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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI TEORIA DO CONHECIMENTO GUARULHOS – SP SUMÁRIO INTRODUÇÃO 3 INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DO CONHECIMENTO 4 Filosofia e suas características 7 O conteúdo e método em filosofia 7 O CONHECIMENTO PARA OS ANTIGOS GREGOS E A PASSAGEM DO MITO AO LOGOS 9 A Paideia e o ideal de educação na Grécia 11 Influência da filosofia no Estado/Governo 13 A VERDADE ENTRE OS FILÓSOFOS GREGOS E MEDIEVAIS 14 Formação da teologia cristã 17 As interconexões entre a filosofia cristã medieval e outras correntes filosóficas monoteístas não cristãs 18 O SER HUMANO, O MEIO E SEUS SENTIDOS 20 O conhecimento (racionalismo e empirismo) 22 Racionalismo e empirismo: duas tendências cartesianas? 24 A origem do conhecimento 26 A CIÊNCIA COMO CONHECIMENTO VERDADEIRO E UNIVERSAL 27 Ponto de vista externo e interno do conhecimento 29 1.1 O argumento naturalista de Willard Quine (1909-2000) 30 5.2 O conhecimento científico e seu avanço 32 1.2 Significados de conhecimento 33 5.3 Abordagens complementares 35 SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO E FILOSOFIA (EXPRESSÕES DA TEORIA DO CONHECIMENTO) 36 Karl Mannheim e o conhecimento como um tema sociológico (as relações entre superestrutura e infraestrutura) 39 DISCUSSÕES ÉTICAS E SOCIAIS RELACIONADAS AO CONHECIMENTO 41 Concepções Deontológicas e ética da virtude 42 Ética, ceticismo e relativismo ético 44 Ética, bioética e teoria do conhecimento 45 TEORIA DO CONHECIMENTO KANTIANA 46 As fases do pensamento de Kant 47 O que podemos saber segundo Kant (entre racionalistas e empiristas). 48 Kant e a crítica 52 Kant e o tema do esclarecimento 58 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 63 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 1 INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DO CONHECIMENTO A Filosofia do Conhecimento, também conhecida como Epistemologia, é o campo filosófico dedicado a explorar as origens, a natureza e os critérios do conhecimento humano. Desde os primórdios da reflexão filosófica, os pensadores têm buscado compreender como o conhecimento é adquirido, validado e aplicado em diversas esferas da existência humana. A paixão pela verdade é um elemento central na Filosofia, demonstrando um constante amor pela verdade e um desejo contínuo de aprimoramento. Nesse contexto, onde a filosofia pode ser caracterizada como a busca pela verdade ou busca pelo conhecimento, o problema de saber como e de que maneira o conhecimento e a experiência do conhecimento são possíveis é um problema fundamental da filosofia. Entende-se, assim, que o verdadeiro filósofo, equiparável a um cientista genuíno, é um investigador incansável que busca constantemente reformular questões em busca de respostas que sirvam como fundamentos para outras questões, entre elas a questão epistemológica e ontológica relacionada ao conhecimento e ao processo de ‘conhecer’ O conhecimento pode ser entendido como a compreensão ou consciência que um indivíduo adquire sobre algo. Envolve a percepção, a experiência, a aprendizagem e a capacidade de aplicar informações de forma significativa. Na Filosofia, há diversas teorias sobre o conhecimento, como o empirismo, que destaca a experiência sensorial como base do conhecimento, e o racionalismo, que enfatiza a razão como fonte principal de entendimento. O processo de conhecer é a atividade através da qual indivíduos adquirem conhecimento. Pode envolver a observação, a experimentação, a reflexão, a análise crítica e a interação com o mundo ao nosso redor. Esse processo é dinâmico e contínuo, frequentemente marcado por perguntas, investigações e aquisições constantes de novos insights. A epistemologia se preocupa em entender não apenas o que constitui o conhecimento, mas também como ele é obtido e justificado. Ambos, conhecimento e o processo de conhecer, são temas centrais na filosofia do conhecimento, levando à reflexão sobre a natureza da verdade, os limites do entendimento humano e as maneiras pelas quais as crenças são fundamentadas. É através dessa busca contínua por respostas e compreensão que os filósofos buscam ampliar o entendimento do mundo e da própria condição humana Segundo Aristóteles (384 – 322 a.C.), em consonância com os ensinamentos de Platão, a Filosofia tem suas raízes na perplexidade inicial do ser humano diante da natureza e da existência. Essa perplexidade se manifesta na forma de dúvidas diante das dificuldades e dos fenômenos mais evidentes. Surge, assim, o impulso filosófico quando o homem se vê confrontado com problemas e mistérios, tomando consciência de sua capacidade de pensar (BRÉHIER, 1955). O ponto de partida da Filosofia, portanto, é um estado inicial de inquietação e perplexidade, que alguns pensadores comparam a uma febre, que evolui para uma postura crítica em relação à realidade e à vida. É a partir dessa inquietação que o filósofo começa a questionar e a refletir de maneira crítica sobre o mundo que o rodeia. Essa postura crítica não é meramente uma dúvida vazia, mas sim um desejo profundo por compreender o funcionamento das coisas, os fundamentos do conhecimento e a natureza da existência. É essa postura que impulsiona os filósofos a explorar os limites do conhecimento humano, a questionar as estruturas sociais, a ética, a política e a própria condição humana. Ao confrontar as limitações do conhecimento e as incertezas inerentes à existência, os filósofos buscam não apenas respostas definitivas, mas também métodos e abordagens para lidar com a complexidade do mundo. Esse processo contínuo de questionamento e análise crítica cria um ciclo de investigação, levando a novos questionamentos e à evolução constante das ideias. A filosofia, como mencionado, emerge da experiência do espanto e da admiração. A partir deste ponto, desdobra-se em uma atitude filosófica. Quando se fala da atitude filosófica, nos deparamos com uma forma de existir que se desdobra em ação. Essa atitude não está atrelada a um sistema de pensamento específico, nem requer a memorização detalhada de estudos filosóficos em ordem histórica e cronológica. Ela é característica daqueles capazes de perceber e revitalizar questões universais sobre o cosmos e a vida, buscando respostas a partir de uma leitura radical da experiência e dos fenômenos A Filosofia, como expressão máxima do amor pela sabedoria, busca ir além de respostas superficiais, buscando alcançar a essência, a razão última por trás de conjuntos específicos de problemas. Quando afirmamos que a Filosofia é a ciência das causas primeiras ou últimas, refletimos mais uma busca constante em direção à verdade última do que a posse completa da verdade. Assim, a filosofia empreende uma busca incessante por respostas, uma jornada por diferentes abordagens na busca por verdades gerais que, por sua vez, instigam a necessidade de outras verdades. Essa busca é impulsionada pela aspiração por uma compreensão total, onde homem e cosmos sejam situados (REALE, 2007). É fundamental compreender que a atitude filosófica não se limita ao conhecimento do passado; ela se expande na incessante busca pela compreensão e resolução dos dilemas presentes. Conecta-se com inquietações que ressoamem diferentes épocas e ambientes culturais. É um movimento dinâmico, uma constante revisitação e reinterpretacão dos questionamentos fundamentais que permeiam a existência humana, renovando-se para dialogar com os contextos atuais e futuros. A capacidade da filosofia em transcender temporal e culturalmente reside em sua habilidade de transformação e adaptação. Não se restringe a um conjunto estático de ideias, mas evolui com as necessidades e a mutável compreensão da complexidade do mundo. Quando alcançamos uma verdade que fundamenta um sistema particular de conhecimento e percebemos a impossibilidade de reduzi-la a outras verdades mais simples e subordinadas em uma perspectiva específica, é quando alcançamos um princípio ou pressuposto. A noção de que a Filosofia é a ciência dos primeiros princípios indica sua busca por uma redução conceitual progressiva, visando chegar a juízos que fundamentem uma série de outros juízos integrados em um sistema de compreensão total. Nesse contexto, a universalidade se revela inseparável da essência da Filosofia, pois esta não apenas compreenderá os fundamentos, mas também a interconexão entre diferentes aspectos do conhecimento em busca de uma compreensão abrangente do mundo e da existência. A filosofia não é facilmente caracterizável por ser uma atitude e um campo complexo de conhecimento, uma rede de várias formas de investigação sobre o conhecimento. Essa diversidade torna impossível uma caracterização definitiva da filosofia. Entretanto, há alguns aspectos que podem ser indicados como tentativas de delinear sua natureza. Essas características serão exploradas no próximo tópico. . 1.1 Filosofia e suas características Até este ponto, destacamos que a Filosofia é uma disciplina que se destaca por buscar compreender a essência da realidade, as origens e os princípios fundamentais do universo. No seu âmago, a Filosofia está intrinsecamente ligada à investigação da verdade e do conhecimento. Prosseguindo na caracterização da experiência filosófica, vamos agora descrever as principais características daquilo que tem sido denominado como filosofia, considerando aspectos intrínsecos à disciplina, sua ligação com a busca pela verdade e sua relação com o problema do conhecimento. Este último aspecto suscita questões de ordem epistemológica e ontológica. Estas questões, que permeiam o cerne da Filosofia, abordam não apenas a natureza da realidade, mas também indagam sobre como adquirimos conhecimento, justificamos nossas crenças e discernimos a verdade da falsidade. A interação entre a busca pela verdade e a reflexão sobre o conhecimento evidencia a complexidade e a profundidade da experiência filosófica. 1.1.1 O conteúdo e método em filosofia Para começar a compreender a filosofia, é crucial distinguir entre o conteúdo característico abordado na disciplina filosófica e o método utilizado por ela. O conteúdo refere-se naturalmente ao objeto das reflexões dos filósofos. Por exemplo, frequentemente se debruçam sobre questões como: O que é conhecimento? O que é verdade? Qual é a natureza da mente? O que é consciência? (BONJOUR; BAKER, 2010). Na busca por responder a essas questões, os filósofos desenvolveram uma série de métodos que são marcas das diversas tradições e tendências do pensamento filosófico. Alguns desses métodos estão descritos a seguir: Método Dialético: Este método enfatiza a discussão e o debate entre diferentes pontos de vista. Baseia-se na contraposição de ideias opostas para chegar a uma síntese ou compreensão mais profunda. Originário da tradição platônica e aprimorado por Hegel, o método dialético busca a verdade através do confronto e da resolução de contradições. Método Cartesiano ou Dedutivo: Associado ao filósofo René Descartes, este método utiliza a razão e a lógica para deduzir verdades fundamentais a partir de princípios evidentes e indubitáveis, conhecidos como "certezas cartesianas". Ele parte de um conjunto de axiomas ou princípios fundamentais para chegar a conclusões por meio de argumentos lógicos. Método Fenomenológico: Desenvolvido por Edmund Husserl, esse método busca descrever a experiência imediata e direta de consciência, suspendendo julgamentos prévios e examinando os fenômenos em sua totalidade. Procura compreender as estruturas fundamentais da experiência subjetiva e objetiva, buscando capturar a essência das coisas. Método Hermenêutico: Este método concentra-se na interpretação de textos e discursos, buscando compreender significados subjacentes e contextos culturais. Originário da tradição filosófica alemã e amplamente associado a Gadamer, o método hermenêutico considera a interpretação como um processo interativo entre o leitor e o texto, enfatizando a compreensão do significado contextual e histórico das obras filosóficas. Além desses métodos, uma metodologia amplamente utilizada atualmente é a da Filosofia Analítica. Essa abordagem enfatiza a clareza conceitual, a análise linguística e a lógica formal na investigação filosófica. Surgiu no início do século XX e tem suas raízes em pensadores como Bertrand Russell e Ludwig Wittgenstein. Este método busca esclarecer questões filosóficas desmantelando problemas complexos em componentes mais simples e claros. Por meio da análise da linguagem e do uso preciso de conceitos, procura identificar e resolver problemas filosóficos identificados muitas vezes como confusões linguísticas ou semânticas. A Filosofia Analítica se apoia fortemente na lógica simbólica e na análise rigorosa de proposições filosóficas. Por meio de argumentos precisos e estruturados, busca alcançar conclusões claras e bem fundamentadas. Essa abordagem é frequentemente associada à investigação de questões de filosofia da linguagem, filosofia da mente, epistemologia e ética, entre outros campos. Na busca por respostas, os filósofos analíticos analisam afirmações específicas, ou seja, alegações direcionadas, apresentadas como verdadeiras ou falsas. Além disso, consideram concepções ou posições mais amplas, compostas por várias alegações inter-relacionadas, que visam responder às questões anteriormente listadas. Como mencionado anteriormente, ao falarmos do conteúdo, referimo-nos ao objeto de estudo da disciplina. De maneira geral, pode-se afirmar que o conteúdo da filosofia aborda: · A natureza fundamental da realidade, incluindo o espaço, o tempo, propriedades e universais, especialmente, mas não exclusivamente, a parte da realidade que engloba pessoas (ramo da filosofia chamado metafísica). · A natureza fundamental das relações cognitivas entre pessoas e outras partes da realidade, abrangendo as relações de pensar, conhecer, entre outras (ramo da filosofia chamado epistemologia). · A natureza fundamental dos valores, especialmente os valores relacionados às relações éticas ou sociais entre pessoas e entre estas e outras partes da realidade, como animais não humanos, o ambiente, entre outros (ramo da filosofia chamado axiologia, englobando ética, filosofia política e estética como campos mais específicos). 2 O CONHECIMENTO PARA OS ANTIGOS GREGOS E A PASSAGEM DO MITO AO LOGOS A compreensão do mito como uma expressão cultural e comunicativa é fundamental para explorar suas influências na sociedade e sua relação com a filosofia e com o discurso científico. Roland Barthes, em "Mitologias", definiu o mito como uma linguagem simbólica que transmite significados culturais e sociais por meio de narrativas codificadas. Essa perspectiva destaca o mito não apenas como uma história isolada, mas como um sistema de significados que conforma nossa percepção do mundo. Os mitos permeiam diversos aspectos da vida cotidiana, da linguagem à cultura popular, dos símbolos às práticas sociais. Por exemplo, um objeto comum pode conter significados mitológicos profundos, transmitindo ideias de status, poder ou identidade cultural. Essa carga simbólica reflete a influência sutil dos mitos na forma como compreendemos e interagimos com o mundo ao nosso redor. Jean-Pierre Vernant (1996) destaca o mito como um relato baseado em eventossagrados, transcendendo a própria memória humana. Os mitos gregos, transmitidos por poetas inspirados pelas musas, como Homero e Hesíodo, não são simples narrativas, mas representações simbólicas da visão de mundo da sociedade da época. Eles oferecem explicações alegóricas sobre a origem das coisas e a estrutura da realidade. O discurso filosófico, tal como é conhecido no Ocidente europeu e disseminado em várias regiões do mundo, teve origem na transição da percepção mítica dos gregos para uma concepção de "logos". O surgimento do pensamento filosófico que se deu por volta do século VII a.C. em Mileto, Grécia Antiga, marcou uma virada significativa na compreensão da existência humana. Esse avanço representou uma nova abordagem, afastando-se do enfoque em lendas e mitos para uma análise racional da vida na pólis grega. Como observado por Vernant (2006), a ascensão da filosofia na Grécia marcou o declínio do pensamento mítico, introduzindo um conhecimento fundamentado na razão. Homens como Tales, Anaximandro e Anaxímenes inauguraram um novo modelo de reflexão voltado para a natureza. Eles propuseram explicações sobre a origem do mundo, sua composição, ordem e fenômenos meteorológicos, livres das narrativas dramáticas das antigas teogonias e cosmogonias. Além desse afastamento da mitologia em favor da racionalidade, o advento da filosofia grega também implicou uma mudança na maneira como os gregos compreendiam sua relação com o divino. Enquanto os mitos retratavam deuses caprichosos e imprevisíveis, a filosofia introduziu uma concepção mais ordenada e compreensível do universo, onde a natureza poderia ser compreendida através da observação e da razão, não apenas por intervenção divina. Outro aspecto importante foi a transição do foco exclusivo no cosmos para a consideração da ética e da política. Com o advento da filosofia, surgiram questionamentos sobre como os seres humanos devem viver e como devem estruturar suas sociedades. A filosofia passou a abordar questões de justiça, moralidade e governo, contribuindo significativamente para o desenvolvimento do pensamento político e ético na Grécia Antiga. Esses novos rumos do pensamento grego não apenas transformaram a maneira como os gregos entendiam o mundo e a natureza, mas também influenciaram profundamente sua compreensão de si mesmos, do divino e da sociedade, abrindo caminho para uma reflexão mais racional e sistemática sobre diversos aspectos da vida humana. Os filósofos pré-socráticos, como Tales de Mileto, Anaximandro e Anaxímenes, buscaram explicações racionais, em contraste com a dependência exclusiva em narrativas míticas. Essa transição representou uma mudança do pensamento poético e mágico para uma abordagem mais analítica e racional, estabelecendo as bases para a filosofia e a ciência ocidentais. A influência de pensadores como Parmênides e Heráclito consolidou essa mudança, enfatizando a importância do raciocínio lógico na construção do conhecimento. A transição do mito para o logos não apenas transformou a compreensão do mundo pelos gregos, mas também moldou a tradição intelectual ocidental, estabelecendo o logos como uma ferramenta essencial na busca pela verdade e no entendimento da realidade. A distinção entre conhecimento e mito, evidenciada pelos gregos antigos, persiste na contemporaneidade. A ciência mantém uma postura cética, fundamentada em evidências verificáveis, enquanto narrativas lendárias, práticas religiosas e opiniões individuais carecem de validação científica, em sentido estritamente científico. Essa separação entre verdade e opinião emergiu na Grécia Antiga, refletindo uma mudança na educação e no modo de vida da sociedade da época. 2.1 A Paideia e o ideal de educação na Grécia Os antigos gregos, especialmente os sofistas, Sócrates, Platão, Isócrates e Aristóteles, desempenharam papéis fundamentais ao transformar discussões sobre educação em questões filosóficas vitais na sociedade ateniense. Nesse contexto, emergiu o conceito de "paideia" (παιδεία), um termo central que expressava a ideia de educação na Grécia clássica (SANTIAGO, 2018). Inicialmente, a palavra "paideia" se originou de "paidos" ou "pedós," remetendo a "criança," e estava intrinsecamente ligada à educação familiar, aos bons modos e aos princípios morais. Esse sistema educacional abrangente não se limitava apenas à transmissão de conhecimentos básicos; abarcava uma ampla gama de disciplinas. Incluía ginástica, geografia, gramática, história natural, matemática, filosofia, retórica e música. Esse modelo holístico de educação na Grécia Antiga estabeleceu os fundamentos do modelo humanístico que ecoa até os dias atuais (SANTIAGO, 2018). Compreende-se, assim, que o conceito de paideia na Grécia Antiga ia além da mera transmissão de conhecimentos acadêmicos. Ele abraçava uma abordagem holística, integrando disciplinas que iam desde a educação física até a música, visando ao desenvolvimento completo do indivíduo. Isso refletia a crença grega na importância de cultivar tanto o corpo quanto a mente para alcançar a excelência. Além de visar à instrução individual, a paideia buscava formar cidadãos éticos e participativos na sociedade. As disciplinas ensinadas não se limitavam ao conhecimento técnico; incluíam retórica e filosofia, fundamentais para capacitar os indivíduos a participar ativamente da vida pública, contribuindo para debates e decisões políticas. O modelo humanístico de educação da Grécia Antiga influenciou o desenvolvimento de sistemas educacionais em diferentes culturas ao longo da história. Atualmente, embora as disciplinas e métodos educacionais tenham evoluído, muitos princípios da paideia, como a busca pela formação integral do indivíduo, ainda são considerados fundamentais em diversas correntes pedagógicas contemporâneas. Ao analisar a história da educação na Grécia Antiga, é importante contextualizar os aspectos educacionais dentro do cenário histórico. A seguir, será apresentada uma organização dos elementos históricos e características de cada modelo educacional. A formação do povo grego abrange os seguintes períodos: · Período pré-homérico (2500-1100 a.C.): também conhecido como heroico, marcado pela formação do povo grego pela união de diversas tribos. Durante esse período, a educação era predominantemente fundamentada em crenças mitológicas, onde as explicações para a vida e os eventos eram guiadas pelo sobrenatural. · Período homérico (900-750 a.C.): retratado nos poemas épicos de Homero (Ilíada e Odisseia), caracterizado pela ampla utilização da oralidade na transmissão do legado cultural. A concepção mítica do mundo perdurou. · Período arcaico (séculos VII e VI a.C.): marcado pela formação das cidades- estados, introdução da escrita, moeda, leis, sofistas e pela vida urbana nas pólis gregas. Em Esparta, a educação visava à preparação física e militar para a guerra. · Período clássico (final do século V a.C. ao século IV d.C.): correspondendo ao auge e declínio da civilização grega. Nesse período, desenvolveram-se leis e políticas públicas. A educação voltou-se para a razão humana, priorizando integralmente o cosmocentrismo. Segundo Xavier (2016), "a educação grega foi impulsionada pelo desenvolvimento democrático nas cidades e pela possibilidade de acesso à educação por todos os cidadãos gregos". 2.2 Influência da filosofia no Estado/Governo Os filósofos, ao se dedicarem à filosofia, empreendiam uma análise crítica das estruturas anteriores de Estado e Governo, buscando conceber modelos políticos mais ideais. Destacando-se nesse campo, Platão e Aristóteles exploraram diretamente a organização das cidades. Platão, ao conectar ética e política, considerava a ética como um elemento crucial para garantir a estabilidade governamental. Seu objetivo primordial era nivelar as disparidades individuais em prol do bem coletivo, advogando pela restrição da liberdade para superar desigualdades econômicas e sociais. Ele se opunha à democracia direta, argumentando que a distribuição do poder desviava o foco do bem comum, priorizando afelicidade individual sobre a coletiva. Propôs, então, o Estado Ideal, conhecido como República Platônica, onde a monarquia era vista como a forma mais eficaz de organização estatal (ARAUJO, 2017). Por sua vez, Aristóteles enfatizava a generosidade dos governantes e a necessidade de o Estado assegurar a justiça para promover a felicidade dos cidadãos e manter a ordem política. Sua perspectiva ressaltava que a plenitude da felicidade somente seria alcançada com o desenvolvimento intelectual completo. Seguindo a tradição socrática, Aristóteles procurava equilibrar a liberdade com a responsabilidade governamental, propondo um modelo democrático representativo. Argumentava que os governantes deveriam ser educados e possuir conhecimento para liderar com prudência, sabedoria e justiça (ARAUJO, 2017). Os antigos gregos marcaram uma transição significativa na forma como entendiam o conhecimento, evoluindo do mito para o logos. Ao explorar o pensamento filosófico e as diversas concepções de educação, percebe-se que a paideia grega não apenas moldou o indivíduo, mas também influenciou as bases da sociedade. A transição do mito para o logos representou uma mudança paradigmática, onde a razão e a reflexão crítica passaram a ser valorizadas. Os filósofos, como Sócrates, Platão e Aristóteles, desempenharam papéis fundamentais nesse processo, delineando ideias que continuam a ressoar na educação e filosofia contemporâneas. O conhecimento na Grécia Antiga não se resumia a um conjunto de informações, mas constituía um caminho para uma compreensão profunda da existência humana. A paideia englobava não apenas o intelecto, mas também aspectos éticos, morais e sociais, buscando a formação integral do indivíduo. Refletir sobre essa trajetória nos leva a reconhecer a importância dos antigos gregos na construção do pensamento ocidental e na concepção da educação como instrumento essencial para a formação do ser humano em sua totalidade. No próximo módulo, abordaremos a ciência como um conhecimento verdadeiro e universal. 3 A VERDADE ENTRE OS FILÓSOFOS GREGOS E MEDIEVAIS A busca pela verdade no mundo antigo e medieval envolveu filósofos, pensadores e estudiosos que se dedicaram a compreender a natureza da verdade e sua relação com a realidade circundante (SEVERINO, 2014). Ao longo desse período, houve uma evolução marcante nas abordagens filosóficas e culturais que configuraram as concepções sobre a verdade e seu papel na compreensão do mundo (GILSON, 2001; FRANCO JR., 2001; PINNOW, 2019; LE GOFF, 2007; MEDEIROS, 2008). Essa busca incessante pela verdade atravessou diferentes contextos históricos, revelando complexidades e perspectivas sobre o conceito de verdade e sua influência na visão de mundo das sociedades antigas e medievais (FRANCO JR., 2001; GILSON, 2001; PINNOW, 2019; LE GOFF, 2007; MEDEIROS, 2008). A questão da verdade representa, portanto, um fio condutor que atravessa séculos de reflexão filosófica, marcando diferenças substanciais entre as abordagens dos filósofos gregos e o pensamento medieval (VAZ, 1979; SEVERINO, 2014; FRANCO JR., 2001; GILSON, 2001). Na Grécia Antiga, a verdade era percebida como um ideal a ser alcançado por meio da razão e da investigação (SEVERINO, 2014; FRANCO JR., 2001). Filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles buscavam compreender a verdade por meio do questionamento metódico e da lógica (SEVERINO, 2014; VAZ, 1979). No entanto, o advento do período medieval trouxe consigo uma nova perspectiva sobre a verdade (GILSON, 2001; FRANCO JR., 2001). Com a ascensão da influência da fé e da teologia cristã, a verdade passou a ser vista como algo revelado por Deus, uma verdade transcendental e revelada nas escrituras sagradas (GILSON, 2001; FRANCO JR., 2001; VAZ, 1979). Essas diferenças fundamentais entre a visão grega e medieval da verdade não negam, no entanto, suas continuidades (GILSON, 2001; VAZ, 1979; SEVERINO, 2014; FRANCO JR., 2001). Ambas valorizavam a busca por uma verdade última e universal, embora por caminhos distintos (VAZ, 1979; SEVERINO, 2014; FRANCO JR., 2001). Enquanto os gregos enfatizavam a razão e a lógica, os medievais priorizavam a revelação divina e a autoridade da fé (GILSON, 2001; VAZ, 1979; FRANCO JR., 2001). Ambas as épocas reconheciam a importância da verdade na estruturação da sociedade e na compreensão do mundo (GILSON, 2001; VAZ, 1979; FRANCO JR., 2001). A busca pela verdade era um empreendimento essencial tanto na Grécia Antiga quanto no mundo medieval, moldando a forma como as sociedades entendiam a natureza, a moralidade e a existência humana (SEVERINO, 2014; GILSON, 2001; FRANCO JR., 2001). O período Pré-Socrático, representado por filósofos como Tales e Anaximandro, concentrou-se na busca pela origem e essência última da realidade, onde a verdade estava intimamente ligada aos elementos fundamentais do universo (SEVERINO, 2014; LE GOFF, 2007). Cada filósofo oferecia uma explicação única, porém, todos partilhavam da convicção de que a verdade residia nas causas primordiais (SEVERINO, 2014; LE GOFF, 2007). Platão introduziu uma perspectiva singular ao conceber a verdade como formas eternas e universais em sua teoria das Ideias, onde argumentava que o mundo sensível era apenas uma sombra das realidades eternas e imutáveis. A busca pela verdade envolvia a contemplação dessas Ideias, transcendendo as limitações do mundo material (SEVERINO, 2014; VAZ, 1979). Aristóteles, por sua vez, adotava uma abordagem mais empirista em relação à verdade, enfatizando a importância da observação e da experiência sensorial para compreendê-la. Sua metodologia, centrada na lógica e na análise, deixou uma contribuição significativa para a tradição filosófica subsequente (SEVERINO, 2014; VAZ, 1979). Na Idade Média, a Escolástica entrelaçou a questão da verdade com a teologia cristã. Representada por pensadores como Tomás de Aquino, buscava conciliar a filosofia clássica, especialmente a de Aristóteles, com a teologia cristã (SEVERINO, 2014; VAZ, 1979; PINNOW, 2019). A verdade passou a ser concebida como uma harmonia entre fé e razão, permitindo a coexistência da revelação divina e do pensamento lógico (SEVERINO, 2014; PINNOW, 2019). Agostinho de Hipona explorou a verdade de maneira mais subjetiva, dando destaque à importância da fé e da interioridade. Sua ênfase na busca pela verdade interior, ligada à relação pessoal com Deus, deixou uma marca significativa na espiritualidade medieval (SEVERINO, 2014; VAZ, 1979; MEDEIROS, 2008). O desenvolvimento da questão da verdade no mundo antigo e medieval reflete a riqueza e a diversidade do pensamento filosófico dessas eras. Das especulações cósmicas dos pré-socráticos à síntese entre filosofia e teologia na escolástica, as concepções sobre a verdade evoluíram, influenciadas por contextos culturais, religiosos e filosóficos específicos. Essa trajetória deixou um legado na compreensão da verdade que continuou a influenciar as discussões filosóficas ao longo da história (SEVERINO, 2014). Na relação tanto com a natureza quanto entre si, os seres humanos agem como se estivessem seguindo um plano preestabelecido, uma decisão autônoma que se sobrepõe aos impulsos instintivos. Contudo, uma dimensão adicional, a subjetividade, torna-se evidente nesse grupo exclusivo de seres vivos, diferenciando suas ações na natureza e na convivência social. Isso marca o surgimento das atividades simbólicas, constitui o domínio das práticas culturais e qualifica suas interações com o mundo natural e a sociedade. Consequentemente, os seres humanos passam a influenciar ativamente o processo de produção e reprodução de sua existência físico-biológica, intervindo nas relações com a natureza. Graças à capacidade de subjetivação, expressa na habilidade de simbolizar sua experiência sensível, eles modificam essas relações, geram novos arranjos e objetos, resultam na produção de cultura. Isso engloba ações, artefatos e produtos derivados da intervenção humana na realidade natural e na vida social (SEVERINO, 2014). O ponto de partida reside na existência dosseres humanos como entidades físicas inseridas na natureza, compartilhando a necessidade primordial de preservar sua existência material. No entanto, ao contrário de outros seres vivos, os humanos assumem a responsabilidade de produzir os meios para sua própria existência, não se limitando a delegar essa tarefa apenas aos mecanismos objetivos da natureza. Essa capacidade única de modificar a ordem natural é uma característica distintiva da esfera humana em relação ao reino animal. Nesse contexto, a consciência humana surge como um impulso vital original, uma forma diferenciada de instinto moldada pela capacidade de antever e projetar ação sobre a natureza. Essa consciência, intrinsecamente ligada às ações humanas, desempenha um papel fundamental na criação e recriação dos meios de existência, ultrapassando a mera mecânica dos instintos. A construção histórica da identidade humana tem início na relação direta com a natureza, revelando uma nova forma de intercâmbio impregnada de subjetividade (SEVERINO, 2014). Os seres humanos não apenas estabelecem relações técnicas de produção com a natureza, mas também desenvolvem interações sociais e políticas entre si. A divisão técnica do trabalho leva à divisão social, formam uma estrutura hierárquica na sociedade. Surge, assim, a dimensão política das relações sociais, marcada pela presença das relações de poder. Simultaneamente, um terceiro elemento emerge à medida que os seres humanos desenvolvem relações simbólicas dentro de sua subjetividade. Por meio da prática simbolizadora, eles representam os diversos aspectos de suas relações com a natureza e a sociedade. A consciência subjetiva não apenas otimiza a intervenção prática, mas também explora processos simbólicos para “explicar” a realidade de sua existência. 3.1 Formação da teologia cristã O problema da formação da teologia cristã surge historicamente com o advento do cristianismo primitivo. Comunidades que se estabeleceram na Palestina a partir do primeiro século da era cristã associavam-se aos ensinamentos e à obra de Jesus, não por uma filiação contínua, mas cobrindo um hiato cronológico entre a morte de Jesus e o desenvolvimento dessas comunidades cristãs. Essas comunidades, depositárias da mensagem de Jesus e redatoras dos escritos que comporão o Novo Testamento, já manifestam um pensamento teológico rico (VAZ, 1979). Não temos testemunhos históricos diretos de Jesus; o conhecimento sobre ele é transmitido por tradições recolhidas por essas comunidades cristãs em Jerusalém e na Palestina. Essas tradições constituem o núcleo dos escritos que formarão as “vidas de Jesus” do Novo Testamento, como os Evangelhos e os primeiros capítulos dos Atos dos Apóstolos. Se a história do Cristianismo começa com o Jesus histórico, a história da teologia cristã inicia-se com os escritos do Novo Testamento. O hiato cronológico entre ambos levanta questões, estudadas pela ciência das origens do Cristianismo, incluindo por que o Cristianismo, em vez de permanecer como uma religião popular, tornou-se, em um curto período, uma religião culta com uma teologia altamente desenvolvida. Entre a morte de Jesus, aproximadamente em 33 d.C., e os primeiros escritos do Novo Testamento a partir dos anos 50 (primeiras cartas de São Paulo), apenas 20 anos separam esses eventos fundadores, durante os quais se desenvolve uma teologia notavelmente complexa refletida nos escritos posteriores (VAZ, 1979). Isso levanta a questão de por que o Cristianismo, ao contrário de muitas seitas judaicas contemporâneas, não permaneceu como uma religião popular com uma teologia relativamente simples, mas, em vez disso, tomou a forma de uma religião culta que experimentou um desenvolvimento teológico cada vez mais rico. No século III, em Alexandria, a teologia cristã já apresentava um corpo doutrinal capaz de confrontar os grandes sistemas da filosofia grega da época. 3.2 As interconexões entre a filosofia cristã medieval e outras correntes filosóficas monoteístas não cristãs Durante o período medieval, abrangendo do século V ao XV, o monoteísmo cristão foi o pilar central, contrastando com o predominante politeísmo greco-romano. A influência da religião cristã, sobretudo na Europa, moldou não apenas o estilo de vida, mas também a reflexão sobre a realidade nesse contexto. Ao contrário do período helenístico anterior, marcado por uma diversidade de escolas filosóficas, a Idade Média viu essa diversidade de pensamento como contrária aos princípios religiosos. Contudo, essa dinâmica teve suas raízes nos últimos anos do helenismo, quando o cristianismo emergiu e atraiu seguidores, muitos dos quais estavam fora da elite greco-romana inicialmente (GILSON, 2001). O declínio do período helenístico, aproximadamente no século III d.C., resultou da integração dos territórios helenísticos ao Império Romano após a fragmentação pós-morte de Alexandre, o Grande. Em particular, comunidades judaicas floresceram nos arredores de Alexandria sob o domínio de Ptolomeu I, promovendo uma interação entre os povos judeu e grego. Essa integração foi bem assimilada pelas comunidades judaicas na Judeia após acordos sobre as traduções da Bíblia. Nesse contexto, o cristianismo surgiu a partir de seitas judaicas, gradativamente alcançando o status de uma grande religião. Paulo, após a morte de Cristo, desempenhou um papel crucial na disseminação dos ensinamentos de Jesus, embora tivesse uma postura combativa em relação à filosofia grega. Apesar de sua formação helenista, os padres gregos reconheciam que Paulo integrava o cristianismo, ajustando sua formação cultural aos princípios da fé cristã (GILSON, 2001). A leitura afirmativa da filosofia pelos cristãos emergiu somente quando ela adquiriu uma perspectiva cristã. Nos estágios iniciais do cristianismo, faltavam formas, fundamentos, doutrina, datas culturais e argumentos racionais. Foi nesse contexto que a filosofia se tornou uma ferramenta vital para a religião cristã, especialmente a filosofia platônica, que serviu como base inicial para o cristianismo, gerando a produção filosófica conhecida como patrística. Santo Agostinho (354–430 d.C.) sobressaiu como principal representante da patrística, estabelecendo paralelos entre a concepção dualista de Platão e as noções de bem e mal, notavelmente em suas obras “A Cidade de Deus” e “As Confissões”. Durante esse período, a filosofia cristã abordava a cristianização da filosofia e da linguagem gregas após o advento do cristianismo. A missão principal da filosofia cristã era compreender a realidade conforme revelada por Cristo, unindo todos os eventos como manifestações de Cristo na realidade. Esse novo enfoque filosófico tinha raízes no pensamento judaico e foi posteriormente desenvolvido também pelos filósofos árabes. Ao explorar a questão da verdade no mundo antigo e medieval, deparamo-nos com uma evolução complexa e multifacetada. Na antiguidade, a verdade estava intrinsecamente ligada às concepções míticas e filosóficas que buscavam compreender a ordem cósmica e a natureza humana. Com a transição para a Idade Média, houve a ascensão do monoteísmo cristão, fundamentando uma nova perspectiva onde a verdade se ancorava na fé religiosa. A dualidade entre fé e razão permeou as discussões, evidenciando-se na relação entre a teologia e a filosofia, especialmente durante a Idade Média. A busca por conciliar essas esferas frequentemente resultava em debates sobre a verdade revelada e a verdade alcançada pela razão humana. Figuras como Santo Agostinho desempenharam papéis significativos ao estabelecer pontes entre a filosofia platônica e os princípios cristãos. Nesse período, a verdade tornou-se intrinsecamente ligada às narrativas bíblicas e à autoridade da Igreja Católica, desempenhando um papel central na preservação e transmissão do conhecimento, moldando a compreensão da verdade na sociedade medieval. Contudo, essa era também caracterizada por tensões entre fé e razão, uma dicotomia que ecoou ao longo dos séculos. A questão da verdade no mundo antigo e medieval revela um cenáriodinâmico, marcado por transformações ideológicas, conflitos filosóficos e influências religiosas. A riqueza desse período reside na complexidade das interações entre diferentes correntes de pensamento, contribuindo para a formação da compreensão contemporânea sobre a verdade e suas diversas facetas. No próximo módulo, abordaremos o tema do homem, seu ambiente e seus sentidos. 4 O SER HUMANO, O MEIO E SEUS SENTIDOS A interação complexa entre o ser humano, seu ambiente e os sentidos constitui um campo fascinante que transcende as fronteiras das disciplinas convencionais. Este tema não apenas desperta a curiosidade, mas também suscita questões fundamentais sobre a natureza da experiência humana e a forma como percebemos, compreendemos e nos relacionamos com o ambiente ao nosso redor. Essa relação entre o ser humano, o ambiente e os sentidos foram explorados de maneiras distintas ao longo da história da filosofia, e ambas estão intrinsecamente relacionadas ao campo de pesquisa conhecido como teoria do conhecimento. De um lado, existem as perspectivas racionalistas e idealistas, que afirmam que a mente e as ideias são a realidade substancial que determina a forma como o sujeito empírico interage com o ambiente. Por outro lado, temos diversas vertentes do empirismo, que consideram a existência como resultado de leis oriundas do mundo natural. Essas duas tendências tiveram um papel significativo na maneira como os filósofos modernos, sejam empiristas ou racionalistas, desenvolveram a teoria do conhecimento. Os racionalistas enfatizavam que a razão e a lógica eram os meios fundamentais para adquirir conhecimento. Filósofos como René Descartes, Baruch Spinoza e Gottfried Leibniz sustentavam que a mente humana possuía estruturas inatas que permitiam o entendimento do mundo e que essas estruturas eram universais e imutáveis. Para eles, a razão era a fonte primária do conhecimento, independente da experiência sensorial. Por outro lado, os empiristas, como John Locke, George Berkeley e David Hume, defendiam que todo conhecimento provém da experiência sensorial. Para eles, a mente humana era como uma "folha em branco" (tabula rasa), e todas as ideias e conhecimentos eram adquiridos por meio da observação e experiência direta do mundo. Para os empiristas, a mente era moldada e formada a partir da interação com o ambiente. Essas duas correntes filosóficas, racionalismo e empirismo, moldaram a teoria do conhecimento ao explorar a origem, a natureza e os limites do conhecimento humano. Suas abordagens influenciaram a compreensão sobre como adquirimos conhecimento e como percebemos o mundo ao nosso redor, contribuindo significativamente para o desenvolvimento da filosofia e da investigação científica em nossa exposição, estaremos abordando duas correntes filosóficas, focando principalmente no racionalismo e no empirismo modernos. O racionalismo, fundamentado na razão e na lógica como pilares do conhecimento, será explorado com ênfase nas principais ideias de Descartes, reconhecido por sua defesa da existência de ideias inatas e universais, que constituem um aspecto central dessa corrente filosófica. O empirismo, por sua vez, será abordado com ênfase na compreensão desta tendência de que todo conhecimento começa com experiência sensorial. Examinaremos, ainda que em linhas gerais, a visão de pensadores como Locke, Berkeley e Hume, que enfatizavam a mente como uma "folha em branco", cujo conhecimento é construído por meio da interação com o ambiente e da experiência direta. 4.1 O conhecimento (racionalismo e empirismo) Quando se trata de conhecimento, inicialmente consideramos essa experiência de discernir o que é uma coisa e aceitá-la como óbvia dentro do âmbito da nossa vivência. Esse conhecimento "prático" e sensorial é aquele pelo qual temos uma compreensão das coisas e dos fenômenos, sendo adquirido por meio da percepção. De acordo com uma posição comumente adotada, podemos compreender a percepção como o processo pelo qual os seres humanos e outros organismos interpretam e entendem as informações obtidas pelos sentidos. É a habilidade de reconhecer, interpretar e até atribuir significado aos estímulos sensoriais oriundos do ambiente, tais como visão, audição, tato, olfato e paladar. Sua interpretação é influenciada por fatores biológicos, psicológicos, culturais e individuais, que moldam como os estímulos são interpretados e compreendidos por um indivíduo, dependendo de suas circunstâncias corporais e existenciais. Dessa forma, a percepção é o modo pelo qual temos o primeiro entendimento do mundo e a partir do qual podemos refletir sobre ele. Ela nos possibilita identificar objetos, reconhecer rostos, interpretar emoções, avaliar perigos e fazer escolhas informadas. Além disso, desempenha um papel significativo na cognição, na tomada de decisões e na interação social. É um processo complexo e multifacetado que é objeto de estudo em várias disciplinas, incluindo a psicologia, a neurociência, a filosofia, a antropologia e a ciência cognitiva. Desde os primórdios, o problema da percepção foi colocado diante da filosofia. Para os primeiros pensadores gregos, tornou-se imperativo investigar os fundamentos da realidade imediata que reconhecemos através da experiência perceptiva, frequentemente compreendendo que a verdade e o conhecimento não residem na esfera da aparência e da percepção. A percepção como a abertura para a nossa experiência humana e fonte de opiniões implícitas, de acordo com a visão proposta pelo filósofo francês Maurice Merleau-Ponty, está no foco da filosofia cartesiana e da jornada moderna do pensamento que começa com essa filosofia. Quando Descartes aborda os sentidos, ele sugere que eles não têm a capacidade de nos oferecer um conhecimento sólido e claro, o que nos leva a refletir além da influência do mundo sensorial. Mas qual é o significado disso? Isso implica que, além da experiência da percepção, é necessário descobrir a base que serve de alicerce para o mundo sensorial, possibilitando regulá-lo e definir sua verdade mais genuína, ou seja, sua verdadeira essência. Portanto, ao questionar o conhecimento tácito proporcionado pela percepção que deriva da abertura sensorial do corpo ao mundo, Descartes desenvolverá uma filosofia racionalista, delineando o fundamento ontológico do indivíduo conforme sua racionalidade. Para Descartes, a capacidade de raciocínio é aquilo que nos permite inferir verdades universais e necessárias, independentemente das sensações. Seu racionalismo destaca a importância da razão como um guia seguro para alcançar o conhecimento verdadeiro, buscando um alicerce sólido e indiscutível para o saber humano. No entanto, essa visão também foi alvo de críticas devido à sua dualidade, que separa o pensamento da experiência sensorial. Isso serve como um fio condutor para compreender a filosofia moderna e seu sentido mais profundo (KENNY, 2009). Essa distinção entre a existência humana e o mundo dos objetos e fenômenos aponta para a presença de duas coisas substancialmente diferentes: o físico e o "espiritual". Esse contraste embasa duas visões opostas de experiência: o racionalismo e o empirismo. O debate sobre a teoria do conhecimento e a base das ciências na modernidade, pelo menos até Kant, segue essas duas direções que, apesar de diferentes, compartilham o objetivo de enaltecer a racionalidade e questionar a autoridade (KENNY, 2009). No entanto, a objeção a esse princípio de autoridade se baseia em uma visão limitada do indivíduo. Este é um aspecto que não exploraremos profundamente agora, mas que pode ser entendido, por exemplo, pela perspectiva fenomenológica de Merleau-Ponty. O filósofo francês criticou essa visão reducionista do indivíduo presente na filosofia moderna, argumentando que ela negligencia a experiência corporal e vivencial do indivíduo em seu contexto no mundo, dimensão à compreensão física da natureza, pois é vivenciado pelo sujeito e possui significados práticos e emocionais. Para Merleau-Ponty, a percepção não é apenas uma atividade mental, mas estáintrinsecamente ligada ao corpo e à interação no mundo. A percepção é uma atividade que faz parte da experiência corporal do indivíduo. Essa totalidade é algo que a visão cartesiana tem dificuldade de explicar, pois é baseada no dualismo, no qual as dimensões da natureza e do espírito são separadas ontologicamente. 4.2 Racionalismo e empirismo: duas tendências cartesianas? Descartes (1596 – 1650), como já indicamos, foi o fundador do racionalismo moderno. Mediante uma proposta de investigação fundada em princípios metodológicos de caráter dedutivo: ele buscou compreender os fenômenos por meio de leis, regras e princípios instituídos de maneira independente da experiência; retomando, ainda, a teoria das ideias inatas. Nesses termos, sua filosofia estava baseada na convicção de que a razão era capaz de chegar ao conhecimento da realidade de modo semelhante ao conhecimento matemático. Para Descartes, a filosofia deveria construir seus métodos conforme o desenvolvimento das teorias matemáticas. (KENNY, 2009). Enquanto posição epistemológica, o racionalismo compreende que no pensamento, na razão, encontramos a fonte principal do conhecimento" (HESSEN, 1980). Nessa perspectiva, o racionalismo sustenta que basta o pensamento puro, tanto para a ciência formal, como para a ciência fática ou empírica para a formulação do conhecimento verdadeiro (BUNGE, 1986). Trata-se, como mencionamos anteriormente, de um comportamento teórico que se diferencia do empirismo: a posição que entende que todo conhecimento começa com a experiência, a partir da conexão sensorial entre o sujeito e o mundo que o cerca. Uma característica partilhada pelas duas correntes (racionalismo e empirismo) é a valorização de uma perspectiva metódica e racional como base da filosofia e da ciência — e é isso o que as torna modernas; isto é, marcadas por um processo de ruptura em relação ao pensamento medieval. No entanto, as duas posições não apresentam acordo quanto à forma como os seres humanos distinguem o verdadeiro do falso. Para os filósofos empiristas — como Francis Bacon (1561–1626), Thomas Hobbes (1588–1679), John Locke (1632–1704) e David Hume (1711–1776) —, o ser humano apenas conhece a realidade a partir de seus sentidos e de suas experiências, como já indicamos. Ao contrário do racionalismo, onde os métodos de dedução fundamentam e justificam a prática de investigação, os empiristas baseiam sua prática filosófica em processos de análise e investigação. Entende-se, por indução, um processo onde se chega a uma conclusão geral ou se estabelece uma regra geral com base em um conjunto limitado de observações ou evidências específicas. Suponhamos, por exemplo, uma pessoa que todas às vezes que sai de casa em dias ensolarados, precisa usar óculos de sol para proteger seus olhos do brilho do sol e evitar o desconforto. Com base nessas observações específicas, essa pessoa pode “induzir” uma conclusão geral: ela pode pensar que usar óculos de sol é necessário em dias ensolarados para proteger os olhos do brilho do sol. Neste exemplo, encontramos uma forma de raciocínio que parte de exemplos particulares ou casos específicos e generaliza para afirmar algo mais amplo ou universal. Nesse caso, a possibilidade de uma concepção geral de experiência se funda na possibilidade de que através dos casos particulares possa se chegar a uma regra geral. A racionalidade em si não funda a regra universal, mas é o meio pelo qual, a partir dos dados adquiridos na experiência, pode-se chegar à regra de que o uso de óculos escuros pode ser uma forma de proteção aos olhos. Ao contrário dos empiristas, os racionalistas — como Baruch Spinoza (1632– 1677) e Gottfried Leibniz (1646–1716) — e o próprio Descartes, acreditavam que a razão em si mesma, é mais importante do que a experiência para a construção do saber verdadeiro, ou mais precisamente, a racionalidade que determinava a construção e a conquista do saber. Assim, no campo do racionalismo, se valoriza o pensamento lógico e matemático, baseado em etapas e cálculos, que Descartes chama de razão; é ele que se configura como comportamento teórico que origina sua concepção racionalista da verdade e da experiência. Desta maneira, Descartes, provavelmente teria uma visão diferente do raio de sol em comparação aos empiristas. Enquanto os empiristas usariam a observação empírica para concluir que o raio de sol é a causa da sensação de calor em nossa pele, Descartes teria uma abordagem mais racionalista. Descartes acreditava que a mente humana tem uma compreensão inata das verdades fundamentais e que a razão é a fonte primária de todo conhecimento. Portanto, ele argumentaria que a sensação de calor causada pelo raio de sol não é uma questão de observação empírica, mas sim de razão. Ele diria que a razão nos diz que o sol é a fonte de calor no nosso planeta, e não a experiência sensorial. Além disso, Descartes também argumentaria que a sensação de calor em nossa pele não é a única maneira de inferir a existência do sol. Ele afirmaria que a razão nos permite inferir a existência do sol a partir de outros meios, como a observação dos movimentos dos planetas e das estrelas. Em outras palavras, ele defenderia que a razão é uma fonte mais confiável e abrangente de conhecimento do que a observação empírica isolada. Descartes desenvolveu sua forma de raciocínio dedutivo a partir de seu esforço para conquistar "o método", algo que ele descreve em duas obras seminais: o "Discurso do Método" (2001) e "As Meditações Metafísicas" (2005). De acordo com Emanoel Angelo da Rocha Fragoso, o termo método (originado do latim methodus) tem uma etimologia que remete à "necessidade" ou "demanda". Em um sentido mais específico, a palavra se refere a uma maneira de proceder, um modo de agir, um caminho ou um meio para se alcançar um determinado objetivo. Em um sentido mais restrito, o método é compreendido como um programa, um roteiro ou um conjunto de ações que visam alcançar um fim específico. De acordo com Mora (2012), um método é um conjunto de regras que orienta um caminho específico para alcançar um objetivo ou fim, que pode ser tanto o próprio caminho quanto um objetivo humano ou vital, como a felicidade. Em contraste com ações e práticas baseadas na sorte e no acaso, o método é caracterizado pela ordem e busca de previsibilidade, pois é fundamentado em regras claras e definida. Na concepção de Descartes, o método deve consistir em regras precisas e simples que permitem a qualquer pessoa que as siga nunca aceitar como verdadeiro algo que seja falso. Além disso, ao seguir essas regras, é possível atingir gradualmente um conhecimento verdadeiro de tudo o que se pode alcançar, sem perder esforços desnecessários (DESCARTES, 2001). 4.3 A origem do conhecimento O conhecimento humano se origina da experiência sensorial e do pensamento. Quando alguém emite o juízo "o sol aquece a pedra", baseia-se em dados sensoriais da visão e do tato, mas transcende a mera observação, pondo sua experiência no campo do simbólico, ou seja, do pensamento invadido pela linguagem. Este juízo implica uma conexão causal entre eventos. Surge a pergunta: qual desses elementos é mais relevante na consciência cognitiva? A discussão sobre a origem do conhecimento humano é central, indagando se ele se baseia primariamente na experiência sensorial ou no pensamento (HESSEN, 2003). O racionalismo, derivado da palavra latina "ratio" (razão), destaca a razão como principal fonte do conhecimento. Para o racionalismo, o conhecimento verdadeiro é necessário e universal, determinado pela razão como uma conclusão lógica invariável em todas as circunstâncias (HESSEN, 2003). Por outro lado, o empirismo contradiz essa visão, afirmando que a experiência é a única fonte de conhecimento humano. Segundo essa perspectiva, a razão não possui conteúdo inato; a mente humana nasce como uma "tábula rasa", a experiência preenche seus espaços vazios (HESSEN, 2003). O debate entre racionalismo e empirismo tem implicações profundas. Enquanto os racionalistas têm origem na matemática,enfatizando a razão, os empiristas frequentemente vêm das ciências naturais, valorizando a experiência. As tentativas de conciliação entre essas visões geraram perspectivas como o intelectualismo e o apriorismo. O intelectualismo propõe que tanto a experiência quanto o pensamento contribuem para a formação do conhecimento, enquanto o apriorismo destaca elementos a priori independentes da experiência, mas fundamentais na organização do conhecimento (HESSEN, 2003). O intelectualismo, inspirado por Aristóteles, defende que os elementos cognitivos se originam da experiência. Em contrapartida, o apriorismo, advogado por Kant, reconhece elementos a priori, mas diverge ao afirmar que estes não são derivados da experiência, mas sim do pensamento e da razão. Segundo Kant, a razão, ativa e espontânea, organiza os conteúdos da experiência por meio das formas da intuição e do pensamento (HESSEN, 2003). Nessa busca por entendimento sobre a origem do conhecimento, as correntes filosóficas divergentes — racionalismo, empirismo, intelectualismo e apriorismo — representam esforços para compreender como a mente humana adquire conhecimento e compõe sua visão do mundo. Essas perspectivas, embora distintas, oferecem uma visão abrangente sobre as raízes e o desenvolvimento do conhecimento humano (HESSEN, 2003). 5 A CIÊNCIA COMO CONHECIMENTO VERDADEIRO E UNIVERSAL A ciência, ao longo dos séculos, consolidou-se como um dos pilares fundamentais do conhecimento verdadeiro e universal. Esse status é sustentado pela aplicação de um método sistemático e pela busca incessante pela verdade, características que delineiam a singularidade da abordagem científica. O método científico, com sua ênfase na observação, formulação de hipóteses, experimentação e análise crítica, oferece um caminho confiável para a obtenção de conhecimento. Essa metodologia, ao ser aplicada de maneira consistente e rigorosa, elimina vieses individuais e culturais, proporcionando uma base sólida para a construção de teorias e leis que transcendem fronteiras geográficas e diferenças culturais (ZINS, 2011). Um aspecto fundamental que distingue a ciência como conhecimento verdadeiro e universal é sua capacidade de verificação e replicação. As descobertas científicas não são meramente aceitas; são submetidas ao escrutínio constante da comunidade científica, que busca validar ou refutar os resultados por meio de experimentos independentes. Essa abordagem auto corretiva fortalece a confiabilidade do conhecimento científico, permitindo que ele evolua à medida que novas informações surgem (ZINS, 2011). A universalidade do conhecimento científico é evidente em sua aplicabilidade global. Leis e teorias científicas, como as leis da física, a teoria da evolução e os princípios da química, são consistentes em qualquer lugar do planeta. A aplicação prática desses princípios em tecnologia, medicina e diversas outras áreas destaca a capacidade da ciência de transcender as fronteiras culturais, beneficiando a humanidade como um todo. Além disso, a ciência é uma força dinâmica que se adapta às mudanças e desafios emergentes. À medida que novas perguntas são formuladas e novos fenômenos são observados, a ciência se expande para incluir essas complexidades, mantendo sua relevância em uma sociedade em constante transformação. A teoria da relatividade de Einstein, por exemplo, redefiniu nossa compreensão do espaço e do tempo, demonstrando a capacidade da ciência de evoluir para incorporar descobertas revolucionárias (SANTOS, 1989). A ciência se destaca como um farol de conhecimento verdadeiro e universal devido à sua metodologia robusta, capacidade de verificação e aplicação global. Sua natureza dinâmica e adaptativa a posiciona como uma fonte vital de compreensão do mundo, capacitando a humanidade a avançar rumo a uma compreensão mais profunda e abrangente do universo e da própria existência (SANTOS, 1989). 5.1 Ponto de vista externo e interno do conhecimento O ponto de vista externo do conhecimento é a perspectiva de observar um fenômeno, conceito ou situação de fora, como um observador externo. Ele se baseia em análises objetivas, distantes da experiência direta, e pode ser associado a regras formais e abstrações na lógica. É como olhar para algo de cima, sem estar imerso nas minúcias ou no contexto interno daquilo que está sendo examinado. Já o ponto de vista interno do conhecimento envolve uma compreensão mais imersiva e profunda de um fenômeno, conceito ou situação. Aqui, há uma vivência direta ou uma compreensão contextualizada e subjetiva. Esse ponto de vista está mais ligado à compreensão informal, baseada na experiência e na compreensão prática, permitindo uma visão mais detalhada e contextualizada do objeto de estudo. Ryle (1993) explorou esses conceitos para destacar como as diferentes abordagens lógicas (formal e informal) oferecem perspectivas distintas sobre o conhecimento. Ele ressaltou como a compreensão pode variar dependendo do ponto de vista adotado e como tanto a análise objetiva quanto a imersão subjetiva são importantes na busca pelo entendimento completo de um tema. Quando tratam do tema da experiência interna e externa no conhecimento, o equívoco encontrado tanto nas argumentações de Austin e Moore reside na limitação de suas percepções quanto à abrangência da indagação cética. Enquanto eles se concentram nos objetos específicos, o cético questiona todo o conhecimento de uma perspectiva externa. Enquanto as evidências apresentadas por Austin e Moore são de natureza interna, a dúvida cética permanece sem resposta, uma vez que transcende os limites dos argumentos apresentados por eles. Os argumentos de Willard Quine, renomado filósofo especializado em Matemática, Lógica, Filosofia da Linguagem e Filosofia da Ciência, são notáveis pelo ensaio 'Epistemologia Naturalizada'. Nele, Quine (1975) sugere que a epistemologia é parte das faculdades naturais humanas e deve ser estudada pela Psicologia Empírica, ou seja, a experiência interna também deve ser considerada na formulação do conhecimento (QUINE, 1975). Quine propõe que o ato de conhecer, para os seres humanos, é uma habilidade biológica e psicológica, comparável à digestão, aos impulsos cerebrais ou ao sistema reprodutor. Seguindo essa linha de raciocínio, investigar o conhecimento equivale a examinar um aspecto inerente à natureza humana, não sendo uma atividade opcional, mas sim uma função intrínseca. Contudo, algumas críticas consideram essa visão reducionista ao biológico e podem questionar a simplificação do conhecimento humano, que é também influenciado por fatores sociais, culturais e históricos complexos. A Epistemologia, nesse contexto, se configura como o estudo científico do conhecimento, recorrendo a dados e fatos provenientes da ciência empírica, a qual analisa o cérebro e como processamos as informações provenientes do mundo exterior. A perspectiva de Quine foi ampliada para formar a base da chamada Ciência Cognitiva, ao naturalizar a Epistemologia e integrá-la como parte de uma disciplina científica (PEREIRA, 2011). A "naturalização" dos estudos epistemológicos, conforme destacado por Quine (1985), apresenta uma grande vantagem ao permitir que esses estudos incorporem livremente os resultados obtidos nas ciências empíricas, sem ficarem restritos às tentativas de construir reconstruções racionais do conhecimento humano. Quine afirma que esse ponto de vista não invalida os esforços anteriores para compreender como os objetos do mundo são apresentados à consciência pela realidade e como o sujeito os conhece. 1.1 O argumento naturalista de Willard Quine (1909-2000) Willard Van Orman Quine foi um filósofo e lógico norte-americano, nascido em Akron, Ohio, em 1908, e falecido em 2000. Reconhecido por suas contribuições significativas à filosofia da linguagem, lógica e filosofia da ciência, Quine é amplamente considerado um dos filósofos mais influentes do século XX. Ele estudou na Universidade de Oberlin e posteriormente na Universidade Harvard, onde se graduou em matemática e lógica. Quineensinou na Universidade de Harvard por mais de 40 anos, influenciando várias gerações de filósofos e lógicos. Sua obra mais notável, "From a Logical Point of View" (1953), inclui seu famoso ensaio "Two Dogmas of Empiricism", que questiona a distinção entre verdades analíticas e sintéticas e a ideia de observação pura e teoricamente neutra na ciência. Quine argumentava que todas as crenças estão interligadas em uma rede, e nenhuma pode ser testada de forma independente. Isso levou à sua defesa do holismo, onde a totalidade das crenças de uma pessoa forma o contexto para avaliar sua validade individual. Outras obras relevantes incluem "Word and Object" (1960), onde aborda a teoria da referência e a natureza da linguagem, e "Ontological Relativity and Other Essays" (1969), que explora questões relacionadas à ontologia e à relatividade ontológica. A abordagem de Quine para compreender conhecimento e percepção é esclarecedora, pois destaca a importância de uma perspectiva científica para entender como processamos percepções e adquirimos conhecimento (Pereira, 2011). Suas ideias influenciaram não só a filosofia, mas também campos científicos, moldando nossa compreensão da cognição e sua relação com a realidade. A discussão sobre a "Ciência da Informação" destaca a vasta gama de abordagens e tradições nesse campo. É fascinante observar como um termo tão amplo pode abarcar uma diversidade tão rica de perspectivas e áreas de estudo. A interdependência entre dados, informação e conhecimento é crucial para compreender o escopo dessa disciplina. A sugestão de renomear essa área como "Ciência do Conhecimento", em vez de "Ciência da Informação", é intrigante. Essa mudança poderia direcionar o foco para investigar mais a fundo os elementos fundamentais do conhecimento, destacando a complexa relação entre dados, informação e a construção do saber. Contudo, essa proposta de mudança de nomenclatura também suscita questões sobre os limites e a amplitude do campo. Enquanto a "Ciência da Informação" lida com elementos mais mensuráveis, como dados e informação, uma abordagem como "Ciência do Conhecimento" poderia ampliar seu escopo para investigar como o conhecimento é formado, utilizado e evolui ao longo do tempo. Referenciar o trabalho de Quine e sua abordagem científica para compreensão da percepção e do conhecimento é fundamental para sustentar essa discussão (Pereira, 2011). Da mesma forma, citar Zins (2011) sobre a diversidade de abordagens na "Ciência da Informação" oferece uma base sólida para analisar a complexidade e a amplitude desse campo de estudo. Ao unir essas ideias e propor uma reflexão mais profunda sobre a natureza do conhecimento e sua relação com a "Ciência da Informação", podemos aprimorar nosso entendimento sobre como essa disciplina se desenvolve e se relaciona com outros domínios do conhecimento (PEREIRA, 2011; ZINS, 2011). 5.2 O conhecimento científico e seu avanço A posse de conhecimento, portanto, confere o poder de influenciar a evolução do Universo conforme desejado ou necessário, e essa influência é alcançada por meio da pesquisa científica e tecnológica. A pesquisa científica busca compreender o funcionamento do Universo, descreve seus mecanismos, comportamentos e padrões, estabelece assim modelos. Já a pesquisa tecnológica concentra-se em empregar os resultados científicos para controlar o Universo em benefício da humanidade, aplicando modelos para atender a necessidades dentro de parâmetros predeterminados (KOLLER; COUTO; HOHENDORFF, 2014). As fases inicial e final estão conectadas por um processo que ocorre ao longo do tempo no Universo. Investigar esse processo implica observá-lo repetidamente até desenvolver um procedimento logicamente estruturado que relaciona as condições iniciais e finais correspondentes, resulta no que é denominado modelo do processo. Formalmente, um modelo é um procedimento de qualquer natureza - verbal, matemático, gráfico, computacional, ou outro - que, quando alimentado com uma representação seletiva da situação inicial do Universo, gera um conjunto de condições que representa a situação em que o Universo estará caso o processo real seja desencadeado. Dois aspectos fundamentais dessa definição merecem destaque: · O procedimento integrante do modelo pode ser de qualquer natureza, não sendo uma representação direta do processo real, mas uma correlação conveniente entre as condições iniciais e finais. · O sinal aproximado (~) sobre a seta dupla direita destaca a importância da qualidade do modelo: quanto melhor as condições finais representarem efetivamente a situação final do Universo, mais eficaz será o modelo em questão. 1.2 Significados de conhecimento O conhecimento é um conceito multifacetado e central em campos como filosofia, ciência e epistemologia (BLANCHÉ, 1975; JAPIASSU, 1992; SANTOS, 1989). Em sua essência, vai além da mera posse de informações, representando a compreensão, familiaridade e consciência que alguém tem sobre determinado tema. Envolve a capacidade não só de acumular dados, mas também de interpretar, relacionar, aplicar e, muitas vezes, utilizar esse conhecimento de maneira significativa. Tradicionalmente, o conhecimento é categorizado em diferentes tipos. O conhecimento proposicional, por exemplo, está vinculado à crença justificada em proposições ou afirmações sobre o mundo (BLANCHÉ, 1975). Envolve o "saber que" algo é verdadeiro, fundamentado em evidências ou razões que dão suporte a essa crença. O conhecimento prático, ou "saber como", está ligado às habilidades e competências funcionais (JAPIASSU, 1992). Envolve a capacidade de executar tarefas específicas, como tocar um instrumento, cozinhar, dirigir um veículo ou resolver problemas cotidianos. Além disso, há o conhecimento por contato, que se refere à compreensão direta e imediata de objetos, frequentemente adquirida através de experiências sensoriais diretas, como a sensação de dor ou fome (SANTOS, 1989). O conhecimento não se limita apenas à acumulação de fatos ou informações, mas também à compreensão do contexto em que esses fatos operam. Ele não só fornece respostas, mas também suscita questões, impulsionando a busca por maior compreensão e insights. De maneira mais ampla, o conhecimento pode ser visto como um processo contínuo de descoberta e aprendizado (BLANCHÉ, 1975). É dinâmico, adaptativo e frequentemente serve de base para o avanço em diversas áreas do conhecimento humano. Esse processo de busca pode se dar tanto individualmente, através da reflexão e experiência pessoal, quanto coletivamente, por meio da pesquisa científica, do compartilhamento de ideias e do diálogo entre diferentes perspectivas e disciplinas. Em última análise, o conhecimento não é apenas um conjunto de informações, mas uma ferramenta fundamental para a compreensão do mundo, para a tomada de decisões informadas e para o progresso humano. É um elemento-chave na busca da verdade e na construção de sociedades mais informadas e conscientes. Na epistemologia convencional, são comumente identificados três principais tipos de conhecimento, conforme discutido por Bernecker e Dretske (2000). Esses tipos incluem o conhecimento prático, o conhecimento por contato e o conhecimento proposicional. O conhecimento prático, frequentemente referido como "saber como", está associado às habilidades e representa competências funcionais, como dirigir um carro ou andar de bicicleta. A distinção entre conhecimento por contato e conhecimento proposicional, também conhecido como conhecimento descritivo, foi inicialmente introduzida por Russell (1912). O conhecimento por contato implica uma compreensão direta e não mediada de objetos, obtida por meio de dados sensoriais diretos ou um conhecimento imediato sobre si mesmo, como experienciar dor ou fome. Por outro lado, o conhecimento proposicional é expresso na forma de "saber que", onde S (objeto) sabe que P (proposição). Esse tipo de conhecimento refere-se ao conteúdo reflexivo ou expresso do que uma pessoa pensa que sabe (Russell, 1912). É importante ressaltar queos conteúdos de pensamentos reflexivos ou expressos assumem a forma de proposições no conhecimento proposicional. Além disso, o conhecimento proposicional pode ser subdividido em conhecimento inferencial e não inferencial (ZINS, 2011). O conhecimento proposicional não inferencial representa um conhecimento intuitivo direto, frequentemente ligado a termos abstratos genéricos, como "informação", "conhecimento", "amor", "justiça", "alma" e "Deus". Essas expressões são geralmente compreendidas intuitivamente. No entanto, quando se definem esses termos e se tiram conclusões baseadas neles, o conhecimento não inferencial transforma-se em conhecimento inferencial (ZINS, 2011). Este último é resultado de inferências, como indução e dedução, ampliando o escopo do conhecimento para além da intuição inicial, incluindo processos racionais de indução e dedução. 5.3 Abordagens complementares As distintas abordagens, subjetiva e objetiva, ou seja, a perspectiva pessoal e a universal, são paradoxalmente complementares. Isso ocorre, pois o conhecimento universal desprovido de qualquer conhecimento subjetivo seria destituído de significado. Por outro lado, o conhecimento universal é, em si, um resultado do conhecimento subjetivo. Tome como exemplo o casal Sr. e Sra. Jones, representativos dos universos da poesia e da ciência. O Sr. Jones, um poeta, cria diariamente poemas que expressam seus sentimentos, memórias e imaginação. Ele articula esses poemas mentalmente, memorizando-os palavra por palavra, sem nunca os registrar por escrito, percebe que a versão escrita é apenas uma representação concisa de sua rica experiência interior. Entende que as palavras escritas são códigos que representam pensamentos, e a compreensão de seu poema varia sempre que o lê (KOLLER; COUTO; HOHENDORFF). Num episódio, o Sr. Jones perde um poema escrito, enquanto sua esposa, a cientista Sra. Jones, também perde um guardanapo contendo sua maior descoberta científica. Ambos experimentam a frustração da perda, revelando a interligação entre as esferas subjetiva e objetiva do conhecimento em suas vidas. Pode-se abordar essas questões ao assumir pressupostos metafísicos sobre o status ontológico de diferentes tipos de entidade, como exemplificado por Karl Popper, porém, a preferência é manter-se no âmbito prático. No entendimento adotado, o conhecimento carece de significado se não for conhecido por alguém. A compreensão do objetivo ocorre exclusivamente através das mentes subjetivas, sendo o significado formado subjetivamente por cada indivíduo. Em resumo, em uma paráfrase à perspectiva de René Descartes, destaca-se que cada pessoa deve validar seu conhecimento universal por meio de sua própria mente subjetiva (ZINS, 2011). Adicionalmente, ao adotar uma abordagem prática em contraposição a uma abordagem religiosa ou metafísica, é possível admitir que o conhecimento universal é uma externalização do conhecimento subjetivo. Nesse contexto, o conhecimento universal pode ser compreendido como uma forma gravada, documentada ou fisicamente expressa do conhecimento subjetivo. A ciência emerge como um paradigma de conhecimento verdadeiro e universal. Seu método sistemático, fundamentado na observação, formulação de hipóteses, experimentação e análise crítica, proporciona uma abordagem confiável para a compreensão do mundo. A capacidade de verificação e replicação fortalece a credibilidade das descobertas científicas, transcende fronteiras culturais e geográficas (PEREIRA, 2011). A universalidade do conhecimento científico é evidente em sua aplicabilidade global, com leis e teorias consistentes em diversos contextos. A dinâmica adaptativa da ciência permite a incorporação de descobertas revolucionárias, mantendo sua relevância numa sociedade em constante transformação. A ciência, ao desvendar os mistérios da natureza, não apenas fornece respostas, mas também gera novas questões, impulsionando o progresso contínuo do entendimento humano. Assim, a ciência se destaca como uma fonte essencial de conhecimento verdadeiro e universal, capacitando a humanidade a explorar, compreender e configurar o mundo ao seu redor. No próximo módulo será retratado os desenvolvimentos contemporâneos na filosofia do conhecimento. 6 SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO E FILOSOFIA (EXPRESSÕES DA TEORIA DO CONHECIMENTO) Como vimos até agora, a teoria do conhecimento é o domínio da filosofia que se dedica à reflexão sobre o conhecimento humano. Ao longo da história da filosofia, questões fundamentais como "o que é conhecimento?" ou "como o adquirimos?" têm sido objeto de análise e compreensão para todas as áreas do saber científico. Desde tempos antigos, o conhecimento tem sido objeto de questionamento, mas foi na era moderna que se tornou um ponto central do pensamento filosófico. A teoria do conhecimento explora a diferença entre a consciência interior e a realidade exterior, mostrando que conhecer algo implica a formação de uma representação ou ideia sobre esse algo. Entre as principais correntes epistemológicas estão o racionalismo e o empirismo. O racionalismo enfatiza que as ideias são inatas ao ser humano, que todo conhecimento verdadeiro surge da razão e que esta independe da experiência sensorial. Os racionalistas adotam um método dedutivo, partindo do geral para o particular, tendo como expoente René Descartes. Por outro lado, o empirismo argumenta que ideias e conhecimento são frutos da experiência, resultado do que vivenciamos. Para os empiristas, todo conhecimento deve ser fundamentado na experiência sensorial. Eles adotam um método indutivo, partindo do particular para o geral, sendo representados por filósofos como Francis Bacon, John Locke e Thomas Hobbes. A teoria do conhecimento também analisa o conhecimento por sua essência, dividindo-se entre o realismo e o idealismo, e pela possibilidade do conhecimento, considerando o dogmatismo e o ceticismo. Neste contexto, a abordagem filosófica concebe o conhecimento pela interação entre o sujeito conhecedor e o objeto conhecido, questionando não apenas a realidade percebida, mas também a capacidade humana de conhecer (REALE, 2002). Por outro lado, a sociologia, sob a análise de autores como Karl Mannheim, Robert K. Merton, C. Wright Mills, Thomas Luckmann e Peter L. Berger, constrói seu campo de estudo do conhecimento através de análises sistêmicas. A abordagem sociológica se distingue da teoria do conhecimento ao conectar todo pensamento ao seu contexto histórico-social. Nessa perspectiva, a construção do conhecimento é analisada considerando sua dimensão histórica e os valores sociais que influenciam sua formulação. Enquanto a epistemologia tradicional descreve o “homem” pensante como o sujeito do conhecimento, dotado de racionalidade e capacidade de pensamento independente, a sociologia do conhecimento apresenta o indivíduo como um ser em busca do conhecimento, em contexto, determinado e determinante de um mundo social e cultural. Nessa visão, o conhecimento resulta não apenas de sua ação racional, mas também de suas experiências sociais (REALE, 2002). A sociologia do conhecimento tem suas raízes nos debates surgidos no final do século XIX, abordando a especificidade dos temas investigados pelas ciências naturais e culturais, mantendo uma forte relação com discussões epistemológicas sobre a singularidade das ciências da natureza e sociais. Esta corrente emergiu como uma tentativa intelectual de compreender o contexto de criação do conhecimento, reconhecendo que a realidade cultural, política, social e econômica de uma determinada época influencia diretamente a atividade intelectual e a produção de conhecimento. Os pensadores clássicos da sociologia, como Marx, Weber e Durkheim, forneceram análises sobre a gênese do conhecimento e a vida social. No entanto, foi somente na década de 1920, com as reflexões sistemáticas do filósofo Max Scheler e do sociólogo Karl Mannheim, que a sociologia do conhecimento emergiu como um campo de estudo definido. A sociologia se firmou como um campo científico no século XIX ao delinearseu objeto de estudo: o mundo social. Dentro desse contexto, a sociologia do conhecimento volta seu olhar para o entendimento do conhecimento como um fenômeno emergente no mundo social e cultural. Contudo, seu propósito também reside em explorar as condições que cercam a existência humana. Além disso, a sociologia do conhecimento, de natureza altamente filosófica, está intimamente ligada ao problema fundamental da epistemologia: como o conhecimento se estabelece? Nesse sentido, ela se destaca por se dedicar a compreender não apenas o conhecimento em si, mas também como ele é formado. A reflexividade é a chave nesse contexto, pois permite revelar o sujeito por trás do ato de conhecer, reconhecendo-o como parte ativa desse processo (LAMO DE ESPINOSA; GARCÌA; ALBERO, 1994, p. 48 citado em RODRIGUES JÚ NIOR, 2002, p. 116). Portanto, a sociologia do conhecimento se distingue da teoria do conhecimento ao se configurar como um ramo da sociologia voltado para diversas questões interligadas à sociedade e ao conhecimento científico. Ela se concentra em examinar as instituições responsáveis pela produção de conhecimento e bens simbólicos, como universidades e sistemas educacionais No contexto atual, um diálogo entre a filosofia, compreendida como a filosofia do conhecimento ou teoria da verdade, e a sociologia do conhecimento é essencial para uma investigação epistemológica robusta. Nesse sentido, o objetivo desta exposição é estabelecer conexões entre a teoria do conhecimento, a sociologia do conhecimento e a filosofia, percorrendo os pensamentos de alguns autores fundamentais nessas disciplinas, mais precisamente Karl Marx, Engels e Karl Mannheim. 6.1 Karl Mannheim e o conhecimento como um tema sociológico (as relações entre superestrutura e infraestrutura) Um dos temas clássicos tanto na sociologia quanto na filosofia social é a interligação entre as condições sociais primárias, especialmente aquelas que referimos como a produção material da vida e as condições econômicas em um determinado período histórico, e o mundo simbólico. Este último engloba os valores, onde situamos o campo da verdade, as instituições imaginárias e a vida intelectual e afetiva dos seres humanos. Esse mundo abrange as moralidades, expressões religiosas, filosofias e até mesmo a ciência de uma determinada época. Uma maneira clássica de compreender essa relação é através dos conceitos de infraestrutura e superestrutura, originados da tradição marxista. De acordo com essa perspectiva, a infraestrutura refere-se às condições materiais da vida, como os meios de produção e as relações de trabalho. Essa camada da sociedade representa a base econômica sobre a qual toda a estrutura social é construída. Por outro lado, a superestrutura engloba as instituições, ideologias, valores culturais, religiosos e políticos que se desenvolvem sobre essa base econômica. São os sistemas de crenças, as estruturas políticas e jurídicas, as expressões artísticas e intelectuais, entre outros elementos. A superestrutura é determinada e influenciada pela infraestrutura, refletindo as relações de poder e as condições econômicas dominantes em uma determinada sociedade (ENGELS; MARX, 2007). De acordo com Marx e Engels, a infraestrutura direciona o desenvolvimento da superestrutura. Nesse contexto, o conhecimento emerge das interações entre indivíduos, interações essas enraizadas nas condições tangíveis da existência, como a posse ou a falta de meios de produção. Um dos conceitos-chave que Marx e Engels utilizam para compreender o processo de existência, onde o conhecimento é determinado pelas condições materiais de produção na vida social, é o conceito de ideologia. Marx via a ideologia como uma representação distorcida da realidade, uma forma de pensamento criada e promovida pela classe dominante para perpetuar sua dominação sobre as classes oprimidas (ENGELS; MARX, 2007). Ele argumentava que a verdade, vista como um reflexo das relações de poder e das condições materiais, era moldada pela estrutura econômica da sociedade. Na visão de Marx, a ideologia servia aos interesses da classe dominante, mascarando as reais relações de exploração e servindo como instrumento de manutenção do status quo. A superestrutura, incluindo aspectos culturais, políticos, religiosos e jurídicos, era influenciada pela infraestrutura econômica. Marx acreditava que as estruturas ideológicas, como a moralidade, a religião, a filosofia e a ciência, eram moldadas pelas relações de produção e pelo modo como a riqueza era distribuída na sociedade (ENGELS; MARX, 2007). A superestrutura, portanto, refletia as condições econômicas e as relações de classe presentes na infraestrutura, sendo utilizada para justificar e legitimar a ordem estabelecida. Na ótica de Karl Mannheim (1893-1947), a teoria marxista não oferece uma explicação suficiente sobre a relação entre a produção de conhecimento e a realidade social (MANNHEIM, 1982). Para Mannheim, é essencial uma autorreflexão que questione até mesmo a própria noção de ideologia. Ao contrário da visão de Marx, em que desvendar as ideologias é central para a questão do conhecimento, Mannheim argumenta que todo pensamento é influenciado pela realidade social, não apenas pela da classe dominante. Dessa forma, todo conhecimento é perspectivado, uma vez que se fundamenta em nossas estruturas mentais, que variam entre os indivíduos devido aos seus diferentes contextos existenciais (MANNHEIM, 1982). Mannheim distancia-se do conceito de ideologia e emprega a noção de perspectiva para explicar como a percepção de um objeto e o que se enxerga nele estão relacionados às estruturas do pensamento. O conhecimento é visto como uma expressão do pensamento. Essa relação torna-se o foco de estudo da sociologia do conhecimento ao longo dos anos, após consolidar-se como uma disciplina científica. O arcabouço conceitual de Mannheim também redefine a noção de utopia, apresentando-a como o conjunto de ideias idealizadas por grupos sociais que se opõem à realidade existente (MANNHEIM, 1982). Em termos de abordagem metodológica, a sociologia do conhecimento, desde Mannheim, propõe uma análise contextual na qual os fenômenos políticos e sociais são compreendidos a partir dos grupos ou atores sociais envolvidos, bem como dos conteúdos ideacionais desses grupos. Essa abordagem visa compreender a natureza social do conhecimento. As pesquisas realizadas com base na sociologia do conhecimento também enfatizam os elementos históricos que podem fortalecer ou enfraquecer a democracia. Em momentos de conflito, nos quais diferentes grupos sociais se opõem, compreender os fenômenos sociais sob essa perspectiva permite planejar contextos sociais desejáveis e prevenir situações indesejáveis. No entanto, tais intervenções racionais e estruturadas não surgem de forma espontânea. É necessário identificar os responsáveis pela análise e pelo planejamento de novas realidades sociais. Segundo Vieira (2008), Mannheim acreditava que compreender as razões sociais dos antagonismos era fundamental para superar visões determinadas pelos vieses produzidos e internalizados pelas condições sociais de existência. A sociologia do conhecimento, por meio de uma extensa investigação, seria capaz de delinear, em primeiro lugar, um amplo panorama diacrônico e sincrônico das diferentes visões de mundo, bem como de suas determinações sociais. Posteriormente, essa abordagem produziria uma síntese das perspectivas, buscando superar ou reduzir os antagonismos que afligem as relações entre grupos distintos e que podem dificultar a definição de um projeto de desenvolvimento social planejado e negociado. 7 DISCUSSÕES ÉTICAS E SOCIAIS RELACIONADAS AO CONHECIMENTO No cenário intrincado e dinâmico do conhecimento, inúmeras questões éticas e sociais emergem, evidenciando a interseção entre avanços intelectuais e responsabilidade social. A discussão acerca da ética no âmbito da teoria do conhecimento transcende os limites acadêmicos, permeando uma multiplicidade de facetas na sociedade contemporânea. Neste contexto,é premente a investigação das implicações éticas e sociais associadas ao desenvolvimento, difusão e aplicação do conhecimento. Conforme avançamos em áreas como inteligência artificial, biotecnologia e ciência de dados, suscitam-se, por exemplo, questionamentos acerca dos limites éticos na busca pelo saber. O desafio reside na conciliação entre a busca por descobertas inovadoras e a responsabilidade de assegurar que tais avanços estejam em consonância com valores fundamentais, evitando danos a indivíduos ou comunidades. Ademais, as problemáticas sociais atreladas ao conhecimento ressaltam a importância de abordar disparidades no acesso à informação. A distribuição desigual do conhecimento pode perpetuar desigualdades sociais e econômicas. Daí a necessidade premente de conceber estratégias inclusivas que assegurem a ampliação dos benefícios do conhecimento a todos os segmentos da sociedade. As discussões éticas e sociais não se restringem apenas à produção de conhecimento, mas se estendem à sua aplicação. A utilização responsável dos avanços científicos e tecnológicos suscita questionamentos relativos à privacidade, segurança e equidade. Ao participarmos de debates acerca da implementação de novos conhecimentos, torna-se primordial considerar os impactos sociais e éticos, visando garantir que as inovações reverberem em benefício da humanidade como um todo. Em síntese, os debates éticos e sociais vinculados ao conhecimento constituem elementos intrínsecos à jornada intelectual. Ao explorarmos tais questões, não só ampliamos horizontes intelectuais, mas também nutrimos uma sociedade que valoriza e aplica o conhecimento de maneira ética, equitativa e inclusiva. Na primeira seção da exposição, de teor mais abrangente, discorremos sobre teorias divergentes que delineiam princípios ou critérios para discernir a aceitabilidade moral e a correção ou incorreção de ações. Na segunda seção, de enfoque mais sucinto, concentramo-nos em abordagens que questionam, de distintas maneiras, a existência de objetividade ou de padrões morais universalmente válidos, aspecto reconhecido por todas as perspectivas abordadas na primeira seção. Na terceira e última seção, trataremos das relações entre ética, bioética e teoria do conhecimento. 7.1 Concepções Deontológicas e ética da virtude As discussões sobre o conteúdo da moralidade são exploradas e debatidas em três perspectivas concorrentes nesta seção: a primeira baseia-se nas consequências das ações, a segunda considera a natureza intrínseca das ações, sem referência às consequências, levando também em conta os direitos morais, enquanto a terceira avalia se uma ação seria realizada por uma pessoa com virtude moral (BONJOUR; BAKER, 2010). A primeira perspectiva examina as consequências das ações como critério principal para determinar sua moralidade. Essa abordagem, muitas vezes referida como consequencialismo, sustenta que a correção ou incorreção moral de uma ação é determinada pelas suas consequências. Um exemplo clássico desse enfoque é o utilitarismo, que considera que a moralidade de uma ação está vinculada à maximização do bem-estar geral ou da utilidade. Por exemplo, ao enfrentar o dilema ético de mitigar a fome, o utilitarismo pode argumentar que a ação moralmente correta seria aquela que produziria o maior benefício ou utilidade para o maior número de pessoas, sem considerar necessariamente os meios utilizados para alcançar esse fim (BONJOUR; BAKER, 2010). Já a segunda perspectiva focaliza a natureza intrínseca das ações, independente das consequências. Este enfoque, frequentemente associado à ética deontológica, sustenta que certas ações são moralmente aceitáveis ou reprováveis por sua natureza intrínseca. Em contraste com o utilitarismo, a ética deontológica concentra-se na ideia de que a correção moral de uma ação é determinada por seu caráter intrínseco ou pelo cumprimento de determinados deveres ou princípios morais. Por exemplo, quando abordando a questão do aborto, essa perspectiva pode argumentar que a moralidade da ação é determinada pela natureza intrínseca do ato de interromper uma gravidez, independentemente das consequências ou benefícios para os indivíduos envolvidos (BONJOUR; BAKER, 2010). A terceira perspectiva avalia se uma ação seria realizada por uma pessoa com virtude moral. Essa abordagem, muitas vezes associada à ética da virtude, enfatiza o caráter do agente moral, considerando se suas ações são consistentes com virtudes morais. Por exemplo, ao considerar o problema da fome, a ética da virtude pode argumentar que a moralidade da ação depende da disposição e caráter do agente moral, como agir de maneira compassiva, justa ou benevolente diante dessa situação (BONJOUR; BAKER, 2010). A perspectiva inicial é o utilitarismo, que vincula a aceitabilidade moral de uma ação à utilidade que ela gera em comparação com outras opções. O utilitarismo de ato, uma forma direta, postula que a ação moralmente correta é aquela que produz a maior utilidade total entre as opções disponíveis, considerando todos os afetados por ela. Essa visão, apresentada por Jeremy Bentham e John Stuart Mill, baseia-se no prazer e na felicidade como indicadores de utilidade (BONJOUR; BAKER, 2010). Contudo, críticos argumentam que essa abordagem enfrenta desafios substanciais em casos onde a estrita conformidade ao utilitarismo levaria a ações consideradas inaceitáveis de uma perspectiva intuitiva, especialmente em casos de violações da justiça. Uma alternativa surgida desses desafios é o utilitarismo de regra, que determina a ação moralmente correta por um conjunto de regras gerais, priorizando a utilidade global acima de resultados específicos. O egoísmo ético também surge como uma abordagem alternativa, argumentando que ninguém tem a obrigação moral de agir contra seus próprios interesses. No entanto, críticas apontam falhas no egoísmo psicológico, refutando sua plausibilidade (BONJOUR; BAKER, 2010). Além do utilitarismo, outra perspectiva relevante é a teoria moral deontológica, que não determina a correção ou incorreção de uma ação com base em suas consequências, mas sim no tipo de ação que representa. A teoria moral de Immanuel Kant é uma influente abordagem nesse contexto, baseando-se no imperativo categórico como princípio fundamental da moralidade. Esta visão contrasta com o utilitarismo em questões morais específicas, como a mitigação da fome (BONJOUR; BAKER, 2010). Outro aspecto presente nas concepções deontológicas é a noção de direitos morais, considerados sobrepondo-se a considerações de utilidade. A violação dos direitos de uma pessoa é moralmente errada, mesmo que possa resultar em melhores resultados globalmente. Essa concepção reflete a ideia de tratar as pessoas como fins em si mesmas, conforme defendido por Kant. A moralidade do aborto é abordada enfatizando os direitos pela autora Judith Jarvis Thomson (BONJOUR; BAKER, 2010). 7.2 Ética, ceticismo e relativismo ético. Nesta seção, direcionada de maneira mais sucinta, focalizamos abordagens que contestam a existência de padrões morais universalmente válidos ou a objetividade ética, um aspecto reconhecido pelas diversas perspectivas discutidas anteriormente. Uma dessas abordagens se concentra no ceticismo ético, que questiona a possibilidade de fundamentar julgamentos morais em princípios universais ou em verdades absolutas. Argumenta-se que, devido à diversidade cultural e às diferentes estruturas de crenças, não é possível estabelecer padrões morais que sejam verdadeiros em todos os contextos. Por exemplo, um cético ético pode argumentar que práticas culturais que são consideradas moralmente aceitáveis em uma sociedade podem ser vistas como moralmente reprováveis em outra, questionando assim a existência de uma moralidade objetiva. (BONJOUR; BAKER, 2010). Outra perspectiva é o relativismo ético, que defende que os padrões morais são relativos a culturas, indivíduos ou contextos específicos. De acordo com essa visão, não existem princípios morais universais, e as noções de certo e errado são determinadaspelas crenças e valores de uma determinada sociedade ou grupo. Por exemplo, o relativismo ético pode considerar a prática de sacrifícios humanos como moralmente aceitável em uma cultura que a valorize, mesmo que outras culturas condenem fortemente essa ação. Além disso, há correntes que exploram a ética como uma construção social ou histórica, defendendo que as normas morais são moldadas por fatores contextuais e históricos. Essas perspectivas enfatizam a influência das estruturas sociais, políticas e econômicas na formação das concepções éticas de uma sociedade. Por exemplo, podem analisar como determinadas práticas morais foram influenciadas por contextos históricos específicos e como mudanças sociais moldaram a percepção do que é moralmente aceitável ao longo do tempo (BONJOUR; BAKER, 2010). Essas abordagens refletem a complexidade e diversidade de visões sobre a moralidade, questionando a existência de princípios éticos universalmente válidos e apontando para a influência de fatores culturais, históricos e sociais na formação dos sistemas éticos. 7.3 Ética, bioética e teoria do conhecimento A ética, a bioética e a epistemologia formam esferas complexas e interrelacionadas, cada qual abordando pilares essenciais cruciais para a compreensão da vida, do conhecimento e da moralidade (DALLARI, 1996). A ética, como campo de estudo dedicado à investigação dos valores e princípios que norteiam a conduta humana, manifesta uma série de discussões remontando às origens da filosofia. Seu escopo abarca questionamentos sobre a natureza do 'correto' e do 'incorreto', do justo e injusto, do bom e do mau, oferecendo sistemas e teorias para avaliar e direcionar tanto ações individuais quanto coletivas (LOPES, 1980). A bioética, por sua vez, figura como um domínio específico da ética concentrado nas questões éticas inerentes à vida, particularmente à vida humana e ao uso do conhecimento sobre a vida nas relações fundamentais entre política, biologia, ciências e vida social (SEGRE, 2005). Ela confronta dilemas morais oriundos das ciências da vida, medicina, tecnologia e suas aplicações, abrangendo assuntos como eutanásia, reprodução assistida, experimentação em seres humanos e direitos do paciente (DANTAS; SOUSA, 2008). Já a teoria do conhecimento, também conhecida como epistemologia, é um ramo filosófico que investiga a natureza, origem, limitações e validade do conhecimento humano (FERREIRA-SANTOS, 1995). Sua missão é explorar a aquisição do conhecimento, definindo o que constitui conhecimento e as condições necessárias para algo ser considerado verdadeiro ou justificado (ROSA, 1998). As interseções entre ética, bioética e teoria do conhecimento são inequivocamente identificáveis. A bioética enfrenta questionamentos éticos emergentes da aplicação do conhecimento científico no contexto da existência humana, enquanto a ética fundamenta muitas das discussões e decisões éticas na bioética, considerando aspectos morais, sociais e culturais (DALLARI, 1996). A epistemologia contribui para analisar essas questões, fornecendo um arcabouço para avaliar como adquirimos e justificamos o conhecimento diante de situações éticas complexas (FERREIRA-SANTOS, 1995). Ela auxilia na reflexão sobre os limites e a validade das informações usadas para a tomada de decisões éticas, ressaltando a importância de compreender as bases do conhecimento que embasam nossas ações morais (ROSA, 1998). 8 TEORIA DO CONHECIMENTO KANTIANA Nascido em Konigsberg, uma cidade do antigo Reino da Prússia, Immanuel Kant é considerado um filósofo simultaneamente moderno e contemporâneo. Sua filosofia marca a transição da primeira modernidade, caracterizada pela filosofia de Descartes e pela física de Galileu, para o mundo contemporâneo pós-Revolução Francesa e a consolidação do modo de produção capitalista após a revolução industrial. O período pós-Revolução Francesa é caracterizado pelo desenvolvimento das ciências humanas, dedicadas a temas e fenômenos anteriormente tratados pela filosofia. Psicologia, sociologia e antropologia retomam questões sobre o comportamento humano, a subjetividade e as relações sociais, buscando uma abordagem que busque o sucesso das ciências naturais. Entretanto, esse esforço confronta a especificidade de cada objeto em tais disciplinas, levando a questionamentos de natureza epistemológica e fundamental. Isso inclui a busca pela diferenciação entre as metodologias das ciências naturais e humanas. Há, porém, um profundo questionamento sobre o papel da subjetividade na construção do conhecimento, iniciado por Descartes ao estabelecer, mediante ao "eu penso" um sistema rigoroso para compreender diversos objetos e fenômenos. Kant, posteriormente, aborda criticamente e de modo transcendental o "eu penso" cartesiano. Através de seu pensamento, Kant preparou o terreno para uma nova base filosófica e explorou problemas relacionados à subjetividade e à teoria do conhecimento, impactando significativamente as ciências humanas e naturais, além dos debates artísticos através de suas formulações estéticas. Seu pensamento se destaca por avançar a virada antropocêntrica iniciada no Renascimento. Kant comparou sua filosofia à revolução copernicana em astronomia. Assim como essa revolução colocou o sol no centro do sistema planetário, desafiando as teorias geocêntricas, Kant questionou a tradição filosófica de sua época, deslocando o foco do objeto para o sujeito conhecedor, explorando como o sujeito humano se relaciona com o conhecimento. Ele se esforçou para compreender o papel do sujeito na formação do conhecimento, destacando as condições que possibilitam o ato de conhecer, ao invés de focar na estrutura do objeto. Sua filosofia, uma das formas mais sólidas do iluminismo, parte da ideia de que a racionalidade deve conhecer seus próprios limites, definindo o que é possível no campo do conhecimento científico. A revolução copernicana em sua filosofia centraliza a razão na investigação filosófica. Kant a encara como uma maneira não ingênua de considerar a racionalidade e compreender sua legalidade cognitiva, distinguindo-se dos pensadores iluministas ao criticar a razão de forma a reconhecer sua importância e, ao mesmo tempo, seus limites. 8.1 As fases do pensamento de Kant A primeira fase do pensamento de Kant é conhecida como “pré-crítica” ou “dogmática” começa com a publicação de seus primeiros trabalhos em 1755 e termina em 1780 (DELEUZE, 1994). Nessa fase, o filósofo se orientava pelo racionalismo de Gottfried Leibniz e Christian Wolff, uma filosofia que ele chamaria posteriormente de dogmática, na medida em que não tinha em seu horizonte uma análise dos limites do conhecimento humano (REALE; ANTISTERI, 2006b). Nesse período, a sua obra não incluía, portanto, um questionamento a respeito das condições de possibilidade de conhecimento, voltando-se, para temas filosóficos, mas também para temas de caráter científico que perpassa a física, a geografia, a história e a matemática, resultados de suas aulas na universidade e de seu trabalho como professor. Ele escreveu, nesse período, dois livros de caráter cosmológico, “Uma história universal da Natureza e ‘Teoria do Céu”, ambos de 1775 (REALE; ANTISTERI, 2006b). A segunda fase do pensamento kantiano, conhecida como “criticismo”, começa a tomar relevo a partir de 1770, desdobrando-se a partir de uma espécie de choque filosófico. A partir do estudo da filosofia de David Hume (1711-1776), Kant afirma ter despertado do seu sono dogmático. Estabelece-se, assim, o campo para o que Deleuze (1994), chama em Kant de tribunal da razão, pois o filósofo passa a refletir sobre a legalidade do conhecer, determinando suas regras e princípios, como também suas condições. Nessa fase, Kant inicia também seu projeto de superação das filosofias racionalistas, no que tange ao mundo como elas tratam o problema do conhecimento. Veremos, agora, o sentido da crítica de Kant a essas correntes filosóficas e sua elaboração de uma teoria transcendental do conhecimento. 8.2 O que podemos saber segundo Kant (entreracionalistas e empiristas). A parte mais conhecida e considerada da obra de Kant são as publicações do período crítico, que começam quando o filósofo já tinha 57 anos e também construído uma sólida carreira universitária em sua pequena cidade natal (REALE; ANTISTERI, 2006). A sua teoria do conhecimento ou, se quisermos, a sua epistemologia se configura na primeira crítica, a saber, a Crítica da Razão Pura de 1781. Nessa obra, o filósofo trata do problema da razão, através de uma crítica de seus limites, querendo, assim, responder à pergunta: o que podemos conhecer? Para entender como o filósofo se situa diante deste questionamento se torna importante nos aproximarmos um pouco da história da filosofia e ver como problema do conhecimento era tratado pelos filósofos anteriores à Kant e como seu trabalho se configura diante da tradição. Duas respostas antagônicas à questão da origem e da possibilidade do conhecimento podem ser reconhecidas desde os antigos gregos: o racionalismo e o empirismo. Todavia, é importante também entendermos que o racionalismo de Platão não era o mesmo de Descartes e que essas duas atitudes teóricas foram formuladas de muitos modos no decorrer da história do pensamento. Em história da filosofia, é importante evitarmos generalizações, ainda que seja fundamental ver os pontos de contato que podem haver entre teorias surgidas em tempos históricos muito distantes, nesse caso, sob o nome racionalismo não encontraremos uma mesma filosofia, mas comportamentos teóricos até certo ponto semelhantes porque fundado em uma perspectiva ontológica similar (MELREAU-PONTY, 1999). Na época de Kant, o racionalismo dominava o continente europeu (França, Alemanha, entre outros países); na ilha britânica, o empirismo era hegemônico (KENNI, 2013). Como exporemos a seguir, para o filósofo na sua fase crítica, as duas concepções eram insuficientes e problemáticas. Opondo-se, às duas posições, o esforço epistemológico de Kant pretendeu dar conta da ciência da época, explicando como foi possível a produção científica, em especial, a Geometria Euclidiana e a Mecânica Newtonian (REALE; ANTISTERI, 2005). Em termos gerais, podemos compreender como o racionalismo a "posição epistemológica que vê no pensamento, na razão, a fonte principal do conhecimento" (HESSEN, 1980). Nessa perspectiva, o racionalismo é uma posição teórica que sustenta que basta o pensamento puro, tanto para a ciência formal, como para a ciência fática (BUNGE, 1986). Descartes (1596 1650) é o fundador do racionalismo moderno; convicto de que a razão era capaz de chegar ao conhecimento da realidade de modo semelhante ao conhecimento matemático, isto é, por dedução a partir de princípios instituídos de maneira independente da experiência, retomou a teoria das ideias inatas. Afirmou que as ideias claras e distintas, descobertas em nossa mente através da dúvida metódica, são verdadeiras, pois Deus não daria ao homem uma razão que o enganasse sistematicamente (KENNY, 2009). O racionalismo cartesiano foi responsável por uma profunda transformação no modo como se concebeu a filosofia na tradição ocidental. Entre os dois milênios que separam as obras de Platão (428–347 a.C.) e de Aristóteles (384–322 a.C.), escritas no século IV a.C., da obra de René Descartes (1596–1650), datadas do século XVII, não havia surgido uma teoria do conhecimento tão inovadora quanto o pensamento cartesiano. Os filósofos gregos foram audaciosos ao propor um novo estilo de pensar, colocando em dúvida as verdades oriundas da tradição mítica grega. Da mesma forma, o racionalismo de Descartes propôs uma forma de interpretar a realidade que acabou superando a filosofia da Idade Média, então dominada pelo pensamento escolástico e pela preocupação de justificar a doutrina cristã através de conceitos e métodos oriundos da filosofia grega (KENNY, 2009). Em relação à tradição filosófica, na qual está inserido, Descartes apresenta uma forma de fazer filosofia que não é simplesmente comentário ou releitura de outros filósofos, mas uma tentativa de fundar um sistema de pensamento coerente e racional inteiramente novo; a partir da prática filosófica entendida como esforço de pensamento, de retorno do sujeito a sua própria experiência, a fim de encontrar no próprio pensamento as metodologias para se aproximar a verdade, Descartes compara a sua filosofia com o trabalho de um arquiteto que demoliu uma casa e constrói, posteriormente, outra inteiramente nova a partir dos seus destroços: o que ele pretendia demolir era justamente tudo aquilo que os escolásticos — isto é, os doutores da Igreja de sua época — tomavam como verdade; e a casa nova seria o seu pensamento racionalista, científico e matemático (DESCARTES, 1973). O profundo corte que o pensamento cartesiano opera na história da metafísica e da teoria do conhecimento se dá em um contexto de desenvolvimento científico, cujo os impactos foram responsáveis pela formação da mentalidade moderna e, posteriormente, pelo que entendemos atualmente como modernidade tardia ou ‘mundo contemporâneo’. Há um consenso quase geral entre os historiadores da filosofia, que Descartes foi o primeiro filósofo moderno, pela maneira como deslocou a metafísica de suas questões teológicas — isto é, investigações relativas à existência e à vontade de Deus — para uma investigação do universo a partir da mecânica e da matemática (KENNY, 2009). Descartes, assim, tornou possível o racionalismo moderno, justamente por desconfiar de todas as verdades que seus contemporâneos afirmavam a partir de suas crenças culturais, religiosas e tradição filosófica. O Discurso do Método (2009), nesse sentido, é um pequeno livro no qual vemos emergir um homem que busca, antes de tudo, independência de pensamento, mas que a partir de sua condição espiritual individual coloca em cena uma nova forma de pensar que encarna todo um momento da história do pensamento. Em seu desejo de distinguir o verdadeiro do falso, Descartes passou, assim, a duvidar radicalmente das opiniões dos outros — o que, em sua época, a filosofia chamava de “senso comum” e que Platão havia definido muito antes como "doxa". Assim, ele narra como utilizou seu método para questionar várias dimensões do pensamento ocidental. Ao colocar em suspenso todas as suas crenças e opiniões, ele buscava encontrar o elemento mínimo e dedutível capaz de sustentar todo o edifício do saber científico (KENNY, 2009). Para Descartes, em sua radicalidade, sua própria existência deveria ser colocada em questão, pois como ele poderia saber que não estava simplesmente sonhando ou enganado por uma força desconhecida, um gênio maligno, por exemplo? Desse procedimento de colocar sua experiência em dúvida, o que sobrou? Apenas o filósofo, frente a sua própria racionalidade, o seu pensamento em movimento, distinto de seu corpo e do mundo material, certamente em um quarto solitário, mas apenas um eu e seu absoluto nada cheio de pensamento. É aí que Descartes chega a uma das máximas mais poderosas da história da filosofia: se esse “eu” que duvida continua existindo enquanto dúvida, então a realidade mais distinta que se pode reconhecer é a existência do próprio pensamento: [...] notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la sem escrúpulo, como o primeiro princípio da Filosofia que procurava (DESCARTES, 1973, p. 54). A partir da definição do “eu” pensante como a coisa mais clara e mais distinta, o princípio sobre o qual se pode edificar um novo pensamento, Descartes se pergunta qual seria a segunda coisa mais evidente. Seria a existência do seu próprio corpo? Não exatamente. Para Descartes, embora a razão pudesse extrair de si mesma a evidência de sua existência, nada ainda comprova que esse “eu” pensante fosse idêntico ao corpo que ele podia sentir. Pois o corpo, para Descartes, é a origem das sensações, da experiência, da empiria, o que é certamente, para o seu pensamento, o lugar em que seoriginam as crenças e hábitos falaciosos que podem impedir o filósofo de ver e ser tomado pela clareza da verdade. A partir disso, Descartes define que os seres humanos possuem uma alma que é distinta do corpo, considerando que o corpo é da ordem daquilo que pode morrer e alma uma dimensão eterna na qual a própria essência do humano estava presente. Está formando, então, o cenário cartesiano dos debates entre racionalistas e empiristas, que permitirá a Kant pensar o ato de conhecer como uma dimensão transcendental, palavra que assumirá no filósofo alemão, um sentido especial e específico como veremos a seguir. 8.3 Kant e a crítica No seu período pré-crítico, como já afirmamos, Kant aderiu ao racionalismo; mas foi lendo um dos mais radicais empiristas, David Hume, que o filósofo se inicia em uma reflexão que vai lhe afastar do racionalismo anteriormente adotado, mas sem assumir uma posição empirista ou cética, mas se colocando a necessidade de uma crítica da razão. Conforme suas palavras: Confesso-o francamente, foi a advertência de David Hume que primeiramente interrompeu, há já muitos anos, o meu sono dogmático e que deu uma orientação completamente diferente às minhas investigações no campo da filosofia especulativa (KANT,1981, p. 25). Não duvidava Kant da possibilidade de se chegar ao conhecimento; a ciência dos séculos XVII e XVIII constituía-se, para ele, como o atestado desta possibilidade (KENNY, 2009). No entanto, ele considerava necessário responder às insuficiências da filosofia em relação ao modo como o problema do conhecimento era tratado (REALE; ANTISTERI, 2006). Assim, ele se afastou do puro racionalismo ou do puro empirismo, através da crítica radical as duas posições, que vai se constituir como base para sua crítica da razão (KENNY, 2009). A reflexão do filósofo concentrou-se, assim, na análise das condições que possibilitaram o conhecimento, descrevendo uma determinação transcendental da experiência, que não será entendida nem como da ordem da pura razão, tampouco da ordem unicamente sensorial. No início da Crítica da razão pura (2001), Kant indica o caminho a ser percorrido pelo seu pensamento: Não resta dúvida de que todo o nosso conhecimento começa pela experiência; efetivamente, que outra coisa poderia despertar e pôr em ação a nossa capacidade de conhecer senão os objetos que afetam os sentidos e que, por um lado, originam por si mesmos as representações e, por outro lado, põem em movimento a nossa faculdade intelectual e levam-na a compará-las, ligá-las ou separá-las, transformando assim a matéria bruta das impressões sensíveis num conhecimento que se denomina experiência? Assim, na ordem do tempo, nenhum conhecimento precede em nós a experiência e é com esta que todo o conhecimento tem o seu início. Se, porém, todo o conhecimento se inicia com a experiência, isso não prova que todo ele derive da experiência. Pois bem poderia o nosso próprio conhecimento por experiência ser um composto do que recebemos através das impressões sensíveis e daquilo que a nossa própria capacidade de conhecer (apenas posta em ação por impressões sensíveis) produz por si mesma, acréscimo esse que não distinguimos dessa matéria-prima, enquanto a nossa atenção não despertar por um longo exercício que nos torne aptos a separá-los. Há, pois, pelo menos, uma questão que carece de um estudo mais atento e que não se resolve à primeira vista; vem a ser esta: se haverá um conhecimento assim, independente da experiência e de todas as impressões dos sentidos. Denomina-se a priori esse conhecimento e distingue-se do empírico, cuja origem é a posteriori, ou seja, na experiência (KANT, 2001). O projeto kantiano se inicia pela consideração de que é correta a posição de que o conhecimento se inicia com a experiência, mas aponta para necessidade de diferenciar o ‘começar com a experiência’ da ideia de prover ou ser determinado por ela. Nesse caso, quando se diz que o conhecimento se inicia com a experiência não se quer dizer ele tenha sua origem em nossa abertura sensível ao mundo, como se fosse, portanto, causado pelo mundo exterior. Começar com a experiência quer dizer que não é possível uma forma de conhecimento ser colocada em cena senão segundo nossa presença ao mundo através do nosso aparelho sensorial. No entanto, essa abertura, para Kant estaria fundada em estruturas que não se originam na experiência, porque são constitutivas da subjetividade em sentido transcendental. A relação com o exterior através do que ele chama de formas a priori da sensibilidade, mais precisamente o tempo e o espaço, que colocam em funcionamento o aparato cognitivo humano, que constitui a sensibilidade, mas não são determinados pelos objetos que são apreendidos pelos sentidos (KENNY, 2009). Kant considera, assim, que apesar de todo conhecimento ser conhecimento em uma experiência, existem, portanto, certas condições a priori para que as impressões sensíveis se convertam em representações que poderão entrar em jogo nos processos de conceitualização, característicos das ciências, mas que estão determinados por uma segunda esfera das estruturas da subjetividade: o entendimento. Trata-se, nesse sentido, de uma concepção racionalista. No entanto, não se trata de uma posição levada ao extremo, pois "todo o conhecimento das coisas proveniente só do puro entendimento ou da razão pura não passa de ilusão; só na experiência há verdade" (KANT, 2001, p. 45). A reflexão de Kant, se esforça, nesse sentido, para que a dicotomia empirismo/racionalismo receba uma solução intermediária já que "pensamentos sem conteúdo são vazios; intuições sem conceitos são cegas"(KANT, 2001; p. 75). O enfoque que procura determinar e analisar as condições a priori de qualquer experiência, ele denominou de transcendental. Nesse sentido, o filósofo considera fundamental diferenciar o empírico do transcendental, o a priori do a posteriori: Por esta razão designaremos, doravante, por juízos a priori, não aqueles que não dependem desta ou daquela experiência, mas aqueles em que se verifica absoluta independência de toda e qualquer experiência. Dos conhecimentos a priori, são puros aqueles em que nada de empírico se mistura. Assim, por exemplo, a proposição, segundo a qual toda a mudança tem uma causa, é uma proposição a priori, mas não é pura, porque a mudança é um conceito que só pode extrair-se da experiência (KANT, 2001, p. 81). A superação entre racionalistas e empiristas se dá a partir do conhecimento recebido, ou seja, por meio da experiência, denominada a posteriori, somada com o que já é inerente à subjetividade humana, isto é, a priori ou anterior a qualquer experiência. Mas qual é a pergunta fundamental que Kant se coloca quando se volta à investigação dos limites do racionalismo e do empirismo e se encaminha para uma leitura transcendental da experiência? Podemos entender esse questionamento se adentramos na teoria do juízo que está no centro da primeira crítica. Kant estuda, em sua obra, as formas de juízo. Os juízos são maneiras pela qual consideramos os objetos (as representações) que temos do mundo e que se tornam objeto de conhecimento. Existem dois tipos básicos de juízo: 1. Os juízos sintéticos que têm caráter a posterior, ou seja, derivam daexperiência, por isso são chamados de a posteriori. Nas palavras de Japiassú e Marcondes (2001), deve-se compreender como a posteriori: priori o “que é estabelecido e afirmado em virtude da experiência (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001, p. 26). Tais juízos, portanto, apenas acontecem através da abertura da nossa experiência ao mundo exterior e se caracterizam por acrescentar ‘conhecimento’ ao objeto que visa, ainda que este não possa ser considerado como essencial em relação ao objeto. Por exemplo, João é professor de História. Ser professor de história não é uma característicaessencial de João, não o defini essencialmente, ainda que seja uma característica queo faz estar no mundo em um determinado sentido e não outro. 2. Nos Juízos analíticos, que são sempre, a priori, acontece o contrário. O que temos é uma afirmaçãoque está contida no sujeito. Em outras palavras são juízos analíticos aqueles em que um predicado (B) pode estar contido no sujeito em (A) e, por isso, pode ser extraído por pura análise. Isto significa que o predicado nada mais faz do que explicar ou explicitar o sujeito (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001). Por exemplo: o triângulo é uma forma geometria que tem três lados. Em Kant, encontramos ainda um terceiro tipo de juízo, chamado de sintético a priori: é obtido com base na união da dedução e da experiência, apresentando relevância científica, já que são aqueles que colocam em cena um conhecimento universal que não pode ser intuído da própria estrutura do objeto, mas acrescenta ao campo de uma ciência um conhecimento, indicando na experiência do sujeito um novo conteúdo conceitual. São juízos sintéticos, de caráter ideal, a priori, mas que acrescentam conhecimento ao objeto representado. Proposições matemáticas como: 456 𝑥² + 912 = 1824. No que tange a forma dos juízos o que Kant pretende é diferenciar juízos empíricos (sintéticos) de juízos analíticos, apontando para a existência de um campo indutivo de experiência e outro dedutivo, marcando a diferença entre o caráter transcendental da experiência e outras posturas teóricas em que a estrutura transcendental de abertura do sujeito ao mundo não é visada (KENNY, 2009). Podemos, que com essa abordagem, Kant une e ultrapassa as posições racionalistas e empiristas, mas ao mesmo tempo as transforma, já que o conhecimento, para Kant, apenas pode ser entendido a partir daquele que conhece, não estando do lado do objeto, isto é, de relações que possam se dar pela consideração de um mundo completamente ‘exterior’ ou independente a experiência do sujeito. A ideia é que o que procede de fora constitui a matéria do conhecimento, mas isso que surge de fora, já aparece organizado conforme estruturas básicas da experiência, que o filósofo alemão chamará de transcendentais. Assim, com base no pensamento racionalista, Kant afirma que a forma do conhecimento é inerente ao homem, não admitindo a razão como “uma folha em branco” (KENNY, 2009). Tanto a matéria quanto a forma atuam ao mesmo tempo, de maneira que de nada vale o conhecimento sensível, a matéria a posteriori, se ela não for considerada a partir do que há no sujeito, isto é, a priori, entendido como condição para a organização das formas inteligíveis. Ele elenca nesse sentido duas formas da sensibilidade a priori, as quais já nos referimos: o espaço e o tempo (REALE; ANTISTERI, 2006). No que tange a experiência do espaço, é preciso notar que os objetos até podem ser retirados de um respectivo espaço, mas nunca podem ser pensados como destituídos de espacialidade. O espaço, portanto, não é possível ser retirado da experiência, é uma forma de organização a qual essencialmente depende nossas considerações acerca do objeto, está na base de nossas representações (MARCONDES, 2000). O tempo, por outro lado, é a percepção interna do sujeito, relacionado ao passado e ao futuro, ao sistema de duração a partir do qual surgem organizadas a forma como o movimento e transformação das representações são dadas (MARCONDES, 2000). As duas estruturas estão na ordem do que Kant chama de estética de transcendental, tratada por ele, na primeira parte da crítica da razão pura, constituindo sua investigação sobre a priori da sensibilidade (KANT, 2001). Na perspectiva das investigações de Kant, somente pelo espaço e pelo tempo é que se pode afirmar a possibilidade do conhecimento do mundo sensível (KANT, 2001). Outra estrutura ou faculdade transcendental considerada por Kant é o entendimento. Se no âmbito da estética transcendental estamos lidando com dados sensíveis, a passagem para o entendimento é para a investigação do momento conceitual da nossa abertura teórica ao mundo (MARCONDES, 2000). No entendimento, encontramos os princípios e as categorias pelas quais um fenômeno sensível pode ser pensado, pode adquirir, portanto, a forma de algo a ser pensado através de conceitos. O entendimento é abordado por Kant no âmbito do que ele chama de analítica transcendental, mais precisamente, do estudo das condições de possibilidade de nossas considerações teóricas acerca do fenômeno. O entendimento se estrutura através de 12 categorias que estão na base das nossas considerações conceituais e, portanto, determinam o que chamamos de ciência e conhecimento teórico. As categorias e sua relação com as formas de juízos estão descritas na tabela abaixo, adaptado de Reale e Antisteri (2006, p. 364): QUANTIDADE JUÌZOS CATEGORIAS Universais Unidade Particulares Pluralidade Singulares Totalidade QUALIDADE JUÌZOS CATEGORIAS Afirmativos Realidade Negativos Negação Infinitos Limitação RELAÇÃO FORMAS DE JUÌZOS CATEGORIAS Categóricos Substância e Acidente. Disjuntivos Da reciprocidade Infinitos Limitação MODALIDADE FORMAS DE JUÌZOS CATEGORIAS Problemáticos Possibilidade e impossibilidade Assertivos Existência e inexistência Apodíticos Necessidade e contingência Através das categorias Kant procura identificar aqueles conceitos que estarão na origem de todos os tipos de juízo possíveis, que envolvem uma forma de tratar teoricamente os objetos. Entende-se, assim, que a reflexão acerca da limitação e das possibilidades cognitivas dos seres humanos foi uma das maiores preocupações de Kant. Na perspectiva do filósofo, nossa experiência não tem acesso ao ser do mundo enquanto coisa em si, mas somente enquanto representação, ou seja, de modo fenomênico (MARCONDES, 2000). Ou seja, já que a subjetividade tem uma forma singular e transcendental de se relacionar com seus objetos, ela atinge o ‘mundo’ de modo fenomenal. Por isso, entende-se que para o filósofo a razão humana está imersa em duas ordens de acontecimentos: o mundo da representação e dos fenômenos, onde ele pode fazer juízos e, de outro, o mundo da coisa em si, ou, noumenon inacessível a subjetividade em seu sentido teórico. O mundo em si é para razão da ordem da especulação, daqueles objetos, eventos, acontecimentos que só entram em cena enquanto resistentes ao discurso científico. Nessa perspectiva, por exemplo, Deus, a alma, e o mundo como totalidade serão para Kant impossíveis de serem conhecidos cientificamente, tornando-se o limite a qual a subjetividade enquanto racionalidade deve considerar quando estiver no jogo da atividade científica (REALE; ANTISTERI, 2006). Com a crítica da razão pura, Kant considerava, portanto, ter estabelecido os limites e as condições do uso teórico da razão: o núcleo de tais condições repousam, de um lado, na sensibilidade, no espaço e no tempo, tratadas como formas puras da intuição e, de outra parte, do entendimento, no qual os conceitos puros, isto é, as categorias determinam o caráter conceitual da experiência, o que estaria na origem das formas de juízo possível (DELEUZE, 1994). 8.4 Kant e o tema do esclarecimento As ideias iluministas são expressão de práticas políticas e intelectuais oriundas da Europa, ligadas ao desenvolvimento do capitalismo europeu, mas tiveram grande impacto em movimentos que encarnaram brilhantemente essas ideias, ampliando-os para o âmbito de uma experiência moderna global de desenvolvimento e conquista política, como, por exemplo, A revolução de Independência dos Estados Unidos, Também serviu de motivação para movimentos que questionaram a relações coloniais existentes nas Américas (do Norte e do Sul). No caso do Brasil, existe um ideário iluminista em movimentos como a Inconfidência Mineira e Conjuração dos Alfaiates. Um dos temas constantemente discutidos pelos filósofos iluministas era aquele do esclarecimento, em alemão (VENTURI, 2003). Foi nesse contexto (não exatamente em sentido cronológico, apenas), que Kant escreveu um pequeno texto chamado Resposta à pergunta: Que é "Esclarecimento"? [Aufklärung]) que podemos tomar como base para compreender como as ideias iluministas foram elaboradas, ampliadas e transformadas pelo filósofo alemão, motivando assim, a passagemde uma visão iluminista em sentido da primeira modernidade (clássica), para uma experiência contemporânea da racionalidade, segundo a consideração crítica da razão, da qual apresentamos alguns tópicos anteriormente. Importante lembrar, que a filosofia de Kant, como já comentamos, se insere em um debate entre racionalistas e empiristas, sendo fundamental seu esforço de resolver a contradição entre eles. Se Kant sintetiza as posições empiristas e racionalistas é porque as ultrapassa e permite uma compreensão da razão pautada pelo esforço de pensar as condições de toda experiência possível, pondo em cena enquanto um filósofo que anuncia a dinâmica das questões filosóficas contemporâneas porque fala de uma crítica da razão como base para uma compreensão sustentável da subjetividade e a racionalidade que lhe é inerente. Por isso, a importância epistemológica de sua filosofia. No entanto, como veremos agora, essa imagem da razão extrapola esse sentido epistemológico, podendo alcançar dimensão existencial, política e pedagógica que revelam ainda mais como Kant é o último iluminista e o primeiro contemporâneo. Neste texto, Kant busca definir os conceitos de menoridade e maioridade intelectual, a partir dos quais ele mostra que a passagem para uma maioridade intelectual é um acontecimento que depende do uso ‘correto’ da racionalidade e sua aplicação em termos de independência em relação às tradições de pensamento construídas e sedimentadas. O texto se inicia com a definição do que é esclarecimento: Esclarecimento [Aufklärung] é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento (KANT, 1985). De acordo com o filósofo, portanto, a menoridade intelectual – entendamos que ela é também afetiva, política, pedagógica e social - é a incapacidade do ser humano de fazer uso do entendimento sem a condução de um outro. Ou seja, o estado de menoridade é aquele em que o pensamento de um depende da condução pelo outro, segundo uma relação de dependência emocional e de autoridade infundada. Na perspectiva do pensador alemão, o responsável pela sua menoridade é o ser humano quando seu motivo reside não na falta de coragem e decisão para usar o entendimento sem a mediação da autoridade. É preciso entender, assim, que a preguiça, a covardia e a falta de iniciativa são os dispositivos cognitivos e comportamentais pelos quais os seres humanos permanecem na menoridade intelectual, mesmo depois de uma boa educação (ou principalmente depois) e também da liberação pela natureza da coerção externa. Isto é, o processo de saída da menoridade é responsabilidade do ser humano quando ele não assume as condições de seu próprio desenvolvimento intelectual, quando não confere autêntico valor a sua capacidade de sujeito de conhecimento que lhe é inerente. Em seu texto Kant reconhece a dificuldade inerente à conquista da maioridade intelectual pelo ser humano. Segundo o filósofo: É difícil, portanto, para um homem em particular desvencilhar-se da menoridade que para ele se tornou quase uma natureza. Chegou mesmo a criar amor a ela, sendo por ora realmente incapaz de utilizar seu próprio entendimento, porque nunca o deixaram fazer a tentativa de assim proceder. Preceitos e fórmulas, estes instrumentos mecânicos do uso racional, ou antes do abuso, de seus dons naturais, são os grilhões de uma perpétua menoridade. Quem deles se livrasse só seria capaz de dar um salto inseguro mesmo sobre o mais estreito fosso, porque não está habituado a este movimento livre. Por isso são muitos poucos aqueles que conseguiram, pela transformação do próprio espírito, emergir da menoridade e empreender então uma marcha segura (KANT, 1985, p. 26). Este é também o motivo pelo qual os seres humanos permanecem infantis em relação a sua própria racionalidade, permanecendo escravos da presença imaginária ou física da autoridade em sentido político e intelectual. A racionalidade iluminista envolve, portanto, a reforma da própria razão pela aprendizagem do uso do entendimento, sendo um dispositivo (ou faculdade da experiência) que só realiza seu autêntico sentido por experiências de autonomia. A questão que se coloca é não compreender essa relação de modo ingênuo, mas todo embate e perigo que ela envolve. Kant frisa em sua análise essa dificuldade, mostrando que foram poucos que conseguiram sair da menoridade e realmente adquirir segurança através do uso autônomo da racionalidade. Ele parece se referir, neste ponto, sobre uma espécie de necessidade da humanidade de manter-se sob a tutela de valores e princípios não questionados, como uma forma de segurança quase psicológica que não é apenas individual, mas também social. É como se a ordem estabelecida dependesse da cristalização de dispositivos psicológicos e comportamentais que devem ser fortes e reprodutíveis para que um ordenamento jurídico e ideológico possa continuar se desenvolvendo e, assim, justificar relações de existência que permitem a 'forma' de um sistema político e econômico e suas contradições. Aliás, as grandes mudanças sociais, como a Revolução Francesa, por exemplo, sempre envolvem o surgimento de novos dispositivos psicológicos e comportamentais que balizam a crise da ordem estabelecida, mostrando sua existência, apontando, às vezes, para a necessidade de sua transformação e substituição. A compreensão do conceito esclarecimento [Aufklärung] em Kant extrapola os limites do texto que referenciamos acima. No entanto, o pequeno texto envolve dois aspectos fundamentais para este estudo. Primeiro, ele nos oferece uma imagem da racionalidade e seu uso em Kant: quando em estado de menoridade a racionalidade é conduzida por valores e princípios que não foram pensados e questionados pelo entendimento. A passagem para maioridade envolve a experiência autônoma da investigação do mundo através do entendimento, ou seja, o questionamento do princípio de autoridade. Esses dois aspectos estão no ideário iluminista, mas em Kant, eles adquirem um sentido contemporâneo, pois, o sentido da experiência da racionalidade apenas tem sentido também pela consideração dos limites da mesma: sair da menoridade depende também de um conhecimento dos limites da própria razão, isto é, do tratamento não ingênuo de suas possibilidades. A razão, assim, não é somente um dom da natureza, mas uma condição de existência que o ser humano deve conquistar pelo exercício do entendimento. A ilustração (o uso autêntico do entendimento), a questão forte do iluminismo, passa, portanto, pela criação de condições objetivas para que os potenciais da racionalidade possam se realizar, ainda que esse aspecto não seja um dado forte trabalhado por Kant em seu pequeno texto. Podemos pensar, nesse sentido, na educação. Somente uma educação preocupada com o uso do entendimento pelos jovens e as crianças poderia contribuir para que a menoridade intelectual não fosse o comportamento mais comum à espécie humana. Nesse caso, o pequeno texto de Kant, abre espaço para pensarmos na própria menoridade que é produzida cotidianamente no mundo contemporâneo através da substituição do entendimento pelos usos ingênuos e indistintos da cognição. 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, M. A. História do direito. Porto Alegre, Grupo A. 2017.DIONIZIO; M. J. 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