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78 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II Unidade II 5 O MERCADO DE BENS EM UMA ECONOMIA ABERTA A partir deste ponto do livro‑texto, discutiremos de forma mais aprofundada a abertura do mercado de bens. Essa análise se mostra pertinente para entendermos as relações econômicas entre diferentes países, suas posições comerciais, e dá elementos importantes para a análise dos impactos das políticas econômicas nos diversos cenários do modelo de economia aberta. A partir dessa apresentação, teremos condições de conhecer as implicações de economia aberta para o modelo IS‑LM, para obter respostas aos ciclos econômicos no interior dos países e nos momentos de expansão e recessão da economia mundial. Com isso podemos responder a questões como: uma recessão nos Estados Unidos pode, de fato, provocar uma recessão mundial? Por conta da interação entre os países, pode haver formas de coordenar políticas macroeconômicas entre eles? Tais questões podem ser respondidas com o exame do modelo em sua forma expandida, e a partir dele vislumbrar as possibilidades de gestão de políticas econômicas. Será essa a posição que tomaremos a seguir. 5.1 Curva IS em economias abertas Anteriormente, pensando em uma economia fechada, o mercado de bens se restringia à demanda por bens internos nas operações de comércio em um país, em outras palavras, não havia distinção entre a demanda interna por bens e a demanda por bens internos. Então, ocorre certa distinção, pois parte da demanda interna será satisfeita por bens externos e parte da demanda por bens internos virá do exterior, devido à abertura do mercado de bens. Num primeiro momento, como ressalta Blanchard (2011, p. 356), “as expressões ‘demanda interna por bens’ e ‘demanda por bens internos’ parecem muito semelhantes”, mas veremos que, em uma economia aberta, não guardam o mesmo significado. Isso fica claro porque parte da demanda interna recai sobre bens externos e, ao mesmo tempo, parte da demanda externa recai sobre bens internos. No caso de uma economia aberta, a demanda por bens internos (Z) é dada por: Z ≡ C + I + G – ∈IM + X Seus três primeiros termos – consumo (C), investimento (I) e gastos do governo (G) – já constituíam, no modelo fechado, a demanda interna por bens. Por isso também a expressão C + I + G correspondia à demanda por bens internos. Agora, com a abertura do mercado de bens, temos que examinar mais variáveis e promover ajustes, como já nos mostra a equação. 79 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA Em primeiro lugar, devemos subtrair as importações. São elas que representam a parcela da demanda interna que será satisfeita por bens externos em vez de bens internos. No entanto, como nos alerta Blanchard (2011, p. 356): Precisamos ter cuidado aqui: os bens externos são diferentes dos internos, de modo que não podemos simplesmente subtrair a quantidade de importações, IM. Fazendo isso, estaremos subtraindo maçãs (bens externos) de laranjas (bens internos). Temos primeiro de expressar o valor das importações em termos de bens internos. É isso o que representa ∈IM na equação. Como vimos anteriormente, ∈ é a taxa real de câmbio, que condiz com o preço relativo dos bens externos em termos de bens internos. Portanto, o preço multiplicado pela quantidade de bens importados (∈IM) destaca o valor das importações em termos de bens internos. Observação Em algumas representações, ignora‑se a taxa real de câmbio e subtrai‑se IM na equação da demanda interna por bens. O correto, no entanto, é utilizarmos a expressão ∈IM, assim expressando a relação entre os preços dos bens externos com os bens internos. Além disso, um segundo ajuste consiste em acrescentar as exportações (X), que correspondem à demanda por bens internos pelo exterior. Se descrevermos todos os ajustes, teremos que: Demanda interna por bens (C + I + G); menos Demanda interna por bens externos (importações, ∈IM) mais Demanda externa por bens internos (exportações. X) igual a Demanda por bens internos (C + I + G – ∈IM + X) A partir dessa equação, nosso próximo passo deve ser descrever os determinantes de cada um dos cinco componentes da demanda. Primeiramente, vamos começar especificando C, I e G para relembrarmos o que já fixamos com o exame de uma economia fechada. Numa economia aberta devemos nos perguntar o que se modifica nas descrições anteriores sobre esses três componentes? Em uma resposta concisa, não teremos muitas mudanças. Pela ótica dos consumidores, suas decisões de gasto ainda dependem 80 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II de sua renda e riqueza, mesmo que a taxa real de câmbio tenha algum efeito sobre a composição dos gastos de consumo entre os bens internos e externos. Portanto, não encontramos uma grande razão para impactos relevantes no nível geral de consumo. Temos um raciocínio parecido para o investimento, já que a taxa real de câmbio pode afetar a decisão das empresas no tocante à decisão de comprar insumos ou máquinas nacionais ou estrangeiras, mas não terá novamente grandes impactos no nível de investimento total. Isso nos possibilita usar as mesmas descrições quanto ao comportamento do consumo, investimento e gastos do governo que vimos no modelo de economia fechada. Deste modo, temos: Demanda interna: C + I + G = C(Y – T) + I(Y, r) + G ( + ) ( +, – ) Relembrando: supomos que o consumo dependa positivamente da renda disponível, Y – T (renda menos os impostos), e que o investimento depende positivamente do produto (Y) e negativamente da taxa real de juros (r). Por fim, continuamos supondo que os gastos do governo (G) são dados. Por ora, não incluiremos todos os detalhes introduzidos no exame anterior desses componentes, mas os acresceremos nos momentos pertinentes para o melhor entendimento dos efeitos em um ambiente de abertura da economia. Dito isso, partiremos para os elementos que são novidades nesta nova descrição da demanda interna, ou seja, as importações e exportações. Começando pelas importações, poderíamos perguntar: do que depende a quantidade de importações (IM)? Em um primeiro instante, depende do nível que se apresenta a demanda interna, já que um maior nível de demanda doméstica leva a uma maior demanda por bens, sejam internos, sejam externos. Em segundo lugar, as importações também dependem da taxa real de câmbio, pois, quanto mais alto o preço dos bens externos em relação ao preço dos bens internos, representará uma menor demanda interna por bens externos em relação aos bens internos, o que corresponde a uma menor quantidade de importações. Se expressarmos em uma equação, teremos as importações como: IM = IM(Y, ∈) ( +, – ) Pela equação, temos que a quantidade de importações depende da renda (ou, de modo equivalente, do produto), portanto, uma renda maior favorece a ocorrência de mais importações. Por outro lado, a quantidade de importações também depende da taxa real de câmbio (∈), que corresponde à relação dos preços externos e internos. Supondo uma taxa real de câmbio mais alta, em outras palavras, os bens externos mais caros em relação aos bens internos, isso leva a uma queda na quantidade de importações. O movimento contrário também é verdadeiro. Tal efeito negativo da taxa real de câmbio é representado pelo sinal de negativo visualizado abaixo da expressão. 81 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTAObservação Em alguns casos, as importações dependem da composição da demanda. Podemos ilustrar isso, por exemplo, quando países pobres importam a maior parte de seus equipamentos de capital, mas consomem principalmente bens internos. Nesse caso, a composição da demanda teria importância para as importações. No caso das exportações, devemos ter em mente que a exportação de um país corresponde à importação de outro. Ao pensarmos nos determinantes das exportações do Brasil, devemos nos questionar o que determina as importações dos países do resto do mundo. Tendo em vista a discussão sobre os determinantes das importações, podemos deduzir que as importações estrangeiras irão depender do nível de atividade externa e do preço dos bens externos (na ótica desses países, seus bens internos). Vamos adotar Y* para representar o produto do resto do mundo, que denominaremos de produto externo. Assim, as exportações serão determinadas como: X = X(Y*, ∈) ( +, + ) Por conta disso, qualquer aumento do produto externo condiciona um aumento da demanda externa por todos os bens, sendo que parte desse aumento pode se destinar à aquisição de bens do Brasil, logo, levando ao crescimento das exportações do Brasil. Do mesmo modo que um aumento da taxa real de câmbio, em outras palavras, um aumento do preço relativo dos bens externos em termos dos bens do Brasil, isso faz dos bens do Brasil relativamente mais atraentes em relação aos bens externos, resultando num aumento das exportações brasileiras. A partir de tais colocações podemos ilustrar graficamente, na figura a seguir, as deduções que realizamos, traçando os vários componentes da demanda em relação à renda, mantendo constantes as demais variáveis (taxa de juros, impostos, gastos do governo, produto externo e taxa real de câmbio) que afetam a demanda. A) Pr od ut o, Y Produto Demanda interna (C + I + G) DD B) Pr od ut o, Y Produto Importações(∈IM) DD AA Figura 30 – Demanda por bens internos e exportações líquidas 82 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II Na figura 30A, a linha DD corresponde à demanda doméstica (C + I + G) por causa do produto, Y. Percebemos, dadas as suposições do modelo, que a inclinação da relação entre a demanda e o produto é positiva, mas com valor inferior a 1, já que um aumento do produto (ou da renda) aumenta a demanda, mas em uma proporção menor que um para um. Para expressar a demanda por bens internos, precisamos subtrair primeiro as importações. Tal operação equivale ao ilustrado na figura 30B, possibilitando chegarmos a uma nova reta que denominaremos AA; essa reta AA representará a demanda interna por bens internos. Podemos deduzir, com isso, que a distância entre DD e AA será igual ao valor das importações, dada pela taxa de câmbio multiplicada pela quantidade importada (∈IM). Logo, como a quantidade de importações eleva‑se com a renda, a distância entre as duas linhas aumenta com a renda. Como nos lembra Blanchard (2011, p. 359), podemos traçar dois fatos sobre a linha de demanda interna por bens internos (AA): 1) AA é menos inclinada do que DD: à medida que a renda aumenta, parte da demanda interna adicional recai sobre os bens externos em vez de sobre os bens internos. À medida que a renda aumenta, a demanda interna por bens internos aumenta menos que a demanda interna total. 2) Enquanto parte da demanda adicional recai sobre bens internos, AA terá uma declividade positiva: um aumento da renda provoca certo aumento da demanda por bens internos. Nosso próximo passo consiste em considerar as exportações. Na figura 31A, logo a seguir, acrescentamos as exportações à reta AA, o que nos dá a reta ZZ, que, por esse raciocínio, estará acima de AA. A linha ZZ expressa a demanda por bens internos. A distância entre ZZ e AA corresponde às exportações. Ao não depender do produto interno, a distância entre as duas retas será constante, razão para que as duas retas apresentem‑se paralelas. Quanto às inclinações, como AA é menos inclinada que DD, por consequência, ZZ também será menos inclinada que DD. Por fim, com base nas informações da figura 31A, temos condições de apontar o comportamento das exportações líquidas, dado pela diferença entre exportações e importações, por conta do produto. A cada nível de produto, as exportações serão dadas pela distância AC e as importações, pela distância AB, caracterizando as exportações líquidas pela distância BC. 83 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA A) Pr od ut o, Y Produto Y Exportações (X) DD ZZ AA C B A YTB B) E xp or ta çõ es lí qu id as , N X BC NX Superávit comercial Déficit comercial YTB Figura 31 – Demanda por bens internos e exportações líquidas Lembrete Lembre‑se de que exportações líquidas é um sinônimo de balanço comercial. Exportações líquidas positivas equivalem a um superávit comercial e exportações líquidas negativas, a um déficit comercial. Quando relacionamos as exportações líquidas e o produto, construímos a reta NX na figura 31B. Como as exportações líquidas estão em função do produto, a reta será uma função decrescente do produto, pois à medida que o produto aumenta, há uma elevação das importações e um comportamento constante por parte das exportações, o que ocasiona uma queda das exportações líquidas. Para entendermos a representação da situação do balanço comercial, tomaremos Ytb como o nível de produto que equivale ao equilíbrio do balanço comercial, ou seja, no qual o valor das importações se iguala ao valor das exportações, e, portanto, as exportações líquidas são iguais a zero. Logo, valores do produto acima de Ytb levam ao aumento das importações e ao aparecimento de déficits comerciais. Para níveis de produto abaixo de Ytb, ocorre uma diminuição das importações, o que resulta em situações de superávit comercial no balanço. A partir dessa apresentação gráfica, temos condições de avançar na relação entre produto e balanço comercial, com o intuito de maior formalização do modelo de economia aberta. 5.2 Produto e balança comercial Podemos caracterizar o equilíbrio no mercado de bens quando o produto interno for igual à demanda por bens internos num dado país. Iremos representar como: Y = Z Portanto, tal equilíbrio prescinde que essa situação ocorra, sendo que, no caso de uma economia aberta, devemos reunir as relações que evidenciam essa demanda por bens internos (Z), que realizamos ao deduzir os componentes dessa demanda: 84 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II Y = C(Y – T) + I(Y, r) + G – ∈ IM(Y, ∈) + X(Y*, ∈) Construímos, assim, a posição de equilíbrio que determina o produto e a condiciona como função das variáveis tomadas como dadas, da taxa real de câmbio e ao produto externo. Para os economistas, essa relação não se caracteriza como simples, o que ficará mais compreensível com a representação gráfica fornecida pela figura a seguir. Na figura 32A, a demanda é medida no eixo vertical e o produto (ou, a renda), no eixo horizontal. A reta ZZ, como destacada anteriormente, traça a demanda como função do produto, guardando as características de apresentar declividade positiva e inferior a um. Então, o produto de equilíbrio encontra‑se no ponto em que a demanda é igual ao produto, pela intersecção entre a reta ZZ e a reta de 45 graus, tendo assim um ponto A que nos aponta o nível de produto (Y) no eixo horizontal. A) De m an da , Z Produto, YY ZZ A 45º B) Ex po rt aç õe s l íq ui da s, N X B C 0 NX Déficit comercial Produto, Y Produto, Y }YTB Figura 32 – Produto de equilíbrio e exportações líquidas No caso da figura 32B, temos uma reprodução da figura 31B, com as exportações líquidas como função decrescente do produto. Aqui, devemos deixar claro que não há nenhuma razão para que o nível do produto de equilíbrio (Y) equivalha exatamente a uma situação de equilíbrio do balanço comercial (Ytb). Pela figura, o produto de equilíbrio encontra‑se associado à ocorrência de um déficit comercial apontado pela distância BC. Tal divergência entre os equilíbrios ocorre porque o nível de equilíbrio do produto é dado pela condição Y = Z, e o nível de produto correspondente ao equilíbrio do balanço comercial dado por X = ∈IM. O nível de equilíbrio do produto é dado pela condição Y = Z. O nível do produto em que há equilíbrio do balanço comercial é dado pela condição X = E: IM. Temos, portanto, o entendimento de que as condições dos equilíbrios são diferentes. Com base nisso, podemos somar mais algumas ferramentas necessárias para entender os efeitos e para responder às perguntas sobre a interação entre os países e suas relações comerciais. 5.3 Variações de demanda interna e externa Após as apresentações das principais associações entre as variáveis, principalmente entre a demanda interna e o produto, partiremos para a análise de casos nos quais ocorrem variações pelo lado da 85 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA demanda. Como mudanças na demanda afetam o produto em uma economia aberta? Para ilustrar tal exercício, usaremos o exemplo dado por Blanchard (2011, p. 361) de um aumento dos gastos do governo para entender as mudanças na demanda interna. Depois, partiremos para o exame dos efeitos de um aumento da atividade externa. Partiremos da suposição de que a economia de um país está em recessão e que o governo tome como medida elevar seus gastos, expandindo, portanto, a demanda e o produto interno. Quais efeitos teriam tal decisão sobre o produto e o balanço comercial? Podemos visualizar tal resposta através da figura a seguir. Antes de o aumento dos gastos do governo, a demanda interna é dada por ZZ na figura 33A com o equilíbrio no ponto A, correspondendo a um produto igual a Y. Adicionamos também o pressuposto que o comércio esteja inicialmente em equilíbrio, de modo que em 33B ocorra Y = Ytb. Qual o efeito quando o governo aumenta seus gastos em ∆G? A) De m an da , Z Produto, Y ∆G>0 Y Y’ ZZ’ ZZ A A’ 45º B) Ex po rt aç õe s l íq ui da s, N X B C 0 NX Déficit comercial Produto, Y }YTB Figura 33 – Efeitos de um aumento dos gastos do governo Com isso, em todos os níveis de produto, a demanda será maior em ∆G e desloca a relação de demanda para cima na magnitude de ∆G, passando de ZZ para ZZ’. O ponto de equilíbrio se desloca de A para A’ e o produto aumenta de Y para Y’. Outro ponto que devemos ressaltar será que a elevação do produto é maior que o aumento nos gastos do governo e em razão de um efeito multiplicador, devemos acrescentar que ocorrem duas diferenças importantes no caso de uma economia aberta, o que nos lembra Blanchard (2011, p. 361): • Há agora um efeito sobre o balanço comercial. Como os gastos do governo não entram diretamente nem na relação de exportações, nem na relação de importações, a relação entre exportações líquidas e produto [na figura 33B] não se desloca. Portanto, o aumento do produto de Y para Y’ provoca um déficit comercial igual à BC. • Os gastos do governo agora não só geram um déficit comercial, como também seu efeito sobre o produto é menor do que em uma economia fechada. Lembre‑se [...] de que quanto menor a declividade da relação de demanda, menor é o multiplicador (por exemplo, se ZZ for horizontal, o multiplicador será exatamente igual a 1). E lembre‑se [da figura 30] de que a relação de demanda 86 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II é menos inclinada do que a relação de demanda para uma economia fechada, DD. lsso significa que o multiplicador é menor na economia aberta. A explicação para o déficit comercial e o multiplicador menor tem a mesma origem: esse aumento da demanda não se restringe somente sobre os bens internos, mas também sobre os bens externos. Logo, quando temos uma elevação da renda, a demanda por bens internos será menor do que no caso da economia fechada, ocasionando um multiplicador menor também. Já que parte dessa expansão da demanda recai sobre as importações, sem alteração no nível de exportações, o resultado apresentará um déficit comercial. Temos assim duas implicações importantes para uma economia aberta: primeiro, os aumentos da demanda interna têm um efeito menor sobre o produto do que na economia fechada; e em segundo, leva a um efeito adverso sobre o balanço comercial. Também temos que destacar que quanto mais aberta a economia de um país, menor o efeito sobre o produto e maior a ocorrência de déficit no balanço comercial. Dando como exemplo o caso da Bélgica, cuja participação das importações em relação ao PIB está próxima de 90%, qualquer elevação da demanda interna faz com que grande parte do aumento assuma a forma de bens externos em vez do crescimento da demanda por bens internos. Isso terá como efeito uma expansão do déficit comercial, com pequeno reflexo no aumento do produto, o que torna a expansão da demanda interna uma política não muito eficaz para esse país. O mesmo raciocínio pode ser aplicado aos Estados Unidos, cujo coeficiente de importação é de cerca de 14%, em que um acréscimo da demanda estará associado a uma situação de déficit do balanço comercial, mas numa dimensão menor do que no caso da Bélgica (BLANCHARD, 2011, p. 362). Para completarmos nossa análise, vamos considerar um aumento do produto externo, isto é, uma expansão do produto do resto do mundo (Y*). Tal evento pode ter como causa um aumento dos gastos dos governos estrangeiros, mas não precisamos de tanta exatidão sobre as causas do aumento para entendermos seus efeitos sobre uma economia. Com base na figura a seguir, temos possibilidade de visualizar os efeitos de um aumento da atividade externa sobre o produto interno e o balanço comercial. A) De m an da , Z Demanda interna por bens Demanda por bens internos Produto, Y ∆X>0 ∆NX Y Y’ ZZ DD ZZ’ A D C A’ 45º B) Ex po rt aç õe s l íq ui da s, N X 0 NX NX’ Produto, Y } YTB ∆X>0 ∆NX Figura 34 – Efeitos de um aumento da demanda externa 87 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA Como já representamos anteriormente, a demanda inicial por bens internos será representada por ZZ na figura 34A, com o equilíbrio dado pelo ponto A associado com certo nível de produto (Y). Continuamos supondo que o comércio esteja em equilíbrio; portanto, novamente as exportações líquidas associadas a Y são iguais a zero (Y = Yeb) na figura 34B. Também será descrita a reta que corresponde à demanda interna por bens (C + I + G), em função do produto, representada pela reta DD na figura 34A. Nesse caso, ocorre uma reta DD mais inclinada que a ZZ e a diferença entre ZZ e DD corresponde às exportações líquidas. Assim, temos que o ponto A representa o comércio equilibrado, com as retas ZZ e DD se interceptando neste ponto. Passamos então aos efeitos de um aumento do produto externo. Agora considere os efeitos de umaumento do produto externo, ∆Y* Com um produto externo maior, temos uma expansão na demanda externa, inclusive para bens do Brasil. Por fim, o efeito direto do incremento do produto externo é uma elevação das exportações do Brasil em determinado montante, que chamaremos de ∆X. Tomando um certo nível de produto, esse aumento das exportações ocasiona um acréscimo de ∆X na demanda por bens do Brasil, em que a reta da demanda por bens internos em função do produto desloca‑se para cima em ∆X, passando de ZZ para ZZ’. Por fim, a um dado nível de produto, as exportações líquidas também aumentam em ∆X. Este último efeito desloca as exportações líquidas como função do produto para cima em ∆X, indo de NX para NX’. Cria‑se assim um novo equilíbrio, que será expresso pelo ponto A’ conjuntamente com um nível de produto Y’, conforme ilustra a figura 34A. Vimos, portanto, que um aumento do produto leva a uma expansão do produto interno. Tal movimento é intuitivo, pois a dilatação do produto externo provoca um acréscimo da exportação de bens internos, tornando possível a elevação do produto interno e a demanda interna por bens por meio do multiplicador. Nesse caso, o que podemos saber sobre o comportamento do balanço comercial? Podemos certamente afirmar que as exportações aumentam. Ao mesmo tempo, com a expansão do produto interno via exportações, o balanço comercial terá uma reação positiva, já que, elevando a demanda externa, a demanda por bens internos desloca‑se de ZZ para ZZ’, mas a reta DD não se desloca, pois não teremos nenhum impacto sobre a demanda interna por bens em função do produto. Para o novo nível de produto de equilíbrio Y’, a demanda interna será dada pela distância DC e a demanda por bens internos é dada por DA’. No caso das exportações líquidas, sua magnitude corresponde à distância CA’, que se encontra abaixo de ZZ’, como a reta DD, significando que, embora as importações se dilatem, tal aumento não anula o crescimento das exportações, portanto, garantindo a melhora do balanço comercial. Observando as mudanças nas demandas internas e externas, conseguimos tirar as conclusões pertinentes quanto aos efeitos sobre o balanço comercial e a ocorrência de déficits e superávits. Passaremos agora para a apresentação dos impactos das políticas fiscal e cambial numa economia aberta. 88 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II 5.3.1 Política fiscal e cambial numa economia aberta Após a análise dos efeitos sobre os aumentos das demandas internas e externas sobre o balanço comercial, partiremos para o exame dos papéis que tomam o produto e o balanço na vigência de políticas fiscais e cambiais ativas. Anteriormente, vimos que, na apresentação precedente, as movimentações das demandas resultavam em efeitos diversos na economia de um país. Em resumo, no caso de uma expansão da demanda interna, teremos um consequente acréscimo do produto interno junto com o aparecimento de um déficit comercial. Já no caso de um aumento da demanda externa observa‑se uma dilatação do produto interno com a ocorrência de um superávit comercial. Portanto, para os governos, a principal fonte de preocupações está nos casos que provocam déficits comerciais, sobretudo quando esta situação não tem caráter esporádico. Uma das principais razões para certas preocupações reside no fato de que um país que experimenta um déficit comercial constante passa a acumular dívidas com seus parceiros comerciais do resto do mundo, sendo que tais débitos representam o pagamento de juros mais altos ao longo do tempo. Sendo assim, o conjunto de países prefere aumentos da demanda externa a elevações da demanda interna, pois a primeira favorece a melhora do balanço comercial. No entanto, a preferência de todos por essa alternativa gera implicações desfavoráveis a todos. Conforme o exemplo a seguir, temos como entender tais implicações: Considere um grupo de países, todos com intensas relações comerciais entre si, de modo que um aumento da demanda em qualquer um deles recaia em grande parte sobre os bens produzidos nos demais países. Suponha que todos esses países estejam em recessão e que cada um deles tenha um comércio exterior praticamente equilibrado. Cada um desses países pode estar muito relutante em tomar medidas para aumentar a demanda interna. O resultado poderia ser um pequeno aumento em seu produto, mas um enorme déficit comercial (BLANCHARD, 2011, p. 364). Com base nesse exemplo, para não ocasionar déficits comerciais, cada país tomaria a decisão de aguardar que os outros tomassem medidas para aumentar sua demanda interna. No entanto, se todos esperarem, nenhuma posição diferente será tomada e o processo de recessão dessas economias persistirá ao longo do tempo. Diante disso, existiria alguma saída para tal situação? Pelo menos em teoria, haveria uma solução razoável, que depende de uma coordenação das políticas macroeconômicas entre os países, na qual todos eles elevariam simultaneamente suas demandas internas. Dessa forma, poderiam crescer sem incorrer em aumento do déficit comercial em cada uma das economias envolvidas. Isso ocorre porque essa estratégia coordenada de aumentos nas demandas internas propicia incrementos das exportações e importações em todos os países. Na prática, a expansão da demanda 89 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA interna pressiona para o aumento das importações, mas que seria compensado pela elevação das exportações em razão da expansão da demanda externa. É por situações como essa que os países frequentemente advogam a favor de políticas econômicas coordenadas. Para exemplificar tal recomendação, as sete maiores economias do mundo (Estados Unidos, Japão, França, Alemanha, Reino Unido, Itália e Canadá), a cada rodada de discussões sobre a situação econômica mundial, sempre comunicam como principal medida as coordenações de políticas. Na prática, no entanto, essa capacidade de coordenação apresenta‑se bem limitada, já que sempre esbarra nas estratégias e preocupações divergentes dos países. No primeiro caso, podem ocorrer situações em que alguns países tenham mais a fazer no plano econômico, sendo que alguns preferem não fazer nada quando necessário, por exemplo, quando a recessão acontece apenas em alguns países. Os que não sofrem com um ambiente de recessão serão relutantes em elevar suas demandas internas, assim, os países que expandirem suas demandas – em razão de suas recessões – apresentarão um déficit comercial perante os países que não seguiram tal coordenação. Outro caso apresenta‑se quando alguns países já incorrem em elevados déficits orçamentários (despesas governamentais maiores que suas receitas). Diante disso, tais países não serão favoráveis a medidas que reduzam impostos ou aumentem seus gastos e pedirão que os outros países, em melhor situação econômica, arquem com a maior parte desse ajuste. Assim, os outros países, seguindo seus próprios interesses, serão relutantes em fazer tais políticas, logo, os países têm um forte incentivo para prometer coordenação e depois não cumprir a promessa. Como explica Blanchard (2011, p. 365): Uma vez que todos os países tenham concordado, digamos, em aumentar os gastos, cada país terá um incentivo para não o fazer, a fim de se beneficiar do aumento da demanda em outros lugares e, dessa maneira, melhorar sua posição comercial. Mas se cada país tentar enganar os demais, ou se não cumprir tudo o que foi prometido, então a expansão da demanda será insuficiente para que todos saiam da recessão. Essa situação acontece neste momento entre os países da União Europeia, pois as economias encontram‑se altamente integradas e enfrentam frequentemente problemas de coordenaçãonos últimos 30 anos. A primeira experiência no fim dos anos 1970 mostrou‑se uma tentativa malfeita de coordenação. Outra etapa importante ocorreu no princípio dos anos 1980, quando os socialistas franceses tentaram agir de forma independente, tendo como consequência um grande déficit comercial na França, suscitando novamente mudanças na política econômica. Após essas experiências, os países concluíram que a melhor posição que deveriam tomar era esperar por expansões da demanda externa e não recorrer a aumentos em suas demandas internas. Portanto, o que observamos é uma situação de pouca coordenação na política fiscal europeia. Após o exame do comportamento sobre alterações da política fiscal, passaremos para a análise das mudanças pela política cambial. Vamos supor que o governo do Brasil tome medidas políticas que conduzam a uma depreciação do real. Lembre‑se de que a taxa real de câmbio é dada por 90 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II ∈ ≡ ou R EP P * A taxa real de câmbio, ∈ ou R (o preço dos bens externos em termos de bens internos), é igual à taxa nominal de câmbio, E (o preço da moeda estrangeira em termos da moeda nacional), multiplicada pelo nível de preços externo, P*, dividido pelo nível de preços interno, P. Adotando uma hipótese na qual os níveis de preços são dados, ao se realizar uma depreciação nominal reflete‑se integralmente também para uma depreciação real. De maneira mais concreta, se o real se deprecia frente ao dólar em 10% (uma depreciação nominal de 10%) e os níveis de preços no Brasil e nos Estados Unidos permanecerem inalterados, os bens do Brasil ficam 10% mais baratos em relação aos bens dos americanos, ou seja, uma depreciação real de 10%. Partindo disso, podemos investigar os efeitos dessa depreciação real na trajetória do balanço comercial e do produto no Brasil. Em economia essa investigação passa pelo conhecimento da condição de Marshall‑Lerner. Veremos um pouco as prerrogativas dessa condição. Adotando a definição das exportações líquidas: NX ≡ X – ∈ IM Ao substituir X e IM por suas expressões em relação ao produto interno e externo e a taxa real de câmbio, obtemos: NX = X(Y*, ∈) – ∈ IM(Y, ∈) Nessa substituição, notamos que a taxa real de câmbio (∈) encontra‑se do lado direito da equação em três momentos, portanto, uma depreciação real (um aumento de ∈), deve afetar o balanço comercial por meio de dois distintos canais de transmissão: • Impactos sobre as exportações: corresponde a uma expansão da demanda estrangeira por bens brasileiros, provocando um aumento de X. Representa, portanto, que uma depreciação real torna os bens do Brasil mais baratos, logo, principal motivo para a dilatação das exportações do Brasil. • Ocorre uma diminuição das importações (IM): porque a depreciação real torna os bens estrangeiros relativamente mais caros no Brasil. Isso desloca a demanda interna por bens rumo aos bens domésticos, logo, ocasionando uma diminuição da quantidade de importações. Podemos descrever isso de outra forma: o preço relativo dos bens externos (∈) aumenta, portanto, elevam‑se os custos de importação (∈IM). Concluímos com isso que a mesma quantidade de importações agora custa mais caro para comprar em termos de bens internos. Tais efeitos serão sentidos no comportamento do balanço comercial. 91 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA No caso de uma depreciação, para que o balanço comercial tenha um comportamento positivo, as exportações devem ter um crescimento suficiente e as importações, uma diminuição suficiente para compensar a elevação do preço dos bens importados, evidenciando os três canais que sofrem influências da mudança na taxa real de câmbio. Atendidos esses eventos, temos o caso em que uma depreciação real pode conduzir ao aumento das exportações líquidas, o que é conhecido como a condição de Marshall‑Lerner. As evidências empíricas sustentam que essa condição é satisfeita na realidade. Assim, ao longo do texto, vamos supor que o aumento de ∈, uma depreciação real, provoca o incremento nas exportações líquidas, NX. Observação A condição recebeu o nome dos dois economistas, Alfred Marshall e Abba Lerner, que foram os primeiros a deduzi‑la. Após o exame dos efeitos diretos de uma depreciação sobre o balanço comercial, devemos ressaltar que os efeitos não terminam aqui. As mudanças nas exportações líquidas alteram o produto interno, o que ocasiona novamente impactos nas exportações líquidas. As variações das exportações líquidas alteram o produto interno, o que afeta ainda mais as exportações líquidas. Já que os efeitos de uma depreciação real se assemelham aos efeitos de um aumento do produto externo, podemos usar a figura 34 para ilustrar tal situação. Assim como no caso de uma expansão do produto externo, uma depreciação leva a um aumento das exportações líquidas, para qualquer nível de produto, sempre supondo que estamos sobre a vigência da condição de Marshall‑Lerner. Aqui, tanto a relação de demanda (reta ZZ na figura 34A) quanto a relação de exportações líquidas (reta NX na figura 34B) deslocam‑se para cima. O equilíbrio vai de A para A’; com reflexos no produto, que se eleva de Y para Y’. Acompanhando a mesma argumentação que usamos anteriormente, o balanço comercial melhora, já que o aumento das importações induzido pelo aumento do produto é menor do que a melhoria direta do balanço comercial induzida pela depreciação. De forma sucinta, vamos relembrar os passos que utilizamos para que fique claro as implicações de um processo de depreciação. Primeiro vimos que a depreciação leva a um deslocamento da demanda, tanto externa quanto interna, em direção aos bens internos. Esse deslocamento na demanda leva tanto a uma expansão do produto interno quanto à melhora do balanço comercial. Mesmo tendo um efeito positivo, em ambos os casos, devemos destacar o que ocorre de diferença ao fim desse processo. Com a depreciação, os bens externos tornam‑se mais caros aos consumidores num país, ou seja, dada sua renda, as pessoas precisam pagar mais para comprar os bens externos que consumiam, ficando prejudicadas por tal política. Essa situação torna‑se presente de forma latente em países que experimentam depreciações significativas. Como bem nos descreve Blanchard (2011, p. 366): 92 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II Os governos que tentam promover uma depreciação de grandes proporções frequentemente enfrentam greves e manifestações de rua como resposta das pessoas aos fortes aumentos de preços dos bens importados. Esse foi o caso do México em 1994‑1995, quando uma grande depreciação do peso – de 3,44 pesos por dólar em novembro de 1994 para 5,88 pesos por dólar em maio de 1995 – provocou um enorme declínio no padrão de vida dos trabalhadores. A depreciação ajudou a recuperação da economia mexicana, mas à custa de uma tensão social considerável. Nesse ponto da análise, ainda não agregamos aspectos que podem atuar sobre a intensidade desses efeitos, mas veremos mais adiante que mudanças nos preços internos e nos níveis salariais podem diminuir um pouco os efeitos por levar a uma situação de menor depreciação real. Mesmo assim, ficam válidas as condições que sustentam a condição de Marshall‑Lerner e seus efeitos quanto à trajetória do produto e do balanço comercial. Portanto, nos próximos pontos que discutiremos, tenha sempre em mente as implicações dessa condição quando trabalharmos com análises dinâmicas. 5.4 Combinações de políticas fiscal e cambial Agora investigaremos as situações nas quais teremos a combinação tanto da política fiscalcomo da política cambial. Partiremos de uma situação em que um governo tenha como meta a redução de um déficit comercial sem mudanças no nível de produto de sua economia. Como nos alerta Blanchard (2011, p. 366): Uma depreciação sozinha não funcionaria: ela reduziria o déficit comercial, mas também aumentaria o produto. Tampouco a contração fiscal funcionaria: ela reduziria o déficit comercial, mas diminuiria o produto. O que o governo deve fazer? A resposta: usar a combinação certa de depreciação e contração fiscal. Podemos visualizar essas combinações de políticas através da figura a seguir. A) De m an da , Z Demanda por bens internos Produto, Y ∆NX>0 ∆G < 0 Y Y’ ZZ ZZ’ A A’ 45º B) Ex po rt aç õe s l íq ui da s, N X 0 NX NX’ Produto, Y B C ∆NX>0 Figura 35 – Redução do déficit comercial sem alteração do produto Vemos que o equilíbrio inicial será dado pelo ponto A, que corresponde a certo nível de produto Y, na figura 35A. A representação do déficit comercial se dá pela distância entre os pontos B e C na figura 93 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA 35B. Assim, seguindo o que aponta Blanchard (2011), a eliminação do déficit comercial sem alteração do produto irá requerer duas coisas: Em primeiro lugar, deve‑se realizar uma depreciação cambial suficiente para eliminar o déficit comercial correspondente ao produto em seu nível inicial. Com isso, deverá ocorrer um deslocamento da relação das exportações líquidas, de NX para NX’, como ilustra a figura 35B. Tal processo de depreciação, no entanto, leva a um crescimento das exportações líquidas, que resulta em um incremento da demanda e, por conseguinte, no deslocamento dessa relação, como representada na figura 35A, de ZZ para ZZ’. Sem a ocorrência de outras medidas, o ponto de equilíbrio se moveria de A para A’ e o produto aumentaria de Y para Y’ como reflexo do aumento da procura por bens internos. Em segundo lugar, para permanecer no mesmo nível de produto inicial, deverá ocorrer uma redução dos gastos do governo para possibilitar que ZZ’ volte para a posição ZZ. Logo, uma combinação de depreciação com contração fiscal leva a uma manutenção do nível do produto e propicia uma melhora no balanço comercial. Concluímos, portanto, que no horizonte de preocupações de um governo está o nível do produto e o comportamento do balanço comercial, e será inevitável a utilização conjunta da política fiscal e da cambial, como acabou de mostrar o exemplo descrito anteriormente. O quadro a seguir mostra as outras possíveis combinações de políticas, destacando cenários com diferentes níveis de produto e de comércio em uma economia. Quadro 8 – Combinações de políticas cambial e fiscal Combinações de políticas cambial e fiscal Condições iniciais Superávit comercial Déficit comercial Produto baixo ε? G↑ ε↑ G? Produto elevado ε↓ G? ε? G↓ Fonte: Blanchard (2011, p. 367). Podemos tomar como exemplo a fórmula no canto superior direito no quadro. Ela expressa uma situação na qual o produto da economia está num nível inicial baixo (em outras palavras, desemprego muito elevado), além de destacar um déficit comercial. Em tal situação, ao realizar uma depreciação cambial, teremos impactos tanto no comércio como no produto, ou seja, representará um benefício ao reduzir o déficit comercial e elevar o nível do produto. Esse movimento, entretanto, deve ser observado com ressalvas, como nos alerta Blanchard (2011, p. 368): Mas não há motivo para que a depreciação promova tanto o crescimento adequado para o produto quanto a eliminação do déficit comercial. Dependendo da situação inicial e dos efeitos relativos da depreciação sobre o produto e o balanço comercial, o governo pode precisar complementar a depreciação com um aumento ou com um corte de seus gastos. Essa ambiguidade é representada pelos pontos de interrogação no quadro. 94 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II Então, para o nosso entendimento das diferentes combinações, a lógica do raciocínio continua a mesma, ressaltando novamente que o desejo de alcançar duas metas – neste caso, o nível de produto e o balanço comercial – exige o emprego de dois instrumentos, ou seja, da política fiscal e da taxa de câmbio. No entanto, até o momento ficamos numa descrição estática dessas relações. Logo, devemos analisar tal pressuposto para avançar na descrição de uma economia aberta, o que faremos a seguir pela apresentação da curva J. Ademais, quando a taxa de juros interna (i) for igual à taxa de juros internacional (I*), então a taxa de câmbio presente será igual à taxa de câmbio futura esperada, de forma que a condição de paridade de juros fique garantida. 5.5 A curva J Para avançar na compreensão dos movimentos do produto e do câmbio em uma economia, é de grande importância a análise numa situação dinâmica, até agora ignorada por nós. Os processos dinâmicos por trás das principais variáveis macroeconômicas (consumo, investimento, vendas e produção) são relevantes para o entendimento de uma economia fechada, sendo mais imprescindíveis na análise de uma economia aberta. Ressaltamos isso porque nesta última temos as dinâmicas adicionais das exportações e importações. Para ficar mais claro, devemos voltar para a análise dos efeitos da taxa de câmbio sobre o balanço comercial. Já temos solidificado que uma depreciação cambial leva a um aumento das exportações e uma queda das importações. Tais ações, no entanto, levam certo período de tempo para ocorrerem. Vamos adotar como exemplo uma depreciação de 10% do real para verificar os efeitos dinâmicos que acarretam. Já nos primeiros meses, essa depreciação terá mais influência nos preços do que nas quantidades. Desse modo, o preço das importações no Brasil sobe, enquanto o preço das exportações brasileiras cai no exterior. Já no caso das quantidades, esse ajuste será realizado de forma mais gradual, em razão dos consumidores levarem algum tempo para perceberem a mudança dos preços relativos e buscarem a aquisição de itens mais baratos no mercado. De cara, uma depreciação acarreta uma deterioração no balanço comercial, porque as exportações e importações não se ajustam logo após a depreciação, mas com o passar do tempo os efeitos nos preços relativos atuarão de forma mais forte nas exportações e importações, em outras palavras, resultará em um aumento das exportações líquidas (X – IM). Com a depreciação, os produtos brasileiros ficam mais baratos que os estrangeiros e os consumidores e empresas diminuem suas demandas por bens externos, em outras palavras, as importações do Brasil diminuem. Ao mesmo tempo, os produtos do Brasil, mais baratos no exterior, levam empresas e consumidores estrangeiros a aumentarem sua demanda por bens brasileiros, logo, as exportações brasileiras elevam‑se. Assim, de acordo com a condição de Marshall‑Lerner, o comportamento das exportações e das importações torna‑se mais forte, mesmo com o efeito adverso do preço, e o efeito final da depreciação será a melhoria do balanço comercial. Num primeiro momento: (X, IM) inalterados, ∈↑ => (X – ∈ IM)↓ 95 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA Finalmente: (X↑, IM↓, ∈↑) => (X – ∈IM)↑ Completando, assim, a ação dinâmica e impactando nas transações comerciais do país. Podemos visualizar graficamente esse movimento pela figura a seguir, que reflete o ajuste do balanço comercial ao longo de um período, em vista de uma depreciação real do câmbio. Tomaremos o déficit comercial antes da depreciação como correspondendoa OA. Com a depreciação, ocorre a elevação do déficit comercial para OB, que decorre por não haver mudanças, num primeiro momento, nem em IM nem em X. No entanto, com o passar do tempo, a quantidade de exportações aumenta e a das importações diminui, ocasionando uma redução do déficit comercial. Se a condição Marshall‑Lerner for satisfeita, o balanço comercial poderá apresentar uma melhora até mesmo em relação à posição inicial, o que fica ilustrado, no gráfico, do ponto C em diante. – + Depreciação Ex po rt aç õe s l íq ui da s, N X C 0 0 A B Tempo Figura 36 – Representação da curva J Para os economistas, esse processo de ajuste ficou consagrado como curva J pelo formato que a curva toma ao representar esse movimento, em que primeiro desloca‑se para baixo e depois para cima. Como forma de ratificar essa ação, nada melhor que visualizar as evidências empíricas sobre os efeitos dinâmicos da taxa real de câmbio, o que Blanchard (2011) evidencia ao analisar o que ocorreu nos Estados Unidos ao longo da década de 1980. A evolução do balanço comercial, aliada ao comportamento da taxa real de câmbio, está representada na figura a seguir: 96 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II 1980 0,6 0,8 1,0 0,5 0,0 –0,5 –1,0 –1,5 –2,0 –2,5 –3,0 –3,5 1,2 1982 1984 1986 1988 1990 Exportações líquidas/PIB (escala à direita) Taxa real de câmbio (escala à esquerda) Ta xa re al d e câ m bi o (1 98 7 = 1, 00 ) Ra zã o ex po rt aç õe s l íq ui da s/ PI B (e m p or ce nt ag em ) Figura 37 – Taxa real de câmbio e participação das exportações líquidas no PIB: Estados Unidos 1980‑1990 Ao longo dos anos 1980, a economia americana passou por dois períodos distintos: entre 1980 e 1985, apresentou uma pronunciada apreciação real; já entre 1985 e 1988 persistiu uma acentuada depreciação real. Assim, quando analisamos o balanço comercial, como proporção do PIB, duas características ficam evidentes, segundo Blanchard (2011, p. 369): 1. Mudanças da taxa real de câmbio refletiam‑se em deslocamentos paralelos das exportações líquidas. A apreciação esteve associada a uma extensa deterioração do balanço comercial, e a depreciação posterior esteve associada a uma grande melhora do balanço comercial. 2. Houve, porém, defasagens substanciais na resposta do balanço comercial às mudanças da taxa real de câmbio. Repare como, de 1981 a 1983, o déficit comercial permaneceu pequeno enquanto o dólar se apreciava. E note como a depreciação contínua do dólar a partir de 1985 não se refletiu na melhoria do balanço comercial antes de 1987: a dinâmica da curva estava em plena ação em ambos os episódios. No tocante ao horizonte temporal dessas defasagens, entre 1985 e 1988, elas se destacaram por um longo período, levando a uma série de questionamentos entre os economistas sobre a validade dessa relação entre o balanço comercial e a taxa real de câmbio, já que uma defasagem longa para o término do efeito apresentou‑se fora dos parâmetros de costume. No entanto, com o avanço das evidências econométricas, chegou‑se a uma explicação mais detalhada sobre tais efeitos dinâmicos. Tais evidências sugeriam que, para todos os países da OCDE que apresentem uma depreciação real, a relação dinâmica entre exportações, importações e taxa real de câmbio resulta em uma melhora do 97 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA balanço comercial. Quanto às defasagens, sugere‑se que tal processo leva algum tempo, num horizonte temporal entre seis e 12 meses. Também devemos ter em mente que as defasagens originadas por uma depreciação afetam o nível de produto da economia. Isso ocorre porque, em um primeiro momento, a depreciação leva a uma diminuição das exportações líquidas, portanto, exercendo um efeito contracionista sobre o produto, representando um efeito indesejado pela adoção de uma depreciação por um governo. Em resumo, se um governo utilizar a depreciação como instrumento para conseguir uma melhora do balanço comercial somado a uma expansão do produto interno, pelo menos por algum tempo, tais resultados não serão alcançados por tal política. Por fim, as mudanças nas políticas fiscais e cambiais terão impactos em outras variáveis importantes na economia, como o nível de poupança e dos investimentos, quando pensamos em uma economia aberta. Passaremos agora para uma breve descrição dos efeitos sobre tais variáveis macroeconômicas. 5.6 Poupança, investimento e resultados externos Como já vimos, a condição de equilíbrio do mercado de bens pode derivar da identidade entre o investimento e a poupança – representada pela soma da poupança privada e pública –, como descrita no modelo de economia fechada. Com a introdução do setor externo, numa economia aberta, devemos deduzir a forma que tomará o equilíbrio para entender os efeitos econômicos que poderemos vislumbrar quanto ao comportamento da poupança e do investimento. Devemos começar por nossa condição de equilíbrio: Y = C + I + G – ∈IM + X Ao subtrairmos C + T de ambos os lados da equação e usarmos o fato de que a poupança privada é dada por S = Y – C – T, obtemos: S = T + G – T – ∈IM + X Utilizando a definição de exportações líquidas como NX = X – ∈IM e reorganizando os termos da equação, temos: NX = S + (T – G) – I Traduzindo essa relação, numa condição de equilíbrio, o balanço comercial, NX, deve corresponder à poupança – tanto a poupança privada (S) como a poupança pública (T – G) – menos o investimento. Assim, numa posição de superávit comercial, temos um excesso de poupança em relação ao investimento; já no caso de um déficit comercial, destaca um excesso de investimento no tocante à poupança. Tal raciocínio deriva‑se da discussão sobre o balanço de pagamentos e do comportamento da conta‑corrente e da conta financeira, que apresentamos anteriormente. 98 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II Em resumo, no caso de um superávit comercial, temos um empréstimo líquido de um país para o resto do mundo, logo, um déficit comercial corresponde à situação de empréstimo líquido que um país toma com o resto do mundo. Concluímos, dentro desse raciocínio, que, no caso de um país investir mais do que poupa, S + (T‑ G) – I terá um valor negativo. Por essa razão, o país em questão deverá emprestar a diferença com o resto do mundo e visualizaremos com isso um déficit comercial. Blanchard (2011, p. 370) nos aponta outras implicações que a equação nos diz: 1. Um aumento do investimento deve se refletir ou em um aumento da poupança privada ou da poupança pública, ou em uma deterioração do balanço comercial (um superávit comercial menor ou um déficit comercial maior). 2. Um aumento do déficit orçamentário deve se refletir ou em um aumento da poupança privada, ou na redução do investimento, ou na deterioração do balanço comercial. 3. Um país com uma alta taxa de poupança, privada e pública, deve ter ou uma alta taxa de investimento, ou um grande superávit comercial. No entanto, tudo tem seu outro lado da moeda. Há pontos que a equação das exportações líquidas não diz. Ela não nos responde se uma situação de déficit orçamentário pode levar a um déficit comercial, a um aumento da poupança privada ou a uma redução dos investimentos. Nesse caso, para entender as implicações de um déficit orçamentário, devemos recorrer ao exame do comportamento do produto e dos diferentes componentes da demanda agregada, ou seja, do consumo, investimento, exportaçõese importações. Para entendermos a complexidade da questão, Blanchard (2011, p. 370) dá como exemplo uma questão debatida de forma recorrente, nos jornais e revistas especializadas, com o seguinte argumento: Está claro que os Estados Unidos não podem reduzir seu grande déficit comercial (atualmente, cerca de 4% do PIB) por meio de uma depreciação [...]. Ela mostra que o déficit comercial é igual a investimento menos poupança. Por que uma depreciação afetaria a poupança ou o investimento? Portanto, como uma depreciação pode afetar o déficit comercial? E o autor apresenta sua interpretação: O argumento pode soar convincente, mas sabemos que está errado. Mostramos anteriormente que a depreciação leva a um aumento do produto e à melhoria da situação comercial. Então, o que há de errado com o argumento? Uma depreciação de fato afeta a poupança e o investimento: faz isso afetando a demanda por bens internos e, portanto, aumentando o produto. Um produto maior conduz ao aumento da poupança em relação ao investimento ou, de modo equivalente, à diminuição do déficit comercial. 99 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA Teremos total compreensão dessas implicações quando realizarmos o exame dos vários casos que foram apresentados, entre eles as variações nos gastos do governo, as oscilações no produto externo, os movimentos da taxa de câmbio e as consequências de uma contração fiscal. Ao tomar esses elementos em sua explicação, ressaltando o que ocorre com os componentes destacados – a poupança privada, a poupança pública, o investimento e o balanço comercial –, temos condições de compreender os diferentes efeitos e combinações existentes. Exemplo de aplicação Demonstre que um aumento da demanda externa causa: • um aumento da poupança privada; • um aumento do investimento (mas menor do que o da poupança privada); • nenhuma alteração do déficit orçamentário; • uma melhoria do balanço comercial. 6 O PRODUTO E AS TAXAS DE JUROS E DE CÂMBIO Até o momento, neste material, a taxa de câmbio foi tratada como um instrumento de políticas econômicas disponíveis para um governo. Porém, é possível verificar que ela é fruto das interações no mercado de câmbio também. Diante disso, duas questões podem ser levantadas: O que determina a taxa de câmbio? Como os formuladores de políticas econômicas – policy makers – podem alterá‑la? Partindo do modelo Mundell‑Fleming, abordaremos os equilíbrios no mercado de bens e financeiros e suas implicações, em especial sobre o mercado cambial. Para tanto, é importante destacar os movimentos do produto, da taxa de juros e da taxa de câmbio em uma economia aberta concomitantemente. 6.1 Equilíbrio no mercado de bens Em uma economia aberta, o equilíbrio no mercado de bens pode ser representado como a condição em que as poupanças pública e privada, menos o investimento, deve ser igual ao saldo da balança comercial. E a condição de equilíbrio pode ser dada por: Y C Y T I Y r G IM Y X Y= −( ) + ( ) + − ∈( ) ∈ + ∈( ), , *, 100 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II Sendo: Y = produto C = consumo T = tributação I = investimento r = taxa de juros real G = gasto do governo IM = importações ∈ = taxa de câmbio real X = exportações Y* = produto externo Para que o mercado de bens esteja em equilíbrio, isto é, o produto seja igual à demanda por bens domésticos, o lado esquerdo (produto) precisa ser igual ao lado direito (demanda por bens domésticos). A demanda por bens domésticos inclui o consumo (C), o investimento (I), o gasto do governo (G), as exportações (X) e deduz as importações (IM/∈). Para analisar a equação, é preciso estabelecer as relações entre as variáveis. O consumo varia diretamente de acordo com a renda disponível, isto é, a renda deduzida dos tributos (Y – T). O investimento (I) também varia positivamente com o produto (Y) e negativamente com a taxa de juros (r). O gasto do governo é dado. Já as importações variam diretamente com o produto (Y) e com a taxa de câmbio, assim, quando há um crescimento econômico ou uma valorização ou apreciação cambial, a tendência é que haja um déficit na balança comercial, coeteris paribus. E, por último, as exportações (X) variam diretamente com o produto externo (Y*) e com a taxa real de câmbio () Portanto, quando há um crescimento econômico externo ou uma desvalorização cambial, a tendência é que haja um aumento do volume das exportações e, mantendo tudo o mais constante, um superávit comercial. Observação Coeteris paribus é uma expressão em latim que significa “tudo o mais constante”, ou seja, em Ciência Econômica, quando se analisa o 101 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA efeito de uma determinada política econômica, considera‑se o efeito apenas dessa política, avaliando as outras variáveis determinadas. Isso é importante, pois no mundo real é possível, mas é complicado perceber o efeito dessa maneira. Resumidamente, na equação de equilíbrio do mercado de bens temos: Y C Y T I Y r G IM Y X Y= −( ) + ( ) + − ∈( ) ∈ + ∈( ), , *, (+) (+,‑) (+) (+,‑) (+,+) A relação entre importações e exportações pode ser analisada como exportações líquidas, definidas como exportações menos importações. Tem‑se: NX(Y, Y*,∈) ≡ X(Y*, ∈) – IM(Y,∈)/∈ Dessa maneira, as exportações líquidas dependem dos produtos doméstico e externo e da taxa real de câmbio. Quando há um aumento do produto doméstico ou uma queda do produto externo, ou ainda uma valorização cambial, há uma redução das exportações líquidas. Considerando o conceito de exportações líquidas, pode‑se reescrever a equação de equilíbrio do mercado de bens: Y = C(Y – T) + I(Y, r) + G + NX(Y, Y*, ∈) (+) (+,‑) (+) (‑,+,+) Dessa equação, é importante destacar as seguintes implicações: • Uma elevação da taxa de juros real (r) gera uma redução dos investimentos, o que, por sua vez, leva a uma redução da demanda por bens domésticos. Estudando o multiplicador de gastos, isso acarreta uma redução do produto. • Uma elevação da taxa real de câmbio gera um deslocamento da demanda de bens estrangeiros para a demanda de bens domésticos e, por conseguinte, gera uma ampliação das exportações líquidas. E, novamente considerando o multiplicador de gastos, isso promove uma elevação do produto. As cotações de câmbio podem ser dadas de duas maneiras: método indireto (certo) ou método direto (incerto). No método indireto, um país divulga o certo quando a taxa de câmbio é dada em termos de moeda estrangeira sobre moeda nacional. Já no método direto, um país divulga o incerto quando a taxa de câmbio é dada em termos de moeda local sobre moeda estrangeira. Por exemplo: 102 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II Supondo que o Brasil dê o incerto, ou pelo método direto, em relação aos Estados Unidos da América: US$ 1 = R$ 4 Supondo que o Brasil dê o certo, ou pelo método indireto, em relação aos Estados Unidos da América: R$ 1 = US$ 0,25, ou ainda R$ 4 = US$ 1 A maioria dos países divulgam suas taxas de câmbio de modo incerto, exceto pela Inglaterra, onde as cotações cambiais são expressas representando a quantidade de moeda estrangeira necessária para comprar uma unidade de libra esterlina. No Brasil, a taxa de câmbio anunciada destaca a quantidade de reais da compra a venda de um dólar nos Estados Unidos.Assim, a fórmula da taxa de câmbio é dada por: E = P/P* É extremamente importante essa definição, pois a maior parte dos manuais de economia internacional, ou mesmo macroeconomia aberta, são de origem estadunidense, em que a moeda local é o dólar. Como a cotação da taxa de câmbio no Brasil é dada, sobretudo, em termos de dólares, é necessário precisar as fórmulas, pois aqui o dólar está no denominador e nos Estados Unidos, no numerador. Portanto, cuidado para não se equivocar ao estudar por manuais estrangeiros. 6.2 Equilíbrio nos mercados financeiros Dada a análise centrada no curto prazo no modelo IS‑LM, pode‑se considerar o preço doméstico como dado. Essa hipótese pode ser estendida ao modelo IS‑LM‑BP, numa economia aberta, para os preços estrangeiros. Dessa forma, a taxa real de câmbio (∈ ≡ EP*/P) varia juntamente com a taxa nominal de câmbio (E). Por exemplo, uma depreciação da taxa de câmbio nominal acarreta uma depreciação da taxa de câmbio real de mesma proporção. Essa hipótese de preços internos dados no curto prazo afeta também a taxa de juros. Como não há inflação, nem a esperada, nem a efetiva, a taxa nominal de juros (i) se iguala à taxa real de juros (r). Essas simplificações são essenciais para tratar das questões monetárias e financeiras a seguir. No modelo IS‑LM foi pressuposto que os agentes têm apenas dois ativos financeiros – moedas e títulos – para escolherem. Esse pressuposto também será adotado numa economia aberta, portanto, os agentes podem escolher apenas títulos domésticos ou estrangeiros, excluindo as opções de escolha entre títulos de curto prazo, longo prazo ou mesmo ações. Essa observação é importante, pois, na realidade, essas opções são bastante usadas. 103 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA 6.2.1 Moeda versus títulos No modelo IS‑LM, o equilíbrio no mercado monetário e financeiro é dado por: M P L iγ ( ) O lado esquerdo da equação, ou seja, a oferta monetária é dada pelas autoridades monetárias. Já o lado direito da equação, ou a demanda monetária, depende da quantidade de transações da economia, mensurado pelo produto real (γ), e do custo de oportunidade de reter moeda em vez de títulos, dado pela taxa de juros. Nesse sentido, quanto maior a taxa nominal de juros, maior a tendência de os agentes reterem títulos em detrimento de moeda, pois os títulos remuneram juros; já a moeda apresenta a característica de ser o ativo financeiro mais líquido, de forma que não remunera a juros. Isso é o que ocorre numa economia fechada. A questão é: Como funcionaria numa economia aberta? Numa economia aberta, a demanda por moeda interna continua dependendo da demanda por residentes domésticos. Exceto o dólar americano, que tem demanda mundial, sobretudo devido aos contratos do comércio internacional e transações financeiras; as moedas nacionais variam, basicamente, pelas transações econômicas internas, como o iene japonês, que apresenta circulação majoritariamente no Japão. Com relação à taxa de juros nominal, esta deve igualar a oferta de moeda e a demanda por ela. Dessa forma, uma elevação do estoque monetário leva a uma queda da taxa de juros e a uma elevação da demanda por moeda, a um aumento da taxa de juros. 6.2.2 Títulos domésticos versus títulos estrangeiros O outro determinante representativo na condição de equilíbrio nos mercados financeiros é a escolha dos agentes entre títulos domésticos ou títulos estrangeiros. Para essa questão, uma suposição real deve ser adotada, da mesma maneira como foi realizada na economia fechada, qual seja a preferência dos agentes por aplicações financeiras que melhor remuneram, ou seja, os agentes buscam títulos que apresentem maiores taxas de retorno esperadas. Isso significa que, em equilíbrio, as taxas de retorno esperadas dos títulos domésticos e dos estrangeiros devem ser iguais. Se algum título apresentar uma taxa de remuneração maior, a demanda por esse título será maior, saindo da condição de equilíbrio. Veja que essa simplificação ocorre para efeitos didáticos, pois a realidade é muito diferente, como veremos adiante. Essa condição de paridade de juros pode ser expressa pela seguinte relação de arbitragem: E E i it e t t t+ = +( ) +( )1 1 1/ * Onde: it = taxa de juros interna 104 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II it * = taxa de juros externa Et = taxa de câmbio atual no momento t Et e +1 = taxa de câmbio futura esperada no momento t+1 Nessa equação, o lado esquerdo representa o rendimento da manutenção de títulos domésticos na carteira do investidor e o lado direito, o retorno esperado dos títulos estrangeiros, ambos os lados em moeda nacional. Portanto, essa equação destaca a condição de equilíbrio entre os custos de oportunidade de manter os títulos domésticos e estrangeiros. A equação anterior expressa uma tendência. Imagine que em um determinado momento E E i it e t t t + > +( ) +( )1 1 1/ * . Partindo da estabilidade no funcionamento dos mercados, ou seja, havendo facilidade de acesso a empréstimos internacionais a baixo custo de transação, há a possibilidade de ganho fácil e garantido via arbitragem de taxa de juros. Um investidor pode contrair um empréstimo com juros i, converter esse crédito em dólares à taxa Et, no mercado de câmbio à vista, e aplicar no exterior a uma taxa i*. Dada a expectativa de desvalorização cambial, conforme a equação anterior, o investidor pode vender no mercado futuro (onde se negocia dólares no período futuro) à taxa Et e +1 . Coeteris paribus, isso garantirá um montante final de reais maior que o inicial. De acordo com Baumann, Canuto e Gonçalves (2004, p. 269), [...] a chamada paridade coberta de taxa de juros (PCJ), na qual o diferencial de taxa de juros corresponde aproximadamente a um prêmio (ou desconto) entre as taxas de câmbio à vista e a prazo. Quando i > i* e, portanto, ef > e ou E Et e t + >( )1 , tem‑se um prêmio que o banco cobra para comprar ou vender dólares aprazo, para compensar o custo de oportunidade da operação de hedge em dólares a ser feita com seus correspondentes no exterior. Um desconto se aplica quando as taxas de juros internas são menores que no exterior. Multiplicando os dois lados por Et e +1 e reorganizando, tem‑se: E i i Et t t t e = + + + 1 1 1 * Por ora, considera‑se que a taxa de câmbio esperada seja dada e é representada por E e . Dessa forma, abandonam‑se os índices temporais e a condição de paridade de juros torna‑se: E i i Et t e = + + 1 1 * 105 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA Essa equação diz que a taxa de câmbio atual varia conforme a taxa de juros interna, a taxa de juros externa e a taxa de câmbio futura esperada. E as relações estabelecidas são: • uma diminuição da taxa de juros interna leva a uma elevação da taxa de câmbio; • uma diminuição da taxa de juros externa reduz a taxa de câmbio; • uma contração da taxa de câmbio futura esperada causa uma retração da taxa de câmbio atual. Para exemplificar essa relação, suponha um investidor financeiro que tem dois títulos à sua disposição: títulos do Brasil e títulos dos Estados Unidos. Suponha que as taxas de juros anuais de ambos os títulos sejam iguais a 10% e que as taxas de câmbio atual e esperada para daqui um ano sejam 4, ou seja, um dólar vale 4 reais (R$ 4/US$). Dadas essas hipóteses, esses títulos apresentam o mesmo retorno esperado em reais e a condição de paridade de juros é satisfeita. Lembrando que os investidores, de acordo com essa condição de paridadede juros, buscam a maior rentabilidade frente a mudanças cambiais futuras. Como a taxa de câmbio esperada é igual à atual, mantém‑se a condição de paridade com a mesma taxa de juros para os títulos. Para efeito de reflexão, conceba que haja uma mudança quanto ao cenário futuro, de forma que os investidores mudem suas expectativas com relação à taxa de câmbio. E agora esperem uma valorização do real frente ao dólar de 15% (ou uma desvalorização do dólar frente ao real), ou seja, a taxa de câmbio esperada seria de R$ 3,4/US$. Considerando que a taxa de câmbio atual fique mantida, os títulos brasileiros são mais atrativos que os estadunidenses, pois os primeiros oferecem 10% de juros em reais e os títulos estadunidenses, apesar de remunerarem também 10% de juros, são calculados em dólares. Como os dólares apresentam uma expectativa de desvalorização de 15%, então os títulos estadunidenses, em reais, possuem um retorno de 10% menos 15% (depreciação esperada dos dólares frente aos reais), ou seja, um retorno negativo de 5%. Diante dessa situação, os investidores desejarão trocar os títulos estadunidenses por títulos brasileiros. Para executar essa operação, inicialmente eles precisarão vender os títulos estadunidenses por dólares e depois efetuar o câmbio dos dólares para os reais. Na posse dos reais, eles compram títulos brasileiros. Como há a venda de dólares e a compra de reais, ocorre uma depreciação do dólar. A dúvida é qual a magnitude dessa depreciação? De acordo com os pressupostos do modelo, será exatamente igual ao montante da depreciação esperada, ou seja, E = (1,10/1,10) * 3,4 = 3,4, considerando que as taxas de juros no Brasil e nos Estados Unidos se manterão constantes, o mercado de câmbio também se equilibra a essa nova taxa de câmbio. Pode‑se fazer outro exercício em que, ao invés de uma valorização cambial, possa ocorrer uma contração monetária brasileira, de forma que haja um aumento da taxa de juros brasileira de 10% para 12%. Julgando que a taxa de juros estadunidense se mantenha inalterada nos 10% e a taxa de câmbio futura permaneça em R$ 4/US$. Dada a taxa de câmbio atual constante de R$ 4/US$, os títulos brasileiros remuneram melhor e, portanto, são mais atrativos que os estadunidenses. Nessa conjuntura, quais são as consequências? Os investidores preferirão trocar títulos estadunidenses por brasileiros, lembrando que a suposição neste modelo é que os agentes buscam rentabilidade apenas, 106 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II sem se preocupar com risco e liquidez. O procedimento para efetuar essa operação deve ser trocar inicialmente os dólares por reais, gerando uma apreciação do real. A questão é: Em quanto deprecia o câmbio? Voltando à equação, tem‑se: 4 = (1,10/1,12)Ee Ee = ≈ 4 0 9821 4 073 , , A taxa de câmbio aumentou aproximadamente 1,82%, o que corresponde a uma apreciação do real frente ao dólar. E o que isso significa? Conforme foi deduzido, os investidores não alteraram suas expectativas com relação à taxa de câmbio futura, portanto, diante de uma depreciação cambial, os investidores apostarão numa apreciação cambial de forma que a taxa de câmbio futura não se altere. E por que isso ocorre? Uma depreciação de 1,82% do real equivale a uma apreciação dos mesmos 1,82% do dólar. Em termos de remuneração, a taxa de retorno esperada em reais dos títulos estadunidenses é 10% (taxa de juros estadunidense) mais 1,82% (montante da depreciação do real), ou seja, 11,82% de juros anuais ou aproximadamente 12%. Essa taxa de retorno esperada é igual à taxa de retorno dos títulos brasileiros – 12%, garantindo que o mercado cambial se mantenha equilibrado. Logo, nesse modelo, considerando os pressupostos de que, quando há uma alteração na taxa de juros, a taxa de câmbio esperada se mantém, uma depreciação cambial hoje será ajustada por uma apreciação de mesma magnitude no futuro de maneira a garantir o equilíbrio no mercado cambial. Desse exercício, é importante memorizar a seguinte conclusão: uma elevação da taxa de juros doméstica em relação à taxa de juros internacional gera uma apreciação cambial. Avaliando a paridade de juros, o gráfico a seguir mostra a relação de equilíbrio entre a taxa de juros doméstica, i, e a taxa de câmbio atual ou corrente ou à vista, E, supondo dadas a taxa de juros internacionais (i*) e a taxa de câmbio esperada futura Ee( ) . A i* Ta xa d e ju ro s i nt er na , i Relação da paridade de juros (dados i*, E e ) Taxa de câmbio atual, E Ee Figura 38 – Relação entre a taxa de juros e a taxa de câmbio corrente derivada da paridade de juros 107 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA Já o gráfico a seguir, considerando a paridade de juros, mostra a relação de equilíbrio entre a taxa de juros doméstica, i, e a taxa de câmbio esperada futura, Ee , supondo dadas a taxa de juros internacional (i*) e a taxa de câmbio corrente (E). C i* Ta xa d e ju ro s i nt er na , i Relação da paridade de juros (dados i*, E) Taxa de câmbio futura, E e Ee Figura 39 – Relação entre a taxa de juros e a taxa de câmbio futura decorrente da paridade de juros Esse gráfico mostra que quanto maior for a taxa de juros interna, maior será a taxa de câmbio e, portanto, a reta é positivamente inclinada. Ademais, quando a taxa de juros interna (i) for igual à taxa de juros internacional (i*), então a taxa de câmbio presente será igual à taxa de câmbio futura esperada, de forma que a condição de paridade de juros fique garantida. Esse ponto é o C no gráfico. Exemplo de aplicação Considere que a taxa de juros na Inglaterra seja de 2% a.a. e no Brasil, de 14% a.a. Além disso, que a taxa de câmbio atual seja de R$ 5/£. O exercício é determinar a taxa de câmbio esperada que torna o investidor indiferente em relação a aplicar seus recursos, pelo prazo de um ano, na Inglaterra ou no Brasil. Tem‑se: i* = 0,02 i = 0,14 E = R$5/£ E i i Et t t t e = + + + 1 1 1 * 5 1 0 02 1 0 14 1 = + + + , , Et e 108 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II Et e + = ≈1 5 0 8947 5 60 , , Se o investidor apostar que a taxa de câmbio futura superará a taxa R$ 5,6/£, então ele preferirá aplicar na Inglaterra. Caso contrário, aplicará seus recursos no Brasil. Repare que a diferença entre as taxas de câmbio corrente e futura – 12% – representa exatamente a diferença entre as taxas dos dois países. 6.2.3 Mercados de bens e financeiros juntos Após analisar os equilíbrios nos mercados de bens e financeiros separadamente, expressam‑se os elementos necessários para análise conjunta. Apenas para resgatar as principais equações, tem‑se o equilíbrio no mercado de bens dado por: Y = C(Y – T) + I(Y, i) + G + NX(Y, Y*, ∈) Essa equação depende da taxa de juros e da taxa de câmbio e outros fatores. A taxa de juros é determinada no mercado monetário e é dada por: M P L i= ( )γ A condição de paridade de juros garante que há uma relação inversa entre a taxa de juros doméstica e a taxa de câmbio. Isso é expresso por: E i i Et t e = + + 1 1 * Quando se relaciona essas três equações, pode‑se resumir as três equações em duas: a que representa o equilíbrio no mercado de bens (IS) e a que destaca o equilíbrio no mercado monetário e financeiro (LM). IS: Y C Y T I Y i G NX Y Y i i Et t e = −( ) + ( ) + + + + , , , * *1 1 LM: M P L i= ( )γ Veja que os efeitos de um aumento da taxa de juros sobre o produto, tomando a curva IS, podemser duplos: • Da mesma maneira que ocorria numa economia fechada, o primeiro efeito é direto sobre o investimento. Uma taxa de juros maior tem como consequência uma redução do investimento, uma redução da demanda por bens domésticos e uma redução do produto. 109 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA • O segundo efeito, que só está presente na economia aberta, é o efeito a partir da taxa de câmbio. Um aumento da taxa de juros interna leva a uma queda da taxa de câmbio, uma apreciação. A apreciação, que torna os bens domésticos mais baratos em relação aos bens estrangeiros, causa uma retração das exportações líquidas e, portanto, uma queda da demanda por bens domésticos e uma queda do produto. Ambos os efeitos operam na mesma direção. Um aumento da taxa de juros diminui a demanda direta e indiretamente – por meio do efeito adverso da apreciação da taxa de câmbio sobre demanda. Ta xa d e ju ro s, i Ta xa d e ju ro s, i Relação da paridade de juros Produto, Y Taxa de câmbio, E LM Y E A B IS i i A) B) Figura 40 – Modelo IS‑LM na economia aberta com paridade de juros Relembrando que, na macroeconomia fechada, a relação que a curva IS continua sendo a mesma, ou seja, ela demonstra o equilíbrio entre taxa de juros e produto da economia numa relação indireta, considerando que as outras variáveis, quais sejam T, G, Y*, i* e Ee, ficaram inalteradas. Essa associação faz com que a curva IS tenha uma inclinação negativa, o que significa que um aumento da taxa de juros gera um produto menor. A diferença numa economia aberta em relação a uma economia fechada é que a taxa de juros afeta o produto diretamente e esse varia indiretamente pela taxa de câmbio. A curva LM representa o equilíbrio no mercado monetário num vínculo direto entre taxa de juros e produto da economia. Essa união é igual tanto em economia fechada como aberta, garantindo que a curva LM tenha inclinação positiva. A curva mostra que, dado o estoque real monetário (M/P), uma elevação do produto gera um aumento da demanda por moeda, e, consequentemente, uma dilatação da taxa de juros de equilíbrio. No modelo IS‑LM, o equilíbrio se dá no ponto A do gráfico da figura 40. E o ponto B do mesmo gráfico indica a taxa de câmbio equivalente ao equilíbrio nos mercados de bens e monetário. 110 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II Lembrete De acordo com Blanchard (2011, p. 383), da derivação das relações IS e LM numa economia aberta, tem‑se: • A curva IS é negativamente inclinada: um aumento da taxa de juros leva direta e indiretamente (por meio da taxa de câmbio) a uma diminuição da demanda e a uma diminuição do produto. • A curva LM é positivamente inclinada: um aumento da renda aumenta a demanda por moeda, levando a um aumento da taxa de juros de equilíbrio. Portanto, o equilíbrio no mercado de bens e monetário é dado pela intersecção das curvas IS e LM no ponto A. No caso do mercado cambial, dadas a taxa de juros internacional e a taxa de câmbio esperada futura, e considerando a condição de paridade de juros, a taxa de juros de equilíbrio dada pelo ponto A determina a taxa de câmbio de equilíbrio. 7 POLÍTICAS ECONÔMICAS EM ECONOMIAS ABERTAS A partir da derivação do modelo IS‑LM numa economia aberta, é importante saber avaliar os efeitos de uma política econômica. Para tanto, sempre o ponto de partida é a situação de pleno equilíbrio nos mercados. Primeiramente, a avaliação será feita para uma mudança na política fiscal. Partindo de um orçamento equilibrado, suponha que o governo faça uma expansão de seus gastos com políticas expansionistas, sem que haja aumento na carga tributária. Quais são os efeitos de um desequilíbrio orçamentário sobre o produto? E sobre a taxa de juros? Pode ocorrer uma mudança na composição do produto da economia? E, por fim, há alteração na taxa de câmbio? Essas questões ajudam a pensar os deslocamentos no modelo IS‑LM. Inicialmente, o aumento dos gastos governamentais (∆G > 0) proporciona um deslocamento da curva IS para cima e para a direita, coeteris paribus. Isso significa que tanto a curva LM como a curva de paridade de juros não se alteram, uma vez que seus determinantes não variaram. Esse deslocamento tem como consequência a ampliação da renda e da taxa de juros. No gráfico a seguir, ele é representado no ponto A’. Essa expansão da renda pressiona o setor externo, com tendência de déficit, uma vez que as importações aumentam. Além disso, o aumento da taxa de juros provoca uma apreciação cambial. 111 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA Ta xa d e ju ro s, i Ta xa d e ju ro s, i Relação da paridade de juros Produto, Y Taxa de câmbio, E LM∆G>0 Y Y’ EE’ A A’ B B’ IS IS’ i i A) B) Figura 41 – Efeitos de um aumento dos gastos do governo No gráfico, pode‑se examinar que uma elevação dos gastos governamentais gera uma ampliação da demanda, que, por sua vez, leva a um aumento do produto. Quando a curva IS se desloca para a direita, isso pressiona o saldo em transações correntes e a demanda por moeda, expandindo a taxa de juros. Esse efeito sobre a taxa de juros, reputando a condição de paridade de juros, torna os títulos domésticos mais atrativos que os estrangeiros, gerando uma apreciação cambial. As consequências da elevação da taxa doméstica de juros e da apreciação cambial são uma redução da demanda doméstica por bens e uma redução das exportações líquidas, porém isso é compensado em parte pelo acréscimo do gasto governamental sobre a demanda e o produto, de maneira que o efeito sobre a renda será positivo. Blanchard (2011, p. 384) destaca os efeitos sobre os componentes da demanda: • O consumo e os gastos do governo claramente sobem – o consumo, em virtude do aumento da renda; os gastos do governo, por hipótese. • O que acontece com o investimento é ambíguo. Lembre‑se de que o investimento depende tanto do produto quanto da taxa de juros: I = I(Y, i). Por outro lado, o produto aumenta, levando a um aumento do investimento. Mas, por outro, a taxa de juros também aumenta, levando a uma diminuição do investimento. Dependendo de qual desses dois efeitos venha a dominar, o investimento pode aumentar ou diminuir. Resumindo: o efeito dos gastos do governo sobre o investimento era ambíguo na economia fechada e permanece ambíguo na economia aberta. • Lembre‑se de que as exportações líquidas dependem do produto doméstico, do produto estrangeiro e da taxa de câmbio: NX = NX(Y, Y*, E). Assim, tanto o aumento do produto quanto a apreciação combinam‑se para diminuir as exportações líquidas. O aumento do produto aumenta as importações e a apreciação diminui as exportações e aumenta as 112 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II importações. Consequentemente, o déficit orçamentário leva a uma deterioração da balança comercial. Se o comércio estiver inicialmente equilibrado, o déficit orçamentário levará a um déficit comercial. Observe que, embora um aumento do déficit orçamentário aumente o déficit comercial, o efeito está longe de ser mecânico. Funciona por meio do efeito do déficit orçamentário sobre o produto e sobre a taxa de câmbio e, por sua vez, sobre o déficitcomercial. Considerando que haja uma prefeita mobilidade de capitais, a expansão dos gastos governamentais de uma economia de país pequeno provoca uma apreciação cambial, devido à alta da taxa de juros. Porém, essa apreciação, ao encarecer o produto nacional frente ao estrangeiro, reduz a demanda, deslocando novamente a curva IS para a esquerda, conforme o próximo gráfico. De acordo com Lopes e Vasconcellos (2011), a curva IS volta à posição original, eliminando a pressão da entrada de capitais no mercado de câmbio. A apreciação cambial gerou uma redução da demanda de mesma magnitude que a ampliação do gasto governamental, o que zerou o efeito sobre o produto. Esse efeito, segundo os autores, é um crowding‑out, de forma que houve um deslocamento da demanda externa por conta da apreciação cambial. O resultado final é que o equilíbrio retorna para o ponto A. Ta xa d e ju ro s, i Ta xa d e ju ro s, i Relação da paridade de juros Produto, Y Taxa de câmbio, E LM∆G>0 Y Y’ EE’ A A’ B B’ IS IS’ i i A) B) Figura 42 – Efeitos de um aumento dos gastos governamentais com perfeita mobilidade de capitais Observação Crowding‑out é o efeito de uma intervenção do setor público na economia que promove um deslocamento do gasto privado na economia. Seria como um processo de concorrência em que, no modelo clássico, o aumento do gasto público é compensado por uma queda do investimento privado de mesma proporção. De acordo com os teóricos, isso ocorre porque há uma expansão da taxa de juros, inviabilizando parte dos investimentos privados. 113 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA Caso não houvesse mobilidade de capitais, uma política fiscal expansionista a partir de um aumento do gasto governamental levaria a um deslocamento da curva IS para a direita, ampliando o produto e a taxa de juros. A expansão da renda pressiona o resultado do setor externo, uma vez que há elevação das importações. Isso gera uma tendência à desvalorização cambial. Essa desvalorização promove as exportações, enquanto reduz as importações de bens e serviços. O efeito desse movimento na balança comercial é uma nova expansão da curva IS para a direita. Veja que a variação da renda será maior que aquela induzida inicialmente pela política fiscal, pois a desvalorização cambial levará a um novo impulso de crescimento derivado do setor externo. O resultado será um produto maior acompanhado de maior taxa de juros. Como não há mobilidade de capitais, então não há pressão sobre a taxa de câmbio, considerando a situação coberta de taxa de juros. Agora veja o que ocorre quando se aplica uma política monetária contracionista. No caso, dado um nível de produto, uma redução do estoque monetário realizada pelas autoridades monetárias (∆M<0) desloca a curva LM para a esquerda, movendo o equilíbrio do ponto A para A’, conforme gráfico a seguir. No ponto A’, a taxa de juros é maior que no ponto A. Como está suposto que as variáveis determinantes da curva IS não se alteraram, essa curva não se desloca. Esse aumento da taxa de juros promove uma apreciação cambial. De acordo com Blanchard (2011, p. 385), [...] uma contração monetária leva a uma diminuição do produto, a um aumento da taxa de juros e a uma apreciação. É fácil contar a história. Uma contração monetária leva a um aumento da taxa de juros, tornando os títulos domésticos mais atraentes e desencadeando uma apreciação. Tanto a taxa de juros maior quanto a apreciação diminuem a demanda e o produto. Ta xa d e ju ro s, i Ta xa d e ju ro s, i Relação da paridade de juros Produto, Y Taxa de câmbio, E LM LM’ ∆M<0 YY’ EE’ A A’ B B’ IS i i’ i Figura 43 – Efeitos de uma contração monetária 7.1 Taxas de câmbio fixa e flexível Até aqui, a suposição era que a taxa de câmbio era flexível ou flutuante, ou seja, as autoridades do Banco Central definiam a oferta monetária, permitindo que a taxa de câmbio se ajustasse no mercado de 114 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II câmbio. No geral, as autoridades monetárias operam no mercado de câmbio de forma a direcionar a taxa de câmbio para um determinado patamar. As metas desse patamar podem ser explícitas ou implícitas, podem ter valores específicos ou valores em bandas ou intervalos. A depender dessas oscilações, têm‑se diferentes regimes cambiais. Afinal, o que são regimes cambiais? As taxas de câmbio influenciam as demais políticas econômicas? Parece bastante intuitivo o que é e para que serve a taxa de câmbio, porém é essencial salientar que ela ultrapassa a definição formal de se tratar do preço, em moeda nacional, de uma unidade de moeda estrangeira. De acordo com Carvalho e Silva (2007), a taxa de câmbio é uma variável importante, pois afeta as escolhas de transações entre residentes e não residentes. Isso significa que os saldos das contas do balanço de pagamentos são abalados pela taxa de câmbio. Além disso, mudanças na taxa de câmbio atingem diretamente o funcionamento interno da economia. Uma empresa importadora de bens, por exemplo, quando a taxa de câmbio aumenta ou há uma desvalorização da moeda nacional, torna a importação mais cara, podendo inclusive afetar as atividades da empresa. Se caso a importação for de bens que compõem o índice de inflação, como o feijão, isso pode gerar um efeito inflacionário sobre a economia. Ou seja, além da empresa, os residentes de um país podem ser impactados pela mudança cambial, ao tornar o produto importado menos competitivo. Ao mesmo tempo, uma desvalorização da moeda nacional pode estimular as exportações ao tornar competitivos os produtos exportáveis. Portanto, os efeitos das variações cambiais podem ser benéficos ou não para o crescimento econômico. Resumindo, coeteris paribus, uma valorização da moeda nacional eleva o preço relativo de suas exportações e diminui o preço relativo de suas importações. Inversamente, uma desvalorização subtrai o preço relativo das exportações de um país e aumenta o preço relativo de suas importações. A taxa de câmbio flutua de acordo com o regime cambial estabelecido pelas autoridades monetárias de um país. Assim, regime cambial é a regra ou a diretriz que um país adota para determinar a taxa de câmbio, ou seja, quanto vale a moeda estrangeira ou divisa. Existem basicamente dois regimes, quais sejam o regime de câmbio fixo e o flexível ou flutuante. Carvalho e Silva (2007, p. 164, grifo dos autores) apontam as diferenças: Em um regime cambial fixo, o Banco Central fixa o preço de uma moeda estrangeira em moeda nacional. A autoridade monetária garante a conversão de moeda estrangeira em nacional, e vice‑versa, àquele preço. Todas as transações com o exterior, que envolvam entrada e saída de divisas, obedecerão à taxa de câmbio fixa para converter as moedas. No regime de taxas de câmbio flexíveis ou flutuantes, o Banco Central permite que o mercado cambial estabeleça o preço da moeda estrangeira. Há, de um lado, agentes que demandam moeda estrangeira – importadores, turistas que vão ao exterior etc. – e, de outro, aqueles que demandam moeda nacional em troca da moeda estrangeira que possuem – exportadores, turistas estrangeiros no país etc. 115 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA Em termos práticos, os países não adotam um regime ou outro de maneira radical, mas um mix dos dois regimes. O que prevalece na cena contemporânea dos regimescambiais é o flutuante sujo ou administrado, em que a autoridade monetária permite a flutuação, mas intervém no mercado de câmbio de forma a direcionar a taxa de câmbio para um determinado rumo, a depender da combinação com as outras políticas macroeconômicas. No regime de câmbio fixo, a autoridade monetária se compromete a manter a moeda ancorada em outra moeda. De acordo com Carvalho e Silva (2007, p. 166, grifo dos autores), [...] adotar um regime de taxas fixas significa ancorar o valor de uma moeda no de outra, ou no de uma cesta de moedas. A ancoragem pode ocorrer basicamente de três maneiras diferentes: No regime de ancoragem unilateral, a responsabilidade pela manutenção da paridade é do país ancorado, e não do país‑âncora. Em outras palavras, a política econômica do país que adotou esse regime passa a ser guiada pela necessidade de manter a taxa de câmbio estabelecida, enquanto o país que serve de âncora não se preocupa com o assunto. Esse tipo de arranjo foi muito utilizado na época do padrão‑ouro. Como não há mais padrão‑ouro, os países que adotam esse sistema atualmente ancoram sua moeda à de um país com forte presença política e econômica no mundo, como os Estados Unidos. Currency board é uma versão radical da ancoragem unilateral. Nesse regime, o país ancorado não só estabelece unilateralmente uma taxa de câmbio fixa, como vincula o volume de moeda local à quantidade da moeda estrangeira de referência existente no país. Com essa medida, fica garantida, por parte da autoridade monetária, a conversão entre as moedas local e estrangeira à taxa de câmbio estipulada. O país que adota esse regime perde completamente a capacidade de executar política monetária. O controle da liquidez da economia, normalmente executado com a compra e venda de títulos públicos no open market, passa a depender exclusivamente da entrada e saída de divisas no país. Em geral, esse tipo de regime é adotado por países em desenvolvimento, com dificuldades em transmitir credibilidade na sua política cambial. A Argentina adotou esse regime por dez anos, quando fixou sua taxa de câmbio, constitucionalmente, em $ 1/ US$ 1, e condicionou o volume de pesos argentinos em circulação ao saldo de dólares de suas reservas. O arranjo cambial cooperativo é um sistema de ancoragem que se distingue do unilateral à [na] medida [em] que todos os países envolvidos são responsáveis pela manutenção das paridades cambiais entre as respectivas moedas. A União Monetária Europeia é um exemplo de ancoragem cooperativa. É um mecanismo multilateral de taxas de 116 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II câmbio fixa, ancorada no euro por uma taxa central, e uma margem de flutuação normal de ± 15%. As políticas econômicas de cada país devem estar em conformidade com a taxa central, evitando desalinhamentos. Naturalmente, não há qualquer compromisso com as paridades cambiais de países que não pertencem ao sistema. Observação Acordos referentes ao sistema de padrão‑ouro: taxas de câmbio fixas em relação ao dólar americano, taxa de câmbio dólar/ouro fixa em US$35,00 por onça de ouro, o que permitia aos países manter reservas internacionais em ouro ou dólares, vender dólares para o FED e comprar ouro ao preço oficial. Resumindo, no regime de câmbio fixo, a autoridade monetária principal, o Banco Central, abre mão da política monetária como instrumento de política econômica para garantir que uma moeda estrangeira seja trocada com preço fixo com uma moeda nacional e vice‑versa. De maneira tal que todas as transações com o exterior, seja de entrada, seja de saída de divisas, serão efetivadas à taxa de câmbio fixa para converter as moedas. Banda cambial P E S E’’ E’ S’ D’ D Q LS Li Figura 44 – Mercado de câmbio com flutuação suja e banda cambial Quando um país adota a taxa de câmbio fixa em relação a uma moeda, no geral, ele escolhe uma moeda forte. Essa moeda pode ser de um país com uma economia estável ou de um país metrópole numa relação colônia‑metrópole. Em alguns casos, a moeda escolhida é o dólar. A Argentina, por exemplo, em 1991, adotou o currency board, atrelando sua moeda – o peso argentino – ao dólar na proporção de 1:1, ou seja, um peso argentino comprava um dólar. Esse regime de câmbio fixo durou até 2001, quando a economia argentina foi acometida por uma grave crise cambial. 117 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA De acordo com Blanchard (2011), em 1991, de forma a enfrentar a taxa de inflação de aproximadamente 30% ao mês, Domingo Cavallo, ministro de Carlos Menem, anunciou a criação de um conselho monetário que controlaria a emissão monetária. Então, o Banco Central trocaria os pesos por dólares a uma taxa simbólica de um peso para um dólar. O objetivo era garantir credibilidade à moeda argentina, além de convencer os mercados financeiros quanto à política cambial adotada, sinalizando uma diminuição do risco de uma crise cambial. Por algum tempo, o conselho monetário pareceu funcionar bem. A inflação, que havia ultrapassado 2.300% em 1990, caiu para 4% em 1994! Isso era claramente resultado das restrições rigorosas que o conselho monetário impusera ao crescimento da moeda. Mais impressionante ainda: essa grande diminuição da inflação foi acompanhada de um forte crescimento do produto. O crescimento do produto foi, em média, de 5% ao ano de 1991 a 1999 (BLANCHARD, 2011, p. 412). Já a partir de 1999, a Argentina apresentou sinais de recessão. Há muito debate sobre a origem desse agravamento do quadro econômico. Para alguns, foi efeito das políticas adotadas pelo conselho monetário; para outros, tratava‑se de um somatório de causalidades. O que se pode apontar é que, com a sobrevalorização da moeda nacional frente ao dólar, as importações aumentaram frente às exportações, levando a recorrentes déficits comerciais e à retração da economia. Blanchard (2011, p. 412) destaca que a crise econômica se transformou em uma crise financeira e cambial, a partir de 2001: • Em decorrência da recessão, o déficit fiscal aumentou, levando a um aumento da dívida pública. Preocupados com a possibilidade de o governo não honrar suas dívidas, os investidores começavam a pedir taxas de juros muito altas sobre a dívida do governo, tornando o déficit fiscal ainda maior e aumentando o risco de inadimplência. • Preocupados também com o risco de que o governo desistisse do conselho monetário e desvalorizasse para combater a recessão, os investidores começaram a pedir taxas de juros muito altas em pesos, tornando maior o custo para o governo sustentar a paridade ao dólar e, assim, aumentando a probabilidade de o conselho monetário ser abandonado. Em dezembro de 2001, o governo decretou moratória de parte de sua dívida. No início de 2002, desistiu do conselho monetário e permitiu a flutuação do peso. O peso depreciou abruptamente, chegando a 3,75 pesos por 1 dólar em junho de 2002. Muitas pessoas e empresas que, dada sua confiança anterior no atrelamento, haviam tomado emprestado em dólares viram‑se com um grande aumento do valor de sua dívida em pesos. Muitos foram à falência. O sistema bancário entrou em colapso. Apesar da depreciação 118 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II real abrupta, que deveria ter ajudado as exportações, o PIB caiu em 11% em 2002, e o desemprego aumentou para cerca de 20%. O crescimento do produto passou a ser positivo em 2003 e permaneceu alto desde então – excedendo 8% por ano – e o desemprego diminuiu. Saiba mais Para entender os efeitos da política de cambialde currency board na Argentina e os efeitos sobre os demais agregados macroeconômicos e sobre os componentes sociais, recomenda‑se o filme: MEMORIA del saqueo. Dir. Fernando Solanas. Suíça; França; Argentina: Cinesur, 2003. 120 minutos. Alguns países atrelam o câmbio fixo à moeda do “ex‑país colonizador”, como os países africanos, que fixavam a moeda local ao franco francês e, depois da unificação monetária em torno do Euro, passaram a vincular o câmbio à nova moeda. Alguns países também atrelam suas moedas a uma cesta de moedas. Geralmente os países não mantêm a taxa totalmente fixa, mas permitem alguma oscilação. E, quando alteram a taxa de câmbio, normalmente, o Banco Central precisa anunciar os motivos de tal alteração. Usualmente, os países fazem pequenas mudanças de tempos e tempos. Uma exceção foi o caso de alguns países africanos, que ficaram aproximadamente 45 anos sem variar a taxa de câmbio e, depois desse longo período, houve reajuste em janeiro de 1994. Quando se tem um regime de câmbio fixo, costumam‑se usar os termos “valorização” e “desvalorização” para indicar uma diminuição ou um aumento da taxa de câmbio, respectivamente. Já num regime de câmbio flutuante ou flexível, os termos respectivos usados são “apreciação” e “depreciação”. Há países que, sob o regime de câmbio fixo, realizam minidesvalorizações, ou crawling peg. Esses países normalmente têm taxas de inflação que superam a taxa de inflação dos Estados Unidos. Se eles atrelassem sua taxa nominal de câmbio ao dólar, o aumento mais rápido de seu nível de preços doméstico em relação ao nível de preços dos Estados Unidos levaria a uma apreciação real contínua e rapidamente tornaria seus bens não competitivos. Para evitar esse efeito, esses países escolhem uma taxa de depreciação predeterminada em relação ao dólar. Eles escolhem mover devagar (crawl) em relação ao dólar (BLANCHARD, 2011, p. 386). No Brasil, entre 1968 até 1989, a política cambial adotada era uma variação do crawling peg ou minidesvalorizações. Essa política estava embasada na variação da paridade do poder de compra (PPP), 119 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA de acordo com o enfoque das metas reais, ou seja, numa tentativa de estabilizar os preços internos, a taxa de câmbio era alterada segundo a relação entre os preços domésticos e os externos dos principais países com os quais o Brasil mantinha comércio. Há outros fatores relevantes para determinar as minidesvalorizações, tais como o movimento das taxas de juros no Brasil a curto e médio prazos e as taxas de juros praticadas nos mercados financeiros do mundo, o resultado do balanço de pagamentos e a posição dos investimentos estrangeiros no país. Esses elementos são importantes, pois afetam a competitividade do país, que pode ser alterada via ajuste da taxa de câmbio. Entre as vantagens do sistema de minidesvalorizações, está o ajuste gradual e reduzido na taxa cambial em intervalos curtos. Isso permite sentir os ajustes das outras variáveis, sem que haja alterações abruptas. No caso de países com inflação crônica, e mesmo para economias mais estáveis, a principal vantagem de um sistema de crawling peg em intervalos curtos é garantir aos países parceiros no comércio internacional e nas finanças mundiais que um nível de taxa cambial permanecerá razoavelmente regular. Dessa maneira, para o país que executa esse tipo de política cambial, é possível se prevenir de fuga de capitais diante de uma sobrevalorização cambial ou mesmo de entrada abrupta de capitais com uma desvalorização cambial, gerando acúmulo de reservas internacionais custosas. Em 1980, diante da política de estabilização inflacionária, a política cambial reajustava o câmbio de maneira prefixada. Porém, como os preços da economia doméstica estavam amplamente indexados, a inflação, além de não ter recuado, alcançou um patamar de três dígitos ao ano e os reajustes cambiais tiveram que ser diários. Esse modelo apresentava basicamente dois objetivos: conter ataques especulativos contra a moeda nacional e estabilizar os ganhos reais dos exportadores, gerando competitividade da economia brasileira via exportações. Os efeitos dessa política foram controversos, pois, ao mesmo tempo, permitiu maior estabilidade à taxa de câmbio comercial e, de tempos em tempos, apesar de necessário, evitou uma maior desvalorização real diante dos choques externos que o Brasil sofreu, principalmente nas décadas de 1970 e 1980. Além dessa política, outro arranjo cambial possível é o de bandas cambiais. Historicamente, o exemplo mais relevante é o do Sistema Monetário Europeu (SME), que foi criado em 1978 e perdurou até 1998. Esse SME foi construído a partir de uma estrutura mais firme, após a Europa ter passado pelas mudanças cambiais em meados dos anos 1970, de maneira a estabilizar as taxas de câmbio intraeuropeias. Basicamente, os países‑membros haviam assinado a manutenção de suas taxas de câmbio dentro de limites determinados ou bandas em torno de uma paridade central. Caso houvesse a necessidade de alterar a taxa de câmbio, por desvalorização ou valorização cambial, os países deveriam aprovar entre os países‑membros. A Alemanha era o país central, que tinha uma moeda forte naquele momento. Na tabela a seguir, é possível observar as variações cambiais do marco alemão frente às outras moedas: 120 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II Tabela 3 – Revalorizações do marco alemão frente a outras moedas do SME (medidas por taxas centrais bilaterais, em porcentagem) Franco belga / luxemburguês Coroa dinamarquesa Franco francês Florim holandês Libra irlandesa Lira italiana Total EMSa Ponderaçãob (em %) 16,6 4 32 17,4 1,8 27,5 100 Data de vigência do realinhamento: 24 de setembro de 1979 +2,0 +5,0 +2,0 +2,0 +2,0 +2,0 +2,1 30 de novembro de 1979 ‑ ‑ ‑ ‑ ‑ ‑ +0,2 23 de março de 1981 ‑ ‑ ‑ ‑ ‑ +6,4 +1,7 5 de outubro de 1981 +5,5 +5,5 +8,8 ‑ +5,5 +8,8 +6,5 22 de fevereiro de 1982 +9,3 +3,1 ‑ ‑ ‑ ‑ +1,6 14 de junho de 1982 +4,3 +4,3 +10,6 ‑ +4,3 +7,2 +6,3 21 de março de 1983 +3,9 +2,9 +8,2 +1,9 +9,3 +8,2 +6,7 22 de julho de 1983 ‑ ‑ ‑ ‑ ‑ +8,5 +2,3 7 de abril de 1986 +2,0 +2,0 +6,2 ‑ +3,0 +3,0 +3,8 4 de agosto de 1986 ‑ ‑ ‑ ‑ +8,7 ‑ +0,2 12 de janeiro de 1987 +1,0 +3,0 +3,0 ‑ +3,0 +3,0 +2,6 8 de janeiro de 1990 ‑ ‑ ‑ ‑ ‑ +3,7 +1,0 Acumulado desde o início do SME em 13 de março de 1979 +31,2 +35,2 +45,2 +4,0 +41,4 +63,5 +41,8 a Revalorização média do marco alemão frente a outras moedas do SME (ponderação geométrica); com exceção da Espanha. b Ponderações das moedas do SME derivadas da participação no comércio internacional entre 1984 e 1986, depois de levar em conta os efeitos de mercados externos ao SME, e expressas em termos do valor ponderado do marco alemão. – = não aplicável Fonte: Gros e Thygesen (1991, p. 68) apud Eichengreen (2000, p. 216). Eichengreen (2000, p. 224) apontou que: O otimismo de que os condutores do Sistema Monetário Europeu estavam imbuídos tinha sido alimentado pelo sucesso do sistema em superar uma série de choques. O colapso do comércio com a União Soviética afetou gravemente as economias europeias (como a da Finlândia) que dependiam de exportações para o Leste. Com o fim da Guerra Fria, era necessária uma infusão de ajuda às economias em transformação na Europa oriental; com isso, sobravam menos recursos para custear os fundos estruturais e outros programas de coesão da CE [comunidade europeia]. A unificação econômica e monetária alemã em 1990 gerou 121 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03/0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA déficits orçamentários, importações de capital e um surto de gastos que exerceram uma pressão ascendente sobre as taxas de juros em todo o continente. A queda do dólar em relação ao marco alemão e a outras moedas do ERM [mecanismo cambial] prejudicou ainda mais a competitividade internacional da Europa. O continente, então, entrou em uma de suas mais profundas recessões no período do pós‑guerra. E com a conclusão das negociações em Maastricht, o debate público sobre a união monetária se intensificou. No entanto, a despeito dessas turbulências, os países participantes do ERM foram capazes de resistir às pressões para que alterassem suas taxas de câmbio. Em Blanchard (2011, p. 389), o histórico da formação do Sistema Monetário Europeu (SME) é apresentado relacionando taxa de juros e outros indicadores históricos e econômicos. Reunificação alemã, taxa de juros e o SME Em um regime de taxa de câmbio fixa, como o SME – ignoremos aqui o grau de flexibilidade proporcionado pelas bandas –, nenhum país isoladamente pode alterar sua taxa de juros sem que os demais países também o façam. Assim, como as taxas de juros efetivamente se alteram? Há dois arranjos possíveis. Em um deles, todos os países‑membros coordenam as alterações de suas taxas de juros. No outro, um país assume a liderança e os outros o seguem – foi o que aconteceu no SME, com a Alemanha no papel de líder, na década de 1980, quando a maioria dos bancos centrais europeus compartilhava objetivos semelhantes e estava feliz em deixar que o Bundesbank (o Banco Central alemão) assumisse a liderança. Em 1990, porém, a reunificação alemã gerou uma forte divergência de objetivos entre o Bundesbank e os bancos centrais de outras nações do SME. Grandes déficits orçamentários, desencadeados pelas transferências para pessoas e empresas na Alemanha Oriental, junto com uma explosão de investimentos, levaram a um grande aumento da demanda na Alemanha. O receio do Bundesbank de que esse deslocamento gerasse um aumento grande demais da atividade levou‑o a adotar uma política monetária restritiva. O resultado foi um grande crescimento da Alemanha junto com um grande aumento das taxas de juros. Essa pode ter sido a combinação de políticas correta para a Alemanha. No entanto, para os outros países europeus[,] ela foi bem menos atraente. Eles não estavam experimentando o mesmo aumento da demanda, mas, para permanecer no SME, tiveram de acompanhar as taxas de juros alemãs. O resultado líquido foi uma forte diminuição da demanda e do produto nos outros países. Esses resultados estão na tabela [a seguir], que mostra as taxas nominais de juros, as taxas reais de juros, as taxas de inflação e o crescimento do PIB de 1990 a 1992 para a Alemanha e dois de seus parceiros no SME, a França e a Bélgica. 122 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II Tabela 4 – Taxas de juros e crescimento de produto: Alemanha, França e Bélgica (1990‑1992) Taxas nominais de juros (%) Inflação (%) 1990 1991 1992 1990 1991 1992 Alemanha 8,5 9,2 9,5 2,7 3,7 4,7 França 10,3 9,6 10,3 2,9 3,0 2,4 Bélgica 9,6 9,4 9,4 2,9 2,7 2,4 Taxas reais de juros (%) Crescimento do PIB (%) 1990 1991 1992 1990 1991 1992 Alemanha 5,7 5,5 4,8 5,7 4,5 2,1 França 7,4 6,6 7,9 2,7 0,7 1,4 Bélgica 6,7 6,7 7,0 3,3 2,1 0,8 Nota: A taxa nominal de juros é a taxa nominal de juros de curto prazo. A taxa real de juros é a taxa real de juros efetiva ao longo do ano – ou seja, a taxa nominal de juros menos a inflação atual ao longo do ano, ou seja, a taxa nominal de juros menos a taxa efetiva de inflação para o ano. Todas as taxas são anualizadas. Fonte: Blanchard (2011, p. 389). Observe primeiro como a França e a Bélgica acompanharam as altas taxas nominais de juros alemãs. Na realidade, as taxas nominais de juros foram efetivamente maiores na França do que na Alemanha em todos os três anos! Isso ocorreu porque a França precisava de taxas de juros maiores do que a Alemanha para manter a paridade marco alemão/franco. O motivo residia no fato de os mercados financeiros não terem certeza de que a França realmente manteria a paridade do franco em relação ao marco alemão. Preocupados com uma possível desvalorização do franco, os investidores pediram uma taxa de juros maior para os títulos franceses do que para os títulos alemães. Embora a França e a Bélgica tivessem de acompanhar – ou, como acabamos de ver, mais do que acompanhar – as taxas nominais alemãs, ambos os países tiveram menos inflação do que a Alemanha. O resultado foram taxas reais de juros muito altas, muito maiores do que na Alemanha. Tanto na França quanto na Bélgica, as taxas médias reais de juros de 1990 a 1992 estiveram próximas de 7%. Em ambos os países o período de 1990‑1992 caracterizou‑se por um crescimento lento e um desemprego crescente. Na França, o desemprego subiu de 8,9%, em 1990, para 10,4%, em 1992. Os números correspondentes para a Bélgica foram 12,1% e 8,7%. História semelhante se desdobrava nos outros países do SME. O desemprego médio na União Europeia, que fora de 8,7% em 1990, subiu para 10,3% em 1992. Os efeitos das altas taxas reais de juros sobre os gastos não consistiram na única fonte dessa desaceleração, mas foi a principal motivação para isso. Em 1992, um número crescente de países questionava se deveria continuar defendendo sua paridade no SME ou se deveria desistir e baixar suas taxas de juros. Preocupados com 123 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA o risco de desvalorizações, os mercados financeiros começaram a pressionar por taxas de juros maiores naqueles países onde as desvalorizações eram consideradas mais prováveis. O resultado foram duas crises cambiais importantes, uma no fim de 1992 e outra em meados de 1993. Ao final [fim] dessas duas crises, dois países – Itália e Reino Unido – deixaram o SME. Fonte: Blanchard (2011, p. 389). Em 1992, após uma grande crise, diversos países abandonaram o SME e os ajustes cambiais se tornaram cada vez menos frequentes, o que permitiu, inclusive, intensificar o debate para a unificação monetária. A unificação monetária em torno do euro teve início em 1º de janeiro de 1999 e terminou em 2002. Lembrete Entre economistas, é comum usar o jargão valorização e desvalorização de câmbio, quando a taxa de câmbio diminui ou aumenta, respectivamente. Esses termos são normalmente aplicados para regimes de câmbio fixo. Já os termos apreciação e depreciação são usados para regimes de câmbio flutuante ou flexível. No próximo capítulo, serão abordados os conceitos relacionados a regimes cambiais. Por ora, após alguns exemplos de taxas de câmbio fixo, é importante verificar a relação que a taxa de câmbio estabelece sobre as demais políticas econômicas. 7.1.1 Taxas de câmbio fixa e controle monetário O que ocorre quando um país atrela sua taxa a um determinado valor fixo E? Como o governo faz isso? Há efeito sobre as demais políticas econômicas? Avaliando a condição da paridade de juros, a taxa de câmbio e a taxa nominal de juros devem responder à seguinte equação, independentemente se estão ou não atreladas: 1 1 1 +( ) = +( ) +i i E E t t t t e * Suponha agora que o governo fixe a taxa de câmbio em E, de maneira que a taxa de câmbio atual seja Et = E . Quando o Banco Central atrela a taxa de câmbio a um valor fixo, os agentes do mercado financeiro e do mercado de câmbio acreditam que ele cumprirá essa promessa, portanto, suas expectativas da taxa de câmbio futura, Et e +1 , também será igual à E e a relação da paridade de juros será: 1 1+( ) = +( ) ⇒ =i i i it t t t* * 124 Revi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II Isso significa que os investidores esperam que a taxa de câmbio E permaneça inalterada, logo, as taxas de juros em ambos os países deverão ser iguais. Assim, tem‑se que, em uma economia com perfeita mobilidade de capitais e sob regime de câmbio fixo, a taxa de juros interna deverá ser igual à taxa de juros externa. Dada essa condição de igualdade entre as taxas de juros interna e externa, pode‑se reescrever a condição de equilíbrio do mercado monetário: M P L i= ( )γ * Dessa maneira, a oferta de moeda e a demanda por moeda são iguais a partir dessa igualdade de taxas de juros. Caso ocorra um aumento do produto doméstico, haverá elevação da demanda por moeda. Em uma economia fechada, o Banco Central poderia manter inalterado o estoque de moedas, gerando uma expansão da taxa de juros de equilíbrio. Já numa economia aberta, com regime de câmbio flexível, o Banco Central pode tentar a mesma política de oferta monetária, porém, o resultado disso será o aumento da taxa de juros e uma apreciação cambial, dado o afluxo de capitais devido ao diferencial de taxa de juros. Se o regime de câmbio for fixo, o Banco Central deve alterar o estoque monetário para cumprir com o preço da moeda estrangeira. Pois, se mantiver inalterado o estoque de moedas, há uma elevação da taxa de juros interna em relação à externa, gerando uma pressão pela apreciação cambial. Para garantir a taxa de câmbio fixa, o Banco Central deve aumentar a oferta monetária de acordo com o aumento da demanda por moeda, assim, não há uma alteração da taxa de juros de equilíbrio. E, dado o nível de preços, P, a moeda nominal, M, deve se harmonizar de maneira a garantir o equilíbrio. Um exemplo bastante interessante é tratado em Blanchard (2011, p. 387): Contração monetária e expansão fiscal: os Estados Unidos no início da década de 1980 O início da década de 1980 nos Estado Unidos foi dominado por mudanças bruscas tanto na política monetária quanto na política fiscal. Já discutimos as origens da mudança na política monetária [...]. No final [fim] da década de 1970, o então presidente do Fed [Banco Central dos Estados Unidos], Paul Volcker, concluiu que a inflação dos Estados Unidos estava alta demais e tinha de ser reduzida. A partir de fins de 1979, Volcker embarcou em uma trajetória de rigorosa contração monetária, ciente de que isso poderia levar a uma recessão no curto prazo aliada a uma inflação menor no médio prazo. A mudança na política fiscal foi desencadeada pela eleição de Ronald Reagan[,] em 1980. Reagan foi eleito com a promessa de adotar políticas econômicas mais conservadoras – a saber, uma redução de impostos e do papel do governo na atividade econômica. Esse compromisso inspirou a Lei de Recuperação Econômica (Economic Recovery Act), de agosto de 1981. O imposto 125 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA de renda da pessoa física sofreu um corte total de 23%, dividido em três momentos de 1981 a 1983. Os impostos da pessoa jurídica também foram reduzidos. Entretanto, tais reduções não foram acompanhadas de limitções correspondentes nos gastos do governo, e o resultado foi um aumento contínuo dos déficits orçamentários, que atingiram um pico em 1983, de 5,6% do PIB. A tabela a seguir mostra os números dos gastos e das receitas para 1980‑1984. Tabela 5 – Surgimento de grandes déficits orçamentários nos Estados Unidos (1980‑1984) 1980 1981 1982 1983 1984 Gastos 22,0 22,8 24,0 25,0 23,7 Receitas 20,2 20,8 20,5 19,4 19,2 Impostos de pessoa física 9,4 9,6 9,9 8,8 8,2 Impostos de pessoa jurídica 2,6 2,3 1,6 1,6 2,0 Superávit orçamentário (‑: déficit) ‑1,8 ‑2,0 ‑3,5 ‑5,6 ‑4,5 Nota: os dados referem‑se a anos fiscais, que se iniciam em outubro do ano civil anterior. Todos os números estão expressos como porcentagem do PIB. Fonte: Blanchard (2011, p. 387). Quais eram as motivações da administração Reagan para o corte de impostos sem a implementação de reduções equivalentes nos gastos? Isso é motivo de discussão até hoje, mas há um consenso sobre duas razões principais. Uma motivação é baseada nas convicções de um grupo periférico, porém influente, chamado de economistas do lado da oferta (supply siders), que argumentava que um corte nas alíquotas dos impostos faria as pessoas e as empresas trabalharem muito mais e de maneira mais produtiva, e que o aumento resultante da atividade levaria efetivamente a um aumento – e não a uma redução – das receitas tributárias. Quaisquer que fossem os aparentes méritos do argumento à época, ele mostrou‑se errado. Mesmo que algumas pessoas tenham, de fato, trabalhado mais e de maneira mais produtiva após o corte de impostos, as receitas tributárias diminuíram e o déficit fiscal elevou‑se. A outra justificativa foi mais cínica: a esperança de que o corte de impostos e o aumento resultante dos déficits assustariam o Congresso, levando‑o a cortar os gastos ou, no mínimo, a não aumentar os gastos ainda mais. Essa motivação mostrou‑se em parte correta; o Congresso encontrou‑se sob enorme pressão para não elevar os gastos, e o crescimento dos gastos na década de 1980 foi, certamente, menor do que teria sido de outra maneira. Apesar disso, o ajuste de gastos não se mostrou suficiente para compensar a queda nos impostos e impedir o rápido acréscimo dos déficits. Seja qual for o motivo dos déficits, os efeitos da contração monetária e da expansão fiscal estavam alinhados com as previsões do modelo de Mundell‑Fleming. A tabela [a seguir] mostra a evolução das principais variáveis macroeconômicas de 1980 a 1984. 126 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II Tabela 6 – Principais variáveis macroeconômicas dos Estados Unidos (1980‑1984) 1980 1981 1982 1983 1984 Crescimento do PIB (%) ‑0,5 1,8 ‑2,2 3,9 6,2 Taxa de desemprego (%) 7,1 7,6 9,7 9,6 7,5 Inflação (IPC) (%) 12,5 8,9 3,8 3,8 3,9 Taxa nominal de juros (%) 11,5 14,0 10,6 8,6 9,6 Taxa real de juros (%) 2,5 4,9 6,0 5,1 5,9 Taxa real de câmbio 85,0 101,0 111,0 117,0 129,0 Superávit comercial (‑: déficit) (% do PIB) 0,5 0,4 0,6 1,5 2,7 Nota: Inflação: taxa de variação do IPC. A taxa nominal de juros é a taxa de juros das letras do tesouro dos Estados Unidos de três meses. A taxa real de juros é igual à taxa nominal menos a previsão de inflação da DRI, uma empresa privada de previsões. A taxa real de câmbio é a taxa real de câmbio ponderada pelo comércio dos Estados Unidos, normalizado de modo que 1973 = 100. Fonte: Blanchard (2011, p. 388). De 1980 a 1982, a evolução da economia foi dominada pelos efeitos da contração monetária. As taxas de juros, tanto nominais quanto reais, aumentaram abruptamente, levando tanto a uma grande apreciação do dólar quanto a uma recessão. O objetivo de diminuir a inflação foi atingido; a inflação caiu de 12,5%, em 1980, para menos de 4% em 1982. O produto menor e a apreciação do dólar tiveram efeitos opostos sobre a balança comercial (o produto menor levou a importações menores e a uma melhora da balança comercial; a apreciação do dólar causou uma deterioração da balança comercial), resultando em uma pequena mudança no déficit comercial antes de 1982. De 1982 em diante, a evolução da economia foi dominada pelos efeitos da expansão fiscal. Como nosso modelo prevê, esses efeitos foram uma forte expansão do produto, altas taxas de juros e uma apreciação adicional do dólar. Os efeitos do alto crescimento do produto e da apreciação do dólar foram um aumento do déficit comercial para 2,7% do PIB em 1984. Em meados da década de 1980, os déficits gêmeos – o déficit orçamentárioe o déficit comercial – tornaram‑se a principal questão da política macroeconômica. Os déficits gêmeos permaneceram como uma das questões centrais da macroeconomia durante a década de 1980 e o início da década de 1990. Fonte: Blanchard (2011, p. 388). 7.2 Taxas de câmbio fixas e política fiscal Anteriormente, demonstramos que a política monetária fica condicionada à política cambial, perdendo, portanto, autonomia enquanto mecanismo independente para garantir efeitos de crescimento econômico. 127 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA O gráfico a seguir mostra o movimento da curva IS e os efeitos de uma política fiscal expansionista (∆G > 0): Ta xa d e ju ro s, i Produto, Y Expansão fiscal LM LM’ ∆G>0 YA YB YC A B C IS IS’ i Figura 45 – Efeitos de uma expansão fiscal sob taxas de câmbio fixas De maneira a garantir a taxa de câmbio fixada, após uma ampliação de gastos públicos, por exemplo, o Banco Central deve expandir a base monetária, deslocando a curva LM para baixo e para a direita. Assim, é mantida a taxa de juros e a taxa de câmbio, uma vez que há mobilidade de capitais. O equilíbrio se move do ponto A ao ponto C, com um produto maior que o inicial (YC > YA) e taxas de juros e câmbio inalteradas. Sob taxas de câmbio fixas, a política fiscal tem mais poder do que sob taxas de câmbio flexíveis. Isso porque a política fiscal desencadeia uma acomodação monetária. [...] por que um país escolheria fixar sua taxa de câmbio? Você viu diversos motivos para que isso pareça ser uma má ideia: • Ao fixar a taxa de câmbio, um país abre mão de um poderoso instrumento para corrigir desequilíbrios comerciais ou mudar o nível de atividade econômica. • Ao se comprometer com uma taxa de câmbio em particular, um país também abre mão do controle de sua taxa de juros. Não apenas isso, mas o país deve acompanhar os movimentos da taxa de juros externa, com o risco de efeitos indesejáveis sobre sua própria atividade. Foi o que aconteceu na Europa no início da década de 1990. Em função do aumento da demanda decorrente da reunificação das Alemanhas (ocidental e oriental), a Alemanha sentiu a necessidade de aumentar sua taxa de juros. Para manter 128 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II sua paridade com o marco alemão, outros países do Sistema Monetário Europeu também foram forçados a aumentar suas taxas de juros, algo que preferiam ter evitado. • Embora o país mantenha o controle da política fiscal, apenas um instrumento de política econômica não é suficiente. Como você viu [...], por exemplo, uma expansão fiscal pode ajudar a economia a sair de uma recessão, mas somente à custa de um déficit comercial maior. E um país que queira, por exemplo, diminuir seu déficit orçamentário não pode, sob taxas de câmbio fixas, usar a política monetária para compensar o efeito contracionista de sua política fiscal sobre o produto (BLANCHARD, 2011, p. 390). Resgatamos, neste título, diversos conceitos já trabalhados neste material. Um conceito‑chave novo foi relacionar as políticas econômicas a políticas cambiais. Você deve perceber e se atentar para os diferentes efeitos quando se adota um regime de câmbio fixou ou flexível. A seguir, a ênfase será para a análise da taxa de câmbio. 8 TAXAS DE CÂMBIO: REGIMES, AJUSTAMENTOS E CRISES Anteriormente, a taxa de câmbio foi tratada como um instrumento de políticas econômicas disponíveis para um governo no curto prazo. Porém, é possível verificar que há ajustes no médio prazo no mercado de câmbio. A depender do regime cambial, o que será tratado agora é a chance de articular livre mobilidade de capitais com autonomia da política monetária e estabilidade de câmbio. Essa trindade seria possível? Casos como o do Sistema Monetário Europeu e âncora cambial dos países latino‑americanos serão brevemente explorados para tentar analisar essas políticas e seus efeitos. 8.1 Regimes cambiais: custos e benefícios Uma das questões que aparecem na macroeconomia é: Como associar as políticas econômicas em uma economia aberta? Basicamente, são três os objetivos que os países buscam: independência da política monetária, estabilidade da taxa de câmbio e livre mobilidade de capitais. Porém, como salienta Krugman e Obstfeld (2010), apenas duas dessas metas podem ser atingidas concomitantemente. A figura a seguir mostra o esquema desses objetivos a partir dos vértices de um triângulo. 129 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA Estabilidade da taxa de câmbio Liberdade de mobilidade de capitais Autonomia de política monetária Taxa flutuante de câmbio Co nt ro les d e c ap ita l Conselho m onetário Figura 46 – O trilema da política econômica das economias abertas Observação Os vértices do triângulo mostram os três objetivos que os formuladores de política econômica gostariam de atingir. Infelizmente, no máximo dois podem coexistir: um dos três lados do triângulo deve ficar de fora. Cada lado corresponde a um dos três regimes de política econômica possíveis (taxas flutuantes de câmbio, conselho monetário, controles de capital) e é consistente com os dois objetivos adjacentes. Para países em desenvolvimento, em relação a um país desenvolvido, o objetivo da estabilidade cambial é o mais importante, pois isso assegura que as expectativas de inflação estão sob controle. Isso ocorre uma vez que os países em desenvolvimento apresentam menor controle sobre seus termos de troca. Uma das características desses países é exportar commodities ou mesmo produtos com menor valor agregado e importar produtos de maior valor agregado. Lembrando que o termo de troca é o quociente entre o preço médio das exportações e o preço médio das importações. O modelo Mundell‑Fleming revelou esse trade‑off entre essas políticas. Para um país pequeno, esse triângulo destaca uma trindade impossível. Após, principalmente, os anos 1980, houve uma maior integração financeira de escala internacional e uma maior liberalização sobre os fluxos de capitais. Diante desse contexto, as políticas cambiais em países pequenos estão situadas nas extremidades, ou seja, regimes cambiais ultrarrígidos ou flexíveis. O modelo Mundell‑Fleming, quando criado e discutido no debate econômico dos anos 1950 e 1960, polemizava em torno da eficácia das políticas anticíclicas e dos ajustamentos macroeconômicos para garantir crescimento econômico. A ideia era testar e analisar como a mobilidade de capitais poderia atenuar as transmissões de choques, evitando que uma crise econômica em um país contagiasse outro país. Para isso, foram testadas as diversas políticas econômicas (fiscal e monetária) sob os regimes 130 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II de câmbio fixo e flutuante e sob diferentes graus de mobilidade de capital. Por um lado, as políticas monetárias sob regime de câmbio fixo são inócuas; já a manutenção de um regime de câmbio flutuante gerava uma oscilação cambial e de preços que instabilizava as economias. Diante disso, a questão era como solucionar esses desequilíbrios externos e internos. Três foram as principais direções de crítica e esforço de superação do modelo Mundell‑Fleming: 1. A análise estaria insuficiente por não levar em conta a dinâmica de ajustamento via preços, particularmente no mercado de trabalho e em sua relação com os mercados de bens e serviços. O tratamento do equilíbrio pleno – com equilíbrio externo – envolveriatempo e, portanto, teria de contemplar também os mecanismos de ajuste de salários e preços. 2. O modelo estaria deixando de fora interdependências temporais de grande importância entre os períodos de ajuste, interdependências que condicionam os resultados do modelo. O caso mais evidente é o das implicações dinâmicas da composição dos gastos. Não é indiferente para a economia, no longo prazo, a escolha entre níveis de juros para um dado nível de renda no curto prazo, em decorrência dos efeitos sobre a capacidade produtiva de mais ou menos investimentos. 3. As curvas IS‑LM‑BP supõem uma elasticidade zero de respostas das expectativas em relação à [a] mudanças nas políticas e nas variáveis básicas, como taxas de juros e de câmbio. As expectativas são perfeitamente extrapolativas ou passivas, ou seja, projetam sempre o estado da arte para o futuro, independentemente de mudanças ocorridas ou que se possa esperar a partir da dinâmica patrimonial. Caso contrário, as curvas seriam instáveis e a implementação de políticas teria de se defrontar com deslocamentos das curvas em resposta a essas políticas (BAUMANN; CANUTO; GONÇALVES, 2004, p. 300). No que tange as taxas de câmbio, é importante frisar que o mercado de câmbio nada mais é que um mercado em que se trocam divisas do mundo todo. Neste mercado, oficialmente, há corretoras, bancos, incluindo aí os bancos centrais e outras instituições monetárias e financeiras. É essencial relacionar balanço de pagamentos e transações no mercado de câmbio, pois mostram‑se os dispêndios de residentes de um país no exterior e a necessidade de moeda estrangeira. Assim como os gastos de não residentes no país, também nos mostra a exigência de moeda doméstica no mercado de câmbio. A questão é: A depender do regime cambial, esses dispêndios se alteram? 131 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA A resposta é prontamente “sim”. Outra dúvida: Qual a diferença entre os regimes cambiais? A depender dos mecanismos de intervenção dos bancos centrais no mercado de câmbio, ou seja, como ocorre a oferta monetária doméstica, o regime cambial se altera. Por exemplo: quando um banco central de um país compra ativos estrangeiros, há um aumento do estoque de moeda nacional devido à compra de divisas. Para evitar que haja um crescimento da oferta do estoque monetário e problemas inflacionários, o governo pode fazer uma intervenção cambial esterilizada. Operações cambiais esterilizadas são compras ou vendas de divisas estrangeiras pelo Banco Central sem que ocorra mudança no estoque de moeda, nem na taxa de juros. De maneira simplificada, envolve duas operações do Banco Central. Primeiro, o Banco Central compra os dólares do mercado e paga em reais, compondo mais reservas internacionais, e o efeito é a elevação da base monetária. Simultaneamente, realiza operações de mercado aberto e compra as moedas nacionais adicionais no mercado, enxugando a liquidez adicional gerada pela operação de compra de câmbio. E, então, o Banco Central vende títulos públicos nacionais, a fim de neutralizar o impacto monetário, voltando ao valor inicial a base monetária e a taxa de juros. No caso brasileiro, essa política de esterilização foi amplamente utilizada nos anos 1980, quando houve superávits comerciais. Lembrete Os regimes cambiais são as regras que determinarão como os bancos centrais atuam para definir a taxa de câmbio. Há, basicamente, duas combinações cambiais: regime cambial fixo e regime cambial flexível ou flutuante. No regime de câmbio fixo, o Banco Central define o preço de uma moeda estrangeira em moeda nacional. E, para dar mais credibilidade a essa política, garante, inclusive, a conversão, ou seja, há um compromisso em manter a taxa fixada. Concretamente, a depender do preço da divisa ou da taxa de câmbio, o Banco Central, conforme expande ou contrai a base monetária da moeda doméstica, precisa ter o montante equivalente de moeda estrangeira, compondo assim as reservas internacionais. Em geral, quando um país adota um regime de câmbio fixo, o que se busca é ancorar a moeda a uma mais forte e estável, transmitindo segurança aos investidores estrangeiros e controlando a inflação interna. De acordo com Carmo e Mariano (2010), há três formas distintas de ancoragem cambial: • Ancoragem unilateral: a responsabilidade pela manutenção da paridade é do país ancorado. Por exemplo, foi o que ocorreu no período em que a maioria dos países adotou o padrão‑ouro, quando o ouro era tido como principal ativo financeiro da economia mundial. 132 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II Os EUA definiam apenas o preço do dólar em relação ao ouro; esse sistema restringia a política monetária tanto para os países que aderiram ao padrão‑ouro quanto para os próprios EUA. Esse sistema prevaleceu para muitos países desde a Conferência de Bretton Woods, no final [fim] da Segunda Guerra Mundial, até o final [fim] da década de 1960, quando a liquidez de divisas no mercado europeu coloca em xeque a paridade dólar‑ouro e dólar‑demais moedas. [...] Muitos países também adotaram o dólar como ativo monetário capaz de ancorar o câmbio. Uma forma radical de ancoragem unilateral é conhecida como currency board, em que o país, além de definir uma taxa de câmbio fixa, vincula o volume da moeda local à quantidade de moeda estrangeira de referência existente nesse país. Nesse caso, o país que adota esse tipo de política monetária, perde totalmente a capacidade de executar qualquer tipo de política monetária porque o controle da liquidez da economia passa a depender exclusivamente da entrada e saída de divisas (CARMO; MARIANO, 2010, p. 92). • Ancoragem com arranjo cambial cooperativo: todos os países envolvidos são responsáveis pela manutenção das paridades cambiais entre as respectivas moedas. O exemplo mais recente é a União Europeia em torno do euro. Neste caso, todos os países devem garantir políticas econômicas estáveis. Os países‑membros da União Europeia, por exemplo, acordaram um teto para o déficit fiscal de 3% do PIB, para a dívida pública de 60% do PIB e um limite de meta de inflação de 2%. • Ancoragem por bandas cambiais: o banco central do país impõe valores limítrofes com mínimo e máximo para que a taxa de câmbio possa flutuar. Essa política foi adotada no Brasil durante a implementação do Plano Real, entre meados de 1994 a fim de 1998. Esse tipo de ancoragem permite mais flexibilidade da política monetária que a ancoragem unilateral. Saiba mais Para uma discussão mais aprofundada sobre coordenação de políticas em torno da zona do euro, leia o artigo: GONTIJO, C. Maastricht e o gerenciamento da união monetária europeia. Belo Horizonte: UFMG/CEDEPLAR, 2013. (Texto para discussão, 484). Disponível em: <http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td/TD%20 484.pdf>. Acesso em: 29 jul. 2016. No regime de câmbio flutuante ou flexível, o Banco Central permite a flutuação livre do mercado. Portanto, quem define a taxa de câmbio são as entradas e saídas de divisas no país. Lembrando que há entrada de divisas por diversas maneiras: exportação de bens e serviços, vinda de turistas estrangeiros, 133 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA aplicação de investimento direto estrangeiro, injeção de capital de investidores estrangeiros no país, repatriação de renda de residentes como aqueles que trabalham no exterior ou quando uma empresa repatria o lucro de operações no exterior. Já a saída pode ocorrer quando se importa um bem ou serviço, quando brasileiros vão viajar no estrangeiro, quando empresas brasileirasrealizam investimentos no exterior. Nesse regime há duas particularidades: regime de flutuação limpa ou independente, que é quando o Banco Central não intervém no mercado de câmbio, portanto a taxa de câmbio é determinada puramente pela entrada e saída de divisas. Já na flutuação suja ou administrada, o Banco Central atua no mercado de câmbio direcionando a taxa de câmbio para um patamar desejado. Nesse caso, o Banco Central, via operações de tesouraria, atua no chamado “open market” ou mercado aberto, comprando e vendendo títulos. A seguir, a figura mostra as políticas de câmbio em 1984 e 1994 no mundo. Veja que, entre esses dois anos, houve uma grande mudança, com redução dos regimes de câmbio fixo para regimes de câmbio flutuante administrado ou independente. Isso, em parte, é compreensível com o fim do Sistema Monetário Europeu (SME). 1984: total de 148 países 1994: total de 178 países Taxas fixas; 62,50% Outras; 15,90% Flutuação independente; 8,10% Flutuação administrada; 13,50% Taxas fixas; 38,90% Outras; 10,50% Flutuação independente; 32,60% Flutuação administrada; 18% Figura 47 – Políticas de câmbio, 1984 e 1994 (porcentagem do total mundial) 134 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II 8.2 Ajustamentos da taxa de câmbio real Anteriormente, os efeitos das políticas econômicas foram analisados centrados no curto prazo. Agora o objetivo é analisar o médio prazo. Antes disso, é oportuno lembrar que, de acordo com Blanchard (2011, p. 397): Sob taxas de câmbio flexíveis, um país que precisava obter uma depreciação real – por exemplo, para reduzir seu déficit comercial ou sair de uma recessão – poderia fazer isso ao contar com uma política monetária expansionista e ao obter tanto uma taxa de juros menor quanto uma queda da taxa de câmbio – uma depreciação. Sob taxas de câmbio fixas, um país perdia ambos os instrumentos. Por definição, sua taxa nominal de câmbio era fixa e, assim, não podia ser ajustada. Além disso, a taxa de câmbio fixa e a condição da paridade de juros implicavam que o país não podia ajustar sua taxa de juros; a taxa de juros interna tinha de permanecer igual à taxa de juros externa. A dúvida é: Por que alguns países adotam regime de câmbio fixo, quando o regime flexível parece ser mais atrativo em termos de capacidade de ajuste de uma economia a partir das políticas econômicas? O autor destaca que, no médio prazo, essa diferença de efeitos entre os regimes desaparece. E, no médio prazo, a economia atinge a mesma taxa de câmbio real e o mesmo nível de produto, independentemente de o regime cambial ser fixo ou flexível. O desenvolvimento desse raciocínio parece ser simples. Partindo da definição de taxa real de câmbio: ∈= EP P * Onde: E: taxa nominal de câmbio (quociente entre o preço da moeda nacional e o preço da moeda estrangeira); P: nível de preço doméstico e P*: nível de preços estrangeiro. Diante disso, há duas formas de ajustar a taxa real de câmbio: • Por meio de uma mudança na taxa nominal de câmbio, E, isso só pode ser feito sob taxas de câmbio flexíveis: se supusermos que o nível de preços doméstico, P, e o nível de preços estrangeiro, P*, não se 135 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA alterem no curto prazo, essa é a única maneira de ajustar a taxa real de câmbio no curto prazo. • Por meio de uma mudança no nível de preços doméstico, P, em relação ao nível de preços estrangeiro, P*: no médio prazo, essa opção é aberta mesmo para um país que opera sob uma taxa (nominal) de câmbio fixa. E é de fato o que acontece sob taxas de câmbio fixas. O ajuste ocorre por meio do nível de preços[,] e não por meio da taxa nominal de câmbio (BLANCHARD, 2011, p. 397). Veja como se comporta a demanda agregada e a oferta agregada em uma economia aberta sob um regime de câmbio fixo. A demanda agregada nessas condições é dada por: Y Y EP P G T= * , , ( +, +, ‑) O produto, Y, depende da taxa real de câmbio, expresso por EP P * , considerando ainda que a taxa nominal de câmbio é fixa – E, dos gastos governamentais (G) e dos impostos (T). Caso haja uma apreciação real cambial, haverá uma diminuição no produto, indicado na equação pelo sinal positivo, que representa uma relação direta entre a taxa de câmbio nominal e o efeito sobre o produto. Já a expansão dos gastos governamentais gera um efeito positivo sobre o produto da economia e um aumento dos impostos causa uma queda do produto. Numa economia fechada, a equação da demanda agregada depende do estoque real de moeda (M/P); já numa economia aberta, tem‑se a taxa real de câmbio EP P * . No primeiro caso, o Banco Central controla o estoque monetário de forma a alterar a taxa de juros e o produto da economia. Isso significa que o canal de transmissão sobre a demanda agregada é feito via estoque real monetário e taxa de juros. Já no segundo caso, o Banco Central não pode alterar a taxa de juros interna, pois esta precisa ser igual à taxa de juros externa, num contexto de livre mobilidade de capitais, portanto, a autoridade monetária máxima não pode utilizar a política monetária para ajustar a economia. Assim, o estoque monetário não aparece mais na equação de demanda agregada, mas sim a taxa de câmbio real. Quando a taxa real de câmbio se desvaloriza em relação à moeda estrangeira, há uma queda pela demanda de produtos domésticos, acarretando uma queda do produto; já uma queda da taxa real de câmbio ou uma valorização cambial promove uma elevação do produto. No caso de uma economia aberta, a transmissão sobre a demanda agregada, dado o regime de câmbio fixo – em que a taxa nominal de câmbio é fixada em E – e o nível de preços estrangeiro (P*), ocorre via taxa real de câmbio. Imagine que um aumento de preços domésticos leva a uma valorização real de câmbio. Isso, por sua vez, gera uma queda do produto da economia, uma vez que houve uma redução da demanda pelos bens domésticos. 136 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II É possível perceber esse movimento graficamente. No gráfico a seguir, as curvas de demanda agregada e oferta agregada estão negativamente e positivamente inclinadas, respectivamente. Partindo do equilíbrio no ponto A, um aumento do nível de preços doméstico diminui o produto, considerando que as demais variáveis E, P*, G e T permaneceram constantes. N ív el d e pr eç os , P Produto, Y OA Y YN A DA Figura 48 – Demanda agregada e oferta agregada em uma economia aberta sob taxas de câmbio fixas Resgatando a curva de oferta, é importante lembrar que ela capta os efeitos do produto sobre o nível de preços. Assim, tem‑se: P P F L ze= +( ) − 1 1µ γ , Onde: P: nível de preços. pe: nível de preços esperado. γ: nível do produto. µ: margem. z: variável abrangente. L: força de trabalho. Então, o nível de preços esperado é crucial, pois afeta os salários nominais e o nível de preços. Caso haja um aumento do produto, o emprego também se eleva e o desemprego diminui, pressionando os salários para cima, levando a um nível de preços maior, supondo uma situação de concorrência perfeita. 137 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA Na figura 48, YN é o nível natural do produto de uma economia e o produto de equilíbrio, Y, está abaixo do nívelnatural de produto. Nessa situação, a economia está desequilibrada no médio e longo prazo. Considerando os ajustes, há uma tendência para que a curva de oferta agregada se desloque para baixo e para a direita. Isso ocorre porque no equilíbrio de curto prazo, o nível de preços está maior do que o esperado. Assim, os salários são pressionados a cair, expandindo o produto. No gráfico a seguir é possível verificar esse movimento: N ív el d e pr eç os , P Produto, Y OA OA’ Y YN A B DA Figura 49 – Ajuste sob taxas de câmbio fixas O deslocamento da curva OA (de OA para OA’) diminui o nível de preços, deprecia a taxa de câmbio real e aumenta o produto. O equilíbrio de médio prazo é atingido quando o produto de equilíbrio se iguala ao nível do produto natural – no ponto B. Enquanto o produto está abaixo do nível natural de produto, o nível de preços diminui. A diminuição do nível de preços ao longo do tempo leva a uma depreciação real contínua. Essa depreciação real leva a um aumento do produto até que o produto volte a seu nível natural. No médio prazo, apesar de a taxa nominal de câmbio ser fixa, a economia ainda atinge a depreciação real necessária para que o produto volte a seu nível natural. Essa é uma qualificação importante para as conclusões a que chegamos [anteriormente,] em que nos concentramos somente no curto prazo: • No curto prazo, uma taxa nominal de câmbio fixo implica uma taxa rela de câmbio fixa. • No médio prazo, uma taxa nominal de câmbio fixa é consistente com um ajuste da taxa real de câmbio. O ajuste é obtido por meio de mudanças no nível de preços (BLANCHARD, 2011, p. 400). Talvez vocês estejam questionando: No médio prazo, a economia atinge o nível natural de produto? Essa é uma suposição do modelo, então, necessariamente, o equilíbrio de médio prazo é atingido quando o produto for igual ao do nível natural. O processo pode ser longo e com diversos obstáculos, como 138 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II desemprego alto por um período prolongado, o produto muito baixo antes do ajuste, entre outros. Diante desses dilemas, foram pesquisados meios mais rápidos e melhores para ajustar o nível do produto da economia. Uma das maneiras de fazer crescer o produto de uma economia é uma desvalorização do câmbio. Será que isso é possível num regime de câmbio fixo? Sim, porém, para garantir que as expectativas dos empresários não se alterem, o Banco Central deve reforçar que se trata de uma desvalorização nominal do câmbio pontual. Senão, os empresários podem imaginar que o regime de câmbio fixo foi abandonado e passem a mudar seu posicionamento quanto ao volume de investimento. Havendo uma desvalorização pontual da taxa de câmbio nominal (o E aumenta), mantida as demais variáveis constantes, há uma depreciação real do câmbio, impulsionando o crescimento econômico; seja porque há uma elevação da demanda pelos produtos domésticos, seja pela maior competitividade de preço que os produtos exportáveis obtiveram com a depreciação cambial no mercado internacional. Graficamente, esse movimento se dá com o deslocamento da curva de demanda agregada para a direita e para cima, conforme destacado a seguir: N ív el d e pr eç os , P Produto, Y OA ∆E > 0 Y YN A C B DA DA’ Figura 50 – Ajuste com uma desvalorização Uma desvalorização precisa pode levar diretamente a economia para o nível de equilíbrio no médio prazo, quando o nível de produto da economia atinge o nível natural de produto (YN). É importante salientar que, no ponto C, a taxa real de câmbio é exatamente igual à do ponto B, pois, mantidas as outras variáveis – G e T –, a desvalorização nominal do câmbio foi acompanhada por uma elevação dos preços de mesma magnitude, de forma a manter inalterada a taxa real de câmbio. Do modo como foi explorada, uma política de desvalorização cambial pontual parece ser a melhor política de ajuste do produto da economia. Porém, é preciso ponderar alguns elementos contrários a esses efeitos: após uma depreciação cambial, o volume das importações pode não cair de imediato, levando a um desequilíbrio da balança comercial e o efeito tende a ser contracionista e, segundo, que uma desvalorização cambial pode afetar diretamente o nível de preços. Com a desvalorização do câmbio, 139 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA por exemplo, os preços dos importados ficam maiores e podem influenciar a subida de alguns produtos internos, aumentando o preço de uma cesta de consumo. Com isso, alguns trabalhadores prejudicados podem reivindicar maiores salários para compensar a subida de preços e garantir o poder de compra. O efeito disso pode ser uma subida generalizada de preços, quando os empresários reajustarem os preços de seus produtos. De qualquer maneira, essas são apenas suposições que podem ocorrer. Isso não atinge o efeito principal, que é a eficácia de uma desvalorização cambial pontual, quando um país adota o regime de câmbio fixo, porém o nível do produto está abaixo do nível natural. Para exemplificar como uma valorização afeta negativamente a economia, Blanchard (2011, p. 402) expõe o caso da sobrevalorização cambial da Grã‑Bretanha após a I Guerra Mundial. O retorno da Grã‑Bretanha ao padrão‑ouro: Keynes versus Churchill Em 1925, a Grã‑Bretanha decidiu voltar ao padrão‑ouro. O padrão‑ouro era um sistema no qual cada país fixava o preço de sua moeda em termos de ouro e estava pronto a trocar ouro por moeda à paridade estabelecida. Esse sistema implicava taxas nominais de câmbio fixas entre os países. O padrão‑ouro existiu de 1870 até a Primeira Guerra Mundial. Em virtude da necessidade de financiar a guerra – sendo parte desse financiamento por meio de criação de moeda –, a Grã‑Bretanha suspendeu o padrão‑ouro em 1914. Em 1925, Winston Churchill, então Ministro da Fazenda da Grã‑Bretanha, decidiu voltar ao padrão‑ouro e à paridade anterior à guerra – isto é, ao valor da libra em termos de outro antes da guerra. No entanto, como os preços aumentaram mais rápido na Grã‑Bretanha do que em muitos de seus parceiros comerciais, a volta à paridade anterior à guerra implicava uma grande apreciação real. Considerando a mesma taxa nominal de câmbio anterior à guerra, os produtos britânicos estavam agora relativamente mais caros em relação aos bens estrangeiros [volte à definição de taxa real de câmbio, ∈= EP p* . O nível de preços da Grã‑Bretanha, P, havia aumentado mais do que o nível de preços estrangeiro, P*. A uma dada taxa nominal de câmbio, E, isso implicava que ∈ era maior e que a Grã‑Bretanha sofria uma apreciação real]. Keynes criticou duramente a decisão de retornar à paridade anterior à guerra. Em The economic consequences of Mr. Churchill, livro que publicou em 1925, Keynes argumentou o seguinte: se a Grã‑Bretanha fosse voltar ao padrão‑ouro, deveria fazê‑lo a um preço menor da moeda em termos de ouro, a uma taxa nominal de câmbio menor do que a taxa nominal de câmbio anterior à guerra. Em um artigo de jornal, ele exprimiu seu ponto de vista com clareza da seguinte maneira: Permanece, entretanto, a objeção, à qual nunca deixei de dar importância, contra a volta ao ouro nas condições efetivas atuais, em vista das possíveis consequências sobre o estado do comércio e 140 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II do emprego. Acredito que nosso nível de preços esteja alto demais se for convertido para o ouro à taxa de câmbio ao par em relação aos preços do ouro em outros lugares; e, se considerarmos somente os preçosdaqueles artigos que não causam comércio internacional e dos serviços, isto é, salários, descobriremos que eles materialmente são alto demais – não menos do que 5%, provavelmente 10%. Portanto, a menos que a situação se reverta por um aumento de preços em outros lugares, o ministro estará nos comprometendo com uma política de rebaixamento dos salários nominais em, talvez, 2 xelins por libra. Não creio que isso possa ser conseguido sem maiores riscos para os lucros industriais e para a tranquilidade da indústria. Eu preferiria deixar o valor em ouro de nossa moeda em que ele estava há alguns meses a me lançar em uma luta com cada sindicato do país para reduzir os salários nominais. Parece mais razoável, simples e sensato deixar que a moeda encontre seu próprio nível por algum tempo do que forçar uma situação na qual os empregadores sejam levados a decidir entre fechar as portas ou reduzir os salários, custe essa luta o que custar. Por esse motivo, mantenho minha opinião de que o Ministro da Fazenda cometeu um erro – porque corremos o risco de não recebermos a recompensa adequada se tudo der certo. A previsão de Keynes mostrou‑se correta. Enquanto outros países cresciam, a Grã‑Bretanha ficou em recessão pelo resto da década. A maioria dos historiadores econômicos atribui boa parte da culpa à sobrevalorização inicial. Fonte: Blanchard (2011, p. 402). Desde o século XIX, muitos países realizam políticas de desvalorização cambial para que seus produtos ganhem competitividade no comércio internacional. Inclusive aqueles que recomendam que os países façam uma política de câmbio fixo, geralmente, foram muito beneficiados pela política de câmbio flexível no passado. Muitos associam as crises cambiais a regimes de câmbio flexível. Quanto a isso, o próximo item será dedicado às crises cambiais. 8.3 Crises cambiais O foco agora é analisar as origens das crises cambiais, principalmente sob regimes de câmbio fixo. Suponha, então, que um país tenha uma política de câmbio fixa e que os investidores estejam presumindo que haverá uma mudança no nível da taxa de câmbio ou mesmo que haverá uma alteração de regime cambial para um regime flexível seguido de uma depreciação. Diante disso, pergunta‑se: Quais os motivos para isso? Blanchard (2011, p. 401) supõe que: 141 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA • A taxa real de câmbio pode estar alta demais. Ou, em outras palavras, a moeda nacional pode estar sobrevalorizada. Nesse caso, é necessária uma depreciação real. Embora isso possa ser obtido no médio prazo sem uma desvalorização, os investidores podem concluir que o governo optará pelo caminho mais rápido – e desvalorizar. Essa sobrevalorização acontece frequentemente em países que atrelam sua taxa nominal de câmbio a um país com inflação menor. Uma inflação relativa maior implica um preço de bens domésticos em relação a bens estrangeiros continuamente crescente, uma apreciação real contínua e uma deterioração contínua da posição comercial. Conforme o tempo passa, a necessidade de um ajuste da taxa real de câmbio aumenta, e os investidores ficam cada vez mais nervosos e começam a achar que uma desvalorização pode estar a caminho. • As condições internas podem exigir uma diminuição da taxa de juros interna. Como vimos, uma diminuição da taxa de juros interna não pode ser obtida sob taxas de câmbio fixas, mas pode ser obtida se o país estiver disposto a mudar para um regime de taxa de câmbio flexível. Se um país deixar sua taxa de câmbio flutuar e, então, diminuir sua taxa de juros interna, sabemos que isso desencadeará uma diminuição da taxa nominal de câmbio – uma depreciação nominal. Se os agentes do mercado financeiro estiverem apostando numa desvalorização cambial, isso pressionará para que o governo realize uma subida da taxa de juros interna. Esse raciocínio pode ser pensado a partir da condição da paridade de juros já apresentada anteriormente: E E i it e t t t+ = +( ) +( )1 1 1/ * Essa equação mostra a relação entre as taxas nominais de juros interna e externa de um ano, a taxa de câmbio à vista (ou atual) e a taxa de câmbio esperada. Suponha que os agentes dos mercados financeiros estejam aguardando uma taxa de câmbio 5% maior, então, eles apenas manterão os títulos domésticos em suas carteiras caso a taxa de juros interna seja 5% maior que a taxa de juros externa. De acordo com a condição de paridade de juros, quando a taxa de câmbio é fixa, então Et = E. Caso os agentes acreditem que essa paridade seja cumprida, então a taxa de câmbio esperada será dada por E Et+ =1 * . Dessa maneira, as taxas de juros interna e externa devem ser exatamente iguais, garantindo a condição de paridade de juros. Contudo, caso haja uma expectativa de desvalorização cambial por parte dos agentes financeiros, ou seja, um aumento da taxa de câmbio, é importante mensurar essa aposta desses agentes para antecipar 142 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II as medidas necessárias. Considere que eles estejam apostando que haja uma chance de 80% (0,80) da taxa de câmbio permanecer como está hoje, ou seja, E E Et e t+ = =1 , portanto não é preciso alterar a taxa de juros interna em relação à taxa de juros externa. Há 20% (ou 0,20) de probabilidade da taxa de câmbio se desvalorizar 30% (ou seja, um acréscimo de 30% da taxa de câmbio). Então, tem‑se 0,80 x 0% + 0,20 x 30% = 0,06. Isso pressiona o Banco Central a aumentar 6% a taxa de juros interna de maneira a garantir a condição de paridade de juros. Se assim o fizer, os investidores estarão interessados em manter os títulos domésticos em suas carteiras. Caso a inflação de juros seja inferior a 6%, os investidores certamente desistirão de manter os títulos domésticos em seus portfólios. Para evitar esse tipo de situação, o Banco Central, quando adota uma política de câmbio fixo, precisa se articular com o governo de forma a mostrar transparência que a meta será cumprida. Ambos podem fazer isso a partir de notas oficiais, mídia em geral. Exemplo de aplicação Numa economia com livre mobilidade de capitais, suponha que haja uma probabilidade de 70% de uma apreciação cambial de 10%. Quanto deveria ser a alteração da taxa de juros, assegurando a condição de paridade de juros? (0,30x0%) + (0,70 x ‑10%) = – 0,07 Veja que o sinal é negativo, pois se trata de uma apreciação cambial. Então, a taxa de juros deve ser 7% menor que a atual para atestar a condição de paridade de juros. Outra medida cautelar seria o Banco Central aumentar a taxa de juros interna, diante de uma expectativa de desvalorização cambial, porém abaixo do equilíbrio da condição de paridade de juros. No exemplo anterior, significaria um acréscimo abaixo de 6%. Embora as taxas de juros internas estejam altas, não são suficientemente elevadas para compensar plenamente o risco percebido de desvalorização. Essa medida normalmente leva a uma grande saída de capitais, visto que os investidores ainda preferem trocar títulos domésticos por estrangeiros. Isso implica vender os títulos domésticos, receber os recursos em moeda nacional, ir ao mercado de câmbio para vender moeda nacional por moeda estrangeira e, então, comprar títulos estrangeiros. Se o Banco Central não interviesse no mercado de câmbio, o grande volume de vendas de moeda nacional por moeda estrangeira poderia levar a uma depreciação. Se o Banco Central desejasse manter a taxa de câmbio, ele deveria, portanto, estar pronto para [a] compra moeda nacional e vender moeda estrangeira à taxa de câmbio atual. Ao fazer isso, ele frequentemente perde a maior parte de suas reservas internacionais (BLANCHARD, 2011, p. 403).143 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA Há ainda uma outra alternativa em que o Banco Central eleva a taxa de juros para satisfazer a condição de paridade de juros. Nesse sentido, ante uma expectativa de desvalorização cambial, o Banco Central aumenta a taxa de juros, cujo efeito é contracionista sobre a demanda e o produto. Este foi o caso da crise de 1992, que agravou a situação dos países‑membros do SME. A crise de 1992 do SME Um exemplo dos problemas que discutimos nesta seção é a crise cambial que abalou o Sistema Monetário Europeu (SME) no início da década de 1990. No início dessa década, o SME parecia funcionar bem. Introduzido em 1979, era um sistema de taxas de câmbio baseado em paridades fixas com bandas. Cada país‑membro (entre eles França, Alemanha, Itália e, a partir de 1990, o Reino Unido) tinha de manter sua taxa de câmbio em relação às de todos os outros países‑membros dentro de bandas estreitas. Os primeiros anos foram instáveis, com muitos realinhamentos – ajustes de paridades – entre países‑membros, mas de 1987 a 1992 houve apenas dois realinhamentos. Falava‑se cada vez mais em um maior estreitamento das bancas ou mesmo na mudança para o próximo estágio – a adoção de uma moeda comum. Em 1992, porém, os mercados financeiros estavam cada vez mais convencidos de que mais realinhamentos ocorreriam em breve. O motivo disso foi algo que já vimos – a saber, as implicações macroeconômicas da reunificação alemã. Em decorrência da pressão sobre a demanda gerada pela reunificação, o Bundesbank (o banco central alemão) mantinha altas taxas de juros para evitar um aumento demasiado do produto e um aumento da inflação na Alemanha. Embora os parceiros da Alemanha no SME precisassem baixar as taxas de juros para reduzir o problema crescente do desemprego, eles tinham de acompanhar as taxas de juros alemãs para manter suas paridades no SME. Para os mercados financeiros, a posição dos parceiros da Alemanha no SME parecia cada vez mais insustentável. Taxa de juros menores fora da Alemanha e, assim, desvalorizações de muitas moedas em relação ao marco alemão, pareciam cada vez mais prováveis. Ao longo de 1992, a probabilidade percebida de uma desvalorização forçou diversos parceiros comerciais a manter taxas nominais de juros maiores do que as alemãs. Mas a primeira grande crise só ocorreu em setembro desse ano. A convicção de que vários países em breve desvalorizariam levou, no início de setembro, a ataques especulativos contra diversas moedas, com investidores vendendo em antecipação a uma desvalorização em sentido contrário. Todas as linhas de defesa descritas anteriormente foram usadas pelas autoridades monetárias e pelos governos dos países atacados. Primeiro, foram emitidas notas oficiais, mas sem nenhum efeito perceptível. Então, as taxas de juros aumentaram, chegando a 500% para a taxa de juros do overnight (a taxa de empréstimos por 24 horas) na Suécia (expressa em uma taxa anualizada). Mas essas taxas não aumentaram o 144 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II suficiente para impedir a saída de capitais e grandes perdas de reservas internacionais pelos bancos centrais sob pressão. A seguir, vieram cursos de ação diferentes para cada país: a Espanha desvalorizou sua taxa de câmbio, a Itália e o Reino Unido suspenderam sua participação no SME e a França resolveu endurecer o jogo por meio de taxas de juros maiores até o fim da tempestade. [...] No final [fim] de setembro [de 1992], os mercados financeiros acreditavam que mais nenhuma desvalorização era iminente. Alguns países não participavam mais do SME, outros haviam desvalorizado, embora continuassem no SME, e aqueles que haviam mantido a paridade mostravam determinação de permanecer no SME, mesmo que isso significasse taxas de juros muito altas. No entanto, o problema subjacente – as elevadas taxas de juros alemãs – ainda estavam presentes, e era apenas uma questão de tempo até que a próxima crise começasse. Em novembro de 1992, a maior especulação forçou uma desvalorização da peseta espanhola, do escudo português e da coroa sueca. A peseta e o escudo desvalorizaram ainda mais em maio de 1993. Em julho de 1993, após outro grande ataque especulativo, os países do SME decidiram adotar grandes bandas de flutuação (mais ou menos 15%) em torno das paridades centrais, efetivamente passando para um sistema que permitia flutuações muito grandes da taxa de câmbio. Esse sistema de bandas mais largas foi mantido até a adoção de uma moeda comum, o euro, em janeiro de 1999. Resumindo, a crise de 1992 do SME originou‑se da percepção pelos mercados financeiros de que as altas taxas de juros impostas pela Alemanha a seus parceiros, segundo as regras do SME, implicavam um custo muito alto. A convicção de que alguns países poderiam desejar desvalorizar ou sair do SME levou os investidores a pedir taxas de juros maiores, aumentando o custo da manutenção da paridade para esses países. No final [fim], alguns países não puderam suportar o custo. Alguns desvalorizaram, outros deixaram o SME. Outros permaneceram no sistema, mas a um custo substancial em termos de produto. (Por exemplo, o crescimento médio na França de 1990 a 1996 foi de 1,2%, contra 2,3% da Alemanha no mesmo período). Adaptado de: Blanchard (2011, p. 404‑5). Considerando que uma país adote o regime de câmbio fixo, para evitar uma crise cambial, o governo pode atuar basicamente de duas maneiras: desvalorizar o câmbio ou manter a paridade, à custa de elevação da taxa de juros interna e um efeito contracionista. Lembrando que essa segunda alternativa nem sempre garante que haverá um esforço custoso para sair da crise. Para exemplificar um caso bastante próximo, a seguir, será apresentado a política de âncora cambial que o Brasil adotou no início dos anos 1990. Os anos 1980 e início dos 1990 foram marcados por inflações elevadas em países latino‑americanos. Após diversas medidas e planos de estabilização, a inflação não cedia, orientando os países a adotarem uma política cambial como âncora nominal. A característica da âncora é que as expectativas de taxas de câmbio de médio prazo ficam protegidas, exercendo um papel estabilizador e evitando a 145 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA volatilidade que marcou o movimento das taxas cambiais quando foram deixadas a flutuar livremente após os anos 1970. De acordo com Silva (2002, p. 1‑2), na política de âncora cambial, [...] o tamanho da base monetária passa a não mais depender das decisões isoladas dos bancos centrais desses países, mas da quantidade de reservas internacionais acumuladas e das leis e regras que relacionam o estoque de reservas com a criação de moeda. Com isso, a possibilidade de gerenciamento da política econômica em geral, e da política monetária em particular, por meio de atitudes discricionárias, fica bastante prejudicado e até inviabilizado. Estamos considerando, especialmente, economias que procuram estabilizar suas moedas a partir do atrelamento de moedas “fracas” a moedas “fortes” por meio das popularmente chamadas “âncoras cambiais” ou do que se convencionou chamar de “programas de estabilização ancorados no câmbio”. No caso brasileiro, o Plano Real foi criado para estabilizar a inflação em julho de 1994. O plano consistia em adotar uma banda cambial limitada, porém com uma margem de flutuação melhor que um regime de câmbio fixo. De fato, no caso brasileiro, a paridade máxima entre o real e o dólar foi anunciada, oficialmente, no momento da implantação do Plano Real, como equivalente a R$ 1 = US$1. O limite inferior não foi num primeiro momento oficialmente fixado. Entre julho e setembro de 1994 não houve qualquer intervenção no mercado de câmbio e a taxa de câmbio sofreu, de fato, uma apreciação, caindo para algo em torno de R$ 0,85/US$ 1. Tendo em vista que as consequências da apreciação da moeda afetaram a balança de transações correntes, em setembro o Banco Central realizou sua primeira intervenção no mercado de câmbio e anunciou, em outubro, informalmente, que estaria disposto a comprar dólares a uma taxa mínima de R$ 0,82/ US$ 1, e vender a uma taxa máxima de R$ 0,86/US$ 1. Estava assim caracterizado um sistema “informal” de bandas cambiais tendo apenas um limite superior oficialmente determinado, mas um limite inferior implicitamente assumido, haja visto [vista] o comportamento da autoridade monetária. A institucionalização do regime de bandas, com a determinação oficial de limites inferiores e superiores só ocorreu, de fato, a partir do final [fim] do primeiro trimestre de 1995 [como examinaremos na seção seguinte]. No período 1995‑1997 houve seguidos leilões de spread com o objetivo de desvalorizar gradualmente a moeda nacional, mantendo, contudo, a taxa de câmbio dentro dos limites de uma intrabanda (SILVA, 2002, p. 6). 146 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II Saiba mais Para mais detalhes sobre o funcionamento da banda cambial, acesse o Boletim do Banco Central do Brasil, relatório do ano 1997: BOLETIM DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. Brasília, v. 34, p. 1‑216, out. 1998. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pec/boletim/banual97/ rel97‑p.pdf>. Acesso em: 1º ago. 2016. Outra indicação de leitura complementar é o livro: FILGUEIRAS, L. A. M. História do Plano Real: fundamentos, impactos e contradições. São Paulo: Boitempo Editorial, 2006. Assim como os demais planos de estabilização, a versão brasileira também tinha como proposta a “dolarização” da economia. Porém, diferentemente da Argentina e do México, a conversibilidade entre as duas moedas não era permitida aqui. Apesar disso, houve a sobrevalorização cambial, inclusive, em diversos momentos, o real, moeda recém‑criada, valia mais que o dólar. Somado a isso, esse plano contava também com uma política de juros elevados, com um amplo processo de liberalização financeira iniciado a partir dos 1990, o que permitiu a entrada de capitais de curto prazo, principalmente. Nesse momento, o volume de reservas internacionais aumentou rapidamente, e isso equivalente a 18 meses de importação. Nesse modelo de âncora cambial, uma das sustentações da banda cambial é a atração de divisas (FILGUEIRAS, 2006). De imediato, somada a outras políticas econômicas, a inflação rapidamente cedeu, porém com um custo elevado de uma queda brutal do PIB. A seguir, é possível verificar o comportamento desses agregados macroeconômicos. 45% 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 19 93 – II I 19 93 – IV 19 94 – I 19 94 – II 19 94 – II I 19 94 – IV 19 95 – I 19 95 – II 19 95 – II I 19 95 – IV 5% 0% –5% –10% Crescimento do PIB Inflação Figura 51 – Brasil: trajetória do produto e queda da inflação (1993‑1995) 147 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA Essa contração econômica estava, em parte, associada às elevadas taxas de juros adotadas e os efeitos foram baixos níveis de investimento e encarecimento dos serviços das dívidas interna e externa. Durante a implementação do plano, o argumento usado para manter as taxas de juros altas era para garantir credibilidade, de maneira a evitar as crises no balanço de pagamentos durante o processo de estabilização e os ataques especulativos às moedas nacionais. Para propósito comparativo, a figura a seguir expressa o diferencial de taxa de juros no Brasil (taxa Selic) e as principais do mundo. Ag o/ 94 0 10 20 30 40 50 60 70 % a .a . N ov /9 4 Fe v/ 95 Fe v/ 97 Fe v/ 99 M ai /9 5 M ai /9 7 M ai /9 9 Ag o/ 95 Ag o/ 97 N ov /9 5 N ov /9 7 Fe v/ 96 Fe v/ 98 M ai /9 6 M ai /9 8 Ag o/ 96 Ag o/ 98 N ov /9 6 N ov /9 8 Over selic Prime rate Libor Figura 52 – Taxa de juros (ago./1994‑ago./1999) Esse diferencial, de acordo com os formuladores do plano, era essencial para atrair divisas. Esse afluxo de capitais aumentou a base monetária da economia brasileira. Para evitar uma remonetização ou uma avalanche de reais na economia, gerando inflação, essas divisas eram esterilizadas no mercado financeiro. Então, por um lado, a entrada de capitais era necessária para sustentar a política de banda cambial valorizada que permitiu que a inflação caísse; por outro, para atrair esses capitais, era crucial a manutenção da taxa de juros elevada, causando a um quadro recessivo com desemprego alto. Os juros altos também afetaram a expansão do déficit nominal do governo e a ampliação da dívida pública interna líquida que, em 1994, estava em 23,7% do PIB e, em 1998, chegou a 35,08% do PIB – um aumento de 11,4 pontos percentuais. É importante destacar também que a sobrevalorização afetou o saldo da balança comercial. Durante o período em que a taxa de câmbio permaneceu valorizada, entre meados de 1994 e fim de 1998, a balança comercial ficou deficitária. Somada ao déficit na conta de serviços, esse período foi marcado pelo déficit na conta‑corrente. E, para garantir o equilíbrio do balanço de pagamento, a entrada de capitais pela conta capital e financeira era mais que necessária. Para atrair investimentos, houve um amplo processo de privatizações, que garantiu a entrada de investimentos estrangeiro direto (IED) durante, principalmente, o primeiro governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso. 148 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II – 40000 – 30000 Transações correntes Balança de capitais – 20000 – 10000 0 10000 20000 30000 40000 I/94 1994 III/94 I/95 1995 III/95 I/96 1996 III/96 I/97 1997 III/97 I/98 1998 III/98 I/99 1999 Figura 53 – Brasil: financiamento do déficit em conta‑corrente, dados em US$ milhões (1994‑I/1999) É interessante notar que os planos de estabilização buscavam garantir condições macroeconômicas estáveis para assegurar a retomada do crescimento, porém o que é perceptível é que a vulnerabilidade externa foi crescente, seja pelo déficit em conta‑corrente, seja pelo aumento da taxa de juros e a atração de capitais de curto prazo, além de afetar a dívida externa. O déficit em conta‑corrente do primeiro semestre de 1995 correspondeu a 55% das exportações de mercadorias e 4,2% do PIB [...] o desequilíbrio externo produzido nessa primeira fase do Plano Real também se aproximava perigosamente dos anos que antecederam a crise da dívida externa dos anos 1980. Entre 1978 e 1982, o déficit em conta‑corrente do balanço de pagamento do Brasil correspondera a 62,4% das exportações e a 4,7% do PIB, em média (BATISTA JR., 1996, p. 151 apud FILGUEIRAS, 2006, p. 124). Em dezembro de 1994, o México foi afetado por uma grave crise cambial. Lembrando que esse país havia estabelecido o mesmo modelo de estabilização que o Brasil, porém cronologicamente antes. Em julho de 1994, as reservas internacionais do Brasil somavam US$ 43 bilhões, entre março e abril de 1995, e o volume das reservas caiu para US$ 31,9 bilhões, exibindo uma redução de 25,8% em nove meses (FILGUEIRAS, 2006).Em julho de 1997, foi a vez dos países do sudeste asiático apresentarem problemas. Tailândia, Malásia, Indonésia e Filipinas sofreram ataques especulativos contra o dólar. O FMI interviu oferecendo um pacote financeiro, devido à abrangência dessa crise. 149 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA O efeito dessa crise no Brasil foi uma verdadeira fuga de capitais. As reservas internacionais caíram, de agosto de 1997 a dezembro do mesmo ano, 17%, atingindo um montante de US$ 52,2 bilhões em dezembro de 1997. É preciso ressaltar que o que sustentava a âncora cambial sobrevalorizada era a atração de divisas e a manutenção de reservas internacionais. Após esse episódio, o Banco Central elevou a taxa de juros de forma a recuperar a atratividade de capitais. Assim, o afluxo de capitais retornou ao Brasil. Apesar disso, os mercados financeiros internacionais estavam muito voláteis. Em agosto de 1998, foi a vez da Rússia ser afetada por uma especulação cambial, levando a um pedido de moratória por parte do governo russo e a uma desvalorização do rublo. No Brasil, como resposta à crise internacional, e principalmente à russa, o governo realizou mais uma subida de juros, chegando a 49% ao ano no fim de 1998. Porém, a fuga foi inevitável: em junho de 1998, o Brasil teve US$ 70,8 bilhões e em dezembro do mesmo ano, esse volume foi para US$ 44,5 bilhões. Essa perda de reservas somada ao déficit em transações correntes e ao crescente déficit público inviabilizou a manutenção do Plano Real como proposto. Assim, em 13 de novembro de 1998, o governo assinou um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), fazendo o seguinte compromisso: [...] manter o mesmo regime cambial, isto é, continuar a desvalorizar gradativamente com a abertura comercial, não impondo restrições comerciais que fossem incompatíveis com os compromissos da OMC ou, “no contexto do programa com o FMI, restrições por motivos da balança de pagamentos”; acelerar as privatizações e a aprovação das reformas liberais e realizar um programa de ajuste fiscal para três anos (1999/2001), assumindo metas com relação à obtenção de superávits primários fiscais e ao pagamento de juros. Adicionalmente, o governo se comprometeu formalmente nos contratos de empréstimos a não impor “controles às saídas de capital, abdicando de criar mecanismos para interromper a queda das reservas, enquanto estivesse em vigor o contrato com os organismos internacionais. As metas de desempenho econômico foram as garantias oferecidas pelo governo brasileiro; se não fossem cumpridas, os contratos seriam suspensos” (FILGUEIRAS, 2006, p. 143). Perceba o nível de ajuste que foi feito diante de tamanho estrago gerado pela política de banda cambial. De acordo com o mesmo autor, o próprio presidente do Banco Central à época, Gustavo Franco, chegou a declarar que esses acordos com o FMI representavam uma perda de soberania. Ao fim do ano 1998, foram tomados emprestados US$ 18 bilhões do FMI, US$ 4,5 bilhões do Banco Interamericanos de Desenvolvimento (BID), US$ 4,5 bilhões do Banco Mundial (BIRD) e US$14,5 bilhões dos países mais ricos (G7), totalizando US$ 41,5 bilhões. 150 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II Essa crise afetou não apenas o compromisso do regime cambial, mas todas as demais políticas econômicas. A partir de 1999, o Brasil adotou a política de superávit primário, política monetária de metas inflacionárias, o que significou mais do que uma perda de soberania, uma incapacidade de ajustar a economia via políticas internas. Pela primeira vez na história do capitalismo brasileiro, o país se encontra num impasse, sem trajetória de crescimento de longo prazo previsível, nem “para fora” nem “para dentro”, compatíveis com o tamanho do “encilhamento” financeiro em que nos meteu a nossa tecnocracia governante – uma elite cosmopolita “apequenada” movida por seus mesquinhos interesses e vaidades[,] contaminada por uma arrogância e irresponsabilidade política sem precedentes na história do país [...]. Qualquer que seja a política cambial adotada, de agora em diante, enquanto for mantida a ciranda financeira que alimenta a situação de endividamento externo e interno em bola de neve, não haverá “ajuste” fiscal e de balanço de pagamentos possível, nem perspectivas de retomada de desenvolvimento econômico e social sustentável [...]. Estou convencida de que o atual nó financeiro se desfará depois de uma moratória final, numa crise ainda prolongada. A dúvida que prevalece é se essa “moratória” se dará como um “negócio privado” depois de desnacionalizado todo o sistema bancário, sob o comando dos grandes bancos norte‑americanos, transformados explicitamente no “board” da moeda dolarizada. Ou se, pelo contrário, no próximo ataque especulativo à nossa moeda “flutuante” o enfrentamento da crise se fará sob a égide de uma moratória soberana buscando novos “caminhos e fronteiras” para a regeneração do Estado e da economia nacional (TAVARES, 1999 apud FILGUEIRAS, 2006, p. 185). A crise no Brasil teve como desfecho, em 1999, uma mudança no regime de câmbio e, em meados de janeiro, o câmbio fora liberalizado, chegando a uma taxa de R$ 2/US$ no fim do mesmo mês. Os anos seguintes foram de desemprego elevado, taxa de juros alta, crescimento do déficit público. O saldo em transações correntes voltou a ficar superavitário apenas a partir de 2002. No capitalismo contemporâneo, seria bastante simples se o ajuste a partir da condição de paridade de juros fosse suficiente para resgatar a confiança dos agentes econômicos para recuperar o crescimento econômico. Contudo, como Tavares (apud FILGUEIRAS, 2006) destacou, existe um “nó financeiro” que beneficia alguns investidores com políticas de juros elevados. Porém, o “nó” está justamente em elaborar uma política que atenda a esses interesses e os do restante da população, pois nem todos (aliás, a maioria) se beneficiam dos juros elevados. Os dilemas são diversos para se pensar uma política macroeconômica no âmbito das economias abertas. Algumas questões serão deixadas aqui para reflexão: • Qual o melhor regime cambial? Esta pergunta é complicada, porque, a depender do conjunto das demais políticas macroeconômicas, uma determinada política cambial pode incorrer em vulnerabilidades externas de grandes proporções. 151 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA • O que a história econômica brasileira recente ensinou em termos de política cambial? • Já se sabe que uma política cambial flexível voltada à depreciação cambial permite ganhos de competitividade dos produtos domésticos. No entanto, uma política deliberada de depreciação cambial é possível no contexto concorrencial do capitalismo mundial? • Quando os fazedores de política econômica (policy makers) estão decidindo qual a melhor estratégia, será que se considera o volume de investimento, o volume de emprego e a distribuição de renda? • As crises mexicana, em 1994, do sudeste asiático, em 1997, russa, em 1998, e argentina, em 2001, tiveram como componente comum um esgotamento do modelo de âncora cambial. Esse desgaste, em parte, pode ser explicado por um conjunto de políticas articuladas, como a dolarização de parte da economia, a alta dependência dos fluxos de capitais voláteis para fechar o balanço de pagamento e as taxas de juros mais elevadas em relação ao mundo. Diante disso, parece importante questionar se o problema macroeconômico se resume a definir o regime cambial ou se há a necessidade de elaborar um conjunto de políticas articuladas a depender do objetivo dos governantes e da população.Saiba mais Para uma análise heterodoxa sobre o processo de liberalização financeira e as crises cambiais no México, na Argentina e no Brasil, leia: FREITAS, M. C. P. de; PRATES, D. M. Abertura financeira na América Latina: as experiências da Argentina, Brasil e México. Economia e Sociedade, Campinas, v. 11, p. 173‑98, dez. 1998. Disponível em: <http://www.eco. unicamp.br/docprod/downarq.php?id=484&tp=a>. Acesso em: 29 jul. 2016. Resumo A demanda por bens internos, na economia aberta, é igual a demanda interna por bens (consumo mais investimento, mais gastos do governo) menos o valor das importações (em termos de bens internos), mais exportações. Portanto, em uma economia aberta, uma expansão da demanda interna leva a um aumento menor do produto do que em uma economia fechada, porque parte da demanda adicional vai para as importações. Pela mesma razão, uma elevação da demanda interna também causa uma deterioração do balanço comercial. 152 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II Um aumento da demanda externa gera, como resultado do crescimento das exportações, tanto a elevação do produto interno como à melhoria da balança comercial. Como o aumento da demanda externa favorece o balanço comercial e a expansão da demanda interna o prejudica, os governos podem ser tentados a esperar por avanços da demanda externa para retirar seu país da recessão. Quando um grupo de países está em recessão, a coordenação pode ajudá‑los a superá‑la. Se a condição de Marshall‑Lerner for satisfeita – e a evidência empírica sugere que isso ocorra –, a depreciação real faz com que prosperem as exportações líquidas. Uma depreciação real causa primeiro uma deterioração do balanço comercial e, depois, uma melhoria do balanço comercial. Esse processo de ajuste é conhecido como curva J. O requisito de equilíbrio do mercado de bens pode ser reescrito como a condição em que a poupança (pública e privada) menos o investimento deve ser igual ao balanço comercial. Um superávit comercial corresponde a um excesso de poupança sobre o investimento. Um déficit comercial equivale a um excesso de investimento sobre a poupança. Com perfeita mobilidade de capitais, a demanda por bens domésticos depende tanto da taxa de câmbio como da taxa de juros. De forma que um aumento da taxa de juros reduz a demanda por bens domésticos e expande a demanda por bens estrangeiros, pois exerce efeito de apreciação da taxa de câmbio. Já quando há elevação da taxa de câmbio, uma depreciação da moeda nacional em relação à moeda estrangeira, aumenta a demanda por bens domésticos em detrimento da redução da demanda por bens estrangeiros. A taxa de juros é determinada pelas autoridades monetárias via política monetária de acordo com o equilíbrio entre a demanda por moeda e a oferta de moeda. Já a taxa de câmbio é definida pela condição de paridade de juros, de acordo com a seguinte equação: E E i it e t t t+ = +( ) +( )1 1 1/ * De acordo com essa equação, os títulos domésticos e os títulos estrangeiros devem possuir a mesma taxa de retorno esperada em termos da moeda nacional. 153 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA Dadas a taxa de câmbio futura esperada e a taxa de juros estrangeira, aumentos da taxa de juros interna levam a uma redução da taxa de câmbio, ou seja, uma apreciação cambial. Já uma redução da taxa de juros interna gera um acréscimo da taxa de câmbio ou uma depreciação cambial. Considerando um regime flexível, uma política fiscal expansionista com aumento do gasto público leva a uma expansão do produto, a uma elevação da taxa de juros e a uma apreciação cambial. Neste mesmo regime cambial, se ocorrer uma política monetária contracionista, isso gera uma redução do produto da economia, uma adição da taxa de juros e uma apreciação cambial. Há basicamente dois regimes cambiais: fixo e flexível ou flutuante. E entre esses regimes há variações, pois praticamente não existem apenas essas duas formas de regime cambial. Há desde o regime flexível sem qualquer intervenção por parte do Banco Central, passando pelo flexível “sujo”, com intervenções do Banco Central, pelas minidesvalorizações, pela taxa de câmbio fixa com bandas cambiais, pelo currency board até adotar uma moeda comum a várias nações. No geral, quando se adota o regime de câmbio fixo, atrela‑se a moeda nacional a um conjunto de moedas estrangeiras ou mesmo a uma única moeda estrangeira. Escolhe‑se uma moeda que seja forte, ou seja, que apresente confiança no mercado cambial. Quando um país adota o regime de câmbio fixo, para garantir a condição de equilíbrio da paridade de juros, ele deve manter uma taxa de juros interna igual à externa a fim de assegurar equilíbrio no mercado cambial. Portanto, o Banco Central perde a capacidade de executar a política monetária como instrumento de política econômica, uma vez que precisa atestar estabilidade da taxa de câmbio. Contudo, a política fiscal passa a ter mais eficácia em regimes de câmbio flexível. O mercado de câmbio foi analisado com ajustes no curto prazo. Entretanto, é possível ajustar a taxa real de câmbio no médio prazo. Esse pressuposto é factível, pois o nível de preços se ajusta ao longo do tempo. Apesar disso, em regime de câmbio fixo, esse ajuste pode custar um baixo crescimento e outros efeitos dolorosos. Portanto, em muitos casos, é preferível ajustar a taxa de câmbio a amortecer os efeitos negativos sobre a economia. Uma crise cambial normalmente se inicia quando os agentes do mercado financeiro esperam que uma moeda vai se desvalorizar em breve. Quanto se tem uma taxa de câmbio fixa, nos primeiros sinais de crise cambial, a 154 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II defesa da paridade requer taxas de juros elevadas para manter a taxa de câmbio. Porém, os efeitos disso sobre a macroeconomia são desastrosos. A depender da situação, o país é obrigado a desvalorizar a taxa de câmbio de forma a tentar recuperar os efeitos adversos. Foram expostos diversos casos de crise cambial: no caso argentino, que havia adotado o currency board, a economia se arrastou por uma década. No cenário brasileiro, os efeitos deletérios sobre a economia persistiram por quase uma década, deixando a economia vulnerável a choques externos. No SME, a crise foi em parte solucionada com a introdução gradual da moeda comum, o euro. A taxa de câmbio depende da diferença entre as taxas de juros interna atual e futura esperada, e as taxas de juros externas atuais e futuras. A partir de 1994, prevalece no cenário internacional o regime de câmbio flutuante, seja ele independente, seja administrado. Exercícios Questão 1. Considerando a economia aberta, indique a alternativa correta. A) No modelo Mundell‑Fleming em regime de câmbio fixo, não é possível implementar uma política monetária independente. B) Independentemente do regime cambial vigente e na condição satisfeita de paridade de juros, numa economia aberta os efeitos da política monetária contracionista serão a diminuição do produto, o aumento da taxa de juros e a apreciação da moeda doméstica. C) A curva J mostra como transcorre, ao longo do tempo, o efeito de uma desvalorização cambial sobre a balança comercial. D) A âncora cambial do Plano Real foi adotada via desvalorização devido à necessidade de elevar exportações brasileiras e aumentar o nível de reservas internacionais no Banco Central. E) No caso de uma pequena economia aberta, a política fiscal não exerce impacto sobre a renda quando as taxas de câmbio são fixas. Resposta correta:alternativa C. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. 155 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 MACROECONOMIA ABERTA Justificativa: no modelo Mundell‑Fleming – em que se admite perfeita mobilidade de capitais, um país com taxas de câmbio fixas pode adotar um tipo de política monetária: pode decidir alterar a taxa de câmbio que é fixada pelo Banco Central. B) Alternativa incorreta. Justificativa: numa economia aberta em que a condição de paridade dos juros é satisfeita, a taxa de juros interna é igual à taxa de juros internacional mais a depreciação esperada da moeda nacional. No caso de uma economia com perfeita mobilidade de capital, sob o regime de câmbio fixo, o Banco Central abre mão da política monetária como instrumento de política econômica. Logo, a taxa de juros interna é igual à taxa de juros internacional e o produto não é afetado pela política monetária. Isso mostra que, dependendo do regime de câmbio, a política monetária pode ou não alterar a taxa de juros, o valor da moeda nacional (taxa de câmbio) e o nível de produto final da economia. C) Alternativa correta. Justificativa: depreciação cambial promove um aumento das exportações e uma diminuição das importações, desde que não seja levado em consideração a dinâmica da depreciação. Uma depreciação real leva primeiro a uma deterioração da balança comercial e, depois, a uma melhora. Esse processo de ajuste é conhecido como curva J. D) Alternativa incorreta. Justificativa: em vez de continuar a acumular reservas, o que pressionaria a expansão monetária, o Banco Central deixou o câmbio flutuar, provocando uma profunda valorização da taxa de câmbio. Com a economia aberta e um volume significativo de reservas, a possibilidade de importação estava colocada; como esta se tornava atrativa em decorrência da valorização cambial, travavam‑se os preços internos. Esta foi a chamada “âncora cambial”. E) Alternativa incorreta. Justificativa: no caso de uma pequena economia aberta – perfeita mobilidade de capitais – e regime de câmbio fixo, o resultado da política fiscal produz um efeito sobre o produto de magnitude equivalente ao do multiplicador keynesiano. Questão 2. Considerando o modelo de determinação da renda em economia aberta, indique a alternativa correta. A) Um país que não tenha acesso ao mercado internacional de capitais, não consegue equilibrar suas contas de balanço de pagamentos. B) No modelo de determinação da renda em economia aberta, a inclinação da curva BP dependerá basicamente do grau de propensão a importar da economia doméstica. 156 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Unidade II C) A perfeita mobilidade do capital implica igualdade entre as taxas de juros dos ativos nacionais e estrangeiros, independentemente dos fatores relacionados à tributação dos ativos. D) Sob a hipótese de um regime de câmbio fixo, uma expansão fiscal não resulta em efeitos reais devido à acomodação monetária requerida para manter o câmbio fixo. E) O multiplicador da demanda agregada será menor em uma economia aberta do que em uma economia fechada, independentemente de a economia apresentar superávit ou déficit comercial. Resolução desta questão na plataforma. 157 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 FIGURAS E ILUSTRAÇÕES Figura 4 IPEA (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA). Taxa de câmbio comercial para venda: real (R$)/dólar americano (US$) – fim período. Rio de Janeiro, 2016. Adaptada. Figura 5 IPEA (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA). Taxa de câmbio – efetiva real – INPC – exportações – índice (média 2010 = 100). Rio de Janeiro, 2016b. Figura 8 DORNBUSCH, R.; FISCHER, S. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Makron Books; McGraw‑Hill, 1991. p. 219. Figura 30A BLANCHARD, O. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. p. 359. Figura 30B BLANCHARD, O. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. p. 359. Figura 31A BLANCHARD, O. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. p. 359. Figura 31B BLANCHARD, O. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. p. 359. Figura 32A BLANCHARD, O. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. p. 360. Figura 32B BLANCHARD, O. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. p. 360. Figura 33A BLANCHARD, O. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. p. 361. 158 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Figura 33B BLANCHARD, O. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. p. 361. Figura 34A BLANCHARD, O. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. p. 363. Figura 34B BLANCHARD, O. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. p. 363. Figura 35A BLANCHARD, O. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. p. 367. Figura 35B BLANCHARD, O. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. p. 367. Figura 36 BLANCHARD, O. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. p. 368. Figura 37 BLANCHARD, O. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. p. 368. Figura 44 CARVALHO, M. A. de; SILVA, C. R. L. da. Economia internacional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 165. Figura 45 BLANCHARD, O. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. p. 390. Figura 46 KRUGMAN, P.; OBSTFELD, M. Economia internacional: teoria e política. São Paulo: Pearson, 2010. p. 496. Figura 47 EICHENGREEN, B. A globalização do capital: uma história do sistema monetário internacional. São Paulo: Editora 34, 2000. p. 250. 159 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Figura 48 BLANCHARD, O. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. p. 399. Figura 49 BLANCHARD, O. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. p. 399. Figura 50 BLANCHARD, O. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. p. 400. Figura 51 SILVA, M. L. F. Plano Real e âncora cambial. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 22, n. 3, p. 10, jul./set. 2002. Disponível em: <http://www.rep.org.br/pdf/87‑1.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2016. Figura 52 SILVA, M. L. F. Plano Real e âncora cambial. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 22, n. 3, p. 11, jul./set. 2002. Disponível em: <http://www.rep.org.br/pdf/87‑1.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2016. Figura 53 SILVA, M. L. F. Plano Real e âncora cambial. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 22, n. 3, p. 13, jul./set. 2002. Disponível em: <http://www.rep.org.br/pdf/87‑1.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2016. REFERÊNCIAS Audiovisuais MEMORIA del saqueo. Dir. Fernando Solanas. Suíça; França; Argentina: Cinesur, 2003. 120 minutos. Textuais BACEN (BANCO CENTRAL DO BRASIL). Série histórica do Balanço de Pagamentos: 6ª edição do Manual de Balanço de Pagamentos e Posição de Investimento Internacional (BPM6). Brasília, [s.d.]. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/htms/infecon/Seriehist_bpm6.asp>. Acesso em: 2 ago. 2016. BAUMANN, R.; CANUTO, O.; GONÇALVES, R. Economia internacional: teoria e experiência brasileira. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. BLANCHARD, O. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. 160 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 BOLETIM DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. Brasília, v. 34, p. 1‑216, out. 1998.Disponível em: <http:// www.bcb.gov.br/pec/boletim/banual97/rel97‑p.pdf>. Acesso em: 1º ago. 2016. CARMO, E. C. do; MARIANO, J. (Orgs.). Economia internacional. São Paulo: Saraiva, 2010. CARNEIRO, R. A globalização financeira: origem, dinâmica e perspectivas. Texto para Discussão, Campinas, n. 90, out. 1999. Disponível em: <www.eco.unicamp.br/docprod/downarq.php?id=1720&tp=a>. Acesso em: 22 jul. 2016. CARVALHO, M. A. de; SILVA, C. R. L. da. Economia internacional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. DORNBUSCH, R.; FISCHER, S. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Makron Books; McGraw‑Hill, 1991. EICHENGREEN, B. A globalização do capital: uma história do sistema monetário internacional. São Paulo: Editora 34, 2000. FEIJÓ, C. 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Taxa de câmbio – efetiva real – INPC – exportações – índice (média 2010 = 100). Rio de Janeiro, 2016b. KRUGMAN, P.; OBSTFELD, M. Economia internacional: teoria e política. São Paulo: Pearson, 2010. LOPES, L. M.; VASCONCELLOS, M. A. S. de. (Orgs.). Manual de macroeconomia: básico e intermediário. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011. OBSTFELD, M. Economia internacional: teoria e prática. 8. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010. 161 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 PAULANI, L. M.; BRAGA, M. B. A nova contabilidade social. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. SILVA, M. L. F. Plano Real e âncora cambial. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 22, n. 3, p. 3‑24, jul./set. 2002. Disponível em: <http://www.rep.org.br/pdf/87‑1.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2016. Exercícios Unidade I – Questão 1: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2012: Ciências Econômicas. Questão 33. Adaptada. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_superior/enade/ provas/2012/03_CIENCIAS_ECONOMICAS.pdf>. Acesso em: 26 jul. 2016. Unidade I – Questão 2: CETRO CONCURSOS PÚBLICOS. Prefeitura do Município de São Paulo: Auditor Fiscal Tributário Municipal Classe I: Gestão Tributária – Manhã. Questão 19. Adaptada. Disponível em: <https://www.tecconcursos.com.br/download/file?uuid=086cbe0b‑c840‑48e0‑b4f1‑1658243eb7e1>. Acesso em: 26 jul. 2016. Unidade II – Questão 1: CETRO CONCURSOS PÚBLICOS. Prefeitura do Município de São Paulo: Auditor Fiscal Tributário Municipal Classe I: Gestão Tributária – Manhã. Questão 26. Disponível em: <https:// www.tecconcursos.com.br/download/file?uuid=086cbe0b‑c840‑48e0‑b4f1‑1658243eb7e1>. Acesso em: 26 jul. 2016. Unidade II – Questão 2: CETRO CONCURSOS PÚBLICOS. Prefeitura do Município de São Paulo: Auditor Fiscal Tributário Municipal Classe I: Gestão Tributária – Manhã. Questão 28. Disponível em: <https:// www.tecconcursos.com.br/download/file?uuid=086cbe0b‑c840‑48e0‑b4f1‑1658243eb7e1>. Acesso em: 26 jul. 2016. 162 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 163 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 164 Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 03 /0 7/ 20 16 Informações: www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000