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<p>- -1</p><p>LITERATURA COMPARADA</p><p>DA TEORIA À PRATICA: AS MODALIDADES</p><p>DE DISCURSO INTERTEXTUAL</p><p>- -2</p><p>Olá!</p><p>Ao final desta aula, o aluno será capaz de:</p><p>1. Conhecerá as diferentes modalidades de intertexto, com base na explicação do que vem a ser cada uma delas,</p><p>bem como de exemplos retirados de textos literários diversos;</p><p>2. Compreenderá o quanto um texto literário se enriquece no contato com o conjunto dos textos que formam a</p><p>tradição literária, não somente de seu povo, como de toda a humanidade.</p><p>1 As modalidades do discurso</p><p>"A arte de viver é simplesmente a arte de conviver... simplesmente, disse eu? Mas como é difícil!" (Mário</p><p>Quintana)</p><p>Na aula anterior, traçamos um quadro teórico sucinto do longo debate que conduziu ao advento do conceito de</p><p>“intertextualidade”, que veio a se afirmar como um dos fundamentos dos estudos de Literatura Comparada nos</p><p>dias de hoje. Agora, passaremos a uma exposição geral das diferentes modalidades de intertexto, dando</p><p>exemplos retirados de obras literárias, abrindo sempre que possível um espaço para a reflexão sobre os temas</p><p>propostos.</p><p>Deste modo, utilizaremos as noções teóricas até aqui estudadas para a prática da compreensão e da análise</p><p>crítica dos textos literários, bem como dos diálogos estabelecidos entre estes textos. Daí em diante, de posse de</p><p>um bom material de estudo a respeito do tema, você poderá realizar suas próprias análises sobre os textos</p><p>literários mais diversos e observar neles a presença de algumas das diferentes modalidades de intertexto. Estará,</p><p>com isso, dando um passo substancial no sentido de possuir um domínio básico do fascinante campo de estudos</p><p>da Literatura Comparada.</p><p>De acordo com o que já vimos, nenhum ser humano vive sozinho. Antes, precisamos interagir com nossos</p><p>semelhantes, a começar pelas pessoas mais próximas, com nossa família e nosso círculo de amigos.</p><p>Esta convivência em grande parte se realiza nos discursos, ou seja, nos usos que cada pessoa faz da linguagem</p><p>para se comunicar ou exprimir o que sente. Desta forma, toda vida é diálogo. Isso é uma das conclusões que se</p><p>pode tirar da leitura da obra teórica de Mikhail Bakhtin. O mesmo se dá com os textos. Assim como não pode</p><p>cada homem se considerar um Adão, não pode cada texto pretender uma total e completa originalidade. Ao</p><p>contrário, todos nascem dialogando com textos anteriores.</p><p>- -3</p><p>Como destaca Mário Quintana, a arte de viver se resume à arte de conviver, ou seja, de viver junto aos nossos</p><p>semelhantes. Tarefa simples e complexa ao mesmo tempo. O mesmo se pode dizer dos textos. Nenhum nasce</p><p>sozinho. Desde o momento em que ele é concebido por seu autor, já passa a fazer parte de uma extensa rede de</p><p>relações intertextuais.</p><p>2 O texto literário</p><p>Um texto literário se enriquece no contato com o conjunto dos textos que formam a tradição literária, não</p><p>somente de seu povo, como de toda a humanidade. Devemos considerar, para tanto, que vivemos num mundo</p><p>globalizado, no qual a informação flui com rapidez por todos os cantos, de modo que crescem as possibilidades</p><p>de cada autor, mesmo quando não é muito conhecido, ser lido em outros países.</p><p>A questão é que este diálogo pode se realizar de maneiras diversas. Estudaremos algumas delas: a alusão, a</p><p>citação, a paráfrase, a estilização, a paródia e o pastiche. Porém, antes de prosseguir, faz-se necessário chamar a</p><p>atenção para um procedimento discursivo que não se pode considerar exatamente como intertextual, mas que</p><p>pode ser confundido com algumas das modalidades a serem estudadas.</p><p>Trata-se do plágio. Ele ocorre sempre que fragmentos de um texto são copiados pura e simplesmente, sem</p><p>nenhuma transformação ou acréscimo. Nestes casos, a única diferença fica por conta do fato de terem os dois</p><p>textos sido postos em circulação em contextos históricos diferentes, o que pode levar a provocarem efeitos bem</p><p>diferentes no público. Um conto erótico, por exemplo, pode causar escândalo em certa época, devido aos padrões</p><p>rígidos de moral, então vigentes, e passar completamente despercebido em outro contexto, no qual a plena</p><p>liberdade de expressão contribui para que as pessoas não vejam com os mesmos olhos a narrativa. Mas os casos</p><p>de plágio deixam transparecer a falta de talento de seus autores, despertando, por isso, pouca atenção por parte</p><p>dos pesquisadores e críticos literários.</p><p>Passemos agora ao estudo dos procedimentos discursivos que podem efetivamente ser considerados</p><p>intertextuais:</p><p>Alusão e Citação Direta</p><p>Podemos, para início de conversa, invocar a ajuda do dicionário Aurélio, no qual o termo é definido como... “Ação</p><p>de aludir. Palavra, frase que evoca pessoa, coisa ou fato sem nomeá-lo diretamente. Referência vaga e indireta...”.</p><p>Fazemos alusão quando damos a entender que estamos falando de alguém, sem a necessidade de citar o nome</p><p>desta pessoa. Para os contornos do que estamos expondo, quando um texto faz uso de ideias e conceitos</p><p>expostos anteriormente por outros textos, mas não faz uma citação direta. Se ainda não ficou claro, um exemplo</p><p>pode sanar qualquer dúvida.</p><p>- -4</p><p>Assim, no poema “Romance XXXIV, ou de Joaquim Silvério”, do livro Romanceiro da Inconfidência, Cecília</p><p>Meireles faz alusão a uma conhecida passagem bíblica:</p><p>Melhor negócio que Judas fazes tu, Joaquim Silvério: que ele traiu Jesus Cristo, tu trais um simples</p><p>Alferes.</p><p>Recebeu trinta dinheiros... e tu muitas coisas pedes: pensão para toda a vida, perdão para quanto</p><p>deves,</p><p>comenda para o pescoço, honras, glória, privilégios E andas tão bem na cobrança que quase tudo</p><p>recebes!</p><p>No poema “Romance XXXIV”, Cecília Meireles faz alusão a uma conhecida passagem bíblica:</p><p>Vemos que, sem citar qualquer passagem dos Evangelhos, o poema dá conta de uma comparação da atitude do</p><p>traidor dos inconfidentes com a de Judas, o traidor de Cristo. Portanto, a figura histórica de Joaquim Silvério dos</p><p>Reis é construída no texto por meio da alusão a um personagem dos mais conhecidos entre os povos cristãos.</p><p>Além de associar o nome de Silvério a um personagem que representa o protótipo da traição, o texto vai além e</p><p>ressalta o fato de ter sido ainda maior a covardia, já que Judas teria se contentado com uma recompensa bem</p><p>mais modesta, enquanto Silvério teria obtido da coroa portuguesa o perdão de todas as suas dívidas, além de</p><p>outras vantagens.</p><p>Porém, é importante destacar que todo este processo alusivo só se realizou na medida em que a narrativa bíblica</p><p>é largamente conhecida do grande público, o que dispensou qualquer modalidade de citação. Caso este poema</p><p>circulasse entre pessoas que não conhecessem as narrativas da traição de Cristo, o resultado seria bem diferente.</p><p>Numa situação como esta, que poderia ocorrer se não vivêssemos num país de tradição cristã, aludir a Judas não</p><p>teria sido suficiente para caracterizar Joaquim Silvério. O texto teria, necessariamente, que escolher alguma</p><p>outra estratégia discursiva, sob o risco de não alcançar o resultado esperado.</p><p>Num polo oposto à alusão se encontra a citação direta, na qual temos a oportunidade de tomar emprestado um</p><p>trecho de outro texto, que transcrevemos literalmente para, em seguida, tecermos as malhas de nosso próprio</p><p>texto. Este procedimento é bastante usual em textos acadêmicos e escolares, a começar pelas nossas próprias</p><p>aulas, que estão recheadas de citações diretas, que funcionam basicamente para: enriquecer nossa reflexão sobre</p><p>um tema, funcionar como fonte de inspiração para nossas ideias, ou mesmo, como exemplos do que estamos</p><p>tentando expor.</p><p>Na presente aula, já usamos a citação direta de uma parte de um poema de Cecília Meireles. O mesmo fizemos,</p><p>anteriormente, e continuaremos a fazer daqui para a frente, com uma série de outros autores, tanto de textos</p><p>literários, como de obras teóricas.</p><p>- -5</p><p>Chamamos a atenção dos estudantes para a extrema importância de fazermos sempre referência às nossas</p><p>fontes, ou seja, sempre destacarmos de onde tiramos os textos citados. Isso é imprescindível para que nosso</p><p>trabalho não corra o risco de se transformar</p><p>numa operação de plágio, pura e simples.</p><p>Bem, mas assim como a citação é frequente em textos acadêmicos, não deixa de se revelar importante em textos</p><p>literários também. Dentre os muitos exemplos que poderíamos usar, lanço mão de uma passagem de Machado</p><p>de Assis:</p><p>“Sim, senhor, amávamos. Agora, que todas as leis sociais no-lo impediam, agora é que nos amávamos</p><p>deveras. Achávamo-nos jungidos um ao outro, como duas almas que o poeta encontrou no</p><p>Purgatório:</p><p>Di pari, come buoi, Che vanno a giogo</p><p>e digo mal, comparando-nos a bois, porque éramos outra espécie de animal menos tarde, mais</p><p>velhaco e lascivo.”</p><p>(Memórias Póstumas de Brás Cubas, cap. 57)</p><p>3 O Livro Memórias Póstumas de Brás Cubas</p><p>Estamos diante de uma passagem em que o controvertido anti-herói machadiano Brás Cubas descobre-se</p><p>apaixonado por Virgília, sua antiga namorada, agora casada com um político influente do Império. Tornam-se</p><p>amantes. A citação em italiano é da , do poeta medieval italiano Dante Aleghieri e fala da alma deDivina Comédia</p><p>dois amantes que são encontradas, no Purgatório, tão unidas quanto uma parelha de bois. O que vem</p><p>caracterizar o trecho como citação direta é o fato de a frase do poema de Dante ter sido citada na íntegra,</p><p>mantendo mesmo o trecho no idioma original.</p><p>Ainda que em seu próprio texto, Machado ironize a respeito, fazendo com que o personagem/narrador considere</p><p>a si mesmo e à sua amante como “velhacos” e “lascivos” demais para serem comparados a bois, isso não</p><p>descaracteriza o trecho como exemplo do que tentamos demonstrar. Ou seja, não importa a que tipo de</p><p>conclusão conduzirá o emprego do recurso à citação direta. O que vale é que o texto citado seja respeitado em</p><p>sua integridade.</p><p>Dentre os diferentes tipos de citação direta, destacamos o caso das , que são colocadas ao começo deepígrafes</p><p>um texto e geralmente funcionam como ponto de partida de uma reflexão, como fonte de inspiração. O texto da</p><p>presente aula, a propósito, começa com uma epígrafe do poeta Mário Quintana.</p><p>- -6</p><p>Estamos vendo o quanto um texto pode se enriquecer a partir da convivência pacífica e do debate enriquecedor</p><p>com outros textos. A partir de agora, preste atenção como a presença de epígrafes é comum em diferentes</p><p>modalidades de texto. Procure verificar em que medida o uso de tal recurso realmente é útil para o</p><p>enriquecimento do texto mais novo.</p><p>Um procedimento que pode ser considerado como uma modalidade de citação é a colagem.</p><p>Um exemplo muito interessante disso pode ser notado na canção “Monte Castelo”, da banda de rock Legião</p><p>Urbana. No texto da canção, Renato Russo cola trechos de epístolas de São Paulo a um dos mais conhecidos</p><p>sonetos de Camões...</p><p>4 A Letra da Música Monte Castelo de Renato Russo</p><p>Verifica-se a presença de fragmentos dos textos originais, que são aproveitados de modo literal, sem alterações.</p><p>Interessante é notar que o compositor se valeu do fato de que ambos os autores citados, Luis Vaz de Camões, do</p><p>qual foram citadas a terceira, a quinta e a sexta estrofe, e o apóstolo São Paulo, do qual é o restante do texto,</p><p>tratam de tema comum a todas as épocas, de algo inerente à condição humana. Seria um erro considerar que</p><p>neste caso teria havido plágio, pura e simplesmente, já que a escolha dos trechos a serem citados, bem como a</p><p>maneira de combiná-los na canção demandou uma capacidade de percepção que somente um artista seria capaz</p><p>de realizar.</p><p>Esta modalidade de intertexto, que aqui consideramos um tipo de citação, é considerado por Affonso Romano de</p><p>Sant’Anna como um exemplo de uma outra modalidade: a apropriação. Consideramos muito pequena a diferença</p><p>entre os dois fenômenos, de tal modo que não vale a pena preocupar os alunos com algo assim.</p><p>Mas vale ter em mente que o que Renato Russo faz na canção citada é procedimento que sempre se usou em</p><p>Literatura, mas que se tornou ainda mais comum com a Revolução Modernista.</p><p>Saiba mais</p><p>Confira a letra da música em: http://estaciodocente.webaula.com.br/cursos/litc01/pdf</p><p>/monte_castelo.pdf</p><p>http://estaciodocente.webaula.com.br/cursos/litc01/pdf/monte_castelo.pdf</p><p>http://estaciodocente.webaula.com.br/cursos/litc01/pdf/monte_castelo.pdf</p><p>http://estaciodocente.webaula.com.br/cursos/litc01/pdf/monte_castelo.pdf</p><p>- -7</p><p>5 Paráfrase e Paródia</p><p>A partir de agora, passamos a estudar as duas modalidades de intertexto que recebem uma atenção maior de</p><p>estudiosos de Literatura. Não que sejam usadas com mais frequência do que as modalidades já vistas, mas</p><p>porque seu estudo costuma render mais debate e controvérsia.</p><p>Não existe um conceito fechado e único para nenhum desses dois termos, mas podemos começar dizendo que a</p><p>paráfrase acontece quando um texto B retoma de maneira geral a ideia de um texto A. Ocorre paráfrase, por</p><p>exemplo, quando um professor retoma as proposições de um teórico famoso, mas se vale de procedimentos que</p><p>facilitem a compreensão, para que os alunos não tenham dificuldade em dominar a essência das proposições do</p><p>teórico.</p><p>Neste ponto, você talvez se pergunte se o que fazemos aqui, em nossas aulas, não é nos valermos o tempo todo</p><p>da paráfrase... Quem pensou isso, não chegou longe da verdade. Decerto, há momentos em que nos reportamos</p><p>às ideias de Bakhtin, ou qualquer outro estudioso por meio de uma citação direta, mas o mais comum é que</p><p>façamos uso da paráfrase. Uma aula, normalmente, se constitui de um conjunto de paráfrases que se combinam,</p><p>para que os alunos entendam a matéria em estudo.</p><p>No que diz respeito ao texto literário, quando um escritor atual se vale de um tema já trabalhado por um autor</p><p>consagrado pela tradição, mas não altera o sentido do que se pretendia comunicar no texto original. Vamos</p><p>recorrer a um exemplo dos mais conhecidos para que tal conceito fique bem claro. Tudo começa por um dos</p><p>textos mais fundamentais da tradição literária brasileira: a , de Gonçalves Dias, do qualCanção do Exílio</p><p>retomamos as duas estrofes iniciais:</p><p>Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá.</p><p>Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa</p><p>vida mais amores.</p><p>(...)</p><p>Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não</p><p>encontro por cá; Sem qu'inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá.</p><p>- -8</p><p>6 Canção do Exílio, de Gonçalves Dias</p><p>Todos conhecemos a imensa importância adquirida por este texto, concebido numa época em que nossos poetas</p><p>buscavam afirmar a independência literária do país, por meio de uma poética que valorizava o que era</p><p>genuinamente nosso, em detrimento de elementos culturais importados. Este é um dos aspectos que se deve ter</p><p>em mente, quando verificamos que o poema trabalha em torno de uma dialética que opõe o “aqui” com o “lá”.</p><p>De tal modo que se percebe que o sujeito lírico é alguém que se encontra longe de sua pátria e lamenta isso.</p><p>“Aqui” é um lugar que não lhe agrada, onde ele não gostaria de estar. Por outro lado, “lá” representa a terra natal,</p><p>distante e desejada. Afinal, a natureza “aqui” nem se compara em beleza e florescimento com as paisagens de</p><p>“lá”. A tal ponto, que mesmo nossa vida pessoal “lá” é mais rica, povoada de “mais amores”.</p><p>6.1 A Importância do poema Canção do Exílio</p><p>Tal discurso viria a ultrapassar os limites do romantismo, de tal modo que Carlos Drummond de Andrade assim</p><p>se expressaria, já no século XX, em pleno período modernista:</p><p>NOVA CANÇÃO DO EXÍLIO</p><p>Um sabiá na palmeira, longe. Estas aves cantam um outro canto. O céu cintila sobre flores úmidas.</p><p>Vozes na mata, e o maior amor. Só, na noite, seria feliz: um sabiá, na palmeira, longe. Onde é tudo</p><p>belo e fantástico, só, na noite, seria feliz. (Um sabiá, na palmeira, longe.)</p><p>Ainda um grito de vida e voltar para onde tudo é belo e fantástico: a palmeira, o sabiá, o longe.</p><p>Como explica Tânia Carvalhal, em sua obra , apesar de haver similaridades entre oLiteratura comparada</p><p>poema de Drummond e o de Gonçalves Dias, tais como o mesmo número de estrofes e de versos</p><p>e a presença de</p><p>elementos que indicam ” e “ ”, não se trata de uma paráfrase porque “a montagem realizada, o deslocamento“lá cá</p><p>sutil dos elementos nas estrofes, a desmitificação deles (não é mais "O Sabiá", mas "um sabiá"), tudo indica a</p><p>perspectiva crítica, o olho agudo do observador que transporta o jogo do "cá" e do "lá" para a realidade brasileira</p><p>dos anos quarenta (o poema está em A rosa do povo, de 1945), caracterizando o exílio no próprio país.” ( p.56).</p><p>A "Nova canção do exílio", de Carlos Drummond de Andrade, para Carvalhal, é uma paródia da “Canção do exílio”,</p><p>pois “Recria não a saudade nostálgica do primeiro, mas a sensação de exílio no próprio país. O poema de</p><p>Drummond "dialoga" com o texto anterior, dizendo-lhe de sua impossibilidade. Se ao refazer um poema,</p><p>pertencente ao mesmo sistema literário, Drummond firma as origens e fortalece a relevância do texto inaugural,</p><p>também o converte num texto datado.”(p. 57)</p><p>- -9</p><p>7 A Paráfrase de José Paulo Paes, em sua “Canção do Exílio</p><p>Facilitada”:</p><p>Um caminho bem diferente tomou José Paulo Paes, em sua “Canção do Exílio Facilitada”:</p><p>Lá? Ah! Sabiá... Papá... Maná... Sofá... Sinhá... Cá? Bah!</p><p>Apenas uma palavra em cada verso, texto reduzido ao mínimo de palavras e demais recursos expressivos – como</p><p>os dois pontos de interrogação. Tudo nos levando a crer que este é um texto que esteja bem distante da primeira</p><p>“Canção do Exílio”. Contudo, uma leitura mais atenta nos leva a perceber que a essência do texto de Gonçalves</p><p>Dias – fato de que “lá” é bem melhor de se viver – não se perde. Temos aqui, uma paráfrase, ainda que o texto</p><p>seja bem diferente do original.</p><p>Diferente, porém mas que se articula em torno da mesma dialética fundamental da primeira “Canção do Exílio”,</p><p>expressa desta vez pelos advérbios “lá” e “cá”.</p><p>Com este exemplo fica bem claro, inclusive, que o conceito de paráfrase nada tem a ver com ausência de</p><p>criatividade. A ideia de escrever uma espécie de “Canção do Exílio de fraldas” constitui um prodígio em termos</p><p>de criatividade. Outro aspecto interessante deste texto é o fato de que os advérbios “lá” e “cá” reproduzem a</p><p>dialética fundamental da primeira Canção do Exílio.</p><p>Chico Buarque de Holanda faz uma paráfrase de Drummond</p><p>Em nosso segundo exemplo, vemos um caso em que Chico Buarque de Holanda faz uma paráfrase de Drummond</p><p>na canção “Até o fim”, da qual reproduzimos um fragmento:</p><p>“Quando nasci veio um anjo safado</p><p>O chato de um querubim</p><p>E decretou que eu tava predestinado</p><p>A ser errado assim</p><p>Já de saída minha estrada entortou,</p><p>Mas vou até o fim(...)”</p><p>Semelhança entre os textos</p><p>Ainda que no texto original, por nós citado na aula anterior, Drummond tenha utilizado outros adjetivos para se</p><p>referir ao anjo, o fato principal é que o sujeito da narrativa, nos dois casos, recebe um tratamento semelhante</p><p>por parte do ser sobrenatural que assiste ao seu nascimento. Em ambos os textos, o destino marcado para o</p><p>indivíduo é conviver com dificuldades, viver caminhos tortos.</p><p>- -10</p><p>Interpretações diferentes</p><p>Muitas interpretações diferentes já foram propostas para isto, dentre as quais podemos destacar o fato de que</p><p>nos tempos modernos, na época da técnica e da busca de produtividade, que lugar pode almejar um poeta, a não</p><p>ser viver ao largo, à margem da sociedade, com poucas chances de sobreviver de seu talento.</p><p>Paráfrase da “Canção do Exílio”</p><p>Por falar em Chico Buarque, não podemos citar o caso de outra célebre paráfrase da “Canção do Exílio”. Trata-se</p><p>da canção “Sabiá”, com a qual Chico e Tom Jobim venceram um importante festival da canção em 1968.</p><p>8 O contexto histórico da canção Sabiá</p><p>Chama a atenção o fato de que este texto começa por onde termina a “Canção do Exílio” primordial: com o sujeito</p><p>lírico anunciando que vai voltar. Desta forma, revela a confiança de que as dificuldades do presente serão</p><p>superadas, e o retorno ao lar será consumado.</p><p>O contexto histórico em que esta canção veio a lume, o período da ditadura militar no Brasil, marcada pelo exílio</p><p>forçado ou voluntário de muitos de nossos melhores cérebros, ajuda a explicar muita coisa. Se ao tempo de</p><p>Gonçalves Dias, falava-se de uma pátria ainda em formação, o texto de Chico e Tom exprime uma emoção</p><p>relacionada a um país que experimentava eventos políticos violentos, capazes de colocar em cheque a confiança</p><p>dos homens. Daí a necessidade demonstrada no texto de começar com a afirmação de que o dia do retorno há de</p><p>acontecer.</p><p>Todavia, a “Canção do Exílio” não se prestou apenas a exercícios puros de paráfrase. Outras formas de</p><p>apropriação intertextual se realizaram tomando como ponto de partida este texto tão fundamental de nossa</p><p>tradição literária. Já no início do período republicano, ao compor a letra do hino nacional, o poeta parnasiano</p><p>Osório Duque Estrada mistura a paráfrase à citação literal, como se pode perceber:</p><p>Do que a terra mais garrida Teus risonhos, lindos campos têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa</p><p>vida no teu seio mais amores.</p><p>Saiba mais</p><p>Para ver a letra da música “Sabia”, clique no link: http://estaciodocente.webaula.com.br/cursos</p><p>/litc01/pdf/sabia.pdf</p><p>http://estaciodocente.webaula.com.br/cursos/litc01/pdf/sabia.pdf</p><p>http://estaciodocente.webaula.com.br/cursos/litc01/pdf/sabia.pdf</p><p>- -11</p><p>O terceiro verso desta estrofe pode, com efeito, ser encontrado na “Canção do Exílio”. Este recurso é usado para</p><p>reforçar o sentido da estrofe completa, que é o de parafrasear uma passagem do poema de Gonçalves Dias.</p><p>Outro conjunto bem interessante de textos é constituído pelos que se aproveitam da “Canção do Exílio” não para</p><p>efeitos de paráfrase, mas de paródia. Ou seja, ao invés de retomar do texto original a ideia central, os novos</p><p>autores subvertem o sentido geral do que se pretendia a princípio.</p><p>Assim, obtém como resultado um texto que não é fiel ao original, mas modifica as noções nele expostas, a</p><p>mensagem transmitida. Quase sempre isto se realiza com finalidades críticas. É o que se pode perceber no</p><p>conhecido exemplo de Oswald de Andrade:</p><p>Minha terra tem palmares Onde gorjeia o mar Os passarinhos daqui Não cantam como os de lá</p><p>A estrofe destacada permite que se perceba claramente o quanto o novo texto se afasta da primeira “Canção do</p><p>Exílio”, distorcendo criticamente o sentido de sua mensagem. A começar pelo recurso à palavra “palmares”, que</p><p>tanto é sinônimo de “palmeiras”, como também é uma referência nítida ao Quilombo dos Palmares.</p><p>Desta forma, o texto de Oswald faz lembrar aos patriotas mais conservadores que a história da construção da</p><p>identidade nacional não se realizou de modo pacífico. Antes, pelo contrário, resultou de um processo de lutas.</p><p>9 A Combatividade do Modernismo brasileiro</p><p>Ainda que se mantenha a dialética “aqui” x “lá”, temos o desvendamento de novas realidades, que pareciam</p><p>ocultas ou esquecidas até então. A combatividade que caracterizou o Modernismo brasileiro se realizou em</p><p>grande parte por meio do recurso a releituras críticas da tradição literária. Forma de questionar o que estava</p><p>consagrado, mas ao mesmo tempo de reconhecer a importância dos textos que são parodiados.</p><p>Verifica-se, então, como diz Affonso Romano de Sant’Anna, que a diferença entre a paráfrase e a paródia está no</p><p>grau de deslocamento que o texto mais novo realiza em relação ao mais antigo. Assim, a canção “Sabiá” realizou</p><p>um deslocamento muito menor em relação à “Canção do Exílio” do que o “Canto de Regresso à Pátria”. Por esse</p><p>motivo, dizemos que o texto de Oswald é uma paródia, ao passo que a parceria de Chico Buarque e Tom Jobim é</p><p>uma paráfrase do poema de Gonçalves Dias.</p><p>10 O Caso do Pastiche</p><p>Você sabe o que é Pastiche?</p><p>A última modalidade de intertexto que vamos estudar nesta aula é o pastiche. Pode muito facilmente ser</p><p>confundido com plágio, mas é um procedimento discursivo legítimo que tem se tornado muito comum em nossa</p><p>época. Pode ser caracterizado como o recurso que leva um autor a se apropriar de um trecho de outro, ou</p><p>- -12</p><p>mesmo de se fazer passar por outro. Se</p><p>no caso da paráfrase, o objetivo do escritor mais recente é retomar ideias</p><p>ou procedimentos discursivos de autor mais antigo, e no caso da paródia o objetivo é o desvio crítico, o que</p><p>temos no pastiche, quase sempre, é a homenagem ao autor do passado.</p><p>O que vem na próxima aula</p><p>• Você terá contato com alguns dos passos decisivos da história da Literatura Comparada no Brasil, assim</p><p>como terá oportunidade de ter contato com mais alguns exemplos de intertextos.</p><p>CONCLUSÃO</p><p>Nesta aula, você:</p><p>• Tomou contato com o fato de que, assim como os seres humanos, também os textos literários crescem</p><p>quando em diálogo com outros textos, e que as muitas formas que assume este diálogo recebe o nome de</p><p>intertextualidade;</p><p>• Conheceu algumas das principais modalidades de discurso intertextual: a alusão, a citação direta, a</p><p>paráfrase, a paródia e o pastiche. Além da explicação do sentido de cada um desses termos, você teve</p><p>contato com exemplos retirados de textos literários dos mais diversos.</p><p>Saiba mais</p><p>Para saber mais sobre o Pastiche, clique no link: http://estaciodocente.webaula.com.br/cursos</p><p>/litc01/pdf/o_caso_do_pastiche.pdf</p><p>•</p><p>•</p><p>•</p><p>http://estaciodocente.webaula.com.br/cursos/litc01/pdf/o_caso_do_pastiche.pdf</p><p>http://estaciodocente.webaula.com.br/cursos/litc01/pdf/o_caso_do_pastiche.pdf</p><p>Olá!</p><p>1 As modalidades do discurso</p><p>2 O texto literário</p><p>3 O Livro Memórias Póstumas de Brás Cubas</p><p>4 A Letra da Música Monte Castelo de Renato Russo</p><p>5 Paráfrase e Paródia</p><p>6 Canção do Exílio, de Gonçalves Dias</p><p>6.1 A Importância do poema Canção do Exílio</p><p>7 A Paráfrase de José Paulo Paes, em sua “Canção do Exílio Facilitada”:</p><p>8 O contexto histórico da canção Sabiá</p><p>9 A Combatividade do Modernismo brasileiro</p><p>10 O Caso do Pastiche</p><p>O que vem na próxima aula</p><p>CONCLUSÃO</p>