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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Registro: 2022.0000241680 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001628-74.2021.8.26.0453, da Comarca de Pirajuí, em que é apelante G.B. PARTICIPAÇÕES E ADMINISTRAÇÃO DE BENS LTDA, é apelado MUNICIPIO DE PRESIDENTE ALVES. ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores OCTAVIO MACHADO DE BARROS (Presidente) E MÔNICA SERRANO. São Paulo, 1º de abril de 2022. SILVANA MALANDRINO MOLLO Relator(a) Assinatura Eletrônica PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1001628-74.2021.8.26.0453 -Voto nº 14085 2 Apelação Cível nº 1001628-74.2021.8.26.0453. Apelante: GB Participações e Administrações de Bens Ltda. Apelada: Municipalidade de Presidente Alves Comarca: Pirajuí. Juíza de origem: Jéssica Pedro Villela. VOTO Nº 14.085 APELAÇÃO CÍVEL - Mandado de Segurança - ITBI Integralização de bens imóveis ao capital social da impetrante Pretensão voltada ao reconhecimento da imunidade tributária sobre a totalidade dos imóveis transferidos, nos termos do art. 156, §2º, inciso I, da Constituição Federal Sentença que denegou a segurança Imunidade que deve ficar limitada ao valor dos bens até o montante da integralização do capital social – Cabimento da incidência do imposto sobre a diferença entre o valor integralizado ao capital social e o valor venal de cada imóvel Observância ao entendimento firmado pelo E. STF, em sede de repercussão geral (Tema nº 796) Imunidade tributária que não alcança o valor excedente Sentença mantida Recurso não provido. Trata-se de Recurso de Apelação interposto por GB Participações e Administrações de Bens Ltda., em face da r. sentença de fls. 477/479, que, nos autos do Mandado de Segurança por ela impetrado contra ato do Chefe do Executivo do Município de Presidente Alves, denegou a segurança pretendida, extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, por considerar que a imunidade deve se limitar ao exato valor do bem integralizado ao capital social da empresa, incidindo, portanto, ITBI sobre a diferença entre esse valor e o valor venal do imóvel. Alega, a empresa apelante, em síntese, que, de acordo com o art. 156, inciso II e §2º, da CF, o legislador constituinte PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1001628-74.2021.8.26.0453 -Voto nº 14085 3 elegeu como imunes ao ITBI, os fatos geradores relacionados à transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica no tocante à integralização de capital social, o que foi corroborado pelos artigos 36 e 37 do CTN. Afirma que os sócios atribuíram aos imóveis, no contrato social, os valores contidos em sua declaração de bens. Contudo, a Fazenda Municipal defende que o valor venal dos imóveis perfaz o montante de R$ 3.186.809,50 e não o valor declarado e integralizado pelo apelante. Sustenta que o caso não se amolda ao Tema nº 796 do STF, o qual reconhece a incidência do ITBI sobre o valor excedente integralizado a título de “capital reserva”, visto que, “no caso em questão não há capital reserva, sendo os valores transmitidos integralmente contratados no contrato social” (sic). Pede reforma. O recurso foi recebido e devidamente processado, sem apresentação de contrarrazões (fls. 514). Instado a se manifestar, o Ministério Público declinou de intervir no feito, ante o caráter manifestamente disponível do direito discutido (fls. 473/475). É O RELATÓRIO. Deixo de remeter os autos à D. Procuradoria Geral de Justiça, tendo em vista a disponibilidade do direito discutido, inclusive enfatizado pelo Parquet, em Primeiro Grau (fls. 473/475). Depreende-se dos autos que GB Participações e Administrações de Bens Ltda. impetrou Mandado de Segurança contra ato reputado coator visando ver reconhecido direito, o qual alega ser líquido e certo, referente à inexigibilidade do ITBI referente aos imóveis indicados na inicial, por estarem abrangidos pela hipótese de imunidade constante do art. 156, §2º, inciso I, da CF. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1001628-74.2021.8.26.0453 -Voto nº 14085 4 Após as informações/defesa apresentadas pela Fazenda Municipal (fls. 461/466), sobreveio a r. sentença de fls. 477/479, que denegou a segurança, por reconhecer a incidência do ITBI sobre a diferença entre o exato valor dos bens integralizado ao capital social e o valor venal dos imóveis. Discordando do r. decisum, a impetrante apelou, recurso este que passo a analisar. Pois bem. A questão sub judice cinge-se a verificar se a imunidade prevista no referido dispositivo alcança o valor total dos imóveis transferidos ou deve se limitar ao exato valor do bem integralizado ao capital social. Com efeito, o ITBI é um imposto de competência municipal, cujo fato gerador é a transmissão, a qualquer título, de bens imóveis. Nesse passo, estabelece o art. 156, inciso II, parágrafo 2º, da Constituição Federal, in verbis: “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...) II transmissão 'inter vivos', a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; §2º. O imposto previsto no inciso II: I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1001628-74.2021.8.26.0453 -Voto nº 14085 5 venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil; (g.n.)” Ou seja, conforme tal dispositivo, o ITBI não incide: a) quando há a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, ou sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica e, cumulativamente, b) quando a atividade preponderante do adquirente não for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. No caso sub judice, resultou comprovado nos autos que os sócios integralizaram ao capital social da empresa, três imóveis matriculados sob os nºs 20.868; 23.202 e 23.205, perante o Cartório de Registro de Imóveis de Pirajuí. Além disso, pelo contrato social, evidencia-se que o objeto social da empresa autora, adquirente dos bens, não está direcionado à atividade imobiliária, como compra e venda dos bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. Desse modo, em princípio, seria cabível a aplicação da imunidade constante do art. 156, §2º, inciso I, da CF. Diz-se “em princípio”, porque, o art. 38 do CTN estabelece que a base de cálculo do ITBI é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos e, como já firmado pela doutrina e jurisprudência, a fim de que não haja afronta ao princípio da legalidade. Assim, aplicando-se uma interpretação sistemática e teleológica do ordenamento jurídico pátrio, que incentiva a livre iniciativa, mas procura evitar manobras tributárias que gerem danos ao erário, mostra-se correto, in concreto, a aplicação da imunidade constante do art. 156, §2º, inciso I, da CF, quanto ao exato valor do bem integralizado ao capital social da empresa, cabendo o recolhimento do ITBI sobre a diferença entre PODER JUDICIÁRIO TRIBUNALDE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1001628-74.2021.8.26.0453 -Voto nº 14085 6 essas quantias e os valores venais de cada imóvel, tal como corretamente decidido pela r. sentença guerreada. Isso porque tal diferença não deixa de ser transferência de patrimônio, fato gerador do ITBI, não acobertada pela imunidade tributária estabelecida no art. 156, §2º, inciso I, da CF. Acrescente-se que a questão aqui discutida, já foi decidida pelo E. STF, em sede de repercussão geral, no julgamento do RE nº 796.376 (Tema nº 796), cuja tese fixada tem o seguinte enunciado: “A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado". Transcreve-se, abaixo, a ementa do julgado: “EMENTA. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS - ITBI. IMUNIDADE PREVISTA NO ART. 156, § 2º, I DA CONSTITUIÇÃO. APLICABILIDADE ATÉ O LIMITE DO CAPITAL SOCIAL A SER INTEGRALIZADO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO. 1. A Constituição de 1988 imunizou a integralização do capital por meio de bens imóveis, não incidindo o ITBI sobre o valor do bem dado em pagamento do capital subscrito pelo sócio ou acionista da pessoa jurídica (art. 156, § 2º,). 2. A norma não imuniza qualquer incorporação de bens ou direitos ao patrimônio da pessoa jurídica, mas exclusivamente o pagamento, em bens ou direitos, que o sócio faz para integralização do capital social subscrito. Portanto, sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o capital subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI. 3. Recurso Extraordinário a que se nega provimento. Tema 796, fixada a seguinte tese de repercussão geral: 'A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1001628-74.2021.8.26.0453 -Voto nº 14085 7 Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado'”. (RE 796376, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-210 DIVULG 24-08-2020 PUBLIC 25-08-2020) (g.n) Nem se alegue que, para a integralização dos imóveis ao capital social da empresa, foram utilizados valores históricos, dos bens, atribuídos pelos sócios, na Declaração de Imposto de Renda, com base no disposto no art. 23 da Lei nº 9.249/95, in verbis: “Art. 23. As pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado. § 1º Se a entrega for feita pelo valor constante da declaração de bens, as pessoas físicas deverão lançar nesta declaração as ações ou quotas subscritas pelo mesmo valor dos bens ou direitos transferidos, não se aplicando o disposto no art. 60 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e no art. 20, II, do Decreto-Lei nº 2.065, de 26 de outubro de 1983. § 2º Se a transferência não se fizer pelo valor constante da declaração de bens, a diferença a maior será tributável como ganho de capital.” Isso porque os referidos valores históricos atribuídos às transferências dos imóveis não representam os seus valores venais, tampouco se tem comprovação do valor das respectivas transações, os quais dizem respeito à base de cálculo do ITBI, tratando-se, assim, de valor unilateral que foram atribuídos pelos sócios para fins, exclusivamente, de declaração de imposto de renda, nos termos da Lei nº 9.249/95. Aliás, o mencionado dispositivo da lei federal PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1001628-74.2021.8.26.0453 -Voto nº 14085 8 não tem aplicação ao caso em comento, vez que se destina a verificar se com a transferência do imóvel houve ganho de capital tributável ou não, para fins, exclusivamente, de imposto de renda. Com efeito, o valor atribuído pela recorrente aos imóveis voltados à conferência do capital social é escolha particular dela e diz respeito somente à pessoa jurídica. Ou seja, se a sociedade decide aumentar o seu capital social levando em consideração o valor venal dos imóveis integralizados ou apenas o seu valor histórico, isso pouco importa para o Fisco, que calcula o ITBI sobre o valor venal dos imóveis transmitidos ou sobre o valor da transação, o que for maior, de modo que, se o valor venal é superior àquele acrescido ao capital social da empresa, o imposto incide sobre a diferença. Ressalte-se, ainda, que a interpretação que a apelante tenta dar ao precedente do E. STF (Tema nº 796) não condiz com o sentido expresso da tese jurídica firmada, pois não existem duas operações distintas: a integralização de capital social e a formação de reserva de capital. Mas toda quantia excedente à integralização de capital social é, por definição, capital de reserva, não estando acobertada, assim, pela regra da imunidade. Em casos semelhantes, já proclamou esta E. Corte de Justiça: “AGRAVO DE INSTRUMENTO - MANDADO DE SEGURANÇA - ITBI - Exercício de 2020 - Município de Bertioga - Pedido de emissão de certidão de reconhecimento de imunidade/não incidente de ITBI sobre a operação da integralização de quotas subscritos por sócio da agravante por meio de bem imóvel - Indeferimento da liminar - Cabimento - Ausência de preenchimento dos requisitos para a concessão da medida liminar - Ausência da probabilidade do direito alegado, em sede de análise perfunctória eis que há diferença entre o PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1001628-74.2021.8.26.0453 -Voto nº 14085 9 valor atribuído ao imóvel pelo sócio em relação as quotas a serem subscritas e o valor venal do imóvel - Tema nº 796 do E. STF - Situação que afasta, ao menos em sede de cognição não exauriente, a imunidade tributária à operação - Inexistência de risco de dano grave e irreparável à agravante - Decisão mantida - Agravo desprovido.” (Agravo de Instrumento 2129715-32.2021.8.26.0000; Relator (a): Silva Russo; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Data do Julgamento: 12/08/2021) Desse modo, a r. sentença merece ser mantida na sua integralidade. Posto isso, nego provimento ao recurso. SILVANA M MOLLO Relatora 2022-04-01T11:45:18-0300 Not specified