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AULA 1 MINDFULNESS LEADERSHIP Prof. Dino José De Almeida Camargo 2 INTRODUÇÃO Neste estudo você vai entender o que é o Mindfulness, sua origem, seus significados e, em especial, como a adoção da prática de Mindfulness tem impactado positivamente o ambiente de trabalho, o desempenho, a produtividade, a liderança e o bem-estar das pessoas em empresas que se destacam por sua criatividade, alta performance e lucratividade. Vai compreender também o significado e a abrangência de Mindful Leadership, entendendo como praticá-la e se tornar um líder consciente. “Um líder consciente exerce uma presença ativa em sua função de liderança – cultivando foco, clareza, criatividade e compaixão a serviço dos outros” (Marturano, 2017). TEMA 1 – MINDFULNESS OU “CONSCIÊNCIA PLENA” 1.1 Conceituando Mindfulness Mind, do inglês, pode significar “mente”, “atenção”, “consciência”, enquanto fulness significa “completo”, “pleno”. Desse modo, podemos traduzir Mindfulness como “Atenção Plena”, mente alerta ou, de maneira mais precisa “consciência plena”. Embora várias traduções brasileiras de obras estrangeiras sobre Mindfulness tenham trazido o termo traduzido como “Atenção Plena”, “Consciência Plena” parece ser o mais adequado e preciso, uma vez que não se trata de simplesmente focar a atenção, mas focá-la de maneira particular, intencional, tendo consciência desse foco da atenção. A origem desse conceito tem sua raiz na linhagem de meditação Vipassana, que tem mais de 2.500 anos; significa “enxergar as coisas como são”, com foco, clareza e sem distorções (de percepção ou julgamento). Se em várias outras linhagens de meditação o objetivo é esvaziar a mente de qualquer pensamento ou raciocínio ou ainda dirigir a atenção para um único objeto ou pensamento, em Vipassana a busca é pela plena consciência de todos os pensamentos e emoções que ocorrem, sem críticas, julgamentos ou reatividade. Assim também acontece nas estratégias de Mindfulness (incluindo vários tipos de práticas e técnicas, como Meditação de Mindfulness): o próprio nome (Atenção Plena ou consciência plena) sugere a utilização plena da 3 ferramenta da atenção, mantendo-nos conscientes do que pensamos, sentimos e fazemos em cada momento, sem divagações mentais, enquanto realizamos qualquer tarefa, atividade ou simplesmente observamos o que acontece em determinado momento (Tan, 2014). A Atenção Plena, ou Mindfulness, consiste em prestar atenção no que acontece no momento presente, na mente, no corpo e no ambiente à nossa volta sem julgamentos e com uma atitude de curiosidade, abertura e gentileza. É como se estivéssemos vivenciando a experiência pela primeira vez, com atenção, curiosidade e sem julgamentos ou conceitos preexistentes. É a chamada mente de principiante ou mente de cientista, que procura olhar toda e qualquer experiência com “olhos de aprendiz”, por um novo ângulo, enxergando novas possibilidades, novas perspectivas – e principalmente sem pré-julgamentos, para não influenciar ou distorcer uma percepção precisa e clara da experiência daquele momento (Tan, 2014). Com o Mindfulness consciência plena podemos aprender técnicas para permanecer ancorados no momento presente, com atenção focada no que estamos fazendo, e ao mesmo tempo conscientes do que acontece ao redor. A prática regular de auto-observação conduz ao autoconhecimento, que por sua vez nos proporciona a possibilidade de gerenciar melhor nossas emoções, impulsos, intuições e tomadas de decisão (autogerenciamento), seja na vida particular ou no trabalho. Isso traz impactos positivos à saúde (menos estresse, ansiedade e preocupações) e à forma de nos relacionar com nós mesmos (diálogos internos) e com os outros (empatia e habilidades sociais) (Tan, 2014). No campo da psicoterapêutica, o objetivo principal da Meditação de Mindfulness é ter um ótimo controle dos processos mentais, alcançando o bem- estar e o desenvolvimento emocional, e ainda algumas habilidades, como clareza mental, serenidade e concentração (Walsh; Shapiro, 2006). Pode-se definir Mindfulness ou Atenção Plena também como a capacidade de prestar atenção no momento presente, a tudo que surge interna ou externamente, sem julgar ou desejar que as coisas sejam diferentes (Roemer; Orsillo, 2011). 1.2 Mindfulness ou “consciência plena” Quando pensamos em meditação, técnica milenar que teve origem no budismo e no hinduísmo, é comum a associarmos com alguma religião. Ainda que 4 a meditação venha sendo utilizada milenarmente para o aprimoramento de qualidades espirituais, a Meditação de Mindfulness, no entanto, não está vinculada a qualquer religião. O objetivo da Meditação de Mindfulness é o aprimoramento da capacidade da atenção, criando as condições para o desenvolvimento de uma maior autoconsciência (pensamentos, sentimentos e emoções), conduzindo a uma melhoria da autorregulação ou do autogerenciamento (capacidade de reconhecer, analisar e gerenciar seus próprios pensamentos e emoções). A prática da Meditação de Mindfulness (e outras várias estratégias e práticas de Mindfulness) foi originalmente desenvolvida por Jon Kabat-Zinn, que elaborou programas de redução de estresse com base na meditação, incorporando-a à Medicina Comportamental (Psicoterapia), objeto recente de um grande número de estudos e pesquisas científicas. Kabat- Zinn é também um dos pioneiros nas pesquisas científicas sobre Mindfulness e fundador e diretor da clínica de redução de estresse da Universidade de Massachusetts, na qual atua como professor da área de Medicina Preventiva e Comportamental (Kabat-Zinn, 2013). Kabat-Zinn (2013) define Mindfulness como “uma forma específica de Atenção Plena, focada no momento atual, de forma intencional, e sem julgamento”. Concentrar-se no momento atual significa estar em contato com o presente, não estar distraído com lembranças sobre o passado ou com pensamentos sobre o futuro, nem divagando sobre qualquer coisa que não seja exatamente o que acontece no momento aqui e agora. O termo intencional refere- se ao fato de que o praticante “escolhe” estar com plena atenção e se dedica a alcançar esse objetivo. De acordo com Hülsheiger et al. (2013), o Mindfulness engloba quatro características principais: uma consciência receptiva e o registro de experiências internas (pensamentos, emoções, sentimentos, comportamentos) e de eventos externos; processamento das informações pré-conceitual – o praticante Mindful observa o que acontece de maneira pura, sem pré-conceitos ou julgamentos, e mesmo sem analisar, avaliar ou refletir sobre o que acontece; a experiência de Mindfulness tem foco no presente, no momento-a-momento, sem se deixar levar por divagações, ficar pensando no passado ou fantasiando sobre o futuro; Mindfulness é uma capacidade humana e natural que pode variar de indivíduo para indivíduo, de uma forma ou de outra, com maior ou menor intensidade (Kabat-Zinn, 2003). 5 1.3 Concentração: a capacidade de sustentar a atenção por um período prolongado Parece bem simples e até intuitivo: se colocarmos plena atenção em tudo o que experimentamos ou realizamos, seremos mais produtivos, eficazes e bem- sucedidos, mas nem sempre isso é uma tarefa fácil. Nossas mentes estão constantemente agitadas e atraídas por múltiplas distrações, e quase sempre alternando entre o passado e o futuro. Estamos pensando no que aconteceu na última reunião, na conversa que tivemos ontem, em um acontecimento passado, ou estamos antecipando o futuro, imaginando como será a nossa apresentação, a conversa com o chefe, a reunião importante que teremos em alguns dias, ou divagando sobre outros assuntos diferentes do que estamos vivenciando no momento. Com isso, uma parcela enorme do nosso tempo e da nossa energia acaba sendo gasta no que já aconteceu (o passado – que não podemosmudar) ou no que ainda virá (o futuro – que via de regra nunca acontece exatamente como imaginamos em nossa “pré- ocupação”). Estudos mostram que gastamos uma enorme fatia do nosso tempo divagando, mesmo quando supostamente estamos envolvidos com outras pessoas. Se estivéssemos sempre escolhendo divagar em nossas mentes, até que poderia ser bom. Mas perceba que isso acontece mesmo quando tentamos estar presentes! Se não bastasse, ainda temos a tendência natural de nos comportar como se estivéssemos em “piloto automático”. Diariamente fazemos inúmeras coisas “sem pensar”, de modo automático, repetitivo ou, ainda pior, reativo. Raras são as vezes em que, ao mesmo tempo que fazemos algo, mantemos plena consciência de nossos processos mentais e de como pensamos, sentimos, percebemos e interpretamos a nós mesmos e ao mundo ao nosso redor. É claro que em alguns momentos do dia podemos experimentar a sensação de estar 100% focados em determinada tarefa ou acontecimento, mas via de regra essa atenção é sustentada por poucos segundos. A capacidade de manter de maneira continuada nossa atenção no momento presente, sem distrações ou divagações, acaba sendo bastante limitada (Tan, 2014). 6 TEMA 2 – O AMBIENTE DE TRABALHO MODERNO E O ESTRESSE 2.1 Trabalho, obrigações, tarefas e distrações Ainda que estejamos plenamente satisfeitos e gostemos bastante do nosso trabalho, para a grande maioria das pessoas o dia a dia se mostra demasiadamente carregado de obrigações e tarefas, sem tempo para nada, on- line e conectado “24 horas”. Isso representa um enorme desafio para nos manter emocionalmente equilibrados, energizados, e ainda com foco e atenção para direcionar os nossos melhores esforços ao que realmente importa. As novas tecnologias e a gigantesca quantidade de informações e atualizações que temos que digerir diariamente somadas às responsabilidades crescentes e às distrações que se multiplicam têm tornado as pessoas mais estressadas e deprimidas por não conseguirem lidar com esses desafios da vida moderna. Oficialmente, o estresse não está classificado como uma doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS); no entanto, em levantamento da própria organização realizado em 2018, estima-se que o estresse atinja cerca de 90% da população mundial, o que caracterizaria uma “epidemia global”. O estresse é entendido pela comunidade médica como um conjunto de sintomas emocionais e físicos que podem levar a outras patologias, inclusive ao burnout e à depressão (Tan, 2014). 2.2 O estresse no passado e o estresse hoje É interessante lembrar que o estresse só é prejudicial quando é excessivo. O estresse sempre fez parte da vida do ser humano: o homem mais primitivo desempenhava um importante papel de alarme e defesa. Quando em situação de perigo, o estresse estimulava o organismo a produzir e liberar adrenalina e cortisol, importantes no fortalecimento dos músculos e na preparação do corpo para entrar em alerta e criar as condições necessárias para lutar ou fugir. Se por um lado nos dias atuais já não mais habitamos em cavernas ou árvores, nem estejamos mais sendo ameaçados diariamente por tigres-dente-de- sabre, por outro lado as situações estressantes são por vezes ainda mais constantes e os processos fisiológicos do organismo humano permanecem funcionando praticamente da mesma forma como acontecia com nossos antepassados primitivos. Essa alta produção de cortisol – maior do que a 7 necessária – acaba ocasionando uma série de distúrbios ou patologias. Quando as situações de estresse são seguidas de situações de relaxamento, o organismo tende a voltar a seu equilíbrio natural. Ocorre que, atualmente, é mais comum experimentar muitas situações de estresse durante o dia e raras situações de relaxamento. Nós nos estressamos com tudo e com todos e relaxamos muito pouco. É interessante lembrar que “estresse” é um termo que denomina um conjunto de reações que um organismo desenvolve quando submetido a uma situação que exige esforço de adaptação, podendo ser percebido como uma ameaça ou como algo que exige mais do que seus recursos ou habilidades; como consequência, coloca-se em perigo o próprio bem-estar ou sobrevivência (França; Rodrigues, 2011). As atuais exigências pessoais e profissionais do mundo corporativo, a disputa de produtos, serviços e mercados, a competição entre colaboradores, a pressão por metas e resultados, a economia com baixo crescimento e o desemprego acabam gerando uma sobrecarga no trabalhador que, pressionado, convive com um alto nível de estresse. Em um estudo realizado no Brasil (Zille, 2010) com 775 gerentes, em média 72% declararam conviver com altos níveis de estresse; nessa amostra, 28% estavam com níveis de estresse considerados intensos ou muito intensos, o que impacta diretamente a produtividade e o bem- estar, chegando a impossibilitar o trabalhador de exercer plenamente sua atividade. Esse alto nível de estresse nas empresas muitas vezes é diagnosticado como síndrome de burnout, ou simplesmente burnout. Segundo Teodoro (2012), burnout é aquilo que deixou de funcionar em decorrência do esgotamento de sua energia. 2.3 O ambiente Vuca Existe um acrônimo baseado nas teorias de liderança de Warren Bennis e Burt Nanus (1987), posteriormente utilizado no contexto militar da Guerra Fria: é o Vuca World, um território que está sendo tomado de assalto; seu ambiente apresenta-se carregado de volatilidade, incertezas, complexidade e ambiguidade (Volatility, Uncertain, Complex, Ambiguous). Esse acrônimo (Mundo Vuca) poderia ser utilizado também para descrever o nosso ambiente de trabalho nos dias de hoje? 8 Um estudo realizado por Gilbert e Killingsworth da Universidade de Harvard em 2010, por exemplo, relata que os executivos entrevistados estimavam que passavam em média 47% de seu tempo com divagações ou distrações (não 100% focados ou concentrados em suas tarefas), 70% dos líderes não se diziam capazes de prestar plena atenção durante todo o período das reuniões de trabalho e somente 2% deles mantinham uma prática dedicada ao autodesenvolvimento pessoal ou melhoria de sua produtividade. Ao tentar administrar todas as demandas que surgem a cada momento em nossas vidas, elas também se apresentam voláteis, incertas, ambíguas e complexas. Contudo, pode existir uma resposta a esses desafios: o caminho do autoconhecimento, do desenvolvimento da inteligência emocional, da empatia e da compaixão que emerge da prática do Mindfulness. TEMA 3 – O PILOTO AUTOMÁTICO E A MENTE REATIVA Uma estratégia para conseguir enfrentar as crescentes demandas diárias de nossas vidas pessoais e profissionais é aprimorar a autoconsciência, desenvolvendo a Inteligência Emocional. O primeiro passo é passarmos do “piloto automático” para o estado de “conscientes”. Muitas vezes temos a tendência de passar boa parte do dia como se estivéssemos em “piloto automático”, sem prestar muita atenção no que estamos fazendo naquele momento. O estudo conduzido por Gilbert e Killingsworth (2010) em Harvard, intitulado Uma mente divagante é uma mente infeliz, ilustra bem esse ponto: estima-se que gastemos cerca de 50% do nosso tempo pensando em algo diferente daquilo que estamos fazendo. O problema que surge do fato de ficarmos no piloto automático, e não plenamente conscientes do que estamos fazendo é: Como podemos ouvir as pessoas? De que maneira podemos aprender com o que está acontecendo? Como podemos avaliar com profundidade e discernimento se nossa mente está metade do tempo divagando entre o passado, o futuro ou outra distração? Como podemos ter produtividade se nossa mente passa 50% do tempo ocupada com pequenas e constantes distrações? O piloto automático pode ser reconhecido pelas seguintes características: a) a atenção está no passado ou no futuro; nossa atenção está voltadapara o presente ou no que acontece à nossa frente apenas de forma superficial; b) estamos distraídos; c) estamos sendo reativos ou julgando: em vez de nos esforçarmos para escutar com total presença, clareza e atenção, na maioria das 9 vezes já estamos completando a frase, imaginando o que a pessoa com quem conversamos vai dizer, ou o que vamos responder. Somos rapidamente apanhados em expectativas e julgamentos. Quando agimos assim, via de regra perdemos a conexão com quem estamos ou com o que estamos fazendo; d) agimos com base em padrões e premissas. Todos temos algumas formas-padrão de reagir, em vez de ouvirmos e considerarmos mais profundamente qual seria a melhor resposta. Felizmente, existe a possibilidade de responder de forma diferente. Steven Covey, autor de best-sellers de liderança, resume os ensinamentos de Victor Frankl (sobrevivente do holocausto, psicólogo e fundador da logoterapia) com uma citação: “Entre o estímulo e a resposta, há um espaço. Nesse espaço está a nossa liberdade e nosso poder de escolha. Em nossa resposta reside o nosso crescimento e a nossa felicidade” (Frankl, 2009). Por estímulo, entendem-se os inputs do nosso sistema sensorial e mental (sentimentos, pensamentos e emoções). Estar presente nos ajuda a entender que a liberdade de escolha reside entre o estímulo e a resposta. Devemos estar cientes do que está acontecendo, no momento em que está acontecendo, não nos desconectando e não entrando no piloto automático. No entanto, isso não acontece naturalmente: é necessária alguma prática. A prática de Mindfulness, portanto, tem uma definição muito simples: é simplesmente “estar presente”. TEMA 4 – O MINDFULNESS E A PESQUISA CIENTÍFICA Nos últimos 20 anos tem sido realizada uma grande quantidade de estudos e de experimentos científicos mostrando que a prática de Mindfulness conduz a uma mente saudável, à maior capacidade de foco, ao equilíbrio emocional e até mesmo à felicidade. Grande parte desses estudos tem se concentrado na neuroplasticidade, a descoberta da neurociência de que o que pensamos, fazemos repetidamente e prestamos atenção modifica a estrutura e a funcionalidade do nosso cérebro. O cérebro é “maleável”, mesmo em adultos. Podemos intencionalmente alterar a estrutura e a funcionalidade do nosso cérebro com treinamento (Goleman; Davidson, 2017). Muitas dessas pesquisas têm se concentrado na vinculação entre a prática da meditação Mindfulness e o bem-estar físico e psicológico. Os estudos revelam que a prática de Mindfulness está diretamente relacionada à vitalidade, à 10 satisfação com a vida, à qualidade dos relacionamentos interpessoais e também à redução de ansiedade, estresse e depressão. Muitos desses efeitos são obtidos pela prática da Atenção Plena, pois os indivíduos passam a perceber os eventos de maneira mais objetiva e com menos “paixão”, o que possibilita a regulação de emoções, pensamentos, sentimentos e reações fisiológicas de maneira mais efetiva (Kabat-Zinn, 2013). Outro estudo conduzido por Brewer et al. (2010) observou a Rede de Modo Funcionamento Padrão (Default Mode Network), uma rede do cérebro que está associada à divagação mental, ao pensamento autorreferencial e à ruminação. Ela recebeu esse nome porque os neurocientistas descobriram que parecia ser a rede que estava ativa por padrão quando as pessoas analisadas estavam sentadas em scanners cerebrais esperando a experiência começar: mente divagando e pensando em si mesmas ou sobre o que os outros estavam pensando delas. Os pesquisadores descobriram que a Rede de Funcionamento Padrão é menos ativa durante a meditação, sugerindo uma capacidade de abstrair-se da ruminação e da autopreocupação. Além disso, os meditadores experientes apresentaram maior conectividade entre essa rede e as regiões da Rede Executiva Central relacionadas com a gestão da atenção, sugerindo maior capacidade de monitorar e gerenciar a divagação mental e o pensamento autorreferencial. Nos meditadores com maior tempo de prática, esses perduravam também em períodos nos quais não estavam mais meditando. Outro estudo muito interessante sobre a Meditação Mindfulness foi realizado por dois pioneiros neurocientistas, Kabbat-Zinn e Davidson (2013). Esse foi o primeiro grande estudo científico do tema realizado no ambiente corporativo com funcionários de uma companhia de biotecnologia como voluntários. O estudo demonstrou que, após decorridas apenas oito semanas de prática meditativa, o nível de ansiedade dos voluntários diminuiu de maneira significativa. Adicionalmente, foram realizadas medições da atividade elétrica no cérebro dos voluntários e evidenciou-se um aumento de atividade significativo nas regiões associadas às emoções positivas. Ainda mais surpreendente foi o fato de que, ao final da pesquisa, os voluntários receberam doses de vírus da gripe: aqueles que faziam parte do grupo de praticantes desenvolveram maior concentração de anticorpos contra a doença, ou seja, decorridas apenas oitos semanas de prática de Atenção Plena, os voluntários mostravam-se mais felizes (medição cerebral de 11 ativação de áreas relacionadas a sentimentos positivos e sensação de bem-estar), e com um aumento considerável da imunidade (Tan, 2014). TEMA 5 – MINDFULNESS: MAIS DO QUE UMA TÉCNICA, UM ESTILO DE VIDA É preciso entender Mindfulness não apenas como uma forma de meditação, mas com uma série de estratégias e práticas (inclusive a meditação) que tem como base o desenvolvimento da autoconsciência utilizando atividades e práticas diárias que têm no treino da atenção seu ponto de partida. A prática do Mindfulness acontece de duas maneiras que se complementam: por meio das práticas dedicadas e das práticas integradas. As práticas dedicadas são aquelas em que “dedicamos” um tempo exclusivo para a prática da Atenção Plena. Quando, por exemplo, praticamos meditação por 20 minutos, duas vezes ao dia, é como se fôssemos à academia (com um tempo dedicado para aquela atividade); contudo, em vez de praticarmos exercícios físicos, praticamos “exercícios mentais”, como “treino da atenção da respiração” ou “varredura corporal” (investigamos mentalmente todas as sensações e emoções que surgem no corpo) – essas são variações de Meditação Mindfulness. Já as práticas integradas ou “práticas momento a momento”, são aquelas que inserimos ao nosso dia a dia e praticamos usando a ferramenta da Atenção Plena de maneira intencional e sustentada, dirigida a tudo o que acontece no momento presente, sem julgamentos e com uma atitude de abertura, curiosidade e generosidade para com os outros e com nós mesmos. Como exemplo, temos a prática de fazer uma pausa e de meditar por 3 minutos, concentrando a atenção na respiração durante esse tempo, estabilizando a mente e ganhando maior equilíbrio e capacidade de foco; as consequências dessa prática são maior produtividade e bem-estar. Ainda existem práticas por meio das quais podemos “sentir/detectar” o momento em que uma forte emoção surge em nosso corpo ou em nossa mente, aprendendo a gerenciar a emoção para que tenhamos a melhor resposta possível a esse estímulo sem simplesmente ser reativos (Tan, 2014). Como vimos, a Meditação de Mindfulness tem suas raízes na milenar tradição oriental (budista), embora o Mindfulness não carregue quaisquer conotações de origem religiosa ou divina. A Meditação de Mindfulness foi “adaptada e sistematizada” para uma versão ocidental, trazendo os benefícios de uma mente estabilizada, estável e serena, sem dogmas ou religião. É praticada 12 hoje por milhares de pessoas no mundo inteiro e está presente nas corporações mais criativas e prósperas do planeta, como LinkedIn, Google, SAP, Ford, 3M, Microsoft, SalesForce e Nike, entre tantas outras (Tan, 2014). Podemos também conceituar Mindfulness ou Atenção Plena como umestado mental ou uma qualidade da mente que tem a capacidade de focar a atenção de maneira intencional e controlada para experienciar o momento presente com uma atitude de curiosidade, abertura e gentileza, sem julgamentos. Dirige-se a atenção a todos os fenômenos que se manifestam no corpo e na mente consciente, como pensamentos, divagações, fantasias, lembranças, sentimentos, sensações e emoções. A prática do Mindfulness enfatiza a capacidade de enxergar a realidade como ela é, suspendendo naquele determinado momento todo/a e qualquer julgamento, juízo de valor, interpretação, opinião, conceito ou comentário mental, conduzindo a uma maior clareza e consciência do que verdadeiramente estamos experienciando, sem julgamentos, apegos ou aversões. O Mindfulness, além de abranger uma série de práticas que levam a um maior conhecimento dos nossos processos mentais, é na verdade um estilo de vida, uma nova maneira de nos descondicionarmos do funcionamento padrão na nossa mente, quase sempre automática, julgadora e reativa (Tan, 2014). Tomando-se uma definição científica de Meditação, temos que “Meditação refere-se a um conjunto de práticas de treinamento mental que são desenhadas para familiarizar o praticante com tipos específicos de processos mentais” (Tan, 2014). A palavra utilizada para designar Meditação em tibetano é gom, que significa “familiarizar-se” ou “habituar-se”. Já em Pali, língua que tem mais de 2.500 anos, a palavra para meditação é bahvana, que pode ser traduzida como “cultivar”, usada também para designar o cultivo do solo. É interessante observar que, mesmo em sociedades milenares com forte tradição meditativa, a meditação não tinha qualquer conotação mágica, mística ou sobrenatural. Tratava-se de um conjunto de práticas voltadas a familiarizar-se, cultivar e tomar consciência de alguns tipos específicos de processos mentais (Tan, 2014). 13 FINALIZANDO Parabéns por ter chegado a esse ponto do nosso estudo. Nos próximos, vamos retomar alguns dos conteúdos vistos aqui e conectá-los à Liderança Consciente, ou Mindful Leadership. 14 REFERÊNCIAS BREWER et al. A experiência de meditação está associada com diferenças em conectividade e nas atividades da Rede de Modo Padrão (RMP ou DMN). 2011. Disponível em: <http://www.pnas.org/content/108/50/20254.short>. Acesso em: 8 ago. 2019. DAVIDSON, R.; KABBAT-ZINN et al. 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