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FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DO TRABALHO COM A FAMÍLIA FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DO TRABALHO COM A FAMÍLIA 1 1 Sumário FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DO TRABALHO COM A FAMÍLIA 0 NOSSA HISTÓRIA .................................................................................. 2 INTRODUÇÃO ......................................................................................... 3 FUNDAMENTOS DO TRABALHO COM A FAMÍLIA ............................... 5 METODOLOGIA DO TRABALHO COM A FAMÍLIA ................................ 8 O CONTEXTO FAMILIAR ...................................................................... 11 FAMÍLIA E PROTEÇÃO SOCIAL .......................................................... 14 BASES OPERACIONAIS PARA O DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO COM FAMÍLIAS ........................................................................... 17 DINÂMICA DO TRABALHO COM FAMÍLIAS ........................................ 20 A NECESSIDADE HISTÓRICA DO ROMPIMENTO COM O CONSERVADORISMO .................................................................................... 23 REFERÊNCIAS ..................................................................................... 28 file://192.168.40.10/O/Pedagogico/SERVIÇO%20SOCIAL/TRABALHO%20SOCIAL%20COM%20FAMÍLIAS%20E%20SOCIEDADE/FUNDAMENTOS%20E%20METODOLOGIA%20DO%20TRABALHO%20COM%20A%20FAMÍLIA/FUNDAMENTOS%20E%20METODOLOGIA%20DO%20TRABALHO%20COM%20A%20FAMÍLIA.docx%23_Toc94088790 2 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 3 INTRODUÇÃO Antigamente, não se dava muita importância às necessidades específicas dos trabalhadores que tinham de conciliar obrigações relativas ao emprego com obrigações e tarefas familiares, tais como cuidar de dependentes idosos ou de filhos. Contudo, houve o crescimento da parcela de mulheres que optavam por continuar trabalhando após se tornarem mães, seja por necessidade ou por apenas opção. Em todas as classes sociais, a importância de conciliar obrigações profissionais e familiares passou a ser muito maior, e o interesse e a discussão sobre as necessidades das famílias nas quais tanto o marido como a mulher trabalham fora do lar é mais recente, em comparação ao processo ocorrido em países da Europa Ocidental e da América do Norte. A participação de mulheres no mercado de trabalho se tornou ainda mais efetiva na região, devido às mudanças nos valores sociais relativos ao trabalho feminino e à aceleração do processo de desenvolvimento econômico, o que criou mais vagas no mercado de trabalho. A mulher além de contribuir para a estabilidade socioeconômica da família, também alterou as relações de poder entre homens e mulheres. Está ocorrendo uma reorganização dos papéis masculinos e femininos do sistema de divisão de trabalho por sexo, que envolvia a atuação primária ou no lar ou no mercado de trabalho, desempenhando um papel único. A nova realidade exige um envolvimento em papéis múltiplos, requerendo a coordenação e o equilíbrio de responsabilidades relacionados com o trabalho e com a família. A orientação de todo processo de trabalho bem como a prospecção de suas ações está diretamente vinculada à finalidade que se quer alcançar e, portanto, a clareza na sua definição é condição necessária para sua condução. Aos profissionais, especialmente aos assistentes sociais, cabe identificar essas expressões que, revestidas de múltiplas formas, configuram-se em processos que levam à exclusão de direitos pessoais e sociais e, consequentemente, à violência em seu sentido mais amplo. Configura-se como consensual o reconhecimento das características da família contemporânea, dado pela diversidade de configurações e de inovações no campo de suas 4 4 relações. A noção de família remete a relacionamento entre pessoas, que não necessariamente compartilham o mesmo domicílio e os mesmos laços sanguíneos ou de parentesco. A partir dessa noção de família, devemos ter o elas vivem, além de permitir estabelecer as conexões entre relações familiares, direitos violados e violação de direitos, permite também conhecer as expectativas da família quanto às dificuldades apresentadas e reconhecidas por ela, quanto ao seu futuro e quanto ao serviço ao qual está recorrendo. Esse conhecimento é gerado a partir de diferentes fontes dentre as quais se destacam as informações advindas das famílias, a partir de estudos sociofamiliares, e as informações processadas pela vigilância socioassistencial. Assim, se faz possível a projeção de ações com o objetivo de contribuir para que mudanças possam ser efetivadas e concretizadas. Figura 1: “Família”. 5 5 FUNDAMENTOS DO TRABALHO COM A FAMÍLIA Podemos perceber que o trabalho com famílias ganhou grande impulso e maior qualificação técnica no período de consolidação da profissão, através da apropriação do marco conceitual do Serviço Social americano, particularmente do Método do Serviço Social de Caso. Nicholds (1969), nos traz que esse método tinha como objetivo realizar o ajustamento dos indivíduos a seu meio, cooperando com eles a fim de beneficiá-los e também a sociedade em geral. Enquanto “método de tratamento” incluía a necessidade de diminuir ou resolver o problema trazido pelos “clientes” e, se possível, modificar as dificuldades e complicações fundamentais. A assistência ao cliente tinha como premissa a busca de recursos tanto na personalidade como no ambiente para corrigir a situação (HAMILTON, 1976; NICHOLDS, 1969). As ações profissionais estão condicionadas pelos fundamentos teórico-metodológicos que envolvem concepções acerca de categorias centrais para o seu desenvolvimento, tais como de proteção social, direitos de cidadania, autonomia, necessidades humanas e também de família. São justamente essas concepções que vão sustentar as finalidades que se quer alcançar com o TSF. Portanto, ancorados nos seus fundamentos e mirando sua finalidade, se projeta um percurso para o TSF. Tal projeção se sustenta no conhecimento das situações familiares e das opções que profissionais e gestores realizam, tendo em vista o atendimento das necessidades postas pelas famílias em determinados territórios. Em 1930, o Estado tomou suas as primeiras iniciativas na conformação de políticas públicas destinadas às famílias. Sabemos que, a combinação do trabalho remunerado com um envolvimento familiar significativo não é apenas o ideal feminino, mas já está se tornando o novo modelo ideal masculino também, com base no pressuposto de que essa combinação permite o desfruto dos benefícios das duas esferas social e psicologicamente mais significativas da vida (Cooper & Lewis, 2000; Pitt-Catsouphes, Kossek, &Sweet, 2006). O acesso das mulheres brasileiras ao mercado de trabalhose ampliou muito nas últimas décadas, 6 6 trazendo benefícios importantes para seu desenvolvimento profissional, pessoal e para seus dependentes (D'Affonseca, 2005; Diniz, 1999). Figura 2: Mulher retratando sua força. A maneira como a família é incorporada à política pública reflete na organização dos serviços e na proposição e organização do trabalho com as famílias no cotidiano. A incorporação da família como referência na política social brasileira reavivou o debate em torno do trabalho com famílias, que por muito tempo ficou relegado asegundo plano noâmbito do Serviço Social brasileiro. O termo “família” traz uma forte unidade e homogeneidade, porém oculta uma realidade marcada por interesses divergentes, modelos hierárquicos, relações de poder e força, mas também processos de negociação, de cooperação e de solidariedade. Considerando a diversidade do termo “família”, ela pode ser definida “como um núcleo de pessoas que convivem em determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se acham unidas, ou não, por laços consanguíneos” (MIOTO, 1997, p.120); ou ainda, como destaca a autora: “estamos diante de uma família quando encontramos um espaço constituído de pessoas que se empenhem umas com as outras, de modo contínuo, estável e não-casual [...] quando subsiste um empenho real entre as diversas gerações” (MIOTO, 2004a, p. 14-15). A família traz consigo sujeitos singulares, com 7 7 problemas individuais e, até mesmo familiares, ou tratados como casos de famílias. O que não significa que os temas relacionados às vivências, sofrimentos, violências, decorrentes da situação de vulnerabilidade ou risco social que compartilham não sejam debatidos ou refletidos. As ações socioassistenciais e socioeducativas devem ser as necessidades das famílias e a garantia dos direitos de cidadania, cujas propostas e ações perpassam o âmbito específico de uma política, para uma perspectiva intersetorial, integrada e articulada. No âmbito específico da assistência social, essas ações devem ser guiadas pela efetivação de direitos e da responsabilidade pública, que deve ser o norte do trabalho social com famílias ou grupos de famílias. Em virtude da forma de organização da assistência social, historicamente marcada por atendimentos segmentados por categorias, fragmentados em problemáticas, os serviços foram dispostos a partir de “indivíduos-problemas” e “situações específicas”, como, por exemplo, trabalho infantil, abandono, exploração sexual, delinquência, dentre outras, não contemplando a família como uma totalidade. Mioto (2004a; 2006) sintetiza o trabalho social com família baseado em: a) Concepções estereotipadas de famílias e papéis familiares, centrados na noção de família padrão e as demais como “desestruturadas’, com expectativas das clássicas funções alicerçadas nos papéis atribuídos por sexo e lugar nos espaços público e privado; b) Prevalência de propostas residuais, dirigindo-se a determinados problemas, segmentados e fragmentados da totalidade social, tomados como “desviantes”, “patológicos” e sujeitos ao trabalho psicossocial individualizante e terapêutico, para cujo diagnóstico e solução envolve-se a família, responsabilizada pelo fracasso na socialização, educação e cuidados de seus membros; c) Focalização nas famílias em situação-limite, em especial nas “mais derrotadas”, “incapazes”, “fracassadas”, e não em situações cotidianas da vida familiar, com ações preventivas e na oferta de serviços que deem sustentabilidade às famílias. Não devemos esquecer, que, a autonomia como capacidade de decidir, optar, eleger objetivos, metas, crenças é condição fundamental para que se alcancem objetivos de participação social 8 8 METODOLOGIA DO TRABALHO COM A FAMÍLIA Pereira afirma (2004, p.40), “o objetivo da política social em relação à família, ou ao chamado setor informal, não deve ser o de pressionar as pessoas para que elas assumam responsabilidades além de suas forças e de sua alçada, mas o de oferecer-lhes alternativas realistas de participação cidadã”. Nessa direção protagonizou-se a construção de uma proposta metodológica de trabalho social com famílias, entendendo metodologia como uma opção realizada por determinada forma de condução das ações profissionais, tendo em vista a efetivação de determinados objetivos e finalidades. As metodologias não são dadas à priori, mas se constroem enquanto processo e se estruturam a partir de determinadas perspectivas teórico-metodológicas e políticas. Portanto, a metodologia não pode ser reduzida aos seus aspectos operacionais (MIOTO, 2013). O marco teórico-metodológico e ético se expressa neste texto por meio das concepções de família, violência e finalidades do trabalho com famílias que circunscrevem a direção da proposta. Os marcos operacionais foram estabelecidos a partir da estruturação compartilhada de um processo de conhecimento e análise de situações familiares que demandam intervenções. Assim se inclui a construção da Ficha de Identificação e Avaliação Familiar e a proposição de ações profissionais de acordo com seus objetivos. A concepção de família revelou o quão problemática é a construção de uma concepção partilhada sobre o tema, particularmente na sua relação com a proteção social. É totalmente consensual a ideia de que a família é uma instituição que se transforma histórica e cotidianamente, que na contemporaneidade assume as mais diferentes configurações e que tem papel fundamental na construção do mundo subjetivo e intersubjetivo dos sujeitos. A família é singular, e ao se trabalhar com as famílias, devemos compreender que existe não apenas um modelo de família, mas sim, diversos. Dessa forma, ela está condicionada à estrutura social na qual está inserida e constitui-se como um espaço de relações altamente complexas e contraditórias. É preciso não idealizar/romantizar a família – ela é lócus de proteção, mas também de desigualdade e violência. 9 9 Supervalorizar a família pode oprimir/invisibilizar seus membros. A família deve ser entendida como a que é vivida no concreto, com suas diferenças internas, de gerações e de gênero, e no seu contexto, em termos de suas relações com as condições sociais, culturais, econômicas e políticas. O conceito mais adequado é aquele que contempla toda a diversidade de relações presentes na sociedade, pois a família não é uma totalidade homogênea, é uma instituição complexa produzida na diversidade das relações e construída dentro da multiplicidade de contextos, num processo dialético (Sarti, 2003). Assim, a família não pode ser concebida fora de um determinado contexto social, histórico, cultural, econômico e político, onde se constroem e se reconstroem relações. Relações, estas, entre sujeitos e entre sujeitos e sociedade e entre ela e outras esferas da sociedade, como o Trabalho, Estado e Mercado. A efetivação do TSF no SUAS deve contemplar uma dinâmica que torne possível atender as necessidades das famílias tendo em vista a garantia das seguranças de renda, acolhida e convívio, próprias da PNAS.Estes movimentos têm como base o conhecimento do território onde as famílias vivem, pois este fornece de antemão indicadores importantes sobre as condições e qualidade de vida das famílias a serem atendidas pela PNAS/SUAS. Posteriormente, vai se estabelecendo outro, que é a construção da análise da situação, propiciada pelo conjunto das informações acessíveis sobre a família e o seu contexto. Figura 3: Movimento para o conhecimento das famílias. 1 0 10 A presença do Estado se faz no ato de atender as necessidades que se relacionam ao bem-estar das famílias, tais como: a necessidade de alimentação saudável e nutritiva; de ambiente de trabalho desprovido de riscos; de ambiente físico saudável; de segurançafísica; de segurança econômica; de educação; de segurança no planejamento familiar, na gestação e no parto; de cuidados de saúde apropriados e proteção à infância; de relações primárias significativas, que possam se constituir em redes de apoio e oferecer um ambiente emocionalmente e fisicamente seguro. A saúde física é uma condição essencial para a participação na vida social e a autonomia como a “capacidade do indivíduo de eleger objetivos e crenças, de valorá-los com discernimento e de pô-los em prática sem opressões” (Pereira 2000, p. 70). A prática da autonomia tem como base o território onde as famílias vivem, à medida que ele é decisivo na construção de suas relações e de seus modos de vida. No âmbito da PNAS, o território é entendido como espaço geográfico, histórico e político, edificado através das relações entre diferentes atores, tais como população, empresas e Estado, que determinam o conjunto de condições em que vive a população. A incorporação da família nos sistemas de proteção social das sociedades modernas, as referências e a concepção de TSF vinculavam-se à tradição da tutela e do disciplinamento. Obviamente, essa condição não poderia deixar de repercutir no contexto de implementação da PNAS, apesar dos esforços que foram empreendidos para o fortalecimento de uma outra lógica para o TSF, esta movida efetivamente pela defesa dos direitos sociais de caráter universal e de responsabilidade do Estado. Assim, a política (e o Estado) assumem uma posição que contribui para enfraquecer os estigmas associados à maternidade sem casamento, à reconstituição de famílias, às vezes, sem vínculos formais, às uniões consensuais, ao divórcio, assumindo todos esses grupos como unidade familiar e sujeitos à proteção social da assistência social, desde que dela necessitem. 1 1 11 O CONTEXTO FAMILIAR Lévi-Strauss (1986), afirma que é, de acordo com o contexto social, em cada sociedade e em cada época histórica, que a vida doméstica passa a assumir determinadas formas específicas, evidenciando que a família não é instituição natural, mas reforçando a compreensão de que ela é socialmente construída de acordo com as normas culturais. De acordo com essecontexto, observamos que a família passa por profundas transformações, tanto internamente, no que diz respeito a sua composição e as relações estabelecidas entre seus componentes, quanto às normas de sociabilidade externas existentes, fato este que tende a demonstrar seu caráter dinâmico. A sociedade sofreu transformações necessárias ao longo do tempo, assim, possuindo fases em seu desenvolvimento, mas, segundo Engels, apesar desse desenvolvimento ocorrer paralelamente às mudanças existentes, é difícil, levando-se em consideração somente a própria família, delimitar períodos de sua existência.Ariès (1986, p.271) afirma que: A família moderna, ao contrário, separa-se do mundo e opõe à sociedade o grupo solitário dos pais e filhos. Toda a energia do grupo é consumida na promoção das crianças, cada uma em particular, e sem nenhuma ambição coletiva: as crianças, mais do que a família. De acordo com o modelo nuclear de família, Lévi-Strauss demonstra a realidade daquele momento histórico, com o predomínio da constituição familiar formada por homem, mulher, filhos. Atualmente, essa configuração familiar ainda existe, e tem predominância sobre os demais tipos de constituição da família. Porém, a família, na sociedade, foi construindo diversificadas formas de configurações, e essas maneiras diferentes da forma nuclear cresceram e possuem reconhecimento perante a sociedade. Assim, apesar de o reconhecimento da pluralidade de formas familiares, as homogeneízam em suas funções, papéis e 1 2 12 relações internas, trata-a, a priori, como o lócus da felicidade, do refúgio da vida desumana do mercado, da proteção social. A família, inserida na sociedade de consumo capitalista, produz e reproduz o capital, ou seja, ela pode ser considerada produtora dos bens materiais e culturais, enquanto, ao mesmo tempo, pode ser uma consumidora de determinados bens. Romanelli (1998) afirma que, são caracterizadas pela emergência de novos modos de relacionamento familiar, interpessoal, afetivo e sexual, assim como pelo aparecimento dos modelos culturais ordenados dessas relações. Percebemos, então que, houve uma evolução histórica da sociedade. A mulher, por sua vez, conquistou seu espaço no mercado de trabalho, consequentemente, conquistou certa independência. Contudo, apesar de a mulher conquistar seu espaço no mercado de trabalho podemos verificar que as mulheres, na maioria das vezes, desempenhando as funções maternas dentro da família, estão preparadas para cuidar e educar os filhos. É tão forte a ligação existente entre mãe e filhos que não seria possível descrevê-la ou conceituá-la simplesmente. É ímpar essa relação, pois é construída no próprio ambiente familiar. Percebemos que, atualmente, apesar das transformações sociais, tecnológicas e biológicas, a maternagem ainda permanece entre as mulheres. Assim, a família vivencia uma ação deliberada, buscando emancipação, por meio da instituição dos novos padrões de comportamento, justamente pelo fato de ter ocorrido mudanças profundas na realidade exterior à família. É nítido, que, houveram mudanças na sociedade, mudanças afetaram e ainda continuam aceleradamente afetando a esfera da vida social familiar, transformando-a profundamente, em todos seus níveis. É preciso pensar nessas mudanças, refletindo, por um olhar crítico, capaz de compreender o significado das mudanças recentes. O atendimento às necessidades das famílias implica a efetivação de um conjunto de serviços e ações desenvolvidas pelos diferentes níveis de complexidade do SUAS, por outras políticas setoriais e também por outras instituições e movimentos sociais. Não é fácil dissociar essa noção quando a família está em meio a um aparato de definições instauradas por meio das concepções existentes na sociedade – 1 3 13 jurídicas, psicológicas, religiosas, pedagógicas, dentre outras. Essas concepções trazem determinados modelos do que é e de como deve ser a família, especialmente alicerçados em uma visão que, na maioria das vezes, a considera como unidade biológica. Bilac (2000, p.31, destaque do autor) pontua que: a variabilidade histórica da instituição família desafia qualquer conceito geral de família. Ao mesmo tempo, a generalização do termo “família”, para designar instituições e grupos historicamente tão variáveis, termina por ocultar as diferenças nas relações entre a reprodução e as demais esferas da vida social. Há diversidade nos ritmos de mudanças na família, uma vez que tais mudanças dependem da situação na qual a família se encontra e também do contexto em que está inserida. Outras questões que podem influenciar o ritmo das mudanças na família são relativas à cultura, à etnia, à região, à situação socioeconômica, dentre outras. Figura 4: Família. Em uma família cada membro tem sua função, e tem um jeito de ser, mas juntos constroem um todo. Assim, pense em sua mão: os dedos têm tamanhos e propósitos diferentes, funcionando como dígitos individuais. 1 4 14 FAMÍLIA E PROTEÇÃO SOCIAL O campo da proteção social implica reconhecer que a família na sua dimensão, na sua multiplicidade, na sua organização é importante à medida que subsidia a compreensão sobre o lugar que lhe é atribuído na configuração da proteção social de uma sociedade, em determinado momento histórico. Particularmente, como ela é incorporada à política social, quais famílias são incorporadas e em quais políticas e os impactos que essas políticas tem na vida da famílias. Como afirma Esping-Andersen a forma de gerir e distribuir os riscos sociais entre o Estado, o mercado e a família faz uma grande diferençanas condições de vida de uma população (Esping-Andersen, 2000). Portanto para pensar em trabalho com famílias é importante reconhecer quais as tendências predominantes na incorporação da família no campo da política social enquanto seu sujeito destinatário. A grosso modo, temos indicado que atualmente existem duas grandes tendências em disputa nesse campo que vimos denominando de proposta familista e de proposta protetiva. A ideia que vem embutida no campo da incorporação da família na política social é a ideia de falência da família. O fracasso das famílias é entendido como resultado da incapacidade de gerirem e otimizarem seus recursos, de desenvolverem adequadas estratégias de sobrevivência e de convivência, de mudar comportamentos e estilos de vida, de se articularem em redes de solidariedade e também de serem incapazes de se capacitarem para cumprir com as obrigações familiares. A crítica mais contundente à afirmação da família como referência das políticas públicas, na atualidade, está associada à regressão da participação do Estado Social na provisão de bem-estar. A proposta protetiva, persiste-se na afirmação que a proteção se efetiva através da garantia de direitos sociais universais, pois somente através deles é possível consolidar a cidadania e caminhar para a equidade e a justiça social. É necessário reafirmar como as demandas das famílias são interpretadas e qual direcionalidade é dada para o atendimento de tais demandas pelos assistentes sociais, através de seu processo de trabalho. Afirmando Esping-Andersen, pode-se dizer que a cidadania social vincula-se a 1 5 15 dois procesos: ao processo de desmercadorização que consiste na possibilidade que o indivíduo e a família têm de se manter sem depender do mercado-; e ao processo de “desfamilização”. Desfamilização, significa o abrandamento da responsabilidade familiar em relação a provisão de bem estar social, seja através do Estado ou do mercado. Como afirma Chiara Saraceno (1996), a presença do Estado na garantia dos direitos sociais torna possível a autonomia dos indivíduos em relação à autoridade familiar e da família em relação à parentela e a comunidade. Pressupõe a diminuição dos encargos familiares e a independência da família especialmente em relação ao parentesco. Nessa perspectiva as políticas públicas são pensadas no sentido de “socializar antecipadamente os custos enfrentados pela família, sem esperar que a sua capacidade se esgote”. Essa concepção tem uma consequência importante para o exercício profissional, pois há o deslocamento do eixo da busca das causas dos problemas e conflitos, numa análise predominantemente relacional, e se caminha para o fortalecimento das possibilidades de proteção das famílias. Esse processo compartilhado com as famílias desemboca na construção de sua autonomia enquanto sujeitos e portanto não são tratadas como objetos terapêuticos. Parte da ideia de que as demandas são expressões das necessidades decorrentes, especialmente da desigualdade social própria da organização capitalista. E portanto, não podem ser mais tomados como problemas de família. O assistente social passa a desvincular a satisfação das necessidades sociais à competência ou incompetência individual/das famílias. Compreende-se, então que, as respostas às situações que afligem as famílias estão além das próprias famílias, exigindo ações tanto no plano da família, na sua singularidade, como no plano do planejamento e na gestão dos serviços sociais, além do plano da organização política para que sejam garantidos e ampliados os direitos sociais. Além disso, apesar da constante reiteração da integralidade do atendimento como uma meta a ser perseguida no trabalho social com famílias, por meio de seus dois pilares fundamentais – a intersetorialidade 1 6 16 e a interdisciplinaridade – esse tema deve continuar merecendo atenção dos trabalhadores do SUAS. Figura 5: Assistente social com família. É necessário articular significados e práticas. Assim a partir da compreensão de que as subjetividades se alteram pelas práticas sociais e não por simples conscientização. Daí ser fundamental o acesso a condições objetivas, fornecidas pelas políticas públicas como direitos. Nisso se incluem a apropriação e produção de novos sentidos pessoais e a inserção da pessoa no engajamento coletivo por melhores condições de vida (KAHHALE, 2004), de modo que é indispensável o processo de informação, reflexão, mas também de organização dos diferentes grupos que compõem o território para que seus direitos sejam garantidos e novas conquistas sejam inseridas nas políticas públicas, a partir de suas demandas. O foco das ações socioassistenciais e socioeducativas deve ser as necessidades das famílias e a garantia dos direitos de cidadania, cujas propostas e ações perpassam o âmbito específico de uma política, para uma perspectiva intersetorial, integrada e articulada. 1 7 17 BASES OPERACIONAIS PARA O DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO COM FAMÍLIAS Este tão aclamado desenvolvimento se faz no planejamento de suas ações pautadas estrategicamente em: conhecimento, decisão, ação, avaliação. Ou seja, implica um contínuo processo de construção e reconstrução, destinado a ofertar respostas sempre mais condizentes às necessidades postas pelas famílias, visando a alcançar a finalidade da PNAS, que é a consecução de suas seguranças. O conhecimento das situações familiares constitui a pedra angular do TSF, à medida que é este conhecimento que vai ofertar insumos para a tomada de decisões em torno das ações a serem empreendidas pelos trabalhadores do SUAS. Sabemos que o processo de conhecimento das situações familiares tem dentre seus objetivos responder três perguntas chaves: Quem são as famílias? Como elas vivem? Como elas exercem a proteção social? Ao longo da convivência da família nos serviços, tais questionamentos vão sendo respondidos. Contudo, uma mínima configuração das mesmas é necessária para a realização de qualquer intervenção ou do estabelecimento do plano de atendimento. Respondendo os questionamentos que foram feitos acima - Quem são as famílias? - envolve o conhecimento de algumas características que permitem a aproximação inicial com as famílias. Relacionam-se a diferentes aspectos tais como, a localização do domicílio, a sua composição, a idade dos membros da família, a escolaridade e os motivos pelos quais recorrem aos serviços. A segunda pergunta - Como elas vivem? - relaciona-se ao conhecimento de como se organiza a vida familiar e como se estabelece a convivência familiar e comunitária. Considerando que isto é fruto de uma combinação de múltiplos fatores, as informações sobre as condições de vida das famílias e a organização familiar são fundamentais para a elaboração dessa resposta. Por fim, à terceira pergunta - Como as famílias conseguem organizar 1 8 18 e articular os recursos necessários para a proteção social de seus membros? - é dada a partir das informações contidas nas respostas anteriores. Ela tem como premissa, a ideia, já anunciada, de que à família cabe a tarefa de articular a proteção dos seus, através das negociações que estabelece entre seus membros e com outras esferas da sociedade, tais como Trabalho, Estado e Mercado. Dessa forma, a resposta a essa questão é construída a partir do entrecruzamento das necessidades que uma família apresenta a partir de sua história, composição, demandas de seus membros (tanto materiais como imateriais) e dos recursos disponíveis para fazer frente a elas como renda (do trabalho, de benefícios, doações); acesso a serviços públicos (de infraestrutura, sociais, dentre outros). Nesse sentido, é importante lembrar que quanto mais as famílias tiverem, de fato, direitos sociais garantidos, maior será sua autonomia. O acessoa benefícios e a serviços públicos de qualidade e próximos às suas residências possibilita que não fiquem à mercê de favores e do clientelismo para obterem recursos imprescindíveis para a sobrevivência e exercício da proteção de seus membros. Considerando que a dinâmica familiar expressa os processos que são construídos a partir das múltiplas relações que se entrecruzam, a projeção de ações extrapola o âmbito da família. Ou seja, desenvolve-se o exercício de identificar no escopo da análise realizada onde as ações profissionais devem incidir e, preferencialmente, em conjunto com a família, para produzir o aporte de recursos e as mudanças necessárias para a alteração da situação familiar, bem como para se estabelecer os objetivos das ações. Portanto, somente a partir desse movimento é possível estabelecer objetivos e projetar ações, que incidam em diferentes planos de relações. Nesse sentido, propõe-se a projeção e a definição de ações profissionais dentro de uma perspectiva tridimensional, contemplando: campo da avaliação, campo do planejamento e gestão, e campo do atendimento direto. É considerado então “as necessidades imediatas, mas prospectam, a médio e a longo prazos, a construção de novos padrões de sociabilidade entre os sujeitos, ou seja, guia-se pela premissa da democratização dos espaços coletivos e pela criação de 1 9 19 condições para a disputa com outros projetos societários” (MIOTO & LIMA, 2009). O desenvolvimento de ações é direcionado às famílias que estão vivendo condições particulares de vulnerabilidade propensas a desencadear situações que comprometam a qualidade de suas relações ou de vida de seus membros ou ações direcionadas às famílias que já apresentam expressões de sofrimento. Entre as famílias que expressam situações de intenso sofrimento, estão aquelas com violação de direitos, particularmente violências. Estas situações são extremamente complexas e demandam escolhas precisas de abordagens a serem adotadas, para se compatibilizarem com uma perspectiva de atenção integral e responsabilidade social. Segundo Sarti (2007, p.23, destaque do autor), A família constitui-se em um terreno ambíguo. Ainda que as tecnologias de anticoncepção e de reprodução assistida tenham de fato aberto espaço para novas experiências no plano da sexualidade e da reprodução humana, ao deflagrar os processos de mudanças objetivas e subjetivas, que estão atualmente em curso, não lograram dissociar a noção de família da “natureza biológica do ser humano”. Figura 6: Famílias. 2 0 20 DINÂMICA DO TRABALHO COM FAMÍLIAS Oferecer atenção integral às famílias porque suas características estão fortemente relacionadas, não somente ao processo gerador da enfermidade, mas também à sua recuperação. Deste modo, na medida em que cumpra com suas funções básicas ou não, a família poderá contribuir para o desenvolvimento da enfermidade ou neutralizar em parte seus determinantes, quase na mesma medida em que o processo de adoecer de um dos membros pode afetar o funcionamento familiar. É igualmente importante considerar que as intervenções preventivas e promocionais na saúde têm mais êxito quando incorporam a família dentro de suas ações, dado que esta é o meio Elemental para introduzir os valores e normas sociais, assim como constituir as bases dos comportamentos saudáveis e a interação humana adequada. A efetivação do TSF no SUAS deve contemplar uma dinâmica que torne possível atender as necessidades das famílias tendo em vista a garantia das seguranças de renda, acolhida e convívio, próprias da PNAS. Nessa perspectiva, tenta-se dar visibilidade a tal dinâmica, a partir de alguns movimentos necessários à sua estruturação. Grosso modo, essa dinâmica instaura-se através de vários movimentos que sustentam o processo de trabalho. São movimentos que devem ser visualizados no seu conjunto como uma construção em espiral, possibilitando, por um lado, a reflexão constante sobre os fundamentos teórico- metodológicos e ético-políticos do TSF, e por outro, sua operacionalidade. Estes movimentos têm como base o conhecimento do território onde as famílias vivem, pois este fornece de antemão indicadores importantes sobre as condições e qualidade de vida das famílias a serem atendidas pela PNAS/SUAS. São fontes de informações importantes para tal conhecimento: os dados da vigilância socioassistencial; as incursões de técnicos e gestores no território. Visando, assim, o mapeamento de suas lideranças, de seus recursos, e de seus problemas os indicadores gerados pelo CadÚnico e por outras fontes de informações como, por exemplo, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e a PNAD (Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio). O 2 1 21 movimento de aproximação das famílias para acolhê-las e conhecê-las em suas necessidades singulares, através de seus relatos. As informações devem responder aos diferentes aspectos que compõem a vida das famílias, tais como os enunciados no item anterior: características e composição; trajetória e condições de vida; organização do cotidiano e do trabalho familiar, relações e acontecimentos da vida familiar; relações com a rede social primária; conexões entre relações familiares, direitos violados e violação de direitos e expectativas da família. A aproximação com as famílias e o processo de conhecimento têm um papel relevante no campo do TSF ao apresentar-se como um momento privilegiado para a construção de vínculos dos serviços com as famílias, através da sua acolhida. A partir desse movimento, vai se estabelecendo um outro, que é a construção da análise da situação, propiciada pelo conjunto das informações acessíveis sobre a família e o seu contexto. Nesse momento, as informações sobre o território são fundamentais à medida que permitem uma perspectiva mais ampliada de compreensão da situação familiar. Podemos resumir com o nome Estudo da Dinâmica Familiar os diversos elementos conceituais que nos ajudam a compreender melhor os componentes, funções, interações e inter- relações no interior da família. Embora grande parte do conteúdo do Estudo da Dinâmica Familiar, como aqui descrevemos, provém das escolas sistêmicas de terapia familiar, eles são amplamente utilizáveis pelos profissionais de atenção primária e especialmente pela Equipe de Atenção Integral a Saúde. O estudo da dinâmica familiar descreve e analisa um conjunto amplo de características, tais como: a própria definição de família; os aspectos relacionados à composição e grau de parentesco dos membros do grupo familiar; as relações entre eles, incluídos seu nível de integração ou dissociação, proximidade ou aparte; seus problemas, limites e interações; os subgrupos constituídos no interior do grupo familiar, assim como as funções intrínsecas a família. Como já foi mencionada, a definição de elementos aqui adotada, se baseia em escolas que consideram a família como um sistema. Sistema é um conjunto de elementos em interações dinâmicas cujo estado individual de cada elemento está determinado pela 2 2 22 situação dos outros, e o qual se organiza para cumprir funções específicas. Um sistema é aberto se mantém relações com seu meio, e é fechado se não as faz. Um exemplo simples são os organismos unicelulares, que são sistemas abertos porque adquirem seus nutrientes do ambiente circundante, e deixam seus restantes nele. Concebe-se a família, então, como um sistema social aberto, em constante interação com o meio natural, cultural e social. Por suas características, a família é a unidade fundamental do grande sistema social representado pela comunidade, no qual se encontram em constante interação com o meio natural, cultural e social, e onde seus integrantes interagem, formando subsistemas com fatores biológicos, psicológicos e sociais de alta relevância.Inúmeras situações familiares não fazem mais que demonstrar a inoperância das intervenções ocorridas em diferentes momentos da vida das famílias e não podem ser tomadas como fracasso delas. Tais informações constituem um indicador importante para a avaliação dos serviços e da lógica sob a qual funciona. A família busca manter um equilíbrio ao longo de sua história, de modo que sua condição de saúde e doença não é permanente, mas depende de uma adaptação bem sucedida aos desafios no decorrer da vida familiar e ao desenvolvimento da vida de seus membros. Denomina-se homeostasia os mecanismos adaptativos para restaurar logo o equilíbrio de alterações evolutivas importantes – incapacidade, perda de trabalho, etc. - a entrada em uma nova etapa de sua evolução entre outros. Para a família, esta homeostasia se obtém modificando as estruturas e processos interpessoais que a habitam para manter sua estabilidade. Figura 7: Acompanhamento familiar. 2 3 23 A NECESSIDADE HISTÓRICA DO ROMPIMENTO COM O CONSERVADORISMO O Serviço Social é uma profissão que nasceu vinculada ao pensamento conservador (NETTO, 2011a). Iamamoto (2008) foi uma das primeiras autoras no campo do Serviço Social brasileiro, a escrever sobre os fundamentos dessa herança conservadora, por meio de uma teoria crítica. Sua análise, as marcas de origem da profissão estão situadas no “bojo do reformismo conservador” no Brasil, estas renovam e preservam “seus compromissos sociopolíticos com o conservadorismo, no decorrer da evolução do Serviço Social” (IAMAMOTO, 2008, p. 17). Além do contexto de intensas transformações sociais e políticas pelas quais o Brasil passava, sob um governo ditatorial e populista, o governo Vargas (1930-1945; 1951-1954), havia uma movimentação da Igreja Católica no sentido de reconquistar fiéis e poder na sociedade brasileira. Foi assim que militantes católicas iniciaram um trabalho doutrinário e social com as famílias operárias nesse período, processo que deu origem ao Serviço Social. O trabalho social com famílias existe desde os primórdios do Serviço Social brasileiro (MIOTO, 2010), de modo que as primeiras formas desse trabalho estavam relacionadas com a disseminação de uma doutrina religiosa que tinha por objetivo reforçar os valores cristãos, mas também combater a luta por novos modelos de sociabilidade humana, o liberalismo e, principalmente, o comunismo. O trabalho com famílias nesse período desconsiderava totalmente a dimensão da desigualdade de classes em nosso país. A doutrina católica ocultava a essência das relações sociais existentes e a tratava, fundamentalmente, como um problema espiritual religioso que podia ser resolvido a partir da adesão à fé católica, com a participação mais ativa das mulheres no processo de recristianização da sociedade, da mudança de valores, hábitos e costumes, quer dizer, na esfera da moral e, mais especificamente, da moral religiosa. O conservadorismo tem avançado na sociedade de forma explícita e avassaladora no cenário das relações sociais, na política e na economia, no Brasil e no mundo. A consolidação do modo de produção capitalista no Brasil, por meio do processo 2 4 24 de industrialização, exigiu do Estado uma nova configuração, especialmente, para responder às questões decorrentes dos conflitos entre empresários e operariado e às expectativas de se construir uma “nação moderna”. Assim, a família foi alçada a uma condição estratégica, tanto para desativar os conflitos no âmbito da produção como para consolidar relações sociais pautadas nos ideais de modernidade. No contexto dos anos de 1930, surgiram as primeiras iniciativas do Estado brasileiro na conformação de políticas públicas destinadas às famílias, inspiradas, de acordo com Neder (1994), no autoritarismo nazifascista, que tinha como paradigma o ideal de “família regular” e “saudável”, paradigma esse construído pelas formulações gestadas especialmente no campo médico, jurídico e urbanístico (NEDER, 1994). Essas formulações forneceram o suporte técnico e teórico, abraçado pela Igreja Católica, para a implementação de políticas públicas nessa área e para a colocação no mercado de trabalho de um conjunto de novos profissionais, dentre eles, os assistentes sociais. O Serviço Social será determinado por uma ação de soerguimento moral da família operária, atuando principalmente com mulheres e crianças. A atuação aqui não se caracteriza apenas por exercer a caridade, mas se configura principalmente como forma de intervenção ideológica na vida das famílias da classe trabalhadora. Como demonstra Iamamoto, os efeitos dessa atuação são essencialmente políticos: “o enquadramento dos trabalhadores nas relações sociais vigentes, reforçando a mútua colaboração entre capital e trabalho” (IAMAMOTO, 2013, p. 23). Diferenciado da caridade tradicional, vista como mera reprodução da pobreza, o Serviço Social propõe uma ação educativa entre a família trabalhadora, numa linha não apenas curativa, mas preventiva dos problemas sociais. Distingue-se também da assistência pública, que, desconhecendo a singularidade e particularidade dos indivíduos, produz respostas não diferenciadas aos ‘problemas sociais’. [...] Desconhecendo o caráter de classe dos antagonismos sociais, os efeitos desses antagonismos são considerados motivos relevantes para um tratamento socioeducativo da ‘clientela’, tratamento esse de 2 5 25 cunho doutrinário e moralizador, amplamente haurido no senso comum da classe de origem desses profissionais1 (IAMAMOTO, 2013, p. 23). O desenvolvimento das políticas sociais no campo estatal e o avanço do tecnicismo na profissão vão delinear um distanciamento cada vez maior entre as ações dos profissionais em relação às famílias e aquelas que continuaram sendo realizadas no campo da filantropia. Os profissionais passaram a definir cada vez mais suas ações a partir dos postulados metodológicos do Serviço Social de Caso, do Serviço Social de Grupo e do Serviço Social de Comunidade, mantendo, porém, a mesma lógica de atendimento às demandas do capital, por intermédio de um Estado interventor. Durante todo esse período o trabalho com famílias no Serviço Social tinha como inspiração os caminhos abertos por Mary Richmond - Serviço Social de Caso - que através de seus relatos de casos apontava que as ações dos assistentes sociais deveriam incidir na higiene (pessoal e doméstica), na estrutura habitacional, respeito a propriedade, condutas sociais e familiares, retomada de laços familiares, ajuda na aquisição de hábitos e nas situações de “crises” associadas, em geral, aos grupos familiares (RICHMOND, 1977). Figura 8: Mary Richmond Os Direitos devem ser compreendidos como forma de concretização da cidadania por meio de políticas sociais pautadas no atendimento das 2 6 26 necessidades humanas. Nessa postulação o Estado é considerado como a instância responsável pela garantia de direitos e pela oferta de atenção pública. No escopo dessa formulação, uma nova janela se abriu para o debate da família enquanto um dos sujeitos privilegiados de intervenção direta ou indireta dos assistentes sociais, considerando-se, por um lado, ser ela o lugar de materialização das expressões da questão social e, por outro, ser ela historicamente uma instância de provisão de bem-estar. Além disso, as ações profissionais para o enfrentamento das expressões da questão social no campo da política social se constroem para criar e articular “condições” de acesso concreto da população a melhores condições de vida. Ou seja, suas ações incidem diretamente no âmbito da proteção social. Situa-se a família no conjunto das relações sociais, desmistificando a clássica divisão entre esfera pública e privada, reafirmando o seu caráter histórico e as suas relações contraditórias.Busca-se desnaturalizar o trabalho desenvolvido na família e pela família, cuja naturalização permite os deslizamentos de responsabilidades, especialmente no campo do cuidado, dos serviços para as unidades familiares. Ademais, interpreta os processos familiares como expressões singulares arquitetadas nas famílias, que expressam as múltiplas relações que a condicionam e a definem. Nessa esteira, a dinâmica familiar não pode ser circunscrita ao âmbito das relações familiares, considerando os modelos de famílias pautados em funções e papéis. Figura 9: Proteção social. É exigido, cada vez mais, assistentes sociais com uma formação continuada, crítica e direcionada pelo fim da exploração de classes. Bem como, um 2 7 27 compartilhamento de experiências entre os profissionais, para que haja um conhecimento mais amplo e o compartilhamento de trabalhos com a diversidade. Nesse sentido, torna-se necessário aprofundar os estudos de cariz marxista e desenvolver investigações que demonstrem como se implicam os processos de regulação da vida familiar e os processos de articulação e delegação de responsabilidades às famílias, objetivando construir intervenções que possam se contrapor ou resistir à lógica dominante. Ou seja, é necessário tornar cada vez mais compreensível a articulação entre as diferentes esferas do Estado para a efetivação dos processos de responsabilização e culpabilização das famílias na qual os assistentes sociais estão implicados. “o projeto neoconservador valendo-se de novas roupagens, fragmentará cada vez mais as análises e ações do profissional” (YAZBEK, 2016, p. 11). É preciso entender as demandas colocadas pelos usuários dos serviços sociais e suas famílias como expressões da luta de classes, buscando romper com uma visão “a-histórica do indivíduo abstraído, artificialmente, da produção material, das relações de classe, enfim, da sociedade” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2014, p. 82). Dessa maneira, compreendemos que, a potenciação do conservadorismo na atualidade tem influenciado muito o campo de trabalho de assistentes sociais, o que significa que esse modo de pensar e agir é produto do contexto sócio- histórico e das relações sociais nas quais estamos inseridos. Por outro lado, entendemos também que se trata de um posicionamento ideológico e político de profissionais que têm condições de optar a favor ou contra a barbárie que está instalada no mundo. 2 8 28 REFERÊNCIAS MIOTO, R. C. T. Família e serviço social: contribuição para o debate. Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez, n.55, p.115-130, 1997. MIOTO, R. C. 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