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Psicol. Argum. 2013 jul./set., 31(74), 495-505
doi: 10.7213/psicol.argum.31.074.AO04 ISSN 0103-7013
Psicol. Argum., Curitiba, v. 31, n. 74, p. 495-505, jul./set. 2013
PSICOLOGIA ARGUMENTO ARTIGO
[T]
Epistemologia da neuropsicologia: Fundamentos científicos 
da relação entre cérebro e comportamento
[I]
Epistemology of neuropsychology: Scientific foundations of the relationship 
between brain and behavior
[A]
Abstract
The advent of neuroscience has enabled the creation of models of interpretation of mental ac-
tivities and knowledge achieved with the help of new technologies have redefined he concepts 
and ideas about being human. In this context, the study of relations between the neurological 
substrate and the higher psychological functions is the object of neuropsychology. The develop-
ment of theoretical and practical opportunity to neuropsychology is an epistemological ap-
proach, in view of the different scientific models built. In the presentation of the scientific foun-
dations of this system will be defined the notion of science, epistemological reflection about the 
development of science and from the historical perspective, the constitution of neuropsychol-
ogy as a scientific area and the contemporary demands of new technological devices. The epis-
temological reflection promotes the deepening of thought neuropsychological awakening to 
the need for accuracy and conceptual measures, training of neuropsychological data platforms 
and adoption of new technologies. #]
[K]
Keywords: Neuropsychology. Neuropsychology epistemology. History of neuroscience. #]
[R]
Resumo
O advento das neurociências possibilitou a criação de modelos de interpretação das atividades 
mentais, e os conhecimentos alcançados com o auxílio das novas tecnologias têm redefini-
do conceitos e concepções sobre o ser humano. Nesse contexto, o estudo das relações entre 
o substrato neurológico e as funções psicológicas superiores é objeto da neuropsicologia. 
O desenvolvimento teórico e prático da neuropsicologia é ensejo para uma abordagem epis-
temológica, tendo em vista os diferentes modelos científicos construídos. Na apresentação 
dos fundamentos científicos da neuropsicologia será definida a noção de ciência, a reflexão 
epistemológica em torno do desenvolvimento das ciências e, a partir da perspectiva histórica, 
a constituição da neuropsicologia como área cientifica e as demandas contemporâneas dos 
novos aparatos tecnológicos. A reflexão epistemológica promove o aprofundamento do pensa-
mento neuropsicológico, despertando para a necessidade de precisão conceitual e de medidas, 
formação de plataformas de dados neuropsicológicos e adoção das novas tecnologias. [#]
 [P]
Palavras-chave: Neuropsicologia. Epistemologia da neuropsicologia. História da neurociência.
[#]
[A]
Davi Sidnei de Lima[a], Tatiana Izabele Jaworski de Sá Riechi[b]
[a] Mestrado em Psicologia na 
Universidade Federal do Paraná 
(UFPR), Curitiba, PR - Brasil, 
e-mail: 
davisidneilima@hotmail.com
[b] Doutora em Ciências Médicas 
pela Universidade Estadual 
de Campinas (Unicamp), 
professora do Departamento 
de Psicologia e do Programa 
de Mestrado em Psicologia da 
Universidade Federal do Paraná, 
Curitiba, PR - Brasil, e-mail: 
tatiriechi@hotmail.com
Recebido: 28/09/2011
Received: 09/28/2011
Aprovado: 04/04/2012
Approved: 04/04/2012
Psicol. Argum. 2013 jul./set., 31(74), 495-505
Lima, D. S., & Riechi, T. I. J. S.496
Introdução
Aristóteles (1977) afirmou no inicio da obra 
A Metafísica a relação do conhecimento com a ca-
pacidade de espantar-se diante do mundo, sendo a 
ciência, enquanto conhecimento baseado na obser-
vação e na experiência, um fenômeno humano de 
assombro, o qual investiga a natureza e o próprio 
homem, proporcionando independência diante das 
forças da natureza. A forma de observar a natureza 
foi diversa ao longo dos séculos; os objetos dessa 
observação e o estudo sobre o cérebro acompanha-
ram esse avanço, recebendo ao longo da história 
diferentes ênfases de acordo com as condições de 
conhecimento de cada época. Mas foi por meio das 
neurociências que isso se tornou um desafio para a 
tecnologia e o espírito humano (Churchland, 2004).
O florescimento das neurociências teve inicio no 
século passado e a década de 1990 foi eleita como 
a década do cérebro (Gazzaniga, Ivry & Mangun, 
2006; Mader, 1996). O aprimoramento da tecno-
logia permitiu acessos que pareciam impossíveis. 
O cérebro, enquanto objeto de estudo, deixou de ser 
abordado de forma teórica ou a partir de pacientes 
com lesões cerebrais ou após a morte dos sujeitos, 
pois o imageamento permitiu analisar o tecido neu-
ral enquanto desenvolve suas funções (Beaumont, 
2008). Os avanços das neurociências e a interface 
com a psicologia, por meio da neuropsicologia, pro-
vocam uma fundamentação epistemológica desse 
modo de fazer ciência. Assim, este ensaio teórico 
tem o objetivo de sintetizar os aspectos científicos 
da neuropsicologia: constituição histórica como ci-
ência, a definição do seu objeto, os diferentes méto-
dos de investigação, a construção de teorias e con-
ceitos e a relação com a psicologia. Esse percurso 
exige indagar o que é ciência (1), a epistemologia 
enquanto reflexão crítica da ciência (2), a psicolo-
gia como área científica (3), as neurociências como 
campo de estudo da neuropsicologia e a constitui-
ção histórica do seu objeto de estudo (4). 
Ciência: atividade humana
A ciência nasce da necessidade de explicar a re-
alidade por meio do controle e da sistematização, 
caracterizando a busca por um método que permi-
ta a objetividade e a eliminação de interferências 
(Araújo, 1998; Nagel, 1968). Este ideal de explicação 
implica o desenvolvimento da ciência e, consequen-
temente, a construção de leis e teorias (Chauí, 2003; 
Ferrari, 1974; Japiassu, 1977).
O século XVII marca o inicio da ciência moderna 
(Andery, 2004), o empirismo ganha força e o conhe-
cimento por meio da observação e da experimentação 
torna-se a base da ciência. Descartes (1596-1650) foi 
o principal estudioso dessa nova forma de fazer ciên-
cia. Em meados do século XIX, o positivismo impregna 
o pensamento filosófico europeu, fundamentado por 
Auguste Comte (1798–1857). Seu empreendimento 
consistiu em uma pesquisa sistemática do conheci-
mento humano e o controle dessa tarefa foi determi-
nado por meio do método científico (Schultz & Schultz, 
2007). A ciência mantém o ideal da experimentação, 
aceitando somente o conhecimento objetivo, sistemá-
tico, universal e baseado no método hipotético-indu-
tivo, o qual permite a construção de leis e a generali-
zação a partir de teorias (Andery, 2004; Araújo, 1998; 
Chauí, 2003; Japiassu, 1977).
A palavra grega “método” é formada por duas 
partes e significa através/por meio (me-ta) do ca-
minho (odos), e está relacionada à sistematização 
de procedimentos, comuns a várias ciências, que 
conduzem a obtenção das explicações, descrições e 
compreensões (Araújo, 1998; Ferrari, 1974). O mé-
todo confere objetividade á abordagem do evento, 
definindo-o como objeto científico capaz de ser con-
trolável, verificável, interpretável e possível de ser 
corroborado ou corrigido em outras elaborações 
(Andery, 2004; Chauí, 2003; Marconi & Lakatos, 
2010). A demonstração e a prova dos resultados 
são possíveis por meio do rigor e da sistematização 
proporcionadas pelo método, isso fundamenta a va-
lidade do estudo. O fato estudado em particular é 
relacionado a um todo, sendo unificado em uma ex-
plicação racional e possibilitando estabelecer uma 
teoria científica (indução) (Araújo, 1998; Nagel, 
1968; Ruiz, 1979). A dimensão assumida pelo mé-
todo supera as técnicas usadas, sendo o aparato tec-
nológico resultado dos obstáculos percebidos na re-
alidade, apresentando indícios dos limites teóricos.
A especificidade do método científico depende 
dos contornos que assume, podendo ser: observação 
e descrição; experimentação; construção de sistemas 
formais e modelos explicativos; levantamento etes-
te de hipóteses, com explicações através de leis e/ou 
teorias. Assim, o método pode adquirir um caráter 
dedutivo, indutivo ou ambos, conduzindo a um conhe-
cimento passível de validação, seja através de teste 
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Epistemologia da neuropsicologia 497
empírico, seja pelo confronto crítico de hipóteses e te-
orias. Importante considerar que a indução contém a 
marca de uma teoria aceita na prática científica; sendo 
assim, as ciências naturais não se fundamentam apenas 
no empirismo puro, possuindo também uma teoria que 
formata a formação de hipóteses (Abbagnano, 1970; 
Andery, 2004; Araújo, 1998; Chauí, 2003; Japiassu, 
1977; Mason, 1980). 
Epistemologia
O método científico caracteriza as neurociências, 
pois o objeto material, o sistema nervoso central do 
ser humano, é bem determinado, assim como o mé-
todo, conhecimento ob-tido a partir da observação e 
experimentação, tendo em vista conclusões objetivas, 
sistemáticas, capazes de definir conceitos, conduzir 
a leis e formar teorias, justificando-se, desse modo, 
a fundamentação epistemológica das neurociências 
(Almeida & Gomes, 2001; Kristensen, Almeida & 
Gomes, 2001; Marconi & Lakatos, 2010; Rose, 1984). 
Etimologicamente a palavra epistemologia remete 
ao “estudo da ciência” (epistheme = ciência, e logos = 
estudo, discurso) (Abbagnano, 1998), da sua investi-
gação enquanto lógica do conhecimento. O vigor das 
ciências no século XIX exigiu da filosofia a abordagem 
do discurso científico, sendo a epistemologia uma dis-
ciplina filosófica que, por meio do método crítico, pre-
ocupa-se com a sintaxe e a semântica da ciência, bem 
como a crítica do conhecimento científico, sua história 
e desenvolvimento (Abbagnano, 1970; Araújo, 1998; 
Reale & Antiseri 1990).
A ciência moderna fortaleceu o empirismo lógico, 
afirmando a capacidade do método indutivo em alcan-
çar enunciados gerais a partir de operações lógicas. 
David Hume (1711–1776) questionou o indutivismo, 
considerando que não importa a quantidade de enun-
ciados emitidos após inúmeras observações, pois ja-
mais se alcançará um enunciado geral. O empirismo 
lógico argumentou a partir do cálculo de probabili-
dade de certeza das leis ou teorias científicas. Rudolf 
Carnap (1897–1970) propôs princípios lógicos para 
calcular tais proporções e o grau de probabilidade que 
elas conferem a uma teoria (Kneller, 1980).
Karl Popper (1902-1994) colocou-se contra o 
empirismo lógico, considerando que, apesar de toda 
probabilidade, uma teoria poderá sempre ser refu-
tada pela prova que se apresentar a seguir (Popper, 
1975). A falseabilidade, a possibilidade de negar os 
pressupostos de uma teoria, seria o melhor caminho 
para a sua fundamentação (Popper, 1986). Uma teoria 
que não pode ser refutada não é científica, é dogmáti-
ca ou metafísica, sendo os principais exemplos o mar-
xismo e a psicanálise (Popper, 1986). O verificacionis-
mo e o refutacionismo são conditio sine qua non para 
a sobrevivência de uma teoria cientifica. Uma ciência 
elabora suas hipóteses para os problemas que se apre-
sentam e as mantém até que sejam refutadas ou falsi-
ficadas por algum novo evento. Desse modo as teorias 
são verdades peremptórias, sobrevivem até serem 
contestadas ou até que não sejam capazes de explicar 
novos problemas (Chauí, 2003; Kneller, 1980; Popper, 
1986). A validade de uma teoria está na abertura que 
deixa para fatos novos, os quais poderão falsificar os 
princípios e os conceitos que a fundamentam. A veros-
similhança de uma teoria é apontada a partir das suas 
consequências lógicas (Popper, 1975). 
Thomas Kuhn (1922-1996) construiu a reflexão 
epistemológica a partir da história da ciência e defen-
deu o progresso da atividade científica através das 
tradições de pesquisa. Isso porque elas possibilitam 
o desenvolvimento de uma ciência “madura” (Kuhn, 
2003), caracterizada por uma sucessão de tradições 
de pesquisa, cada uma com teoria e métodos pró-
prios, responsáveis por uma comunidade de cientis-
tas durante certo tempo e sendo, finalmente, aban-
donada. Kuhn começou por chamar as ideias de uma 
tradição cientifica de “paradigma”, designadas mais 
tarde por “matriz disciplinar”, indicando, de modo 
geral, uma visão do mundo expressa numa teoria. 
O paradigma como um todo determina os problemas 
investigados, os dados considerados pertinentes, as 
técnicas de investigação usadas e os tipos de solu-
ções admitidas. Kuhn divide a historia da ciência ma-
dura em fases “normais” e “revolucionárias”. Durante 
a ciência normal, os pesquisadores desenvolvem as 
implicações de um paradigma ou matriz disciplinar 
o mais completamente possível, sendo um modo efi-
ciente de solucionar problemas e ampliar uma teoria 
importante. As ciências “imaturas” (por exemplo, a 
Psicologia e a Sociologia) progridem pouco, pois ca-
recem de paradigmas, divididas como estão em es-
colas rivais (Kneller, 1980; Kuhn, 1979; Kuhn, 2003). 
Para Kuhn, todo paradigma prepara o caminho 
para o seu sucessor. Como qualquer teoria é uma 
abstração da realidade, nenhuma teoria pode pre-
tender explicar todos os fenômenos em seu domí-
nio. A pesquisa à sombra de um paradigma assegu-
ra que o maior número possível desses fatos será 
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Lima, D. S., & Riechi, T. I. J. S.498
cérebro. A atual configuração do conhecimento sobre 
o sistema nervoso central (células neurais, cérebro e 
comportamento) foi possível a partir de cinco impor-
tantes disciplinas experimentais: anatomia, embriolo-
gia, fisiologia, farmacologia e psicologia (Fiori, 2008; 
Kandel & Kupfermann, 1997; Kristensen et al., 2001). 
No final do século XIX, o tecido neural tornou-se 
tema de uma ciência, quando os estudos do médico 
italiano Camillo Golgi (1843–1926) e do histologista 
espanhol Santiago Ramón y Cajal (1852–1934) des-
creveram os detalhes da estrutura das células neurais. 
O microscópio composto revelou a estrutura celular 
do tecido neural. Golgi desenvolveu um método de 
coloração por prata, que permitia a visualização das 
organelas celulares do neurônio, como corpo celular, 
dendritos e axônios. Cajal, através desse método, mar-
cou células individuais demonstrando a composição 
do tecido neural por uma rede de células distintas; 
também desenvolveu conceitos que permitiram o ini-
cio de uma doutrina do neurônio, seguindo o princípio 
de que os neurônios individuais são os elementos si-
nalizadores primários do sistema nervoso (Gazzaniga 
et al., 2006; Kandel & Kupfermann, 1997). 
A investigação fisiológica do sistema nervoso teve 
inicio no fim do século XVIII, com a descoberta das 
propriedades elétricas das células musculares e neu-
rais, pelo médico e físico italiano Luigi Galvani (1737-
1798). Os fisiologistas alemães Gustav Theodor Fritsch 
(1838–1907) e Eduard Hitzig (1838-1927) obtiveram 
de modelos animais a comprovação da relação entre 
estimulação do encéfalo e mudanças no comporta-
mento. Essa descoberta levou os neuroanatomistas a 
desenvolver uma análise detalhada do córtex cerebral 
e da organização celular. Como essas regiões executa-
vam diferentes funções, concluíram que deviam olhar 
de modo diverso o nível celular (Fiori, 2008; Gazzaniga 
et al., 2006; Kandel & Kupfermann, 1997; Pinel, 2005). 
No fim do século XIX a farmacologia ofereceu 
contribuição para a compreensão do sistema nervo-
so e do comportamento, comprovando que substân-
cias químicas interagem com receptores específicos 
nas células. As descobertas fundamentaram as pes-
quisas em torno da comunicação química das célu-
las neuronais (Kolb & Whishaw, 2003). 
A neuropsicologia 
De acordo com estudos de alguns historiado-
res das neurociências, a neuropsicologia moderna 
encontrado o mais depressa possível. Quando um 
paradigma é amplamente elaborado e se defronta 
com as anomalias que assinalam os seus limites, os 
cientistas precisam procurar um sucessor, configu-
rando uma revolução científica (Kuhn, 2003). 
Psicologia e cientificidade
A constituiçãoda Psicologia como ciência natu-
ral, diversa do estudo metafísico da filosofia, iniciou 
com a psicologia fisiológica de Wundt (1832–1920), 
realizada em laboratórios e enfatizando mais o mé-
todo do que o objeto de estudo. A psicologia adotou 
o método experimental e centrou a investigação 
sobre o comportamento, encontrando a forma de 
constituir-se minimamente como ciência natural. 
A ampla divulgação do evolucionismo teve importân-
cia na definição do objeto da psicologia e o interesse 
pelas relações entre funções mentais superiores e 
correlato neural foi assumido por médicos, os quais 
estudavam as afasias e a relação com áreas cerebrais 
(Kristensen et al., 2001; Schultz & Schultz, 2007). 
Na primeira metade do século XX o funcionalismo 
orientou a pesquisa psicológica. Thorndike (1874–
1949) considerava as discussões sobre mente e cor-
po uma questão ontológica da filosofia. Titchener 
(1867–1927), estruturalista, ficou entre o parale-
lismo, no qual a mente não depende do corpo para 
ser estudada, posição defendida por Wundt, e a con-
cepção da experiência unitária entre mente e corpo. 
Watson (1878–1958) negou o problema ao descar-
tar a consciência. Karl Spencer Lashley (1890–1958) 
investigou as implicações da localização das funções 
cerebrais (equipotencialidade); os psicólogos da 
Gestalt trabalharam conceitos de campo perceptual e 
isomorfismo e Donald Olding Hebb (1904–1985) de-
senvolveu a teoria de montagens neurais (Kristensen 
et al., 2001; Pinheiro, 2005). 
Neurociências
As neurociências nascem do interesse crescente 
em torno do funcionamento do cérebro. No século XX 
acontecem várias descobertas a respeito das células 
neuronais e da estrutura cerebral. A unificação das 
ciências biológicas permitiu a fusão da ciência neural 
com a biologia celular e molecular, havendo ainda a re-
lação entre o estudo do comportamento e a ciência do 
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Epistemologia da neuropsicologia 499
medicina e filosofia, assumindo uma perspectiva etio-
lógica baseada na observação (Crivellato & Ribatti, 
2007). Mas a questão da relação entre corpo e alma 
não foi abandonada, sendo a saúde considerada uma 
justa harmonia dessas duas dimensões.
Pitágoras (580-510 a.C) delineia algumas ob-
servações localizacionistas ao defender a mora-
da da mente no encéfalo e no coração a região da 
alma e das sensações; Alcmeon (500 a.C) apresen-
tou uma descrição dos nervos ópticos e estudos 
sobre distúrbios funcionais do encéfalo, concluin-
do que nele estariam a inteligência e os sentidos; 
Hipócrates (460-370 a.C) estudou a epilepsia, con-
siderando-a um distúrbio do encéfalo, localizando 
aí também a inteligência e as sensações (Reale & 
Antiseri, 1990); Demócrito (470-360 a.C.) também 
fez a relação entre funções mentais e corpo, assim 
o pensamento teria sede no cérebro, a ira no cora-
ção e o desejo no fígado. Platão (428-347 a.C.) con-
siderava o encéfalo como local de realização dos 
processos mentais, sendo a alma constituída por 
três partes bem definidas e com localizações diver-
sas. O coração seria o local onde habitava a alma 
afetiva; no cérebro havia lugar para a alma intelec-
tiva; e no ventre estaria localizada a alma concu-
piscível, relacionada ao apetite sexual. Aristóteles 
(384–322 a.C.) defendeu o coração como o centro 
das sensações, das paixões e do intelecto (tese car-
diocentrista), sendo função térmica a atividade 
do encéfalo, necessária para refrigerar o corpo e a 
alma (Mondin, 1997; Pinel, 2005). 
Os conhecimentos médicos de Galeno (203–130 
a. C.), médico de gladiadores, tornaram-se dogmáticos 
por mais de mil anos; ele fazia analogias anatômicas 
sobre o funcionamento cerebral a partir da dissecação 
de animais. Galeno apresentava o cérebro humano 
formado pelo cerebrum, relacionado às sensações e 
memória, e o cerebellum, relacionado aos movimentos 
musculares. Os nervos eram dutos que conduziam os 
líquidos vitais ou humores, garantindo o registro das 
sensações e dos movimentos (Zimmer, 2004). 
Os estudos de anatomia foram prejudicados 
pelo desenvolvimento da tradição cristã católica, a 
qual defendia a dignidade do ser humano e a sua 
não profanação pelos estudos invasivos da anato-
mia. Outros fatos como a invasão dos bárbaros que 
destruíram o Império Romano e a Biblioteca de 
Alexandria, colocaram a Europa numa época de in-
segurança e recolhimento, cabendo aos árabes pre-
servar os documentos recuperados de Alexandria. 
começa com Donald Oding Hebb (1904–1985), 
Karl Spencer Lashley (1890–1958) e Aleksandr 
Romanovitch Luria (1902–1977). O termo neurop-
sicologia foi usado primeiramente em 1913, em 
uma preleção realizada por Sir William Osler, mas 
o desenvolvimento de fato iniciou nos anos 1940, 
na obra de Hebb, The Organization of Behavior: 
A Neuropsychological Theory (Engelhardt, Rozenthal 
& Lacks, 1995; Kolb & Whishaw, 2003). A neuropsi-
cologia acompanhou os outros campos das neuro-
ciências, trazendo contribuições no que se refere à 
interação entre cognição, comportamento humano 
e atividade do sistema nervoso cerebral. A interdis-
ciplinaridade mostra-se como pilar da neuropsi-
cologia, visto a utilização de saberes da anatomia, 
fisiologia, neurologia, psiquiatria, psicologia e ou-
tras que contribuem para o avanço e mapeamento 
das funções cerebrais. O desenvolvimento histórico 
dos estudos da relação entre funções mentais, com-
portamento e sua base fisiológica ajudam a enten-
der a constituição do objeto e do método científico 
da neuropsicologia (Kristensen et al., 2001; Lezak, 
1995; Mader, 1996; Toni, Romanelli & Salvo, 2005).
Desenvolvimento histórico da neuropsicologia 
A investigação da relação do comportamento hu-
mano com bases biológicas tem raízes bastante remo-
tas (Eccles, 1989; Landeira-Fernandez & Castro, 2010; 
Pinheiro, 2005). A trepanação, prática de caráter tera-
pêutico ou ritualista, que consistia na perfuração do 
crânio, de 7.000 a 20.000 anos atrás, deixou vestígios 
em vários continentes e denúncia a importância do cé-
rebro para as curas ou ritos (Gordon, 1995). Durante 
a Idade Média a trepanação foi prática corrente, pois 
havia a busca pela “pedra da loucura” no cérebro de 
pacientes com sintomatologia psiquiátrica, e também 
a crença de que maus espíritos habitavam o cérebro 
desses pacientes, sendo possível sua retirada por meio 
de perfurações no crânio.
O papiro de Edwin Smith (Puigbó, 2002), desco-
berto no Egito em meados do século XIX, escrito por 
volta de 1700 a.C., apresenta considerações cirúrgi-
cas sobre 48 casos, indicando a descrição clínica, os 
possíveis tratamentos e prognósticos, considerações 
sobre as meninges, líquor e medula espinhal, usando 
pela primeira vez o termo “encéfalo” (Bear, Connors 
& Paradiso, 2002; Changeux, 1991; Zimmer, 2004). 
A Grécia realizou no século V a.C. a distinção entre 
Psicol. Argum. 2013 jul./set., 31(74), 495-505
Lima, D. S., & Riechi, T. I. J. S.500
Localizacionismo e Holismo: descrições a partir da experiência.
As tentativas de relacionar as funções mentais e 
o comportamento conforme o método científico ini-
ciaram no final do século XVIII, com o conhecimento 
sobre afasia (Kolb & Whisaw, 2003). Franz Joseph 
Gall (1758–1828), anatomista, colocou a relação en-
tre afasia e cérebro em primeiro plano, tornando-se 
um importante precursor da neuropsicologia. Gall, 
que seguia uma ontologia materialista, considerava 
o cérebro como o substrato essencial para o exercí-
cio das faculdades mentais, mostrando-se evidente 
para ele a relação entre lesão frontal e transtornos 
afásicos. Com Spurzheim (1776–1832) desenvolveu 
a teoria da relação entre protuberâncias na calota 
craniana e funções mentais, chamada de frenologia 
(frenos em grego = mente) (Pinel, 2005). Gall inau-
gurou a corrente localizacionista, afirmando que as 
funções mentais seriam clara e definitivamente loca-
lizáveis nas circunvoluções do córtex cerebral; con-
tribui com a neuroanatomia e neurofisiologia, seu 
mérito foi revolucionar as neurociênciascom uma 
concepção não dualista, o que incentivou o início 
das neurocirurgias que tentavam alterar o compor-
tamento. Tais experimentos indicam o nascimento 
da neurociência experimental (Herculano-Houzel, 
2001; Kolb & Whisaw, 2003; Toni et al., 2005).
Florens (1794–1867) combateu a frenologia 
através de experimentos com animais, relacionando 
o cerebelo com a motricidade, o bulbo com a respi-
ração e o cérebro com a inteligência e a percepção; 
seguiu a perspectiva cartesiana e defendeu que o 
funcionamento da mente dependia da totalidade da 
massa cerebral. Suas ideias anteciparam a noção de 
equipotencialidade (plasticidade neuronal) e deram 
início ao movimento que resultou na corrente ho-
lista da função cerebral (Bear, Connors & Paradiso, 
2002; Kolb & Whisaw, 2003; Pinheiro, 2005).
Bouillaud (1796–1881) foi defensor das ideias 
de Gall e procurou comprovar, a partir de estudos 
anatomoclínicos, a relação entre afasias e áreas do 
cérebro. Seu aluno, Pierre Paul Broca (1824–1880), 
médico e antropólogo, demonstrou a relação entre 
lobo frontal esquerdo e linguagem. As pesquisas de 
Broca, baseadas em avaliações clínicas e estudos 
anatômicos, são consideradas o inicio da neurop-
sicologia. Em 1865, Broca associou o hemisfério 
esquerdo com a produção da fala e com a ideia de 
dominância manual, pois lesões na porção do ter-
ceiro giro frontal do hemisfério esquerdo provocam 
A renovação cultural renascentista, no início da 
Idade Moderna, contribuiu para inovações no cam-
po da anatomia, destacando as figuras de Andreas 
Vesalius (1514-1564) e Leonardo da Vinci (1452-
1519). Da Vinci obteve os moldes dos ventrículos 
cerebrais a partir da introjeção de cera líquida no 
cérebro. Isso evidenciou a existência de quatro 
ventrículos e não três como se acreditava. Os de-
senhos de Da Vinci ficaram na penumbra por apro-
ximadamente 300 anos, período no qual fulgurou 
Vesalius com a publicação da obra De humani cor-
poris fabrica libri septem (1543), na qual as ilus-
trações tiveram como base estudos realizados em 
cadáveres humanos (Mason, 1980; Pinheiro, 2005; 
Zimmer, 2004).
René Descartes (1596–1650) era conhecedor 
da obra de Vesalius, da descoberta da circulação do 
sangue por Harvey (1628) e aceitou o modelo me-
cânico vigente. O pensamento cartesiano contribuiu 
para o avanço das novas perspectivas da ciência na 
Idade Moderna, não só no que se refere às pesqui-
sas físicas, mas também com relação às pesquisas 
biológicas e fisiológicas. Descartes (2009) recusou 
a noção aristotélica da alma como forma do corpo 
ou a alma como princípio vital proposta pelos esco-
lásticos e apresentou a alma como substância pen-
sante (res cogitans), de natureza diversa do corpo 
(res extensa), marcada pela indivisibilidade em con-
traste com o corpo divisível. O ponto de interação 
entre alma e corpo seria a glândula pineal, parte do 
cérebro não passível de duplicação (Brett, 1953; 
Damásio, 1996; Kristensen et al, 2001). 
David Hartley (1705–1757), Albrecht von Haller 
(1707–1777) e Porchaska (1749–1820) continuaram 
as tentativas de abordarem a relação cérebro e men-
te no século XVIII; afirmações foram feitas a partir 
de estudos anatômicos sobre a sensação, percepção, 
memória e suas relações com o cérebro. Entretanto, 
o cérebro continuou sendo considerado uma massa 
homogênea, responsável por distribuir energia vital 
para o corpo. No século XIX a fisiologia dos sentidos 
tentou explicar o intelecto. Bell (1774–1842) dife-
renciou nervos sensórios e motores; Muller (1801–
1858) apresentou a teoria das energias específicas 
dos nervos; Helmholtz (1821–1894) realizou estu-
dos inovadores sobre ótica e audição; Weber (1795–
1878) trabalhou com a sensação epitelial; Fechner 
(1801–1887) elaborou uma formula matemática 
capaz de medir o limiar sensorial (Kristensen et al, 
2001; Schultz & Schultz, 2007).
Psicol. Argum. 2013 jul./set., 31(74), 495-505
Epistemologia da neuropsicologia 501
por alternativas às explicações localizacionistas e 
globalistas. Três princípios organizaram a posição 
sistêmica de Vygotsky quanto às funções corticais: 
a) interfuncionalidade; b) plasticidade; e c) modifi-
cabilidade. Essa orientação de pesquisa influenciou 
outros estudiosos como o neurologista Alexander 
Romanovich Luria (1902–1977), que inaugurou 
uma nova fase da neuropsicologia e propôs uma 
ciência que mantinha o equilíbrio com a fisiologia 
e a neurologia, sem perder a sua especificidade e 
estando imbricada com uma perspectiva humanis-
ta no que diz respeito às questões clínicas estuda-
das. Luria contribuiu para uma inovadora aborda-
gem do exame clinico, pois influenciado pela sua 
ampla visão das funções corticais, passou a usar 
técnicas modestas, mas que fundamentaram uma 
nova metodologia de aproximação das manifesta-
ções comportamentais. A coerente compilação dos 
elementos envolvidos na relação entre cérebro e 
comportamento deu origem a um modelo teórico, 
até então inexistente, capaz de sustentar as inves-
tigações neuropsicológicas (Kristensen et al., 2001; 
Luria, 1981; Toni et al., 2005). 
A neurociência cognitiva 
O inicio da década de 1950 foi marcada nos 
Estados Unidos pela oposição ao behaviorismo, de-
senvolvendo-se a psicologia cognitiva e seu foco no 
processamento de informação (Witsken, Damato & 
Hartlage, 2008). Os processos e representações men-
tais tiveram relevância para os trabalhos de George 
Miller em 1956, que investigou as limitações da ca-
pacidade do pensamento humano, tais como as da 
memória de curto-prazo. Muitos outros empreen-
dimentos foram colocados em prática pela psico-
logia cognitiva, como a fundação de laboratórios e 
o questionamento das principais teses do behavio-
rismo. O conceito de um organismo moldado pelo 
ambiente foi alterado pelo médico neurologista Karl 
H. Pribram, o qual se posicionou favorável aos ele-
mentos de iniciativa, perspectivas e intenções dos 
organismos (Kristensen et al., 2001). A Inglaterra, a 
partir dos trabalhos da relação entre escrita e lesão 
cerebral de Marshall e Newcombe, em 1973, foi o 
palco do encontro entre a neuropsicologia e a psico-
logia cognitiva (Witsken et al., 2008). O paradigma do 
processamento da informação divulgado pela psico-
logia cognitiva logo foi usado para pesquisar também 
prejuízo na articulação da fala, o que designou por 
afemia. Broca defendeu a assimetria funcional e do-
minância dos hemisférios (Gazzaniga et al., 2006; 
Kandel, 1997a; Toni et al., 2005). 
Em 1874, Carl Wernicke (1848–1905) descreveu 
a relação causal entre a lesão no primeiro giro tem-
poral esquerdo e uma das formas clínicas de afasia, 
a afasia sensorial: prejuízo na compreensão da lin-
guagem. Wernicke descreveu ainda o que denomi-
nou de afasia de condução, na qual uma lesão afeta 
as fibras associativas que conectam o primeiro giro 
temporal ao terceiro giro frontal no hemisfério es-
querdo, indicando a existência de um tipo de afasia 
na qual o paciente pode compreender a linguagem 
de outros e ter capacidade de produção, mas apre-
sentar um distúrbio grave na repetição (Gazzaniga 
et al., 2006; Kandel, 1997a). Broca e Wernicke revi-
talizam o localizacionismo e outros autores, chama-
dos de associacionistas, empenharam-se no estudo 
dos centros relacionados à linguagem. Funções não 
linguísticas também tiveram áreas cerebrais deli-
mitadas. Em 1855, Panizza descreveu cegueira em 
pacientes com lesão na região occipital. No século 
XIX o caso de Phineas Gage foi relatado por John 
M. Harlow (1848–1849). Gage passou a apresentar 
alterações de comportamento após lesão no lobo 
frontal (Damásio, 1996; Kristensen et al., 2001). 
John Huhlings Jackson (1834–1911) imprimiu uma 
grande mudança nos estudos da relação entre cé-
rebro e comportamento ao destacar a hierarquia 
funcional do sistema nervoso, lançando as bases 
para o futuro desenvolvimento da Teoria do Sistema 
Funcional de Vygotsky e Luria, cinquenta anos mais 
tarde (Toni et al., 2005). 
Estudos neuropsicológicos na Rússia 
Em paralelo ao pulsarde pesquisas neuropsi-
cológicas na Europa, também a Rússia destacou-
-se com importantes estudos. Em 1789, L. Bolotov 
plantou as sementes das investigações e iniciou um 
intenso período de pesquisa sobre a afasia, sendo 
que a neurologia e a psicologia russa não apenas 
contribuíram com a descrição dos sintomas, como 
também explicaram os mecanismos psicofisiológi-
cos causais inerentes aos transtornos da linguagem. 
A tradição fisiológica de Sechenov (1829–1905) 
e Ivan P. Pavlov (1849–1936) influenciou a inves-
tigação de Lev Vygotsky (1896–1934) na busca 
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Lima, D. S., & Riechi, T. I. J. S.502
experiência, mas sim a tentativa de falsificá-la, ten-
tando encontrar elementos que não corroborem as 
suas conclusões. Uma teoria não corroborada dá es-
paço para outra teoria que responde aos problemas 
da antiga e aos novos desafios. Popper defende o 
progresso da ciência a partir da constante substitui-
ção das teorias, as quais avançam em suas respostas 
aos problemas. Seguindo essa lógica, uma teoria é 
herdeira da outra, isso pelo contato de conceitos e 
contribuições recebidas da teoria anterior.
Kuhn considerou equivocada essa noção de evo-
lução das ciências, pois para ele uma teoria é diver-
sa da outra. Os conceitos de uma teoria não podem 
ser utilizados em outra, tendo em vista que os pro-
blemas, as condições e vários fatores científicos são 
diversos. Kuhn defende que o progresso das ciên-
cias se dá por meio de revoluções científicas, pois 
uma teoria que não responde mais aos problemas 
que aparecem é substituída por outra capaz de res-
ponder às questões da teoria anterior e aos novos 
problemas que apareceram. Para ele, a nova teoria 
não utiliza os conceitos da anterior da mesma for-
ma, ela é inovadora. Surge, assim, a ciência normal, 
a qual corresponde a um paradigma que dá susten-
tação às varias teorias respondentes dos problemas 
de uma época (Chauí, 2003; Kneller, 1980; Kuhn, 
1979; Popper, 1986). 
O diálogo entre Popper e Kuhn pode ser estimu-
lado para análise da história da formação das neu-
rociências e constituição da teoria neuropsicológi-
ca. Seguindo o raciocínio de Popper, percebem-se 
as conjecturas em torno da relação entre funções 
mentais e sistema biológico, estabelecidas ao longo 
da reflexão sobre esse tema; aconteceram avanços 
especulativos até a adoção do método experimen-
tal. No desenvolvimento dessas explicações os con-
ceitos foram sendo passados de teoria para teoria 
e, conforme apresenta Kuhn, não foram usados da 
mesma forma nos diferentes sistemas teóricos, 
ocasionando desentendimentos e equívocos. Gall e 
Florens assumiram posições teóricas diversas, sen-
do que Florens pesquisou a posição localizacionista 
de Gall e manifestou as inconsistências, realizando 
a falseabilidade da frenologia, conforme proposto 
por Popper. A frenologia não se sustentou e por isso 
foi substituída por novas posições localizacionistas, 
com conceitos herdados da frenologia, mas com no-
vas configurações. 
Kuhn estabelece as revoluções cientificas a par-
tir das mudanças de paradigma. E o surgimento 
outras funções cognitivas. A neuropsicologia cogni-
tiva tornou-se uma disciplina mais coerente após o 
um conjunto de explicações sobre a cognição huma-
na normal, desenvolvido por psicólogos cognitivos, 
principalmente em face da ênfase no desempenho 
de pacientes com lesão cerebral (Beaumont, 2008; 
Kristensen et al., 2001; Witsken et al., 2008). 
Discussão
O avançar das ciências nos últimos decênios re-
velou, a partir do aprimoramento da aquisição do 
conhecimento, novas perspectivas sobre a realida-
de humana. Não apenas o mundo externo foi inves-
tigado, mas o homem foi explorado em toda a sua 
interioridade na busca de entendimento dos seus 
aspectos biológicos e, consequentemente, também 
dos elementos que o tornam um gênero distinto de 
todos os outros seres viventes, as suas funções men-
tais superiores (Boncinelli, 2005). Os avanços em 
várias áreas de pesquisa do sistema nervoso cen-
tral, tais como fisiologia, psicofarmacologia, neuro-
logia e psicologia, garantiram descobertas de diver-
sos níveis de complexidade (Kandel, 1997b). A pura 
especulação da filosofia foi abandonada em favor da 
experimentação e o comportamento investigado em 
suas bases biológicas. A linguagem, o pensamento, 
a memória, a atenção, enfim, todas as chamadas fa-
culdades mentais, passaram a ser observadas e o 
seu substrato cerebral dissecado (Gazzaniga et al., 
2006, Kolb & Whisaw, 2003; Kristensen et al., 2001; 
Toni et al., 2005). A pergunta sobre quem é o ho-
mem adquiriu diferentes contornos ao longo das 
transformações da investigação científica, sendo 
que uma das maiores revoluções advém da investi-
gação sobre os aspectos neurológicos e comporta-
mentais do ser humano, proporcionada pelas neu-
rociências (Boncinelli, 2005). 
Interface epistemológica da neuropsicologia 
K. Popper e T. Kuhn em suas epistemologias, 
apesar de genéricas e com considerações reticentes 
quanto à psicologia, fornecem categorias e concei-
tos passíveis de serem aplicados na reflexão dos 
fundamentos científicos da neuropsicologia. Popper 
argumenta que a validade de uma teoria não depen-
de da afirmação dos seus pressupostos por meio da 
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Epistemologia da neuropsicologia 503
deste entrave, mas ainda lentamente (Beaumont, 
2008). O debate sobre as bases biológicas do com-
portamento sempre esbarra no histórico conflito 
das relações entre mente e corpo, estabelecendo-se 
duas concepções básicas, o dualismo e o monismo. 
O dualismo defende a existência de dois princípios 
irredutíveis e o monismo reduz o conjunto das coi-
sas à unidade, tanto do ponto de vista da substân-
cia quanto no que se refere às leis lógicas ou físicas 
(Damásio, 1996; Pinheiro, 2005). 
Considerações finais
A ciência se desenvolve na sociedade e responde 
aos desafios de cada época. Um trabalho científico 
também reflete em sua natureza, metodologia e ter-
minologia os interesses externos às pesquisas, mes-
mo os propósitos e preconceitos do próprio cientis-
ta (Rose, 1984). A neuropsicologia historicamente 
testemunha os condicionamentos impostos pelos 
métodos de acesso às funções mentais e produz co-
nhecimento com consequências científicas e sociais, 
sendo necessário abordar a sua importância para o 
conhecimento psicológico e para a sociedade. 
Cabe considerar que a ciência psicológica não 
se reduz à neuropsicologia, sendo esta um ramo 
científico que apresenta horizontes amplos para a 
psicologia, possibilitando a integração de compre-
ensões, bases conceituais e muitas questões sim-
bólicas (Kristensen et al., 2001). A revista Nature 
(Anônimo, 2009, oct. 15) alertou para as contribui-
ções das neurociências à psicologia científica, pois 
durante os últimos 20 anos, a ciência tem feito gran-
des progressos em direções que poderiam apoiar a 
psicologia clínica, tais como a neuroimagem, assim 
como a genética molecular e comportamental e 
neurociência cognitiva. Desse modo, a interação da 
psicologia com a neuropsicologia afirma o caráter 
interdisciplinar desta e, atualmente, contribui para 
o conhecimento do cérebro e suas relações com o 
comportamento através da neuropsicologia clínica 
e da reabilitação cognitiva. 
O pensamento humano continua a ser um desa-
fio para a ciência. E a disciplina neuropsicológica 
mostra-se capaz de investigar cientificamente este 
desafio e oferecer respostas. Contudo, há de se con-
siderar com parcimônia toda promessa científica. 
Considerar esse fato irrelevante é correr o risco de 
gerar falsas esperanças e criar celeumas, tendo em 
recente da neuropsicologia, com sua fundamenta-
ção do ser humano como um todo biopsicosocial, 
constitui uma revolução científica, principalmente 
por adotar uma visão nova para uma problemática 
velha, por expandir os sistemas de problemas, por 
obter êxito onde enfoques alternativos fracassam e 
por promover a fusão de disciplinas anteriormenteseparadas (Riechi, 1996).
Bilder (2011) propõe uma agenda para a Neuro-
psicologia contemporânea, sendo uma de suas ta-
refas fundamentais a formalização de conceitos e 
medidas de maneira ampla e bem definida, capaz 
de indicar com precisão o que a neuropsicologia 
aborda, além de agregar o conhecimento produzi-
do por outras áreas neurocientíficas de interface. 
As transformações científicas provocadas pelas 
novas tecnologias exigem a clareza de conceitos e 
a definição de paradigmas no interior da neurop-
sicologia. Outra meta seria a construção de redes 
colaborativas de troca de conhecimentos, pois as 
tecnologias da informação permitem a elaboração 
de plataformas de dados, capazes de servir de base 
para os mais diversos centros de pesquisa. Bilder 
(2011) também sugere a incorporação das novas 
tecnologias nas práticas neuropsicológicas. Assim, 
a avaliação neuropsicológica seria beneficiada pela 
utilização de técnicas computacionais, o que pode-
ria trazer maior precisão na aplicação de testes. 
Problemas 
Uma teoria científica, tanto para Kuhn quan-
to para Popper, tem seu valor de verdade prova-
do pelos problemas que suscita, pois provocam as 
pesquisas e o desenvolvimento teórico. A agenda 
proposta por Bilder para a Neuropsicologia revela 
alguns dos problemas constitutivos dessa ciência 
contemporânea, sendo que outros dois problemas 
fundamentais também estão no bojo da pesquisa 
neuropsicológica, sendo que a solução dada é deter-
minante para a construção do conhecimento. Esses 
problemas são a questão do método e a discussão 
entre monismo e dualismo. Quanto ao método, o 
maior problema refere-se à produção de conheci-
mento baseada amplamente em inferências realiza-
das após o funcionamento do cérebro, ou seja, não 
é um conhecimento produzido diante do cérebro 
em funcionamento. As novas técnicas de imagea-
mento cerebral estão superando alguns elementos 
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vista os abusos que podem ser gerados, tais como já 
testemunhados pela história científica (Fiori, 2008). 
Aspectos de base da ciência estabelecem a neu-
ropsicologia como disciplina científica interdiscipli-
nar e as raízes remotas do seu objeto de investiga-
ção fundamentaram as mais diversas teorias, mas 
com o desenvolvimento das neurociências houve 
novas consequências para as descobertas das rela-
ções mentais com o sistema biológico. Contudo, essa 
investigação continua em aberto (Bennett & Hacker, 
2003; Churchland, 1996; Churchland, 2004) e susci-
tando o espírito científico, exigindo constantemente 
uma reflexão epistemológica, pois as consequências 
da posição tomada irão refletir na visão de homem 
e no modo de fazer ciência. 
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