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Resenha: “E Não Sobrou Nenhum”, Agatha Christie
Rafaella Guglielmi Magalhães Dias
Universidade Federal de Minas Gerais
rafaguglielmi@gmail.com
Agatha Christie, nascida em 1890, foi uma renomada escritora britânica especializada em
romances policiais. Conhecida como a “Rainha do Crime”, sua obra vasta inclui clássicos como
“Assassinato no Expresso Oriente” e “O Assassinato de Roger Ackroyd”. Com uma habilidade
única para entrelaçar mistérios complexos e personagens cativantes, Christie deixou um legado
duradouro no mundo da literatura.
Em “E Não Sobrou Nenhum”, obra ímpar da renomada autora, somos imersos em um
intrigante quebra-cabeça de mistério e assassinato. Publicado em 1939, durante um período de
incertezas entre guerras, o romance reflete não apenas a genialidade da “rainha do crime”, mas
também captura a atmosfera tensa da época. À medida que a autora conduz os leitores por uma
trama repleta de enigmas, surge a oportunidade de explorar não somente o suspense
característico de suas obras, como também a influência sutil do contexto histórico no
desenvolvimento da narrativa. A obra, permeada por lógica afiada e elementos matemáticos,
desafia os personagens e os leitores, elevando o suspense a um nível que transcende o simples
entretenimento literário.
Neste livro, Agatha Christie nos transporta para uma trama envolta em mistério e
suspense. Tudo começa quando oito pessoas, aparentemente sem conexão entre si, cada uma
com um passado obscuro, são convidadas para uma ilha isolada sob circunstâncias misteriosas,
por correspondência por alguém chamado U. N. Owen e sua esposa. O cenário tenso, agravado
pelo contexto histórico de incertezas entre guerras, estabelece o palco para uma narrativa que
desafia as expectativas e intriga a mente do leitor.
Ao chegarem na ilha, os convidados são recepcionados por um casal de empregados que
os informam sobre o atraso de seus incógnitos anfitriões e, assim, começam a se acomodar na
mansão. Após o jantar da primeira noite, os personagens, desconhecidos entre si, descobrem que
são acusados de crimes do passado, os quais até então pareciam ter escapado da justiça. Com
isso, decidem que o melhor a se fazer é fugir do local pela manhã. Porém, o problema é que a
única forma de locomoção é um barco que vem do continente, mas que, como o mar estava
agitado, não consegue chegar até a ilha.
Isolados e incapazes de sair de lá, seus destinos passam a seguir uma macabra poesia
infantil, conforme a qual uma série de mortes ocorre com o passar dos dias, eliminando um por
um dos visitantes. A atmosfera claustrofóbica da ilha e a impossibilidade de escapar aumentam a
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tensão, enquanto a natureza enigmática dos assassinatos mantém os personagens e os leitores
em constante suspense. Nesse contexto, a maestria da autora em criar um quebra-cabeça
intrincado, onde cada peça é uma revelação chocante, se revela de maneira cativante.
A genialidade da autora ultrapassa a narrativa ao inserir na obra um desafio intelectual, no
qual o raciocínio lógico matemático é peça-chave. Diante de acusações e mortes enigmáticas, os
personagens reúnem esforços para aplicar suas habilidades dedutivas para desvendar os
mistérios que pairam sobre a ilha isolada. Afinal, quem dentre eles é o assassino?
A “rainha do crime” guia habilmente o leitor por um labirinto de pistas e falsas conclusões,
o que exige uma atenção aguçada para desvendar os enigmas propostos. A lógica é aplicada em
momentos críticos, em que as conexões entre os eventos e os motivos por trás das acusações se
revelam.
Um exemplo notável de elemento matemático presente na obra é a progressão aritmética,
que adiciona uma camada intrigante à narrativa. Assim como ocorre no poema em que o enredo
se baseia, à medida que os personagens são vítimas de mortes sucessivas, percebemos uma
contagem regressiva de pessoas na ilha, meticulosamente calculada conforme uma sequência
matemática.
Cada morte que presenciam é um passo na progressão, o que cria um senso de
antecipação angustiante para os personagens e uma atmosfera de suspense para o leitor, já que
é certo que ocorrerá a próxima morte, mas o enigma está em quando, onde e quem. A escolha de
incorporar essa estrutura matemática contribui para a intensificação do impacto emocional nos
leitores.
A probabilidade, elemento matemático crucial, acrescenta uma camada de tensão à
narrativa. Os personagens em constante busca por respostas, são forçados a enfrentar a
incerteza do desconhecido. As reviravoltas imprevisíveis e a iminência de novos acontecimentos,
incorporadas à probabilidade, desafiam não apenas os personagens, mas também os leitores a
considerar as possibilidades em constante mutação.
A progressão aritmética não é apenas uma ferramenta narrativa, mas uma representação
simbólica do iminente desfecho, para o qual prevemos um único sobrevivente, o assassino. No
entanto, não é isso o que acontece. Não são encontrados sobreviventes na ilha.
A reviravolta final na obra, na qual os dois últimos personagens, convencidos de que o
outro é o assassino, acabam sendo vítimas do medo e desespero que resulta na última morte, é
um exemplo impecável de como a probabilidade é habilmente utilizada para intensificar o
suspense e quebrar as expectativas dos leitores. Ao criar essa situação paradoxal, Agatha
Christie joga com as probabilidades percebidas pelos personagens e, por extensão, pelos leitores.
Com essa reviravolta, a autora manipula as percepções dos personagens e do público, de
modo a utilizar a probabilidade como ferramenta narrativa que potencializa o impacto do desfecho,
tornando-o ainda mais memorável e imprevisível. A incerteza em torno da verdadeira identidade
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do assassino é engenhosamente mantida até o último momento, alimentando a tensão e a
surpresa.
A influência matemática em “E Não Sobrou Nenhum” penetra, também, nas próprias
personagens. Ao enfrentarem mortes misteriosas e acusações, os protagonistas são moldados
pelas probabilidades calculadas e pelo raciocínio lógico. A lógica afiada torna-se uma ferramenta
de sobrevivência, levando os personagens a reavaliar alianças e suspeitas. As probabilidades de
cada acusação e o peso das mortes calculadas contribuem para o desenvolvimento psicológico
dos personagens, criando uma complexidade única nas relações e motivações.
A influência matemática nos protagonistas adiciona camadas de profundidade à narrativa,
além de explorar como a lógica e a probabilidade podem afetar as escolhas e as interações
humanas em situações extremas. Essa abordagem enriquece a trama ao mergulhar na
exploração das complexidades matemáticas sobre os personagens, o que contribui para o
mistério do enredo.
Ao concluir a imersão em “E Não Sobrou Nenhum”, percebemos que a “rainha do crime”
ultrapassou as fronteiras do gênero de mistério, utilizando elementos matemáticos para criar uma
obra que desafia a mente e as expectativas. A trama intrincada, impulsionada pelo raciocínio
lógico, pela progressão aritmética das mortes e pela probabilidade, cativa os leitores e mantém o
mistério até o último instante.
A quebra de expectativa na identidade do assassino, construída por meio da probabilidade,
culmina em uma reviravolta surpreendente. A influência matemática nas ações dos personagens
adiciona complexidade emocional à narrativa, revelando como a lógica e a probabilidade se
entrelaçam na resolução de mistérios permeada pelas dinâmicas humanas.
“E Não Sobrou Nenhum” não é apenas uma obra de suspense, como também uma rica
experiência intelectual, na qual a genialidade de Agatha Christie, aliada aos elementos
matemáticos, cria uma obra-prima que perdura na mente do leitor e atravessa gerações.
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