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<p>ACCOUNTABILITY E</p><p>TRANSPARÊNCIA PÚBLICA</p><p>AULA 1</p><p>Prof. Fernanda Alves Andrade Guarido</p><p>2</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>Nesta aula, nos dedicaremos aos fundamentos da accountability e seus</p><p>mecanismos. Vamos nos debruçar sobre pesquisas anteriores que se</p><p>propuseram a compreender o significado do termo no Brasil, e identificar os</p><p>meios de realização, fazendo classificações. Também vamos identificar na</p><p>prática o que se entende por accountability. Ao final, verificaremos que uma só</p><p>palavra não define accountability por ser polissêmica e multidimensional</p><p>(Taylor, 2019, p. 1318), envolve ações distintas, com atores e papeis diversos.</p><p>Veremos ainda que a accountability é muito importante nos estados</p><p>democráticos, sendo forte nos locais em que há maturidade política e</p><p>consciência do poder de atuação dos administrados.</p><p>TEMA 1 ACCOUNTABILITY CONTEXTO E REALIDADE BRASILEIRA</p><p>O termo accountability, não tem uma definição precisa na língua</p><p>portuguesa. Dessa forma, há dificuldade em traduzi-lo, pois uma só palavra não</p><p>o define. Contrariamente, nos Estados Unidos se fala muito em accountability,</p><p>pois o norte-americano, com o emprego da palavra, logo compreende de que se</p><p>trata. Essa observação é parte um estudo feito na década de 1990 pela</p><p>professora Ana Maria Campos. Seu artigo é um dos primeiros a tratar da</p><p>accountability no Brasil.</p><p>É certo que há diferença nas relações entre a Administração Pública, e</p><p>aquilo que é público no Brasil e nos Estados Unidos. Isso decorre das</p><p>características culturais de um e outro e país. A forma de as pessoas se</p><p>relacionarem com o Estado é diferente no Brasil e nos Estados Unidos. Da</p><p>mesma forma, não se pode esquecer que existe um vínculo entre linguagem e</p><p>cultura, que colabora na identificação, qualificação e, em suma, no conhecimento</p><p>da realidade (Campos, 1990).</p><p>Dessa forma, características da cultura brasileira poderiam ser</p><p>responsáveis pela inexistência de um conceito preciso do termo accountability</p><p>em nossa terra. A professora Ana Maria Campos passou a investigar, assim, de</p><p>que forma o governo se relacionava com os cidadãos; de que maneira os</p><p>cidadãos viam o governo e o Estado como um todo; como os servidores lidavam</p><p>com os cidadãos; e como as pessoas em geral lidavam com o que era público</p><p>(bens, recursos, entre outros).</p><p>3</p><p>Em 1990, observou-se que a pobreza política do brasileiro, a ausência, a</p><p>fraqueza ou a pouca legitimidade das instituições e a falta de bases para as</p><p>instituições brasileiras (características que favoreceram a existência de uma</p><p>democracia formal no Brasil, marcada pela aceitação passiva do domínio do</p><p>Estado) eram fatores que conduziam à inexistência do termo accountability no</p><p>país. Quer dizer, os cidadãos brasileiros não tinham a cultura de exigir seus</p><p>direitos, que estão no papel, na Constituição, nas leis, mas muitas vezes não se</p><p>concretizam. Por sua vez, os cidadãos tinham uma relação de subordinação em</p><p>relação ao Estado, favore governo</p><p>s</p><p>Observemos que, em 1990, há apenas dois anos de promulgação de</p><p>nossa Constituição da República, também inexistia compromisso do cidadão</p><p>brasileiro com qualquer forma de associativismo, ou com a gestão, o que</p><p>favorecia a dominação do Estado. Quer dizer, o texto constitucional já favorecia</p><p>a participação política do cidadão brasileiro, mas este ainda não era senhor de</p><p>seus direitos, pois ainda estava descobrindo o texto da Constituição, construindo</p><p>o seu sentido. Por isso, ainda não eram comuns e nem frequentes as</p><p>associações de defesa de direitos dos cidadãos, e menos ainda a participação</p><p>política dos cidadãos na gestão pública. Nossas instituições eram fracas. Por</p><p>esses e outros motivos, a democracia brasileira era fraca, e alternava entre</p><p>períodos de autoritarismo e populismo. Dessa forma, a fraqueza do tecido</p><p>institucional determinava a ausência de controles do público sobre o Estado</p><p>(Campos, 1990, p. 37).</p><p>A fraqueza da imprensa como instituição, a falta de transparência nas</p><p>organizações burocráticas do governo, a debilidade das instituições políticas, o</p><p>baixo nível de organização da sociedade civil, a fragmentação cívica e ética das</p><p>instituições são evidências de uma democracia formal (Campos, 1990, p. 37-</p><p>9). Por outro lado, a Administração Pública brasileira era marcada pela</p><p>centralização política e administrativa e pela ausência de participação dos</p><p>indivíduos (por si ou por suas associações) nas políticas públicas (Campos,</p><p>1990, p. 40).</p><p>A democracia brasileira, logo após a promulgação da Constituição, era</p><p>formal, ou seja, constava das leis, mas ainda não se concretizava em ações</p><p>diárias. Por exemplo, a constituição assegurava a existência de conselhos de</p><p>comunidade, mas eles ainda estavam sendo descobertos, ainda estavam em</p><p>4</p><p>formação. Da mesma forma, a ação popular, as audiências públicas, as</p><p>consultas públicas, apesar de constarem do texto constitucional, ainda não eram</p><p>uma realidade. O mesmo pode ser dito dos orçamentos participativos, do dever</p><p>de informação, todos presentes em regras, mas ausentes ou fracos na prática.</p><p>Lembremos também que nossas instituições, encarregadas do controle, ainda</p><p>estavam em estágio inicial, tal como o novo papel do Ministério Público, os</p><p>Tribunais de Contas, as Corregedorias, entre outros.</p><p>Enquanto a realidade no Brasil era de uma democracia formal, nos</p><p>Estados Unidos a democracia não tinha tais características. Afinal, sendo uma</p><p>respons</p><p>maior participação do cidadão na gestão pública e nem todos os serviços são de</p><p>responsabilidade do Estado e mesmo quando são, o cidadão está mais</p><p>presente, é mais consciente acerca do que se faz, como se faz, opina acerca do</p><p>gasto público, participa da gestão. Daí se percebe que o cidadão é ator</p><p>responsável na existência e no processamento da accountability.</p><p>Observemos que existe uma correlação entre accountability e</p><p>democracia. É que ela é natural e corriqueira (constante) nos países onde há</p><p>menos distância entre administrados e governo isso nos locais em que há mais</p><p>igualdade, menos autoridade e menos hierarquia. Por isso, pode-se afirmar que</p><p>a accountability se</p><p>Campos, 1990, p. 33).</p><p>O conceito é encontrado, dessa maneira, em ações, a exemplo do</p><p>controle da gestão pública, sendo realizado, sobretudo, pelos destinatários das</p><p>políticas públicas. Mecanismos de controles internos, ferramentais, estruturas e</p><p>regras só serão efetivos se os cidadãos, individualmente ou por suas</p><p>associações, participarem das políticas públicas, seja em sua construção, seja</p><p>na entrega dos resultados. Isso envolve uma série de ações, que serão efetivas</p><p>se realizadas concomitantemente, tais como:</p><p>o exercício adequado da cidadania, desde o ato de votar, até o</p><p>acompanhamento da gestão dos detentores de mandato eletivo;</p><p>a participação na decisão acerca das políticas públicas a serem</p><p>realizadas;</p><p>o desenvolvimento de novos relacionamentos com os servidores públicos</p><p>e com o Estado, nos quais não haja subserviência, nem clientelismo por</p><p>5</p><p>parte dos cidadãos, mas uma postura de equidade (o Estado e os</p><p>servidores públicos não são melhores, nem mais sábios do que qualquer</p><p>cidadão);</p><p>o uso adequado de ferramentas que medem produtividade e</p><p>desempenho;</p><p>a formulação de leis e outros atos normativos que definam condutas e</p><p>responsabilidades;</p><p>a efetiva verificação e cobrança acerca do cumprimento das obrigações</p><p>pelos gestores públicos (sejam servidores públicos lato sensu, agentes</p><p>políticos, ou ainda particulares imbuídos de funções públicas).</p><p>TEMA 2 DEFINIÇÕES INICIAIS</p><p>Accountability se relaciona, por assim dizer, com resposta e com</p><p>responsabilização. A responsabilidade pode ser encarada pelo próprio</p><p>indivíduo como um dever moral, ou como um dever advindo de um regulamento.</p><p>A responsabilidade advinda de um dever moral está atrelada àquilo que o</p><p>indivíduo acredita, ao modo como esse indivíduo conduz</p><p>é, de maneira a se reportar a atividades confusas, lentas, cheias de ritos e</p><p>sem finalidades. Diz-se que tanto o modelo de administração pública gerencial</p><p>quanto o de governança consistiram em reações às disfunções do modelo</p><p>burocrático (Secchi, 2009). Assim, a descentralização, o controle a posteriori</p><p>(após a realização do ato), o controle por resultados, o uso de tecnologias nas</p><p>atividades da administração são exemplos de mudanças introduzidas pelo</p><p>modelo de administração pública gerencial na gestão pública brasileira. Já o</p><p>incremento da participação, a dialogicidade (atuação dialogada, no caso entre</p><p>sociedade e governo) e o aprimoramento das tecnologias a fim de promover a</p><p>interação é atribuída ao modelo de governança pública. A abertura de canais</p><p>para participação, via internet, em políticas públicas (consultas públicas via</p><p>internet, entre outros) são exemplos que atrelam ao modelo de governança</p><p>pública. As parcerias público-privadas, os termos de colaboração e de fomento,</p><p>entre outros, são também exemplos da aproximação entre a sociedade e o</p><p>gestor público.</p><p>Nos modelos de gestão pública, são identificados elementos voltados a</p><p>um fazer adequadamente. Cada um desses modelos trouxe características às</p><p>atividades administrativas, que passaram a ser incorporados ao dia a dia da</p><p>administração pública. Não se fala no rompimento de um modelo e surgimento</p><p>do outro. Ao contrário, na administração pública brasileira podem ser</p><p>identificadas características de cada um desses modelos. Mas o que se pode</p><p>dizer é que houve uma evolução, a qual permitiu caminhar em prol da boa</p><p>governança.</p><p>O compromisso, no âmbito da boa governança na administração pública</p><p>brasileira é entregar valores públicos, e estes, como produtos ou resultados,</p><p>devem ser compreendidos como aqueles esperados e efetivamente entregues,</p><p>nos exatos termos em que necessários, planejados e executados. Dessa forma,</p><p>considerando que a governança orienta o agir da organização, a accountability,</p><p>conceito complexo que é, há de ser entendida como o conjunto de atos</p><p>executados em respeito às regras prescritas, à estrutura posta, aos papéis</p><p>esperados e às metas estabelecidas.</p><p>A governança dá o norte, planeja, estabelece as metas, escolhe o meio</p><p>de atuar, atua e controla. A accountability, nesse cenário, é o conjunto de atos</p><p>14</p><p>tendentes à informação, publicidade e verificação acerca do cumprimento dos</p><p>objetivos da boa governança. Mas não é só isto, pois a accountability também</p><p>assegura o apenamento de quem se desviar dos deveres e obrigações que</p><p>possui. Mas a accountability é multifacetada, ou seja, o ato de informar, justificar</p><p>e sancionar depende do que se faz e de para quem faz. Assim, no âmbito dos</p><p>estudos de governança a accountability adquire um conceito plástico (que se</p><p>amolda), portanto. É que os atos de informação, justificação, e punição,</p><p>adquirirão aspectos amplos, a depender de para quem se presta contas e do que</p><p>se presta contas (Almqvist, et al., 2010, p. 1746).</p><p>Pelo exposto, percebe-se que, para que valores públicos sejam</p><p>entregues, é necessário o máximo de fiscalização, o máximo de transparência,</p><p>o máximo de coerção potencial de sancionamento. E a accountability é</p><p>indispensável para tanto. Por isso, podemos afirmar que a accountability é um</p><p>princípio fundamental à governança pública (Oliveira; Carvalho; Corrêa, 2013, p.</p><p>92), pois as suas dimensões permitem dar a direção, medir e controlar as</p><p>atividades do gestor público. Nesse cenário, a transparência permite o controle</p><p>e a correção. O sancionamento, outro elemento da accountability, garante, pelo</p><p>caráter repressor e mesmo pedagógico, o cumprimento das regras e objetivos,</p><p>a satisfação das políticas públicas programadas.</p><p>No cenário da administração pública e seus modelos pode-se afirmar,</p><p>portanto, que a accountability se alinha com o que há de mais importante, pois</p><p>está determinada a permitir o controle dos atos praticados pelos gestores</p><p>públicos e, com isso, manter o rumo em prol da atuação ótima (governança</p><p>pública).</p><p>TEMA 4 INSTRUMENTOS DE GOVERNANÇA VOLTADOS À</p><p>ACCOUNTABILITY</p><p>Os valores públicos são produtos ou respostas necessários, úteis e</p><p>efetivamente entregues aos destinatários da sociedade. Existe no conceito de</p><p>valores públicos uma dimensão de necessidade, outra de desejo e uma terceira</p><p>de real entrega, real execução. Quer dizer, os valores públicos existem quando</p><p>os interesses públicos almejados são efetivamente realizados. Por exemplo, a</p><p>sociedade deseja uma estrada segura, bem-feita, moderna e que propicia</p><p>viagens prazerosas. Por meio de um contrato de parceria público-privada este</p><p>15</p><p>contrato é efetivamente entregue. Podemos afirmar, então, que essa estrada é</p><p>um valor público.</p><p>Mas para alcançar valores públicos muitas são as diretrizes e os princípios</p><p>de governança elencados pela teoria e pelas regras. Assim, podemos elencar os</p><p>seguintes elementos da governança do setor público, a saber: responsabilidade</p><p>em atender à sociedade, supervisão, controle e assistência social (Matias-</p><p>Pereira, 2010, p. 76). Os três primeiros, como se sabe, têm forte ligação com a</p><p>accountability. Mas esse ferramental pode se travestir de outros formatos. É que</p><p>há outros fatores que contribuem para uma governança corporativa sólida. São</p><p>eles, entre outros, estrutura e ambiente administrativo, administração de risco,</p><p>conformidade e complacência, monitoração e avaliação de desempenho,</p><p>responsabilidade em prestar contas, conformidade versus desempenho</p><p>(Marques, citado por Matias-Pereira, 2010, p. 76-77).</p><p>O Decreto n. 9.203/2017, por exemplo, traz alguns desses instrumentos</p><p>para realização da governança. De início, no próprio conceito de governança</p><p>trazido pelo decreto é destacado o caráter de controle e monitoramento de</p><p>políticas públicas e de serviços de interesse da coletividade (art. 2º, inciso I)</p><p>(Brasil, 2017a). Trata-se de ferramental que permitirá a justificação, a resposta</p><p>e o controle das atividades de gestão. A capacidade de resposta, a prestação de</p><p>contas e responsabilidade e a própria transparência, princípios da governança</p><p>pública elencados no art. 3º do Decreto n. 9.203/2017, necessitam de</p><p>ferramentas aptas ao seu alcance e realização (Brasil, 2017a).</p><p>Fala-se, por exemplo, no estabelecimento de controles internos que</p><p>permitam o alcance desses princípios. Os controles internos são, portanto,</p><p>ferramentas. Pode ser, por exemplo, um software, pode ser a aplicação de uma</p><p>técnica de monitoramento. A gestão de riscos, por exemplo, é uma ferramenta</p><p>de controle interno. Nesse sentido, colacionamos a lição do Tribunal de Contas</p><p>da União TCU, a saber:</p><p>Gestão de riscos e controles internos diz respeito à identificação,</p><p>avaliação e endereçamento dos riscos, incluindo o seu devido</p><p>tratamento pela instituição de adequados controles internos. Controle</p><p>interno é um processo integrado pela direção e funcionários</p><p>envolvidos, estruturado para enfrentar os riscos e fornecer segurança</p><p>razoável de execução ordenada, ética, econômica e eficaz,</p><p>cumprimento das obrigações de accountability, cumprimento das leis e</p><p>regulamentos e salvaguarda de recursos contra perdas, mau uso e</p><p>dano. (Brasil, 2017b)</p><p>16</p><p>A gestão de riscos é algo que tem sido bastante utilizada no</p><p>monitoramento e no controle das atividades da administração. Ela permite a</p><p>atuação preventiva. Ao estabelecer sua matriz de riscos, a administração pública</p><p>visa antever os possíveis perigos a que a atividade administrativa está sujeita e</p><p>propicia elencar as possíveis soluções a essa situação. A atuação é preventiva,</p><p>portanto. Mas também pode ser paliativa (quando os danos só podem ser</p><p>suavizados, amenizados) ou reparatória, acaso nos estudos prévios se verifique</p><p>a impossibilidade de se evitar a ocorrência do perigo e seus danos. A gestão de</p><p>riscos permite aferir o cuidado e a atenção no planejamento e na execução das</p><p>políticas</p><p>públicas e é, dessa maneira, outra ferramenta que propicia a</p><p>accountability.</p><p>Tomemos como exemplo um contrato administrativo para fornecimento de</p><p>medicamentos a pacientes portadores de doença grave. Esses medicamentos</p><p>não podem sofrer interrupção no fornecimento. A matriz de riscos deverá</p><p>considerar as circunstâncias necessárias para contratar quem detenha as</p><p>condições de realizar de maneira segura este fornecimento, sem interrupção.</p><p>Essa matriz de riscos deverá prever ainda um plano b, ou seja, qual deve ser a</p><p>alternativa em caso de interrupção no fornecimento. Além disso, deverá prever</p><p>qual é o nível de tolerância de falha na execução que é possível e quais as</p><p>consequências para a empresa contratada, entre outras questões. Deverá</p><p>prever, ainda, possíveis meios de reparação ou de compensação, tais como</p><p>multas e outras sanções.</p><p>O Tribunal de Contas da União (TCU) elencou numa cartilha, 10 passos</p><p>para a boa gestão de riscos. São eles:</p><p>1. Decida gerenciar riscos de forma proativa;</p><p>2. Aprenda sobre gestão de riscos;</p><p>3. Defina papeis e responsabilidades;</p><p>4. Estabeleça a política de gestão de riscos;</p><p>5. Defina o processo de gestão de riscos;</p><p>6. Identifique os riscos-chave;</p><p>7. Trate e monitore os riscos-chave;</p><p>8. Mantenha canais de comunicação com as partes interessadas;</p><p>9. Incorpore a gestão de riscos aos processos organizacionais;</p><p>10. Avalie e aprimore a gestão de riscos. (Brasil, 2018)</p><p>Os 10 passos anunciados pelo TCU têm ações de planejamento e de</p><p>controle. A ideia presente é a tentar controlar a realidade, de modo a garantir</p><p>que a atividade em execução saia perfeita ou que se aproxime ao máximo da</p><p>perfeição. Os 10 passos recomendam ainda se pensar no pior, ou seja, pensar</p><p>17</p><p>em situações nas quais não se conseguirá realizar o plano e, nesses casos, qual</p><p>deve ser a medida a ser adotada. Nesses casos, sempre se deve considerar se</p><p>é possível eliminar os danos e, em caso negativo, como eles poderão ser</p><p>compensados.</p><p>Há outras ações, além das elencadas pelo TCU na seara da governança</p><p>e da atuação ótima. O controle por resultados, a administração premiada, a</p><p>auditoria operacional são todos exemplos. O controle por resultados, por</p><p>exemplo, diz respeito a uma atuação da administração pública em que se dá</p><p>mais ênfase ao alcance da meta programada do que efetivamente a como ela</p><p>foi feita. É um jeito de deixar um pouco de lado o excesso de formalismo (claro,</p><p>sem desviar dos deveres impostos pela lei), de dar mais autonomia ao gestor e</p><p>de focar na concreção das políticas públicas. A administração premiada, pouco</p><p>utilizada, estabelece benefícios àqueles que atuam da maneira como a</p><p>administração prescreve. Veja o exemplo das políticas de fazer sorteios ou dar</p><p>compensações para quem exige notas fiscais em suas compras e se cadastra</p><p>nos programas de governo (nota fiscal premiada, entre outros). A auditoria</p><p>operacional, realizada por auditores de instituições encarregadas (Tribunais de</p><p>Contas, por exemplo), estão interessadas na efetiva realização da política</p><p>pública planejada e não no formalismo para executá-la.</p><p>Os exemplos anteriores, como ferramentas que auxiliam na concreção</p><p>das políticas públicas, permitem a execução das dimensões de informação,</p><p>justificação que a accountability possui. Quer dizer, fazer uso dessas</p><p>ferramentas pode garantir a realização de uma accountability mais efetiva,</p><p>permitindo a concretização de sua terceira dimensão, isto é, a do controle. É que</p><p>as ferramentas facilitarão a aferição dos atos realizados pelos gestores e,</p><p>consequentemente, o controle e possível apenamento dos atos considerados</p><p>irregulares ou contrários aos interesses públicos.</p><p>TEMA 5 PARTICIPAÇÃO SOCIAL E ACCOUNTABILITY</p><p>A Constituição da República de 1988 possui importante papel na</p><p>democracia brasileira. Com ela, muitos instrumentos de participação social foram</p><p>possibilitados, aproximando a sociedade da gestão pública. Fala-se, inclusive,</p><p>num processo de redemocratização. Esse processo de redemocratização</p><p>promove a aprendizagem social, que acontece pela participação (Shommer;</p><p>Moraes, 2010, p. 308). Essa participação tem sido capaz de promover</p><p>18</p><p>transformações na gestão pública. Os modelos de gestão pública (administração</p><p>pública burocrática, administração pública gerencial e governança pública) são</p><p>capazes de evidenciar isto: de uma administração pública burocrática, passamos</p><p>a conhecer a administração pública gerencial e desta a governança pública. O</p><p>surgimento desses últimos é atribuído, entre outros motivos, a reações às</p><p>disfunções do modelo burocrático, que engessava a administração pública</p><p>(Secchi, 2009). No último modelo (governança pública) é marcante a</p><p>dialogicidade, a cooperação entre os stakeholders (Estado, sociedade, mercado</p><p>e outros, por exemplo), o apoio mútuo e o alargamento da compreensão de</p><p>accountability (Bona; Boeira, 2018, p. 221).</p><p>Essas ações, em síntese, traduzem um aumento de participação política</p><p>do cidadão na gestão pública. Como exemplo dessa realidade, pode-se destacar</p><p>que os indivíduos e a sociedade, por meio de associações, têm conseguido</p><p>transformar a accountability no Brasil. Trata-se da chamada accountability</p><p>democrática, alcançada pelos mecanismos de controle social. Segundo</p><p>Shommer e Moraes (2010, p. 306):</p><p>As condições para o bom desempenho do controle social coincidem</p><p>com os fundamentos para que os mecanismos de accountability como</p><p>um todo sejam efetivos e contribuam para a qualidade da democracia.</p><p>Incluem-se entre essas condições a possibilidade de se obter e</p><p>divulgar diversidade de informações públicas, com transparência e</p><p>fidedignidade, a existência de imprensa livre e de espaços de debate</p><p>entre cidadãos, regras que incentivem o pluralismo e coíbam</p><p>privilégios, respeito ao império da lei e aos direitos dos cidadãos,</p><p>mecanismos institucionalizados que garantam a participação e o</p><p>controle da sociedade sobre o poder público, e possibilidade de que a</p><p>sociedade acione instituições de fiscalização, as quais tenham poder</p><p>de impor sanções.</p><p>O termo controle social designa ações de verificação dos atos de gestão,</p><p>realizadas pela população em geral ou por usuários do serviço público por meio</p><p>de Conselhos, plebiscitos, espaços de diálogo abertos pelos gestores ou ainda</p><p>por algum tipo de organização da sociedade (Shommer; Moraes, 2010, p. 301).</p><p>O controle social também pode ser compreendido como expressão da</p><p>capacidade do exercício da cidadania, como um processo de conquista popular,</p><p>de aquisição de consciência da sociedade, que se organiza para realizar seus</p><p>próprios projetos (Demo, citado por Bona; Boeira, 2018, p. 220).</p><p>Um exemplo de entidades que realizam esse controle são os</p><p>observatórios sociais. Essas entidades têm crescido no Brasil e, apesar de não</p><p>terem o poder de exercer sanção direta sobre os governantes, podem</p><p>19</p><p>desencadear outros mecanismos de accountability (Shommer; Moraes, 2010, p.</p><p>301), a exemplo de provocar o judiciário, mobilizar o legislativo, o tribunal de</p><p>contas, entre outros.</p><p>Acima de qualquer coisa, os observatórios sociais geram informações</p><p>acerca da gestão pública. Olhando dados, acompanhando as atividades, eles</p><p>geram documentos informativos e os disponibilizam aos interessados.</p><p>Desempenham um papel relevante para a sociedade, portanto. Shommer et al.</p><p>(2015) estudaram a coprodução de informação e controle por 20 observatórios</p><p>sociais no Brasil e concluíram que eles são capazes de promover a accountability</p><p>sistêmica, pois promovem o diálogo entre servidores e sociedade, facilitam e</p><p>abrem canais de comunicação entre o próprio controle institucional (feito pelas</p><p>instituições do judiciário, legislativo, tribunais de contas, entre outros) e o controle</p><p>social. Os observatórios sociais permitem ver que são positivos os efeitos da</p><p>interação entre o governo e a comunidade, visto que ela pode promover</p><p>melhores resultados na ação do governo</p><p>e no aprimoramento do controle social</p><p>(Shommer et al., 2015, p. 1396-1397). É ao saber como as atividades vêm sendo</p><p>executadas que a população pode cobrar, verificar se o que era esperado vem</p><p>sendo feito, se o que foi planejado está sendo executado a contento e, assim,</p><p>cooperar na gestão pública, contribuindo para a efetividade das políticas</p><p>públicas.</p><p>NA PRÁTICA</p><p>Vimos que a accountability está intimamente ligada à boa governança. Ela</p><p>é um princípio fundamental à governança, de modo que tem potencial para</p><p>assegurar que as obrigações dos gestores públicos sejam efetivamente</p><p>cumpridas. A accountability pode, por exemplo, promover o combate à</p><p>corrupção, auxiliar na recuperação de dinheiro público, desestimular o</p><p>descumprimento de regras, cooperar no controle.</p><p>São exemplos de atos de accountability de suporte à governança, a</p><p>contabilidade pública e seu papel informacional (Oliveira; Carvalho; Corrêa,</p><p>2013). A contabilidade pública possui um papel fundamental na dimensão</p><p>informacional da accountability. O dever de organizar e documentar as receitas</p><p>e despesas, permite o controle. Outro exemplo de atos de accountability que</p><p>colaboram à boa governança é a atuação de observatórios sociais (Bona; Boeira,</p><p>2018) na coprodução do controle do bem público. Esses observatórios sociais</p><p>20</p><p>coletam e analisam dados disponibilizados por órgãos públicos, interpretam</p><p>informações fornecidas e as disponibilizam a comunidade. Com isso, permitem</p><p>a disseminação de informações, o incremento da participação social e também</p><p>colaboram com outras instituições na realização de atos de controle,</p><p>possibilitando o sancionamento.</p><p>Um estudo atípico e interessante é o de como as atividades de advocacia</p><p>pública podem ser úteis ao órgão público. Slomski et al. (2010) estudaram o</p><p>resultado econômico gerado pela Procuradoria-Geral do Município de São</p><p>Paulo. A Procuradoria, pelas suas atividades, conseguia trazer resultados</p><p>positivos para o Município. Desta forma, realizada no setor ao atender ao</p><p>princípio da eficiência, produzia a boa governança e a accountability, já que as</p><p>informações produzidas eram úteis à sociedade e ao gestor público na tomada</p><p>de decisões.</p><p>FINALIZANDO</p><p>Vimos que a gestão está impregnada pela cultura e que a cultura brasileira</p><p>possui traços ligados ao patrimonialismo. No caso de nossa gestão pública,</p><p>nosso primeiro modo de atuar foi por meio de capitanias hereditárias, as quais</p><p>consistiam no recebimento de partes da colônia portuguesa para exploração</p><p>como se pertencessem ao donatário, desde que algumas obrigações fossem por</p><p>este cumpridas.</p><p>Vimos que somente nos anos de 1930 percebeu-se uma reforma na</p><p>gestão pública brasileira com esforços de desvinculação do ranço</p><p>patrimonialista, voltada à profissionalização. Vimos também que os modelos de</p><p>gestão burocrático, gerencial e de governança pública não se superpõem, não</p><p>se superam, mas que coexistem traços de cada um deles na atuação</p><p>administrativa.</p><p>Aprendemos, por exemplo, que o modelo burocrático ensinou a</p><p>importância do cumprimento de regras, mas que o cumprimento estrito de regras</p><p>pode conduzir à ineficiência, ainda que num modelo voltado ao cumprimento da</p><p>legalidade. Aprendemos que buscar a eficiência e a produtividade é meta da</p><p>administração pública brasileira, mas também que esta deve ser buscada</p><p>conjuntamente, pois o destinatário da política pública com o desenvolvimento do</p><p>modelo de governança pública é também partícipe dessa gestão.</p><p>21</p><p>De tudo o que foi visto, deve-se chamar a atenção para os atos de</p><p>informação, justificação e punição, dimensões da accountability (Schedler, citado</p><p>por Paludo, 2013, p. 135). A accountability está atrelada aos modelos de gestão</p><p>e é elemento da governança. Percebemos que a administração pública brasileira</p><p>evoluiu para um fazer com agilidade, mas de tudo prestando contas à sociedade.</p><p>E essa prestação de contas, essa dimensão de resposta é um elemento de suma</p><p>importância no tema estudado. Com ela, a sociedade se torna apta à realização</p><p>do controle e este deixa de ser um controle meramente formal, passando a</p><p>aspectos mais amplos.</p><p>As ferramentas de realização do controle se ampliam. Os aspectos de</p><p>prestação de contas passam a ocorrer em etapas diversas: eles podem se dar a</p><p>posteriori, conferindo agilidade à atuação, mas igualmente podem ocorrer</p><p>concomitantemente à prestação de contas. O controle pode ser prévio, no</p><p>instante em que se consulta a sociedade acerca do que fazer e de como fazer.</p><p>E como os atos de transparência caminham conjuntamente, fica fácil promover</p><p>o processo para o sancionamento de quem se desvia das metas e das</p><p>obrigações ligadas à gestão pública. A governança pública é, assim, o guarda-</p><p>chuva que tem a accountability como um de seus alicerces.</p><p>22</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ALMQVIST, R. Public sector: governance and accountability. Crit Perspect</p><p>Account, 2012.</p><p>ABU-EL-HAJ, J. Da Era Vargas à FHC: transições políticas e reformas</p><p>administrativas. Revista de Ciências Sociais, v. 36, p. 33-51, 2005,</p><p>BONA, R. S.; BOEIRA, S. L. O observatório social do Brasil e os desafios</p><p>organizacionais do controle social. Cadernos de Gestão Pública e Cidadania,</p><p>São Paulo: v. 23, n. 75, maio-ago., p. 215-234, 2018,</p><p>BRASIL. Decreto n. 9.203, de 22 de novembro de 2017. Diário Oficial da União,</p><p>Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 nov. 2017a.</p><p>BRASIL, F. G.; CEPÊDA, V.A.; MEDEIROS, T. O DASP e a formação de um</p><p>pensamento político-administrativo da década de 1930 no Brasil. Temas de</p><p>Administração Pública, v. 9, p. 60-90, 2014.</p><p>BRASIL. Tribunal de Contas da União. 10 passos para a boa gestão de riscos.</p><p>Brasília: TCU, Secretaria de Métodos e Suporte ao Controle Externo (Semec),</p><p>2018.</p><p>_____. Ac. n. 847\2017. Relator: Min. Benjamim Zymler. Sessão de 3 maio</p><p>2017b.</p><p>BRESSER-PEREIRA, L. C. Crise econômica e reforma do Estado no Brasil.</p><p>São Paulo: Editora 34, 1996.</p><p>_____. Reforma do Estado para a Cidadania: a reforma gerencial brasileira na</p><p>perspectiva internacional. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011.</p><p>CALMON, P. História social do Brasil, v. 1 Espírito da sociedade colonial.</p><p>São Paulo: Martins Fontes, 2002.</p><p>CARVALHO, R. M. U. Curso de direito administrativo. 2. ed. Salvador: Jus</p><p>Podvim, 2009, p. 326-7.</p><p>COSTA, F. L. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de administração pública;</p><p>200 anos de reforma. Revista de Administração Pública, v. 42, n. 5, p. 829-</p><p>874, 2008,</p><p>23</p><p>GODDARD, A. Accounting and NPM in UK Local Government Contributions</p><p>towards Governance and Accountability. Financial Accountability &</p><p>Management, v. 21, n. 2, p. 191-216, 2005.</p><p>MATIAS-PEREIRA, J. Curso de administração pública. São Paulo: Atlas,</p><p>2010.</p><p>OLIVEIRA, A. G.; CARVALHO, H. A.; CORRÊA, D. P. Governança pública e</p><p>governabilidade: accountability e disclosure possibilitadas pela contabilidade</p><p>aplicada ao setor público como instrumento de sustentabilidade do Estado.</p><p>Revista de Educação e Pesquisa em Contabilidade, Brasília, v. 7, n. 1, jan.-</p><p>mar., p. 91-104, 2013.</p><p>PALUDO, A. Administração pública. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.</p><p>PINTO, J. F.; SANTOS, L. T. Administração pública brasileira no século XXI:</p><p>caminhamos para alguma reforma? Administração Pública e Gestão Social,</p><p>v. 9, n. 3, jul.-set., p. 205-215, 2017,</p><p>PRESTES-MOTTA, F; BRESSER-PEREIRA, L. C. Introdução à organização</p><p>burocrática. São Paulo: Thompson, 2004.</p><p>SECCHI, L. Modelos organizacionais e reformas da administração pública.</p><p>Revista de Administração Pública RAP, Rio de Janeiro, v. 43, n. 2, p. 347-</p><p>69, mar/abr., 2009.</p><p>SHOMMER, P. C.; MORAES, R. L. Observatórios sociais como promotores de</p><p>controle social e accountability: reflexões a partir da experiência do observatório</p><p>social de Itajaí. Revista Eletrônica de Gestão Organizacional, v. 8, n. 3, set.-</p><p>dez., p. 298-326, 2010,</p><p>SHOMMER, P. C. et al. Accountability and co-production of information and</p><p>control:</p><p>social observatories and their relationship with government agencies.</p><p>Revista Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 49, n. 6, nov.-dez., p. 1375-</p><p>1400, 2015.</p><p>SLOMSKY, V. et al. A demonstração do resultado econômico e sistemas de</p><p>custeamento como instrumentos de evidenciação do cumprimento do princípio</p><p>constitucional da eficiência, produção de governança e accountability no setor</p><p>público: uma aplicação na Procuradoria-Geral do Município de São Paulo. In:</p><p>Revista Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 44, n. 4, jul.-ago., p. 933-</p><p>957, 2010</p><p>24</p><p>TAYLOR, M. M. Alcançando a accountability: uma abordagem para o</p><p>planejamento e a implementação de estratégias anticorrupção. Revista da</p><p>Controladoria-Geral da União, v. 11, n. 20, p. 1311-1330, 2019.</p><p>WEBER, M. Economia e sociedade. Brasília: Ed. da UnB, 2004.</p><p>1</p><p>ACCOUNTABILITY E</p><p>TRANSPARÊNCIA PÚBLICA</p><p>AULA 3</p><p>Prof. Fernanda Alves Andrade Guarido</p><p>2</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>A accountability, entendida como um conceito multidirecional (Taylor,</p><p>2019, p. 1318) abarca múltiplas ações, voltadas à informação, à justificação e à</p><p>punição, caso haja desvio daquilo que deve ser feito segundo regras prescritas.</p><p>Para uma boa compreensão das práticas de gestão pública atinentes à</p><p>accountability, é importante estabelecer uma divisão centrada nas dimensões do</p><p>conceito. Assim, inicialmente vamos abordar o aspecto informacional,</p><p>considerando sua finalidade e os meios pelos quais se concretiza, além do papel</p><p>dos atores envolvidos. Vamos abordar informações relacionadas ao uso da</p><p>internet, à iniciativa popular na solicitação de dados e documentos e à</p><p>participação na gestão e na política.</p><p>Em seguida, vamos tratar do aspecto de justificação presente na</p><p>accountability. Neste ponto, merece atenção o meio e o tempo em que a resposta</p><p>deve ocorrer, além da adequação da resposta e de seu destinatário. Na</p><p>sequência, vamos trabalhar o aspecto punitivo da accountability. Vamos abordar</p><p>questões prévias, ligadas à avaliação das ações, além da finalidade da função</p><p>punitiva, os atores que a realizam ou que podem realizá-la, e os resultados que</p><p>se pode alcançar.</p><p>Vamos estudar também as quatro dimensões do conceito de</p><p>accountability, tendo em vista que, sozinhas, elas não permitiriam o alcance do</p><p>resultado que geram juntas. Por fim, traremos os temas compliance e ética na</p><p>gestão pública, apresentando casos reais com os respectivos resultados</p><p>decorrentes de ações de accountability em todas as suas dimensões.</p><p>TEMA 1 A INFORMAÇÃO ENQUANTO PROMOTORA DA PARTICIPAÇÃO E</p><p>REALIZAÇÃO DOS IDEAIS DEMOCRÁTICOS</p><p>A informação é um recurso dos mais valiosos que existem. No mundo dos</p><p>negócios, quem a possui pode estar à frente, tomar decisões seguras, tendo</p><p>mais chances de acertar. Na gestão pública, no âmbito interno, em regra, não</p><p>deve haver surpresa na realização de políticas públicas, posto que já estão</p><p>programadas. Em uma nação em que os cidadãos se interessam pela política,</p><p>os seus representantes devem ser eleitos pelos projetos que pretendem</p><p>executar. Depois, devem ser fiscalizados por tais projetos, previamente</p><p>informados durante a campanha eleitoral. Como se sabe, o gestor público</p><p>3</p><p>trabalha executando um planejamento. Para os gestores públicos que foram</p><p>eleitos, seus projetos devem constar do PPA Plano Plurianual.</p><p>O Plano Plurianual, de médio prazo, previsto no art. 165 da Constituição</p><p>da República, é um dos primeiros locais a serem consultados sobre as políticas</p><p>públicas apresentadas pelos gestores. Sua finalidade é viabilizar e organizar a</p><p>gestão pública por quatro anos. Uma vez eleitos, os chefes de governo</p><p>(presidente da República, governadores e prefeitos) têm até 31 de agosto do</p><p>primeiro ano de governo para encaminhar o PPA ao legislativo respectivo. O</p><p>PPA é uma lei, portanto impõe caráter obrigacional aos gestores. Assim, uma</p><p>vez aprovado o PPA, ele deve ser cumprido, pois o plano passou pelo crivo dos</p><p>representantes diretos da população membros do legislativo. Assim, dar</p><p>concreção às ações, aos objetivos e às metas ali constantes deixa de ser</p><p>facultativo, pois vincula o gestor. O PPA é, assim, uma das primeiras fontes de</p><p>informação acerca do que o gestor fará, como fará, e em que tempo. Alinhando</p><p>os programas de governo de médio prazo, a LDO Lei de Diretrizes</p><p>orçamentárias (estabelece as metas e prioridades de cada ano) e a LOA Lei</p><p>Orçamentária Anual (estima receitas e fixa despesas para cada exercício</p><p>financeiro) devem ser consultadas, a fim de se verificar se o que o gestor vem</p><p>fazendo se alinha às suas promessas e ao que consta do PPA. Leis são</p><p>instrumentos públicos, devendo estar disponíveis a todos aqueles que desejam</p><p>conhecê-las. Assim, muitas das informações acerca da gestão, no âmbito do</p><p>executivo, são disponibilizadas ao final do primeiro ano de mandato (PPA), e a</p><p>cada ano seguinte, com as publicações das leis mencionadas (LDO e LOA).</p><p>A informação também permite opinar acerca da execução. Permite</p><p>controlar, antever riscos, prevenir desvios. Quem conhece também pode</p><p>participar. E a participação, seja na gestão, seja na política, pode propiciar um</p><p>maior índice de satisfação, posto que um número maior de administrados será</p><p>beneficiado. Com isso, aumenta-</p><p>República, em perfeito</p><p>alinhamento aos ideais democráticos, quando se busca uma aproximação entre</p><p>a Administração e os administrados.</p><p>Se o acesso à informação se dá desde o início da pretensão de governar,</p><p>é mais fácil realizar o controle. Assim, é preciso atentar à fidelidade do PPA e</p><p>das leis anuais seguintes cada uma das LDOs e LOAs. Durante a execução</p><p>dos atos de gestão, inúmeros atos de informação devem ser cumpridos. Tais</p><p>4</p><p>atos incluem informações aos encarregados da accountability institucional</p><p>(Tribunais de Contas, Ministério Público, Ouvidorias, entre outros) e aos</p><p>encarregados da accountability democrática (cidadãos, por si ou pelas entidades</p><p>relacionadas Observatórios Sociais, Organizações Não Governamentais, entre</p><p>outras).</p><p>A informação é, assim, um recurso valioso, pois permite executar</p><p>estratégias e verificar a realização dos atos de gestão que foram prometidos,</p><p>tendo se tornado lei (no PPA, nas LDOs e nas LOAs). Então, a informação</p><p>viabiliza o controle. É preciso lembrar, portanto, que a informação, dada a sua</p><p>importância, foi elevada ao nível de princípio jurídico princípio da publicidade.</p><p>Como tal, vincula o gestor público. Diversos são os atos, previstos em leis e em</p><p>regulamentos, focados na satisfação desse princípio, que é propiciador da</p><p>accountability.</p><p>Na realização de compras públicas, por exemplo, cabe ao gestor público</p><p>informar previamente sua intenção de adquirir produtos e serviços, dar a</p><p>conhecer as regras de julgamento do certame, realizar o certame em ambiente</p><p>de acesso ao público, noticiar a todos o resultado do certame, notadamente no</p><p>que tange a quem foi contratado, por que valor e para qual período de execução</p><p>de serviço ou de fornecimento. Essas informações permitem que os interessados</p><p>decidam se querem contratar com o poder público; em caso afirmativo, deve-se</p><p>realizar proposta, concorrer em igualdade de condições com os interessados, e</p><p>firmar contratos ou instrumentos congêneres. Viabiliza-se ainda a ciência do que</p><p>se passa no âmbito das aquisições públicas e, por conseguinte, a realização do</p><p>controle. Há obrigações quanto à informação no curso de certames, além das</p><p>instâncias de controle a exemplo da apresentação do edital aos Tribunais de</p><p>Contas , antes de realizada a licitação.</p><p>No passado, o acesso à informação e a realização da accountability</p><p>democrática (realizada pelos cidadãos) era mais difícil. O desenvolvimento da</p><p>internet exerceu papel fundamental no cumprimento do dever informacional.</p><p>Merecem destaque a criação de sítios eletrônicos institucionais, pois todo órgão</p><p>público tem seu</p><p>site, onde são prestadas informações acerca do que é feito. Os</p><p>contratos firmados, seus valores, os contratados, os convênios celebrados, as</p><p>organizações parceiras, oportunidades de firmar convênios, termos de parceria,</p><p>de fomento ou de colaboração com o Poder Público, constam dos sítios</p><p>5</p><p>eletrônicos. O acesso à informação aumentou sobremaneira com a divulgação</p><p>através da internet.</p><p>Outro avanço nessa seara foi o direito de petição. Antes, constava da</p><p>Constituição, assegurando a todos o direito de pedir informações a órgãos</p><p>públicos. Mas, recentemente, uma regra trouxe luz a esse direito, ampliando a</p><p>perspectiva de ação. É que o acesso a documentos foi facilitado através da Lei</p><p>de Acesso à Informação LAI, Lei Federal n. 12.527, de 18 de novembro de</p><p>2011. A LAI propiciou o acesso a dados e documentos produzidos em âmbito</p><p>público, desde que não sejam sigilosos. A lei também estabeleceu que a</p><p>publicidade é a regra, e que o sigilo é exceção. Ali está consignado que a</p><p>finalidade da lei é permitir o controle social, ou seja, permitir que os cidadãos</p><p>saibam o que se passa, para que participem da gestão.</p><p>A informação é a primeira dimensão da accountability. Ela não se realiza</p><p>apenas com a informação, mas este é o primeiro passo para que as demais</p><p>dimensões se realizem (justificação e punição). A informação é também o</p><p>principal promotor da accountability democrática, considerada um tipo</p><p>importantíssimo, pois no Estado Democrático de Direito tal aproximação entre</p><p>cidadão e governo é mais do que desejada é esperada. Assim, é de suma</p><p>importância que a sociedade tenha acesso à informação acerca da gestão</p><p>pública. Mais do que isso, a informação deve ser de qualidade e de fácil</p><p>compreensão. Esse debate será melhor desenvolvido em momento oportuno.</p><p>TEMA 2 RESPOSTA OU JUSTIFICAÇÃO E SUA CONTRIBUIÇÃO AO</p><p>CONTROLE INSTITUCIONAL E SOCIAL</p><p>Da mesma forma que os projetos de governo se tornam programas</p><p>constantes do PPA, a justificação acerca dos atos de gestão deve se operar por</p><p>imposição legal. Assim, a lei exige que os gestores deem satisfação do que</p><p>fazem no cumprimento das funções públicas de que se encarregarem. A</p><p>dimensão de answerability ganha espaço nesse momento. Lembramos que, em</p><p>tradução, o termo quer dizer responsabilidade; mas, em termos teóricos, a</p><p>accountability traz uma junção das dimensões de informação e justificação. Ao</p><p>tratamos da answerability, adentramos na seara da obrigação de justificar, como</p><p>constante em lei. Por isso, devemos abordar aspectos ligados à forma como a</p><p>resposta deve ser dada e ao seu conteúdo. É sobre isso que trataremos adiante.</p><p>6</p><p>Devemos registrar que muitas das ações do gestor público estão</p><p>prescritas, inclusive quanto à forma. Nesse sentido, ao realizar as atividades</p><p>cotidianas, em regra, é preciso motivá-las isto é, esclarecer por que aquela</p><p>ação foi escolhida, e qual a sua finalidade. Mesmo quando o ato é discricionário,</p><p>ou seja, quando há uma maior margem de liberdade de escolha por parte do</p><p>gestor, ainda assim o dever de motivação do ato não pode ser afastado. É</p><p>preciso lembrar também que, na decisão quanto ao que deve ser feito, como</p><p>gerir, devem estar presentes, entre outros, critérios que levem em conta o</p><p>cumprimento da lei aplicável (formalidade e efetividade), a economia do ato, a</p><p>eficiência do meio empregado e a adequada obtenção do resultado (satisfação</p><p>do interesse público visado).</p><p>É preciso observar, assim, tanto os aspectos formais da atuação, já que</p><p>a Administração tem especificidades como ritos prescritos e prazos a observar</p><p>, quanto os aspectos materiais como fidelidade aos programas, adequação</p><p>da ação, satisfação de um legítimo interesse público etc. Note que alguns</p><p>agentes políticos registram suas promessas de campanha em cartório, a fim de</p><p>aumentar a sua credibilidade. Há, após a assunção do mandato, diversas leis</p><p>que vinculam o gestor, e que o obrigam a segui-las. A resposta, ao ser prestada,</p><p>portanto, deve levar em conta tais prescrições. Vejamos alguns exemplos:</p><p>Cumprimento de programas estabelecidos no Plano Plurianual, e de</p><p>metas e diretrizes constantes da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei</p><p>Orçamentária Anual;</p><p>Cumprimento de limites legais de despesas na contratação de pessoal,</p><p>como previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal LRF (na esfera federal,</p><p>50% da Receita Corrente Líquida CL; nas esferas municipal e estadual,</p><p>60% da RCL);</p><p>O dever de prestação de contas aos Tribunais de Contas, fixado pela</p><p>Constituição da República, a todos aqueles que utilizam, guardam,</p><p>arrecadam, gerenciam ou administram dinheiro público;</p><p>O rito para contratação de empresas fornecedoras (realização de</p><p>licitação, escolha impessoal daquele que oferecer a melhor proposta e</p><p>atender às exigências de habilitação, entre outros meios).</p><p>7</p><p>Em suma, a lei estabelece formas de justificar as ações, e o gestor público</p><p>está adstrito a elas, sendo assim obrigado a cumpri-las. Se não o fizer, poderá</p><p>sofrer punições.</p><p>Merece atenção ainda a resposta que o gestor público deve dar, interna e</p><p>externamente, no âmbito da organização, de outras instituições e da própria</p><p>sociedade. Quer dizer, justificar, para o gestor público, não é apenas o</p><p>cumprimento de um dever. A forma como ele justifica também influencia o modo</p><p>como será visto, dentro e fora da Administração Pública, e se ele será aceito,</p><p>interna e externamente. Isso nos obriga a tratar da legitimidade, isto é, do senso</p><p>de aprovação do gestor, com a adequação de seus atos no meio em que são</p><p>realizados, e em relação aos anseios dos administrados. Falar de legitimidade</p><p>implica comentar se o gestor é bem quisto, se os seus colegas, se os seus fiscais</p><p>e se a sociedade aprovam o que faz, e se ele tem credibilidade para seguir</p><p>atuando na vida pública.</p><p>Essa dimensão da resposta é de suma importância, pois acaba</p><p>adentrando a aspectos voltados ao compliance. A palavra compliance significa</p><p>conformidade. Implica dizer que o gestor público não faz o que quer e nem como</p><p>quer. A sua atuação requer não somente ritos pré-estabelecidos em regras, mas</p><p>também valores e princípios, os quais têm por fonte o ambiente institucional e a</p><p>própria sociedade. Isso pode ser melhor explicado com um exemplo: o gestor</p><p>público que leva os trabalhos de seu filho para imprimir dentro da repartição está</p><p>fazendo uso inadequado dos bens públicos. O mesmo se passa com o gestor</p><p>público que leva os filhos para a escola no veículo oficial, que viaja com o carro</p><p>e o combustível da repartição, entre outros tantos exemplos. Isto é fazer uso de</p><p>bem público para fins privados. Além de configurar crime, ofende valores e</p><p>princípios que são caros aos próprios gestores públicos, e à sociedade como um</p><p>todo. São condutas ilícitas e inadequadas.</p><p>Para esclarecer ainda mais o exposto, é oportuno recordar a reação da</p><p>sociedade aos atos de corrupção. A resposta que se exigiu do gestor em relação</p><p>aos atos de corrupção após os movimentos sociais ocorridos entre 2013 e 2018</p><p>impôs ao gestor público observar prescrições normativas do ambiente interno</p><p>(dentro da própria Administração Pública) e externo (para a sociedade e mesmo</p><p>no plano internacional). Dessa forma, não se pode simplesmente agir da maneira</p><p>como se entende correta: é preciso adequar a ação àquilo que se considera</p><p>8</p><p>correto no âmbito da Administração Pública e da Sociedade, para a gestão que</p><p>é prestada.</p><p>Podemos citar exemplos de atos que, uma vez praticados, serão</p><p>reprovados no ambiente da gestão pública. Muitos desses atos, com o passar</p><p>do tempo, passaram a ser considerados crimes (foram inseridos em leis como</p><p>condutas vedadas). O exemplo mais comum é o nepotismo, já que dar emprego</p><p>a parentes não é conduta aceita por parte de agentes públicos. Outro exemplo</p><p>to é, nomear pessoas para o exercício de cargo</p><p>público e dividir com elas o valor dos vencimentos. Um terceiro exemplo que se</p><p>síntese, em usar dinheiro da Caixa Econômica sem reposição imediata,</p><p>endividando os cofres públicos. Essa última conduta gerou um pedido de</p><p>impeachment de uma presidente da República.</p><p>Assim, as respostas dos gestores devem ser dadas em conformidade com</p><p>a lei, mas também de acordo com os valores e princípios que são caros, tanto</p><p>internamente, no âmbito da Administração Pública, quanto externamente, no</p><p>âmbito societal. A atuação do gestor é capaz de gerar credibilidade, conferindo-</p><p>lhe uma aceitação por parte da Administração e da sociedade. Isso dará</p><p>legitimidade a seus atos. Do contrário, os atos do gestor podem ser ilegítimos, e</p><p>ele estará sujeito a possível responsabilização perante as instâncias de controle.</p><p>TEMA 3 A SANÇÃO COMO ELEMENTO GARANTIDOR DA</p><p>ACCOUNTABILITY</p><p>A accountability tem as dimensões de informação, justificação e punição.</p><p>As duas primeiras têm a finalidade de informar, de dar a público a atuação do</p><p>gestor. Elas também permitem controlar, mas para tanto é preciso acrescentar</p><p>uma capacidade àqueles que realizam o controle. A terceira, a dimensão de</p><p>punição, exerce um papel muito importante. É que sem a dimensão</p><p>sancionatória, o accountability seria ineficaz. Ela consiste, portanto, no arremate</p><p>necessário à consagração das obrigações de informação e de justificação. A</p><p>sanção assegura o controle institucional (realizado pelos Tribunais de Contas,</p><p>pelo Ministério Público, pelo próprio Judiciário) e o controle social (exercido pelos</p><p>cidadãos). A capacidade de enforcement (imposição de sanções e de perda de</p><p>poder) confere força à ação de accountability. Mas nem todos os atores detêm a</p><p>capacidade de cominar sanções; ou, noutras ocasiões, a natureza da sanção de</p><p>9</p><p>competência do ator pode não conferir eficácia à accountability. Portanto, às</p><p>vezes, descumprir a regra é vantajoso, porque a pena que advém do</p><p>descumprimento é suportável, não intimida.</p><p>O ato de apenamento deve, portanto, ser suficiente ao atingimento da</p><p>finalidade a que se destina. Entre as funções da pena, deve-se considerar o seu</p><p>caráter pedagógico, o seu caráter repressor, e ainda a possibilidade de</p><p>reparação do ilícito cometido. Em caráter pedagógico, tem-se a importância de</p><p>o infrator (e daqueles que estão a seu redor) aprender com o ato ilícito, não o</p><p>repetindo função preventiva. No caráter sancionador, está presente a ideia de</p><p>expiação, isto é, infringir as regras causa dor, sofrimento e, com isso, passa-se</p><p>novamente ao desestímulo à infração função retributiva. Na hipótese de</p><p>reparação, deve-se levar em conta que as penalidades, que devem promover a</p><p>correção do mal causado, ou amenizá-lo. Muitas das sanções são pensadas</p><p>dessa maneira. Atente aos exemplos a seguir, extraídos do art. 9º da Lei de</p><p>Improbidade Administrativa Lei n. 8.429, de 1992.</p><p>Tabela 1 Sanções e seu caráter retributivo, preventivo e reparador</p><p>Sanção</p><p>Função</p><p>Pedagógica</p><p>(preventiva)</p><p>Função</p><p>Punitiva</p><p>(retributiva)</p><p>Finalidade</p><p>Reparadora</p><p>Suspensão de direitos</p><p>políticos de 8 a 10 anos</p><p>Presente. Sempre</p><p>é possível</p><p>aprender com a</p><p>pena aplicada e</p><p>intimidar-se com</p><p>ela, evitando</p><p>delinquir.</p><p>Prevenção.</p><p>Presente. O</p><p>praticante do</p><p>ilícito vai expiar a</p><p>suspensão dos</p><p>direitos políticos</p><p>pelo ato ilícito</p><p>praticado.</p><p>Perda de função pública Presente. Sempre</p><p>é possível</p><p>aprender com a</p><p>pena aplicada e</p><p>intimidar-se com</p><p>ela, evitando</p><p>delinquir.</p><p>Prevenção.</p><p>Presente. Aqui</p><p>haverá também</p><p>a expiação de</p><p>privação de</p><p>ocupação da</p><p>função pública</p><p>que propiciou a</p><p>conduta</p><p>desviante.</p><p>Multa civil em até 3 vezes o</p><p>valor do acréscimo</p><p>patrimonial</p><p>Presente. Sempre</p><p>é possível</p><p>aprender com a</p><p>pena aplicada e</p><p>intimidar-se com</p><p>ela, evitando</p><p>delinquir.</p><p>Prevenção.</p><p>Presente. A</p><p>expiação aqui</p><p>será a devolução</p><p>do triplo do valor</p><p>do dano.</p><p>Presente. A multa</p><p>permite a</p><p>compensação</p><p>pelos prejuízos</p><p>sofridos.</p><p>Ressarcimento integral do</p><p>dano</p><p>Presente. Sempre</p><p>é possível</p><p>aprender com a</p><p>Presente. O</p><p>apenado deve</p><p>expiar o</p><p>Presente. Com o</p><p>ressarcimento</p><p>integral do dano,</p><p>10</p><p>pena aplicada e</p><p>intimidar-se com</p><p>ela, evitando</p><p>delinquir.</p><p>Prevenção.</p><p>restabelecimento</p><p>da situação ao</p><p>status quo ante.</p><p>esforça-se que o</p><p>malefício</p><p>decorrente do</p><p>ilícito seja</p><p>eliminado.</p><p>Proibição de contratar com o</p><p>poder público ou receber</p><p>benefícios ou incentivos</p><p>fiscais ou creditícios</p><p>Presente. Sempre</p><p>é possível</p><p>aprender com a</p><p>pena aplicada e</p><p>intimidar-se com</p><p>ela, evitando</p><p>delinquir.</p><p>Prevenção.</p><p>Presente. A</p><p>expiação aqui</p><p>será a privação</p><p>de realizar novos</p><p>negócios</p><p>jurídicos com o</p><p>Poder Público.</p><p>Fonte: Elaborado com base em Brasil, 1992.</p><p>As sanções constantes do quadro estão previstas para aplicação diante</p><p>da constatação da prática de alguns ilícitos. Nesse sentido, importante lembrar</p><p>que o princípio da tipicidade exige que o tipo penal, isto é, a conduta considerada</p><p>ilícita, esteja prevista na norma. Se o crime ou a transgressão não estiverem</p><p>previstos em lei, não será possível punir. No âmbito administrativo, a</p><p>ser uma regra prevista em outro tipo de ato normativo. Por exemplo, uma</p><p>vedação prevista em edital de licitação pode permitir a aplicação de uma</p><p>penalidade a um participante do certame.</p><p>Ainda na dimensão de sanção, é preciso lembrar de princípios que se</p><p>aplicam ao caso. Trata-se da garantia do contraditório e da ampla defesa. Tais</p><p>garantias são cláusulas pétreas, que constam do art. 5º, LV da Constituição da</p><p>República. As cláusulas pétreas são cláusulas consideradas imutáveis,</p><p>intransponíveis, a menos que a Constituição seja modificada. Assim, todos têm</p><p>a obrigação de respeitá-las. Por isso, na cominação de sanção ao infrator, deve-</p><p>se considerar, primeiramente, a necessidade de se instaurar processo</p><p>investigativo; ao final, concluindo-se pela culpabilidade, pune-se o transgressor.</p><p>Durante a fase de investigação, a pessoa não pode ser considerada culpada,</p><p>devendo-se fornecer todas as oportunidades existentes na legislação para a sua</p><p>defesa.</p><p>Acreditamos que com um exemplo seja mais fácil compreender o tema.</p><p>Imagine uma investigação acerca de um atraso em um fornecimento praticado</p><p>por um fornecedor de um município. O município pode aplicar multa ou mesmo</p><p>outras penalidades ao contratado, pois isso está previsto na lei de licitações. E</p><p>o contratado infringiu as regras, pois atrasou o fornecimento. Mas, para o</p><p>município fazer isso, antes terá que instaurar um processo administrativo. Ao</p><p>longo do processo, o fornecedor tem o direito de se defender e de apresentar</p><p>11</p><p>provas que atestem a sua defesa. Somente ao final, se ficar verificado que o</p><p>fornecedor estava realmente errado, o município poderá puni-lo.</p><p>Voltando ao assunto relativo às punições, é preciso lembrar que há</p><p>esferas de investigação. Assim, o processo investigativo pode ocorrer no âmbito</p><p>administrativo, no civil e no penal. Cada uma dessas esferas tem uma finalidade.</p><p>Na esfera administrativa, a apuração visa recuperar o dano, com o afastamento</p><p>de pessoas consideradas transgressoras e a efetiva punição. Na esfera civil,</p><p>geralmente busca-se reparação. Na esfera penal, a manutenção da ordem, a</p><p>repressão ao ilícito e a cominação de penalidades a quem os pratica.</p><p>Por fim, devemos lembrar que o apenamento, isto é, a aplicação de</p><p>penalidade, deve corresponder ao crime ou à transgressão em pauta. Não pode</p><p>ser superior, de modo a pesar demais sobre os ombros do transgressor, nem</p><p>inferior, o que estimularia a reincidência. É o chamado princípio da</p><p>proporcionalidade</p><p>que chamamos de dosimetria), de modo que a pena a ser aplicada seja</p><p>correspondente e proporcional ao ilícito praticado. A penalidade deve ser</p><p>necessária e adequada, de modo a desestimular a prática de outros ilícitos,</p><p>sendo suficiente para fazer com que a pessoa que cometeu a irregularidade se</p><p>sinta desestimulada a infringir as regras novamente.</p><p>A terceira dimensão da accountability, a depender de quem realiza</p><p>o ato</p><p>de julgar, pode ter sanções diversas: na esfera penal, pode acarretar até mesmo</p><p>prisão; na esfera civil, pode acarretar multa, dever de reparação, mas terá</p><p>sempre um aspecto econômico. A depender do ilícito, pode acarretar perda de</p><p>direitos políticos pena dada pelo judiciário. No âmbito administrativo, as</p><p>sanções podem ser multas, advertências, demissões, suspensões e</p><p>impedimentos de contratar com o poder públicos, entre outras. A força que a</p><p>sanção apresenta, isto é, o seu poder de inibir o cometimento de novos ilícitos,</p><p>é muito importante para a efetividade da accountability.</p><p>TEMA 4 O ELO DAS DIMENSÕES DA ACCOUNTABILITY</p><p>Neste tema, a intenção é enfatizar a importância de se considerar todas</p><p>as dimensões da accountability, tendo em conta que, isoladas, elas não</p><p>alcançam resultados efetivos. Assim, deve-se promover a interação entre os</p><p>diversos atores encarregados das questões accountables.</p><p>12</p><p>Buta, Teixeira e Schurgelies (2018, p. 60) estudaram o uso do termo</p><p>accountability pela Administração Pública Federal brasileira no período de 1994</p><p>a 2017, e concluíram que o termo é fortemente utilizado como sinônimo de</p><p>prestação de contas, além de ser utilizado como sinônimo de responsabilização</p><p>e transparência esta última é a associação menos comum. Poucas são as</p><p>associações que utilizam os termos transparência, prestação de contas e</p><p>responsabilização conjuntamente.</p><p>Shommer e Moraes (2010) propõem uma concepção sistêmica de</p><p>accountability. Uma concepção sistêmica leva em conta a accountability em</p><p>relação aberta, isto é, todas as dimensões importam, em associação, e os atores</p><p>envolvidos também são essenciais. Assim, justificar se relaciona com informar,</p><p>e ambas com punir. Sozinhas, as dimensões perdem o valor para a</p><p>accountability, sendo insuficientes para o alcance de suas finalidades.</p><p>Observemos a seguinte passagem:</p><p>Cabe assinalar que a capacidade de impor sanções aos agentes</p><p>públicos é considerada essencial por estudiosos de accountability,</p><p>como mostra Ceneviva (2006) em panorama da literatura sobre o tema.</p><p>A sanção simbólica, eleitoral, administrativa, penal etc. evita que</p><p>accountability torne-</p><p>em discursos e intenções, mas com pouco valor prático. Ou restrita à</p><p>transparência, à prestação de contas financeira e ao cumprimento de</p><p>procedimentos formais de controle burocrático (Heidemann, 2009).</p><p>(Schommer; Moraes, 2010, p. 306)</p><p>Quer dizer, o que seria da accountability se ela se encerrasse nas funções</p><p>de informação e justificação? Seu valor seria reduzido, e seu respeito também.</p><p>Portanto, o aspecto sancionador é muito importante para a accountability.</p><p>A accountability democrática (realizada pelos cidadãos), por exemplo,</p><p>pode não estar dotada do caráter de sanção de maneira mais efetiva, mas pode</p><p>provocar outras formas de accountability, a exemplo da institucional (também</p><p>chamada de horizontal, por alguns autores, aquela realizada por entidades do</p><p>governo encarregadas de fiscalizar, como Tribunais de Contas, Ministério</p><p>Público e Judiciário). Quando há a provocação da accountability institucional</p><p>pela democrática, mobiliza-se quem tem o poder de cominar o apenamento</p><p>necessário a coibir práticas ilícitas no âmbito da gestão pública. Isso favorece o</p><p>compliance, isto é, o respeito, o cumprimento de deveres.</p><p>A mensagem a ser transmitida é muito simples: os atos de informação são</p><p>úteis, não somente por promoverem disseminação de dados, mas também</p><p>13</p><p>porque podem incentivar participação e controle. Os atos de justificação, por sua</p><p>vez, são hábeis ao conhecimento das atividades de gestão, mas também para o</p><p>potencial exercício do controle. Já os atos de sanção têm o poder de impor</p><p>respeito aos deveres de informação e de justificação, com o cumprimento de leis</p><p>e o desestímulo à infração.</p><p>TEMA 5 COMPLIANCE E ÉTICA NA GESTÃO PÚBLICA</p><p>O compliance vem sendo associado ao cumprimento de deveres éticos.</p><p>Quando se fala de corrupção, em contraposição, logo se fala de compliance.</p><p>Assim, movimentos de reação à corrupção no Brasil promoveram fomentaram o</p><p>desenvolvimento de ações voltadas ao compliance público, que é entendido da</p><p>seguinte forma:</p><p>em um primeiro momento, o compliance público poderia ser</p><p>conceituado como sendo o programa normativo de integridade ou</p><p>conformidade elaborado pelos órgãos e entidades da Administração</p><p>Pública que, abarcando um conjunto de mecanismos e procedimentos</p><p>setoriais, se destinaria a promover uma eficaz, eficiente e efetiva</p><p>análise e gestão de riscos decorrentes da implementação,</p><p>monitoramento e execução das políticas públicas, procuraria promover</p><p>um fortalecimento tanto da comunicação interna, como da interação</p><p>entre os órgãos e entidades da Administração Pública na gestão das</p><p>políticas públicas, traria uma maior segurança e transparência das</p><p>informações e, por essa razão, promoveria um incentivo à denúncia de</p><p>irregularidades e controle da corrupção, focado no resultado eficiente,</p><p>ou seja, na maximização do bem-estar social e na realização dos</p><p>direitos fundamentais, sobretudo os de natureza social. (Mesquita,</p><p>2019, p. 150)</p><p>Considerar o compliance como um programa normativo implica assumir</p><p>que ele tem tanto um caráter estrutural, de regra posta, quanto um caráter</p><p>valorativo, que envolve a internalização, pelas pessoas envolvidas, de regras de</p><p>conduta e de princípios voltados à gestão efetiva e eficaz. Há, portanto, nos</p><p>programas de compliance, um leque de atividades capazes de combater e evitar</p><p>a corrupção. Mas tais ações têm valor e se tornam relevantes no instante em</p><p>que são consideradas legítimas pelas pessoas envolvidas na gestão, que</p><p>passarão a praticá-las, não necessariamente por dever legal, mas porque</p><p>acreditam na adequação do programa de integridade.</p><p>Pode-se afirmar, portanto, que o programa de compliance deve satisfazer</p><p>a ética dos envolvidos na gestão pública. Estes, por sua vez, têm em sua ética</p><p>valores que são cunhados na sociedade. Há, assim, um entrelaçamento dos</p><p>14</p><p>valores societais com os organizacionais, de modo que uma ação, dentro da</p><p>unidade administrativa, pode ter significado relevante para toda a sociedade.</p><p>O combate à corrupção, o gasto responsável de dinheiro público, o uso</p><p>adequado dos bens estatais, o estabelecimento de relações saudáveis entre</p><p>servidores e particulares, a transparência nas relações obrigacionais, entre</p><p>outros aspectos, são normas que orientam o compliance público, e que se</p><p>alinham a valores societais. A existência e o cumprimento de regras de</p><p>integridade são de suma importância, em um momento da gestão pública em</p><p>que a aproximação com os stakeholders é maior, propiciando descentralização,</p><p>co-produção e cooperação.</p><p>A existência de programas de integridade, e a adesão a eles por</p><p>organizações parceiras, é algo que tem sido visto com bons olhos pelos gestores</p><p>públicos. Assim, as empresas privadas e as organizações não governamentais</p><p>que desejam firmar parcerias e contratações com o Poder Público podem obter</p><p>vantagem competitiva, caso possuam (e cumpram com) um programa de</p><p>integridade.</p><p>Mesquita (2019, p. 159) ressalta:</p><p>para muitos, os programas de compliance apresentam-se com</p><p>natureza predominantemente gerencial por estabelecer diretrizes para</p><p>gestão de riscos e informações, implementação de transparência e de</p><p>procedimentos padronizados e equânimes de atuação institucional ou</p><p>corporativa e recursos de accountability.</p><p>Observemos a necessidade de dar atenção para o estabelecimento de</p><p>Os programas de integridade, assim, criam obrigações que vão além de</p><p>aspectos gerenciais, adentrando no campo normativo e estabelecendo regras</p><p>para o meio, segundo os padrões do ambiente, vinculando assim os</p><p>circundantes.</p><p>Os recursos de accountability, trazidos pelos programas de compliance,</p><p>estão voltados às dimensões já vistas (informação, justificação e sanção). A Lei</p><p>n. 12.846, de 2013, por exemplo, prevê a responsabilização civil e administrativa</p><p>de empresas que praticarem atos lesivos em desfavor da Administração Pública.</p><p>Entre outros pontos, a lei prevê a responsabilização objetiva. Assim,</p><p>independentemente da comprovação de que a empresa atuou com culpa,</p><p>estipula penas pesadas para os infratores (de até 20% do faturamento bruto da</p><p>empresa ou de até 60 milhões de reais, caso não seja possível aferir o</p><p>15</p><p>faturamento bruto). Prevê ainda a celebração do chamado acordo de leniência;</p><p>ou seja, caso a empresa coopere com as investigações, pode ser concedida</p><p>redução de penalidades.</p><p>NA PRÁTICA</p><p>Muitas são as práticas de gestão pública em que se pode verificar a</p><p>accountability. Elas podem ser identificadas em atos de informação, de</p><p>justificação e de punição, mas somente em seu conjunto podem corroborar para</p><p>a efetividade da accountability e esta, para a boa governança.</p><p>A = accountability; T = transparência;</p><p>F = fiscalização; S = sanção; E = efetividade das instituições e D = dominância</p><p>política, Taylor (2019) propõe ações para implementar as estratégias</p><p>anticorrupção. No quesito transparência, cita como exemplo o livre acesso às</p><p>reuniões de governo, além de acesso a procedimentos e a informações. No</p><p>quesito da fiscalização, o autor sugere que ela será mais eficaz se estiver</p><p>baseada em diferentes perspectivas, fornecidas por órgãos e agentes</p><p>sobrepostos de accountability. No terceiro quesito, sanção, o autor sugere que</p><p>o mais importante é a disseminação da ideia de que há normas sociais em</p><p>funcionamento, que efetivamente podem conter os atos ilícitos. O caráter</p><p>ostensivo da sanção é suficiente, segundo o autor.</p><p>Os moderadores, efetividade das instituições e dominância política, são</p><p>assim considerados:</p><p>Três fatores desempenham papel central na eficiência das instituições:</p><p>1) capacidade estatal (uma burocracia profissional capaz de</p><p>implementar políticas sem influências externas excessivas);9 2) um</p><p>robusto conjunto de ferramentas institucionais, como leis pertinentes,</p><p>burocracias que se apoiam mutuamente e orçamentos adequados; e</p><p>3) participação ativa e envolvimento dos cidadãos, que é uma força</p><p>multiplicadora de transparência, fiscalização e sanção. (Taylor, 2019,</p><p>p. 1319)</p><p>Uma estrutura operacional e orçamentária é apontada como moderador</p><p>hábil a colaborar no alcance de accountability. A existência de uma estrutura</p><p>burocrática equilibrada, atenta às regras de boa governança, que prima por</p><p>eficiência e pela efetividade das políticas públicas, é necessária e desejável.</p><p>Assim, facilita-se a accountability; como via de mão dupla, incrementa-se a</p><p>governança.</p><p>16</p><p>Mas não é somente esse o moderador importante. Acerca da dominância</p><p>política, Taylor (2019, p. 1319) aponta:</p><p>Já a dominância política (D), por outro lado, causa um efeito negativo,</p><p>já que diminui os incentivos para que a fiscalização seja ativa e a</p><p>sanção, intensiva. Mantendo inalterados os outros fatores, quanto mais</p><p>os órgãos públicos são dominados por partidos políticos ou aliados do</p><p>governo, menor a probabilidade de serem capazes de cumprir sua</p><p>função de exercer accountability. A dominância política é muitas vezes</p><p>associada a uma falta de empenho político para combater a corrupção;</p><p>em contrapartida, um aumento na competitividade política</p><p>normalmente traz consigo um maior interesse em aplicar as leis e</p><p>corrigir seus defeitos quando necessário.</p><p>Já a dominância política é um fator negativo ao alcance de accountability.</p><p>Ela deve ser evitada, portanto. Para tanto, a disseminação de informações e o</p><p>incremento da participação da sociedade na vida política, segundo se acredita,</p><p>são de suma importância. Cidadãos que veem, opinam e cobram têm mais</p><p>chance de reduzir a atuação arbitrária de seus representantes.</p><p>Podemos citar ainda, como prática promotora da accountability, a</p><p>existência de um aparto legal suficientemente forte. Uma lei que seja respeitada</p><p>pelos jurisdicionados dá legitimidade ao aparato burocrático, inibindo a</p><p>propensão à burla das regras e à prática de ilícitos. Para tanto, tais regras devem</p><p>ser abrangentes, baseadas em um sistema de sancionamento forte o suficiente</p><p>para levar o potencial infrator a ponderar acerca das desvantagens existentes na</p><p>incursão de ilícitos. Quer dizer, se a penalidade for fraca, o infrator possivelmente</p><p>calculará as vantagens de se infringir as regras.</p><p>FINALIZANDO</p><p>Vimos nesta aula como os elementos da accountability se materializam</p><p>nas práticas da gestão pública. Comentamos e estudamos o modo como os atos</p><p>de informação, justificação e sanção podem colaborar ao alcance da</p><p>accountability e ao exercício da boa governança. Verificamos, por meio da</p><p>fórmula apresentada por Taylor (2019), que mecanismos de accountability são</p><p>importantes no alcance da boa governança, e que sofrem influência de atos de</p><p>efetividade da gestão e da dominância política.</p><p>Assim, é preciso evitar a dominância política, já que ela interfere</p><p>negativamente no alcance de accountability. Ao contrário, o incremento de</p><p>eficiência na estrutura burocrática, a robustez de leis e a legitimidade das</p><p>atividades de gestão colaboram para a realização da accountability. Trata-se, é</p><p>17</p><p>preciso lembrar, não somente de controle puro, tampouco de prestação de</p><p>contas isolada, e menos ainda de responsabilização pura e simples.</p><p>Accountability é um conceito complexo, multidirecional (Taylor, 2019), realizado</p><p>de diversas formas e por muitos atores.</p><p>Em uma sociedade democrática, a accountability social (também</p><p>chamada de vertical, por alguns estudiosos) é desejada, pois representa</p><p>maturidade política (Campos, 1990) e realização de ideais pluralistas. Por sua</p><p>vez, a accountability institucional (horizontal), por estar estruturada em regras e</p><p>por conferir aos encarregados o poder de sancionamento, é sobremaneira</p><p>importante no alcance dos resultados visados satisfação de legítimos</p><p>interesses públicos, realização responsável de despesas públicas, transparência</p><p>e controle da gestão e aprimoramento dos resultados na atividade administrativa.</p><p>Se, por um lado, o termo accountability já foi, no Brasil, difícil de ser</p><p>traduzido (Campos, 1990), historicamente ele vem sendo concretizado por ações</p><p>voltadas ao aumento da transparência, da participação social, com exigências</p><p>ligadas à prestação de contas, pelo estabelecimento de regras ligadas ao</p><p>planejamento e métricas de execução; em suma, por meio do aprimoramento da</p><p>estrutura burocrática, do potencial controlador dos cidadãos e da capacidade de</p><p>se coibir atos ilícitos. Corroboram para esse cenário a criação e a transformação</p><p>de leis voltadas a potencializar a capacidade de ação dos encarregados da</p><p>accountability na estrutura governamental brasileira.</p><p>18</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BRASIL. Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992. Diário Oficial da União, Poder</p><p>Legislativo, Brasília, DF, 3 jun. 1992.</p><p>BUTA, B. O.; TEIXEIRA, M. A. C.; SCHURGELIES, V. Accountability nos Atos</p><p>da Administração Pública Federal brasileira. Revista Pretexto, Belo Horizonte,</p><p>v. 9, n. 4, p. 46-62, 2018.</p><p>CAMPOS, A. M. Accountability: quando poderemos traduzi-la para o português?</p><p>Revista de administração pública, v. 24, n. 2, p. 30-50, 1990.</p><p>MESQUITA, C. B. O que é compliance público? Partindo para uma Teoria</p><p>Jurídica da Regulação a partir da Portaria nº 1.089 (25 de abril de 2018) da</p><p>Controladoria-Geral da União (CGU). Revista de Direito Setorial e</p><p>Regulatório, Brasília, v. 5, n. 1, p. 147-182, maio 2019.</p><p>SHOMMER, P. C.; MORAES, R. L. Observatórios Sociais como promotores de</p><p>controle social e accountability: reflexões a partir da experiencia do observatório</p><p>social de Itajaí. Revista Eletrônica de Gestão Organizacional, v. 8, n. 3, p.</p><p>298-326, set.-dez. 2010.</p><p>TAYLOR, M. M. Alcançando a accountability: Uma Abordagem para o</p><p>Planejamento e Implementação de Estratégias Anticorrupção. Revista da</p><p>Controladoria-Geral da União, v. 11, n. 20, p. 1311-1330, 2019.</p><p>ACCOUNTABILITY</p><p>E</p><p>TRANSPARÊNCIA PÚBLICA</p><p>AULA 4</p><p>Prof.ª Fernanda Alves Andrade Guarido</p><p>2</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>O que é transparência pública?</p><p>Conceituar transparência pública não é tarefa fácil. Mas é a isso que nos</p><p>propomos. Para tanto, perpassaremos questões voltadas à origem do termo,</p><p>focando sua história para a ciência política. Em seguida, conversaremos acerca</p><p>da transparência no ordenamento jurídico e sua relação com os princípios da</p><p>legalidade, da moralidade e da publicidade. Haveremos de nos indagar se</p><p>transparência e publicidade são sinônimos, e nos esforçaremos para definir o</p><p>termo ou, ao menos, parametrizar o que se menciona ao falarmos de</p><p>transparência. Por fim, verificaremos na jurisprudência do Tribunal de Contas da</p><p>União (TCU) como a transparência é concebida. Ao final, focaremos os aspectos</p><p>mais importantes do que foi visto na aula.</p><p>TEMA 1 ASPECTOS HISTÓRICOS ACERCA DA TRANSPARÊNCIA PÚBLICA</p><p>Transparência é um termo impreciso. Na esfera pública, ele se refere,</p><p>em linhas gerais, à divulgação de informações pelo governo, acerca dos atos de</p><p>sua gestão. Mas não é só isso, pois a mera divulgação de atos não é suficiente</p><p>para que a transparência atinja suas finalidades na seara pública. Adiante</p><p>abordaremos melhor esse tema.</p><p>Há estudos que remetem à ocorrência de análise do termo já no</p><p>século XIX. Três correntes precursoras discutiam a transparência na época,</p><p>rdo com regras</p><p>previsíveis e estáveis, a comunicação deve ser franca e aberta com a sociedade</p><p>e devem existir formas de tornar tanto a organização quanto a sociedade</p><p>Zuccolotto; Teixeira, 2019, p. 21).</p><p>A ideia de que o governo deve agir de acordo com regras previsíveis e</p><p>estáveis pode parecer óbvia no século XXI, mas, ao tempo que reportamos</p><p>século XIX , ainda se tentava dar solidez à noção de que o Estado, à época</p><p>liberal, era diferente do modelo anterior, em que um rei estava no centro do</p><p>comando e que, como representante do Ser Divino na Terra , poderia governar</p><p>da maneira que lhe aprouvesse, inclusive em segredo, sem dar satisfação aos</p><p>súditos. No estado liberal a ideia é distinta: se por um lado o estado é mínimo,</p><p>no sentido de interferir da menor maneira possível na vida dos cidadãos, por</p><p>3</p><p>outro, como representação da vontade dos cidadãos, esse ente deve dar</p><p>mostras do que faz, de como faz e de por que faz. Se isso não ocorrer, o ente</p><p>estatal passa a ganhar aspectos autoritários, pois o segredo pode se traduzir em</p><p>ausência de satisfação, em descompromisso com o público. Bentham, já em</p><p>1790, afirmava que os governos deveriam ser vigiados, pois isso conduz ao</p><p>aprimoramento comportamental.</p><p>As regras, por sua vez, se previsíveis, ou seja, se previamente</p><p>conhecidas, e se estáveis, não modificáveis ao talante do gestor, garantem</p><p>estabilidade, podem propiciar segurança e confiança na gestão. Por isso, um</p><p>processo legislativo elaborado segundo regras formais também previamente</p><p>delimitadas tem a capacidade de propiciar transparência. Porém, é pela</p><p>disciplina dos primeiros passos na gestão que se iniciam os ideais de</p><p>transparência que vão assegurá-la em outros momentos. As leis escritas têm,</p><p>assim, um papel de suma importância para garantir o princípio que aqui</p><p>estudamos.</p><p>Para que a comunicação seja franca e aberta por parte do gestor público,</p><p>é preciso, antes de mais nada, que seus atos sejam aferidos. Por isso, deve-se</p><p>ter em conta que a transparência não é somente falar sobre o que se faz, mas,</p><p>sobretudo, mostrar o que se faz por meio de métodos confiáveis. O princípio,</p><p>para ser efetivo, portanto, demanda ações, processos e atores.</p><p>No que tange aos atores, é preciso que haja alguém ou algo passível de</p><p>ser observado, que haja observador(es) e que o meio ou o método de</p><p>observação sejam conhecidos. Também se pode conceber a transparência</p><p>como a abertura1 de procedimento de trabalho para alguém não diretamente</p><p>ligado a esse trabalho, de modo a permitir-lhe verificar o que se faz de bom. O</p><p>fato é que nem sempre a abertura de dados a alguém conduz à verificação do</p><p>que se faz de bom. Muitas vezes, essa abertura permite verificar que algo de mal</p><p>está sendo feito, ou que algo que não deveria ter sido feito, o foi. Nesses casos,</p><p>é necessário tomar atitudes que conduzam à repressão dos atos indesejáveis ou</p><p>vedados (Meijer, 2009).</p><p>Em suma, no século XIX se disseminaram ideias que alertavam ao fato</p><p>de que o mero juramento não era por si só suficiente para que o servidor público</p><p>ou o gestor agissem de maneira adequada. Dar o norte para a ação e verificar o</p><p>1 No sentido de dar ciência a alguém sobre o que se faz no trabalho, sobre as atividades</p><p>realizadas.</p><p>4</p><p>que estavam fazendo era importante também. A ideia de transparência, que é</p><p>de plano associada a aspectos da visão, remete, assim, às ações de verificação</p><p>das atividades do gestor. Por exemplo, nos EUA, no século XIX, disseminaram-</p><p>se práticas de reuniões públicas, em alinhamento com esse princípio. As</p><p>pessoas poderiam assistir às reuniões em que se deliberava sobre o que deveria</p><p>ser feito. As pessoas viam, portanto, os atos de gestão serem praticados. Esse</p><p>foi o início da compreensão acerca do que era transparência e de como ela</p><p>deveria ocorrer na gestão pública.</p><p>Já no século XX, aprimorando-se as ideias do século XIX, cresceu a</p><p>racionalidade no sentido internacional, e também interno. A governança</p><p>internacional passou a pregar a necessidade de transparência. Ganhou</p><p>destaque a ideia de que o relacionamento entre as nações não deveria se operar</p><p>por meio de segredos. Isso correu após a Primeira Guerra Mundial, pois os</p><p>acordos para que ela ocorresse foram conduzidos secretamente (Zuccolotto;</p><p>Teixeira, 2019). Falava-se também que os estados deveriam produzir</p><p>documentos auditáveis e inteligíveis, de modo a permitir a análise de organismos</p><p>internacionais.</p><p>Por fim, disseminou-se a ideia de que, internamente, perante os</p><p>administrados, também deve haver abertura de informações. Nesse sentido,</p><p>deve-se governar: (1) com base em regras pré-estabelecidas; (2) possuir uma</p><p>contabilidade pública específica e acessível; (3) deve haver na legislação</p><p>meios suficientes de impedir que práticas obscuras entre governo e</p><p>organizações privadas se estabeleçam. No século XX se consolidou a ideia de</p><p>que os cidadãos devem ter acesso às informações, o que resultou no surgimento</p><p>de leis nesse sentido. As ideias de abertura e de publicidade entre o Executivo</p><p>e seus cidadãos ganharam força. Os fóruns abertos também. Essas ideias</p><p>ligadas à transparência se associam aos ideais de democracia deliberativa.</p><p>As bases do conceito de transparência foram lançadas, portanto, no</p><p>século XIX. O debate acerca da participação na gestão, por sua vez, conduziu</p><p>ao desenvolvimento da ideia de que a gestão deve ser transparente. A</p><p>globalização e o desenvolvimento de tecnologias são fatores que colaboraram</p><p>para essa realidade (Zuccolotto; Teixeira, 2019). Importante lembrar que a</p><p>globalização aprimorou processos de comunicação entre os países e fomentou</p><p>a integração econômica, cultural, social e política. Com o apoio do</p><p>desenvolvimento de novas tecnologias, a transparência ganhou força, tendo se</p><p>5</p><p>disseminado regras que a determinavam. Além disso, muitos outros modos de</p><p>realização surgiram.</p><p>TEMA 2 TRANSPARÊNCIA E LEGALIDADE</p><p>É sabido que o gestor público é regido pelo princípio da legalidade. As</p><p>atividades da gestão, via de regra, estão prescritas em leis e regulamentos.</p><p>Assim, o gestor público está limitado a atender ao princípio da legalidade, que é</p><p>capital, ou seja, de suma importância, para configurar o regime jurídico-</p><p>administrativo. Esse princípio da legalidade é inerente ao estado de direito</p><p>(Bandeira-de-Mello, 2012). O estado de direito teve sua origem na Revolução</p><p>Francesa, e representou a ruptura do representante estatal</p><p>absoluto o rei ,</p><p>cuja autoridade assentava-se em bases de divindade. No estado de direito a</p><p>fonte da vontade é geral, contrastando com a vontade individual advinda do rei</p><p>no Absolutismo (Carvalho, 2009).</p><p>É claro que uma realidade não é rompida do dia para a noite, com um</p><p>único acontecimento. A Revolução Francesa marcou o início da concepção de</p><p>que a vontade geral deveria prevalecer nas tarefas do Estado. Essa vontade é</p><p>sintetizada nas ações do Legislativo, eleito pelos cidadãos. Assim, ao cumprir</p><p>sua função típica de criar leis, o Legislativo, em tese, faz o que os cidadãos</p><p>gostariam que fosse feito. Isso acontece quando o Legislativo é fruto de</p><p>reconhecida vontade popular. Dessa maneira, ao cumprir as leis, os governantes</p><p>realizam o que os cidadãos desejam.</p><p>Extraem-se dos ensinamentos de Bandeira-de-</p><p>administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de</p><p>no estado de direito o que se deseja é o governo das leis, e não o governo dos</p><p>homens. O princípio da legalidade possui uma situação de segurança, seja para</p><p>o administrado, seja para a própria administração.</p><p>Carvalho (2009, p. 50) lembra que</p><p>As condutas administrativas passam a se orientar sob o pálio de</p><p>normas de condutas obrigatórias, as quais se impõem a todos</p><p>indivíduos e Estado , vedado a qualquer autoridade tomar decisões</p><p>que se afastem da obediência ao sistema jurídico. Trata-se de uma</p><p>garantia fundamental estabelecida tanto em favor do administrador</p><p>quanto do administrado. Afinal, em razão deste princípio, a conduta</p><p>estatal advém não da vontade do déspota, mas se embasa em normas</p><p>emanadas fundadas não no capricho de uma vontade individual, mas</p><p>6</p><p>na própria vontade comunitária veiculada por meio de órgãos</p><p>representativos dotados de legitimidade democrática.</p><p>Observemos que é importante estar atento ao fato de que a existência de</p><p>leis e regulamentos e a vinculação da administração a essas leis gera, por um</p><p>lado, segurança aos administrados, que não ficam à mercê das surpresas</p><p>advindas do governo. O princípio da legalidade gera, assim, segurança aos</p><p>administrados, que sabem o que esperar dos governos. Sabe-se também como</p><p>cobrar e o que deve ser cobrado dos gestores. A legalidade modera, portanto,</p><p>os poderes do Estado. Por outro lado, esse princípio serviu para a imunização</p><p>decisória dos órgãos do Executivo (Carvalho, 2009). Ou seja, os órgãos do</p><p>executivo e seus representantes haverão de fundamentar suas ações na lei.</p><p>Ora, se a Administração Pública só pode fazer o que consta da lei, e se</p><p>seus atos são ou devem ser complementares à lei, isso implica entender que</p><p>a lei dá o norte para a ação no serviço público. Assim, estão nas leis os</p><p>comandos para que se dê publicidade, se compartilhe com o público o que se</p><p>fez ou será feito à frente do governo.</p><p>Entretanto, deve-se ser fiel à evolução do direito, que acompanha a</p><p>sociedade. O princípio da legalidade, atualmente também conhecido como</p><p>princípio da juridicidade, ou princípio da constitucionalidade, ou ainda como</p><p>princípio da legitimidade, transmite a compreensão de que a fonte da atuação do</p><p>gestor público não é somente a lei, mas também o direito. Ou seja, há elementos</p><p>normativos que complementam a noção de legalidade. Isso implica dizer que os</p><p>objetivos constitucionais, os princípios gerais do direito, explícitos e implícitos,</p><p>fazem parte da noção de legalidade. Dessa forma, o leque de balizas para a</p><p>atuação do gestor público não se restringe à letra da lei, mas vai além,</p><p>compreendendo os princípios constantes do ordenamento jurídico</p><p>(Carvalho, 2009).</p><p>Mas o que tudo isso tem a ver com a transparência pública? Não se pode</p><p>esquecer que a transparência decorre da própria legalidade, na medida em que</p><p>a codificação permite conhecer e ver a regra e os atos a ela respeitosos. A</p><p>transparência deve ser extraída, portanto, de comandos legais. Isso não é novo,</p><p>tal como visto, posto que já se verifica nos movimentos de codificação.</p><p>Mas a base para a transparência vai mais além. Ela advém do arcabouço</p><p>de valores que ordenam os princípios regentes do direito. Cada princípio jurídico</p><p>tem por fonte algo que é caro para os cidadãos. E não se pode negar que a</p><p>7</p><p>transparência é um desses valores que, ao longo da história, vêm se revelando</p><p>de suma importância à sociedade.</p><p>A transparência é apontada como condição fundamental para efetivar a</p><p>accountability no discurso público sobre boa governança. Mas será que estar</p><p>fundada na lei ou no ordenamento jurídico, por si só, é garantia de que a</p><p>transparência será efetivada e atenderá à sua finalidade?</p><p>A resposta para essa pergunta, segundo se entende, é negativa. A</p><p>transparência é fundamental atualmente, pois corrobora os princípios</p><p>democráticos e é parte do arcabouço necessário à concretização do estado de</p><p>direito. Mas ela pode ocorrer de maneira cerimonial, ou seja, pode haver</p><p>isto é, falsa, inútil. Por exemplo, numa pesquisa</p><p>sobre o modo como os gestores de municípios capixabas prestavam contas à</p><p>sociedade, verificou-se que esses municípios se preocupavam muito mais em</p><p>cumprir a lei do que em efetivamente informar a sociedade (Silva; Monte-Mor;</p><p>Rodrigues, 2019). Por exemplo, os municípios se preocupavam mais em gerar</p><p>as informações exigidas por lei no que tange à execução orçamentária e</p><p>financeira e, dessa forma, em atender a lei, do que em efetivamente informar a</p><p>população sobre a gestão municipal.</p><p>Esse caso nos leva à reflexão sobre a necessidade de a transparência ser</p><p>efetiva. É claro que o fato de ela estar prevista em lei já faz com que muitos</p><p>gestores passem a cumprir o dever de transparência e que, em alguma medida,</p><p>ela ocorra. Mas a efetividade da transparência deve remeter a questões outras,</p><p>como a capacidade de o receptor das informações compreendê-la e dela fazer</p><p>uso, se assim o desejar. Assim, não basta que as informações sejam produzidas</p><p>para que técnicos possam lê-las e compreendê-las. A transparência deve</p><p>atender à finalidade a que se destina e, nessa medida, é crucial levar em conta</p><p>questões como clareza, tempo, veículo da informação, entre outras.</p><p>Ficam aqui postas estas provocações, a fim de que mais pesquisas nesse</p><p>sentido possam ser realizadas.</p><p>TEMA 3 TRANSPARÊNCIA E MORALIDADE</p><p>A moralidade foi erigida à categoria de princípio na Constituição da</p><p>República de 1988, conforme pode ser verificado da leitura do art. 37, caput. Há</p><p>quem afirme existir uma moralidade administrativa, isto é, um conjunto de regras</p><p>de conduta tiradas da disciplina interior da Administração. Como a atuação da</p><p>8</p><p>Administração Pública é marcada por uma funcionalidade, isto é, por um fazer</p><p>que advém de prescrições legais pautadas por interesses públicos específicos,</p><p>prescritos em outras regras, o desvio de tais funcionalidades acarretará conduta</p><p>contrária à lei e à ética da Administração Pública. Isso implica compreender que</p><p>existe um modo de atuar dentro da gestão pública considerado conforme à</p><p>moralidade, por ser honesto, adequado, bom, justo, conveniente e legal</p><p>(Carvalho, 2009).</p><p>O princípio da moralidade enaltece, portanto, princípios éticos. Esse</p><p>princípio da moralidade não diz respeito a apenas um indivíduo, mas a uma</p><p>coletividade. Diz respeito à sociedade que compõe o estado de direito.</p><p>Relaciona-se, segundo Bandeira-de-Mello (2012), com os princípios da lealdade</p><p>e da boa-fé.</p><p>O significado exato princípio da moralidade não é uma resposta</p><p>pronta e acabada. Carvalho (2009) afirma que a apuração de seu conteúdo</p><p>acarreta uma aproximação e uma dinâmica, e o atendimento da conduta do</p><p>gestor ao princípio da moralidade deve ser avaliado em comparação com os</p><p>valores éticos do grupo social em que se insere. Mas esses valores, segundo</p><p>Bandeira-de-Mello (2012), devem estar albergados nas normas jurídicas. Nesse</p><p>sentido, pode-se afir</p><p>Bandeira-de-Mello, 2012, p. 123).</p><p>É comum analisar se o ato administrativo atingiu sua finalidade,</p><p>a sua vida, às crenças</p><p>que norteiam o seu agir. É uma responsabilidade subjetiva, que vem do</p><p>sujeito, internamente. Por outro lado, há a responsabilidade objetiva, isto é,</p><p>decorrente da existência de regras que preveem sanções para os casos de</p><p>descumprimento das obrigações que a própria regra cria. Na responsabilidade</p><p>objetiva, o indivíduo faz o que deve ser feito, não porque acredita que está</p><p>fazendo o que é correto, mas sobretudo porque a desobediência gera um</p><p>resultado não desejado uma penalidade. Na responsabilidade objetiva,</p><p>cumprem-se obrigações. Dessa maneira, accountability se relaciona, também,</p><p>com o cumprimento de uma obrigação.</p><p>Postas essas questões contextuais, já é possível definir o termo. Para</p><p>Paludo (2013, p. 135), accountability encontra-se relacionada com</p><p>o uso do poder e dos recursos públicos, em que o titular da coisa pública é o</p><p>envolve a accountability, mas ainda é impreciso na definição de seus contornos.</p><p>É que falta entender o que os cidadãos devem fazer em relação ao uso do poder</p><p>e dos recursos públicos.</p><p>Matias-Pereira (2010, p. 71) ressalta: O termo accountability pode ser</p><p>considerado o conjunto de mecanismos e procedimentos que levam os decisores</p><p>6</p><p>governamentais a prestarem contas dos resultados de suas ações, garantindo-</p><p>se maior transparência e a exposição das políticas públicas .</p><p>Para realizar a accountability, devem ser adotadas ferramentas e</p><p>processos voltados à prestação de contas daquilo que se fez estando à frente</p><p>da gestão pública. Mas a accountability realmente ocorrerá se a resposta for</p><p>dada quanto ao alcance do resultado que as ações praticadas pelos gestores</p><p>públicos acarretaram. Quer dizer, as ferramentas e os processos de prestação</p><p>de contas devem mostrar os resultados da ação. Somente assim estamos</p><p>sendo verdadeiramente transparentes, se há, de fato, uma justificação acerca do</p><p>como se atuou. Essa resposta deve ser dada aos cidadãos e aos encarregados</p><p>do controle, visto que nos Estados Democráticos o controle também é exercido</p><p>pelos órgãos previstos na estrutura governamental (tribunais de contas,</p><p>controladorias, entre outros).</p><p>Independentemente das características de cada país, estudos ressaltam</p><p>que, em regra, ela decorre da transparência, da fiscalização e da sanção, sendo</p><p>influenciada pela capacidade de agir das instituições de controle e pela</p><p>dominância política de cada Estado. Vejamos o trecho a seguir como reflexão:</p><p>sejam quais forem as idiossincrasias das experiências individuais de</p><p>países com relação ao equilíbrio de accountability, os princípios</p><p>básicos sugerem que accountability (A) é resultado da transparência</p><p>(T), fiscalização (F) e sanção (S), moderados pelo grau de efetividade</p><p>(E) das instituições, ajustado pelo grau de dominância política (D). essa</p><p>abordagem pode ser resumida da seguinte maneira: A= (T+ F+ S) * (E</p><p>D). (Taylor, 2019, p. 1318)</p><p>A citação quer dizer que a fórmula pode ser aplicada de forma ampla, em</p><p>vários níveis de análise (por exemplo, dentro de um setor do governo, ou na</p><p>relação entre governo e sociedade) e diferentes setores políticos (por exemplo,</p><p>estados, municípios e mesmo países, ou ainda setores, segmentos, entre</p><p>outros). Com essa fórmula, podemos verificar modos de alcançar os objetivos da</p><p>accountability, dado que sua estrutura analítica permite identificação de escolhas</p><p>estratégicas sobre políticas públicas. Vamos considerar, por exemplo, um</p><p>tribunal de contas que realmente fiscaliza (uma instituição efetiva), com liberdade</p><p>em relação a quem está no poder (baixo grau de dominância política). Em uma</p><p>realidade como essa, as chances de as ações de transparência, fiscalização e</p><p>sanção serem efetivas são maiores. Nesse cenário, pode-se alcançar a</p><p>accountability.</p><p>7</p><p>TEMA 3 TIPOS DE ACCOUNTABILITY</p><p>Já sabemos que a accountability abarca múltiplas ações, sendo</p><p>dominantes ações de transparência, fiscalização e sanção. Mas é preciso pensar</p><p>ainda em como ocorre a accountability, quem são as pessoas envolvidas, e se é</p><p>possível definir uma tipologia (espécies de accountability). Pensamos que sim.</p><p>Podemos falar em accountability vertical e em accountability horizontal. A</p><p>primeira (accountability vertical) advém do controle exercido pelos cidadãos e</p><p>pela sociedade em relação aos governos e agentes políticos. Esse tipo de</p><p>accountability pressupõe o controle exercido por desiguais (Paludo, 2013, p.</p><p>137), isto é, por agentes não estatais (cidadãos e sociedade) a agentes estatais</p><p>(agente públicos e agentes políticos) (Mota, 2006, p. 43). Para ser autêntico,</p><p>esse tipo de accountability demanda uma relação de respeito entre</p><p>representantes e representados. Na accountability vertical, o detentor de</p><p>mandato eletivo (agente político) representa o cidadão e, nessa condição, deve</p><p>agir segundo seu juízo, em respeito aos contornos legais, buscando concretizar</p><p>aquilo que ele sabe ou acredita ser a vontade de seus representados (Mota,</p><p>2006, p. 17).</p><p>O primeiro exemplo de accountability vertical é aquele exercido por meio</p><p>de eleições, com o instrumento do voto. O plebiscito e o referendo são exemplos</p><p>de accountability vertical, pois também são exercidos pelo voto. O ato de</p><p>representar demanda uma certa discricionariedade, que permitirá, dentro dos</p><p>contornos legais, a realização de escolhas que devem conduzir à concretização</p><p>da vontade dos representados. Os deveres de motivação e de publicidade,</p><p>entretanto, são inafastáveis aos agentes políticos, para que se permita entender,</p><p>analisar e mesmo julgar as ações dos agentes políticos (Mota, 2006, p. 17).</p><p>É preciso lembrar, entretanto, que mesmo agindo dentro da legalidade,</p><p>nem sempre o representante eleito vai fazer aquilo que seus representados</p><p>desejam ou esperam. A liberdade de associação e a liberdade de opinião dos</p><p>eleitores surge como o contrapeso necessário à garantia da accountability (Mota,</p><p>2006, p. 21). Mas ela só é possível se houver transparência em relação aos atos</p><p>praticados pelos agentes políticos e pelos governos (agentes públicos). Da</p><p>mesma forma, é necessário garantir liberdade de expressão política, de modo</p><p>que se tenha uma autêntica democracia, na qual se observe a accountability</p><p>vertical (Mota, 2006, p. 21). Nesse sentido, o associativismo dos cidadãos ocupa</p><p>8</p><p>um lugar central, pois a partir dele é possível expressar aos agentes políticos o</p><p>que se pensa e o que se deseja em relação à gestão em exercício. O</p><p>associativismo também pode conferir poder para demandar, controlar. Por isso,</p><p>a liberdade de expressão e de associação representa um contrapeso</p><p>democrático de grande importância na democracia representativa (Mota, 2006,</p><p>p. 22). Atos de publicidade realizados na sociedade civil ou na imprensa também</p><p>constituem exemplo de accountability vertical, pois podem servir ao exercício do</p><p>controle.</p><p>O mesmo se passa com o voto, que permite uma accountability realizada</p><p>periodicamente a cada eleição. Mas somente a accountability vertical não</p><p>garante aos agentes políticos e aos agentes públicos (servidores públicos em</p><p>geral, e quem lhes faça as vezes) a responsabilização necessária, a fim de</p><p>garantir ações legítimas (entendidas como aquelas desejadas pelos</p><p>representados). Por conta disso, outros instrumentos são necessários, a</p><p>exemplo de leis que estabeleçam obrigações. Tais instrumentos, tais arranjos</p><p>institucionais constituem a accountability (Mota, 2006, p. 25). Assim, são</p><p>prescritas regras, que quando desobedecidas vão acarretar sanções aos</p><p>agentes políticos (e/ou aos agentes públicos).</p><p>O segundo tipo, a accountability horizontal, diz respeito ao controle</p><p>exercido pelos poderes ou pelos órgãos decorrentes. Diz-se horizontal por ser</p><p>um tipo de controle exercido de agente estatal para outro agente estatal (Mota,</p><p>2006, p. 43). O controle exercido pelo Ministério Público, pelo Tribunal de</p><p>Contas, pelo Legislativo, pelas Controladorias e por agências fiscalizadoras</p><p>a fim de</p><p>verificar se o princípio da moralidade foi respeitado. Para muitos juristas, então,</p><p>o desvio de finalidade ofende o princípio da moralidade, permitindo que o</p><p>Judiciário considere o ato ilícito e determine sua correção. Segundo Giacomuzzi</p><p>(2002), o vício de conteúdo, de motivos e de intenção configura ilegalidade</p><p>interna e ofende a moralidade, o que gera o dever de controle e reparação. Não</p><p>se trata da forma ou da formalidade inerente ao ato, mas à sua essência, àquilo</p><p>a que o ato se destina. Aí se encontra a ofensa à moralidade administrativa.</p><p>Mas o que o princípio da moralidade tem a ver com transparência? É uma</p><p>pergunta fácil de responder após as ponderações feitas. A transparência é</p><p>também um valor. Mas se o valor, por si só, não tem o poder de coagir o indivíduo</p><p>ao atendimento ou cumprimento, o princípio jurídico, ao contrário, já possui essa</p><p>força cogente, isto é, essa força capaz de obrigar, sob pena de aplicar sanções.</p><p>E a transparência é considerada um princípio implícito, quer dizer, apesar de não</p><p>explícito no ordenamento jurídico, esse valor é caro à sociedade, e o</p><p>9</p><p>ordenamento jurídico o reconhece como princípio implícito. Ademais, registre-se</p><p>que, para avaliar se a finalidade do ato administrativo foi atingida, ou se esse ato</p><p>possui legalidade interna (quer dizer, se não há vício de conteúdo de motivos</p><p>nem de intenção), é preciso dar visibilidade ao ato. Daí a necessidade da</p><p>transparência, e ela, repise-se, é querida, desejada e buscada pela sociedade</p><p>brasileira.</p><p>Como exemplos de atos imorais, podemos citar a deslealdade, a malícia,</p><p>a corrupção, entre outros. São todas condutas consideradas inadmissíveis no</p><p>âmbito da Administração Pública. Como tal, atentam contra a moralidade</p><p>administrativa e devem, por isso, ser punidas. A transparência, a serviço da</p><p>accountability, há de permitir o controle da legalidade, a repressão, seja pelas</p><p>entidades de controle institucional, seja pela sociedade.</p><p>Mazzei et al. (2015) analisaram o papel da advocacia pública na defesa</p><p>da moralidade administrativa e do patrimônio público. Nesse trabalho,</p><p>ressaltaram a insatisfação da população brasileira com notícias recorrentes de</p><p>corrupção nos órgãos públicos, o que culminou na criação de movimentos</p><p>sociais, como o Transparência Brasil e o Movimento contra a Corrupção. Os</p><p>autores lembram que a Lei de Improbidade Administrativa e a Lei de Ação</p><p>Popular são instrumentos que favorecem a atuação da advocacia pública na</p><p>defesa do patrimônio público brasileiro. A atuação da advocacia pública há de</p><p>ser deflagrada por meio da comunicação entre os stakeholders, pelos canais de</p><p>denúncia, ouvidorias, auditorias e, enfim, atos que permitam a ciência acerca</p><p>dos ilícitos perpetrados em desfavor do erário público. Aí também se verifica</p><p>informação, comunicação e, em alguma medida, transparência.</p><p>TEMA 4 TRANSPARÊNCIA É PUBLICIDADE?</p><p>Na jornada de conhecimento acerca da transparência pública, insta</p><p>indagar e esforçar-se por responder se transparência e publicidade são</p><p>sinônimos. Parece-nos que não, mas ambos são princípios jurídicos. A</p><p>transparência é princípio implícito no ordenamento jurídico, quer dizer, não</p><p>consta de texto expresso da Constituição da República, mas é extraída do</p><p>ordenamento jurídico e dos próprios dizeres da Constituição. Já a publicidade é</p><p>um princípio jurídico explícito, isto é, consta expressamente do texto da</p><p>Constituição. Vamos explorar um pouco o conceito de publicidade, a fim de</p><p>verificar se a resposta dada está correta. Carvalho (2009, p. 185) assevera que</p><p>10</p><p>A publicidade torna possível o efetivo controle dos atos administrativos</p><p>e assegura a transparência necessária para se tentar contornar os</p><p>riscos inerentes ao sigilo. Outrossim, o agente público exerce poder de</p><p>titularidade alheia, devendo à sociedade prestar contas da forma pela</p><p>qual cumpriu referido múnus.</p><p>A autora ainda cita e analisa diversos dispositivos constitucionais que</p><p>determinam a publicidade dos atos administrativos, entre eles o art. 5º, incisos</p><p>XXXIII, XXXIV e LX (direito de informação aos poderes públicos, direito de</p><p>petição e regra de publicidade geral de atos processuais). A autora lembra que</p><p>a publicidade dos atos é regra e que o sigilo, algo perigoso à sociedade, só pode</p><p>ser tolerado quando relevantes interesses públicos estiverem envolvidos. Retira-</p><p>se da lição da autora a regra geral de publicidade da atuação dos gestores</p><p>públicos. A Lei Federal n. 12.527/2011 Lei de Acesso à Informação (LAI) , em</p><p>seu art. 3º, I, elencou a publicidade como preceito geral, e o sigilo, como</p><p>exceção. A publicidade está voltada ao cumprimento de leis no sentido de dar</p><p>ao público as informações que a lei determina que sejam dadas (Silva; Monte-</p><p>Mor; Rodrigues, 2017).</p><p>Note que a finalidade de dar acesso aos interessados acerca dos atos da</p><p>administração é viabilizar o controle, informar, assegurar o cumprimento da lei e</p><p>a realização das finalidades públicas, entre outras. Não é, entretanto, fazer</p><p>propaganda nem enaltecer este ou aquele gestor. Muito pelo contrário! Fazer</p><p>propaganda da atuação do gestor público é vedado, pois caracteriza promoção</p><p>pessoal. Há diversas condutas consideradas ilícitas nesse sentido. Por exemplo,</p><p>é vedado dar nome de pessoa viva a bem público de qualquer natureza</p><p>pertencente à União ou à sua administração indireta. Observe a notícia do Conjur</p><p>a seguir:</p><p>A Lei n. 6.454/1977, que proíbe atribuir a logradouros e monumentos</p><p>públicos o nome de pessoas vivas, não permite exceções. A decisão é</p><p>do Conselho Nacional de Justiça, que revogou, nesta terça-feira (29/3),</p><p>a Resolução 52/2008, do próprio CNJ. A norma permitia o que a lei</p><p>proíbe. Sobrou para o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, José</p><p>Paulo Sepúlveda Pertence.</p><p>Os conselheiros analisaram Pedido de Providências para que o CNJ</p><p>decidisse se o auditório do Tribunal de Justiça do Distrito Federal</p><p>poderia receber o nome do ex-ministro. Para o relator do processo,</p><p>conselheiro Jorge Hélio Chaves de Oliveira, a resolução do CNJ é</p><p>ilegal e ofende o princípio da impessoalidade.</p><p>Já o conselheiro Ives Gandra Martins Filho, ministro do Tribunal</p><p>que embasou a decisão, de boa-fé, de alguns órgãos do Judiciário de</p><p>homenagear magistrados aposentados.</p><p>A corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, afirmou que</p><p>a resolução foi equivocada, porém, afirmou que a norma deve ser</p><p>11</p><p>preservada, já que as pessoas agiram de boa-fé. Para a conselheira</p><p>Morgana Richa, a revogação e edição de nova resolução em</p><p>Assessoria de Imprensa do CNJ.</p><p>O art. 3º da LAI também apresenta a noção de que o direito à informação</p><p>é fundamental, quer dizer, é um direito de suma importância, assegurado aos</p><p>cidadãos brasileiros. Esse direito fundamental deve ser exercido em alinhamento</p><p>com os princípios regentes da Administração Pública (entre eles o da</p><p>publicidade). E mais: é diretriz da administração pública brasileira o fomento ao</p><p>desenvolvimento da cultura da transparência art. 3º, IV, da LAI.</p><p>Uma cultura é algo muito forte, porque ela compreende valores comuns</p><p>ao ambiente que igualmente são parte do acervo ético de cada indivíduo daquele</p><p>mesmo ambiente. A cultura da transparência é, assim, muito mais do que o</p><p>atender à lei e muito mais do que dar ciência de atos em cumprimento de um</p><p>princípio é cultivar a crença de que todos têm o direito de saber como a gestão</p><p>acontece e, por meio de ações possíveis, acessíveis e compreensíveis, trazer a</p><p>público as ações praticadas no âmbito da Administração Pública, com a crença</p><p>de que se está fazendo o que é correto.</p><p>Transparência, portanto, é mais do que publicidade, pois permite ao</p><p>cidadão exercer a cidadania. E, no instante em que a transparência se torna</p><p>parte do acervo cultural dos cidadãos, ela integra as crenças compartilhadas por</p><p>eles, e será por eles buscada, praticada, desejada e exercida. A transparência,</p><p>assim, pode garantir políticas</p><p>de gestão responsável.</p><p>TEMA 5 COMO CONCEITUAR A TRANSPARÊNCIA?</p><p>O termo transparência pública não tem uma definição precisa. Se</p><p>etimologicamente vem associado ao que é translúcido, que permite a visão além</p><p>do objeto, no âmbito da ciência política se associa à abertura e ao acesso à</p><p>informação. No século XXI o termo ganhou relevo com o desenvolvimento das</p><p>tecnologias da informação (TICs), que aprimoraram técnicas e permitiram</p><p>conhecer as atividades da gestão pública. Por sua vez, o processo democrático</p><p>e o amadurecimento de suas instituições permitem também conhecer as</p><p>potencialidades dos mecanismos promotores da transparência.</p><p>Assim, pode-se afirmar que a transparência está ligada a ações que</p><p>permitam conhecer as atividades da Administração Pública. Ela se envolve com</p><p>atos de publicidade, mas vai além, pois permite informar, educar, opinar (formar</p><p>12</p><p>opiniões) e controlar. A transparência está a serviço da accountability. A</p><p>transparência é aliada da democracia e, portanto, seu conceito se relaciona à</p><p>política. E sua utilidade está voltada ao cumprimento da vigilância da sociedade</p><p>sobre o Estado.</p><p>Como princípio implícito, a transparência não consta do texto da</p><p>Constituição da República de 1988, mas pode ser identificada implicitamente.</p><p>Ela é extraída, por exemplo, dos princípios da legalidade, moralidade e</p><p>publicidade. É que o dever de cumprir a lei e o direito confere previsibilidade à</p><p>ação dos gestores. Por sua vez, ao atender à finalidade das leis, ao buscar seguir</p><p>os conteúdos e os motivos pelos quais as leis existem, e ao se dar a público a</p><p>ciência do que a lei e o direito mandam informar, em alguma medida, atende-se</p><p>ao princípio da transparência.</p><p>A transparência pública tem sido muito associada às informações ligadas</p><p>à contabilidade, de modo a propiciar auditorias. A Lei de Responsabilidade Fiscal</p><p>(Lei Complementar n. 101/2000), entre outros instrumentos, trouxe inovações no</p><p>sentido de propiciar a transparência dessa seara à gestão pública brasileira.</p><p>Zuccolotto e Teixeira (2019) ressaltam a importância de acesso aos dados</p><p>do governo, de modo a nos permitir interpretá-los. Para os autores, não basta</p><p>disponibilizar a informação; é preciso dar o tratamento adequado, por quem</p><p>detém o conhecimento e a capacidade de fazê-lo, ressaltando-se também a</p><p>importância da abertura de dados do governo. Os autores também afirmam que</p><p>existem direções da transparência para cima e para baixo (transparência</p><p>vertical), para fora e para dentro (transparência horizontal).</p><p>A transparência vertical decorre do relacionamento entre os burocratas</p><p>e o governo transparência para cima; quando os administrados podem</p><p>observar a ação dos governantes, tem-se a transparência para baixo. A</p><p>transparência para fora também chamada de transparência horizontal</p><p>Zuccolotto; Teixeira, 2019, p. 41). Essa transparência é útil</p><p>tanto no plano interno quanto no internacional, pois dá suporte a estratégias</p><p>políticas, econômicas e orçamentárias.</p><p>A transparência para dentro (outro tipo de transparência horizontal) ocorre</p><p>quando quem está de fora da organização consegue observar o que acontece</p><p>dentro dela. Ela dá ensejo a legislações que direcionam o comportamento, como</p><p>leis de acesso à informação. Tal tipo de transparência permite olhar para dentro</p><p>13</p><p>da atividade da administração, desenvolvendo mecanismos de controle social</p><p>(Zuccolotto; Teixeira, 2019).</p><p>NA PRÁTICA</p><p>É difícil conceituar a transparência, posto que, na ciência política, o termo</p><p>se refere a ações diversas, envolvendo tanto atos comissivos, isto é, fazer algo,</p><p>tomar a atitude (a exemplo de dar a público ciência de suas ações), quanto a</p><p>atos mais passivos, como se deixar ser visto. Na Administração Pública, o termo</p><p>se iniciou na visibilidade de informações orçamentárias, fiscais e contábeis, mas</p><p>se estendeu para outros atos, adquirindo</p><p>haja autores que afirmem existir uma relação triangular entre transparência,</p><p>abertura e vigilância (Zuccolotto; Teixeira, 2019).</p><p>Chegou o momento de verificar, portanto, como a transparência tem sido</p><p>considerada no contexto da Administração Pública do Brasil. Klein, Klein e</p><p>Luciano (2019), ao estudar a transparência por meio de dados abertos</p><p>governamentais (DAG), afirmam que,</p><p>Nesse contexto, a transparência abrange a divulgação rotineira dos</p><p>dados sobre orçamentos, auditorias, políticas e ações executivas. Com</p><p>isso, amplia as exigências sobre os serviços públicos prestados pelo</p><p>governo, pois o DAG fornece ao cidadão um feedback contínuo, não</p><p>apenas permitindo o controle social com avaliações mais abrangentes</p><p>dos serviços governamentais, mas também gerando pressão para</p><p>aumentar o desempenho dos entes públicos. (Harrison et al., 2012</p><p>citados por Klein; Klein; Luciano, 2019, p. 10)</p><p>A ênfase para os autores está na divulgação rotineira de dados. Os</p><p>utilizados, reutilizados e distribuídos por qualquer pessoa. Na linguagem da</p><p>pesquisa científica, seriam dados primários.</p><p>Na jurisprudência selecionada do TCU, o termo tem forte ligação com o</p><p>aspecto informacional, isto é, com a divulgação de dados, notadamente no que</p><p>tange a dados orçamentários e fiscais, mas também a processos, como a</p><p>informação ligada a procedimentos licitatórios. A pesquisa com o termo</p><p>transparência na jurisprudência selecionada do TCU retornou 38 documentos.</p><p>Entre eles, podemos citar o exemplo:</p><p>As receitas decorrentes da arrecadação de taxa de inscrição em</p><p>concurso público promovido por órgão estatal, e também as despesas</p><p>necessárias à sua concretização, devem, mesmo sob a égide da EC</p><p>95/2016, ser integralmente registradas no Orçamento da União, em</p><p>14</p><p>deferência aos princípios da universalidade, do orçamento bruto e da</p><p>transparência na gestão fiscal. (TCU. Acórdão n. 1618/2018. Plenário.</p><p>Relator: Vital do Rêgo)</p><p>Noutro exemplo:</p><p>Nos pregões eletrônicos, é recomendável a adoção de procedimentos</p><p>padronizados de publicidade dos atos de suspensão e retomada do</p><p>certame no sistema eletrônico, de modo a conferir maior transparência</p><p>aos atos dos pregoeiros. (Acórdão 2751/2013-Plenário | Relator:</p><p>Benjamin Zymler)</p><p>O princípio da transparência é igualmente reconhecido como integrante</p><p>do ordenamento jurídico e, portanto, deve ser respeitado, tal como lembra o</p><p>TCU. Faz-se oportuna a citação da passagem encontrada no acórdão a seguir</p><p>transcrito:</p><p>A participação, como candidato, de servidor ocupante de cargo efetivo</p><p>ou comissionado ou ainda de função de confiança que tenha</p><p>atribuições relacionadas à condução de concurso público ofende aos</p><p>princípios da moralidade, da impessoalidade e da transparência. (TCU.</p><p>Acórdão 2485/2008-Plenário. Relator: Marcos Bemquerer)</p><p>Importante registrar, em relação à última citação, a importância de</p><p>reconhecer a transparência como princípio jurídico. É que, assim sendo, ele</p><p>integra o ordenamento jurídico e, como tal, seu respeito é imperativo.</p><p>FINALIZANDO</p><p>O termo transparência , em princípio, está associado a aspectos</p><p>verificados por meio da visão. Transparente é aquilo por onde passa a luz, que</p><p>pode ser visto. No âmbito da ciência política, transparência vem sendo</p><p>associado a atos informacionais e de visibilidade, permitindo o intercâmbio no</p><p>que se refere à participação no que se faz. A transparência pública teve suas</p><p>origens voltadas à divulgação de dados orçamentários e fiscais, mas se</p><p>estendeu para outros aspectos mais gerais.</p><p>Via de regra, a transparência envolve atores (observador e observado) e</p><p>um método de observá-los. O termo também envolve a abertura e a vigilância.</p><p>Enclausurá-lo num único conceito não é tarefa fácil, de modo que conceder os</p><p>parâmetros para identificá-lo tem sido o caminho recomendado pela teoria</p><p>(Zuccolotto; Teixeira, 2019).</p><p>É preciso reconhecer que a transparência, como princípio implícito do</p><p>ordenamento jurídico, significou um avanço na obtenção de dados e de</p><p>informações da gestão pública brasileira. Princípios jurídicos</p><p>são fonte e origem</p><p>15</p><p>das regras (aqui mencionadas como sinônimos de leis) e, como tal, devem ser</p><p>respeitados por todos, inclusive pelos próprios gestores públicos. Importante</p><p>lembrar, ainda no que tange à juridicidade da transparência no ordenamento</p><p>jurídico brasileiro, que dimensões como essa estão presentes nos princípios da</p><p>legalidade, da moralidade e da publicidade.</p><p>Por fim, não devemos deixar de comentar sobre a importância da</p><p>qualidade da informação e dos dados divulgados. Os dados abertos, por</p><p>exemplo, têm sido mais e mais exigidos da Administração Pública pela</p><p>sociedade civil, para que possam ser analisados, utilizados e reutilizados pelos</p><p>cidadãos interessados.</p><p>16</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BANDEIRA-DE-MELLO, C. A. Curso de direito administrativo. São Paulo:</p><p>Malheiros, 2012.</p><p>BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial</p><p>da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em:</p><p><http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso</p><p>em: 5 mar. 2020.</p><p>_____. Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011. Diário Oficial da União,</p><p>Brasília, DF, 18 nov. 2011. Disponível em:</p><p><http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>.</p><p>CARVALHO, R. M. U. Curso de direito administrativo. 2 ed. Salvador:</p><p>Juspodivm, 2009.</p><p>GIACOMUZZI, J. G. A moralidade administrativa: história de um conceito.</p><p>Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 230, p. 291-303, out./dez.</p><p>2002.</p><p>KLEIN, R. H.; KLEIN, D. C. B.; LUCIANO, E. M. Ampliação da transparência de</p><p>dados abertos governamentais: a percepção dos observatórios sociais</p><p>brasileiros. Contextus Revista Contemporânea de Economia e Gestão,</p><p>v. 17, n. 1, p. 1-29, jan./abr. 2019.</p><p>MAZZEI, M. R. et al. A administração pública na tutela coletiva da moralidade</p><p>administrativa e do patrimônio público: o papel da advocacia pública. Revista de</p><p>Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 49, n. 3, p. 699-717, maio/jun. 2015.</p><p>MEIJER, A. Understanding modern transparency. International Review of</p><p>Administrative Sciences, Thousand Oaks, v. 75, n. 2, p. 255-269, 2009</p><p>Disponível em: <https://doi.org/10.1177/0020852309104175>. Acesso em: 5</p><p>mar. 2020.</p><p>NORMA sobre nome de vivo em espaço público é revogada. Conjur, Brasília,</p><p>DF, 31 mar. 2011. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2011-mar-31/cnj-</p><p>revoga-resolucao-nome-pessoas-vivas-reparticoes-publicas>. Acesso em: 5</p><p>mar. 2020.</p><p>SILVA, P. S. T.; MONTE-MOR, D. S.; RODRIGUES, V. R. S. A influência do nível</p><p>de transparência da gestão pública na quantidade de disclosure informacional</p><p>17</p><p>dos municípios capixabas. Revista Mineira de Contabilidade, Belo Horizonte,</p><p>v. 20, n. 3, p. 18-31, set./dez. 2019.</p><p>ZUCCOLOTTO, R.; TEIXEIRA, M. A. C. Transparência: aspectos conceituais e</p><p>avanços no contexto brasileiro. Brasília, DF: Enap, 2019.</p><p>ACCOUNTABILITY E</p><p>TRANSPARÊNCIA PÚBLICA</p><p>AULA 5</p><p>Prof.ª Fernanda Guarido</p><p>2</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>Qual é a finalidade e a utilidade da transparência pública? Quem por ela</p><p>demanda? O que pode ser feito com o acesso e a divulgação de dados? Essas</p><p>e outras perguntas são instigantes diante do tema. E é sobre esses e outros</p><p>questionamentos que vamos nos dedicar a responder nesta aula. Falar de</p><p>transparência no cenário público brasileiro, marcado por traços culturais que não</p><p>necessariamente a favorecem, é desafiador. É sabido que o patrimonialismo, o</p><p>clientelismo, o jeitinho, entre outros, são práticas identificadas na gestão pública</p><p>brasileira ao longo de sua história. A transparência é satisfação, em alguma</p><p>medida, e de cara não se alinha ao traço patrimonialista, em que o gestor tende</p><p>a tratar do bem público como se fosse seu. Da mesma forma, não há</p><p>alinhamento da transparência com o clientelismo, muito menos com o jeitinho. É</p><p>que ser transparente envolve dar satisfação ao público e permitir, com isso, a</p><p>participação desse público naquilo que está sendo feito pelo gestor público. É</p><p>certo, pois, que essa herança maldita do patrimonialismo, do clientelismo, entre</p><p>outras características, em algum momento precisa ser ultrapassada em nossa</p><p>cultura. E o desenvolvimento da transparência pública pode ser considerado um</p><p>esforço nesse sentido.</p><p>Assim, no tema 1 será abordada a relação entre transparência e</p><p>democracia. Faremos uma exposição sobre o que vem a ser igualdade e sobre</p><p>como é possível, com a visibilidade da informação, aumentar a participação</p><p>social. Na sequência, será abordada no tema seguinte a relação entre</p><p>transparência e governança, lembrando que a boa governança é buscada pelo</p><p>gestor público moderno e responsável. No tema 3, resgatamos o tema da</p><p>accountability e nele identificaremos a transparência pública e sua colaboração</p><p>na realização da prestação de contas, na responsabilização dos gestores. Já no</p><p>tema 4 trabalharemos a transparência e a efetividade, para registrar o que, em</p><p>termos de administração, significa transparência de fato, a transparência que</p><p>importa e que pode promover mudança.</p><p>De certa forma, em sequência à transparência e efetividade, no tema 5</p><p>será abordada a transformação estatal em sua relação com a transparência.</p><p>Quer dizer, como a transparência pode colaborar na melhoria do Estado? Por</p><p>fim, na prática serão abordados impactos reais da transparência pública,</p><p>3</p><p>considerando o que ela tem sido capaz de fazer pela gestão pública brasileira.</p><p>Por fim, relembraremos os tópicos mais importantes do que foi exposto.</p><p>TEMA 1 TRANSPARÊNCIA PÚBLICA E DEMOCRACIA</p><p>O Estado de Direito, surgido no século XVIII, significou, entre outras</p><p>conquistas, o fim da submissão do súdito ao arbítrio do líder o rei. O Estado de</p><p>Direito, ao contrário, impôs limites ao líder político e governamental, pois trouxe</p><p>a lei como baliza e como norte. Mas não bastava a submissão do Estado à lei.</p><p>Era preciso que esta se originasse de um processo de legítima manifestação</p><p>popular. Assim, o Estado de Direito tornou-se, no final do século XIX e início do</p><p>século XX, o Estado Democrático, e nele, a submissão não era apenas à lei, mas</p><p>também à vontade popular e aos fins propostos pelos cidadãos (Bastos, 1990,</p><p>p. 147).</p><p>O Brasil é um Estado Democrático de Direito e, como tal, os gestores</p><p>empréstimo do termo é feito do Discurso de Gettysburg, em 1863, por Abraham</p><p>Lincoln, e é considerado expressão da democracia (Lincoln, S.d.). No Estado</p><p>democrático, a qualidade das normas importa. Deve-se perseguir certos fins,</p><p>buscar valores que se alinham com a democracia. Não se pode esquecer que a</p><p>democracia é algo dinâmico e em constante aperfeiçoamento, e que, por isso,</p><p>nunca foi plenamente alcançada (Bastos, 1990, p. 147). É que a busca da</p><p>igualdade é uma constante e vai se revelando de formas variadas, no dia a dia,</p><p>nas situações cotidianas. Mas muitos dos valores que para a democracia são</p><p>caros já são por muitos conhecidos. Por exemplo, temos reconhecidos e</p><p>assegurados direitos à liberdade econômica, à intimidade, à vida privada, a um</p><p>trabalho digno, à remuneração pelo trabalho e mesmo à informação. Isso não</p><p>encerra o rol de direitos numa sociedade democrática, pois eles hão de surgir,</p><p>com a vivência cotidiana.</p><p>Entre os valores democráticos está a igualdade. Democracia pressupõe</p><p>igualdade. Assim, não há, num estado democrático de direito, sobreposição dos</p><p>interesses do Estado em relação aos interesses de seus governados, tampouco</p><p>sobreposição dos direitos de uns em relação a outros. A menos que isso seja</p><p>necessário, a fim de se produzir igualdade (Mello, 2006). Vale a pena esclarecer,</p><p>o que é feito pela transcrição de excerto do autor, a saber:</p><p>4</p><p>O princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme às pessoas.</p><p>Sem embargo, consoante se observou, o próprio da lei, sua função</p><p>precípua reside exata e precisamente em dispensar tratamentos</p><p>desiguais. Isto é, as normas legais nada</p><p>mais fazem que discriminar</p><p>situações, à moda que as pessoas compreendidas em umas ou em</p><p>outras vêm a ser colhidas por regimes diferentes. Donde, a algumas</p><p>são deferidos determinados direitos e obrigações que não assistem a</p><p>outras, por abrigadas em diversa categoria, regulada por diferente</p><p>plexo de obrigações e direitos. (Mello, 2006, p. 12-3)</p><p>No preâmbulo da Constituição da República de 1988 constam a igualdade</p><p>e a justiça como valores supremos de nossa sociedade. Além disso, a cidadania</p><p>é um dos fundamentos da República, cujo poder emana do povo (Constituição</p><p>da República de 1988, art. 1º, caput, inciso I e parágrafo único). Ora, se o povo</p><p>é o titular do poder, a ele deve ser dada satisfação. Outros valores devem ser</p><p>realizados no Estado democrático de direito, portanto. Muitos desses valores são</p><p>incorporados ao texto da Constituição e viram princípios, tal como ocorreu com</p><p>os princípios da legalidade, da moralidade e da publicidade. Ao serem</p><p>mencionados no texto da Constituição, ganham uma força inquestionável e</p><p>passam a caracterizar obrigação de todos: obrigação do Estado de os respeitar</p><p>e de assegurá-los a todos os cidadãos; obrigação dos cidadãos de cumpri-los</p><p>nas relações entre si.</p><p>A liberdade, a informação e a comunicação são também valores</p><p>mencionados no texto da Constituição e que, portanto, têm um caráter</p><p>obrigacional, ou seja, devem ser respeitados pelos cidadãos e também pelos</p><p>agentes estatais. Assim, o Estado está a serviço do cidadão, e em busca da</p><p>realização de seus valores supremos. Como consequência, as políticas públicas</p><p>devem estar alinhadas com os interesses públicos mais caros. Mas não basta</p><p>fazer ou dizer que se faz, é preciso mostrar que se faz e ainda dar oportunidade</p><p>a quem quer saber mais sobre o que fazer.</p><p>Informar, dar acesso a dados, permitir a comunicação, e, em suma, ser</p><p>transparente é um dever em nosso Estado democrático de direito. Após mais de</p><p>30 anos de existência e de vivência do texto da Constituição da República de</p><p>1988, o princípio da transparência, reconhecidamente implícito, passou a fazer</p><p>parte de regras infraconstitucionais e é reconhecido pelas instâncias de controle</p><p>Ministério Público, Advocacia Geral da União, Tribunais de Contas e Judiciário,</p><p>entre outras. Mas como a transparência colabora com a democracia?</p><p>A democracia pressupõe igualdade, tal como visto. Nesse sentido, essa</p><p>igualdade se refere a poderes, a possibilidades. Não se trata de competência</p><p>nem de divisão da afazeres. Isso deve ser respeitado em nome da segurança,</p><p>5</p><p>da estabilidade e da condução harmônica da vida em sociedade. Essa igualdade</p><p>deve propiciar, assim, um relacionamento de confiança entre os cidadãos e o</p><p>Estado. Essa é uma variável muito importante. Segundo os relatórios</p><p>econômicos da OCDE fevereiro de 2018</p><p>A população do Brasil começa a envelhecer rapidamente e a</p><p>sustentabilidade das finanças públicas não pode mais ser considerada</p><p>como certa. A adaptação das políticas a essa nova situação tem sido</p><p>lenta. As tentativas de remediar, com subsídios generosos e</p><p>transferências para empresas, os desafios de competitividade</p><p>existentes há muito tempo e induzidos pelas políticas pouco ajudaram,</p><p>pois não conseguiram resolver os problemas reais. O aumento nos</p><p>gastos públicos ocorreu em parte às expensas da queda no</p><p>investimento privado. Esse e outros fatores - inclusive a deterioração</p><p>nos termos de comércio, a turbulência política e as denúncias de</p><p>corrupção -levaram ao declínio de cerca de 30% do investimento desde</p><p>2014. A inflação subiu a dois dígitos. Nesse contexto, a confiança nas</p><p>políticas econômicas e nas perspectivas de negócio declinaram</p><p>bruscamente, levando a economia a uma longa e profunda recessão</p><p>em 2015, a qual destruiu quase 7 anos de crescimento e fez dobrar o</p><p>desemprego. (OCDE, 2018)</p><p>A confiança no governo, como se vê, influencia na economia. Quando se</p><p>confia no governo e nas políticas públicas, favorece-se o desenvolvimento</p><p>econômico. Essa variável (a confiança) deve ser estimulada, portanto. E a</p><p>transparência, realizada por meio de atos de informação e de abertura de dados,</p><p>é algo que deve contribuir no desenvolvimento da comunicação entre cidadãos</p><p>e gestores, favorecendo a confiança nas políticas públicas. Ora, informação e</p><p>abertura de dados são atributos da transparência. Logo, a transparência é aliada</p><p>do desenvolvimento e possui papel relevante no aprimoramento da nossa</p><p>democracia.</p><p>A existência de portais de transparência pode ser citada como um esforço</p><p>de promoção de acesso à informação acerca da gestão pública e de</p><p>aproximação entre os cidadãos e os gestores públicos. Alguns entes da</p><p>federação (União, estados, municípios e Distrito Federal) têm seus portais de</p><p>transparência e neles divulgam dados relativos a pessoal, orçamento, licitações</p><p>e contratos, despesas, compras, responsabilidade fiscal e justiça fiscal, entre</p><p>outros.</p><p>Como exemplo, trazemos a página de apresentação do portal da</p><p>transparência do governo do estado do Paraná. Observe:</p><p>6</p><p>Figura 1 Página de apresentação do portal da transparência do governo do</p><p>estado do Paraná</p><p>Fonte: Paraná, S.d.</p><p>No portal da transparência do estado do Paraná, como mostra a imagem,</p><p>é possível navegar anonimamente, fazer pesquisas e solicitações sem justificar</p><p>o motivo do pedido, sendo necessário apenas formalizar o pedido de forma clara.</p><p>Também é possível denunciar atos de corrupção, sendo fornecido um formulário</p><p>e um telefone para realizar ligação, se o denunciante preferir. Esse portal é</p><p>gerido pela Controladoria Geral do Estado, que requisita as informações aos</p><p>órgãos e entidades do governo. O portal da transparência é um exemplo de</p><p>atuação concreta em prol da realização do ideal democrático.</p><p>TEMA 2 TRANSPARÊNCIA E GOVERNANÇA PÚBLICA</p><p>A governança pública é tema relativo ao desenvolvimento das</p><p>competências estatais que se alinha com custos, qualidade dos serviços e</p><p>impacto de políticas públicas (Almqvist et al., 2012, p. 1746). O princípio jurídico</p><p>da economicidade, presente no art. 70 da Constituição da República de 1988</p><p>(Brasil, 1988), por exemplo, orienta o gestor a sempre tomar a decisão acerca</p><p>da atuação estatal considerando o binômio preço-qualidade. Mas não é só isso,</p><p>cada passo dado pelo gestor deve levar em conta a efetiva realização do</p><p>interesse público que aquela atividade visa atender. Por isso, a governança</p><p>pública vai abordar tanto aspectos de conformidade (adequação) quanto de</p><p>7</p><p>performance (desempenho) e estrutura (setorização, dentro da estrutura da</p><p>administração pública). (Goddard, 2005). Lembramos que a transparência é</p><p>diretriz da governança e que os aspectos informacionais da transparência são,</p><p>ao mesmo tempo, algo a ser buscado, mas também os responsáveis pelas</p><p>mudanças em termos de aprimoramento da gestão pública.</p><p>Questões ligadas ao princípio da eficiência não podem ser deixadas de</p><p>lado, muito menos as questões ligadas à eficácia e à efetividade. Buscar a</p><p>eficiência não é somente uma escolha, mas é demanda legal, ou seja, é</p><p>exigência da lei. Nesse sentido, lembramos que o gestor público está vinculado</p><p>ao princípio da legalidade, por isso, só pode fazer aquilo que a lei determina que</p><p>seja feito. Dessa maneira, a escolha do meio adequado para realizar a atividade</p><p>pública, como também a assertividade, ou seja, a opção pelo melhor caminho,</p><p>isto é, por aquele caminho que conduzirá à opção mais acertada à administração</p><p>pública é um dever imposto pela lei e não necessariamente uma opção do gestor</p><p>público. No fim, o alinhamento da atuação em relação à lei será levado em conta.</p><p>Tudo isso é tema de interesse da governança pública, que, traduzindo em</p><p>palavras simples, impõe à administração pública uma atuação pautada pelo</p><p>desempenho ótimo.</p><p>Segundo o IBGC Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, são</p><p>quatro os princípios básicos da governança aplicáveis: transparência, equidade,</p><p>prestação de contas e responsabilidade corporativa. Na governança pública,</p><p>esses princípios são três, a saber: transparência, integridade e prestação de</p><p>contas (Brasil, 2014, p. 16-17). No âmbito da administração pública federal, o</p><p>Decreto n. 9.203, de 2017, elencou seis princípios da governança pública, isto é:</p><p>1. a capacidade de resposta;</p><p>2. a integridade;</p><p>3. a confiabilidade;</p><p>4. a melhoria regulatória;</p><p>5. a prestação de contas e responsabilidade; e</p><p>6. a transparência.</p><p>Todos esses princípios estão voltados à atuação do gestor público em</p><p>respeito à verdade, ao que é correto, ao aperfeiçoamento das regras, à</p><p>informação acerca dos gastos públicos e, em suma, à atuação séria e visível à</p><p>população.</p><p>8</p><p>Como a transparência é um dos princípios da governança, promover a</p><p>comunicação aberta, voluntária e transparente das atividades e dos resultados</p><p>da organização é diretriz da governança pública no âmbito da administração</p><p>pública federal. Dizer que algo é uma diretriz significa deixar claro que aquele</p><p>ato deve ser priorizado, realizado, e que é um norte dentro da administração</p><p>pública, algo a ser feito sempre. A leitura do art. 4º, inciso XI, do Decreto n.</p><p>9.203/2017 deixa isso claro, pois dá o comando para que a gestão pública não</p><p>espere ser convocada a informar, mas que se antecipe e informe acerca do que</p><p>está fazendo e dos resultados que alcançou (Brasil, 2017). Essa iniciativa de</p><p>informar deve ser clara, compreensível e acessível mesmo às pessoas mais</p><p>simples.</p><p>É importante registrar, portanto, que a transparência no âmbito da União</p><p>é princípio explícito, a serviço da boa governança. Dizemos que é explícito</p><p>porque consta expressamente do Decreto n. 9.203/2017 (ele não é extraído de</p><p>um ato de interpretação, mas consta do texto do decreto). Como tal, ele está</p><p>alinhado à base da governança pública, sendo um dos meios pelos quais ela é</p><p>alcançada. É também dever do gestor público e direito do cidadão, visto que é</p><p>princípio jurídico e que a Administração está regida pela legalidade, entre outros.</p><p>O índice Transparência Internacional se dedica a estudar a compreensão</p><p>da percepção da corrupção. O IPC índice de percepção da corrupção é o</p><p>principal indicador de corrupção do setor público no mundo. Esse índice é</p><p>produzido desde 1995 por uma organização não governamental chamada</p><p>Transparência Internacional. O índice reúne resultados de 180 países e</p><p>territórios. Quanto mais próximo da colocação n. 1 significa que o país é</p><p>altamente corrupto e quanto mais próximo de 100 significa que o país é muito</p><p>íntegro. O índice IPC de 2019 colocou o Brasil no 35º lugar na prática de</p><p>corrupção, estando na posição 106 entre os 180 países avaliados. Nosso país é</p><p>menos corrupto que a Venezuela (16º lugar), a Bolívia (31º lugar) e o México</p><p>(29º lugar), entre outros. Mas é mais corrupto que o Peru (36º lugar), a Argentina</p><p>(45º lugar) e o Uruguai (71º lugar), entre outros (Transparência Internacional,</p><p>S.d.).</p><p>A posição do Brasil é considerada ruim pelo índice IPC, que anuncia que</p><p>esta foi a pior nota pelo segundo ano. O ano anterior foi 2018 quando o Brasil</p><p>saiu da 96ª para a 105ª em relação aos 180 países avaliados. É preciso melhorar</p><p>essa posição. A organização não governamental Transparência Internacional</p><p>9</p><p>anuncia que os esforços já realizados pelo Brasil ainda são insuficientes para</p><p>institucionais que verdadeiramente alterem as condições que perpetuam a</p><p>(Transparência Internacional,</p><p>S.d.).</p><p>Assim, o desperdício de dinheiro público aumenta a desigualdade de</p><p>renda, e a corrupção é fonte desta perda. O aprimoramento da transparência é</p><p>apontado como fundamental para reduzir as causas da corrupção e combatê-las</p><p>(OCDE, 2018, p. 38). Muitas são as ações voltadas à boa governança, que</p><p>colaboram no aprimoramento da transparência. O TCU (Brasil, 2014, p. 32-33)</p><p>ressalta, por exemplo, a importância de se dar a conhecer o plano estratégico</p><p>institucional e de TI, a transparência no processo decisório e das ações, a</p><p>homogeneidade na divulgação das ações. O aumento na transparência no</p><p>processo de emendas orçamentárias feitas pelos parlamentares é outro</p><p>mecanismo aliado da governança apresentado pela OCDE (2018, p. 34). A</p><p>regulação de partidos e de campanhas políticas, a fim de evitar a captura de</p><p>processos políticos, e uma avaliação completa de leis de contratação pública</p><p>também são apontadas pela OCDE como ações necessárias no combate à</p><p>corrupção, no aumento da confiança e no desenvolvimento do país. Da mesma</p><p>forma, aquele relatório apresenta o aprimoramento de meios de denúncia de</p><p>ilícitos, como algo necessário ao aprimoramento da transparência e do combate</p><p>à corrupção (OCDE, 2018, p. 35-36).</p><p>Por fim, não podemos esquecer de mencionar outro aliado significativo ao</p><p>desempenho da governança pública: a Lei de Acesso à Informação (LAI) Lei n.</p><p>12.527/2011. Nela a cultura da transparência é elencada como uma das</p><p>diretrizes voltadas a assegurar o direito fundamental de acesso à informação.</p><p>As ações aqui comentadas e os mecanismos institucionais voltados ao</p><p>aprimoramento do trânsito de informações acerca da gestão pública são aliados</p><p>da governança pública que se harmonizam com a transparência, princípio da</p><p>própria governança. Assim, o direito de acessar dados, o direito à qualidade</p><p>desses dados, a didática da informação divulgada e o tempo em que a</p><p>informação é prestada são todos instrumentos da governança.</p><p>É preciso pensar ainda na influência do momento em que a informação é</p><p>dada. Dessa forma, quanto mais cedo se partilha a informação, via de regra,</p><p>maior a chance de controle da atuação noticiada. O ato que é divulgado prévia</p><p>10</p><p>(antes) ou concomitantemente (simultaneamente) permite a correção de rota, o</p><p>ajuste, a avaliação acerca de sua adequação ao interesse e à política pública. A</p><p>informação posterior, por sua vez, reduz as oportunidades de correção e serve</p><p>mais aos aspectos informacional (no sentido de tão somente dar a notícia, sem</p><p>permitir que ações sejam tomadas em relação a ela) e sancionador (pois poderá</p><p>o gestor ser punido, mas a correção do ato e evitar o dano são mais difíceis</p><p>quando a informação é posterior). Estes não deixam de ter importância, mas qual</p><p>é o seu potencial para a efetividade da ação?</p><p>TEMA 3 TRANSPARÊNCIA E ACCOUNTABILITY</p><p>A transparência compõe as dimensões de informação e justificação da</p><p>accountability e possui papel relevante na sua consecução. Ao final, acaba por</p><p>influenciar na terceira dimensão da accountability, que é o controle. É que não</p><p>se pode controlar às escuras. Da mesma forma, não se pode punir diante de</p><p>incerteza. Nesse sentido, é importante lembrar o brocardo jurídico (espécie de</p><p>ditado) que afirma que in dubio pro reo, ou seja, na dúvida, decide-se em favor</p><p>do réu, do investigado. Assim, conhecer o que se fez, saber dos motivos da</p><p>escolha do ato é muito importante, pois influencia no juízo acerca da adequação</p><p>desse ato.</p><p>Estamos nos reportando à transparência de maneira ampla: seja</p><p>horizontal, seja vertical. É que tanto é relevante informar e justificar a atores</p><p>dentro da estrutura burocrática quanto é importante fazê-lo na estrutura societal</p><p>(de um gestor para um cidadão). Akutsu e Pinho (2012) afirmam que o</p><p>microcomputador e a rede internet colaboraram sobremaneira para o</p><p>desenvolvimento da sociedade da informação, decorrente da convergência entre</p><p>o computador e as telecomunicações. Akutsu e Pinho (2012) trazem à baila</p><p>também a discussão acerca das benesses da sociedade da informação,</p><p>lembrando que existem teóricos que afirmam que ela é capaz de produzir mais</p><p>igualdade e ampliar a democracia, não obstante haja teóricos que afirmem que</p><p>a sociedade da informação há de promover maior controle dos governos sobre</p><p>os governados.</p><p>É importante ainda estar atento à função desempenhada pelo destinatário</p><p>da informação e a finalidade desta informação. Se a informação</p><p>tem o caráter de</p><p>cumprimento de dever, ela deve obedecer aos requisitos existentes para a</p><p>11</p><p>formulação da resposta. Por outro lado, se a informação tem a finalidade de</p><p>trazer a público a ação, é crucial a simplicidade do meio de resposta e a</p><p>possibilidade de compreensão acerca do entendimento relativo à resposta.</p><p>Muitas são as críticas atinentes a atos de transparência apresentados sob a</p><p>forma de relatórios que só podem ser lidos e compreendidos por especialistas.</p><p>Isto desnatura a efetividade da resposta.</p><p>Schedler (citado por Rodrigues, 2018) afirma que a transparência pode</p><p>ser identificada por meio da visibilidade e da inferibilidade da informação. Na</p><p>visibilidade é importante focar que a informação deve ser completa e fácil de</p><p>encontrar (elementos de completude e de encontrabilidade). Já a inferibilidade é</p><p>a capacidade de inferir conclusões com base nos dados disponibilizados. Na</p><p>inferibilidade, é crucial a capacidade do receptor da informação de interpretá-la.</p><p>Akutsu e Pinho (2012) analisaram se as informações prestadas pelos</p><p>portais de administrações públicas são capazes de propiciar a accountability. Os</p><p>resultados apontaram para a ausência de accountability e para a manutenção</p><p>das características presentes na cultura brasileira de patrimonialismo e de</p><p>democracia delegativa. Não obstante, ações que consistem em passos</p><p>importantes para a accountability propiciados por meio da internet foram</p><p>verificados pelos autores (Akutsu; Pinho, 2012, p. 739-741) e podem ser citados</p><p>os seguintes:</p><p>1. Atualização constante dos portais oficiais;</p><p>2. Disponibilização de serviços aos cidadãos por meio dos portais</p><p>eletrônicos;</p><p>3. Inclusão de notas explicativas acerca de demonstrativos</p><p>orçamentários e financeiros para facilitar a compreensão de cidadãos</p><p>comuns acerca desses demonstrativos;</p><p>4. Envio de sugestões para gestão de recursos de programas de</p><p>governo, a exemplo do orçamento participativo pela internet;</p><p>5. Canal de comunicação com a autoridade máxima do Executivo;</p><p>6. Disponibilidade de cartilha ao cidadão;</p><p>7. Adoção de políticas que assegurem acesso à internet pelos cidadãos</p><p>portadores de necessidades especiais; e</p><p>8. Opções de acesso diferenciadas para outros entes do governo e</p><p>para entidades não governamentais.</p><p>TEMA 4 TRANSPARÊNCIA E EFETIVIDADE</p><p>Efetividade no direito está relacionada à realização máxima da norma</p><p>jurídica, isto é, à realização dos fins visados pela norma jurídica. Já na</p><p>administração, a efetividade é considerada uma medida de desempenho. Diz-se</p><p>que ela é o resultado entre eficiência e eficácia. O Banco Mundial, por exemplo,</p><p>12</p><p>tem por indicadores de efetividade do governo a adequada implementação de</p><p>políticas públicas, a qualidade dos serviços públicos ofertados e o grau de</p><p>independência do governo em relação a pressões políticas, ou a credibilidade do</p><p>governo em relação à sociedade (Lopes; Damasceno; Lobo, 2019, p. 447).</p><p>Pires et al. (2019) estudaram como os trabalhos sobre gestão da</p><p>transparência abordam a avaliação de desempenho da transparência pública.</p><p>Os autores (Pires et al., 2019) afirmam que os trabalhos voltados à avaliam de</p><p>desempenho da transparência pública não ocorre por completo por não se saber</p><p>que informações o público-alvo tem interesse em receber, que os indicadores</p><p>presentes na literatura têm recebido pesos iguais, desconsiderando o grau de</p><p>importância de certas informações. Assim, Pires et al. (2019) afirmam que os</p><p>trabalhos voltados à avaliação do desempenho das informações muitas vezes</p><p>ficam adstritos à avaliação acerca da adequação às exigências legais e ao</p><p>atendimento do dever de publicidade.</p><p>Políticas de transparência devem ser estimuladas, de modo a não</p><p>somente conferir acesso aos dados, mas também de modo a trazer simplicidade</p><p>nessa informação e comunicação, aprimorando o entendimento e o diálogo. Em</p><p>palavras simples: não basta dar acesso ao dado se as pessoas não sabem como</p><p>lê-lo nem como tratá-lo. Esta seria uma transparência de fachada, cerimonial. E</p><p>cerimonialismo é algo que deve ser evitado. É oportuno lembrar que a</p><p>administração busca satisfazer interesses públicos e, como tal, preocupa-se com</p><p>o real alcance desses objetivos.</p><p>De nada adianta, por exemplo, o mero cumprimento de um dever de</p><p>publicidade, sem que a finalidade deste dever seja alcançada. Por exemplo, a</p><p>finalidade de se divulgarem dados relativos a uma dada licitação pública, entre</p><p>outros, é atrair o maior número de interessados possível e realizar a melhor</p><p>aquisição, entre o menu de opções que aparecer para a administração. Mas, se</p><p>o dever de publicar os editais for burlado ou mitigado (reduzido, suavizado),</p><p>publicando-se o edital, por exemplo, em apenas um tipo de jornal quando se</p><p>recomenda publicar em jornal e em meio eletrônico, tem-se um atendimento</p><p>parcial do dever de publicidade.</p><p>TEMA 5 TRANSPARÊNCIA E TRANSFORMAÇÃO ESTATAL</p><p>Vimos que a transparência pública é aliada da boa governança, que</p><p>integra parte das dimensões da accountability. Vimos também que a</p><p>13</p><p>transparência pública tem alinhamento com os ideais democráticos. O propósito,</p><p>neste instante, é refletir acerca do potencial da accountability para propiciar a</p><p>transformação da gestão estatal, promovendo mudanças. A provocação que é</p><p>feita é no sentido de conduzir a conclusões acerca de que transformações</p><p>estatais a transparência pública pode promover.</p><p>Pois bem, possuir informações acerca de como a gestão se opera,</p><p>conforme já foi visto, permite a realização do controle pelas instâncias que têm</p><p>essa finalidade (Ministério Público, Tribunais de Contas, entidades não</p><p>governamentais tais como os observatórios sociais , entre outras). A</p><p>circulação de informações, conforme também já foi visto, permite o</p><p>desenvolvimento da confiança no Estado, na gestão pública, e a confiança tem</p><p>potencial para propiciar o desenvolvimento, notadamente o desenvolvimento</p><p>econômico. Os investidores têm atração por cenários de estabilidade política, de</p><p>controle e combate à corrupção, de alta produtividade, de solidez nas políticas</p><p>públicas, entre outros. Se o cenário é de instabilidade, de obscuridade e,</p><p>sobretudo, de incerteza, os investidores não irão confiar no país, tampouco</p><p>gastar seu dinheiro nesses locais. Daí a importância de se levar a sério a</p><p>transparência pública, entre outros motivos.</p><p>Na seara do desenvolvimento e da maturidade democrática, não se pode</p><p>esquecer que uma população bem esclarecida é capaz de realizar julgamentos,</p><p>e, com base nesses, estabelecer os seus controles: pode selecionar candidatos,</p><p>sabendo de suas ações à frente da gestão; pode exigir mudanças no cenário</p><p>político; pode trabalhar pela criação, modificação ou extinção de leis; pode</p><p>pressionar para que os gestores públicos deixem de fazer algo que é</p><p>considerado errado pelo público. Por exemplo, quem se lembra da retaliação</p><p>pública sofrida por alguns parlamentares da Câmara dos Deputados, em</p><p>Brasília, que queriam, há um tempo, pagar despesas de esposas em companhia</p><p>de viagens de seus cônjuges políticos? A pressão social foi imensa! O caso foi</p><p>parar no STF Supremo Tribunal Federal (Questionado..., 2015).</p><p>Pesquisadores também vêm percebendo e relatando outros pontos</p><p>positivos da transparência pública na transformação estatal. Divino et al. (2019),</p><p>por exemplo, estudaram municípios do Triângulo Mineiro e constataram que</p><p>aqueles com maior receita corrente líquida RCL possuíam maior índice de</p><p>transparência. Lembrando que, segundo o site Tesouro Transparente:</p><p>14</p><p>A Receita Corrente Líquida (RCL) é importante por indicar os recursos</p><p>que o governo dispõe a cada exercício para fazer frente as suas</p><p>despesas. Ela é o somatório das receitas tributárias, de contribuições,</p><p>patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências</p><p>correntes e outras receitas também correntes. Deste valor são</p><p>subtraídos, principalmente, os valores transferidos, por determinação</p><p>constitucional ou legal, aos Estados e Municípios, no caso da União.</p><p>(Brasil ,2020)</p><p>Bairral et al. (2015, citados por Rodrigues, 2018, p. 4) relatam que</p><p>A transparência também se tornou, além de ferramenta para o combate</p><p>à corrupção, algo retoricamente moral. Pressupõe-se, portanto, que</p><p>pública, mais se espera uma gestão focada na eficiência, eficácia e</p><p>efetividade da utilização dos recursos públicos. E somente de posse</p><p>dessas informações os cidadãos poderão escolher melhor seus</p><p>Observe, portanto, que ser transparente é algo que está sendo associado</p><p>ao incremento da eficiência. E também que aumentar essa eficiência implica em,</p><p>moralmente, fazer aquilo que é esperado. Quer dizer, espera-se que o gestor</p><p>público dê o melhor de si, de modo a atuar com as ferramentas mais adequadas,</p><p>buscando a realização mais assertiva das políticas públicas para, de fato, realizá-</p><p>las.</p><p>Em suma, a transparência pública tem muito a contribuir na transformação</p><p>estatal: ela pode colaborar para que a gestão pública seja mais eficiente, pode</p><p>promover o aumento da participação social e do controle, pode colaborar no</p><p>crescimento da confiança na gestão e no desenvolvimento estatal.</p><p>NA PRÁTICA</p><p>Nesta aula, buscamos verificar como a transparência vem impactando na</p><p>gestão pública, ou seja, qual é a colaboração da transparência, qual a sua</p><p>utilidade e como, de fato, ela se apresenta.</p><p>Zucolotto, Teixeira e Riccio (2015) lembram que a Constituição Federal</p><p>de 1988 é o grande marco para a transparência pública, embora outras regras</p><p>infraconstitucionais tenham significado avanços neste sentido. Foi o caso do</p><p>Código Brasileiro de Contabilidade Pública (1922) e da Lei Federal n.</p><p>4.320/1964. Zucolotto, Teixeira e Riccio (2015) também lembram que, após a</p><p>Constituição de 1988 e com o desenvolvimento das tecnologias da informação,</p><p>atos que apenas atendiam ao princípio da publicidade o que já era considerado</p><p>um grande avanço passaram a ter visibilidade maior, propiciando o</p><p>conhecimento e o questionamento da gestão pública. Quer dizer, a visibilidade</p><p>15</p><p>da informação, propiciada pelas tecnologias da informação TICs colaboraram</p><p>para o desenvolvimento da transparência pública.</p><p>A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000 e suas</p><p>transformações) igualmente aprimorou o processo de transparência na gestão</p><p>fiscal e orçamentária. O acesso a informação tem ocorrido, por meio da internet,</p><p>em tempo real, permitindo, em algumas situações, o aprimoramento do controle.</p><p>A Lei de Acesso à Informação LAI Lei n. 12.527/2011 é também um grande</p><p>avanço no âmbito da promoção da transparência pública. Fala-se, também,</p><p>atualmente na importância de divulgação de dados abertos ou seja, de dados</p><p>que permitam análise e tratamento por qualquer pessoa que os acessar. Esse é</p><p>outro movimento propiciado pelas TICs, que aprimora a transparência pública.</p><p>Não se pode esquecer também dos atos de combate à corrupção, que,</p><p>pelo aspecto moral e também financeiro pois o combate à corrupção pode</p><p>promover a melhoria da gestão e a atuação focada no gasto responsável é</p><p>resultado do incremento da transparência, acarreta aprimoramento do controle</p><p>e favorece o desenvolvimento estatal. A Lei Anticorrupção (Lei n. 12.846/2014)</p><p>é resultado desse processo histórico de maturação do princípio da transparência</p><p>pública. Nesse sentido, o crescimento da atenção à transparência como princípio</p><p>implícito da Constituição e sua menção expressa em textos de leis também</p><p>devem ser registrados.</p><p>Todas essas inovações estão a cargo do tema transparência pública e</p><p>são capazes de propiciar a melhoria da gestão pública, que, mais visível, mais</p><p>eficiente e mais confiável, tem potencial para gerar desenvolvimento.</p><p>FINALIZANDO</p><p>Vimos que, num governo democrático, a busca pela igualdade coloca</p><p>cidadãos e gestores públicos na mesma altura. O que existe é uma situação de</p><p>cooperação entre os cidadãos e os gestores, de modo que, com informações</p><p>visíveis, a colaboração com a gestão é possível, como também o controle social.</p><p>Numa sociedade em que cidadãos e Estado têm relação de transparência, em</p><p>que a igualdade é respeitada, há espaço para diálogo, há poucas ou não há</p><p>surpresas, tem-se confiança, um fator importante na promoção de</p><p>desenvolvimento de estados.</p><p>Por sua vez, vimos que aprimorar os atos de gestão buscando</p><p>incrementar a produtividade, o gasto responsável, a realização de meios</p><p>16</p><p>eficazes de atuação, é algo que pode ser conseguido tento a transparência como</p><p>diretriz. Isso foi abordado no tema relativo à transparência e governança. Por</p><p>sua vez, estudadas as dimensões de informação e de justificação da</p><p>transparência, vimos o quanto é importante a transparência para a ocorrência do</p><p>controle. A transparência é, portanto, relevantíssima para a realização da</p><p>accountability.</p><p>Discutir efetividade pode ser feito sob dois aspectos. Um deles é</p><p>considerar a real e concreta aplicação das leis dimensão jurídica a outra é</p><p>considerar o viés da adequada relação entre eficiência e eficácia. O alcance real</p><p>de políticas públicas é, por exemplo, uma tema relacionado à efetividade. E isso</p><p>foi tratado no tema transparência e efetividade. Quer dizer, a transparência, pelo</p><p>seu viés de visibilidade da informação, por propiciar o controle, tem potencial</p><p>para colaborar da aferição dos aspectos mais concretos das políticas públicas.</p><p>Por fim, no que tange ao tema transparência e transformação estatal, vimos que</p><p>com as TICs tecnologias da informação com o surgimento de leis e o</p><p>aprimoramento das regras existentes, muito já se caminhou para a melhoria da</p><p>gestão pública brasileira e que a transparência vem colaborando sobremaneira.</p><p>Na prática, a menção a dispositivos de leis (lei de acesso à informação, lei</p><p>anticorrupção, regras existentes na lei de responsabilidade fiscal), entre outras,</p><p>são exemplos reais da utilidade da transparência pública. Esperamos, com esta</p><p>exposição, ter propiciado uma visão teoria e também prática acerca do tema</p><p>transparência pública.</p><p>17</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>AKUTSU, L; PINHO, L.G. Sociedade da Informação, accountability e democracia</p><p>delegativa:investigação em portais de governo no Brasil. Revista de</p><p>Administração Pública RAP, Rio de Janeiro, v. 36, n. 5. p. 723-745, set.-out.,</p><p>2012.</p><p>ALMQVIST, R. Public sector: governance and accountability. Critic Perspective</p><p>Account, 2012.</p><p>BASTOS, C. R. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990.</p><p>BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial</p><p>da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988.</p><p>_____. Decreto n. 9.203, de 22 de novembro de 2017. Diário Oficial da União,</p><p>Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 nov. 2017.</p><p>BRASIL. Tribunal de Contas da União. Governança pública: referencial básico</p><p>de governança aplicável a órgãos e entidades da administração pública e ações</p><p>indutoras de melhoria. Brasília: TCU, Secretaria de Planejamento, Governança</p><p>e Gestão, 2014.</p><p>BRASIL. Tesouro Nacional. Receita Corrente Líquida (RCL) da União.</p><p>Tesouro Nacional, 30 jan. 2020.</p><p>CARVALHO, R. M. U. Curso de direito administrativo. 2. ed. Salvador: Jus</p><p>Podvim, 2009.</p><p>DIVINO, S. N.; BEZERRA-FILHO, J. E.; NOSSA, S. N. Motivações para a</p><p>transparência orçamentaria municipal. Revista Gestão e Conexões, Vitória, v.</p><p>8, n. 2, maio-ago., 2019.</p><p>GIACOMUZZI, J. G. A Moralidade administrativa: história de um conceito.</p><p>Revista Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 230, p. 291-303, out.-dez.</p><p>2002.</p><p>GODDARD, A. Accounting and NPM in UK Local Government Contributions</p><p>towards Governance and Accountability. Financial Accountability &</p><p>Management, v. 21, n. 2, p. 191-216, 2005.</p><p>LINCOLN, A. O discurso de Gettysburg. OAB São Paulo, S.d. Disponível em:</p><p><http://www.oabsp.org.br/sobre-oabsp/grandes-causas/o-discurso-de-</p><p>18</p><p>gettysburg>. Acesso em: 7 mar. 2020.</p><p>LOPES, E. P.; DAMASCENO, P.</p><p>I. S.; LOBO, R. J. S. Efetividade governamental:</p><p>análise dos investimentos de empresas estatais. Contabilidade, Gestão e</p><p>Governança, Brasília, set-dez 2019, v. 22, n. 3, p. 443-462.</p><p>MELLO, C. A. B. de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros,</p><p>2012.</p><p>_____. Conteúdo jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Malheiros,</p><p>2006.</p><p>OCDE. Relatórios Econômicos OCDE Brasil. OCDE, fev. 2018. Disponível em:</p><p><http://www.oecd.org/economy/surveys/Brazil-2018-OECD-economic-survey-</p><p>overview-Portuguese.pdf>. Acesso em: 6 mar. 2020.</p><p>PARANÁ. Portal da Transparência. Disponível em:</p><p><http://www.transparencia.pr.gov.br/pte/home;jsessionid=q7syX5YUojBWxCLh</p><p>bt3GECvfYLS11-NEUqCKHGMH.ssecs75004?windowId=e89>. Acesso em: 6</p><p>mar. 2020.</p><p>PIRES, A. K. et al. Gestão por competências em organizações do governo.</p><p>Brasília: EBAP, 2005.</p><p>QUESTIONADO ato que estende a cônjuge de deputado cota de passagem</p><p>aérea. 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Acesso em: 7 mar. 2020.</p><p>ACCOUNTABILITY E</p><p>TRANSPARÊNCIA PÚBLICA</p><p>AULA 6</p><p>Prof. Fernanda Alves Andrade Guarido</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>A transparência pública é realizada com o suporte de ferramentas. É</p><p>importante compreendê-las e saber como elas podem colaborar na</p><p>disseminação da informação e da comunicação, favorecendo a gestão pública</p><p>brasileira. Assim, em nosso primeiro tema, abordaremos as tecnologias da</p><p>informação. Merecem destaque os computadores e sua rede mundial a</p><p>internet. Com ela, a sociedade se transformou. O jeito de atuar também. Em</p><p>nosso segundo tema, abordaremos os marcos regulatórios, que com sua força</p><p>aprimoraram a transparência. Trabalharemos aspectos da Lei Complementar n.</p><p>101, de 2000, da Lei Anticorrupção LAC e da Lei de Acesso à Informação</p><p>LAI.</p><p>Na sequência, vamos estudar as audiências públicas e sua contribuição</p><p>à transparência pública. Depois, cuidaremos das consultas públicas, abordando</p><p>a sua distinção em relação às audiências públicas, sua utilidade, bem como os</p><p>roadshows. Por fim, voltando às tecnologias da informação, trataremos das</p><p>mídias sociais e de seu papel na disseminação da informação e na promoção da</p><p>transparência. Ao final, com um exemplo prático e real, vamos comentar a</p><p>operação Lava Jato, especialmente o modo como os instrumentos voltados à</p><p>transparência serviram de suporte para legitimar a operação, combater a</p><p>corrupção e recuperar dinheiro público. Ao final, faremos um arremate</p><p>necessário, lembrando que a transparência pública e a accountability, quando</p><p>efetivas, consolidam a nossa democracia.</p><p>TEMA 1 INTERNET E TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO</p><p>O computador trouxe muitos benefícios ao mundo moderno, pois facilitou</p><p>muitas tarefas. Além disso, a criação da internet, sem sombra de dúvida,</p><p>revolucionou o mundo em termos de comunicação e de disseminação da</p><p>informação. O surgimento da internet se deu após a Segunda Guerra Mundial,</p><p>pelo exército dos Estados Unidos. No início dos anos 2000, entretanto, a internet</p><p>ganhou o cenário mundial, tendo se tornado acessível à população em geral</p><p>(Lenhardt; Fontana, 2016).</p><p>Considerando que a sociedade industrial foi cedendo espaço à sociedade</p><p>da informação, a internet tornou-se um meio importante de inclusão. É que as</p><p>3</p><p>tecnologias da informação (TICs) permitiram uma nova estruturação da</p><p>sociedade, que tem o ciberespaço como local privilegiado para comunicações e</p><p>conexões (Lenhardt; Fontana, 2016). Na rede mundial de computadores, há</p><p>intercâmbio cultural, e-commerce (comércio através da internet),</p><p>conscientização política e interação de todo o gênero. A liberdade de opinião e</p><p>de expressão se desenvolve na internet, como também os debates, a</p><p>organização em prol de algumas causas, e a própria discussão acerca de</p><p>demandas políticas.</p><p>Por meio dos computadores e de sua rede mundial, a transparência</p><p>pública também sofreu transformações incríveis. A disponibilização e o acesso</p><p>a dados, e até mesmo a própria comunicação, tornaram-se muito mais ágeis.</p><p>Por isso, é importante facultar aos cidadãos o acesso à internet. O acesso a</p><p>computadores e a internet para todos, em vista disso, tornou-se uma política</p><p>pública denominada inclusão digital. O governo passou a ter por meta, portanto,</p><p>a massificação do acesso dos cidadãos à internet, pois, como nesse espaço se</p><p>desenvolve toda uma organização social, as pessoas têm direito de nele</p><p>interagir.</p><p>A inclusão digital foi considerada, dessa forma, um direito social, quer</p><p>dizer, o Estado é obrigado a desenvolver políticas públicas que propiciem o</p><p>acesso de todos à rede mundial de computadores, a fim de garantir as interações</p><p>necessárias. No âmbito das ações do governo, muitas das suas obrigações para</p><p>com a sociedade são realizadas através da internet. Seja na atuação cotidiana</p><p>pelo uso de softwares, o que propiciou a informação e o controle, seja no</p><p>intercâmbio entre cidadãos e governo, seja na facilidade para a prestação de</p><p>serviços, a internet em muito modificou o dia a dia das atividades no âmbito</p><p>público, ampliando a disseminação das informações e a própria organização da</p><p>sociedade.</p><p>A internet ampliou a transparência, pois de suas casas os cidadãos</p><p>passaram a ter acesso não somente a serviços, mas também a dados relativos</p><p>à gestão pública. Isso permitiu a ampliação do conhecimento acerca das políticas</p><p>públicas, além da organização das pessoas e a própria fiscalização e cobrança.</p><p>A internet, portanto, elevou os níveis de transparência e de accountability por</p><p>parte dos cidadãos.</p><p>4</p><p>1.1 Portais de transparência</p><p>Os portais da transparência são um exemplo de atuação concreta das</p><p>tecnologias da informação em prol da realização do ideal democrático. Criados</p><p>no âmbito dos governos, os portais são páginas na internet em que são</p><p>disponibilizados dados acerca das atividades governamentais, notadamente</p><p>aquelas atinentes a gastos públicos, contratações etc.</p><p>Por meio dos portais, os cidadãos podem ter acesso a dados abertos,</p><p>solicitar notificações sobre certos assuntos, ler notícias ligadas à atuação</p><p>pública, interligar-se com redes de transparência e ter acesso a informações</p><p>sobre repasses, execução de políticas públicas, ocupações de cargos públicos</p><p>por algumas pessoas, gastos com viagens e serviços realizadas com cartões de</p><p>pagamento, licitações públicas e contratos administrativos celebrados. São</p><p>muitas informações acessíveis aos cidadãos, sem que eles tenham que sair de</p><p>casa ou gastar dinheiro (além das despesas com internet) para obtê-las.</p><p>A rede de transparência, disponível, por exemplo, no portal da</p><p>transparência do governo federal, traz muitos links úteis, que dão acesso a</p><p>informações variadas (cidadania, controle social, cultura, ciência, tecnologia,</p><p>benefícios sociais, bancos, auditoria e fiscalização, desenvolvimento, compras,</p><p>entre outras). A rede funciona no âmbito da administração pública federal,</p><p>porque os portais da transparência têm existência no âmbito de cada ente. Dessa</p><p>forma, informações sobre contratos, cultura, ciência e tecnologia são relativas ao</p><p>ente público criador do portal. Se for um portal do estado, as informações</p><p>tratam</p><p>daquele estado. O portal federal, por sua vez, traz informações sobre a gestão</p><p>pública no âmbito da União.</p><p>A fim de ilustrar as benesses trazidas pelas TICs, a seguir vamos explicar</p><p>o que é e como funciona o software Siafi.</p><p>1.2 Siafi</p><p>Outro instrumento de transparência, previsto na LRF (Lei de</p><p>Responsabilidade Fiscal) (Lei Complementar n. 101, de 2000) é o Siafi (Sistema</p><p>Integrado de Administração Financeira do Governo Federal). Trata-se de um</p><p>sistema que foi criado nos idos de 1987, junto com a Secretaria do Tesouro</p><p>Nacional. O desenvolvedor do Siafi foi o Serpro (a empresa pública encarregada</p><p>do processamento de dados no âmbito do governo federal). O Siafi está</p><p>5</p><p>encarregado do registro, acompanhamento e controle da execução</p><p>orçamentária, financeira, patrimonial e contábil no âmbito do governo federal.</p><p>Trata-se de uma ferramenta hábil no fornecimento de informações gerenciais. O</p><p>Siafi está encarregado de municiar o gestor de informações necessárias à</p><p>tomada de decisão, além de permitir o controle (Ferreira, 2018).</p><p>O Siafi opera sobre as diretrizes básicas do orçamento: previsão de</p><p>receita e estimativa de despesas. Por isso, concentra dados econômicos e</p><p>financeiros dos entes e entidades da federação, através da integralização de</p><p>balancetes. Pelo Siafi, é possível conhecer e definir gestores, sendo que o</p><p>sistema suporta até 5.000 (cinco mil) atendimentos simultâneos. Apesar de ser</p><p>uma ferramenta para uso de gestores públicos, a reuniões de informações em</p><p>um único sistema foi capaz de permitir e de aprimorar o controle interno, de</p><p>aprimorar a contabilidade pública, de padronizar métodos e rotinas de trabalho,</p><p>de permitir o acompanhamento e a avaliação de recursos públicos no âmbito do</p><p>governo federal e, em suma, de proporcionar a transparência de seus gastos.</p><p>TEMA 2 MARCOS REGULATÓRIOS PROPICIADORES DA TRANSPARÊNCIA</p><p>A transparência pública vem se aprimorando no dia a dia na gestão</p><p>pública brasileira. Desde a promulgação da Constituição da República de 1988,</p><p>muitos dos instrumentos voltados à transparência vêm se revelando como</p><p>verdadeiros promotores da transparência, a serviço da disseminação da</p><p>informação e do aprimoramento da qualidade do que se divulga. São</p><p>considerados, entre outros, a clareza de compreensão acerca dos dados</p><p>divulgados, a qualidade e a utilidade da informação. Um marco regulatório forte,</p><p>com alto poder de sanção e de coerção, é considerado um dos instrumentos</p><p>mais importantes na promoção da transparência. Dessa forma, leis que sejam</p><p>capazes de promover a transparência acerca do que se faz na gestão pública</p><p>vêm surgindo no cenário governamental.</p><p>2.1 Lei de Responsabilidade Fiscal</p><p>A lei complementar n. 101, de 2000, conhecida como Lei de</p><p>Responsabilidade Fiscal (LRF), promoveu importantes medidas no que tange ao</p><p>aspecto informacional. O capítulo IX da lei é dedicado à transparência, ao</p><p>controle e à fiscalização da gestão fiscal. Constam como instrumentos de</p><p>6</p><p>transparência: relatórios de execução orçamentária (resumido) e de gestão</p><p>fiscal; planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; prestações de</p><p>contas e o respectivo parecer prévio. Como ferramentas de transparência, a LRF</p><p>também elenca a participação popular, as audiências públicas e a liberação, em</p><p>tempo real, de informações detalhadas acerca da execução orçamentária e</p><p>financeira, que deve ocorrer em tempo real, em meios eletrônicos de acesso ao</p><p>público.</p><p>O art. 48-A da LRF estabeleceu o dever de os entes da federação</p><p>(estados, municípios, União e Distrito Federal) disponibilizarem a qualquer</p><p>interessado, pessoa física ou jurídica, informações relativas à receita e à</p><p>despesa pública. Assim, informações relativas ao lançamento e ao recebimento</p><p>de receitas, inclusive decorrentes de recursos extraordinários, uma vez</p><p>solicitadas, devem ser objeto de informação aos interessados. Da mesma forma,</p><p>atos de execução de despesa devem ser informados aos interessados,</p><p>notadamente no que tange ao processo licitatório realizado, à contratação e ao</p><p>contratado (beneficiário de pagamentos), com valores de pagamentos, bens</p><p>fornecidos e serviços prestados.</p><p>O art. 49 da LRF determina que as contas de governadores, prefeitos e</p><p>do presidente da República devem ficar disponíveis no Poder Legislativo</p><p>respectivo (assembleias, câmaras de vereadores e congresso), e também no</p><p>âmbito do governo, no órgão técnico que elaborou as contas para que os</p><p>cidadãos e as instituições da sociedade possam consultá-las.</p><p>Observa-se na disciplina relativa à fiscalização e controle contábil e</p><p>orçamentário uma preocupação com o acesso à população, seja no que tange à</p><p>participação para a elaboração dos orçamentos, seja no acompanhamento dos</p><p>atos de gestão. Interessante registrar que esse capítulo da LRF sofreu alterações</p><p>em 2009, 2010 e 2016. Assim, a LRF, que é de 2000, recebeu aprimoramento</p><p>no que tange à disseminação da informação, o que, além de colaborar para a</p><p>efetivação da transparência, possibilita a ampliação da participação do cidadão</p><p>na gestão pública, colaborando, portanto, com o aperfeiçoamento da nossa</p><p>democracia.</p><p>2.2 Lei de Acesso à Informação</p><p>A LAI (Lei de Acesso à informação), Lei Federal n. 12.527, de 2011, é uma</p><p>lei de procedimentos, que busca viabilizar a garantia de acesso à informação,</p><p>7</p><p>presente nos art. 5º, XXXIII, 37, parágrafo 3º, II e 216, parágrafo 2º, todos da</p><p>Constituição da República. Assim, a Constituição da República de 1988 (CR)</p><p>assegurou o acesso à informação de interesse particular, coletivo (de dada</p><p>categoria, a exemplo de professores, certos consumidores etc.), ou geral (da</p><p>sociedade, indiscriminadamente) a todos os interessados. A única reserva feita</p><p>pela CR é para a informação sigilosa, indispensável para a segurança da</p><p>sociedade e do Estado.</p><p>Por sua vez, o acesso de usuários a registros administrativos e</p><p>informações sobre atos de governo é considerado forma de participação do</p><p>usuário na Administração direta e indireta art. 37, parágrafo 3º, II, CR. O</p><p>usuário da Administração tem o direito de requerer informações relativas à</p><p>gestão pública. Ao fazê-lo, já participa da gestão. É claro que a participação de</p><p>fato ocorre no instante em que, de posse da informação, o usuário possa utilizá-</p><p>la para fins voltados ao interesse público (como realizar cobranças, solicitar</p><p>investigações, realizar julgamentos e seleções, ainda que pelo voto).</p><p>Vamos ressaltar também que a Constituição, no capítulo reservado à</p><p>cultura, determina que a gestão da documentação governamental cabe à</p><p>Administração Pública art. 216, parágrafo 2º CR. Dessa forma, enquanto</p><p>encarregada de zelar pelo nosso patrimônio histórico e cultural, é seu dever</p><p>cuidar, entre outros aspectos, das</p><p>formas de expressão, dos modos de criar, fazer e viver, das criações</p><p>científicas, artísticas e tecnológicas, das obras, objetos, documentos,</p><p>edificações e espaços destinados a manifestações artístico-culturais,</p><p>dos conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,</p><p>arqueológico, paleontológico, ecológico e cientifico. (Moraes, 2008, p.</p><p>820)</p><p>Todos os dispositivos constitucionais mencionados deixavam claro que a</p><p>Administração Pública deveria promover o acesso àquelas informações na</p><p>forma da lei. Assim sendo, em 2011 adveio a Lei de Acesso à Informação (LAI),</p><p>Lei n. 12.527, de 2011. A LAI regulamenta, portanto, cada um dos três</p><p>dispositivos da Constituição da República. Mencionamos que o acesso à</p><p>informação é uma garantia. Enquanto tal, inserida no rol do art. 5º da CR, é</p><p>também uma cláusula pétrea. A palavra pétreo vem de pedra, e significa algo</p><p>duro, permanente. Isso quer dizer que os dispositivos tachados como cláusula</p><p>pétrea não podem ser modificados, a menos que a própria CR seja mudada.</p><p>Assim, os dispositivos que são cláusulas pétreas não podem ser objeto de</p><p>emenda à Constituição. O acesso à informação é, portanto,</p><p>uma garantia, um</p><p>8</p><p>direito fundamental do cidadão brasileiro. Dessa forma, a LAI é um grande</p><p>avanço no que se refere ao respeito a esse direito fundamental, também com</p><p>referência aos avanços realizados na transparência pública.</p><p>A LAI abrange tanto a Administração Pública de todos os entes da</p><p>federação (União, estados, Distrito Federal e municípios) quanto suas</p><p>administrações indiretas. Abrange o Judiciário, o Legislativo, o Ministério Público</p><p>e os Tribunais de Contas. As entidades privadas sem fins lucrativos que recebam</p><p>recursos públicos também têm a obrigação de prestar informações relativas aos</p><p>recursos públicos recebidos e à sua destinação.</p><p>Para obter acesso à informação, os cidadãos devem cumprir um rito, isto</p><p>é, um procedimento que está previsto na própria LAI. Primeiramente, deve-se ter</p><p>em conta que o procedimento precisa obedecer aos princípios básicos da</p><p>Administração Pública. Trata-se dos princípios constantes no caput do art. 37 da</p><p>CR legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. De</p><p>maneira muito simplória, podemos afirmar que o acesso à informação deve ser</p><p>feito em cumprimento da lei e do ordenamento jurídico, sem estabelecer</p><p>preferências ou distinções entre os requerentes, atendendo aos valores que são</p><p>caros à sociedade brasileira, tendo a publicidade como regra e primando pela</p><p>eficiência isto é, fornecendo a informação de uma maneira adequada, viável,</p><p>útil.</p><p>Ao prestar informações, a Administração deve ter em conta que é seu</p><p>dever gerir e proteger as informações em seu poder. Também se deve ter em</p><p>conta que informar é um dever. Dessa forma, as informações de interesse</p><p>público devem sempre ser fornecidas, independentemente de solicitação. Ao dar</p><p>publicidade de seus atos, a Administração deve primar pelo estímulo à cultura</p><p>da transparência. A cultura é, em termos gerais, o acervo de crenças, hábitos,</p><p>costumes e tradições de uma dada sociedade. Assim, quando a LAI menciona</p><p>que a intenção é disseminar a cultura da transparência, ela afirma que o ato de</p><p>informar acerca da gestão deve ser natural na sociedade brasileira, corriqueiro,</p><p>costumeiro; assim sendo, há de se tornar parte do modo de viver, do modo de</p><p>gerir a gestão pública, sem causar espanto, reserva ou temor. O ato de informar</p><p>igualmente há de propiciar o controle social da Administração Pública. Enquanto</p><p>tal, há de promover igualdade, por reduzir distâncias ou estreitar relações</p><p>hierárquicas entre governantes e governados, fortalecendo a democracia.</p><p>9</p><p>O procedimento para acesso à informação é o seguinte: o interessado</p><p>deve fazer o seu requerimento por qualquer meio legítimo (escrito, eletrônico,</p><p>outro, se houver). Em seu requerimento, o interessado deve fornecer os dados</p><p>(identidade, endereço) e a informação requerida. Não há necessidade de</p><p>justificar a solicitação, caso o requerimento se relacione com informações de</p><p>interesse público.</p><p>A Administração deve apreciar o pedido e imediatamente conceder o</p><p>acesso à informação. No entanto, caso não seja possível à Administração</p><p>conceder o acesso imediato, deverá responder ao pedido em até 20 dias (o prazo</p><p>pode ser prorrogado por mais 10 dias, mediante justificativa expressa). A</p><p>administração pode informar ao requerente onde obter a informação, informar</p><p>que não a possui (neste caso, indicando quem a possui, se souber), ou ainda</p><p>recusar o acesso, informando os fundamentos que a sustentam. Da decisão que</p><p>nega o acesso, cabe recurso, no prazo de 10 dias, à autoridade imediatamente</p><p>superior àquela que negou o acesso; desta decisão, cabe recurso à CGU</p><p>Controladoria-Geral da União (em âmbito federal). Também no âmbito federal</p><p>existe uma Comissão Mista de Reavaliação de Informações, a quem o</p><p>interessado deve recorrer se até mesmo a CGU negar o acesso à informação</p><p>solicitada.</p><p>As informações a serem prestadas serão sempre gratuitas, sendo vedado</p><p>à Administração cobrança para prestá-las. A única cobrança autorizada se refere</p><p>a custos de materiais usados para prestar as informações solicitadas. Assim,</p><p>cobrar pelas cópias, ou pelo fornecimento de CD, pen drive ou outro instrumento,</p><p>é lícito. É possível obter informações gerais acerca de programas, metas,</p><p>registros, documentos produzidos, auditorias sofridas, uso de recursos públicos,</p><p>licitações, contratos administrativos, entre outras.</p><p>A informação dada pela Administração Pública deve ser primária,</p><p>autêntica, íntegra e atualizada. A informação tem que ser exata; ela não pode</p><p>passar pelo crivo da interpretação de ninguém. Ela não deve ser um relatório,</p><p>mas a fonte que permite gerar relatórios e outros informações. A informação</p><p>somente pode ser um relatório se este é o documento original de acesso.</p><p>Observe a diferença entre uma fonte primária e uma fonte secundária: por</p><p>exemplo, uma reunião, que é gravada e relatada em ata. A gravação é uma fonte</p><p>primária, enquanto a ata da reunião é uma fonte secundária, porque já passou</p><p>pela interpretação de alguém (no caso, do secretário que redigiu a ata). Assim,</p><p>10</p><p>sempre que possível, deve-se primar pela entrega do dado primário, que</p><p>permitirá interpretações livres de interpretações anteriores.</p><p>A informação também deve ser íntegra, ou seja, inteira. A informação</p><p>somente será parcial se houver sigilo em relação a uma parte. Nesse caso,</p><p>apenas a parte sigilosa não será objeto de fornecimento do dado. A atualidade</p><p>da informação é igualmente um dever. Assim, sempre que solicitada, a</p><p>Administração deve entregar os dados mais atuais de que dispuser.</p><p>A LAI também determina que a Administração Pública deve criar serviços</p><p>de informações ao cidadão, além de realizar audiências ou consultas públicas,</p><p>incentivando a participação popular. Os serviços de informação ao cidadão</p><p>devem orientar o público acerca da tramitação de documentos e, em linhas</p><p>gerais, do acesso à informação.</p><p>Por fim, em alinhamento com os direitos à intimidade, à vida privada, à</p><p>honra e à imagem, as informações pessoais receberam tratamento diferente pela</p><p>LAI. Assim, seu acesso é restrito, independentemente da classificação de sigilo,</p><p>sendo acessíveis aos agentes públicos e às pessoas a quem se referem. O</p><p>acesso a informações pessoais é possível se houver autorização legal ou da</p><p>própria pessoa a quem a informação se refere.</p><p>Por fim, a lei de processos administrativos federais Lei n. 9.784, de 1999,</p><p>deverá ser consultada, pois é fonte subsidiária da LAI. Assim, quando a LAI for</p><p>omissa em relação a algo, deve-se buscar a resposta na Lei n. 9.784.</p><p>2.3 Lei Anticorrupção</p><p>A Lei n. 12.846 surgiu no cenário nacional em agosto de 2013, sendo</p><p>considerada uma ferramenta importante no combate à corrupção. Conhecida</p><p>como Lei Anticorrupção (LAC), a mencionada regra estabelece a chamada</p><p>responsabilização objetiva de pessoas jurídicas que praticarem atos ilícitos</p><p>contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. A LAC se destina,</p><p>portanto, a punir empresas infratoras que lesem a Administração Pública.</p><p>A responsabilização das empresas infratoras é objetiva, isto é, em sendo</p><p>verificada a prática do ilícito, não precisa estar provada a culpa a simples</p><p>constatação de participação por parte da empresa para praticar o ilícito será</p><p>suficiente para responsabilizá-la. Logo, o simples envolvimento da empresa com</p><p>a prática de crimes que lesem a Administração já enseja o dever de reparação e</p><p>a possibilidade de a empresa ser punida. A Administração Pública pode,</p><p>11</p><p>internamente, instaurar processo administrativo, quando pode haver ação</p><p>judicial e condenação dada por um juiz à empresa infratora.</p><p>No âmbito administrativo, as penalidades são multas e há publicação</p><p>extraordinária da decisão condenatória essa publicação é feita em jornal de</p><p>grande circulação no local em que ocorreu a infração. No âmbito civil, as</p><p>penalidades são perda de bens, direitos e valores adquiridos com o ato ilícito;</p><p>suspensão ou interdição</p><p>qualifica-se como controle horizontal. O controle horizontal será entre iguais</p><p>(controle entre os poderes) ou entre autônomos (controle realizado por agências</p><p>fiscalizadoras e por órgãos dos poderes) (Mota, 2006, p. 14).</p><p>São exemplos de controle horizontal:</p><p>Ações de improbidade administrativa movidas pelo Ministério Público em</p><p>desfavor de agentes políticos.</p><p>Instauração de Tomada de Contas Especial pelo Tribunal de Contas da</p><p>União em relação a atos de gestores do executivo federal.</p><p>Podemos citar outras classificações feitas para o termo accountability. No</p><p>conceito de accountability política, por exemplo, estão presentes as</p><p>dimensões de (1) informação, (2) justificação e (3) punição (Schedler, citado</p><p>9</p><p>por Paludo, 2013, p. 135). Mas o que isso quer dizer? Informação e justificação</p><p>são meios de promover transparência da ação, são meios de resposta,</p><p>conhecidos pelos teóricos como answerability (informação + justificação). Já a</p><p>dimensão de punição, chamada de enforcement pelos teóricos estrangeiros,</p><p>completa a dimensão do controle atribuída à accountability. Para resumir,</p><p>podemos afirmar que, juntas, essas dimensões da accountability (informação,</p><p>justificação e sanção ou answerability e enforcement) visam evitar e corrigir o</p><p>abuso de poder político (Schedler, citado por Mota, 2006, p. 46). É preciso</p><p>atentar, portanto, para a importância do elo entre as dimensões da accountability,</p><p>pois isoladas elas não alcançam a accountability de fato. Por exemplo,</p><p>informação e justificação, sozinhas, são um tipo de transparência, mas não são</p><p>accountability. Em suma, para que exista accountability, a possibilidade de punir</p><p>deve estar presente.</p><p>Assim, considerando a accountability política, no exercício do poder é</p><p>obrigatório haver transparência, devendo-se noticiar e explicar as ações</p><p>tomadas. Se houver desvio das finalidades a que o atributo de poder conduz,</p><p>deve haver sanção, a fim de coibir os desvios. Cumprindo com tais deveres, as</p><p>dimensões de accountability podem conduzir a uma gestão transparente. Como</p><p>funciona? Pense em um político, em pleno exercício de seu mandato eletivo. Um</p><p>prefeito, por exemplo, que prometeu fazer uma obra de saneamento em bairros</p><p>da cidade. Como fiscalizar tal ação? Podemos fazê-lo observando o PPA Plano</p><p>Plurianual. A obra está lá? Em que ano foi planejada? Quanto foi reservado para</p><p>a obra? Há verba destinada? Ela foi realizada? Houve publicação dos atos</p><p>inerentes à licitação? O contrato celebrado foi publicado? A obra foi realizada no</p><p>tempo previsto? Verificando as páginas de publicações oficiais, pode-se garantir</p><p>que as publicações foram feitas, se o contrato foi executado... e, diante da</p><p>ausência da ausência, a dimensão de enforcement pode atuar, por meio das</p><p>instâncias de controle (Tribunais de Contas, Ministério Público, punindo-se os</p><p>responsáveis)</p><p>A accountability necessita, para ser efetiva, de mecanismos institucionais</p><p>fortes. Tais mecanismos podem ser diversos: uma lei com alto poder de coerção,</p><p>um Tribunal de Contas e um Ministério Publico atuantes e muito respeitados,</p><p>entre outros. Após tudo o que já vimos, podemos afirmar que existem</p><p>mecanismos institucionais que asseguram accountability no Brasil (Mota, 2006,</p><p>p. 2). Na Constituição de 1988, muitos desses mecanismos foram enaltecidos.</p><p>10</p><p>O próprio fato de integrarem o texto constitucional já lhes confere força normativa</p><p>com potencial de concreção. A existência de conselhos da sociedade,</p><p>audiências públicas, eleições periódicas, direito à informação e à liberdade de</p><p>expressão, o dever de prestação de contas, o Ministério Público e seu papel</p><p>bem-definido, os Tribunais de Contas, entre outros, são exemplos de</p><p>mecanismos institucionais de accountability.</p><p>Há ainda outras classificações feitas para o termo accountability (Paludo,</p><p>2013, p. 135):</p><p>Accountability societal aquele tipo de controle exercido por</p><p>organizações da sociedade civil. Investigação e denúncia de abusos</p><p>cometidos por detentores do poder no exercício de funções públicas,</p><p>quando feitas por ONGs (Organizações Não Governamentais), são</p><p>exemplo de accountability societal.</p><p>Accountability econômica o termo envolve a obrigação de prestar</p><p>contas, como também o uso de boas práticas de gestão. Envolve ainda a</p><p>possibilidade de responder pelos atos e resultados decorrentes da</p><p>atuação do gestor.</p><p>O Centro Latino-americano de Administração para o Desenvolvimento</p><p>CLAD é uma organização internacional e intergovernamental criada nos anos</p><p>1970. Propõe construir um novo modelo de Estado para a América Latina no</p><p>século XXI. O CLAD surgiu em 1972, com os governos de México, Peru e</p><p>Venezuela. Ele é respeitado por diversas entidades sérias voltadas ao</p><p>desenvolvimento. A finalidade do CLAD é promover o desenvolvimento da</p><p>gestão pública. Para tanto, firma convênios de cooperação com diversas</p><p>entidades.</p><p>A accountability é considerada pelo CLAD como crucial para o</p><p>desenvolvimento dos Estados. Assim, em seus estudos, o CLAD definiu outras</p><p>formas de realização da accountability. São elas: formas administrativas e</p><p>políticas ou democráticas. Tal subdivisão ainda permite a classificação das</p><p>formas gerenciais de responsabilização. Nas primeiras (formas</p><p>administrativas), tem-se o controle de procedimentos, o controle de resultados e</p><p>a competição administrada (CLAD, 2006).</p><p>Mas como agem esses controles? Eles atuam de várias formas, seja na</p><p>verificação da obediência a ritos internos, na verificação do alcance de</p><p>11</p><p>resultados, seja no estímulo para o desenvolvimento de ações benéficas para a</p><p>unidade administrativa. É importante observar que, no controle de</p><p>procedimentos, a atuação se dá pela verificação da eficiência; isto é, atenta-se</p><p>se o rito estabelecido para a realização da função pública está sendo cumprido.</p><p>Lembramos que obedecer ao rito envolve seguir regras e protocolos internos. Já</p><p>na atuação pelo controle de resultados, o que se busca é a aferição do alcance</p><p>de metas. Por fim, a competição administrada envolve o estabelecimento de</p><p>estímulos e premiações para o cumprimento de metas pré-estabelecidas.</p><p>accountability Trata-se de</p><p>uma classificação por meio da qual podemos observar uma atuação por meio de</p><p>supervisão parlamentar, exercida pelo Legislativo em relação aos demais</p><p>poderes, notadamente o Executivo, esfera em que o termo accountability ganha</p><p>relevo especial. Por exemplo, uma Câmara de Deputados pode solicitar ao</p><p>Executivo que envie relatórios dos gastos que realizou. Outro exemplo: a criação</p><p>de cargos públicos no âmbito do Executivo só pode ocorrer mediante lei.</p><p>Também ness</p><p>diretas de accountability exercidas pelos indivíduos. O exemplo clássico é o voto,</p><p>por meio do qual um cidadão pode decidir se colabora para eleger ou não um</p><p>dado político.</p><p>Fala-se ainda em formas gerenciais de responsabilização, que têm</p><p>ligação com o modo de gestão da coisa pública. Nessa seara, estão o controle</p><p>por resultados e por competição administrada e o controle social. Aqui, importam,</p><p>entre outros princípios, dar poder de ação ao gestor, priorizando o resultado da</p><p>política pública, estimulando o modus operandi do gestor e conferindo</p><p>transparência à gestão, de modo que o indivíduo seja partícipe e não cliente</p><p>(Bresser-Pereira, 1998).</p><p>Taylor (2019, p. 1318) afirma que accountability é um conceito</p><p>multidirecional, e não somente vertical ou horizontal. Em seu entendimento, está</p><p>presente a ideia de múltiplas ações que desencadeiam processos de</p><p>accountability, bem como o envolvimento, não somente de sancionamento de</p><p>comportamentos inadequados, mas também de monitoramento constante e</p><p>potencial de investigação da conduta do ator governamental. O conceito abarca</p><p>ainda, segundo Taylor (2019), a prevenção de transgressões.</p><p>12</p><p>TEMA 4 OS AGENTES E A ACCOUNTABILITY</p><p>Chegou o momento de estudar as pessoas envolvidas com a</p><p>accountability, isto é, os agentes ou os</p><p>parcial das atividades da empresa; ou até mesmo</p><p>dissolução compulsória da pessoa jurídica, além da proibição de receber</p><p>empréstimos e outros benefícios de bancos públicos.</p><p>Ainda que as pessoas jurídicas sejam punidas, as pessoas físicas ligadas</p><p>à empresa igualmente poderão ser penalizadas. Ficou famoso na imprensa o</p><p>chamado Acordo de Leniência, previsto na Lei Anticorrupção. Tal acordo tem o</p><p>poder de suavizar a pena de quem assume que praticou crimes contra a</p><p>Administração e decide colaborar contando a verdade, denunciando envolvidos</p><p>e cooperando plenamente com as investigações. O acordo de leniência é</p><p>celebrado se a pessoa jurídica for a primeira a se manifestar sobre o ilícito, se</p><p>estiver disposta a cooperar, e se ela cessar a sua participação na prática do ilícito</p><p>a partir da celebração do acordo. Os crimes praticados por empresas são vários,</p><p>estando todos descritos na lei. Incluem desde a obtenção de vantagens</p><p>indevidas, até patrocínios ilícitos e atos relacionados à prática de fraudes em</p><p>processos licitatórios.</p><p>A lei anticorrupção, além de penalizar e buscar a reparação pelos danos</p><p>praticados contra a Administração Pública, faz vir a público atos de corrupção e</p><p>pesadas penalidades contra eles. Com isso, desestimula a prática de outros atos</p><p>de corrupção. Ademais, o fato de que existe uma lei que reprime severamente</p><p>tais crimes coopera com o aumento da credibilidade em relação à gestão pública,</p><p>fator que pode colaborar com o aumento da confiança. Por sua vez, um país</p><p>confiável atrai investidores, o que pode gerar mais desenvolvimento, trazendo,</p><p>por conseguinte, benefícios à nação.</p><p>TEMA 3 AUDIÊNCIAS PÚBLICAS</p><p>As audiências públicas têm sido utilizadas na gestão pública brasileira.</p><p>Elas são uma forma de garantir a participação da sociedade, representada por</p><p>pessoas interessadas nos mais diversos projetos. Trata-se de reuniões</p><p>previamente agendadas, nas quais a população interessada é convocada a se</p><p>12</p><p>manifestar acerca de um dado assunto. A Administração que está encarregada</p><p>de convocar a audiência também deve cuidar dos processos, organizando-a.</p><p>Não existe um rito específico para a sua realização. É importante, no entanto,</p><p>que ela seja organizada de modo que a Administração Pública preste as</p><p>informações iniciais acerca dos projetos que pretende realizar, e também como</p><p>pretende fazê-lo, para em seguida franquear o acesso, de modo que os demais</p><p>presentes façam suas exposições e forneçam as contribuições que entenderem</p><p>necessárias.</p><p>A Administração não é obrigada a aceitar as sugestões feitas nas</p><p>audiências públicas. No entanto, enquanto canal de diálogo entre governo e</p><p>sociedade, é muito importante que o gestor público esteja atento às abordagens</p><p>realizadas, ao que agrada, ao que não agrada o público interessado, aos prós e</p><p>contras do projeto que se intenciona realizar. A legislação brasileira faz menção</p><p>a audiências públicas em algumas ocasiões. A lei federal de licitações públicas</p><p>Lei n. 8.666, de 1993 determina que, para as licitações de grande vulto</p><p>(aquelas que ultrapassam os 37,5 milhões de reais), é obrigatória a realização</p><p>da audiência pública prévia. Além disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)</p><p>determina que, durante a elaboração de planos plurianuais, leis orçamentárias e</p><p>leis de diretrizes orçamentárias, devem ser realizadas audiências públicas. A</p><p>ideia, em ambos os casos, é permitir que a população opine acerca da alocação</p><p>de recursos públicos, da realização de planos e da execução de projetos.</p><p>Por meio da audiência pública, portanto, dissemina-se a informação</p><p>acerca da gestão pública; além disso, no instante em que ocorre o intercâmbio</p><p>entre o cidadão e a Administração, com o compartilhamento de atos decisórios,</p><p>há participação efetiva, com a redução da distância entre usuário e</p><p>administração, o que sem dúvida colabora para dar legitimidade às ações</p><p>realizadas no âmbito da gestão pública brasileira. Um ato é considerado legítimo</p><p>quando é tido por adequado, correto, conforme os anseios de seus destinatários.</p><p>Em uma audiência pública, em que é garantida a oportunidade de participação</p><p>ao público, quando todos são efetivamente ouvidos, pode-se dizer que o projeto</p><p>ali exposto foi referendado pelas partes presentes, o que propicia legitimidade</p><p>ao projeto. Nesse contexto, acreditamos que a audiência pública é um</p><p>instrumento a serviço da transparência pública, com potencial de gerar o</p><p>fortalecimento de nosso Estado Democrático de Direito.</p><p>13</p><p>TEMA 4 CONSULTAS PÚBLICAS</p><p>As consultas públicas são formas de conectar Administração Pública e</p><p>sociedade na realização de projetos de interesse público. A finalidade é ouvir a</p><p>sociedade acerca do projeto, receber informações relevantes, para que seja</p><p>possível, antes de realizá-lo, promover ajustes que sejam considerados</p><p>importantes. Trata-se de uma ferramenta de grande utilidade na promoção da</p><p>transparência. Diferentemente das audiências públicas, tais consultas não</p><p>acontecem presencialmente. Elas se efetivam pela disponibilização de projetos</p><p>à sociedade ou aos interessados, por um dado tempo em um certo local. Assim,</p><p>é dada oportunidade de que os cidadãos tenham, em um dado tempo, a</p><p>liberdade de opinar acerca do projeto. Os sítios eletrônicos oficiais, por meio da</p><p>internet, têm sido um veículo promotor das consultas públicas. Geralmente, os</p><p>interessados em participar se cadastram nos sítios eletrônicos, têm acesso aos</p><p>projetos e, em um dado período, podem se manifestar sobre eles.</p><p>As empresas que entendem do assunto e que estão interessadas em</p><p>contratar com a Administração geralmente participam das consultas públicas.</p><p>Elas costumam trazer importantes contribuições aos projetos, porque entendem</p><p>o que a Administração está disposta a fazer. Para a Administração, é muito bom</p><p>contar com a expertise das empresas fornecedores, as quais, antes de os</p><p>projetos serem licitados, têm a oportunidade de opinar. É preciso, entretanto, ter</p><p>cuidado com a colaboração feita pelas empresas. Antes de realizar as</p><p>modificações sugeridas, a Administração tem de ter certeza de que, além de</p><p>benéfica, a mudança sugerida não causará nenhum direcionamento quer dizer,</p><p>a mudança não impedirá que um número considerável de empresas possa</p><p>oferecer propostas e se candidatar a um contrato com o poder público. Além</p><p>disso, é preciso ter em conta que, apesar de a participação das empresas ser</p><p>importante, a sociedade como um todo também é muito bem-vinda na</p><p>participação, sempre que houver uma consulta pública em andamento.</p><p>Um exemplo de consulta pública está na lei de Parcerias Público-</p><p>Privadas, no art.10, VI. O artigo determina a realização de consulta pública, com</p><p>a obrigação de submeter minutas do edital e do contrato de PPP à sociedade</p><p>em geral, a fim de que participem com suas opiniões sobre a contratação que</p><p>será realizada. Assim, antes mesmo de a licitação ser publicada, os modelos de</p><p>editais de licitação e de contratos de PPP ficam disponíveis, para que a</p><p>14</p><p>sociedade tenha conhecimento do assunto, de modo que possa mostrar o seu</p><p>ponto de vista, sugerir e, em suma, opinar. Tal como é feito na audiência pública,</p><p>a Administração não é obrigada a seguir as sugestões feitas; porém, em sendo</p><p>viáveis, úteis e relevantes, a Administração realiza as mudanças sugeridas. Com</p><p>isso, aproxima-se daquilo que a sociedade deseja: uma gestão mais cooperativa,</p><p>algo ansiado em tempos de boa governança.</p><p>4.1 Roadshows</p><p>Por fim, os roadshows são uma espécie de ferramenta que vem sendo</p><p>usada pela Administração Pública, a serviço da transparência. Assemelham-se</p><p>a workshops, sendo eventos itinerantes. Dessa forma, a Administração vai a</p><p>algumas cidades, levando exposições acerca dos projetos que deseja realizar.</p><p>Nesses locais, ouve a sociedade, os interessados em contratar com a</p><p>Administração. Com isso, tem a oportunidade de realizar as mudanças e</p><p>transformações que entender</p><p>necessárias nesses projetos.</p><p>TEMA 5 MÍDIAS SOCIAIS</p><p>As mídias sociais são também resultado do desenvolvimento das</p><p>tecnologias da informação. Pelo seu desenvolvimento, e pela importância que</p><p>vêm ganhando, merecem destaque. As mídias sociais são plataformas nas quais</p><p>acontece a comunicação entre as pessoas. São exemplos de mídias sociais:</p><p>Facebook, Instagram, Twitter e WhatsApp.</p><p>Com o desenvolvimento da internet e a ampliação do acesso pela</p><p>população, ampliou-se a comunicação e a integração entre as pessoas através</p><p>desses recursos. Atualmente, as pessoas mantêm amizades, estudam,</p><p>trabalham, conversam e interagem das mais variadas formas. Recentemente, no</p><p>Brasil, ganhou destaque a atividade política realizada pelas mídias sociais, que</p><p>ajudou a eleger um presidente da República sem muito espaço para</p><p>propagandas em televisão, e sem grandes recursos financeiros para promover</p><p>sua campanha política.</p><p>As mídias sociais têm tido um importante papel na disseminação de</p><p>informação e na organização de pessoas. É importante, entretanto, estar atento</p><p>à qualidade da informação divulgada e à necessidade de verificar se ela é</p><p>verdadeira, tendo cuidado no repasse das informações. Se, por um lado, as</p><p>15</p><p>benesses são muitas, no que tange ao intercâmbio que as mídias sociais</p><p>promovem, por outro, com a velocidade que as informações são transmitidas,</p><p>muito pode ser feito, seja para o bem, seja para o mal. Assim, é importante estar</p><p>atento à informação recebida, verificar (mesmo que na internet, em sítios</p><p>eletrônicos) se o dado é verdadeiro e, em seguida, tomar providências quanto</p><p>àquele dado (passando-o adiante, mobilizando pessoas em prol de ações</p><p>efetivas atinentes à informação recebida etc.).</p><p>O certo é que, fazendo uso responsável das mídias sociais, utilizando</p><p>suas informações para organização e ações concretas em prol da transparência</p><p>e da accountability, muitos avanços podem ser conseguidos, com vistas à</p><p>consolidação de uma gestão pública verdadeiramente dedicada à igualdade e à</p><p>democracia.</p><p>NA PRÁTICA</p><p>Os avanços obtidos em prol da transparência têm sido consideráveis.</p><p>Podemos citas ações de combate à corrupção como exemplos concretos. Por</p><p>meio da internet, neste século XXI, a população brasileira organizou movimentos</p><p>sociais, levou a população à rua e cobrou mudanças na política. A conhecida</p><p>operação Lava Jato, e suas investigações feitas pela Polícia Federal, conduziu</p><p>políticos e empresários poderosos à prisão. As mídias sociais trouxeram os fatos</p><p>a público, e a população deu o suporte necessário para legitimar a operação.</p><p>Assim, por meio da transparência dos atos de corrupção, e do andar das</p><p>investigações, garantiu-se o apoio necessário para conduzir os culpados à</p><p>prisão, o que foi feito por uma força-tarefa no âmbito da Polícia Federal e também</p><p>do Ministério Público e do Judiciário. A operação Lava Jato fez uso de muitos</p><p>dos instrumentos voltados à transparência pública, e com isso recuperou altas</p><p>quantias de dinheiro público desviado.</p><p>Este é um exemplo de como o intercâmbio entre as pessoas, a</p><p>comunicação e a disseminação de informações podem colaborar com o</p><p>aprimoramento da gestão pública, tendo em vista o combate ao crime e à lesão</p><p>aos cofres públicos.</p><p>16</p><p>FINALIZANDO</p><p>A transparência é uma ferramenta poderosa no aperfeiçoamento da</p><p>gestão pública. Vimos que há diversas ferramentas a serviço da transparência,</p><p>as quais transformaram o cenário de comunicação e de informação no Brasil.</p><p>Um marco regulatório forte, ilustrado pelas mudanças ocorridas na Lei de</p><p>Responsabilidade Fiscal, com a publicação de leis anticorrupção e de acesso à</p><p>informação, são bons exemplo. Por sua vez, a internet e o novo ambiente de</p><p>interação social que ela trouxe elevaram a transparência a níveis jamais vistos.</p><p>Merece destaque também o uso e o aprimoramento de softwares, a serviço da</p><p>Administração Pública, que melhoraram o modo de atuar, propiciando controle.</p><p>As audiências públicas, as consultas públicas e os roadshows levam, seja</p><p>presencialmente, seja pela internet (caso de consultas públicas), os projetos</p><p>para a sociedade, buscando sua participação. Assim, são ferramentas de</p><p>intercâmbio entre governo e sociedade, de grande valia à gestão pública</p><p>contemporânea. As mídias sociais (Twitter, WhatsApp, Facebook, entre outras)</p><p>também mereceram destaque em nosso estudo, pois permitem uma rápida</p><p>transmissão da informação, com a formação de opinião acerca de fatos, pessoas</p><p>e ações.</p><p>Para ilustrar, trouxemos o exemplo da Lava Jato. Pelo uso de muitos</p><p>desses instrumentos, e acima de tudo pela publicidade que ganhou nas mídias</p><p>e na imprensa, a operação viabilizou a recuperação de elevadas quantias de</p><p>dinheiro público desviado, conduzindo à prisão políticos e empresários</p><p>influentes.</p><p>Essas ferramentas aprimoraram a transparência pública em níveis</p><p>altíssimos. Assim, se bem utilizadas, têm potencial para consolidar ainda mais o</p><p>nosso Estado Democrático de Direito, a nossa democracia, e a Constituição lhe</p><p>dá vida.</p><p>17</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BRASIL. Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000. Diário Oficial da</p><p>União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 maio 2000.</p><p>_____. Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011. Diário Oficial da União,</p><p>Poder Legislativo, Brasília, DF, 18 nov. 2011.</p><p>_____. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Diário Oficial da União, Poder</p><p>Legislativo, Brasília, DF, 2 ago. 2013.</p><p>LENHARDT, A.; FONTANA, E. Políticas Públicas de Acesso à internet: a</p><p>(possível) cobrança de dados e a consequente mitigação do acesso à internet</p><p>no país. In: SEMINÁRIO NACIONAL DEMANDAS SOCIAIS E POLÍTICAS</p><p>PÚBLICAS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA, 12., 2016. Anais... Santa</p><p>Cruz: UNISC, 2016.</p><p>Sumário</p><p>....................................................................................................................</p><p>..................................................................................</p><p>..................................................................................................................................</p><p>................................................................................................</p><p>........................................................................................................................................</p><p>............................................................................................................</p><p>................................................................................................</p><p>...................................................................................</p><p>...............................................................................................................</p><p>...........................................................................................................................................</p><p>.................................................................................................................................................................</p><p>atores. Escolhemos uma teoria para</p><p>abordar o assunto. Trata-se da teoria agente-principal. Segundo a teoria do</p><p>agente-principal, a accountability envolve a atuação de dois atores: o principal e</p><p>o agente. Por essa teoria, o principal delega autoridade para que o agente atue</p><p>em seu nome. A delegação, isto é, o ato de autorizar que alguém atue em nosso</p><p>nome, tem a finalidade de promover a execução de algo que seja do interesse</p><p>da parte que delega. Na teoria, o principal delega poderes ao agente. O agente</p><p>é o gestor público, o político, enfim, aquele que atua na gestão pública. O</p><p>principal é o cidadão.</p><p>Nessa relação (agente e principal), é preciso considerar a assimetria de</p><p>informações. Assimetria é o mesmo que diferença, desigualdade. Assim, no</p><p>nosso caso, o agente (gestor ou agente público), que atua no exercício do poder</p><p>que lhe foi delegado, tem informações que o principal (o cidadão) não tem. Nesse</p><p>contexto, assimetria quer dizer desigualdade de informações. Devemos</p><p>considerar ainda que os interesses do agente (gestor ou agente público) podem</p><p>não coincidir com os do principal (cidadão), impactando na efetividade dos</p><p>objetivos da relação obrigacional pactuada. Quer dizer, há risco de, chegando</p><p>ao poder, o gestor público buscar a realização de interesses pessoais, ao invés</p><p>de interesses públicos, com os quais havia se comprometido.</p><p>Relembrando: consideramos, portanto, como principal, aquele que</p><p>contrata uma obrigação, e agente aquele que se obriga a realizá-la. Assim, em</p><p>regra os cidadãos confiam aos gestores públicos a obrigação de gerir os bens</p><p>públicos. Por exemplo, o principal na accountability vertical deve ser entendido</p><p>como o indivíduo ou a sociedade. O agente é o agente público. Pela teoria</p><p>principal-agente, considera-se, portanto, que o agente possui interesses e</p><p>informações que podem não ser os mesmos do principal. Assim, a assimetria</p><p>(desigualdade) de informações é um problema a ser considerado para a</p><p>efetivação da accountability.</p><p>Já na accountability horizontal, considera-se que a relação se dá entre</p><p>agentes, posto que nos dois pólos da relação há atores que desempenham</p><p>obrigações atribuídas, segundo interesses públicos, na estrutura institucional</p><p>vigente. Segundo Robl Filho e Garcia Junior,</p><p>13</p><p>A função das instituições democráticas passaria pelo estabelecimento</p><p>de um processo de responsabilização do agente por meio das suas</p><p>ações e omissões, assim como da aplicação de sanções adequadas</p><p>para o caso em que os agentes não concretizem os interesses do</p><p>principal ou descumpram as normas legais. (Robl Filho; Garcia Junior,</p><p>2018, p. 15)</p><p>A accountability ganha força, assim, quando há mecanismos de</p><p>enforcement, isto é, mecanismos de coerção aptos a compelir o agente a cumprir</p><p>com o que podemos chamar de mandato. Tal como visto anteriormente,</p><p>acontece que o mandato do agente muitas vezes não é vinculante, razão pela</p><p>qual espera-se que ela aja segundo os interesses dos principais. Os políticos,</p><p>por exemplo, não estão vinculados às promessas de campanha. Dessa forma,</p><p>os mecanismos institucionais têm o papel de norte, para compelir o agente a</p><p>realizar o mandato. O agente terá alguma liberdade, portanto, mas os contornos</p><p>gerais de sua atuação estarão pautados por mecanismos institucionais que o</p><p>legitimam (ou não). A lei é um desses mecanismos.</p><p>São exemplos de agentes: detentores de mandato eletivo, tais como</p><p>prefeitos, governadores, presidente da República, além de agentes políticos e</p><p>agentes públicos servidores públicos em geral.</p><p>São exemplo de principais: o povo, a sociedade, a comunidade, o</p><p>indivíduo, o eleitorado, as associações.</p><p>É preciso atentar para o fato de que a dimensão de justificação (resposta</p><p>sobre as obrigações que devem ser cumpridas pelo gestor público) merece</p><p>especial atenção neste tema. Assim, o gestor deve dar satisfação de seus atos.</p><p>Logo, ao decidir, ele deverá justificar os fundamentos que o levaram à decisão.</p><p>E por que é assim? Podemos responder com base no Direito: é que o exercício</p><p>de função pública envolve agir conforme a lei. Por isso, dizemos que a</p><p>Administração Pública é regida pelo princípio da legalidade (Carvalho, 2009).</p><p>Assim, como o gestor público tem que dar especial atenção à lei, deve</p><p>motivar seus atos, fundamentando-os, bem como indicando os pressupostos de</p><p>fato e de direito que os motivaram. Quer dizer, ao tomar uma decisão, o gestor</p><p>público não pode agir com autoridade, impondo-a. Ele deve decidir e explicar os</p><p>motivos que o levaram a escolher um caminho ao invés de outro. Sempre que</p><p>possível, ele deve escrever os fundamentos presentes na lei para a sua</p><p>decisão. Com isso, os agentes públicos facilitam a verificação, que é inerente à</p><p>atuação pública, permitindo a conferência da adequação legal (cumprimento da</p><p>lei) e finalística (realização de metas, políticas públicas) do ato praticado. Quer</p><p>14</p><p>dizer, o gestor deve justificar o ato com base na lei e com base na finalidade da</p><p>sua realização.</p><p>TEMA 5 A ACCOUNTABILITY EM NOSSO COTIDIANO</p><p>Vimos que no Brasil de 1990 o termo accountability não apresentava</p><p>correspondente, de modo que nos deparávamos com um termo impreciso em</p><p>língua portuguesa. Não havia tradução para a palavra accountability. Em 1990,</p><p>a Constituição da República tinha apenas dois anos de promulgação, mas seu</p><p>texto já trazia diversos conteúdos que permitiam a realização da accountability,</p><p>ainda que não se pudesse dizer com certeza o que ela era. É que a Constituição</p><p>previu a existência de meios de atuação do Ministério Público e do Tribunal de</p><p>Contas; incluiu formas de participação da sociedade na gestão; trouxe a ação a</p><p>ação popular para o nosso cenário; instituiu Conselhos da Comunidade, entre</p><p>outras previsões que se alinham à accountability. De 1990 para cá, muita coisa</p><p>mudou. O texto da Constituição foi sendo descoberto, concretizado, através do</p><p>exercício cotidiano dos atos de cidadania, como também das práticas da gestão</p><p>pública. Os artigos da constituição relativos à accountability são explicados em</p><p>ações concretas.</p><p>Assim, o Tribunal de Contas, o Ministério Público, os Procons, as</p><p>Defensorias Públicas, as Controladorias, os Conselhos, os Observatórios, entre</p><p>outros, são instrumentos de accountability previstos ou possibilitados pela</p><p>Constituição. Tais instrumentos, em suas áreas de competência, vêm</p><p>desempenhando funções importantes para o controle da gestão pública.</p><p>Em suma, vimos que a accountability se vale de mecanismos</p><p>institucionais, e que a lei é um desses importantes mecanismos. Nesse sentido,</p><p>o próprio texto da Constituição permitiu o desenvolvimento da accountability no</p><p>Brasil. Mas ainda são válidas as indagações: será que já podemos definir o</p><p>termo com precisão? A língua portuguesa já nos confere uma clara dimensão do</p><p>termo? Já temos maturidade política suficiente para termos intimidade com a</p><p>accountability e seu papel? Temos atores suficientemente maduros, cientes de</p><p>suas obrigações e de suas prerrogativas no que tange ao controle?</p><p>Para responder a essas perguntas, acreditamos que é preciso analisar a</p><p>trajetória da democracia brasileira, além dos marcos da gestão pública, a fim de</p><p>compreender se houve modificações na compreensão do que vem a ser a</p><p>accountability no Brasil. Quer dizer, como a democracia brasileira se</p><p>15</p><p>transformou? Como a gestão pública se transformou? Podemos afirmar que são</p><p>muitas transformações, e que elas se refletem no dia a dia do brasileiro.</p><p>Passados os anos, reconheceu-se que a Constituição da República consolidou</p><p>importantes mecanismos de accountability, a exemplo do orçamento</p><p>participativo, dos conselhos e do plebiscito, entre outros já mencionados. Tais</p><p>mecanismos permitem a participação da sociedade nas políticas públicas (Pinho;</p><p>Sacramento, 2009).</p><p>Mas não é só isso. Ainda podemos citar outras mudanças. As reformas</p><p>gerenciais, por exemplo, simbolizam um avanço em prol da realização</p><p>da</p><p>accountability no Brasil. Entre elas, a reforma gerencial ocorrida no interior da</p><p>Administração Pública, em 1995, se apresentou como marco de mudança no</p><p>modo de gerir a Administração Pública. O Plano Diretor de Reforma do Aparelho</p><p>do Estado PDRAE, com as modificações no controle da gestão pública, foi</p><p>considerado um instrumento de modernização. As reformas da Administração</p><p>Pública brasileira, juntamente com a governança, são um tema que merece</p><p>aprofundamento (Pinho; Sacramento, 2009).</p><p>Nesse sentido, destaca-se a mudança no tipo de controle, que deixou de</p><p>focar nos processos e nas formalidades em si, passando a olhar para os</p><p>resultados. Ou seja, a Administração Pública aprendeu que um controle, atento</p><p>apenas para o cumprimento da lei, ou para a sequência de ritos, não é suficiente</p><p>e nem efetivo. Com isso, passou a olhar para a política pública como um todo,</p><p>preocupando-se mais com o resultado das ações dos gestores, ao invés de</p><p>atentar para a formalidade dos atos praticados.</p><p>NA PRÁTICA</p><p>Estudamos a dificuldade de os pesquisadores brasileiros definirem o</p><p>termo accountability, algo que inclusive foi atribuído à relação existente entre</p><p>linguagem e cultura (Campos, 1990).</p><p>É importante estudar como, apesar da dificuldade de precisar o conceito,</p><p>o termo é compreendido em instâncias encarregadas de fazê-lo. Pesquisando a</p><p>jurisprudência selecionada do Tribunal de Contas da União TCU, por</p><p>exemplo, pode-se afirmar que, na prática, accountability é sinônimo de</p><p>responsabilização. Assim concluímos porque, ao inserir a primeira como</p><p>palavra-chave de pesquisa, são selecionados acórdãos que fazem menção à</p><p>responsabilização.</p><p>16</p><p>Assim, ao pesquisar o termo accountability na jurisprudência, foram</p><p>encontrados 243 acórdãos, com destaque para o termo responsabilização. Vale</p><p>a pena transcrever alguns trechos, a título de ilustração:</p><p>A presunção de corresponsabilidade do secretário municipal de saúde</p><p>em relação à malversação de recursos do SUS (art. 9º, inciso III c/c art.</p><p>32, § 2°, da Lei 8.080/1990) é relativa e deve ser afastada na presença</p><p>de evidências de que o gestor local de saúde não teve participação</p><p>efetiva na gestão dos recursos. (Brasil. Tribunal de Contas da União.</p><p>Acórdão n. 4785/2019. Data: 25.06.2019. Primeira Câmara. Relator:</p><p>Marcos Bemquerer)</p><p>Embora no enunciado acima não se encontre o termo responsabilização,</p><p>nos indexadores, isto é, nos termos usados para selecionar o acórdão, consta o</p><p>termo, que é também apresentado na jurisprudência do TCU quando se escreve</p><p>o termo accountability. Percebe-se também no enunciado que o tema abordado</p><p>é a responsabilização no caso, isenção a um agente público local, quando não</p><p>participou de atos de má gestão de recursos públicos por parte de agente público</p><p>de outra esfera. Em outra ocasião, também na jurisprudência selecionada do</p><p>TCU, lê-se: ial constante de portaria não justifica a violação</p><p>de leis orçamentárias e ambientais. A burla de bloqueio orçamentário enseja a</p><p>responsabilização do gestor . (Brasil. Tribunal de Contas da União. Acórdão n.</p><p>0721/14-P. Data: 26.03.2014. Relator: José Mucio Monteiro). Esse acórdão</p><p>evidencia a importância de se respeitar as receitas estimadas e as despesas</p><p>constantes da Lei Orçamentária Anual LOA. Burlá-la consiste em</p><p>irregularidade grave, passível de responsabilização. O mesmo pode acontecer</p><p>com quem burla metas, diretrizes ou programas previstos no Plano Plurianual</p><p>PPA ou na LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias. Nesse sentido, é importante</p><p>lembrar que a LDO intermedia o médio planejamento do PPA em relação à LOA,</p><p>pois é na LDO que devem constar as metas e prioridades do orçamento anual,</p><p>a encargo da LOA (Deprá; Leal, 2017).</p><p>No Judiciário, especificamente para o Superior Tribunal de Justiça STJ,</p><p>accountability é sinônimo de prestação de contas, consistindo em um</p><p>princípio. Ao usar o termo para pesquisar, foram encontrados 5 acórdãos e 46</p><p>decisões monocráticas. Para ilustrar o que se expõe, é oportuna a citação da</p><p>seguinte jurisprudência:</p><p>6. O sistema republicano brasileiro estabelece, em esfera federal, que</p><p>é obrigação do Presidente da República apresentar, anualmente, ao</p><p>Congresso Nacional as contas referentes ao exercício anterior (art. 84,</p><p>XXIV da CF/88). Não há dúvida de que se trata de regra a ser adotada</p><p>17</p><p>em simetria pelos entes federados, por se tratar de importante</p><p>dispositivo de accountability praticado nos tradicionais mecanismos</p><p>de freios e contrapesos que plenificam o Estado Democrático de Direito</p><p>e que afastam as práticas despóticas de órgãos governamentais.</p><p>7. Por conseguinte, é imperativo que os Estados, o Distrito Federal e</p><p>os Municípios, bem assim como a todos os gestores da coisa pública,</p><p>apresentem aos órgãos de controle as contas de dinheiros, bens e</p><p>valores que venham a ser arrecadados e utilizados em obrigações de</p><p>natureza pecuniária.</p><p>8. E, para conhecimento dos cidadãos, cabe aos entes efetuar a</p><p>disponibilização de informações em portais de transparência, dotados</p><p>de ampla divulgação, para acompanhamento do emprego dos recursos</p><p>públicos, consoante dispõe a LC 101/2000. [...]</p><p>(Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Resp n. 83.1965. Data:</p><p>29.08.2017. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho)</p><p>No site eletrônico da CGU, a pesquisa com o termo accountability conduz</p><p>a informações e normas que remetem ao tema governo aberto e integridade</p><p>pública. A accountability igualmente surge como termo associado a estratégias</p><p>de combate à corrupção.</p><p>FINALIZANDO</p><p>Vimos que o termo accountability não tem, no Brasil, uma precisão</p><p>conceitual. Com o amadurecimento de nossa democracia, aprendemos acerca</p><p>de suas dimensões de informação, justificação e punição (ou prestação de</p><p>contas, transparência e responsabilização). O conceito pode ser associado,</p><p>entre outros, a atos de controle, responsabilização e prestação de contas. Mas</p><p>simplificá-lo ou isolá-lo em um desses atos é perigoso, pelo desprezo indevido a</p><p>todas as dimensões da accountability.</p><p>Fala-se em diversos tipos de accountability: os tipos horizontal e vertical</p><p>ganharam espaço nas pesquisas. Na vertical, temos atos de fiscalização e</p><p>controle sendo exercidos pelos cidadãos, sozinhos ou por meio de associações.</p><p>Esse tipo de accountability tem forte ligação com democracias amadurecidas e</p><p>cidadãos politizados. A accountability horizontal é aquela que ocorre por meio de</p><p>agentes estatais: controles internos (controladorias, ouvidorias, setores de</p><p>controle interno), Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Tribunais de Contas.</p><p>Os atores envolvidos na accountability envolvem, segundo a teoria, um</p><p>agente (agente público) e um principal (aquele que outorga o mandato;</p><p>geralmente é o povo e o interesse público primário a ele atrelado). Assim, há a</p><p>figura de alguém que age para realizar uma política pública, e esse alguém deve</p><p>prestar contas de seus atos. Para que o mandato outorgado seja cumprido, é</p><p>necessário que certos mecanismos sejam desenvolvidos, a fim de assegurar que</p><p>18</p><p>o agente não se desviará dos compromissos que assumiu. Isso fica fácil de</p><p>compreender se pensarmos em políticos eleitos, com a obrigação de cumprir as</p><p>promessas ou os planos apresentados durante a campanha. Tais promessas e</p><p>planos devem estar atrelados a interesses públicos. Há, na estrutura</p><p>institucional, mecanismos que vão fazer com que os agentes não se desviem</p><p>das promessas antes realizadas. O PPA, a LDO e a LOA são leis orçamentárias</p><p>nas quais constam as políticas públicas de médio (PPA) e de curto prazo (LDO</p><p>e LOA).</p><p>Por sua vez, os controles interno e externo, no cumprimento das funções</p><p>institucionais (aquelas ligadas às próprias finalidades dos órgãos), estão</p><p>encarregados de verificar o cumprimento dessas políticas e punir ou seguir a</p><p>responsabilização quando houver desvio. O Ministério Público e o Judiciário</p><p>também apresentam papel importante. O primeiro, ao</p><p>investigar e provocar o</p><p>judiciário para a responsabilização civil e criminal dos agentes que desviarem de</p><p>seus deveres. Os Tribunais de Contas, no exercício do controle externo, na</p><p>guarda de bens e dinheiro público, poderão responsabilizar agentes públicos</p><p>faltosos com seus deveres.</p><p>O povo, por fim, é o detentor do autêntico poder de controlar. No Brasil,</p><p>pouco a pouco o povo descobre instrumentos de controle que estão a seu dispor.</p><p>Os Conselhos da Comunidade, presentes na Constituição da República; as</p><p>audiências públicas, as consultas públicas, os orçamentos participativos, a ação</p><p>popular, entre outros, são mecanismos que permitem que o controle seja</p><p>exercido pelo povo (individual ou coletivamente).</p><p>O dever de justificar é inerente ao exercício da função pública. Isso</p><p>envolve motivar os próprios atos e documentar o que se faz, permitindo, em</p><p>suma, a compreensão do que foi realizado no exercício da função pública, a fim</p><p>de se aferir se o meio utilizado foi adequado, se a finalidade pública a que se</p><p>destina foi atendida, e se o meio utilizado era o mais interessante e viável, entre</p><p>as opções existentes. É inafastável, ao agente público, a motivação, isto é, a</p><p>justificação de suas funções. Afinal, aquilo que o agente público faz deve estar</p><p>atrelado ao cumprimento de interesses públicos, sendo que muitas vezes até</p><p>mesmo a forma de praticar o ato aparece discriminada no regramento vigente. A</p><p>justificação deve ser realizada, portanto, pelos agentes públicos, a fim de que</p><p>seja possível verificar que as obrigações, contraídas ou impostas</p><p>funcionalmente, foram todas cumpridas.</p><p>19</p><p>Caso o agente público desvie das funções que lhe são atribuídas e/ou de</p><p>suas obrigações legais, ele deve ser responsabilizado. Os mecanismos de</p><p>coerção, ou seja, de imposição de cumprimento das regras, são fundamentais</p><p>para assegurar que o agente público cumprirá seus deveres ou suas funções</p><p>institucionais. Caso não o faça, sofrerá sanções que podem variar, a depender</p><p>de quem realiza a accountability pode ser a perda de eleições posteriores</p><p>(accountability social); a imposição de uma multa (accountability horizontal</p><p>exercida, por exemplo, por um Tribunal de Contas); ou a cassação de direitos</p><p>políticos (sentença transitada em julgado aplicada por um juiz no exercício da</p><p>função jurisdicional). Os mecanismos de responsabilização ou enforcement têm,</p><p>assim, um importante papel na accountability.</p><p>É certo, pois, que a accountability é um termo multidimensional, que pode</p><p>ser exercido de maneiras diversas, podendo se destacar, segundo o CLAD</p><p>(2006):</p><p>formas administrativas de responsabilização</p><p>a. controle de procedimentos</p><p>b. controle de resultados</p><p>c. competição administrada</p><p>formas políticas ou democráticas de controle</p><p>d. supervisão parlamentar</p><p>e. controle social (democracia direta)</p><p>formas gerenciais de responsabilização</p><p>f. controle por resultados</p><p>g. controle por competição administrada</p><p>h. controle social</p><p>20</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BRESSER-PEREIRA, L. C. Reforma do estado para a Cidadania: a reforma</p><p>gerencial brasileira na perspectiva internacional. 2 ed. São Paulo: Editora 34,</p><p>2011.</p><p>CAMPOS, A. M. Accountability: quando poderemos traduzi-la para o português?</p><p>Revista de administração pública, v. 24, n. 2, p. 30-50, 1990.</p><p>CARVALHO, R. M. U. Curso de Direito Administrativo. 2 ed. Salvador: Jus</p><p>Podvim, 2009.</p><p>CLAD Centro Latino-americano de Administração para o Desenvolvimento. A</p><p>responsabilização na nova gestão pública latino-americana. In: BRESSER-</p><p>PEREIRA, L. C.; GRAU, N. C. (Coords.). Responsabilização na administração</p><p>pública. São Paulo: Clad/Fundap, 2006.</p><p>DEPRÁ, V. O. B.; LEAL, M. C. H. Fiscalização do orçamento público:</p><p>accountability e controle social da atividade financeira do Estado. Revista do</p><p>Direito Público, Londrina, v. 12, n. 3, p. 216-241, dez. 2017.</p><p>MATIAS-PEREIRA, J. Curso de Administração Pública. São Paulo: Atlas,</p><p>2010.</p><p>MOTA, A. C. Y. H. A. Accountability no Brasil: os cidadãos e seus meios</p><p>institucionais de controle dos representantes. 250f. Tese (Doutorado)</p><p>Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Faculdade de Filosofia, Letras</p><p>e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.</p><p>PALUDO, A. Administração Pública. 3 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.</p><p>PINHO, J. A. G.; SACRAMENTO, A. R. S. Accountability: já podemos traduzi-la</p><p>para o português? Revista Administração Pública, Rio de Janeiro, p. 1343-</p><p>1368, nov. / dez. 2009.</p><p>ROBL FILHO, I. N.; GARCIA JUNIOR, R. Corrupção: uma análise a partir da</p><p>economia institucional e da accountability horizontal em busca da efetividade do</p><p>controle da administração pública. Revista da Academia Brasileira de Direito</p><p>Constitucional, v. 10, p. 478-497, jul.-dez. 2018.</p><p>21</p><p>TAYLOR, M. M. Alcançando a accountability: Uma Abordagem para o</p><p>Planejamento e Implementação de Estratégias Anticorrupção. Revista da</p><p>Controladoria-Geral da União, v. 11, n. 20, p. 1311-1330, 2019.</p><p>ACCOUNTABILITY E</p><p>TRANSPARÊNCIA PÚBLICA</p><p>AULA 2</p><p>Prof.ª Fernanda Guarido</p><p>2</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>A accountability deve ser entendida como um conceito polissêmico e</p><p>multidirecional (Taylor, 2019, p. 1318), isto é, possui sentido que não se resume</p><p>a uma só palavra e abrange diversos aspectos da relação entre os atores. Existe</p><p>accountability no âmbito político, no âmbito societal, no âmbito legal, no âmbito</p><p>burocrático, entre outros. Por sua vez, o termo envolve ações de transparência,</p><p>fiscalização, sanção, e estas têm outros desdobramentos. Por exemplo, a</p><p>transparência envolve o dever de informar; o fiscalizar envolve a realização de</p><p>um procedimento, em atenção a um rito e nele há aspectos a se observar, a</p><p>exemplo do contraditório (direito a defesa, à resposta); o ato de punir envolve a</p><p>observância de critérios, tais como a proporcionalidade, a razoabilidade, a</p><p>realização da dosimetria (essas palavras querem dizer que para punir deve haver</p><p>um relação correspondente entre o ato praticado e a penalidade que é</p><p>cominada).</p><p>Visto dessa forma, é preciso considerar a importância de se estudar a</p><p>realidade do espaço público em que se estuda a accountability. Nesse sentido,</p><p>é importante ter-se noção de como se desenvolveu a gestão pública brasileira e</p><p>de que maneira o estabelecimento de obrigações, as prestações de contas e as</p><p>responsabilidades foram instituídas e cobradas dos agentes públicos ao longo</p><p>da história. Faz-se importante também compreender como entende a gestão</p><p>pública, como se realizam as políticas públicas e em que medida elas são</p><p>consideradas legítimas na gestão pública brasileira.</p><p>Por isso passaremos a estudar aspectos históricos da gestão pública</p><p>brasileira, os modelos de gestão identificados pelos teóricos nos diversos</p><p>momentos de nossa história, bem assim aspectos ligados à governança. Esta (a</p><p>governança), por sua vez, será entendida não somente como o aparato</p><p>operacional (administrativo e financeiro) apto ao desenvolvimento das</p><p>finalidades públicas, mas também no sentido da adequação de tais fazeres aos</p><p>anseios dos cidadãos (Matias-Pereira, 2010.).</p><p>Após a apreensão desses conhecimentos, veremos como a governança</p><p>e a accountability se relacionam e de que forma podem cooperar à boa gestão.</p><p>Consideramos importante dar ênfase especial à participação social, que,</p><p>conforme será visto, ganhou relevo num dado modelo de gestão, e a como ela</p><p>se faz importante nos diversos aspectos da accountability. É que a participação</p><p>3</p><p>social representa um grande avanço no exercício da democracia, no alcance da</p><p>igualdade. Dessa maneira, acreditamos que chamar a atenção para esses</p><p>aspectos pode fortalecê-los.</p><p>Veremos ainda no tópico intitulado Na prática problemas que podem ser</p><p>prevenidos, remediados ou extirpados com os atos de accountability. Ao final,</p><p>também revisaremos aspectos mais importantes do</p><p>que foi trabalhado.</p><p>TEMA 1 OS MODELOS DE GESTÃO PÚBLICA NO BRASIL</p><p>Um pouco de nossa história e de nossa cultura explica a nossa gestão</p><p>pública. Fomos colônia de Portugal e nossa divisão administrativa inicial ocorreu</p><p>sob a forma de capitanias hereditárias. A gestão das capitanias era</p><p>patrimonialista, pois os donatários podiam usá-las e explorá-las, devendo fundar</p><p>vilas, cobrar tributos e repassar parte destes à Coroa Portuguesa, além de</p><p>realizar julgamentos e aplicar penas, entre outras funções (Calmon, 2002).</p><p>Mesmo após virar república, traços desse patrimonialismo prevaleciam no Brasil.</p><p>Famílias patriarcais e um estado mediador de interesses dividiam o poder, de</p><p>modo que na gestão pública se identificavam relações clientelísticas,</p><p>consanguíneas, sendo comuns o mandonismo, o nepotismo, o clientelismo e o</p><p>patrimonialismo. O público era tratado como se privado fosse. Esse modo de</p><p>gestão foi denominado administração pública patrimonial e foi intensa no Brasil</p><p>até cerca de 1930 (Brasil; Cepêda; Medeiros, 2014). Na administração pública</p><p>patrimonial, há confusão entre aquilo que é pertencente ao Estado, chamado de</p><p>público, e aquilo que pertence aos gestores. Os bens públicos são tratados como</p><p>se fossem de propriedade dos gestores, que deles se utilizam em seu favor. Um</p><p>exemplo de patrimonialismo é a oferta de cargo público como presente de</p><p>casamento algo que já fez parte da cultura brasileira num passado mais</p><p>remoto.</p><p>A história conta que, a partir de 1930, no Brasil, com o aparecimento da</p><p>indústria, demandou-se o papel desenvolvimentista por parte do aparato estatal,</p><p>e que isto favoreceu o surgimento da administração pública burocrática (Brasil;</p><p>Cepêda; Medeiros, 2014). Esse modelo é de suma importância. Para</p><p>compreendê-lo, antes é preciso entender o que é uma burocracia. Max Weber</p><p>(2004), na obra Economia e Sociedade, estudou as burocracias. Nesse estudo,</p><p>desenvolveu o que chamou de tipo ideal, tendo descrito as características da</p><p>burocracia. Em Weber (2004), a burocracia é um tipo de poder ou dominação</p><p>4</p><p>estando, portanto, na mesma categoria que o patriarcalismo, o patrimonialismo,</p><p>o feudalismo, entre outros. No patriarcalismo, as famílias têm um pai, que é a</p><p>figura da autoridade. No feudalismo, o senhor feudal, dono das terras, era o</p><p>chefe. E a cada um desses poderes corresponde um ou mais tipos de sistemas</p><p>sociais diferentes: a família, o feudo, uma região, uma cidade, o Estado, uma</p><p>igreja, as organizações (ou burocracias) entre outros, são exemplos de sistemas</p><p>sociais.</p><p>As organizações, como fenômeno da sociedade moderna, podem ser de</p><p>várias espécies, a exemplo de escolas, igrejas, clubes, do exército ou mesmo do</p><p>próprio Estado (Prestes-Motta; Bresser-Pereira, 2004). Mas o que são</p><p>organizações e por que elas importam para se entender a burocracia e a gestão</p><p>pública burocrática? Atente que uma organização ou uma burocracia é um</p><p>sistema social racional, ou um sistema social, em que a divisão do trabalho é</p><p>(Prestes-Motta; Bresser-</p><p>Pereira, 2004, p. 7).</p><p>Burocracia e organização são sinônimos, portanto. Dizer que uma</p><p>organização ou uma burocracia constitui um sistema racional implica que esta</p><p>organização se utiliza de um método que possui coerência entre os meios</p><p>empregados para administrar ou produzir e os resultados que se pretende</p><p>alcançar. Quer dizer, as organizações burocráticas atuam de certa maneira, para</p><p>atingir uma dada finalidade. Por exemplo, a dona de casa vai às compras e,</p><p>antes de fazê-lo, ela verifica o que está faltando em sua casa, para, ao chegar</p><p>ao supermercado, adquirir apenas os produtos faltantes. Assim ela fará uso</p><p>adequado do seu dinheiro. Da mesma forma, ela se organiza para comprar os</p><p>produtos que têm boa qualidade e um preço compatível com a sua receita. Ela</p><p>busca realizar uma gestão eficiente de seu orçamento. As organizações ou</p><p>burocracias visam eficiência, portanto. Ao inserir a noção da eficiência no</p><p>conceito de organização ou de burocracia, pode-se fazer uso de um conceito</p><p>aprimorado. Assim, burocracia é o sistema social em que a divisão do trabalho</p><p>é sistemática e coerentemente realizada, tendo em vista os fins visados; é o</p><p>sistema social em que há procura deliberada de economizar os meios para se</p><p>atingir os objetivos (Prestes-Motta; Bresser-Pereira, 2004, p. 8).</p><p>São características das organizações burocráticas o formalismo, a</p><p>impessoalidade e o profissionalismo (Prestes-Motta; Bresser-Pereira, 2004).</p><p>Nelas, as regras são escritas e, portanto, previsíveis e verificáveis (formalismo).</p><p>5</p><p>Existe uma hierarquia, com cargos e funções definidos (impessoalidade). Os</p><p>trabalhadores são profissionais, notadamente os gestores, que têm expertise</p><p>naquilo que fazem, recebem salários, ao invés de serem donos do próprio</p><p>negócio (profissionalismo). Segundo Abu-El-Haj (2005), são também</p><p>características da administração racional-legal (ou burocrática) a hierarquização</p><p>e a racionalização de funções, a divisão de trabalho, a autoridade limitada do</p><p>cargo, a existência de normas escritas, a especialização, a existência de</p><p>carreiras estáveis, a comunicação escrita e documentada, além da separação</p><p>entre os bens públicos e a propriedade de servidores. Essas características nos</p><p>remetem ao ordenamento da existência e da atuação da administração. O foco</p><p>está em ser eficiente, em controlar a organização, em conhecer o modo como</p><p>ela funciona, de forma que as surpresas, na organização burocrática, em regra</p><p>não devem existir.</p><p>Nas burocracias, em seu estado puro, o poder está no cargo e não nas</p><p>pessoas. Por isso, o governo das pessoas existe apenas enquanto elas ocupam</p><p>cargos, de modo que, ao deixá-lo, passarão para o próximo ocupante todo o</p><p>poder. A autoridade e a obediência que se exige está atrelada aos cargos, às</p><p>regras, e não àqueles que os ocupam. Não há nas burocracias puras espaço</p><p>para sentimentos, seja de favorecimento, seja de perseguição. A superioridade</p><p>técnica, o planejamento e o controle são propiciados com a burocracia. A</p><p>organização burocrática, pensada dessa maneira, possui muitas qualidades, as</p><p>quais são buscadas pelas organizações em geral cotidianamente.</p><p>Mas, apesar de o tipo ideal weberiano ser sobremaneira interessante e</p><p>importante, o modelo burocrático possui disfunções. Entre elas, o abuso do</p><p>corporativismo, o desestímulo à premiação por mérito, entre outros, geraram</p><p>desestímulo dos trabalhadores. O corporativismo é, por exemplo, aquele tipo de</p><p>situação em que prevalecerá a proteção aos grupos profissionais e não</p><p>necessariamente aos interesses da organização. Como o profissionalismo é</p><p>exaltado nas burocracias, uma das disfunções ocorre ao se esperar pelo tempo</p><p>para que as promoções ocorram. Isso desestimula o incremento do desempenho</p><p>dos profissionais. Tais situações, entre outras, conduziram ao conhecimento do</p><p>termo burocracia como algo ruim. Burocracia também é conhecida como</p><p>ineficiência, como emperramento, excesso de procedimento e ausência de foco.</p><p>Por isso, em reação às disfunções da burocracia, surgiram outros modelos de</p><p>6</p><p>gestão (Abu-El-Haj, 2005). Mesmo assim, não se pode acreditar que tudo na</p><p>burocracia seja ruim, nem que esse modelo tenha sido rompido ou superado.</p><p>Visando eficiência, a gestão pública brasileira sofreu reformas com traços</p><p>que buscaram padrões gerenciais. E reformas gerenciais são identificadas no</p><p>Brasil desde muito tempo atrás. A criação do DASP Departamento</p><p>Administrativo do Serviço Público, visou incrementar o serviço público e conduzir</p><p>as carreiras. O Decreto-lei n. 200/1967 criou uma gestão descentralizada (Abu-</p><p>El-Haj, 2005). Mas esses são relatados como esforços de reforma gerencial, pois</p><p>a verdadeira reforma gerencial na administração pública brasileira ocorreu em</p><p>1995. Nela se destacaram a criação do MARE (Ministério da Administração e</p><p>Reforma do Estado), encarregado do PDRAE (Plano Diretor de Reforma do</p><p>Aparelho</p><p>do Estado), que focava, entre outros objetivos, na desestatização, na</p><p>racionalização, na flexibilização, na institucionalização e na publicização (Pinto;</p><p>Santos, 2017). Este momento é considerado como o verdadeiro introdutor do</p><p>modelo de administração pública gerencial na gestão pública brasileira.</p><p>A reforma gerencial de 1995 é considerada o marco da modernização da</p><p>administração pública (Abu-El-Haj, 2005). Ela está focada no controle, na</p><p>eficiência, na busca de resultados. A privatização, a terceirização, a</p><p>desregulamentação e a accountability são atribuídas à reforma gerencial (Costa,</p><p>2008). Bresser-Pereira (1996) afirma que a reforma gerencial se tornou condição</p><p>Bresser-Pereira, 1996, p. 296). A</p><p>ideia por trás desse modelo é dar mais liberdade para o gestor atuar, permitindo</p><p>que ele seja mais ágil e mais eficiente. Os controles da gestão foram</p><p>aprimorados, passando a existir para momento posterior ao ato de gestão. Isso</p><p>também conferiu agilidade à atuação do gestor público. A descentralização, isto</p><p>é, a realização de funções públicas por meio de terceiros, ou de entidades da</p><p>administração indireta igualmente permitiu ao Estado fazer mais coisas, num</p><p>tempo menor, além de melhorar o modo de uso seu orçamento.</p><p>Mas o modelo de administração pública gerencial também sofreu</p><p>transformações. Não é que os pressupostos de eficiência e de produtividade</p><p>tenham sido abandonados. Muito pelo contrário, eles persistem, e ainda são</p><p>meta da gestão pública. Mas o modo de alcance dessas metas sofreu</p><p>transformações. No modelo de administração pública gerencial, a separação</p><p>entre os papeis dos stakeholders tende a separar quem realiza a política pública</p><p>7</p><p>e o destinatário dela. Pode-se falar, portanto, no cidadão-cliente. Um outro</p><p>modelo de gestão pública conduziu a um modo distinto de atuação. Trata-se do</p><p>modelo de governança pública (Secchi, 2009), que se dedicou a esse papel.</p><p>Na governança pública, existe um modelo relacional, no qual os</p><p>destinatários das políticas públicas são partícipes na execução destas. A</p><p>governança pública também é conhecida como administração pública societal,</p><p>havendo ainda outros nomes que o qualificam (novo serviço público é mais uma</p><p>forma de denominá-lo). Este é um modelo democratizante, que tem a</p><p>Constituição da República de 1988 como o marco legal destas transformações</p><p>(Pinto; Santos, 2017). A Constituição, com a instituição de Conselhos políticos,</p><p>com a previsão de plebiscitos e referendos, com a iniciativa popular na criação</p><p>de leis, com a iniciativa popular no questionamento da legalidade de atividades</p><p>de gestão (ação popular), entre outros, municiou o cidadão de ferramentas para</p><p>a participação na gestão pública. Com o amadurecimento do texto da</p><p>Constituição e a vivência diária de suas regras, passa-se, dia a dia, a conhecer</p><p>as possibilidades de concreção do seu texto e as formas como a administração</p><p>e a sociedade podem cooperar.</p><p>Estes são os modelos de gestão pública identificados ao longo da</p><p>trajetória da gestão pública brasileira: administração pública patrimonialista,</p><p>administração pública burocrática, administração pública gerencial, governança</p><p>pública. É preciso deixar registradas duas questões: a primeira é que não existe</p><p>consenso entre os termos usados nos modelos de gestão pública. Por isso, é</p><p>mais importante focar nas características desses modelos e ter em mente que a</p><p>reforma no Brasil foi marcante em três fases (nas décadas de 1930, 1960 e 1990,</p><p>sendo esta última a mais relevante). É preciso registrar, em segundo lugar, que</p><p>um modelo não rompeu com o outro (Secchi, 2009). O modelo burocrático ainda</p><p>persiste, o modelo gerencial tem bastante força e a governança pública está</p><p>sendo descoberta, dia a dia. Traços de cada um desses modelos coexistem na</p><p>gestão pública brasileira.</p><p>TEMA 2 GOVERNANÇA PÚBLICA</p><p>Chegou o momento de falarmos da governança pública, que será</p><p>abordada não como um modelo de gestão, mas algo a ser buscado, realizado.</p><p>Em termos gerais, governança diz respeito à direção e à coordenação de atores</p><p>no desempenho de funções de trabalho (Almqvist, 2012, p. 1745). É um termo</p><p>8</p><p>guarda-chuva, com percepções e sentido diferentes, usado nas ciências</p><p>políticas, na gestão e na economia (Almqvist, 2012, p. 1745). Governança indica</p><p>relação de autoridade e controle no contexto das organizações. Por isso, no</p><p>âmbito privado, governança corporativa foi o termo cunhado para tratar de</p><p>assuntos ligados a competências e poderes na estrutura interna e na relação</p><p>com os stakeholders (Almqvist, 2012, p. 1745). Já no setor público, o termo está</p><p>associado não somente a custos e a qualidade dos serviços, mas também ao</p><p>impacto das políticas públicas na comunidade e na sociedade como um todo</p><p>(Almqvist, 2012, p. 1746).</p><p>Assim, falar em governança é algo que pode abordar aspectos amplos,</p><p>tais como conformidade, performance e estrutura (Goddard, 2005).</p><p>Expliquemos: assuntos voltados ao modo à organização interna, tais como</p><p>existência de setores, funções, finalidades, desempenho dos setores,</p><p>adequação desses setores e de suas funções àquilo que deve ser produzido na</p><p>organização são todos assuntos que permeiam o tema governança.</p><p>Como se sabe, no âmbito das organizações, há regras, cargos e funções</p><p>definidos, há hierarquias a serem respeitadas, papéis a serem desenvolvidos.</p><p>Nesse arcabouço, há ainda setores com suas atividades delimitadas, metas a</p><p>serem atingidas, obrigações, prerrogativas e vedações. Há também princípios a</p><p>serem seguidos, valores que são cultivados no âmbito interno e externo às</p><p>organizações. Esses também são assuntos caros ao tema governança.</p><p>Sabemos que nas organizações públicas a realização das finalidades a</p><p>que os órgãos e entidades se destinam é algo inafastável, pois, como se sabe,</p><p>estas devem perseguir o interesse público. Além disso, como o princípio da</p><p>legalidade é um dos vetores das atividades no âmbito da administração pública,</p><p>as responsabilidades, em regra, estão escritas e devem ser cumpridas.</p><p>Considerando, portanto, os aspectos acima mencionados, pode-se afirmar que</p><p>atuar em prol da boa governança implica</p><p>1. agir de acordo com as regras escritas, ou com o comportamento esperado</p><p>no âmbito da comunidade ou da sociedade;</p><p>2. atingir o desempenho prescrito ou esperado; e também;</p><p>3. atentar para a existência de procedimentos e de setores e respeitar as</p><p>competências estabelecidas, como também os ritos definidos para</p><p>realização das atividades.</p><p>9</p><p>Matias-Pereira (2010, p. 71) destaca que há duas correntes de</p><p>pensamento acerca de governança. A primeira considera que a boa governança</p><p>se atrela ao atendimento das exigências ligadas ao incremento de eficiência e</p><p>de efetividade governamental. É importante lembrar que eficiência, conceito</p><p>processual (fazer algo bem feito), tem ligação com a escolha do meio correto</p><p>para se atingir determinado fim (entre o menu de opções, escolher o jeito mais</p><p>adequado para fazer algo bem feito). Carvalho (2009, p. 196) esclarece que ao</p><p>escolher os meios através dos quais o Estado buscará satisfazer as</p><p>necessidades coletivas, é imperioso considerar ser obrigatória a eficiência em</p><p>.</p><p>A eficiência na administração pública é, assim, um dever. Não é uma</p><p>opção ao gestor ser ou não ser eficiente. Assim, gerar resultados negativos pode</p><p>conduzir o gestor à responsabilização. O conceito de eficiência atrai outros dois,</p><p>isto é, os de eficácia e de efetividade. A eficácia está ligada ao alcance dos</p><p>resultados almejados, e a efetividade, por sua vez, está ligada à concretização</p><p>prática das regras postas (Carvalho, 2009, p. 202).</p><p>Expliquemos: o gestor se comprometeu a construir uma ponte. Para isso,</p><p>ele realiza uma licitação porque a lei exige e entre as espécies de licitação</p><p>existentes, este gestor deve escolher aquela que conduzirá ao alcance da meta</p><p>(ponte) de modo mais rápido, mais econômico, com qualidade. Nessa</p><p>acepção,</p><p>a governança se atrela à atuação do gestor público escolhendo os meios mais</p><p>adequados (em termos econômicos e em termos de alcance de resultados) para</p><p>atingir as finalidades públicas, sem deixar de considerar o efetivo alcance destas</p><p>finalidades, em cumprimento das normas estabelecidas acerca de como o gestor</p><p>público deve agir.</p><p>Os estudos de governança que se alinham com a busca da eficiência</p><p>cuidam da escolha de meios céleres (rápidos), menos onerosos (mais baratos),</p><p>adequados, para atingir as finalidades públicas. Obviamente, no uso desses</p><p>meios não poderão ser desprezadas as regras postas, sobretudo aquelas</p><p>ligadas à motivação dos atos, à publicidade e à transparência na atuação.</p><p>Focando na eficiência, Bresser-Pereira (2011, p. 33) define governança como a</p><p>realização da gestão de maneira adequada, no sentido de buscar e alcançar</p><p>eficiência, eficácia e efetividade.</p><p>10</p><p>Mas os estudos de governança também abarcam, noutra corrente de</p><p>pensamento, questões ligadas ao potencial democrático e emancipatório</p><p>(Matias-Pereira, 2010, p. 71). Nessa corrente de pensamento, governar se torna</p><p>um ato interativo, ou seja, ele não ocorrerá numa relação top-down (de cima para</p><p>baixo), na qual o governo está distante dos governados. A governança, assim</p><p>concebida, reconhece que há limites na atuação estatal e que compartilhar a</p><p>gestão pública com a sociedade pode conduzir à realização de finalidades as</p><p>quais, sozinho, o Estado não conseguiria propiciar. Admite-se, portanto, a</p><p>atuação em rede (managing network), e nesta o Estado é um, entre os vários</p><p>atores envolvidos na gestão da coisa pública.</p><p>A atuação em rede é aquela em que vários stakeholders atuam para</p><p>propiciar o alcance de uma finalidade pública. Essa tarefa não é deixada para</p><p>realização exclusiva do Estado, portanto. É óbvio que, no âmbito dessa corrente,</p><p>há funções reservadas ao núcleo intransferível atribuído ao estado. É o que se</p><p>passa, por exemplo, com a função de fiscalizar (entre outras). Expliquemos:</p><p>somente o Estado diretamente pode exercer funções de fiscalização. Mas há</p><p>outras funções que podem ser realizadas por terceiros. É o caso da educação,</p><p>da infraestrutura, da saúde, entre outros.</p><p>Não é demais lembrar, portanto, que a governança também está ligada à</p><p>distribuição do poder na administração de recursos econômicos e sociais, tendo-</p><p>se em conta o desenvolvimento (Matias-Pereira, 2010, p. 74). Quer dizer, falar</p><p>de governança é falar também da alocação de recursos, da operacionalização</p><p>desses recursos e da concretização de políticas públicas. Expliquemos: ter</p><p>dinheiro para fazer uma obra, fazê-la e entregar a obra à sociedade é assunto</p><p>da governança pública.</p><p>Compreendida a governança, pensamos ser importante distinguir o que</p><p>quer dizer governabilidade. O termo está atrelado à ação de governar</p><p>condições sistêmicas e institucion</p><p>(Oliveira; Carvalho; Corrêa, 2013, p. 98). Aceitação e cooperação para a atuação</p><p>são assuntos que interessa à governabilidade. Expliquemos: um dado político</p><p>está exercendo o seu mandato e deseja enviar ao congresso uma certa lei. Mas</p><p>nem o político e nem a lei têm ampla aceitação da sociedade. Na verdade, ele é</p><p>detestado e tem péssima reputação. Dificilmente esse político terá sucesso na</p><p>tentativa de publicar sua lei, pois ele não tem governabilidade.</p><p>11</p><p>Desse modo, Bresser-Pereira (2011, p. 33) define a governabilidade como</p><p>-</p><p>Bresser-Pereira (2011). Vamos lá: a</p><p>popularidade e a aceitação de um dado político são muito importantes para ele</p><p>atuar (exercer a governança). Mas esse mesmo político pode ser extremamente</p><p>aceito pela sociedade e exercer uma governança ruim, por não primar pela</p><p>eficiência, nem pela eficácia e menos ainda pela efetividade.</p><p>A aprovação à ação de governar é, portanto, de suma importância, para</p><p>que os mecanismos de governo recebam a aceitação necessária. Mas estes,</p><p>não se deve olvidar, devem ser desenvolvidos de modo a priorizar as ações que</p><p>se alinham ao desempenho ótimo. Então, o ideal é uma gestão com alta</p><p>governabilidade e alta governança! No âmbito da administração pública federal</p><p>brasileira, governança pública foi definida em legislação como</p><p>conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em</p><p>prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à</p><p>condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse</p><p>da sociedade (art. 2º, I). (Brasil, 2017a)</p><p>O conceito aproxima o modus operandi da administração pública daquele</p><p>praticado por organizações privadas, pois admite estratégias voltadas ao</p><p>incremento da eficiência e mesmo a inovação e o empreendedorismo na atuação</p><p>estatal (Oliveira; Carvalho; Corrêa, 2013). No art. 3º do Decreto n. 9.203/2017,</p><p>estão elencados como princípios da governança pública</p><p>1. capacidade de resposta;</p><p>2. integridade;</p><p>3. confiabilidade;</p><p>4. melhoria regulatória;</p><p>5. prestação de contas e responsabilidade; e</p><p>6. transparência.</p><p>O Decreto n. 9.203/2017 elenca diretrizes para o alcance da governança</p><p>pública. Trata-se de ações, descritas em onze incisos constantes do art. 4º</p><p>(Brasil, 2017a). Pode-se afirmar que essas ações estão pautadas pela agilidade,</p><p>pela eficiência, pelo controle e pela transparência. Faz-se importante registrar</p><p>ainda que a governança está orientada à realização do que o Decreto chama de</p><p>12</p><p>valores públicos, os quais estão conceituados no art. 2º, inciso II, do Decreto n.</p><p>9.203/2017 da seguinte maneira:</p><p>Art. 2º. [...] II - valor público - produtos e resultados gerados,</p><p>preservados ou entregues pelas atividades de uma organização que</p><p>representem respostas efetivas e úteis às necessidades ou às</p><p>demandas de interesse público e modifiquem aspectos do conjunto da</p><p>sociedade ou de alguns grupos específicos reconhecidos como</p><p>destinatários legítimos de bens e serviços públicos. (Brasil, 2017a)</p><p>Para o Decreto n. 9.203/2017, valores públicos são resultados das ações</p><p>voltadas à satisfação de demandas públicas. Mas não é só isso: esses</p><p>resultados têm que produzir impacto na sociedade naqueles pontos específicos</p><p>para os quais a ação é destinada (Brasil, 2017a). Quer dizer, valor público é o</p><p>resultado da política pública eficaz. Exemplifiquemos: a entrega da obra de um</p><p>posto de saúde apto a ser usado pela população é um valor público. Mas a</p><p>execução de uma obra de um posto de saúde cheio de defeitos, sem que possa</p><p>ser utilizado não pode ser considerado um valor público.</p><p>TEMA 3 OS MODELOS DE GESTÃO, A GOVERNANÇA E A</p><p>ACCOUNTABILITY</p><p>Ao longo da história, na administração pública brasileira podem ser</p><p>identificados modos de atuação que, pelas suas características, foram</p><p>separados e classificados como modelos. Administração pública burocrática,</p><p>Administração pública gerencial e governança pública são os modelos de gestão</p><p>estudados ao longo da história da administração pública brasileira. Esses</p><p>modelos de gestão pública impactam nas atividades do governo. É que suas</p><p>características vão influenciar o modo de atuação. O modelo burocrático, por</p><p>exemplo, incutiu um modo de atuação pautado pelas características da</p><p>organização burocrática. Pode-se atribuir a esse modelo, por exemplo, a</p><p>estruturação de carreiras públicas, a existência de regulamentos que disciplinam</p><p>as atividades, o estabelecimento de programas e de metas a serem atingidas,</p><p>entre outros. A existência de departamentos nas unidades administrativas, a</p><p>prescrição formal de atividades, a criação de cargos e delimitação de suas</p><p>funções por lei, a progressão na carreira são mais exemplos de impacto do</p><p>modelo burocrático na gestão pública.</p><p>A partir do instante em que se percebeu, entretanto, que o modelo</p><p>burocrático possuía disfunções, passou-se a reagir a elas, buscando solucionar</p><p>13</p><p>os problemas do excesso da burocracia. E esses problemas incomodaram; tanto</p><p>é verdade que se popularizou o uso do termo burocracia no sentido pejorativo,</p><p>isto</p>