelo desajuste do caso concreto à norma contida na súmula ou no precedente utilizado como parâmetro decisório. A mesma autora assevera: Só o fato de existir o art. 966, § 5º, já é elemento que auxilia a insubsistência da Súmula 343: normalmente, o que há antes de ser julgado o recurso afetado no regime dos recursos repetitivos é justamente jurisprudência conflitante. Devesse ser prestigiada a Súmula 343 e o art. 966, § 5º ficaria esvaziado ou seriamente comprometido!109 De fato, ao se tolerar a interpretação razoável de um texto legal, automaticamente se permite a convivência concomitante de interpretações diversas e, assim, a existência de tratamento desigual para situações idênticas. A questão que já era tormentosa à luz do papel do Superior Tribunal de Justiça enquanto intérprete da lei federal torna-se ainda mais preocupante com a aplicação da Súmula 343 do STF inclusive no âmbito de matéria constitucional, como têm veiculado a Corte Suprema após o julgamento do RE 590.089. Destarte, por tais razões e para cumprir os desígnios do novo CPC, que preceitua que os tribunais devem uniformizar a sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, a aplicabilidade da Súmula 343 do STF deveria ser superada. 4 CONCLUSÃO Hodiernamente, não é possível interpretar o direito sem ter em mente os ditames da Constituição. A transformação do texto normativo em norma jurídica e a construção do seu sentido exsurge da fundamentação, que desnuda as razões do julgador e permite a assimilação pelos seus destinatários. E essa atividade interpretativa passa pela compreensão de mundo vigente e pelas alterações da sociedade. Confia-se ao Judiciário a tarefa de dizer o que é de cada um e de propiciar a efetividade de tais decisões. Também a ele cabe interpretar as leis e aplicar as respectivas sanções em caso de descumprimento. Delineia-se, assim, a importância da coisa julgada, tamanha, que vem protegida em um dos primeiros e mais importantes artigos da Carta Magna Brasileira, qual seja, o 5º, em seu inciso XXXVI. Todavia, apesar de importante garantia, não é absoluta e pode ser relativizada, notadamente por meio da ação rescisória. É bem verdade que não se pode perder de vista o prestígio à segurança jurídica, notadamente enquanto considerada como juízo prescritivo para que seja adotado determinado comportamento a fim de aumentar o grau de previsibilidade. Tampouco se pode olvidar do respeito à isonomia. Nesse contexto, considera-se que a Súmula 343 do STF não mais se amolda ao ordenamento jurídico vigente, notadamente à luz do sistema do CPC/2015, que prevê a propositura de ação rescisória para desconstituir decisão que indevidamente se baseou em precedentes vinculativos pelo desajuste do caso concreto à norma contida na súmula ou no precedente utilizado como parâmetro decisório. Significa dizer que a busca pela jurisprudência íntegra, coerente e estável prima pela aplicação da interpretação correta do texto legal ditada pelos tribunais superiores, possibilitando àqueles em situações idênticas a aplicação de uma mesma interpretação legal. Não obstante, como exemplo, observa-se que a tese da validade jurídica da incidência do PIS e da COFINS sobre os valores relativos ao ICMS (RE 574.706) que a Súmula 343 do STF tem sido usada para impedir a rescisão de julgados com base na controvérsia do tema em outros tribunais regionais e no próprio STJ, reforçando a aplicação de critério não jurídico e tampouco razoável para sujeitar a decisão à rescindibilidade: o “acaso” de a discussão existir, ou não, quando da prolação da decisão que se pretende desconstituir, nas palavras da professora Teresa Arruda Alvim. Destarte, ao se constatar que a aplicação da Súmula 343 do STF permite que casos idênticos (ou semelhantes) ocorridos em um mesmo momento histórico recebam interpretações e aplicações jurídicas diversas, em flagrante ofensa às garantias da isonomia e aos desígnios do novo CPC, no sentido da coerência e estabilidade da jurisprudência dos tribunais, conclui-se no sentido da sua desconformidade com o vigente ordenamento jurídico brasileiro e da necessidade de discutir a sua superação. REFERÊNCIAS ALVIM, Teresa Arruda. A modulação e a Súmula 343. 2017. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/268728/a-modulacao-e-a-sumula-343. Acesso em: 30 ago 2022. ALVIM, Teresa Arruda; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. Ação Rescisória e Querela Nullitatis. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022. Disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/161692485/v3/page/1. Acesso em: 10 ago. 2022. ARSUFFI, Arthur Ferrari. SANTOS, Ceres Linck dos. 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Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/? componente=ITA&sequencial=824136&num_registro=200602330006&data=20081016&formato=PDF. Acesso em: 16.08.2022. 91 MASSUD, Rodrigo G. Nunes.Coisa julgada, rescisória, Súmula STF 343 e Parecer PGFN 492/2011: impactos com o CPC de 2015. In: CONRADO, Paulo César; ARAÚJO, Juliana Furtado Costa (Coord). O novo CPC e seu impacto no direito tributário. São Paulo: Fiscosoft Ltda, 2015. p. 171 92 ÁVILA, Humberto. Teoria da Segurança Jurídica. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 272. 93 Como bem pontua Teresa Arruda Alvim: se “A” deixa de recolher certo tributo, porque o STF entende que o tal tributo não incide na atividade que A realiza e, de repente, este mesmo tribunal passa a entender que o tal tributo incide, à luz do mesmo texto de lei, deve usar este novo entendimento apenas para decidir processos oriundos de casos fáticos posteriores à alteração de posição. Caso contrário, “A” será julgado com base num padrão normativo que não existia quando praticou sua conduta: praticou sua conduta em conformidade com o direito. In A modulação e a Súmula 343. 2017. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/268728/a-modulacao-e-a-sumula-343. Acesso em: 30 ago. 2022. 94 ÁVILA, Humberto. Teoria da Segurança Jurídica. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 153. 95 CABRAL, Antonio do Passo. Estabilidade e alteração de jurisprudência consolidada: proteção da confiança e a técnica do julgamento alerta. In: GALLOTI, Isabela (org.). O papel da jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 47. 96 ZILVETI, Fernando Aurelio. Coisa julgada no direito tributário e o caso do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS – Um estudo de caso. Revista de Estudos Tributários, Porto Alegre, v. 22, n. 134, p. 9-20, jul./ago. 2020. 97 ARSUFFI, Arthur Ferrari. SANTOS, Ceres Linck dos. Ação rescisória fundada em violação à norma jurídica intuída de princípios expressos e a Súmula 343 do STF. Revista Forense, São Paulo, v. 113, n. 425, p. 143–163, jan./jun., 2017. 98 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). AgInt na AR 6434/MT, Rel. Min. Herman Benjamin. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/? documento_tipo=integra&documento_sequencial=119547351®istro_numero=201900854538&peticao_numero=202000631847&publicacao_data=20201218&formato=PDF. Acesso em: 16.08.2022. 99 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). AR: 00707524120144010000, Rel. DES. FED. Maria Do Carmo Cardoso. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trf-1/896036376. Acesso em: 15.08.2022. 100 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). AgInt no AgInt no REsp 1801723/RS, Rel. Min. Regina Helena Costa. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/? documento_tipo=integra&documento_sequencial=127265019®istro_numero=201802940619&peticao_numero=202100107157&publicacao_data=20210519&for Acesso em: 17.08.2022. 101 “Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente. In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). RE nº 590.809, Rel. Ministro Marco Aurélio. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7303880. Acesso em: 20.08.2022. 102 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). RE nº 1272437, Rel. Ministro Dias Toffoli. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=755173853. Acesso em: 19.08.2022. 103 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). RE nº 1389170/SP, Rel. Ministra Rosa Weber. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=763296451. Acesso em: 16.08.2022. 104 ALVIM, Teresa Arruda. In: A modulação e a Súmula 343. 2017. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/268728/a-modulacao-e-a-sumula-343. Acesso em: 30 ago. 2022. 105 ASSIS, Araken de. Ação rescisória. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. Disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/278685845/v1/page/1. Acesso em: 01 ago. 2022. RB-3.24. 106 ASSIS, Araken de. Ação rescisória. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. Disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/278685845/v1/page/1. Acesso em: 01 ago. 2022. 107 SANTOS, Welder Queiroz dos. Ação rescisória por violação a precedente. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. (Coleção Liebman). Disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/266454664/v1/page/1. Acesso em: 20 set. 2022. 108 SANTOS, Welder Queiroz dos. Ação rescisória por violação a precedente. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. (Coleção Liebman). Disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/266454664/v1/page/1. Acesso em: 20 set. 2022. 109 ALVIM, Teresa Arruda; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. Ação Rescisória e Querela Nullitatis. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022. Disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/161692485/v3/page/1. Acesso em: 10 ago. 2022. CAPÍTULO CINCO Sumário: 1. Introdução. 2. O acesso à justiça. 3. Razoável duração do processo. 4. O abuso do direito processual e a boa-fé. 5. Considerações finais. RESUMO: O acesso à justiça garante o acesso ao órgão do Poder Judiciário, mas também o respeito aos princípios processuais, uma decisão justa e em tempo razoável. A longa duração injustificada do processo consiste em obstáculo ao acesso à justiça e causa frustração aos jurisdicionados. Para afirmar se o processo teve ou não uma duração razoável, deve-se analisar a complexidade da causa, o número de litigantes, o comportamento das partes e do juiz na condução do processo. A prestação jurisdicional deve ser efetiva e tempestiva. A razoável duração do processo almeja que a atividade jurisdicional seja otimizada e eficiente, mas é necessário um tempo mínimo para que os princípios processuais constitucionais sejam respeitados, não podendo a busca pela celeridade violar tais garantias. Todos os atores processuais devem cooperar para a busca de uma decisão justa, adequada e célere, pois o abuso do direito processual e a atuação com má-fé dificulta a tramitação do processo. Dessa forma, necessária se torna a busca pela cooperação dos sujeitos do processo e a atuação no processo de acordo com a boa-fé, evitando assim abuso dos direitos processuais. PALAVRAS-CHAVE: Acesso à justiça. Razoável duração do processo. Abuso processual. ABSTRACT: Access to justice guarantees access to the body of the Judiciary, but also respect for procedural principles, a fair decision and within a reasonable time. The unjustified long duration of the process constitutes an obstacle to access to justice and causes frustration to the jurisdictions. To affirm whether the process had a reasonable duration or not, it is necessary to analyze the complexity of the case, the number of litigants, the behavior of the parties and the judge in conducting the process. The jurisdictional provision must be effective and timely. The reasonable duration of the process aims for the jurisdictional activity to be optimized and efficient, but a minimum time is necessary for the constitutional procedural principles to be respected, and the search for speed cannot violate such guarantees. All procedural actors must cooperate in the search for a fair, adequate and speedy decision, as the abuse of procedural law and acting in bad faith makes it difficult to proceed with the process. Thus, it is necessary to seek the cooperation of the subjects of the process and to act in the process in accordance with good faith, thus avoiding abuse of procedural rights. KEYWORDS: Access to justice. Reasonable duration of the process. Procedural abuse. 1 INTRODUÇÃO A Constituição Federal e o Código de Processo Civil consagram o princípio da inafastabilidade da jurisdição, que garante a apresentação ao Estado, na pessoa do juiz, de todos os conflitos de interesse. O presente trabalho visa abordar o acesso à justiça que, além de estabelecer o acesso ao judiciário, em virtudeda inafastabilidade da jurisdição, garante que o processo deva observar os princípios processuais, conferir ao jurisdicionado uma decisão justa e em tempo razoável. Assim, a expressão acesso à justiça abrange um processo justo, com observância ao devido processo legal e às garantias processuais para a viabilização dos demais direitos. A longa duração injustificada do processo consiste em obstáculo ao acesso à justiça, devendo ser levados em consideração a complexidade da causa, o número de litigantes e o comportamento dos sujeitos processuais na condução do processo. Não se pode olvidar que é preciso um tempo mínimo para que os princípios processuais constitucionais sejam respeitados, de modo que o processo deve durar o tempo necessário para que tais garantias sejam observadas. Desse modo, a prestação jurisdicional deve ser efetiva e tempestiva. A conduta dos sujeitos do processo, por meio do abuso dos direitos processuais e a atuação com má-fé consistem em obstáculos à razoável duração do processo, que pode ser alcançada se todos os sujeitos processuais atuarem de forma cooperativa. Os direitos processuais devem ser respeitados. No entanto, tais direitos não são absolutos, encontrando limites na lealdade processual e na boa-fé. Destarte, o direito à inafastabilidade da jurisdição não é absoluto, havendo limites a serem observados, que objetivam reprimir o abuso aos direitos processuais. Embora a Constituição Federal assegure a garantia fundamental da duração razoável do processo, muitas atitudes dos atores processuais podem ocasionar o atraso no deslinde do feito. Diante da importância do assunto, a pesquisa tem por finalidade a análise da cooperação dos sujeitos processuais e da atuação no processo de acordo com a boa-fé para se alcançar a razoável duração do processo e, assim, conferir o amplo acesso à justiça. 2 O ACESSO À JUSTIÇA A Constituição Federal,110 em seu artigo 5º, XXXV, consagra o princípio da inafastabilidade da apreciação jurisdicional ao estabelecer que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. O dispositivo citado estabelece que todos os conflitos de interesses podem ser colocados sob o controle dos órgãos jurisdicionais. Trata-se da proteção jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva a quem tiver razão, ou seja, acesso à justiça, e não apenas de uma garantia de acesso ao juízo.111 Denota-se que o direito de acesso à justiça abrange a forma repressiva, ao mencionar “lesão” e a forma preventiva, ao citar “ameaça à lesão” e, tendo em vista que o direito de ação não está atrelado à procedência do pedido, o dispositivo veda a possibilidade de exclusão da alegação de lesão ou ameaça, de modo que não há confusão entre o não acolhimento do pedido da parte com a ausência de prestação jurisdicional.112 O Código de Processo Civil,113 seguindo a orientação da Constituição Federal, também garante a inafastabilidade da jurisdição em seu artigo 3º. No tocante ao conceito de acesso à justiça, Mauro Cappelletti e Bryant Garth ensinam: A expressão ‘acesso à Justiça’ é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.114 Desse modo, verifica-se que, por meio do acesso à justiça, os jurisdicionados podem buscar seus direitos e resolver seus litígios diante de um órgão imparcial. Ademais, o acesso à justiça não exprime apenas um direito de ingressar com uma ação judicial, mas a observância dos princípios componentes do devido processo legal às partes.115 A expressão acesso à justiça não significa apenas conferir aos jurisdicionados o acesso ao Poder Judiciário, mas também fornecer um processo justo, com observância ao devido processo legal e às garantias processuais para a viabilização dos demais direitos. Assim, o acesso à justiça efetivo é pressuposto do exercício de todos os demais direitos e garantias.116 Desse modo, não basta conceder o direito às pessoas de ingressarem em juízo, pois isso não é suficiente para o efetivo acesso à justiça. É preciso fornecer decisões justas e, além disso, que tais decisões sejam conferidas em tempo razoável e com observância dos princípios processuais constitucionais. Por meio do acesso à justiça, o jurisdicionado busca todos os demais direitos, sendo, portanto, um direito fundamental. E para que seja de fato efetivo, deve ser alinhado com a razoável duração do processo, pois o conflito deve ser resolvido em tempo adequado.117 Assim, o acesso à justiça consiste em requisito fundamental, o mais básico dos direitos humanos, que almeja garantir os direitos de todos.118 Na busca da condução de uma atividade jurisdicional célere, adequada e efetiva na solução dos conflitos sociais, o acesso à justiça tem grande importância tanto na efetividade do direito material como na resolução de questões do direito processual.119 Salienta-se que a Constituição Federal e o Código de Processo Civil, ao garantirem a inafastabilidade da jurisdição, não impedem a busca de meios alternativos de solução de conflitos, porém, pelo contrário, até incentiva essa prática, pois o Judiciário não é a única maneira de resolver conflitos. Dessa forma, o acesso à justiça não deve ser impedido, mas pode haver, por escolha do jurisdicionado, a solução de conflitos por outros métodos.120 Nesse sentido, o Código de Processo Civil, no parágrafo 3º do artigo 4º, prevê os métodos alternativos de solução dos conflitos. O acesso à justiça é considerado um direito fundamental na sociedade, mas há muitos obstáculos para alcançá-lo, entre eles se destaca a demora para a solução do processo, que possui grande importância, em virtude da função social do Estado de prestar a justiça social.121 Mauro Cappelletti e Bryant Garth afirmam que o tempo é um dos obstáculos ao acesso à justiça, assegurando que a demora para a obtenção de uma decisão exequível faz com que, muitas vezes, a parte economicamente fraca, aceite um acordo prejudicial.122 Ademais, citando a Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (artigo 6º, parágrafo 1º) afirmam que a justiça que não é cumprida dentro de um prazo razoável acaba sendo inacessível.123 Outrossim, o acesso à justiça não é apenas daquele que ajuíza uma ação, mas também do réu, que irá apresentar sua defesa. O efetivo acesso à justiça deve eliminar os empecilhos indispensáveis à concretização de um processo ético e justo, devendo ser ressaltada a sua “característica instrumental”, pois por meio dela os demais direitos fundamentais são protegidos e efetivados.124 O acesso à justiça eficiente e amplo não é alcançado quando se declara ou constitui o direito sem que esse possa ser exercido no momento e condição necessários. Destarte, conclui-se que o acesso à justiça inclui, além do acesso ao judiciário, a entrega da prestação jurisdicional adequada, com observância a todas as garantias processuais, uma decisão justa e em tempo razoável. A sociedade possui alguns mecanismos para facilitar o acesso à justiça como, por exemplo, o benefício da gratuidade processual, os juizados especiais, a defensoria pública, além dos mecanismos de autocomposição como arbitragem, mediação e conciliação.125 Uma das formas de fortalecer a acessibilidade é a celeridade dos procedimentos, de modo que há uma intrínseca relação entre o princípio da razoável duração do processo e o acesso à justiça.126 Assim, a demora injustificada e excessiva na prestação jurisdicional é um dos obstáculos a serem superados para que o acesso à justiça seja garantido de modo efetivo e amplo. 3 RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO Como foi observado no tópico anterior que a apreciação jurisdicional é inafastável, devendo o Estado, por meio do Poder Judiciário, apreciar o pedido e a defesa dos jurisdicionados.No entanto, a simples prestação da justiça não é suficiente, devendo ser prestada de forma rápida, efetiva e adequada.127 Um dos fatores que dificultam ou impedem o acesso à justiça é a morosidade processual, de modo que fica clara a correlação entre a razoável duração do processo e o acesso à justiça, direito fundamental por meio do qual outros direitos são buscados.128 A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica),129 em seu artigo 8º.1, estabelece que todo indivíduo tem direito fundamental à prestação jurisdicional em tempo razoável.130 Nesse sentido, o artigo 5º, LXXVIII da Constituição Federal estabelece que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. O dispositivo em comento veda que leis ou atos normativos estabeleçam normas que ocasionem a demora no trâmite processual de forma irrazoável como, por exemplo, uma lei que aumente absurdamente o número de recursos. Ademais, apresenta a conclusão de que o processo mais simples, com poucos autores e réus, que discutam matérias de direito, serão solucionados de forma mais rápida do que os processos mais complexos, que possuam múltiplos atores processuais131. Assim, para se analisar se o processo alcançou sua razoável duração, é preciso observar a complexidade da causa, o número de litigantes, o comportamento das partes e do juiz na condução do processo. O Código de Processo Civil também garante a solução do mérito em prazo razoável (art. 4º)132 e atribui ao juiz o cuidado com a duração do processo (art. 139, II).133 Quanto ao termo “duração razoável”, cumpre trazer o conceito apresentado por Antônio do Passo Cabral: A duração “razoável” do processo é aquela em que, atendidos os direitos fundamentais, permita uma tratativa da pretensão e da defesa em tempo adequado, sem descuidar da qualidade e sem que as formas do processo representem um fator de prolongamento imotivado do estado de incerteza que a litispendência impõe às partes.134 Nessa perspectiva, denota-se que a duração razoável consiste no tempo necessário e adequado para que o processo tramite com garantia dos princípios processuais. Em virtude da demora nas soluções dos processos, além de gerar grande frustração, os jurisdicionados acabam por desacreditar na justiça brasileira e acabam por relacionar a morosidade à ineficiência estatal.135 Sustenta-se, nessa lógica, que “a decisão tardia é ineficiente, desserve aos seus propósitos”.136 Além disso, a falta de confiança no Poder Judiciário acarreta o aumento de formas paralelas de obtenção da justiça, acabando por estimular a autotutela. Dessa forma, há o impedimento da promoção da paz e o desestímulo do acesso à justiça.137 A efetividade da ação depende, além das técnicas processuais para garantir o direito material, do tempo para a concessão da tutela jurisdicional, que deve ser razoável, mesmo que não exista perigo de dano.138 A busca pela efetividade do processo fez com que a preocupação por celeridade fosse aumentada, na certeza de que a prestação jurisdicional morosa não seria justiça.139 No entanto, embora a demora na prestação jurisdicional traga uma sensação de frustração, por outro lado, é preciso um tempo mínimo para que os outros princípios processuais constitucionais sejam respeitados. Dessa forma, o abandono completo do formalismo, em prol da ideia de que o juiz pode, sozinho, flexibilizar as formas, deve ser combatido, pois toda forma processual guarda fundamento numa garantia constitucional.140 Cumpre mencionar que todos que atuam no processo podem cooperar para a sua celeridade, efetividade e justiça. Muitas vezes, podemos observar advogados que se utilizam de recursos com a única finalidade de protelar e tal conduta ocasiona a demora na solução do processo. Nesse sentido, um importante fato que contribui para a celeridade processual é a aplicação do artigo 6º do Código de Processo Civil, que traz o princípio da cooperação, dispondo que todos os sujeitos processuais devem cooperar entre si para que seja alcançado uma decisão de mérito, em tempo razoável, justa e efetiva.141 O dispositivo citado é direcionado a todos os sujeitos do processo, exigindo a atuação com boa-fé e de forma cooperativa para que alcancem um resultado justo mais célere. A respeito da responsabilidade do Estado em relação à demora do processo por comportamento inadequado da parte, defende-se que, tendo o juiz o dever de velar pela rápida solução do litígio, sua omissão na repressão ao ato abusivo da parte contribui para dilação indevida, gerando a responsabilidade do Estado.142 Para a efetivação da tramitação do processo em tempo razoável, o Código de processo Civil estabelece em seu artigo 12,143 que os processos devem ser julgados, preferencialmente, de acordo com a ordem cronológica de conclusão. Tal dispositivo representa a impessoalidade, isonomia e um parâmetro único de organização das varas e tribunais.144 Ademais, a Constituição Federal designa que a quantidade de juízes na unidade jurisdicional deve ser proporcional à demanda judicial e à população.145 Importante, entretanto, constatar que o processo não deve ser rápido, mas deve demorar o tempo necessário e adequado à solução do conflito levado ao Judiciário, pois diante do devido processo legal, as garantias do contraditório, produção de provas e recursos devem ser observadas.146 Nesse sentido, um processo com duração razoável não significa que seja rápido, pois, por mais simples que seja, deve observar um trâmite para garantir os demais princípios processuais. Por mais que se utilize as convenções processuais e a calendarização, por exemplo, institutos previstos no Código de Processo Civil e que também podem auxiliar na celeridade, há um trâmite a ser seguido e respeitado. Aquele que pede algo ao judiciário, ao exercer um direito previsto constitucionalmente, deve ter seu pedido atendido de forma eficiente, sendo necessário que o processo assegure o direito efetivo e no menor tempo possível, ou seja, dentro de um lapso temporal razoável.147 Quanto mais tempo demorar para ser proferida a sentença após o fato discutido nos autos, a sua eficácia vai se tornando mais fraca e o direito reconhecido mais frágil, uma vez que o julgamento realizado em atraso excessivo também caracteriza uma prestação jurisdicional deficiente e injusta.148 Dessa forma, a demora injustificada na prestação jurisdicional traz aos jurisdicionados sentimento de insatisfação. O direito de acesso à justiça só é efetivado quando o período da “porta de entrada” até a “porta de saída” ocorre em tempo razoável, de modo que a delonga na solução dos conflitos consiste em uma grande barreira para o acesso à justiça efetivo e pleno.149 Na mesma perspectiva, a jurisdição apenas será efetiva se o objetivo buscado com o processo, qual seja, a solução da demanda, ocorrer de forma tempestiva. Caso a jurisdição seja fornecida com atrasos, o aproveitamento do direito material pode não mais ser proveitoso.150 Assim, a razoável duração do processo é uma das bases do processo justo. O que o princípio em comento almeja é que a atividade jurisdicional e os métodos empregados por ela sejam otimizados, de modo a se tornarem mais eficientes, sendo essa faceta do dispositivo constitucional denominada “princípio da eficiência da atividade jurisdicional”.151 Verifica-se, dessa forma, que o princípio da razoável duração do processo está conectado diretamente com o princípio da eficiência, pois se o processo demora mais que o tempo necessário, deixa de ser efetivo. Dessa forma, além da efetividade, a duração razoável do processo também assegura a eficácia, que diz respeito ao resultado a ser atingido, e a eficiência, que se relaciona com a obtenção do resultado com o menor gasto de recursos possível.152 O princípio da eficiência, previsto no artigo 8º do Código de Processo Civil, se relaciona com a gestão do processo e com o princípio da adequação, de modo que o procedimentoe a atividade jurisdicional podem se ajustar às peculiaridades do caso, para a solução de forma efetiva e dentro de um tempo razoável.153 Não adianta, dessa forma, que o judiciário forneça decisões justas, mas tardias ou uma decisão rápida, mas injusta. Assim, o que se busca, para alcançar de fato o acesso à justiça, é o aperfeiçoamento do sistema para que seja mais rápido e, ao mesmo tempo, capaz de proferir decisões justas e efetivas. 4 O ABUSO DO DIREITO PROCESSUAL E A BOA-FÉ A conduta dos sujeitos processuais no sentido de abusar dos seus direitos e conduzir o processo com má-fé impede a razoável duração do processo. Se as partes agirem com a intenção de procrastinar o processo, ele nunca irá avançar.154 Inicialmente, cumpre estabelecer que o conceito de abuso de direito processual decorre de “valores gerais de lealdade e correção supostamente existentes nos níveis mais profundos do sistema legal como tal”.155 Geralmente, a definição de abuso de direito processual é atrelada à deslealdade processual e má-fé. Abusar de um direito consiste em ir além dos limites do poder ou da faculdade que o direito confere ao sujeito.156 Dessa forma, o abuso do direito processual ocorre quando o indivíduo se utiliza da faculdade de agir no processo com a finalidade de atrasá-lo, dificultando o resultado justo da demanda. O abuso do direito processual, cometido de forma reiterada, caracteriza “assédio processual”, e se consubstancia na realização de práticas desleais com intuito de tumultuar e atrasar o deslinde do processo.157 Entre os exemplos de abuso processual está a conduta de ajuizar uma ação sem interesse em prosseguir com a demanda ou cometer um erro processual grosseiro que prejudica a outra parte ou ainda uma conduta que almeja alcançar propósitos ilegais ou impróprios.158 Os recursos infundados e protelatórios também consistem em exemplo frequente de abuso. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, LV, garante aos litigantes o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Denota-se, portanto, que o direito de recorrer é uma garantia do litigante. No entanto, esse direito não é absoluto. Nesse sentido, o artigo 80, VII, do Código de Processo Civil afirma que quem recorre com o objetivo manifestamente protelatório é considerado litigante de má-fé. Eduardo Cambi e Matheus Gomes Camacho diferenciam a litigância de má-fé e o assédio processual, afirmando que aquela consiste na prática de ato ilícito tipificado na lei processual, sem a necessidade da prática ser reiterada, enquanto, para a configuração deste, se exige a prática reiterada de atos processuais abusivos, com o intuito de obstruir a realização da justiça.159 Buscando o combate ao abuso processual e a concretização do princípio da boa-fé, o Código de Processo Civil estabelece, em diversos dispositivos, as consequências para quem agir de má-fé ou abusar do seu direito processual. O artigo 79 dispõe que aquele que litigar de má-fé responde por perdas e danos e o artigo 81 permite ao juiz, de ofício ou a requerimento, fixar multa pela má-fé e ainda fixar indenização pelos prejuízos que a parte contrária sofreu. Ademais, o artigo 311 garante que a tutela de evidência será concedida quando estiver caracterizado o abuso do direito de defesa ou o propósito protelatório da parte. O artigo 918, III, por sua vez, menciona que o os embargos à execução serão rejeitados liminarmente quando manifestamente protelatórios e, segundo o parágrafo único, tal conduta caracteriza ato atentatório à dignidade da justiça. Além disso, o parágrafo segundo do artigo 1.026 prevê a aplicação de multa de até 2% sobre o valor atualizado da causa em caso de embargos de declaração protelatórios e o parágrafo terceiro possibilita a elevação da multa a até 10%, além de condicionar qualquer recurso ao depósito prévio da referida multa no caso de reiteração, além de prever que caso dois embargos de declaração anteriores tiverem sido considerados protelatórios não se admitirá novos. Cumpre salientar que os direitos processuais podem ser objeto de abuso pelas partes, pelo Ministério Público e pelos juízes, sendo nesse último caso um abuso de discricionaridade que é praticado principalmente pelo mau uso dos poderes gerenciais do juiz referentes ao desenvolvimento dos procedimentos processuais.160 Salienta-se que os muitos advogados públicos, diante da orientação da União e demais entes federativos, abusam do direito de recorrer em muitas situações e eternizam as lides, quando deveriam dar o exemplo para a prestação jurisdicional efetiva.161 Há espécies de abuso processual, quais sejam, o abuso processual macroscópico e o microscópico. O macroscópico ocorre em razão do direito de ação do autor ou em razão da defesa do réu. O microscópico se refere à utilização abusiva de mecanismos processuais específicos, como por exemplo, os recursos abusivos.162 Para combater o abuso processual, caracterizado por atitudes procrastinadoras que buscam tumultuar e obstruir o processo, o Código de Processo Civil afirma que o participante do processo deve agir conforme a boa-fé.163 Importante salientar que tal princípio deve ser observado pelas partes e pelo julgador. A boa-fé mencionada se refere ao princípio, correspondendo, portanto, à boa-fé objetiva, que busca evitar comportamentos que violem a lealdade ou a ética, devendo ser entendida como uma norma de conduta. Ela consiste em cláusula geral por meio da qual se busca uma série de comportamentos dos sujeitos processuais que conduzam à proteção da confiança legítima.164 Desse modo, a boa-fé nas demandas judiciais é um padrão de comportamento, visando que os participantes do processo atuem com lealdade e em colaboração com a justiça165. Tanto a boa-fé objetiva como a subjetiva são fundamentais para a construção do processo pautado na colaboração.166 No entanto, não se deve confundir o princípio (norma) da boa-fé com a exigência de boa-fé (elemento subjetivo). A boa-fé objetiva é uma norma de conduta que impõe e proíbe comportamentos.167 Já a boa-fé subjetiva se relaciona com a intenção do indivíduo, buscando a sua motivação na prática de atos processuais.168 Verifica-se, portanto, que a boa-fé objetiva consiste em uma das normas fundamentais que estruturam o processo civil brasileiro, devendo ser observado por todos os sujeitos do processo. No tocante à relação entre abuso do direito processual e a boa-fé, Fredie Didier Jr. afirma que “é fácil constatar que o princípio da boa-fé é a fonte da proibição do exercício inadmissível de posições jurídicas processuais, que podem ser reunidas sob a rubrica ‘abuso do direito processual’ (desrespeito à boa-fé objetiva).169 O processo, para ser devido, precisa ser ético, de modo que o princípio em tela decorre do princípio do devido processo legal. Embora todo cidadão possa exercer o direito à prestação jurisdicional, tal direito é relativo, devendo haver respeito aos limites legais e constitucionais vigentes, pois o uso irregular de uma prerrogativa ou uma faculdade processual constitui abuso de direito.170 Dessa forma, as garantias processuais não são absolutas, havendo limites a serem observados, de modo que o indivíduo não cometa abusos ao exercer o seu direito, devendo tal conduta ser evitada por todos os sujeitos processuais, para que não impeça a prestação jurisdicional justa, efetiva e em tempo razoável. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Muitas vezes o acesso à justiça encontra obstáculo na duração do processo, pela demora injustificada no trâmite processual. Diante disso, a pesquisa propôs o estudo do acesso à justiça, por meio da razoável duração do processo, que pode ser alcançada se este for conduzido com boa-fé, evitando o abuso dos direitos processuais. O trabalho constatou que o acesso à justiça vai muito além do acesso ao judiciário, incluindo o respeito aos princípios constitucionais processuais, além da entrega de uma decisão justa, adequada e efetiva, além de ser proferida em tempo razoável. Apresentou ainda que a razoável duração doprocesso busca a otimização e a efetividade, pois uma decisão tardia pode não servir mais ao jurisdicionado. Verificou-se que o abuso do direito processual acarreta a demora no trâmite do processo, de modo que se busca que os sujeitos processuais atuem de forma cooperativa, na busca de uma decisão de mérito efetiva e tempestiva. O abuso do direito processual ocorre quando o indivíduo se utiliza, de forma excessiva, de um direito com a finalidade de atrasar o processo. Ademais, a utilização abusiva dos instrumentos processuais, de forma reiterada, com o objetivo de atrasar o deslinde do feito caracteriza assédio processual. Não se pode negar que há vários recursos à disposição das partes que, se usados de forma indevida, retardam demasiadamente o processo. Para evitar tal fato e alcançar o trâmite processual em tempo adequado, as partes devem atuar com lealdade, observando o princípio da boa-fé. Desse modo, o presente trabalho não se destina ao esgotamento do tema, mas ao levantamento de questionamentos que façam refletir acerca da atuação dos sujeitos processuais e seu papel na duração do processo. Conclui-se, destarte, que a razoável duração do processo é uma forma de acesso à justiça, e para tanto, todos os sujeitos processuais devem agir com boa-fé, cooperando para uma decisão justa, efetiva e em tempo razoável. REFERÊNCIAS ANNONI, Danielle. Acesso à justiça e direitos humanos: a Emenda Constitucional 45/2004 e a garantia a razoável duração do processo. Revista Direitos Fundamentais & Democracia. Faculdades Integradas do Brasil. 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Disponível em: https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/espacojuridico/article/view/2555/3776. Acesso em: 10 jun. 2021. 122 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 20. 123 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 20-21. 124 CAMBI, Eduardo; CAMACHO, Matheus Gomes. Acesso (e descesso) à justiça e assédio processual. Revista Jurídica da Escola Superior de Advocacia da OAB-PR, ano 2, número 1, abril, 2017. Disponível em: http://revistajuridica.esa.oabpr.org.br/wp-content/uploads/2017/05/04.pdf. Acesso em 08 jul. 2021. 125 SILVA, Paulo Henrique Tavares da; OLIVEIRA, Flávia de Paiva Medeiros de; BARBOSA, João Batista. Correlação do direito de acesso à justiça com o princípio da razoável duração do processo. Revista de Desenvolvimento e Direito da Unicatólica, v. 2. n. 1, janeiro-junho, 2019. p. 52-63. 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Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. 133 Brasil. Código de Processo Civil (CPC). Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) II - velar pela duração razoável do processo; 134 CABRAL, Antônio do Passo. A duração razoável do processo e a gestão do tempo no novo Código de Processo Civil. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (Coord.). Normas fundamentais (Coleção Grandes Temas do Novo CPC. vol. 8). Salvador: Juspodivm, 2016. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 83. 135 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Manual de direito processual civil contemporâneo. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 97. 136 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito fundamental à razoável duração do processo judicial e administrativo. Revista da EMERJ. v. 3. n. 10, 2000. p. 118-142. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/20032979.pdf. Acesso em: 14/06/2021. 137 CAMBI, Eduardo; CAMACHO, Matheus Gomes. 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Salvador: Juspodivm, 2016. p.105. 141 BRASIL. Código de Processo Civil (CPC). Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. 142 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: teoria do processo civil. Volume 1. 3. ed. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2017. p. 272. 143 BRASIL. Código de Processo Civil (CPC). Art. 12. Os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão. 144 CABRAL, Antônio do Passo. A duração razoável do processo e a gestão do tempo no novo Código de Processo Civil. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (Coord.). Normas fundamentais (Coleção Grandes Temas do Novo CPC. vol. 8). Salvador: Juspodivm, 2016. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 90. 145 BRASIL. Constituição Federal de 1988 (CF/88). Art. 93. (...) XIII - o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população; 146 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 21. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 126. 147 ANNONI, Danielle. Acesso à justiça e direitos humanos: a Emenda Constitucional 45/2004 e a garantia a razoável duração do processo. Revista Direitos Fundamentais & Democracia. Faculdades Integradas do Brasil. Curso de Mestrado em Direito da UniBrasil. v. 2, n. 2, julho-dezembro, 2007. Curitiba: UniBrasil, 2007. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/190/182. Acesso em: 10/06/2021. 148 ANNONI, Danielle. Acesso à justiça e direitos humanos: a Emenda Constitucional 45/2004 e a garantia a razoável duração do processo. Revista Direitos Fundamentais & Democracia. Faculdades Integradas do Brasil. Curso de Mestrado em Direito da UniBrasil. v. 2, n. 2, julho-dezembro, 2007. Curitiba: UniBrasil, 2007. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/190/182. Acesso em: 10/06/2021. 149 SADEK, Maria Tereza Aina. Acesso à justiça: um direito e seus obstáculos. Revista USP, n. 101, p. 55-66, 2014. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/87814/90736. Acesso em: 8 jun. 2021. 150 OLIVEIRA, Rogério Nunes de. A morosidade da entrega da jurisdição e o direito à razoável duração do processo judicial. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano IV, N. 4 e Ano V, N. 5, 2003-2004, p. 609-644. Disponível em: http://fdc.br/arquivos/mestrado/revistas/revista04e05/discente/07.pdf. Acesso em: 15/06/2021. 151 BUENO, Cassio Scarpinela. Manual de Direito Processual Civil. Volume único. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 86. 152 PORTO BELO, Duína. A razoável duração do processo como instrumento de acesso à justiça. 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Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 21. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 135. 168 CRAMER, Ronaldo. O Princípio da boa-fé objetiva no novo CPC. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (Coord.). Normas fundamentais (Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 8). Salvador: Juspodivm, 2016. p. 197. 169 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 21. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 143. 170 MALCHER, Wilson de Souza. O abuso processual. Revista de Direito da ADVOCEF, o V, n. 10, Porto Alegre/RS, maio/2010, p. 149-168. Disponível em: https://www.advocef.org.br/wp-content/uploads/2014/11/10-maio- 2010.pdf#page=149. Acesso em: 19/06/2021. CAPÍTULO SEIS SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Disposições do teletrabalho em conformidade com a lei nº 13.467/2017. 3. Ponderações do teletrabalho sob a ótica da lei nº 14.442/2022. 4. Vantagens e desvantagens do teletrabalho. 5. Conclusão. RESUMO: Este artigo tem por objetivo analisar as novas disposições previstas na CLT acerca do teletrabalho. Inicialmente, serão objetos de estudo as inovações trazidas pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017). Com a pandemia ocasionadapelo novo coronavírus (COVID-19), a demanda pela utilização do teletrabalho aumentou de forma exponencial, o que faz com o que legislador tivesse que atualizar algumas das disposições trazidas pela reforma trabalhista. Neste contexto foi criada a Lei nº 14.442/2022 que alterou algumas disposições acerca do teletrabalho previsto na CLT, bem como, introduziu novos artigos, ampliando assim a legislação deste importante instituto. Essa Lei já está sendo alvo de inúmeras críticas e elogios e por isso este artigo também possui como finalidade analisar as vantagens e as desvantagens do teletrabalho, e ainda as principais dúvidas que podem aparecer nas discussões perante a justiça do trabalho. Palavras-chave: Direito trabalhista. Consolidação das leis do trabalho. Reforma trabalhista. Teletrabalho. ABSTRACT: This article aims to analyze the new provisions in the CLT regarding teleworking. Initially, the innovations brought by the Labor Reform (Law nº 13.467/2017) will be objects of study. With the pandemic caused by the new coronavirus (COVID-19), the demand for the use of telework has increased exponentially, which makes the legislator have to update some of the provisions brought by the labor reform. In this context, Law nº 14.442/2022 was created, which amended some provisions on teleworking provided for in the CLT, as well as introduced new articles, thus expanding the legislation of this important institute. This Law is already being the subject of numerous criticisms and praise and therefore this article also aims to analyze the advantages and disadvantages of teleworking, and also the main doubts that may appear in discussions before the labor court. Keywords: Labor law. Consolidation of labor laws. Labor reform. Telework. 1 INTRODUÇÃO A sociedade mundial avançou no sentido de reconhecer a importância da utilização da tecnologia em diversos setores. A indústria já utiliza a tecnologia por meios de maquinas e robôs que conseguem realizar tarefas que antes eram apenas praticadas pelo ser humano. Outro fato que comprova a importância da tecnologia, é que a mesma também é utilizada para tarefas domesticas, como por exemplo, com robôs que possuem a função de aspirar a sala de uma casa, sem a assistência de um ser humano. Neste contexto, outros setores da sociedade começaram a utilizar e aceitar a tecnologia. Com a pandemia ocasionada pelo novo coronavírus, a necessidade do uso da tecnologia aumentou sendo essencial para que as atividades empresariais não ficassem estagnadas. No direito do trabalho isso não foi diferente, sendo a tecnologia utilizada para que a justiça não ficasse inerte e assim não prejudicasse os litigantes. Diversas medidas impensáveis há anos atrás foram utilizadas e permanecem até hoje, como por exemplo, a realização de audiências e julgamentos virtuais, o ato de despachar virtualmente com a secretária da vara do trabalho, e o mais inovador, a possibilidade da parte ao ajuizar uma ação trabalhista poder optar pelo tramite pelo juízo 100% digital. O preconceito existente da utilização da tecnologia e da realização do trabalho por meios tecnológicos fora das dependências da empresa também foi diminuído drasticamente, pois as companhias viram que os trabalhos prestados fora de suas dependências não diminuíram a produtividade das tarefas realizadas pelos seus trabalhadores, pelo contrário aumentaram a produtividade, haja vista que o empregado conseguiria acessar o trabalho em qualquer horário. Assim, a utilização de tecnologias como, por exemplo, notebooks, tablets, celulares entre outros foram essenciais às empresas e aos empregados durante o período de pandemia permanecendo até hoje. O direito do trabalho anteviu que em pouco tempo o trabalho em locais fora da empresa seria uma das novas tendências da relação empregatícia, e por essa razão com a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) regulamentou nos artigos 75-A a e75-E da CLT, o teletrabalho. Com a pandemia e a necessidade da utilização do teletrabalho, a Lei acima mencionada foi aprimorada e modificada pela Lei nº 14.442/2022, trazendo novas situações e alterando situações existentes acerca do teletrabalho. 2 DISPOSIÇÕES DO TELETRABALHO EM CONFORMIDADE COM A LEI Nº 13.467/2017 A Lei nº 13.467/2017, intitulada “Reforma Trabalhista” entrou em vigor no ordenamento jurídico brasileiro em 11 de novembro de 2017. Referida Lei causou um grande impacto com suas novas disposições, alterações e revogações legislativas. Dentre as diversas inovações da Lei nº 13.467/2017 está à regulamentação do teletrabalho, onde foram incluídos os artigos 75-A a 75-E na CLT, que posteriormente veio a ser alterada, conforme veremos em tópico específico. Todavia, as novas disposições também trouxeram diversos questionamentos e críticas quanto ao texto, que acompanharemos a partir de agora. O artigo 75-A da CLT vigora com a seguinte redação: “Art. 75-A. A prestação de serviços pelo empregado em regime de teletrabalho observará o disposto neste Capítulo” (BRASIL, 1943). Este primeiro artigo não nos traz muita discussão, haja vista que apenas menciona que a regulamentação do teletrabalhador será regida pelas disposições do capítulo II-A, “Do Teletrabalho”. Já o artigo 75-B da CLT traz o conceito de teletrabalho para a legislação trabalhista, qual seja: Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho (BRASIL, 1943). Ao analisar de forma crítica, a hermenêutica existente no conceito acima mencionado pode- se destacar algumas observações que vão servir de ponto norteador. A primeira delas: o teletrabalhador é aquele que presta serviços fora das dependências da empresa, ou seja, não necessariamente prestará serviços em sua residência, podendo trabalhar, por exemplo, de um clube, de uma sala de cooworking, desde que não seja na empresa. Aqui já conseguimos diferenciar o teletrabalho do trabalho em casa (home office), possuindo o teletrabalho uma maior amplitude de locais para a prestação de serviços. A segunda: para que o empregado seja considerado um teletrabalhador deverá também fazer uso das tecnologias de informações e de comunicação, que não se constituam como trabalho externo. A legislação aqui tenta diferenciar o teletrabalhador do trabalhador externo. Podemos imaginar como exemplo, um vendedor viajante que utiliza o celular para agendar consultas com os clientes. Neste caso o trabalhador em que pese utilize um equipamento tecnológico não é considerado teletrabalhador, pois a natureza do serviço prestado pelo empregado é de um trabalho externo, não conseguindo exercer a mesma atividade nas dependências da empresa. Já o teletrabalhador deverá utilizar as tecnologias de informações e de comunicação para o exercício do seu trabalho, como por exemplo, notebook, tablets, celulares, entre outros. Todavia, o trabalho do teletrabalhador não necessariamente é imprescindível que seja realizado de forma virtual, podendo ser realizado de forma presencial, ou seja, nas dependências da empresa. A terceira é tida como a de maior peso e diz respeito à palavra “preponderância” prevista no conceito. A palavra preponderante nos traz uma ideia de predominância. Ou seja, para a legislação o empregado só seria um teletrabalhador se prestasse serviços de forma preponderante fora das dependências do empregador. Ocorre que a própria legislação não classificou um critério do que seria esta preponderância. Por essa razão, abriu-se margem para discussão sobre qual modulo deveria ser adotado para que fosse analisada a preponderância. Poderíamos por gentileza adotar um modulo semanal, onde o empregado deveria trabalhar fora das dependências da empresa por pelomenos de 3 a 4 vezes, a depender de sua jornada. Se adotássemos um critério mensal, dentro do mês o empregado deverá ter trabalhado mais dias foras das dependências da empresa do que na sede da companhia. Também poderia ser adotado um critério anual. A Lei nº 13.467/2017 não solucionou essa questão, todavia, conforme veremos adiante a palavra “preponderância” perdeu seu sentido. O parágrafo único do artigo 75-B se preocupou com eventuais comparecimentos a empresa que o teletrabalhador poderia ter que fazer. Segundo o artigo o comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho. Assim, podemos concluir que o comparecimento para participar de uma reunião presencial, de uma palestra presencial, de um evento presencial, não descaracteriza o regime do teletrabalho. Em relação aos requisitos e formalidades para a contratação do empregado como teletrabalhador, o artigo 75-C da CLT passou a prever quais as condições. O “caput” o artigo acima mencionado traz a necessidade de dois requisitos para que o empregado seja um teletrabalhador, quais sejam: (a) previsão expressa no contrato individua de trabalho; e, (b) especificação das atividades realizadas pelo empregado (BRASIL, 1943). Caso o contrato de trabalho não possua esses dois requisitos, entende-se que o teletrabalho fica descaracterizado. A legislação também pensou na aplicação do teletrabalho aos empregados que já eram contratados na modalidade presencial. Nesse sentido, o §1º do artigo 75-C trata sobre a possibilidade de alteração do regime de trabalho presencial para o teletrabalho (BRASIL, 1943). Para que ocorra a alteração de regime presencial para o teletrabalho são necessários dois requisitos: (a) mútuo consentimento; e, (b) registro da Alteração por meio de Aditivo Contratual. Neste particular, interpreta-se que a redação é adequada, pois observa o artigo 468 da CLT, no que diz respeito ao princípio da inalterabilidade contratual lesiva. Assim, cabe também ao trabalhador o aceite em migrar para o regime de teletrabalho (BRASIL, 1943). Seguindo essa linha, a legislação também pensou na situação contrária, ou seja, na alteração da modalidade de teletrabalho para o regime presencial. Neste aspecto, a legislação também trouxe requisitos para que ocorra a alteração de regime do teletrabalho para o trabalho presencial, que são: (a) garantia de um prazo de transição mínimo de quinze dias; e, (b) registro da alteração por meio de aditivo contratual. Note-se aqui que não há como requisito o mútuo acordo, pelo contrário, a redação do §2º do artigo 75-C deixa expresso que a alteração do regime telepresencial para o presencial é pode ser realizada de forma unilateral pelo empregador (BRASIL, 1943). Crítica que se pondera pertinente no tocante a essa redação, é que se cria uma nova hipótese de jus variandi, onde o empregado não tem a opção de se opor a alteração. Nessa linha, entende-se também ocorrer violação ao princípio da inalterabilidade contratual lesiva (artigo 468) da CLT, vez que a alteração pode trazer prejuízos ao empregado (BRASIL, 1943). Pensamos como exemplo, que o empregado pode ter toda uma rotina alterada em razão da mudança de forma unilateral. Nesse sentido, o entendimento de Antunes (2019, p. 24), ao abordar o tema pontua que “nesta alteração também se considera possível violação ao artigo 468 da CLT, em que a alteração contratual poderia gerar prejuízo ao empregado”. Outro ponto de discussão e debate diz respeito a quem caberia a responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento de materiais tecnológicos e infraestrutura para a realização do teletrabalho e outras despesas decorrentes deste. O legislador se posicionou neste ponto, sendo criado o artigo 75-D da CLT. Referido artigo deixou certo que as questões relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito. Ou seja, caberão as partes no ato da contratação negociar a quem caberá esta responsabilidade, deixando claro por escrito. Seguindo o posicionamento da legislação, tem sido o entendimento da jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região ao decidir sobre o tema: [...] Da ajuda de custo A reclamada se insurge contra a r. sentença de origem que a condenou no pagamento de despesas com teletrabalho no importe de R$80,00 mensais. Sustenta que o artigo 75-D da CLT prevê que as partes podem ajustar quem arcará com os custos relacionados ao trabalho em regime de “home office”, alegando que o reclamante estava ciente desde a contratação de que trabalharia de maneira remota enquanto durassem as medidas de isolamento para prevenção do contágio pelo vírus da Covid-19. Sem razão. O artigo 75-D estabelece que “As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito”. Logo, incumbia à reclamada ter instituído, por meio de contrato escrito, as disposições relativas ao teletrabalho, especialmente quanto ao reembolso pretendido pelo reclamante, haja vista que o risco do empreendimento é do empregador, bem como é dele todos os custos de produção e prestação do serviço, nos termos do artigo 2º, caput, da CLT. No entanto, não há nos autos prova de que as partes realizaram esse ajuste, porquanto os documentos juntados pela reclamada às fls. 237/241 e 243 não estão assinados pelo empregado. Dessa forma, correta a r. decisão de origem que condenou o réu no pagamento de ajuda de custo, nos valores corretamente fixados na sentença. [...] 2.2. Da ajuda de custo Requer a reclamante a reforma da r. sentença, alegando que, em março de 2020, passou a laborar na modalidade de home office, sem receber a devida ajuda de custo, haja vista que, ao laborar de sua casa, passou a ter que dispor de seus próprios recursos a fim de custear despesas inerentes à prestação de seu labor, tais como plano de internet, plano de celular e, ainda, conta de energia elétrica. Ao exame. O artigo 75-D da CLT estabelece: Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito. Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado. No caso em apreço, as partes firmaram um aditamento ao contrato de trabalho para a implementação do teletrabalho (fl. 158), no qual ficou estabelecido, na cláusula sétima, que caberia ao empregado arcar exclusivamente com as despesas domiciliares de refeição, água, energia elétrica, etc. Neste contexto, a autora tinha plena ciência dos encargos que arcaria com o trabalho “home office” e, ainda que assim não fosse, a reclamante sequer juntou aos autos os comprovantes das despesas alegadas, motivos pelo qual mantenho a r. sentença. Nego provimento (TRT, 2022). Apesar dos apontamentos aqui apresentado, importa dispor que o contrato de trabalho é um contrato de adesão, ou seja, se o empregado não aceitar as condições impostas pelo empregador, este não contratado. Nesse sentido, referido dispositivo não pensou no desiquilíbrio evidente que existe na relação de emprego, muito menos no princípio básico do direito do trabalho, qual seja, o princípio da proteção. Ademais, também foi ignorado por este artigo a ideia de alteridade (artigo 2º da CLT), na qual o empregador é o responsável pelos riscos de sua atividade econômica, e assim, caberia a este fornecer os equipamentos e a infraestrutura para que o trabalhadorprestasse serviços em seu favor (BRASIL, 1943). Para Delgado (2018, p. 1070), “o artigo 75-D da CLT não determinou fixação imperativa de qualquer custo ao empregador, desprezando assim os riscos do empreendimento, referindo- se apenas a previsão do contrato escrito”. O parágrafo único do referido artigo deixa certo que as utilidades mencionadas não integram a remuneração do empregado. Neste aspecto correta a legislação, pois, por exemplo, no caso do reembolso de despesas, este não se dá por contraprestação e assim, não há que se falara em reflexos de natureza salarial. No que diz respeito às normas de saúde, higiene e segurança do teletrabalhador, o artigo 75-E da CLT veio regulamentar as mesmas. Note-se que o “caput” do artigo traz uma obrigação ao empregador, qual seja, de instruir os empregados quanto as precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho. No papel a norma está muito bem elaborada, todavia poderão existir problemas na prática. Imaginamos um caso concreto onde a empresa orienta o teletrabalhador a possuir uma cadeira ergonômica para que não tenha problemas na coluna. Ocorre que no contrato de trabalho ficou determinado que caberia ao empregado a responsabilidade em adquirir a cadeira, e o trabalhador não possui condições financeiras de adquirir a mesma, comprando outra que não o protege de eventual problema na coluna. Portanto, mesmo que o empregador oriente o trabalhador em relação as precauções para se evitar uma doença, no caso prático, a depender do previsto em contrato, poderá o teletrabalhador ainda assim ser lesionado, por não possuir meios de se obter o melhor material possível para exercício da sua atividade. O artigo em análise também traz uma obrigação ao empregado em seu parágrafo único, no sentido de que deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador. Neste aspecto tal norma vai de encontro aos direitos anexos ao contrato de trabalho, bem como ao princípio da cooperação. Por fim, vale destacarmos ainda um artigo que não está contido entre os artigos 75-A a 75- E da CLT, qual seja o artigo 62 da CLT. O artigo 62 da CLT elenca os trabalhadores que não estão sujeitos ao controle de jornada. Antes da reforma trabalhista entrar em vigor já existiam duas classes de empregados que não estariam sujeitos ao controle de jornada, quais sejam: (a) os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho; (b) os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial (BRASIL, 1943). Ocorre que, a Reforma Trabalhista incluiu no inciso III do artigo 62 da CLT o teletrabalhador, pontuando que “Art. 62 Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: [...] III - os empregados em regime de teletrabalho” (BRASIL, 2017). Ou seja, para a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) o teletrabalhador não estaria sujeito ao controle de jornada, isto é, não teria direito a eventual pagamento de horas extras, intervalos violados e outros direitos inerentes a duração do trabalho. De outro lado, o empregador não poderia controlar e fiscalizar a jornada do teletrabalhador, sob pena de descaracterização do teletrabalho. Neste contexto, é o entendimento da jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional da 15ª Região, ao julgar o recurso apresentado no processo judicial nº0010477-19.2018.5.15.0096, dispondo, no tocante às horas extras que: 2 - RECURSO DA RECLAMADA 2.1 - HORAS EXTRAS O MM. Juízo a quo condenou a ré ao pagamento de horas extras com base no documento de ID. d6df789. Inconformada, a reclamada argumenta que o regime de teletrabalho, previsto no artigo 75-B da CLT, inserido pela Lei 13.467/2017, não está sujeito ao controle de jornada. Alega, em síntese, que a própria reclamante fazia suas anotações manuais e as assinava, constando as mesmas no espelho de ponto. Por fim, sustenta que todas as horas foram pagas ou compensadas. Com relação ao labor ocorrido parcialmente em teletrabalho, no período posterior à Reforma Trabalhista, entendo que, conforme dispõe o artigo 62, III da CLT, com redação dada pela Lei 13.467/2017, tal modalidade está, em regra, excluída do controle de jornada. No caso em exame, entretanto, o documento de fl. 28 (ID. d6df689 - Pág. 18) comprova que a autora é credora de 6 (seis) horas, as quais seriam pagas em 17/01/2018. Todavia, não houve a comprovação do referido pagamento. Ainda que assim não fosse, entendo que os demais elementos de prova evidenciam que era possível o controle de jornada da autora, inclusive no período no qual laborou em teletrabalho, como observo nas anotações manuais da reclamante (fl. 117, por exemplo). Nesse contexto, compactuo com o entendimento explicitado pelo MM. Juízo de origem, razão pela qual, em face dos princípios da celeridade e economia processuais, peço vênia para adotar os fundamentos da r. sentença como razões de decidir. Registre-se que o trabalho em sistema de “home office”, por si só, não significa ausência de controle de jornada, eis que tal controle pode ocorrer por meios tecnológicos e pela comunicação do superior hierárquico, nos moldes indicados na inicial, tanto que foram reconhecidas as horas suplementares pela ré. O cálculo das horas suplementares observará os seguintes critérios: a) evolução salarial da autora; b) adicionais previstos nas normas coletivas da categoria da autora; c) globalidade salarial na base de cálculo, na forma da Súmula 264 do TST. Não se cogita de compensação, ante a ausência de pagamentos sob iguais títulos da condenação, notadamente em se considerando que a reclamada não comprovou que a importância de R$197,77, depositada em 27/02/2018, dizia respeito às horas suplementares reconhecidas na mensagem de id n. d6df789, p.18. Por decorrência, rejeito o apelo (TRT, 2019). Por conseguinte, em conformidade com o posicionamento da jurisprudência pátria, Melo (2019 p. 331), aduz que: Sob o manto da garantia de uma maior comodidade, alguns empresários poderiam enxergar no teletrabalho uma ferramenta de grande utilidade para aumentar ilegal e excessivamente sua produtividade, o que acabou tomando força pela inclusão do regime do teletrabalhador no art. 62, inciso III. Critica a esta redação, é no sentido de que em um mundo globalizado como o nosso atual, não é razoável que o teletrabalhador não tenha horário para início e fim do expediente. Tal dispositivo gera uma sobre jornada do teletrabalhador e com isso o mesmo poderá adquirir doenças, inclusive de cunho psicológico. Podemos citar como exemplo a síndrome de burnout, crises de ansiedade, estresse, crises de pânico, depressão entre outras. Neste contexto é o entendimento de Souza (2019 p. 42) ao aduzir que: A implementação do home office é o mais novo desafio do mundo contemporâneo, mas perfeitamente viável, desde que haja empenho em promover mudanças eficazes, não só no mobiliário e ambiente físico, mas também em aspectos cognitivos que possam afetar a sua saúde mental. Em consonância com esse posicionamento é o entendimento de Delgado (2018 p. 1066): A CLT cria apenas uma presunção – a de que tais empregados não estão submetidos, no cotidiano laboral, a fiscalização e controle de horário, não se sujeitando, pois, à regência das regras sobre jornada de trabalho. Repita-se: presunção jurídica ... e não discriminação legal. Desse modo, havendo prova firma (sob ônus do empregado) de que ocorria efetiva fiscalização e controle sobre o cotidiano da prestação laboral, fixando fronteiras claras à jornada laborada, afasta-se a presunção legal instituída, incidindo o conjunto das regras clássicas concernentes à duração do trabalho. Sem dúvidas, a Lei nº 13.467/17 foi importantíssima de forma geral para o ordenamento jurídico trabalhista, todavia, inúmeras disposições foram fortemente criticadas, principalmente referentes ao teletrabalho. Por essa razão, foi criada a Lei nº 14.442/2022 que alterou diversasdas disposições acima mencionadas, bem como incluiu novas disposições. 3 PONDERAÇÕES DO TELETRABALHO SOB A ÓTICA DA LEI Nº 14.442/2022 No tópico acima analisamos as inovações do teletrabalho promovidas pela Lei nº 13.467/2017. Ocorre que, em razão da pandemia do coronavírus iniciada em meados de março de 2020, que impossibilitou as pessoas de saírem de casa, haja vista as recomendações para fechamento de indústrias, comércio, entre outros setores da economia, as empresas e os empregados tiveram a necessidade de se submeterem ao trabalho fora das dependências do empregador, pela utilização do teletrabalho. Nesse sentido, constatou-se que a legislação trazida pela reforma trabalhista precisava ser aperfeiçoada, para tentar aproximar a Lei as novas situações fáticas existentes na relação de trabalho. Assim, foi publicada Lei nº 14.442/2022 que alterou algumas das disposições do teletrabalho previstas na CLT. Inicialmente o artigo 75-A da CLT. A Lei nº 14.442/2022 não alterou este dispositivo e, portanto, continua vigente a redação da Lei nº 13.467/2017. Apenas para relembrar que a redação do artigo 75-A menciona que a regulamentação do teletrabalhador será regida pelas disposições do capítulo II-A, “Do Teletrabalho” (BRASIL, 2022). Todavia, em relação ao artigo 75-B da CLT, este sofreu profunda alteração pela Lei nº 14.442/2022. A nova redação alterou o “caput” do artigo e excluiu o parágrafo único existente e acrescentou nove novos parágrafos. Como podemos observar o artigo 75-B foi drasticamente alterado pela nova legislação, sendo alterado inclusive o conceito de teletrabalho. Pela nova redação o teletrabalho ou trabalho remoto é a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não configure trabalho externo. Verifica-se que a polêmica relacionada à palavra “preponderantemente” foi encerrada pela nova legislação, tendo em vista que o empregado em regime de teletrabalho pode ser aquele que presta serviços de forma preponderante ou não, fora das dependências da empresa. Portanto, concluímos que inexiste qualquer critério para configuração do teletrabalhador, cabendo às partes no ato da contratação estabelecer o regime presencial ou de teletrabalho. Critica a redação apenas no sentido de que a Lei não precisaria mencionar a expressão “preponderante ou não”, haja vista que inexiste atualmente qualquer critério para caracterização do teletrabalhador. O §1º do novo artigo 75-B, praticamente reproduz o disposto no parágrafo único da redação da reforma trabalhista, incluindo apenas no final da redação a palavra “trabalho remoto” (BRASIL, 2022). Assim, para a Lei, o comparecimento, ainda que de modo habitual, às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento continua não descaracterizando o regime de teletrabalho ou trabalho remoto (BRASIL, 2022). A redação do §2º traz uma novidade, qual seja a possibilidade do teletrabalhador prestar serviços por jornada ou por produção ou tarefa. Nesse sentido, há possibilidade de contratação de um teletrabalhador para um serviço especifico ou ainda para obra especifica (BRASIL, 2022). Nesse sentido, o §2º deve ser estudado conjuntamente com a alteração do artigo 62, inciso III da CLT. O artigo 62, III da CLT também foi alterado pela Lei nº 14.442/2022, passando a prever a seguinte redação: “Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: [...] III - os empregados em regime de teletrabalho que prestam serviço por produção ou tarefa” (BRASIL, 2022). A nova redação traz uma importante mudança. Se com o texto da Lei nº 13.467/2017 o teletrabalhador era excluído do capítulo referente à jornada de trabalho, a legislação atual alterou esse entendimento prevalecendo que em regra o teletrabalhador deverá ser submetido ao controle de jornada, e apenas os teletrabalhadores que prestam serviço por produção ou tarefa estão excluindo do controle de jornada (BRASIL, 2022). Nesse sentido, retornando a análise do §3º do artigo 75-B, o mesmo apenas reproduz o mencionado no parágrafo acima, no sentido de que se ao teletrabalhador contratado por produção ou tarefa, não se aplicarão a disposições referentes a jornada de trabalho (BRASIL, 2022). O § 4º do artigo 75-B vem trazer uma diferenciação entre o teletrabalhador e aqueles que realizam trabalho remoto com o operador de telemarketing ou de tele atendimento (BRASIL, 2022). Para a nova legislação não se confunde o regime de teletrabalho ou trabalho remoto com a ocupação de operador de telemarketing ou de tele atendimento. Em relação ao §5º do artigo 75-B, este tenta de certa forma delimitar o que seria tempo á disposição do empregador no regime de teletrabalho (BRASIL, 2022). Assim, o tempo de uso de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária, bem como de softwares, de ferramentas digitais ou de aplicações de internet utilizados para o teletrabalho, fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição ou regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho. Portanto, a regra aqui é a que o uso de tecnologias durante o intervalo para refeição e descanso, antes e após a jornada de trabalho não seriam considerados tempo à disposição da empresa. A exceção seria se nessas hipóteses houvesse previsão em acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho. A redação do § 6º vem ampliar a aplicação do regime de teletrabalho ou trabalho remoto aos aprendizes e aos estagiários (BRASIL, 2022). Em relação aos aprendizes, em tese, não há maiores problemas, haja vista que a Lei possibilita o comparecimento do trabalhador na empresa, e assim, caso necessário alguma tarefa pratica que exija o comparecimento do aprendiz na empresa este poderia aparecer na companhia para a realização do trabalho. Ademais, o aprendiz está previsto na CLT e por essa razão o teletrabalho pode ser aplicado ao mesmo. Já em relação ao estagiário, embora a intenção da Lei fosse a melhor possível, vislumbra-se certa incompatibilidade. Isso porque o estagiário possui relação de trabalho e não relação de emprego, sendo regido por Lei especifica (Lei nº 11.788/08). Portanto, em tese a CLT não seria aplicável ao estagiário ante a existência da lei especifica mencionada. Com essa autorização da nova legislação em se aplicar o teletrabalho ao estagiário, as discussões aqui apresentadas demonstram a possível existência de discussões jurídicas acerca da aplicação de outros direitos previstos na CLT ao estagiário. O § 7º do artigo 75-B da CLT veio definir quais os acordos coletivos de trabalho e as convenções coletivas de trabalho devem ser aplicados ao teletrabalhador (BRASIL, 2022). Aos teletrabalhadores serão aplicadas as disposições previstas na legislação local e nas convenções e nos acordos coletivos de trabalho relativos à base territorial do estabelecimento de lotação do empregado. Ou seja, se a empresa possui sede em São Paulo e contrata um teletrabalhador para prestar serviços do Estado do Rio de Janeiro, a este teletrabalhador serão aplicadas as disposições previstas no acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho de São Paulo, vez que a empresa possui estabelecimento na cidade paulista. Com o aperfeiçoamento do teletrabalho a legislação teve também que estipular a hipótese do empregado contrato no Brasil para prestar serviços no exterior como teletrabalhador. Para esta hipótese foi criado o §8º que estabelece que ao contrato de trabalho do empregado admitido no Brasil que optar pela realização de teletrabalho fora do território nacional aplica- se a legislação brasileira, excetuadas as disposições constantes da Lei nº 7.064, de 6 de dezembro de 1982, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes (BRASIL, 2022). Por fim, § 9º do novo artigo 75-B dispõe que acordo individualpoderá dispor sobre os horários e os meios de comunicação entre empregado e empregador, desde que assegurados os repousos legais. Assim, este artigo revela a ideia da nova regra do artigo 62 da CLT, de que o teletrabalhador deverá possuir controle de jornada, excetuando apenas aqueles que trabalhem por produção ou tarefa (BRASIL, 2022). O artigo 75-C da CLT trouxe uma alteração no texto do seu “caput” e incluiu um §3º a este artigo. A redação anterior do “caput” fazia menção a necessidade de dois requisitos para que o empregado seja um teletrabalhador, quais fossem: a previsão expressa no contrato individual de trabalho e a especificação das atividades realizadas pelo empregado. A nova redação excluiu o requisito da especificação das atividades realizadas pelo empregador, e, portanto, atualmente prevalece à existência apenas do requisito da previsão expressa no contrato individual de trabalho. Já o novo §3º veio definir que o empregador não será responsável pelas despesas resultantes do retorno ao trabalho presencial, na hipótese de o empregado optar pela realização do teletrabalho ou trabalho remoto fora da localidade prevista no contrato, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes. Ou seja, se o empregado foi contratado para trabalhar em São Paulo, mas prestava o serviço de teletrabalho na cidade do Rio de Janeiro, por sua escolha, caso a empresa determine o retorno do trabalhador ao regime presencial, esta não será responsável pelo pagamento de eventuais despesas com a mudança. Mais uma vez, há crítica nesse sentido, pois ignora a ideia de alteridade a ainda desrespeita o princípio da inalterabilidade contratual lesiva (BRASIL, 1943). Os §§1º e 2º do artigo 75-C não foram alterados pela Lei nº 14.442/2022, e assim, passa a continuar valendo o texto da reforma trabalhista referente as hipóteses de alteração do regime de trabalho presencial para o tele presencial e vice e versa. Os artigos 75-D e 75-E da CLT também não foram alterados pela Lei nº 14.442/2022, e, portanto, prevalecem as disposições referentes aos direitos e obrigações e as normas de saúde, higiene e segurança. Por último, cabe destacar uma novidade trazida pela Lei nº 14.442/2022. A instituição do artigo 75-F da CLT. Este artigo 75-F vem trazer uma regra de prioridade e inclusão, pois prevê que os empregadores deverão dar prioridade aos empregados com deficiência e aos empregados com filhos ou criança sob guarda judicial até 4 (quatro) anos de idade na alocação em vagas para atividades que possam ser efetuadas por meio do teletrabalho ou trabalho remoto (BRASIL, 2022). Portanto, essas foram as alterações e novas disposições do teletrabalho que prevalecem atualmente na legislação trabalhista, contudo, apesar das mudanças realizadas que aparentam o objetivo de suprir as falhas apontadas na legislação anterior, não se mostrou possível uma análise jurisprudencial acerca das mudanças, tendo em vista a sua novidade. Assim, é esperado que a jurisprudência, ao analisar as mudanças apresentadas pela Lei nº14.442/2022 venha para suprir as faltas e as lacunas outrora existentes. 4 VANTAGENS E DESVANTAGENS DO TELETRABALHO É evidente que o teletrabalho transformou a vida dos empregados e empregadores de todo mundo. Por essa razão, com a construção do presente arquivo é possível considerar o levantamento de algumas vantagens e algumas desvantagens em relação à instituição e legislação acerca do teletrabalho. Em relação às vantagens, foi levantado as seguintes: - Otimização do tempo. - O empregado possui maior contato com a família, amigos, comunidade e política. - O empregado possui maior tempo para buscar uma qualificação profissional. - Os empregadores tiveram redução de custas com aluguel, alimentação, transporte e vestuário. Também é o entendimento de MELO (2020, p. 24): Para a empresa, suas principais vantagens estão na redução do espaço imobiliário, com diminuição de custos inerentes à aquisição de locais, alugueis manutenção, transporte, etc. Por sua vez, em relação às desvantagens elencou-se as seguintes: - A dificuldade natural do trabalhador em separar o tempo de trabalho com o tempo de outras atividades. - A ausência de contato físico dos trabalhadores pode prejudicar a reivindicação de direitos e gerar problemas emocionais e psicológicos. - A dificuldade com a fiscalização no meio ambiente de trabalho. É evidente que com o passar do tempo novas vantagens e desvantagens irão surgir, todavia, a pesquisa que se desenvolveu até o presente momento possibilitou extrair as acima estipuladas enquanto as principais. 5 CONCLUSÃO Frente o desenvolvimento da presente pesquisa que contou com a análise da legislação mais atualizada acerca do tema, o diálogo com a doutrina e as jurisprudências é possível extrair, a título de ponto conclusivo que o teletrabalho é uma modalidade de emprego que veio para ficar, portanto, é preciso uma agilidade, por parte dos legisladores e dos julgadores quanto à existência das legislações e suas interpretações, evitando que direitos sejam violados ou suprimidos. Nesse contexto, a primeira busca por essa regulação foi verificada com o advento da legislação, que em um primeiro momento trouxe regulamentação para a existência daquele instituto, todavia com a pandemia novas situações foram criadas, sendo necessária uma revisão dos dispositivos trazidos pela Reforma Trabalhista. Assim, foi possível trazer à tona o modo como a nova legislação trouxe diversas alterações e novos dispositivos, ampliando assim a regulamentação do teletrabalhador, mas ao mesmo tempo trouxe novos questionamentos que caberão à doutrina e à jurisprudência ponderar suas resoluções. Outrossim, é inconteste que, com o advento dessas novas relações de trabalho, como restou demonstrado novas situações irão surgir e a Lei deverá ser constantemente revisada e discutida, a fim de aproximar o teletrabalho as novas exigências sociais. Até o presente momento os resultados extraídos deste novo instituto evidenciam que as empresas obtiveram redução de custos com os empregados inerentes a concessão de vale transporte, bem como, redução nos custos com alugueis, conta de luz e conta de água. Mais importante que as reduções de custos, foi a maior produtividade dos empregados, que atualmente conseguem acessar o ambiente de trabalho a qualquer dia e horário. Em relação aos empregados, podemos extrair como resultados, a maior otimização do tempo, pois não precisam utilizar transporte publico ou privado para chegar até o emprego, à proximidade com a família e o maior tempo para obter novas qualificações profissionais. Contrapartida, há o isolamento do trabalhador, pois ele passa a executar suas atividades em um espaço no qual tem ausência de contato físico para com outros trabalhadores, podendo desenvolver problemas de saúde, principalmente de ordem psicológica, condição que apesar de não ser o objetivo deste trabalho, merece ser citada, pois afeta diretamente os direitos morais do trabalhador. REFERÊNCIAS ANTUNES, Dalton Araújo. Impactos positivos e negativo para o empregador e empregado após a reforma trabalhista. Ixtlan. 2019 (ebook), s/p. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em 26 out 2022. BRASIL. DECRETO-LEI Nº 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- lei/del5452.htm Acesso em 26 out 2022. BRASIL. LEI Nº 13.467, DE 13 DE JULHO DE 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm. Acesso em 26 out 2022. BRASIL. LEI Nº 14.442, DE 2 DE SETEMBRO DE 2022. Dispõe sobreo pagamento de auxílio-alimentação ao empregado e altera a Lei nº 6.321, de 14 de abril de 1976, e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019- 2022/2022/lei/L14442.htm. Acesso em 26 out 2022. BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da da 2ª Região (TRT). Processo nº: 1001034- 30.2021.5.02.0372. 2022. Data: 25-04-2022. Órgão Julgador: 1ª Turma - Cadeira 5 - 1ª Turma. Relator(a): Sueli Tome da Ponte. Disponível em: https://juris.trt2.jus.br/jurisprudencia/ Acesso em 30 out 2022. BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da da 15ª Região (TRT). Processo: 0010477- 19.2018.5.15.0096. 2019. Data: 23-10-2019. Órgão Julgador: 2ª Câmara - Relator(a): Patrícia Glugovskis Penna Martins. Disponível em: https://trt15.jus.br/jurisprudencia/consulta-de- jurisprudencia Acesso em 30 out 2022. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 18 ed. São Paulo: LTr, 2019. MELO, Luiz Fernando de. Teletrabalho em tempos de corona-vírus. sem editora. 2020 (ebook), s/p. MELO, Luiz Fernando de. Horas extras no regime de tele-trabalho (home office) de acordo com a reforma trabalhista. sem editora. 2019 (ebook), s/p. SOUZA, André Aguerri Pimenta de. Home office: cuidados com sua saúde física e mental. sem editora. 2021 (ebook), s/p. CAPÍTULO SETE SUMÁRIO: Introdução. 1. A sociedade do cansaço. 2. A mudança das relações sociais de consumo e de trabalho. 3. Direito à desconexão. 4. Conclusão. RESUMO: Nos dias atuais, a internet é parte fundamental na vida da sociedade, inclusive, sendo uma ferramenta para as atividades diárias, como por exemplo: de locomoção, esportes, finanças, alimentação, saúde e, principalmente, de trabalho. Sua conexão veloz e sem fronteiras liga qualquer ser humano a qualquer lugar do mundo com apenas um clique. Com os avanços tecnológicos surgem também novos meios operacionais de trabalho sempre visando a rapidez e a eficiência da produção laboral, seja por aplicativos de mensagens, ligações de vídeo, e-mails, SMS ou, até mesmo, ligações de voz. Ou seja, há cada vez mais conexão e tecnologia entre os seres humanos. Ainda falando de trabalho, o empregado se submete ao excesso de conexão buscando cumprir as metas estipuladas, a satisfação de seu superior hierárquico e o anseio por novos cargos melhores qualificados. Assim, o direito à desconexão torna-se cada vez mais obsoleto, pois a incomunicabilidade - mesmo que em seus momentos legais de descanso (férias, descanso semanal remunerado, intervalo interjornada e interjornada, etc.) – faz do ser humano um profissional improdutivo, logo, descartável e prejudicial para empresa. De modo negativo, os seres humanos estão desenvolvendo cada vez mais patologias psíquicas (depressão, Síndrome de Bornout, Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade - Tdah) agindo de modo imediato e ansioso, afinal, a internet traz consigo uma falsa sensação de liberdade e de autonomia profissional. Palavras-chave: sociedade do cansaço; direito à desconexão; relações de trabalho; tecnologia no trabalho. ABSTRACT: Nowadays, the internet is a fundamental part of society’s life, including being a tool for daily activities, locomotion, sports, food and, mainly, work. Its fast and borderless connection connects any Human Being anywhere in the world with just one click. With technological advances, new operational means of work also emerge, always aiming at the speed and efficiency of work production, whether through messaging applications, vídeo calls, emails, SMS or voice calls. In other words, there is more and more connection and technology between Human Beings. Still talking about work, the employee submits to the excess of connection seeking to fulfill the stipulated goals, the satisfaction of his hierarchical superior and the yearning for new, better qualified positions. Thus, the Right to Disconnect becomes increasingly obsolete, as incommunicability - even in their legal moments of rest (vacation, Weekly Paid Rest, inter-working break, inter-working etc.) - makes the Human Being an unproductive professional, therefore, disposable and harmful to the company. In a negative way, Human Beings are increasingly developing psychic pathologies (depression, Burnout Syndrome, Attention Deficit Hyperactivity Disorder - ADHD) acting immediately and anxiously, after all, the internet brings with it a false sense of freedom and profesional autonomy. Keywords: tiredness society; right to disconnect; labor relations; technology at work. INTRODUÇÃO As novas formas de relações da sociedade hodierna acabam por impor a todos os indivíduos o estreitamento de suas relações pessoais por meio virtual, bem como desenvolvimento de suas atividades mais simples e rotineiras por meio de toda sorte de sites e aplicativos. Para além das interações humanas por redes sociais, atualmente quase tudo é possível (ou passível) de utilização de funcionalidades virtuais: fazer compras, promover estudos, usufruir de lazer, realizar deslocamentos, contratar transportes e empreender cuidados com a saúde – para citar alguns exemplos. Tal digressão se faz necessária para que, de partida, seja possível vislumbrar que, de um lado, há seres humanos ávidos por consumir rápida e volumosamente toda sorte de serviços e produtos que são continuamente colocados à disposição; de outro, que há trabalhadores que se inserem voluntária e isoladamente em tais cadeias de entregas de produção e serviço e que tanto um quanto outro (mas especialmente os últimos) compõem uma significativa parcela da sociedade à beira do profundo esgotamento emocional. O presente trabalho tem por escopo demonstrar o impacto dessas transformações no indivíduo, utilizando como alicerce a ótica do trabalho de Byung-Chul Han, em sua obra Sociedade do Cansaço, a fim de demonstrar como as novas relações de trabalho – descentralizadas e sem hierarquia, ditas uberizadas – conduzem ao estado geral de esgotamento da nossa sociedade, decorrente especialmente da falsa sensação de liberdade e do excesso de positividade, que impelem os indivíduos à autoexploração. Inegável que a tecnologia tem proporcionado a facilitação do consumo, da interação e do trabalho, rompendo limitações físicas e possibilitando o desenvolvimento das mais diversas atividades em horários e locais. No entanto, o excesso de conexão mantém os seres humanos ininterruptamente ligados a dispositivo eletrônicos (computadores e celulares, especialmente), afetando o repouso dos indivíduos e reduzindo os necessários períodos de recuperação humana após uma jornada ativa. Embora a legislação atual não preveja o direito à desconexão, a discussão sobre o tema tem assumido centralidade quando consideradas as relações de emprego e as atividades autônomas de trabalho, restando a ideia mais estruturada em outros países. No entanto, a despeito de uma previsão legal específica, é necessário que se reconheça como decorrência lógica dos direitos fundamentais do indivíduo no exercício de suas atividades profissionais, bem como mister que se vislumbre que o adoecimento dos indivíduos produz efeitos nefastos e irreversíveis por toda sociedade, que passa a viver uma verdadeira epidemia de doenças psicológicas. O remédio para tal epidemia, portanto, passa pelo reconhecimento de que o ser humano necessita de um tempo de não-conexão, para que se dedique ao repouso e à recuperação mental. Desse modo, buscando uma melhor elucidação da problemática em questão, expor-se- á sobre a (i) sociedade do cansaço, (ii) a mudança das relações sociais de consumo e de trabalho e o (iii) direito à desconexão. Ato contínuo, através das considerações finais, será possível notar que nem sempre evolução é sinônimo de melhoria e, de modo análogo, nem sempre é bom estar conectado à tecnologia e desconectado com a vida. Assim, em se tratando da metodologia lidada, utilizar-se-á o método dedutivo, especialmente, através de fontes jurídicas, pesquisas bibliográficas, pesquisas legislativas, periódicos e monografias.1 A SOCIEDADE DO CANSAÇO O livro Sociedade do Cansaço é um ensaio produzido pelo filósofo sul-coreano Byung Chun Han, que parte de uma análise fundada nos pensamentos de Michel Foucault, Nietzsche e Hannah Arendt (dentre outros), para formular um pensamento crítico em relação às formas de sociabilidade e às enfermidades que as relações sociais atuais produzem nos indivíduos. Na sociedade do cansaço, segundo HAN (2015, p. 17), O explorador é ao mesmo tempo o explorado. Agressor e vítima não podem mais ser distinguidos. Essa autorreferencialidade gera uma liberdade paradoxal que, em virtude das estruturas coercitivas que lhe são inerentes, se transforma em violência. Os adoecimentos psíquicos da sociedade de desempenho são precisamente as manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal. Para chegar a tal afirmação, o autor parte de uma análise das epidemias inerentes a cada época da vida em sociedade, pontuando que cada fase da sociedade ostenta epidemias que lhe são peculiares, tais como as doenças bacteriológicas ou virais – apontando que o século XXI, ao revés, é marcado pelas patologias de ordem neural, que surgem pelo excesso de positividade. Neste mesmo sentido, HAN (2015, p. 7-8) acrescenta: Doenças neuronais como a depressão, transtorno de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade (Tdah), Transtorno de personalidade limítrofe (TPL) ou a Síndrome de Burnout (SB) determinam a paisagem patológica do começo do século XXI. Não são infecções, mas enfartos, provocados não pela negatividade de algo imunologicamente diverso, mas pelo excesso de positividade. Assim, eles escapam a qualquer técnica imunológica, que tem a função de afastar a negatividade daquilo que é estranho. Em outras palavras, nenhuma das doenças que acometem massivamente a sociedade (TDAH, depressão ou burnout, por exemplo) decorrem de infecções por agentes biológicos, mas do excesso de positividade da nossa sociedade. Assim, as patologias psicológicas não podem ser combatidas por técnicas imunológicas já conhecidas. É preciso, portanto, que se compreenda que os discursos de positividade são marcados pelas mensagens positivas e pelos discursos das metas a serem alcançadas, o que acaba criando uma sociedade do desempenho. Tal sociedade do desempenho se opõe à sociedade disciplinar delineada por Michel Foucalt, na qual o indivíduo era constantemente vigiado e qualquer desvio de conduta é punido – focado em desempenho, o indivíduo baseia sua conduta pelo método regulamentar, de ordem e organização que se verifica em quartéis, presídios, fábricas e hospitais, por exemplo. No entanto, o filósofo em estudo assevera que a nossa sociedade mudou e passou a ocupar diferentes núcleos com os mais diversos escopos, como academias, escritórios, shoppings: cenários em que os sujeitos de obediência passaram a ser empresários de si mesmos. Nesse ponto, Han aponta que o objetivo da sociedade do desempenho é exclusivamente o de maximizar a produção, mas que, no entanto, o sujeito do desempenho não se desconecta completamente da noção de “dever” característica do sujeito de obediência da sociedade disciplinar, funcionando a disciplina como uma etapa para o aumento de produtividade. Nesse sentido (HAN, 2018, p. 15): A partir de determinado ponto da produtividade, a técnica disciplinar ou o esquema negativo da proibição se choca rapidamente com seus limites. Para elevar a produtividade, o paradigma da disciplina é substituído pelo paradigma do desempenho ou pelo esquema positivo do poder, pois a partir de um determinado nível de produtividade, a negatividade da proibição tem um efeito de bloqueio, impedindo um maior crescimento. A positividade do poder é bem mais eficiente que a negatividade do dever. Assim o inconsciente social do dever troca de registro para o registro do poder. O sujeito de desempenho é mais rápido e mais produtivo que o sujeito da obediência. O poder, porém, não cancela o dever. O sujeito de desempenho continua disciplinado. Ele tem atrás de si o estágio disciplinar. O poder eleva o nível de produtividade que é intencionado através da técnica disciplinar, o imperativo do dever. Mas em relação à elevação da produtividade não há qualquer ruptura; há apenas continuidade. O indivíduo, então, passa a usufruir de uma sensação de liberdade, pois o sujeito do desempenho não sofre uma coação externa que o força a trabalhar. Porém, imbuído pela obtenção do máximo desempenho e pelos resquícios do dever, ele mesmo se submete ao trabalho exaustivo – por muitas vezes ultrapassando exacerbadamente a sua jornada normal de trabalho ou, ainda, abdicando de seus descansos expressos na Lei Maior. Em tal transição, em suma, os sujeitos saíram das relações com proibições e mandamentos para entrarem em projetos, movidos pela iniciativa e pela motivação. Assim, o sujeito de desempenho se torna mais rápido e mais produtivo que o sujeito de obediência; no entanto, a sociedade do desempenho produz mais depressivos e fracassados. Diz Han (2017, p. 29): O sujeito de desempenho encontra-se em guerra consigo mesmo. O depressivo é o inválido dessa guerra internalizada. (...) O sujeito de desempenho está livre da instância externa de domínio que o obriga a trabalhar ou que poderia explora-lo. É senhor e soberano de si mesmo. Assim, não está submisso a ninguém ou está submisso apenas a si mesmo. É nisso que ele se distingue do sujeito de obediência. A queda da instância dominadora não leva à liberdade. Ao contrário, faz com que liberdade e coação coincidam. As potencialidades a serem exploradas e esgotadas pelo indivíduo tornam o poder (isto é, todas as potencialidades a serem exercidas pelo indivíduo) em um dever e a depressão surge do esforço constante e inesgotável do sujeito em ser ao máximo ele mesmo (e em atingir o máximo de seu potencial). O sucesso, então, resume-se à força de vontade individual, em que tudo depende exclusivamente do próprio indivíduo, acabando por conduzi-lo a uma autoexploração, movido por uma falsa sensação de liberdade. O esgotamento que conduz à depressão e outros estados de perturbação neuronal, portanto, não se vinculam somente à obrigatoriedade de obedecer a si mesmo (resíduo do dever), mas também à maneira imperativa que o desempenho se impõe na sociedade (máxima do sujeito de desempenho). O excesso de positividade, portanto, acaba causando uma fadiga geral pelo excesso de estímulos ao qual o sujeito é submetido. Nesse ponto, mister destacar que a habilidade individual de desempenhar tarefas simultâneas (multitarefas) não é necessariamente um sinal de evolução. Ao revés, é uma característica de retrocesso, já que é uma habilidade inerentes a animais selvagens. Os indivíduos, tal e qual os animais para sobreviverem à natureza, tornaram-se multitarefa, fragmentando atenção e tempo em várias direções o que, também, conduz ao esgotamento mental. O filósofo ainda aborda em sua obra outras consequências da violência neuronal à qual os indivíduos da sociedade do cansaço estão submetidos, como a crítica ao aumento de estímulos na sociedade atual, que conduz à falta de condições para a contemplação, defendendo a oportunidade para fruição do tédio profundo, elemento essencial à contemplação e ao descanso. Aponta-se, portanto, que o tédio é importante para o fluxo de ideias, para incremento do dom da escuta e para a atenção profunda. Chega-se ao último capítulo da obra com a exposição, pelo autor, da ideia de cansaço, em que há uma exacerbação do desempenho que conduz ao esgotamento, ao cansaço excessivo que acaba por isolar o indivíduo – a violência neuronal e seus efeitos psíquicos são coletivos, porém, são vividos e sentidos individualmente. 2 A MUDANÇA DAS RELAÇÕES SOCIAIS DE CONSUMO E DE TRABALHO É notável que, nos dias atuais, a tecnologia e sua evolução estão presentes no dia-a-dia do ser humano e, de forma não diferente, estes também estão presentes na vida laboral do indivíduo, deste modo, SIQUEIRA JUNIOR (2015, p. 66-67) afirma que: O mundo da informática passa a integrar a nossa realidade sociale, consequentemente, seguindo o brocardo jurídico ubi societas, ibi jus (onde houver sociedade, haverá direito), a informática integra o direito. Atualmente, verificamos a informatização da sociedade. Estamos hoje a uma transformação radical da relação entre informática e a sociedade. A informática aparece para todos os operadores do direito como uma nova ferramenta de trabalho. O computador eletrônico, máquina a serviço do homem, penetra rapidamente em todos os setores da vida social. No campo do Direito, o computador já se mostra como um importante instrumento de trabalho. Não diferente, as novas relações de trabalho surgem especialmente a partir de modelos de negócios que se desenvolvem por meio da internet, em uma relação de consumo ou negócio em que uma plataforma virtual combina a oferta e a demanda por determinada mão de obra e em que uma infraestrutura digital de terceiro coordena e organiza a atividade econômica sendo traço digno de nota que, executada a atividade, o consumidor final realiza o pagamento para aquela empresa que figura como responsável pela plataforma digital de intermediação, para que esta efetue a retenção de sua parte e, só então, efetue o repasse os valores devidos ao trabalhador. Essas empresas, no geral, efetuam a gestão e o tratamento de alguns dados, com a localização, pagamento e distribuição, repassando ao trabalhador os riscos e os custos da implantação efetiva da operação. Esta é o que vem se convencionando denominar de “economia de demanda” ou “economia de plataforma”. Inequívoco, nesse sentido, que a mudança de padrão de organização social – especialmente quando se considera que o ser humano saiu do padrão de sujeito de disciplina para o padrão de sujeito de desempenho – tem repercussão direta na forma de organização das relações de consumo e de trabalho. Do quanto observado por Han e exposto anteriormente, há alguns elementos centrais que podem ser identificados nessa mudança das relações de consumo e de trabalho: 1. o crescente estímulo ao consumo rápido e insaciável (excesso de positividade); 2. a saída do indivíduo da sociedade da disciplina, para tornar-se empresário de si mesmo; 3. a busca do máximo desempenho, na qual o único limite para obtenção dos resultados é o esforço sobre si mesmo (e que conduz à auto exploração); 4. a falsa sensação de liberdade já que, aparentemente, as formas de trabalho derivadas de tal configuração são produto de uma opção de trabalho livre, pois o indivíduo pode construir seus horários de acordo com suas expectativas de vida e de ganhos financeiros. O primeiro reflexo é percebido na faceta do consumo, dado que o excesso de mensagens positivas sobre a aquisição de bens e fruição de serviços enseja um transbordamento do materialismo e da acumulação. O consumo é agressivamente estimulado por todos os meios de comunicação existentes e a busca da satisfação passa a estar atrelada à possibilidade de detenção e de exibição de grandes quantidades de bens e serviços. Na busca infindável por ter o máximo de si mesmo, as relações de consumo se potencializam, posto que geram momentâneas sensações de prazer e de realização: a satisfação das necessidades passa pela demonstração de prestígio e sucesso, fatores decisivos para obtenção de reconhecimento social. Porém, a faceta mais agressiva está relacionada à flexibilização das relações de trabalho, sob o manto do empreendedorismo, conduzindo ao modelo de uberização das relações de trabalho. No dizer de SOUZA (2021, p. 3): A dimensão do trabalho é ressignificada e reorganizada por plataformas digitais que instituem a chamada uberização: rótulo para trabalhadores empreendedores que são remunerados por tarefa, demandas ou horas, que inaugura a falsa ideia do empregador de si mesmo sem qualquer tipo de garantia de jornada ou rendimentos, o que incide em implicações importantes na dinâmica da gestão e nova organização da força de trabalho, uma vez que não há compromisso explícito de continuidade e oscilação de renda salarial. Nesse ponto, mister uma ressalva de que, não obstante o nome remeta à plataforma de transportes Uber, tal forma de relação de trabalho vem sendo explorada por diversas outras empresas ao redor do mundo. Da combinação dos elementos da economia de plataformas com as características que resultam em uma sociedade do cansaço tem-se que o indivíduo, para obter o máximo de desempenho, torna-se empresário de si mesmo imbuído da sensação de liberdade e da crença de que seus ganhos e sucesso dependem exclusivamente de seus esforços. E que a exibição de um resultado positivo é o que lhe garantirá reconhecimento social entre seus pares. O modelo de uberização das relações de trabalho serve, em última análise, ao modelo capitalista de produção, posto que permite ampliar, praticamente sem adição de custos, a escala de produção de bens e serviços, atendendo ao consumo maximizado e atingindo sobremaneira a parcela da população que se encontra em estado de desemprego, enfrentando condições adversas para recolocação no mercado de trabalho formal e que estão dispostas a assumir qualquer ocupação remunerada. É a brecha de liberdade que o capital encontra para exploração da força de trabalho: Assim, buscando a subsistência por meio do trabalho, os indivíduos que já não podem atuar profissionalmente em seus ofícios originais, se dedicam ao “empreendedorismo” ou ao “proletariado de si mesmos”, se sujeitando as condições impostas pelas plataformas e aplicativos online, provendo suas próprias ferramentas de trabalho, reservando uma parte de seus ganhos ao grande capital, não sendo reconhecidos como empregados com direitos, de um lado, e de outro, tendo exigências de condutas, controle, metas financeiras e jornadas de trabalho exacerbadas como seus deveres (FLAUSINO, REZENDE, BRISOLA, 2022, p. 3) Portanto, em um cenário social desfavorável, o labor em plataformas – ao contrário do que é propalado – não é uma opção livre do trabalhador, mas resultado do contexto econômico e social, que propicia tal opção como solução. Esses indivíduos, portanto, sob o pretexto de serem empresários de si mesmos, empreendedores cujo sucesso depende apenas da exploração dos próprios limites, acabam por atuar sob condições precárias, em longas jornadas com poucas ou nenhuma pausa para descanso e explorando recursos próprios. Nessa conformação das relações de trabalho, assim sendo, o primeiro aspecto é que os indivíduos que exploram sua própria força de trabalho deixam de ser reconhecidos como empregados. O indivíduo, desta maneira, perde a sua identidade como empregado, já que desconhece os limites da própria atuação (senão o próprio esgotamento), não reconhecendo a figura de um chefe e a quem está hierarquicamente subordinado, de modo consequente, não dispondo de representação de classe. Nesse sentido, como previu Han, passam a uma jornada solitária e individual em seu trabalho. Não obstante, a perda de identidade como empregado não é o único aspecto a ser considerado como fator do esgotamento psíquico. Assim como o consumidor de produtos e serviços na outra ponta, também o indivíduo que desenvolve suas atividades profissionais recebe constantes estímulos por meio dos algoritmos da plataforma, por exemplo, com a possibilidade de chamados para uma nova corrida ou uma nova entrega, antes de concluída aquela que está em curso e; um monitoramento constante de desempenho, com alertas de atingimento de objetivos e de queda de padrões já alcançados, estimulando o trabalhador a não optar por se desconectar da plataforma (FRANCO, FERRAZ, 2019). As plataformas acabam, de tal maneira, determinando diversos padrões de conduta – seja ao consumidor, seja aos trabalhadores – estabelecendo formas invisíveis de controle de comportamento, criando necessidades em torno de possibilidades, tempo e metas a serem conquistadas, conduzindo o indivíduo, inexoravelmente, ao esgotamento psíquico. 3 DIREITO À DESCONEXÃO Do até aqui exposto, infere-se que a sociedade do cansaço não enxerga o indivíduo como ente propensoa falhar. Pelo contrário: com toda sorte de estímulos, não permite que o indivíduo se desligue, ensejando a guerra do ser consigo mesmo em busca de otimização, conquistas e máximo desempenho. E esse sujeito de desempenho está livre das instâncias de domínio externo que o obrigue ao trabalho e o explore, levando à auto exploração. Inequívoca e unânime a constatação de que nossa sociedade vem sofrendo profundas e intensas transformações – que impactam todas as searas da vida humana. No dizer de RODRIGUES (2022, p. 15): Vivemos um novo tempo tecnológico, uma nova era de desenvolvimento científico, tantas vezes referida como revolução 4.0. Assistimos à emergência da economia digital e ouvimos palavras novas que remetem a realidades instigantes e pouco conhecidas, de que são exemplos as expressões ‘gig economy’ ou economia compartilhada, ‘uberização da economia’ ou ‘capitalismo de plataforma’ (‘crowdwork’ e trabalho sob demanda por meio de aplicativos). (...) No campo das relações de trabalho, os efeitos da tecnologia (automação acelerada e trabalho por plataformas) envolvem, essencialmente, a extinção de postos de trabalho e o agravamento do desemprego, impactando negativamente os cofres previdenciários, as políticas públicas assistencialistas e os programas de qualificação profissional. Destarte, os indivíduos, impelidos pelo excesso de positividade, pelo empreendedorismo de si mesmos e pela obtenção de resultados pela máxima exploração de suas potencialidades acabam por se sobrecarregar para manutenção de um padrão de consumo e de atividades, impelido pelas necessidades criadas pelas novas conformações sociais. Há uma violência neuronal intrínseca aos modelos de consumo e de trabalho, passíveis de causar toda sorte de danos morais e psicológicos. Conciliando esse cenário com as lições inicialmente expostas de Byung Chul-Han, é de concluir que a sociedade atual está direta e inexoravelmente submetida às violências mentais que produzem uma sociedade do cansaço, com consequências que tem como destino a própria estrutura social da qual se originam – eis as causas do aumento do adoecimento mental da população. Como já exposto, uma das críticas de Han à sociedade de cansaço é a perda da capacidade contemplativa no caminho da busca por uma vida constantemente ativa. Os sujeitos da sociedade do cansaço acabam por rejeitar o tédio e o repouso, perdendo a habilidade de promover o estado de atenção profunda. Neste mesmo diapasão, diz Jucá e Damião (2019, p. 398): Quando há o convívio familiar, o ser não vive em isolamento. Existe a troca de experiências. Esta troca é essencial para qualquer pessoa, posto que há o compartilhamento de informações e vivências, o que leva o crescimento e amadurecimento mútuos. As relações sociais são fortalecidas, os laços ratificados, o “porto seguro” estabelecido. Tem-se a foça ativa da vida, a razão da existência, o projeto de vida. Os pais levam para os filhos os valores e ensinamentos que receberam de seus pais e assim as gerações vão aprimorando o que os antepassados conheceram. É a perpetuação da espécie. Corroboram para tal, além da física da comunicação, o amor, o carinho, o respeito, as liberdades. Isto posto, a vida social e o convívio com seus familiares e amigos são tão importantes quanto o trabalho, afinal, um empregado com a consciência e o humor descansados e/ou relaxados é capaz de aumentar a produção da empresa em um número significativamente maior, bem como, haverá uma relação melhor dentro do ambiente laboral (empregado x empregador e empregado x empregado). Ressalta-se, também, que há uma melhora na qualidade do serviço prestado e não somente em sua produção, assim, por muitas vezes, o descanso ou o direito de se desconectar age como estratégia empresarial. Ocorre que, a tecnologia e a velocidade de informação fazem com que o empregado/trabalhador não consiga desconectar de seu trabalho, ou seja, o mesmo levará ao seu ambiente familiar os problemas de sua vida profissional ou, ainda, em seu período de descanso estará disponível virtualmente (Whattsapp, Telegram, E-mails, Skype, entre outros) para seu empregador, assim, perde-se seu direito à desconexão. Ao empregado/trabalhador não há opção de negar tal conexão, pois, o mesmo precisa de seu emprego para conseguir manter sua vida digna e custear suas despesas e de seus dependentes, isto é, muitas vezes o empregado se submete a tal atitude por medo do desemprego e de suas consequências. [...] os altos empregados estão sujeitos a jornadas de trabalho extremamente elevadas, interferindo, negativamente em sua vida privada. Além disso, em função da constante ameaça do desemprego, são forçados a lutar contra a “desprofissionalização”, o que lhes exige constante preparação e qualificação, pois que o desemprego desses trabalhadores representa muito mais que uma desocupação temporária, representa interrupção de uma trajetória de carreira, vista como um plano de vida, implicando crise de identidade, humilhação, sentimento de culpa e deslocamento social. (MAIOR, p. 303) No mesmo sentido, enaltece Pinto (2019, p.326): O desemprego é fenômeno mundial, obstinado, resistente à todas as tentativas de medicação. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o numero de desempregados alcança a cifra de 19,3 milhões, com taxas de podem variar de 4% a 40% da população apta a trabalhar. No Brasil, alastrou-se durante o governo da presente Dilma Roussef, quando atingiu o patamar de 14 milhões. A lenta recuperação da economia em 2018, sob o governo de Michel Temer, provocou o retrocesso da desocupação a 12,2 milhões neste inicio de 2019. Aumenta, todavia, o mercado informal, ou seja, de trabalhadores por conta própria sem registro em carteira. Percebe-se, então, que o trabalhador, por muitas vezes, abre mão de sua vida pessoal e social com medo de ficar desempregado ou, dentre outras hipóteses e procurando um cenário de melhor feição, para que assim possa lograr êxito em seu anseio pela hierarquia profissional desejada ou, se o caso, atingir metas inumanas e irreais com a auto exploração de seu próprio trabalho. Retificou-se, então, a premissa de que o trabalho dignifica o homem, isto é, hoje, fala-se que o trabalho em excesso o dignifica, porém, como já sabido por muitos, tudo aquilo quantificado em excesso faz mal à saúde do ser humano, seja física, mental ou intelectual. Visando, portando, o direito à desconexão, a Constituição Federal de 1988, especificamente em seu artigo 7°, IV, ainda que de forma implícita, busca assegurar aos Trabalhadores o Direito ao Lazer, o que por similaridade engloba o Direito à Desconexão, sendo este crucial ao Trabalhador para que possa desenvolver uma vida digna, exercer seu direito de cidadão e, também, de assegurar os mesmos direitos aos seus herdeiros. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim. Pois bem, o Direito supracitado está na Constituição Federal, porém, na prática será que há uma efetividade em sua aplicação? Nos delineados do presente artigo, busca-se alertar o Ser Humano, sobretudo o Trabalhador, para os malefícios que a tecnologia traz em suas vidas no âmbito do trabalho, isto é, torna-se explicito na prática quando o empregado/trabalhador, mesmo estando em seu descanso amparado por Lei, tem que responder o seu superior hierárquico em aplicativos e instrumentos tecnológicos ou atender a demanda do trabalho autônomo. Cita-se, por exemplo, a trabalhadora que no exercício de sua licença gestante atende ligações de seu chefe, não diferente, o trabalhador que tira uma pausa em suas férias para responder os e-mails de seus colegas de trabalhoou, ainda, em seu horário intrajornada ou interjornada o mesmo precisa ficar atento quanto a uma possível reunião online. O Tribunal Superior do Trabalho (TST), a contrário sensu, diante da corroboração da Súmula de número 428, distancia o trabalhador do Direito à Desconexão e ao Lazer, posto que o mesmo concretiza o regime de Sobreaviso do trabalhador somente quando este, mesmo que utilizando meios tecnológicos, esteja em regime de plantão ou equivalente, assim diz: Súmula nº 428 do TST SOBREAVISO APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 244, § 2º DA CLT (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 I - O uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso. II - Considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso. Fez-se, então, a inserção do presente entendimento na Consolidação das Leis do Trabalho, estando-o expresso em seu artigo 75-B, §5°: § 5º O tempo de uso de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária, bem como de softwares, de ferramentas digitais ou de aplicações de internet utilizados para o teletrabalho, fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição ou regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho. Nota-se, portanto, que o respectivo entendimento é, exacerbadamente prejudicial ao empregado/trabalhador, pois a caracterização de regime de plantão ou semelhante se torna ludibriável por seu empregador, isto é, o superior hierárquico estará conectado com seu empregado/trabalhador mesmo que este não esteja em tal regime, logo, não haverá regime de sobreaviso. É indiscutível, dessa maneira, os malefícios que a legislação, especificamente neste caso, traz aos seus empregados/trabalhadores. Dessa forma, o empregado (e o trabalhador de uma forma geral) se distancia cada vez mais de seu Lazer, haja vista que os mesmos estão intimamente mais conectados com sua atividade laboral e, desse modo, desconectados com sua vida. Reforça-se, com isso, a ideia de que as legislações, mesmo com o avanço abrupto da tecnologia, têm que o acompanhar de modo ainda mais rápido e, não somente isso, tem que se fazer valer, seja com fiscalização, com sanções ou orientações. Pondera-se, portanto, que o que se busca é de enaltecer o bem mais precioso e democrático que o ser humano possui, no caso: a vida. Enfim, desconectar é conectar consigo. É válido, também, referenciar que a tecnologia não traz consigo somente pontos negativos, pelo contrário, a mesma possui inúmero pontos positivos seja no ramo educacional com aulas remotas, seja no ramo alimentício com aplicativos de fast food, seja no ramo financeiro com a eficiência e rapidez dos aplicativos bancários, seja no ramo de transporte com a facilitação de locação de carros e localização de motoristas privados e, também, seja no ramo de saúde com a criação da telemedicina. CONCLUSÃO Com o passar dos anos a tecnologia, juntamente com a atividade laboral, vem avançando abruptamente e, com isso, traz consigo inúmeros problemas que o operador do direito tem de enfrentar e solucionar. É verdade, também, que tal solução não é unanime, isto é, não será de agrado a todos, mas, deverá levar em consideração o cenário social atual e, principalmente, o bem maior do ser humano: a vida. O indivíduo vem operando toda sorte de máquinas e dispositivos e passa a se comportar como elas e a nossa sociedade baseada nos excessos de consumo e produção tende a produzir cada vez mais indivíduos estafados. O que se busca pontuar é que o uso em excesso dos meios tecnológicos, principal e exclusivamente, no âmbito do trabalho está sobrecarregando o trabalhador e desenvolvendo patologias irreparáveis, como por exemplo: depressão, Síndrome de Burnout, déficit de atenção com síndrome de hiperatividade – Tdha, entre outros. Uma verdadeira epidemia de sofrimentos psíquicos que decorrem, essencialmente da forma de desenvolvimento das atividades profissionais. Dito isso, cabe aos órgãos governamentais e à sociedade civil procurar uma solução que estabeleça a vida e a saúde do ser humano como prioridade, visto que se está caminhando em sentido contrário ao seu bem estar. Os padrões de autorrealização estão conduzindo os indivíduos, na verdade, à autodestruição porque o estímulo ao aumento de produtividade afasta o indivíduo da desconexão e do necessário repouso. A sociedade de desempenho, tal como descrita por HAN, com a sensação de liberdade e o estímulo à auto exploração vem conduzindo a uma inegável desregulamentação dos parâmetros de jornada de trabalho, rompendo barreiras e proibições que sempre foram muito presentes na sociedade disciplinar. Em outras palavras, não vivemos mais na sociedade do relógio de ponto, mas na sociedade em que computadores e celulares são o ambiente de trabalho. Portáveis, tornam o trabalho possível a qualquer tempo, lugar e com qualquer duração. Urge reconhecer que nessa jornada de produção e consumo desenfreados, ao indivíduo não é mais permitido se desconectar. É preciso, para viver em nossa sociedade e ser considerado produtivo, estar permanentemente conectado. O sucesso passa a estar atrelado ao maior tempo de conectividade – já que é o meio que permite a obtenção de resultados, o atingimento da maior produção. O que se está olvidando é que essa dificuldade de desconexão gerará (como já vem gerando) certa ausência de produtividade. O indivíduo tende a estagnar quando tomado pelas consequências dos males psíquicos que desenvolve. A epidemia de violência neuronal produz um esgotamento crescente que tende a consumir completamente o indivíduo – e os efeitos irradiam-se por toda sociedade, dado que será formada por pessoas doentes, cansadas e esgotadas. Sugere-se, desse modo, pela fiscalização, orientação e, sobretudo, pela sanção das práticas exaustivas em que empregado e prestador de serviços são expostos diariamente. Em similaridade, faz-se necessário, também, maior regulamentação de atividades e jornadas desempenhadas em relação aos aplicativos que permitem o labor autônomo ou qualquer outra tecnologia que possa vir a surgir no futuro, ainda que distante. Mister pontuar, nesse sentido, que em 2016 a França aprovou legislação que contempla o direito à desconexão, regulando o uso de ferramentas digitais para garantir o respeito ao descanso e a vida pessoal e familiar do empregado. Funciona, portanto, como uma contenção legislativa, já que tem como escopo limitar o poder diretivo do empregador em relação à conexão. Embora se trate de significativo avanço legislativo a ser observado, é de se pontuar que ainda restrito: limita-se às relações de trabalho formalmente constituídas e a empresas que tenham um certo número mínimo de funcionários, tal previsto em lei. Assim, urge que eventual legislação a ser editada não apenas contemple a previsão do direito à desconexão, mas que produza seus efeitos sobre todas as relações de trabalho, sejam aquelas autônomas, sejam aquelas formais, dado que a mudança de comportamento em relação aos excessos de conexão é o grande antídoto em para a epidemia de doenças psicológicas que a sociedade atual atravessa. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho. Lex: coletânea de legislação: edição federal, São Paulo, v. 7, 1943. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 428. Brasília, 27 de setembro de 2012. Disponível em: https://www.tst.jus.br/sumulas. Acesso em 06 out. 2022. CORDEIRO, Francisco Antonio Vieira; FRIEDE, Reis; MIRANDA,Maria Geralda de. A violência simbólica na sociedade do cansaço do século XXI. 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Convergência entre ESG, ODS e direito do trabalho. 6. Desafios pós pandemia e necessária mudança de mindset. Conclusão. RESUMO: O tema ESG ganha destaque no mundo corporativo incentivado pelo mercado de capitais que assumiu a agenda da sustentabilidade inserindo em seus propósitos o cumprimento e valorização dos fatores de responsabilidade social, ambiental e de governança para o fortalecimento das relações econômicas mundiais. A nova perspectiva de governança global tem os olhos voltados para ações de sustentabilidade ambiental, social e de governança que perseguidas e trabalhadas em conjunto, agregam valor à empresa e promovem o bem-estar de todos os personagens envolvidos na cadeia produtiva, impactando positivamente na comunidade, no que se inserem as melhorias nas condições de trabalho, o incentivo à inclusão, a garantia da justa remuneração, a valorização da éticos, da transparência e da probidade, que são objetivos sociais, integrantes do fator “S” que integra a sigla. O momento pandêmico, serviu ainda, para a quebra de paradigmas dantes intransponíveis relativos às relações de trabalho, causando transformações importantes no seio social que atualmente, valoriza postos de trabalho com jornada híbrida, impondo relevante mudança de mentalidade no ambiente corporativo a fim de adaptar-se. Analisar essas transformações sob o enfoque dos fatores ESG é pertinente e necessário, em especial, para se encontrar a pacificação social necessária para garantir o progresso aliado à valorização do trabalhador. Palavras-chaves: ESG – valorização – trabalho decente - pandemia ABSTRACT: The ESG theme is gaining prominence in the corporate world encouraged by the capital market that has taken on the sustainability schedule, inserting in it’s purposes the fulfillment and appreciation of social responsibility, environmental and governance factors for the strengthening of global economic relations. The new perspective of global governance has it’s eyes turned to environmental, social, and governance sustainability actions that, when pursued and worked on together, add value to the company and promote the well-being of all the characters involved in the production chain, impacting positively on the community, which includes improvements in working conditions, the incentive to inclusion, the guarantee of fair remuneration, the appreciation of ethics, transparency, and probity, which are social objectives, integral to the “S” factor that integrates the acronym. The pandemic moment has also served to break paradigms that used to be insurmountable regarding labor relations, causing important transformations in the social environment, which currently values jobs with hybrid working hours, imposing a relevant change of mentality in the corporate environment in order to adapt. Analyzing these transformations from the standpoint of ESG factors is pertinent and necessary, especially in order to find the social pacification needed to ensure progress combined with the valorization of the worker. Palavras-chaves: ESG – validation – decent work – pandemic INTRODUÇÃO Apesar de ser um tema recorrente nos dias atuais, a discussão envolvendo a sustentabilidade e a adoção de práticas e medidas de responsabilidade social, ambiental e de governança remonta a décadas anteriores. Desde a Revolução Industrial é possível se perceber a preocupação em se promover melhorias no meio ambiente laboral e se combater a degradação das condições de trabalho impostas aos trabalhadores pelos senhores fabris, consequência de um êxodo rural sem precedentes que resultou na aglomeração de pessoas nos centros urbanos e a abundância de mão de obra barata, causando a exploração do trabalhador. O surgimento das primeiras legislações trabalhistas, regulando a jornada de trabalho e vedando a contratação de mão de obra infantil marcou o início da conscientização da sociedade da importância de se combinar a busca pelo lucro com o respeito ao trabalhador. A transformação cultural foi lenta e ainda se mostra em construção, acompanhando os anseios da sociedade que se renova rapidamente e impõe ao Estado, às pessoas e aos negócios, um olhar diferenciado para os temas sociais, ambientais e de integridade corporativa. A crise sanitária do COVID-19 veio reforçar a importância de se inserir na cultura social e corporativa a prática de fatores de sustentabilidade, deixando clarividentes as fragilidades sociais e econômicas por que passa o mundo, e a necessidade de se promover profunda mudança de pensamento, a níveis globais, para que a agenda da sustentabilidade seja adotada com rapidez e responsabilidade, visando o fortalecimento da sociedade e o incremento das atividades econômicas, visando a perenidade das empresas. Nesse contexto, investir em pessoas se mostrou imprescindível, especialmente, porque somente o ser humano é capaz de se inovar e trazer soluções imediatas em momento de crise, fruto de sua inteligência, que nenhuma tecnologia foi, ainda, capaz de superar. As pessoas são, portanto, oponto de relevância e o propósito maior do desenvolvimento da sociedade, no que se insere a valorização das relações de trabalho e seu incremento, a submissão às normas do trabalho, a paridade salarial entre homens e mulheres e a inclusão de minorias em cargos de poder, especialmente, das mulheres. Forte nesse propósito os fatores ESG, proveniente das iniciais de três palavras em inglês (environmental, social and governance) e cunhado em 2004 na publicação referente ao Pacto Global em conjunto com o Banco Mundial, conhecido Who Cares Wins (quem se importa ganha ou lucra) tem sido, cada vez mais, objeto de pauta de discussão no ambiente corporativo. Isto porque o mercado financeiro ao aderir ao movimento de sustentabilidade, tem direcionado recursos, com predileção, às empresas que pratiquem, ativamente, os fatores ESG em sua atividade econômica, que passam a integrar a cultura da corporação. A adoção de ações que tenham como escopo a responsabilidade sustentável e auferível nessas três searas (ambiental, social e governança), demonstra, ainda, que a empresa tem consciência e se preocupa com os efeitos negativos que as suas decisões causaram na comunidade, buscando, então, minimizar ou mesmo neutralizar eventuais efeitos nocivos, implementando, ações que visem o benefício de todos os personagens envolvidos na cadeia econômica: colaboradores, gestores, diretores, fornecedores, terceirizados, consumidores e a comunidade. Essa prática tem recebido o nome de “capitalismo de stakeholder” ou capitalismo de regeneração e tem como ponto central o conceito de que o lucro e o progresso podem caminhar juntos, de forma sustentável e sustentada, contribuindo para o bem-estar da coletividade. A busca do lucro pelo lucro se mostra, então, desconectado com a nova ordem social e econômica, que compreendeu que os efeitos nocivos decorrentes do capitalismo irresponsável, selvagem e nocivo, podem ser combatidos com a mudança de cultura corporativa e social, bem como, a adoção de ações práticas voltadas à melhoria das condições de vida das pessoas envolvidas no ciclo produtivo, no que se incluem: meio ambiente de trabalho sustentável, salários dignos e justos, reparações a direitos humanos violados. Vale reconhecer, também, que empresas comprometidas com a sustentabilidade tendem a se expor a menos riscos, diante do fortalecimento da governança e integridade corporativa, elevando sua credibilidade, resultando, por fim, na atratividade de novos talentos e maiores investimentos. Ao mercado consumidor também se atribui importante parcela de contribuição nessa virada de mentalidade, uma vez que as novas gerações têm genuína preocupação com a sustentabilidade, preferindo produtos e serviços alinhados com os propósitos sustentáveis. Considerando a relevância das pessoas nesse processo de transformação, debater os fatores ESG como instrumento de valorização do trabalho se mostra pertinente, com destaque aos desafios apresentados pelo período pandêmico e as soluções encontradas para se garantir o cumprimento da jornada de trabalho às restrições sanitárias, bem ainda, os reflexos sentidos na sociedade e que serviram para transformar o seio social, quebrando paradigmas e superando obstáculos, dantes considerados intransponíveis, valendo como exemplo, a incorporação do trabalho à distância ou home office nas empresas e órgãos públicos, o que antes da pandemia não era aceitável, por ser sinônimo de baixa produtividade. Frente a essa nova sociedade, marcada pela inovação tecnológica, pelo livre acesso à informação e de acentuado interesse em práticas sustentáveis, interferindo em suas escolhas consumeristas e laborais, é que se propõem lançar um olhar mais disruptivo aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, buscando-se um equilíbrio, sendo que a adoção de práticas de sustentabilidade pode representar um caminho possível à valorização do trabalhador e das relações do trabalho. 1 COMO SURGIU A EXPRESSÃO ESG? O termo ESG foi cunhado no ano 2004 em publicação pioneira de autoria do Banco Mundial em parceria com o Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) e instituições financeiras de 9 países, chamada Who Cares Wins171 (Quem se importa ganha ou lucra, em tradução livre). À época, o então Secretário-Geral da ONU, Sr. Kofi Annan instigou os 50 maiores CEO’s das grandes instituições financeiras a inserirem os fatores de sustentabilidade ambiental, social e de governança no mercado de capitais. Era o pontapé inicial para que uma onda sustentável, de grandes proporções, atingisse todo o mercado e provocasse mudanças no ambiente corporativo. No documento se defendeu o entendimento de que empresas engajadas com causas socioambientais, preocupadas com o bem-estar das pessoas e adeptas a boas práticas de governança corporativa alcançavam melhores resultados financeiros, se expunham a menos riscos e eram mais transparentes, sinalizando ao mercado a adoção de gestão íntegra, sustentada em valores e comprometida com a responsabilidade ambiental interna e externa à corporação. Cunhava-se, então, o termo ESG (Environmental, Social and Governance). Em contribuição ao estímulo de Kofi Annan, em 2015 a ONU propôs aos seus países membros uma nova agenda de desenvolvimento sustentável para os próximos 15 anos, que ficou conhecida como Agenda 2030, composta por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)172, embasado em quatro pilares maiores: governança, planeta, pessoas e prosperidade. O desafio é imenso e não há como o setor privado não se envolver e contribuir, especialmente, por deter vigor econômico majoritário - advindo do setor empresarial - além de concentrar grande partes inovações tecnológicas que auxiliarão no cumprimento das metas estabelecidas. Cabe, ainda, ao setor privado o relevante papel de pessoas ao engajamento da causa, por reunir o concentrar número indivíduos expressivos de indivíduos, dos mais diversos grupos, que interagem entre si, com governos, fornecedores e consumidores, atingindo a comunidade, com um todo. É importante dizer, contudo, que apesar de pulsante na atualidade, o tema não é novo, tendo surgido na década de 1970. O debate, no entanto, ficou restrito ao setor público por anos, não se expandindo ao setor privado ou a outros campos da sociedade, contribuindo para a sua segregação, sendo que somente nos anos 2000, com a publicação Who cares wins, é que a discussão se ampliou, ganhando a dimensão atual. 2 O TRABALHO DECENTE O termo “trabalho decente” foi formalizado em 1999 pela Organização Internacional do Trabalho, e: [...] sintetiza a sua missão histórica de promover oportunidades para que homens e mulheres obtenham um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, sendo considerado condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável.173 O trabalho decente é o ponto de convergência dos quatro objetivos estratégicos da OIT: 1. O respeito aos direitos no trabalho, especialmente definidos como fundamentais (liberdade sindical, direito de negociação coletiva, eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação e erradicação de toda as formas de trabalho forçado e trabalho infantil); 2. A promoção do emprego produtivo e de qualidade; 3. A ampliação da proteção social; 4. E o fortalecimento do diálogo social. A persecução do trabalho decente é tarefa que vem sendo realizada desde a Revolução Industrial, quando o êxodo das pessoas do campo para a cidade, resultou em um aglomerado de indivíduos vivendo e trabalhando em condições degradantes dada a imensa oferta de mão de obra disponível e a incapacidade dos gestores públicos, à época, de atenderem às necessidades mais básicas da população. As precárias condições de vida nas cidades e de trabalho nas fábricas despertou o interesse de estudiosos a buscarem mecanismos para coibir as práticas degenerantes da condição humana, fazendosurgir as primeiras legislações que visaram regular a carga horária do trabalhador. A partir de então, outras leis e regulamentos/normativas foram elaboradas ao longo das décadas pretendendo garantir a dignidade da pessoa humana e de suas relações laborais. Em 2015 esses avanços ganharam maior destaque e importância quando a ONU elencou os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para serem implementados pelos países signatários, tendo a Agenda 2030 – como ficou conhecido - como prazo final à concretização. O ODS 8 tem como meta “promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos e todas”174. Para Rosana Jobim e Maíra Lanner: [...] o empregador, enquanto gestor de um empreendimento, contribui para o pilar social e se aproxima do objetivo de desenvolvimento sustentável por meio da promoção do trabalho decente preconizada no Direito do Trabalho. (...) Dessa forma, ao se comprometer com práticas de trabalho decente e exigir o mesmo comportamento daqueles com quem se relaciona, o empregador supera as exigências da legislação trabalhista, contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico sustentável.175 Interessante notar que a apropriação dos conceitos ESG na cultura e no DNA corporativos permite que os ganhos ultrapassem os limites dos benefícios financeiros – imprescindíveis para a manutenção da atividade econômica – para viabilizar melhorias na vida das pessoas que participam direta ou indiretamente da cadeia produtiva. A relação é de “ganha-ganha” onde todos os personagens integrantes dessa imensa roda econômica se beneficiam, não apenas o empresário ou mesmo os colaboradores. Ter o olhar para dentro da corporação foi importante em tempos anteriores, especialmente, para despertar a importância de se ter responsabilidade social, ambiental e de governança nas atividades empresárias. Mas o objetivo ainda se restringia ao autocontrole do próprio negócio e não vislumbrava a expansão dos benefícios e vantagens provenientes da gestão responsável, que favorece todo o entorno. Incorporar os fatores ESG é ir mais adiante, é voltar os olhos para os reflexos que a atividade econômica causa para além das fronteiras das fábricas, empresas e corporações. É ter consciência que nesse ambiente multiconectado e multifacetado, as decisões dos gestores podem impactar nas condições de trabalho do colaborador, bem como, interferir na qualidade de vida de outras pessoas diretamente envolvidas na atividade comercial. O empreendedor, enquanto gestor de um empreendimento, deve ter consciência do papel da sua empresa no ecossistema social, conhecendo os impactos positivos e negativos do negócio. Não são apenas os clientes do empreendimento que sofrem influência das decisões empresariais, mas também os colaboradores, os fornecedores, os investidores e a comunidade local. O pilar S-social de uma estratégia ESG trata dessas inter-relações, identificando e validando a capacidade da empresa de manter relacionamentos mutuamente positivos com segmentos da sociedade que podem ser impactados por suas atividades.176 Considerando que as fontes de recursos são limitadas e que a diferença social se alargou exponencialmente com a pandemia, imperioso se buscar o equilíbrio e a adoção da gestão corporativa responsável e sustentável se mostra como importante ferramenta. Relevante é, assim, o papel do empregador que abandona a veste do combatido opressor, imagem abertamente vendida durante a implantação do capitalismo primitivo, para contribuir com o desenvolvimento não apenas econômico – inerente à atividade – como também para o incremento das condições sociais, no que se incluem o trabalho decente, preocupado com o bem estar do trabalhador, com o meio ambiente laboral e com a remuneração justa e digna, como defendido no capitalismo regenerativo ou de stakeholder. 3 O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO PERANTE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 A boa leitura do artigo primeiro e incisos da Constituição Federal de 1988 não deixa dúvidas de que o Estado Democrático de Direito – estabelecido em nosso país – tem como fundamentos: 1. A soberania; 2. A cidadania; 3. A dignidade da pessoa humana; 4. Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; 5. O pluralismo político. É no preâmbulo do texto constitucional, por sua vez, que se verifica que o estado democrático é: Destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais democráticos, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida (...) com a solução pacífica das controvérsias.177 Nas bem lançadas palavras do Professor Georges Abboud:178 ...a existência e a preservação dos direitos fundamentais são requisitos fundamentais para se assegurar o Estado Constitucional, tanto no âmbito formal quanto material. (...) Os referidos direitos apresentam dupla função: constituem prerrogativas que asseguram diversas posições jurídicas ao cidadão, ao mesmo em que constituem limites/restrições à atuação do Estado. Clarividente, portanto, que a engenharia constitucional estruturada pelo constituinte, tem como um dos alicerces do Estado Democrático os valores sociais do trabalho aliado à livre iniciativa, que deverão ser protegidos de ameaças e incrementados por propósitos que visem assegurar o trabalho digno e decente ao lado do desenvolvimento econômico do país (livre iniciativa). Significa dizer, ainda, que a par de se compreender a importância do desenvolvimento e fortalecimento da atividade empresarial, é fundamental que as relações de trabalho ocorram sem que haja abusos e degradações na exploração da força de trabalho, resguardando a dignidade do ser humano, garantindo remuneração justa e paritária, além de assegurar os valores sociais do trabalho, que dignificam e engrandecem o trabalhador. A mensagem é a de que o ordenamento não tolerará a abusiva exploração do trabalhador, a pretexto do desenvolvimento econômico, como também se observa da leitura do artigo 170 da CF/88, que estabelece que: “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”179. Forçoso reconhecer, portanto, “o caráter humanista e social da matriz constitucional de 1988, que inspira a estruturação da sociedade política e da sociedade civil no País, de seus subsistemas e de sua ordem jurídica”.180 Não há negar, em acréscimo, que o ordenamento brasileiro, para além de incentivar e assegurar o exercício da livre iniciativa como fator de fomento do desenvolvimento econômico, não se mostra desatento ao resguardo imperioso do trabalho valoroso, humano e desempenhado em condições “decentes” ao incremento da atividade laboral e aperfeiçoamento do próprio ser humano, coibindo práticas humilhantes e degradantes ao trabalhador. O entendimento de que a atividade empresária não deve buscar unicamente o lucro – pelo lucro – mas assumir obrigações junto aos empregados, consumidores e com a comunidade com um todo, representa importante mudança de mindset para se reconhecer a relevância de se inserir a sustentabilidade na gestão empresarial, uma vez que as decisões tentem a refletir não apenas na rotina interna da empresa e colaboradores, como também, no macro sistema que a engloba, exatamente como proposto pelo capitalismo de stakeholder. No que diz respeito à proteção aos trabalhadores, consubstanciada pela busca pelo pleno emprego (CF, art. 170, VIII) e pelos direitos fundamentais dos trabalhadores previstos no art. 7º da CF/88, a função social age no sentido de legitimar ou promover a implementação de mecanismos para distribuição dos resultados da atividade empresarial e a viabilização de iniciativas de cogestão.181 O exemplo citado serve para demonstrar que todos os princípios da ordem econômica constitucional já relacionados, estãoconectados com a função social da empresa e têm por objetivo ampliar os interesses que devem ser protegidos e atendidos por meio da atividade empresarial, no que se insere a proteção aos trabalhadores e o incentivo à valorização do trabalho digno, com remuneração justa e livre de excessos, preconceitos ou desigualdades. 4 ESG NA PRÁTICA Compreendido o que são fatores ESG é importante verificarmos como esse propósito é verificável na prática empresarial. Quais ações podem ser implementadas e interiorizadas na cultura da empresa para que se promovam a sustentabilidade social, por exemplo. Por muitos anos a luta dos trabalhadores se concentrou em melhorias salariais e em melhores condições físicas e estruturais no ambiente laboral. Esse conceito integrou a compreensão da classe empresarial – em sua maioria – pressionada, em grande parte, por condenações impostas pela Justiça Trabalhista, quando verificadas violações às normas do trabalho. Nesse aspecto, a atuação do Ministério Público do Trabalho foi relevante, porquanto ao fiscalizar a submissão à lei, tratou de coibir a prática de atos degradantes contra os trabalhadores, a exemplo do combate ao trabalho escravo ou a exploração do trabalho infantil. Trabalhadores também tiveram de se adequar ao cumprimento da lei, especialmente, aquelas que visavam a proteção da integridade física do trabalhador, e assim, equipamentos de segurança do trabalho foram incorporados a rotina dos empregados, em especial, naquelas atividades onde houvesse risco real de acidentes. Todos esses avanços foram e são importantes para valorizar o trabalhador e trazer segurança na relação laboral, contudo ESG é mais que isso. O “S” da sigla tem como propósito, além das garantias já conquistadas pelos trabalhadores, incentivar a ocupação de mulheres em cargos de alta gestão nas grandes corporações e Conselhos de Administração, a paridade financeira entre os sexos e a contratação e inclusão das chamadas “minorias” sociais em funções de relevância. A responsabilidade social de antes, preocupada com as necessidades dos trabalhadores do “chão das fábricas”, ganha relevo para alçar voos maiores e assegurar que todos os trabalhadores, sem distinção de sexo, raça, opção sexual ou credo tenham as mesmas oportunidades no mercado de trabalho e para isso, investimento financeiros têm sido direcionados para garantir a sustentabilidade social. Reunir pessoas com as mesmas histórias de vida, as mesmas referências sociais, pessoais, financeiras não agrega valor e estagna a visão do próprio negócio. Ademais, em momentos de crise, contar com uma equipe multifacetada é valoroso para a tomada de decisões inovadoras, tão necessárias para se superar momentos de instabilidade. São com esses temas que o ESG se preocupa e avalia as diversas empresas e corporações que buscam se enquadrar nos padrões sustentáveis. Assim, adotar fatores ESG significa promover ações que melhorem a qualidade de vida daqueles que dela participam, mesmo de forma indireta. O empregador-gestor deve tomar suas decisões considerando os interesses do seu público de relacionamento interno e externo. O pilar S-social, no viés trabalhista, significa não apenas respeitar a dignidade dos trabalhadores e promover o trabalho decente dentro dos muros da empresa, mas também combater práticas de trabalho degradante, compartilhando seus valores com a sociedade182. Podemos citar, como exemplo, a empresa Natura que investiu em práticas sustentáveis na região do Amazonas, gerando um incremento na economia local em mais de R$ 1.5 bilhão, melhorando a vida de toda a comunidade183. Por ter a sustentabilidade em sua cultura e inserida na gestão corporativa, a Natura “foi reconhecia como uma das empresas mais sustentáveis do mundo e a primeira do setor de cosméticos pelo ranking Global 100, elaborado pela companhia canadense de mídia e pesquisa Knights e o anúncio aconteceu no Fórum Econômico Mundial, em Davos, realizado em 21.01.21184. A sustentabilidade social também serviu para que as empresas desenvolvessem regras e controles mais rígidos contra o assédio sexual e moral, além do combate à corrupção, incrementar seus valores éticos e valorizando a imagem das empresas no ambiente interno e perante o mercado investidor e consumidor. Como resultado, Códigos de Ética e Compliance foram elaborados pelas organizações e incluídos na cultura e nos valores das organizações, cujo descumprimento, pode acarretar em justa demissão185, observadas as disposições do artigo 482 da CLT. A ideia é que o negócio se desenvolva de forma ética, segura e justa, “não apenas no que diz respeito às práticas anticorrupção, mas também em aspectos trabalhistas, relacionados a temas de relações humanas, inclusão e diversidade, vê-se cada vez mais práticas corporativas voltadas a demonstrar o respeito ao “S” de “Social” às diferenças e a importância da inclusão e da diversidade, não apenas no discurso de líderes corporativo, mas na atuação prática do mundo empresarial”186. O panorama descrito esclarece, portanto, que buscar o desenvolvimento sustentável e sustentado impõe compreender o negócio por uma visão tridimensional envolvendo as esferas ambiental, social e de governança, sempre tendo como foco a melhoria das condições de vida das pessoas. Essa é a finalidade e o objetivo ESG. 5 CONVERGÊNCIA ENTRE ESG, ODS E DIREITO DO TRABALHO O Direito do Trabalho tem como objetivo regular as relações laborais e proteger o trabalhador de situações degradantes e aviltantes no ambiente laboral, assegurando os direitos fundamentais dos trabalhadores: dessa forma, o Direito do Trabalho, cria para os empregados um direito na empresa à garantia ao trabalho considerado decente, que respeita a condição humana do trabalhador, valorizando sua dignidade por meio do estabelecimento de condições de saúde, segurança e higiene no ambiente de trabalho, com pagamento de salário justo, todos amparados em patamares mínimos de igualdade entre todos os trabalhadores187. Ao adotar os fatores/valores ESG o empreender altera sua maneira de encarar as relações de trabalho, valorizando o trabalhador, retendo talentos, coibindo o racismo e práticas de assédio e por consequência, tende a obter melhores resultados. Ao respeitar a legislação trabalhista o empresário evita o ajuizamento de demandas e mitiga os impactos negativos pecuniários que uma condenação poderia causar no seu planejamento estratégico. Tendo como norte os conceitos e propósitos ESG, as sensíveis questões trabalhistas deixam de integrar o “passivo” da empresa, para gerar valor e melhores resultados no desempenho da atividade, agregando credibilidade e segurança à imagem e reputação da empresa. Nesse compasso os propósitos ESG convergem com o Direito do Trabalho e com a busca do trabalho decente. Criar mecanismos para debater e implementar políticas públicas de promoção do trabalho decente é um dever do Estado, que deve elaborar política e ações Inter setoriais de geração de emprego e renda, além de fomentar tais discussões entre as esferas governamentais, empresariais, sindicais e da sociedade civil.188 Como exemplo dessa ação conjunta vale citar o ODS 8 estabelecido pela ONU para a agenda 2030, do qual o Brasil é signatário e se comprometeu, trabalho decente e crescimento econômico e como objetivo: promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos. Dentre as 10 metas que compõem o ODS8 destacamos:189 META ONU BRASIL Indicador 8.3 Promover políticas orientadas para o desenvolvimento que apoiem as atividades produtivas, geração de emprego decente, empreendedorismo, criatividade e inovação, e incentivar a formalização e o crescimento das micro, pequenas e médias empresas, inclusive por meio do acesso a serviços financeiros. Promover o desenvolvimento com a geração de trabalho digno; a formalização; o crescimento das micro, pequenas e médias empresas; o empreendedorismo e a inovação. 8.3.1 - Proporção de trabalhadores ocupados em atividadesnão agrícolas informais, por sexo. Até 2030, alcançar o emprego pleno e produtivo e trabalho Até 2030, reduzir em 40% a taxa de desemprego e outras formas de 8.5.1 - Salário médio por hora de empregados por sexo, por ocupação, 8.5 decente todas as mulheres e homens, inclusive para os jovens e as pessoas com deficiência, e remuneração igual para trabalho de igual valor. subutilização da força de trabalho, garantindo o trabalho digno, com ênfase na igualdade de remuneração para trabalho de igual valor. idade e pessoas com deficiência. 8.5.2 - Taxa de desocupação, por sexo, idade e pessoas com deficiência 8.6 Até 2020, reduzir substancialmente a proporção de jovens sem emprego, educação ou formação. Alcançar uma redução de 3 pontos percentuais até 2020 e de 10 pontos percentuais até 2030 na proporção de jovens que não estejam ocupados, nem estudando ou em formação profissional. 8.6.1 - Percentagem de jovens (15-24) que não estão na força de trabalho (ocupados e não ocupados), não são estudantes, nem estão em treinamento para o trabalho. 8.7 Tomar medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado, acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas, e assegurar a proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil, incluindo recrutamento e utilização de crianças-soldado, e até 2025 acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas. Até 2025 erradicar o trabalho em condições análogas às de escravo, o tráfico de pessoas e o trabalho infantil, principalmente nas suas piores formas. 8.7.1 - Proporção e número de crianças de 5- 17 anos envolvidos no trabalho infantil, por sexo e idade 8.8 Proteger os direitos trabalhistas e promover ambientes de trabalho seguros e protegidos para todos os trabalhadores, incluindo os trabalhadores migrantes, em particular as mulheres migrantes, e pessoas em empregos precários. Reduzir o grau de descumprimento da legislação trabalhista, no que diz respeito ao registro, às condições de trabalho, às normas de saúde e segurança no trabalho, com ênfase nos trabalhadores em situação de vulnerabilidade. 8.8.1 - Taxas de frequência de lesões ocupacionais fatais e não fatais, por sexo e situação de migração. 8.8.2 - Nível de conformidade nacional dos direitos trabalhistas (liberdade de associação e negociação coletiva) com base em fontes textuais da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e legislação nacional, por sexo e situação de migração. Figura 2. Metas correspondentes ao ODS 8 da ONU elaborado pela autora. Os ODS em destaque evidenciam que as metas estabelecidas pela ONU convergem com os objetivos do Direito do Trabalho, bem ainda, com os propósitos dos fatores ESG, porquanto: - Buscam a equidade no ambiente de trabalho, coibindo práticas discriminatórias de qualquer natureza; - Asseguram que o trabalho e sua consequente escolha decorram do direito de liberdade, afastando coações; - Combatem e punem as situações degradantes que, porventura, seja exposto o trabalhador; - Visam garantir a integridade física do trabalhador; - Buscam assegurar o cumprimento das normas trabalhistas de defesa do trabalhador. Para Luciane Barzotto, o trabalho decente é “...aquele desenvolvido em ocupação produtiva, justamente remunerada e que se exerce em condições de liberdade e equidade, seguridade e respeito à dignidade da pessoa humana”190 A atenta análise do ODS 8, em conjunto com a legislação trabalhista e os fatores ESG permite romper “a falsa ideia de que o respeito às questões sociais e boas práticas trabalhistas são um entrave ao desenvolvimento de negócios e prejudicam os resultados financeiros”191. Ao revés, revelam que a adoção de boas práticas de governança corporativa, buscando com o bem-estar social das pessoas envolvidas na atividade econômica e comprometido com a sustentabilidade ambiental agregam valor à empresa, aos seus produtos e serviços, ao mesmo tempo em que valorizam o capital humano, resultando em melhoria nos resultados financeiros. 6 DESAFIOS PÓS PANDEMIA E NECESSÁRIA MUDANÇA DE MINDSET A pandemia do COVID-19 alterou a vida e a concepção das pessoas sob vários aspectos, especialmente, o profissional. O necessário distanciamento nos obrigou a buscar alternativas seguras e eficazes para mantermos as atividades econômicas em funcionamento e se evitar um aumento exponencial da taxa de desemprego, impactando fortemente a vida da coletividade. O home office foi a solução mais rápida, eficaz e segura encontrada para que o cotidiano mantivesse a sua aparente normalidade. Contudo, reflexos sociais e jurídicos foram experimentados a partir desse novo modelo de trabalho e cabendo a toda sociedade refletir sobre os caminhos a serem seguidos a partir da pandemia. A necessidade de tornar os negócios mais digitais, rápidos e ao alcance de todos parece ser um dos caminhos desenhados no decorrer da crise sanitária. Isto porque, para se evitar a contaminação descontrolada – o que depois se viu impossível de prever e frear – o comércio foi obrigado e orientado a fechar suas portas. A saída para se evitar a bancarrota de uma infinidade de lojas – dos mais variados segmentos – foi a venda on-line. Comerciantes e comerciários tiveram de se adaptar à nova forma de trabalho, se capacitar para a utilização de softwares e plataformas de venda digital, além de aprenderem a fazer marketing digital. Nada foi fácil. Entretanto, a sociedade parece ter se adaptado – muito bem e em pouquíssimo tempo – a esse novo momento e a inovação digital ganhou espaço e importância. Nesse sentido, também a maneira como o trabalho é realizado sofreu alterações. Antes impensável, o trabalho à distância ou mesmo a forma híbrida, ganhou a predileção das pessoas, que passaram a valorizar a vida em família, especialmente, após os meses de reclusão e a mudança de valores trazidos pelas dificuldades e dores provocadas pelas ausências de familiares e entes queridos. A pandemia causou uma profunda mudança de mindset e o mundo corporativo, sociedade e o próprio Direito deverão acompanhar essa transformação. Mais uma vez a valorização da pessoa passou a ser ponto fulcral em qualquer organização, de qualquer porte, e contribuir para o bem-estar do funcionário deixou de ser meta para ser valor, o que vai ao encontro com o fator “S” da sustentabilidade ESG, como já visto. As doenças adquiridas pelo momento de exceção sanitária também fizeram os líderes voltarem as atenções à utilização de mecanismos que minimização – ao menos – a carga de estresse no ambiente corporativo. Nesse sentido, dar ao colaborador a escolha da melhor maneira à realização do seu trabalho e atingimento das naturais metas profissionais, passou a ser uma boa alternativa, aliando bem-estar, valorização pessoal e desempenho. Os contratos de trabalho, certamente, deverão sofrer alterações na sua constituição original, garantindo a segurança jurídica necessária para ambas as partes. Mas não apenas o empresariado deverá se inovar. Os trabalhadores também precisarão se desenvolver, porque o período pandêmico fez emergir a necessidade de profissionais mais técnicos, mais capacitados, mais adaptados aos momentos de risco, os chamados soft skills. Ademais, “informação é poder” como dito no jargão popular e a sociedade em que nos encontramos, a informação circula de forma quase instantânea, exigindo que os profissionais dessa nova era, estejam adaptados e conectados com a tecnologia, além de criativos e inovadores, rompendo com velhos modelos não mais adequados aos tempos de hoje e de amanhã. Definir jornadas de trabalho no modelo remoto ou híbrido é um dos desafios a serem encarados e vencidos, especialmente, porque, acaso não sejam bem definidas e fiscalizadas, trarão efeito reverso, já que o excesso de jornada poderá resultar em doenças, físicas ou emocionais, situação avessa ao objetivo sustentável. Álvaro dos Santos Maciel e Giorge André Lando ao discorrerem sobre o direito ao descanso lecionam: O direito à desconexão é, sobretudo, o direitoque a Constituição conferiu ao trabalhador para que ele possa descansar sem ter contato com o trabalho. (...) Com o teletrabalho, que tende a se perpetuar como resultado do Pós-pandemia nesta 4ª Revolução Industrial, tem sido cada vez mais comum que, mesmo após ter se ausentado do horário de trabalho, o empregado ser acionado durante o período de descanso para responder e-mails, atender telefonemas, mensagens de texto. Logo, há violação do direito à desconexão. Ao violar o período de descanso do trabalhador, quando ele deveria desligar-se do trabalho para usufruir da liberdade que o descanso proporciona ao indivíduo para trará de demais assuntos relacionados ao seu cotidiano, ocorre a violação do princípio da dignidade humana e por conseguinte, a incidência do dano existencial para o empregado.192 O direito ao descanso está disciplinado no artigo 6º da CF, incisos XII, XIV, XV, no artigo 7º, inciso XVII e pelo artigo 71 e parágrafos da CLT, além da Súmula 437 do TST. Um bom exemplo dos efeitos negativos do excesso de jornada é a síndrome de Burnout193, ou síndrome do esgotamento profissional, onde o excesso de trabalho, aliado às imposições exageradas pelo cumprimento de metas, acarreta a exaustão física e mental do colaborador, o que não é desejado. A crescimento expressivo de trabalhadores que apresentaram a Síndrome de Baurnaut fez com a que a OMS, em abril de 2019, a incluísse a dentre as síndromes ligadas à saúde, e “a síndrome de Burnout este classificada como um fenômeno ligado ao trabalho que afeta a saúde”.194 Vê-se, pois, que o período de pandemia trouxe transformações significativas na sociedade e nas relações de trabalho, merecendo uma reanálise do modelo adotado até então, aliado às novas expectativas criadas por uma sociedade marcada pela tecnologia, pela informação e por valores distintos aos praticados antes da crise sanitária, sendo o trabalho remoto um desses divisores de água, impondo aos líderes a fixação de limites e regras claras quanto à jornada, para que excessos não prejudiquem a saúde do trabalhador, tampouco violem a dignidade da pessoa, fatores homenageados pelo conceito ESG. CONCLUSÃO Uma nova ordem econômica está se formando mundialmente, onde a busca pelo lucro sem precedentes, do lucro pelo lucro cede espaço ao desenvolvimento econômico responsável. É bem verdade que os resultados financeiros são relevantes, contudo, os indicadores socioambientais hoje integram os temas de importância para a gestão sustentável, formando um tripé indissociável que revelará a genuína adesão aos valores de sustentabilidade, contribuindo para o atingimento das metas financeiras desejadas. Compreendeu-se, portanto, que empresas que adotam práticas de gestão responsável, tendem a apresentar melhores resultados, demonstrando segurança ao mercado investidor que a cada dia, direciona mais e maiores recursos para atividades e empresas que têm o selo da sustentabilidade. Longe de ser uma estratégia de marketing, os fatores ESG são um propósito de boa governança e moderna atividade empresarial, uma vez que os impactos das decisões corporativas são sentidos para além dos limites da empresa. E nesse ambiente de mutua colaboração é que se desenvolve o capitalismo de “stakeholder” preocupado não apenas no incremento dos resultados financeiros, mas com a adoção de ações reais e comprovadas que beneficiem os demais participantes da atividade produtiva, como fornecedores, consumidores, colaboradores e comunidade. Os avanços na legislação trabalhista, aliado aos objetivos de desenvolvimento sustentável elencados pela ONU e presentes na Agenda 2030, bem demonstram o alinhamento com os propósitos ESG e o comprometimento do ambiente corporativo com as boas práticas de sustentabilidade sócio-econômico-ambientais. Para além das críticas mais pessimistas, ESG não é uma “tendência”, uma “moda” volúvel e instável, mas uma escolha consciente de valorização da sustentabilidade, da busca pela perenidade da atividade empresarial e da garantia do bem-estar das pessoas. O trabalho e o trabalhador não podem ser encarados como uma mercadoria e a adoção de fatores ESG contribui para que o ambiente laboral seja digno, decente e sirva para desenvolver as melhores potencialidades do trabalhador, sem se descuidar do desenvolvimento econômico e da sustentabilidade ambiental, importante tripé de sustentação da Economia do país. Impulsionada pela pandemia do COVID-19 a sociedade se transmudou, assim como as relações de trabalho, que não mais estão adstritas aos modelos praticados anteriormente. O trabalho à distância é uma realidade e manifesta expressão de valorização do trabalhador, que tem papel de relevância em um mercado sustentável, juntamente com o combate às situações degradantes ao trabalhador e toda a ordem de preconceitos e desigualdades raciais, sexuais ou religiosas. Conhecimento é por fim um canal importante para que as pessoas se capacitem a esse novo olhar corporativo e os ramos do direito empresarial e trabalhista não poderão se descurar de acompanhar. REFERÊNCIAS ABRAMO, Laís. Trabalho Decente. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 04 abr. 2006. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php? option=com_ent&view=article&id=802%3Acatid%3D28#:~:text=%C3%89%20trabalho%20adequadamente%20remunerado%2C%20exercido,social%20e%20o%20di%C3%A1logo%20social. Acesso em: 11 junho 2022. ABBOUD, Georges. Processo Constitucional Brasileiro. 4 edição. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020, p. 854. BARZOTTO, Luciane Cardoso. 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O ESG sob a perspectiva das relações laborais: A concretização do trabalho decente. In: NASCIMENTO, Juliana Oliveira (coord.). ESG o cisne verde e o capitalismo de stakeholder – A Tríade regenerativa do futuro global. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2022, p. 314. 177 BRASIL. Constituição Federal do Brasil (CF/88). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 25.10.2022. 178 ABBOUD, Georges. Processo Constitucional Brasileiro. 4ed. ver. atual. ampl. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020, p. 854. 179 BRASIL. Constituição Federal do Brasil (CF/88). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em 26.10.2022 180 DELGADO, Maurício. Alterações no Direito do Trabalho. Comentários à Lei de Liberdade Econômica. Organizadores: MARQUES, Floriano Peixoto Neto. RODRIGUES, Otávio Luiz. Jr. LEONARDO, Rodrigo Xavier. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020, p.605. 181 FRAZÃO, Ana. Função social da empresa: repercussões sobre a responsabilidade civil de controladores e administradores de S/As, pp. 195-196. 182 JOBIM, Rosana Kim. LANNER, Maíra Brecht. ESG o cisne verde e o capitalismo de stakeholders – A Tríade regenerativa do futuro global. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, ٢٠٢٢, p. ٣١٦. 183 Programa Amazônia desenvolvido pela empresa Natura. Desde 2000, a empresa se comprometeu a desenvolver alternativas sustentáveis e inclusivas na Amazônia. Em 2011, todas as iniciativas para transformar desafios socioambientais em oportunidades de negócio foram reunidas nesse programa, gerando entre 2012 e 2020 na região, R$ 1,5 bilhão em volume de negócios, fortalecendo ainda mais as parcerias de conservação do meio ambiente e das cadeias de biodiversidade. 184 Disponível em: https://www.natura.com.br/blog/mais-natura/natura-e-uma-das-empresas-mais-sustentaveis-do-mundo? gclid=Cj0KCQjwwfiaBhC7ARIsAGvcPe5eAMU3vjXVfTqNUpR- 8GLfAMzudBta69L7FHwI6i2A7_linCGEjDkaAmq0EALw_wcB&gclsrc=aw.ds Acesso em: 26.10.2022. 185 BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 17a Região (TRT). RO 0001146-06.2016.5.17.0006. Des. Gerson Fernando da Sylveira Novais. J. 07.11.2017. Disponível em: https://pje.trt17.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/0001146- 06.2016.5.17.0006/2#7dd4010 Acesso em: 26.10.2022. 186 CRESPO, Liana Irani Affonso Cunha. ESG e o Papel do Compliance Officer. In: NASCIMENTO, Juliana Oliveira (coord.). ESG O Cisne Verde e o Capitalismo de Stakeholder. A tríade regenerativa do futuro global. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, ٢٠٢١, p.520. 187 STUCHI, Victor Hugo Nazário. O meio ambiente do trabalho como forma de efetividade do trabalho decente. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, SP, v.40, 2014, n.155, p.183-204. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/97304. Acesso em: 11.06.2022. 188 JOBIM, Rosana Kim. LANNER, Maíra Brecht. O ESG sob a perspectiva das relações laborais: A concretização do trabalho decente. In: NASCIMENTO, Juliana Oliveira (coord.). ESG o cisne verde e o capitalismo de stakeholder – A Tríade regenerativa do futuro global. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2022, p. 320. 189 BRASIL. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Disponível em: https://www.ipea.gov.br/ods/ods8.html Acesso em: 28.10.2022 190 BARZOTTO, Luciane Cardoso. Trabalho decente: Dignidade e sustentabilidade. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n.78, jul.2010, p.1. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-78/trabalho-decente-dignidade-e- sustentabilidade/ Acesso em: 12.06.2022 191 JOBIM, Rosana Kim. LANNER, Maíra Brecht. O ESG sob a perspectiva das relações laborais: A concretização do trabalho decente. In: NASCIMENTO, Juliana Oliveira (coord.). ESG o cisne verde e o capitalismo de stakeholder – A Tríade regenerativa do futuro global. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2022, p. 321. 192 MACIEL, Álvaro dos Santos. LANDO, Giorge André. Desafios e perspectivas do mundo do trabalho pós-pandemia no Brasil: uma análise da flexibilização trabalhista e os paradoxos do home office/anywhere office. Revista Espaço Acadêmico. Edição Especial. Abril 2021, p. 70. Disponível em: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/58043/751375151854 Acesso em: 28.10.2022. 193 BRASIL, Ministério da Saúde. Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade. Disponível em: www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a- z/s/sindrome-de- burnout#:~:text=O%20que%20%C3%A9%20S%C3%ADndrome%20de,demandam%20muita%20competitividade%20ou%20responsabilidade. Acesso em 29.10.2022 194 MACIEL, Álvaro dos Santos. LANDO, Giorge André. Desafios e perspectivas do mundo do trabalho pós-pandemia no Brasil: uma análise da flexibilização trabalhista e os paradoxos do home office/anywhere office. Revista Espaço Acadêmico. Edição Especial. Abril 2021, p. 72. Disponível em: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/58043/751375151854 Acesso em: 28.10.2022. CAPÍTULO NOVE Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito e função do princípio da proporcionalidade. 2.1. Os subprincípios da proporcionalidade. 3. O princípio da proporcionalidade em relação às provas ilícitas. 4. Conclusão. RESUMO: O intuito do presente trabalho tem a finalidade de demonstrar o princípio da proporcionalidade e sua devida aplicação no direito constitucional, penal e processo penal correlacionando mais especificamente às provas ilícitas. Para tanto aborda-se as considerações referentes aos princípios e normas para após adentrar aos princípios relacionados aos direitos humanos fundamentais. Palavras-chaves: Princípios. Proporcionalidade. Subprincípios. Processo. Provas ilícitas. Direitos humanos. ABSTRACT: The purpose of this work is to demonstrate the principle of proportionality and its proper application in constitutional law, criminal law and criminal procedure, correlating more specifically to illicit evidence. For that, the considerations referring to the principles and norms are approached for after entering the principles related to fundamental human rights. Keywords: Principles. Proportionality. Subprinciples. Process. Illicit evidence. Human rights. 1 INTRODUÇÃO A presente pesquisa teve o condão de analisar o texto constitucional brasileiro, no que diz respeito ao princípio da proporcionalidade relacionando à sua aplicação no contexto das provas ilícitas. Como instrumento de coleta de dados, foi analisado o texto constitucional brasileiro, as leis que disciplinam o assunto, bem como a jurisprudência pátria. Sendo assim, o procedimento de investigação foi o documental (Constituição Federal Brasileira, Código Penal Brasileira e Código de Processo Penal Brasileiro) e bibliográfico (literatura). Desta forma, a pesquisa aborda as normas atualmente vigentes, sem preocupar-se com a evolução histórica das mesmas. Como se trata de uma tese teórica, o que, por si só, requer a interpretação da bibliografia e dos textos legais acerca do assunto, foi feita uma análise crítica entre o que se encontra legalmente previsto no ordenamento jurídico brasileiro e confrontar tal previsão com a aplicação dos princípios da proporcionalidade. Esse artigo foi estruturado em dois capítulos: o primeiro capítulo trata acerca do conceito e da função do princípio da proporcionalidade, analisando seus subprincípios e como são delineados. O segundocapítulo versa sobre o princípio da proporcionalidade em relação às provas ilícitas. 2 CONCEITO E FUNÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE Ainda que não haja no Brasil norma constitucional que ilustre de forma expressa o princípio da proporcionalidade, demonstra-se a sua existência no sistema normativo, em razão da escolha política do Estado Democrático de Direitos, o qual visa a tutela dos direitos fundamentais, sejam individuais ou coletivos. O significado do citado princípio, essencialmente é a maior satisfação da busca de um direito mediante a menor exclusão possível de outro, sendo o gravame até a medida do necessário, a fim de que se realize a devida ponderação dos valores abrangidos com o escopo de harmonizar os direitos que se afrontam. Compreende-se que o princípio da proporcionalidade pode funcionar como meio para controlar a função legislativa, forçando-a a um critério de razoabilidade, cuja atividade limitadora é comprovada pelo termo proibição do excesso. À vista disso, uma das funções do princípio é estipular que a atividade legislativa acompanhe a evolução histórica de cada nação, a fim de que não exerça o papel de fazer valer um direito que não se encontra na lei, uma vez que atualmente se objetiva que esta mesma lei não transgrida os direitos e garantias fundamentais vigentes na Constituição. Por fim, o referido princípio é capaz de proporcionar ao julgador, meios eficazes para solucionar conflitos de interesses que o ordenamento jurídico não é capaz de realizar diante da rigidez de suas leis inaplicáveis, garantindo assim que se atinja equilíbrio nas relações. Não é difícil encontrar várias decisões que versam sobre o princípio da proporcionalidade como meio para resolver conflitos. Neste sentido algumas jurisprudências do Supremo Tribunal Federal: EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTOS SEM REGISTRO SANITÁRIO. EXAME DE PROPORCIONALIDADE DA PENA. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. A decisão recorrida declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, cuja pena cominada é 10 (dez) a 15 (quinze) anos de reclusão, para aqueles que importam medicamento sem registro na ANVISA (art. 273, § 1º-B, do CP). 2. O Tribunal de origem afirmou que viola o princípio da proporcionalidade a cominação de pena elevada e idêntica para uma conduta completamente diversa daquela praticada por quem falsifica, corrompe, adultera ou altera produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput, do CP). Em razão disso, indicou que a conduta do § 1º-B, I, do art. 273, do Código Penal, deve ser sancionada com base no preceito secundário do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006. 3. Constituem questões constitucionais relevantes definir (i) se a cominação da pena em abstrato prevista para importação de medicamento sem registro, tipificada no art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal, viola os princípios da proporcionalidade e da ofensividade; e (ii) se é possível utilizar preceito secundário de outro tipo penal para fixação da pena pela importação de medicamento sem registro. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). RE 979.962/RS, Rel. Min. Roberto Barroso. EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ARTIGO 33, CAPUT, DA LEI 11.343/2006. PENA DE MULTA. ALEGADA CONTRARIEDADE AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO SUBSTITUIR O PODER LEGISLATIVO NA QUANTIFICAÇÃO DA PENA. PRECEDENTES. MULTIPLICIDADE DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL DOTADA DE REPERCUSSÃO GERAL. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. A multa mínima prevista no artigo 33 da Lei 11.343/06 é opção legislativa legítima para a quantificação da pena, não cabendo ao Poder Judiciário alterá-la com fundamento nos princípios da proporcionalidade, da isonomia e da individualização da pena. – Acórdão(s) citado(s): (competência, poder judiciário, interferência, poder legislativo, princípio da proporcionalidade, individualização da pena). BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). ARE 1233698/SP, Rel. Min. Luiz Fux. Assim, há princípios que são mais fáceis de compreender do que definir e o princípio da proporcionalidade encaixa-se neste tipo. Segundo Guerra Filho (2003, p. 63), É imprescindível, para um bom funcionamento de um Estado Democrático de Direito, empregar o princípio da proporcionalidade, também denominado de ‘mandado de proibição de excesso’. E ainda: Esse princípio, embora não esteja explicitado de forma individualizada em nosso ordenamento jurídico, é uma exigência inafastável da própria forma política adotada por nosso constituinte, a do Estado Democrático de Direito, pois em a utilização, não se concebe como bem realizar o mandamento básico dessa fórmula, de respeito simultâneo dos interesses individuais, coletivos e públicos (Idem, p. 61). Faz-se ainda possível estabelecer um caráter provisório, dando este duas noções de proporcionalidade: uma na acepção lata e outra na acepção estrita. Em sentido amplo entende-se que o princípio da proporcionalidade é regra fundamental, devendo todos obedecer. Em sentido estrito, caracteriza-se pelo fato de presumir a solução adequada entre os fins e os meios, sendo este princípio violado quando o meio dito para realizar um fim não é apropriado ou quando neste meio existe uma desproporção evidente. Esta relação entre fim e meio pretende um controle de excesso. O fato de não estar previsto expressamente na Constituição do Brasil, não impede que seja reconhecido no que está disposto no §2º do art. 5º: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados intencionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Este artigo abrange a parte não escrita ou expressa dos direitos e garantias da Constituição, a saber, aqueles direitos e garantias, cujo fundamento decorre da natureza do regime, da essência do Estado de Direito e dos princípios que este consagra e que fazem inviolável a unidade da Constituição. Embora a Constituição de 1988 não tenha adotado de forma expressa o princípio da proporcionalidade, sua aplicação é corolário dos direitos e garantias nela expressos e implícitos, em especial o princípio do Estado Democrático de Direito, estampado já em seu primeiro artigo, do qual o princípio da legalidade (art. 5º, II) é decorrência. A essência do princípio da proporcionalidade é de preservar os direitos fundamentais, coincidindo assim com a mesma essência da Constituição, isto é, pretende um bom funcionamento de um Estado Democrático de Direito. Ressalta-se que o princípio da proporcionalidade se aplica não só aos direitos do homem, mas também a todas as categorias ou gerações de direito, isto é, o princípio vai além dos direitos da primeira geração. Sabe-se que com esse princípio surge um novo Estado de Direito, o qual necessita em toda a sua ordem social não só os direitos da primeira geração, como também da segunda e da terceira. A primeira geração abrange os direitos de liberdade, os chamados direitos e garantias dos indivíduos, a saber, os civis e políticos. Na segunda geração surgiram os direitos sociais, culturais e econômicos, sendo prestados pelo Estado, com o objetivo de suprir interesses da coletividade. Já a terceira geração, envolve os direitos do próprio gênero humano, ou seja, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito ao desenvolvimento, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação. Para Bonavides (2003), ainda existe uma quarta geração, a qual corresponde o direito à democracia, à informação e ao pluralismo. Tem o princípio da proporcionalidade a vinculação ao Direito Constitucional por via dos direitos fundamentais e também por isso ganha a mesma importância de outros princípios tão relevantes, como o princípio da igualdade com a função de proteger a liberdade dos direitosfundamentais, sendo por isso obrigado a fornecer o critério das limitações das liberdades individuais. Os juízes usam o princípio da proporcionalidade para que em determinadas ocasiões em que existam deficiências legislativas ocasionadas pelo próprio Estado, possa corrigir as lacunas da lei. 2.1 OS SUBPRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE A dúvida consiste em como a ponderação de bens aplica-se na prática e de que forma irá solucionar o caso concreto. Objetivamente, por meio do princípio da proporcionalidade, será possível essa operacionalização, na medida em que o julgador o utilize juntamente com outros métodos interpretativos. É ele que permite fazer o “sopesamento” dos princípios e direitos fundamentais, bem como dos interesses e bens jurídicos em que se expressam, quando se encontram em estado de contradição, solucionando-a de forma que maximize o respeito a todos os envolvidos no conflito (GUERRA FILHO, 2003). De acordo com a doutrina existem três subprincípios que pertencem ao princípio da proporcionalidade (BONAVIDES, 2003). O primeiro consiste na persistência, adequação ou aptidão, isto é, que o meio seja adequado a alcançar o fim ou em outras palavras que a medida seja suscetível de alcançar o objetivo desejado, observando assim a adequação do fim. O segundo consiste na necessidade ou exigibilidade, onde a medida não pode exceder os limites indispensáveis à conservação do fim que se almeja, ou melhor, explicando uma medida para ser admissível deve ser necessária. Em outras palavras, de todas as medidas que servem para a aquisição de um fim, deve-se verificar a que seja menos nociva ao cidadão, podendo assim o princípio da necessidade ser também chamado de princípio da escolha do meio mais suave. Já o terceiro consiste na proporcionalidade em stricto sensu, o qual deve ser observado uma obrigação e uma interdição, obrigação pelo fato de fazer uso dos meios adequados e interdição quanto ao uso de meios desproporcionados. Uma medida é adequada, se atinge o fim almejado, exigível, por causar o menor prejuízo possível e, finalmente, proporcional em sentido estrito (GUERRA FILHO, 1989, p. 75). Somente se inicia a análise do controle de proporcionalidade se o fim que se pretende alcançar encontra proteção no núcleo constitucional. Em segundo lugar, faz-se necessária uma descrição do conflito, pontuando todas as situações relevantes do caso. Passada a fase de análise prévia desses preliminares, passa-se assim aos exames da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. A decisão judicial (meio) para a resolução do conflito deve buscar a solução que primeiro seja adequada, depois necessária e, finalmente, proporcional. 3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE EM RELAÇÃO ÀS PROVAS ILÍCITAS A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, LVI garante que as provas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis, entendendo por ilícitas as provas que ferirem as normas do direito material. O Supremo Tribunal Federal em sua composição plena decidiu que a prova ilícita deve ser desprezada, isto é, estas provas são desentranhadas do processo, mesmo que esse ato prejudique a apuração da verdade, sendo assim mais justo aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor hierarquicamente maior do que os interesses da sociedade numa repressão aos delitos. A prova ilícita torna-se imprestável, isto é, não se reveste de aptidão para a verdade jurídica. Sendo assim, um réu não pode ser denunciado, julgado e posteriormente condenado pelo fato de a prova não ser lícita e por isso não estar dentro do ordenamento jurídico do Estado. Ressalta-se também quando a prova é derivada de uma prova ilícita, não podendo esta gerar a nulidade de um processo, tendo em vista que não há previsão legal e que por isso, deve-se fazer uma verificação, para saber se haverá contaminação de todas as provas que resultarem de provas ilícitas. O Supremo Tribunal Federal decidiu pela inaplicabilidade do fruits of the poisonus tree (fruto da árvore envenenada), isto é, as provas decorrentes de provas ilícitas tornam-se incomunicáveis. Segue o posicionamento, conforme jurisprudência: EMENTA: PROVA PENAL - BANIMENTO CONSTITUCIONAL DAS PROVAS ILÍCITAS (CF, ART. 5º, LVI) - ILICITUDE (ORIGINÁRIA E POR DERIVAÇÃO) - INADMISSIBILDADE – [...] - PROVA ILÍCITA - INIDONEIDADE JURÍDICA - RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. BUSCA E APREENSÃO EM APOSENTOS OCUPADOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO QUARTOS DE HOTEL) – [...] Precedentes (STF). ILICITUDE DA PROVA - INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DA TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS [...] A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA (“FRUITS OF THE POISONOUS TREE”): A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. - Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subsequente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. - A exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação - representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do “due process of law” e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes. - A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos “frutos da árvore envenenada”) repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes da persecução penal, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. - Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos da persecução penal somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos. - Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária. - a questão da fonte autônoma de prova (“an independent source”) e a sua desvinculação causal da prova ilicitamente obtida - doutrina - BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). RHC 90376/RJ, Rel. Min. Celso de Mello. Entretanto, apesar de o Superior Tribunal Federal não admitir as provas ilícitas, não gera nulidade em todo o processo, pois como ressalta o Ministro Moreira Alves (1994): a previsão constitucional não afirma serem nulos os processos em que haja prova obtida por meios ilícitos. Contrariando, posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal inverteu a antiga decisão, adotando por maioria dos votos, a incomunicabilidade das provas derivadas de provas ilícitas, devendo estas ser desentranhadas do processo, sem que haja nulidade do mesmo, bem como que sejam válidas as demais provas licitas. Esta é a atual posiçãomajoritária do Supremo Tribunal Federal. Concluindo, as provas ilícitas, bem como todas aquelas derivadas, são constitucionalmente inadmissíveis, devendo, pois, serem desentranhadas do processo, não tendo, porém, o condão de anulá-lo, permanecendo válidas as demais provas lícitas e autônomas delas não decorrentes. Contudo, com o uso do princípio da proporcionalidade, a doutrina constitucional moderna teve oportunidade de atenuar a rigidez tão explícita na vedação da prova ilícita, abrindo a possibilidade de ser regularmente concebida em caráter excepcional ou em casos de extrema gravidade, tendo em vista que nenhuma liberdade é absoluta e que em casos delicados pode o direito tutelado, respeitando os direitos fundamentais, ser mais relevante do que o direito da maioria. De acordo com a teoria da proporcionalidade, Nery Júnior (1997, p. 16) afirma que: Na interpretação de determinada norma jurídica, constitucional ou infraconstitucional, devem ser sopesados os interesses e direitos em jogo, de modo a dar-se a solução concreta mais justa. Assim, o desatendimento de um preceito não pode ser mais forte e nem ir além do que indica a finalidade da medida a ser tomada contra o preceito a ser sacrificado. É importante ressaltar que só se aplica o critério da proporcionalidade pro reo, isto é, em prol do princípio da inocência. Dessa forma, segundo Moraes (2003, p. 382-383), Aqueles que, ao praticarem atos ilícitos, inobservarem as liberdades públicas de terceiras pessoas e da própria sociedade, desrespeitando a própria dignidade da pessoa humana, não poderão invocar, posteriormente, a ilicitude de determinadas provas para afastar suas responsabilidades civil e criminal perante o Estado. Conclui-se então, que não se trata do acolhimento de provas ilícitas em desfavor dos acusados e, consequentemente, em desrespeito ao art. 5º, LVI, da Constituição Federal. O que ocorre na hipótese é a ausência de ilicitude dessa prova, uma vez que aqueles que produziram agiram em legítima defesa de seus direitos humanos fundamentais, que estavam sendo ameaçados ou lesionados em face de condutas ilícitas. Assim agindo em legítima defesa, a ilicitude na colheita da prova é afastada, não incidindo, portanto, o inciso LVI, do art. 5º, da Constituição Federal. 4 CONCLUSÃO Diante dos vários casos relacionados a conflitos de interesses e em contrapartida da rigidez das leis em encontrar uma solução adequada, percebe-se que o princípio da proporcionalidade funciona como um melhor meio de se chegar a um equilíbrio nas relações. No ordenamento jurídico pátrio não é difícil encontrar várias decisões que versam sobre o princípio da proporcionalidade como meio para resolver conflitos. Diante disso, a pesquisa teve como escopo o estudo da aplicação do princípio da proporcionalidade frente às provas ilícitas encontradas em um processo penal. O trabalho verificou que a Suprema Corte brasileira entende que as provas ilícitas são inadmissíveis, motivo pelo qual devem ser retiradas do processo, mesmo que a apuração da verdade fique prejudicada, por ser medida mais justa e adequada aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor hierarquicamente maior do que os interesses da sociedade numa repressão aos delitos. Em decorrência do citado fato, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL também decidiu pela inaplicabilidade do fruits of the poisonus tree (fruto da árvore envenenada), isto é, pela incomunicabilidade as provas decorrentes de provas ilícitas. Verificou-se que a prova derivada de uma prova ilícita não pode gerar a nulidade de todo um processo, devendo se fazer uma avaliação para se verificar a extensão da contaminação de todas as provas que resultarem das ilícitas e como consequencias serem desentranhadas do processo, permanecendo válidas as demais provas lícitas e autônomas delas não decorrentes.. Entretanto, com o uso do princípio da proporcionalidade, houve uma atenuação na rigidez da vedação da prova ilícita, percebendo-se a possibilidade de ser conhecida, em caráter excepcional ou em casos de extrema gravidade, tendo em vista que nenhuma liberdade é absoluta e que em casos delicados pode o direito tutelado, respeitando os direitos fundamentais, ser mais relevante do que o direito da maioria. Desse modo, o presente trabalho se destina ao levantamento de questionamentos que façam refletir acerca do uso do princípio da proporcionalidade na solução de conflitos diante das provas ilícitas dentro de um processo penal. Assim, não se trata do acolhimento de provas ilícitas em desfavor dos acusados e, consequentemente, em desrespeito ao art. 5º, LVI, da Constituição Federal. O que ocorre na hipótese é a ausência de ilicitude dessa prova, uma vez que aqueles que produziram agiram em legítima defesa de seus direitos fundamentais. REFERÊNCIAS BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. BRASIL. Constituição da República Federativa del Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 25 de setembro 2022. BRASIL. Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em: 24 setembro 2022. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). RE 979.962/RS, Rel. Min. Roberto Barroso. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verPronunciamento.asp? pronunciamento=7646814. Acesso em 24 de setembro 2022. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). ARE 1233698/SP, Rel. Min. Luiz Fux. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verPronunciamento.asp? pronunciamento=9636519. Acesso em: 25 maio 2022. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). RHC 90376/RJ, Rel. Min. Celso de Mello. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/757640. Acesso em: 25 maio 2022. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria processual da constituição. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2000. MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2006. NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. CAPÍTULO DEZ SUMÁRIO: Introdução. 1. Apresentação do caso e o discurso de Levy Fidelix. 1.1. Exposição dos fundamentos da sentença em primeiro grau de jurisdição. 1.2. Exposição dos fundamentos do acórdão em segunda instância. 2. O discurso de ódio e seus elementos. 3. Uma visão divergente para o caso. Conclusão. RESUMO: O presente artigo pretende analisar a fala proferida pelo candidato José Levy Fidelix durante debate político em que participou como candidato à Presidência da República pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) nas eleições de 2014 bem como verificar sua caracterização como um discurso de ódio. Utilizando-se do método hipotético-dedutivo, com vista a investigar o problema de caracterização de um discurso político como discurso de ódio, o estudo analisou os pedidos feitos pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo na ação civil pública - autos 1098711-29.2014.8.26.0100, os principais pontos apresentados pela defesa e os argumentos das decisões de primeiro e segundo graus proferidas nos referidos auto. Ao final, a pesquisa concluiu pela hipótese de que um endereçamento mais apropriado à solução de questões envolvendo discursos com afetação tão nociva como os discursos de ódio se daria com a aplicação de uma visão que diverge daquela proferida pelo acórdão analisado e através da qual um discurso que contenha determinados elementos básicos de caracterização possui potencial danoso e merece ser combatido. Palavra-chave: Discurso de ódio; Igualdade; Minorias; Dignidade da pessoa humana. ABSTRACT: This article intends to analyze the speech given by the candidate José Levy Fidelix during a political debate in which he participated as a candidate for the Presidency of the Republic by the Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) in the 2014 elections, as well as verify its characterization as a hate speech. Using the hypothetical-deductivemethod, in order to investigate the problem of characterizing a political speech as hate speech, the study analyzed the requests made by the Public Defender’s Office of the State of São Paulo in the public civil action - records 1098711-29.2014. 8.26.0100, the main points presented by the defense and the arguments of the first and second degree decisions rendered in the referred case. In the end, the research concluded by the hypothesis that a more appropriate approach to the solution of issues involving speeches with such harmful affectation as hate speech would occur with the application of a vision that diverges from that given by the analyzed judgment and through which a speech that contains certain basic elements of characterization, has harmful potential and must be considered as hate speech and, therefore, fought. Keyword: Hate speech; Equality; Minorities; Dignity of human person. [...] temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades. Boaventura Souza Santos (2003, p. 56) INTRODUÇÃO O presente artigo buscou investigar o discurso de José Levy Fidelix em debate político no dia 28 de setembro de 2014 e do qual participou como candidato à Presidência da República pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB). Sua fala foi transmitida ao vivo em rede nacional de televisão e gerou a propositura de ação civil pública promovida pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, com autos do processo sob número 1098711- 29.2014.8.26.0100. O estudo analisou os pedidos feitos pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo na ação civil pública, os principais pontos apresentados pela defesa e os argumentos das decisões de primeiro e segundo graus proferidas nos referidos autos. Buscando verticalizar a análise do tema em tela, a pesquisa demonstrou o conceito de discurso de ódio, bem como seus principais elementos, os quais, posteriormente, são testados na verificação da hipótese de caracterização de discurso de ódio. A pesquisa teceu comentários respeitosos sobre os principais pontos trazidos como razão de decidir pelo acórdão proferido pela 4a Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, apresentando uma visão divergente sobre a caracterização de discurso de ódio, numa tentativa de contribuição para pesquisa de um tema tão relevante e de impacto intelectual e social. 1 APRESENTAÇÃO DO CASO E O DISCURSO DE LEVY FIDELIX Em 28 de setembro de 2014, José Levy Fidelix era candidato a Presidência da República pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) e participou de debate político transmitido pela Rede Record às eleições que ocorreram no dia 05 de outubro de 2014. Em certo momento desse evento, a candidata Luciana Genro mencionou ao referido candidato sobre a violência que homossexuais sofrem na sociedade atual e questionou sobre a dificuldade daqueles que se reputam defensores da família não reconhecerem as famílias homossexuais. Ao comentário da candidata, houve a resposta transcrita infra e considerada como tema do presente estudo: Pelo que eu vi na vida, dois iguais não fazem filho. E digo mais: desculpe, mas aparelho excretor não reproduz. É feio dizer isso, mas não podemos jamais, gente, [sic] eu que sou um pai de família e um avô, deixar que estes que aí estão achacando a gente no dia a dia, querendo escorar essa minoria à maioria do povo brasileiro. Como é que pode um pai de família, um avô, ficar aqui escorado porque tem medo de perder voto? Prefiro não ter esses votos, mas ser um pai, um avô, que tem vergonha na cara! Que instrua seu filho! Que instrua seu neto! E vou acabar com essa historinha. Eu vi agora o Santo Padre, o Papa, expurgar - fez muito bem - do Vaticano um pedófilo. Está certo! Nós tratamos a vida toda com a religiosidade para que nossos filhos possam encontrar realmente um bom caminho familiar. Então, Luciana, lamento muito. Que façam um bom proveito que querem fazer e continuar como estão. Mas, eu, Presidente da República, não vou estimular (YOUTUBE, 2021). Luciana Genro, em réplica, menciona a importância de ser reconhecido o casamento civil igualitário, independentemente da orientação sexual das pessoas envolvidas. Em tréplica, Levy Fidelix continua: O Brasil tem 200 milhões de habitantes. Se começarmos a estimular isso aí, vai reduzir para 100. Vá pra (avenida) Paulista, anda lá e vê. É feio o negócio. Então gente, vamos ter coragem, nós somos maioria! Vamos enfrentar essa minoria! Vamos enfrentá-los e não ter medo de dizer que sou o pai, [sic] mamãe, [sic] vovô! E o mais importante é que esses, que tem esses problemas, realmente sejam atendidos no plano psicológico e afetivo, mas bem longe da gente, bem longe mesmo, porque aqui, não dá. Com base nesse discurso do candidato Levy Fidelix, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo ingressou com ação civil pública em 08 de outubro de 2014, mencionando que o candidato havia ultrapassado os limites da liberdade de expressão, incidindo em discurso de ódio ao afirmar que “dois iguais não fazem filho” e que “aparelho excretor não reproduz”, sendo que também havia comparado a homossexualidade à pedofilia. Por fim, ele havia mencionado que o mais importante é que a população LGBT195 seja atendida no plano psicológico e afetivo, mas “bem longe da gente”. Pediu a condenação do candidato e do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) ao pagamento dos custos da produção de um programa, a ser exibido em mesmo horário de programação e na mesma duração dos discursos do candidato. Foi requerido o reconhecimento de dano moral coletivo, com a condenação dos réus ao pagamento de indenização no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). A defesa dos réus alegou que o candidato jamais proferiu discurso de ódio, mas apenas exerceu o direito constitucional à liberdade de expressão em debate eleitoral televisivo. Destaca que a atitude do candidato não é homofóbica, sendo que apenas apresentou sua ideologia de vida, com amparo no artigo 1.514 do Código Civil196 combinado com o artigo 226, parágrafo 5º da Constituição Federal.197 Nos próximos tópicos serão apresentados os fundamentos das duas decisões proferidas no caso em tela até o encerramento deste artigo. 1.1 EXPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO A decisão em primeira instância julgou procedente o pedido de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e determinou que os réus promovessem um programa, com a mesma duração do discurso que havia sido proferido por Levy Fidelix e na mesma faixa de horário, com o fim de promover os direitos da população LGBT no prazo de 30 dias a partir da publicação da sentença (BRASIL, 2015). Importante observar que a referida sentença, em seu mérito, utilizou como ponto central para a condenação dos réus a compreensão de que o discurso do candidato Levy Fidelix ultrapassou os limites da liberdade de expressão, não podendo ser aceita a tese de defesa de que o requerido estava apenas expressando sua ideologia. Reproduzindo opinião do Ministério Público do Estado de São Paulo, a sentença fundamentou a necessidade de limitação da liberdade de expressão quando são atacados os direitos fundamentais do homem, sendo que o discurso em tela negou [...] “a própria dignidade humana à população LGBT”. Ressalta que a fala propagada é um discurso de ódio contra uma minoria que luta pela garantia de direitos fundamentais mínimos e que tem sido vítima de discriminação e de violência, inclusive de mortes. Menciona, ainda: [...] os efeitos nocivos das declarações adotaram dimensões especialmente amplas, na medida em que as ofensas do então candidato à população LGBT propagam falso sentimento de legitimação política de condutas discriminatórias, fortalecendo-se as condutas de exclusão e violência