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AULA 3 EPIDEMIOLOGIA Profª Ivana Maria Saes Busato 2 INTRODUÇÃO O fundamento de toda pesquisa é o método científico, que se baseia na elaboração de hipóteses, buscando evidências empíricas que possam contribuir para negá-la ou confirmá-la. A ocorrência e distribuição dos eventos relacionados à saúde não se dão por acaso. Existem fatores determinantes das doenças e agravos da saúde que, uma vez identificados, precisam ser eliminados, reduzidos ou neutralizados. Já a identificação de eventos protetivos para saúde se torna cada vez mais importantes com o aumento da longevidade. O método científico organiza os procedimentos racionais utilizados para investigar e explicar os fatos e fenômenos da natureza, por meio da observação empírica e da formulação de leis científicas. Alguns conceitos são fundamentais para o planejamento em pesquisas epidemiológicas: população, amostragem, mensuração, variáveis, estimação, objetivos, hipótese e testes de hipótese. Os conceitos e desenhos em pesquisa epidemiológica serão estudados nesta etapa, assim como as medidas de frequência para morbidade e mortalidade. Estudaremos também as medidas de associação entre expostos e não expostos, especialmente o conceito de risco e fator de risco para compreender os indicadores epidemiológicos. TEMA 1 – CONCEITOS EM PESQUISA EPIDEMIOLÓGICA O conceito de população em epidemiologia é o ponto central para investigação epidemiológica. Em pesquisa, população corresponde ao número total de pessoas em determinado espaço geográfico no período considerado na investigação e expressa a magnitude do contingente demográfico e sua distribuição relativa. A amostra representa um subconjunto de elementos pertencentes a uma população, que deve ter validade e representatividade da população estudada para haver alguma inferência válida, dados que são obtidos pelo processo de amostragem. Portanto, população e amostra são essenciais em qualquer estudo epidemiológico que tenha validade científica e sua definição exige método estatístico. Cada pesquisa epidemiológica tem que estabelecer objetivos do estudo, que são separados em geral e específicos. Os objetivos devem estar coerentes 3 com a justificativa e o problema proposto. O objetivo geral deve mostrar a síntese do que se pretende alcançar, e os objetivos específicos explicitam os detalhes, um desdobramento do objetivo geral. Os objetivos informam por que a pesquisa será realizada, isto é, quais os resultados que pretende alcançar ou qual a contribuição que a pesquisa poderá proporcionar. Os enunciados dos objetivos devem começar com um verbo no infinitivo e este verbo deve indicar uma ação passível de mensuração (Busato, 2016, p. 101-102). Todo estudo tem as variáveis que serão coletadas e estudadas. O conceito de variável é relacionado com uma característica de interesse que se pode medir. As variáveis independentes são aquelas manipuladas, enquanto variáveis dependentes são apenas medidas ou registradas. Existem dois grandes grupos de variáveis: categóricas ou qualitativas e numéricas ou quantitativas. Destaca-se que essas variáveis devem ser elencadas visando cumprir os objetivos do estudo. A hipótese deve estar fundamentada em uma boa questão de pesquisa. A priori, deve ser simples e específica, é uma suposição que se faz a respeito de alguma coisa. Ao emitir uma hipótese, o cientista tenta explicar os fatos já conhecidos. É importante deduzir da hipótese formulada uma série de conclusões lógicas e planejar experiências para verificá-las. Para testar a significância estatística, a hipótese de pesquisa deve ser formulada de modo que categorize a diferença esperada entre grupos do estudo. As pesquisas são classificadas por meio de vários critérios. O primeiro se refere aos objetivos gerais da pesquisa, que se divide em: exploratória, descritiva e explicativa. A pesquisa exploratória visa a descoberta, o achado, a elucidação de fenômenos ou a explicação daqueles que não eram aceitos apesar de evidentes. A pesquisa exploratória oportuniza a obtenção de patentes nacionais e internacionais, a geração de riquezas e a redução da dependência tecnológica (Busato, 2016, p. 103). Segundo explica Busato (2016, p. 103), na pesquisa descritiva a “finalidade é observar, registrar e analisar os fenômenos ou sistemas técnicos, sem, contudo, entrar no mérito dos conteúdos”. O pesquisador não interfere; ele explora a frequência com que o fenômeno acontece ou como se estrutura e funciona um sistema, método, processo ou realidade operacional. A pesquisa explicativa registra fatos, analisa-os, interpreta-os e identifica suas causas. Essa prática visa ampliar generalizações, definir leis mais amplas, estruturar e definir modelos teóricos, relacionar hipóteses em uma visão mais 4 unitária do universo ou âmbito produtivo em geral e gerar hipóteses ou ideias por força de dedução lógica (Busato, 2016, p. 103). A classificação das pesquisas epidemiológicas ocorre pela natureza da informação e natureza das pesquisas. As pesquisas diferenciam-se em qualitativa e quantitativa. A pesquisa qualitativa responde a questões específicas em especial nas ciências sociais, preocupa-se com a realidade que não pode ser quantificado, trabalha com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes. (Minayo, 2004) As bases do processo de pesquisa qualitativa estão na interpretação dos fenômenos e na atribuição de significados. Não se usam métodos e técnicas estatísticas, utiliza-se a descrição dos achados. A pesquisa quantitativa considera que tudo pode ser quantificável, o que significa traduzir em números opiniões e informações para classificá-las e analisá-las. Requer o uso de recursos e de técnicas estatísticas (percentagem, média, moda, mediana, desvio-padrão, coeficiente de correlação, análise de regressão etc.). (Dalfovo; Lana; Silveira, 2008, p. 4) Podemos classificar as pesquisas quanto à sua natureza, podendo ser: básica e aplicada. Na pesquisa básica, o objetivo é gerar conhecimentos novos e úteis para o avanço da ciência sem aplicação prática prevista. Já na pesquisa aplicada, o objetivo é gerar conhecimentos para aplicação prática dirigidos à solução de problemas específicos (Dalfovo; Lana; Silveira, 2008, p. 4). 1.1 Validade em estudos epidemiológicos Todo pesquisador, ao realizar um estudo epidemiológico, pode estar sujeito a erros que interferem ou alteram seu resultado. Os erros podem ser sistemáticos ou aleatórios e deturpar o resultado do estudo. Para dar maior confiabilidade ao trabalho, o pesquisador deve estar atento para que não ocorram esses erros, que são chamados de vieses. Segundo Medronho (2009, p. 282), “o viés refere-se ao tamanho da discrepância entre o valor verdadeiro de uma medida na população alvo, e o valor de sua estimativa na população real”. Os vieses podem ser viés de seleção, de informação e confundimento. O viés de seleção ocorre quando o problema do estudo é causado por fatores envolvidos na seleção dos participantes ou por fatores que podem influenciar na participação dos selecionados. O viés de informação é referente às distorções nos resultados decorrentes de erros na mensuração, ou captação dos 5 dados, ocorrem por erros de classificação. E o confundimento refere-se à situação em que existe uma falta de condição de comparação entre as populações exposta e não exposta, em relação ao risco de adoecer, decorre da existência de uma ou mais variáveis, denominadas variáveis de confundimento, confundidoras ou de confusão (Medronho, 2009, p. 282). Estudos que exijam a participação dos sujeitos de pesquisa por um longo período temporal podem sofrer com problemas de perdas de seguimento e não cooperação, resultando no abandono dos sujeitos depesquisa. TEMA 2 – DESENHOS DE ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO Kuhlmann Jr. (2015, p. 848) aponta em seu estudo que sobressai o alto índice de artigos submetidos aos periódicos em que ocorre a rejeição, ou mesmo de artigos publicados em que se identificam problemas quanto a questões teóricas e metodológicas, bem como com implicações que ferem os procedimentos éticos. Situação também não pouco comum em projetos submetidos a agências de fomento. Como buscar a qualidade e a confiabilidade nas pesquisas? A pesquisa epidemiológica é realizada por meio de desenhos de estudo. A escolha do melhor desenho cabe ao pesquisador, verificando sua hipótese e buscando alcançar seus objetivos. Os desenhos de estudo podem ser diferenciados por meio de várias características. Quanto ao método, é dividido em descritivo e analítico. Os descritivos são estudos que apresentam a caracterização de aspectos semiológicos, etiológicos, fisiopatológicos e epidemiológicos de uma doença. São utilizados para conhecer uma nova ou rara doença, ou agravo à saúde, estudando a sua distribuição no tempo, no espaço e conforme peculiaridades individuais (Hochman et al., 2017, p. 4). “Os analíticos são estudos utilizados para verificar uma hipótese. O investigador introduz um fator de exposição ou um novo recurso terapêutico, e avalia-o utilizando ferramentas bioestatísticas” (Hochman et al., 2017, p. 4). Quanto à unidade de observação, podem ser diferenciados em individuado e agregado. Os estudos com observação individuada estudam o indivíduo ou parte do indivíduo. Os estudos com observação de agregado estudam populações ou grupo de pessoas como uma única unidade. Quanto à manipulação da exposição, são divididos em observacionais e de intervenção. Os estudos observacionais são caracterizados pela posição do pesquisador de não influenciar os eventos. Há somente a coleta de informações 6 sobre os atributos ou medidas de interesse. Estudos de intervenção são aqueles nos quais o pesquisador deliberadamente influencia os eventos e investiga os efeitos da intervenção. Quanto à estratégia de observação, são apresentados em longitudinais e transversais. Os longitudinais são aqueles que investigam mudanças no tempo, ou seja, indivíduos são observados em mais de uma ocasião ao longo de um período temporal. Os transversais são aqueles em que indivíduos são observados apenas uma vez. Quanto ao momento de análise da exposição e do desfecho, são divididos em prospectivos e retrospectivos. Os estudos prospectivos são aqueles em que os dados são coletados no tempo a partir do início do estudo, e os retrospectivos são aqueles em que os dados se referem a eventos passados e podem ser adquiridos de fontes já existentes (fontes secundárias). 2.1 Tipologia dos desenhos de investigação em epidemiologia Ensaios clínicos são estudos de intervenção por meio dos quais o investigador introduz algum elemento crucial para a transformação do estado de saúde dos indivíduos do estudo, visando testar hipóteses etiológicas ou avaliar a eficácia ou a efetividade de procedimentos diagnósticos, preventivos ou terapêuticos. O experimento clínico é um experimento com pacientes e seu objetivo é avaliar novos tratamentos para uma doença ou condição. Pesquisa experimental são os estudos que envolvem modelos experimentais como animais experimentais, cadáveres e cultura de células e tecidos. Esses desenhos de estudo são diferenciados pelo grau de controle experimental (Hochman et al., 2017, p. 4). Nos ensaios clínicos, quando há controle sobre a variável independente, podem ser diferenciados em controlados e não controlados, dada a presença ou ausência de um grupo de controle. Quanto ao controle da composição dos grupos, podem assumir as seguintes modalidades, segundo Hochman et al. (2017, p. 5-6): • Randomizados – são realizados com a inclusão aleatória dos sujeitos da pesquisa tanto no grupo de estudo quanto no grupo controle, com identidade comum na distribuição de características iniciais relevantes. 7 • Não randomizados – consistem na seleção de grupo com determinadas características para comporem o grupo de estudo e o grupo controle de forma não aleatória. • Bloquedo – estudo com grupos formados exclusivamente de uma dada categoria da variável de confundimento a se controlar, bloqueando-se o efeito às outras classes da variável. • Pareado – é constituído por pareamento, garantindo uma composição rigorosamente equivalente em termos de algumas variáveis selecionadas. • Rotativo – estudo com estrutura baseada na alternância de grupos; num dado momento da pesquisa o grupo experimental passa a ser controle. Quanto ao controle, vieses de mensuração podem ser: • Duplo-cego – a seleção e a mensuração referente à variável dependente (variáveis dependentes são apenas medidas ou registradas) são feitas às cegas (nem avaliador nem participantes têm conhecimento da alocação dos grupos). • Simples – cego, somente o participante não sabe a qual grupo pertence. • Aberto – todos têm conhecimento da alocação dos grupos e da variável dependente. Estudos de caso consistem em um cuidadoso e detalhado relato por um ou mais profissionais do perfil de um único caso. Já estudos de série de casos consistem em cuidadoso e detalhado relato da experiência de um grupo de pessoas com um diagnóstico comum. Relato de casos ou série de casos tipo de estudo descritivo são relatos detalhado de um caso ou mais, ou mesmo de uma série de casos, com minuciosa descrição de uma manifestação da doença, relatando em profundidade as características de interesse que podem sugerir hipótese etiológica e representam interface entre a clínica e a epidemiologia. Os estudos de coorte são os únicos capazes de abordar hipóteses etiológicas. Consistem na observação de grupos comprovadamente expostos a um fator de risco como causa da doença a ser detectada no futuro, ou seja, um grupo de indivíduos é selecionado por presença ou ausência de exposição a um fator particular e, então, são acompanhados por um período temporal específico (follow-up) para determinar o desenvolvimento de uma doença ou condição. São os prospectivos, chamados também de coorte concorrente. 8 Outro tipo de coorte é a coorte histórica, com característica retrospectiva. Envolve grupos selecionados por ter sido expostos a fatores de risco em potencial e, por disporem de registros sistemáticos da exposição e do efeito, são analisados os dados disponíveis antes do momento da realização da pesquisa, estudo individuado e com grupos de indivíduos com características específicas que contêm registros, por exemplo, em prontuários. Estudos de caso-controle têm as características de serem observacionais, longitudinais, retrospectivos, analíticos, em que um grupo de casos (indivíduos com a doença ou fator protetivo) é comparado quanto à exposição a um ou mais fatores, a grupo de indivíduos semelhantes ao grupo de casos, chamado de controle (sem a doença ou sem fator protetivo). Os estudos ecológicos são estudos em que a observação e a análise são feitas sobre determinadas características da população localizada em certas áreas geográficas, abordando áreas geográficas ou blocos de população bem delimitados. As unidades de medida não são individuais, mas grupos populacionais. Os estudos ecológicos analisam dados globais de populações inteiras, comparando a frequência de doença entre diferentes grupos populacionais durante o mesmo período ou a mesma população em diferentes momentos, geralmente com correlação entre indicadores de condições de vida e indicadores de situação de saúde. Podem ser classificados em subtipos: investigações de base territorial (ex.: bairro, município, países); e estudos de agregados institucionais (ex.: escolas, fábricas, prisões). Estudos de séries temporais são estudos de agregados, observacionais elongitudinais, em que uma mesma área ou população é investigada em momentos distintos no tempo. Alguns autores classificam os estudos de série temporal como uma subdivisão dos estudos ecológicos. Experimentos de intervenção comunitária e estudo de intervenção envolvem intervenções coletivas, comunidades inteiras ou grupos populacionais são selecionados e a exposição é coletiva, ou seja, são investigações com estudo de agregados que tomam como unidade de observação e análise de dados os agregados ecológicos ou institucionais, e que incorporam alguma intervenção de alcance coletiva. 9 TEMA 3 – MEDIDAS DE FREQUÊNCIA PARA MORBIDADE Para obter informações sobre o comportamento das epidemias, sua evolução ou ainda para avaliar as ações de prevenção, utilização de tratamentos e outros questionamentos que influenciam a vida das pessoas, são utilizadas as medidas de frequência. As medidas de frequência devem obrigatoriamente referir as dimensões tempo, espaço e população. As medidas de frequência para morbidade são definidas a partir de dois conceitos epidemiológicos fundamentais: prevalência e incidência. Além da quantificação de doenças ou agravos, essas medidas de frequência podem ser aplicadas à mensuração de quaisquer eventos relacionados à saúde, incluindo fatores determinantes. A prevalência expressa um número de casos acumulados (casos antigos e novos) até um dado momento, e a incidência representa a frequência com que novos casos ocorrem num determinado período temporal. 3.1 Prevalência A prevalência é definida como frequência de casos existentes de uma determinada situação, numa população específica e em um dado momento. Casos existentes são aqueles que aconteceram em algum momento do passado (casos antigos) somados com os casos novos, excluindo os casos que deixaram de existir por qualquer motivo: cura, morte ou erro do diagnóstico. Podemos comparar a prevalência com uma fotografia e, portanto, mostrar a frequência de casos existentes naquele momento. Mostrar como uma doença subsiste na população. A prevalência é utilizada por grande parte dos estudos. A quantidade de casos existentes naquele instante avaliado em uma população pressiona por assistência à saúde. Dessa forma, a prevalência é uma medida relevante para o planejamento de ações e para a administração de serviços de saúde, usada em estudos em que não se tem precisão do seu início, como doenças crônico degenerativas não letais ou doenças com longos períodos de incubação. O cálculo da prevalência é parecido com o cálculo do risco. Utiliza a razão entre o número de casos conhecidos até aquele período temporal estudado e a população, excluindo cura, erro de diagnóstico e óbitos. Multiplica-se por 10n, e esse valor é utilizado para dar homogeneidade à informação da prevalência. 10 Lembrando da matemática básica, em que 102 = 100; 103 = 1.000; 104 = 10.000, e assim por diante, utiliza-se o 10n que melhor traduza o tamanho da população a ser estudada. 3.2 Incidência A frequência com que determinado evento ocorre numa população, que no momento inicial do período de observação estava “livre” do evento e exposta ao risco de ocorrência dele, é denominada incidência. Medida dinâmica porque expressa mudança no estado de saúde dos sujeitos que são avaliados no mínimo em duas ocasiões, num determinado período de tempo, observando a prevalência inicial e os casos novos detectados, o que representa a incidência, e por isso mostra uma mudança do estado. A incidência de um evento pode ser medida de diferentes formas. A mais simples é o número absoluto de casos incidentes (novos), que pode ser utilizada na avaliação de medidas assistenciais. A incidência acumulada é calculada por meio de uma razão, calculando a proporção dos que adoecem em relação aos que não adoecem. A fórmula da incidência acumulada mostra a divisão entre o número de casos novos num período de tempo, dividido pelo grupo de indivíduos dessa população que estão livres da doença, e multiplica-se por 10n, e geralmente é usado o 102 = 100, que exprime o resultado em percentual. Essa avaliação mostra a probabilidade de um indivíduo vir a adoecer ou acidentar-se; num grupo de indivíduos (proporção de incidência). A taxa de incidência é definida como a razão entre o número de casos novos de uma doença que ocorrem num intervalo de tempo determinado e numa população delimitada que está exposta ao risco de adquirir a referida doença no mesmo período (pessoa-tempo). O conceito de pessoa-tempo é importante e significa o período durante o qual um indivíduo esteve exposto ao risco de adoecimento e, caso viesse a adoecer, seria considerado um caso novo ou incidente. “O cálculo da taxa de incidência é uma razão que no numerador tem-se o número de casos novos num período de tempo pelo total de pessoa-tempo exposta ao risco no mesmo período de tempo” (Busato, 2016, p. 85). Vimos que os indicadores de prevalência e incidência são utilizados para avaliar a morbidade de doenças e agravos. Agora, vamos aprender um pouco mais. 11 TEMA 4 – MEDIDAS DE FREQUÊNCIA PARA MORTALIDADE A mortalidade é analisada por meio de vários indicadores epidemiológicos. Vamos estudar alguns que têm maior impacto na gestão de serviços de saúde. A Taxa Bruta de Mortalidade corresponde ao número total de óbitos por mil habitantes, na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Expressa a intensidade com a qual a mortalidade atua sobre determinada população. As taxas brutas de mortalidade padronizadas são úteis na comparação temporal e entre regiões. O método do cálculo é o seguinte: Número total de óbitos de residentes / População total residente x 1.000 A Mortalidade Proporcional por Causa de Óbito mostra a distribuição percentual de óbitos por grupos de causas definidas, na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Mostra a ocorrência percentual de uma causa de óbito estudada em relação ao total de óbitos (excluindo as causas mal definidas). O método do cálculo é o seguinte: Número de óbitos de residentes por grupo de causas definidas / Número total de óbitos de residentes (excluídas as causas mal definidas) x 100 A Mortalidade Proporcional por Idade mostra a distribuição percentual dos óbitos por faixa etária, na população residente em determinado espaço geográfico, no período estudado. Mede a participação dos óbitos em cada faixa etária, em relação ao total de óbitos. O método do cálculo é o seguinte: Número de óbitos de residentes, por faixa etária /Número de residentes por faixa etária (excluídos óbitos idade ignorada) x 100 Mortalidade materna e mortalidade infantil A Mortalidade Materna mede o número de óbitos maternos, por 100 mil nascidos vivos de mães residentes em determinado espaço geográfico, no ano considerado. O conceito de morte materna é estabelecido pela Organização Mundial de Saúde como a frequência de óbitos femininos, ocorridos em até 42 dias após o término da gravidez, atribuídos a causas ligadas à gravidez, ao parto 12 e ao puerpério, podendo ser usado para comparações nacionais e internacionais. O número de nascidos vivos é adotado como uma aproximação do total de mulheres grávidas. Reflete a qualidade da atenção à saúde da mulher do território estudado (bairro, cidade, estado país). O método do cálculo é o seguinte: Número de óbitos de mulheres residentes, por causas e condições consideradas de morte materna / Número de nascidos vivos residentes x 100.000 A Taxa de Mortalidade Infantil mostra o número de óbitos de menores de um ano de idade, por mil nascidos vivos, na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Mostra o risco de morte dos nascidos vivos durante o seu primeiro ano de vida, reflete as condições de desenvolvimento socioeconômicoe infraestrutura ambiental, bem como acesso e qualidade dos recursos disponíveis para atenção à saúde materna infantil. O método do cálculo é o seguinte: Método do cálculo = Número de óbitos de residentes com menos de um ano de idade / Número de nascidos vivos residentes x 1.000 4.1 Análise de tempo de vida A Expectativa de Vida ou Esperança de Vida apresenta o número médio de anos de vida esperados para um recém-nascido, mantido o padrão de mortalidade existente na população residente, em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Mostra o número médio de anos que se esperaria que um recém- nascido vivesse. O aumento da esperança de vida ao nascer sugere melhoria das condições de vida e de saúde da população. O método de cálculo exige conhecimentos de tábua de vida, tempo acumulativo de vida e outros. O indicador “Anos potenciais de vida perdidos” é uma medida de mortalidade baseada na dimensão do tempo que se deixou de viver em decorrência de uma morte, mostrando o efeito das mortes ocorridas precocemente em relação à duração esperada da vida. O método de cálculo exige conhecimentos do somatório de óbitos numa determinada idade multiplicado pela diferença entre o limite máximo de idade e a idade definida. 13 TEMA 5 – CAUSALIDADE EM SAÚDE A causa em epidemiologia é o evento, condição ou característica que precede a condição de saúde e sem o qual ela não teria ocorrido ou teria ocorrido tardiamente. A exposição mostra a quantidade ou intensidade de um fator de risco ao qual o indivíduo ou grupo está ou esteve sujeito. O conhecimento sobre a causalidade em saúde é uma estratégia metodológica para identificação da associação entre supostas causas (fatores de risco) e seus efeitos sobre a saúde (desfechos). A causalidade é demonstrada por meio da associação entre causa e efeito. A existência de uma dependência estatística entre dois ou mais eventos, características ou outras variáveis mostra a associação. Uma associação ocorre quando a probabilidade da ocorrência de um evento ou característica varia em função da ocorrência ou não de um ou mais eventos, ou da presença ou não de uma ou mais características. A associação pode ser positiva se a causa e o efeito têm o mesmo sentido, por exemplo, aumentam concomitantemente, ou pode ser negativa, indicando sentidos opostos entre os eventos, quando um aumenta o outro diminui. Assim, podemos afirmar que associação é a relação estatística entre dois eventos, usualmente entre uma variável explicativa, explanatória ou independente (fator de exposição ou fator de risco) e o desfecho em saúde, variável dependente ou resposta, a variável que será explicada, buscando-se a explicação de sua ocorrência. Nem toda associação estatística é uma associação causal. Para sabermos se uma associação estatística pode ser uma indicação de causalidade em epidemiologia, devemos verificar se determinadas condições ou critérios foram atendidos. A discussão de causa na epidemiologia é realizada por meio de “modelos”. Modelos são maneiras de pensar a realidade e expressam nossa imaginação sobre como o mundo deve funcionar. Foram diversos os modelos de causalidade já descritos. Inicialmente, vieram os postulados de Henle, em 1840, existindo poucos relatos de seus estudos. Esse postulado foi expandido por Koch, em 1890, que são conhecidos por Postulados de Henle-Koch, ou somente Postulados de Koch. Postulados de Henle-Koch apontam que para ocorrência de uma doença existe um determinado microrganismo, agente causal, de uma doença. Esse 14 modelo foi fruto da revolução microbiana. Os Postulados são explicados em quatro pontos: 1. Associação constante – o agente causal (microrganismo) deve estar sempre presente nas lesões de hospedeiros doentes; 2. Cultura pura – o agente causal deve ser isolado e cultivado numa cultura; 3. Reprodução dos sintomas – o agente causal, quando isolado, deve reproduzir os mesmos sintomas quando inoculado em um hospedeiro sadio; 4. Reisolamento – o agente causal pode ser isolado novamente do hospedeiro, inoculado artificialmente e corresponder, em todas as suas características, com o isolado das lesões. Com a transição epidemiológica e a importância crescente das doenças não infecciosas, a partir do século XX, as associações causais dessas doenças não possibilitavam explicação por meio do modelo dos Postulados de Henke- Koch, havendo necessidade de outros modelos para preencher essa dificuldade. Em 1965, Hill propôs um novo modelo, usado para diferenciar as associações causais das não causais, chamado de Critérios de Causalidade de Hill. O modelo de Hill indica nove critérios para avaliação da causalidade. A força de associação mostra que, quanto mais forte for a associação encontrada entre causa e efeito, maior é possibilidade de se tratar de uma relação causal. A consistência ou replicação consiste em confirmar que a relação causal acontece e o gradiente biológico traz o aspecto da presença de uma curva dose-resposta, ou seja, aumento de uma causa aumenta o efeito. O critério da especificidade é avaliado por meio da confirmação de uma causa específica para um determinado efeito. Há coerência quando os achados da associação encontrada não entram em conflito com o conhecimento da história natural da doença. A evidência experimental tem o poder de comprovar a causalidade, mas conflita com preceitos éticos de experimentos com humanos, dificultando a realização de estudos experimentais. Outro critério que deve ser analisado, apontado por Hill, está na temporalidade entre a ocorrência de causa e efeito; a causa deve ser sempre anterior ao efeito. A analogia indica que efeitos podem ser produzidos por causas que sejam análogas entre si. Por fim, a plausibilidade existe quando é possível inferir causalidade diante do conhecimento vigente. 15 Uma doença em geral não está associada exclusivamente a uma única causa. Rothman, em 1986, propôs um outro modelo de causalidade no qual um certo fenômeno (doença, por exemplo) não é explicado por um único fator (causa única), mas sim por uma constelação de fatores, que são as causas componentes, que agem de forma conjunta para a produção de determinado efeito. Algumas causas componentes, quando estão presentes nas causas suficientes, são chamadas causas necessárias. Introduz o conceito de causa “suficiente”, que consiste numa constelação mínima de causas componentes para provocar uma doença. Para a ocorrência de determinada doença, podem existir diversos conjuntos de causas suficientes. 16 REFERÊNCIAS BUSATO, I. M. S. Epidemiologia e processo saúde-doença. Curitiba: InterSaberes, 2016. DALFOVO, M. S.; LANA, R. A.; SILVEIRA, A. Métodos quantitativos e qualitativos: um resgate teórico. Revista Interdisciplinar Científica Aplicada, Blumenau, v. 2, n. 4, p. 113, 2008. HOCHMAN, B. et al. Desenhos de pesquisa. Acta Cir. Bras., São Paulo, v. 20, supl. 2, p. 2-9, 2005. KUHLMANN JR., M. Produtivismo acadêmico, publicação em periódicos e qualidade das pesquisas. Cad. Pesqui., São Paulo, v. 45, n. 158, p. 838-855, dez. 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100- 15742015000400838&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 8 mar. 2018. MEDRONHO, R. A. et al. Epidemiologia. São Paulo: Atheneu, 2009. MINAYO, M. C. de S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 23. ed. Petrópolis: Vozes, 2004.