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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS FACULDADE DE PSICOLOGIA PSICOLOGIA JURÍDICA RESENHA Acadêmica: Ádria Pimentel Silva Matrícula: 21853084 O filme “Crianças Invisíveis” (do original: The All Invisible Children), de 2005, com duração de 2h09min, tem como gênero o drama, e vai retratar de forma breve, mas sem pecar no impacto, a história de sete crianças de diferentes países marcadas pelos variados tipos de violência que as obrigam a crescerem cedo demais para sobreviver. Dirigido pelos cineastas renomados Mehdi Charef (África). Emir Kusturica (Sérvia-Montenegro), Spike Lee (Estados Unidos), Kátia Lund (Brasil), Jordan Scott & Ridley Scott (Reino Unido), Stefano Veneruso (Itália) e John Woo (China); teve como roteiristas Stribor Kusturica e Joie Lee. O filme é constituído por uma coletânea de sete curtas-metragens que vai trazer como protagonistas crianças que vivem diferentes situações difíceis e que geralmente são invisíveis para a sociedade. A ambientação se modifica a cada curta, mas em geral são locais pobres e, consequentemente, negligenciados pela sociedade, como orfanatos, favelas e ruas de grandes metrópoles. Assim como o título do filme, algumas crianças têm os “nomes invisíveis”, - Acredita-se que de forma proposital -, ficando o espectador a difícil tarefa de lidar com essa frustração, visto que é praticamente impossível não se comover com a história de cada uma delas e mesmo sabendo ser um filme, ficar se perguntando os próximos capítulos. Visando uma melhor dinâmica sobre o que foi solicitado, optou-se por apresentar cada personagem e, em seguida, fazer breves apontamentos e discussão com a conquista do direito das crianças e as leis envolvidas nesse processo que ainda vagarosamente no Brasil. 1ª Criança (Tanza - África): Em algum lugar no continente africano um menino se encontra órfão junto de outros como ela, após uma guerra entre sua tribo e outra vizinha, o que a leva a viver num constante matar ou morrer. 2ª Criança (Cigana - Sérvia-Montenegro): Um menino de família cigana está numa de detenção para menores; 3ª Criança (Blanca - Estados Unidos): Adolescente negra, mora na periferia com os pais que são usuários de drogas, e sofre preconceito e discriminação ao descobrir pelas pessoas que faziam violência ter HIV, assim como os seus pais que se encontravam em negação, principalmente seu pai. 4ª Criança (Bilú e João - Brasil): As duas crianças são amigas e moram numa favela de São Paulo. Para sobreviverem, catam materiais recicláveis nas ruas dessa metrópole, passando por vários desafios que os obrigam a se reinventarem a todo momento, não só para conseguir dinheiro, mas também tentando dar ao menos a liberdade de escolher vivenciar o que der da infância. 5ª Criança (Jonathan - Reino Unido): Um adulto com sintomas de Transtorno de Estresse Pós-traumático por fotografar as consequências da Guerra na África, tem uma retrospectiva até a sua infância onde junto com os dois amigos vivenciaram algo semelhante. 6ª Criança (Ciro - Itália): Um menino imigrante na cidade de Nápoles é forçado pela mãe a conseguir dinheiro, independentemente de como for, para continuar morando com ela acaba. Assim, ele acaba indo para o mundo do crime, lidando com os riscos envolta desse “estilo de vida" ao mesmo tempo que tenta, assim como no caso da 4ª criança, ter a liberdade para escolher o que de fato quer para a sua vida. 7ª Criança (Sem nomes - China): Duas meninas, de idades semelhantes, mas com vidas completamente antagônicas, pois enquanto uma nasceu rodeada de bens materiais, mas sem amor parental, a outra foi abandonada ainda recém-nascida no lixo, e adotada por um senhor que lhe deu muito amor. Em certo ponto da história, elas se encontram, a rica está com a mãe no carro a caminho da própria morte sem saber, já a outra está vendendo rosas na rua para sobreviver, pois seu pai faleceu num acidente. Como descrito, as crianças retratadas, apesar de expostas a diferentes culturas que vão auxiliar a moldar suas personalidades e sua forma de ser no mundo compartilham, de semelhanças, com destaque a que realça aos olhos do início ao fim do filme: a violência, que como sabido, deixa marcas para o resto da vida quando não trabalhadas de forma saudável. Diante do exposto, a Constituição Federal de 1988, estabelece ser dever do Estado garantir à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, saúde, alimentação, educação, cultura, lazer, profissionalização, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária. Como visto, a violência não é uma particularidade que se limita ao Brasil, e mesmo se passado 18 anos desde sua produção, continua sendo tema recente e de suma importância para debate, haja posto a falta de práticas que realmente efetivem o que consta na lei. No primeiro curta observamos como a guerra não mata somente homens, mas também aniquila muitas vezes os sonhos de crianças ao obrigar que seus órfãos alimentem esse mesmo sistema para sobreviver, o que resulta na perda da inocência e a reprodução de comportamentos que nem mesmo adultos deveriam ter: o de matar. Uma das cenas mais marcantes ocorre quando Tanza ao armar uma bomba numa escola pacata de um vilarejo acaba por soltá-la para pegar o giz e responder as perguntas sobre o continente africano. É uma visão que carrega vários simbolismos, tais como: A importância de ter opção de escolha, que no caso de Tanza não ocorreu; e o uso do giz como verdadeira arma como instrumento de emancipação que muda o indivíduo e, por conseguinte, o mundo, como já bem destacado pelo patrono da educação Paulo Freire. O Menino Cigano e Ciro têm em comum o roubo como forma de sobrevivência, em que ambos foram coagidos a isso pelos próprios responsáveis. Aqui são nos apresentados duas temáticas importantes: a primeira se trata da redução da maioridade penal, tema que costuma ser defendido por quem tem como perfil a descrença de que as pessoas podem mudar e serem ressocializadas na sociedade, além do famoso discurso “bandido bom é bandido morto”; enquanto a segunda versa sobre as consequências da negligência familiar junto a omissão do Estado que deveria coibir tal crime. Os acontecimentos levam a reflexão: “Afinal, o que é prisão”, tema já discutido desde a Grécia Antiga com A Caverna de Platão, mas que nos força a pensar não na perspectiva de um homem que tem a escolha de sair e se tornar um ser livre das sombras, e sim de uma criança ter se quer, nesses casos, a força de quebrar as correntes, tamanha é sua fragilidade biopsicossocial. E o que as histórias mostram é que as vezes, você consegue usar do próprio sistema para tentar se libertar, seja saindo do crime, seja permanecendo no sistema de privação de liberdade de ir e vir, destacado aqui o ir, pois mesmo que para o menino cigano realmente não haja possibilidades naquele momento fora desse sistema, foi o único local que pode ter a mínima liberdade de escolha. De forma complementar, é importante abordar a respeito do sistema carcerário no Brasil que tem classe e cor. Assim como a percepção do diretor do curta do Menino Cigano, a sociedade marcada pelo racismo estrutural, abismo entre as diferentes classes econômicas, tem como imagético a violência como forma de punir e educar. E como desde a sua construção nunca houve outra forma de lidar com as problemáticas envoltas disso, acaba sendo a única alternativa para uma grande parcela da população trancafiar ou até matar os que são suspeitos de qualquer crime. Por fim, essa cristalização hierárquica social que remete ao feudalismo lembra o filme premiado com Oscar, Parasitas, o qual critica justamente a ilusão que tem hoje em dia por conta das tecnologias da possibilidade de ascender socialmente. Já se tratando da negligência familiar, vimos em todos os casos como a ausência alimenta o ciclo de violência que, com frequência, acaba sendo transgeracional. Como forma de combate a esse e a outros crimes cometidos contra crianças e adolescentes foi instaurado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelecenormas visando como prioridade absoluta a proteção integral deles em todas as políticas públicas e privadas, abrangendo como temas principais o(a): adoção, medidas socioeducativas, conselhos tutelares, direitos e deveres dos pais e/ou responsáveis. Frente a isso, há o confronto: O que fazer quando são os responsáveis os perpetradores de violência? Observa-se o caso de Bilú e João que em vez de estarem na escola estão nas ruas da cidade expostos a todos os tipos de violência. Da mesma forma, a criança pobre da China que após a morte de seu pai é acolhida por um adulto que a obriga ao trabalho análogo a escravidão. A lei nº 8.069/1990, que dispõe sobre o direito à saúde, proteção contra o trabalho infantil, prevenção à violência e exploração sexual de crianças e adolescentes, entre outros, criada ainda na década de 90, demonstra infelizmente a ineficácia no que foi proposta, e isso ocorre por multifatores, descrença no sistema judiciário brasileiro e a baixa qualificação dos profissionais que atuam nessas redes. Sobre a dupla brasileira, bom pontuar que por morarem na favela, tão estereotipada pelo tráfico de drogas, uma cena que ressaltou aos olhos foi a de adolescentes aliciados pelo tráfico zombar deles que buscavam outros meios, que não o crime, para conseguir seu sustento. A Lei nº 11.343/2006, criada para estabelecer normas para prevenção e combate ao tráfico de drogas, ainda hoje não conseguiu ir ao cerne da questão por ser ainda hoje um dos principais problemas que afetam a saúde e o bem-estar de crianças e adolescentes. Uma das maiores dificuldades em combater o tráfico se faz na facilidade por “dinheiro fácil e o que ele pode comprar, e para um adolescente que costuma ter uma visão imatura do mundo e inconsequente, acaba sendo mais fácil ter o comportamento imediatista do que pensar nas consequências de seus atos no futuro que, no tráfico, chega ou na prisão ou no caixão. Em meio a isso, surge a crítica da importação da cultura americana que alimenta esse tipo de comportamento, o consumismo, vista no filme pelas roupas de marca que os adolescentes estavam vestindo, bem como o discurso de que seu valor estava associado a isso. A falta de políticas públicas que trabalhassem outras formas de cultura, divertimento, educação, saúde e tudo que preconiza a Constituição oportunizaria se eficaz, a diminuição desse problema. No Reino Unido, Jonathan é um adulto marcado por sintomas de estresse pós-traumático que remetem a guerra vivenciada na sua infância, que por mais que lembre de forma romantizada, o levaram a se tornar fotógrafo de guerras pelo mundo, o que o deixa vulnerável. Um dos exemplos de políticas públicas é retratado com Blanca, filha que descobre, por meio do preconceito e discriminação dos colegas da vizinhança, que seus pais têm dependências em drogas, são portadores de HIV, bem como ela. Confrontando os pais a respeito eles mudam a forma de lidar com a situação até então destrutiva e buscam ajuda, onde Blanca começa a participar de rodas de conversa com outros jovens também com a sua condição, o que ajuda ela a lidar melhor com a situação por se sentir escutada, acolhida e amparada. Apesar de as leis expostas serem complementares e que devem ser aplicadas em conjunto - Logo que é dessa forma que poderá ser garantido a proteção integral desses jovens no Brasil -, o que se observa na prática é a dificuldade de integração entre os diferentes órgãos, conselhos e outras instituições, fazendo com que o próprio sistema se silencie, muitas vezes, por suas falhas. Portanto, conclui-se que a importância de olhar de fato as violências presenciadas com crianças e adolescentes, e não somente isso, agir contra isso, pois somente assim poderá ser mudado essas vidas que vivem em modo de sobrevivência.