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Texto 3 - Ribeiro (2014) - Delimitação do campo da OPC

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Mônica Góes

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<p>CAPÍTULO II A Delimitação do Campo de Estudos da Carreira Focado ainda na tarefa de investigar novas formas de compreen- são da questão da escolha, do projeto e da carreira, com base psicossocial, e de forma ampliada, buscou-se um contato com o que vinha sendo produzi- do conceitualmente, a partir da dimensão social e administrativa, acerca das estruturações organizacionais de carreira (carreira externa ou objetiva), tendo como base o campo de estudos da carreira das chamadas Ciências da Gestão, composta pela Administração e pela Psicologia Organizacional e do Trabalho, e fazendo a tentativa de articulação com as Ciências do Tra- balho, compostas pela Psicologia Social do Trabalho e das Organizações, Sociologia do Trabalho e Orientação Profissional. A divisão do campo de estudos do trabalho e dos processos or- ganizativos do trabalho em Ciências da Gestão e Ciências do Trabalho é uma proposta de C. Dejours (comunicado em palestra, 11 de abril, 2007) que incorporei aos meus estudos e reflexões, pois é uma classificação muito interessante para compreender as diferenças de foco, forma e resul- tados das reflexões e investigações específicas de campo. Ciências da Gestão: focada na análise e intervenção da (e na) ges- tão dos processos organizativos do trabalho como um todo e envol- vendo a Administração, a Psicologia Organizacional (Tradicional) e a Orientação e Gestão de Carreira (anteriormente a Psicologia Vocacio- nal e a Orientação 11 Estas áreas têm um foco mais subjetivante e de ajustamento e/ou adaptação da pessoa ao mercado do trabalho, por isso estão, aqui, associadas às Ciências da Gestão (Ribei- ro, 2009b).</p><p>Marcelo Afonso Ribeiro 44 Ciências do Trabalho: focada na análise e intervenção do (e das (e nas) relações indivíduo-processo organizativos no) trabalho do Trabalho e das Organizações, a Sociologia do Trabalho e a trabalho e construídas continuamente, envolvendo a Psicologia Social do tação Profissional (Ribeiro, 2009b, p. 119-120). fazer uma A articulação entre o que vem sendo produzido nos dois campos tarefa de delimitação do campo de estudos da carreira, do acima citados, teve lugar em algumas de minhas produções 2009a, 2009b, 2011e), as quais serão sintetizadas no próximo 2.1 GÊNESE E CONSOLIDAÇÃO DA CARREIRA Embora a concepção original de carreira, gerada do latim via carraria, signifique padrão de um percurso, curso da ação, caminho (Chanlat, 1995; Martins, 2001; Ribeiro, 2011e), a carreira consolidou sua representação como um constructo teórico e prático constituído no início do século XX para sistematizar a progressão das pessoas no interior das empresas (dimensão objetiva dos planos organizacionais de carreira, na chamada carreira organizacional ou externa), que resultou, também, na configuração de sua dimensão subjetiva (desenvolvimento e trajetória psicológica das pessoas no mundo do trabalho, na chamada carreira interna ou desenvolvimento vocacional). A carreira tem como característica central ser um constructo teórico-técnico que surgiu para atender as demandas de organização do mundo do trabalho ao longo, principalmente, da primeira metade do sécu- lo XX associada às fábricas num mundo estruturado pela normatividade, previsibilidade e estabilidade do modelo taylorista-fordista que teve sua gênese marcada pelas influências da Administração Científica, da Psico- metria e das concepções mecanicistas de ser humano, ou seja, a ideia "da pessoa certa para o lugar certo" (Ribeiro, 2009b, 2011e). "Está ligada, de forma significativa, ao individualismo, capita- lismo e organização burocrática que emergiu no século XX na América" (Young, Valach & Collin, 2002, p. 225). 12 Representações sociais são maneiras coletivas de interpretar e pensar a realidade cotidiana entendidas como síntese de saberes (cognitivo, social e afetivo) que se cons- trói no processo de relação pessoa-mundo e que é (re)apresentada ao mundo e às pes- soas que produzem e são produzidos no mundo (Ribeiro, 2009b).</p><p>Carreiras: Novo Olhar Socioconstrucionista para um Mundo Flexibilizado 45 Emblema moderno da trajetória de vida de trabalho por quase todo século XX, a carreira se configurou como a sequência predefinida de cargos e funções dentro de uma empresa com o objetivo de estruturar a trajetória de trabalho dos seus funcionários, na chamada carreira organi- zacional. Só existia nas empresas e instituições, ou seja, a carreira era determinada pelo vínculo à empresa, com apenas uma exceção, que era o caso da atribuição de uma carreira às pessoas com uma identidade profis- sional de prestígio, originando expressões como carreira médica e carrei- ra política (Ribeiro, 2009a). Vale salientar que apenas uma parte restrita dos trabalhadores era socialmente reconhecida como tendo uma carreira, pois quem não tivesse as condições acima descritas não tinha o reconhecimento de sua trajetória de trabalho como carreira, o que levou o campo das carreiras a ser um campo restrito de estudos e intervenção ao longo de quase todo século XX. Segundo Gunz e Peiperl (2007), autores de um dos mais com- pletos handbooks de Estudos da Carreira, a temática da carreira não teve um grande destaque, apenas se tornando fenômeno de estudo e interven- ção, de forma mais intensa, a partir dos anos 1970 em função dos proces- SOS de reestruturação produtiva e flexibilização do mundo do trabalho (mais adiante discutidos), pois, até então, carreira era sinônimo dos pla- nos organizacionais de carreira, em geral estáveis e perenes, sem muitas mudanças no tempo, não se configurando como um fenômeno com gran- des possibilidades de investigação. norte-americano Everett Hughes, considerado um dos primei- ros estudiosos da carreira, definiu, de forma genérica, carreira como "a sequência de papéis, status e cargos percebidos por dada pessoa" (Hughes, 1958, p. 404), mas apontava que, tradicionalmente, ela foi pensada, de forma padronizada e predeterminada, em termos de cargos e funções, sendo estas as conexões centrais das pessoas com seu trabalho e que defi- niram carreira como carreira organizacional ao longo de quase todo século XX, como apontam autores mais contemporâneos especialistas na temática, como Dutra (1996), D. T. Hall (1976, 1996, 2002), London e Stumph (1982), Schein (1971, 1978, 1993) e Van Maanen (1977). Apesar desta definição de carreira, Hughes (1937) já apontava, nos anos 1930, sua dupla dimensão, ou seja, a dimensão objetiva descri- ta na definição anteriormente postulada de carreira organizacional (constituição e organização social das trajetórias de cargos e funções pelas empresas e/ou instituições), nomeando-a de carreira objetiva, articulada com sua dimensão subjetiva constituída pelo movimento das pessoas no trabalho e pela consequente interpretação deste movimento,</p><p>Marcelo Afonso Ribeiro 46 nomeando-a de carreira subjetiva, pois haveria outros elementos estru- turadores da carreira como as realizações socioprofissionais e cimento social. "Na trajetória de carreira, a pessoa encontra seu lugar nestas formas (da carreira organizacional), conduz sua da vida vida que ativa tem em às outras pessoas e interpreta o significado carreira seria trajetória de que viver" (Hughes, 1958, p. 413), ou seja, a uma cargos funções padronizados (carreira organizacional objetiva), mas também 0 sentido atribuído a esta trajetória (carreira Mais tarde, Donald Super e Edgar Schein irão corroborar esta diferenciação, marcando a existência das carreiras interna e externa (Schein, 1971; Super, 1957). livro Man and their Work, de Hughes (1958), e The Psycho- logy of Careers, de Super (1957), são produções emblemáticas desta dife- renciação, sendo que o primeiro marcaria a ideia da carreira organizacional (Ciências da Gestão) e o segundo a ideia da carreira subjetiva (Ciências do Trabalho). Esta dupla dimensionalidade da carreira marca uma dicotomia prática e teórica ao simultaneamente definir carreira como artefato admi- nistrativo (ferramenta de gestão de pessoas utilizada para sistematizar as etapas concretas exigidas por uma empresa para organizar a trajetória e 0 progresso dos seus funcionários) e como processo psicossocial (maneira como a vida de trabalho de uma pessoa é construída ao longo do tempo e do espaço e como é percebida e interpretada por ela), fazendo emergir os estudos da carreira por parte dos dois grandes agrupamentos teóricos já mencionados Ciências da Gestão e Ciências do Trabalho, que, tradicio- nalmente, não estabeleceram estudos ou ações conjuntas, desenvolvendo-se de forma independente e dicotômica (Ribeiro, 2009b, 2011e). A concepção de carreira organizacional ou externa é fruto da elaboração de estudos das chamadas Ciências da Gestão, com fins prag- máticos de gestão organizacional das pessoas (dimensão administrativa), visando o funcionamento organizacional eficiente e o aumento da produti- vidade e da competitividade (foco: gestão de pessoas e planos de carreira). A concepção de carreira subjetiva ou desenvolvimento voca- cional no trabalho, por sua vez, é fruto da elaboração de estudos das chamadas Ciências do Trabalho, principalmente do campo da Orientação Profissional, visando compreender os processos psicológicos de constru- 13 Como veremos adiante, significados serão concebidos como "construções elaboradas coletivamente em um determinado contexto histórico, econômico e social concreto. Já os sentidos são uma produção pessoal decorrente da apreensão individual dos signifi- cados coletivos, nas experiências cotidianas" (Coutinho, 2009, p. 193).</p><p>Carreiras: Novo Olhar Socioconstrucionista para um Mundo Flexibilizado 47 ção de si no trabalho e da estruturação do mundo do trabalho, e auxiliar na elaboração de estratégias de desenvolvimento e de orientação profissio- nal e de carreira (foco: orientação vocacional e escolha/desenvolvimento vocacional e de carreira). A Administração e a Psicologia Organizacional centraram seus esforços e objetivos nas empresas e seguiram construindo os planos de carreira organizacionais, enquanto que a Psicologia Vocacional e a Orien- tação Profissional se focaram principalmente nos jovens, e elaboraram ações e estratégias de Orientação Profissional desenvolvidas, em geral, em instituições educacionais. 2.2 PRINCIPAIS DEFINIÇÕES DE CARREIRA E SEUS RESPECTIVOS AUTORES o senso comum, como indicador das principais representações sociais elaboradas e reconhecidas de carreira, a define como progresso profissional, vida de trabalho marcada por uma profissão ou sequência de empregos ao longo da vida. Arthur, Hall e Lawrence (1989) apontam que vários campos do saber criaram definições para carreira, principalmente a Administração, a Psicologia, a Sociologia e a Economia. A Administração construiu e consolidou a definição do que é carreira (concepção da carreira organizacional já anteriormente apresen- tada) através de autores como Douglas Hall, Edgar Schein, Everett Hughes e John Van Maanen (Dutra, 1996; D. T. Hall, 1976, 1996, 2002; London & Stumph, 1982; Schein, 1971, 1978, 1993; Van Maanen, 1977). A carreira organizacional também é denominada de carreira ob- jetiva (Hughes, 1937, 1958), carreira externa (Schein, 1993), carreira burocrática (Chanlat, 1995) e carreira corporocrática (Kanter, 1997). A Psicologia, cujo eixo central é a pessoa, principalmente atra- vés dos teóricos da Psicologia Vocacional e da Orientação Vocacional, produziu muitas concepções de carreira, variáveis em função de sua base teórica, através de autores como Frank Parsons, John Holland e Donald Super, sendo definida como: a) expressão da vocação no mundo do trabalho para o Enfoque Teórico (Crites, 1974; Dawis & Lofquist, 1984, Parsons, 1909/2005); 14 Enfoque Teórico Traço-Fator em Orientação Profissional tem base mecanicista e postula que cada pessoa se caracteriza por um conjunto de traços psicológicos e fato-</p><p>Marcelo Afonso Ribeiro 48 b) veículo de autorrealização pelo trabalho para Enfoque Teórico (Holland, 1973, 1997); c) ciclo evolutivo vital de experiências no trabalho e de cia de papéis sociais para o Enfoque Teórico Desenvolvi- (Super, 1953, 1985). A Sociologia define carreira como "desempenho de papéis sociais no trabalho (Berger & Luckmann, 1980); mobilidade inseridas social (Boudon & (Blau & Duncan, 1967)" (Ribeiro, 2009b, p. 121). Economia vê a Bourricaud, 1994); estruturas de trabalho E a em organizações carreira como uma resposta às forças do mercado de trabalho. As concepções iniciais de carreira, tanto nas Ciências da Gestão quanto nas Ciências do Trabalho, tinham seu foco em processos de ajus- tamento e/ou adaptação da pessoa ao mundo do trabalho com base epis- temológica do e do res individuais específicos e estáveis, que podem ser mensurados por técnicas métricas. Estes traços se desenvolvem na relação com o ambiente até a puberdade pa- ra depois se estabilizar. As ocupações podem ser descritas objetivamente em termos dos traços exigidos para um desempenho eficiente, funcionando como referência prescritiva. Quanto melhor o ajustamento vocacional, maior será a satisfação e 0 su- cesso profissional. Seu principal pensador foi o norte-americano Frank Parsons (Ri- beiro & Uvaldo, 15 o Enfoque Teórico Tipológico em Orientação Profissional tem base funcionalista, postula que as escolhas são uma expressão da personalidade, ou seja, pessoas de per- sonalidades semelhantes criam ambientes físicos e interpessoais que podem ser categorizados através de uma tipologia. Além dos tipos de personalidade, há uma tipologia do ambiente, compreendendo que cada tipo de ambiente tem um modo particular de resolver suas questões no âmbito tanto das relações sociais, apre- sentando estilos característicos de interação interpessoal, como também no das estra- tégias específicas de resolução de problemas. As pessoas buscam contextos em que possam realizar tarefas agradáveis e evitar as desagradáveis, realizando ajustamentos vocacionais constantes. Seu principal pensador foi o norte-americano John Holland (Ribeiro & Uvaldo, 2011a). 16 Enfoque Teórico Desenvolvimentista em Orientação Profissional tem base funcionalista e analisa o processo de desenvolvimento vocacional ao longo do ciclo vital em termos das adaptações sucessivas que cada pessoa realiza na sua relação com a realidade e na possibilidade das representações mentais oriundas deste pro- nomeada de autoconceito, e da saliência dos papéis a cada momento de Seu principal pensador foi o norte-americano Donald Super (Lassance, Paradiso & Silva, 2011). 17 o Mecanicismo concebe ser humano como máquina, ou seja, a pessoa seria uma máquina dividida em partes que, ao se relacionarem, produziriam, por exemplo, 0 comportamento que obedece a relações de causalidade previamente estabelecidas Para entender como uma pessoa faz uma escolha apenas, necessário compreender</p><p>Carreiras: Novo Olhar Socioconstrucionista para um Mundo Flexibilizado 49 As Ciências da Gestão geraram o modelo axial ou estrutural (forma tradicional e que deu origem a ideia de carreira organizacional, ou seja, analisá-la a partir de sua estrutura ou plano construído pelas empre- sas), se constituindo como Um artefato administrativo ou uma ferramenta para gerir a trajetória de cargos e funções a ser trilhada pelos funcionários de determinada empresa. Era previamente elaborada pela gerência, ganhava o de plano de carreira ou simplesmente carreira e todo aquele que nome ingres- p. 306-307). sasse numa empresa deveria ser inserido neste plano (Ribeiro, 2011e, E as Ciências do Trabalho propuseram modelos mais focados na dimensão psicológica, como já anteriormente citado, através de três concepções distintas: a) Modelo dos Perfis (descrição de díades de ajustamento en- tre pessoa e trabalho), como propôs Frank Parsons (Parsons, 1909/2005); b) Tipológica (descrição de estruturas genéricas de carreira, entendidas como relação do tipo da pessoa com o tipo cor- respondente de ambiente), como propôs John Holland (Hol- land, 1973, 1997); c) Desenvolvimentista (estabelecimento de um ciclo de etapas sequenciais e previsíveis, necessárias para o progresso da pessoa no trabalho), como propôs Donald Super (Super, 1953, 1985). Para Gunz e Peiperl (2007), "é muito difícil identificar um pa- drão organizado no campo de estudos de carreira" (p. 40), campo que se mantém até hoje fragmentado, com grandes lacunas entre os estudiosos da carreira organizacional (Ciências da Gestão) e da escolha profissional e do desenvolvimento de carreira (Ciências do Trabalho), embora, em seus estudos, Donald Super, Edgar Schein e Douglas Hall tenham tentado aproximar as áreas. como funciona esta pessoa funcionamento, este, imutável e constante (Guba, 1990). 18 o Funcionalismo concebe o ser humano como um sistema integrado de funções, sendo uma estrutura imutável e constante, que, entretanto, se adapta diante das exi- gências externas e internas (Guba, 1990).</p><p>Marcelo Afonso Ribeiro 50 De qualquer forma, Gunz e Peiperl (2007) propõem uma siste. matização do que já foi produzido em termos de um campo de estudos da mesmo dando margem a reducionismos, discordâncias e carreira, "os critérios de classificação científica não se aplicam feições, completo porque e não podem ser satisfeitos em sua totalidade" (Crites, por 30), através de uma topologia (níveis de análise da carreira) e uma taxo- nomia (subcampos de estudos da carreira), conforme se vê no Quadro (traduzido de Gunz & Peiperl, 2007). Taxonomia Topologia Individual Personalidade, interesses, valores, sucesso, escolha profissional, perfil, ra interna, ajustamento vocacional Institucional Sistemas de carreira, padrões de carreira, contrato psicológico, planejamento e gestão da carreira Contextual Identidade, estágios e desenvolvimento de carreira, ciclo de vida Quadro 1. Topologia e taxonomia dos estudos de carreira. De forma geral, pode-se constatar que os estudos de carreira re- produzem as principais áreas dedicadas a esta temática, cada qual com um nível diferenciado de foco e de objetivos, ou seja, a Administração em nível institucional (e organizacional), a Psicologia em nível individual e a Psicologia Social em nível contextual, como se vê em sistematizações feitas nos últimos 25 anos por autores tanto nas Ciências da Gestão quan- to nas Ciências do Trabalho (Quadro 2 traduzido de Gunz & Peiperl, 2007). Os enfoques teóricos caminhavam em paralelo, mas não relacio- nados, fazendo com que a carreira fosse explicada através de uma dico- tomia entre desenvolvimento vocacional (não visto como carreira) e pla- nos organizacionais de carreira (concepção tradicional de carreira organi- zacional), perfazendo um problema epistemológico crônico, pois, apesar da pluralidade de enfoques, cada um privilegiava um aspecto isolado (Ribeiro, 2009a).</p><p>Carreiras: Novo Olhar Socioconstrucionista para um Mundo Flexibilizado 51 Autores Níveis de Análise Individual Institucional Contextual Sonnenfeld & Kotter (1982) Enfoque dos traços Enfoque da estrutura Enfoque do ciclo social de vida Arthur & Lawrence (1984) Diferenças individuais Estudos Estágios de vida organizacionais Young & Collin (1986) Biográfico Ecológico Hermenêutico D. T. Hall (1987) Planejamento Administração Espectro de carreira de carreira de carreira Gingras, Spain & Circunscrita Organizacional Estendida Cocandeau-Bellanger (2006) Quadro 2. Exemplos de sistematização no estudo das carreiras. 2.3 o CAMPO CONTEMPORÂNEO DE ESTUDOS DA CARREIRA Antes de apresentar e discutir as mudanças na configuração do campo de estudos da carreira, será realizada uma breve reflexão sobre a questão central e desencadeadora deste processo focada nas transforma- ções do mundo do trabalho e seus impactos sobre os trabalhadores, as carreiras e o próprio mundo do trabalho, principalmente através de es- tudos sob a perspectiva alargada da área da Psicologia Social e, especi- ficamente da área da Psicologia Social do Trabalho, que tem como obje- tivo a compreensão das relações possíveis entre pessoas e mundo do trabalho em seu cotidiano, nos seus mais variados aspectos, como senti- dos e significados do trabalho, práticas e atividades de trabalho, condi- ções e processos organizativos do trabalho, e trajetórias e identidades de trabalho.</p><p>Marcelo Afonso Ribeiro 52 2.3.1 A Função do Trabalho para a Realização Humana e a Estruturação do Mundo do Trabalho A importância do trabalho para a vida humana evoluiu ao go dos tempos com a própria evolução do ser humano. Segundo Marx (1867/1980), o trabalho "é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação ona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza" (p. 202), ideia que Lukács (1982) avança atribuindo ao trabalho uma dimensão ontológica fundante da sociabilidade humana, para além da ultrapassagem do limite natural, sendo sua forma elementar de que permite às pessoas transformar a natureza, se autotransformar e transformar as relações psicossociais num processo dialético que as inscreve na vida, como produtoras e produtos de uma sociedade (proto- forma do ser social). trabalho seria a atividade central a partir da qual nascem to- das as objetivações humanas e a sociedade: trabalhar é "sair de si" e se autoconstruir pela atividade de trabalho, construindo, desta maneira, a subjetividade, a cognição, a identidade e a própria sociedade neste pro- cesso (Clot, 2006; Dejours, 1999a). Importante salientar que o trabalho carrega em sua essência uma dualidade ontológica fundante que o faz ser, ao mesmo tempo, ação de emancipação, realização e fabricação de si e do mundo e ação de so- frimento, esforço penoso e alienação de si e do mundo. Realização de uma obra que seja expressão da vida humana e traga reconhecimento e permanência, ou seja, inscrição social e possibilida- de de construção de uma história: TRABALHO como EMANCIPA- ÇÃO (gerador de vida); Esforço rotineiro e repetitivo, sem reconhecimento, nem permanên- cia, mera realização de uma atividade que não deixa vestígios, nem produto final, não faz história, que aproxima o homem do animal e re- duz a subjetividade humana à sua dimensão real mínima (a dimensão fisiológica) desconectando, então, as dimensões temporais de passado, presente e futuro e impedindo a construção de projetos de vida: TRA- BALHO como ROBOTIZAÇÃO (gerador de vazio existencial e doen- ças) (Ribeiro, 2006, s/n). Esta dualidade ontológica pode ser identificada via construções linguísticas das principais culturas ocidentais, conforme se pode visuali- zar no Quadro 3, elaborado com base em Albornoz (1986).</p><p>Carreiras: Novo Olhar Socioconstrucionista para um Mundo Flexibilizado 53 Dependendo das condições para sua realização e da organização em que ele é executado, pode conferir ou retirar a humanidade: é nesta ambiguidade que pode ser analisado o trabalho, entendendo que todo trabalho requer um esforço físico e mental, empreendido através de uma ação sobre o mundo, que volta para si mesmo, é detentor de uma meta ou objetivo, ou seja, todo trabalho é uma ação intencional que visa um resul- tado ou produto, sendo que este processo pode gerar transformação ou alienação (sofrimento) e o que definiria o produto do trabalho seria o fato dele ser reconhecido psicossocialmente como trabalho: pessoa e socieda- de devem legitimar determinada ação como trabalho para que ela seja reconhecida como tal. Esforço Penoso Fabricação Latim Laborare Operare Italiano Lavorare Operare Francês Travailler Ouvrer Espanhol Trabajar Obrar Português Laborar Trabalhar Inglês Labour Work Alemão Arbeit Werk Resultante Robotização e Sofrimento Emancipação e Realização Psicossocial Quadro 3. Expressão linguística da dualidade ontológica fundante do trabalho em sete línguas ocidentais. H. Arendt (1958/1987) coloca que o trabalho contribuiria para uma vida ativa entendida como a possibilidade de existir e laborar na construção do mundo e das relações psicossociais, se constituindo em dimensão fundante da condição humana de existência, condição humana que, segundo a autora, se construiria a partir de três dimensões: labor (labour), que é a atividade mecânica; o trabalho propriamente dito (work), que é a produção de bens duráveis e permanentes na vida</p><p>Marcelo Afonso Ribeiro 54 mundana; e a ação (action), que é a possibilidade da construção história subjetiva e social pelas trocas e laços que o trabalho em sua da totalidade possibilita (Ribeiro, 2004a, p. 65). A impossibilidade de uma vida ativa, mediada pelo produziria uma vida sem sentido, uma dificuldade de reconhecimento social e uma situação de vulnerabilidade social (Castel, 1995). O trabalho pode ser analisado a partir de suas várias constituintes: psicológica, socioeconômica e psicossocial, mas sempre guardando sua dualidade ontológica fundante, conforme podemos visua- lizar na Figura 1, por mim elaborada. DIMENSÃO DIMENSÃO DIMENSÃO PSICOLÓGICA PSICOSSOCIAL INSTITUIÇÕES SELF IDENTIDADE PAPÉIS SOCIAIS FUNDANTE DAS FUNDANTE DA FUNDANTE DA RELAÇÕES SUBJETIVIDADE PRÁXIS SOCIAL PSICOSSOCIAIS Figura 1. Relação entre as dimensões constituintes do trabalho. Cada dimensão não é separada da outra, pois o trabalho é uma coisa Esta divisão apenas fixa três zonas do continuum existente que contém dois extremos (dimensões psicológica e social) e uma zona in- termediária (dimensão psicossocial) e pode ser analisada separadamente, mas nunca sem levar em conta a outra dimensão, porque o continuum marca uma qualidade dialética de relação, na qual a transformação de uma gera uma transformação nas outras que, por sua vez, retornam para a dimensão inicial transformada (Ribeiro, 2004a). Em sua dimensão socioeconômica, segundo Marx (1867/1980) e Lukács (1982), o trabalho é, como já apontado, a protoforma do ser social nos últimos séculos, ou seja, se constitui na dimensão ontológica da subjetividade e da identidade humana, permitindo a produção de si e da sociedade numa relação dialética de transformação recíproca, gerando,</p><p>Carreiras: Novo Olhar Socioconstrucionista para um Mundo Flexibilizado 55 neste processo, a práxis social, definida como o modelo das relações e práticas sociais, bem como a teoria deste modelo social. o trabalho e os processos e a organização do trabalho seriam centrais para a estruturação e dinâmica sociais, por isso se constituiriam como protoforma do ser Em sua dimensão subjetiva, Dejours (1999a, 2003) aponta que a relação pessoa-trabalho seria a única possibilidade de acesso ao que ele chama de real, que seria aquilo que escapa ao conhecimento e apreensão da pessoa e a interpela constantemente requisitando resistência, adaptação ou mudança, convocando-a a dar sentido a sua relação com o trabalho e com o mundo sociolaboral: "O real é a parte da realidade que resiste à simbolização" (Dejours, 1997, p. 41). É pelo trabalho que eu consigo transcender minha natureza e me emancipar enquanto ser dotado de humanidade, pois ela permitiria a sig- nificação da experiência do contato de si mesmo com o real, experiência geradora de sofrimento, mas também de emancipação. trabalho media o acesso ao real e possibilita o engajamento do cor- po no mundo; as relações com os outros (mundo intersubjetivo); a construção de um lugar e de uma identidade no campo psicossocial; a produção de sentidos; e o reconhecimento social (Ribeiro, 2010b, p. 334). trabalho seria o mediador primordial desta relação com o real, relação esta sempre estabelecida entre o eu e o outro, geradora da psico- dinâmica do trabalho. Dejours (1999a) explicita isto através de uma figu- ra triangular, sendo que cada vértice é fundamental para que o trabalho possa ser reconhecido como trabalho: a falta de um dos vértices destitui- ria a ação da capacidade potenciadora de ser trabalho. o trabalho para ser trabalho deve partir do EU (dimensão subje- tiva), se realizar no REAL do mundo (dimensão concreta) e ser legitima- do pelo OUTRO (dimensão social), configurando a relação EU-OUTRO- -REAL que definiria a relação psicossocial inerente ao trabalho ou a psi- codinâmica do trabalho como nomeia Christophe Dejours. Esta relação (EU-OUTRO-REAL), fundante da psicodinâmica do trabalho, pode ser analisada pelas suas três dimensões constituintes, conforme podemos ver na Figura 2 (retirada de Dejours, 1999a).</p><p>Marcelo Afonso Ribeiro 56 REAL EU OUTRO Figura 2. Psicodinâmica do trabalho: relação eu-outro-real. Em sua dimensão psicossocial, segundo Dejours (1999a), po- demos dizer que as pessoas precisam do outro para se organizar subjeti- vamente e precisam do trabalho para se organizar ou seja, a relação com o outro busca contribuir na constituição da subjetivi- dade (campo afetivo e relacional), e a relação com o trabalho é fundamen- tal para colaborar na constituição da identidade humana (campo social). A dimensão psicossocial, portanto, marca a relação entre o psicológico e 0 social e demonstra, concretamente, as alterações operadas em ambos os extremos, sendo um ótimo indicador do que acontece no mundo do traba- lho, tanto às pessoas quanto à sociedade, via identidade. Marcada a importância indelével do trabalho como potencial es- truturador da existência humana e mediador primordial da relação com 0 mundo e com os outros, em suas três dimensões constituintes, cabe pen- sar como sua institucionalização se processou analisando como a sociedade e as relações se estruturaram em torno do trabalho, originando 0 mundo do trabalho, e como ele tem afetado a vida sociolaboral das pessoas. 2.3.1.1 Sistema Emprego-Desemprego como estruturador do mundo do trabalho tradicional A sociedade do trabalho, definida sob a égide da sociedade sala- rial do emprego, gerou um mercado formado pelo conjunto de empregos existentes, definido como vínculo assalariado de trabalho, no qual um trabalhador vende sua força de trabalho para um capitalista em troca de um salário, gerando a associação direta entre trabalho e emprego. o desemprego, neste contexto, seria um(a)</p><p>Carreiras: Novo Olhar Socioconstrucionista para um Mundo Flexibilizado 57 (1) fenômeno temporário nas vidas dos empregados, gerado por um desequilíbrio pontual no mercado ou pela falta de oferta de trabalho com condições dignas; (2) escolha voluntária por uma vida sem traba- lho assalariado; (3) necessidade capitalista de um exército de reserva. Em geral, a quantidade de pessoas em situação de desemprego não era significativa e elas eram auxiliadas por benefícios das políticas de as- sistência social, embora esta situação de bem-estar social nunca tenha sido uma realidade plena no Brasil (Ribeiro, 2010b, p. 334-335). Segundo Blanch (2003) e Novo (2005), a sociedade salarial ge- rou um Mecanismo ou Sistema Emprego-Desemprego que organizava a vida dos trabalhadores, como se vê na Figura 3 por mim elaborada com base nos autores citados. EMPREGO DESEMPREGO NÚCLEO ESTÁVEL NÚCLEO TEMPORÁRIO OU VOLUNTÁRIO Figura 3. Sistema Emprego-Desemprego (mundo do trabalho tradicional). Esta sistematização do mundo do trabalho produzia uma vida sociolaboral definida por uma previsibilidade (Tempo de Chronos), rigidez, continuidade, homogeneidade, normatividade e pelo emprego como forma primordial de vínculo ao mundo do trabalho, gerando uma experiência de vida psicossocial estável e de adaptação a uma ordem de coisas predefinidas. Como já apontado anteriormente, a situação socio- laboral sofreu transformações a partir dos anos 1970 por conta do avan- tecnológico, da globalização econômica e da necessidade de aumen- tar a produtividade e a competitividade no mercado de trabalho, que vem gerando um processo de desmodernização e de transição definido com consequente fragilização e heterogeneização das estruturas sociais, flexibilização e do trabalho e descontinuidade de vida (Sennett, 1998; Touraine, 1998). 19 o mundo do trabalho pode ser analisado, de um lado pelas Ciências da Gestão foca- das no aumento da produtividade; e de outro lado, pelas Ciências do Trabalho, foca- das na melhoria das condições e das relações humanas no trabalho. A forma como se adjetiva a mudança da organização e dos vínculos ao trabalho depende do olhar que se dirige ao fenômeno, ou seja, a flexibilização seria o termo empregado pelas Ciências</p><p>Marcelo Afonso Ribeiro 58 2.3.1.2 Sistema Trabalho Estável Trabalho Vulnerável Não-Trabalho como estruturador do mundo do trabalho contemporâneo A estrutura homogênea e estável de mundo vigente começou a dar lugar a uma estrutura heterogênea, sempre transitória, instável e em constante (Tempo de Kairós), quebrando a lógica moderna do Sistema Emprego-Desemprego. Este sistema permaneceu como lógica organiza- tiva, mas vislumbrou o surgimento da categoria do subemprego, que englobava todas as formas de trabalho caracterizadas pela precarização e flexibilização da organização do trabalho e dos vínculos com mundo do trabalho, e o aumento considerável do desemprego, principalmente 0 desemprego estrutural (Singer, 1998), sendo esta a característica central da atual fase do capitalismo (Mészáros, 2006). Segundo Mattoso (1994), pode-se apontar quatro tendências principais da (1) cional (inespecificidade dos postos e processo de trabalho, bem como dos requisitos dos trabalhadores para o desenvolvimento do trabalho); (2) Legal e contratual (desregulamentação das condições contratuais de trabalho); (3) Espaço-temporal (falta de regularidade em termos de es- paço de trabalho e tempo despendido com o mesmo); e (4) Salarial (diminuição do salário fixo pela venda da força de trabalho como regra). Com a diminuição do emprego tradicionalmente estabelecido, o subem- aparece como forma de inserção no mundo do trabalho, alterna- tiva ao emprego, e numa tentativa de saída da situação de desemprego, que tem assolado um contingente cada vez maior de trabalhadores desde então (Ribeiro, 2010b, p. 335-336). Sistema Emprego-Desemprego se modifica e daria origem, segundo Blanch (2003) e Nova (2005), ao Sistema Emprego-Subem- prego-Desemprego, formado por três núcleos distintos de agrupamentos dos trabalhadores em função da estabilidade ou da vulnerabilidade psi- da Gestão, apontando que a única maneira de desenvolvimento para o capitalismo se- ria pela ruptura da rigidez anteriormente fixada, sendo essa a importância da flexibili- zação para trabalhadores e capitalistas; enquanto que as Ciências do Trabalho nomea- riam o mesmo fenômeno de precarização, pois esta mudança pioraria a vida dos tra- balhadores e suas condições de trabalho em nome do desenvolvimento do capital (Ri- beiro, 2010b, p. 335). 20 o subemprego pode ser definido como formas precárias e/ou flexíveis de empregos geradas pela ruptura total ou parcial de direitos, benefícios e garantias que o empregatício trazia, por isso aqui nomeada de subemprego como uma categoria in- ferior de emprego. Torna-se a alternativa mais utilizada por um grande número de trabalhadores como saída à situação de desemprego e resistência à informalidade (Ribeiro, 2010b).</p><p>Carreiras: Novo Olhar Socioconstrucionista para um Mundo Flexibilizado 59 gerada pela vinculação ao mundo do trabalho, configurando um novo formato ao mundo do trabalho marcado pela potencialidade maior de exclusão do trabalho (Castel, 2009). Sistema Emprego- nomeado desta maneira, manteria o emprego como central no mundo do trabalho, sendo que vários autores contempo- râneos vêm discutindo a permanência da centralidade do trabalho, princi- palmente do emprego, para a organização social. Corroborando as reflexões realizadas por Antunes (1999) e Les- sa (2002), o trabalho não perdeu sua centralidade, mas o emprego sim. Lessa (2002), ao analisar a centralidade do trabalho na contemporaneida- de, faz um questionamento "qual centralidade, qual traba- lho?", deixando claro que houve uma ruptura na centralidade do trabalho como atividade cotidiana privilegiada e na centralidade política do traba- lhador pela fragmentação e heterogeneização da classe trabalhadora, que- brando, em parte, com o próprio senso de classe, entretanto não houve uma ruptura na centralidade ontológica do trabalho, ou seja, trabalhar ainda seria indispensável para a existência humana. Segundo Lessa (2002), o trabalho concreto segue sendo neces- sário para construção da práxis social e o trabalho abstrato para reprodu- ção do Cônscio desta transformação da dinâmica do mundo do traba- lho, propus uma alteração na terminologia do sistema postulado por Blanch (2003) e Novo (2005), retirando a centralidade do emprego e utili- zando o termo genérico "trabalho" e suas expressões no mundo do traba- lho contemporâneo para apresentar um retrato esquemático deste momen- to atual do trabalho, originando um Sistema com três expressões das rela- ções psicossociais e vínculos sociolaborais: Trabalho Estável (substituin- do emprego), Trabalho Vulnerável (substituindo subemprego) e Não- -Trabalho (substituindo o desemprego), conforme podemos ver na Figura 4, por mim elaborada. 21 Estes conceitos serão definidos ao final desta seção. 22 Marx (1867/1980) fala em um trabalho concreto e em um trabalho abstrato. o pri- meiro refere-se ao trabalho como um fim em si mesmo, produtor de valores-de-uso e ontologia da existência humana; enquanto o segundo aponta o trabalho como um meio, mero produtor de valores-de-troca, que constitui a lógica instrumental, ou se- ja, o trabalho seria apenas um meio para conseguir o fim maior, que é o capital, se tornando alienado, pois seu produto não é apropriado e não se constitui numa ativi- dade humanizadora em função de transformar as relações humanas de trabalho em relações mercantis transformação da sociabilidade (Ribeiro, 2004a, 2010b).</p><p>Marcelo Afonso Ribeiro 60 TRABALHO TRABALHO VULNERÁVEL NÃO-TRABALHO ESTÁVEL NÚCLEO NÚCLEO NÚCLEO INSTÁVEL DEGRADADO ESTÁVEL Figura 4. Sistema Trabalho Estável Trabalho Vulnerável Não-Tra- balho (mundo do trabalho contemporâneo). a) é composto por trabalhadores que um o núcleo vínculo estável melhores função mais duradouro e com condições de trabalho e proteções sociolaborais, em de serem mais e/ou dispostos a se adaptar às demandas do trabalho, se constituindo ou não em um vínculo empre- gatício. Pode, também, ser chamado de núcleo central dos trabalhadores; b) o núcleo instável é composto por trabalhadores que tem di- ficuldade de manter um vínculo mais duradouro, em função de uma menor qualificação e uma maior dificuldade da adaptação, vivendo a situação de temporário como uma si- tuação permanente, a qual deve se adaptar e conviver, bus- cando gerar continuidade através da somatória de trabalhos e empregos, em geral, associados a formas flexíveis ou pre- cárias do trabalho em tempo parcial, temporário, teletraba- lho, terceirização e/ou informalidade, algumas delas já exis- tentes no sistema tradicional, mas agora exercidas por mais trabalhadores como fuga para a situação de desemprego diante da impossibilidade de ter um emprego. Apesar desta situação de transitoriedade, conseguem viver na chamada 23 É importante salientar que a qualificação não é uma qualidade absoluta e objetiva- mente definida por uma formação educacional ou por um conjunto de conhecimentos e habilidades que uma pessoa possua. Antes disso, ela se constitui como uma qualida- de psicossocialmente produzida, não claramente intercambiada e que teria uma função muito clara de regulação do mundo do trabalho. Neste sentido, dizer que uma pessoa mais ou é menos qualificada significa inseri-la na dinâmica psicossocial do mundo do trabalho e entender sua qualificação, não como um valor absoluto, mas sempre um lor relativo a esta dinâmica, de dificil objetivação e que se transforma em função do contexto sociolaboral no qual o trabalhador se encontra, produzindo privilégios para alguns e vulnerabilidade psicossocial para a grande maioria (Ribeiro, 2009b).</p><p>Carreiras: Novo Olhar Socioconstrucionista para um Mundo Flexibilizado 61 flexissegurança ou estabilidade na qual a segurança advém da capacidade de negociar e manter vín- culos com o mundo do trabalho, mesmo que temporaria- mente, embora estejam submetidos a uma vulnerabilidade psicossocial e a uma fragilização das proteções sociolaborais; c) o núcleo degradado é composto por trabalhadores que tem dificuldade de estabelecer qualquer tipo de vínculo com o mundo do trabalho, por mais precarizado que seja, e viven- ciam uma situação de não-trabalho, extremamente danosa para sua vida e relação psicossocial e com pouca ou nenhu- ma proteção sociolaboral. Vale marcar que a construção de si nestes núcleos é sempre de- finida relacionalmente, nunca por uma característica pessoal ou uma de- manda clara e objetiva do contexto. Segundo Castel (2009), a luta por melhores condições de traba- lho travada no Sistema Emprego-Desemprego dá lugar à luta contra a exclusão do trabalho no proposto Sistema Trabalho Estável Trabalho Vulnerável - Não-Trabalho, o que torna o trabalhador mais frágil e com menos poder de pleitear uma vida melhor de trabalho, em geral, disponí- vel para a submissão à flexibilização como saída para a exclusão (Mészáros, 2006). A configuração do mundo do trabalho, assim, se torna mais he- terogênea, fragmentada, flexível e complexa, rompendo com a normativi- dade anteriormente constituída e deixando os trabalhadores sem parâme- tros de referência definidos, sendo levados a viver na flexissegurança ou estabilidade contemporânea, como única possibilidade atual de segurança no mundo do trabalho (Antunes, 1999; Blanch, 2003). o medo do não-trabalho, em geral, representado socialmente como desemprego, segue sendo um fantasma potencial que assombraria à quase relegando as pessoas a uma situação de instabilidade, insegurança, falta de referências seguras, desconfiança dos padrões pas- sados e desconhecimento do que fazer para o futuro. Castel (1997) aponta que o mundo do trabalho vem sofrendo um: 24 Estes conceitos serão definidos ao final desta seção. 25 Em recente pesquisa (Ribeiro, 2007a), jovens universitários de cursos tecnológicos indicaram, de forma espontânea, que a principal ameaça para seu futuro profissional seria o desemprego (94,44%).</p><p>Marcelo Afonso Ribeiro 62 gradativo de fraturas em seu abrindo tecido pela flexibilização e regulamentação Processo das últimas tem décadas, favorecido uma espaço pequena para parcela menos normativas, o outra que grande parcela em situação de da pulação dade e, no e deixado extremo, a vivendo uma desfiliação (Ribeiro, 2011f, vulnerabili. Segundo Castel (2009), esta situação vem sendo gerada por um de ruptura da coesão social com três zonas de variação desta processo coesão: integração, vulnerabilidade e exclusão (vide Figura 5, traduzida de Castel, 1995). ZONA DE ZONA DE ZONA DE INTEGRAÇÃO VULNERABILIDADE EXCLUSÃO Desestabilização Precariedade laboral Excluídos dos estáveis Fragilidade social VÍNCULO SOCIAL RUPTURA SOCIAL Figura 5. Zonas de variação da coesão social. a) Integração (ou filiação): pessoas que se beneficiam da estrutura- ção social, têm acesso aos bens sociais, têm seus direitos sociais ga- rantidos e conseguem constituir lugar na sociedade, estabelecer víncu- los, ter reconhecimento e construir uma trajetória sociolaboral. São grupos por excesso, nos quais as pessoas têm as melhores condições objetivas e materiais de vida, o que redunda em boas oportunidades de educação e trabalho (Castel, 2009); b) Vulnerabilidade: pessoas que vivem em condições precárias de vida, em termos de acesso a bens e direitos sociais, construindo sua trajetória de forma transitória e descontínua, mas ainda assim tendo um lugar e um certo reconhecimento social, apesar de estarem instala- dos na precariedade e com pouca proteção social; c) Exclusão (ou desfiliação): grupo dos que lutam contra as impossibilidades de construção de lugares e trajetórias no 26 Castel (1997) denomina de "supranumerários" o conjunto de pessoas existentes no mundo que se encontram sem emprego e sem condições clássicas de proteção e segu- rança sociais.</p><p>Carreiras: Novo Olhar Socioconstrucionista para um Mundo Flexibilizado 63 mundo sociolaboral e vivem imersos na insegurança, instabilidade e desproteção sociais. Estão impedidos, de forma parcial ou total, de acessar bens coletivos como saúde, educação e trabalho, antes garanti- dos pela inclusão no trabalho (Ribeiro, 2011f, p. 60). Segundo Castel (2009), a maioria da população está concentra- da nas zonas de vulnerabilidade e exclusão em condições objetivas e ma- teriais de vida bem precárias e com restrições significativas nos suportes sociais e na possibilidade de autonomia e escolha. Castel (1995), Blanch (2003) e Novo (2005) fizeram propostas de sistematização das relações sociais e laborais na contemporaneidade, cada um a partir de uma dimensão distinta, mas sob o mesmo prisma de que há grupos mais integrados e grupos mais vulneráveis, em termos de vinculação ao mundo sociolaboral, que serão aqui articuladas, conforme visualizamos na Figura 6, elaborada por mim, com base nas propostas de sistematização dos autores elencados. ESTABILIDADE ESTABILIDADE FALTA DE MODERNA ESTABILIDADE TRABALHO ESTÁVEL TRABALHO VULNERÁVEL NÃO-TRABALHO NÚCLEO NÚCLEO NÚCLEO ESTÁVEL INSTÁVEL DEGRADADO ZONA DE ZONA DE ZONA DE INTEGRAÇÃO VULNERABILIDADE DESFILIAÇÃO Figura 6. Estruturação e dinâmica sociolaboral contemporânea. É importante salientar que: Como um movimento processual e dinâmico, há uma pressão mútua entre as três zonas propostas, que não seriam estados substantivos, mas relações dinâmicas e processuais, que definem um continuum psi- cossocial, ou seja, as relações e a organização social possuem as três zonas que não são separadas e isoladas e sim são dimensões de um mesmo processo, que é o processo de organização e relação social, atra- vés do qual as pessoas circulam entre as zonas (Ribeiro, 2011f, p. 60).</p><p>Marcelo Afonso Ribeiro 64 Em suma, a sistematização proposta objetivou fazer um retrato esquemático da vida de trabalho, em termos das possibilidades de vínculo condições de trabalho, bem como dos suportes psicossociais gerados nestas e relações, procurando deixar claro que, ao passar por um de transição, a organização e a dinâmica sociolaboral carregam elementos do mundo do trabalho tradicional, como a estabilidade moderna e vínculo empregatício, em relação direta com elementos do mundo do trabalho contemporâneo, como a flexissegurança (ou estabilidade o trabalho temporário e a vulnerabilidade psicossocial. A estabilidade moderna será definida como o modelo de Or- ganização e dinâmica sociolaboral determinado por bases objetivas e sólidas para o vínculo com o mundo do trabalho e a realização do lho, gerador de segurança e continuidade vital e, de uma vida e uma trajetória de trabalho, sendo uma responsabilidade do contexto gerar esta segurança, ou seja, um modelo mais baseado no social. A estabilidade contemporânea (ou flexissegurança) será de- finida como o modelo de organização e dinâmica sociolaboral determi- nado por bases menos objetivas e mais fluídas para o vínculo com 0 mundo do trabalho e a realização do trabalho, que necessitam muito mais da ação das pessoas na relação como o contexto de trabalho para gerar segurança e continuidade vital e, consequente, uma vida e uma trajetória de trabalho com sentido, sendo um modelo mais baseado na relação psicossocial. É importante lembrar que a estabilidade moderna foi uma con- quista social, rompida na contemporaneidade, pois sem uma base social fortemente estruturada, as pessoas ficam mais submetidas aos seus esfor- individualizados, numa postura bem mais ativa e, neste contexto, "a mudança é a norma e a estabilidade deve ser ativamente alcançada e man- tida" (Hosking & Bass, 2001, p. 358), sendo esta a situação da estabilida- de contemporânea que, ao demandar uma atividade maior por parte das pessoas, pode resultar em dois caminhos: a) aqueles que conseguem negociar suas relações e vínculos com o trabalho, em função de suportes subjetivos e objeti- vos que dispõem e se beneficiam desta situação, gerando in- tegração socioloaboral; b) aqueles que têm dificuldades subjetivas e/ou objetivas de fazer esta negociação e se vulnerabilizam por conta desta si- tuação, gerando uma vulnerabilidade ou desfiliação socio- laboral.</p><p>Carreiras: Novo Olhar Socioconstrucionista para um Mundo Flexibilizado 65 Proponho, aqui, uma apropriação da noção de vulnerabilidade de Castel (1995), que, com base na proposta que se encontra em Paiva (2008), transformou-se na noção de vulnerabilidade psicossocial defini- da nos meus estudos como: Uma diminuição da possibilidade de estabelecer vínculos e redes so- ciais, não uma fragilidade pessoal, nem e sim relacional. ou seja, a vulnerabilidade psicossocial seria a resultante de contextos de intersubjetividade, isto é, espaços delimitados (sociais, culturais, laborais, econômicos, simbólicos) de relação, geradores de vulnerabi- lidade, nos quais as pessoas se encontram em dificuldade de estabele- cer vínculos em alguma dimensão significativa da vida, como o traba- lho (Ribeiro, 2011f, p. 60-61). Neste contexto, é mister ampliar a compreensão do fenômeno do desemprego, por exemplo, tratando-o como não-trabalho, concepção mais abrangente que incluiria a concepção tradicional do desemprego, mais focado em uma análise política e econômica, e requisitaria a colabo- ração teórica da Psicologia Social e, mais especificamente, da Psicologia Social do Trabalho, que é chamada para Auxiliar na reflexão teórica e técnica relativa ao desemprego, pois ele, atualmente, se institucionalizou como um fato psicossocial, gerando um papel e uma identidade social para a pessoa em situação de de- semprego, geralmente associado a atributos de deslegitimação (Goffman, 1975), e provocando impactos significativos na vida dos trabalhadores e de suas famílias, como: isolamento social, transtornos identitários, ruptura de vínculos, doenças e desconstrução de projetos de vida (Ribeiro, 2010b, p. 337). A definição da concepção de trabalho e da dinâmica e estrutura do mundo do trabalho, bem como das propostas conceituais da estabili- dade moderna e contemporânea e da vulnerabilidade psicossocial, tam- bém auxiliarão na construção da concepção de carreira psicossocial. Assim, com a gradativa flexibilização, complexificação e hete- rogeneização do mundo do trabalho a partir dos anos 1970, as concepções e de carreira tiveram que ser revistas e ampliadas, pois menos as experiências normativas do trajetórias de trabalho se tornaram mais plurais da e concepção de carreira anteriormente que antes, ocasionando: (a) um alargamento e agora, também, construída no mundo do trabalho só construída de maneira nas empresas genérica; (b) a ruptura dos padrões de</p><p>Marcelo Afonso Ribeiro 66 carreira e a emergência de construções mais relacionais; e (c) a de foco das empresas para as relações possíveis entre (dentro e fora das empresas) com maior responsabilidade e atividade mais parte direto entre formação e atuação profissional e ocupacional das pessoas; e (d) fragmentação profissional e ruptura do vínculo 2007b, 2009b). Este panorama contemporâneo gerou um desenvolvimento maior no campo de estudos da carreira, que passava a se constituir, definitiva- mente, em um fenômeno a ser amplamente estudado, por conta de suas muitas expressões, variações e dimensões. Desenvolvimento, este, tanto no campo das Ciências da Gestão quanto das Ciências do Trabalho, em termos teóricos, conceituais e metodológicos. Assim, os pensadores da carreira e do desenvolvimento vocacional começaram, então, a repensar suas bases de análise e de definição da carreira, inclusive para continua- rem a ser uma referência para o mundo do trabalho, o que implicou em mudanças teóricas e metodológicas (Ribeiro, Silva & Uvaldo, 2011). 2.3.2 Estudos contemporâneos da carreira no campo das Ciências da Gestão No campo das Ciências da Gestão, houve uma movimentação intensa, e Alguns estudiosos de carreira, numa visão apocalíptica, chegaram a anunciar o fim das carreiras, assim como foi anunciado o fim dos em- pregos e o final da história, pensamentos típicos de momentos de tran- sição de modelos como vive o mundo do trabalho há algumas décadas. Mudança e transformação, não significam, necessariamente, uma des- truição definitiva, mas sim desconstrução e reestruturação, mesmo porque as carreiras possibilitam o vínculo entre indivíduo e mundo do trabalho e a sua compreensão, em termos de identidade e representa- ção social, sendo extremamente necessárias para o desenvolvimento humano e social (Ribeiro, 2011e, p. 311). D. T. Hall (1996) faz uma síntese muito interessante sobre esta situação de transição no campo de estudos das carreiras no título do seu livro The career is dead Long live the career, assinalando que A carrei- ra está morta, ou seja, a carreira organizacional não seria mais o modelo dominante para carreira no mundo do trabalho, contudo e, de forma si- multânea, novos modelos surgiram, ampliando suas formas no mundo do trabalho, gerando novas oportunidades e restrições, por isso Longa vida à carreira.</p><p>Carreiras: Novo Olhar Socioconstrucionista para um Mundo Flexibilizado 67 É importante salientar que a carreira organizacional tradicional ainda existe nas empresas, não houve a substituição de um modelo por outros, entretanto outras formas de sua configuração coexistem já há al- gumas décadas com ela, como deixa claro Falcoz (2001). Com essas transformações do mundo do trabalho que vem se desenrolando nos últimos 40 anos, a carreira organizacional sofreu, tam- bém, modificações profundas como concepção e ferramenta administrati- va, fazendo com que as Ciências da Gestão, em geral, de base funciona- lista ou sistêmica, iniciassem um processo de validação de trajetórias de trabalho, antes não consideradas como carreiras, fora do espaço organiza- cional, resultando na ruptura parcial dos modelos normativos (planos de carreira ou carreira externa) e dando origem a novas concepções de car- reira, tendo como pressupostos centrais que a carreira não seria mais linear, envolveria a relação contínua entre pessoa e empresa e seria elemento de interesse conciliado entre ambas (D. T. Hall, 2002). Assim, o recurso encontrado por estudiosos e profissionais das Ciências da Gestão como tentativa de compreender as novas configura- ções da carreira e com uma impossibilidade de gerar uma concepção he- gemônica e abrangente de carreira, em função da heterogeneidade de trajetórias de trabalho construídas na contemporaneidade, foi a utilização de metáforas para descrever e analisar as novas formas das carreiras con- temporâneas, mais heterogêneas e menos normativas (Ribeiro, 2009a, 2011e). Em 2010 realizei um estudo (Ribeiro, 2011e) que consultou os principais periódicos científicos da área da Psicologia e da Administração nas últimas duas décadas (1990-2010), localizando os artigos teóricos e relatos de pesquisa que apontavam como os trabalhadores vinham cons- truindo suas carreiras nas últimas décadas, e as principais metáforas de carreira propostas nestes textos foram: a) carreira de Proteu: proposta por Douglas Hall, a carreira seria gerenciada pela pessoa, não pela empresa, e seria ba- seada num contrato psicológico proteano (foco na pessoa) e num comprometimento organizacional de curto prazo (D.T. Hall, 1976, 2002). "É a mudança da carreira na organização para uma carreira baseada na autodireção em busca do su- cesso psicológico no trabalho" (Ribeiro, 2011e, p. 313); b) carreira sem fronteiras: proposta por Michael Arthur e Denise Rousseau, além de ser governada pela pessoa, como aponta a metáfora da carreira proteana, a carreira não seria mais confinada a uma única empresa, emprego, profissão, domínio de saber, sendo marcada pela flexibilidade e pelas</p><p>Marcelo Afonso Ribeiro 68 oportunidades geradas pelo mundo do trabalho (Arthur, Arthur & Rousseau, 1996); c) carreira multidirecional: proposta por Yehuda carreira seria marcada por uma autodefinição de padrões de carreira e sucesso, que indicariam as possibilidades de tra- balho, dentro e fora das empresas, numa associação entre carreira proteana e a carreira sem fronteiras (Baruch, a 2006); d) carreira caleidoscópio: proposta por Sherry Sullivan e Lisa Mainiero, a carreira seria uma reorganização dos diferentes aspectos da vida com o intuito de formar um padrão de car- reira diferente adaptado à situação particular do momento, em um processo contínuo de reconstrução da A metáfora do caleidoscópio representa bem esta ideia, pois as peças de um caleidoscópio são sempre as mesmas, mas a cada movimento do mesmo forma-se uma nova configura- ção (Cabrera, 2007; Mainiero & Sullivan, 2005, 2006); e) carreira portfolio: proposta por Mary Mallon, a carreira se- ria constituída pelo modelo do autoempreendimento flexível, no qual as pessoas oferecem uma diversidade de práticas la- borais ao mundo do trabalho e constroem sua vida de traba- lho pelo conjunto destas atividades (Duberley, Mallon & Fenwick, 2006; Fenwick, 2006; Templer & Casey, 1997); f) carreira organizacional: concepção de carreira já definida que segue sendo o modelo mais presente nas empresas (Falcoz, 2001; London & Stumph, 1982; Schein, 1978, 1993; Van Maanen, 1977). Outras metáforas menos presentes na literatura especializada da área também já foram propostas como a ideia das carreiras nômades (Ca- din, Bender, Saint-Giniez & Pringle, 2000), da carreira espiral (Evans, 1986), da constelação das carreiras (Higgins & Thomas, 2001) e do pan- demônio de carreira (Brosseau, Driver, Eneroth & Larsson, 1996). Pode-se dizer, dessa maneira, que as Ciências da Gestão transfe- riram o foco de estudos da organização de trabalho (empresas), tradicio- nalmente sistematizadoras das carreiras, para os trabalhadores que seriam os atuais responsáveis pelo planejamento e gestão das carreiras. foco na estruturação social passa para o foco na construção caminho que vem se demonstrando teoricamente insuficiente, para anali- sar a vida de trabalho como um processo psicossocial.</p><p>Carreiras: Novo Olhar Socioconstrucionista para um Mundo Flexibilizado 69 Concluindo, a carreira nas Ciências da Gestão segue sendo a carreira organizacional, mas se amplia para a carreira proteana, que asso- ciada à carreira sem fronteiras, parece resumir bem todas as propostas formuladas, que podem ser genericamente definidas, conforme proposta de alguns autores, como pós-empresarial ou flexível (Baruch, 2004; Kanter, 1997; Tolfo, 2002). 2.3.3 Estudos contemporâneos da carreira no campo das Ciências do Trabalho No campo das Ciências do Trabalho, também houve uma mo- vimentação intensa, não no sentido de tentar identificar as novas formas da carreira, como nas Ciências da Gestão, mas buscando explicar os pro- cessos de construção das carreiras e gerando uma reflexão acerca das bases de compreensão da vida de trabalho definida pelas relações pessoa- -mundo do trabalho. Hartung (2005) indica que a Orientação Profissional postulava o ajustamento e a adaptação como as operações clássicas de relação pessoa e contexto, focados nos processos subjetivos para a compreensão da vida de trabalho, como as noções de escolha e desenvolvimento vocacional. Segue dizendo que, em um mundo instável e descontínuo, compreender como uma pessoa se ajusta ou se adapta a um lugar no mundo do trabalho seria insuficiente para o entendimento mais amplo do seu desenvolvimen- to de carreira, pois tanto as pessoas quanto os contextos estão em cons- tante transformação. Young e Borgen (1990), Collin (1998) e Bailyn (1989) consta- taram que, Num mundo em transição mais complexo, heterogéneo e flexível, a busca de leis gerais e padrões normativos de carreira, com base na es- tabilidade do mundo social e do trabalho, se tornou um caminho me- todológico pouco eficaz, pois numa realidade marcada pela instabili- dade e mudança constante, o foco das pesquisas deveria ser a explora- ção qualitativa, ao invés da comprovação quantitativa de hipóteses, o que permitiria a análise da mudança e não da estabilidade, como se tem realizado por tradição (Ribeiro, Silva & Uvaldo, 2011, p. 222). Hartung (2005) propõe que a tarefa contemporânea para a com- preensão das carreiras seria entender como as pessoas constroem suas carreiras, ou seja, que processos estão em jogo na relação entre pessoa cria- e mundo do trabalho, que geram a construção da carreira, como uma ção original oriunda desta relação.</p><p>Marcelo Afonso Ribeiro 70 Neste sentido, a análise da carreira exigiu novos estudos mais focados em processos de construção do que de ajustamento ou buscando novas bases epistemológicas menos positivistas e mais tivistas, como o construtivismo e o construcionismo (Greene, 1990). A perspectiva construtivista pode ser assim definida, segundo Guba (1990): Ontologia realista (a realidade objetiva existe, mas há somente a possibilidade de construção de representações sobre a não de acesso à realidade mesma, que seria inacessível diretamente Gu. ba, 1990); Epistemologia subjetivista, pois o conhecimento emerge da repre. sentação do indivíduo sobre si mesmo e sobre o contexto no qual ria inserido e refletiria a realidade, pois "realidades existem na forma de construções mentais múltiplas, locais e específicas, tecidas social e experiencialmente, dependentes, para sua forma e conteúdo, das pes- soas que as detêm" (Guba, 1990, p. 27); Metodologia hermenêutica e dialética, pois as "construções indivi- duais são eliciadas e refinadas hermeneuticamente e comparadas e contrastadas dialeticamente, com o auxílio da geração de uma ou mais construções nas quais haveria um consenso substancial" (Guba, 1990, p. 27) (Ribeiro, 2011g, p. 20). Já a perspectiva construcionista pode ser assim definida, segun- do Guba (1990): Ontologia relativista (realidade intersubjetivamente construída via discurso e práticas sociais); Epistemologia intersubjetivista, pois o conhecimento emerge da trama intersubjetiva, sendo um discurso sobre a realidade, nunca a rea- lidade mesma; Metodologia dialógica e transformativa, como propõe Santos (2003) ao postular uma hermenêutica diatópica, ou seja, a interpretação sobre a realidade é construída e negociada na relação psicossocial, que cria a própria realidade com o discurso e as práticas resultantes desta rela- ção. A hermenêutica diatópica "exige uma produção de conhecimento colectiva, interactiva, intersubjectiva e reticular" (Santos, 2003, p. 448) (Ribeiro, 2011g, p. 21-22). As Ciências do Trabalho, em geral, têm tentado propor concep- ções da carreira menos centradas unicamente em processos subjetivos e mais relacionais e contextualizadas, por conta da crescente instabilidade do mundo, buscando construir concepções que abarcassem os atuais pro-</p><p>Carreiras: Novo Olhar Socioconstrucionista para um Mundo Flexibilizado 71 cessos complexos das relações pessoa-trabalho, focados em processos de construção, mais heterogêneos e psicossociais, e menos normativos, atra- vés dos seguintes modelos (Ribeiro, 2011g): a) Modelo do de Carreira. o modelo proposto por Donald Super busca articular o desenvolvimento vocacional com uma perspectiva contextual de base construtivista. Para tal, postula que a carreira seria um processo psicossocial de adaptação recíproca entre pessoa e contexto gerado na arti- culação entre a dimensão do Life-span (ciclo de vida ou di- mensão temporal e evolutiva do desenvolvimento vocacio- nal) e dimensão do Life-space (espaço de vida ou dimensão espacial do contexto sociocultural constituído de papéis so- ciais), ou seja, a carreira seria o processo resultante da arti- culação espaço-temporal contínua entre os principais papéis sociais vividos por cada pessoa ao longo da vida (Lassance, Paradiso & Silva, 2011; Super 1985, 1990); b) Modelo Transicional. o modelo proposto por Nancy Schlössberg, de base construtivista, versa que diante da instabilidade do mundo contemporâneo fica muito difícil analisar as trajetórias de carreira, então a solução seria compreender os processos de transição de carreira, como forma de explicação das formas predominantes que cada pessoa utiliza em seu desenvolvimento de carreira (Maga- lhães, 2011; Schlössberg, 1984, 2005); c) Modelo Desenvolvimentista-Contextual modelo propos- to por Fred Vondracek e colegas, de base construtivista, pos- tula que a carreira (ou desenvolvimento vocacional) seria re- sultante da interação entre dois processos dinâmicos: o desen- volvimento ao longo da vida de cada pessoa, entendida como uma estrutura interna e permanente do organismo numa epi- gênese predeterminada (mudança previsível e predefinida pe- las características do organismo), interligado com um contex- não to multidimensional de mudança (mudança previsível) (Ribeiro, 2011g; Vondracek, 1990, 2001); d) Modelo do Life Designing. modelo proposto pelos membros do Life Design International Research 27 Life Design International Research Group é composto pelos seguintes Duarte pesquisado- (Portu- res: Mark L. Savickas (EUA), Jean Guichard (França), Maria Eduarda Soresi (Itália), gal), Jean-Pierre Dauwalder (Suíça), Jérome Rossier Salvatore (Holanda). Laura Nota (Itália), Rauol Van Esbroeck (Bélgica) e Annelies Van Vianen</p><p>72 Marcelo Afonso Ribeiro de base construtivista, amplia a concepção de carreira para construção da vida (Life Design), entendida como a va processual da articulação entre a construção da carreira (career construction), a construção de si (self-making) e a modelagem da identidade (identity shaping), geradora de um senso de identidade e da adaptabilidade coerente e conectada, construída através de um to (ação) biográfica na relação de coconstrução eu-outro Em suma, a carreira seria a narrativa da vida de trabalho com um senso de identidade, coconstruída na relação eu- outro (Duarte, 2009a; 2009b, 2011; Guichard, 2009; Sa- vickas et al., 2009); e) Modelo Contextualista da Ação. o modelo proposto por Richard Young e Ladislav Valach, de base construcionista aponta que a carreira se definiria por projetos colocados em prática através de ações contextualizadas, constituindo uma narrativa de vida que permitiria a construção de si direcio- nado ao outro, sendo organizadora de si e do contexto atra- vés do estabelecimento de coerência e continuidade das ações e projetos, o que possibilitaria a criação de uma estru- tura e de um processo dentro do qual se compreenderia esta narrativa de vida definida como carreira (Young & Valach, 1996, 2009; Young, Valach & Collin, 2002). Como conclusão, pode-se dizer que a Orientação Profissional, representando o campo das Ciências do Trabalho, tem buscado propor concepções mais contextualizadas, que levem em conta a relação pessoa- -mundo do trabalho e a compreensão das três dimensões envolvidas neste processo, a saber: subjetiva, social e relacional. Mas, será que as produções da Orientação Profissional seriam suficientes para entrar em contato com as principais contribuições do campo das Ciências do Trabalho? 2.3.4 Ampliação e diversificação do escopo da análise no campo de estudos da carreira As contribuições já apresentadas são fundamentais para a compreensão da carreira da contemporaneidade, entretanto, em estudo realizado em 2006 e publicado em 2011 (Ribeiro, Silva & Uvaldo, 2011), que tinha como um de seus objetivos fazer o levantamento dos</p><p>Carreiras: Novo Olhar Socioconstrucionista para um Mundo Flexibilizado 73 rumos da investigação em Psicologia Vocacional e desenvolvimento de carreira, concluiu-se que, diante de um mundo do trabalho complexo e fragmentado, as pesquisas que tinham a carreira como fe- nômeno central: Deveriam levar em conta um estudo extensivo das pessoas (desenvol- vimento vocacional), das organizações do trabalho (desenhos de car- reira), e da relação entre ambos; uma análise do mundo do trabalho como dimensão psicossocial heterogénea constituída de uma diversi- dade de contextos e dinâmicas de carreiras em relação às outras di- mensões sociais (família, educação, lazer, Estado); e um estudo explo- ratório aprofundado sobre as populações não-tradicionais e minorias no mundo do trabalho (Ribeiro, Silva & Uvaldo, 2011, p. 223). Assim, uma ampliação do escopo da análise do fenômeno da carreira seria importante e desejável, o que promoveu um conjunto de pesquisas sobre as possíveis relações que poderiam ser estabelecidas en- tre trabalho e pessoas com características psicossociais específicas, como pessoas em situação de sofrimento mental (Ribeiro, 2006, 2007b, 2009d), pessoas com deficiência (Ribeiro & Ribeiro, 2008a, 2008b, 2012; Paiva Silva & Ribeiro, 2011), pessoas em situação de desemprego (Ribeiro, 2007b, 2009e, 2010b; Ribeiro, Farina & Neves, 2008) e jovens em situa- ção de vulnerabilidade psicossocial (Ribeiro, 2007a, 2010a, 2011f), bem como uma análise psicossocial dos fenômenos em questão como a "lou- cura", as "deficiências", o "desemprego" e as "juventudes". Todos os fenômenos psicossociais elencados estão colocados entre parênteses para destacar que são categorias de significação e nomea- ção que estão em mudança, e mudam porque o mundo como um todo tem vivido um momento de transição, no qual modelos consolidados seguem atuando, mas não mais de forma hegemônica, e novos modelos surgem para conviver com os modelos tradicionalmente estabelecidos (Ribeiro, 1999b, 2002, 2004a). Colocar um fenômeno entre parênteses representa uma importante demarcação epistemológica no âmbito da tradição do pensamento filo- sófico existencial: consiste na idéia de que o fenômeno não existe em si, mas é construído pelo observador, é um constructo da ciência, e ob- só existe enquanto inter-relação com o observador. E, portanto, se o servador, sujeito do conhecimento constrói o fenômeno, este é parte do primeiro, é parte de sua cultura e de sua subjetividade (Amarante, 1999, p. 49).</p><p>Marcelo Afonso Ribeiro 74 Além disso, atualmente, como proposto "uma análise em Ribeiro, do mundo Silva do e Uvaldo trabalho como faz-se necessária, heterogénea constituída de uma diversidade de textos dimensão e dinâmicas psicossocial de carreiras em relação às outras dimensões (p. 223). Numa breve síntese dos estudos realizados, podemos dizer que os cada grupo em específico, entretanto, é possível de uma concepção de conclu- mesmos geraram muitos achados que permitiram traçar a algumas compreensão de sões genéricas que ajudariam na construção ra, principalmente tomando como recomendações que: a) análise e a compreensão da vida de trabalho atualmente a poderia se dar através do contato aprofundado e neo com o cotidiano dos trabalhadores, pois estas análises têm gerado resultados diferenciados em contextos lhantes; b) o mundo do trabalho vive um momento de no qual as estruturações tradicionais seguem operando, mas com menos força e mais fragilidade, e novas estruturações ainda não se consolidaram, o que tem gerado situações an- tagônicas de tentativa de volta ao passado simultâneas a mergulhos incertos no futuro (Dubar, 2000); c) a contemporaneidade, ao desconstruir concepções nicas, abre possibilidades, ao mesmo tempo em que deixa as pessoas sem referências seguras às quais se basearem para construir suas vidas de trabalho; d) as macronarrativas teóricas parecem não dar conta de expli- car a complexidade e a pluralidade de experiências e fenô- menos do mundo contemporâneo, fazendo com que as nar- rativas das pessoas sejam uma fonte de informação preciosa para a compreensão do mundo do trabalho e das vidas de trabalho; e) a dificuldade atual de todos, não somente dos mais vulnerá- veis, para a construção das relações com o mundo do traba- lho, relações que estão, de um lado, muito mais flexíveis, desprotegidas e complexas e, de outro lado, muito mais abertas à originalidade e multiplicidade de possibilidades para estas construções (Ribeiro, 2007b). Estas mesmas con- clusões já foram apontadas nos mais variados campos de es- tudos como os estudos organizacionais (Alvesson & Will- mott, 1996; Sveningsson & Alvesson, 2003), os estudos da</p><p>Carreiras: Novo Olhar Socioconstrucionista para um Mundo Flexibilizado 75 identidade (Dubar, 2000; Ybema et al., 2009), os estudos das condições e organização do trabalho na contemporanei- dade (Blanch, 2003; Castel, 1997), os estudos das possibili- dades de relação e vinculação com a realidade psicossocial (Bauman, 2005; Giddens, 1991; Touraine, 1998), os estudos culturais (S. Hall, 2003), entre outros. Estas conclusões mais genéricas levam a pensar que, se há uma multiplicidade de possibilidades de construção das relações com o mundo do trabalho, a compreensão destes processos também se torna mais com- plexa e seria necessário refletir se a noção de carreira ainda faz sentido no mundo contemporâneo, o que nos leva a uma encruzilhada: manter ou não o conceito de carreira? 2.4 POR QUE MANTER A CONCEPÇÃO DE CARREIRA? Se antes havia um consenso acerca da concepção de carreira re- presentada pela concepção da carreira organizacional por conta do fato de que a carreira só existia e era legitimada no interior das empresas, agora a conjuntura sociolaboral contemporânea trouxe a necessidade de ampliar a noção de carreira, reconhecendo também como carreira as traje- tórias fora do contexto corporativo. Este reconhecimento introduz um problema conceitual, a saber: a concepção de carreira será estendida para toda e qualquer trajetória legiti- mada de trabalho ou ela permanece representando os planos organizacio- nais de carreira e haveria a necessidade de criação de um novo termo para designar as trajetórias de trabalho fora do contexto organizacional? De início, devemos argumentar a dupla problemática implicada em ambas as ações, seja de manutenção terminológica e ampliação con- ceitual, seja de transformação terminológica e conceitual. De um lado, temos que a manutenção do termo "carreira" opera uma ampliação conceitual e facilita a comunicação acadêmica, pois os estudiosos da carreira irão identificar que é uma produção acadêmica pertinente ao seu campo, entretanto, carrega em si a tradição histórica associada às empresas do termo carreira como carreira organizacional, podendo impedir sua ampliação. De outro lado, a transformação terminológica e conceitual da concepção de "carreira" rompe com a tradição de vínculo às empresas e da conceituação de carreira como carreira organizacional, entretanto, uma</p><p>Marcelo Afonso Ribeiro 76 nova proposta risco terminológica de não ter dificultaria impactos no a campo comunicação das carreiras, e o intercâmbio tanto em termos e correria acadêmicos o quanto em termos das práticas, fundando uma nova área de estudos. É de pesquisas (produção de conhecimentos importante lembrar que a tarefa do pesquisador é nal, ou seja, visa a realização construção de teorias (produção de partir de investigações), teorias) e o suporte a direto ou indireto às práticas de problemas noções e sociais e da prática profissional), sendo sua função social da na articulação entre estas três dimensões (Greene, 1990; Guba, 1990). A questão seria: colocar em ação um processo gerador de uma nova construção a partir de outra ótica, fundando, assim, uma nova área de estudos ou colocar em ação um processo de desconstrução e recons- trução a partir da história conceitual e prática existente, promovendo a renovação da área instituída? Esta questão parece estar em processo de resolução, sendo tare- fa a ser realizada neste início de século XXI, questão para a qual eu já me posicionei ao fazer uma proposta conceitual de manutenção do termo carreira e de retomada de sua concepção etimológica original, oriunda do latim via carraria, com uma significação ampliada de padrão de um per- curso, curso da ação ou trajetória, aplicada às relações entre as pessoas e o mundo do trabalho, sintetizada na ideia de uma trajetória de vida de trabalho (Ribeiro, 2009a, 2011d, 2011e). Por que este posicionamento de manutenção terminológica e ampliação conceitual? Com base no referencial teórico do Construcionismo Social, que será o eixo analítico do presente livro, há vários aspectos relevantes para esta escolha. A proposta socioconstrucionista coloca que uma concepção teó- rica, por exemplo, "carreira", seria um discurso (macronarrativa social que representa os posicionamentos coletivos em dado momento sócio- -histórico), mas que todo posicionamento é atravessado cotidianamente por micronarrativas alternativas até ser reconstruído. A produção acadêmica e o contato cotidiano com trabalhadores das mais variadas realidades sociolaborais têm apontado uma noção de que a carreira agora se ampliou para uma construção realizada na relação estendida e geral dos trabalhadores com o mundo do trabalho. Esta con- clusão parece ser uma tendência tanto no campo das Ciências da Gestão, quanto das Ciências do Trabalho, ou seja, representa a voz do cotidiano e a de grande parte da academia que se dedica ao estudo das carreiras e</p><p>Carreiras: Novo Olhar Socioconstrucionista para um Mundo Flexibilizado 77 tem ampliado a utilização do termo "carreira" para as mais variadas situa- ções de trabalho. Parte desta conclusão emergiu, também, das minhas próprias pesquisas sobre a temática das carreiras, principalmente as investigações realizadas com pessoas com deficiência (Paiva Silva & Ribeiro, 2011; Ribeiro & Ribeiro, 2008a, 2008b, 2012), pessoas em situação de desem- prego (Ribeiro, 2007a, 2007b, 2009e, 2010b; Ribeiro, Farina & Neves, 2008), pessoas em situação de sofrimento mental (Ribeiro, 2006, 2007a, 2009d), e jovens em situação de vulnerabilidade psicossocial (Ribeiro, 2011f), corroborando o que havia sido dito por Blustein, Schultheiss e Flum (2004), que "dar voz àqueles tradicionalmente marginalizados na nossa sociedade, abre a possibilidade de discursos alternativos para o campo dos estudos da carreira" (p. 428). A proposta socioconstrucionista não separa a dimensão teórica da produção de conhecimento da dimensão política de ação no mundo e versa que "o significado das palavras é decorrente do seu uso social, das formas pelas quais são utilizados nos relacionamentos existentes" (Rasera & Japur, 2005, p. 23), através dos sistemas socioculturais historicamente situados de significação, o que faz da linguagem uma forma de ação social e construção ativa do mundo. Neste sentido, manter o termo "carreira", antes somente desig- nado para um seleto grupo de trabalhadores, é colocar em ação a proposta metodológica do Socioconstrucionismo e gerar uma transformação cultu- ral, que advém de um processo continuado de desconstrução (explicitação do processo de construção do fenômeno através do processo investigati- vo), de democratização (produção dialogada do conhecimento entre todos os envolvidos) e reconstrução (proposição de novos vocabulários ou no- vas visões para os vocabulários já existentes, que promovam a transfor- mação cultural), conforme postulou Gergen (1997). Cohen, Duberley e Mallon (2004) já haviam apontado que "o poder conceitual da concepção da carreira é justamente o fato de que ideia ela vincula a pessoa ao mundo social mais amplo e mutante" (p. 409), que pode ser complementada pelo fato que manter a concepção de carrei- ra somente para aqueles que trabalham em empresas é elitizar o conceito e manter o status (Blustein, Schultheiss & Flum, 2004). Em termos quo políticos, ampliar o escopo da utilização do termo do carreira para as relações ampliadas e estendidas entre pessoas e mundo e na trabalho, é contribuir na desconstrução de um discurso elitizado dis- construção de um discurso mais democratizador, lembrando sociedade que os e cursos estão intimamente associados à distribuição de poder na social. ter uma carreira, como já apontado, tem sido um fator de prestígio</p><p>78 Marcelo Afonso Ribeiro Se as diversas micronarrativas acadêmicas e do cotidiano dos trabalhadores têm indicado a necessidade de ampliar a concepção de reira, se coloca um desafio inicial de caráter teórico: como postular uma concepção de carreira que consiga oferecer elementos para a leitura da carreira como fenômeno psicossocial ampliado e estendido para todas as relações de trabalho entre pessoas e mundo do trabalho? Em 0 desafio seria: como compreender, conceitualmente, a carreira na contem- poraneidade? 2.5 PROPOSTA DO LIVRO: UMA ABORDAGEM PSICOSSOCIAL DA CARREIRA COM BASE NO CONSTRUCIONISMO SOCIAL Finalmente chegamos ao ponto atual da minha trajetória com a proposta de uma abordagem psicossocial da carreira, entendida como um fenômeno psicossocial, através de suas dimensões constitutivas: projetos de vida de trabalho (planos de ação e construções identitárias) e tra- jetórias de vida de trabalho, de base teórica socioconstrucionista. Estas são as reflexões atuais e que farão parte da concepção de carreira a ser aqui construída e Algumas ideias já iniciaram seu processo de construção concei- tual, de forma isolada, em artigos publicados, que serão articuladas para fornecer elementos de análise e elaboração teórica de como compreender a carreira como um fenômeno psicossocial, agora sob uma visão socio- construcionista. Entre estas ideias, algumas já apresentadas e discutidas nos capítulos anteriores, temos as concepções de relação vocacional- profissional/ocupacional (Ribeiro, 2004a), de realidade psicossocial (Ribeiro, 2004a, 2011d, 2011f), realidade sociolaboral (Ribeiro, 2004a), de vulnerabilidade psicossocial (Ribeiro, 2011f), de estabilidade mo- derna e estabilidade contemporânea (Ribeiro, 2010b), de carreira psicossocial (Ribeiro, 2009a), de construção identitária de trabalho (Ribeiro & Uvaldo, 2011b) e de projeto de vida de trabalho (Ribeiro, 2005, 2009a, 2010a, 2011d). Alguns conceitos e noções de autores clássicos e neos serão utilizados nesta construção teórica, a saber: as concepções de vocacional e profissional/ocupacional (Bohoslavksy, 1977, 1983); car- reira organizacional ou objetiva (Hughes, 1958) e desenvolvimento vocacional ou carreira subjetiva (Super, 1957); de espaço, lugar, figu- ra, trajetória, práticas cotidianas, artes de dizer e artes de fazer (Cer- teau, 1994); de mundo do trabalho (Hobsbawm, 1987); de intermediá-</p>

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