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O problema da desertificação
LÍVIA GAIO ILB Bôyo CAMPFJ.LD
Mestre em Polílicas Públicas e Pr<x.essij
pela FDC.". Bolsista Capes. Professora
de Direito Internacional Público,
Sociologia (urídita f Metodologia da
Pesquisa na FDC.
RESUMO: A presente pesquisa tem por íim a
análise da degradai,ao ambiental, conhecida
como ri esert i ficarão, suas causas e seu impai,
to sobro o homem. Preie.ndeu-se demonstrai
1 que, a partii do reconhecimento mundial do
problema, vário', documentos internacionais
íoram elaborados corn ênfase ao combate
desse fenômeno, tais tomo- o Plano das Na-
ções Unidas de Combate à Deserl i ficarão e A
Agenda 21. Este Miúdo assume significativa
relevância após a constalação, cm !H91, pulo
Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente - PNUMA -, de que a aplicarão de
recursos c a reversão dos processos de deserti-
ficacão, em nível global, haviam sido bastan-
tes rni«destos. Por tais razões, íoi elaborada a
Convenção Internacional de Combale à De-
sertiíicacão nos Países Afetados pela Seca c/ou
Desertificdção, particularmente nu África, que'
entrou em vigor em 17.0(1.1994. No Brasil, à
desprtificação atingi', principalmente, a região
nordeste. Ü governo brasileiro ratifitou 3 con-
venção internacional e, conforme a orienta cão
dada nesse acordo, preparou a sua própria Po-
lítica Nacional do tonlrole da Desertifii ação.
ABSTUACT: Having thc known environniental
degradai ion plienomenon as a n importam
issue that conrerns lhe whole world, man^
intornational moves nave been developed by
wiphasî ing the muntioniíd prtiblem, as the
following listed onos: 'tlie United Nations
Convi-ntion to Cornbat Deserlification, The
Earih Charter and The Plsn of Action to Com-
bal Desertifii.ation In tlii; counlries
by descrtifiuiüon, most of thcm in África In
Brazil, sinvic; descrtificalion ha; ft>cuseri its
rootsin thenoitheast region oílheiountvy, the
governmenl lias ratified an intcrnational agiee-
menl through which developed its own Natio-
nal Deserlification Control Poliiy Dói umünt
in whkh it's fiossíble to visualize as essential
poirits the chapter l 2 of The tanh Charter and
The United Nations Convenlion to Conibaling
Deserlification, successively by empathizjng
the specific draw line.s of the probleni and hy
rcaffirrning the need of having nalional, regio-
nal and local steps forwdrd to combaling lhe
degradation phenomenon. In that way the pre-
sent study tries to rnake s great analysis upon
the enví'onmenLal degradation by showing its
ev(jlutii>n in thc internai i ijna l law and iís refle-
«es in lhe Brdzilian law.
PALAVBAS-CHAVL: Dcsertifi(.ação - Plano das
Nâ õei Unidas de Combale á Desem ficada o
- Agenda 2] - Convenção Internacional de
Combale à Desert i Reação nos Paists Afetados
pela Seca e/ou Deserlificação, particularmenle
na África - Política Nacional df- Controle da
Desertificação.
KEVWOBDS: Desertification - United Nations
Convenlion tu Curnbat Desertilication - Earth
Charter - Plan of Aciion to Combat Deserlifi-
cation in lhe countrics affected by düsertifica-
lion. most of lhem m Aínca - National Deserti-
fication Conirol Policv
130 LÍVIA GAIHHUÍ Bósio CAMPFILO O problema da dc-scrtiíicaçào 131
SUMARIO: 1, O reconhecimento do problema em nível mun-
dial - 2. O conceito de dcsertificaçâo - 3. A= causas da
desertificacào: 3.1 Ação dos fatores climáticos no proces-
so de desertificação; 3.2 A relação entre o homem e um
"meio ambiente difícil": 3.2.1 Pecuária; 3.2.2 Agricultura
- 4. O impacto da desertificação sobre o homem - 5. A l
Conferência das Nações Unidas sobre Desertificação: 5.1
O plano de ação das Nações Unidas para combater a de-
sertificação (PACD) - 6. A Conferência das Nações Unidas
sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), a
Agenda 21 e a desertificação - 7. A Convenção Internacio-
nal de Combate à Desertificação nos Países Afetados por
Seca Grave e/ou Desertificação, Particularmente na África:
7.1 Definição dos termos, objetivos, princípios e obriga-
ções das partes; 7.2 Os programas de ação: NAP's, RAP's
e SRAP's; 73 Desertificação e desenvolvimento partici-
pativo (bottom-up approach) - 8. A Política Nacional de
Controle da Desertiíicação: o Brasil e as suas respectivas
Áreas Suscetíveis à Desertificação (ASD's) -- 9. Resolução
Conama 238 de 22.12.1997 - 10. A construção partici-
pativa do Programa de Ação Nacional de Combate à De-
sertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-Brasilt
-11. Conclusão.
l . O RECONHECIMENTO DO PROBLEMA EM NlVEL MUNDIAI
No início do século XX, o inundo necessitava do irigo e pagava um bom
preço por ele. Os fazendeiros do meio-oesie americano aravam e plantavam o
trigo como nunca, principalmente após a colheita fenomenal de 1926. Devido
ao clima seco, tais fazendeiros buscaram expandir a agricultura era mais terras,
visando a um maior lucro, não demonstrando qualquer preocupação com a
ocorrência de danos ao solo.1
Em 1930. em meio à Grande Depressão, os povos das grandes planícies do
meio-oeste americano temeram o fim do mundo, vez que a terra se encontrava
demasiadamente ressecada e, no verão, regi s travam-se as mais altas tempera-
turas. Desde enlüo. grandes tempestades levantavam o solo frouxo. Formando
uma cortina de poeira que circulava pelos campos e destruía a lavoura de irigo
que ainda resistia à seca/
MACINTOSH. Phyllis. D ese n i fica ri (ir,: Farths Silent Scourge. Texto publicado
em 2004. Disponível tm: <hílp://usiufo.siaTe.gov/product.s/pubs/deserrilic/expe-
TÍence.hun>. Acesso em 10.01.2006
MACINTOSH, Phyllis. Desmifkarion: Líarths Silent Scourge. Texic. publicado
em 2004. Disponível em: <h 11 p://usiulo.st aTt.gov/produc rs/pubs/deserrific/expe-
rienre.htm> Acesso cm 10 Oi .2006
Paul tionnifield' relaia que nu domingo, 14.04.1935. "o dia estava morno e
agradável", quando: [ . . . j "uma bnsa delicada choramingou íora do sudoeste. De
repente uma nuvem apareceu no horizonte. Os pássaros voaram rapidamente,
mas não rápido o bastante para a nuvem que viajava a sessenta milhas por
hora. Este dia, que muitos povos da área recordam proniatnente, foi nomeado
'domingo pi e t o.""
No dia seguinte á tempestade, Robert Geiger, um correspondente associado
à imprensa, criou o termo Dusí Bmvl para enquadrar "uma área de aproxima-
damente 388.500 quilômetros quadrados, que inclui Gklahoma, uma longa e
estreita Faixa do Texas e trechos vizinhos ao Colorado, Novo México e Kansas.''4
O termo vingou e passou a ser utilizado para descrever a combinação trágica
entre a degradação do solo E- as extremidades climáticas que ocorrem nas grandes
planícies do meio-oeste americano.'
Esse acontecimento motivou os cientistas a iniciarem um conjunto de
pesquisas, denominando tal processo como desertificação e, ainda hoje, muitos
especialistas consideram o Americds JJusf Bowl, o exemplo clássico de como o
mau uso da terra, agravado pela seca, pode transformar o solo produtivo em
poeira. f j
O termo desertifieaçào foi primeiramente, usado por um francês chamado
Aubréville, em 1949, ao descrever a sua percepção sobre a expansão do deserto
do Saara paia as regiões de savanas.1
Em 1973, a região do Sahel. uma zona de transição para os climas tropicais,
situada na África, precisamente à margem sul do Saara, havia sofrido cinco anos
ininterruptos de seca.
A grande seca do Sahel, que começou em 1968, foi atribuída principalmente
à baixa precipitação da chuva, vez que, na normalidade se atingia anualmente o
índice de 284 mm, e, naquela ocasião o índice foi muito abaixo da média, regis-
trando somente 122 mm. Nos anos seguintes, o imprevisível comportamento do
tempo oscilava, ale que, em 1972, foi registrado o pior índice de precipitação
anual, 54 mm. Em 1973, o cenário, que apresentava um espetáculo de "vastas
migrações e campos de refugiados", chamou a atenção mundial e serviu como
estímulo para o apelo das Nações Unidas à cooperação internacional no combate
à desertilicação, incluindo a convocação de uma conierência internacional sobre
o tema, á qual foi submetido um plano de ação H
3. BONNIFILLD.Pau!. 1930'Dusi Bowl.Lxcerpus frgm The Dust Bowl. Meu, Din
and Depression. Disponível em thtlp://www.ptsi.n(ít/usf.T/museum/àiisibowl.
html>. Acesso em 11.01.2006
4. Idem. ibidem.
5. MACINTOSH (2004). Op cit.
ó. Idem, iludem.
7. MACINTOSH. Climalic Surlaces and Designation of Aridity Zones. World A tias
of desertificotion 2. ed. Uriep, 1997, p. 08
8. MACINTOSH. Deseruficagão: Uma visão global. Ocscrti/Jcarão: causas e conse-
qüências. Henrique de Sarros e Ario Lobo df Azevedo (írad.). Lisboa: Fundação
Calousle Gulbenkian 1092, p. 13-14. Nesta obra, exprime-se que a situação do
Sahel. no tjumto uno de seca, era a mais cnlica possível, sendo assim descrita:
DOUTRINA. NACIUNAL
132 Bòsio CAMPLIIO O problema da desertiücacão 133
O mundo se deparou com uma serie de perguntas não respondidas. A seca
do Sabei era a evidencia de mudanças maiores no clima global? O Saara estava
expandindo para o sul? Que implicações isso leria para os países direi amem e
envolvidos? Para seus vizinhos? Para a comunidade internacional? O que poderia
ser feito para amortecer o impacto, ou para impedir mudanças desastrosas?9
Atento ao aspecto geral das informações que já estavam disponíveis, e, lendo
em vista o exemplo da África, Heitor Matallo júnior1'1 afirmou que: 1...] "tio
caso africano, a sedentarização das populações antes nômades, mudanças nos
modelos de exploração tradicional dos recursos naturais, a estruturação de Um
mercado demandante de produtos agrícolas e:m zonas andas, os desmatame.ntos
para a produção de energia e incorporação de novas terras ao processo produ-
tivo, associadas aos problemas da pobreza da população, formam o complexo
conjunto de causas básicas dos processos de de certificação.''
Não obsiante o reconhecimento mundial do problema da desertificação
ter surgido com a questão africana, o fenômeno já havia sido aponiado como
um fator de declínio de civilizações muito antigas, como foi o caso das terras
de regadio dos Sumérios e Babilônicos, nas quais, devido ã insuficiência de
drenagem, a produtividade agrícola foi destruída como conseqüência dos sais
concentrados.11
"O Lago Chade esteve reduzido a um terço da sua dimensão normal e já nada
significava como reservatório de água. No inverno precedente, os nos Niger e
Senegal não haviam extravasado, o que fez com que grande parte da melhor
terra agrícola de cinco países (Nigéria, Mali, Alto Volta, Senegal e Mauritânia)
permanecesse seca e estéril. As faltas de chuva significaram a peida de valiosas
pastagens anuais do Sahel do Norte, tai como se mostra no estudo do caso do
Niger; a medida que a seca continuava e a reserva de água ficava mais exaurida,
generalizava-se a morte dos arbustos e árvores com valor alimentar, iam secando
os poços superficiais estacionais em grande parte do Sahel, restringia-se a explo-
ração das pastagens até alcançar nível crítico. Gado esfomeado e enfraquecido
concentrava-se ern redor dos bebedouros, e ali destruía totalmente a vegetação e
o solo, ou então, deslocava-se para o sul na tentativa freqüentemente infrutífera
de procurar pastagens. Deixava atrás de si uma paisagem nua, a cozer ao sol,
na qual surgiam e tendiam a ligar-se entre si trechos de desertos recentemente
criados, dando a impressão de que o grande deserto do Sahara eslava a caminhar
para o sul. Mais ao sul, os agricultores eram atingidos por um estado similar de
seca, que causava sucessivos fracassos das colheitas, o que fazia desaparecer as
tradicionais pastagens dos retolhos. As reservas regionais de alimentos estavam
exaustas e todos os sistemas sahelianos de criação de gado se encontravam em
ruptura completa "
9. liniled Nations Coníerence on Desertihcation (Uncod) Round-up, plan of
action and resolutíons. New York" United Nations, 1978 Disponível em:
<http://www.ciesin.org/docs/002-478/U02-478.htoil>. Acesso em ló.OJ.2006.
10. MATAI LOJÚNIOR, Heitor. Oeserti/Jração, 2. ed. Brasília: Unesco, 2003, p. 09.
11. Outros exemplos desse entendimento sáo: a seca prolongada que danificou
a base agrícola dos Harapanos, quando estes haviam erguido uma civilização
primitiva onde atualmente é o Paquistão, e a verificação de que o litoral medi-
terrãnico da África era mais produúvo no tempo dos Romanos do que nos dias
Não há possibilidade de se quantificar exatamente a área total de lerras
degradadas devido à utilização pelo homem, desde quando a agricultura se
iniciou. No entanto, alguns peritos sugeriram que a taxa de degradação vem
aumentando significativamente durante as últ imas décadas, apontando que ela
eqüivale, atualmente, a pelo menos 50.000 quilômetros quadrados por ano."
É importante a constatação que se dá a partir da compreensão pilo homem
de que a desertilicação tem acelerado, para que este se dedique mais às pesquisas
quanto a esse tema. No entanto, mesmo que o conhecimento do fenômeno ern si
não seja algo (ao novo, o reconhecimento da descrtificação como um problema
global é tão recente que nem mesmo a palavra desertificação figura nos dicioná-
rios. Por isso. muita conirovérsia há ainda a respeito do seu real significado.1'
Os dados que explicitam a situação mundial pertinente aos processos de
desertíllcação indicam que tais problemas incidem sobre 33% da Terra, onde
vivem aproximadamente 2, 6 bilhões de pessoas, numero que corresponde a 42%
da população mundial "
Por outro ângulo, a região subsaariana, que comporta mais de 200 milhões
de habitantes, apresenta o problema de maneira mais acentuada, pois ali cerca
de 20% a 50% das terras já estão degradadas. Emretanto, a degradação do solo
também e severa em regiões da Ásia e da América Latina, sendo que, nesta
última, mais de 516 milhões de hectares são afetados pela desertíficação, com
um cálculo de perda anual de 24 bilhões de toneladas de camada arável do
h
2. O CONCEITO DE DESERTIFICAÇÃO
Segundo Francisco Manas,"1 desertificação é um vocábulo que vem sendo
utilizado, pela comunidade científica desde, pelo menos, 1949, quando Auhré-
ville publicou um livro com o título CÀima, bosques v desertíficación en ei África
Tropical
de hoje. Conforme, MACINTOSH. De.seiti fica cão: Uma visão global. Deserti-
ficação: causas e conseqüências. Henrique de Barros E Ario Lobo de Azevedo
(trad.). Lisboa- Fundação Calouste Gulbenldan, 1992, p. 14.
12. Idem, ihidem.
L3. Idem, íbidem.
14. ADAMS, C. R.; FSWARAN, H. Global land resources in lhe context of food and
environmemal securily, apud, GAWANDF, S. ü Advances in Land Resources
Management for lhe 20 th Century. New Delhi: Soil Conservation Society of
índia, 2000, p. 35-50 Disponível em. <hllp://www.íao org^g/agl/agll/lada/
emai.lconl.stm>. Acesso em 21.10.2005
15. l'ocid And Agrieulture Organízation of lhe United Nations (FAO). A new
framework for Conservation-ei fec ti vê land management and desertification
control in Latin America and Carihbeari Guidelines tòr lhe preparation and
irnplementation of National Action Programs. Rome: IAO, 1998. Disponível
em. <http://www.fao.org/docrepAV9298L.htm>. Acesso em 21.10.2005.
16. MANAS, Francisco Martin de Santa Olalla. iií riesgo de deserlificación. Agricul-
tura y desertificadím Madnd: Mnndi-Prensa Líbros S. A. , 2001, p. 18
Rcvwía f/e Direito Ambienta/ DOUTRINA NACIÜNAI
III
134 LÍVIA CiAiaii.K MOMO CAMINHO
Rubio1 ' aiesta que se t rata de um termo complexo, bastante controveriido,
freqüentemente utilizado de lorina errônea e, devido à imprecisão do seu signi-
ficado, de d i f í c i l eonceituação. Em c on l rã partida, conforme Ibànez,"1 pode-se
dizer que é um termo bastan',e intuitivo, podendo ser objeto de tratamento erti
estudos, sem necessariamente ler de dar conta do seu significado estrito.
Na verdade, o fenômeno da deserlilicação varia muito de acordo corn o
grau de desenvolvimento, conhecimento científico, cultural, econômico e social
das populações afetadas. Por conta disso, já foram formuladas mais de cem
definições, porém nenhuma caracteriza plenamenle o processo de degradação e
eonseqüent emente, nenhuma tem aceitação universal.1'1
Heitor Matallo Júnior20 afirma que "a idéia de 'degradação daterra' é ela
mesma urna idéia complexa, com diferentes componentes." Sendo estes os
componentes confirmados: a) degradação de solos, b) degradação da vegetação,
c) degradação dos recursos hídricos, e d) redução da qualidade de vida da popu-
lação. Depreende-se que todos eles dizem respeito a áreas específicas de conhe
cimento, tratando-se, respectivamente, de componentes físicos, biológicos,
hídricos e socioeconômicos. Mais ainda, nas palavras de Heitor Matallo Júnior,15
''as áreas de conhecimento científico mencionadas possuem uma longa tradição
de pesquisa e uso de indicadores e metodologias de trabalho muito particulares
e adequadas a seus objetos de estudo." Portanto, infere-se que não há a menor
possibilidade de sobrepor uma área à outra.
O problema que convém ressaltar é que como o objeto, desertificacão, ainda
não foi suficientemente delimitado, não ha como atribuí-lo a um programa de
pesquisa específico. Nas palavras de Matallo Júnior.22 ''o que tem ocorrido é o
desenvolvimento do lema no contexto dos programas seloriais, ou segundo os
diferentes paradigmas já estabelecidos."
No entanto, a definição de deserlificação mais ainplamenie admitida foi
formulada por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre o M fio Ambiente e
Desenvolvimento- CNUMAD-, que foi realizada no Rio de Janeiro, Brasil, entre
03 e 14 de junho de ] 992. e da Convenção das Nações Unidas sobre o Combate à
Desertificacão - UNCCD ~, acordada em 17.06.1994.
Na oportunidade da CNUMAD, as idéias expostas e debatidas consolidaram
um importante documento internacional de proteção ao meio ambiente. Entre-
tanto, é importante aqui reproduzir alguns termos do capítulo 12 da referida
agenda, posto que, se refere diretamente ao manejo dt: ecossistemas jrdgds: a
lula contra a desertificação e a seca, trazendo como marco o conceito de deseni-
17. RUBIO, J. L. Desertificacilin Un término complejo. Quercus. 1992, p. 20-21.
18. 1BAN1ÍZ, J J. et ai. l.os geo sistemas mediterrâneos en ei espado yen ei üempo.
La evoluaón dei paisaje mediterrâneo en ei espado > fin d tiempo. Implica clones
en Ia deserlificación. Logrono: Geolorma, 1997, p. 27-130
19. MANAS (2001). Op.cn., p. 18.
20. MATALLO JÚNIOR, Heitor, /ndifüílotes dt dewrtificação: histórico e perspec-
tivas. Brasília1 Unesco, 2001, p. 24
21. Idem.p. 25.
22. Idem, p. 26
da Direito Ambiental
O problema dd desertificacão 135
fieação, que assim fica entendida como "a degradação do solo em áreas áridas,
semi-áridas e subúm idas secas, resultante de diversos fatores, inclusive de varia-
ções climáticas e de atividades humanas."
A UNCCD, em seu primeiro artigo, que cuidadas definições dos termos utili-
zados ao longo da Convenção, repetiu o coiiceiio de desertificaçáo apresentado
na Agenda 21, não deixando dúvidas sobre a concordância com a definição que
jã eslava colocada no referido documemo. No entanto, a Convenção delineou
o que pode ser entendido por degradação do solo ou da lírra, assim dispondo;
[...] "/) Por degradação da terra entende-se a redução ou perda, nas zonas áridas,
semi-áridas e sub-nmidas secas, da produtividade biológica ou econômica e da
complexidade das terras agrícolas de sequeiro, das terras agrícolas irrigadas, das
pastagens naturais, das pastagens semeadas das florestas e das matas nativas
devido aos sistemas de utilização da terra ou a um processo ou combinação de
processos, incluindo os que resultam da atividade do homem e das suas formas
de ocupação do território, tais como: a erosão do solo causada pelo vento e/ou
pela água; a deterioração das propriedades físicas, químicas e biológicas ou
econômicas do solo. e a destruição da vegetação por períodos prolongados."5
Mesmo que o conceito presente nos documentos iniernacionais seja
descrito de fonna genérica, a deserlificação incorpora um significado universal
no sentido de ser reconhecida como um processo degradador em nível global
que necessita ser combatido.
Eqüivaleu i e à coneeituação trazida pelos documentos acima citados é o
entendimento de Manas,23 quando assevera que desertificacão é: un proceso
complejo que rfduce Ia prodnctividad y ei valor de íos recursos naturales, em
ei contexto específico de condiciones climáticas áridas, semiáridas y suhhú-
inedas secas, como resultado de variaciones climáticas y actuaciones humanas
adversas
Nesse sentido, a desertificacão. numa visão puramente agronômica, pode ser
considerada como uma diminuição da produtividade dos solos, como resultado
do uso e gestão inadequados dos recursos naturais em territórios fragilizados
pelas condições climáticas adversas. Nas palavras de Manas24 "es un conjunto
de procesos o manifestación de fenômenos implicados em ei empobrecimiento y
degradación de íos geoecosistemas terrestres por impacto humano."
Não cusia evidenciar que não se írata de um problema meteorológico ou
ambiental somente, mas síni de uma ruptura do equilíbrio entre o meio ambieme
e o sistema de exploração humana, ocasionada por uma crise climática, socio-
EconOmira e ambiental que, por sua vez, desencadeia um novo processo de
degradação, dificultando ou impedindo a conservação do solo, imprescindível
para o desenvolvimento sustentável
Logo, a deseriificação pode ser apontada como uma patologia ambiental
complexa, fruto de um processo composto por múltiplos faiores, que se inter-
relacionam e iniegram diversas áreas de conhecimento.
23. MANAS (2001). Op. en., p. 18
24. MANAS (2001). Op. cil., p 19.
DOUTRINA NACIONAL
13b LÍVIA CAMPRÍO
3. AS CAUSAS DA UirSLRIIHrAÇÃO
Foi assinalado que os processos de degradação sào os mecanismos respon-
sáveis pela diminuição da qualidade do solo, sendo que tais processos normal-
mente são agrupados era degradação física, química e biológica, Fnireianto, vale
dizer que Joan Caries Colonier Marco e Juan Sánchez Diazr' consideram que
"esta disiitición resulta un tanto arbitraria y poço salisfactoria, puesto que, muy
írecufiHemente, se producen de manera simultânea "
De falo, o solo constitui um sistema dinâmico e complexo em que vários
componentes interagem. Mas, a despeilo de não haver um método univer-
salmente válido para identificar a deserlificaçáo, bem como, suas causas, não
se devem desconsiderar os estudos pré-existemes sobre os possíveis diversos
fatores que incidem concornitantemente sobre o Fenômeno, mesmo que tais
estudos reflitam um somatório de metodologias.
Assim, Marco e Díaz"' afirmam que "procesos como Ia erosióri, saliniza-
ción, lixiviación, acidificación, ele., son procesos que de Forma narural se estãn
produdendo, sin que requieran Ia iniervención humana". Porém, esses mesmos
processos, quando acelerados ou induzidos por atividades humanas, causam
degradação ou desertincação.
A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação - FAO
- enumera genericamente os fatores responsáveis pela maior severidade da
desertificação, identificando-os como; a) O rigor das condições climáticas
durante um período considerado, em vista de critérios de precipitação anual; b)
A pressão populacional e o padrão de vida das pessoas envolvidas; e c) O nível
de desenvolvimento do país e a qualidade de medidas preventivas adotadas."
Existe a necessidade urgente de se aluar para combater a desertificacão, vez
que se trata de um processo dinâmico, tendo sido jã constatado que a deserü-
ficação pode alimentar-se a si e tornar-se auto-acelerada."1 Assim, o atraso no
combate ao processo de degradação torna a recuperação do solo excessivamente
dispendiosa, podendo chegar a um limiar de degradação irreversível. Por conse-
guinte, faz-se imprescindível apresentar as causas específicas, mais admitidas
para esse fenômeno, mesmo que relacionadas com diferentes áreas.
Convém salientar que as causas da desertificacão aqui mencionadas foram
destacadas de vários estudos imerdisciplinares que, outrora, resultaram em um
25. MARCO, Joan Caries Colomer; DIÁ2, |uan Sánchez. Agricultura y procesos
de degradación dei suelo. Agricultura j desenificación. Madrid: Mundi-Prensa
LibrosS.A.,2001,p 112
26. Idem, p. 112.
27. Foodand Agnculture of The United Natiims (FAO). Symposium on land
degradatkm and poverty. Rome: FAO/In t ernalional Ferlilizer Industry Asso-
ciation (1FA), 2000, p. 03. Disponível em: <http://www.fao.org/docrep/X5317E/
x5317eOO.htm>. Acesso em 21.10.2005.
28. MACINTOSH. Descri i/I cação: uma visão global. Desertijiccu.au. causas e conse-
qüências. Henrique de Barros e Ario Loho de Azevedo (Trad.). Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1992, p. 23.
Revista cfe Direito Ambiental
O problema da desertificação 137
dossiê voltado á preparação da Conferência dv Nairóbi em 1977 e no posterior
plano de ação global para combater o fenômeno.
3.1 -Ação dos fatores climáticos no processo de desortifícação
Muno embora o homem seja considerado o principal aparelho de desenifi-
cação, o conhecimento do processo não deve limitar-se exclusivamente ao lado
humano. Ha fatores naturais relevantes para a identificação das áreas suscetíveis
à di/serüficação, dentre os quais o e lima e preponderante.
fim escala global e regional, as zonas áridas são definidas a partir de
critérios de drenagem, tipos de vegetação c características climáticas.1' Esses
aspectos influenciam o meio ambiente ao ponto de gerar limitações às atividades
humanas.
Assim, a aridez pode ser simplesmente definida como umdéfici! de umidade
devido ás circunstâncias climáticas, o qual configura a base para a designação
das regiões em que ocorre a desertificacão.30
A falta de umidade devido às condições climáticas adversas pode ser
observada a partir de quatro situações. A primeira tem em vista a estabilidade
atmosférica que incide, por exemplo, nos desertos tropicais, visto que o ar subsi-
denie é relativamente seco. A segunda é denominada continentahdode, na qual
d distância dos oceanos inibe a penetração dos ventos úmidos. A terceira, por
Sua vez, e a topografia, quando as montanhas lormam uma barreira às nuvens
de chuva. E, finalmente, a quarta situação advém das correntes oceânicas frias
que coniribuein para a existência de zonas desertas litorâneas, uma vez que,
provocam a redução da evaporação.Y'
A intensidade do índice de aridez varia de região para região em razão dos
diferentes níveis de déficit de umidade. Há na comunidade científica uma acei-
tação da nomenclatura utilizada por Thornthwaite f 1948) e Meigs (1953).';
Para esses autores, as áreas subúmidas secas caracterizam-se pelo poten-
cial de e vá pó ira nsp i raça o variável entre 0,5 e 0,65. Assim, há configurada uma
precipitação sazonal, ou seja, sujeita á estação. Tais áreas se mostram bastante
suscetíveis ;1 degradação, pois a precipitação sazonal implica em períodos de
extrema seca. Além disso, a agricultura t amplamente praticada nessas áreas, o
que realça a probabilidade de degradação. As áreas semi-áridas rei ratam-se pelo
potência! de evapoiranspiração variável entre 0,20 e 0.50. Trata-se de regiões
que propiciam a pastagem, para que aparentemente são adequadas, porém
obviamente firam prejudicadas pelo alto déficit de umidade. Nas áreas áridas, os
índices de evapotranspiração assumem valores em ré 0,05 e 0,2. São regiões onde
o pastoreio ê possível, mas muilo precário, tendo em vísia a vanabilidade climá-
tica. Por fim, as regiões hiperáridas que se configuram pelos índices de evapo-
transpiração menores que 0,05, são regiões que batem os recordes de períodos
29. MACJNfOSIl. Clima li c Surtaces and Designation of Aridíty Zunes. World atlas
of desfrtijtration. 2. ed Unep, 1997, p. 02
30 Idem, ibidem.
31. Idem, p. 05
32. Idem, ibidem.
DOUTRINA NACIONAL
138 CAMPHI.O O problema da desertific.dt.ao 139
sem precipitação. Nelas se localizam os verdadeiros desertos.>( Contudo, vale
dizer que há uma diferença entre os desertos extremos e as áreas propicias à
desertificaçâo
Em 1992, a Unep - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente -,
publicou no Mapa Mundial de Desertificaçâo a indicação das cinco principais
cimuras de deserto: 1) O deserto de Sonora do México norte-ocidenia! e a sua
coniinuação até às bacias de deserto dos Fstados Unidos sul-ocidentais; 2) O
deserto de Atacama, uma estreita faixa litoral a oesie dos Andes, desde o sul do
Equador até o Chile central; 3) Uma vasta ciniura desde o Oceano Atlântico até
a China, incluindo o deserto do Saara, o Arábico, do Irã e da URSS, bem como
o deserio de Rajastão, no Paquistão e na índia, os desertos de Takla-Makan e de
Gobi, na China e na Mongólia: 4) O Kalaari e as sua adjacentes terras áridas, na
África do Sul; 5) A maior parte da Austrália.
Saliente-se, como explica Kenneth Hare,!4 que os climas desérticos colidem
severamente com. o homem, já que a soma da falta de chuva e o excesso de calor
torna a superfície terrestre nos desertos, em grande parle ou compleiamenie,
vazia de vida.
Hare^ considera como desertas "todas as áreas terrestres, das quais a vida
permanente foi essencialmente excluída por falta de chuva", assim, para esse
autor, ''o povoamento de tais áreas está essencialmente confinado a oásis ribeiri-
nhos ou de águas subterrâneas."
Constatou-se que o declínio da produtividade biológica - desertihcação
- se deve em boa parte ao clima seco que marca as áreas áridas, semi-áridas
e subúmidas secas. No enianto, cumpre assinalar que os próprios desertos
extremos, hiperáridos, não estão sujeitos a posierior degradação, visto que já
não apresemam poiencialidade produtiva.3'' Portanto, pela lógica, as áreas desér-
ticas estão excluídas da preocupação mundial, TIO que se refere ao fenômeno da
descri i fi caça o
Ainda quanto à ação dos fatores climáticos, não se pode deixar de mencionar
o estudo feilo, em 1996, por Williams e Balling.5' No livro Inleractions betwen
climaie and desertification. produzido pela World Meieorological Organization
- WMO -. esses autores notaram que a desertificaçâo pode afetar o clima, assim
como o clima pode afetar a desertificaçâo
53. MACINTOSH. Cumatic Surfaces and Designation of Aridity Zones. Woild Atlas
o\ dês cn\ fica t i (m. 2. ed. Unep, 1997, p. 3
34 HARF, E Kenneth. Clima e desertificaçâo Dc.seni/irutílo: causas e conseqüên-
cias. Henrique de Barros e Ario Lobo de Azevedo (Trad.). Lisboa: Fundação
Calousti- Gulbenkian, ! 992. p. l 24.
35. Idem, ibidem
36. MAC1NTOSH. Dtserlificação: Uma visão global. Dt'serli/iciji;ão: causas e conse-
qüências. Henrique de Barros e Ano Lobo de Azevedo (Trad.). Lisboa: fundação
Calouste Gulbenkian, 1992. p. 17.
37 WILLIAMS, M. A. j.; I3ALLINÜ, R. C. JnfiTUdJotn betwrcn dnmificalinn and
climaie. London: Fídward Amokl. 19%, apud MACINTOSH. Climalíc Surfaces
and Designation oi Arídity Ztines. World Atlus of desemficalion. 2. ed Unep.
1997. p. 8
Revista de Direito Ambientai
Ocorre que a mudança climática induzida pelo homem, em escala global,
especificamente pela emissão de gases que provocam o efeito estufa, causa um
enorme impacto nas terras secas, alterando os seus regimes climáticos for outro
lado, as ações humanas, nessas regiões, alteram a natureza de sua superfície,
fato que. também afeta o contrapeso de energia da atmosfera e a ocorrência de
precipitação, provocando mudança climática.1"
3.2 A relação entre o homem e um "meio ambiente difícil"
A interação entre o homem e urn ambiente difícil pode ser explicitada por
meio dos sistemas de vida adotados em ecossistemas secos. Nesse contexto,
reflete-se a premissa de que o liomo sapicns e, genética e comportamenialrnente,
mais adaptável ao seu ambiente do que qualquer outro animal.'"
Isso se dá a partir dos profundos conhecimentos humanos das ecologías
locais que fundamentam estratégias mais destras do que seriam capazes outros
animais. Exemplo é. o fato de que a mobilidade e o conhecimento cio terreno
permnem explorai locais com chuvas apenas ocasionais."' Assim: "são eles
capazes de se dispersarem para explorar recursos muito esparsos, já que não se
lhes depara o obstáculo da propriedade. A sua variada dieta é suficientemente
nutritiva para lhes permitir que sobrevivam mesmo nos piores tempos. Util izam
o fogo para gerir a sucessão das plantas e atrair a caça às boas pastagense aí a
cercarem, embora mantenham sob outros aspectos uma relação normal entre o
predador e presa.''41
Importante ressaltar que a principal peculiaridade da organização social
dos caçado res-cole t ores é que esses fazem com que o seu número seja compa-
tível com os limites dos seus recursos. Assim, para Warren e Maizels," "com a
possível excepção do fogo, não parece que estes povos hajam causado grandes
danos à resiliência dos ecossistemas dos quais dependem há milênios."
White,45 por sua vez. esclarece que as origens da agricultura e dos sistemas
de criação de gado são controversas, mas, concernente ao inicio da grave alte-
ração do meio ambienie pelo homem, não há dúvidas de que ela se deveu ao uso
dessas técnicas.
Especificamente em ecossistemas caracterizados pela riqueza da terra, o
impacto das atividades humanas é bem menos acentuado do que nos ecossis-
temas secos, distintos, pois a desertificaçâo é o resultado habitual. Isso ocorre
porque o homem peneira em certos ambientes delicados, como os agravados
38 Idem, ibidem.
39. WARREN, Andrew, MA1ZE1.S, Judilh K Mudança ecológica e desertificaçâo.
Desffíi/kflfão: causas e conseqüências. Henrique de Barros e Ario Lobo de
Azevedo (Trad.) Lisboa: Fundação Calouste Culbenkian, 1992, p. .304.
40. Idem, ibidem.
41. Idem, ibidem
42. Idem, ibidem
43. WHITE, R. O. Evolurion of land use in soulh-\vestern Ásia. A hiutory iiflai7iiu.se
ii7 aríd rcgions Paris1 Unesco, apud WARREN et ai. {1992). Op. cit., n. 304.
DOL.TKINA NACIONAI
T
140 LÍVIA CjAir.i IE.K fírtsio CAMI-FIIO O problema da dcscrtificação 141
pela seca, e neles ama vislumbrando suprir as suas necessidades de sobrevi-
vência, sem a compreensão das sensibilidades e limitações ambieniais do local
As duas principais formas de exploração humana das terras secas são: a
pecuária (extensiva ou apascentarão de gado) t- a agricultura (de sequeiro ou
cie regadio).J1
3.2. / Pecuária
Os sistemas pecuários, segundo Rates,*5 caracterizam-se pelo "recurso a
animais não estabulados que colhem uma reduzida proporção da vegetação
natural."
Tipicamente, nesse meio ambiente complexo, os criadores de gado enfrentam
a questão climática de várias maneiras, como, por exemplo, disseminando o
gado em grandes áreas de pastagem de modo tal que a pressão da apascentacão
resulte ligeira, to mando-lhe s possível o aproveitamento sem esgotamento dos
ecossistemas secos.1*1
Ocorre que, ao chegar a seca, observa-se uma natural relutância dos criadores
em reduzir o efetivo de animais possuído durante os anos precedentes, o que
pode dar origem à sobre apascenta cão, tomando, com isso, bastante prejudicadas
as pastagens já afetadas pela seca. Ademais, quando a seca termina, os criadores
não hesitam em explorar as pastagens onde não ocorreu a regeneração.4'
No mesmo sentido, Antônio Del Cerro Barja e José Manuel Briongos
Rabadán4* apontam para uma necessidade de demarcação da área qu« está em
processo de regeneração, expondo que: "'El número de cabezas de ganado que
puede albergar un determinado espacio natural es un factor decisivo para Ia
planiíicaciõn fo restai. K n numerosas ocasiones, ei ganado es una lierramienta
capital para Ia conservación de los ecosistemas, sobre lodo em los denominados
ecosistemas agrosillvopasiorales, si hien Ia regeneración de Ias espécies arbóreas
exige ei acotamiento ai ganado em Ias zonas que tiençn que ser regeneradas."
Na opinião de Montoya,119 em 1987, ''Ias dehesas em ei momento actual están
muertas como sistema biológico.'' Essa critica feita em relação aos prados portu-
44. Essas formas são utilizadas desde os sistemas altamente especializados,
dependentes de mercados externos, ate aos mais tradicionais que. inventaram
estratégias e adquiriram aptidão para enfrentar as pressões e os riscos impostos
pelos ambientes áridos. Conforme, MACINTOSH Desertlficofãii: Uma visão
global. Desertificação: causas e conseqüências. Henrique de Barros e Ario Lobo
de Azevedo (Trad.). Lisboa: Fundação Calousle Gulbenkian, 1992, p. 44.
45. KATES, R.W; JOHNSON, D.L. and JOHNSON, H. K. Dcmographit, Social and
JiehíiviiWíil Review. Unep. 1976, apud WARREN et ai. (l992). Op tit., p. 46
46. ldem,p. 337.
47. Idem.p. 47.
48. DARJA, Antônio Del Cerro: RABADAN, José Manuel Bnongos. La vegetación
natural. Agricultura y desfn.ijtcut.iun. Madrid: Mundi-Prensa Libros S. A, 2001,
p. 213,
49. MONTOYA, J. M. La ordenaciòn forestal de montes de frondosas mediterrâ-
neas Conservarirm y desarmüo ite Ias. dehesas portuguesa y espaíwla. Madrid:
gueses e espanhóis lambem conforma para a indiscutível íalta de regeneração
que eles têm sofrido, t razendo, como conseqüência, a morte de ecossistemas. É
oportuno acrescer que prados, no dicionário, significam "terrenos cobertos de
plantas herbáceas próprias para pastagem."
Assim, é particularmente importante observar quando a deterioração atinge
as pastagens, dado que se verifica, segundo Montoya,1"1 pelas condições da vege-
tação, "não somente porque as plantas são a base da pastagem, mas lambem
porque desempenham papel importante na estabilidade dos ecossistemas das
terras secas."
Há de se ter em vista que as primeiras plantas a serem removidas são as que
pertencem às espécies mais apetitosas, deixando no terreno as menos apreciadas.
Daí, que essas últimas referidas, em períodos de seca, tornam-se muito valiosas,
pois, além de constituírem o único alimento disponível ao gado, funcionam
como "plantas perenes lixadoras do solo', não podendo ser pastadas até sua
extinção, f. notório que a destruição da vegetação somada à pulverização do
solo são efeitos característicos dos locais onde o gado se reúne, tal como no
bebedouro, onde o pisoteio é mais intenso.°"'
Corroborando o que foi exposto acima, Andrew Warrenejudilh K. Maizels'1
exprimem que há provas da deseriihcação em relação ao sistema pecuário, sendo
apoiadas na observação direta das próprias pastagens, especificamente sobre "a
composição destas, a estrutura da vegetação por idades e as freqüências relativas
das espécies apetecidas e: não apetecidas.''
Nesse ínterim, ecologistas e gestores de explorações pecuárias procederam
a estudos no intuito de avaliar o seu impacto sohre o meio ambiente em tempos
de seca. Conlonne Warren e Mayzels." "destes estudos ressalta usualmente uma
imagem negra do estado dos recursos forrageiros do mundo seco.'*
Assim, a partir dos inquéritos efetuados nos Estados Unidos, que trouxeram
um diagnóstico da condição das explorações pecuárias ocidentais, parece haver
um acordo de que os efeitos da sobre apascenta cão, nos finais do século XIX e
nas primeiras décadas deste século, acabaram por se revelar, como era inevitável,
após as secas do ano 1930.
Nesse sentido. Warren e Maizels'1 indicam, como melhores provas da exis-
tência dos danos sustentados, os estudos em Utah , "onde um exame cuidadoso
mostrou que a seca livera pouco efeito sobre determinada área não apascentada,
mas que um trecho densamente apascentado sofreia enormes prejuízos."
Ministério da Agricultura. Pesca y Alimentación, 1987, apud BARJA, Antônio
Del Cerro; RABADAN, José Manuel Briongos. 1.a vegetación natural. Agriculiura
y deícrtificaaón. Madrid: Mundi-Prensa Libros S. A , 2001, p. 214
10. Idem, ibidem.
5!. Idem, p. 48.
52 WARREN. Andrew; MAI7F.I.S, Judith K. Mudança ecológica e desertilicaçào.
Descri i/icíitão: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de Barros e Ario
Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação C.alousle Gulbenkian, 1992, p. 280.
53. Idem, ibidem.
54. Idem, p. 281
(Sf Direito Ambiental DOUIKISA NACIONAL
142 LÍVIA GAHIHFR Bósui CA O problema da doserlrfiraçao 143
;t£&*
3.2.2 Agricultura
Sem dúvida, a agricultura ê tida como a atividade humana de maior inci-
dência sobre os solos, principalmente a partir da segunda metade do século XX.
que foi marcado pela intensificação das práticas agrícolas e do desenvolvimento
tecnológico "
Muito se enfatiza a agricultura de sequeiro como método que expõe e
perturba o solo, aumentando o risco de erosão.^ No dicionário, o termo ififucÍTO
figura como "lugarque não tem a umidade suficiente para auxiliar a vegetação."
Dessa forma, a agricultura de sequeiro è típica de terras semi-áridas, nas quais
é possível a adoção de técnicas especiais com o objetivo de coletar, armazenar,
proteger e aproveitar todas as gotas de água. As culturas resistentes à seca geral-
mente são os cereais, tais como: trigo, cevada, centeio, sorgo e milho miúdo."
Um grande problema ocasionado por esse tipo de agricultura ê a tendência,
verificada em sucessivas décadas, em produzir uma única cultura especializada,
isso posto, causa a depleção e ruptura de muitos solos semi-áridos outrora
dotados de excelentes estruturas e fertilidade.'11'
Nas regiões semi-áridas do tipo mediterránico. como o su! da Austrália, a
Província do Cabo, a sudoeste da África do Sul, e partes da Califórnia, que se
caracterizam pela elevada mecanização na produção de cereais para exportação,
a dedicação à monocultura originou a falta de leguminosas nas rotações cultu-
rais e uma virtual ausCncia de produção pecuária, o que contraria o retorno ao
solo da matéria orgânica. Assim, essa circunstância, aliada à remoção da colheita
e do cobertor vegetal pela ceifa mecânica, fez com que o solo perdesse os seus
elementos nutri ti vos.w
A agricultura de sequeiro também pode ser trabalhada em ambientes ligei-
ramente úmidos ou tropicais. Desse modo, Warren e Mayzels™ explicam que
"cultivadores indígenas ultrapassaram o problema dos baixos rendimentos dos
campos secos e inférteis recorrendo à agricultura itinerante.'' Nesse ponto, vale
lembrar que a agricultura itinerante é característica predominante na região do
Sahel, especificamente no Niger, onde uma área de 12 milhões de hectares cerca
de 8 milhões são cultivados sob esse sistema.1"
Com efeito, os agricultores itinerantes contam com algumas estratégias
para laborar em terras secas onde poucas culturas são viáveis, que, segundo os
autores suprarnencionados, consistem em: {,..| "abater a vegetação não herbácea
55. MARCO et ai. (2001). Op. eit.,p. 114.
56. MACINTOSH. Desertifieaçao. Uma visão global. Desertifieaçao: causas e conse-
qüências. Henrique de Barros e Ario Lobo de Azevedo (Trad.). Lisboa. Fundação
Calouste Gulbenkian, 1992, p. 54.
57. Idern, p. 53
58. Idem.p. 54
59. Idem.p. 57
60. WARREN et ai. (1992). Üp. cit., p. 309
61. BRAUN, H. ShihingcultivalLon in África (evaluationof questtoimaires). Stúfüng
Cullivation and Soil Conservation In África, líome- FAO, 1973, apud WARHLN et
ai. (1992). Op. cit.. p 309
fifvfita de Direito Ambientei!
de pequenas parcelas de terra, e em recuperar grande parte dos nutrientes mine-
Tais (em especial, o íósforo) nela contidos, quer queimando-a, quer deixando-a
decompor-se no local, mantendo o solo revestido e só cavando ligeiramente com
enxadas. "llt
Quando se percebe que as produções estão decaindo, impõe-se abandonar
a terra, deixando-a em pousio61 por alguns anos seguintes, no intuito de se
restabelecer a sua fertilidade <* Essa medida funciona como observam Warren
e Mayzels'"-1 "Durante este tempo, as árvores e os arbustos voltam a rebentar a
partir dos toros e extraem nutrientes das camadas profundas do solo; a vege-
tação recuperada adiciona detritos ao solo que assim reconstitui a sua matéria
orgânica e o seu leor em azoto; ao mesmo tempo, as raízes das ervas ligam o
solo, fazendo com que recupere uma estrutura resistente á erosão "
Um ponto negativo, que pode ser observado em regiões semi-áridas tropi-
cais, como ao sul do Sahel africano, ou na orla do deserto de Rajastão, é que as
savanas arborizadas são geralmente desbravadas pelo fogo, a rim de oferecer
cama às sementes, embora muitas árvores sejam deixadas de pé.1* Acontece que,
embora as queimadas possam ser úteis no sentido de renovar as ervas e preparar
a cama para as sementes, elas sào prejudiciais quando uti lieadas excessivamente
e fora do tempo oportuno. Assim, expíica-se a assertiva de que as queimadas
podem levar à destruição do húmus e à baixa fertilidade, afetar a estabilidade
do solo e as boas relações com a água da camada superficial onde as sementes
germinam.*1''
Ademais, em vista das presentes pressões populacionais e da conseqüente
fome de terra que acelera o processo agrícola, o agricultor que recorre à quei-
mada se vê obrigado a retornar com o plantio no mesmo local antes mesmo de a
terra estar recuperada, passados 15 anos em vez de, por exemplo, 20. ̂
À medida que a fertilidade declina, as produtividades das culturas dimi-
nuem e o impacto adverso auto-acelera-se. Acrescente-se que: "Nestas regiões,
a pluviosidade, embora localizada, é freqüentemente intensa, causando a erosão
das superfícies cultivadas, que ficam encharcadas e cuja estrutura é severamente
danificada. Os períodos secos que alternam com a ocorrência das chuvas cozem
a superfície do solo na qual se formam crostas, atrasando a germinação e desen-
volvimento das sementes.''"1
62. WARREN et aí. (1992). Op. cit., p. 309.
63. No dicionário o termo pousio figura como repouso periódico, de um ou mais
anos, em que se deixam certas terras de semeadura para recuperarem a fertili-
dade, ou então terreno cuja cultura se interrompeu para esse repouso.
64 WARREN et ai (1992). Op. cit., p. 309.
65. Idem.p. 309.
66. MACINTOSH. Desertifieaçao: Uma visão global. DesertificaLãa: causas e conse-
qüências. Henrique de Barros e Ario Lobo de Azevedo (Trad.). Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1992, p. 59
67. Idem, íbídern
08. Idem, íbídem
59. Idern, ibídem
DULIKINA NACIONAL
144 LÍVIA GMUILK BDf.io CAVIPFIIO O problema d.i desertificacào 145
l
Como prova da relação entre as culturas de sequeiro e o processo de deserli-
ficaeão. Warren e Maizels7i'se referem ao declínio da produtividade em locais do
Oriente Médio e do Norte da África, onde houve o alargamento da monocultura
em terras secas impróprias, no período entre 1948 e 1964. Também os autores
citam a observação de Williams, quando esse registra o decréscimo da produti-
vidade da cultura do trigo na Austrália do Sul até 1900, atribuindo a redução à
baixa fertilidade do solo provocada pelas técnicas de cultivo de sequeiro.7'
Ao lado da agricultura de sequeiro tem-se o sistema agrícola de regadio que
se distingue por ser uma operação bem mais dispendiosa e que provoca altera-
ções no regime dos principais ecossistemas - solo, água e atmosfera -, porém
também propicia os efeitos indesejáveis da desertificação, por isso requer uma
gesião hábil. É interessante acrescentar que o termo regadio figura no dicionário
como ''terreno que tem água de rega '"
Em se tratando de agricultura nas regiões áridas e semi-áridas, o regadio, a
forma mais produtiva, ocorre em tal grau que ocupa 13% das terras cultivadas
no mundo. Salienta-se que, embora nem todos os 250 milhões de hectares de
regadio estejam localizados em desertos e terras secas, a maior parte, deles, está
ligada a prevalência de condições áridas.1'2
São designados pomos favoráveis apoiados pelo sistema de regadio, visio
que a rega fornece água que pode ser usada na beneficiacão de terras desertas,
quer porque permite que estas sejam cultivadas, quer porque lava os solos sali-
nizados. Entretanto, aleria-.se para que sejam aplicados princípios eficientes de
gestão da água, porque o fracasso ou desperdício desia pode conduzir ã queda
da produtividade. Nesse sentido, explica-se que
A evaporação, o excesso de água e a drenagem inadequada podem produzir
alagamento do solo, o que reduz a produtividade devido a insuficiente areja-
mento e a salinização, conduzindo eventualmente à perda da terra cultiva vê l.73
Saliente-se, ainda, que sempre que se comete, o erro de deixar no solo os
sais solúveis contidos na água de rega, o excesso de evaporação e transpirarão
ocasiona salinização e alcalinização. Assim, os resultados mais prováveis
traduzern-se em quedas na produtividade, restrições às escolhas de culturas e.
70. WARRLN et ai. (1992). Op. cit., p. 283.
71. W1LLIAMS, O. B. The perception o f the soil erosion hazard in South Austrália
Canberra: Hazard Symposiu. 1976, apudWARREN et ai. (1992). Op. cit., p
283,
72. MACINTOSH. Desemficaçao: Uma visão global. Deseríi/icação: causas e conse-
qüências. Henrique de Barros e Ario Lobo de Azevedo fTrad.).Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1992, p. 60. O autor traça uma interessante comparação
entre o regadio e a agricultura de sequeiro aludindf) que: "O regadio conduz ao
aumento de seis vezes a produtividade dos cereais e de quatro a cinco vezes a
das raízes a li m en l ares. A importância do regadio no desenvolvimento agrícola t
revelada pelo facto de que as terras regadas estão a aumentar á taxa anual de 2,9
ao ano, a comparar com a de 0.7% para as culturas de sequeiro".
73. MACINTOSH. Dês erti fica cão: Uma visão global. Desertificação: causas e conse-
qüências. Henrique de Barros e Ario Lobo de Azevedo (Trad.). Lisboa: Fundação
Calouste GrJbeukian, 1992, p 62
por f im, em perdas de terras irrigáveis que, em termos monetários, para serem
recuperadas, são muito dispendiosas. Nenhuma outra forma de desertificação é
mais custosa do que essa.74
Warren e Mayzels7"' lembram que os exemplos mais citados de aumento de
salinização e alagamento aparecem nos grandes esquemas de regadio ao longo
do rio Indus, no Paquistão. As estimativas são inquietantes, posto que, no total
de 15 milhões de hectares de área regada (09 milhões semeados anualmente), 10
milhões estão afetados desta ou daquela maneira pela salinidade ou alagamento,
e 02 milhões severamente afetados.
Outros dados foram apresentados por Allison76 no que tange aos danos
ocasionados em determinada área regada nos Eslados Unidos. Este pesquisador
calculou que 27% da área regada nesse país estão afetados, de algum modo, pela
salinidade, sendo que, apenas entre 192.9 e 1939, aproximadamente 400.000
hectares foram inutilizados.
4. O IMPACTO DA DESERTIFICAÇÃO SOBKE O HOMEM
A desertificação atinge as regiões mais pobres do mundo, afetando, parti-
cularmente, aqueles grupos que dependem ainda mais do acesso aos recursos
naturais para a própria subsistência. Assim, identificam-se nestes grupos os
refugiados pela seca e, conseqüentemente pela fome.7 '
Dentro das comunidades, também se verifica a existência de povos rnais
afetados do que outros, tendo em vista a distribuição desigual de renda e riqueza.
Desse modo, as conseqüências da desertihcação são mais acentuadas para as
mulheres, idosos e crianças, que adquirem responsabilidades com o cultivo nas
terras secas, quando os homens saem em busca de outras fontes de renda.™
Tais grupos também são caracterizados pela fragilidade política, não
possuindo, ainda, um espaço para demonstrar sua habilidade no sentido de
mitigar os efeitos da desertificação.7^
Com efeito, as regiões secas do mundo tendem a estar geograficamente e
politicamente marginalizadas. Isto é devido, em parte, às dificuldades inerentes
à administração que tem de lidar com populações dispersas, ou seja. residentes
em regiões muito distantes, e ale mesmo inacessíveis. Ademais, observa-se a
baixa prioridade dada a causa, pelos governos.
Destarte, a falta de iniciativa política destas populações lende a desanimar
o Estado em seus investimentos, como na provisão dos serviços sociais, tais
como saiide e educação. Isto porque não há uma compreensão bastante, para
o governo, sobre as características originais das comunidades, traduzidas pelos
74. Idern, íbidem, p. 60
71. WARREN et ai. (l 992). Op. cit., p. 285.
76. ALLISON, L. F.. Saiiiiitv in relation li< itrigation. 1964, apud WARREN et ai.
(1992). Op. cit., p. 285."
77. EVERS, Yvette D. Tke social dimetisions of desertification: annoiated bibliography
and literature review Unep, 1996, p. 11-14.
78. Idem, p. 31-32
79. Idem, p. 31-32.
de Direito Ambientai DOUTRINA N ACIONAI
146 LÍVIA CiALUiFR tiòsiti CAMPII io
salemas sociais de organizarão e de produção de alimentos, e, sobretudo, pelos
impactos ambientais subjacentes aos problemas de saúde.
No México, a pobreza nas áreas rurais gravadas pela seca é o maior fator
determinante da migração. Tem-se que 75% dos migrantes mexicanos para os
[-.stados Unidos saem das zonas rurais áridas. A iniertilidade do solo, conse-
qüência da desertiíicaçào, impede o plantio para subsistência, resultando, pois,
em pobreza e migração.""
5. A ! CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DESERTIFKAÇÂO
Antes de analisar alguns dos prescritos elaborados após a l Conferência daí
Nações Unidas sobre Desertifitação, seria útil mencionar o processo pelo qual
foram criados.
A Assembléia Geral resolveu, através da Resolução 3337, XXIX, de
17.12.1974, delegar a responsabilidade de preparar o encontro ao diretor execu-
tivo da United Nacions Enviranment Programme - Unep -, na época, Mostafa
Karnal Tolba, que reuniu um grupo formando o Secretariado da Conferência da
ONU sobre Desertificação.61
Nas palavras de Mostaía K. Tolba:1" "Tem sido prática das Nações Unidas,
ao preparar a documentação para as conferências mundiais, encomendar uma
série de textos, cada ura dos quais respeitarite a um aspecto do tema geral em
causa.'1
Portanto, a recomendação era de que lodo conhecimenio disponível sobre
dês eri i fica cão tosse inteiramente disponibilizado. Nesse intuito, o referido diretor
executivo extraiu extensivamente os recursos da comunidade científica mundial
Quatro grupos de revisão da comissão, financiados pelo programa de
desenvolvimento da ONU, observaram a relação existente entre a desertificacão
e clima, desertificacão e mudança ecológica, deseriificação e tecnologia e, por
fim, desenificação e a sociedade.fií
Vlostafa K. Tolba04 exprime que ""ao procurar cumprir esta directiva,
deparou-se ao Secretariado uma situação curiosa.'' Notou-se que as causas da
80. SCHWARTZ., Michclle Leíghton. Deserlification and Migration in México.
World Atlas of desertification. 2. ed. Unep, 1997, p. 161
81. Govemmg Council. 30 (111) Implemmtatiim. of General Assembly resolution
3337 (XXIX). International co-operation to tombai deserriíicaüon. Disponível
em <http://www.unep.org/Dncutnents.Multilingiial/Default.asp?DocumentlD=
93&ArticleiD=1381&l=en>. Acesso etn 11.01.2006,
82. MACINTOSH, Descrüficacão: Uma visão global. Desertifitação. causas e conse-
qüências. Henrique d s: Barros e Á rio Lobo de Azevedo (Trad.). Lisboa. Fundação
Calouste Gulbenkian, 1992.
83. Unites Nalíons Conference on Deserrificalion (Uncod). Round-up, plari of
action and resolutions. New York: United Nalions. 1978. Disponível em: <http://
www.ciesin.org/docs/002-478/002-478.iitml>. Acesso em 16.03.de 200o.
84. MACINTOSH. Deserlificaçãu: Lima visão global. Desemficaçao: causas e conse-
qüências. Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo (trad ). I .i «-boa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1992
Revista de Direito Amhicntdl
O problema do (lesertlíi ração 147
desertihcação já eram conhecidas, assim como as técnicas para impedir o avanço
do processo. Todavia, "todo este saber estava fragmentado entre uma grande
variedade de outras disciplinas: climatologia, agronomia, pecuária, ciência vete-
rinária, geografia, ecologia, biologia "
Infere-se que a visão do íenõmeno não foi apresentada tendo em vista nm
cenário global, mas sim baseada nos processos reais de deserufieação cons-
tatados em cada país. Contudo, foi preparado um dossiê que serviu comu o
principal documento direcionado aos delegados da Conferência, ressaltando
o terna em quatro assuntos: clima, mudança ecológica, tecnologia e aspectos
sociais.
Emergiu, de todo esse trabalho de perícia, um retrato fascinante da relação
fluida entre a humanidade e a biosfera, ficando evideme que a desertificacão não
era um problema só de alguns países.
Com base em dados climáticos, enfatizou-se que mais de 1/3 (um terço) da
superfície da Terra é caracterizado por deserto ou semideserto, mais ainda, 15%
(quinze por cento) da população mundial vivem nessas áreas33
Também foi destacado que cerca de .30 milhões de quilômetros quadrados,
correspondendo a 19% da superfície terrestre, estão ameaçados pelo processo
de desertificacão, sendo que essa área esiá distribuída entre mais de 2/3(dois
terços) da totalidade de países do mundo.Bf"'
Finalmente, cerca de 500 delegados de 94 países retmiram-se ern Nairóbi,
capital do Kenya, África, de 29.08 a 09.09.1977, para discutir os problemas da
desertificacão e elaborar o Plano de Ação para o Combate à Desertificaeão."'
5.! O plano de ação das Nações Unidas para combater 3
desenificacão (PACD)
O Plano de Ação para Combater á Desertificacão — PACD - foi promovido
na ocasião da I Conferência das Nações Unidas sobre Desenificação.
O objetivo imediato desse Programa é impedir o avanço do processo de
desertíficacão e, quanto as terras degradadas, se possível, recuperá-las para o uso
produtivo. Já o objetivo finai é garantir a sustentabilidade, dentro dos limites
ecológicos, das terras áridas, semi-áridas e subúmidas, entre outras que se apre-
sentarem vulneráveis ao processo de desenificação, no in tu i to de melhorar a
qualidade de vida de seus habitantes.
Nesse sentido, a orientação que se dá é pela promoção de uma campanha
que direcione seus esforços para priorizar o desenvolvimento, a provisão das
necessidades básicas humanas e a produtividade sustentada
O plano ern tela alena para a relação de interdependência entre o desenvol-
vimento, população aietada, tecnologia K produtividade biológica. Diante das
85. Lnites Nations C.onfererice on Desemficatiou (Uncod). Round-up, piau of
acüonandresolutions. New York: United Nalions. 1978. Disponível em: <http://
www.ciesin.org/docs/002-478/002-478.html>. Acesso em lo.03.de 2006.
86. Idem, ibidem
87. Idem, ibidem
Doi.TRINfl NACIONAL
148 LÍVIA GAiijHiK BOÍIO CAMPLUO O problema da riesertificdcãu 149
aspirações expressas pelas Nações Unidas em sua carta patente,™ no senlido
de melhorar a qualidade de vida e prover as necessidades básicas de iodos os
povos, todas essas etapas devem estar presenies nos eslorços dos governos para
combater a desertificação.
Aspecto relevanie, apresentado pelo PACD, e a confirmação cie que as causas
da de s e rt i fica cão variam enire as regiões do mundo afeiadas, devido ás dife-
renças em suas características ecológicas e suas estruturas sociais e econômicas
Por isso, cada região pode requerer uma aproximação distintiva em relação aos
problemas da desertificação. Nesse intuito, o PACD assinalou que a gerência de
recursos naturais roga o uso de métodos específicos para combater a desertiii-
cação, enfatizando que a determinação real das prioridades será dada às políticas
e planos nacionais.
Também se reconhece, no plano de ação da ONU, que os países jã afetados,
ou com probabilidade de serem afetados pela desertificação, estão em estágios
diferentes, concernente à apreciação dos problemas causados pelo Fenômeno e à
habilidade em lidar com eles.
Então, tais Estados deverão igualmente seguir urna determinada seqüência
em seus esforços para combatê-la. Preliminarmente, define-se a magnitude do
impacto do problema e, em seguida, são elaborados e implementados programas
com base no que foi esboçado pelo plano da ONU. Vale dizer que nos Estados
onde os programas já foram implementados, deverá ser feito o monitoramento
do seu progresso, bem como a avaliação de sua utilidade para fins de repasse das
informações à comunidade internacional.
Importante recomendação especifica é a introdução de uma gestão do solo
aperfeiçoada e eficaz nas áreas sujeitas à d es edificação. Nos termos do PACD.
essa hoa gestão envolve uma larga escala de medidas sociais, econômicas, insti-
tucionais, técnicas e legislativas. Para tanto, orienta-se que, nas áreas afetadas ou
vulneráveis, a gestão e planejamento do uso do solo sejam baseados em métodos
ecologicamente sadios e introduzidos em conformidade com a eqüidade social.
6. A CONFERÊNCIA DAS NAÇÕF.S UNIDAS SOBRE o MEIO AMBIENTE E
DESENVOLVIMENTO (CNUMAD), A AGENDA 21 : A DESERTIFICAÇÃO
Fm dezembro de 1989, a Assembléia Gerai das Nações Unidas aprovou a
Resolução 44/22.8 determinando a realização, até 1992, de uma Conferência sobre
o Meio Ambiente e Desenvolvimento que pudesse avaliar como os países haviam
promovido a proteção ambiental desde a Conferência de Estocolmo de 1972
Na sessão que aprovou essa resolução, o Brasil ofereceu-se para sediar o
encontro em 1992. Sobre esse fato, Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva*"
acrescenta que:
88. Nações Unidas. Carta das Nações Unidas de 26.06.1945. Disponível em.
<hllp://www.onu-brasil.org.br/documentus_carta.plip>. Acesso em 16.03.2006
89. SILVA, Geraldo liuláho do Nascimento e. Direüo ambiental internacional: meio
ambiente, desenvolvimento sustentável e os desafios da nova ordem mundial
Rio de |aneiro: Thex, 1995, p. 35
Numa fase inicial causou espécie o fato de o Brasil haver-se candidatado
a sediar a Conferência, pretensão esta também manifestada pela Suécia. Os
motivos da candidatura podem ser resumidos a dois: provar aos demais países
que o Brasil participa das preocupações ecológicas, e aproveiiar a oporiunidade
para mobilizar no Brasil a opinião pública em todos os níveis da administração,
lederal, estadual e municipal, a fim de criar uma consciência ecológica.
Logo, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvi-
mento - CNUMAD - ficou conhecida como Cúpula da Terra (Karih Summit), e
marcou-se sua realização para o mês de ]unho de 1992, de maneira a coincidir
com o Dia do Meio Ambiente (05 de junho).
Denire os objetivos principais dessa Conleréncia. destacam-se os seguintes:
a) examinar a situação ambiental mundial desde 1972 e suas relações com o
estilo de desenvolvimento vigente; li) estabelecer mecanismos de transferência
de tecnologias não poluentes aos países subdesenvolvidos; t) examinar estra-
tégias nacionais e internacionais para incorporação de critérios ambientais ao
processo de desenvolvimento; â) estabelecer um sistema de cooperação interna-
cional para prever ameaças ambientais e prestar socorro em casos emergenciais;
e) reavaliar o sisiema de organismos da ONU, eventualmente criando novas
instituições para implementar as decisões da conferência."1
Tal evenio da ONU propiciou debate e mobilização da comunidade inter-
nacional em torno da necessidade de uma urgente mudança de comportamento,
visando à preservação da vida na Terra.
Pertinente a o objeto desse es tu do, foi a constatação, em 1991, pelo Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente - Pnuma —, de que a aplicação de
recursos e a reversão dos processos de dcsertiíicação, na forma indicada pelo
Plano de Ação Mundial, haviam sido bastantes modestos, por isso, vários países
com problemas de desenificação, especialmente a África, resolveram propor,
durante a Rio-92, a elaboração de uma Convenção específica sobre o tema, vez
que seria um instrumento jurídico mais forte, pois obrigaria os países que a
assinaram a assumir, de falo, os compromissos nela prescritos.
A Agenda 21 é um acordo formalizado em um plano de grandeza histórica,
resultado do amadurecimento do debate no âmbito da comunidade internacional
a respeito da compatibilização entre o desenvolvimento econômico e a proteção
ambiental e, conseqüentemente, sobre a continuidade e sustentabilidade da vida
no planeia Terra.
Geraldo E. do Nascimento e Silva^" sinaliza que se constatou que "muitas
das aluais tendências do desenvolvimento resultam em numero cada vez maior
de pessoas pobres e vulneráveis, alem de causarem dano ao meio ambiente."
A partir dessa premissa, o entendimento da Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento foi no senlido de que era necessário um novo tipo
de desenvolvimento capaz de manter o progresso humano não apenas em alguns
lugares por alguns anos, mas em todo o planeta até um futuro longínquo. Essa é
a fórmula do desenvolvimento sustentável
90. TULDMANN, 1'abio. Entendendo o meio ambiente. São Paulo: SMA, 1997, p.
16.
91. SILVA, Gemido Lulálio do Nascimento (1995). Op. ei t., p. 46
Revista de Direito Ambienta! Dou NACIONAL
150 LÍVIA CI-MC.IIIR BÓÍIO CAMPILIO
A inédita Agenda 2 i , dentre os acordos assinados na Conferência do Rio-Q2,
tem particular importância por representarum consenso mundia l e um compro-
misso político de alto nível, mais ainda, por constituir o primeiro esforço de
siste matiz ação de um amplo programa de ação de transição para o desenvolvi-
mento sustentável
Os programas de manejo de ecossistemas frágeis, com foco na luta contra
a deseruficação e a seca, estão presentes na II Seção e correspondem ao capí-
tulo l 2 da Agenda 21, no qual se assenta o conceito de desertificaçào como
sendo "a degradação do solo em áreas andas, semi-áridas e subútnidas secas,
resultante de diversos fatores, inclusive de variações climáticas e de atividades
humanas."
Assim, o foco dos programas que seguem é dado às áreas áridas, semi-áridas
e subúmidas secas, com prioridade à implementa cão de: medidas preventivas
nas áreas ainda náo afetadas ou apenas levemente afetadas peia deseruficação;
medidas corretivas para sustentar a produtividade de terras moderadamente
desenificadas; e medidas regeneradoras para recuperar terras secas seriamente
ou muito seriamente desertificadas.
Daí, infere-se a preocupação tanto em relação às terras degradadas quanto
àquelas consideradas suscetíveis ao processo de deseriificação
7. A CONVENÇÃO INTERNACIONAL DE COMBATE À DESERTIFICAÇÀO
NOS PAÍSES AFETADOS POR SCCA GKAVL b/ou DESERTIFICAÇÀO,
PARTICULARMENTE NA ÁFRICA.
Ainda duranie a Conferência Rio-92, vános países com problemas de
desertificaçào propuseram à Assembléia Geral que aprovasse a negociação de
uma Convenção Internacional sobre o tema da dês ertifi caça o. Por conta disso,
a Assembléia Geral, através da Resolução 47/188, aprovou a negociação da
Convenção, que foi realizada a partir de janeiro de 1993 e finalizada em Paris,
em 17.06.1994, data que se transformou no Dia Mundial da Luta contra aDeser-
tificação.*2
A Convenção aos Nações Unidas pira o Combale á Desertijicação - UNCCD
- traz uma nova expectativa para aqueles que empreendem seus esforços no
combate a esse problema
Tal instrumento internacional entrou em vigor a partir de 26.12.1996, três
meses depois que o qúinquagésimo país a ratificou. Ate setembro de 2005, 190
países e a União Européia tinham-na ratificado.y'
Pelo Brasil, a UNCCD loi assinada em 15.10 1994, em Paris. Em seguida, o
documento foi submetido ao Congresso Nacional que o aprovou pelo Dec. Leg.
28, de 12.06.1997.
92. Ministério do Meio Ambiente (Secretaria dos Recursos Hídricos). Deserii/i-
cação; 111 Conivência das Parles da Convenção das Nações Unida1,.
93. Secretarial of The United Nations Convennon to Combat Desertificatimi. Faci
Sheets o n UNCCD. Last revised September 200") Publicado em- <hítp //www
unucd.itii./>. Acesso em 18.01.200o.
í/i? Direito Ambiental
O problerrw da doserti fitarão 151
O governo brasileiro depositou o Instrumento de Ratificação da Convenção
Internacional df Combale ã Desertificação nos Países Afetados por Seca Crave
e/ou Deseriificação, Part icularmente na Áfr ica , em 25.06.1997, passando a
mesma a vigorar, para o Brasil, em 24.09.1997.
Finalmente, o Oec. 2.741, de 20.08.1998, promulgou a Convenção, que
foi apensada ao mesmo, devendo, portanto, ser cumprido em todos os seus
termos.
7. J Definição dos termos, objetivos, princípios e obrigações das parles.
A Convenção das Nações Unidas para o Combale à Deseruficação, em seu
art. 1.", traz algumas definições dos termos utilizados por ela, tendo em vista,
como já foi referido neste estudo, a variedade de conhecimentos científicos que
tangenciarn esta matéria.
Nesse sentido, para os efeitos da Convenção, emende-se pordeseniíicação, a
"degradação da terra nas zonas áridas, semi-áridas e subúmidas secas, resultantes
de vários [atores, incluindo as variações climáticas e atividades humanas.'"
O combate à desertificagão compreende "as atividades que fazem parte do
aproveitamento integrado da terra", nas zonas descritas no conceito acima, "'com
vistas ao desenvolvimento sustentável"' e com o objetivo de prevenir ou reduzir
a degradação das terras, reabilitai as parcialmente degradadas e/ou recuperar as
degradadas.
A seca também é definida como "fenômeno que ocorre naturalmente quando
a precipitação registrada é significativamente inferior aos valores normais.'" Nesse
passo, por mitigação aos efeitos da seca entendem-se "as atividades relacionadas
com a previsão da seca e dirigidas à redução da vulnerabilidade da sociedade e
dos sistemas naturais àquele fenômeno."
No que se relaciona com a terra, a Convenção a descreve como "sistema
produtivo terrestre que compreende o solo, a vegetação, outros componentes
da biota e os processos ecológicos e hidrológicos que se desenvolvem dentro do
sistema."' Portanto, nos termos da Convenção, a degradação da terra se carac-
teriza pela: |...| redução ou perda, nas zonas áridas, semi-áridas e sub-ürnídas
secas, da produtividade biológica ou econômica e da complexidade das terras
agrícolas de sequeiro, das terras agrícolas irrigadas, das pastagens naturais, das
pastagens semeadas das florestas e das matas nativas devido aos sistemas de
utilização da lerra ou a um processo o combinação de processos, inc lu indo os
que resultam da atividade do homem e das suas formas de ocupação do terri-
tório, tais como: I) a erosão do solo causada pelo vento e/ou pela água; Ií) a
deterioração das propriedades físicas, químicas e biológicas ou econômicas do
solo, e: llí) a destruição da vegetação por períodos prolongados.
As zonas andas, semi-áridas e subúmidas são as encontradas em todas as
áreas do planeta, "com exceção das polares e das sub-polares, nas quais a razão
de precipitação anual e evapoiranspiração potencial está compreendida entre
0,05 e 0,05."
No arl. 2.ü. a Convenção em tela indica como objetivo imediato: "O combate
à desertilicação e a mitigação dos eíeitos da seca grave e/ou desertiíicação, parti-
DOIITRINA NACIONAL
152 LÍVIA Oit.iiiR Eiósio CAMHIIO
cularmeme na África, através da adoção de medidas eficazes cm iodos os níveis.,
apoiadas em acordos de cooperação internacional e de parceria, em um quadro
de uma abordagem integrada, coerente com a Agenda 2 1 , que lenta em vista
contribuir para se atingir o desenvolvimento sustentável nas zonas aletadas.''
Sendo assim, pode-se apreender como objetivo mediato. o qual se considera
para a consecução do objelivo principal, a necessidade de aplicação, nas zonas
afetadas, de 'estratégias integradas" em longo prazo, baseadas simultaneamente,
no "aumento de produtividade da terra e na reabilitação, conservação e gestão
sustentada dos recursos naturais", no propósito de "melhorar as condições de
vida, particularmente ao nível das comunidades locais."
Já no art, 3.°, a presente Convenção arrola alguns princípios direcionados ás
Panes, fundamentais para o combate á deseniíicação:
a) Garantia do desenvolvimento participativo, sendo que, nas balizas da
Convenção:
As Partes deverão garantir que as decisões relativas à concepção e imple-
mentação dos programas de combate a deserlificacão e/ou mitigação dos efeitos
da seca serão tomadas com a participação das populações e comunidades locais
e que, nas instâncias superiores de. decisão, será criado um ambiente propicio
que facilitará a realização de ações aos níveis nacional e local;
b) Cooperação entre as Partes, na medida em que'
As Partes deverão, num espírito de solidariedade imernacional de parceria,
melhorai a cooperação e coordenação aos níveis sub-regional, regional e inter-
nacional e concentrar recursos financeiros, humanos, organizacionais e técnicos
onde eles forem necessãrLos;
f) Parceria 110 intercâmbio de conhecimento científico, ao passo que:
As Partes deverão fomentar, num espírito de parceria, a cooperação a todos
os níveis de governo, das comunidades das organizações não governameniais e
dos detentores da terra, a fim de que seja melhor compreendida a natureza e o
valor do recurso da lerra e dos escassos recursos hídricos das áreas afetadas, e
promovido o uso sustentável;
d) Solidariedade ou mutualidade de interesses e deveres. segundo a qual.
As Partes deverão tomar plenamente em consideração as necessidades e ascircunstâncias particulares dos países Panes em desenvolvimento afetados.
Em prol dos objetivos e princípios descritos na dila Convenção, as Parles
receberam algumas obrigações gerais, previstas no art. 4.", as quais, podem ser
realizadas individualmente ou em conjunto, por meio de acordos bilaterais ou
multilaterais
Em geral, as Partes devem: a) Adotar uma abordagem interdisciplinar,
considerando os aspectos físicos, biológicos e soeioeconômicos do processo de
desenificação; b) Atribuir uma atenção especial aos países Parles em desenvol-
vimento, endividados, no intuito de "criar urn ambiente econômico interna-
cional favorável à promoção de um desenvolvimento sustentável"; c) Integrar as
estratégias de erradicação da pobreza nos esforços de combate à deserliíicaçâo
e de mitigação dos efeitos da seca; d) Promover a cooperação internacional, em
matéria de proteção ambiental, espedficamenie. no que tange à conservação dos
Reviste dt- Dirfito Ambiental
O problema ria ítesertifiraçao 153
recursos em terra e hídricos; e) Reforçar a cooperação sub-regional, regional
e internacional; /) Cooperar com as organizações intergoveniamentais compe-
tentes; ̂ ) Promover a utilização dos mecanismos e acordos financeiros bilaterais
e multilaterais já existentes, suscetíveis de mobilizar e canalizar recursos finan-
ceiros substanciais para o cornbaie à desertificação.
Aos países Partes afetados recaem algumas obrigações específicas, tais como:
a) Alocar recursos, dentro de sua capacidade, para combater a desertificação
e/ou mitigar os efeitos da seca; b) Formular estratégias, estabelecendo priori-
dades, em seus planos ou políticas de desenvolvimento sustentável, visando ao
combate à desertificação; c) Atacar as causas da deserlificacão, não desconsi-
derando os fatores socioeconômicos que contribuem para o processo; d) Faci-
litar a participação das populações locais, incluindo mulheres e jovens e ainda
recorrendo ao apoio das ONG's; e) Criar um ambiente favorável, recorrendo ao
reforço da legislação pertinente em vigore, no caso de esta não existir, à promul-
gação de nova legislação, bem como promoção de novas políticas públicas com
base em programas de ação em longo prazo.
Finalmente, aos países Partes desenvolvidos incidem outras obrigações espe-
cificas, como: apoiar ativamente os países afetados, disponibilizando recursos
financeiros substanciais, encorajando a mobilização de tais recursos oriundos
do setor privado, promovendo o acesso à tecnologia, ou outros conhecimentos
técnicos adequados.
7.2 Os programas de ação: NAP's, RAP'$ e SRAP'$
A Convenção das Nações Unidas de Combate á Desertificação será imple-
mentada pelos programas de ação em nível nacional (NAP), regional I.RAP) e
sub-regional (SRAP).
Assim, as Partes da Convenção devem consultar os seus respectivos
programas de ação para que possam realizar uma gestão mais integrada e parti-
cipativa sobre os recursos naturais das terras secas.
Tem havido, por parte dos países, um esforço significativo no intuito de
criar um programa sistematizado. Nesse ponto, a solidariedade internacional
tem contribuído bastante para o inicio de projetos com o compartilhamento das
políticas sedimentadas. Isso ocorre de maneira eficaz, mas não completamente,
pois os programas, obviamente, necessitam ainda de adaptação às circunstâncias
regionais particulares.
Até agosto de 2005, 77 NAP's já haviam sido preparadas e adotadas. Não
custa enfatizar que a Convenção traz em se.us anexos algumas exigências espe-
cíficas de implementação para a África, Ásia, América Latina e Caribe, norte do
Mediterrâneo e leste europeu.
Os programas são considerados referências para urn processo em andamento
que consiste em planos de redução da pobreza e desenvolvimento sustentável
das áreas áridas. Assim, das linhas da Convenção, especificamente do art. 10,
apreende-se que os esforços em combater a desertificação devem ser inteira-
mente integrados com outros programas de desenvolvimento. A Lnversão da
degradação da terra está ligada á diminuição da pobreza, pois ambas as ações
DOUIKINA NAHONAÍ
154 LÍVIA G-MOIILR SOMO ( A
envolvem segurança alimentar, educação, treinamento e retorço da capacidade
de comunidades locais, assim como mobilização das ONGs.
Mais ainda, sugere-se o desenvolvi me mo de projetos que viabilizem lorrnas
alternativas de subsistência suscetíveis de gerar rendimemos nas zonas mais
vulneráveis à seca. Nesse sentido, os programas também devem esboçar estra-
tégias em longo prazo, além de serem lonmilados com a participação ativa de
comunidades locais. O processo participativo permite que governos possam
coordenar e administrar seus recursos mais eficazmente, dirigindo-se às causas
sócio-econômicas subjacentes da desertificação. Essas aproximações, por sua
vez, dão pariicular atenção ás medidas preventivas e incentivam um compro-
metimento com práticas sustentáveis. Assim, os programas devem-se mostrar
suficientemente, flexíveis em acomodar novas iniciativas e adaptações locais,
especialmente quando as circunstâncias variam.
Ainda no que tange aos objetivos dos programas de ação nacionais, vê-se
que dependem imediatamente da identificação dos fatores que contribuem para
a desertificação e das medidas de ordem prática necessárias ao seu combate e
ã mitigação dos efeitos da seca. Sabendo-se que a desertificacão pode se dar
a paitir de vários fatores, que variam conforme a região cumpre às Partes da
Convenção "reforçar a capacidade de cada país na área de climatologia, mete-
orologia e hidrologia e os meios para construir um sisiema de alerta rápido em
caso de seca *
Similarmente, porque a desertificacão aíela e ê afetada por outros interesses
ambientais, tais como a perda da diversidade biológica e mudança do clima, as
NAP's necessitam promover sinergias com programas que tratam de tais ques-
tões. Desse modo, as panes têm sugerido a realização de oficinas envolvendo
pontos focais das três Convenções, a fim de facilitar a execução de trabalhos em
conjumo
Paralelamente aos programas nacionais, o a;t. I I da Convenção vigente
estabelece que programas de ação regionais (RAFs) e sub-regionais (SRAPs)
podem ser implementados com o intuito de reforçá-los, sendo que tais programas
devem respeitar as disposições previstas no art. 10. que rege os programas nacio-
nais. Até agosto de 2005, 03 programas regionais e 09 sub-regionais já haviam
sido lançados.
7.3 Desertificacão e desenvolvimento participativo (bottom-up
appro,ic.h)
A Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificacão enfatiza a
forte aproximação das comunidades locais aos processos de lomada de decisão.
Sabendo-se que, tradicionalmente, as comunidades locais foram partici-
pantes relativamente passivos em relação aos projetos de desenvolvimento da
ONU, a referida Convenção as irata como atores de inigualável importância no
combate a desertificacão. As comunidades locais e seus líderes, assim como as
organizações não governamentais deverão trabalhar em conjunto na formulação
e execução dos programas de ação. Para tanto, os governos devem promover
campanhas de conscientização, especialmente em relação aos termos propostos
pela Convenção.
Revista df Direito Ambienta!
O problema da desertifkação 155
Em geral, os peritos do governo iniciam os projetos, definindo imediata-
mente, sem consulta, os seus objetivos e as atividades necessárias. As vezes,
visiiam as comunidades locais para publicizar seus planos, formulando, assim,
um convite para participação dessas comunidades na execução dos seus projetos.
No entanto, a Convenção trouxe uma proposta distinta, de baixo para cima. na
qual os programas para combater a desertificacão devem originar-se em nível
local Isso posto, as comunidades diretamente afetadas devem participar de
todas as iniciativas para deter ou prevenir a evolução do problema.
A iniciativa de projetos, compartilhada com a comunidade local, é a chave
para a sustentabilidade, porque quando os peritos cultores, dos programas se
retiram da comunidade, ê ela quem deve fazer com queos projetos sobrevivam.
Alérn disso, quem está de fora não tem a mesma capacidade de identificar as
priondades locais
As comunidades locais possuem uma valiosa experiência e compreensão
do seu próprio ambiente, sendo que, se os projetos de uso da terra, bem como
de ouiros recursos naturais (orem elaborados sem a sua participação, correrão o
risco de se tornarem ineficientes.
O desenvolvimento participativo posto na Convenção, reconhece os
direitos das populações afetadas sobre os seus recursos naturais. Entretanto,
ainda se pergunta: Quem de fato, são atores do desenvolvimento participativo?
Os participantes ativos devem ser os envolvidos d i re tamente na gerência e uso
dos recursos naturais. No caso da desertificacão, os pequenos fazendeiros e
pastores estão mais intimamente em contato com a terra. Todavia, fia que contar
também com a contribuição dos líderes locais, tidos como representantes da
comunidade, das autoridades regionais ou municipais, dos peritos técnicos, das
ONGs. entre outros.
É importante frisar que, depois de planejado o programa de combaie, pelos
participantes ativos, deverão ser promovidas reuniões com o fim de avaliar o
seu progresso. Mais uma vez, a participação de todos, por meio de consulta, é
fundamentai para apreciar o resultado obtido, como também, para confabular
as etapas seguintes. Nesse ponto, convém reforçar que pode ser muito útil a
delegação da tomada de decisão, descentralizando-a da autoridade central ou
federal para as autoridades regionais, ou, até mesmo, locais.
Finalmente, para que seja alcançada a participação local, capacitada para a
elaboração dos programas, É essencial que haja uma campanha de conscienti-
zação forte sobre o que está disposto na Convenção. As ONGs podem exercer
um papel fundamental na campanha de capacitação para o planejamento das
populações locais
8. A PoilTiCA NACIONAL DE CONIKOLL DA DFSFRTIFICAÇÀO: o BRASIL c AS
SUAS KBPtCIIVAS ÁRFAS SUSCETÍVEIS À D[SLRI IHCAÇÃO (ASD's)
K incongruência com as definições apresentadas pela Convenção de Combaie
à Desertificacão. as Áreas Suscetíveis á Desertificacão - ASO's - concentram-
se, em sua maior pane, no nordeste brasileiro, onde predominam os espaços
semi-áridos e subumidos secos Ao lado dessas áreas, também existem outras,
DuurkiNA NACIONAL
156 LÍVIA GAK.IIIK Hrtsin CAMPHIO
de iguai forma, afetadas pelos fenômenos das secas, localizadas, porem, nas
regiões adjacentes ao nordeste, especificamente, nos estados de Minas Gerais e
do Espírito Santo.
Nos dados apresentados pelo Sumário Executivo do PAN (Brasil) - Programa
de Ação Nacional de Combate à De s ert i fie a cão e Mitigação dos Efeitos da Seca,
ern conjunto, as A.SD's representam 1.338.076 quilômetros quadrados, ou 15,72%
do território brasileiro, abrigando uma população de mais de 31.6 milhões de
habitantes, isso corresponde a i 8,65% da população do país.1"1
Acrescente-se aos processos de desertifieacão ocorridos nessas áreas que:
"De maneira bem sumaria, pode-se assinalar que sobre uma variada gama de
unidades geoambientais, em sua maioria bastante vulneráveis à ação humana,
ocorre uma uniforme e inadequada distribuição fundiária, aliada a uma
expansão urbana desordenada, sobre as quais incidem, também uniformemente,
a destruição da cobertura vegetal, o manejo inadequado de recursos florestais, o
uso de práticas agrícolas e pecuárias ínapropriadas e os efeitos soei oeco nó micos
da variabilidade climática."05
Como resultados estampados desse fenômeno no Brasil, têm-se a ampliação
das mazelas sociais e s redução da capacidade produtiva, que, de certa maneira,
faz com que as ASD's "apresentem, apesar das pressões antrópicas, um quadro
de haixo dinamismo ou estagnação da atividade econômica.""6
Nos espaços semi-áridos do Brasil, o fenômeno da deserliíicaçâo foi identi-
ficado cientificamente a partir de 1970. Na ocasião, João Vasconcelos Sobrinho1'7
publicou um estudo pioneiro explicando que estava a se formar "um grande
deserto com iodas as características ecológicas que conduziram à formação dos
grandes desertos hoje existentes em outras regiões do inundo." O autor informou
que se i raiava de um "deserto atípico, diferenciado do típico deserto saariano,
pela incidência de precipitações e natureza do solo, mas com as mesmas impli-
cações de inabitabilidade.''
No Nordeste, as áreas mais aletadas pelas secas, reconhecidas oficialmente,
foram delimitadas em 1936 sob a denominação de Polígono aos Secas, conforme
a Eei 175, de 01.01.1936, Importante ressaltar que, naquela época, a área do
referido Polígono compreendia uma superfície de 672 281 098 quilômetros
quadrados. Essa delimitação espacial perdurou até ] 989.m
A figura do Polígono cias Secas foi substituída pela Região Semi-Árida do
Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste - FNE, em conformí-
94. Ministério do Meio Ambiente (SRH). Programa de Ação Nacional de C.ombale
ü Desertificação e Mitigação dos F/ritas da Seca: Pan - Brasil, Firasília: MMA e
Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração, 2004. p. XXIV.
95. Idnn, ibidem.
96. Idem, ibidem.
97. VASCONCELOS SOBRINHO, João, O decerto brasileiro. Recife U F PE/l m prensa
Universitária, 1974, p. 07.
98 Ministério do Meio Ambiente (SRH). Programa de Ação Nacional de Combali:
à Dt",ettifiíação e Mitigação dos F.feilos da Seca: Pan - Brasil. Brasília: MMA e
Centro de Informação, Documeniação Ambiental e Editoração, 2004, p. 09.
Revista de Direito Ambientai
O problema d,i deserti ri cação 157
dade com a I.ei 7.82;, de 27.09.1989"" Desde então, a Região Semi-Árida do
FNF representa a área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do
Nordeste - Sudene
Fm 2000, a superfície compreendida como Região Semi-Árida do FNF.
correspondia a 895.254.40 quilômetros quadrados, sendo integrada por l.031
municípios. Nessa área, viviam 19,326.007 habitantes, desse total, '56,5 % habi-
tavam em áreas urbanas e 43,5%, em áreas rurais.
Com efeito, as ações do PAN (Brasil) se inserem nas regiões cl imaticamente
caracterizadas por semi-áridas e subúmidas secas. Saliente-se, portanto, que
os estados abrangidos pelo Programa são: Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e norte de Minas Gerais.
Convém mencionar que, em 1983, João Vasconcelos Sobrinho1"" observou,
como evidência da d ese ri i fixação nos solos nordestinos, o aparecimento de
determinadas manchas que. p<jr sua vez: (...] "apresentam-se descarnadas, como
espécies de erupções epidérmicas. São áreas de solos rasos, quase que reduzidas
ao afloramento rochoso, sem capacidade de retenção de água, pois, cessadas as
chuvas, elas ficam imediatamente desidratadas. Os solos dessas áreas lambem
apresentam deficiências em matéria de nutrientes, que contribuem para poten-
cializar sua vocação para a desertificação."
Portanto, com base na ocorrência dessas manchas, Vasconcelos Sobrinho
apontou a existência de Núcleos de Desertificação, sendo locais onde, mesmo em
períodos de chuva, a vegetação pouco ou não se recupera.10'
Com a contribuição de Sobrinho, foi possível identificar as áreas mais atin-
gidas pelo fenômeno, como áreas-püoto. Nesse seguimento, a partir de 1990,
o Núcleo Desert, da Universidade Federal do Piauí - UFP1 -, produziu novos
estudos nessas áreas com vistas à Conferência Internacional e Seminário Latino-
Amerteano da Desertificação - Conslad."1!
Entre março e novembro de 1996, foram feitas visitas de campo em quatro
áreas, dentre as destacadas como áreas-piloto, para investigação sobre a deserti-
ficação no semi-árido brasileiro. Desse fato, constatou-se que a principal causa
para a intensa degradação dessas áreas foi a substituição da caatinga pela agricul-
99. Brasil. Lei 7.827 de 27,09.1989. Regulamenta o arl. 159, l, c, da CE/88, institui
o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte - FNO, o Eundo Consti-
tucional de Financiamento do Nordeste - FNE e o Fundo Constitucional de
Financiamento do Centro-Oeste - FCO, e dá outras providências. Disponível
em: <hup://www, planalto.gov,br>. Acessoem 27.03.2006
100.VASCONCELOS SOBRINHO, João, Processos de desertificação no Nordeste do
Brasil sua gênese e sua contenção. Recife: Sudene, 1983, p. 2.5-26.
101 Idern, ibidem.
102. Vale aditar que, nos lermos do PAN (Brasil): "Este foi um momento importante
do ponto de vista político e de inserção do bloco da América Latina na C.CD,
pois havia certo grau de dificuldade em se englobar outras áreas do planeta,
além das áreas do continente africano, F.sta situação abriu novas perspectivas
paia que ou ti as regiões, com base no Anexo da América Latina, formulassem e
influíssem seus próprios anexos, como foi o caso do norte do Mediterrâneo e da
Ásia ''
DourfíiNA NACIONAI
158 LÍVIA Ü
l u rã e pecuária, bem forno pela mineração, extração de argila de solos aluviais f
retirada de madeira para lenha. Desde então, tais áreas íoram identificadas rumo
de "alio risco a dest-rtificação" ou " núcleos desertilicados", a saber: Gilbuês,
Irauçuba, Serulo e Cahroho
9. RESOLUÇÃO CONAMA 238 DF 22.12.1997
O Conselho Nacional do Meio Ambiente - Conama -, conforme as atri-
buições que lhe Foram conferidas, pela Lei 6.938/81 e pelo Dec. 99.274, de
06.06.1990, aprovou em 22.12,1997, na 49 J Reunião Ordinária do Plenário,
através da Resolução 238, a Política Nacional de Controle da Descri i fi f ação
Nesse documento, foram estipulados, como Marcos Referenciais para urna
Polícica Nacional de Controle da Desertificação, o Capítulo 12 da Agenda 21, vez
que traz diretrizes específicas para o enfrentamento do problema, e a Convenção
das Nações Unidas para o Combate á Desertificação e à Seca, que enfatizou a
necessidade de se tomarem medidas para combater o problema, familiarizadas
em programas de ação nacionais.
Como objetivos básicos da Política Nacional em análise, com a finalidade
de alcançar o premente desenvolvimento sustentável nas regiões propensas à
desertificação e a seca, incluem-se, entre outros: a formulação de "propostas de
curto, médio e longo prazo para a prevenção e recuperação das áreas atualmente
afetadas pela desertincação"; o empreendimento de ''ações de prevenção da
degradação ambiental nas áreas de transição entre o semi-árido, o suhúmido e
o tímido, com vistas à proteção de diferentes ecossistemas''; articulação da ação
governamental, em todas as esferas do governo, aspirando à "implementa cã o
de ações locais de combate e controle da descri i fi cação e dos efeitos da seca":
contribuição para o ''fortalecimento do município", para que sejam desenvol-
vidas estratégias locais de controle da cie certificação; e, finalmente, contribuição
para a articulação entre os órgãos do governo e os não governamentais, no intuito
de buscar uni ''modelo de desenvolvimento econômico e social compatível com
as necessidades de conservação dos recursos naturais e com a eqüidade social."
Para a consecução dos objetivos acima citados, a Política Nacional de
Controle da Desertificação identifica sete componentes e estabelece algumas
ações prioritárias, "cuja responsabilidade de implementação alcança vários
setores governamentais", devendo estar assentada em um sólido processo parti-
cipativo da sociedade civil e das ONG's.
A seleção desses componentes estratégicos visa à elaboração do Plano
Nacional de Combate, à Desertificaçáo, que será analisado no capítulo seguinte.
São identificados como componentes: a) Fortalecimento e Interação Institu-
cional, com a finalidade de criar uma articulação institucionaf para elaboração
e implementação do Plano Nacional de Combate à Desertificação, que depende
de cooperação técnica; b) Fortalecimento da comunicação e f luxo de infor-
mação sobre a desertifkação, no intuito de se criar uma rede de informações
e documentação sobre o assunto, em todos os seus aspectos; f.) Capacitação
gerencia! e técnica de pessoal em gestão de recursos naturais em áreas sujeitas
à desertificação, tendo em vista que essas pessoas deverão a tuar em pesquisas
sobre o controle e recuperação de áreas em processo de desertificação. mciu-
Rcvií.ta de Direito Ambientai
O problpm.i d,i desertificacão 159
sive articuladas com as comunidades locais, para absorverem as suas práticas
e conhecimentos empíricos; d) Conscientização, sensibilização e mobilização
dos atores do desenvolvimento sustentável em áreas sujeitas a risco de deser-
lificação. Nesse sentido, a população informada sobre a prevenção, controle e
recuperação do fenômeno, se torna apta a participar efetivamente da elaboração
de projetos e programas de implementação de combate ao problema; e) Criação
de uma capacidade operacional de controle da desertificação em nível local, para
que haja um contato permanente entre as autoridades locais e a sociedade civil
organizada, capaz de formular as propostas imediatas de ação para combater
a desertificação. Sendo assim, a orientação segue também pela necessidade de
formação dos Conselhos Municipais nas áreas d ese ri i ficadas ou sujeitas à prohle-
mática; f) Elaboração de estratégias de monitoramento, prevenção e recuperação
das áreas em processo de deserudoação. para tanto, é extremamente oportuno
sublinhar a orientação a fim que se realize o zoneamento ecológico-econômico,
visando à racionalização do uso dos recursos naturais, em áreas sujeitas ã deser-
tificação, bem como se elahore planos diretores municipais que contemplem as
variáveis ambientais que propiciam esse processo; g) Definição de projetos e
ações prioritárias, no intuito de prevenir, recuperar ou controlar a desertificação
em áreas sujeitas a ela.
Outro ponto a ser destacado, na Política Nacional de Controle da Deser-
tificação, é a orientação para que se compatibilize a legislação existente, que
se refere à conservação de recursos naturais, com as exigências da prevenção,
controle e recuperação das áreas suscetíveis ou em processo de desertificação.
Ademais, a Resolução vigente também acentua a necessidade de se insti-
tuírem mecanismos, "com vistas à sensibilização dos vários setores de governo
e da sociedade quanto à problemática, bem como envolve-los em processos
de formulação de novas políticas e estratégias", inclusive incorporando-os às
políticas setoriais. Ainhui-se a importância desta disposição ao caráter rnulti-
disciplinar que esta temática assume, por isso, é indispensável a assimilação de
todos os conhecimentos disponíveis sobre o assunto.
Finalmente, enfatiza-se, no documento, que as "diretrizes propostas não
esgotam a discussão sobre o terna", não obstante configura o início do processo
de implementação de uma política nacional preocupada com o combate à
descri ificação. em especial, com o "desenvolvimento sustentável na região semi-
árida."
1 0. A CONSTRUÇÃO PARTICIPATIVA DO PROGRAMA DF AçÃO NAGONAL üt
COMBATE À DESFRIIFICAÇÀO E MITIGARÃO DOS Ef-trros DA SECA (PAN-
BRASIL)
O processo de construção do Programa de Ação Nacional de Combate à
Dese ri ificação e Mitigação dos Efeilos da Seca - PAN (Brasil) teve início em
2003.
A part i r de abril de 2003. a Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do
Meio Ambiente ~ SRH/MMA - assumiu o papel de facilitadora da interlocução
nas esferas de maior decisão do governo, assim como nos processos descen-
tralizados de tomada de decisão. Nesse âmbito, constituiu-se, portanto, uma
DOUTRINA NACIONAL
160 LlVIA ÜAK.HIK BÓSIO I Kl
Coordenação Técnica de Combate à Desertihcaeão - CTC -, destinada a prestar
suporte técnico aos trabalhos de elaboração do PAN (Brasil).1 '"
Desde então, a CTC cuidou da pane de e s l m m raça o do programa, dando
ênfase ao Ponto Focai Nacional. Ao lado dessa coordenação, foi criado, pela
Portaria 265, de 2.Í.06.2003, o Grupo de Trabalho Iriterministenal - GTIM -, no
in lu i to de propor mecanismos de elaboração t: implementação do PAN (Brasil),
envolvendo, nesse labur, os diversos segmentos governamentais (Federal e
estaduais), como lambem, a sociedade civil organizada. Assim, o GTIM conta
com o apoio de representantes de sete Ministério s,1'11 seis Instituições Publica?
Federais'0^ e quatro instâncias da sociedade civil
Sublinhem-se as instânciasda sociedade civil organizada que contribuíram
ou vêm contribuindo para o processo de produção e execução do PAN (Brasil).
São elas: Rede Imernacional de ONG's sobre Desertifi cação -RIOD-; Articulação
no Semi-Arido Brasileiro - ASA — lrt) (representada pela Associação Maranhense
para a Conservação da Natureza - Amavida); Fundação Grupo Esquel - FGEB
-; e. Rede de tiducação no Semi-Arido Brasileiro - Resab - (representada pelo
Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada - IRPAA).
Dentre elas, destaca-se a participação do Grupo de Trabalho de Combate á
Desertííicação da Asa- GT CD -, instituído em junho de 2003, e constituído por
28 organizações não governamentais com a missão de articular a rede de organi-
zações sociais nas ASD's, que são as áreas suscetíveis à desertihcação. a saber;
As ações do GTCD têm sido importantes no que se refere à ampliação do
grau de participação da sociedade civil, com atuação nas ASD, na elaboração
e implementação do PAN - Brasil. Suas iniciativas também têm contribuído
positivamente para o fortalecimento das relações com os governos estaduais, de
sone que as demandas da sociedade reflitam-se nas políticas regionais, e que as
ações dos govenios locais sejam coneatenadas com as da sociedade civil."'
103.Ministério do Meio Ambiente (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate
à Desertificaçâo e Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN - Brasil. Brasília: MMA e
Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração, 20U4. p. 6i
104. Os Ministérios envolvidos nesse processo são: Ministério do Meio Ambiente
— MMA; Ministério da Integração Nacional — Ml; Ministério do Desenvolvi-
mento Social e Combate à Fome - MDS; Ministério da Agricultura, Pecuária
e do Abastecimento - Mapa; Ministério do Desenvolvimento Agrano - MDA,
Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT; e. Ministério do Planejamento. Orça-
mento e Gestão - MPOG.
UT5. As Instituições Públicas Federais que apoiam esse projeto são. Agência Nacional
de Águas - ANA; Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis — Ibama; Companhia de Desenvolvimento dos do São Francisco e
do Parnaíba - Codevasfi Instituto Brasileiro de Geografia e Fstat.istica - IBGE,
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa; e Banco do Nordeste
do Brasil S.A.-BNB.
106.Mais informações sobre a ASA tio sue: <http://www.asabrasil org.hr/>. Acesso
em 27,03.2006
107.Ministério do Meio Ambiente (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate
ü Desertificaçao t Mitigação dos Efeitos da Seca. PAN - Brasil. Brasília: MMA e
Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração, 2004, p. 63.
Revista de Direito Ambientei
O problema da d(.'sertificação 161
Nas balizas do Plano Nacional em análise, depreende-se a analogia com
as airibuições determinadas na Convenção de Combate á Desert i doação, espe-
cialmente no que tange à criação de Pontos Focais Estaduais, pois a S RH/MM A
incentivou a sua criação, em l l Estados brasileiros abrangidos pelo Programa,
os quais, por sua vez, são representados pelos governos estaduais (especifica-
mente através dos secretários de meio ambiente, ou recursos hídricos), pela
sociedade civil (por meio da ASA, cujos membros são escolhidos por eleição nos
colegiados estaduais) e Assembléias Legislativas klt>
Os Pontos Focais Estaduais, mantidos pela articulação do governo com a
sociedade civii, servem para participar as questões ao governo federai, sendo
que "essa relação propicia ao governo federal urna interlace/interlocução mais
estreita com os govenios estaduais e desses com a sociedade."109
Ainda para fortalecer essa articulação, dentro dos Pontos Focais Hstaduais,
loi criada a figura do Ponto K oca! Parlamentar, que é o responsável pela "disse-
minação das discussões políticas no âmbito das Assembléias Legislativas e pelas
negociações junto às demais instâncias governamentais."110
A articulação entre as três esferas -governo, sociedade civil e parlamento -é
realizada pela Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente,
que, e oportuno repisai, atua como Ponto Focai Nacional.
Saliente-se que a construção do PAN (Brasil) foi caracterizada por um
processo participativo dividido em dois aspectos fundamentais: a) O aspecto
técnico, centrado em estudos e revisão das políticas existentes; b) O aspecto
político, relacionado ao envolvimento dos diversos atores institucionais, tanto
governamentais contu não governamentais.111
Da interface entre esses dois aspectos, infere-se a busca pela integração entre
as propostas emanadas da sociedade civil organizada com as políticas públicas
do governo.
Importante anotar que os aspectos técnicos foram definidos a partir da siste-
maiização das propostas advindas da.s dinâmicas estaduais realizadas nos estados
abrangidos pelo Programa, à luz das políticas e programas existentes, para sua
análise e (posterior) adequação aos princípios preconizados pela CCD. Ao
mesmo tempo, os aspectos políticos também partiram das dinâmicas estaduais,
sendo organizados e coordenados pelos Pontos Focais Estaduais, com a partici-
pação do governo e da sociedade civil organizada, e lograram êxito de mobilizar
uma gama considerável de atores regionais em torno da construção.11'
108.É necessário anotar que em novembro de 2003 Uri realizado um treinamento
sobre os conceitos e políticas de combali* à desertiheação, para facilitar a inte-
gração das ações entre os governos e os representantes da sociedade civil.
109.Ministério do Meio Ambiente (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate
a Desertificacão e Mitigação dos Efeitos da Seta: PAN - Brasil. Brasília: MMA e
Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração, 2004, p. 63.
UO.Idem.p. 64
lil .ldem, p. 65-66.
112.Ministério do Meio Ambiente (SRH). Programa de Acàu Nacional de Combate
ã Desertificaçáo e Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN - Brasil. Brasília: MMA e
Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração, 2004, p. 65-66.
Dou i SINA NACIONAL
162 LÍVIA GAIQU.K BÓMO CAMPULO
Caracterizando essa aproximação com a sociedade civil organizada,
foram realizadas duas grandes Oficinas Estaduais nos meses de março/abril e
maio/junho de 2004, nos 11 estados abrangidos pelos Programas. Nessa
expectativa, delas parliciparani mais de 1.200 representantes de cerca de 400
instituições governamentais e não governamentais. F bom diferenciar que, nas
primeiras oficinas estaduais o principal objetivo se ateve a levantar as propostas
de ações para o PAN (Brasil), ao passo que nas segundas oficinas, o foco Foi
dirigido para sistematizar tais ações por eixo temático "!
"lendo em vista a amplitude do problema, dis t r ibuído em diversos temas,
foi decidido que os programas de ações do PAN (BrasiP seriam organizados
em quatro grandes áreas temáticas, tal como segue: a) redução da pobreza e da
desigualdade; W ampliação sustentável da capacidade produtiva; c) preservação,
conservação e manejo sustentável dos recursos naturais; e, d) gestão democrá-
tica e fortalecimento da institucional
Dessa forma, depois de sistematizadas as áreas temáticas por suas respectivas
Comissões, loi apresentada a primeira versão do Programa, que, por sua vez, se
tornou o objeto de discussão, durante o mês de julho de 2004, através de uma
videoconferência, aberta ao público, a qual envolveu a participação das Assem-
bléias Legislativas dos \ l estados, abrangidos pelo Programa. Saliente-se que,
por ocasião dessa videoconferência, loi possível promover o primeiro encontro
formal entre os três Pontos Focais Estaduais. Ademais, toda a documentação
relatada naquela oportunidade foi disponibilizada para consulta e/ou sugestões
na internei, por meio do portal: <http://desertificacao.cnrh-srg.gov.br>
Infere-se que, de fato, o processo de elaborarão do PAN (Brasil) ocorreu de
forma participativa, seguindo a orientação dada pela CCI). Particularmente, a
criação dos Pontos Focais Govern«mentais e Não Go\ernamenlais nos 11 estados
abrangidos pelo Programa favoreceu o diálogo entre o Governo e a sociedade
civil organizada.Com efeito, a metodologia adotada, caracterizada pela reali-
zação dos encontros e/ou Oficinas Estaduais para discutir e/ou sistematizar as
áreas temáticas também pode ser considerada bastante satisfatória
11. CONCLUSÃO
O alvo primordial e compartilhado conscientemente nas linhas gerais do
PAN (Brasil) é o apoio ao desenvolvimento sustentável nas Áreas Suscetíveis à
Desertihcação - ASDs -, por meio do estímulo e da promoção de mudanças no
modelo de desenvolvimento em curso nessas áreas.
Imprescindíveis aliados à meta do desenvolvimento garantidor da susten-
tabilidade dos recursos naturais são, nos termos do PAN (Brasil): o combate à
113.Alem dessas Oficinas, não custa ressaltar a realização do II! Encontro Nacional
dos Pontos iocais, em Olinda (Pernambuco), nos dias 22 e 23 de abri! de 2004,
no qual "contou-se com a participação da maioria dos atores envolvidos no
processo: Pontos Focais tstaduais, membros do GTIM, membros das comissões
temáticas e parlamentares"'. Nesta oportunidade, '''forarn discutidas as ações
demandadas nas primeiras Oficinas Estaduais e analisados os texto= iniciai'.
produzidos pelas Comissões Temáticas ''
Revista fie Direito Ambiental
O problema da desertifícação 163
pobreza e às desigualdades nessas regiões, a ampliação da capacidade produtiva,
a conservação, preservação e manejo sustentável dos recursos e a gestão demo-
crática e fortalecimento ins t i tuc iona l .
Nessa perspectiva, o Programa em curso traça uma estratégia para sua
implementação em torno desses quatro eixos lemálicos, com seus respectivos
desdobramentos. Convém sublinhar que a execução das ações programalicas se
encontra a cargo das instituições públicas do governo nos três níveis (federal,
estadual e mun ic ipa l ) , bem como das organizações não governamentais, e
demais entidades civis organizadas
A intrínseca relação existente entre a pobreza e os processos de desertifi-
caeJo é um tema amplamente debatido. O consenso que se desenvolve entre
os estudiosos da desernficação, identifica a pobreza como fator resultante dos
processos de desenificação e, simultaneamente, fato; realimentador. No caso
brasileiro, enfatiza-se que a gradaliva perda da capacidade produtiva dos recursos
naturais, inclusive da fertilidade natural dos soleis, reduz de forma inexorável a
possibilidade de produção de riquezas, acarretando, emre outras conseqüências,
a redução da renda das pessoas.
Nesse contexto, as comunidades submetidas a tais condições tendem,
em busca de sua sobrevivência ou da superação de sua condição de fragi l i -
dade, a pressionar a base de recursos, na maioria das vezes jã depauperada,
aumentando assim os impactos negativos nas esferas ambiental, econômica
e social.
Via de regra, o cenário que se apresenta é figurado por uma enorme concen-
tração de trabalhadores rurais, pequenos agricultores, que dispõem de pequenas
parcelas de terras, pouco ferieis, das quais dependem, sobretudo, para a produção
de alimentos visando á própria subsistência, mas necessitando produzir algo
excedente comercializãvel. Isso implica, naturalmente, em sob ré-utilizar os
recursos naturais, contribuindo, dessa forma, para agravar os processos de
degradação.
Dessa maneira, o PAN (Brasil) reafirma que "a combinação desses elementos
(pobreza e desigualdade) promove nas Áreas Suscetíveis à Desertificação - ASDs
- uma evidente aceleração dos processos de degradação." Nessa lógica, é vital
que os meios de prevenção e o combate à desertificação sejam implementados
simultaneamente com o combaie à pobreza e à desigualdade."4
Em consonância com a necessidade de ampliação da capacidade produtiva
nas regiões passíveis de a f ei ação. pode-se afirmar que a sustemabilidade nas
Áreas Suscetíveis à Desenificação-ASITs- inexoravelmente é um grande desafio
ao desenvolvimento do Brasil. F importante repisar que isso ocorre devido às
restrições que esse ambiente impõe às relações econômicas, sociais e políticas
que ali se estabelecem
114 . A partir de tais considerações, e oportuno mencionar que o PAN (Brasii) anuncia
algumas ações políticas correlatas com essa temática, que não podem deixar de
ser implementadas nas ASDs, tais como. a) Reestruturação Fundiária nas ASDs;
b) Educação; c) Fortalecimento da Agricultura Familiar e Segurança Alimentar;
d) Seguridade Social (Saúde, Assistência e Seguridade Social)
DOUTRINA NACIONAÍ
164
Vê-se que tais restrições, ou conseqüências, da desertificacão podem levar
à crença da impossibilidade de ampliação produtiva sustentável das ASD's.
Fatalmente será inviável o desenvolvimento sustentável nas ASDs nordestinas,
caso permaneçam imutáveis os padrões e os modelos usuais de crescimento da
atividade econômica, Fundados na transposição quase mecânica de modelos e
(etnologias de regiões temperadas sujeitas a menores restrições.
Nesse descompasso, as ASD's, realmente, demandam que se amplie a sua
capacidade de resposta aos problemas e desafios inaugurados pelo processo
de desertiíicaçào. Ao mesmo tempo, não há uma polílica íederal unificada,
integrada e articulada para a promoção do desenvolvimento sustentável nas
ASD's.
Pertinente às políticas estaduais autônomas, complememares ou não às
políticas Federais, essas ainda não foram suficientes para engendrar resultados
positivos, uma vez que fomentam uni processo de desenvolvimento produ-
tivo sem, todavia, levar em consideração as condições especiais ou restrições
impostas pelo processo de desertificaçào.
Por essas razões, também se fundamenta o movimento da sociedade, qne
vem reafirmando enfaticamente, como na Declaração do Semi-Árido, que é
possível a "convivência com o semi-árido.'
Tendo em vista a biodiversidade, verifica-se que, em geral, a região brasi-
leira afetada pelo fenômeno da desertificação apresenta ums vegetação nativa
bastante diversificada, composta especialmente, por troncos e ramos tortuosos,
súber espesso, apresentando desde formas campestres bem abertas até formas
relativamente densas, florestais denominadas de savana (Cerrado) e savana
estépica (Caatinga).
Vale acrescer que o bioma Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro em
área, caracterizando-se por uma formação do t ipo savana tropical, que ocupa
23,9% da superfície do Brasil."5 Estima-se que. nesse bioma, exisiam mais de
IO.000 espécies de plantas.
O Cerrado abrange, em sua maior pane, a região central do Brasil, esten-
dendo-se pelos estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul.
entretanto também se assenta no oeste de Minas Gerais e da Bahia, ao sul do
Maranhão e parte do Piauí, chegando a Rondônia e ao Pará. Já o bioma Caatinga
é uma vegetação típica do Nordeste brasileiro, porém também incluída em
partes do Maranhão e de Minas Gerais. Trata-se de um bioma único, exclu-
sivamente brasileiro, considerado o quarto maior em área e composto por
pelo menos uma centena de paisagens únicas, com predominância da savana
estépica.
Convém destacar que "a caatinga constitui um dos biomas brasileiros mais
alterados pelas atividades humanas," sendo que 56% da sua área original, que
115.Cerca de 20% do cerrado brasileiro estão bem conservados, sendo que, em
torno de 2,4^% destes estão protegidos por Unidades de Conservação Federais,
conforme Ibama. Unidades de Conservação Federais (UCs) no Brasil por bioma
2003 Disponível em: <httpV/www2.íbama.govbr/unidades/geralucs/estat/
biomas/ucus0.pdf>. Acesso em 26.03 2006.
Revista (/(' Direito Ambientai
O problema d,2 ríesorlificdcào 165
era de 1.037.517,80 quilômetros quadrado^,"" já l oram modificados em razão
da ocupação com "lavouras permanentes, lavouras temporárias e a ocupação
pelo chamado 'efeito estrada."'"1
Tais biomas. Cerrado e Caatinga, sofrem uma excessiva pressão sobre seus
recursos naturais, além das "mudanças bruscas do ciclo hidrológico (secas e
enchentes)". As tensões englobam a adoção de "estratégias de sobrevivência."1"1
que, sobremodo, exaurem os recursos pelo uso da terra, cujas causas imediatas
são a utilização mapropriada e a degradação dos recursos naturais (água, solo,
vegetação).
Emsuma, a população que habita as ASDs apresenta uma relação de extrema
dependência dos recursos naturais dessas áreas. Portanto, o corte da vegetação
sem um determinado plano de manejo florestai, contribui fortemente para a
redução qualitativa e quantitativa da cobertura florestal, expondo o solo à erosão
e à perda de sua camada mais férti l (desertificação).
Hnalmente, à luz da Convenção Internacional de Combate à Desertificação
nos Países Afetados por Seca Grave e/ou Desertificação. o Brasil, ao aderi-la e
ratificá-la, consolidou o seu compromisso com a democracia participativa, no
intuito de garantir os direitos e deveres dos atores envolvidos nos processos de
combate ao problema.
Do ponto de vista do Governo Federal, é conditio sine qua non. para a garantia
a todos os brasileiros do s tatus de cidadãos, que se combata à desigualdade social
e econômica. Com efeito, "busca-se estabelecer um novo contrato social que
favoreça o nascimento de uma cultura política de defesa das liberdades civis e
dos direitos humanos" e, nessa mesma linha, o Estado tem de estar adaptado
às exigências do desenvolvimento, fundado, não somente na sustentabilidade
ambiental, tnas também na sustentahilidade social e econômica.
No âmbito do PAN (Brasil), a estratégia assumida teru caráter participa-
tivo e, sobretudo assenta-se no fortalecimento da democracia em todas as suas
dimensões. Fsse fortalecimento prevê o desenvolvimento de relações plurais e
democráticas, baseadas na eqüidade.
Assim, atenção especial deverá ser dispensada à formação e habilitação de
líderes comunitários, bem como ao envolvimento das sociedades civis organi-
zadas, a fim de que esses atores possam efetivamente contribuir para a imple-
mentação das políticas públicas diiigidas ao combate à desert i Reação.
116. Conselho National da Reserva da Biosfera da Caatinga. Cenários para o bwma
Caatinga. Recife1 .Sectma, 2004, p. 283.
117. Ademais, a Caatinga é um dos biomas menos protegidos por unidades de conser-
vação, lendo privilegiadas somente cerca de 2% da sua área total, conforme
Ibama. Unidades de Conservação Federais (UCs) no Brasil por bioma. 2003.
Disponível em: <hrtp://ww w2.ibama.giw.br/unidades/geralucs/estat/biomas/
ueuso.pdf>. Acesso ein 26.03.2006.
f f 8. Incluem-se nessas estratégias as técnicas de "corte raso da vegetação e o uso do
fogo, assim como a grande demanda de madeira nativa para o abastecimento
industrial (pólos de cerâmicas, áreas de earvoarias, pólos gesseiros e caieiros) e
para consumo interno (lenha para energia)."
DOLMKINA N ACIONAI
16fi L Í V I A G ' \ K , H I K
ü fortalecimento institucional, na linha cia Convenção de Combate a
Descri ificação, implica necessariamente "fortalecer os 'atores relevantes',
criando condições para ampliar suas capacidades institucionais nas áreas de
conhecimento técnico, execução e gestão de iniciativas orientadas para o efetivo
combate ã descri i fi cação.'" Desse modo, é indispensável o apoio de novas inst i -
mcionalidades com capacidade de contribuir efetivamente para solucionar as
questões adjacentes ao combate à desertificação.
Assim, o PAN (Brasil), em seu escopo, indica, como primeira ação para a
gestão democrática, o monitoramento e avaliação das atividades. Explica-se, no
Programa, que o princípio que orienta a consolidação e a aplicação do sistema
de monitoramento e avaliação é dado pela participação qualificada de todos
os atores envolvidos no combate à d esc rti fica cão. Essa premissa vale desde a
"elaboração dos indicadores, passa pela coleta de dados e vai até a avaliação dos
avanços e impactos, facil i tando o acesso á informação e à democratização das
tomadas de decisão.'"
Ao lado do monitoramento e avaliação, têm-se, corno outra orientação, as
atividades de melhoria dos conhecimentos, voltadas para superar os limites e
fragilidades do conhecimento existente no Brasil em torno dos processos de
desertifi cação. Contudo, tais atividades têm de estar de acordo com o novo
paradigma estabelecido, que e o de "conviver com o ambiente onde ocorre esse
fenômeno", e não mais tentar combater a seca.
Nessa perspectiva, devem-se equacionar os desafios do desenvolvimento
sustentável, contanto que se proporcionem os instrumentos necessários à infor-
mação.
Na verdade, o PAN (Brasil) evidencia a necessidade de fortalecimento das
dinâmicas estaduais, que deverão ser "animadas e articuladas pelos Pontos
Focais Estaduais (Governamentais e da Sociedade Civil)", os quais, por sua
vez, conformarão os espaços de participação mais importantes para analisar os
problemas locais causados pela desertificação e para discutir e pactuar possíveis
soluções entre os atores.
Dessa foi ma, é de suma importância que esses espaços aconteçam lambem
durante a implementação e. monitoramento do Programa. Associada a isso. a
orientação segue para que esse movimento seja alimentado e descentralizado
para o âmbito local, inclusive envolvendo as prefeituras locais.
cie Direito Ambiental

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