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<p>- ÍNDICE -</p><p>CAP. 1: INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CRÔNICA</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>CONCEITO</p><p>EPIDEMIOLOGIA</p><p>ETIOLOGIA</p><p>PROGNÓSTICO</p><p>FISIOLOGIA</p><p>FISIOPATOLOGIA</p><p>MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS</p><p>EXAMES COMPLEMENTARES</p><p>CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS</p><p>TRATAMENTO</p><p>CAP. 2: HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>UM BREVE HISTÓRICO</p><p>EPIDEMIOLOGIA</p><p>AVALIAÇÃO CLÍNICA E LABORATORIAL</p><p>FISIOLOGIA E PATOGÊNESE</p><p>LESÕES DE ÓRGÃOS-ALVO</p><p>LESÃO VASCULAR</p><p>ATEROSCLEROSE – “O GRANDE VILÃO”</p><p>PATOGÊNESE DA ATEROSCLEROSE</p><p>INSTABILIDADE DA PLACA DE ATEROMA</p><p>CARDIOPATIA HIPERTENSIVA</p><p>DOENÇA CEREBROVASCULAR</p><p>NEFROPATIA HIPERTENSIVA</p><p>RETINOPATIA HIPERTENSIVA</p><p>OUTRAS LESÕES DE ÓRGÃOS-ALVO</p><p>HIPERTENSÃO SECUNDÁRIA</p><p>PRINCIPAIS CAUSAS</p><p>QUANDO SUSPEITAR E INVESTIGAR</p><p>COMO INVESTIGAR E TRATAR – RESUMO</p><p>CAP. 3: HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA</p><p>INTRODUÇÃO ESTRATIFICAÇÃO DO RISCO CARDIOVASCULAR (RCV)</p><p>ESTRATÉGIA 1: ESTIMATIVA DO RCV DIRETAMENTE RELACIONADO À HAS</p><p>ESTRATÉGIA 2: ESTIMATIVA DO RCV EM QUALQUER PESSOA COM IDADE ENTRE 30-74 ANOS (HIPERTENSOS OU</p><p>NÃO HIPERTENSOS)</p><p>DECISÃO DE TRATAR E METAS TERAPÊUTICAS</p><p>TRATAMENTO NÃO MEDICAMENTOSO (TNM)</p><p>TRATAMENTO MEDICAMENTOSO</p><p>DROGAS ANTI-HIPERTENSIVAS</p><p>DROGAS DE AÇÃO CENTRAL: AGONISTAS ALFA-2A E AGONISTAS</p><p>IMIDAZÓLICOS</p><p>HAS E CONDIÇÕES CLÍNICAS ASSOCIADAS</p><p>CAP. 4: CRISE HIPERTENSIVA</p><p>INTRODUÇÃO DEFINIÇÃO</p><p>FISIOPATOLOGIA</p><p>ABORDAGEM DAS EMERGÊNCIAS HIPERTENSIVAS</p><p>ANTI-HIPERTENSIVOS PARENTERAIS</p><p>DROGAS ORAIS DE MEIA-VIDA CURTA</p><p>ENCEFALOPATIA HIPERTENSIVA</p><p>AVE HEMORRÁGICO</p><p>AVE ISQUÊMICO</p><p>EDEMA AGUDO DE PULMÃO HIPERTENSIVO</p><p>IAM E ANGINA INSTÁVEL</p><p>DISSECÇÃO AÓRTICA AGUDA</p><p>HIPERTENSÃO ACELERADA MALIGNA NEFROESCLEROSE HIPERTENSIVA MALIGNA</p><p>OUTRAS EMERGÊNCIAS HIPERTENSIVAS</p><p>ABORDAGEM DA URGÊNCIA HIPERTENSIVA</p><p>CAP. 5: AS VALVOPATIAS</p><p>ESTENOSES VALVARES (MITRAL, AÓRTICA E TRICÚSPIDE)</p><p>ESTENOSE MITRAL</p><p>ESTENOSE AÓRTICA</p><p>ESTENOSE TRICÚSPIDE</p><p>INSUFICIÊNCIAS VALVARES (MITRAL, AÓRTICA E TRICÚSPIDE)</p><p>INSUFICIÊNCIA MITRAL</p><p>INSUFICIÊNCIA AÓRTICA</p><p>INSUFICIÊNCIA TRICÚSPIDE</p><p>APÊNDICE 1: SEMIOLOGIA CARDÍACA</p><p>ESTRATÉGIA SEMIOLÓGICA</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>ANAMNESE</p><p>EXAME FÍSICO</p><p>PULSO ARTERIAL INTRODUÇÃO</p><p>TIPOS CLÁSSICOS DE PULSO ARTERIAL</p><p>PULSO VENOSO E INSPEÇÃO DAS JUGULARES</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>PRESSÃO VENOSA CENTRAL (PVC)</p><p>CONTORNO DO PULSO VENOSO</p><p>ALTERAÇÕES CLÁSSICAS NO PULSO VENOSO</p><p>PRECÓRDIO</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>TIPOS DE ICTUS DE VE PATOLÓGICOS</p><p>ICTUS DE VD</p><p>OUTROS ELEMENTOS DO EXAME DO PRECÓRDIO</p><p>BULHAS CARDÍACAS E OUTROS RUÍDOS</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>PRIMEIRA BULHA (B1)</p><p>SEGUNDA BULHA (B2)</p><p>TERCEIRA BULHA (B3)</p><p>QUARTA BULHA (B4)</p><p>RUÍDOS DE EJEÇÃO</p><p>CLICKS SISTÓLICOS</p><p>ESTALIDO DE ABERTURA</p><p>SONS PERICÁRDICOS E DO MIXOMA ATRIAL</p><p>SOPROS CARDÍACOS</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>MANOBRAS SEMIOLÓGICAS</p><p>SOPROS SISTÓLICOS ORGÂNICOS</p><p>SOPROS DIASTÓLICOS ORGÂNICOS</p><p>SOPROS SISTO-DIASTÓLICOS E SOPROS CONTÍNUOS</p><p>SOPROS INOCENTES</p><p>APÊNDICE 2: INSUFICIÊNCIA CARDÍACA AGUDA</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>CLASSIFICAÇÃO</p><p>ABORDAGEM INICIAL</p><p>DEFINIÇÃO DE RISCO IMEDIATO À VIDA</p><p>FLUXOGRAMA DIAGNÓSTICO DE ICA</p><p>ESTRATIFICAÇÃO DO PROGNÓSTICO INTRA-HOSPITALAR</p><p>TRATAMENTO</p><p>DIURÉTICOS PARA CONTROLE DA CONGESTÃO</p><p>VASODILATADORES</p><p>INOTRÓPICOS</p><p>DESMAME DAS DROGAS IV</p><p>MANEJO DAS DROGAS ORAIS</p><p>SITUAÇÕES ESPECÍFICAS</p><p>CHOQUE CARDIOGÊNICO DISPOSITIVOS DE ASSISTÊNCIA CIRCULATÓRIA MECÂNICA</p><p>EDEMA AGUDO DE PULMÃO</p><p>ALTA HOSPITALAR</p><p>APÊNDICE 3: HIPERTENSÃO PULMONAR</p><p>HIPERTENSÃO ARTERIAL PULMONAR PRIMÁRIA</p><p>PATOGÊNESE</p><p>PATOLOGIA</p><p>MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS</p><p>EXAME FÍSICO</p><p>DIAGNÓSTICO: EXAMES COMPLEMENTARES</p><p>DIAGNÓSTICO: ALGORITMO</p><p>TRATAMENTO E PROGNÓSTICO</p><p>ADENDO: DOENÇA VENOCLUSIVA PULMONAR E HEMANGIOMATOSE CAPILAR PULMONAR</p><p>HIPERTENSÃO PULMONAR SECUNDÁRIA DEFINIÇÃO</p><p>APÊNDICE 4: AS CARDIOMIOPATIAS</p><p>CARDIOMIOPATIAS DILATADAS</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>FISIOPATOLOGIA</p><p>SINAIS E SINTOMAS</p><p>COMPLICAÇÕES</p><p>EXAMES COMPLEMENTARES E DIAGNÓSTICO</p><p>TRATAMENTO</p><p>ETIOLOGIAS ESPECÍFICAS</p><p>CARDIOMIOPATIA HIPERTRÓFICA</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>FISIOPATOLOGIA</p><p>SINAIS E SINTOMAS</p><p>DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL</p><p>EXAMES COMPLEMENTARES E DIAGNÓSTICO</p><p>PROGNÓSTICO</p><p>TRATAMENTO</p><p>CARDIOMIOPATIAS RESTRITIVAS</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>FISIOPATOLOGIA</p><p>SINAIS E SINTOMAS</p><p>EXAMES COMPLEMENTARES E DIAGNÓSTICO</p><p>TRATAMENTO</p><p>ETIOLOGIAS ESPECÍFICAS</p><p>APÊNDICE 5: AS PERICARDIOPATIAS</p><p>INTRODUÇÃO ANATOMIA E IMPORTÂNCIA DO PERICÁRDIO</p><p>SÍNDROMES PERICÁRDICAS</p><p>PERICARDITE AGUDA</p><p>MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E EXAME FÍSICO</p><p>EXAMES COMPLEMENTARES E DIAGNÓSTICO</p><p>ETIOLOGIA</p><p>TRATAMENTO DA PERICARDITE AGUDA</p><p>COMPLICAÇÕES DA PERICARDITE AGUDA</p><p>PERICARDITE SUBAGUDA/CRÔNICA QUADRO CLÍNICO</p><p>ETIOLOGIA</p><p>DERRAME PERICÁRDICO</p><p>QUADRO CLÍNICO E EXAMES INESPECÍFICOS</p><p>ELETROCARDIOGRAMA</p><p>RADIOGRAFIA DE TÓRAX</p><p>ECOCARDIOGRAMA</p><p>SIGNIFICADO DO DERRAME PERICÁRDICO</p><p>TAMPONAMENTO CARDÍACO</p><p>DEFINIÇÃO</p><p>FISIOPATOLOGIA</p><p>MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO</p><p>DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL</p><p>EXAMES COMPLEMENTARES</p><p>ABORDAGEM TERAPÊUTICA</p><p>PERICARDITE CONSTRITIVA</p><p>DEFINIÇÃO</p><p>FISIOPATOLOGIA</p><p>MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS</p><p>EXAMES COMPLEMENTARES E DIAGNÓSTICO</p><p>ETIOLOGIA</p><p>TRATAMENTO E PROGNÓSTICO</p><p>PERICARDITE EFUSIVO-CONSTRITIVA</p><p>Intro_22219</p><p>CAP. 1</p><p>INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CRÔNICA</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>CONCEITO</p><p>A insuficiência cardíaca já teve diversas definições conceituais diferentes – nenhuma, até hoje, conseguiu resistir ao teste do tempo... Cada vez mais se descobre novos</p><p>detalhes acerca de suas possíveis vias etiopatogênicas, demandando constantes atualizações em sua definição formal.</p><p>Não obstante, de maneira bem simples, podemos raciocinar assim: a principal função do coração é ejetar o sangue na quantidade necessária para suprir a demanda</p><p>metabólica do organismo. Antes, no entanto, o coração precisa se encher de sangue! Logo, a insuficiência cardíaca pode ser definida da seguinte forma:</p><p>Insuficiência Cardíaca (IC) é a síndrome clínica decorrente de alterações estruturais e/ou funcionais do coração que resultam em prejuízo ao seu enchimento e/ou</p><p>esvaziamento de sangue, gerando aumento nas pressões intracavitárias que culminam em congestão venocapilar pulmonar e/ou venosa sistêmica, além de poder cursar</p><p>com baixo débito cardíaco e má perfusão orgânica. Dizemos que ela é crônica quando sua evolução é gradual ao longo do tempo.</p><p>A IC crônica é subdividida em dois grupos: (1) IC com fração de ejeção normal do ventrículo esquerdo (FE ≥ 50%), a ICFEN; (2) IC com fração de ejeção reduzida do</p><p>ventrículo esquerdo (FE < 40%), a ICFER. Os termos ICFEN e ICFER substituíram os antigos termos insuficiência cardíaca "diastólica" e "sistólica", respectivamente.</p><p>Pacientes com fração de ejeção entre 40-49% possuem FE borderline ou limítrofe/intermediária, e muitos autores os enquadram no conceito de FE normal ou "preservada"</p><p>(ICFEN). O termo insuficiência cardíaca "congestiva" (ICC) também vem sendo abandonado, pois nem todo portador de IC apresenta franca congestão cardiocirculatória</p><p>(nas fases iniciais a doença é assintomática, mas já deve ser identificada e tratada, a fim de evitar sua progressão).</p><p>EPIDEMIOLOGIA</p><p>SAIBA MAIS...</p><p>De acordo com a American Society of Echocardiography, o valor normal da FE do VE vai de 52-72% no homem (média = 62%) e 54-74% na mulher (média = 64%). Logo,</p><p>uma FE = 50% não seria exatamente "normal", mas, mesmo assim, este valor coloca o paciente na categoria "FE preservada"... O motivo para esta aparente contradição</p><p>é o seguinte: as evidências científicas mostram que o tratamento da IC (conforme descrito adiante) é inquestionavelmente benéfico no sentido de reduzir</p><p>morbimortalidade somente para frações de ejeção < 40%. Para FE entre 40-49% há controvérsia, e para FE ≥ 50% o referido tratamento NÃO reduz morbimortalidade.</p><p>Assim, o ponto de corte citado (FE < 40%) foi estabelecido com uma finalidade meramente pragmática!</p><p>Estima-se que, em média, 1-2% da população apresente IC, notando-se um aumento exponencial na prevalência com o avançar da idade (até 10% em pessoas > 65 anos).</p><p>No Brasil, ela representa a principal causa de hospitalização por doença cardiovascular, e a terceira causa geral de internação em idosos. A mortalidade, num episódio de</p><p>IC descompensada, gira em torno de 5-15%.</p><p>A IC incide mais em homens, porém, a prevalência é igual entre os sexos, devido à maior expectativa de vida das mulheres!</p><p>sendo frequente a necessidade de reajustes ao longo do tempo... Na Tabela 8 você encontra as</p><p>faixas posológicas recomendadas pelos guidelines.</p><p>Tab. 8</p><p>Equivalência posológica com outros diuréticos de alça: 40 mg de furosemida = 1 mg de bumetanida = 50 mg de ácido etacrínico = 20 mg de torsemida.</p><p>Como preparar uma solução de furosemida para infusão intravenosa contínua? A fórmula mais empregada é: diluir 10 ampolas de furosemida (1 ampola = 2 ml a 10</p><p>mg/ml, ou seja, 1 ampola = 20 mg) em 80 ml de SF 0,9%, constituindo uma solução com 2 mg/ml. Caso o paciente necessite de doses muito altas as ampolas podem ser</p><p>misturadas sem diluição... Neste caso, cada ml terá 10 mg. Recomenda-se não infundir a uma taxa superior a 4 mg/min.</p><p>A refratariedade ao diurético de alça pode ser combatida com a estratégia chamada de bloqueio sequencial do néfron, isto é, acrescentando-se um diurético TIAZÍDICO</p><p>(ex.: hidroclorotiazida 25-50 mg/dia). Tal conduta “força” os rins a excretar ainda mais sódio e, consequentemente, acentua a contraposição à tendência de balanço</p><p>positivo de sal e água decorrente da hiperativação neuro-hormonal. Pacientes refratários ao bloqueio sequencial do néfron devem ser abordados com diálise +</p><p>ultrafiltração para a retirada de sal e água do organismo.</p><p>O único diurético de alça que não contém radicais de sulfa em sua molécula é o ácido etacrínico, logo, pacientes alérgicos à sulfa só podem fazer uso desta</p><p>medicação.</p><p>Outra classe farmacológica que não reduz mortalidade, mas pode melhorar a sintomatologia da ICFER, é a dos glicosídeos cardíacos, como a digoxina. Trata-se de um</p><p>agente inotrópico positivo “leve”, que também atua como "simpatolítico" (reduz o tônus adrenérgico ao atenuar a atividade dos barorreceptores carotídeos). O digital</p><p>diminui a taxa de hospitalizações. Seu índice terapêutico (diferença entre a dose tóxica e a dose terapêutica) é baixo, especialmente em MULHERES e IDOSOS. Assim,</p><p>sempre que possível, recomenda-se monitorar o nível sérico.</p><p>Na prática atual, o digital tem sido prescrito somente quando o paciente já está recebendo terapia plena com todas as drogas anteriormente citadas (incluindo diurético) e</p><p>mesmo assim permanece sintomático. Outra indicação é para o controle da frequência ventricular (associado aos BB) em pacientes que desenvolvem fibrilação atrial.</p><p>Observe a Tabela 9.</p><p>Posologia da Ivabradina</p><p>Dose inicial: 5 mg (2x/dia)</p><p>Dose máxima: 7,5 mg (2x/dia)</p><p>Posologia da Furosemida na ICFER</p><p>VIA ORAL</p><p>Dose inicial: 20-40 mg (1 ou 2x ao dia)</p><p>Dose máxima: 600 mg/dia (dividido em 4 tomadas)</p><p>VIA INTRAVENOSA OU INTRAMUSCULAR (BOLUS)</p><p>Dose inicial ("ataque"): 20-40 mg/dose (na ausência de resposta em 1-2h pode-se</p><p>repetir a dose com incremento de 20 mg, até um máximo de 200 mg/dose)</p><p>Manutenção: repetir a dose de "ataque" adequada até de 6/6h (em geral basta</p><p>fazer 1-2x/dia)</p><p>INFUSÃO INTRAVENOSA CONTÍNUA</p><p>Dose inicial ("ataque"): 40-100 mg/dose (infundir em 1-2 minutos)</p><p>Manutenção: 10-40 mg/h (antes de aumentar a taxa de infusão deve-se repetir a</p><p>dose de "ataque")</p><p>SAIBA MAIS...</p><p>O nome comercial original da furosemida, Lasix®, é um acrônimo de Last Six Hours, uma referência à duração da meia-vida do fármaco, que é de 6h.</p><p>Tab. 9</p><p>Obs.: (1) não é necessário dose de “ataque”; (2) idade > 70 anos, doença renal crônica e IMC baixo = iniciar com 0,125 mg 1x a cada dois dias e monitorar nível sérico; (3) o nível sérico</p><p>terapêutico varia entre 0,5 a 1 ng/dl; (4) no Brasil ainda se encontra uma formulação parenteral – o deslanosídeo (Cedilanide®, Deslanol®), cuja dose vai de 0,2-1,6 mg/dia.</p><p>Por fim, nos últimos anos surgiram evidências de que a FERROPENIA, mesmo na ausência de anemia, agrava os sintomas da ICFER, devendo, por conseguinte, ser corrigida</p><p>com o intuito de melhorar a qualidade de vida e a capacidade de exercício. Cerca de metade dos portadores de ICFER possui ferropenia... Logo, todo paciente com ICFER</p><p>deve dosar a cinética de ferro no sangue.</p><p>Considera-se como ferropenia no portador de ICFER a presença de: (1) ferritina sérica < 100 mg/L ou (2) ferritina sérica entre 100-299 mg/L com saturação de</p><p>transferrina < 20%.</p><p>A ferropenia TEM QUE ser tratada com ferro parenteral nestes doentes! O ferro oral não mostrou eficácia em ensaios clínicos. Vale lembrar que a causa da ferropenia deve</p><p>ser esclarecida. Em geral, pacientes com mais de 50 anos de idade e redução das reservas de ferro apresentam algum sangramento no tubo digestivo, sendo mandatório</p><p>afastar câncer colorretal (colonoscopia) e neoplasia/doença péptica gastroduodenal (EDA).</p><p>DROGAS QUE NÃO PROLONGAM A SOBREVIDA E NEM MELHORAM OS SINTOMAS</p><p>Antagonistas de canais de cálcio di-hidropiridínicos (vasosseletivos) de longa ação, como anlodipina, controlam de forma segura e eficaz a hipertensão arterial em</p><p>portadores de ICFER, podendo ser usados se necessário. No entanto, não há qualquer benefício direto sobre a morbimortalidade específica da ICFER... Por outro lado,</p><p>antagonistas de canais de cálcio não di-hidropiridínicos (cardiosseletivos), como verapamil e diltiazem, devem ser EVITADOS nesses doentes, pois sua poderosa ação</p><p>inotrópica negativa (maior com o verapamil) pode descompensar a função sistólica do ventrículo esquerdo em pacientes previamente estáveis.</p><p>Antagonistas alfa-1 adrenérgicos (ex.: prazosin, doxazosin) também devem ser evitados na ICFER. Tais drogas, ao promoverem vasodilatação periférica significativa,</p><p>hiperestimulam a retenção renal de sódio e água, aumentando a volemia, o que pode levar à descompensação da ICFER.</p><p>Drogas que bloqueiam citocinas pró-inflamatórias, como os inibidores de TNF-alfa (infliximabe, etanercept) demonstraram PIORAR a função cardíaca em portadores</p><p>de ICFER. Outras estratégias de “imunomodulação” também foram testadas (ex.: imunoglobulina humana intravenosa), mas até hoje nenhuma teve comprovação</p><p>definitiva de benefício.</p><p>As estatinas não exercem qualquer benefício sobre a morbimortalidade da ICFER. Logo, só devem ser prescritas se houver indicação específica, como por exemplo,</p><p>doença coronariana. O mesmo é válido para o AAS e os anticoagulantes (ex.: AAS se houver doença coronariana; warfarin no paciente com FA, evento tromboembólico</p><p>prévio e/ou trombo intracavitário documentado pelo ecocardiograma). Logo, na ICFER não isquêmica com o paciente em ritmo sinusal, de um modo geral NENHUMA dessas</p><p>drogas estará indicada!!!</p><p>Alguns estudos sugeriram um discreto benefício com a suplementação de ácidos graxos poli-insaturados ômega-3 (óleo de peixe) no tratamento da ICFER. Muitos</p><p>autores recomendam seu uso, mas esta não é considerada uma medida imprescindível...</p><p>Cap_01_Video_11_Car2</p><p>EXERCÍCIOS FÍSICOS</p><p>O portador de ICFER controlada com o tratamento pode e deve realizar um programa gradual de exercícios físicos supervisionados, de preferência numa clínica</p><p>especializada de reabilitação cardíaca. Tal conduta é segura e comprovadamente melhora a sensação de bem-estar e a capacidade física. Contudo, não há benefício</p><p>documentado sobre a mortalidade.</p><p>Na ICFER não controlada ou refratária ao tratamento recomenda-se o repouso com forma de preservar o débito cardíaco para a perfusão de órgãos nobres (coração,</p><p>cérebro e rins). A melhora na perfusão renal eventualmente pode melhorar a resposta à diureticoterapia...</p><p>OUTRAS MEDIDAS NÃO FARMACOLÓGICAS</p><p>O portador de ICFER deve ter uma dieta com limitação na ingesta de sódio (2-3g de sódio/dia ou NÃO MAIS DO QUE 7 g de NaCl/dia). Restrição de líquidos (1,5-2</p><p>litros de água/dia) é indicada somente na presença de hiponatremia e/ou ICFER avançada refratária ao tratamento farmacológico (estágio D). Recomenda-se abstenção do</p><p>tabagismo/etilismo/drogas ilícitas, bem como a aplicação de todas as imunizações preconizadas, incluindo a vacinação anual contra influenza e o uso da vacina anti-</p><p>pneumocócica conforme seu esquema específico.</p><p>TRATAMENTO DAS ARRITMIAS</p><p>A fibrilação atrial é a arritmia mais comum na ICFER, e de um modo geral aparece na doença mais avançada, servindo como marcador de pior prognóstico.</p><p>A contração atrial contribui para a pré-carga do ventrículo esquerdo, e sua perda na FA pode reduzir o débito cardíaco em 20-30%, o que pode levar à descompensação</p><p>aguda da ICFER. Ademais, o aumento da FC aumenta o consumo miocárdico de oxigênio, além de encurtar o tempo diastólico (reduzindo a perfusão no leito coronário), o</p><p>que pode deprimir ainda mais a função contrátil ventricular. Como consequência da piora da ICFER, ocorre um aumento da ativação neuro-hormonal que, se persistente,</p><p>acaba sendo deletéria...</p><p>Assim, na ICFER, o ideal é seguir a estratégia de controle de ritmo, isto é, sempre que possível deve-se tentar restaurar e manter o ritmo sinusal (cardioversão elétrica e/ou</p><p>química + antiarrítmico profilático)! Isso é particularmente verdadeiro quando a FA é desencadeada por fatores reversíveis, como tireotoxicose, infecções, intoxicações,</p><p>etc.</p><p>Posologia da digoxina na ICFER</p><p>0,125 a 0,25 mg (via oral) 1x/dia</p><p>Seja como for, a primeira medida terapêutica é sempre o controle da FC (alvo < 100-110 bpm). Pacientes muito sintomáticos (com critérios de “instabilidade”) devem ser</p><p>submetidos à cardioversão elétrica imediata. No paciente NYHA I-II a escolha recai sobre os betabloqueadores. A associação de digoxina é aceitável quando a meta de FC</p><p>não for atingida com BB em monoterapia (ou quando estes forem contraindicados), devendo-se monitorar o nível sérico do digital, pois valores > 1,2 ng/ml se associam a</p><p>aumento de mortalidade na ICFER. Pacientes refratários ao controle de ritmo e de FC podem ser submetidos à ablação do nódulo AV, com implante de marca-passo</p><p>definitivo associado ao dispositivo de ressincronização cardíaca.</p><p>Outro ponto importante: mesmo que a FA seja paroxística é preciso avaliar a necessidade de anticoagulação ad aeternum. Recomenda-se, com este intuito, o uso dos</p><p>escores CHADS-VASC (risco tromboembólico) e HAS-BLED (risco hemorrágico). A presença de IC já confere 1 ponto no CHADS-VASC, logo, a maioria dos portadores de</p><p>ICFER e FA terá indicação de anticoagulação... As drogas de escolha são os novos anticoagulantes orais de ação direta, exceto no portador de prótese valvar mecânica ou</p><p>doença mitral reumática (nestes deve-se utilizar warfarin, pois os novos anticoagulantes são contraindicados).</p><p>O único antiarrítmico que pode ser utilizado na presença de cardiopatia estrutural é a amiodarona (todos os demais devem ser evitados, pois deprimem a função</p><p>ventricular esquerda). Seu uso, porém, não reduz mortalidade em portadores de ICFER (apenas diminui sintomas arrítmicos e o número de disparos nos portadores de CDI).</p><p>TERAPIA DE RESSINCRONIZAÇÃO CARDÍACA (TRC)</p><p>O assincronismo na contração das paredes do ventrículo esquerdo (intraventricular) ou entre os ventrículos esquerdo e direito (interventricular) é prejudicial para a</p><p>eficiência mecânica do coração, reduzindo o débito sistólico. O enchimento diastólico também piora, assim como a insuficiência mitral funcional.</p><p>O implante de um cabo de marca-passo na parede lateral do ventrículo esquerdo (através do seio coronário) e outro no interior do ventrículo direito permite</p><p>“ressincronizar” a contração de paredes opostas, o que melhora o desempenho da bomba cardíaca e comprovadamente reduz não apenas os sintomas, mas também a</p><p>própria mortalidade da ICFER, revertendo o remodelamento cardíaco!Os modernos dispositivos de ressincronização também funcionam como marca-passo e/ou</p><p>cardiodesfibrilador implantável, o que ajuda a prevenir a morte súbita cardíaca (ver adiante).</p><p>A principal indicação da TRC é:</p><p>ICFER sintomática (NYHA ≥ II) refratária aotratamento farmacológico otimizado, em ritmo sinusal, com FE ≤ 35%, complexo QRS ≥ 150 ms e</p><p>morfologia de bloqueio completo de ramo esquerdo.</p><p>Indica-se também a TRC quando o paciente tem ICFER sintomática refratária, em ritmo sinusal, com FE ≤ 35%, morfologia de bloqueio completo de ramo esquerdo e QRS</p><p>entre 130-150 ms.</p><p>Pacientes que apresentem todos os critérios acima, exceto um QRS com morfologia de bloqueio completo de ramo esquerdo, também podem se beneficiar da TRC se</p><p>possuírem um QRS > 160 ms. Se QRS ≤ 160 ms, a TRC é contraindicada nestes casos!</p><p>Outra indicação de TRC é quando o portador de ICFER grave e refratária apresenta bloqueio atrioventricular total (BAV de 3º grau)... O benefício, neste caso, é uma</p><p>diminuição do número de descompensações, sem efeito sobre a mortalidade.</p><p>Alguns estudos sugerem que os benefícios da TRC são anulados pela presença de fibrilação atrial permanente, devido à dificuldade em se produzir uma estimulação</p><p>biventricular sincronizada nestes pacientes. A indicação de TRC na ICFER grave e sintomática e presença de FA deve ser individualizada (se for possível garantir uma</p><p>estimulação biventricular adequada, pode-se implantar o dispositivo)! A TRC está contraindicada na vigência de infecção da corrente sanguínea, bem como no paciente</p><p>cuja expectativa de sobrevida seja < 1 ano.</p><p>PREVENÇÃO DA MORTE SÚBITA CARDÍACA</p><p>A Morte Súbita Cardíaca (MSC), geralmente por taquiarritmias ventriculares malignas como a fibrilação ventricular, representa o mecanismo de óbito em cerca de metade</p><p>dos portadores de ICFER. Um dispositivo chamado Cardiodesfibrilador Implantável (CDI) – que como vimos pode estar incorporado no dispositivo de ressincronização</p><p>cardíaca ou num marca-passo convencional – permite realizar a prevenção primária ou secundária deste evento.</p><p>Portadores de ICFER que sobreviveram a um episódio de MSC encontram-se sob risco extremamente alto de novos episódios. A não ser que o episódio tenha sido</p><p>desencadeado por um fator agudo reversível (ex.: intoxicação; isquemia com indicação de revascularização), indica-se o implante de um CDI para estes indivíduos</p><p>(prevenção secundária = ICFER + episódio prévio de MSC espontânea abortada).</p><p>Portadores de ICFER que apresentam documentação de taquicardia ventricular espontânea (instável ou estável) também se beneficiam do implante de um CDI. O mesmo é</p><p>válido para a TV induzida, por exemplo: ICFER com palpitações/síncopes recorrentes + TV ou FV induzida no estudo eletrofisiológico.</p><p>As principais indicações de CDI para a prevenção primária da MSC (isto é, antes que um episódio aconteça) são as seguintes (Tabela 10):</p><p>Tab. 10</p><p>Obs.: (1) nos pacientes com classe funcional NYHA IV refratária ao tratamento farmacológico deve-se pesar o risco-benefício do implante de um CDI, pois provavelmente esses indivíduos</p><p>receberão choques com muita frequência... Sempre que possível deve-se preferir o transplante cardíaco nestes casos; (2) não há benefício com o CDI dentro dos primeiros 40 dias após um IAM</p><p>ou primeiros 90 dias após uma cirurgia de revascularização miocárdica. Estes são períodos de risco transitório. Passada esta fase o risco de MSC diminui, EXCETO se o paciente persistir com FE</p><p>≤ 35% e sintomas refratários ao tratamento clínico otimizado.</p><p>TRATAMENTO CIRÚRGICO</p><p>Principais indicações de CDI para prevenção primária da morte súbita cardíaca</p><p>ICFER não isquêmica FE ≤ 35% + classe funcional NYHA II ou III a despeito de tratamento farmacológico</p><p>otimizado por pelo menos 6 meses.</p><p>ICFER isquêmica</p><p>FE ≤ 35% + classe funcional NYHA II ou III a despeito de tratamento farmacológico</p><p>otimizado, pelo menos 40 dias após IAM ou 90 dias após cirurgia de revascu‐</p><p>larização miocárdica.</p><p>A cirurgia de restauração ventricular, um procedimento onde se resseca uma grande cicatriz de infarto anterior no VE, remodelando artificialmente o coração (de</p><p>modo a reduzir a dilatação e a esfericidade do ventrículo) NÃO mostrou benefício em ensaios clínicos randomizados e controlados. Outros procedimentos</p><p>destinados à</p><p>preservação da geometria ventricular (como o envelopamento do coração com uma rede externa) também não mostraram benefício sobre a mortalidade, apesar de</p><p>efetivamente impedirem a dilatação cardíaca...</p><p>A aneurismectomia (ressecção de uma grande área discinética da parede ventricular), apesar de não ter mostrado reduzir mortalidade, é indicada para os portadores de</p><p>aneurismas do VE que apresentam refratariedade ao tratamento clínico, taquiarritmias ventriculares e/ou episódios cardioembólicos (a estase sanguínea no interior de um</p><p>aneurisma ventricular é fator de risco para a formação de trombos).</p><p>DISPOSITIVOS DE ASSISTÊNCIA CIRCULATÓRIA MECÂNICA (DACM) E TRANSPLANTE CARDÍACO</p><p>Portadores de ICFER no estágio D geralmente não toleram o bloqueio neuro-hormonal farmacológico, apresentando sintomas incapacitantes e hospitalizações recorrentes,</p><p>associado a grande morbimortalidade. Esta é a chamada insuficiência cardíaca avançada, uma síndrome clínica diferenciada... Nestes casos, deve-se considerar</p><p>medidas como o uso de DACM e o transplante cardíaco!</p><p>Os DACM são subdivididos em dispositivos de curta permanência (< 30 dias) e longa permanência (> 30 dias). Como os DACM de curta permanência geralmente são</p><p>empregados no tratamento da IC aguda (tema não estudado neste capítulo), abordaremos aqui somente os dispositivos de longa permanência.</p><p>Os DACM de longa permanência com fluxo contínuo (preferíveis aos de fluxo pulsátil) são implantados cirurgicamente para auxiliar o coração a bombear o sangue.</p><p>Podem servir de “ponte” até a realização de um transplante cardíaco, ou podem ser a proposta terapêutica final (“terapia de destino”) em pacientes não candidatos ao</p><p>transplante. Estudos recentes têm mostrado sobrevida > 70% em 2 anos com os novos aparelhos. A sobrevida em longo prazo, no entanto, ainda não é conhecida.</p><p>As principais complicações dos DACM são: (1) disfunção de VD; (2) hemorragias; (3) AVE (isquêmico ou hemorrágico, por insuficiência ou excesso de anticoagulação,</p><p>respectivamente); (4) infecções; (5) mau funcionamento do dispositivo (falha mecânica, elétrica, manutenção inadequada); (6) hemólise intravascular (pela fragmentação</p><p>mecânica de hemácias, gerando hemoglobinemia e hemoglobinúria, principalmente nos DACM mais antigos, que possuem sistemas de rolamento); (7) arritmias; e (8)</p><p>doença de von Willebrand adquirida (depleção dos multímeros de alto peso molecular do fvW). Esta última pode causar sangramento, especialmente digestivo (na</p><p>presença de malformações arteriovenosas na mucosa intestinal).</p><p>A chance de sangramento é potencializada pelo fato de o usuário de DACM precisar ser antiagregado e anticoagulado (AAS + warfarin, mantendo o INR entre 2-3). Isto é</p><p>necessário a fim de evitar a trombose no interior do dispositivo... Os primeiros indícios de trombose são o aumento dos níveis sanguíneos de LDH (hemólise) e o maior</p><p>consumo da bateria do aparelho. Se não reconhecida e tratada logo (intensificação da anticoagulação ou trombólise química), a trombose pode levar ao colapso</p><p>hemodinâmico (baixo débito cardíaco e congestão pulmonar), além de poder causar acidentes tromboembólicos (ex.: AVEi). A melhor opção terapêutica diante de colapso</p><p>hemodinâmico é a troca do dispositivo, o que é feito com mortalidade perioperatória relativamente baixa (~ 6,5%) e boa sobrevida (65% em dois anos).</p><p>As principais CONTRAINDICAÇÕES aos DACM estão elencadas na Tabela 11.</p><p>Tab. 11</p><p>CUIDADOS PALIATIVOS</p><p>O prognóstico da ICFER sempre deve ser discutido com o paciente e familiares de forma clara e objetiva. A ICFER “avançada” possui prognóstico adverso, mesmo com o</p><p>uso dos DACM e do transplante cardíaco.</p><p>É no usuário de DACM como terapia de destino que este tópico adquire maior relevância, já que invariavelmente chega um momento em que o surgimento de</p><p>complicações associadas ao dispositivo esgota o rol de possibilidades terapêuticas.</p><p>O planejamento e o preparo para este momento devem ser antecipados. O principal objetivo passa a ser amenizar a dispneia, a dor e o delirium. Estando a paliação</p><p>instituída, pode-se optar pelo desligamento do DACM, permitindo ao paciente uma morte digna, sem prolongar futilmente seu sofrimento.</p><p>SAIBA MAIS...</p><p>A disfunção de VD pós-implante acomete até 30% dos pacientes. Os DACM aumentam o débito cardíaco, o que aumenta o retorno venoso e a pré-carga do VD,</p><p>podendo sobrecarregá-lo... A diminuição das pressões de enchimento no lado esquerdo do coração facilita o esvaziamento do VD (reduzindo a pressão arterial pulmonar</p><p>e, consequentemente, a pós-carga do VD), contudo, uma descompressão excessiva das câmaras esquerdas pode causar movimento paradoxal do septo interventricular</p><p>(para a esquerda), diminuindo o desempenho sistólico do VD. Tal fenômeno também resulta em alargamento do anel tricúspide, com regurgitação tricúspide e piora da</p><p>sobrecarga volumétrica do VD.</p><p>Contraindicações aos DACM</p><p>ABSOLUTAS RELATIVAS</p><p>● Intolerância aos cumarínicos.</p><p>● Distúrbio psiquiátrico grave.</p><p>● Ausência de cuidador treinado ou incapacidade de seguir as orientações da</p><p>equipe.</p><p>● AVE prévio com deficit motor importante.</p><p>● Neoplasia avançada.</p><p>● Malformação vascular intestinal.</p><p>● DPOC avançada, cirrose e/ou DRC dependente de diálise.</p><p>● Infecção ativa.</p><p>● Alterações hematológicas (ex.: plaquetas < 50 mil, trombofilia).</p><p>● Disfunção de VD moderada a grave.</p><p>● Diabetes mellitus de difícil controle.</p><p>● AVE prévio com deficit motor parcial.</p><p>● Desnutrição.</p><p>● Doença vascular periférica.</p><p>TRATAMENTO DA ICFEN</p><p>O tratamento da ICFEN se fundamenta em quatro pilares: (1) controle da congestão pulmonar; (2) controle da pressão arterial; (3) prevenção/tratamento da taquicardia e</p><p>manutenção do ritmo sinusal; e (4) tratamento das comorbidades associadas.</p><p>Como a ICFEN está fortemente vinculada à disfunção diastólica (em geral por deficit de relaxamento miocárdico), postulou-se que haveria benefício com o uso de agentes</p><p>lusitrópicos (indutores de relaxamento cardíaco, como os antagonistas de canais de cálcio e os betabloqueadores). No entanto, os estudos em que tais drogas foram</p><p>ministradas visando este objetivo específico tiveram resultados desapontadores...</p><p>Um ponto importantíssimo é que os DIGITÁLICOS não são benéficos no tratamento da ICFEN, uma vez que não existe problema com a contratilidade, e sim com o</p><p>relaxamento miocárdico... Logo, não há indicação de digitálicos na ICFEN!!!</p><p>Os bloqueadores de aldosterona (ex.: espironolactona) diminuem a fibrose miocárdica e supostamente melhorariam o componente de rigidez tecidual associado à</p><p>disfunção diastólica. Contudo, diversos ensaios clínicos randomizados não mostraram redução da mortalidade nem melhora na qualidade de vida dos portadores de ICFEN.</p><p>Um estudo chegou a mostrar redução do número de internações, porém, houve aumento na incidência de hipercalemia, o que contrabalançou qualquer benefício prático</p><p>que justificasse o uso rotineiro desta classe de medicamentos na ICFEN.</p><p>A combinação valsartan/sacubitril (aprovada para tratamento da ICFER) está sendo investigada no tratamento da ICFEN como possível estratégia modificadora de doença.</p><p>O valsartan é um bloqueador do receptor de angiotensina II, e o sacubitril é um inibidor da neprilisina, enzima que degrada peptídeos vasodilatadores e natriuréticos (ex.:</p><p>bradicinina e BNP). Até o momento não se sabe se este tratamento realmente será benéfico.</p><p>Os sintomas de congestão pulmonar são abordados com diureticoterapia (ex.: furosemida) conforme a necessidade, devendo-se, no entanto, ter muito cuidado para não</p><p>espoliar o doente de volume e reduzir a pré-carga ventricular em demasia... O ventrículo “endurecido” depende criticamente da pré-carga para produzir um débito</p><p>cardíaco satisfatório! O portador de ICFER, por conseguinte, é particularmente mais sensível à hipovolemia, e mesmo uma pequena diminuição</p><p>nas pressões de</p><p>enchimento ventricular pode fazer o débito cardíaco “despencar” (causando hipotensão e síncope)... Os nitratos também devem ser feitos com muito cuidado, já que seu</p><p>efeito venodilatador tem grande potencial de reduzir o retorno venoso e a pré-carga (nitratos resultam em menor tolerância ao exercício nos portadores de ICFEN).</p><p>O controle da hipertensão arterial facilita a ejeção de sangue do ventrículo esquerdo e diminui as pressões intracavitárias desta câmara, o que melhora a congestão</p><p>venocapilar pulmonar e sintomas correlatos. Qualquer droga anti-hipertensiva, desde que reduza eficazmente a pressão, é benéfica. Não há preferência por uma classe</p><p>específica, ainda que se preconize a utilização dos anti-hipertensivos de “primeira linha” (recomendação genérica para todo portador de HAS).</p><p>Fig. 8: DACM moderno de longa permanência (HeartMate 3® — o número três indica se tratar da 3ª geração). O sistema interno é conectado à bateria externa por meio de um cabo percutâneo</p><p>(driveline). A pequena bomba mecânica está canulada no ápice do VE, captando o sangue que será impulsionado através de um tubo de grosso calibre até a raiz aórtica. Os componentes da bomba</p><p>interagem por flutuação magnética para gerar um fluxo centrífugo contínuo, com mínima fricção e, por isso, não causam hemólise, além de acarretar baixo risco de trombose e DvW adquirida.</p><p>O controle da frequência cardíaca, evitando-se a taquicardia, também ajuda no controle das pressões intracavitárias, já que frequências elevadas diminuem o tempo de</p><p>enchimento diastólico do ventrículo esquerdo, aumentando a pressão do átrio esquerdo (pois “sobra” mais sangue dentro desta câmara) e, consequentemente, a pressão</p><p>venocapilar pulmonar. Outro objetivo terapêutico é a manutenção do ritmo sinusal (ex.: idealmente deve-se almejar o controle de ritmo em portadores de ICFEN que</p><p>desenvolvem fibrilação atrial). A preservação de uma contração atrial efetiva ajuda a “esvaziar” o átrio esquerdo, reduzindo suas pressões de enchimento e,</p><p>consequentemente, a pressão venocapilar pulmonar.</p><p>Por fim, o tratamento específico das comorbidades identificadas é essencial, especialmente a doença coronariana e a apneia obstrutiva do sono. A isquemia</p><p>miocárdica, por si só, pode induzir deficit de relaxamento miocárdico, causando ou agravando a disfunção diastólica. A revascularização miocárdica pode reverter este</p><p>processo... A apneia obstrutiva do sono é uma causa de HAS secundária, devendo ser diagnosticada e especificamente tratada (ex.: CPAP noturno) para que se obtenha um</p><p>melhor controle da pressão arterial.</p><p>Cap_01_Video_12_Car2</p><p>RESUMO Transplante cardíaco (TxC).</p><p>As três principais etiologias que motivam o TxC no Brasil são: (1) cardiopatia dilatada idiopática; (2) cardiopatia isquêmica; e (3) doença de Chagas. A sobrevida média é</p><p>de 11 anos, sendo > 80% em 1 ano. O principal critério para ser listado é possuir ICFER avançada, refratária ao tratamento e VO2 máx. < 14 ml/kg/min (< 12 se</p><p>usuário de BB). Idade NÃO é contraindicação absoluta, assim como doença cerebrovascular ou vascular periférica, obesidade (IMC > 35 kg/m²) e diabetes mellitus mal</p><p>controlado (contraindicações relativas). Câncer no receptor pode ou não ser contraindicação, devendo a conduta ser individualizada (ex.: Ca de próstata de baixo grau</p><p>não contraindica). Infecções sistêmicas no receptor, mas com boa resposta ao tratamento antimicrobiano, também não necessariamente contraindicam o TxC.</p><p>Demência, retardo mental e incapacidade de realizar seguimento médico são contraindicações absolutas. A presença, no receptor, de insuficiência hepática, pulmonar</p><p>(incluindo hipertensão pulmonar fixa, “não vasorreativa”) ou renal costuma contraindicar o TxC. No entanto, em centros com experiência pode-se realizar o transplante</p><p>de múltiplos órgãos (ex.: coração-pulmão; coração-fígado; coração-rim).</p><p>O receptor precisa estar abstêmio do tabagismo há pelo menos seis meses (caso contrário os desfechos do transplante serão muito ruins)... Usuários de drogas ilícitas e</p><p>álcool também precisam estar abstêmios...</p><p>O tempo de "isquemia fria" (viabilidade do órgão após remoção do doador) deve ser menor ou igual a 4h para o coração. Em circunstâncias especiais (ex.: doador</p><p>jovem e estável do ponto de vista cardiovascular e receptor “com urgência”) este tempo pode ser estendido até 6h... No Brasil e na maioria dos países só se capta o</p><p>coração de doadores em morte encefálica (morte cardíaca no doador invalida o coração para transplante).</p><p>O doador NÃO pode ter mais do que 50-55 anos, bem como não deve ter história de ICFER, cardiopatias estruturais graves ou doenças virais crônicas (ex.: HBV, HIV). Os</p><p>principais critérios de pareamento doador-receptor são a compatibilidade de grupo sanguíneo ABO e tamanho corpóreo equivalente. A compatibilidade HLA idealmente</p><p>deve ser buscada, porém, não é imprescindível (dá pra transplantar o coração entre pessoas com perfil de HLA diferente: a consequência é a necessidade de um manejo</p><p>diferenciado da imunossupressão pré e pós-transplante)...</p><p>A cirurgia de escolha consiste de um transplante ortotópico bicaval, isto é, o coração doado substitui anatomicamente o coração do receptor, fazendo-se anastomose</p><p>com as veias cava superior e inferior, aorta e artéria pulmonar do receptor. Na realidade, mantém-se o "teto" do átrio esquerdo do receptor, que contém a inserção das</p><p>veias pulmonares (o novo coração é “destelhado” e anastomosado a este patch tecidual). O enxerto fica denervado, logo, o receptor é incapaz de sentir "dor cardíaca"</p><p>(ex.: angina). A despeito disso, com o tempo, após adaptação ao sistema circulatório do receptor, o débito cardíaco consegue variar no repouso e no esforço.</p><p>O esquema preferencial de imunossupressão para evitar a rejeição consiste inicialmente de três drogas: tacrolimus, micofenolato e prednisona. Em nosso meio faz-</p><p>se profilaxia antiparasitária de rotina (ex.: ivermectina 200 mcg/kg/dia por dois dias), a fim de evitar a estrongiloidíase disseminada... A prednisona é desmamada</p><p>gradualmente a partir do 6º mês, monitorando-se a ocorrência de rejeição por meio de biópsias endomiocárdicas seriadas e exames como a cintilografia miocárdica com</p><p>Ga67 (que detecta e quantifica o grau de inflamação no tecido cardíaco). Quimioprofilaxia contra CMV, Herpes e Pneumocystis são recomendadas.</p><p>Existem três formas de rejeição: (1) rejeição hiperaguda – decorrente de incompatibilidade ABO e caracterizada por necrose miocárdica maciça já nas primeiras horas</p><p>pós-implante (rara e geralmente letal); (2) rejeição celular aguda (forma mais comum) – caracterizada por infiltração tecidual linfocítica (miocardite); e (3) rejeição</p><p>mediada por anticorpos (humoral) – caracterizada por deposição de imunocomplexos e ativação do complemento na parede vascular (arteriolite). Em todas o diagnóstico</p><p>deve ser confirmado por critérios histopatológicos.</p><p>Dependendo da gravidade do episódio de rejeição (e consequente disfunção ventricular) pode ser necessário instituir medidas de suporte hemodinâmico, como o uso de</p><p>inotrópicos e/ou DACM, incluindo dispositivos de curta permanência como o balão de contrapulsação aórtica e a ECMO (oxigenação com membrana extracorpórea). A</p><p>rejeição celular aguda é combatida com glicocorticoide em pulsoterapia ± globulina antitimócito (“timoglobulina” ou ATS, que depleta linfócitos T). As demais formas de</p><p>rejeição também são combatidas com glicocorticoide em pulsoterapia além de plasmaférese seguida pela infusão de imunoglobulina humana intravenosa + rituximabe</p><p>(anticorpo monoclonal anti-CD20, que depleta linfócitos B). Rejeição celular e humoral podem coexistir.</p><p>As principais complicações no pós-transplante são as infecções (ex.: CMV, toxoplasmose, reativação da doença de Chagas) e neoplasias (ex.: Ca de pele,</p><p>linfoproliferativas) oportunistas, bem como a "Doença Vascular do Enxerto", ou DVE (hiperproliferação miointimal na parede dos vasos),</p><p>entidade que leva à obstrução</p><p>difusa (proximal e distal) tanto de artérias quanto de veias cardíacas, decorrente, entre outros fatores, dos efeitos metabólicos adversos dos imunossupressores (HAS,</p><p>DM, DLP, nefropatia) e do fenômeno de rejeição humoral crônica. A prevenção da DVE é feita por meio do controle dos fatores de risco, sendo mandatório o uso de</p><p>estatinas. No entanto, uma vez estabelecida, em geral esta entidade só pode ser tratada com um novo transplante (como a doença é difusa, a revascularização costuma</p><p>ser tecnicamente inviável)...</p><p>Uma nota sobre TxC na Doença de Chagas: o resultado do TxC costuma ser bom nesses doentes (em geral mais jovens e com menos comorbidades). Como o VD está</p><p>gravemente comprometido, a prevalência de hipertensão pulmonar grave é baixa, diminuindo a chance de disfunção de VD no enxerto. Megaesôfago ou megacólon</p><p>graves podem contraindicar o TxC. A imunossupressão deve ser a menos intensa possível. Recomenda-se utilizar azatioprina em vez de micofenolato (com isso consegue-</p><p>se diminuir a taxa de reativação da infecção). Mesmo assim, a reativação afeta 21-45% dos pacientes... Clinicamente, a reativação é caracterizada por miocardite,</p><p>nódulos cutâneos, febre, pancitopenia e meningoencefalite. É essencial distinguir entre rejeição e reativação, pois os tratamentos serão diferentes (intensificar</p><p>imunossupressão versus reduzir imunossupressão + antiparasitário). O diagnóstico requer biópsia endomiocárdica mostrando ninhos teciduais de amastigotos e PCR</p><p>positivo para T. cruzi (no miocárdio e no sangue). A PCR para T. cruzi no sangue é utilizada de forma periódica para monitoramento e detecção precoce (sorologia não</p><p>tem valor no imunossuprimido). O antiparasitário de escolha é o benzonidazol (5 mg/kg/dia, dividido em 2-3 tomadas, por 60 dias).</p><p>RESUMO SOBRE TRATAMENTO DA ICFEN</p><p>Ao contrário do que acontece na ICFER, nenhuma droga reduz de forma específica a mortalidade da ICFEN. A principal meta terapêutica é o controle da pressão arterial,</p><p>o que por si só já costuma resolver a congestão pulmonar (se necessário pode-se associar diuréticos de alça). O ritmo cardíaco deve ser controlado, evitando-se</p><p>qualquer forma de taquicardia, especialmente a fibrilação atrial (onde sempre que possível deve-se tentar restaurar o ritmo sinusal). Doença coronariana e apneia</p><p>obstrutiva do sono são comorbidades frequentes, e precisam ser pesquisadas e tratadas. Não há indicação de digitálicos na ICFEN.</p><p>CAP. 2</p><p>HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA</p><p>DIAGNÓSTICO, PATOGÊNESE, COMPLICAÇÕES</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>UM BREVE HISTÓRICO</p><p>Pouco tempo após o desenvolvimento da técnica de esfigmomanometria por Riva-Rocca, em 1896, e da descrição dos sons de Korotkoff, em 1913, observou-se que níveis</p><p>muito elevados de pressão arterial sistêmica estavam associados a um alto risco de eventos cardiovasculares, como insuficiência cardíaca congestiva, encefalopatia,</p><p>insuficiência renal progressiva, acidente vascular encefálico e morte precoce. Volhard e Fahr, em 1914, classificaram a hipertensão arterial em “maligna”, com níveis muito</p><p>altos de Pressão Arterial (PA), e “benigna”, com níveis pouco elevados de PA, descrevendo a primeira como uma doença de curso rapidamente progressivo, levando à</p><p>morte em meses ou poucos anos, e a segunda como uma entidade de curso mais indolente. Todavia, a forma dita “benigna” desde cedo foi reconhecida como uma doença</p><p>causadora de morbimortalidade cardiovascular, após um período de 10-20 anos de evolução. Algum tipo de terapêutica era preciso...</p><p>As primeiras tentativas terapêuticas anti-hipertensivas, na década de 40, foram direcionadas à hipertensão “maligna”, logo comprovando que a redução da pressão arterial</p><p>nesses pacientes aumentava significativamente sua sobrevida. Inicialmente, utilizou-se apenas a restrição de sal na dieta (“dieta de arroz”); posteriormente, obtiveram-se</p><p>bons resultados com a cirurgia de simpatectomia e, finalmente, com as primeiras drogas anti-hipertensivas. Os tiocianatos, o antimalárico pentaquina, o veratrum e os</p><p>pirogênios foram utilizados com eficácia, porém com importantes inconvenientes. O tratamento em longo prazo dos hipertensos “benignos” passou a ser realizado com</p><p>drogas, tais como reserpina, hidralazina e clorotiazida, mostrando benefícios consistentes. Estava claro que a redução da pressão arterial, mesmo nos hipertensos ditos</p><p>“benignos”, tinha um importante efeito na redução da morbimortalidade cardiovascular, contudo foi necessária uma série de trials controlados, prospectivos e</p><p>randomizados, para que o fato fosse confirmado.</p><p>O primeiro grande Trial que provou o benefício da terapia anti-hipertensiva foi o Veterans Administration Cooperative Study, iniciado em 1963 e publicado em 1967, em</p><p>que 523 pacientes foram randomizados para que um grupo tomasse placebo e outro um anti-hipertensivo (hidroclorotiazida, reserpina ou hidralazina). Muitos outros trials</p><p>com grande número de pacientes se sucederam, os primeiros utilizando diuréticos tiazídicos e betabloqueadores, e os últimos realizados com antagonistas do cálcio,</p><p>inibidores da ECA e antagonistas da angiotensina II, tendo mostrado significativa prevenção de eventos cardiovasculares e redução da mortalidade. Hoje em dia a</p><p>Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é considerada uma doença cardiovascular crônica – a mais comum – responsável, direta ou indiretamente, pela maior parte dos</p><p>eventos cerebrovasculares, cardíacos e renais da população mundial, muitos deles preveníveis pelo precoce e adequado tratamento desta doença.</p><p>EPIDEMIOLOGIA</p><p>A prevalência estimada de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) no Brasil é, na população adulta, de 32,5%. Essa proporção aumenta com a idade, chegando a mais de</p><p>60% na população idosa. Antes da menopausa, as mulheres apresentam uma prevalência menor de HAS do que os homens, relação que pode se inverter na pós-</p><p>menopausa, sugerindo um efeito protetor do estrogênio. Atualmente, existe um aumento importante da prevalência da HAS nas crianças e adolescentes, impulsionada</p><p>pela obesidade e alterações de hábitos de vida (sedentarismo, tipo de alimentação). A raça também parece ser fator determinante: a HAS é mais comum e mais grave em</p><p>negros.</p><p>Pela natureza assintomática desta doença, grande parte da população hipertensa não é diagnosticada até apresentar o seu primeiro evento cardiovascular – geralmente</p><p>um AVE isquêmico. Isso nos mostra a natureza traiçoeira da doença e a transforma em um grande problema de saúde pública – talvez o maior na atualidade!</p><p>DEFINIÇÃO</p><p>A HAS é definida como uma entidade clínica na qual o indivíduo apresenta níveis médios de pressão arterial que conferem um significativo aumento do risco de eventos</p><p>cardiovasculares, em curto ou longo prazo, justificando uma programação terapêutica.</p><p>Aí vem a pergunta: a partir de que níveis de PA devemos rotular o indivíduo como hipertenso?</p><p>É muito importante compreender que o risco de eventos cardiovasculares futuros aumenta de forma contínua a partir de uma PA média em torno de 115 x 75 mmHg.</p><p>Analisando as curvas de PA x risco NÃO se nota a existência de um nítido ponto de inflexão, isto é, não existe um “valor mágico” a partir do qual o risco</p><p>cardiovascular dê um salto, de tal sorte que todos os pacientes pudessem ser inquestionavelmente taxados como “hipertensos”... Logo, a definição de HAS é um tanto</p><p>quanto arbitrária, e se baseia no nível de PA a partir do qual existem evidências de que o tratamento anti-hipertensivo traz mais benefícios do que riscos.</p><p>Para complicar ainda mais, a relação risco-benefício do tratamento pode variar em função de certas características clínicas, o que significa que existem diferentes “grupos”</p><p>de hipertensos... Quer ver um exemplo? Num paciente muito idoso, com alto risco de quedas, e cuja expectativa de vida (por conta da presença de</p><p>múltiplas</p><p>comorbidades) seja independentemente baixa, o risco de um tratamento anti-hipertensivo “agressivo”, visando as mesmas metas pressóricas que um paciente jovem sem</p><p>outras doenças, é com certeza muito alto em face de um eventual pequeno benefício. Logo, níveis relativamente elevados de PA podem ser tolerados nestes casos!</p><p>O fato é que quando se utiliza o método tradicional de aferição da PA (esfigmomanometria manual realizada pelo médico durante as consultas), valores maiores ou iguais a</p><p>140 x 90 mmHg (média de múltiplas aferições ao longo de várias consultas) são classicamente aceitos como definidores de HAS em qualquer circunstância!</p><p>Outro ponto que merece explicações diz respeito ao MÉTODO utilizado para aferir a PA. Sabemos que a PA medida em casa, pelo próprio paciente ou familiares, tende a ser</p><p>mais baixa do que a PA medida no consultório pelo médico. A monitorização ambulatorial da PA, um exame automatizado que faz diversas medidas ao longo de 24h,</p><p>também fornece valores inferiores àqueles medidos pelo médico no consultório. Logo, os “pontos de corte” identificados nos estudos variam de acordo com o método de</p><p>aferição empregado, o que significa que o diagnóstico de HAS pode ser estabelecido de diferentes formas, dependendo da maneira como a PA é medida (ver adiante).</p><p>DIAGNÓSTICO CLÍNICO DA HIPERTENSÃO ARTERIAL</p><p>Devemos ter em mente que o diagnóstico de hipertensão arterial indica uma doença, com repercussões clínicas e necessidade de tratamento. Por isso, é fundamental que</p><p>os critérios diagnósticos sejam respeitados! Observe a Tabela 1.</p><p>Tab. 1</p><p>Obs.: existe também a AMPA (Auto-Medida da PA), que é a medida da PA realizada aleatoriamente pelo paciente, sem seguir um protocolo específico.</p><p>(FIGURA 1),</p><p>Fig. 1</p><p>Critérios diagnósticos da hipertensão arterial</p><p>PA no consultório: média entre duas medidas da pressão arterial, em pelo menos duas consultas em dias diferentes com níveis maiores ou iguais a 140 x 90</p><p>mmHg.</p><p>Monitorização Residencial (MRPA): média de várias aferições da PA maiores ou iguais a 130 x 80 mmHg, feitas corretamente por um aparelho devidamente</p><p>calibrado.</p><p>Monitorização Ambulatorial (MAPA): média das aferições automáticas. Durante o período de vigília, com valores maiores ou iguais a 135 x 85 mmHg; PA de 24</p><p>horas com valores maiores ou iguais a 130 x 80 mmHg e PA no sono com valores maiores ou iguais a 120 x 70 mmHg.</p><p>A Medida Residencial da PA (MRPA) tem sido recomendada para todos os pacientes com condições de fazê-la, adquirindo um aparelho de pressão. O protocolo consiste de</p><p>três medidas matinais antes do café da manhã e três à noite antes do jantar, por cinco dias consecutivos, ou então duas medidas antes do café e duas antes do jantar, por</p><p>sete dias.</p><p>Devido à variabilidade fisiológica da PA, o médico precisa obter a média de vários valores aferidos, em diferentes situações e momentos, a fim de estabelecer o</p><p>comportamento da PA e dizer se o paciente é ou não hipertenso. Para tanto, pelo menos duas consultas são necessárias, a não ser que a PA esteja em valores muito altos</p><p>(> 180 x 110), os quais já inferem automaticamente o diagnóstico.</p><p>Outra possibilidade de diagnóstico imediato é a presença de PA ≥ 140 x 90 mmHg na primeira consulta, em pacientes com risco cardiovascular alto (veremos no próximo</p><p>capítulo como é feita a estratificação do risco CV)...</p><p>Apesar de não ser obrigatório, atualmente se recomenda que, sempre que possível, sejam feitas medidas da PA fora do consultório (através das técnicas de MRPA ou</p><p>MAPA), não apenas para confirmar o diagnóstico mas também para identificar a presença de “HAS do jaleco branco” ou “HAS mascarada” (ver adiante). Estude com</p><p>atenção o .</p><p>“Hipertensão do Jaleco Branco”: um grande número de pessoas apresenta PA ≥ 140 x 90 apenas quando um médico ou profissional de saúde afere a sua pressão.</p><p>Quando a PA é aferida em casa, por parentes ou amigos, ou quando os valores da PA são determinados pela MAPA, quase todas as medidas encontram-se abaixo de 140 x</p><p>90. Esta é a famosa “Hipertensão do Jaleco Branco”. Alguns estudos mostram que cerca de 30% dos pacientes diagnosticados como hipertensos (especialmente no estágio</p><p>I) na verdade têm “Hipertensão do Jaleco Branco”. O prognóstico desses pacientes, em relação a complicações cardiovasculares, sempre foi considerado melhor quando</p><p>comparado ao dos realmente hipertensos. Entretanto, dados recentes sugerem que até 70% dos pacientes com “Hipertensão do Jaleco Branco” terão HAS pela MAPA em</p><p>um período de dez anos.</p><p>“Efeito do Jaleco Branco”: corresponde a um aumento transitório da PA (pelo menos 20 mmHg na sistólica e/ou 10 mmHg na diastólica) quando medida por profissional</p><p>de saúde. Pode ocorrer em pacientes normotensos ou hipertensos e, nestes últimos, pode levar a uma classificação errônea do estágio da HAS, tendo como consequências</p><p>adversas o “supertratamento” e maior risco de efeitos colaterais (ex.: síncope/quedas por hipotensão arterial no domicílio).</p><p>“Hipertensão Mascarada”: situação clínica caracterizada por valores normais de PA no consultório (< 140 x 90 mmHg), porém, com PA elevada pela MAPA. Essa</p><p>condição deve ser pesquisada em indivíduos com PA normal ou limítrofe e mesmo nos hipertensos controlados, que desenvolvem sinais de lesões em órgãos-alvo, sua</p><p>prevalência média é de 13%.</p><p>Hipertensão Sistólica Isolada (HSI): a maioria (cerca de 70%) dos hipertensos acima de 65 anos tem apenas elevação da PA sistólica. A hipertensão sistólica isolada,</p><p>entidade típica do idoso, é definida como PA sistólica maior ou igual a 140 mmHg com PA diastólica menor que 90 mmHg. Ao contrário do que se pensava, esta entidade</p><p>aumenta consideravelmente o risco de eventos cardiovasculares no idoso, e seu tratamento leva à redução da morbimortalidade nesses pacientes. Na verdade, tem-se</p><p>percebido que a PA sistólica correlaciona-se mais com eventos cerebrovasculares do que a PA diastólica. No entanto, também existe uma entidade chamada "hipertensão</p><p>diastólica isolada" (PAS < 140 e PAD > 90 mmHg), menos comum do que a HSI, porém, ela também acarreta aumento no risco cardiovascular.</p><p>PA Ótima: definida como PAS < 120 mmHg e PAD < 80 mmHg.</p><p>PA Normal: definida como PAS 120-129 mmHg e PAD 80-84 mmHg.</p><p>Pré-Hipertensão: definida como PAS 130-139 mmHg e PAD 85-90 mmHg. Identifica um subgrupo de pacientes com maior risco de desenvolver HAS no futuro. Evidências</p><p>recentes já comprovam que tais pessoas desenvolvem lesões precoces em órgãos-alvo, principalmente os vasos sanguíneos, porém, não se indica terapia farmacológica</p><p>específica com base em evidências científicas nesta faixa de níveis pressóricos.</p><p>Outros pacientes não incluídos no termo pré-hipertensão também possuem maior chance de evoluir para hipertensão no futuro. O termo hipertensão episódica é reservado</p><p>para aqueles indivíduos que têm PA maior ou igual a 140 x 90 mmHg somente em algumas aferições fora do consultório. Há também critérios sugestivos no teste</p><p>ergométrico: elevação > 10 mmHg da PA diastólica em qualquer momento do teste e/ou elevação > 60 mmHg da PA sistólica com 6 METs.</p><p>FLUXOGRAMA 1</p><p>Fluxograma 1: Triagem e diagnóstico de hipertensão arterial.</p><p>PA: Pressão Arterial; MAPA: Monitorização Ambulatorial de Pressão Arterial; MRPA: Monitorização Residencial da Pressão Arterial; NV: Normotensão Verdadeira; HAB: Hipertensão do Avental Branco;</p><p>HM: Hipertensão Mascarada; HS: Hipertensão Sustentada.</p><p>O consórcio AHA/ACC (American Heart Association/American College of Cardiology) publicou um novo guideline de HAS, trazendo critérios diagnósticos diferentes</p><p>daqueles adotados na diretriz brasileira e nesta apostila... De acordo com a referência norte-americana, os pontos de corte para diagnóstico de HAS pela MAPA</p><p>seriam:</p><p>- MAPA: média de 24h maior ou igual a 125 x 75 mmHg; média no período de vigília maior ou igual a 130 x 80 mmHg; média no período de sono maior ou igual a</p><p>110 x 65 mmHg.</p><p>Decidimos manter nosso material alinhado</p><p>com a Diretriz Brasileira de HAS, uma vez que ela tem sido a principal fonte de referência bibliográfica para as provas de</p><p>residência no Brasil... Não obstante, é bom conhecer as principais diferenças entre as diretrizes brasileira e norte-americana. Ao longo desse texto outras</p><p>divergências serão apontadas.</p><p>AFERIÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL</p><p>A medida da pressão arterial deve ser feita com o paciente em repouso, com o menor estresse possível e sem o efeito de nenhuma substância pressórica circulante. Para</p><p>isso, recomenda-se que a PA seja aferida após uma conversa “relaxante” com o médico, repetindo-se a aferição em outro momento da consulta, para que a média entre as</p><p>duas seja determinada. A posição do paciente pode ser sentada, com o dorso recostado na cadeira e com o braço confortavelmente apoiado na mesa. O paciente não deve</p><p>fumar, tomar café ou consumir qualquer substância pressórica (ex.: descongestionantes nasais) nos 30 minutos prévios. O ambiente, de preferência, deve ter uma</p><p>temperatura agradável e sem nenhum fator de estresse (ex.: barulho).</p><p>Esfigmomanometria: é o método de escolha para a aferição da PA no consultório ou no domicílio. O tamanho do manguito (“borracha”) deve circundar pelo menos 80%</p><p>da circunferência do braço (quando é menor – ex.: obeso – a PA será superestimada em até 20/14 mmHg). O cuff deve ser inflado até 20 mmHg acima da PA sistólica,</p><p>estimada pelo desaparecimento do pulso radial e, então, desinsuflado na velocidade de mais ou menos 2 mmHg/s, para auscultarmos os sons de Korotkoff, através do uso</p><p>do estetoscópio. A PA sistólica corresponde à fase I (aparecimento do som), enquanto que a PA diastólica é a fase V (desaparecimento do som). A fase II é o início do gap</p><p>auscultatório; a fase III, o reaparecimento do som, e a fase IV é o abafamento do som. Nos pacientes com insuficiência aórtica, é a fase IV que determina a PA diastólica, já</p><p>que a fase V pode ser o zero. O esfigmomanômetro utilizado pode ser o de coluna de mercúrio (mais fidedigno), aneroide ou o eletrônico digital. Os dois últimos devem ser</p><p>calibrados de 3/3 meses com um manômetro de coluna de mercúrio adequado. É fundamental que a coluna de mercúrio, bem como o aneroide, registrem o zero</p><p>corretamente. Atualmente, no entanto, recomenda-se a substituição dos aparelhos de coluna de mercúrio por equipamentos semiautomáticos ou aneroides em razão do</p><p>risco de toxicidade e contaminação ambiental pelo mercúrio, de acordo com a norma regulamentadora NR 15 (125.001-9/14) do Ministério do Trabalho.</p><p>Na primeira consulta, a PA deve ser avaliada nos dois braços, considerando-se sempre a maior e, se o paciente for idoso, diabético ou estiver tomando uma nova droga</p><p>anti-hipertensiva, é fundamental medir-se também a PA após três minutos na posição ortostática. Nestes pacientes, pode haver hipotensão postural (redução ≥ 20 mmHg</p><p>na PA sistólica e/ou ≥ 10 mmHg na PA diastólica). A PA no membro inferior deve ser determinada em hipertensos com menos de trinta anos de idade (avaliar a</p><p>possibilidade de coartação da aorta).</p><p>Pseudo-hipertensão: sabemos que os sons de Korotkoff são originados nas vibrações provenientes da artéria braquial, devido ao seu “abrir e fechar”, quando a pressão</p><p>do manguito está entre a PA sistólica e diastólica. Alguns idosos possuem artérias muito endurecidas (pela calcificação e arteriosclerose), de modo que elas não colabam</p><p>mesmo com pressões acima da sistólica, e se mantêm “abrindo e fechando”. Assim, a aferição pela esfigmomanometria constatará um aumento falso da pressão arterial –</p><p>é a pseudo-hipertensão do idoso. Calcula-se que cerca de 5% dos “hipertensos” idosos tenham esta entidade. Seu diagnóstico é difícil... A manobra de Osler pode ajudar,</p><p>mas sem boa acurácia. Esta é positiva para pseudo-hipertensão quando a artéria continua sendo palpada, sem pulso, quando o manguito é insuflado em níveis superiores</p><p>à PA sistólica aferida. A confirmação diagnóstica é feita pela determinação da PA pela cateterização da artéria radial (método invasivo).</p><p>Em adultos normotensos (PA ≤ 120 x 80 mmHg), recomenda-se que PA seja medida a cada dois anos. Se o paciente for pré-hipertenso, a medição deve ser no mínimo</p><p>anual. Em crianças, a PA deve ser regularmente aferida nas consultas de puericultura a partir da idade de três anos.</p><p>ESTADIAMENTO DA PRESSÃO ARTERIAL</p><p>A PA deve ser estadiada da seguinte forma:</p><p>Para estadiar o paciente, caso a PA sistólica esteja em uma categoria diferente da PA diastólica, vale o que for maior:</p><p>(ex.: PA = 190 x 80 —> Estágio 3).</p><p>Classificação da PA por medidas no consultório (> 18 anos)</p><p>Dimensões da bolsa de borracha para diferentes circunferências de braço em crianças e adultos</p><p>O guideline AHA/ACC propõe uma classificação e um estadiamento diferentes:</p><p>AVALIAÇÃO CLÍNICA E LABORATORIAL</p><p>Devemos obter uma história clínica completa, com especial atenção ao tempo desde o diagnóstico e tratamentos prévios da hipertensão, outros fatores de risco</p><p>cardiovascular, indícios de hipertensão secundária (ver adiante) e de lesões de órgãos-alvo, aspectos socioeconômicos e características do estilo de vida do paciente, bem</p><p>como consumo pregresso ou atual de medicamentos que possam interferir em seu tratamento (anti-inflamatórios, anorexígenos, descongestionantes, etc.).</p><p>O exame físico deve ser minucioso, buscando sinais sugestivos de lesões de órgãos-alvo e de hipertensão secundária. Todo paciente hipertenso deve realizar exame de</p><p>fundo de olho (ver adiante). Recomenda-se também a pesquisa do Índice Tornozelo-Braquial (ITB): PA sistólica no tornozelo/PA sistólica no braço, aferido nos dois lados do</p><p>corpo. O normal é um valor > 0,90. Valores mais baixos indicam a existência de doença arterial periférica, e constituem fator de risco cardiovascular independente.</p><p>Com relação aos exames complementares, devemos ter uma avaliação laboratorial básica de todos os pacientes. Exames adicionais podem ser solicitados, dependendo da</p><p>população em questão. Veja as Tabelas 2 e 3:</p><p>Tab. 2</p><p>Obs.: A HAS sistólica isolada ou diastólica isolada também deve ser classificada em estágios I, II ou III, de acordo com os níveis de PAS ou PAD, respectivamente.</p><p>Avaliação inicial de rotina para o paciente hipertenso</p><p>● Análise de urina (EAS, urina tipo 1 ou sumário de urina).</p><p>● Potássio plasmático.</p><p>● Creatinina plasmática e estimativa da taxa de filtração glomerular.</p><p>● Glicemia de jejum.</p><p>● Lipidograma completo.</p><p>● Ácido úrico plasmático.</p><p>● Eletrocardiograma.</p><p>Tab. 3</p><p>Obs.: O cálculo da VOP é realizado por meio de USG-Doppler. É considerado o método “padrão” para avaliação de rigidez arterial.</p><p>FISIOLOGIA E PATOGÊNESE</p><p>Em 95% dos casos, a HAS é de causa desconhecida. Chamamos esta entidade de Hipertensão Primária ou Hipertensão Essencial. Os outros 5% constituem o grupo de</p><p>hipertensos cuja causa da hipertensão arterial pode ser conhecida. Generalizamos este grupo como Hipertensão Secundária. As causas mais comuns de hipertensão</p><p>secundária são a doença parenquimatosa renal e a estenose de artéria renal (hipertensão renovascular). Outras causas menos comuns: coartação da aorta, síndrome de</p><p>Cushing, feocromocitoma, hiperaldosteronismo primário, hiperparatireoidismo primário, hipo e hipertireoidismo, acromegalia, policitemia vera, uso de drogas ilícitas (ex.:</p><p>cocaína), ciclosporina, etc. O uso de anticoncepcionais já foi causa importante de HAS secundária, porém, com os novos ACO, isso se tornou menos frequente... As causas</p><p>mais importantes de hipertensão secundária serão revistas adiante.</p><p>FISIOPATOLOGIA DA HIPERTENSÃO PRIMÁRIA</p><p>Descreveremos, inicialmente, as principais observações fisiopatológicas encontradas na hipertensão primária; em seguida exporemos as teorias etiopatogênicas mais</p><p>aceitas na atualidade.</p><p>Aumento do DC ou da RVP? Sabemos que a pressão arterial é dada pela fórmula PA = DC x RVP. Para haver HAS, um dos dois componentes da fórmula (ou os dois)</p><p>tem que</p><p>estar aumentado. Os estudos mostram que a grande maioria dos hipertensos, especialmente aqueles com mais de 40 anos de idade, tem DC normal e RVP</p><p>elevada. Esta observação leva a uma conclusão simplista: o evento primário na patogênese da maioria dos casos de hipertensão seria o aumento da RVP, e não do DC.</p><p>Acontece que tal suposição está errada! Sabemos que, através de mecanismos vasculares autorregulatórios, a RVP pode elevar-se em resposta a um DC aumentado ou a</p><p>uma PA elevada. Como são estes mecanismos? Veja o quadro na página ao lado...</p><p>Retenção de sódio e água pelos rins: existe, sem dúvida, uma importante relação epidemiológica entre ingestão de sal e hipertensão. Nas populações com consumo</p><p>menor que 50 mEq diários de sódio, a prevalência de HAS é quase nula. Cerca de 50% dos hipertensos (em especial, os negros e idosos) são hipersensíveis à</p><p>administração de sódio, ou seja, aumento da PA em mais de 10 mmHg após administração de quantidade moderada de NaCl. Outro ponto importante é que, enquanto nos</p><p>indivíduos normotensos os rins respondem ao aumento da PA com uma maior natriurese (natriurese pressórica), nos hipertensos a natriurese só aumenta em níveis</p><p>proporcionalmente maiores de PA. A retenção de sódio e água aumenta a volemia e, consequentemente, o DC.</p><p>Exames adicionais em função de características individuais do paciente</p><p>Radiografia de tórax</p><p>Avaliação de pacientes com suspeita clínica de Insuficiência Cardíaca (IC),</p><p>acometimento pulmonar e/ou aórtico.</p><p>Ecocardiograma</p><p>Presença de critérios de hipertrofia do ventrículo esquerdo no ECG; suspeita clínica</p><p>de IC.</p><p>Albuminúria</p><p>(relação albumina/creatinina em amostra urinária)</p><p>Pacientes hipertensos diabéticos, com síndrome metabólica ou com dois ou mais</p><p>fatores de risco.</p><p>USG-Doppler de carótida</p><p>Pacientes com sopro carotídeo, sinais de doença cerebrovascular ou doença</p><p>aterosclerótica em outros territórios.</p><p>Teste ergométrico</p><p>Suspeita de Doença Coronariana (DAC) estável, diabetes ou história familiar de</p><p>DAC em pacientes com PA controlada.</p><p>Hemoglobina glicada</p><p>Glicemia de jejum > 99 mg/dl; história familiar de DM 2; diagnóstico prévio de DM</p><p>2 e obesidade.</p><p>USG-Doppler renal Presença de sopro ou massa abdominal.</p><p>VOP (Velocidade da Onda de Pulso) Hipertensos de médio e alto risco. Valores > 10-12m/s são anormais.</p><p>Pressão arterial sistólica central (PASc)</p><p>Pacientes jovens que têm hipertensão sistólica isolada aferida pelos métodos</p><p>tradicionais na maioria das vezes não são verdadeiramente portadores de HSI, e</p><p>sim da chamada "HSI espúria do jovem". Através da medida da PASc (com</p><p>tecnologia semelhante a utilizada na aferição da VOP), pode-se demonstrar que a</p><p>pressão central (na aorta) não está aumentada, ainda que a pressão medida na</p><p>artéria braquial tenha resultado alterado... Este artefato geralmente se deve a um</p><p>aumento do tônus adrenérgico, e não acarreta aumento no risco cardiovascular</p><p>nem requer tratamento anti-hipertensivo.</p><p>RM do cérebro</p><p>Pacientes com deficit cognitivo ou demência – avaliar infartos cerebrais silenciosos</p><p>e micro-hemorragias.</p><p>Interação entre PA, DC e RVP</p><p>Influência do DC na RVP: o tônus arteriolar dos órgãos é regulado de forma a manter mais ou menos constante o seu fluxo sanguíneo – um fenômeno chamado</p><p>Autorregulação do Fluxo Orgânico. Uma queda no DC estimula a vasodilatação arteriolar, enquanto um aumento estimula a vasoconstrição arteriolar. Portanto, um</p><p>alto débito cardíaco, por induzir vasoconstrição, pode aumentar a RVP. A RVP elevada, por sua vez, reduz o débito cardíaco, fazendo-o voltar ao normal. Portanto, o</p><p>fato da RVP estar elevada na maioria dos hipertensos primários, enquanto o débito cardíaco encontra-se normal, não contribui para sabermos “quem foi o culpado</p><p>inicial”. As principais teorias patogênicas da HAS primária explicam o aumento inicial de PA através do aumento do DC, geralmente por retenção de sal e água pelo</p><p>organismo.</p><p>Remodelamento vascular: já foi constatado que o aumento crônico da PA tem importantes efeitos nos vasos sanguíneos, tanto nos de condutância (artérias),</p><p>quanto os de resistência (arteríolas), através de um processo chamado “remodelamento vascular”. A PA elevada estimula a liberação local de substâncias tróficas</p><p>que promovem a proliferação e o desarranjo celular da parede dos vasos. As médias e pequenas artérias podem ter uma hipertrofia de sua camada muscular,</p><p>enquanto as arteríolas sofrem alterações proliferativas que reduzem seu lúmen. Assim, com o passar dos anos, a RVP vai aumentando, servindo como o principal</p><p>fator de manutenção (ou progressão) da hipertensão arterial. Em outras palavras, podemos dizer: hipertensão arterial gera mais hipertensão arterial!</p><p>Papel do sistema renina-angiotensina: uma substância bastante “incriminada” na etiopatogenia da HAS é a renina. A renina é produzida no aparelho justaglomerular</p><p>das arteríolas aferentes renais. Sua função primordial é converter o angiotensinogênio em angiotensina I no plasma. A Enzima Conversora (ECA) está presente no plasma e</p><p>em vários tecidos (incluindo a parede vascular), encarregando-se de converter a angiotensina I em angiotensina II. Esta última tem uma série de efeitos sobre a PA:</p><p>vasoconstrição arterial e venosa, retenção de sódio e água. Além disso, sabe-se que a angiotensina II possui um efeito trófico vascular, contribuindo para o processo de</p><p>remodelamento. Entretanto, a maioria dos hipertensos tem renina plasmática normal (60%) ou baixa (30%). Será que isso afasta o papel da renina na gênese da HAS? A</p><p>resposta é não. Na verdade, se pararmos para pensar, todo hipertenso deveria ter renina plasmática baixa, já que este hormônio é regulado pela volemia e pela pressão</p><p>arterial. O fato de encontrarmos renina plasmática na faixa normal indica que ela está sendo produzida em quantidades acima do esperado...</p><p>Aspecto genético: existe uma predisposição genética em 30-60% dos casos de HAS primária. Uma teoria plausível afirma que múltiplos genes estariam envolvidos na</p><p>maior absorção de sal por parte de nossos ancestrais. No passado, isso era vantajoso, uma vez que a disponibilidade de sal era menor... Nos dias atuais, em que a ingestão</p><p>de sal atinge níveis elevados, essa “facilidade” na absorção de sal acarreta aumento nos níveis pressóricos! Além disso, fatores raciais são muito importantes: a HAS</p><p>primária é mais comum e mais grave em negros. Uma série de genes já foi identificada como relacionada à HAS primária, como o gene APOL1. Tal gene é mais comum</p><p>em afrodescendentes pelo fato de ter sido naturalmente selecionado nesta população: ele confere proteção contra infecções tripanossômicas, tendo como efeito colateral</p><p>uma maior predisposição à HAS e suas complicações... Considera-se a hipertensão primária uma consequência da relação entre mutações genéticas e diversos fatores</p><p>ambientais, como ingestão salina, obesidade, estresse, etc.</p><p>Baixo peso ao nascer: atualmente, acredita-se que o baixo peso ao nascer e a prematuridade possam correlacionar-se com o desenvolvimento de hipertensão na vida</p><p>adulta. Nesse caso, o desenvolvimento renal adequado é comprometido na fase uterina, resultando em crescimento compensatório na fase extrauterina, o que promove</p><p>hipertrofia dos glomérulos e consequente desenvolvimento de hipertensão arterial por maior secreção basal de renina. Outra hipótese para explicar esta associação seria o</p><p>baixo número de néfrons (ver adiante).</p><p>TEORIAS SOBRE A PATOGÊNESE DA HIPERTENSÃO PRIMÁRIA</p><p>A maioria das teorias patogênicas da HAS primária parte do pressuposto que o evento inicial é o aumento do DC, geralmente por retenção excessiva de sódio e água pelos</p><p>rins. A HAS por hiperfluxo (alto débito cardíaco), com o tempo, converte-se na HAS por hiper-resistência (aumento da RVP), como vimos anteriormente. Na realidade,</p><p>acredita-se que os portadores de HAS primária constituam um grupo heterogêneo, sendo provável que vários desses</p><p>mecanismos sejam reais, predominando em um ou</p><p>outro paciente.</p><p>Cap_02_Video_01_Car2</p><p>LESÕES DE ÓRGÃOS-ALVO</p><p>LESÃO VASCULAR</p><p>A HAS afeta basicamente dois elementos: os vasos sanguíneos (especialmente as artérias e arteríolas) e o coração. O comprometimento vascular está por trás das</p><p>principais complicações da hipertensão. Provavelmente, a lesão do endotélio é o evento inicial deste processo. Uma série de fatores tróficos pode ser liberada, uma vez</p><p>perdida a integridade endotelial, pois o endotélio atua como um verdadeiro “protetor” vascular. O remodelamento vascular, descrito no item “Patogênese”, causa aumento</p><p>progressivo e permanente da RVP, elevando mais ainda a pressão arterial, o que cria um ciclo vicioso (hipertensão arterial gera mais hipertensão arterial). O estágio da</p><p>HAS pode, assim, progredir com o passar dos anos. Quanto maior o estágio, mais rápido será o processo de remodelamento vascular. As consequências finais deste</p><p>remodelamento podem ser: (1) arteriolosclerose hialina; (2) arteriolosclerose hiperplásica; (3) microaneurismas de Charcot-Bouchard; e (4) aterosclerose – este último será</p><p>visto no item seguinte.</p><p>Arteriolosclerose hialina: também encontrada em diabéticos e em alguns idosos normotensos, consiste em um espessamento hialino homogêneo da parede das</p><p>arteríolas, com consequente redução de seu lúmen. A hialinização é devida à deposição de um material amorfo extracelular na parede vascular, além do aumento do</p><p>número de fibras colágenas na íntima e média. Esta lesão pode levar ao comprometimento orgânico lento e progressivo (ex.: nefroesclerose hipertensiva). Nos idosos</p><p>normotensos e não diabéticos, a lesão é de menor intensidade.</p><p>Arterioloesclerose hiperplásica: esta lesão é encontrada na hipertensão acelerada maligna (definida adiante), com níveis de PA maiores que 200 x 120 e é a</p><p>responsável pela nefroesclerose hipertensiva maligna. Consiste no espessamento laminado concêntrico das arteríolas, dando o aspecto característico em “bulbo de</p><p>cebola”, associado a um grave estreitamento do lúmen. O espessamento é devido à proliferação de células musculares lisas e à reduplicação da membrana basal.</p><p>Eventualmente, podemos encontrar áreas de necrose fibrinoide entremeadas na parede vascular, o que chamamos de arteriolite necrosante hipertensiva.</p><p>Microaneurismas de Charcot-Bouchard: são pequenas dilatações pós-estenóticas presentes em pequenas artérias cerebrais penetrantes, consequentes ao processo</p><p>de arteriosclerose hialina. A ruptura desses microaneurismas é responsável pelo AVE hemorrágico intraparenquimatoso relacionado à HAS.</p><p>Teoria 1</p><p>Heterogeneidade de néfrons: nesta teoria, uma subpopulação de néfrons possui uma arteríola aferente de calibre reduzido, estimulando a produção excessiva de</p><p>renina no parênquima renal, suficiente para aumentar a retenção de sódio e líquido. Os níveis plasmáticos de renina podem estar normais na vigência de HAS.</p><p>Teoria 2</p><p>Redução do número de néfrons: os indivíduos predispostos à HAS nasceriam com um menor número de néfrons. A hiperfiltração dos néfrons remanescentes leva à</p><p>esclerose glomerular, com consequente retenção de sal e líquido. Esta teoria é respaldada por um fato interessante: a criança que nasce com baixo peso (portanto, com</p><p>rins de tamanho menor) tem maior chance de ser hipertensa na vida adulta.</p><p>Teoria 3</p><p>Não modulação da angiotensina II intrarrenal: a presença de níveis não suprimíveis de angiotensina II no parênquima renal, propiciando uma hipersensibilidade ao</p><p>sódio.</p><p>Teoria 4</p><p>Hiperativação do sistema nervoso simpático: o estresse crônico e alterações primárias dos centros barorreguladores podem manter uma hiperatividade</p><p>adrenérgica, responsável pela vasoconstrição periférica, pelo remodelamento vascular, pelo aumento de renina-angiotensina intrarrenal e pelo aumento inicial do DC.</p><p>Sabe-se que cerca de 40% dos hipertensos jovens (< 40 anos) têm um alto DC à custa de um hiperadrenergismo (frequência cardíaca elevada, aumento do inotropismo</p><p>cardíaco, vasoconstrição). São os denominados hipertensos hipercinéticos.</p><p>Teoria 5</p><p>Resistência à insulina e hiperinsulinemia: quase 100% dos hipertensos obesos e 40% dos não obesos apresentam resistência periférica à insulina e</p><p>hiperinsulinemia. Estudos prospectivos mostraram que a hiperinsulinemia é um fator preditivo de HAS. O excesso de insulina pode elevar a pressão arterial através dos</p><p>seguintes mecanismos: (1) aumento da reabsorção renal de sódio; (2) aumento da atividade simpática; (3) hipertrofia da musculatura lisa vascular por seu efeito</p><p>mitogênico; (4) aumento do cálcio citosólico no tecido vascular.</p><p>ATEROSCLEROSE – “O GRANDE VILÃO”</p><p>A hipertensão arterial sistêmica está entre os principais fatores de risco para aterosclerose, a patologia vascular mais incriminada nos eventos cardiovasculares que</p><p>conferem morbidade e mortalidade à população. A aterosclerose é uma doença da parede arterial, acometendo geralmente artérias de grande calibre (aorta) ou médio</p><p>calibre (coronárias, carótidas, mesentéricas, renais, femorais). Consiste na formação, na camada íntima das artérias, de placas contendo um cerne lipídico envolto por uma</p><p>capa fibrosa – as chamadas placas de ateroma. No interior destas placas encontram-se células inflamatórias mononucleares (macrófagos e linfócitos), bem como células</p><p>musculares lisas produtoras de colágeno. Estas placas podem obstruir parcialmente o lúmen arterial, determinando isquemia induzida pela maior demanda metabólica do</p><p>órgão (ex.: angina estável, angina mesentérica, claudicação intermitente) ou evoluir para a formação de um trombo oclusivo, levando às síndromes isquêmicas agudas</p><p>potencialmente fatais (AVE isquêmico, infarto agudo do miocárdio, isquemia mesentérica aguda, gangrena de membro inferior).</p><p>Quais são os fatores de risco para aterosclerose?</p><p>Veja a Tabela 4.</p><p>Tab. 4</p><p>**Aumento do LDL-colesterol ou redução do HDL-colesterol + hipertrigliceridemia.</p><p>PATOGÊNESE DA ATEROSCLEROSE</p><p>Vamos fazer agora uma pequena revisão dos eventos que levam à aterosclerose, de acordo com os estudos mais recentes.</p><p>A aterosclerose inicia-se em pequenos focos, acometendo a camada íntima de grandes artérias (aorta). A lesão inicial – o primórdio da placa de ateroma – chama-se estria</p><p>gordurosa. Quase todos os indivíduos na faixa etária entre 15-35 anos já apresentam estrias gordurosas na aorta. O processo se mantém estável durante anos, muitas</p><p>vezes durante toda a vida do indivíduo. Entretanto, nos pacientes mais propensos, o processo volta a evoluir mais tarde (geralmente após os 30 anos) para uma lesão</p><p>aterosclerótica mais extensa que, com frequência, acomete as artérias coronárias e carótidas – a placa de ateroma. Cerca de 20% dos homens e 8% das mulheres na</p><p>faixa etária entre 30-35 anos apresentam este tipo de lesão. A placa de ateroma desenvolve-se preferencialmente nas bifurcações arteriais, onde o turbilhonamento de</p><p>sangue – e o “estresse mecânico” sobre a parede do vaso – é maior (ex.: bifurcação da carótida comum). As porções proximais das artérias de médio calibre também</p><p>costumam ser afetadas (ex.: coronárias, renais, mesentéricas).</p><p>Um dos primeiros eventos na patogenia da aterosclerose é o acúmulo de LDL (lipoproteína de baixa densidade) na camada íntima. Tal lipoproteína fica retida neste local</p><p>por se ligar a certos proteoglicanos da matriz extracelular. Por estar afastada dos antioxidantes plasmáticos, torna-se propensa a sofrer reações de oxidação – tanto na sua</p><p>porção lipídica como na sua porção proteica. As partículas de LDL oxidado podem aumentar a expressão de moléculas de adesão leucocitária na superfície das células</p><p>endoteliais, como VCAM-1, ICAM-1 e P-selectina. Além disso, possuem propriedades quimiotáticas e estimulam o endotélio a secretar citoquinas, como IL-1 e TNF-alfa. Tais</p><p>fenômenos provavelmente relacionam o acúmulo lipídico na camada íntima com o recrutamento de leucócitos – um processo</p><p>fundamental na patogênese da aterosclerose.</p><p>A adesão de leucócitos ao endotélio também é influenciada por fatores hemodinâmicos. O fluxo laminar de sangue é capaz de suprimir (pelo aumento da produção</p><p>endotelial de óxido nítrico) a expressão das moléculas de adesão, enquanto o fluxo turbulento não tem essa capacidade.</p><p>Quem são os leucócitos envolvidos na aterosclerose?</p><p>São os monócitos e os linfócitos T. Após aderirem ao endotélio, essas células conseguem penetrar na camada íntima e lá são retidas – . Uma vez “residentes”</p><p>na camada íntima da artéria, os monócitos se diferenciam em macrófagos, que então endocitam partículas de LDL oxidado, transformando-se nas células espumosas –</p><p>típicas da aterosclerose – . A endocitose lipídica dos macrófagos é mediada pelos receptores de “limpeza” presentes em sua membrana. Este processo, na</p><p>verdade, é uma tentativa de “limpar” a camada íntima dos lipídios que haviam se acumulado. Algumas células espumosas realmente conseguem “escapar” para o sangue,</p><p>retirando lipídio da artéria, mas outras se acumulam e acabam por entrar num processo de morte programada, a apoptose. A morte de células espumosas resulta na</p><p>formação de um cerne necrótico nas placas ateroscleróticas avançadas – , uma região extremamente rica em lipídios.</p><p>Fatores de risco para aterosclerose e eventos cardiovasculares</p><p>MODIFICÁVEIS</p><p>*Pela mudança dos hábitos de vida</p><p>● Tabagismo.</p><p>● Obesidade.</p><p>● Sedentarismo.</p><p>*Pela farmacoterapia e/ou mudança de hábitos de vida</p><p>● Dislipidemias.**</p><p>● Hipertensão arterial sistêmica.</p><p>● Resistência à insulina.</p><p>● Diabetes mellitus.</p><p>● Hiper-homocisteinemia.</p><p>● Proteína C-reativa aumentada.</p><p>● Microalbuminúria.</p><p>NÃO MODIFICÁVEIS</p><p>● Idade > 50 anos.</p><p>● Sexo masculino ou feminino pós-menopausa.</p><p>● Genética – história familiar positiva.</p><p>● Infecção pelo HIV.</p><p>FIGURA 2A</p><p>FIGURA 2B</p><p>FIGURA 2C</p><p>Bem, vamos nos situar melhor... O acúmulo de lipídios e de células espumosas na camada íntima caracteriza as estrias gordurosas, que, como vimos, são as lesões</p><p>primordiais da aterosclerose. Contudo, também ressaltamos que as estrias gordurosas são lesões vistas em praticamente toda a população a partir de uma faixa etária.</p><p>Portanto, existe algum fator que permite a evolução das lesões primordiais para a placa de ateroma. Vamos adiantar um conceito: o que diferencia a estria gordurosa da</p><p>placa de ateroma é a presença, nesta última, do tecido fibroso envolvendo o cerne lipídico. A placa de ateroma, na verdade, é um tecido fibrolipídico, contendo células em</p><p>seu interior.</p><p>As células musculares lisas modificadas – ou miócitos modificados – são os responsáveis pela fibrose que caracteriza a placa ateromatosa – Estas células</p><p>migram da camada média para a camada íntima, por ação de citocinas e fatores de crescimento (como o TGF-beta) liberados pelos leucócitos, células endoteliais e pelos</p><p>próprios miócitos. Ao se instalarem na íntima, são ativadas e passam a sintetizar e secretar fibras colágenas. Nesse momento, o processo evolui para uma placa rica em</p><p>miócitos e colágeno em sua superfície e rica em células espumosas (macrófagos) e lipídios em seu cerne.</p><p>As plaquetas podem aderir a pequenas “brechas” no endotélio do vaso – , estimulando a trombogênese e secretando fatores de crescimento, como o PDGF,</p><p>que contribuem para o processo fibrótico. Assim que a placa aterosclerótica avança, surgem microvasos em seu interior, contribuindo para o afluxo de leucócitos e sendo</p><p>os responsáveis pelos episódios de hemorragia intraplaca. As placas de ateroma avançadas podem também acumular cálcio, através de proteínas ligadoras de cálcio no</p><p>interior da placa, tal como a osteocalcina e a osteopontina – normalmente presentes no tecido ósseo.</p><p>E a hipertensão arterial? Onde ela entra na patogênese da aterosclerose? Não se conhece muito bem o mecanismo, porém sabemos que a hipertensão, através do seu</p><p>efeito lesivo no endotélio e por estimular o remodelamento vascular (ver anteriormente), aumenta a formação de fatores de crescimento e citocinas. A disfunção endotelial</p><p>está presente em todas as lesões ateroscleróticas, inclusive nas áreas adjacentes à placa que não apresentam doença aparente. A disfunção endotelial permite a oxidação</p><p>do LDL e o recrutamento de leucócitos, pelo fato do endotélio reduzir a sua produção de substâncias protetoras, como óxido nítrico e prostaciclina, aumentando a produção</p><p>de substâncias nocivas, como a endotelina e o EDGF (fator de crescimento derivado do endotélio). A disfunção endotelial também torna o leito arterial altamente propenso</p><p>à vasoconstrição e ao vasoespasmo.</p><p>INSTABILIDADE DA PLACA DE ATEROMA</p><p>A aterosclerose pode ter três consequências clinicamente importantes: (1) obstrução gradual do lúmen arterial – responsável pelo quadro da angina estável, da angina</p><p>mesentérica, da hipertensão renovascular e da claudicação intermitente; (2) fraqueza da parede arterial – responsável pela formação de aneurismas arteriais; e (3)</p><p>trombose da placa.</p><p>Fig. 2: Patogênese da aterosclerose. FIGURA A – quimiotaxia, adesão e recrutamento de leucócitos (monócitos e linfócitos) para a camada íntima. FIGURA B – formação da estria gordurosa:</p><p>acúmulo de células espumosas (macrófagos abarrotados de LDL-colesterol oxidado); algumas plaquetas aderidas. FIGURA C – placa de ateroma: capa fibrótica com miócitos (células musculares</p><p>lisas) e um cerne contendo lipídios, células espumosas e uma área de necrose. FIGURA D – placa instável com trombo em evolução: observe a rotura da superfície da placa e a formação de um</p><p>trombo plaquetário. Observe também a presença de microvasos na placa.</p><p>FIGURA 2C.</p><p>FIGURA 2B</p><p>Desses três, o principal responsável pelos eventos mórbidos relacionados à aterosclerose é a trombose da placa ( )... A trombose é um processo que ocorre em</p><p>pouco tempo (horas, dias), reduzindo bruscamente o lúmen arterial a ponto de ocluí-lo. A consequência imediata é catastrófica: IAM, AVE, isquemia mesentérica aguda etc.</p><p>O que desencadeia esse evento? Atualmente, sabe-se que pouco tempo antes da formação do trombo a placa aterosclerótica passa por uma fase denominada instabilidade</p><p>da placa. Em decorrência da ativação leucocitária no interior da placa, sua capa fibrótica torna-se mais fina e começa a ser degradada pelas metaloproteinases secretadas</p><p>pelos macrófagos ativados. Finalmente, ocorre a rotura da placa, expondo seu conteúdo lipídico altamente trombogênico às plaquetas e fatores da coagulação. A</p><p>consequência imediata é a trombose.</p><p>Estudos recentes mostraram que o aumento dos níveis séricos de fibrinogênio e de proteína C-reativa (“reagentes de fase aguda”) estão associados ao risco de eventos</p><p>cardiovasculares em pacientes com aterosclerose.</p><p>CARDIOPATIA HIPERTENSIVA</p><p>Hipertrofia Ventricular Esquerda (HVE): o aumento crônico da pós-carga ventricular impõe uma sobrecarga sistólica ao VE. Como resposta “fisiológica” a este tipo de</p><p>sobrecarga, o miocárdio começa a se hipertrofiar, isto é, aumentar a sua massa. Assim, a Hipertrofia Ventricular Esquerda (HVE) é a repercussão cardíaca mais comum da</p><p>HAS. Podemos defini-la formalmente como uma massa ventricular esquerda indexada para a superfície corpórea maior que 116 g/m² em homens e 96 g/m² em</p><p>mulheres. Está presente em quase 50% dos hipertensos não tratados, segundo o ecocardiograma (exame de escolha para o diagnóstico de HVE) e em cerca de 5-10%</p><p>segundo o eletrocardiograma. A HVE pode ser concêntrica (espessamento da parede com redução da cavidade) ou excêntrica (aumento da massa ventricular sem o</p><p>espessamento da parede). A patogênese da HVE inclui, além do efeito direto da sobrecarga, a ação de substâncias tróficas, entre elas, a angiotensina II, sobre as células</p><p>miocárdicas. Algumas vezes, a HVE pode ser detectada antes da HAS, fenômeno mais comum nos indivíduos obesos. A presença da HVE, por si só, aumenta</p><p>significativamente a mortalidade e o risco de eventos</p><p>Dados recentes sugerem que a</p><p>prevalência mundial de IC está aumentando, principalmente porque seus portadores estão vivendo por mais tempo em função de melhorias no tratamento das doenças de</p><p>base (ex.: coronariopatia, valvopatias, arritmias).</p><p>ICFER e ICFEN apresentam mais ou menos a mesma prevalência, isto é, cada uma responde por cerca de 50% dos casos. Alguns autores, no entanto, afirmam que a ICFER</p><p>é um pouco mais prevalente, representando quase 60%... A prevalência do subgrupo com FE borderline não é bem definida.</p><p>Cap_01_Video_01_Car2</p><p>ETIOLOGIA</p><p>Qualquer condição que altere a estrutura ou função do coração pode causar IC. Logo, a IC representa uma via final comum possível para todos os distúrbios</p><p>cardiovasculares! A principal etiologia, em ambos os sexos, é a Doença Arterial Coronariana (DAC), responsável por 60-75% dos casos. Hipertensão Arterial</p><p>Sistêmica (HAS) é fator contribuinte em 75%, associando-se à DAC na maioria das vezes. Logo, DAC e HAS são as duas principais causas de IC! Ambas podem gerar ICFER</p><p>ou ICFEN, na dependência do quanto de miocárdio é perdido (maior a perda, maior a chance de ICFER). Diabetes mellitus é outro fator de risco comumente associado. Na</p><p>Tabela 1 listamos as etiologias mais comuns de IC de acordo com a fração de ejeção.</p><p>Tab. 1 Principais causas de insuficiência cardíaca.</p><p>Obs.: 1) 20-30% dos casos de ICFER são de etiologia desconhecida (idiopática); 2) em algumas partes do mundo (Ásia e África) a febre reumática ainda responde por parcela significativa das</p><p>IC, enquanto em outras (América do Sul) a doença de Chagas é particularmente importante; 3) HAP = Hipertensão Arterial Pulmonar; 4) os principais quimioterápicos que lesam o miocárdico</p><p>são as antraciclinas, como doxorrubicina e daunorrubicina; 5) "taquicardiomiopatia" é uma alteração da contratilidade miocárdica secundária à presença de taquiarritmias persistentes.</p><p>É importante salientar que a chamada “IC de alto débito” na realidade representa um fenótipo incomum de descompensação da IC, isto é, costuma aparecer em</p><p>corações previamente doentes. A correção do fator precipitante, por conseguinte, nem sempre resolve a cardiopatia do paciente, que continuará tendo baixa reserva</p><p>cardíaca, seja por ICFER ou ICFEN. O coração NORMAL raramente desenvolve IC de alto débito!</p><p>A fisiopatologia da IC de alto débito é multifatorial. Em geral, há uma queda acentuada da resistência vascular periférica (com ou sem aumento da demanda metabólica</p><p>tecidual), o que faz o débito cardíaco aumentar exageradamente e, como consequência, aumenta o trabalho miocárdico. Como o miocárdio já era doente (e pode se</p><p>tornar ainda mais doente por efeito direto de certas etiologias, como tireotoxicose e deficiência de vit. B1), o maior trabalho cardíaco se dá à custa de um aumento nas</p><p>pressões de enchimento diastólico (pré-carga ventricular), o que resulta em sinais e sintomas de congestão (pulmonar e/ou sistêmica).</p><p>ICFER</p><p>Doença coronariana (IAM, miocárdio hibernante).</p><p>Sobrecarga de pressão (HAS, estenoses valvares).</p><p>Sobrecarga de volume (insuficiências valvares, shunts intra ou extracardíacos).</p><p>Pneumopatias crônicas (cor pulmonale, HAP).</p><p>Cardiomiopatias dilatadas não isquêmicas (ex.: genéticas, infiltrativas, idiopática).</p><p>Cardiotoxicidade (ex.: álcool, quimioterapia).</p><p>Distúrbios metabólicos (deficiência de selênio, cardiopatia periparto).</p><p>Infecções (miocardite viral, doença de Chagas).</p><p>Arritmias crônicas (taquicardiomiopatia).</p><p>ICFEN</p><p>Doença coronariana.</p><p>Hipertensão arterial.</p><p>Estenoses valvares.</p><p>Envelhecimento.</p><p>Cardiomiopatias hipertróficas.</p><p>Cardiomiopatias restritivas.</p><p>Endomiocardiofibrose.</p><p>Doenças de depósito/infiltrativas.</p><p>IC DE ALTO DÉBITO</p><p>Beribéri (deficiência de vit. B1).</p><p>Tireotoxicose.</p><p>Eritrodermia.</p><p>Anemia grave.</p><p>Insuficiência hepática.</p><p>Fístula arteriovenosa de alto fluxo.</p><p>Doença de Paget do osso.</p><p>SAIBA MAIS... Causas genéticas.</p><p>Já foram descritas diversas formas de cardiopatia dilatada não isquêmica familiar, geralmente com padrão de transmissão autossômica dominante. Os genes implicados</p><p>codificam proteínas do citoesqueleto (desmina, miosina, vinculina) ou da membrana nuclear (laminina) do cardiomiócito. Outras vezes, a cardiopatia dilatada aparece no</p><p>contexto mais amplo de doenças como as distrofias musculares hereditárias (Duchenne, Becker).</p><p>PROGNÓSTICO</p><p>A despeito dos avanços terapêuticos, o prognóstico da IC continua ruim (pior até que o de muitas neoplasias metastáticas)... Estima-se que, em média, 30-40% dos</p><p>pacientes morram dentro de um ano após o diagnóstico de IC sintomática, e 60-70% dentro de cinco anos. Em cerca de metade das vezes a morte é súbita (geralmente</p><p>por arritmias ventriculares) e no restante por progressão da falência circulatória (choque cardiogênico).</p><p>O principal determinante prognóstico é a chamada classe funcional. O sistema mais utilizado para estratificar a classe funcional é o escore NYHA (New York Heart</p><p>Association), que se fundamenta em parâmetros puramente clínicos – Tabela 2. Não se observam diferenças significativas em função da fração de ejeção do ventrículo</p><p>esquerdo (isto é, o prognóstico é igualmente ruim para ICFEN ou ICFER com a mesma classe funcional).</p><p>Tab. 2: Escore NYHA.</p><p>Existe outra classificação, proposta pelo consórcio ACC/AHA (American College of Cardiology/American Heart Association), que estratifica o prognóstico da IC conforme o</p><p>estágio evolutivo em que o paciente se encontra. Observe a Tabela 3.</p><p>Tab. 3: Classificação evolutiva da IC (ACC/AHA).</p><p>FISIOLOGIA</p><p>Antes de estudarmos a fisiopatologia da IC vale a pena relembrar rapidamente alguns conceitos básicos de fisiologia...</p><p>Diástole é a fase de enchimento ventricular, e Sístole é a fase de ejeção do sangue. Ao término da diástole tem-se o Volume Diastólico Final (VDF), cujo valor normal, no</p><p>Ventrículo Esquerdo (VE) de um adulto, vai de 80-150 ml (média = 100 ml). O VE saudável, com boa complacência de seus tecidos e relaxamento miocárdico normal,</p><p>consegue acomodar este volume mantendo uma baixa Pressão Diastólica Final (PDF) ou "pressão de enchimento" (entre 8-12 mmHg). Na sístole (isto é, a cada</p><p>batimento), cerca de 60 ml (VR: 40-100 ml) são ejetados. Este é o débito sistólico. O volume remanescente no interior do ventrículo logo após o término da sístole é o</p><p>Volume Sistólico Final (VSF).</p><p>O débito cardíaco (fluxo de sangue que o coração bombeia por minuto, ou "volume-minuto") é determinado pelo produto da frequência cardíaca com o débito sistólico: DC</p><p>= FC x DS. Seu valor normal, no adulto, vai de 4.5 a 6.5 l/min. Se dividirmos o DC pela área de superfície corpórea teremos o índice cardíaco (VR: 2.8-4.2 l/min/m²).</p><p>Fração de Ejeção (FE) representa o percentual do VDF ejetado pelo DS, ou seja: FE = DS/VDF x 100. Seu valor normal, de forma prática, vai de 50-70%.</p><p>O DS é determinado por três parâmetros independentes (quer dizer, mudanças em qualquer um deles podem alterar o DS independentemente dos demais):</p><p>Pré-carga;</p><p>Contratilidade;</p><p>Pós-carga.</p><p>O termo pré-carga ventricular se refere essencialmente ao VDF. Este é determinado pelo retorno venoso (fluxo de sangue ao coração durante a diástole), o qual, por sua</p><p>vez, é determinado pela volemia (volume de sangue no interior do sistema vascular).</p><p>A Lei de Frank-Starling do coração estabelece que o DS aumenta em proporção à pré-carga ventricular. Quanto maior a pré-carga, maior a distensão dos sarcômeros</p><p>(unidades contráteis) nas fibrilas miocárdicas. Com os sarcômeros distendidos, miosina e actina deslizam entre si, afastando-se. Estas são as proteínas responsáveis pela</p><p>formação ativa (com gasto energético) das "pontes cruzadas" que geram a força mecânica da contração. Assim, a distensão do sarcômero cria mais "oportunidades" para a</p><p>interação entre miosina e actina, permitindo maior geração de força. No entanto, se o sarcômero distender de forma excessiva, miosina</p><p>cardiovasculares (especialmente aqueles relacionados ao coração). O fenômeno de isquemia miocárdica pode ser</p><p>precipitado, mesmo na ausência de lesão obstrutiva nas coronárias epicárdicas, devido à baixa reserva coronariana associada ao aumento da demanda metabólica</p><p>miocárdica. O risco de morte súbita (por arritmia ventricular) está aumentado, principalmente nos indivíduos hipocalêmicos pelo uso de diuréticos. Existe também uma</p><p>correlação entre o achado ecocardiográfico de HVE e um risco aumentado de Acidente Vascular Encefálico (AVE).</p><p>Disfunção diastólica: é muito comum o achado de deficit de relaxamento ventricular no exame ecocardiográfico de um hipertenso, isto é, um grau leve de disfunção</p><p>diastólica. Esta alteração também é comum em idosos não hipertensos. Entretanto, a disfunção diastólica na HAS pode ser mais avançada, associada a aumento atrial</p><p>esquerdo e HVE. O paciente pode tornar-se sintomático, devido à congestão pulmonar secundária ao aumento nas pressões de enchimento do lado esquerdo do coração</p><p>(dispneia, ortopneia). Dos casos de ICC relacionados à HAS, 40-50% são por disfunção diastólica pura. A disfunção diastólica também explica boa parte dos casos de edema</p><p>agudo hipertensivo. Uma entidade chamada cardiomiopatia hipertrófica hipertensiva é descrita em idosos, com um comportamento clínico semelhante ao da</p><p>cardiomiopatia hipertrófica hereditária. Nesses casos, há uma HVE concêntrica, com hiperfunção sistólica e disfunção diastólica grave.</p><p>Cardiopatia dilatada – disfunção sistólica: a HAS é a primeira ou a segunda causa de insuficiência cardíaca no Brasil e no mundo. Na maioria das vezes, reflete uma</p><p>disfunção sistólica associada à dilatação ventricular. O quadro inicia-se com insuficiência ventricular esquerda, progredindo, com o passar dos anos, para uma insuficiência</p><p>biventricular congestiva. Uma vez instalada a cardiopatia dilatada, a pressão arterial pode normalizar-se, devido ao baixo débito cardíaco decorrente da disfunção sistólica</p><p>do VE. A presença de espessamento da parede ventricular esquerda no ecocardiograma sugere, mas não confirma, o diagnóstico da etiologia hipertensiva. O prognóstico e</p><p>as complicações são os mesmos em relação a qualquer cardiopatia dilatada. Os principais fatores de mau prognóstico são uma baixa Fração de Ejeção (FE) e uma classe</p><p>funcional (NYHA) alta.</p><p>Doença coronariana: a HAS é o principal fator de risco para doença aterosclerótica das artérias coronárias. O espectro de apresentação clínica da doença coronariana</p><p>pode ser: isquemia silenciosa, angina estável, angina instável, IAM, morte súbita. A sequela de um infarto miocárdico pode levar a uma cardiopatia dilatada e disfunção</p><p>sistólica, podendo manifestar-se como insuficiência cardíaca. Em alguns casos, a cardiomiopatia isquêmica, pelo fenômeno do “miocárdio hibernante”, pode ser a causa da</p><p>insuficiência cardíaca. A doença coronariana atualmente representa a principal causa de óbito na população brasileira!</p><p>FIGURA 2D</p><p>DOENÇA CEREBROVASCULAR</p><p>A doença cerebrovascular é a segunda maior causa de óbito na população! O risco aumenta com o estágio da hipertensão, chegando a cinco vezes na HAS grave. Pode</p><p>ainda ser mais elevado na hipertensão sistólica isolada do idoso. A doença cerebrovascular pode manifestar-se de várias formas: Ataque Isquêmico Transitório (AIT), AVE</p><p>isquêmico, AVE hemorrágico intraparenquimatoso, hemorragia subaracnoide, demência multivascular e atrofia cerebral devido à arterioloesclerose difusa (doença de</p><p>Binswanger), todas elas fortemente relacionadas à HAS. A doença cerebrovascular é a terceira causa de morte nos EUA (suplantada apenas pela doença coronariana e pelo</p><p>câncer), além de ser a maior causa de morbidade, levando muitos indivíduos à invalidez permanente.</p><p>O evento mais comum é o AVE isquêmico (80% dos AVEs), na maioria das vezes causado por um fenômeno tromboembólico relacionado à aterosclerose carotídea. O</p><p>trombo forma-se na carótida (na bifurcação da carótida comum ou na porção proximal da carótida interna) e pode soltar um fragmento, que caminha pela circulação</p><p>cerebral e se impacta em um ramo de médio calibre (como a artéria cerebral média). Outro mecanismo de AVE isquêmico relacionado à HAS é a trombose in situ, em uma</p><p>placa de ateroma localizada em uma artéria cerebral do complexo carotídeo ou do complexo vertebrobasilar (cerebrais posteriores). O AVE pode deixar graves sequelas</p><p>neurológicas, como hemiplegia e afasia, culminando em contraturas musculares, atrofia por desuso, úlceras de pressão, desnutrição, depressão, infecções, etc. A</p><p>fisioterapia motora e a fonoaudiologia precoces (desde o primeiro dia do AVE) são os pontos mais importantes da terapia e reabilitação destes doentes. Quanto mais</p><p>precoce e frequente for a fisioterapia, menores serão as sequelas. O uso de AAS (200-325 mg/dia) está indicado, pois reduz a incidência de novos eventos</p><p>cerebrovasculares.</p><p>Alguns pacientes apresentam uma síndrome neurológica denominada AIT (Ataque Isquêmico Transitório). Também é causado por pequenos êmbolos provenientes das</p><p>carótidas extracranianas e, na verdade, é um prenúncio de AVE isquêmico. É diferenciado deste pela reversibilidade completa do deficit em menos de 24h (geralmente</p><p>dentro das primeiras 2h). O uso de AAS (200-325 mg/dia) reduz bastante a incidência de AVE isquêmico a posteriori.</p><p>O AVE hemorrágico também tem seu risco aumentado pela HAS. A hemorragia intraparenquimatosa (10-15% dos casos de AVE) é consequente à ruptura dos</p><p>microaneurismas de Charcot-Bouchard, descritos acima. A hemorragia subaracnoide (5% dos casos de AVE), em geral é devida à ruptura de um aneurisma sacular</p><p>congênito, na maioria das vezes localizado no polígono de Willis, ou de uma malformação arteriovenosa (MAV).</p><p>NEFROPATIA HIPERTENSIVA</p><p>Existe uma forte relação entre hipertensão arterial e alterações da histopatologia e disfunção renal (medida pelo clearance de creatinina), mesmo na HAS leve.</p><p>Histopatologicamente, boa parte dos hipertensos de longa data apresenta arterioloesclerose hialina nas arteríolas aferentes renais, o que denominamos nefroesclerose</p><p>hipertensiva (ou arterioloesclerose hipertensiva). Lesões tubulointersticiais também podem ocorrer. O primeiro sinal de comprometimento renal é a presença da</p><p>microalbuminúria, definida como a excreção de albumina em 24h entre 30-300 mg, faixa normalmente não detectada pelos exames de urina convencionais. A</p><p>microalbuminúria, por si só, é um fator de risco para morbimortalidade cardiovascular no hipertenso. Alguns pacientes, em especial os negros e os diabéticos, podem</p><p>evoluir com aumento progressivo da proteinúria (às vezes, atingindo a faixa nefrótica), associado à lenta piora da função renal, culminando com rins em estágio terminal e</p><p>dependência de diálise.</p><p>Fig. 3: Hipertrofia ventricular – observe o espessamento do miocárdio do VE.</p><p>Alguns autores questionam a possibilidade de que a causa da disfunção renal progressiva seja uma doença renal primária (ex.: GESF idiopática) agravada pela presença da</p><p>HAS, pois não encontraram a documentação de nenhum caso de HAS “benigna” (leve a moderada), sem proteinúria ou alteração do clearance de creatinina prévios, que</p><p>evoluísse para insuficiência renal. Realmente, apenas uma minoria dos hipertensos (cerca de 0,3%) evolui com nefropatia.</p><p>Nefroesclerose Hipertensiva Maligna: essa entidade é uma complicação esperada da hipertensão acelerada maligna (ver adiante), mais comum em negros, em que as</p><p>arteríolas renais sofrem um processo de arterioloesclerose hiperplásica e necrose fibrinoide arteriolar. O quadro clínico é de uma insuficiência renal que progride em dias</p><p>ou semanas, associada à proteinúria e hematúria. Muitas vezes, há uma agudização de uma insuficiência renal crônica, podendo haver necessidade de iniciar a diálise. O</p><p>tratamento intensivo para controlar</p><p>os altos níveis de PA pode melhorar significativamente a função renal e retirar o paciente do programa de diálise. A melhora, em geral,</p><p>ocorre nas primeiras duas semanas, se o tratamento for precoce.</p><p>RETINOPATIA HIPERTENSIVA</p><p>As arteríolas retinianas podem ser avaliadas pela fundoscopia, exame facilmente realizado no consultório. Seu comprometimento pela hipertensão “espelha” o</p><p>acometimento vascular de outros órgãos (ex.: cérebro, rins).</p><p>A classificação de Keith-Wagener-Barker (1939) é bastante utilizada para o estadiamento da retinopatia hipertensiva que, por sua vez, é uma importante orientação</p><p>prognóstica:</p><p>Grau 1: Estreitamento arteriolar;</p><p>Grau 2: Cruzamento arteriovenoso patológico;</p><p>Grau 3: Hemorragias e/ou exsudatos retinianos;</p><p>Grau 4: Papiledema.</p><p>Os primeiros graus são consequência do remodelamento vascular, enquanto os dois últimos são marcos da hipertensão acelerada maligna, que leva à lesão tecidual grave,</p><p>com isquemia e hemorragia, associada ou não ao edema cerebral, sugerido pela presença do papiledema. Existe correlação entre retinopatia hipertensiva e presença de</p><p>nefropatia hipertensiva.</p><p>OUTRAS LESÕES DE ÓRGÃOS-ALVO</p><p>A aortopatia e a arteriopatia de membros inferiores estão bastante relacionadas à hipertensão arterial. A associação do comprometimento aterosclerótico da parede com o</p><p>efeito direto da PA elevada pode facilitar o surgimento do aneurisma de aorta, mais comum na aorta abdominal infrarrenal. Esta complicação ocorre em 3% dos</p><p>hipertensos e deve ser suspeitada através da palpação abdominal. O risco de ruptura se torna importante quando a aorta abdominal mede mais que 5 cm de diâmetro. A</p><p>aterosclerose das artérias femorais é mais comum nos hipertensos, diabéticos e fumantes. Pode manifestar-se com um quadro de claudicação intermitente e, raramente,</p><p>com trombose arterial de um dos membros inferiores, levando à isquemia aguda do mesmo.</p><p>A presença de lesões de órgãos-alvo aumenta muito a morbimortalidade dos indivíduos hipertensos. O grande objetivo do tratamento da HAS é evitar o aparecimento</p><p>dessas lesões! Alguns exames complementares podem estar alterados ainda na fase de lesões subclínicas, facilitando a identificação de pacientes de risco e permitindo a</p><p>otimização do tratamento. Veja a Tabela 5 a seguir:</p><p>Fig. 4: Tomografia computadorizada sem contraste no AVE. No lado esquerdo, temos um AVE isquêmico, caracterizado por uma área hipodensa na TC – esta imagem só aparece após 48-72h do</p><p>início dos sintomas. No lado direito, temos um AVE hemorrágico intraparenquimatoso, caracterizado por uma área hiperdensa (“branca”) na TC.</p><p>Tab. 5</p><p>HIPERTENSÃO SECUNDÁRIA</p><p>PRINCIPAIS CAUSAS</p><p>Cerca de 95% dos casos de HAS são de causa desconhecida, isto é, hipertensão primária. Os 5% restantes compõem o grupo da hipertensão secundária, com diversas</p><p>etiologias possíveis. A grande importância de conhecermos bem as entidades que cursam com hipertensão secundária e como diagnosticá-las está no fato de a maioria</p><p>delas ser reversível com o tratamento específico, podendo levar à cura da hipertensão. As causas de hipertensão secundária são listadas a seguir, em ordem aproximada</p><p>de frequência, com os respectivos percentuais dentre todos os hipertensos na população.</p><p>O item “outros” pode ser complementado por causas ainda mais raras de hipertensão: hiperplasia adrenal congênita, doenças neurológicas (ex.: hipertensão intracraniana,</p><p>quadriplegia, disautonomia, porfiria aguda, intoxicação por chumbo), tumores carcinoides, tumores renais secretores de renina, etc. Além de todas essas possíveis causas</p><p>de hipertensão crônica, existem várias condições de estresse agudo que podem cursar com elevação dos níveis pressóricos: dor, hipoglicemia, abstinência alcoólica, pós-</p><p>operatório, queimadura, pancreatite, hiperventilação psicogênica, etc.</p><p>QUANDO SUSPEITAR E INVESTIGAR</p><p>É impraticável fazermos a investigação de todo hipertenso para causas secundárias, uma vez que os exames complementares não são simples, são caros e seriam</p><p>negativos ou inconclusivos na maioria das vezes, isto é, um verdadeiro desperdício de tempo e dinheiro. Por isso, são necessários critérios de suspeição da hipertensão</p><p>secundária para guiarmos nossa investigação. A hipertensão secundária possui algumas características que devem chamar a atenção do médico. Ver Tabela 6.</p><p>Identificação de lesões subclínicas de órgãos-alvo</p><p>ECG com sinais de HVE.</p><p>ECO com sinais de HVE.</p><p>Espessura médio-intimal de carótida > 0,9 mm ou presença de placa de ateroma.</p><p>Índice tornozelo braquial < 0,9.</p><p>Taxa de filtração glomerular < 60 ml/min/1,72 m².</p><p>Microalbuminúria 30-300 mg/24h.</p><p>Doenças parenquimatosas renais ------- 2-3%</p><p>Estenose de artéria renal</p><p>(HAS renovascular) ----------------------- 1-2%</p><p>Uso de anticoncepcionais orais -------- 0,5-1%</p><p>Hiperaldosteronismo primário ----------- 0,3%</p><p>Outros --------------------------------------- < 0,1%</p><p>(apneia do sono, hiper ou hipotireoidismo, síndrome de Cushing, feocromocitoma, hiperparatireoidismo primário, coarctação da aorta, policitemia vera, uso de drogas</p><p>como ciclosporina, cocaína e anfetamínicos).</p><p>Tab. 6</p><p>Se selecionarmos os nossos pacientes segundo esses critérios, torna-se bastante razoável a investigação de hipertensão secundária, pois a chance de positividade dos</p><p>testes fica maior. Veremos que para cada causa específica de hipertensão existe um quadro clínico sugestivo. A partir dessa sugestão é que devemos direcionar nossa</p><p>investigação diagnóstica.</p><p>COMO INVESTIGAR E TRATAR – RESUMO</p><p>Não entraremos em detalhes sobre cada causa de HAS secundária, pois essas entidades serão abordadas em outros blocos do MEDCURSO. Aqui, resumiremos as principais</p><p>etiologias e seus principais exames de triagem e confirmação, bem como a conduta terapêutica.</p><p>Doenças parenquimatosas renais: sabe-se que cerca de 85% dos nefropatas com creatinina plasmática > 1,5 mg/dl ou clearance de creatinina < 50 ml/min são</p><p>hipertensos. Esta é a causa mais comum de HAS secundária. Qualquer nefropatia crônica pode causar HAS, porém esta é mais comum nas glomerulopatias, em especial a</p><p>glomerulopatia diabética e a glomeruloesclerose focal e segmentar idiopática. A doença renal policística também é considerada uma importante causa de HAS</p><p>secundária. Algumas destas entidades podem evoluir com HAS antes de o exame laboratorial mostrar critérios de insuficiência renal. Os mecanismos implicados são:</p><p>sobrecarga de volume e maior ativação do SRAA. A HAS pode ocorrer também como consequência à pielonefrite crônica unilateral. A investigação deve ser feita com USG</p><p>abdominal, urinálise e medida do clearance de creatinina e proteinúria de 24h. A presença de uma proteinúria acima de 2 g/24h é altamente sugestiva de HAS secundária</p><p>à doença renal parenquimatosa. As drogas de escolha para a HAS associada à nefropatia crônica são os IECA e os antagonistas da angio II, devendo-se tomar cuidado com</p><p>os níveis de potássio e com uma possível piora da função renal. Atualmente, recomenda-se a nefrectomia em pacientes hipertensos e com rim pequeno unilateral e função</p><p>renal normal, se e somente se: (1) a hipertensão arterial for grave; (2) o rim pequeno for disfuncionante; (3) o rim contralateral tiver função normal. Os dois últimos itens</p><p>podem ser avaliados pela cintigrafia de perfusão renal.</p><p>Estenose de artéria renal: também chamada de hipertensão renovascular. Esta é a segunda causa mais comum de HAS secundária, perdendo apenas para as doenças</p><p>parenquimatosas renais. Deve ser suspeitada em pacientes que ficam hipertensos com menos de 30 anos ou mais de 55 anos, em hipertensos graves refratários e em</p><p>hipertensos cuja função renal piora com o uso de IECA ou antagonistas da angio II (estenose bilateral de artéria renal, ou unilateral em rim único). Nos jovens, a lesão</p><p>obstrutiva é a fibrodisplasia, quase sempre unilateral. Nos idosos, a lesão costuma ser a aterosclerose renal, sendo bilateral em 20% dos casos. Os exames de triagem</p><p>mais utilizados são: (1) o ecodoppler de artérias renais (de preferência em pacientes não obesos); (2) a cintilografia renal com e sem captopril (de preferência em</p><p>pacientes com função renal basal normal); e (3) angiorressonância renal. O exame confirmatório é a angiografia renal convencional ou com subtração digital. Na estenose</p><p>de artéria renal por aterosclerose, existem três opções terapêuticas: (1) terapia medicamentosa; (2) angioplastia percutânea; (3) cirurgia de by-pass. Pelas recomendações</p><p>atuais, tenta-se uma prova terapêutica com drogas anti-hipertensivas (escolha: inibidores da ECA + diuréticos ± antagonistas do cálcio), reservando a revascularização</p><p>renal apenas para os casos refratários, ou no caso de EAP de repetição, ou na presença de estenose arterial bilateral acompanhada de disfunção renal (nefropatia</p><p>isquêmica). O método de primeira escolha no caso de fibrodisplasia é a angioplastia percutânea com balão (sem implante de stent). Vale ressaltar que, apesar de os</p><p>inibidores da ECA serem as drogas de escolha na HAS renovascular, são formalmente contraindicados na nefropatia isquêmica.</p><p>HIPERTENSÃO ARTERIAL SECUNDÁRIA</p><p>Apneia Obstrutiva do Sono (AOS): a prevalência de AOS em hipertensos varia entre 30-56%, sendo ainda maior nos hipertensos “resistentes”. Caracteriza-se por episódios</p><p>repetitivos de obstrução de vias aéreas superiores durante o sono, promovendo hipóxia noturna e hiperativação simpática reflexa, o que resulta em aumento da PA. É fator</p><p>de risco independente para morbimortalidade cardiovascular, e acelera o surgimento de lesões de órgãos-alvo em hipertensos. Seus principais fatores de risco são: idade</p><p>avançada, sexo masculino, obesidade e síndrome metabólica. Deve-se suspeitar de AOS no paciente que não apresenta o descenso noturno fisiológico da PA na MAPA.</p><p>Clinicamente, suspeitamos do paciente com história de roncos e sonolência diurna, principalmente se a HAS for grave e refratária! O diagnóstico é confirmado através da</p><p>polissonografia, que revela a ocorrência de cinco ou mais episódios de apneia ou hipopneia por hora de sono. O tratamento envolve correção de fatores mecânicos, quando</p><p>cabível (ex.: cirurgia para defeitos anatômicos das vias aéreas superiores), perda ponderal e uso de CPAP noturno (o CPAP é um tipo de ventilação não invasiva</p><p>caracterizada pelo fornecimento de pressão positiva constante através de máscara nasal ou facial). Tais condutas podem amenizar ou reverter a HAS do paciente.</p><p>Hiperaldosteronismo primário: é causa rara de HAS secundária. Consiste no aumento excessivo e autônomo da produção de aldosterona pelo córtex suprarrenal. Deve ser</p><p>suspeitado em pacientes com hipocalemia significativa espontânea, ou induzida por uso de diuréticos. O exame de triagem é a relação aldosterona/Atividade de Renina</p><p>Plasmática (ARP) maior que 30, com níveis séricos de aldosterona acima de 15 ng/dl. Para a realização dessas dosagens os anti-hipertensivos em geral não precisam ser</p><p>suspensos, com exceção da espironolactona, que deve ser suspensa 4-6 semanas antes. Uma TC abdominal deve então ser realizada para confirmar se há um tumor</p><p>suprarrenal (adenoma). Caso seja encontrado, indica-se a cirurgia de ressecção. Nos casos restantes, em geral, há uma hiperplasia idiopática da glândula, e o tratamento</p><p>da HAS deve ser com altas doses de espironolactona, um antagonista direto da aldosterona. Os tiazídicos, por agravarem ainda mais a perda de potássio, estão</p><p>contraindicados. Um dado importante é que, nos pacientes ditos resistentes ao tratamento anti-hipertensivo convencional, pode existir um hiperaldosteronismo oculto</p><p>(prevalência variando entre 3-22%); nesse grupo populacional, o uso de espironolactona no tratamento deve ser tentado (ver adiante em “Tratamento”).</p><p>Feocromocitoma: é causa rara de HAS secundária. Consiste em um tumor hipersecretante de catecolaminas (adrenalina ou noradrenalina), presente, na maioria das vezes,</p><p>na medula suprarrenal. Deve ser suspeitado em pacientes com hipertensão “lábil”, isto é, picos significativos esporádicos da PA, geralmente associados a fortes</p><p>palpitações, angina, sudorese e fadiga generalizada. Entretanto, até 60% dos casos apresentam-se como hipertensão crônica, geralmente de difícil controle. Às vezes, a</p><p>elevação da PA é tão rápida e grave que desencadeia uma encefalopatia hipertensiva. A triagem deve ser feita com a dosagem de catecolaminas (epinefrina,</p><p>norepinefrina) e seus metabólitos (metanefrina, ácido vanil-mandélico – VMA) no sangue ou na urina de 24h. O mais indicado é a metanefrina urinária, por ter a maior</p><p>sensibilidade e por não sofrer influência de certas drogas ou alimentos. Se houver aumento em algum desses elementos dosados, indica-se uma TC (ou ressonância</p><p>magnética) abdominal para procurar algum tumor suprarrenal. Se negativa, ainda tenta-se fazer uma cintilografia com MIBG (Metil-Iodo-Benzil-Guanidina), radioisótopo que</p><p>se concentra nas células da linhagem neuroendócrina (APUD), sendo o exame mais sensível para o diagnóstico de feocromocitoma. O tratamento é a ressecção do tumor.</p><p>O preparo pré-operatório é fundamental. A PA deve ser controlada com alfa-1-bloqueadores, como o prazosin, associando-se posteriormente um betabloqueador, se</p><p>necessário. No caso de tumores inoperáveis pode ser utilizada uma droga inibidora da síntese de catecolaminas (alfametiltirosina). Os betabloqueadores isoladamente são</p><p>contraindicados, pois bloqueiam os receptores beta-2, levando ao predomínio do efeito alfa-vasoconstritor.</p><p>Coarctação da aorta: é uma importante causa de HAS na infância. É a quarta cardiopatia congênita mais frequente, correspondendo a 7% dos casos. É definida como uma</p><p>obstrução congênita da porção da aorta adjacente ao ligamento arterial, geralmente após a subclávia esquerda. Estes pacientes são detectados pelo exame físico que</p><p>mostra, além do sopro sistólico ejetivo no precórdio e dorso, uma grande diferença de pulso e pressão arterial entre os membros superiores e inferiores (maior nos</p><p>primeiros). O diagnóstico é facilmente realizado pelo ecocardiograma. O tratamento é sempre intervencionista, podendo ser realizado por procedimento endovascular em</p><p>indivíduos mais jovens ou em crianças; ou cirurgia, nos casos de hipoplasia do arco aórtico. A resposta da PA ao tratamento intervencionista depende da duração da</p><p>hipertensão no período pré-operatório e da idade do paciente. A cura é alcançada em torno de 50% dos casos.</p><p>CAP. 3</p><p>HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA</p><p>TRATAMENTO</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>ESTRATIFICAÇÃO DO RISCO CARDIOVASCULAR (RCV)</p><p>Uma estimativa do risco cardiovascular (risco de eventos futuros, como IAM e AVC) é essencial para definir a necessidade e a “agressividade” da terapêutica anti-</p><p>hipertensiva. Diversas formas de avaliação do RCV foram desenvolvidas nas últimas décadas, mas nenhuma foi especificamente validada na população brasileira... Logo,</p><p>não se recomenda a adoção exclusiva de um único escore na avaliação do RCV em nossos pacientes!!! O ideal é lançar mão de um modelo multifatorial, quer dizer, uma</p><p>espécie de “mistura” das evidências disponíveis...</p><p>Com base nessa premissa, a Diretriz Brasileira de HAS afirma que a estratificação do RCV nos hipertensos brasileiros pode ser baseada em duas</p><p>estratégias diferentes:</p><p>Estimativa do RCV diretamente relacionado à HAS (estratégia restrita aos hipertensos): toma por base os níveis pressóricos, a presença de Fatores de Risco</p><p>Cardiovascular (FRCV) adicionais, Lesões de Órgão-Alvo (LOA), Doença Cardiovascular (DCV) estabelecida e/ou nefropatia.</p><p>Estimativa do RCV em dez anos, independentemente da presença de HAS (estratégia para qualquer pessoa com idade entre 30-74 anos): avalia múltiplos FRCV,</p><p>lembrando que a HAS é o PRINCIPAL deles.</p><p>A seguir, descreveremos</p><p>cada uma dessas estratégias...</p><p>ESTRATÉGIA 1: ESTIMATIVA DO RCV DIRETAMENTE RELACIONADO À HAS</p><p>Consiste em avaliar o risco cardiovascular “adicional”, isto é, somar o risco atribuível ao grau de hipertensão do paciente com o risco atribuível à presença de outros</p><p>fatores. Ver Tabela 1.</p><p>Tab. 1</p><p>Perceba que a HAS estágio III (PA ≥ 180 x 110 mmHg) acarreta RCV sempre alto, e que na presença de LOA, DCV, DRC ou DM o RCV também será sempre alto, desde</p><p>que a PA do paciente seja ≥ 130 x 85 mmHg.</p><p>Os FRCV “adicionais” que devem ser levados em conta na tabela anterior são (Tabela 2):</p><p>FRCV = Fator de Risco Cardiovascular; LOA = Lesão de Órgão-Alvo; DCV = Doença Cardiovascular Estabelecida; DRC = Doença Renal Crônica; DM = Diabetes Mellitus.</p><p>Tab. 2</p><p>DCV = Doença Cardiovascular; TOTG = Teste Oral de Tolerância à Glicose; IMC = Índice de Massa Corpórea; CA = Circunferência Abdominal.</p><p>As LOAs que devem ser pesquisadas são (Tabela 3):</p><p>Tab. 3</p><p>EMI = Espessura Mediointimal; VOP = Velocidade da Onda de Pulso; ITB = Índice Tornozelo-Braquial; DRC = Doença Renal Crônica.</p><p>Por fim, considera-se como DCV ou DRC estabelecidas (Tabela 4):</p><p>Tab. 4</p><p>AVE = Acidente Vascular Encefálico; AIT = Ataque Isquêmico Transitório; IAM = Infarto Agudo do Miocárdio; ICFER = Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Reduzida; ICFEN = Insuficiência</p><p>Cardíaca com Fração de Ejeção Normal; DAP = Doença Arterial Periférica; DRC = Doença Renal Crônica.</p><p>ESTRATÉGIA 2: ESTIMATIVA DO RCV EM QUALQUER PESSOA COM IDADE ENTRE 30-74 ANOS (HIPERTENSOS OU NÃO</p><p>HIPERTENSOS)</p><p>Essa estratégia submete o paciente a uma avaliação em 3 etapas.</p><p>1ª ETAPA: identificação de doença aterosclerótica e seus equivalentes.</p><p>Observe a Tabela 5. A presença de qualquer um desses fatores prevê um RCV > 20% em dez anos, classificando automaticamente o paciente como “RISCO ALTO”.</p><p>FRCV “adicionais” à HAS</p><p>● Sexo masculino.</p><p>● Idade (♂: ≥ 55 anos; ♀: ≥ 65 anos).</p><p>● DCV “prematura” em parente de 1º grau (♂: < 55 anos; ♀: < 65 anos).</p><p>● Tabagismo.</p><p>● Dislipidemia:</p><p>➤ Colesterol Total > 190 mg/dl; e/ou</p><p>➤ LDL > 100 mg/dl; e/ou</p><p>➤ HDL < 40 mg/dl em homens ou < 46 mg/dl em mulheres; e/ou</p><p>➤ TG > 150 mg/dl.</p><p>● Resistência à insulina:</p><p>➤ Glicemia de jejum 100-125 mg/dl;</p><p>➤ Glicemia 2h após TOTG 140-199 mg/dl;</p><p>➤ HbA1C 5,7-6,4%.</p><p>● Obesidade:</p><p>➤ IMC ≥ 30 kg/m²;</p><p>➤ CA > 80 cm em mulheres ou > 94 cm homens de descendência europeia ou africana ou > 90 cm naqueles de descendência asiática.</p><p>Lesões de órgão-alvo que definem risco ALTO em pacientes com PA ≥ 130 x 85 mmHg</p><p>● Hipertrofia Ventricular Esquerda (HVE), definida como...</p><p>➤ No ECG: índice de Sokolow-Lyon (SV1 + RV5 ou RV6) ≥ 35 mm, ou onda R em aVL ≥ 11 mm, ou índice de “Cornell-voltagem” > 2440.</p><p>➤ No ecocardiograma: índice de massa do VE > 115 g/m² homens e > 95 g/m² mulheres.</p><p>● USG-Doppler de carótidas: EMI > 0.9 mm ou presença de placa de ateroma.</p><p>● VOP carótido-femoral > 10 m/s.</p><p>● ITB < 0.9.</p><p>● DRC estágio III (ClCr 30-60 ml/min).</p><p>● Albuminúria 30-300 mg/dia ou relação albumina/creatinina em spot urinário 30-300 mg/g.</p><p>Doenças estabelecidas que definem risco ALTO em pacientes com PA ≥ 130 x 85 mmHg</p><p>● Doença cerebrovascular:</p><p>➤ AVE isquêmico;</p><p>➤ AVE hemorrágico;</p><p>➤ AIT.</p><p>● Doença coronariana:</p><p>➤ Angina estável ou instável;</p><p>➤ IAM;</p><p>➤ Revascularização prévia (angioplastia ou cirurgia).</p><p>● ICFER ou ICFEN.</p><p>● DAP sintomática em MMII.</p><p>● DRC estágio IV ou V (ClCr < 30 ml/min).</p><p>● Albuminúria > 300 mg/dia.</p><p>● Retinopatia “avançada” = exsudatos, hemorragias, papiledema.</p><p>Tab. 5</p><p>2ª ETAPA: cálculo do Escore de Risco Global (ERG).</p><p>Se a 1ª etapa for “negativa” (isto é, se nenhuma das condições citadas na Tabela 5 for encontrada), o próximo passo é calcular o ERG, que estima o risco de eventos</p><p>cardiovasculares nos próximos dez anos... O ERG é calculado de maneira diferente para mulheres e homens (ver Tabelas 6 e 7).</p><p>Tab. 6</p><p>Doença aterosclerótica e equivalentes (qualquer um = RISCO ALTO)</p><p>Doença aterosclerótica clinicamente evidente (coronariopatia, doença cerebrovascular, DAP).</p><p>Aterosclerose subclínica significativa (documentada por métodos complementares).</p><p>História de algum procedimento de revascularização arterial.</p><p>Diabetes mellitus.</p><p>Doença renal crônica.</p><p>Hipercolesterolemia familiar.</p><p>Tab. 7</p><p>● Um ERG < 5% define risco BAIXO, exceto se houver história familiar de DCV “prematura”, o que eleva o risco para a categoria INTERMEDIÁRIO.</p><p>● Homens com ERG entre 5-20%, e mulheres com ERG entre 5-10% são classificados como risco INTERMEDIÁRIO.</p><p>● O risco será ALTO para homens com ERG > 20% e mulheres com ERG > 10%.</p><p>3ª ETAPA: reclassificação do risco na presença de fatores agravantes.</p><p>Pacientes de risco INTERMEDIÁRIO serão reclassificados para risco ALTO se possuírem pelo menos um dos fatores agravantes citados na Tabela 8. A definição de síndrome</p><p>metabólica adotada (definição da IDF – International Diabetes Federation) está exposta na Tabela 9.</p><p>Tab. 8</p><p>HVE = Hipertrofia do Ventrículo Esquerdo; EMI = Espessura Mediointimal; ITB = Índice Tornozelo-Braquial.</p><p>Fatores agravantes do RCV</p><p>Doença coronariana “prematura” em parente de 1º grau (♂: < 55 anos; ♀: < 65 anos).</p><p>Diagnóstico de síndrome metabólica.</p><p>Albuminúria > 30 mg/dia ou relação albumina/creatinina em spot urinário > 30 mg/g.</p><p>HVE.</p><p>Proteína C-reativa ultrassensível > 2 mg/l.</p><p>EMI de carótida > 1.0 mm.</p><p>Escore de cálcio coronário > 100 ou acima do percentil 75 para sexo e idade.</p><p>ITB < 0.9.</p><p>Tab. 9</p><p>DECISÃO DE TRATAR E METAS TERAPÊUTICAS</p><p>Conforme já explicado, em nosso material utilizaremos as recomendações da Diretriz Brasileira de HAS, já que esta costuma ser a principal referência bibliográfica para as</p><p>provas de residência em nosso meio.</p><p>DECISÃO DE TRATAR (DIRETRIZ BRASILEIRA DE HAS)</p><p>Uma "tentativa temporária" de tratamento não medicamentoso isolado, com posterior reavaliação do controle pressórico e consequente decisão de associar ou não o</p><p>tratamento medicamentoso, pode ser conduzida por até três meses nos hipertensos estágio 1 com risco cardiovascular baixo.</p><p>O tratamento medicamentoso, combinado ao não medicamentoso, já pode (e deve) ser iniciado de imediato no hipertenso estágio 1 de risco cardiovascular moderado a</p><p>alto!</p><p>A meta pressórica para os pacientes com risco não alto é manter a PA < 140 x 90 mmHg, mas, se bem tolerado (isto é, sem grandes efeitos colaterais do tratamento),</p><p>pode-se almejar como meta valores de PA próximos a 120 x 80 mmHg, ou seja, próximos à normalidade, principalmente quando o paciente é jovem e o tratamento é</p><p>iniciado de forma precoce.</p><p>Os pacientes de alto risco cardiovascular (3 ou mais fatores de risco adicionais, DM, LOA, DCV ou DRC estabelecidos) também iniciam o tratamento medicamentoso e não</p><p>medicamentoso de imediato. A meta pressórica para estes indivíduos deve ser uma PA < 130 x 80 mmHg, tomando-se o cuidado de não reduzir a PAD para valores abaixo</p><p>de 70 mmHg, devido ao "fenômeno da curva em J" em relação à doença coronariana (ver adiante).</p><p>Por segurança, quando se mede a PA no consultório, a meta pressórica no paciente de alto risco deve ficar entre 120-129 mmHg para a PA sistólica e 70-79 mmHg para a</p><p>PA diastólica. Idosos e portadores de comorbidades (especialmente DRC avançada) são manejados mais cautelosamente, de forma a tentar atingir tais metas de maneira</p><p>mais gradual, já que nestes casos uma queda muito acelerada da PA pode ser prejudicial (ex.: maior risco de quedas da própria altura por hipotensão postural, piora</p><p>abrupta da TFG).</p><p>Pré-hipertensos na faixa de PA entre 130-139 x 85-89 mmHg devem iniciar de imediato tratamento não medicamentoso, pois isso reduz a evolução para HAS. Nestes</p><p>pacientes, o início do tratamento medicamentoso pode ser considerado de forma individualizada caso exista uma DCV estabelecida, ou caso o RCV seja alto, mesmo na</p><p>ausência de DCV estabelecida. O uso de inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona comprovadamente reduz o surgimento de HAS neste subgrupo, sem,</p><p>contudo, haver evidência de benefício sobre</p><p>a morbimortalidade.</p><p>Na HAS sistólica isolada dos idosos (≥ 60 anos), o tratamento medicamentoso está indicado a partir de uma PAS ≥ 140 mmHg e/ou PAD ≥ 90 mmHg, desde que bem</p><p>tolerado. Nos “idosos frágeis”, o tratamento medicamentoso passa a ser indicado somente se PAS ≥ 160 mmHg e/ou PAD ≥ 90 mmHg.</p><p>Na HAS sistólica isolada dos jovens (< 30 anos), o tratamento medicamentoso só está indicado se o risco cardiovascular global for alto. Para pacientes com risco</p><p>intermediário ou baixo indica-se apenas tratamento não medicamentoso e monitorização para o surgimento de LOAs… A explicação para esta aparente contradição é a</p><p>seguinte: HAS sistólica é comum em pessoas jovens, porém, na maioria das vezes, a pressão arterial “central” (aquela diretamente aferida na aorta) está normal nestes</p><p>indivíduos, e por isso o risco cardiovascular não estaria verdadeiramente alto somente pelo nível de PA sistólica…</p><p>METAS PRESSÓRICAS</p><p>Uma vez indicado o tratamento da HAS conforme as considerações feitas anteriormente, devemos almejar a obtenção das chamadas “metas pressóricas”. Observe na</p><p>Tabela 10 um resumo das recomendações da Diretriz Brasileira de HAS:</p><p>Critérios diagnósticos de síndrome metabólica (três ou mais dos abaixo)</p><p>Obesidade abdominal:</p><p>● Homens: > 94 cm (descendência europeia ou africana) ou > 90 cm (descendência asiática);</p><p>● Mulheres: > 80 cm.</p><p>HDL:</p><p>● Homens: < 40 mg/dl;</p><p>● Mulheres: < 50 mg/dl.</p><p>TG ≥ 150 mg/dl ou tratamento para hipertrigliceridemia.</p><p>PA (ou tratamento para HA):</p><p>● PAS ≥ 130 mmHg; e/ou</p><p>● PAD ≥ 85 mmHg.</p><p>Glicemia ≥ 100 mg/dl ou tratamento para diabetes mellitus.</p><p>Tab. 10</p><p>Obs.: 1) mais importante a condição funcional que idade cronológica; 2) incluindo fragilidade leve; 3) fragilidade moderada e severa; 4) incluindo idosos com comorbidades: DM, DAC, DRC,</p><p>ACV/EIT (não se refere à fase aguda); 5) avaliar ativamente a tolerabilidade, inclusive possíveis sintomas atípicos; 6) uma meta mais rígida (125-135 mmHg) pode ser obtida em casos</p><p>selecionados, especialmente em idosos motivados, com < 80 anos, apresentando ótima tolerabilidade ao tratamento; 7) limites mais elevados em caso de sobrevida limitada e ausência de</p><p>sintomas. A redução da PA deve ser gradual; 8) PAD = evitar < 65-70 mmHg em portadores de DAC clinicamente manifesta.</p><p>No hipertenso com PA fora da meta, as avaliações devem ser mensais, até que a PA esteja controlada. Em idosos, o tratamento deve ser escalonado de forma mais lenta.</p><p>O mesmo preceito é válido para pacientes com PA inicialmente muito elevada, presença de comorbidades e/ou uso de múltiplas medicações. O ideal, sempre que possível,</p><p>é que o controle pressórico seja confirmado por medidas fora do consultório, através de MRPA ou, preferencialmente, MAPA; tal conduta é particularmente útil no</p><p>hipertenso diabético, que possui maior incidência de HAS “mascarada”.</p><p>TRATAMENTO NÃO MEDICAMENTOSO (TNM)</p><p>O TNM é um importante coadjuvante da terapia anti-hipertensiva, devendo ser indicado para TODOS os hipertensos. A literatura mostra que seus componentes são</p><p>capazes de reduzir a PA de maneira independente, porém discreta. Este benefício, no entanto, tende a ser de curta duração, já que a maioria dos pacientes não consegue</p><p>manter o TNM em longo prazo (e talvez por isso nunca tenha sido demonstrada uma redução da mortalidade cardiovascular somente por efeito dessas medidas)… Seja</p><p>como for, o TNM potencializa a ação dos medicamentos e também ajuda a controlar outros fatores de risco comumente associados à HAS!</p><p>Os componentes e metas do TNM estão resumidos na Tabela 11. Nos parágrafos seguintes teceremos comentários sobre cada medida individual.</p><p>SAIBA MAIS... O que é a “curva em J”?</p><p>A perfusão das artérias coronárias acontece durante a diástole, momento em que a valva aórtica encontra-se fechada e a pressão arterial está em seu nadir (isto é, seu</p><p>valor mínimo: a PA diastólica). A PA diastólica ao nível da raiz aórtica "empurra" o sangue pelos óstios coronarianos, determinando a perfusão do miocárdio… Assim, uma</p><p>queda excessiva da PA diastólica pode gerar isquemia miocárdica, particularmente na vigência de obstrução coronariana! Já foi amplamente demonstrado que o</p><p>tratamento da HAS reduz a morbimortalidade cardiovascular, incluindo uma redução de eventos coronarianos fatais e não fatais. No entanto, nos coronariopatas, isso é</p><p>observado até certo ponto, principalmente em relação à PA diastólica (por volta de 65-70 mmHg). Reduções abaixo desse limiar (PAD < 65 mmHg) AUMENTAM a</p><p>mortalidade relacionada aos eventos isquêmicos do coração!!! Assim, plotando-se num gráfico a relação entre os níveis de PA diastólica e a mortalidade cardiovascular,</p><p>observamos uma “curva em J”, isto é, não é apenas o aumento da PA diastólica que se associa a um aumento exponencial da mortalidade – uma queda excessiva da PA</p><p>diastólica também acaba tendo o mesmo efeito!!! Visando uma maior segurança do paciente, recomenda-se que o tratamento de hipertensos coronariopatas não abaixe</p><p>a PA para valores inferiores a 120 x 70 mmHg…</p><p>SAIBA MAIS... O estudo SPRINT.</p><p>Este importante ensaio clínico sugeriu que em pacientes de alto risco cardiovascular (excluídos os diabéticos, as vítimas de AVC e os portadores de doença renal</p><p>policística) uma PA sistólica < 120 mmHg promoveria reduções adicionais na morbimortalidade!!!</p><p>Antes de você “pirar” (devido às aparentes contradições com tudo que foi dito até agora), é preciso compreender um importantíssimo detalhe a respeito da metodologia</p><p>empregada nesse estudo…</p><p>Tradicionalmente, os estudos sobre tratamento da HAS sempre se basearam nas medidas de PA no consultório, isto é, as metas pressóricas vinham sendo estabelecidas</p><p>especificamente para as aferições realizadas pelos médicos durante as consultas ambulatoriais, por meio da esfigmomanometria clássica. No SPRINT, a PA foi medida de</p><p>uma forma diferente… Os pacientes tiveram sua PA aferida enquanto aguardavam a consulta, sozinhos, numa sala isolada (longe do médico) e após um período de</p><p>repouso, utilizando um oscilômetro automático (aparelho que tira várias medidas sucessivas da PA, calculando uma média). Sabemos que a PA sistólica medida dessa</p><p>maneira costuma ser em média 5-10 mmHg inferior à PA sistólica medida pela esfigmomanometria realizada pelo médico no momento da consulta! Logo, na realidade,</p><p>não existe uma contradição absoluta entre o que foi sugerido pelo SPRINT e as atuais recomendações da Diretriz Brasileira de HAS, uma vez que as metas pressóricas</p><p>definidas neste último documento fazem referência à PA medida por esfigmomanometria pelo médico durante as consultas. Tudo depende de como você avalia a PA do</p><p>paciente…</p><p>Tab. 11</p><p>O ganho ponderal se associa a um aumento da PA em todas as faixas etárias (inclusive crianças), em particular quando acompanhado de obesidade central (o aumento</p><p>da CA – Circunferência Abdominal – é fator de risco independente para o surgimento de HAS). As explicações seriam: (1) resistência à insulina; (2) hiperativação</p><p>adrenérgica, uma das consequências diretas da maior ingesta calórica. Para cada 5% de perda ponderal ocorre uma queda de 20-30% na PA, logo, um emagrecimento leve</p><p>a moderado já é capaz de trazer benefícios significativos (ou seja, o paciente não precisa ficar “esbelto”)!</p><p>Em relação ao padrão alimentar, considera-se que as dietas restritivas (ex.: aquelas que excluem de forma radical certos tipos de alimento) NÃO seriam opções</p><p>adequadas por não serem sustentáveis em longo prazo… A dieta com maior nível de evidência para o controle da PA é a famosa “dieta DASH” (Dietary Approaches to Stop</p><p>Hypertension), rica em frutas, hortaliças e laticínios com baixo teor de gordura, e pobre em carne vermelha, doces e bebidas adoçadas. Com ela o paciente consegue</p><p>manter uma ingesta adequada de cálcio, potássio, magnésio e fibras, consumindo pouco colesterol e gorduras saturadas.</p><p>Vale dizer que tanto a “Dieta do Mediterrâneo”</p><p>(semelhante à DASH, porém rica em azeite de oliva, que contém gordura monoinsaturada) quanto o vegetarianismo também exercem efeito hipotensor, ainda que as</p><p>evidências sejam mais favoráveis à dieta DASH.</p><p>Outro aspecto nutricional se refere ao consumo de sódio, que, segundo alguns estudos, está bem acima do recomendado na população brasileira (média de 11,4 g/dia de</p><p>sódio, enquanto a meta é um máx. de 2 g/dia de sódio). Inclusive, é notório que grande parte das pessoas ignora que está consumindo um excesso de sal no dia a dia, pelo</p><p>fato de muitos alimentos serem fontes insuspeitas dessa substância (ex.: alimentos industrializados).</p><p>Os polifenois são nutrientes capazes de reduzir a PA. Eles estão presentes no vinho, café, chá verde e chocolate amargo (≥ 70% de cacau). É por isso que o consumo</p><p>moderado desses alimentos tem efeito benéfico sobre a PA, a despeito de alguns deles conterem cafeína, uma substância sabidamente vasopressora…</p><p>O consumo habitual e excessivo de álcool aumenta a PA (mecanismo: ativação adrenérgica central por efeito direto do etanol). Para cada 10 g/dia estima-se um</p><p>aumento médio de 1 mmHg na PA. Assim, recomenda-se moderação às pessoas que gostam de beber! Como regra geral, uma “dose de álcool” equivale a 14 g de etanol,</p><p>quantidade presente na dose padrão de cada tipo de bebida (350 ml de cerveja, 150 ml de vinho ou 45 ml de destilados).</p><p>O sedentarismo (medido pelo tempo sentado) é fator de risco para HAS e mortalidade CV, e a prática de exercícios físicos evita o surgimento de HAS em pré-</p><p>hipertensos, além de reduzir a PA de hipertensos (especialmente exercícios aeróbicos). Para a população geral, não há necessidade de realizar exames complementares</p><p>antes de começar a se exercitar. Exames poderão ser solicitados de forma individualizada, caso ocorram sintomas induzidos pelo exercício… Não obstante, na vigência de</p><p>PA muito alta, > 3 FRCV, DM, LOA ou cardiopatia, deve-se fazer um TESTE ERGOMÉTRICO antes de iniciar um programa de exercícios físicos moderados! Ademais, todo</p><p>hipertenso que deseja participar de atividades competitivas ou de alta performance deve fazer uma avaliação cardiovascular completa antes de iniciar o treinamento.</p><p>TRATAMENTO MEDICAMENTOSO</p><p>“Anti-hipertensivo de 1ª linha” é toda droga que, além de baixar a PA, reduz a morbimortalidade cardiovascular. Logo, além de poderem ser utilizadas em monoterapia,</p><p>tais drogas sempre devem estar presentes nos esquemas de associação... De acordo com a literatura médica, existem cinco classes de anti-hipertensivos de 1ª linha:</p><p>Diuréticos (DIU);</p><p>Bloqueadores de Canais de Cálcio (BCC);</p><p>Inibidores da ECA (IECA);</p><p>Bloqueadores do Receptor de Angiotensina II (BRA);</p><p>Betabloqueadores (BB).</p><p>Estudos recentes mostraram que os benefícios dos BB são inferiores aos das demais classes, exceto em certos subgrupos de pacientes (ex.: coronariopatas,</p><p>portadores de ICFER). Logo, os BB devem ser considerados como anti-hipertensivos de 1ª linha somente nessas circunstâncias específicas.</p><p>Cap_03_Video_01_Car2</p><p>Outros agentes hipotensores não são considerados de 1ª linha porque não reduziram a morbimortalidade CV em estudos científicos. Não obstante, podem ser usados em</p><p>esquemas de associação, quando o emprego das drogas de 1ª linha não for suficiente para atingir as metas preconizadas.</p><p>Tratamento não medicamentoso da HAS</p><p>Controle do peso e da Circunferência Abdominal (CA) Manter:</p><p>● IMC < 25 kg/m² até 65 anos;</p><p>● IMC < 27 kg/m² após 65 anos;</p><p>● CA < 90 cm em homens e < 80 cm em mulheres.</p><p>Dieta ● Adotar a dieta DASH.</p><p>Consumo de sal ● Máx. de 2 g/dia de sódio, ou 5 g/dia de NaCl.</p><p>Consumo de álcool ● Máx. de 1 dose/dia em mulheres e pessoas com baixo peso, e 2 doses/dia em</p><p>homens.</p><p>Exercícios físicos ● Recomendação POPULACIONAL (incluindo todos os hipertensos): fazer pelo</p><p>menos 30min/dia de atividade aeróbica por 5-7 dias da semana.</p><p>● Recomendação INDIVIDUALIZADA (visando maiores benefícios): sempre que</p><p>possível, associar atividades aeróbicas com exercícios resistidos (estes de 2-</p><p>3x/semana).</p><p>Outras Cessação do tabagismo, "respiração lenta" (reduzir FR para < 6-10/min, durante</p><p>15-20min/dia, por pelo menos oito semanas) e técnicas para "controle do estresse"</p><p>(psicoterapia, meditação, biofeedback e/ou técnicas de relaxamento,</p><p>espiritualidade/religiosidade).</p><p>Equipe multiprofissional Hipertensos tratados por equipe multiprofissional têm maior adesão e melhores</p><p>resultados tanto no tratamento medicamentoso quanto no não medicamentoso.</p><p>É bom lembrar que a maioria dos hipertensos necessitará de dois ou mais agentes anti-hipertensivos... Observe na Tabela 12 algumas peculiaridades acerca das</p><p>principais associações.</p><p>Tab. 12</p><p>PRINCÍPIOS GERAIS DO TRATAMENTO MEDICAMENTOSO</p><p>Prefere-se as drogas de uso oral, na menor dosagem possível, a um custo financeiro que o paciente possa arcar.</p><p>Prefere-se as drogas de ação longa ou liberação lenta, que permitem a tomada 1x ao dia, aumentando a adesão do paciente.</p><p>A posologia deve garantir a manutenção de níveis séricos eficazes ao longo das 24h. Recomenda-se que a concentração plasmática mínima seja ≥ 50% da</p><p>concentração plasmática máxima (relação vale/pico ≥ 0,5).</p><p>A maioria dos anti-hipertensivos começa a agir entre 1-3h, logo, recomenda-se a tomada após acordar, a fim de evitar o pico de pressão que normalmente ocorre no</p><p>início do dia, o qual se associa a uma maior incidência de eventos cardiovasculares. Exceção é feita às medicações com início de ação tardio, como o verapamil (~ 6h),</p><p>que devem ser tomadas à noite antes de deitar.</p><p>A PA deve ser reavaliada após quatro semanas do início ou mudança do tratamento. Se o resultado terapêutico for parcial e não houver efeitos colaterais, pode-se</p><p>aumentar a dose do fármaco ou fármacos em uso, ou, como muitos preferem, pode-se associar um novo anti-hipertensivo com mecanismo de ação diferente (o</p><p>aumento de dose sempre aumenta a chance de efeitos colaterais). Se surgirem efeitos colaterais, recomenda-se a redução da dose ou substituição dos medicamentos</p><p>implicados. Se a meta não for atingida a despeito do uso em dose máxima, na ausência de efeitos colaterais, deve-se associar um novo anti-hipertensivo com</p><p>mecanismo de ação diferente, sucessivamente, até o controle adequado da PA.</p><p>Qualquer um dos anti-hipertensivos de 1ª linha pode ser usado em monoterapia, pois todos reduzem o RCV de forma semelhante. Contudo, vamos preferir uma droga</p><p>específica se a mesma trouxer benefícios adicionais para certos fatores individuais que o paciente apresente (ex.: “nefroproteção” dos IECA ou BRA – ver adiante).</p><p>DROGAS ANTI-HIPERTENSIVAS</p><p>A seguir, descreveremos as principais características das drogas anti-hipertensivas em uso clínico na atualidade.</p><p>DIURÉTICOS</p><p>A preferência é pelos tiazídicos em baixas doses, pelo fato de poderem ser tomados 1x ao dia e promoverem uma redução mais suave da PA em comparação com os</p><p>demais DIU, apresentando poucos efeitos colaterais. São as drogas com mais evidências de benefício em relação a todos os desfechos cardiovasculares. Os DIU de alça são</p><p>indicados apenas na vigência de DRC avançada (ClCr < 30 ml/min) e/ou na presença de edema (ex.: ICC), já que, isoladamente, os tiazídicos não funcionam bem em</p><p>nenhuma dessas circunstâncias. DIU “poupadores de K+” não são bons anti-hipertensivos, no entanto, podem ser associados aos tiazídicos/DIU de alça a fim de evitar a</p><p>hipocalemia.</p><p>TIAZÍDICOS</p><p>Mecanismo de ação: num primeiro momento, a natriurese induzida pelos tiazídicos reduz o Volume Extracelular (VEC) em cerca de 10%. Contudo, passadas 4-6 semanas, o</p><p>VEC volta ao normal (pelo aumento compensatório na reabsorção renal de sal e água) ocorrendo uma redução da Resistência Vascular Periférica (RVP), o que efetivamente</p><p>reduz a PA do paciente.</p><p>Observe na Tabela 13 os principais tiazídicos disponíveis e suas respectivas</p><p>posologias.</p><p>Tab. 13</p><p>Efeitos colaterais: os principais paraefeitos dos tiazídicos podem ser memorizados através da regra “4 HIPO e 3 HIPER”.</p><p>Principais associações de anti-hipertensivos</p><p>IECA + BCC Esta é a associação de escolha, pois se mostrou superior à dupla IECA + DIU no</p><p>que tange à redução de desfechos CV e renais.</p><p>IECA + BRA Associação CONTRAINDICADA, pois aumenta a morbimortalidade (mais IRA e</p><p>hipercalemia aguda).</p><p>DIU + BB Como ambos alteram o metabolismo glicídico/lipídico, sua associação deve ser</p><p>cautelosa na vigência de DM/dislipidemia.</p><p>DIU como 3ª droga Se a associação de duas drogas não controlar a PA, e um DIU não fizer parte do</p><p>esquema, o próximo passo é associar DIU (ele potencializa o efeito hipotensor das</p><p>demais drogas, sejam elas quais forem).</p><p>HAS resistente Definida como a PA acima da meta com o uso de três drogas na dose máxima</p><p>tolerada, sendo uma delas um DIU. A 4ª droga para associação deve ser a espiro‐</p><p>nolactona. Se houver contraindicação ou intolerância, clonidina ou BB podem</p><p>substituí-la. Vasodilatadores diretos são reservados para casos especiais ou em</p><p>associação a DIU + BB.</p><p>Tiazídicos</p><p>Hidroclorotiazida 12,5-25 mg/dia</p><p>Indapamida (Natrilix®) 1,25-2,5 mg/dia</p><p>Clortalidona (Higroton®) 1,25-2,5 mg/dia</p><p>O mais comum é a hipocalemia, presente em 5-10% dos pacientes (especialmente com a clortalidona), o que aumenta o risco de morte súbita cardíaca por arritmias,</p><p>como a fibrilação ventricular. A coexistência de hipomagnesemia potencializa o risco.</p><p>A hiponatremia geralmente se instala nas primeiras semanas de uso (se não aparecer neste período, provavelmente não ocorrerá depois) e possui patogênese</p><p>multifatorial. Os mecanismos implicados são: (1) hipovolemia, que induz “secreção não osmótica de ADH” pela ativação de barorreceptores no coração, arco aórtico e</p><p>bulbo carotídeo; (2) perda da capacidade de diluição urinária, pois os tiazídicos inibem a reabsorção de NaCl no túbulo contorcido distal, aumentando o aporte de NaCl ao</p><p>túbulo coletor de modo que a urina não chega a este segmento do néfron extremamente hipotônica (como deveria acontecer), o que diminui o percentual de água livre</p><p>que consegue ser excretado; (3) potencialização do efeito do ADH no túbulo coletor, fenômeno induzido pelos tiazídicos em pacientes geneticamente predispostos.</p><p>Atribui-se a hiperglicemia e a hiperlipidemia a um bloqueio na liberação de insulina diretamente induzido por essas drogas. O risco de DM2, de fato, está aumentado</p><p>em usuários de tiazídicos… A hiperuricemia é uma complicação inerente aos DIU em geral. Ocorre pela maior reabsorção renal de ácido úrico, secundária ao aumento</p><p>compensatório na reabsorção de sal e água (o fluido tubular fica hiperconcentrado, criando um gradiente físico-químico para a difusão do ácido úrico de volta à circulação).</p><p>Se possível, devemos evitar os diuréticos em pacientes com história de gota. Todos os diuréticos predispõem à impotência sexual, e a clortalidona é a droga que acarreta</p><p>maior risco.</p><p>O bloqueio à reabsorção de sódio no túbulo contorcido distal faz com que o cálcio seja reabsorvido em seu lugar. Logo, os tiazídicos diminuem a calciúria, podendo ser</p><p>usados no tratamento da hipercalciúria idiopática (principal causa de nefrolitíase de repetição). Por outro lado, eles podem piorar a hipercalcemia, devendo ser evitados,</p><p>por exemplo, no hiperparatireoidismo. Hipertensos portadores de osteoporose que fazem uso de tiazídicos têm como benefício adicional uma redução no risco de</p><p>fraturas. Vale frisar, contudo, que em situações normais (ausência de hiperparatireoidismo) o uso de tiazídicos não é capaz de promover hipercalcemia.</p><p>DIURÉTICOS DE ALÇA</p><p>Mecanismo de ação: ao bloquearem a reabsorção de Na/K/2Cl no ramo ascendente espesso da alça de Henle, os DIU de alça promovem uma natriurese muito mais intensa</p><p>que os tiazídicos, espoliando o paciente de volume. Logo, só devem ser usados como anti-hipertensivos quando a HAS estiver associada à hipervolemia! Em pacientes não</p><p>francamente hipervolêmicos o risco de hipovolemia torna-se proibitivo. Além do mais, os DIU de alça podem precisar de múltiplas tomadas diárias… Observe a Tabela 14.</p><p>Tab. 14</p><p>Obs.: as doses citadas costumam ser suficientes para controlar a PA, mas os DIU de alça podem ser usados em doses mais altas por outros motivos, p. ex.: controle de edema.</p><p>Em relação ao cálcio, os DIU de alça exercem efeito oposto ao dos tiazídicos: eles INIBEM a reabsorção renal de cálcio, aumentando a calciúria e predispondo à</p><p>hipocalcemia! Logo, devem ser evitados se houver história de nefrolitíase, mas constituem terapia de escolha na vigência de hipercalcemia aguda sintomática.</p><p>POUPADORES DE K+</p><p>Mecanismo de ação: bloqueiam diretamente o receptor de aldosterona (ex.: espironolactona, eplerenona), ou então, o canal epitelial de sódio (ENaC) cuja expressão é</p><p>induzida pela aldosterona nas células do túbulo coletor (ex.: amilorida, triantereno). Lembre-se que é no túbulo coletor que ocorre a reabsorção de sódio em troca da</p><p>secreção de K+ e H+, por ação da aldosterona.</p><p>Os antagonistas do receptor de aldosterona são as drogas de 1ª escolha para tratamento da HAS no hiperaldosteronismo primário. Como já dito, a espironolactona também</p><p>é considerada a droga de 4ª escolha para associação em portadores de “HAS resistente” (HAS a despeito do uso de três drogas na dose máxima tolerada, sendo uma delas</p><p>um diurético). Já os bloqueadores do ENaC costumam ser coformulados com os tiazídicos, constituindo boa opção quando o paciente desenvolve hipocalemia. Observe a</p><p>Tabela 15.</p><p>Tab. 15</p><p>HCTZ = Hidroclorotiazida.</p><p>BLOQUEADORES DE CANAIS DE CÁLCIO</p><p>Mecanismo de ação: bloqueiam canais de cálcio presentes na membrana de certos tipos celulares, reduzindo o influxo de cálcio para o citoplasma. O cálcio é cofator</p><p>imprescindível para a contração muscular, sendo igualmente importante para o funcionamento do tecido de condução cardíaca. Podem ser de dois tipos: (1) di-</p><p>hidropiridínicos; (2) não di-hidropiridínicos.</p><p>4 HIPO 3 HIPER</p><p>Hipovolemia</p><p>Hiponatremia</p><p>Hipocalemia</p><p>Hipomagnesemia</p><p>Hiperglicemia</p><p>Hiperlipidemia</p><p>Hiperuricemia</p><p>Diuréticos de alça</p><p>Furosemida (Lasix®) 20-80 mg/dia (2 tomadas)</p><p>Bumetanida (Burinax®) 0,5-2 mg/dia (2 tomadas)</p><p>Piretanida (Arelix®) 6-12 mg/dia (2 tomadas)</p><p>Ácido etacrínico (Edecrin®) 50-200 mg/dia (2 tomadas)</p><p>Diuréticos poupadores de K+</p><p>Espironolactona (Aldactone®) 50-100 mg/dia (1-2 tomadas)</p><p>Eplerenona (Inspra®) 50-200 mg/dia (1 tomada)</p><p>HCTZ + Amilorida (Moduretic®) 5-10 mg de amilorida/dia (1 tomada)</p><p>HCTZ + Triantereno (Iguassina®) 50 mg de triantereno/dia (1 tomada)</p><p>Os di-hidropiridínicos são vasosseletivos, isto é, atuam especificamente em canais de cálcio localizados nas células musculares lisas da parede das arteríolas, promovendo</p><p>vasodilatação e redução da RVP, sem interferir na contratilidade miocárdica. Por este motivo são os BCC mais utilizados como anti-hipertensivos, especialmente os de</p><p>meia-vida longa, como a anlodipina.</p><p>Já os não di-hidropiridínicos são cardiosseletivos, atuando em canais de cálcio localizados nos cardiomiócitos e no tecido de condução. Por este motivo, podem deprimir a</p><p>contratilidade miocárdica (redução do débito cardíaco), além de ocasionar bradicardia, devendo ser evitados na ICFER (em particular o verapamil, que é o mais inotrópico</p><p>negativo). São especialmente úteis nos hipertensos que necessitam reduzir a FC mas não podem utilizar BB, como os portadores de angina pectoris que também têm asma</p><p>ou DPOC.</p><p>Efeitos colaterais: (1) di-hidropiridínicos = edema maleolar (principal) que pode evoluir com dermatite ocre no terço distal da perna; cefaleia; tonteira; rubor facial e</p><p>hiperplasia gengival (raro); (2) não di-hidropiridínicos = agravamento da ICFER, bradicardia, bloqueio AV, constipação (verapamil).</p><p>Por que os BCC di-hidropiridínicos podem causar edema maleolar? Alguns indivíduos</p><p>apresentam uma resposta vasodilatadora exagerada nos membros</p><p>inferiores, gerando hiperfluxo nessa região e edema pela maior transudação de líquido ao nível dos capilares.</p><p>Observe a Tabela 16.</p><p>Tab. 16</p><p>Obs.: a nimodipina é um BCC di-hidropiridínico que costuma ser usado apenas na prevenção do vasoespasmo cerebral em pacientes com hemorragia subaracnoide, e não como anti-</p><p>hipertensivo.</p><p>Durante anos a nifedipina foi utilizada pela via sublingual no tratamento das crises hipertensivas (abria-se a cápsula e despejava-se seu conteúdo embaixo da língua). O</p><p>efeito hipotensor é rápido e poderoso quando a droga é ministrada dessa maneira… Contudo, logo se percebeu que tal conduta aumenta a mortalidade! A vasodilatação</p><p>quase que instantânea pode promover uma queda muito brusca da pressão arterial, além de desencadear taquicardia reflexa, o que aumenta o consumo miocárdico de</p><p>oxigênio, propiciando o surgimento de isquemia miocárdica e cerebral… As atuais formulações são do tipo "retard" ou "oros", isto é, nifedipina de liberação prolongada</p><p>para uso exclusivamente oral, o que evita os referidos fenômenos.</p><p>INIBIDORES DA ENZIMA CONVERSORA DE ANGIOTENSINA</p><p>Mecanismo de ação: reduzem a formação de angiotensina II a partir da angiotensina I, reduzindo também a degradação de bradicinina (vasodilatador endógeno), a qual é</p><p>igualmente mediada pela ECA. O resultado final é uma vasodilatação arterial periférica (queda da RVP).</p><p>Os IECA são excelentes anti-hipertensivos, e são particularmente úteis na presença de: (1) ICFER e IAM anterior extenso – onde diminuem a cardiotoxicidade direta do</p><p>excesso de angiotensina II produzido em resposta à queda do débito cardíaco (ativação do SRAA), evitando o processo de “remodelamento cardíaco” progressivo; (2)</p><p>nefropatia diabética ou DRC de qualquer etiologia – ao promoverem vasodilatação seletiva da arteríola eferente do glomérulo reduzem a pressão hidrostática</p><p>intraglomerular e, consequentemente, o estresse mecânico gerado pela hiperfiltração (que de outro modo causaria esclerose glomerular) e a própria proteinúria. Este é o</p><p>famoso efeito nefroprotetor.</p><p>É digno de nota que logo após o início de um IECA sempre se espera um certo grau de queda na TFG (pela diminuição na pressão intraglomerular), bem como algum</p><p>aumento nos níveis séricos de K+ (a queda da angiotensina II diminui a secreção de aldosterona pelo córtex adrenal, e a aldosterona é o principal determinante da</p><p>excreção urinária de K+). Na maioria das vezes, esses fenômenos não são intensos o bastante a ponto de motivar a suspensão da droga, porém, se houver aumento da</p><p>creatinina > 30-35% em relação ao basal e/ou franca hipercalemia, o IECA deverá ser suspenso. Tais desfechos são mais prováveis nas seguintes situações: (1)</p><p>DRC prévia “muito avançada”; (2) estenose bilateral de artéria renal ou unilateral em rim único; (3) ICFER prévia “muito avançada”; (4) cirrose hepática; (5) hipovolemia.</p><p>Nestas cinco condições, a TFG está sendo mantida pela ativação do SRAA, logo, qualquer droga que bloqueie este sistema acaba comprometendo o mecanismo de</p><p>“autorregulação da TFG”.</p><p>Efeitos colaterais: tosse seca (principal: 5-20% dos pacientes, explicada pelo aumento de bradicinina no parênquima pulmonar), angioedema, erupções cutâneas, IRA na</p><p>doença renovascular (bilateral ou em rim único), pancreatite e leucopenia. Raramente são implicados no surgimento de nefropatia membranosa. Os IECA são</p><p>contraindicados na gestação (teratogênicos), devendo ser usados com cautela por mulheres em idade fértil. Observe a Tabela 17.</p><p>Bloqueadores de canais de cálcio</p><p>DI-HIDROPIRIDÍNICOS</p><p>Nifedipina (Adalat®) 30-60 mg/dia (1-2 tomadas)</p><p>Anlodipina (Norvasc®) 2,5-10 mg/dia (1 tomada)</p><p>Felodipina (Splendil®) 2,5-20 mg/dia (1 tomada)</p><p>Manidipina (Manivasc®) 10-20 mg/dia (1 tomada)</p><p>Lercanidipina (Zanidip®) 10-20 mg/dia (1 tomada)</p><p>Levanlodipina (Novanio®) 2,5-5 mg/dia (1 tomada)</p><p>Isradipina (Lomir®) 2,5-10 mg/dia (1 tomada)</p><p>Nitrendipina (Caltren®) 20-40 mg/dia (1 tomada)</p><p>Nisoldipina (Syscor®) 20-60 mg/dia (1 tomada)</p><p>Lacidipina (Lacipil®) 4-6 mg/dia (1 tomada)</p><p>NÃO DI-HIDROPIRIDÍNICOS</p><p>Diltiazem (Balcor®) 120-540 mg/dia (1 tomada)</p><p>Verapamil (Dilacoron®) 120-480 mg/dia (1 tomada)</p><p>Tab. 17</p><p>BLOQUEADORES DO RECEPTOR AT1 DE ANGIOTENSINA II</p><p>Mecanismo de ação: bloqueiam o receptor AT1 de angiotensina II (responsável pelos efeitos de vasoconstrição, proliferação celular e liberação de aldosterona pelo córtex</p><p>adrenal). Com isso os níveis de angiotensina II tendem a aumentar na circulação, o que acaba estimulando os receptores AT2, que possuem efeito vasodilatador. Por não</p><p>inibirem diretamente a ECA, os BRA não produzem aumento de bradicinina.</p><p>Os BRA são úteis nas mesmas situações que os IECA, e têm basicamente os mesmos paraefeitos que estes últimos, com exceção da tosse seca e do angioedema (quando</p><p>tais complicações ocorrem em um usuário de IECA, indica-se a troca por um BRA). As mesmas precauções quanto à gestação também devem ser tomadas, pois os BRA são</p><p>igualmente teratogênicos. Ver Tabela 18.</p><p>Tab. 18</p><p>Todos os BRA podem ser ministrados apenas 1x ao dia, porém muitos preferem o fracionamento da dose em duas tomadas diárias, o que reduz os picos de concentração e promove maior</p><p>estabilidade dos níveis séricos, acarretando maior segurança, a despeito de uma chance aumentada de má adesão terapêutica…</p><p>O losartan possui uma vantagem específica adicional: ele exerce EFEITO URICOSÚRICO, reduzindo a uricemia. Logo, representa uma boa escolha de anti-hipertensivo para</p><p>pacientes com história de gota (melhor que os diuréticos, por exemplo, que, ao contrário, reduzem a uricosúria e aumentam a uricemia)!</p><p>BETABLOQUEADORES</p><p>Mecanismo de ação: o efeito anti-hipertensivo é explicado pelo bloqueio dos receptores beta-1 adrenérgicos (localizados no coração), que reduz o DC através de uma</p><p>diminuição do cronotropismo (frequência cardíaca), do inotropismo (contratilidade miocárdica) e do dromotropismo (condução atrioventricular). Tais ações também</p><p>justificam os efeitos antianginosos e antiarrítmicos dos BB. O bloqueio dos receptores beta-1 reduz, ainda, a secreção de renina pelo aparelho justaglomerular, ao inibir a</p><p>ação de catecolaminas localmente liberadas pelos nervos renais (resultado final: menor ativação do SRAA).</p><p>Por outro lado, o bloqueio dos receptores beta-2 adrenérgicos (localizados nos vasos sanguíneos, brônquios e hepatócitos) promove vasoconstrição, broncoconstrição e</p><p>inibição da liberação hepática de glicose estimulada por catecolaminas (ex.: em resposta à hipoglicemia aguda).</p><p>Veremos adiante que os BB diferem entre si em relação à seletividade pelos receptores beta-1 e beta-2, e que alguns medicamentos específicos possuem ações</p><p>terapêuticas “adicionais” não relacionadas ao bloqueio dos receptores beta…</p><p>Atualmente, existem três gerações de BB (Tabela 19).</p><p>Inibidores da ECA</p><p>Captopril (Capoten®) 25-100 mg/dia (2-3 tomadas)</p><p>Enalapril (Renitec®) 2,5-40 mg/dia (1-2 tomadas)</p><p>Lisinopril (Zestril®) 10-40 mg/dia (1 tomada)</p><p>Perindopril (Coversyl®) 4-8 mg/dia (1-2 tomadas)</p><p>Ramipril (Triatec®) 2,5-20 mg/dia (1 tomada)</p><p>Trandolapril (Odrik®) 1-4 mg/dia (1 tomada)</p><p>Benazepril (Lotensin®) 10-40 mg/dia (1-2 tomadas)</p><p>Quinapril (Accupril®) 10-40 mg/dia (1 tomada)</p><p>Fosinopril (Monopril®) 10-40 mg/dia (1 tomada)</p><p>Cilazapril (Vascase®) 2,5-5 mg/dia (1 tomada)</p><p>Moexipril (Univasc®) 7,5-30 mg/dia (1 tomada)</p><p>Bloqueadores do receptor AT1 de angiotensina II</p><p>Losartan (Cozaar®) 25-100 mg/dia (1-2 tomadas)</p><p>Valsartan (Diovan®) 80-320 mg/dia (1-2 tomadas)</p><p>Irbesartan (Avapro®) 150-300 mg/dia (1-2 tomadas)</p><p>Candesartan (Atacand®) 8-32 mg/dia (1-2 tomadas)</p><p>Telmisartan (Micardis®) 40-80 mg/dia (1-2 tomadas)</p><p>Olmesartan (Benicar®) 20-40 mg/dia (1-2 tomadas)</p><p>Azilsartan (Edarbi®) 20-40 mg/dia (1-2 tomadas)</p><p>Eprosartan (Teveten®) 600-800 mg/dia (1-2 tomadas)</p><p>Tab. 19</p><p>Os BB também podem ser mais ou menos lipossolúveis, o que se relaciona com a capacidade</p><p>de cruzar a barreira hematoencefálica e agir no SNC. A droga de maior</p><p>lipossolubilidade é o propranolol, que por este motivo se mostra especialmente útil na presença de: (1) tremor essencial; (2) síndromes hipercinéticas; e (3) cefaleias</p><p>vasculares, como a enxaqueca. O propranolol ainda pode ser usado no tratamento da hipertensão porta, pelo fato de reduzir o débito cardíaco (bloqueio beta-1) ao</p><p>mesmo tempo em que bloqueia receptores beta-2 localizados nos vasos esplâncnicos, inibindo a vasodilatação e consequente aumento de fluxo sanguíneo no leito</p><p>mesentérico (eventos básicos na gênese da hipertensão porta).</p><p>O pindolol é um BB que possui Atividade Simpatomimética Intrínseca (ASI), isto é, ele impede a ação das catecolaminas endógenas sobre os receptores beta-</p><p>adrenérgicos, porém, ao se ligar a estes receptores, promove certo grau de estimulação, em vez de bloqueio absoluto (“agonismo parcial”). Tal fato justifica uma menor</p><p>incidência de paraefeitos cardiovasculares com esta droga.</p><p>As “ações terapêuticas adicionais” dos BB de 3ª geração são: (1) carvedilol e labetalol = bloqueio concomitante dos receptores alfa-1 vasculares (promovendo</p><p>vasodilatação periférica direta); (2) nebivolol = aumento da síntese endotelial de óxido nítrico; (3) carteolol (só existe na forma de colírio) e betaxolol (existe como droga</p><p>oral e como colírio) = redução da síntese de humor aquoso na câmara anterior do olho, potencializando o controle da pressão intraocular em portadores de glaucoma</p><p>crônico de ângulo aberto; (4) celiprolol = bloqueia o receptor beta-1 ao mesmo tempo em que estimula os receptores beta-2 (vasodilatação) e alfa-2 (diminuição do tônus</p><p>adrenérgico no SNC).</p><p>Os BB, especialmente os não seletivos, são CONTRAINDICADOS na vigência de intoxicação pela cocaína! A cocaína é um poderoso simpatomimético que estimula todos</p><p>os receptores adrenérgicos (alfa e beta). Os BB não seletivos, ao bloquearem receptores beta-2 vasodilatadores, permitem que o estímulo alfa-1 (vasoconstritor) atue</p><p>sem oposição, o que pode provocar espasmo arterial, com agravamento paradoxal da crise hipertensiva e isquemia miocárdica (arritmias, IAM, morte súbita). Por este</p><p>mesmo motivo, tais drogas também são contraindicadas na angina de Prinzmetal (angina vasoespástica), já que podem piorar o espasmo coronariano.</p><p>Efeitos colaterais: broncoespasmo, bradicardia, distúrbio da condução AV, insônia/pesadelos/depressão (BB lipossolúveis), disfunção erétil, intolerância à glicose (bloqueio</p><p>à liberação de insulina pelo pâncreas) e dislipidemia (aumento de LDL e triglicerídeos + redução do HDL). Os BB de 1ª e 2ª geração são formalmente</p><p>contraindicados na asma, na DPOC e no BAV de 2º e 3º graus. Os BB de 3ª geração carvedilol e nebivolol não prejudicam o metabolismo glicídico e lipídico, pelo</p><p>contrário, parecem até melhorá-lo (o aumento do fluxo sanguíneo periférico promovido por essas drogas talvez se associe a uma redução da resistência à insulina, ao</p><p>favorecer uma maior captação de glicose pelos tecidos)! O nebivolol também provoca menos disfunção erétil, por aumentar o óxido nítrico… Estude a Tabela 20.</p><p>Tab. 20</p><p>Obs.: o esmolol (Brevibloc®) é empregado apenas em emergências hipertensivas e perioperatório. Falaremos sobre ele no capítulo seguinte.</p><p>Como vimos, os BB não produzem reduções significativas da morbimortalidade CV na população hipertensa em geral, e por isso não são mais considerados anti-</p><p>hipertensivos de “1ª linha”. Não obstante, nas seguintes situações eles constituem boas opções terapêuticas, devido às vantagens adicionais que podem trazer: (1)</p><p>ICFER (benefício de redução da mortalidade confirmado apenas para três medicamentos: carvedilol, metoprolol e bisoprolol); (2) doença coronariana (preferência pelos</p><p>beta-1 seletivos); (3) taquiarritmias; (4) cefaleias vasculares, como a enxaqueca; (5) tremor essencial; e (6) hipertireoidismo.</p><p>DROGAS DE AÇÃO CENTRAL: AGONISTAS ALFA-2a E AGONISTAS IMIDAZÓLICOS</p><p>Mecanismo de ação: os primeiros estimulam receptores alfa-2a adrenérgicos (inibitórios) localizados nos núcleos simpáticos do SNC, diminuindo o tônus adrenérgico</p><p>central (ação “simpatolítica”) e, consequentemente, a RVP e o DC. Diminuem também a secreção de renina, devido à menor liberação de catecolaminas pelos nervos</p><p>renais. Já os segundos estimulam receptores imidazólicos (também inibitórios) nos mesmos núcleos simpáticos do SNC, promovendo efeito simpatolítico semelhante.</p><p>Obs.: o esmolol só existe em formulação intravenosa; os demais BB existem em formulações orais, intravenosas e/ou tópicas (ex.: colírio).</p><p>Betabloqueadores no tratamento da HAS</p><p>Propranolol (Inderal®) 40-160 mg/dia (2 tomadas)</p><p>Nadolol (Corgard®) 40-120 mg/dia (1 tomada)</p><p>Pindolol (Visken®) 10-40 mg/dia (2 tomadas)</p><p>Atenolol (Atenol®) 25-100 mg/dia (1 tomada)</p><p>Metoprolol (Selozok®) 50-100 mg/dia (1-2 tomadas)</p><p>Bisoprolol (Concor®) 5-20 mg/dia (1 tomada)</p><p>Carvedilol (Coreg®) 12,5-50 mg/dia (2 tomadas)</p><p>Labetalol (Trandate®) 100-300 mg/dia (2 tomadas)</p><p>Nebivolol (Nebilet®) 2,5-10 mg/dia (1 tomada)</p><p>Apesar de não serem anti-hipertensivos de 1ª linha, ambas as classes têm vantagens adicionais se utilizadas na presença de: (1) síndrome das pernas inquietas; (2)</p><p>retirada de opioides; (3) flushes da menopausa; (4) diarreia por neuropatia diabética; (5) hiperatividade simpática da cirrose alcoólica. Ao contrário dos BB, não induzem</p><p>intolerância à glicose nem aumentam o colesterol.</p><p>O metildopa é o anti-hipertensivo de escolha para o tratamento crônico da HAS durante a GESTAÇÃO. Além de não ser teratogênico, produz dilatação arteriolar</p><p>placentária, sendo particularmente útil no controle da pré-eclâmpsia.</p><p>Efeitos colaterais: sonolência, sedação, xerostomia, disfunção erétil e hipotensão postural (esta última devido à perda da porção eferente do reflexo de vasoconstrição</p><p>periférica ativado por barorreceptores presentes na circulação). Todos esses paraefeitos são mais frequentes em idosos, logo, muito cuidado com tais drogas nesse tipo de</p><p>paciente! A metildopa pode provocar reações autoimunes, como a anemia hemolítica por anticorpos “quentes” (IgG). Acredita-se que isso seja devido a sua capacidade de</p><p>inibir linfócitos T supressores… A clonidina é a droga que acarreta maior risco de efeito rebote, que pode levar à crise hipertensiva se o paciente interromper o uso crônico</p><p>de forma súbita (ex.: no pós-operatório). O mecanismo é o upregulation de receptores beta-1 e alfa-1 nos tecidos alvo (ex.: coração, parede das arteríolas), o que</p><p>naturalmente ocorre como uma resposta adaptativa à queda do tônus simpático. Com uma suspensão brusca da clonidina, a retomada do tônus simpático frente à maior</p><p>“sensibilidade” dos tecidos justifica o grande aumento da PA (pelo aumento do DC e da RVP). A fim de evitar esse desfecho nefasto, devemos suspender a medicação de</p><p>forma paulatina (2-4 semanas)… Observe a Tabela 21.</p><p>Tab. 21</p><p>Obs.: a clonidina é primariamente um agonista alfa-2a, porém, também atua sobre o receptor imidazólico.</p><p>ALFABLOQUEADORES</p><p>Mecanismo de ação: bloqueiam seletivamente os receptores alfa-1 adrenérgicos (vasoconstritores) localizados na parede das arteríolas, reduzindo a RVP. Os mesmos</p><p>receptores também estão presentes na musculatura lisa do estroma prostático, o que faz essas drogas serem especialmente úteis nos hipertensos que também têm</p><p>queixas de prostatismo (melhora dos sintomas de obstrução urinária da HPB, pelo “relaxamento” da uretra prostática). Ao contrário dos BB, melhoram o metabolismo</p><p>glicídico/lipídico… A melhora da glicose se dá pelo aumento do fluxo sanguíneo aos tecidos, o que reduz a resistência à insulina. Já a melhora dos lipídios ocorre</p><p>provavelmente por ativação direta da lipoproteína lipase e da Lecitina-Colesterol Aciltransferase (LCAT), enzimas que reduzem LDL e triglicerídeos.</p><p>Existem alfabloqueadores não seletivos, como a fenoxibenzamina. Contudo, tais drogas não são mais empregadas no tratamento crônico da HAS, já que acarretam</p><p>muitos efeitos colaterais devido ao bloqueio concomitante dos receptores alfa-2a adrenérgicos centrais (inibitórios). Tal ação resulta em AUMENTO do tônus simpático, o</p><p>que acaba hiperestimulando os receptores beta (ex.: taquicardia).</p><p>Os alfabloqueadores são anti-hipertensivos de escolha no paciente que tem feocromocitoma. É importante compreender que os alfabloqueadores devem ser iniciados</p><p>ANTES dos betabloqueadores nesses doentes!!! O motivo é que os BB bloqueiam receptores beta-2 (vasodilatadores) localizados na parede dos vasos. Logo, se os BB</p><p>forem iniciados antes dos alfabloqueadores, os receptores alfa-1 (vasoconstritores) serão estimulados sem oposição, promovendo intensa vasoconstrição periférica e</p><p>consequente aumento da RVP, o que resulta em agravamento paradoxal da HAS. No peroperatório de ressecção desse tumor podemos lançar mão de um alfabloqueador</p><p>intravenoso: a fentolamina.</p><p>Efeitos colaterais: hipotensão postural (que já pode aparecer após a primeira dose), é o paraefeito mais comum, em particular com o prazosin, que é o alfabloqueador mais</p><p>potente. Também podem gerar incontinência urinária (especialmente em mulheres). O doxazosin não deve ser usado isoladamente no tratamento da HAS, pois tais</p><p>doentes têm maior incidência de IC (não obstante, o doxazosin pode ser associado a outros anti-hipertensivos se o paciente possuir hiperplasia prostática benigna).</p><p>Observe a Tabela 22.</p><p>Tab. 22</p><p>VASODILATADORES ARTERIAIS DIRETOS</p><p>Mecanismo de ação: pouco compreendido, mas sabe-se que a RVP é reduzida em função de um grande relaxamento da musculatura lisa arteriolar. A vasodilatação</p><p>decorrente de seu uso é muito mais intensa do que aquela observada com alfabloqueadores e BCC di-hidropiridínicos, acarretando maior risco de “hipovolemia relativa” (a</p><p>capacidade do leito arterial aumenta, porém, não há aumento concomitante do volume circulante efetivo). Logo, é muito mais frequente o surgimento de taquicardia</p><p>reflexa, havendo também uma maior ativação do SRAA, que pode culminar em retenção de líquido (edema) se um diurético não for associado. A associação de BB diminui</p><p>a taquicardia reflexa.</p><p>Tais drogas devem ser evitadas na vigência de síndrome coronariana aguda, aneurisma dissecante de aorta e hemorragia cerebral, já que a taquicardia reflexa e</p><p>o aumento de fluxo sanguíneo podem agravar todas essas complicações!</p><p>Simpatolíticos de ação central</p><p>AGONISTAS ALFA-2a</p><p>Clonidina (Atensina®) 0,1-0,8 mg/dia (2 tomadas)</p><p>Metildopa (Aldomet®) 250-1.000 mg/dia (2 tomadas)</p><p>Guanabenzo (Lisapress®) 4-16 mg/dia (2 tomadas)</p><p>AGONISTAS IMIDAZÓLICOS</p><p>Rilmenidina (Hyperium®) 1-2 mg/dia (1-2 tomadas)</p><p>Moxonidina (Cynt®) 0,2-0,4 mg/dia (1 tomadas)</p><p>Alfabloqueadores</p><p>Prazosin (Minipress®) 2-30 mg/dia (2-3 tomadas)</p><p>Doxazosin (Carduran®) 1-16 mg/dia (1 tomada)</p><p>Terazosin (Hytrin®) 1-20 mg/dia (1 tomada)</p><p>Os vasodilatadores arteriais diretos promovem importantes benefícios em relação ao controle lipêmico: queda do LDL e aumento do HDL, possivelmente por ativação</p><p>de enzimas envolvidas no metabolismo dessas lipoproteínas. O minoxidil tem como vantagem adicional a melhora da calvície, devido à dilatação da arteríola nutridora do</p><p>folículo piloso, o que aumenta o estímulo trófico sobre a raiz capilar.</p><p>A hidralazina é o anti-hipertensivo de escolha para o controle das crises hipertensivas durante a gestação (ex.: eclâmpsia), pelo fato de não ser teratogênica e poder</p><p>ser ministrada pela via intravenosa.</p><p>Os principais representantes são citados na Tabela 23.</p><p>Tab. 23</p><p>Efeitos colaterais: cefaleia, rubor facial, taquicardia reflexa e edema. A hidralazina pode causar LES fármaco-induzido de maneira dosedependente. O minoxidil promove</p><p>hirsutismo em 80% dos casos, além de derrame pericárdico em cerca de 3% dos pacientes.</p><p>INIBIDORES DIRETOS DA RENINA</p><p>Apenas o alisquireno está disponível... Esta droga inibe a reação inicial do SRAA (transformação do angiotensinogênio em angiotensina I pela renina), diminuindo, desse</p><p>modo, a vasoconstrição periférica (angiotensina II) e a secreção de aldosterona. Parece exercer ações adicionais através do bloqueio de um receptor próprio de renina,</p><p>além de inibir a síntese intracelular de angiotensina. Reduz a PA na mesma medida em que as drogas de 1ª linha, porém, não há comprovação de que reduza a</p><p>morbimortalidade cardiovascular. Principais paraefeitos (raros): rash cutâneo, diarreia, aumento de CPK. Não deve ser associado a um IECA ou um BRA. Contraindicado na</p><p>gravidez. Veja a Tabela 24.</p><p>Tab. 24</p><p>HAS E CONDIÇÕES CLÍNICAS ASSOCIADAS</p><p>Diabetes mellitus. Todo hipertenso diabético é automaticamente considerado de RCV alto. A meta pressórica recomendada, por conseguinte, é PA < 130 x 80 mmHg. Na</p><p>ausência de albuminúria ≥ 30 mg/dia, qualquer droga de 1ª linha pode ser usada. Contudo, na presença de albuminúria, as drogas de escolha são os IECA ou os BRA,</p><p>lembrando que não se deve associar IECA + BRA. A explicação é que tais drogas, além de reduzirem a PA e a morbimortalidade cardiovascular, trazem o benefício</p><p>adicional da “nefroproteção”, pela vasodilatação preferencial da arteríola eferente do glomérulo, que reduz a pressão intraglomerular e atrasa/impede a</p><p>glomeruloesclerose diabética. Os BB – apesar do potencial de descontrole glicídico/lipídico – podem ser usados se o paciente também possuir DAC ou ICFER.</p><p>Síndrome metabólica. Na ausência de franco DM, a meta pressórica é PA < 140 x 90 mmHg. Se houver disglicemia, as drogas de escolha serão os IECA ou BRA e/ou os</p><p>BCC.</p><p>Doença coronariana. As drogas de escolha são os BB (principalmente nos primeiros dois anos após um IAM), os IECA ou os BRA. A meta pressórica é PA < 130 x 80</p><p>mmHg, porém existe o problema da “curva em J” para a mortalidade, isto é, baixar demais a PA (principalmente diastólica < 65 mmHg) aumenta a mortalidade! Assim, a</p><p>faixa-alvo da PA fica entre 120 x 70 mmHg e 130 x 80 mmHg. Se outros agentes precisarem ser associados, as escolhas são DIU e BCC.</p><p>Doença cerebrovascular. A meta pressórica para a prevenção secundária de todos os tipos de AVE e AIT é PA < 130 x 80 mmHg. Não há uma classe de drogas</p><p>preferencial – qualquer anti-hipertensivo de 1ª linha pode ser usado (existem evidências a favor do uso preferencial de BRA nesses doentes, porém, estas não são</p><p>definitivas).</p><p>Doença renal crônica. Adultos com HAS e DRC em tratamento conservador, diabéticos ou não, têm como meta pressórica uma PA < 130 x 80 mmHg. Valores de PA mais</p><p>baixos (especialmente PAS < 120 mmHg) podem ser almejados em casos selecionados, desde que sob estrita vigilância clínica, após decisão compartilhada com o paciente</p><p>acerca dos possíveis riscos inerentes à intensificação do tratamento.</p><p>As drogas de primeira linha no nefropata hipertenso são os IECA ou os BRA (lembrando que nunca se deve associar as duas classes), havendo ou não albuminúria. O</p><p>motivo para isso é o efeito "nefroprotetor" conferido por tais drogas (dilatação preferencial da arteríola eferente do glomérulo, reduzindo a hipertensão glomerular e a</p><p>hiperfiltração compensatória que sobrecarrega os néfrons remanescentes na DRC, atrasando ou evitando sua evolução).</p><p>Se necessário – e geralmente é – as drogas de escolha para associação são os diuréticos (estágios G1-G3 a preferência é pelos tiazídicos, e nos estágios G4-G5 a</p><p>preferência é pelos diuréticos de alça, já que os tiazídicos são menos eficazes na disfunção renal acentuada), bem como os Bloqueadores de Canais de Cálcio (BCC).</p><p>Os betabloqueadores estão indicados na vigência de DAC e/ou ICFER associada.</p><p>Antagonistas do receptor mineralocorticoide (ex.: espironolactona) diminuem a proteinúria, porém, acarretam elevado risco de</p><p>e actina terão dificuldade para</p><p>interagir, e a força contrátil diminui. Assim, a relação entre pré-carga e DS é ascendente até certo ponto! A partir dali o aumento da pré-carga passa a ser deletério, isto é,</p><p>faz o DS (e consequentemente o DC) despencar... Observe a .</p><p>Obs.: “sintomas” = fadiga, dispneia, palpitação ou dor anginosa.</p><p>Estágio Descrição</p><p>A Paciente assintomático e SEM alterações estruturais/funcionais cardíacas, mas sob risco de desenvolver IC</p><p>devido à presença de fatores etiológicos (ex.: HAS, DAC, etc.).</p><p>B Paciente assintomático COM alterações estruturais/funcionais cardíacas (ex.: HVE, sequela de IAM, valvopatia).</p><p>C Paciente sintomático e com alterações estruturais/funcionais cardíacas.</p><p>D Paciente sintomático em repouso apesar de tratamento otimizado, que interna com frequência e apresenta</p><p>alterações estruturais/funcionais avançadas.</p><p>FIGURA 1</p><p>Contratilidade miocárdica (inotropismo) é um termo que se refere à modulação da geração de força pelo miocárdio. Dito de outro modo, representa a variabilidade na</p><p>eficiência energética da contração para um mesmo grau de estiramento da fibra muscular (ou seja, a fibra pode gerar mais ou menos força com a mesma pré-carga). A</p><p>contratilidade é determinada por vários fatores, a maioria deles modificando a quantidade de Ca²+ liberada a partir do retículo sarcoplasmático para o citoplasma do</p><p>cardiomiócito. Um de seus principais determinantes é o tônus adrenérgico (estimulação de receptores β1 cardíacos). Tais receptores estão ligado à proteína G, que</p><p>estimula a enzima adenilato ciclase, cuja atividade aumenta os níveis de AMP cíclico intracelular. O AMPc ativa uma série de proteínas dentro da célula, estimulando a</p><p>liberação de Ca²+ no citoplasma e as interações entre miosina e actina nos sarcômeros, ou seja, aumenta o uso de energia para a geração de força.</p><p>Bloqueadores de canais de Ca²+ e descargas vagais (parassimpáticas) exercem efeito contrário, isto é, diminuem o inotropismo e a eficiência da bomba cardíaca,</p><p>reduzindo o DS e o DC para um mesmo grau de pré-carga ventricular ( ).</p><p>Pós-carga ventricular é um termo que se refere a tudo aquilo que promove resistência à ejeção de sangue do ventrículo. Seu principal determinante é o grau de</p><p>vasoconstrição das arteríolas periféricas, mas fatores como estenose da valva aórtica e rigidez da parede da aorta tornam-se importantes em algumas doenças. O aumento</p><p>da pós-carga diminui o DS e, consequentemente, o DC.</p><p>A dilatação ventricular exagerada também produz aumento da pós-carga, por dificultar a ejeção de sangue devido a uma questão geométrica... O que acontece nesses</p><p>casos é um aumento na tensão da parede ventricular (T). Para se contrair, o ventrículo tem que vencer a tensão intrínseca de sua parede. Os determinantes de T são</p><p>expressos pela Lei de Laplace. Esta diz o seguinte: a tensão da parede ventricular é diretamente proporcional ao raio da cavidade e à pressão intracavitária, e</p><p>inversamente proporcional à espessura do miocárdio. É por isso que a Hipertrofia do Ventrículo Esquerdo (HVE) representa uma forma de adaptação do coração: o</p><p>aumento na espessura do ventrículo (à custa de uma hipertrofia dos cardiomiócitos) reduz a tensão em sua parede reduzindo a pós-carga e facilitando a ejeção de</p><p>sangue, o que ajuda a manter o débito cardíaco dentro da normalidade após um insulto estrutural/funcional (ex.: HAS, estenose aórtica, perda de miócitos após IAM).</p><p>Observe a Obviamente, a própria HVE acaba sendo deletéria: diminui a complacência ventricular, o que aumenta a pressão de enchimento (causando</p><p>congestão a montante), além de constituir substrato arritmogênico pela desorganização da citoarquitetura tecidual. A hipertrofia pode ser concêntrica (com diminuição</p><p>da cavidade) ou excêntrica (com preservação ou aumento da cavidade) – .</p><p>Cap_01_Video_04_Car2</p><p>Fig. 1: Representação gráfica da Lei de Frank-Starling do coração ("a força desenvolvida durante a contração ventricular é diretamente proporcional ao grau de estiramento a que as fibras</p><p>miocárdicas estão submetidas imediatamente antes da contração"). No entanto, uma dilatação ventricular excessiva (aumento patológico do VDF, como ocorre nas cardiopatias dilatadas) resulta em</p><p>perda de força e diminuição do débito cardíaco!</p><p>Tabela 1</p><p>FIGURA 2...</p><p>FIGURA 3</p><p>FISIOPATOLOGIA</p><p>ICFER</p><p>Esta é a forma cuja fisiopatologia é mais bem compreendida. Tudo começa após um evento índice (ex.: IAM, cardiotoxicidade, expressão de mutações genéticas) levar à</p><p>perda de cardiomiócitos (alteração estrutural) ou à perda da habilidade dos cardiomiócitos em gerar força mecânica (alteração funcional), isto é, de um modo ou de outro</p><p>diminui a capacidade do ventrículo esquerdo em bombear sangue para o corpo.</p><p>Dependendo da rapidez e extensão do dano inicial, o paciente já pode se tornar sintomático ou permanecer assintomático graças a mecanismos compensatórios eficazes.</p><p>Diversos sistemas neuro-hormonais são ativados em resposta ao dano miocárdico/queda do débito cardíaco. Em muitos casos o débito cardíaco se recupera e consegue ser</p><p>mantido numa faixa homeostática, assim permanecendo por período variável (meses a anos).</p><p>Os principais sistemas neuro-hormonais compensatórios são: (1) sistema adrenérgico (a queda na função sistólica é “sentida” por barorreceptores localizados no próprio</p><p>coração, arco aórtico e bulbos carotídeos, que ativam reflexamente o sistema nervoso simpático levando à secreção de catecolaminas); (2) sistema renina-</p><p>angiotensina-aldosterona (a menor distensão da arteríola aferente do glomérulo, bem como o próprio sistema adrenérgico, estimulam a secreção de renina pelo</p><p>aparelho justaglomerular); (3) sistema de citocinas (substâncias cujos níveis aumentam para contrabalançar a ativação dos dois sistemas anteriores, originadas em</p><p>vários tecidos, incluindo o próprio coração).</p><p>Os principais modos pelos quais os referidos sistemas conseguem restaurar temporariamente a função sistólica ventricular são: (1) o aumento do tônus adrenérgico</p><p>estimula a frequência cardíaca (cronotropismo) e a contratilidade (inotropismo) dos cardiomiócitos funcionantes, além de promover vasoconstrição arteriolar periférica,</p><p>mantendo a pressão arterial; (2) a maior reabsorção renal de sal e água em resposta à aldosterona e à angiotensina II (que também é vasoconstritora) aumenta a volemia</p><p>e o retorno venoso e, consequentemente, a pré-carga ventricular, o que pela Lei de Frank-Starling faz aumentar o débito sistólico; (3) as citocinas exercem ação</p><p>vasodilatadora, contrapondo-se à tendência vasoconstritora imposta pelo excesso de catecolaminas e angiotensina II, preservando a ejeção de sangue do ventrículo</p><p>esquerdo (manutenção da pós-carga), além de promover efeito natriurético evitando uma congestão cardiocirculatória exagerada.</p><p>Fig. 2: Lei de Laplace.</p><p>Fig. 3: Hipertrofia do ventrículo esquerdo.</p><p>Dentre os membros do "sistema de citocinas" destacamos: (1) peptídeos natriuréticos, como ANP (peptídeo atrial natriurético) e BNP (peptídeo cerebral natriurético); (2)</p><p>bradicinina; (3) óxido nítrico; e (4) prostaglandinas vasodilatadoras, como PGI2 (prostaciclina). Os peptídeos natriuréticos são produzidos no coração (ANP nos átrios e</p><p>BNP nos ventrículos), e os demais no endotélio vascular. Os peptídeos natriuréticos e a bradicinina são degradados por uma enzima chamada neprilisina, que</p><p>atualmente se tornou um importante alvo terapêutico no tratamento da ICFER! Por mecanismos pouco compreendidos, a resposta do sistema de citocinas diminui com o</p><p>avançar do dano miocárdico... A inibição farmacológica da neprilisina aumenta os níveis de substâncias vasodilatadoras e natriuréticas, restaurando a eficiência deste</p><p>importante sistema compensatório, o que facilita o desempenho sistólico</p><p>hiperpotassemia na disfunção renal</p><p>avançada. Pode-se tentar seu uso, mas com muita cautela...</p><p>Quando o paciente já está em tratamento dialítico o manejo pressórico se torna ainda mais desafiador, pois a sobrecarga de volume associada à DRC estágio G5D aumenta</p><p>a variabilidade da PA, superestimando-a na pré-diálise e subestimando-a no pós-diálise.</p><p>Assim, recomenda-se como metas pressóricas: (1) antes da diálise = PA ≤ 140 x 90 mmHg; (2) após a diálise = PA < 130 x 80 mmHg.</p><p>Vasodilatadores arteriais diretos</p><p>Hidralazina (Apresolina®) 25-100 mg/dia (2 tomadas)</p><p>Minoxidil (Loniten®) 2,5-80 mg/dia (1-2 tomadas)</p><p>Inibidores de renina</p><p>Alisquireno (Rasilez®) 150-300 mg/dia (1 tomada)</p><p>Durante o procedimento dialítico observa-se uma correlação em "U" entre os níveis pressóricos e a mortalidade cardiovascular: valores de PA sistólica > 160 mmHg ou <</p><p>110 mmHg são igualmente implicados no aumento da mortalidade, seja por complicações hipertensivas agudas (ex.: hemorragia cerebral, no caso de PAS elevada) ou</p><p>complicações hipotensivas agudas (ex.: IAM e arritmias cardíacas, no caso de PAS reduzida – na hemodiálise grande quantidade de volume sanguíneo pode ser</p><p>subitamente removida da circulação; como a maioria desses pacientes apresenta coronariopatia, essa queda pressórica pode desencadear isquemia miocárdica).</p><p>Para controlar a HAS "volume-dependente" da DRC avançada em tratamento dialítico é preciso instituir o procedimento de ultrafiltração do sangue (retirada de sódio e</p><p>água) durante a sessão de diálise. Mesmo assim, cerca de 60% dos pacientes necessitarão manter o uso de agentes anti-hipertensivos de forma crônica (em geral três ou</p><p>mais drogas combinadas) para controle da HAS.</p><p>Nesta população a hiperativação do sistema nervoso simpático-adrenérgico exerce importante papel etiopatogênico na HAS, e por isso os betabloqueadores são drogas</p><p>de 1ª linha (superiores aos IECA na prevenção da morbidade cardiovascular). Logo, recomenda-se, na ausência de contraindicações, que uma das drogas empregadas no</p><p>esquema anti-hipertensivo do paciente em diálise seja um BB.</p><p>Em transplantados renais os BCC e os BRA consistem nas drogas de 1ª linha, pois há evidências de que previnam a perda do enxerto.</p><p>HAS NO IDOSO</p><p>Tanto a PAS quanto a PAD aumentam de forma linear até os 60 anos de idade, quando então a PAD cai e a PAS continua subindo... Tal fenômeno é explicado pelo</p><p>“envelhecimento vascular”, isto é, enrijecimento da parede dos vasos por fibrose e calcificação (particularmente na aorta), o que aumenta a EMI (espessura mediointimal)</p><p>e justifica a elevada frequência de Hipertensão Sistólica Isolada (HSI) na população geriátrica. A HSI é um FRCV independente, e em geral se acompanha de outros FRCV</p><p>correlatos, como o aumento da VOP (Velocidade da Onda de Pulso) e da PP (Pressão de Pulso = PAS - PAD).</p><p>Considera-se uma pressão de pulso > 60 mmHg como um importante fator de risco cardiovascular independente.</p><p>O diagnóstico de HAS em idosos idealmente deve ser confirmado através da MAPA. Idosos têm maior variabilidade da PA nas 24h, além de maior incidência de efeito jaleco</p><p>branco, hipotensão ortostática e hipotensão pós-prandial. Em relação à técnica de mensuração da PA no consultório, deve-se ter cuidado com a elevada frequência de</p><p>hiato auscultatório (silêncio prolongado entre as fases I e II dos sons de Korotkoff), o que pode levar à subestimação da PAS ou superestimação da PAD. O método</p><p>palpatório de aferição da PA identifica este problema...</p><p>Define-se “pseudo-hipertensão” quando o paciente (geralmente idoso) tem a manobra de Osler positiva. Esta consiste na continuidade da palpação da artéria radial após o</p><p>manguito do esfigmomanômetro ser insuflado 30 mmHg acima do valor em que o pulso radial desaparece.</p><p>Apesar de os idosos constituírem o grupo com maior proporção de hipertensos, paradoxalmente trata-se do grupo com a menor taxa de controle da PA (principalmente os</p><p>“muito idosos”, isto é, aqueles com idade ≥ 80 anos)! Isso acontece principalmente porque os médicos ficam “com medo” de tratar de forma intensiva esses indivíduos</p><p>(subtratamento). Assim, é importante ter em mente que o tratamento da HAS traz benefícios inequívocos para os idosos, reduzindo os principais desfechos CV mórbidos</p><p>(IAM, AVE e IC), além de provavelmente reduzir também o surgimento de síndrome demencial...</p><p>O tratamento medicamentoso deve ser iniciado de forma mais gradual em idosos, geralmente em monoterapia ou terapia combinada em baixas doses, a fim de evitar</p><p>efeitos colaterais. As drogas de 1ª linha são os diuréticos tiazídicos, os BCC, os IECA ou os BRA. BB não devem ser usados como monoterapia anti-hipertensiva em idosos,</p><p>exceto na presença de comorbidades para as quais tais drogas exerçam benefícios adicionais, como a ICFER e a DAC. Atenção especial deve ser dada à combinação de BB</p><p>e inibidores de acetilcolinesterase (utilizados no tratamento da demência): a interação entre essas classes aumenta o risco de bradicardia.</p><p>HAS RESISTENTE (HAR)</p><p>Definição Clássica = PA de consultório não controlada com o uso de três drogas em dose máxima tolerada, sendo uma delas um DIU, ou então uso de quatro ou mais</p><p>drogas com PA de consultório controlada. Prevalência = 12% dos hipertensos.</p><p>É importante perceber que na definição clássica não consta uma verificação do uso correto das medicações e nem da adesão terapêutica propriamente dita. Logo,</p><p>atualmente prefere-se a seguinte terminologia:</p><p>HAR “aparente” (pseudorresistência) = corresponde à definição clássica.</p><p>HAR “verdadeira” = definição clássica + documentação da curva pressórica pela MAPA (exame obrigatório nesses doentes) + comprovação de uso correto das</p><p>medicações e adesão terapêutica.</p><p>Define-se ainda a “HAS refratária”: trata-se da PA que não consegue ser controlada a despeito do uso de cinco ou mais medicações... Prevalência = 3,6% dos hipertensos</p><p>“resistentes”.</p><p>Portadores de HAR têm maior prevalência de HAS secundária. A etiologia mais comum neste grupo específico é a apneia obstrutiva do sono (80% dos casos), seguida pelo</p><p>hiperaldosteronismo primário (20%) e pela estenose de artéria renal (2,5%).</p><p>Como já dito, a MAPA é um exame obrigatório na avaliação de HAR... As possibilidades diagnósticas com este exame são descritas na Tabela 25.</p><p>Tab. 25</p><p>No tratamento da HAR verdadeira, a 4ª droga de escolha para associação é a espironolactona. No entanto, 20-30% não toleram seu uso (ex.: hipercalemia, ginecomastia).</p><p>Nestes casos, pode-se substituir a espironolactona pelo amiloride. HAR que persiste após adição da 4ª droga deve receber como 5ª droga um BB, se não houver</p><p>contraindicação. A preferência é pelos BB que também têm ação vasodilatadora, como carvedilol e nebivolol. Como 6ª e 7ª drogas podemos utilizar: agonistas alfa-2a</p><p>centrais (clonidina/metildopa) e vasodilatadores diretos (hidralazina/minoxidil). Nos estados edematosos pode-se combinar múltiplos DIU (ex.: tiazídico + alça +</p><p>espironolactona). O ideal é que o horário de tomadas das medicações seja pautado pelo padrão observado na MAPA (estratégia da cronoterapia), com pelo menos uma</p><p>delas sendo ministrada à noite, antes de dormir (de modo a garantir o descenso noturno (dipping) da PA – fenômeno muitas vezes ausente nos portadores de HAR, e que</p><p>representa um FCRV adicional e independente).</p><p>NOVAS ESTRATÉGIAS TERAPÊUTICAS DA HAR</p><p>Diversas modalidades não medicamentosas vêm sendo testadas, mas nenhuma foi definitivamente aprovada para uso clínico (exceção feita ao uso do CPAP noturno em</p><p>portadores de AOS). Citamos como exemplos: (1) sistema Rheos – trata-se de dispositivo eletrônico implantado cirurgicamente próximo ao bulbo carotídeo</p><p>(barorreceptor) que tem como função estimular continuamente essa estrutura, causando a diminuição da resposta adrenérgica central; (2) denervação simpática renal</p><p>– trata-se de procedimento percutâneo transluminal que</p><p>visa promover a ablação do nervo renal (que carreia fibras simpáticas para o aparelho justaglomerular,</p><p>estimulando a secreção de renina); (3) anastomose arteriovenosa ilíaca central – realizada cirurgicamente pelo implante do dispositivo coupler, visa reduzir a</p><p>resistência vascular periférica.</p><p>CAP. 4</p><p>CRISE HIPERTENSIVA</p><p>INCLUINDO A DISSECÇÃO AÓRTICA AGUDA</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>DEFINIÇÃO</p><p>Vimos anteriormente que são inúmeras as consequências deletérias da hipertensão arterial crônica, devido ao efeito insidioso dos altos níveis pressóricos sobre os órgãos-</p><p>alvo. As complicações da hipertensão arterial crônica irão aparecer, geralmente, muitos anos após a instalação desta condição. Contudo, existem determinadas situações</p><p>em que altos níveis pressóricos causam ou poderão causar lesão orgânica em pouco tempo, caso não seja feito um pronto controle da pressão arterial. Estas são as crises</p><p>hipertensivas.</p><p>SAIBA MAIS... Vacina para HAS???</p><p>Alguns estudos avaliaram o potencial de uma vacina contra a angiotensina II... Em recente ensaio clínico controlado com placebo, foram ministradas duas doses da</p><p>vacina, com intervalo de quatro semanas entre cada dose. Após 12 semanas, os pacientes que receberam a vacina tiveram uma queda média de 10 mmHg na PA</p><p>sistólica em comparação com o placebo, com quase nenhum efeito colateral. Mais estudos são necessários a fim de definir o real papel dessa estratégia.</p><p>Crise hipertensiva, portanto, é a condição em que os altos níveis de pressão arterial estão acarretando ou podem acarretar um prejuízo agudo ao organismo,</p><p>necessitando de um controle pressórico mais rápido do que aquele feito no ambulatório. Os principais órgãos afetados agudamente são o cérebro, os rins e o coração.</p><p>Um ponto de extrema importância é que a maioria dos casos considerados crise hipertensiva pelos médicos no dia a dia não o são de fato. Simplesmente, são casos em</p><p>que um hipertenso crônico, estágio 2 (PA > 160 x 100 mmHg), apresenta sintomas não relacionados à hipertensão em si (cefaleia, parestesias, sensação de mal-estar).</p><p>Esses pacientes não necessitam de um pronto controle da pressão arterial, e devem ser abordados com medicação sintomática (ex.: analgésicos, sedativos) e</p><p>encaminhados para tratamento ambulatorial da HAS. São denominados simplesmente de “pseudocrise hipertensiva”. A diferenciação com crise hipertensiva verdadeira</p><p>é feita da seguinte forma: na suspeita de pseudocrise, observa-se o paciente em repouso, em ambiente calmo, com tratamento inicialmente direcionado contra a queixa</p><p>principal (analgésicos, tranquilizantes). A melhora dos sintomas (que pode ou não se acompanhar de normalização da PA) é o que sela o diagnóstico, autorizando a alta</p><p>hospitalar e encaminhamento para otimização terapêutica AMBULATORIAL.</p><p>Um erro muito comum é manter o paciente internado e prescrever anti-hipertensivos na tentativa de "normalizar" sua PA, para só então dar alta... Tal conduta pode, pelo</p><p>contrário, causar dano ao paciente, uma vez que se trata de hipertenso crônico mal controlado, cujo controle pressórico deverá ser feito de forma gradual, e não rápida</p><p>(ver adiante em "reajuste da autorregulação no hipertenso crônico").</p><p>Pressão Arterial Média (PAM): aqui nos referimos à PAM sistêmica. As complicações agudas da HAS dependem muito da pressão arterial média. É ela que determina a</p><p>transmissão da pressão aos capilares. Contudo, sabemos que a PA sistólica também contribui para a lesão arterial da hipertensão. Neste capítulo, várias vezes nos</p><p>referiremos à PAM, portanto devemos aprender como calculá-la (fórmula abaixo).</p><p>PAM = PA sist. + 2 x PA diast.</p><p>3</p><p>FISIOPATOLOGIA</p><p>Qual é o tipo de lesão?</p><p>A crise hipertensiva caracteriza-se por uma situação de perigo ao paciente devido às consequências da própria pressão arterial elevada. Nesse caso, existem duas</p><p>situações:</p><p>O quadro clínico é causado pelo efeito da hipertensão em si. Uma hipertensão grave de instalação aguda pode causar lesões orgânicas decorrentes de: (1)</p><p>ruptura vascular (AVE hemorrágico) ou extravasamento de líquido (encefalopatia hipertensiva); (2) hiperplasia arteriolar aguda (nefroesclerose hipertensiva maligna); e</p><p>(3) elevação das pressões de enchimento ventricular (EAP hipertensivo). A retina é o tecido em que podemos ver, com facilidade, auxiliados por um fundoscópio, o</p><p>equivalente dessas lesões vasculares.</p><p>Existe uma patologia aguda associada cuja evolução está sendo agravada pela hipertensão. O IAM, a angina instável e a dissecção aórtica aguda são</p><p>exemplos dessas patologias. O aumento excessivo da pós-carga eleva bastante o consumo miocárdico de O2 (aumenta o trabalho do miocárdio), estendendo a área de</p><p>infarto e piorando a isquemia miocárdica. Uma dissecção aórtica pode evoluir com ruptura e choque hemorrágico fatal, devido ao efeito da hipertensão sobre a parede</p><p>da aorta doente.</p><p>Fig. 1: Dissecção aórtica. Não existe uma patologia que represente tão bem a crise hipertensiva quanto a dissecção aórtica aguda. Detalhes no texto.</p><p>AUTORREGULAÇÃO DO FLUXO ORGÂNICO</p><p>Os órgãos, tais como o cérebro, os rins e o miocárdio, possuem um mecanismo fino de autorregulação do seu próprio fluxo arterial, isto é, apesar de variações da Pressão</p><p>Arterial Média (PAM), o fluxo orgânico mantém-se constante, até certo ponto. Isso se dá pela variação do tônus vascular das arteríolas e pequenas artérias do órgão: um</p><p>aumento da PAM induz vasoconstrição, enquanto que uma redução da PAM induz vasodilatação.</p><p>Este mecanismo, entretanto, funciona apenas em uma faixa de variação da PA que, em indivíduos normais, está aproximadamente entre 60 e 120 mmHg –</p><p>Uma hipotensão grave, com PAM < 60-80 mmHg, leva à hipoperfusão orgânica, pois foi abaixo do limite inferior da autorregulação, isto é, após ocorrer uma vasodilatação</p><p>máxima... Por outro lado, em pessoas previamente hígidas, uma PAM > 120 mmHg leva a um aumento excessivo do fluxo, com possível extravasamento de líquido para o</p><p>interstício e ruptura vascular, pois foi ultrapassado o limite superior da autorregulação, isto é, após uma vasoconstrição máxima. O órgão que mais sofre com este</p><p>fenômeno é o cérebro: uma PA que se elevou agudamente para acima do limite da autorregulação provoca encefalopatia hipertensiva (ver adiante).</p><p>É fácil concluir, portanto, que a instalação súbita de um quadro hipertensivo em um indivíduo com a PA previamente normal ou baixa pode superar o limite de</p><p>autorregulação orgânica com uma PA > 170 x 100 (PAM > 120 mmHg). Este é o caso da crise hipertensiva da glomerulonefrite aguda pós-estreptocócica na criança e da</p><p>eclâmpsia em uma mulher jovem não previamente hipertensa.</p><p>REAJUSTE DA AUTORREGULAÇÃO NO HIPERTENSO CRÔNICO</p><p>No hipertenso crônico, por efeito dos altos níveis tensionais constantes, o mecanismo de autorregulação está alterado. A faixa de variação da PA, com a qual o fluxo</p><p>orgânico é mantido constante, está reajustada para valores maiores de PAM, por exemplo, de 120 a 160 mmHg, no hipertenso grave.</p><p>Nesses pacientes, para haver um hiperfluxo com extravasamento de líquido e lesão orgânica, a PAM tem que elevar-se agudamente para acima de 160 mmHg (ex.: PA ></p><p>220 x 130). É só você lembrar dos hipertensos que você já atendeu com PA absurdamente alta e totalmente assintomáticos...</p><p>Por outro lado, a redução abrupta da PAM para abaixo de 120 mmHg (ex.: PA < 160 x 100) pode levar à hipoperfusão orgânica, com consequente hipofluxo cerebral e</p><p>coronariano.</p><p>FIGURA 2.</p><p>Fig. 2</p><p>É fácil concluir, portanto, que, nos hipertensos crônicos moderados ou graves, uma crise hipertensiva real somente ocorrerá com níveis muito altos de PA, por exemplo,</p><p>maiores que 220 x 120 (PAM > 150 mmHg) e quando estes níveis forem alcançados agudamente.</p><p>CONCLUSÃO: QUAIS SÃO OS NÍVEIS TENSIONAIS CAPAZES DE CAUSAR UMA CRISE HIPERTENSIVA?</p><p>Analisando o que foi descrito acima, concluímos</p><p>que esses níveis “limite” dependem de que paciente estamos avaliando: se uma criança ou adolescente, cuja PA prévia</p><p>costuma ser abaixo de 120 x 80, ou um hipertenso crônico, cujas PAs prévias estão em níveis mais altos, levando ao reajuste da autorregulação do fluxo orgânico. Além</p><p>disso, a rapidez com que houve elevação da PA é um fator crucial na ocorrência de uma crise hipertensiva.</p><p>EMERGÊNCIAS E URGÊNCIAS HIPERTENSIVAS</p><p>Emergências hipertensivas são as condições em que o aumento da PA está causando um prejuízo orgânico agudo, geralmente com sintomas graves e risco de vida,</p><p>exigindo rápido controle pressórico, em geral com agentes intravenosos. As principais emergências hipertensivas estão na Tabela 1.</p><p>Tab. 1</p><p>Cap_04_Video_01_Car2</p><p>“Urgência hipertensiva” define uma situação em que a PA está muito alta (em níveis agudamente perigosos), mas que ainda não provocou prejuízo orgânico agudo.</p><p>Convencionou-se chamar de Urgência Hipertensiva, todo paciente com estabilidade clínica, sem comprometimento de órgãos-alvo. Esses pacientes têm um risco</p><p>considerável de evoluir para uma emergência hipertensiva nos próximos dias.</p><p>Fig. 3</p><p>EMERGÊNCIAS HIPERTENSIVAS</p><p>Encefalopatia hipertensiva.</p><p>Dissecção aórtica aguda.</p><p>AVE isquêmico (fase aguda) com PA > 200 x 120 mmHg.</p><p>AVE hemorrágico (fase aguda) com PA > 180 x 105 mmHg.</p><p>IAM ou angina instável PA diastólica > 120 mmHg.</p><p>Edema agudo de pulmão hipertensivo.</p><p>Hipertensão acelerada maligna.</p><p>Nefroesclerose hipertensiva maligna.</p><p>Eclâmpsia.</p><p>Hipertensão grave perioperatória.</p><p>Hipertensão grave no grande queimado.</p><p>GNDA pós-estreptocócica.</p><p>Crises adrenérgicas:</p><p>● Feocromocitoma;</p><p>● Rebote após suspensão de alfa-2-agonista (clonidina);</p><p>● Uso de cocaína;</p><p>● Disautonomia (ex.: síndrome de Guillain-Barré);</p><p>● Ingestão de tiramina + inibidores da MAO.</p><p>Arbitrariamente, para fins de padronização, convencionou-se que valores de PAS ≥ 180 mmHg e/ou PAD ≥ 120 mmHg representam o "ponto de corte" em que a</p><p>maioria das emergências e urgências hipertensivas acontece. A diferença entre emergência e urgência, como já dito, está na presença ou ausência de lesão aguda de</p><p>órgão-alvo, respectivamente.</p><p>ABORDAGEM DAS EMERGÊNCIAS HIPERTENSIVAS</p><p>ANTI-HIPERTENSIVOS PARENTERAIS</p><p>As emergências hipertensivas mais graves, com risco iminente de vida, devem ser tratadas com anti-hipertensivos intravenosos. Essas drogas têm um início de ação</p><p>rápido (1-30min), além de um efeito anti-hipertensivo potente. As principais são (Tabela 2):</p><p>Tab. 2</p><p>NITROPRUSSIATO DE SÓDIO</p><p>É um nitrato com potente efeito direto vasodilatador arterial e venoso. Diferentemente da nitroglicerina, pode induzir um fenômeno de “roubo” coronariano, aumentando a</p><p>área de isquemia miocárdica. É o anti-hipertensivo parenteral mais potente e também o mais utilizado em nosso meio. A sua meia-vida é de 1-2 minutos, portanto tem um</p><p>início e término de ação muito rápidos. É feito em infusão contínua, na dose 0,25-10 µg/kg/min, com o soro e o equipo protegidos da luz (é fotossensível). É uma excelente</p><p>droga para as emergências hipertensivas com PA muito elevadas e nas quais precisamos controlar a velocidade de queda da PA. Uma grande vantagem desse</p><p>medicamento é uma baixa meia-vida, aproximadamente 2-5 minutos; desse modo, um quadro de hipotensão pode ser rapidamente revertido somente com a interrupção</p><p>da droga. Apesar de ter um efeito vasodilatador cerebral teoricamente prejudicial na encefalopatia hipertensiva, continua sendo utilizado com bastante eficácia nesta</p><p>patologia. Deve ser evitado na isquemia miocárdica e na eclâmpsia antes do parto, a não ser em casos de hipertensão severa refratária a outras drogas. É metabolizado</p><p>nas hemácias em cianeto, sendo este convertido em tiocianato pelo fígado.</p><p>A intoxicação pelo tiocianato é o efeito adverso mais comum desta droga, manifestando-se por agitação psicomotora, confusão mental, fadiga, vômitos e coma. É mais</p><p>comum com doses mais altas, com a terapia prolongada (maior que quatro dias) e na insuficiência renal (o tiocianato é de eliminação exclusiva renal). A intoxicação por</p><p>cianeto (comum nos hepatopatas) é caracterizada por acidose metabólica, arreflexia, midríase, convulsões, pele rosada e um hálito com odor característico de “amêndoas</p><p>amargas”. A intoxicação pelo nitroprussiato de sódio pode ser tratada apenas pela suspensão da droga (trocando-a por outra). Na suspeita de ser toxicidade pelo cianeto,</p><p>deve-se administrar nitrito de sódio a 3% e tiossulfato de sódio a 25% (este último irá converter o cianeto em tiocianato, menos tóxico que o primeiro).</p><p>NITROGLICERINA</p><p>É um nitrato com ação vasodilatadora direta predominante no sistema venoso e nas coronárias epicárdicas, tendo excelente efeito anti-isquêmico do miocárdio, redutor da</p><p>pré e pós-carga cardíacas e anti-hipertensivo. Em doses maiores dilata também o leito arterial. É a droga de escolha na crise hipertensiva do IAM e da angina instável. A</p><p>dose é 5-100 µg/min, em infusão venosa contínua. Sua meia-vida é de 3-5 minutos. O soro contendo a droga deve ser colocado em um recipiente de vidro, pois o plástico</p><p>retém o medicamento. Após as primeiras 12-24h, em geral, desenvolve-se tolerância a seu efeito, devido ao consumo dos grupamentos sulfidrila, necessários ao seu</p><p>mecanismo de ação.</p><p>ENALAPRILATO</p><p>É um IECA; na verdade, é o princípio ativo do enalapril (que é uma pró-droga). É uma excelente alternativa nas emergências hipertensivas, exceto na eclâmpsia (efeito</p><p>teratogênico), tendo um início de ação em 15 minutos e duração de ação de 6h. A dose é 1,25-5 mg IV 6/6h. Tem um excelente efeito no EAP hipertensivo.</p><p>HIDRALAZINA</p><p>É um vasodilatador arterial direto, que possui uma ação bastante efetiva nas artérias placentárias. O seu uso isolado leva à taquicardia e hipercontratilidade miocárdica</p><p>reflexa, assim como retenção líquida. É a droga de escolha na eclâmpsia, na dose 10-20 mg IV 6/6h ou 10-50 mg IM 12/12h. Seu início de ação é em 10-30min; e a sua</p><p>duração de ação é de 3-8h.</p><p>PRINCIPAIS MEDICAMENTOS PARENTERAIS USADOS NAS EMERGÊNCIAS HIPERTENSIVAS</p><p>FUROSEMIDA</p><p>Pelo seu efeito venodilatador e pela sua rápida ação diurética, deve ser administrada no EAP ou para potencializar a ação de outras drogas no tratamento das emergências</p><p>hipertensivas em geral, exceto nos casos em que há hipovolemia acentuada e na eclâmpsia. O paciente hipertenso pode de fato estar hipovolêmico. Neste caso, a</p><p>furosemida pode fazer cair abruptamente a PA ou até mesmo aumentá-la, pelo aumento da atividade das catecolaminas e do sistema renina-angiotensina-aldosterona.</p><p>NICARDIPINA (NÃO DISPONÍVEL NO BRASIL)</p><p>É um bloqueador de canal de cálcio do tipo di-hidropiridina. Pode ser administrado em infusão venosa na dose 5-15 mg/h. Seu efeito tem a eficácia semelhante à do</p><p>nitroprussiato de sódio, porém com menos efeitos adversos. Pode ser feita em qualquer emergência hipertensiva, contudo não deve ser a primeira escolha no EAP</p><p>hipertensivo, pelo seu potencial efeito inotrópico negativo. A duração do seu efeito continua por 1-4h, após a sua suspensão.</p><p>LABETALOL (NÃO DISPONÍVEL NO BRASIL)</p><p>É um alfa e betabloqueador, agindo, portanto, como vasodilatador arterial e venoso, além do efeito cardioinibitório. Pode ser feito em infusão contínua, na dose 2 mg/min,</p><p>após um bolo de 20-80 mg IV. A duração do seu efeito é de 3-6h, após a suspensão. É um excelente anti-hipertensivo parenteral em todas as emergências hipertensivas,</p><p>exceto o EAP, devido ao efeito inotrópico negativo. Pode ser a droga de escolha na dissecção aórtica aguda e no AVE com PA diastólica entre 120 e 140 mmHg. Os seus</p><p>efeitos adversos e contraindicações são as dos betabloqueadores.</p><p>OUTRAS</p><p>O esmolol é um betabloqueador de meia-vida muito curta (1-2 minutos), podendo ser administrado nos casos de isquemia miocárdica ou dissecção aórtica, quando há a</p><p>possibilidade de efeito adverso com esse grupo de drogas. O verapamil e o diltiazem são bloqueadores de canal de cálcio que</p><p>podem ser feitos na forma venosa na crise</p><p>hipertensiva, especialmente na dissecção aórtica em pacientes com contraindicação aos betabloqueadores (ex.: broncoespasmo). O alfametildopa, na sua forma venosa,</p><p>pode ser feito na eclâmpsia, como droga de 2ª escolha. O diazóxido – vasodilatador direto arterial – e o trimetafan (não disponível no Brasil) – bloqueador ganglionar –</p><p>são drogas obsoletas no tratamento da crise hipertensiva, uma vez que seus efeitos adversos são mais comuns quando comparados às drogas atuais. A primeira é feita na</p><p>dose 15-30 mg/min, após bolo de 50-100 mg IV, sendo contraindicada na isquemia miocárdica e na dissecção aórtica. A segunda, na dose 0,5 mg/min, em infusão</p><p>contínua, era a droga de escolha na dissecção aórtica.</p><p>DROGAS ORAIS DE MEIA-VIDA CURTA</p><p>● Utilizadas em algumas emergências hipertensivas e na urgência hipertensiva.</p><p>Nas emergências hipertensivas, na ausência de risco iminente de vida, ou na urgência hipertensiva, devemos utilizar drogas por via oral ou sublingual de ação rápida</p><p>(meia-vida curta). Não há necessidade, a princípio, de drogas parenterais... Devemos corrigir também todos os fatores que podem exacerbar a PA (dor, estresse emocional,</p><p>hipoglicemia, hipoxemia, hipervolemia, hipovolemia, bexiga distendida, etc.). Principais drogas utilizadas para este intuito:</p><p>CAPTOPRIL</p><p>Pode ser considerada a droga de escolha para o tratamento das urgências hipertensivas, salvo contraindicações (ex.: gravidez). É o IECA de menor meia-vida, tendo um</p><p>início de ação de 15 minutos e uma duração de ação de 4-6h, quando administrado por VO. A dose recomendada é 6,25-50 mg, na prática utilizando-se 12,5-50 mg. Na</p><p>impossibilidade de utilizar-se anti-hipertensivos parenterais nas emergências hipertensivas, pode-se usar o captopril VO nesses casos também. A grande vantagem dos</p><p>IECA sobre as outras drogas na urgência hipertensiva é o reajuste da curva de autorregulação do fluxo cerebral, isto é, a curva “desce” juntamente com a queda da PA,</p><p>diminuindo a incidência dos fenômenos de hipofluxo cerebral. Isso não acontece, por exemplo, com a nifedipina.</p><p>DIURÉTICOS</p><p>O diurético de meia-vida mais curta e de mais rápido início de ação é a furosemida. Seu uso na urgência hipertensiva está indicado apenas nos casos de refratariedade do</p><p>esquema anti-hipertensivo (ao qual deve ser associado), afastando-se a hipovolemia, frequente em pacientes hipertensos em uso crônico de diuréticos. Após estabilização</p><p>da PA, troca-se a furosemida por um tiazídico.</p><p>NIFEDIPINA</p><p>A grande importância dessa droga no nosso meio é a enorme experiência prática dos médicos com o uso da sua forma líquida (contida em cápsulas), administrada de</p><p>forma sublingual. Alguns preceitos em relação à nifedipina líquida devem ser comentados: 1) A sua principal absorção é por via enteral, tendo, na verdade, pouca absorção</p><p>sublingual. A cápsula deve ser mastigada e o líquido engolido. Quando feita sublingual, uma parte do líquido escorre para a faringe e é engolido, justificando o efeito desta</p><p>via de administração; 2) Nunca foi aprovada pelo FDA; 3) Existem graves efeitos adversos potenciais. Além dos efeitos meramente incômodos (rubor facial, palpitações,</p><p>cefaleia), a PA pode cair abruptamente e, às vezes, para níveis de hipotensão. Existem vários relatos na literatura de hipotensão severa, IAM, AVE, TIA e angina instável</p><p>consequentes à administração da forma líquida da nifedipina. Portanto, esta droga não deve ser utilizada como droga de primeira linha para o tratamento nem da urgência,</p><p>nem da emergência hipertensiva, sendo reservada apenas para a falta de outras opções. Está formalmente contraindicada na angina, IAM, TIA, AVE e dissecção aórtica.</p><p>Entretanto, excluindo as contraindicações, a nifedipina serve como fármaco alternativo para controlar a crise hipertensiva, especialmente nos pacientes negros ou com</p><p>insuficiência renal aguda precipitada pelo captopril. A dose recomendada é 5-10 mg VO (mastigar e engolir). O início de ação é de 5-15min, e a duração de ação é de 3-5h.</p><p>CLONIDINA</p><p>É um alfa-2-agonista central e imidazolínico, com início de ação de 0,5-2h e duração de ação de 6-8h. A dose é 0,2 mg VO, seguido de 0,1 mg 1/1h (não ultrapassar o total</p><p>de 0,8 mg). É uma droga bastante eficaz; o seu principal problema é o efeito sedativo, sendo contraindicada nos pacientes com comprometimento neurológico grave.</p><p>PROPRANOLOL</p><p>É um betabloqueador que, quando feito por VO, na dose 10-40 mg, tem um início de ação de 0,5-2h e uma duração de ação de 8-12h.</p><p>ENCEFALOPATIA HIPERTENSIVA</p><p>Um aumento súbito e significativo da PA pode ultrapassar o limite da autorregulação do fluxo cerebral, levando ao hiperfluxo e extravasamento de líquido para o</p><p>interstício, isto é, um edema cerebral. Os microvasos cerebrais perdem a capacidade de autorregulação e acabam dilatando-se pelo efeito lesivo da hipertensão arterial. Os</p><p>níveis de PA para causar uma encefalopatia hipertensiva não precisam ser muito altos quando o paciente é previamente normotenso ou hipotenso, como em crianças com</p><p>GNDA e primíparas com pré-eclâmpsia. Em hipertensos crônicos prévios, a síndrome geralmente só ocorre com níveis muito altos de PA (> 240 x 120).</p><p>Sinais e sintomas: o primeiro sintoma é a cefaleia, geralmente frontoccipital ou holocraniana, que costuma ser pior pela manhã, após o sono. A síndrome de hipertensão</p><p>intracraniana e edema cerebral instala-se, de forma insidiosa, nos próximos dias: náuseas e vômitos, queda do nível de consciência (sonolência, torpor, coma), crises</p><p>convulsivas tônico-clônicas generalizadas. O exame revela hiper-reflexia, sinal de Babinski bilateral, mioclônus. O principal diagnóstico diferencial é com o AVE</p><p>hemorrágico, que se diferencia clinicamente por apresentar evolução súbita. Na dúvida, sempre está indicada uma TC de crânio. A ressonância magnética de crânio,</p><p>quando realizada, pode indicar edema da substância branca da região occipto-parietal (conhecido como “síndrome de leucoencefalopatia posterior” – trata-se de um</p><p>edema reversível; ou seja, quando os níveis pressóricos forem reduzidos e o paciente melhorar dos sintomas, esse edema desaparece).</p><p>Conduta: o paciente deve ser imediatamente internado e a terapia anti-hipertensiva de pronto iniciada. A preferência é por uma droga venosa de meia-vida curta, para</p><p>que sua infusão possa ser titulada, de modo a baixar os níveis de PA de forma rápida. Pode-se utilizar o nitroprussiato de sódio, a nicardipina ou o labetalol. A meta é</p><p>baixar a PAM em no máximo 25% na primeira hora de tratamento, o que já costuma produzir uma melhora dramática dos sintomas! Feito isso, mantemos a PA em torno de</p><p>160 x 110-100 mmHg nas próximas 2 a 6h. Deve-se evitar reduções mais intensas da PAM no primeiro dia, pois, devido à perda da autorregulação do fluxo cerebral, uma</p><p>queda muito acentuada pode resultar em isquemia cerebral e AVC... Posteriormente, com o paciente estabilizado, o esquema de anti-hipertensivos orais é</p><p>iniciado/retomado, desmamando-se progressivamente a medicação venosa. O objetivo é atingir uma PA em torno de 135 x 85 mmHg nas 24-48h subsequentes.</p><p>É sabido que o nitroprussiato de sódio pode piorar a vasodilatação cerebral e o edema, por efeito direto nos vasos cerebrais; porém a sua eficácia em baixar a PA</p><p>geralmente suplanta este problema.</p><p>AVE HEMORRÁGICO</p><p>A maioria dos AVEs hemorrágicos ocorre em indivíduos hipertensos, tanto o AVE intraparenquimatoso, quanto a hemorragia subaracnoide por ruptura de aneurisma sacular</p><p>congênito. Uma súbita elevação da PA geralmente é o “gatilho” para o evento hemorrágico cerebral. Além disso, o edema cerebral e a hipertensão intracraniana</p><p>resultantes desencadeiam o reflexo de Cushing, elevando a pressão arterial e reduzindo a frequência cardíaca. Por isso, muitos pacientes com AVE hemorrágico</p><p>apresentam-se com níveis muito altos de PA (ex.: 240 x 130).</p><p>Obviamente,</p><p>esses altos níveis tensionais podem piorar o sangramento e o edema cerebral resultante, todavia, a normalização da pressão arterial é deletéria, pois pode</p><p>causar isquemia nas áreas acometidas pelo vasoespasmo (complicação frequente do AVE hemorrágico) e no tecido cerebral edemaciado (aumento da pressão craniana</p><p>local).</p><p>O edema cerebral aparece em 30% dos casos, geralmente nas primeiras 24h. Se presente, deve ser tratado com craniectomia descompressiva.</p><p>Indivíduos com apresentação aguda (< 6h do início do AVEh) devem ser tratados de acordo com o seguinte:</p><p>PAS > 220 mmHg: reduzir a PA em até 25% na primeira hora de tratamento, utilizando drogas parenterais de fácil titulação. Redução paulatina posterior.</p><p>PAS entre 150-220 mmHg: reduzir a PA para < 180 mmHg, sem, contudo, deixar a PA cair abaixo de 140 mmHg nas primeiras horas de tratamento.</p><p>Sinais e sintomas: devemos suspeitar de um AVE hemorrágico em pacientes que apresentaram uma cefaleia intensa e súbita, associada ou não a um ou mais dos</p><p>seguintes sinais: crise convulsiva focal ou generalizada, queda do nível de consciência, instalação de um súbito deficit neurológico focal (ex.: hemiplegia). A hemorragia</p><p>subaracnoide geralmente não se manifesta com deficit focal – o que chama atenção no quadro é a cefaleia súbita, a síncope e a posterior queda do nível de consciência. A</p><p>rigidez de nuca costuma aparecer após os primeiros dois dias. Um quadro de deficit focal súbito, sem alteração da consciência sugere mais um AVE isquêmico, mas não</p><p>afasta, em hipótese alguma, um AVE hemorrágico. O diagnóstico do AVE hemorrágico pode ser imediatamente confirmado pela TC de crânio.</p><p>Conduta: após internação, se possível em uma UTI, a PAM e a PIC (Pressão Intracraniana) devem ser continuamente monitorizadas por acesso invasivo; o paciente deve,</p><p>na maioria das vezes, ser colocado em prótese ventilatória, com normoventilação (pCO2 de 40 mmHg) e sedação adequada. Assim que possível, inicia-se um anti-</p><p>hipertensivo venoso de meia-vida curta, em infusão contínua (nitroprussiato de sódio, nicardipina, labetalol), objetivando-se atingir as metas descritas. Se for</p><p>hemorragia subaracnoide, está indicado o uso de nimodipina 60 mg 4/4h, que possui um efeito protetor neuronal e comprovadamente reduz a sequela neurológica. O</p><p>manitol pode ser prescrito como adjuvante à terapia do edema cerebral.</p><p>AVE ISQUÊMICO</p><p>O AVE isquêmico é uma das principais complicações da hipertensão arterial crônica. Por isso, é comum o paciente com AVE isquêmico apresentar-se hipertenso. Quando</p><p>uma artéria cerebral é subitamente ocluída, surge uma área de isquemia cerebral. Com o passar das horas, no centro do território isquêmico, aparece uma área de</p><p>necrose, que aos poucos vai estendendo-se para a periferia. A circulação colateral mantém alguma perfusão da área mais periférica, protegendo-a contra a necrose. A área</p><p>em sofrimento isquêmico que ainda não evoluiu para necrose denomina-se penumbra isquêmica. A perfusão desta área é bastante dependente da PA, que, por sua vez,</p><p>mantém o fluxo das colaterais. Normalmente, é necessário que a PA esteja elevada, de modo a garantir o fluxo sanguíneo para a penumbra isquêmica, que apresenta uma</p><p>pressão intersticial aumentada (por edema).</p><p>A queda abrupta da PA pode levar, portanto, à extensão do infarto cerebral, por reduzir a perfusão da penumbra isquêmica. Recomenda-se não tratar a hipertensão arterial</p><p>na fase aguda do AVE isquêmico, a não ser que a PA esteja muito alta, ou seja, maior ou igual a 220 x 120 mmHg (recomendação se não for usar trombolítico: redução</p><p>inicial da PA em 15% durante as primeiras 24h após o início do AVEi); naqueles pacientes candidatos ao uso de trombolíticos (AT < 4,5h) e que apresentam PA maior ou</p><p>igual a 185 x 110 mmHg, o trombolítico só pode ser ministrado após a PA ser reduzida para < 185 x 110 mmHg (essa meta pressórica também é válida para a</p><p>trombectomia). Nas primeiras 24h após trombólise, a meta é manter a PA < 180 x 105 mmHg. O nitroprussiato de sódio é considerado a droga de escolha nos outros</p><p>casos pode-se utilizar o labetalol. A nifedipina de ação rápida (sublingual) é contraindicada, devido àpossível queda abrupta da PA com o seu uso.</p><p>Se o paciente vítima de AVEi estiver com a PA > 140 x 90 mmHg durante a hospitalização, já neurologicamente estável, é seguro iniciar ou reiniciar a terapia anti-</p><p>hipertensiva oral visando o controle da PA a longo prazo, passadas as primeiras 24h do AVEi. De um modo geral a terapia é titulada para normalização da PA em cinco a</p><p>sete dias após o evento, mas tal período pode ser individualizado.</p><p>EDEMA AGUDO DE PULMÃO HIPERTENSIVO</p><p>Ver capítulo de Insuficiência Cardíaca.</p><p>IAM E ANGINA INSTÁVEL</p><p>Nas síndromes coronarianas agudas costuma ocorrer elevação da PA, pois a própria isquemia miocárdica desencadeia um reflexo autonômico de aumento do tônus</p><p>adrenérgico. A consequência deletéria é o aumento no consumo miocárdico de oxigênio, devido não só ao aumento da PA, mas também da FC e da RVP... O objetivo do</p><p>tratamento anti-hipertensivo é reduzir a pós-carga sem aumentar a FC ou reduzir de forma exagerada a pré-carga, já que tais fatores também aumentariam o consumo</p><p>miocárdico de oxigênio, piorando a isquemia.</p><p>A meta é trazer a PAS para < 140 mmHg (evitando < 120 mmHg) e a PAD para 70-80 mmHg. As drogas de escolha, na ausência de contraindicações, são os</p><p>betabloqueadores intravenosos de ação rápida (metoprolol, esmolol) e a nitroglicerina. A nitroglicerina (nitrato) possui o benefício adicional de dilatar as artérias</p><p>coronárias, melhorando a oferta de oxigênio para o miocárdio, além de reduzir a RVP (reduzindo o consumo de O2).</p><p>Hidralazina, nitroprussiato e nifedipina não estão indicados, pois podem promover o chamado "roubo coronariano" (vasodilatação exagerada dos leitos peri-isquêmicos,</p><p>desviando sangue da região isquêmica para os mesmos, o que agrava a isquemia).</p><p>A nitroglicerina (NTG) IV deve ser usada nas primeiras 48h se houver hipertensão, isquemia persistente (dor) e insuficiência cardíaca (congestão pulmonar – pelo efeito</p><p>de redução da pré-carga ventricular). É contraindicada na vigência de hipotensão arterial, infarto do ventrículo direito e/ou uso de inibidores de fosfodiesterase-5 (ex.:</p><p>medicamentos para disfunção erétil) nas 48h anteriores. Seu uso não exclui o emprego de drogas que reduzem mortalidade, como betabloqueadores e IECA.</p><p>Os betabloqueadores IV são usados nas SCA com HAS desde que o paciente não apresente: sinais de insuficiência cardíaca (edema pulmonar e/ou baixo débito</p><p>cardíaco), fatores de risco para choque cardiogênico (ver módulo sobre doença coronariana).</p><p>DISSECÇÃO AÓRTICA AGUDA</p><p>Dissecção aórtica aguda é um evento no qual há uma súbita ruptura da camada íntima da aorta, como um “rasgo”, permitindo que o sangue penetre entre a íntima e a</p><p>camada média da artéria, dissecando uma da outra. O sangue percorre esse espaço dissecado, denominado “falsa luz”, até, na maioria das vezes, retornar à luz arterial</p><p>mais a frente em uma nova ruptura da íntima. Para haver dissecção aórtica, dois fatores etiopatogênicos se associam: a fraqueza da parede aórtica (da íntima, pela</p><p>aterosclerose, e/ou da média, por necrose cística hereditária) e uma alta “força de cisalhamento” do sangue ejetado. Esta força significa o impacto tangencial do sangue,</p><p>movido pela contração ventricular sistólica, sobre a parede da aorta. Quanto maior a contratilidade miocárdica, medida pelo chamado dP/dT (variação da pressão</p><p>intraventricular durante a fase de contração isovolumétrica), maior será a força de cisalhamento.</p><p>A possível consequência catastrófica da dissecção aórtica é a ruptura das camadas média e adventícia, pelo sangue sobre pressão na “falsa luz”. Quando isso acontece, a</p><p>hemorragia pode ser fatal. O local da hemorragia depende de qual porção da aorta</p><p>rompeu e quais as suas relações anatômicas:</p><p>A ruptura da aorta ascendente leva ao hemopericárdio, com tamponamento cardíaco quase sempre fatal;</p><p>Quando é na aorta descendente torácica, leva ao hemomediastino ou ao hemotórax, com consequente choque obstrutivo (compressão da cava) ou hemorrágico,</p><p>respectivamente;</p><p>Na aorta descendente abdominal, pode haver hemorragia digestiva franca (ruptura para a luz intestinal) ou um hemoperitônio, com choque hemorrágico fatal. Devido a</p><p>esse caráter de iminência de fatalidade é que a dissecção aórtica aguda deve ser prontamente diagnosticada e tratada.</p><p>Classifica-se anatomicamente a dissecção aórtica em três tipos (classificação de De Bakey):</p><p>● Tipo I (70% dos casos): o “rasgo” é na aorta ascendente e a dissecção estende-se pela aorta ascendente, arco aórtico e aorta descendente.</p><p>● Tipo II (5% dos casos): o “rasgo” é na aorta ascendente e a dissecção é restrita à aorta ascendente, não ultrapassando a artéria inominada.</p><p>● Tipo III (25% dos casos): o “rasgo” é na aorta descendente (além da subclávia esquerda) e a dissecção é restrita à aorta descendente. No tipo IIIa, a dissecção acomete</p><p>apenas a aorta descendente torácica; no tipo IIIb, estende-se para a aorta abdominal.</p><p>Uma segunda classificação divide a dissecção aórtica em dois tipos (classificação de Stanford):</p><p>● Tipo A (75% dos casos): comprometimento da aorta ascendente (tipos I e II de De Bakey).</p><p>● Tipo B (25% dos casos): não comprometimento da aorta ascendente (tipo III de De Bakey).</p><p>Sintomas: os tipos I e II, ou seja, os mais comuns, têm uma apresentação clínica caracterizada pelo início súbito de uma dor torácica retroesternal, de grande intensidade,</p><p>associada a náuseas e sudorese. Após alguns minutos ou horas, a intensidade da dor torácica vai reduzindo-se, dando lugar a uma dor na região dorsal do tórax, devido à</p><p>extensão da dissecção para a aorta descendente. Se a dissecção continuar até a aorta abdominal, a dor “migra” para a região lombar. O caráter da dor é variável,</p><p>geralmente descrita como “rasgante” ou “cortante”, mas pode ser idêntica à dor do IAM. Este é o principal diagnóstico diferencial. Algumas diferenças que “falam a favor”</p><p>de dissecção aórtica podem ser: o caráter “migratório” característico da dor e o pico de intensidade da dor ser logo no início (no IAM, geralmente, a intensidade é</p><p>progressiva). O tipo III manifesta-se com uma súbita dor na região dorsal torácica ou toracolombar.</p><p>Sinais: algum sinal sugestivo do diagnóstico ocorre em pelo menos 50% dos casos, em especial nos tipos I e II. Os principais são:</p><p>● Diferença significativa de pulso ou PA (>20 mmHg) entre os membros superiores, devido à dissecção da inominada ou da subclávia;</p><p>● Deficit neurológico focal ou sopro carotídeo intenso, devido à dissecção da inominada ou da carótida;</p><p>● Sopro de insuficiência aórtica aguda, devido à dissecção dos folhetos valvares aórticos, que podem deformar-se e prolapsarem para o ventrículo na diástole.</p><p>A dissecção aórtica abdominal pode estender-se para as artérias renais, levando à hipertensão severa renovascular. O achado de um sopro sistodiastólico abdominal, na</p><p>topografia de uma artéria renal, é bastante sugestivo.</p><p>As complicações da dissecção aórtica aguda manifestam-se de forma grave: tamponamento cardíaco, compressão do mediastino (choque com turgência jugular), choque</p><p>hemorrágico franco, associado à síndrome do derrame pleural (hemotórax) e ascite (hemoperitônio).</p><p>Diagnóstico: afastando-se o diagnóstico de IAM e angina instável, pelo acompanhamento do ECG e dosagem enzimática específica, uma dor torácica retroesternal aguda,</p><p>de grande intensidade, sugere dissecção aórtica. Como a dissecção pode acometer uma coronária, levando ao quadro de IAM associado, a presença de algum sinal no</p><p>exame físico sugestivo de dissecção aórtica deve contraindicar a administração de trombolíticos, mesmo com supradesnível de ST no ECG. Dissecção aórtica sempre deve</p><p>ser sugerida em um paciente que apresentou dor torácica associada à AVC. Para a sugestão ou confirmação diagnóstica, dispomos dos seguintes exames: radiografia de</p><p>tórax, ecocardiograma transtorácico, ecocardiograma transesofágico, TC, ressonância nuclear magnética e aortografia. A radiografia de tórax pode sugerir o diagnóstico</p><p>quando se encontra um alargamento da aorta ascendente (mediastino), do botão aórtico ou da aorta descendente (sensibilidade de 80-90%), ou então um sinal bastante</p><p>sugestivo: separação maior que 1 cm entre a calcificação da parede aórtica (íntima) e o contorno externo da aorta (este é o sinal do cálcio). Os exames confirmatórios são:</p><p>● Tipo I ou II, Tipo A (Aorta Ascendente e/ou arco): o melhor exame é o ecocardiograma transesofágico (S = 98-99%), no qual se detecta a presença da “falsa luz” e do</p><p>“rasgo” da íntima (este último, em 68% dos casos). O uso do Doppler colorido aumenta a sensibilidade. A TC de tórax tem uma sensibilidade entre 85-95%,</p><p>provavelmente maior com o advento da TC helicoidal. A RM tem uma sensibilidade de 98%. Alguns cirurgiões solicitam a aortografia para complementar a</p><p>caracterização da anatomia da dissecção aórtica e do “rasgo” intimal. A sensibilidade deste exame é mais baixa do que se pensava: 75-90%. A aortografia tem a</p><p>desvantagem de ser um exame invasivo e nefrotóxico.</p><p>● Tipo III ou Tipo B (aorta descendente e abdominal): tanto a TC, como a RM, torácica ou abdominal, são os métodos melhores para o diagnóstico da dissecção tipo III. A</p><p>sensibilidade é a mesma da descrita acima.</p><p>Tratamento medicamentoso: o paciente deve ser imediatamente internado, se possível em UTI, e a terapêutica medicamentosa deve ser iniciada. O objetivo é reduzir a</p><p>PA e a força contrátil do miocárdio (dP/dT), principais propagadores da dissecção. A PA sistólica deve ser reduzida para níveis entre 100-120 mmHg nos primeiros 20min, e</p><p>uma droga inotrópica negativa deve ser administrada, sendo a primeira escolha os β-bloqueadores. O labetalol é um potente anti-hipertensivo com efeito β-bloqueador;</p><p>pode ser utilizado como monoterapia. A outra opção é a associação nitroprussiato de sódio + propranolol (ou metoprolol) venoso. O propranolol pode ser feito na</p><p>dose 1mg IV em bolo, de 5/5 min, até reduzir a FC para < 60 bpm (dose máxima: 8 mg). Uma outra opção de β-bloqueador é o esmolol, com meia-vida bastante curta,</p><p>feito em infusão contínua. Na presença de contraindicação aos β-bloqueadores, podemos utilizar o verapamil ou o diltiazem venosos. São absolutamente contraindicados</p><p>os vasodilatadores diretos (hidralazina, minoxidil, diazóxido) e a forma de ação curta da nifedipina, pois essas drogas aumentam reflexamente a contratilidade cardíaca. O</p><p>trimetafan é um bloqueador ganglionar, considerado antigamente a droga de escolha para a crise hipertensiva da dissecção aórtica. Hoje é considerado obsoleto, em</p><p>razão de seus efeitos colaterais incômodos. Nos casos em que aPA está normal, deve-se prescrever apenas o β-bloqueador. No caso de choque hemorrágico, está indicada</p><p>a ressuscitação volêmica e o uso das aminas vasopressoras. O tamponamento cardíaco deve ser tratado cirurgicamente, pois a pericardiocentese pode induzir à</p><p>dissociação eletromecânica com PCR.</p><p>Tratamento cirúrgico: o risco de complicação grave na dissecção da aorta torácica proximal (tipo A) é muito alto, mesmo com a terapia medicamentosa. Portanto nesses</p><p>casos está sempre indicada a cirurgia. Se possível, o paciente deve ser primeiramente estabilizado com o tratamento farmacológico, antes de ir para o centro cirúrgico.</p><p>Entretanto, aqueles que estão em choque franco, tamponamento cardíaco ou qualquer outra complicação grave (ex.: AVE isquêmico por dissecção carotídea), devem ser</p><p>encaminhados imediatamente à cirurgia. A cirurgia consiste na ressecção do fragmento aórtico mais comprometido, em especial onde está o “rasgo” intimal,</p><p>descompressão da “falsa luz” e sutura dos cotos aórticos,</p><p>utilizando-se um reforço de teflon ou uma interposição com uma prótese aórtica. A descompressão desobstrui os</p><p>ramos da aorta acometidos e ressuspende os folhetos da valva aórtica prolapsados. Com uma plastia simples, recupera-se a função valvar aórtica em 70-80% dos casos.</p><p>Nos restantes, indica-se a interposição de uma prótese aortovalvar composta. A mortalidade cirúrgica depende da estabilidade pré-operatória do paciente, variando de 5-</p><p>30%. A cirurgia do arco aórtico é mais complicada, devido à origem das carótidas neste segmento. A sua mortalidade é de 15-20%. Na dissecção aórtica tipo B, a indicação</p><p>cirúrgica é controversa. A maioria dos centros médicos trata esses pacientes de forma conservadora, pois os estudos mostram que a terapia medicamentosa isolada possui</p><p>resultados semelhantes aos da cirurgia (ressalta-se que a mortalidade operatória é maior do que para a dissecção tipo A). Contudo, a cirurgia está amplamente indicada</p><p>nos casos de dissecção tipo B complicada: obstrução vascular, hipertensão renovascular, ruptura, expansão aneurismática.</p><p>Prognóstico: a história natural da dissecção aórtica tipo A é sombria: 30% morrem nas primeiras 24h, 50-70% na primeira semana e 90% no primeiro mês. A causa mais</p><p>comum de morte é o hemopericárdio com tamponamento cardíaco. Os pacientes que sobrevivem no primeiro mês têm uma chance bem menor de óbito nos próximos</p><p>anos. A dissecção tipo B tem um melhor prognóstico: mortalidade de 25% no primeiro mês. O tratamento medicamentoso reduziu bastante esses índices. A mortalidade no</p><p>primeiro mês caiu para 60% no tipo A e para 10% no tipo B. Com a cirurgia, o prognóstico da dissecção tipo A melhorou consideravelmente, igualando-se ao da dissecção</p><p>tipo B: em torno de 80-90% de sobrevida em cinco anos, um pouco abaixo da expectativa de vida populacional. As complicações pós-operatórias tardias incluem</p><p>recorrência da dissecção, na maioria das vezes, em locais diferentes da aorta, e a formação de aneurisma de aorta, com risco de ruptura.</p><p>HIPERTENSÃO ACELERADA MALIGNA NEFROESCLEROSE HIPERTENSIVA MALIGNA</p><p>É uma forma de crise hipertensiva em que altos níveis pressóricos cursam com lesões vasculares progressivas, acometendo, a princípio, a retina e os rins. O marco</p><p>diagnóstico desta entidade é a presença na fundoscopia de exsudatos, hemorragias (retinopatia grau III) ou papiledema (retinopatia grau IV), associados à hipertensão</p><p>arterial rapidamente progressiva. Os pacientes que apresentam essas alterações, mesmo estando assintomáticos, têm um prognóstico reservado, caso não seja iniciada</p><p>uma terapia anti-hipertensiva eficaz, pois acabam evoluindo com uma emergência hipertensiva grave (ex.: encefalopatia, EAP, hemorragia cerebral) ou insuficiência renal</p><p>progressiva. Anteriormente, diferenciava-se hipertensão acelerada (com retinopatia grau III) de hipertensão maligna (com retinopatia grau IV), porém observou-se que o</p><p>prognóstico e o significado clínico são os mesmos entre os dois casos; por isso a junção dessas entidades em uma.</p><p>Fisiopatologia: o marco da doença é a lesão vascular. Nos rins, pode-se encontrar a histopatologia da nefroesclerose maligna: arterioloesclerose hiperplásica. Os seus</p><p>vasos apresentam um processo de necrose fibrinoide da íntima, associado à hiperplasia em "bulbo de cebola" da média.</p><p>Dados clínicos: esta entidade clínica é mais comum em negros. Ocorre mais comumente em paciente que apresenta, cronicamente, níveis pressóricos descontrolados ou</p><p>que abandonaram o tratamento. Os pacientes podem estar assintomáticos ou apresentando sintomas como náuseas e vômitos, cefaleia e alterações encefalopáticas. Os</p><p>exames laboratoriais podem revelar elevação da ureia e creatinina plasmáticas e um EAS com proteinúria, hematúria e cilindrúria. Uma anemia hemolítica</p><p>microangiopática pode instalar-se, pela degradação de hemácias nos vasos periféricos. Uma causa secundária de hipertensão arterial, especialmente a hipertensão</p><p>renovascular, está presente em 20-30% dos casos, logo, a pesquisa de HAS secundária sempre deve ser considerada nestes casos!</p><p>Tratamento: modernamente, o tratamento da “hipertensão acelerada maligna”, isto é, uma crise hipertensiva acompanhada de retinopatia moderada a grave (grau III ou</p><p>IV, respectivamente), com ou sem injúria renal aguda associada, é feito de forma semelhante à encefalopatia hipertensiva: utilizando um agente anti-hipertensivo</p><p>parenteral (ex.: nitroprussiato) visa-se reduzir a PAM em até 25% durante a primeira hora de tratamento. Feito isso, o paciente inicia/retoma o tratamento anti-hipertensivo</p><p>com drogas orais, “desmamando” paulatinamente a droga parenteral. Se presente, a insuficiência renal pode piorar num primeiro momento (devido à queda na pressão de</p><p>perfusão renal), no entanto, espera-se que com a resolução das lesões vasculares a TFG se recupere, voltando ao patamar basal prévio.</p><p>OUTRAS EMERGÊNCIAS HIPERTENSIVAS</p><p>A crise do feocromocitoma deve ser abordada como uma emergência hipertensiva. Trata-se de um tumor hipersecretante de catecolaminas (adrenalina e/ou</p><p>noradrenalina). A liberação aguda de grandes quantidades dessas catecolaminas na circulação causa uma crise caracterizada por hipertensão severa, taquicardia, fadiga e</p><p>sudorese. Como a hipertensão é muito aguda, pode haver encefalopatia ou EAP. O tratamento deve ser feito com o α-bloqueador fentolamina, na dose 2-5 mg IV 5/5min</p><p>até o controle da PA. Na ausência da fentolamina, pode-se iniciar o prazosin VO, um alfa-1-bloqueador de meia-vida curta. O labetalol pode ser uma alternativa razoável.</p><p>Os betabloqueadores nunca devem ser feitos isoladamente no feocromocitoma, pois, ao bloquear somente os receptores beta-vasculares (beta-2), as catecolaminas</p><p>passam a agir somente sobre os receptores alfa-1 (de vasoconstrição), exacerbando perigosamente a crise do feocromocitoma... Esta mesma regra vale para qualquer</p><p>crise hipertensiva hiperadrenérgica (cocaína, anfetamina, rebote da clonidina, etc.). Os diuréticos também devem ser evitados, pois podem precipitar choque hipovolêmico</p><p>(esses pacientes costumam estar previamente hipovolêmicos pela natriurese pressórica).</p><p>A crise hipertensiva por intoxicação pela cocaína deve ser tratada com altas doses de diazepam venoso, associado a anti-hipertensivos que não o betabloqueador</p><p>(nitroprussiato, captopril, etc.). A síndrome do “rebote” após suspensão de anti-hipertensivos pode acontecer na suspensão abrupta da clonidina ou, em menor grau, do</p><p>α-metildopa. O mecanismo é o upregulation dos receptores alfa-1 e beta-1 adrenérgicos pela clonidina; ao suspender abruptamente o medicamento, os níveis de</p><p>noradrenalina voltam a subir nas fendas sinápticas, desencadeando a crise. Pode haver um pico hipertensivo agudo sintomático, mais alto que os valores de PA prévios ao</p><p>tratamento medicamentoso. O tratamento pode ser feito com a readministração dessas drogas, seguida de sua suspensão paulatina, trocando-se por outro anti-</p><p>hipertensivo.</p><p>ABORDAGEM DA URGÊNCIA HIPERTENSIVA</p><p>O paciente que apresenta PA ≥ 180 x 120 mmHg e se encontra assintomático ou oligossintomático deve permanecer internado até que a sua PA esteja em torno de 160</p><p>x 100 mmHg, quando então poderá ter alta e ser encaminhado para o ambulatório. O controle da PA é feito paulatinamente em 24-48h, com anti-hipertensivos orais de</p><p>meia-vida curta (captopril, furosemida, propranolol, hidralazina, clonidina, metildopa, etc.). A nifedipina sublingual não é mais indicada no tratamento da Urgência</p><p>Hipertensiva, pois a queda abrupta da pressão arterial, induzida por esse medicamento, pode levar a complicações isquêmicas (AVE e IAM). Duas ou três drogas (uma</p><p>delas diurético) geralmente são suficientes para o controle agudo da PA. Para casa, deve ser prescrito um esquema anti-hipertensivo crônico, geralmente com tiazídico e</p><p>alguma outra droga de meia-vida longa.</p><p>Fluxograma 1</p><p>CAP. 5</p><p>AS VALVOPATIAS</p><p>ESTENOSES VALVARES (MITRAL, AÓRTICA E TRICÚSPIDE)</p><p>Cap_05_Video_01_Car2</p><p>ESTENOSE MITRAL</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>FUNÇÃO DA VALVA MITRAL</p><p>A valva mitral posiciona-se entre o Átrio Esquerdo (AE) e o Ventrículo Esquerdo (VE), sendo categorizada, juntamente com a valva tricúspide, como uma valva</p><p>atrioventricular. A sua integridade é fundamental para a função cardíaca. Na diástole, a valva se abre, permitindo o enchimento ventricular esquerdo, sem oferecer</p><p>nenhuma resistência à passagem de sangue entre o AE e o VE. Na sístole, a valva se fecha, direcionando o sangue para a aorta, impedindo-o que reflua para o AE. Para</p><p>garantir uma boa abertura, os folhetos valvares precisam ter uma boa mobilidade e elasticidade. Para garantir o seu fechamento, é necessária a integridade de todo</p><p>aparelho valvar mitral.</p><p>APARELHO VALVAR MITRAL</p><p>O aparelho valvar mitral é composto por: (1) anel ou ânulo mitral; (2) dois folhetos ou cúspides valvares; (3) cordoália tendínea; e (4) músculos papilares. Observe</p><p>atentamente a Os músculos papilares são proeminências musculares do miocárdio do VE, ligando-se à borda dos folhetos mitrais através da cordoália tendínea,</p><p>um conjunto de cordões fibrosos. Durante a sístole, os músculos papilares se contraem, tensionando a cordoália tendínea, de forma a ancorar os folhetos mitrais. Isso evita</p><p>que eles prolapsem para o interior do AE, permitindo o fechamento da valva. Para um adequado fechamento mitral, os folhetos devem estar íntegros e o ânulo mitral deve</p><p>reduzir o seu diâmetro pela contração sistólica, um efeito semelhante a um esfíncter. Todas estas funções do aparelho valvar mitral também serão utilizadas para o</p><p>entendimento do tema “Insuficiência Mitral”.</p><p>FIGURA 1.</p><p>ESTENOSE MITRAL – DEFINIÇÃO</p><p>Quando a valva mitral se abre amplamente na diástole, o sangue passa livremente através de uma área entre 4-6 cm². Esta é a Área Valvar Mitral normal. Esta área</p><p>confere uma resistência desprezível ao fluxo sanguíneo, portanto praticamente não há gradiente de pressão diastólico entre o átrio esquerdo e o ventrículo esquerdo.</p><p>Podemos dizer que, quando a área valvar mitral está normal, a pressão do AE é idêntica à pressão no VE no final da diástole – ou seja, o coração esquerdo funciona como</p><p>uma câmara única atrioventricular nesse momento.</p><p>Denominamos Estenose Mitral (EM) a condição em que, pela restrição à abertura dos folhetos valvares, há uma redução da área valvar mitral, levando à formação de</p><p>um gradiente de pressão diastólico entre o AE e o VE.</p><p>Para que haja estenose mitral, com a formação do gradiente pressórico AE-VE, a Área Valvar Mitral (AVM) deve estar inferior a 2,5 cm². Quando a AVM encontra-se</p><p>entre 2,5-4 cm², dizemos que há estenose mitral mínima. Neste caso, não há gradiente pressórico AE-VE significativo – ou seja, não há repercussão hemodinâmica.</p><p>CLASSIFICAÇÃO QUANTO À GRAVIDADE</p><p>A gravidade da estenose mitral é medida pela Área Valvar Mitral (AVM), tendo uma correspondência com o gradiente médio de pressão AE-VE na diástole – veja o quadro a</p><p>seguir. Este gradiente de pressão AE-VE também é chamado de gradiente de pressão transvalvar e será explicado adiante em “Fisiopatologia”.</p><p>Estenose Mitral Leve: AVM = 1,5-2,5 cm² ou grad. pressórico médio < 5 mmHg ou pressão sistólica da artéria pulmonar < 30 mmHg.</p><p>Estenose Mitral Moderada: AVM = 1,0-1,5 cm² ou grad. pressórico médio = 5-10 mmHg ou pressão sistólica da artéria pulmonar de 30 a 50 mmHg.</p><p>FISIOPATOLOGIA</p><p>CONGESTÃO PULMONAR –</p><p>Fig. 1: Aparelho valvar mitral.</p><p>Estenose Mitral Grave: AVM < 1,0 cm² ou grad. pressórico médio > 10 mmHg ou pressão sistólica da artéria pulmonar > 50 mmHg.</p><p>*Cuidado: o laudo do ecocardiograma-Doppler pode fornecer o gradiente de pressão AE-VE. Porém, muitos ecocardiografistas “têm a mania” de nos fornecer apenas o</p><p>gradiente máximo, sem colocar o gradiente médio. Apenas este último pode nos dar informações precisas sobre o grau de estenose mitral.</p><p>FIGURA 2</p><p>Na estenose mitral, há uma obstrução fixa ao fluxo de sangue do átrio esquerdo para o ventrículo esquerdo durante a fase de enchimento ventricular – diástole. Para que</p><p>este fluxo se mantenha adequado, apesar da obstrução, faz-se necessário um gradiente de pressão transvalvar, que não existe em condições normais. O gradiente</p><p>ocorre à custa do aumento da pressão do átrio esquerdo, que se transmite ao leito venocapilar pulmonar. Uma pressão venocapilar maior do que 18 mmHg (normal: até 12</p><p>mmHg) é capaz de promover ingurgitamento venoso e extravasamento capilar de líquido, ou seja, a síndrome congestiva. Entretanto, na estenose mitral, a pressão</p><p>venocapilar pulmonar eleva-se de forma insidiosa, estimulando um mecanismo de adaptação da vasculatura pulmonar, o que permite a um indivíduo tolerar uma pressão</p><p>venocapilar de até 25 mmHg sem apresentar sintomas.</p><p>A congestão pulmonar é a principal responsável pelos sintomas da estenose mitral, especialmente a dispneia aos esforços e a ortopneia. Um pulmão</p><p>“cheio de líquido” torna-se pesado e dificulta o trabalho respiratório, além de prejudicar a troca gasosa nos casos mais graves. A dispneia vem do maior trabalho dos</p><p>músculos respiratórios e do estímulo aos receptores J do interstício pulmonar pelo edema.</p><p>O esforço físico aumenta o gradiente de pressão transvalvar na estenose mitral, promovendo uma súbita elevação da pressão atrial esquerda e venocapilar pulmonar</p><p>e, portanto, uma piora aguda da congestão.</p><p>Durante o esforço físico, o débito cardíaco e a frequência cardíaca aumentam. Estes são justamente os dois fatores determinantes do gradiente de pressão transvalvar na</p><p>estenose mitral:</p><p>Débito cardíaco: se o débito cardíaco está aumentado, o retorno venoso também aumenta, fazendo chegar mais sangue ao átrio esquerdo. Isso faz aumentar a</p><p>pressão atrial esquerda e o gradiente de pressão transvalvar, promovendo congestão pulmonar. Analisando-se de outra forma, o aumento do débito cardíaco aumenta</p><p>o fluxo sanguíneo pela valva estenosada. Como regra de qualquer valva estenótica, aumentando-se o fluxo transvalvar, eleva-se o gradiente de pressão transvalvar.</p><p>Gradiente de pressão = Fluxo x Resistência (esta última refere-se à resistência imposta pela valva estenosada ao fluxo sanguíneo). As condições principais de alto</p><p>débito cardíaco são: esforço físico, estresse, anemia, febre, gestação, hipertireoidismo, etc.</p><p>*É importante constatar, pelos motivos anteriormente mencionados, que a valvopatia menos tolerada durante a gestação é a estenose mitral!</p><p>Frequência cardíaca: a taquicardia reduz proporcionalmente o tempo da diástole, dificultando o esvaziamento atrial pela valva estenosada. Isso faz aumentar a</p><p>pressão atrial esquerda e o gradiente de pressão transvalvar, promovendo congestão pulmonar. Por isso, a fibrilação atrial aguda com alta resposta ventricular (uma</p><p>taquiarritmia comumente associada à estenose mitral) pode descompensar o quadro e até causar edema agudo de pulmão. A perda da contração atrial é um outro fator</p><p>que também contribui para a descompensação do quadro.</p><p>HIPERTENSÃO ARTERIAL PULMONAR (HAP) –</p><p>Fig. 2: Congestão pulmonar na estenose mitral. Observe o aumento atrial esquerdo. Esta câmara está com aumento de sua pressão devido à obstrução mitral. Esta pressão se transmite para o leito</p><p>venocapilar pulmonar, levando à congestão.</p><p>FIGURA 3</p><p>O aumento crônico da pressão venocapilar pulmonar é transmitido retrogradamente para o leito arterial pulmonar, levando a um pequeno aumento da pressão arterial</p><p>pulmonar (HAP passiva). Este aumento inicial pode desencadear uma vasoconstrição pulmonar (HAP reativa). Com o passar dos anos, as arteríolas e pequenas artérias</p><p>pulmonares vão se hipertrofiando e começam a entrar em um processo fibrodegenerativo, levando à obliteração crônica e progressiva do leito arteriolar pulmonar. Esta é a</p><p>fase avançada da HAP reativa. Quando já chegou nesse estágio,</p><p>pelo menos parte da HAP torna-se irreversível.</p><p>O valor da Pressão Arterial Pulmonar (PAP) sistólica normal pode chegar até 30 mmHg, enquanto que a PAP média pode chegar até 19 mmHg. As consequências da</p><p>hipertensão arterial pulmonar são principalmente sobre o ventrículo direito, que precisa vencer a resistência vascular pulmonar para ejetar o sangue durante a sístole.</p><p>Quando a PAP sistólica atinge cifras acima de 50-60 mmHg, o ventrículo direito pode entrar em falência miocárdica, levando ao quadro de Insuficiência Ventricular</p><p>Direita (IVD), com todas as suas consequências. Nesse momento, associa-se ao quadro clínico de congestão pulmonar um quadro de congestão sistêmica e baixo débito</p><p>cardíaco.</p><p>BAIXO DÉBITO CARDÍACO</p><p>O débito cardíaco, em geral, não é prejudicado nas fases iniciais da estenose mitral, pois o enchimento ventricular esquerdo é preservado à custa do aumento do gradiente</p><p>de pressão transvalvar e dos sintomas de congestão pulmonar. Porém, quando a estenose se torna crítica, principalmente quando há disfunção do ventrículo direito</p><p>associada, o débito cardíaco torna-se limitado, especialmente durante o esforço físico. O uso de diuréticos para o tratamento da estenose mitral sintomática, se feito de</p><p>maneira não criteriosa, pode transformar uma síndrome de congestão pulmonar em uma síndrome de baixo débito, tal como acontece com a maioria das síndromes de</p><p>insuficiência cardíaca congestiva.</p><p>ETIOLOGIA</p><p>A etiologia de mais de 95% das estenoses mitrais é a cardiopatia reumática crônica. É importante compreender que a lesão mitral reumática mais comum no Brasil é a</p><p>dupla disfunção não balanceada, isto é, estenose e insuficiência mitral em estágios diferentes de evolução. O que acontece é que na fase aguda da cardite reumática</p><p>predomina o componente de insuficiência, enquanto que na fase crônica predomina a estenose. Assim, boa parte dos portadores de estenose mitral reumática crônica</p><p>possui algum grau de insuficiência mitral associada (“a valva não abre direito, mas também não fecha direito”). Cerca de 2/3 dos pacientes são do sexo feminino.</p><p>A degeneração fibrótica (e posteriormente fibrocalcífica) acomete os folhetos, reduzindo a sua mobilidade e fundindo as comissuras (bordas proximais dos folhetos). O</p><p>aspecto macroscópico da valva em um estágio mais avançado é classicamente o de “boca-de-peixe”– .</p><p>Fig. 3: HAP na estenose mitral. A congestão pulmonar crônica leva a uma vasoconstrição reativa dos vasos arteriais pulmonares e depois a uma resposta fibro-obliterativa. Por este motivo, a PA</p><p>pulmonar vai progressivamente se elevando na estenose mitral, sobrecarregando o VD, que pode evoluir para falência sistólica.</p><p>FIGURA 4</p><p>São causas raríssimas de estenose mitral: congênita, endocardite infecciosa, endocardite de Libman-Sacks, amiloidose, síndrome de Hunter-Hurler (mucopolissacaridose</p><p>tipo 1). Algumas doenças simulam a estenose mitral, por levarem à obstrução do fluxo sanguíneo através do orifício mitral (mixoma atrial esquerdo, trombo atrial esquerdo</p><p>pedunculado) ou no interior do próprio átrio esquerdo (cor triatriatum – uma membrana congênita que divide o AE em duas câmaras).</p><p>HISTÓRIA CLÍNICA</p><p>A estenose mitral reumática é uma doença endêmica no nosso meio, já que o número de casos de febre reumática continua bastante significativo. A virulência das nossas</p><p>cepas de estreptococos leva a quadros congestivos por estenose mitral em idades bastante jovens(10-18 anos), geralmente meninas. É comum o diagnóstico de estenose</p><p>mitral em adolescentes e adultos jovens (20-40 anos). Contudo, a doen-ça pode se manifestar em qualquer idade (até em pacientes idosos).</p><p>O principal sintoma da estenose mitral é a dispneia aos esforços, sintoma cardinal da síndrome congestiva pulmonar. Em fases mais avançadas, associa-se à síndrome</p><p>de baixo débito, caracterizada por fadiga, cansaço e lipotimia (tonteira) provocados por esforços. Os sintomas da estenose mitral, portanto, são os mesmos da</p><p>insuficiência cardíaca congestiva. Aliás, a estenose mitral é considerada um tipo especial de insuficiência cardíaca diastólica.</p><p>Contudo, a estenose mitral pode manifestar-se de maneiras peculiares, confundindo eventualmente os próprios médicos. O paciente pode apresentar uma história de</p><p>tosse com hemoptise, associada a emagrecimento, o que leva a pensar no diagnóstico de tuberculose ou neoplasia pulmonar. O mecanismo da hemoptise, em geral de</p><p>pequena monta, é a ruptura de capilares ou pequenas veias brônquicas, que se encontram ingurgitadas e hipertensas (a hipertensão venosa é transmitida do sistema</p><p>venoso pulmonar para o sistema venoso brônquico). Os pacientes com hipertensão pulmonar secundária à estenose mitral podem queixar-se de dor torácica, às vezes de</p><p>caráter anginoso, pela distensão do tronco da artéria pulmonar. Em pacientes com mais de 40 anos, a dor anginosa pode ser causada por doença coronariana</p><p>aterosclerótica associada, que sempre deve ser pesquisada nesses casos.</p><p>Um grande aumento do átrio esquerdo pode causar compressão do nervo laríngeo recorrente esquerdo contra o brônquio fonte, acarretando rouquidão (síndrome de</p><p>Ortner). A compressão esofágica acarreta disfagia para sólidos.</p><p>EXAME FÍSICO</p><p>INSPEÇÃO E PALPAÇÃO</p><p>O pulso arterial em geral é normal, porém pode estar de amplitude reduzida na EM crítica, com redução importante do débito cardíaco. O pulso venoso é reflexo das</p><p>pressões do coração direito. Se o paciente apresentar como complicação a hipertensão arterial pulmonar grave, teremos uma onda A exacerbada no pulso jugular, nos</p><p>pacientes em ritmo sinusal. Se houver insuficiência ventricular direita, a pressão jugular estará aumentada, verificada pela elevação da altura do pulso da jugular interna,</p><p>com o paciente a 45º ou pela turgência patológica da veia jugular externa. Alterações do pulso venoso na estenose mitral significam doença avançada, pois refletem as</p><p>consequências da hipertensão arterial pulmonar. Se houver insuficiência tricúspide secundária à dilatação do VD, ocorre uma “arterialização” do pulso venoso. Veremos</p><p>uma onda V gigante no pulso jugular, que se parece com um pulso arterial visível.</p><p>A palpação do precórdio, em geral, mostra um ictus de VE fraco ou impalpável. O choque valvar de B1 (correspondendo à hiperfonese de B1) é a alteração mais comum no</p><p>precórdio desses pacientes. Em casos de hipertensão arterial pulmonar, um choque valvar de P2, no foco pulmonar pode ser sentido, correspondendo à hiperfonese de P2.</p><p>Nos casos de sobrecarga de VD, pela hipertensão arterial pulmonar, o ictus de VD será palpável e proeminente. Uma dilatação importante do VD pode rodar o coração no</p><p>sentido horário, deslocando o VE para trás. Nesses casos, o ictus de VD ocupa o lugar de onde seria o ictus de VE, o que pode confundir o diagnóstico com doenças que</p><p>cursam com dilatação do VE. O sopro da insuficiência tricúspide pode, então, ser confundido com o sopro de uma insuficiência mitral.</p><p>AUSCULTA –</p><p>Fig. 4: Estenose mitral reumática – valva mitral em “boca-de-peixe”.</p><p>FIGURA 5</p><p>A ausculta do precórdio revela hiperfonese de B1, caso a valva mitral ainda apresente uma mobilidade razoável e pouca ou nenhuma calcificação. A estenose mitral</p><p>aumenta a tensão nos seus folhetos, que então “vibram mais” ao se fecharem. Uma outra explicação seria o atraso do fechamento mitral na sístole, devido à alta pressão</p><p>no átrio esquerdo. A valva partiria de uma posição mais aberta do que o habitual antes de fechar-se. Às vezes, a hiperfonese de B1 é o único achado auscultatório da</p><p>estenose mitral. Com a progressão da doença, a valva torna-se calcificada e perde a sua mobilidade, reduzindo a fonese da primeira bulha. Nesse momento, a B1 se</p><p>tornará hipofonética. A hiperfonese de P2 (componente pulmonar da B2) é o primeiro sinal da hipertensão arterial pulmonar. A P2 se aproxima de A2 e, em estágios mais</p><p>avançados, o desdobramento fisiológico de B2 desaparece completamente, ficando uma bulha única</p><p>e hiperfonética.</p><p>O estalido de abertura da valva mitral ocorre no momento em que a valva se abre, com os seus folhetos tensos. Portanto, o som dá-se logo após B2 e se parece com um</p><p>desdobramento da segunda bulha e com a terceira bulha (B3). O som é mais seco que a B2 e é mais audível no foco tricúspide e mitral. A presença do estalido indica que a</p><p>valva tem uma mobilidade razoável. Quanto mais próximo o estalido da B2, maior a gravidade da estenose mitral.</p><p>Sopro da estenose mitral: o chamado ruflar diastólico é o sopro característico da estenose mitral. É mais audível com a campânula (som grave) e é bem localizado no</p><p>foco mitral. Sua intensidade aumenta com o decúbito semilateral esquerdo e às vezes só aparece nessa posição. O sopro pode ser de pequena duração ou ser</p><p>holodiastólico. Quanto maior a duração (e não a intensidade), maior a gravidade da estenose mitral. Na EM leve, o sopro só é auscultado na fase pré-sistólica, devido ao</p><p>reforço do fluxo pela contração atrial (reforço pré-sistólico). Se o sopro for intenso, pode irradiar-se para a axila e para o foco tricúspide. O sopro diminui com a</p><p>inspiração e com a manobra de Valsalva e aumenta com o exercício físico.</p><p>O ruflar diastólico não é patognomônico da estenose mitral. Pode ocorrer na febre reumática aguda (sopro de Carey Coombs), na insuficiência mitral grave (hiperfluxo pela</p><p>valva mitral) e na insuficiência aórtica grave (sopro de Austin Flint). A diferenciação é feita pela hiperfonese de B1 e pelo estalido de abertura, que só estão presentes na</p><p>estenose mitral.</p><p>A estenose mitral pura não cursa com bulhas acessórias (B3 ou B4), pois o ventrículo esquerdo é poupado nesta patologia. Mas podemos ter bulhas acessórias</p><p>provenientes do ventrículo direito (B3 ou B4 de VD), nos casos de sobrecarga ou insuficiência ventricular direita. Esses sons aumentam caracteristicamente com a</p><p>inspiração profunda (manobra de Rivero-Carvallo) e estão associados a um ictus de VD palpável e proeminente. A terceira bulha do ventrículo direito (B3 de VD), por ser</p><p>um som protodiastólico, pode ser confundida com o estalido de abertura. Este último, entretanto, não intensifica com a inspiração.</p><p>Nos casos de insuficiência tricúspide, teremos um sopro sistólico (que pode ser holossistólico), mais audível no foco tricúspide. Nos casos em que o VD se desloca para a</p><p>esquerda, pode ser mais audível no foco mitral. Este sopro pode ser facilmente confundido com o sopro de insuficiência mitral. A diferenciação é feita pelo aumento</p><p>característico do sopro com a inspiração profunda (manobra de Rivero-Carvallo) e pela presença de outros sinais de insuficiência tricúspide no exame (onda V gigante no</p><p>pulso jugular, pulso hepático). Na insuficiência tricúspide, outros sinais de aumento de VD (ictus de VD, B3 de VD) também são notados.</p><p>Estenose mitral silenciosa: alguns pacientes com estenose mitral não têm o ruflar diastólico audível. Isso ocorre devido à idade avançada, obesidade, DPOC, aumento</p><p>do diâmetro anteroposterior do tórax ou estados de baixo débito cardíaco (baixo fluxo). A doença deve ser suspeitada por outros dados.</p><p>COMPLICAÇÕES</p><p>Fig. 5: Ausculta cardíaca na estenose mitral. No foco mitral, pode-se auscultar a tríade clássica: ruflar diastólico, estalido de abertura e hiperfonese de B1.</p><p>FIBRILAÇÃO ATRIAL (FA) –</p><p>O átrio esquerdo aumenta de tamanho progressivamente na estenose mitral, devido ao aumento da pressão intracavitária. A própria cardiopatia reumática acomete o</p><p>miocárdio atrial, levando a uma espécie de miocardite atrial crônica. Esses dois fatores geram as condições eletrofisiológicas que predispõem à fibrilação atrial. Cerca de</p><p>30-50% dos pacientes com estenose mitral desenvolvem FA, na forma paroxística intermitente ou na forma crônica permanente. A rápida resposta ventricular</p><p>característica da fibrilação atrial (geralmente entre 110-180 bpm), aliada à perda da contração atrial, promove um importante aumento da pressão atrial esquerda, levando</p><p>aos sintomas de congestão pulmonar (dispneia, ortopneia). Episódios de FA paroxística podem se manifestar com edema agudo de pulmão. A hipotensão arterial ou o</p><p>choque podem ser decorrentes do baixo débito cardíaco. O débito está reduzido pelo pequeno tempo de enchimento ventricular diastólico e pela perda da contração atrial</p><p>(responsável por cerca de 30% do enchimento ventricular). A fibrilação atrial é a grande responsável pelos fenômenos tromboembólicos que complicam a doença valvar</p><p>mitral.</p><p>FENÔMENOS TROMBOEMBÓLICOS</p><p>A embolia sistêmica ocorre em cerca de 10-20% dos pacientes com estenose mitral. São especialmente comuns quando há fibrilação atrial associada: frequência média de</p><p>6% ao ano (altíssimo risco). O momento de instalação da fibrilação atrial também é importante: 1/3 dos eventos tromboembólicos acontece no primeiro mês de instalação,</p><p>e 2/3 no primeiro ano. Os pacientes com estenose mitral reumática em ritmo sinusal e com átrio esquerdo bastante aumentado também podem evoluir com</p><p>tromboembolismo, embora com chance bem menor.</p><p>O átrio esquerdo grande e fibrilando, ou seja, sem contração eficaz, é um enorme estímulo para a formação de trombo intracavitário devido à estase sanguínea. O</p><p>apêndice atrial esquerdo é um local comum para a formação do trombo. Estes trombos podem se deslocar do AE, seguindo pela circulação sistêmica até embolizar uma</p><p>artéria cerebral, esplênica, mesentérica, renal, etc. O AVE isquêmico é o evento embólico mais comum. A anticoagulação oral com warfarin, quando bem conduzida, reduz</p><p>significativamente a chance de eventos tromboembólicos nesses pacientes.</p><p>ENDOCARDITE INFECCIOSA</p><p>A turbulência do fluxo transvalvar permite a formação de pequenos trombos aderidos à face ventricular da valva mitral, que podem servir de “abrigo” para bactérias.</p><p>Episódios de bacteremia podem contaminar esses focos, gerando um quadro infeccioso sistêmico chamado de endocardite infecciosa. A destruição da valva pela</p><p>endocardite pode levar à insuficiência mitral.</p><p>EXAMES COMPLEMENTARES INESPECÍFICOS</p><p>ELETROCARDIOGRAMA –</p><p>FIGURA 6</p><p>Fig. 6: Fibrilação atrial – arritmia bastante comum da valvopatia mitral.</p><p>FIGURA 7</p><p>O ECG é importante para determinar se o paciente está em ritmo sinusal ou se tem fibrilação atrial crônica. Pode revelar os sinais de aumento atrial esquerdo (onda P larga</p><p>e bífida em D2, e o índice de Morris em V1 – porção negativa da P aumentada, com área maior que 1 “quadradinho”). A alteração da onda P nesses casos é denominada de</p><p>P mitrale. Nos casos mais avançados, pode haver sinais de sobrecarga de VD, com desvio do eixo para a direita, ondas S amplas em V5, V6 e ondas R amplas em V1, V2.</p><p>RADIOLOGIA DE TÓRAX –</p><p>O sinal mais precoce é o aumento atrial esquerdo isolado. Na incidência de perfil, com o esôfago contrastado com bário, observa-se o aumento do AE pelo deslocamento</p><p>posterior do esôfago. O aumento do AE pode ser notado na incidência PA, através dos sinais: (1) duplo contorno na silhueta direita do coração; (2) sinal da bailarina</p><p>(deslocamento superior do brônquio fonte esquerdo); (3) abaulamento do 3º arco cardíaco esquerdo, correspondente ao apêndice atrial esquerdo. O átrio esquerdo</p><p>localiza-se posteriormente ao coração e, por ser uma câmara pequena, suas bordas não aparecem na incidência PA. O aumento para direita permite a visualização da sua</p><p>borda direita, que se aproxima da borda do átrio direito – justificando o sinal do duplo contorno. O sinal da bailarina ocorre quando o AE aumenta para cima. De todos os</p><p>sinais radiológicos de aumento do AE, o mais precoce é o deslocamento posterior do esôfago contrastado.</p><p>As alterações pulmonares são proeminentes: inversão do padrão vascular (dilatação das veias pulmonares apicais), linhas B de Kerley, edema intersticial. A congestão</p><p>pulmonar crônica leva ao acúmulo de hemossiderina</p><p>do coração (ver adiante).</p><p>Seja como for, havendo ou não sintomas inicialmente, a ativação ininterrupta dos sistemas neuro-hormonais compensatórios culmina no processo de REMODELAMENTO</p><p>CARDÍACO. Este decorre do efeito tóxico direto da exposição excessiva e prolongada dos cardiomiócitos a substâncias como adrenalina, angiotensina II e aldosterona.</p><p>Sobrevém lesão adicional (secundária) do miocárdio, com piora da capacidade contrátil e HIPERativação dos sistemas neuro-hormonais compensatórios... Cria-se, assim,</p><p>um ciclo vicioso, conforme a</p><p>O excesso de adrenalina, angiotensina II e aldosterona lesa os cardiomiócitos, promovendo num primeiro momento hipertrofia compensatória, mas, posteriormente,</p><p>sérios prejuízos funcionais e estruturais, como por exemplo: (1) disfunção contrátil (desequilíbrios na transcrição gênica levam ao desacoplamento entre excitação-</p><p>contração, dessensibilização dos receptores β-adrenérgicos, enfraquecimento do citoesqueleto e diminuição do metabolismo energético da célula); (2)</p><p>necrose/apoptose/autofagia dos cardiomiócitos; (3) substituição da matriz extracelular organizada por um arcabouço fibrótico irregular que não provê</p><p>sustentação estrutural para uma adequada atividade contrátil, além de diminuir a complacência tecidual (o ventrículo fica "duro"). O coração se dilata, alterando sua</p><p>geometria (cujo formato se torna cada vez mais esférico e com paredes cada vez mais finas), o que reduz seu desempenho mecânico. Outro fenômeno (que também</p><p>diminui a função de bomba) é a insuficiência mitral secundária, devido à dilatação do anel mitral e perda da coaptação dos folhetos valvares.</p><p>Cumpre ressaltar que o aumento dos referidos mediadores é igualmente tóxico para o sistema vascular periférico... Assim como os cardiomiócitos o endotélio também</p><p>sofre, surgindo DISFUNÇÃO ENDOTELIAL. Com isso, sobrevém uma tendência generalizada de: (1) vasoconstrição; (2) hipertrofia do músculo liso na parede vascular; e</p><p>(3) estado pró-trombótico. O resultado é um distúrbio adicional de remodelamento da macro e microvasculatura, o que potencializa a disfunção isquêmica de múltiplos</p><p>órgãos e tecidos.</p><p>Sem tratamento o paciente evolui inexoravelmente com declínio da função sistólica, à custa de dilatação cardíaca progressiva e aumento nas pressões de enchimento,</p><p>surgindo sinais e sintomas de congestão (inicialmente venocapilar pulmonar e, depois, congestão venosa sistêmica), baixo débito cardíaco (astenia, fraqueza, tonteira),</p><p>terminando em óbito por morte súbita (geralmente taquiarritmias ventriculares, cujo substrato é a fibrose miocárdica que predispõe ao fenômeno de reentrada,</p><p>especialmente na vigência de aumento do tônus adrenérgico) ou falência circulatória refratária.</p><p>Conforme veremos adiante, a base terapêutica da ICFER consiste no bloqueio farmacológico dos mediadores neuro-hormonais (catecolaminas, angiotensina II e</p><p>aldosterona), além de inibição da neprilisina e/ou uso combinado de hidralazina + nitrato (esta última estratégia é chamada de “vasodilatação balanceada”). Todas</p><p>essas medidas terapêuticas comprovadamente prolongam a sobrevida do paciente com ICFER, revertendo, evitando ou, pelo menos, atrasando o processo de</p><p>remodelamento cardíaco.</p><p>FIGURA 4.</p><p>Fig. 4: Ciclo vicioso na fisiopatogênese da ICFER.</p><p>Outras classes farmacológicas também podem ser utilizadas no tratamento da ICFER, como os diuréticos de alça (ex.: furosemida) e os cardiotônicos (drogas que</p><p>aumentam a contratilidade, como os digitálicos). No entanto, estas servem apenas para CONTROLE DOS SINTOMAS, não possuindo evidências científicas de redução do</p><p>remodelamento cardíaco e aumento da sobrevida!</p><p>Outro sistema neuro-hormonal ativado pela queda do débito cardíaco por intermédio dos barorreceptores circulatórios é a secreção não osmótica de ADH</p><p>(vasopressina). Este hormônio induz vasoconstrição periférica (atuando em receptores V1 presentes no músculo liso da parede arterial), além de retenção renal de</p><p>água livre (atuando em receptores V2 no túbulo coletor do néfron). A importância de tal sistema é que quanto mais grave for a queda do débito cardíaco maior será a</p><p>secreção de ADH, causando hiponatremia. Assim, a hiponatremia (geralmente leve/moderada e assintomática por si só) serve como marcador de mau prognóstico na</p><p>ICFER, por refletir a piora da função sistólica do ventrículo esquerdo!</p><p>ICFEN</p><p>Pouco se sabe sobre os mecanismos fisiopatogênicos da ICFEN... As evidências apontam para a participação de fatores cardíacos (ex.: disfunção diastólica, por diminuição</p><p>da complacência do tecido miocárdico e deficit de relaxamento ventricular) e extracardíacos (ex.: rigidez vascular periférica, disfunção renal) em sua gênese. Aqui o</p><p>ventrículo esquerdo não se dilata, mas em geral sofre hipertrofia concêntrica, com grande aumento nas pressões de enchimento.</p><p>Ao contrário da ICFER, onde o tratamento previne o remodelamento cardíaco e consegue prolongar a sobrevida do paciente, para a ICFEN até o momento não existe uma</p><p>estratégia terapêutica que comprovadamente reduza a mortalidade!!! O que se faz é apenas o tratamento das doenças de base (ex.: HAS, dislipidemia, diabetes mellitus),</p><p>aliado ao controle dos sintomas (ex.: diureticoterapia para alívio da congestão pulmonar).</p><p>Cap_01_Video_02_Car2</p><p>MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS</p><p>SINTOMAS</p><p>O carro-chefe é a dispneia (sensação subjetiva de falta de ar), inicialmente aos esforços, progressiva e, por fim, em repouso. Sua gênese é multifatorial...</p><p>A maior pressão de enchimento do ventrículo esquerdo (PDF) é transmitida retrogradamente para o átrio esquerdo e, daí, para as veias pulmonares, que vale lembrar não</p><p>possuem valvas que impeçam o refluxo de sangue! A microcirculação pulmonar (no seu “lado” venocapilar) sofre aumento da pressão hidrostática causando transudação</p><p>de líquido para o interstício pulmonar e alvéolos (edema pulmonar). Receptores J justacapilares são ativados pela diminuição da complacência pulmonar secundária ao</p><p>edema, e contribuem para a percepção do sintoma. Além disso, o distúrbio vascular generalizado que acompanha a IC (remodelamento da macro e microcirculação) afeta</p><p>os músculos respiratórios, favorecendo sua fatigabilidade! Com frequência (ex.: pela coexistência de desnutrição e/ou doença renal crônica) o paciente possui anemia, o</p><p>que também diminui o limiar para o surgimento de dispneia.</p><p>Ortopneia é a dispneia que surge com o decúbito dorsal, sendo uma queixa mais tardia na evolução da doença e que possui relativa especificidade para IC (na ausência</p><p>de obesidade mórbida, ascite volumosa e/ou DPOC avançada, ortopneia indica IC até prova em contrário). Seu mecanismo é o aumento do retorno venoso ao decúbito (a</p><p>partir dos membros inferiores e circulação esplâncnica), o que aumenta a pressão de enchimento do VE e agrava a congestão venocapilar pulmonar de forma rápida. O</p><p>paciente obtém alívio com elevação da cabeceira (para dormir ele utiliza mais de um travesseiro, ou dorme sentado).</p><p>Uma forma mais dramática de expressão destes mesmos fenômenos é a Dispneia Paroxística Noturna (DPN), na qual o paciente desperta 1-3h após se deitar,</p><p>apresentando intensa tosse e falta de ar, com necessidade de se levantar da cama para melhorar. Diferentemente da ortopneia, onde a ortostase alivia de imediato a</p><p>dispneia, na DPN o sintoma persiste por alguns minutos mesmo após o paciente se levantar...</p><p>Em alguns indivíduos, principalmente durante os episódios de DPN, ocorre edema proeminente da mucosa brônquica, reduzindo o calibre das pequenas vias aéreas de</p><p>modo a acrescentar um componente de obstrução ao fluxo aéreo. Costuma, inclusive, haver sibilos na ausculta desses doentes... Esta é a famosa "asma cardíaca"!</p><p>A piora aguda da função do VE, por qualquer motivo, pode desencadear Edema Agudo de Pulmão (EAP), um súbito agravamento da congestão pulmonar que pode</p><p>evoluir com insuficiência respiratória aguda. Causas</p><p>no interstício pulmonar (devido a pequenos sangramentos congestivos). Na radiografia aparecem pequenos nódulos</p><p>intersticiais difusos, eventualmente calcificados. O diagnóstico diferencial deve ser com pneumopatias crônicas miliares e intersticiais.</p><p>Fig. 7: Aumento de átrio esquerdo na estenose mitral. Observe a onda P alargada e bífida em D2, e o índice de Morris em V1 (texto).</p><p>FIGURA 8</p><p>Fig. 8: Radiografia de tórax na estenose mitral. Observe: (1) o sinal do duplo contorno (seta curva); (2) o abaulamento do 3º arco (seta reta); e (3) o deslocamento posterior do esôfago contrastado –</p><p>um importante sinal de aumento do AE.</p><p>ECOCARDIOGRAMA-DOPPLER E CATETERISMO CARDÍACO</p><p>A mobilidade e as características dos folhetos mitrais podem ser observadas no ecocardiograma unidimensional (M-mode) e bidimensional. O eco bidimensional é</p><p>excelente para observar não só a mobilidade das cúspides, mas também o aspecto de todo o aparelho mitral. A etiologia reumática é confirmada pelo aspecto do folheto</p><p>posterior da valva mitral, que se encontra caracteristicamente imóvel e espessado. (1) O grau de calcificação valvar; (2) o grau de espessamento; (3) mobilidade das</p><p>cúspides; e (4) o acometimento do aparelho subvalvar, são critérios muito importantes para estabelecer o quanto está comprometido o aparelho valvar mitral pela doença</p><p>reumática. O escore de Block (ou de Wilkins) é a soma desses quatro critérios assinalados acima, cada um pontuado com um número de 1 a 4. Quanto maior o escore</p><p>de Block, maior o comprometimento e degeneração valvar e pior é a resposta à plastia valvar. O escore vai de 4 a 16. Um escore < 8 significa uma valva pouco</p><p>comprometida e não calcificada, com excelente resposta à plastia. Um escore ≥ 12 denota uma valva bastante degenerada e muito calcificada, com resposta insatisfatória</p><p>à plastia.</p><p>A gravidade da estenose mitral deve ser determinada pela estimativa da Área Valvar Mitral (AVM).</p><p>Além do aspecto do aparelho mitral e da estimativa do gradiente pressórico e área mitral, o ecocardiograma deve também avaliar o diâmetro do átrio esquerdo, a função</p><p>ventricular esquerda, a presença de insuficiência mitral associada, o acometimento da valva aórtica e estimar a Pressão Arterial Pulmonar (PAP). A PAP sistólica pode ser</p><p>estimada nos casos de insuficiência tricúspide, mesmo leve, utilizando-se à medida do fluxo de regurgitação tricúspide.</p><p>A presença de trombo intra-atrial também deve ser investigada. A sensibilidade do eco transtorácico para trombo atrial é de apenas 50%, pois este exame tem capacidade</p><p>limitada para avaliar a cavidade do apêndice atrial esquerdo. O eco transesofágico tem uma sensibilidade > 95% para trombo atrial, incluído o apêndice, devido à</p><p>proximidade do transdutor ao átrio esquerdo. Pequenas cintilações no átrio esquerdo, denominadas contraste ecogênico espontâneo, representam predisposição à</p><p>formação de um trombo.</p><p>CATETERISMO CARDÍACO</p><p>O cateterismo cardíaco direito e esquerdo deve ser solicitado nos pacientes em que o resultado do ecocardiograma está discrepante dos dados clínicos, ou quando existe</p><p>acometimento significativo de mais de uma valva e existe dúvida na quantificação das lesões. A coronariografia deve ser realizada de rotina em homens > 40 e mulheres</p><p>> 45 anos, ou pacientes de ambos os sexos com idade > 35 anos e presença de fatores de risco para coronariopatia, que serão submetidos à cirurgia valvar aberta. Em</p><p>pacientes com perfil de menor risco, a coronariografia pode ser substituída pela angio-TC coronariana.</p><p>HISTÓRIA NATURAL</p><p>Antes de falarmos sobre tratamento, é importante termos uma ideia do prognóstico da estenose mitral não tratada, obtido a partir de in-formações históricas. A estenose</p><p>mitral moderada a grave cursa quase sempre com sintomas congestivos. O prognóstico depende da classe funcional NYHA em que se encontra o paciente. Nos pacientes</p><p>em classe funcional I, a sobrevida é de 80% em dez anos. Em mais da metade desses pacientes (60%), a doença mantém-se estável por diversos anos. Em contrapartida,</p><p>nos pacientes em classe funcional IV, a sobrevida média em cinco anos é de apenas 15%. Aqueles que apresentam hipertensão arterial pulmonar grave têm uma sobrevida</p><p>média menor do que três anos. A morte geralmente ocorre por insuficiência cardíaca congestiva (70% dos casos), com o tromboembolismo sistêmico contribuindo com</p><p>20% dos óbitos.</p><p>TRATAMENTO</p><p>MEDICAMENTOSO</p><p>Os betabloqueadores são as drogas de escolha para tratar os sintomas da estenose mitral. A redução da frequência cardíaca promovida por essas drogas é o principal</p><p>mecanismo de ação. Na bradicardia, o esvaziamento atrial esquerdo dá-se de forma mais completa, pelo maior tempo diastólico, reduzindo, assim, o gradiente pressórico</p><p>transvalvar e a pressão atrial esquerda. Essas drogas aliviam a dispneia e melhoram a classe funcional do paciente. O cuidado deve ser tomado caso haja outra lesão</p><p>valvar associada que leve à disfunção ventricular esquerda.</p><p>Os antagonistas do cálcio, do tipo verapamil e diltiazem, devem ser administrados nos pacientes que não podem usar betabloqueadores devido à hiper-reatividade</p><p>brônquica (broncoespasmo). Os digitais não possuem um efeito benéfico na estenose mitral com ritmo sinusal. Os diuréticos podem ser associados aos betabloqueadores</p><p>para facilitar a compensação do quadro. Contudo, o excesso da terapia diurética pode levar à síndrome do baixo débito.</p><p>Fibrilação atrial: na vigência de fibrilação atrial, em caso de instabilidade hemodinâmica grave (ex.: choque), procedemos de imediato à cardioversão elétrica</p><p>sincronizada. No restante dos pacientes, devemos primeiramente controlar a resposta ventricular com betabloqueadores e observar se há indicação para se tentar a</p><p>reversão da arritmia. Apesar de ser um tema controverso, geralmente a opção é por não reverter a FA nos pacientes com critérios desfavoráveis (AE aumentado, recidiva</p><p>da FA na vigência de profilaxia antiarrítmica, FA há mais de doze meses). Na ausência desses critérios, podemos programar a reversão. Se a FA se instalou há mais de 48h,</p><p>deve-se anticoagular o paciente com warfarin por, no mínimo, três semanas antes e quatro semanas depois da reversão. Outra estratégia é fazer um ecocardiograma</p><p>transesofágico, exame com sensibilidade de 95-97% para trombo atrial. Na ausência de trombos, a cardioversão pode ser feita de imediato, com o doente devidamente</p><p>anticoagulado. Lembre-se que anticoagulação deverá ser mantida ad aeternum, mesmo após a reversão para ritmo sinusal. No caso, estamos falando de portadores de “FA</p><p>valvar”, ou seja, condição automaticamente classificada como de alto risco cardioembólico (não é necessário aplicar o escore CHA2DS2-VASC)... A reversão também pode</p><p>ser alcançada com antiarrítmicos (amiodarona, ibutilida), geralmente ministrados em conjunto com a cardioversão elétrica eletiva.</p><p>Anticoagulação: a anticoagulação está indicada em pacientes com estenose mitral associada à fibrilação atrial, seja ela recorrente, persistente ou permanente. A droga</p><p>de escolha é o warfarin, visando manter o INR entre 2-3 (os novos anticoagulantes orais não devem ser usados em portadores de doença valvar mitral). Se o paciente</p><p>está em ritmo sinusal e já apresentou alguma embolia sistêmica (AVE, isquemia mesentérica...) ou apresenta trombo em átrio esquerdo (ou átrio esquerdo grande [> 55</p><p>mm] apresentando contraste espontâneo no ecocardiograma), a anticoagulação também é indicada.</p><p>SAIBA MAIS... A Nova classificação evolutiva das valvopatias.</p><p>Foi proposta uma atualização de conceitos em que TODAS as valvopatias passaram a ser classificadas dentro de um modelo evolutivo único, semelhante ao já adotado</p><p>para a insuficiência cardíaca em geral. Apresentaremos essa classificação neste momento, durante o estudo da estenose mitral, porém saiba que ela também se aplica às</p><p>demais lesões valvares (tanto estenoses quanto insuficiências)... Eis a classificação:</p><p>● ESTÁGIO A = Paciente com fatores de risco para lesão orovalvar;</p><p>● ESTÁGIO B = Pacientes com lesão orovalvar progressiva (leve a moderada), porém assintomática;</p><p>● ESTÁGIO C = Paciente com lesão orovalvar grave, porém assintomática (C1 = função de VE normal, C2 = função de VE reduzida);</p><p>● ESTÁGIO D = Paciente sintomático em consequência à lesão orovalvar.</p><p>Pacientes que recidivam o evento embólico na vigência de anticoagulação adequada, ou que apresentam persistência de trombo atrial nesse mesmo contexto, devem</p><p>associar AAS em baixas doses (50-100 mg/dia) ao warfarin.</p><p>Antibióticos: como sabemos, a febre reumática é a principal causa de estenose mitral. Por isso, não podemos esquecer de recomendar a sua antibioticoprofilaxia para</p><p>evitar recorrências. Em relação à antibioticoprofilaxia da Endocardite Infecciosa (EI), existe discrepância entre as diretrizes internacionais e brasileiras... As primeiras</p><p>restringiram muito as indicações de profilaxia (basicamente apenas em procedimentos dentários e em circunstâncias clínicas muito específicas, não sendo indicada de</p><p>rotina somente pela presença de valvopatia). Por sua vez, a diretriz nacional recomenda antibioticoprofilaxia contra a EI para todos os portadores de doenças orovalvares</p><p>ou próteses valvares, antes de procedimentos dentários e também antes de procedimentos respiratórios, gastrointestinais ou geniturinários.</p><p>INTERVENCIONISTA</p><p>Está comprovado que a correção intervencionista da estenose reduz os sintomas e é a única abordagem que aumenta a sobrevida dos pacientes.</p><p>Quando indicar a terapia intervencionista na estenose mitral?</p><p>● Indicação inquestionável</p><p>(classe I de evidência):</p><p>Pacientes sintomáticos (classe II-IV NYHA) com estenose mitral moderada a grave (AVM < 1,5 cm²).</p><p>VALVOPLASTIA PERCUTÂNEA COM BALÃO –</p><p>É a terapia de escolha para pacientes com NYHA II, III ou IV, com estenose moderada a severa, com morfologia favorável (Block ≤ 8), na ausência de trombo em AE ou</p><p>regurgitação mitral moderada a severa.</p><p>Esta técnica também é indicada para pacientes assintomáticos, com área valvar < 1,5 cm2 e hipertensão pulmonar (> 50 mmHg em repouso ou > 60 mmHg no</p><p>exercício).</p><p>Nestes pacientes, os resultados são muito bons: sucesso primário > 90%, complicações < 2% e taxa de reestenose de apenas 10-20% em cinco anos. A sobrevida em dez</p><p>anos está entre 80-90%, melhorando significativamente o prognóstico dos pacientes. Esses resultados são comparáveis aos da comissurotomia aberta (ver adiante).</p><p>Este método foi introduzido em 1984 por Inoue. Através do cateterismo do átrio direito, transpassa-se o septo interatrial com o cateter, pelo forame oval, chegando-se à</p><p>valva mitral. A extremidade do cateter contém um balão que é insuflado quando em posição, desfazendo a fusão das comissuras. O gradiente de pressão transvalvar se</p><p>reduz de imediato (em um estudo, foi reduzido de 23 para 5 mmHg, em média) e a área mitral aumenta (de 0,9 para 2,4 cm², em média).</p><p>O método é sujeito a complicações, como embolia sistêmica, regurgitação mitral e CIA. A incidência das complicações e os resultados do procedimento dependem da</p><p>experiência do grupo que o realiza. Por exemplo: um estudo revelou que centros que realizam poucos procedimentos (25 ou menos em dois anos) têm um índice de</p><p>complicações de 18%, necessidade de cirurgia mitral em 15% e mortalidade em 30 dias de 7%, enquanto centros com grande número de procedimentos (maior que 100</p><p>em dois anos) têm apenas 8% de complicações, 4% de necessidade de cirurgia mitral e 1% de mortalidade.</p><p>COMISSUROTOMIA CIRÚRGICA –</p><p>■ FIGURA 9</p><p>Fig. 9: Valvoplastia mitral percutânea com balão. Em (A), o cateter passou pelo forame oval. Em (B), o cateter passou pela valva mitral estenótica. Em (C), o balão foi insuflado.</p><p>■ FIGURA 10</p><p>Neste procedimento, também denominado valvoplastia cirúrgica, a valva mitral estenosada é “aberta” cirurgicamente (a fusão das comissuras é desfeita). Na</p><p>comissurotomia fechada, o átrio esquerdo é incisado e o procedimento é feito com o dedo do cirurgião ou com um dilatador, sem circulação extracorpórea. Na</p><p>comissurotomia aberta, o procedimento é realizado após visualização da valva, pela abertura do coração, em circulação extracorpórea. Nesta última, o cirurgião ainda</p><p>pode liberar aderências entre a cordoália tendínea, além de debridar o cálcio dos folhetos, extrair trombos atriais, ressecar o apêndice atrial esquerdo (importante fonte</p><p>emboligênica) e realizar algum procedimento anti-FA (como a cirurgia de Maze).</p><p>Enquanto a comissurotomia fechada oferece um risco alto de embolia, além de resultados menos satisfatórios em curto e longo prazos, a comissurotomia aberta possui</p><p>excelentes resultados nos pacientes com escore de Block ≤ 8 e ausência de insuficiência mitral moderada a grave. A mortalidade operatória é de 0,3% a 3%. Os resultados</p><p>são semelhantes aos da valvoplastia percutânea realizados por equipe experiente.</p><p>A comissurotomia cirúrgica aberta deve ser a terapia de escolha nos pacientes que seriam indicados para a valvoplastia percutânea (escore de Block ≤ 8, ausência de</p><p>insuficiência mitral moderada a grave), porém que apresentam trombo intra-atrial após três meses de anticoagulação, ou quando não há disponível uma equipe treinada</p><p>para a valvoplastia percutânea. A comissurotomia cirúrgica fechada somente deve ser feita na indisponibilidade da cirurgia com circulação extracorpórea e do método</p><p>percutâneo, situação comum em países pobres.</p><p>TROCA VALVAR</p><p>A troca valvar é mandatória para os pacientes com escore de Block elevado (≥ 12), valva calcificada, ou quando há insuficiência mitral moderada a grave (dupla lesão</p><p>mitral) ou doença coronariana associada (que requer a realização de um procedimento de revascularização miocárdica). Nesses pacientes, os resultados da plastia valvar</p><p>(percutânea ou cirúrgica) são limitados. A troca valvar oferece uma nova morbidade ao paciente – a prótese valvar. Mesmo assim, os resultados em curto, médio e longo</p><p>prazo são muito bons.</p><p>Operam-se os pacientes com classe funcional NYHA III ou IV, ou pacientes sintomáticos/oligossintomáticos com HAP muito grave (PAP sistólica ≥ 80 mmHg) não candidatos</p><p>à VPCB.</p><p>As próteses valvares podem ser biológicas (biopróteses) ou mecânicas (metálicas). As vantagens e desvantagens desses dois tipos de prótese serão abordadas adiante</p><p>quando falarmos do tratamento da estenose aórtica.</p><p>E os pacientes com escore de Block entre 9-11??? Bem, para estes recomenda-se uma conduta individualizada, isto é, temos maior liberdade para escolher entre</p><p>valvoplastia, comissurotomia ou troca valvar, na dependência do risco cirúrgico, presença de comorbidades, experiência da equipe e preferências do paciente...</p><p>ESTENOSE AÓRTICA</p><p>Fig. 10: Comissurotomia cirúrgica fechada. O cirurgião “abre a valva estenótica” com o seu próprio dedo, por uma incisão no apêndice atrial esquerdo. Esta cirurgia traz riscos de embolia. A sua</p><p>única vantagem é poder ser realizada sem circulação extracorpórea.</p><p>■</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>FUNÇÃO DA VALVA AÓRTICA</p><p>A valva aórtica posiciona-se entre o Ventrículo Esquerdo (VE) e a Aorta ascendente (Ao), sendo categorizada, juntamente com a valva pulmonar, como uma valva</p><p>ventrículo-arterial ou semilunar. A sua integridade é fundamental para a função cardíaca. Na sístole, a valva se abre, permitindo o esvaziamento do VE (ejeção ventricular),</p><p>sem oferecer nenhuma resistência à passagem de sangue. Na diástole, a valva se fecha, impedindo o refluxo de sangue da aorta para o VE. Para garantir uma boa</p><p>abertura, os folhetos valvares precisam ter uma boa mobilidade e elasticidade. Para garantir o seu fechamento, são necessárias não só a integridade da estrutura valvar</p><p>como também a da raiz da aorta ascendente.</p><p>VALVA AÓRTICA – ANATOMIA –</p><p>A valva é constituída por um anel fibroso (anel ou ânulo aórtico) e de três folhetos ou cúspides, em aspecto de meia-lua. O ânulo valvar, na verdade, constitui</p><p>a origem da</p><p>raiz aórtica, cuja porção inicial contém bolsas que limitam os espaços logo acima das cúspides, denominados seios de Valsalva, de onde se originam as duas artérias</p><p>coronárias. Os três folhetos aórticos recebem a denominação segundo a sua relação com a origem das coronárias: folheto coronariano esquerdo, folheto coronariano</p><p>direito e folheto posterior. O anel aórtico faz parte do esqueleto fibroso cardíaco, situando-se no mesmo plano do anel mitral. Como mostra a figura, o ânulo aórtico é</p><p>adjacente ao ânulo mitral.</p><p>ESTENOSE AÓRTICA – DEFINIÇÃO</p><p>Quando a valva aórtica se abre amplamente na sístole, o sangue passa livremente através de uma área entre 2,5-3,5 cm2. Esta é a área valvar aórtica normal. Esta área</p><p>confere uma resistência desprezível ao fluxo sanguíneo, portanto praticamente não há gradiente de pressão sistólico entre o ventrículo esquerdo e a aorta ascendente.</p><p>Denominamos Estenose Aórtica (EA) a condição em que, pela restrição à abertura dos folhetos valvares, há uma redução da área valvar aórtica, levando à formação</p><p>de um gradiente de pressão sistólico entre o VE e a Aorta (VE-Ao).</p><p>CLASSIFICAÇÃO QUANTO À GRAVIDADE</p><p>A gravidade da estenose aórtica é medida pela Área Valvar Aórtica (AVAo), tendo uma correspondência com o gradiente médio de pressão VE-Ao na sístole – veja o</p><p>Quadro a seguir. Este gradiente de pressão VE-Ao será mais bem explicado adiante em “Fisiopatologia”.</p><p>FIGURA 11</p><p>Fig. 11: Valva aórtica e sua relação anatômica com a valva mitral.</p><p>Estenose aórtica leve: área 1,5 a 2 cm², gradiente médio < 25 mmHg ou velocidade < 3 m por segundo.</p><p>Estenose aórtica moderada: área de 1 a 1,5 cm², gradiente médio de 20 a 39 mmHg ou velocidade de 3 a 3,9 m por segundo.</p><p>Estenose aórtica grave: área < 1 cm², gradiente médio ≥ 40 mmHg ou velocidade ≥ 4 m por segundo.</p><p>FISIOPATOLOGIA</p><p>FASE COMPENSADA –</p><p>Se não existissem os mecanismos de compensação cardíacos, uma EA grave levaria a uma significativa redução do débito cardíaco, devido a um absurdo aumento da pós-</p><p>carga (só para relembrar: pós-carga é “qualquer coisa que dificulte” a ejeção ventricular). A disfunção sistólica seria inevitável, levando a um processo de insuficiência</p><p>cardíaca congestiva. Entretanto, isso não acontece, pois a EA é um processo crônico e insidioso, permitindo mecanismos compensatórios bem-sucedidos, pelo menos nos</p><p>primeiros anos da doença. Deles, o principal é a hipertrofia ventricular concêntrica do ventrículo esquerdo. Duas vantagens importantes advêm da hipertrofia do VE</p><p>(HVE) concêntrica:</p><p>Aumento da contratilidade miocárdica: o maior número de unidades contráteis (sarcômeros) garante um maior inotropismo, capaz de manter o débito sistólico,</p><p>mesmo na vigência de uma pós-carga elevada;</p><p>Redução da relação R/h: este fator evita um aumento excessivo da pós-carga. A pós-carga depende, entre outros fatores, das relações geométricas do ventrículo. A</p><p>pós-carga está representada pelo estresse sistólico da parede ventricular. Por Laplace, o estresse de parede (E) é proporcional à pressão intracavitária e à relação R/h,</p><p>sendo R = raio da cavidade e h = espessura da parede. E = P x R/h. A hipertrofia concêntrica reduz essa relação, pois diminui o diâmetro cavitário e aumenta a</p><p>espessura da parede.</p><p>Devido a esses dois principais mecanismos compensatórios, o paciente vive anos e anos com EA grave, sem apresentar sintomas e sem risco de eventos cardíacos graves.</p><p>GRADIENTE DE PRESSÃO VE-Ao</p><p>Na EA, o débito cardíaco é mantido à custa de um gradiente de pressão sistólico entre o VE e a aorta, dependente da maior contração ventricular esquerda para vencer a</p><p>resistência valvar. O fluxo transvalvar é o próprio débito cardíaco. Quanto maior o débito cardíaco, maior será o gradiente pressórico. Ao realizarmos um cateterismo</p><p>cardíaco e determinarmos as curvas de pressão aórtica e ventricular simultaneamente, podemos obter o gradiente pressórico transvalvar.</p><p>FIGURA 12</p><p>Fig. 12: Estenose aórtica. Observe a hipertrofia concêntrica do VE, devido à sobrecarga de pressão.</p><p>Podemos definir três tipos de gradiente pressórico transvalvar – :</p><p>● Gradiente pico a pico: mensurado pela distância entre os picos de pressão aórtico e ventricular;</p><p>● Gradiente máximo: mensurado pela maior distância entre as pressões aórtica e ventricular;</p><p>● Gradiente médio: mensurado pela área que separa as curvas de pressão aórtica e ventricular.</p><p>Quando o débito cardíaco está significativamente reduzido, por disfunção ventricular esquerda, o gradiente pressórico diminui para uma mesma área valvar aórtica. Este</p><p>fato é muito importante clinicamente, pois os pacientes na fase descompensada da EA apresentam disfunção ventricular. Ao estimarmos o grau de EA apenas pelo</p><p>gradiente pressórico nesses pacientes, iremos subestimar a gravidade da estenose!</p><p>FASE DESCOMPENSADA</p><p>A estenose aórtica grave impõe uma sobrecarga pressórica crônica sobre o miocárdio. A hipertrofia ventricular concêntrica é a primeira resposta a esta sobrecarga.</p><p>Contudo, o miocárdio sofre um efeito lesivo após anos de sobrecarga pressórica grave, iniciando-se um processo insidioso de degeneração e apoptose dos miócitos, além</p><p>de fibrose intersticial. A hipertrofia ventricular esquerda excessiva reduz a reserva coronariana, pela compressão da microvasculatura miocárdica, além de contribuir para a</p><p>desorganização das fibras musculares, participando na gênese de arritmias ventriculares malignas.</p><p>A partir de um certo momento da doença, existe uma transição insidiosa da fase compensada e assintomática para a fase descompensada, quando os seguintes processos</p><p>fisiopatológicos ominosos começam a ocorrer:</p><p>● Isquemia miocárdica;</p><p>● Débito cardíaco fixo;</p><p>● Insuficiência cardíaca congestiva.</p><p>Isquemia miocárdica: a isquemia miocárdica advém da redução da reserva coronariana, associada ao aumento da demanda metabólica do miocárdio (MVO2). Este</p><p>processo é desencadeado ou exacerbado pelo esforço físico, quando o aumento acentuado da MVO2 não pode ser acompanhado pelo aumento da perfusão</p><p>coronariana. A reserva coronariana está reduzida por três motivos: (1) compressão extrínseca da microvasculatura coronariana pelo músculo hipertrofiado,</p><p>especialmente durante a sístole ventricular; (2) prolongamento da fase sistólica, exacerbando o fenômeno anterior; (3) aumento da MVO2 no repouso, “gastando” uma</p><p>parte da reserva coronariana. O aumento da MVO2 em repouso é decorrente do maior número de sarcômeros (unidades contráteis) e de uma pós-carga ventricular</p><p>excessiva. Nesse momento, a relação R/h diminuída não é suficiente para evitar um significativo aumento do estresse ventricular sistólico.</p><p>Débito cardíaco fixo: nas fases iniciais da EA grave, o débito cardíaco é mantido em faixas fisiológicas no repouso e exercício físico, devido à hipertrofia ventricular</p><p>concêntrica compensatória. Porém, na fase descompensada, a hipertrofia ventricular não é mais suficiente para garantir o aumento do débito cardíaco durante o</p><p>esforço físico, levando à síndrome do débito fixo. No esforço, o débito cardíaco é deslocado para a musculatura esquelética, devido à vasodilatação decorrente da ação</p><p>da adrenalina nos receptores beta-2. Se o débito cardíaco não aumentar de forma fisiológica no esforço, haverá baixa perfusão cerebral. Este é um dos mecanismos</p><p>principais da síncope relacionada à EA grave.</p><p>Insuficiência cardíaca congestiva: a fibrose miocárdica, associada à própria hipertrofia ventricular concêntrica, leva à redução progressiva da complacência</p><p>ventricular. Significa que, para um determinado volume diastólico final, teremos uma maior pressão de enchimento ventricular. A consequência deste processo é o</p><p>aumento da pressão atrial esquerda e venocapilar pulmonar, levando à congestão pulmonar e dispneia, desencadeada pelo esforço físico. Este processo pode ocorrer</p><p>mesmo quando a função sistólica do VE ainda está preservada, constituindo-se uma insuficiência</p><p>cardíaca diastólica. Contudo, a progressão natural da doença é para</p><p>uma disfunção sistólica, decorrente da falência miocárdica do VE, com dilatação ventricular e queda da fração de ejeção – insuficiência cardíaca sistólica. Os pacientes</p><p>com EA moderada a grave que apresentam insuficiência cardíaca têm o prognóstico bastante reservado, especialmente se for o tipo sistólico.</p><p>Fig. 13: Gradientes de pressão VE-Ao. A área hachurada entre as curvas de pressão aórtica (em laranja) e ventricular esquerda (em roxo) representa o gradiente médio. Os gradientes pico a pico e</p><p>máximo estão representados com setas duplas.</p><p>FIGURA 13</p><p>QUADRO DE CONCEITOS I</p><p>ETIOLOGIA</p><p>As principais causas de estenose aórtica são: (1) valva bicúspide congênita; (2) degeneração calcífica; (3) cardiopatia reumática crônica.</p><p>VALVA BICÚSPIDE CONGÊNITA –</p><p>É a causa mais comum de EA em crianças, adolescentes e adultos com menos de 65 anos. Está presente ainda em 30% dos casos de EA em idosos (> 65 anos). Por</p><p>anomalia congênita, dois folhetos encontram-se fundidos – a valva funciona com apenas duas cúspides. A estenose aórtica pode decorrer da própria anomalia congênita,</p><p>manifestando-se na infância ou na adolescência, ou na vida adulta, devido à degeneração calcífica precoce. A valva bicúspide não estenótica tem uma anatomia propensa</p><p>à lesão crônica das cúspides pelo trauma constante do fluxo aórtico. Acaba ocorrendo regurgitação em 20% das valvas bicúspides.</p><p>DEGENERAÇÃO CALCÍFICA</p><p>É a causa mais comum de EA em idosos (> 65 anos). Como a EA é uma doença que acomete principalmente os idosos, a degeneração calcífica é a sua causa mais comum.</p><p>Neste caso, a valva aórtica é tricúspide, sem nenhuma alteração congênita. Por fatores desconhecidos, certos indivíduos apresentam uma doença degenerativa das</p><p>cúspides valvares em idades mais avançadas, levando ao extenso depósito cálcico. O cálcio aderido na porção aórtica das cúspides faz um “peso” excessivo, impedindo a</p><p>abertura adequada da valva. Os fatores de risco tradicionais para aterosclerose (dislipidemia, HAS, tabagismo, DM) também são fatores de risco para a EA calcífica. Por</p><p>esse fato, existe uma forte correlação entre EA calcífica e a doença coronariana.</p><p>CARDIOPATIA REUMÁTICA CRÔNICA</p><p>No nosso meio, ainda é uma causa muito comum de EA em adolescentes e adultos. O acometimento principal ocorre nos bordos dos folhetos, havendo fusão das</p><p>comissuras. É comum haver insuficiência aórtica associada, devido à retração dos folhetos. A doença reumática é a causa mais comum de dupla lesão aórtica.</p><p>Diferentemente da lesão mitral, a lesão valvar aórtica reumática é mais comum no sexo masculino. Invariavelmente, a lesão aórtica reumática está associada à lesão</p><p>mitral reumática... Logo, trata-se da causa mais comum de doença valvar mitro-aórtica.</p><p>OUTRAS</p><p>A EA congênita pode ocorrer precocemente (no recém-nato ou no lactente), devido a um defeito estrutural grave da valva aórtica, geralmente uma valva bicúspide</p><p>estenosada pela fusão de suas comissuras. Raramente, o defeito congênito é uma valva unicúspide, levando à EA grave no recém-nato. Doenças infiltrativas, metabólicas e</p><p>inflamatórias podem comprometer os folhetos da valva aórtica. Os principais exemplos são a artrite reumatoide e a ocronose.</p><p>HISTÓRIA CLÍNICA</p><p>Cerca de 50% dos pacientes com EA moderada a grave, de etiologia calcífica, têm doença coronariana aterosclerótica associada. O motivo é o fato de essas duas</p><p>patologias terem fatores de risco em comum. Portanto, muitos casos de isquemia miocárdica em pacientes com EA calcífica podem ser devidos à doença coronariana, e</p><p>não propriamente à EA.</p><p>FIGURA 14</p><p>Fig. 14: Etiologia da estenose aórtica. Esta figura compara a valva aórtica normal com as três causas mais comuns de estenose aórtica.</p><p>Em função dos mecanismos compensatórios citados acima, os pacientes com estenose aórtica moderada a grave costumam permanecer assintomáticos por longa data. O</p><p>aparecimento dos sintomas relacionados à estenose aórtica nesses pacientes marca a fase descompensada da doença, momento no qual a expectativa de sobrevida do</p><p>paciente torna-se significativamente reduzida.</p><p>A tríade clássica dos sintomas da estenose aórtica constitui-se em: angina, síncope e dispneia.</p><p>A angina é a apresentação clínica em 35% dos pacientes com EA moderada a grave. É causada por isquemia miocárdica. Geralmente, é desencadeada por esforço físico.</p><p>Em particular, este tipo de angina não responde à terapia antianginosa clássica (nitratos, betabloqueadores, antagonistas do cálcio). Devemos lembrar, entretanto, da alta</p><p>prevalência de doença coronariana aterosclerótica entre os pacientes com EA calcífica.</p><p>A síncope normalmente é desencadeada pelo esforço físico. O mecanismo da síncope relacionada à EA grave é a síndrome do débito fixo, ocasionando uma baixa</p><p>perfusão cerebral durante um esforço físico. Em alguns casos, a síncope pode ser devida a arritmias cardíacas isquemia-induzidas.</p><p>A dispneia é o sintoma inicial que marca o aparecimento da insuficiência cardíaca congestiva. Está presente em 50% da apresentação clínica da EA grave. O seu</p><p>mecanismo é a congestão pulmonar exacerbada pelo exercício. Como vimos, a insuficiência cardíaca pode ser sistólica (FE baixa, dilatação cavitária) ou diastólica (redução</p><p>da complacência ventricular, FE normal, sem dilatação cavitária). A insuficiência sistólica confere um prognóstico bastante ominoso aos pacientes com EA grave, como</p><p>veremos adiante.</p><p>Sabe-se que o teste ergométrico é formalmente contraindicado na EA grave sintomática. Entretanto, os pacientes considerados assintomáticos pela anamnese podem ser</p><p>avaliados por um teste ergométrico supervisionado. Alguns deles, principalmente idosos, podem apresentar sintomas – os chamados “pseudoassintomáticos”.</p><p>EXAME FÍSICO</p><p>INSPEÇÃO E PALPAÇÃO</p><p>O pulso arterial normalmente está alterado na EA grave. Essas alterações devem ser pesquisadas no pulso carotídeo, cuja ascensão é lenta e sustentada (pulsus tardus),</p><p>e a amplitude é fraca (pulsus parvus). O pulso carotídeo, também se apresenta anacrótico (ascensão irregular) e com “sobressaltos” (carotid shudder). Esse anacronismo</p><p>é mais fácil de ser percebido na curva da PA invasiva. A palpação e análise do pulso arterial ajudam o médico a diferenciar a EA grave de outras causas de sopro sistólico.</p><p>Algumas condições associadas tendem a diminuir as alterações do pulso arterial, fazendo o médico subestimar a gravidade da estenose aórtica. Alguns idosos possuem as</p><p>paredes arteriais enrijecidas devido à esclerose vascular, fato que, por si só, aumenta a amplitude do pulso arterial. A outra condição é a insuficiência aórtica que,</p><p>associada à EA, tende a “normalizar” a amplitude e a rapidez de ascensão do pulso.</p><p>O pulso venoso pode mostrar um aumento da onda A, quando a complacência do VD está comprometida pelo abaulamento do septo interventricular para a sua cavidade,</p><p>consequente à hipertrofia do VE exagerada.</p><p>O ictus de VE normalmente é tópico, com caráter propulsivo e sustentado. Pode haver um atraso do pulso arterial em relação ao ictus de VE. Um impulso pré-sistólico pode</p><p>ser palpável e visível. É comum um frêmito sistólico no foco aórtico, borda esternal esquerda, carótidas e fúrcula.</p><p>AUSCULTA CARDÍACA – FIGURA 15</p><p>Revela comumente uma quarta bulha (B4) proeminente, devido à HVE concêntrica. Nesses casos, pela redução do relaxamento e complacência ventricular, a contração</p><p>atrial dá-se com mais vigor, sendo a responsável pela B4. Na EA calcífica, temos uma hipofonese de A2 – o componente aórtico da segunda bulha. Frequentemente pelo</p><p>alto grau de calcificação, o componente A2 torna-se inaudível. Na EA não calcífica, o componente A2 é audível. Neste caso, podemos observar o desdobramento paradoxal</p><p>de B2, devido ao atraso da sístole do VE.</p><p>Se a valva não estiver muito calcificada, a sua vibração ao se abrir produz um ruído parecido com</p><p>a B1 – o ruído de ejeção. A ausculta é semelhante ao desdobramento</p><p>de B1, mais audível com o diafragma do estetoscópio no foco aórtico, com ampla irradiação até o foco mitral. É muito comum na EA por valva bicúspide na criança</p><p>ou no adolescente.</p><p>Sopro da estenose aórtica: é caracteristicamente um sopro mesossistólico (“em diamante”). Significa que é mais intenso no meio da sístole, como em todos os sopros</p><p>denominados sopros ejetivos. A gravidade da EA guarda relação com a duração do sopro, mas não com a sua intensidade. O foco de maior intensidade costuma ser o</p><p>foco aórtico (BED alta). A irradiação característica é para as carótidas, fúrcula esternal e para o foco mitral.</p><p>Deve ser diferenciado de outros sopros sistólicos de ejeção no foco aórtico: (1) sopro inocente do idoso (devido à esclerose ou calcificação do anel aórtico); (2) sopro</p><p>inocente da criança; (3) insuficiência aórtica – hiperfluxo pela valva aórtica; (4) cardiomiopatia hipertrófica com estenose subaórtica; (5) estenoses supra-aórtica e</p><p>subaórtica congênitas; (6) estenose pulmonar congênita; e (7) CIA.</p><p>O sopro da estenose aórtica pode variar com algumas manobras. Sua intensidade aumenta com manobras que aumentam o retorno venoso e/ou a contratilidade do VE</p><p>(posição de cócoras, exercício físico, batimento pós-extrassistólico) e diminui com manobras que reduzem o retorno venoso (Valsalva, posição ortostática) ou que</p><p>aumentam a resistência vascular periférica (handgrip).</p><p>Fenômeno de Gallavardin: o sopro da estenose aórtica pode irradiar-se para o foco mitral, porém com certas características que podem confundir o médico. Pode haver</p><p>um hiato auscultatório na região entre o foco aórtico e o foco mitral, e o som do sopro pode modificar-se no foco mitral, tornando-se de mais alta frequência. Com isso,</p><p>pode parecer que existem dois sopros diferentes – um aórtico e um mitral – sugerindo patologia mitro-aórtica. Este fenômeno é explicado pela continuidade anatômica</p><p>entre os anéis aórtico e mitral, fazendo com que a vibração do primeiro seja diretamente transmitida ao último. Algumas vezes, o sopro da EA é mais audível no foco mitral</p><p>do que no foco aórtico, devido às características constitucionais do paciente. Para diferenciar o fenômeno de Gallavardin de uma insuficiência mitral, podemos utilizar as</p><p>manobras descritas acima. Eventualmente, a diferenciação só é possível com o ecocardiograma.</p><p>COMPLICAÇÕES</p><p>EMBOLIA SISTÊMICA</p><p>Depósitos de cálcio dos folhetos aórticos podem soltar-se e embolizar para a periferia vascular, podendo determinar AVE isquêmico, amaurose unilateral (artéria central da</p><p>retina), IAM, etc. A embolia também pode advir de um microtrombo aderido à valva.</p><p>Fig. 15: Ausculta cardíaca na estenose aórtica. No foco aórtico, ausculta-se o sopro mesossistólico que irradia para as carótidas. A irradiação interna do sopro pode fazê-lo ser auscultado no foco</p><p>mitral com um intervalo auscultatório no meio do precórdio (fenômeno de Gallavardin).</p><p>ENDOCARDITE INFECCIOSA</p><p>A turbulência do fluxo transvalvar aórtico predispõe à endocardite da face aórtica dos folhetos valvares. A endocardite infecciosa pode levar à insuficiência aórtica</p><p>associada.</p><p>HEMORRAGIA DIGESTIVA BAIXA</p><p>A angiodisplasia intestinal é mais incidente nos indivíduos com EA calcífica. Sua manifestação clínica é a enterorragia (sangramento profuso).</p><p>EXAMES COMPLEMENTARES INESPECÍFICOS</p><p>ELETROCARDIOGRAMA –</p><p>Costuma mostrar sinais de hipertrofia ventricular esquerda (em 85% dos casos) do tipo sobrecarga pressórica. Há aumento da amplitude dos complexos QRS e o chamado</p><p>padrão strain (infradesnível de ST com T negativa e assimétrica). A sobrecarga atrial esquerda é comum, geralmente com o índice de Morris positivo. Bloqueios de ramo,</p><p>especialmente o HBAE e o BRE, são comuns. A presença de bloqueio atrioventricular denota EA avançada. O ECG basal pode apresentar alterações isquêmicas da onda T,</p><p>em alguns casos.</p><p>RADIOLOGIA DE TÓRAX –</p><p>FIGURA 16</p><p>Fig. 16: ECG na estenose aórtica. Observe os sinais de HVE do tipo sobrecarga pressórica (texto). O padrão strain pode ser bem visualizado em V5 e V6.</p><p>FIGURA 17</p><p>Geralmente, a silhueta e o tamanho cardíaco não se alteram (pois a HVE inicial é concêntrica), mas na fase descompensada o paciente pode evoluir com cardiopatia</p><p>dilatada. A calcificação da valva aórtica é o achado mais comum na radiografia de tórax, com técnica hiperpenetrada, sendo encontrada em quase todos os casos de EA</p><p>grave em pacientes > 65 anos. Entretanto, a presença da calcificação não significa necessariamente que há EA, pois a maior parte das calcificações aórticas comprometem</p><p>apenas o anel, não levando à EA. Para saber se a calcificação está em topografia de valva aórtica ou mitral, traçamos uma linha que liga o hilo ao seio costofrênico</p><p>anterior, na incidência lateral: acima da linha corresponde à valva aórtica – Outro achado característico no RX de tórax é a dilatação pós-estenótica da aorta.</p><p>ECOCARDIOGRAMA-DOPPLER E CATETERISMO</p><p>Este exame é capaz de avaliar o aspecto da valva aórtica, se bicúspide ou tricúspide, o grau de calcificação, sua mobilidade, bem como doenças valvares associadas.</p><p>Geralmente é possível determinar a etiologia por este exame. A determinação da área valvar (pela planimetria) é fundamental para que se estabeleça a gravidade da</p><p>estenose. A medida é realizada diretamente no eco transesofágico e estimada por cálculos no eco transtorácico.</p><p>O Doppler também é capaz de estimar com razoável precisão a gravidade da EA, pela determinação do gradiente pressórico VE-Ao. O mais fidedigno é o gradiente</p><p>médio, pois é muito semelhante quando determinado pelo cateterismo. Um gradiente médio > 50 mmHg é considerado compatível com EA grave; quando entre 30-50</p><p>mmHg, temos uma EA moderada.</p><p>CATETERISMO CARDÍACO</p><p>É mandatória a realização de uma coronariografia nos homens com > 40 anos e mulheres com > 45 anos (ou pacientes de ambos os sexos com > 35 anos, na presença de</p><p>fatores de risco para coronariopatia) que serão submetidos à cirurgia de troca valvar (ver adiante). O cateterismo cardíaco também está indicado quando existe uma</p><p>discrepância entre o quadro clínico e os dados do ecocardiograma, bem como quando existem uma ou mais valvopatias associadas. O cateterismo cardíaco é o padrão-</p><p>ouro para estimar o gradiente pressórico VE-Ao e quantificar a estenose aórtica.</p><p>RESSONÂNCIA MAGNÉTICA</p><p>A cardiorressonância vem sendo cada vez mais empregada na avaliação da EA. Além de permitir avaliar a gravidade da EA (medida do orifício valvar, estimativa do</p><p>gradiente VE-Ao, análise de aspectos morfológicos que sugerem etiologia), ela também permite medir a função do ventrículo esquerdo e, muito importante, pode mostrar</p><p>sinais de lesão miocárdica incipiente, como o aumento do tecido fibrótico na parede do VE. Alguns estudos têm mostrado que mesmo em pacientes assintomáticos e com</p><p>fração de ejeção normal, a presença de fibrose miocárdica indica pior prognóstico.</p><p>HISTÓRIA NATURAL</p><p>A EA grave é uma doença que possui nitidamente duas fases clínicas divergentes do ponto de vista prognóstico:</p><p>● Fase assintomática;</p><p>● Fase sintomática.</p><p>A fase assintomática, devido à eficácia dos mecanismos compensatórios, possui bom prognóstico (até se converter para a fase sintomática). Significa que a chance de</p><p>óbito (por exemplo, por morte súbita) nos assintomáticos é pequena (< 1%), sendo menor que a taxa de mortalidade média de uma cirurgia de valva aórtica (3-5%). A EA</p><p>grave evolui mais cedo ou mais tarde para uma fase descompensada, marcada pelo início dos sintomas.</p><p>Fig. 17: Radiografia de tórax na estenose aórtica. Observe a calcificação valvar. A linha traçada entre o hilo pulmonar e o ângulo costofrênico anterior facilita descobrir qual é a valva calcificada. O</p><p>que está adiante da linha é a valva aórtica; o que está atrás da linha é mitral.</p><p>FIGURA 17.</p><p>Os estudos mostram que a conversão da fase assintomática para a sintomática ocorre em 40% dos</p><p>pacientes após dois anos, e em 80% após três anos em pacientes com</p><p>EA grave. Daí a importância do acompanhamento clínico frequente desses pacientes.</p><p>Um subgrupo de pacientes com EA grave assintomática, entretanto, tem mostrado maior risco de morte súbita: (1) hipotensão desencadeada na ergometria; (2) disfunção</p><p>sistólica do VE; (3) hipertrofia ventricular esquerda excessiva (septo > 1,5 cm); (4) área valvar < 0,6 cm2.</p><p>A fase sintomática apresenta mau prognóstico sem intervenção. A curva de sobrevida altera-se drasticamente após o aparecimento dos sintomas. Os pacientes com</p><p>angina têm uma sobrevida média de cinco anos; os pacientes com síncope, uma sobrevida média de três anos; aqueles com dispneia (relacionada à insuficiência</p><p>cardíaca), uma sobrevida média de dois anos. Um dos mecanismos de óbito é a morte súbita, devido à fibrilação ventricular, de provável causa isquêmica. A ocorrência</p><p>da morte súbita arrítmica na EA grave é um fenômeno quase sempre precedido pelos sintomas clássicos da EA.</p><p>O prognóstico da EA leve é bom. Mais da metade dos pacientes não apresenta progressão da estenose ao longo de 3-9 anos. Porém, em cerca de 40% dos casos, existe</p><p>uma progressão do grau de estenose, com redução média da área valvar que varia entre 0,1 - 0,3 cm²/ano (média de 0,12 cm²/ano), devido à calcificação progressiva das</p><p>cúspides. Tal fenômeno é diretamente influenciado pela turbulência do fluxo através da valva estenosada. Esta redução da área valvar corresponde a um aumento do</p><p>gradiente pressórico médio de aproximadamente 5-15 mmHg por ano, transformando uma EA leve em uma EA moderada em 5-10 anos. A progressão é mais comum na</p><p>criança; no adulto é muito variável.</p><p>A criança com EA severa congênita assintomática tem um índice de morte súbita maior que o adulto assintomático. Essas crianças devem ser operadas mais</p><p>precocemente.</p><p>TRATAMENTO</p><p>MEDICAMENTOSO</p><p>Não existe tratamento medicamentoso para a estenose aórtica sintomática. Os sintomas melhoram pouco ou não melhoram com o uso das drogas. A fase dilatada com</p><p>insuficiência cardíaca sistólica pode receber tratamento paliativo com digital e diuréticos (este último deve ser usado cuidadosamente, para evitar a hipotensão).</p><p>Existem drogas que devem ser evitadas, se possível, na EA grave. Os betabloqueadores estão contraindicados, pois reduzem a contratilidade miocárdica, principal fator</p><p>compensatório para a manutenção do débito cardíaco nesses pacientes. Mesmo doses baixas dessas drogas podem levar à síndrome de baixo débito e hipotensão arterial.</p><p>Os vasodilatadores e os diuréticos devem ser utilizados com muito cuidado na EA grave, pois podem levar à hipotensão arterial. A vasodilatação arterial pode não ser</p><p>compensada por um aumento do débito cardíaco e, se excessiva, provoca uma queda acentuada da PA.</p><p>A fibrilação atrial deve ser tratada prontamente, pois é um importante fator de descompensação em pacientes com EA grave, uma vez que a contração atrial contribui</p><p>com uma importante fração do volume de enchimento cardíaco em ventrículos com grande redução do relaxamento e da complacência. A perda da contração atrial leva ao</p><p>aumento abrupto da pressão atrial esquerda e consequente hipertensão venocapilar pulmonar. A fibrilação atrial com menos de 6-12 meses de instalação deve ser</p><p>revertida sempre que possível em pacientes sintomáticos, tomadas as devidas precauções quanto à profilaxia do tromboembolismo.</p><p>INTERVENCIONISTA</p><p>TROCA VALVAR –■ FIGURA 18</p><p>Fig. 18: Cirurgia de troca valvar aórtica. Foi colocada uma prótese biológica (porcina) em posição aórtica – final da cirurgia.</p><p>O tratamento cirúrgico dos pacientes com EA importante e sintomática reduz de forma dramática a mortalidade desta doença. Nos adultos, a troca valvar é a cirurgia</p><p>de escolha, devido aos seus resultados superiores em comparação com as demais estratégias. A sobrevida em dez anos é de 75%, comparada com uma sobrevida de</p><p>25% em três anos pela história natural dos pacientes sintomáticos não tratados... Mesmo os idosos com mais de 80 anos se beneficiam da cirurgia de troca valvar. Com a</p><p>cirurgia, esses pacientes têm uma sobrevida comparável a da população normal da mesma idade.</p><p>No entanto, a cirurgia possui riscos como toda cirurgia cardíaca, com mortalidade de 3-5% maior nos idosos, naqueles com comorbidades associadas e, principalmente,</p><p>naqueles com função sistólica de VE deprimida no pré-operatório. No caso de coronariopatia obstrutiva associada, a revascularização miocárdica deve ser realizada em</p><p>conjunto com a troca valvar.</p><p>Após a cirurgia, quase todos os pacientes têm uma melhora sintomática importante ou completa. As medidas fisiológicas comprovam o benefício hemodinâmico: o</p><p>gradiente transvalvar cai, podendo normalizar, e a FE aumenta significativamente (ex.: de 20% para 50%). A correção de uma pós-carga excessiva é a principal</p><p>responsável pela melhora da função sistólica. A hipertrofia ventricular concêntrica regride, a maior parte no 1º ano de pós-operatório (a regressão completa, no entanto,</p><p>pode não ocorrer).</p><p>Quando indicar a troca valvar na estenose aórtica?</p><p>Inquestionável (classe I de evidência):</p><p>● Pacientes sintomáticos com EA grave (gradiente médio > 50 mmHg).</p><p>● Pacientes com EA grave submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica.</p><p>● Pacientes com EA grave submetidos à cirurgia de aorta ou de outras valvas (ex.: mitral).</p><p>● Pacientes com EA grave e fração de ejeção < 0,5 (independentemente da presença de sintomas).</p><p>Recomendável (classe II de evidência):</p><p>● EA moderada a grave, assintomática, em pacientes que serão submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica, cirurgia de aorta ou de outras valvas cardíacas.</p><p>● EA grave, assintomática, com resposta anormal no teste de esforço (sintomas desproporcionais ao esforço realizado, hipotensão e/ou arritmias ventriculares</p><p>complexas).</p><p>● EA grave, assintomática, com fatores independentes de mau prognóstico (orifício valvar < 0,7 cm²; gradiente VE-Ao médio > 60 mmHg; jato de fluxo > 5 m/s) desde</p><p>que o risco cirúrgico seja baixo.</p><p>● EA grave, assintomática, com alto risco de progressão da doença (idade avançada, calcificação importante, DAC).</p><p>● EA leve a moderada, assintomática, com alto risco de progressão da doença (ex.: calcificação importante) em pacientes que serão submetidos à cirurgia de</p><p>revascularização miocárdica.</p><p>● EA grave, assintomática, com HVE importante (septo e parede posterior > 15 mm).</p><p>● EA com gradiente VE-Ao médio < 40 mmHg e disfunção ventricular, mas com “reserva contrátil” (evidenciada pelo ecocardiograma com stress).</p><p>TIPOS DE PRÓTESES VALVARES –</p><p>As próteses valvares em posição aórtica podem ser biológicas (biopróteses) ou mecânicas (metálicas). As biopróteses são as próteses de escolha para os pacientes com</p><p>idade > 65 anos. A taxa de deterioração da bioprótese nessa faixa etária é menor do que 10% nos próximos dez anos. Além disso, com a bioprótese não há necessidade de</p><p>anticoagulação permanente, reduzindo os riscos de sangramento. As próteses mecânicas são as próteses de escolha nos pacientes com idade < 65 anos. Neste grupo, a</p><p>colocação de uma bioprótese traz grande chance de o paciente necessitar de retroca valvar, uma operação com maior risco cirúrgico do que a primeira troca valvar. Após</p><p>15 anos de acompanhamento, mais de 50% das biopróteses estão disfuncionantes, levando a novos sintomas de EA ou de IA. As próteses mecânicas têm uma durabilidade</p><p>muito maior. O seu problema principal é a trombose de valva protética, que pode ocorrer em até 20% dos casos, caso não seja instituída a terapia anticoagulante com</p><p>warfarin, mantendo-se o INR entre 2-3 ou 2,5-3,5, dependendo do tipo de valva.</p><p>■ FIGURA 19</p><p>Fig. 19: Prótese metálica da marca St. Jude – duplo disco.</p><p>Um problema especial é o caso de mulheres com chance de engravidar e indicação de troca valvar aórtica. Nesse caso, tanto a bioprótese quanto a prótese mecânica</p><p>apresentam</p><p>problemas. A bioprótese, por ser colocada em uma paciente jovem, provavelmente necessitará ser trocada dentro dos próximos 15 anos. A prótese mecânica,</p><p>por necessitar de anticoagulação, torna-se problemática, uma vez que o warfarin é contraindicado na gravidez, devido ao seu efeito teratogênico. A melhor conduta nesse</p><p>caso seria o autoenxerto da valva pulmonar, com a colocação de uma bioprótese na posição da valva pulmonar (procedimento de Ross). O autoenxerto tem boa</p><p>durabilidade, tal como a bioprótese na posição da valva pulmonar, devido aos baixos fluxos.</p><p>VALVOPLASTIA CIRÚRGICA</p><p>A valvoplastia cirúrgica com lise das aderências comissurais e liberação das cúspides possui bons resultados em crianças ou adolescentes com EA congênita, pois ainda</p><p>não há calcificação valvar. A mortalidade operatória é baixa (< 1%). A plastia não está indicada na EA do adulto, devido aos resultados insatisfatórios, com pouca</p><p>diminuição do gradiente e alta taxa de reestenose.</p><p>VALVOPLASTIA PERCUTÂNEA COM BALÃO</p><p>Ao contrário dos excelentes resultados na correção da estenose mitral, na estenose aórtica os resultados são ruins, especialmente pelo fato de em geral haver calcificação</p><p>valvar significativa. O gradiente reduz-se apenas 50% após o procedimento e ainda ocorre reestenose em mais da metade dos casos nos primeiros seis meses. As</p><p>principais indicações (Classe IIb) são: pacientes com EA grave e hemodinamicamente instáveis, servido como “ponte” para a cirurgia de troca valvar ou como terapia</p><p>paliativa para pacientes com múltiplas comorbidades, que não suportariam a cirurgia de troca valvar. Veremos adiante, no entanto, que nesta última situação tem-se</p><p>preferido a realização do implante de bioprótese aórtica por cateter, uma técnica minimamente invasiva que vem ganhando grande aceitação.</p><p>IMPLANTE DE BIOPRÓTESE POR CATETER (TAVI)</p><p>O implante de bioprótese aórtica por cateter, também chamado de TAVI (Transcatheter Aortic Valve Implantation), consiste, em poucas palavras, na colocação de um</p><p>stent autoexpansível na topografia do anel aórtico, o qual é dotado de três folhetos internos (de pericárdio bovino ou suíno, dependendo do fabricante) que funcionam com</p><p>as válvulas semilunares. O acesso pode ser feito por cateterismo de artéria femoral ou subclávia, ou então pela via transapical (punção da ponta do ventrículo esquerdo),</p><p>exposta através de uma “minitoracotomia”. Em ambos os casos o procedimento é guiado por fluoroscopia, e o ecocardiograma transesofágico pode ser associado para</p><p>uma melhor visualização do implante. As indicações da TAVI estão expostas a seguir:</p><p>Diretriz brasileira de valvopatias</p><p>● Classe I: EA grave com indicação cirúrgica, porém com contraindicação à realização do procedimento cirúrgico convencional (risco cirúrgico proibitivo).</p><p>● Classe IIa: como estratégia alternativa em portador de EA grave com indicação cirúrgica, que apresenta risco cirúrgico muito alto, mas não proibitivo.</p><p>De forma objetiva, os pacientes que mais vêm sendo selecionados para a realização de TAVI são aqueles que apresentam as seguintes características: (1) EA grave</p><p>sintomática; (2) idade > 80 anos; (3) comorbidades que tornam o risco cirúrgico proibitivo (ex.: cirrose hepática, DPOC com VEF1 < 1 L ou uso de O2 domiciliar); (4)</p><p>múltiplas cirurgias cardíacas prévias ou história de radioterapia torácica; (5) “aorta em porcelana”; (6) hipertensão pulmonar acentuada (> 60 mmHg); (7) fragilidade</p><p>orgânica importante.</p><p>Os dispositivos mais usados são o sistema Core-Valve (folhetos de pericárdio suíno – acesso exclusivamente retrógrado) e a prótese Edwards-Sapien (folhetos de pericárdio</p><p>bovino – acesso retrógrado ou anterógrado). Antes do procedimento, o paciente deve iniciar dupla antiagregação plaquetária com AAS + Clopidogrel, mantendo-a por três</p><p>a seis meses. Durante o procedimento, é realizada antibioticoprofilaxia e pré-dilatação do anel aórtico por uma valvuloplastia percutânea com balão. Uma aortografia deve</p><p>ser realizada ao término do implante, a fim de verificar a ocorrência de regurgitação paravalvar.</p><p>ESTENOSE TRICÚSPIDE</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>FUNÇÃO DA VALVA TRICÚSPIDE</p><p>A valva tricúspide posiciona-se entre o Átrio Direito (AD) e o Ventrículo Direito (VD), sendo, portanto, uma valva atrioventricular, tal como a valva mitral. Na diástole, a</p><p>valva se abre, permitindo o esvaziamento do átrio direito e o enchimento ventricular direito, sem oferecer nenhuma resistência à passagem de sangue. Na sístole, a valva</p><p>se fecha, um pouco depois da mitral, impedindo o refluxo de sangue do VD para o AD.</p><p>APARELHO VALVAR TRICÚSPIDE</p><p>Façamos uma analogia ao aparelho valvar mitral, e torna-se muito fácil o entendimento do aparelho da valva tricúspide: (1) anel ou ânulo tricúspide; (2) três folhetos ou</p><p>cúspides valvares – anterior, posterior e septal; (3) cordoália tendínea; (4) músculos papilares do VD. O funcionamento destas estruturas é semelhante ao funcionamento</p><p>do aparelho mitral.</p><p>ESTENOSE TRICÚSPIDE – DEFINIÇÃO</p><p>A Área da Valva Tricúspide (AVT) é semelhante à área da valva mitral, situando-se entre 4-6 cm². Esta área confere uma resistência desprezível ao fluxo sanguíneo</p><p>diastólico no coração direito.</p><p>Denominamos Estenose Tricúspide (ET) a condição na qual, pela restrição à abertura dos folhetos valvares, há uma redução da área valvar tricúspide, promovendo a</p><p>formação de um gradiente de pressão diastólico entre o AD e o VD – Para que haja estenose tricúspide, a Área Valvar Tricúspide (AVT) deve ser inferior a 2,0-</p><p>2,5 cm2.</p><p>■</p><p>■</p><p>■</p><p>FIGURA 20.</p><p>Não há necessidade de se graduar a estenose tricúspide (como fazemos com a estenose mitral), uma vez que as manifestações clínicas já começam a surgir mesmo com a</p><p>formação de um gradiente pressórico médio AD-VD tão pequeno quanto 5 mmHg (lembre-se de que as pressões no coração direito são bem inferiores às do coração</p><p>esquerdo, logo, pequenas alterações trazem grandes repercussões hemodinâmicas).</p><p>ETIOLOGIA</p><p>A etiologia de quase todos os casos de estenose tricúspide é a cardiopatia reumática crônica. Causas raras de ET (ou de fisiologia semelhante) são: mixoma atrial</p><p>direito, atresia congênita, síndrome carcinoide (esta síndrome está mais associada à insuficiência tricúspide). A insuficiência tricúspide é bem mais comum que a estenose.</p><p>Frequentemente, há uma dupla lesão tricúspide reumática. A estenose tricúspide isolada está quase sempre associada à estenose mitral, sendo também mais</p><p>comum no sexo feminino.</p><p>FISIOPATOLOGIA</p><p>Um gradiente de pressão AD-VD diastólico ≥ 5 mmHg já é suficiente para levar à síndrome de congestão sistêmica, pelo aumento da pressão venosa central. O paciente</p><p>evolui com turgência jugular patológica, hepatomegalia congestiva, ascite e anasarca cardiogênica. A limitação ao fluxo diastólico tricúspide reduz o retorno venoso ao</p><p>coração esquerdo e, portanto, o débito cardíaco. Este pode não se elevar fisiologicamente durante o exercício físico.</p><p>É importante frisar que a estenose tricúspide pode reduzir a congestão pulmonar da estenose mitral, por diminuir o fluxo de sangue para os pulmões. Um paciente com</p><p>EM grave pode não se queixar de dispneia ou ortopneia simplesmente por apresentar uma ET associada! Esta é uma dica clínica importante.</p><p>MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS</p><p>A estenose tricúspide é um importante diagnóstico diferencial da síndrome de anasarca cardiogênica, especialmente nos casos de área cardíaca normal na radiografia de</p><p>tórax. Os principais sintomas são os de baixo débito (fadiga, cansaço aos esforços) e os de congestão sistêmica (“aumento do pescoço”, aumento do volume abdominal e</p><p>edema de membros inferiores).</p><p>O exame físico mostra turgência jugular patológica com uma proeminente onda A no pulso venoso jugular. Esta onda A pode ser forte a ponto de incomodar o paciente. O</p><p>paciente costuma tolerar bem o decúbito. Ascite, hepatomegalia e edema de membros inferiores são a regra na estenose tricúspide. As manifestações clínicas</p><p>da estenose</p><p>mitral associada (congestão pulmonar) podem estar presentes, mas sempre em menor grau em comparação com a estenose mitral isolada. O exame do precórdio revela</p><p>um ruflar diastólico (semelhante ao da EM), que aumenta de intensidade durante a inspiração (manobra de Rivero-Carvallo). O reforço pré-sistólico e o estalido de abertura</p><p>tricúspide podem estar presentes. O ruflar diastólico e o estalido são mais audíveis na borda esternal esquerda baixa (foco tricúspide).</p><p>EXAMES COMPLEMENTARES E DIAGNÓSTICO</p><p>Eletrocardiograma: revela sinais de aumento atrial direito (onda P apiculada e de amplitude elevada, ou seja, acima de 2,5 mm ou 0,25 mV). Na derivação V1, o aumento</p><p>do AD provoca uma importante redução da amplitude do QRS. Pela estenose mitral associada, é comum encontrarmos sinais de aumento atrial esquerdo (P mitrale).</p><p>Fig. 20</p><p>Radiografia de tórax: um discreto aumento da área cardíaca à custa do aumento atrial direito pode ser observado. O critério do aumento do AD é uma distância entre o</p><p>centro da coluna vertebral e a borda cardíaca direita superior a 5,5 cm.</p><p>Ecocardiograma: é o exame que confirma o diagnóstico. A valva tricúspide encontrar-se-á com seus folhetos espessados e abertura em cúpula. O átrio direito está</p><p>sempre de diâmetro aumentado. O Doppler mostrará um gradiente diastólico AD-VD superior a 5 mmHg, com uma AVT inferior a 2 cm². A pressão na artéria pulmonar</p><p>estará sempre inferior ao esperado pelo grau de estenose mitral associada.</p><p>TRATAMENTO</p><p>A base do tratamento consiste no uso de betabloqueadores. Assim como na estenose mitral, a redução da frequência cardíaca favorece o fluxo transvalvar (devido à</p><p>maior duração da diástole), aumentando o enchimento do ventrículo. Diuréticos podem ser associados para combater os sinais e sintomas de congestão sistêmica</p><p>acentuada ou persistente. A abordagem percutânea (valvoplastia com balão) é considerada uma boa opção resolutiva, exceto se houver insuficiência tricúspide grave</p><p>associada. A cirurgia tricúspide (plastia ou troca valvar) costuma ser indicada para os casos de estenose importante, em que o paciente será operado de qualquer forma</p><p>para resolver uma doença mitral e/ou aórtica associada, bem como para os pacientes com dupla lesão tricúspide. Prefere-se as próteses biológicas, dada sua elevada</p><p>durabilidade nessa topografia (as menores pressões do lado direito do coração justificam tal vantagem). Vale frisar que não se deve corrigir uma estenose tricúspide sem</p><p>que seja feita a correção concomitante de uma estenose mitral: o aumento de fluxo ao coração esquerdo pode acarretar aumento das pressões do átrio esquerdo e,</p><p>consequentemente, desencadear ou agravar a congestão pulmonar do paciente.</p><p>INSUFICIÊNCIAS VALVARES (MITRAL, AÓRTICA E TRICÚSPIDE)</p><p>INSUFICIÊNCIA MITRAL</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Durante a sístole, a valva mitral “tem a obrigação” de evitar o refluxo de sangue para o átrio esquerdo, direcionando todo o fluxo para a aorta, através da valva aórtica</p><p>aberta. Para se manter fechada, os folhetos mitrais devem estar íntegros e o aparelho subvalvar (cordoália tendínea e músculos papilares) deve estar normofuncionante,</p><p>de modo a manter os folhetos ancorados no VE.</p><p>Denominamos Insuficiência Mitral (IM), ou regurgitação mitral, a condição em que existe um refluxo de sangue para o átrio esquerdo durante a sístole ventricular,</p><p>devido a uma incompetência do mecanismo de fechamento valvar mitral –</p><p>FISIOPATOLOGIA</p><p>SOBRECARGA DE VOLUME</p><p>É fácil perceber que a insuficiência mitral traz uma sobrecarga de volume ao Átrio Esquerdo (AE). Esta câmara recebe o retorno venoso proveniente das veias pulmonares</p><p>e mais o fluxo regurgitante do VE. Porém, não devemos deixar de perceber que o Ventrículo Esquerdo (VE) também recebe uma sobrecarga volumétrica. O volume</p><p>regurgitado para o AE na sístole volta ao VE na diástole, somado ao retorno venoso. Em suma: na insuficiência mitral essas duas câmaras cardíacas (AE e VE) ficam</p><p>sobrecarregadas de volume.</p><p>FIGURA 21.</p><p>Fig. 21: Insuficiência mitral. Ventriculografia mostrando o refluxo de sangue para o átrio esquerdo na sístole.</p><p>INSUFICIÊNCIA MITRAL CRÔNICA – FASE COMPENSADA –</p><p>A IM crônica grave cursa durante muitos anos sem a presença de significativas alterações fisiopatológicas que comprometam a função cardíaca. Esses pacientes</p><p>permanecem assintomáticos por todo esse tempo. Os mecanismos compensatórios são possíveis devido à lentidão com que a doença se instala, dando tempo hábil para a</p><p>adaptação cardíaca. São estes os mecanismos de compensação da IM crônica:</p><p>Aumento da complacência atrial esquerda: lentamente, a parede atrial esquerda aumenta a sua elasticidade, de modo a suportar uma sobrecarga de volume sem</p><p>elevar a pressão intracavitária. Para isso, o átrio esquerdo cresce em diâmetro, mantendo a espessura de sua parede. Por isso, a IM crônica grave cursa com grandes</p><p>átrios (maiores ainda do que na estenose mitral);</p><p>Aumento da complacência ventricular esquerda: como vimos, o volume regurgitado para o átrio esquerdo na sístole retorna ao ventrículo esquerdo na diástole,</p><p>levando a uma sobrecarga de volume ventricular crônica. Em resposta, a parede ventricular torna-se mais elástica, fazendo do VE uma câmara capaz de albergar</p><p>grandes volumes diastólicos sem elevar as suas pressões de enchimento. Por isso, o VE cresce na IM crônica grave, sem haver, entretanto, insuficiência cardíaca;</p><p>Redução da pós-carga ventricular: para compensar o volume regurgitado no átrio, o VE precisa aumentar o seu débito sistólico total (efetivo + regurgitado), de</p><p>modo a manter um débito sistêmico efetivo. Um dos principais mecanismos é a facilidade de esvaziamento ventricular sistólico, uma vez que o ventrículo está ejetando</p><p>em uma câmara de baixa pressão – o átrio esquerdo. Em outras palavras, o VE trabalha com uma pós-carga baixa, contribuindo para o aumento do débito sistólico</p><p>total. Isso explica o fato de a Fração de Ejeção (FE) nos pacientes com IM crônica ter um valor superestimado, situando-se acima do normal (> 70%). Um outro</p><p>mecanismo importante: o aumento do diâmetro cavitário ventricular (R) não eleva a pós-carga, devido ao aumento associado da espessura muscular (h) – hipertrofia</p><p>ventricular excêntrica;</p><p>Aumento da pré-carga ventricular: o outro mecanismo que aumenta o débito sistólico total é a lei de Frank-Starling. Um aumento do volume diastólico final</p><p>ventricular faz aumentar significativamente o débito sistólico total.</p><p>INSUFICIÊNCIA MITRAL CRÔNICA – FASE DESCOMPENSADA</p><p>Após anos e anos com IM crônica grave assintomática, a sobrecarga de volume começa a produzir lesão do miocárdio ventricular, através de mecanismos pouco</p><p>conhecidos. O miocárdio vai progressivamente degenerando-se, e sua contratilidade vai reduzindo – uma espécie de remodelamento cardíaco por sobrecarga volumétrica.</p><p>Devido ao estado de baixa pós-carga, característico da IM, a Fração de Ejeção (FE) pode ainda estar na faixa normal (> 55%), dificultando o diagnóstico da disfunção</p><p>sistólica ventricular esquerda. Uma FE < 50% significa uma grave disfunção sistólica de VE. Nesse estágio, a correção cirúrgica da IM não recupera totalmente a função</p><p>ventricular, deixando uma disfunção residual, que comprometerá a evolução clínica do paciente.</p><p>A fase descompensada pode ser marcada ou não por sintomas. Os sintomas decorrem do aumento das pressões de enchimento ventricular e da pressão atrial,</p><p>especialmente durante o esforço físico. Isso leva a uma síndrome congestiva pulmonar, cujo sintoma principal é a dispneia e a ortopneia.</p><p>INSUFICIÊNCIA MITRAL AGUDA</p><p>A insuficiência mitral aguda grave é uma entidade clínica de prognóstico ominoso, caso não seja feito o pronto tratamento cirúrgico. Uma lesão mitral aguda que leve a</p><p>uma fração regurgitante > 50-60% impõe uma sobrecarga volumétrica abrupta sobre o átrio esquerdo e ventrículo esquerdo.</p><p>A consequência imediata é o aumento da</p><p>pressão de enchimento ventricular e pressão atrial, levando a uma grave síndrome congestiva pulmonar. O edema agudo de pulmão é a apresentação clínica mais comum</p><p>da IM aguda grave. O único mecanismo compensatório é a condição de baixa pós-carga, facilitando o esvaziamento ventricular e mantendo inicialmente o débito cardíaco.</p><p>Entretanto, alguns casos evoluem para choque cardiogênico. Se a IM for moderada, as consequências fisiopatológicas são mais brandas.</p><p>ETIOLOGIA</p><p>INSUFICIÊNCIA MITRAL CRÔNICA</p><p>DEGENERAÇÃO MIXOMATOSA (PROLAPSO DA VALVA MITRAL) –</p><p>FIGURA 22</p><p>Fig. 22: Insuficiência mitral. As câmaras esquerdas (tanto o AE quanto o VE) trabalham com sobrecarga de volume. Para melhorar a sua performance, o VE evolui com HVE excêntrica.</p><p>■ FIGURA 23</p><p>É a causa mais comum de IM crônica nos países desenvolvidos. O tecido das cúspides e da cordoália tendínea torna-se frouxo e redundante, devido à mixomatose</p><p>idiopática. A presença de uma cordoália tendínea redundante (de comprimento excessivo) torna-a incapaz de tensionar as cúspides mitrais na sístole. O tecido das</p><p>cúspides é maior que o necessário para o fechamento valvar, levando ao prolapso do aparelho valvar para o interior do AE. Se o prolapso for acentuado e desigual entre as</p><p>cúspides, haverá uma falha do fechamento mitral.</p><p>Dos que têm prolapso mitral ao ecocardiograma, cerca de 20% desenvolvem insuficiência mitral. Apesar desse percentual representar a minoria dos casos, o prolapso da</p><p>valva mitral é tão frequente na população (3% de prevalência), que justifica ser uma das principais causas de insuficiência mitral no mundo. Há uma predisposição</p><p>genética e uma preferência para o sexo feminino (2:1). Os pacientes com prolapso da valva mitral têm uma incidência aumentada de arritmias atriais e ventriculares, bem</p><p>como de sintomas de palpitação e dor torácica atípica.</p><p>CARDIOPATIA REUMÁTICA CRÔNICA</p><p>A doença reumática leva à inflamação crônica das cúspides mitrais. Deste processo, a consequência mais comum é a restrição à abertura valvar (estenose mitral), porém,</p><p>muitas vezes, a retração dos folhetos impede a sua coaptação, levando à dupla lesão mitral ou à insuficiência mitral isolada. Em nosso meio, é considerada a principal</p><p>causa de insuficiência mitral crônica, ficando a degeneração mixomatosa em segundo lugar.</p><p>DOENÇA ISQUÊMICA DO MIOCÁRDIO</p><p>A isquemia do miocárdio do músculo papilar leva à insuficiência mitral, devido à perda da sua função contrátil, necessária para o adequado tensionamento da cordoália</p><p>tendínea durante o fechamento sistólico da mitral. Se a isquemia for transitória, a IM também é transitória. O IAM pode deixar como sequela uma IM crônica, por necrose</p><p>parcial do músculo papilar.</p><p>CALCIFICAÇÃO SENIL DO ANEL MITRAL</p><p>É comum nos idosos e geralmente leva à insuficiência mitral leve a moderada. Na sístole, o anel mitral normal reduz o seu diâmetro, facilitando a coaptação dos folhetos,</p><p>semelhante a um mecanismo de “esfíncter”. Quando há cálcio neste anel, é perdido o mecanismo de contração, o que dificulta a junção dos folhetos.</p><p>DILATAÇÃO VENTRICULAR ESQUERDA</p><p>Este tipo de IM é denominado IM secundária. Participa da patogênese a dilatação do anel valvar, bem como a disfunção crônica do músculo papilar devido à</p><p>cardiomiopatia. O tratamento da insuficiência cardíaca tende a reduzir a gravidade deste tipo de IM. Por este mecanismo, podemos dizer: IM acarreta mais IM – um ciclo</p><p>vicioso.</p><p>INSUFICIÊNCIA MITRAL AGUDA (IMA)</p><p>INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO (IAM) –</p><p>Fig. 23: Principais causas de insuficiência mitral.</p><p>■</p><p>■</p><p>■</p><p>■</p><p>■ FIGURA 24</p><p>O IAM é a principal etiologia de IMA (45% dos casos). Estima-se que entre 0,04 a 0,11% dos IAM cursem com IMA, geralmente entre o 2º e o 7º dias pós-evento. Os tipos de</p><p>IAM mais implicados são o inferior e o inferodorsal. O mecanismo é a disfunção ou necrose dos Músculos Papilares (MP), que pode ser parcial ou total. As formas mais</p><p>graves de IMA se relacionam à necrose completa do tronco de um ou mais MP. Sabemos que os MP posteromediais são irrigados por apenas um vaso (que pode ser a</p><p>coronária direita ou a artéria circunflexa), ao passo que os MP anterolaterais têm irrigação bivascular (artéria descendente anterior e circunflexa). Logo, com maior</p><p>frequência, os MP envolvidos são os posteromediais, provocando disfunção do folheto mitral posterior. De todas as formas de IMA, a de pior prognóstico é aquela</p><p>relacionada ao IAM, devido ao fato de geralmente haver disfunção ventricular esquerda concomitante.</p><p>O método diagnóstico de escolha é o eco transesofágico, e uma cineangiocoronariografia sempre deve ser realizada de urgência, mesmo com o paciente instável do ponto</p><p>de vista hemodinâmico. A conduta é a cirurgia de emergência, envolvendo preferencialmente (sempre que possível) a valvoplastia (em vez de troca valvar), além de</p><p>revascularização do miocárdio.</p><p>ENDOCARDITE INFECCIOSA –</p><p>Fig. 24: Rotura de músculo papilar no IAM. Observe que apenas parte do músculo papilar foi rompida. A rotura total deste músculo geralmente é incompatível com a vida.</p><p>■ FIGURA 25</p><p>Fig. 25: Endocardite mitral. Observe a destruição do folheto valvar por um conjunto de vegetações.</p><p>A endocardite infecciosa é a segunda maior causa de IMA (28% dos casos). A retração inflamatória das cúspides, bem como a sua perfuração ou destruição pelo processo</p><p>infeccioso, pode levar à IM grave. Muitas vezes, a endocardite infecciosa ocorre em cima de uma valva já doente (mixomatosa, reumática, etc.). A endocardite</p><p>estafilocócica é uma importante causa de IM aguda grave.</p><p>RUPTURA ESPONTÂNEA DE CORDOÁLIA</p><p>A doença degenerativa do tecido valvar é a terceira maior causa de IMA (26% dos casos). Pode ser idiopática (ruptura de cordoália primária) ou secundária à degeneração</p><p>mixomatosa. A cordoália é formada por várias fibras. Normalmente se rompem apenas algumas delas, levando ao prolapso parcial de uma cúspide, geralmente a posterior.</p><p>O paciente evolui com um quadro de IM subaguda ou aguda, de gravidade variável.</p><p>OUTRAS</p><p>Outras causas de IM aguda são: febre reumática aguda, trauma cardíaco, miocardites agudas.</p><p>HISTÓRIA CLÍNICA</p><p>Os pacientes com IM crônica grave podem ser diagnosticados em sua fase assintomática através de um exame físico. Podem permanecer sem sintomas por vários anos,</p><p>devido aos mecanismos compensatórios. Alguns pacientes que negam os sintomas na anamnese podem apresentá-los em um teste ergométrico, revelando um grupo de</p><p>indivíduos “falso-assintomáticos”. Na fase descompensada, aparecem os sinais e sintomas de insuficiência cardíaca congestiva – dispneia, ortopneia e, posteriormente,</p><p>dispneia paroxística noturna. A hipertensão pulmonar secundária pode se instalar nos casos mais graves, especialmente na dupla lesão mitral.</p><p>Na IM aguda grave, como já assinalado, o paciente encontra-se em estado crítico, geralmente em franco edema agudo de pulmão ou choque cardiogênico. Sem a correção</p><p>cirúrgica, muitos doentes evoluem para óbito.</p><p>EXAME FÍSICO</p><p>INSPEÇÃO E PALPAÇÃO</p><p>O pulso arterial geralmente é normal ou com amplitude aumentada. O precórdio revela um ictus de VE difuso e deslocado para esquerda da linha hemiclavicular e para</p><p>baixo do 5º espaço intercostal. Pode haver um impulso protodiastólico palpável no foco mitral, bem como um frêmito holossistólico na ponta. Pode haver também um</p><p>impulso sistólico no 2º ou 3º EICE, correspondendo ao batimento de um AE aumentado.</p><p>Quando o sopro da insuficiência mitral tem 4+ ou mais, podemos sentir o frêmito sistólico na ponta.</p><p>QUADRO DE CONCEITOS II</p><p>AUSCULTA CARDÍACA</p><p>INSUFICIÊNCIA MITRAL –</p><p>■</p><p>■</p><p>Lembre-se: o paciente com IM crônica grave tem cardiomegalia, com importante aumento do AE e VE, antes ainda de evoluir para insuficiência cardíaca.</p><p>■ FIGURA 26</p><p>A terceira bulha (B3) é bastante comum na IM crônica, mesmo na ausência de insuficiência cardíaca sistólica.</p><p>A B3 da insuficiência cardíaca sistólica é decorrente da baixa</p><p>complacência de um ventrículo dilatado e com aumento das pressões de enchimento. Aqui é diferente... A B3 ocorre simplesmente pela sobrecarga de volume crônica – o</p><p>fluxo da fase de enchimento rápido do VE é muito intenso, levando à vibração da parede ventricular. A fisiopatologia da B3, neste caso, não é muito diferente do</p><p>mecanismo da B3 fisiológica das síndromes hiperdinâmicas de alto débito.</p><p>Sopro da insuficiência mitral: o marco da doença é o sopro holossistólico no foco mitral. O sopro inicia-se com a B1, que pode ser normo ou hipofonético, e se</p><p>prolonga para além de B2, abafando-a no foco mitral. Se a regurgitação for pelo folheto anterior, a irradiação será para a axila e região infraescapular esquerda. O</p><p>comprometimento do folheto posterior pode dar uma irradiação para os focos da base ou para a região interescapular. É mais audível com o diafragma, pois se trata de</p><p>um sopro de alta frequência. A sua diferenciação com o sopro da estenose aórtica é a irradiação, o caráter holossistólico e a resposta às manobras. Ao contrário do sopro</p><p>da EA, o sopro da IM aumenta com o esforço isométrico (handgrip) e não altera a sua intensidade no batimento pós-extrassistólico. Para ser diferenciado do sopro da</p><p>insuficiência tricúspide, utiliza-se a manobra de Rivero-Carvallo: o sopro caracteristicamente não se altera com a inspiração profunda.</p><p>Em alguns casos temos um sopro telessistólico, quando a regurgitação só começa no final da sístole. Os principais exemplos são a síndrome do prolapso da valva mitral e a</p><p>disfunção do músculo papilar.</p><p>Na IM aguda grave podemos ter um sopro protossistólico. O sopro desaparece no final da sístole, pois a pressão atrial esquerda logo se equilibra com a pressão ventricular</p><p>esquerda.</p><p>O ruflar diastólico pode aparecer associado ao sopro holossistólico na dupla lesão mitral, mesmo quando a EM é leve ou mínima, devido ao hiperfluxo diastólico por esta</p><p>valva.</p><p>PROLAPSO DA VALVA MITRAL</p><p>O prolapso da valva mitral pode produzir um som característico denominado click mesossistólico (ou estalido mesossistólico). Apesar deste nome, nem sempre este som</p><p>ocorre no meio da sístole. Dependendo da posição do paciente ou de determinadas manobras, o click pode se aproximar mais de B2, tornando-se telessistólico. O click ou</p><p>estalido é produzido pela vibração do aparelho mitral no momento do prolapso. Utilize seu leitor de QR code para ouvir um click mesossistólico.</p><p>Car3_Click_Mesosistolico</p><p>Sobre o click mesossistólico do prolapso mitral</p><p>Como regra: o prolapso mitral é mais precoce quando o volume cavitário é menor, e mais tardio quando o volume cavitário é maior. Manobras que reduzem o volume</p><p>ventricular (Valsalva, posição ortostática) antecipam o click (mesossistólico – próximo a B1), e manobras que aumentam o volume ventricular (decúbito, posição de</p><p>cócoras) retardam o click (telessistólico – próximo a B2).</p><p>Fig. 26: Ausculta da insuficiência mitral. O achado característico é o sopro holossistólico audível no foco mitral e irradiando para a axila.</p><p>■</p><p>O mesmo vale para o sopro regurgitativo do prolapso mitral. A manobra de Valsalva e a posição ortostática antecipam o sopro (mesotelessistólico), enquanto o decúbito e</p><p>a posição de cócoras retardam o sopro (telessistólico). Em outras palavras, podemos afirmar que a manobra de Valsalva aumenta a duração do sopro do prolapso mitral,</p><p>tornando-o mais audível.</p><p>COMPLICAÇÕES</p><p>FIBRILAÇÃO ATRIAL E FENÔMENOS TROMBOEMBÓLICOS</p><p>É uma arritmia bastante comum na IM crônica, tal como na EM. Os maiores átrios esquerdos são aqueles de pacientes com IM crônica ou dupla lesão mitral. De uma forma</p><p>geral, as consequências hemodinâmicas da fibrilação atrial são menos graves do que na EM, a não ser na fase descompensada da doença. O grande problema da fibrilação</p><p>atrial aqui é a predisposição aos fenômenos tromboembólicos, menos comuns, entretanto, que na estenose mitral. A conduta diante desta arritmia é semelhante à conduta</p><p>descrita em “Estenose Mitral”.</p><p>ENDOCARDITE INFECCIOSA</p><p>O jato regurgitante turbulento atinge a face atrial das cúspides, bem como a parede atrial esquerda, importantes sítios de vegetações de endocardite infecciosa. A infecção</p><p>das cúspides pode levar à piora da insuficiência mitral.</p><p>INSTABILIDADE HEMODINÂMICA NA IM AGUDA</p><p>Na IM aguda grave, frequentemente os pacientes apresentam um quadro de edema agudo de pulmão e, eventualmente, choque cardiogênico.</p><p>EXAMES COMPLEMENTARES INESPECÍFICOS</p><p>ELETROCARDIOGRAMA –</p><p>O achado mais comum é o aumento atrial esquerdo. Em 1/3 dos casos de IM grave há HVE, do tipo sobrecarga de volume de Cabrera (aumento da amplitude das ondas R,</p><p>onda T positiva e apiculada). Há um aumento na incidência de fibrilação atrial.</p><p>RADIOLOGIA DE TÓRAX –</p><p>FIGURA 27</p><p>Fig. 27: Sinais de sobrecarga volumétrica de VE na insuficiência mitral. Observe as ondas R de grande amplitude e as ondas T altas e apiculadas em V4 e V5.</p><p>FIGURA 28</p><p>O principal achado na radiografia de tórax é a cardiomegalia, com a morfologia do aumento de VE (ponta do coração para baixo), associada aos sinais de aumento do átrio</p><p>esquerdo (ver em “Estenose Mitral”). A aorta está de tamanho normal, a não ser que haja outras doenças associadas, como aterosclerose aórtica ou valvopatia aórtica.</p><p>ECOCARDIOGRAMA-DOPPLER E CATETERISMO CARDÍACO</p><p>O ecocardiograma é capaz de diagnosticar a etiologia da IM na maioria dos casos. O aspecto da síndrome do prolapso mitral é bem diferente da valvopatia mitral</p><p>reumática. A disfunção do músculo papilar, a ruptura de cordoália e as vegetações da endocardite infecciosa podem ser prontamente reconhecidas no eco bidimensional. O</p><p>grau de calcificação e espessamento da valva é importante na determinação do tipo de cirurgia corretiva (plastia x troca). O eco transesofágico é superior ao transtorácico</p><p>na avaliação morfológica da valva mitral. Deve ser solicitado sempre que este último não for suficiente para esclarecer a lesão valvar.</p><p>Classificação de gravidade da IM</p><p>Leve: jato central pequeno (menor que 4 cm² ou < 20% da área do átrio esquerdo). Grau angiográfico 1+.</p><p>Moderada: sinais de regurgitação mitral maiores que os sinais citados para IM leve, porém sem critérios para IM severa. Grau angiográfico 2+.</p><p>Severa: jato central grande (área > 40% do átrio esquerdo) ou jato que atinge a parede do átrio. Grau angiográfico 3 ou 4+.</p><p>O ecocardiograma é um exame necessário para o acompanhamento semestral de todos os pacientes com IM crônica, para avaliar a função ventricular sistólica.</p><p>O cateterismo cardíaco é necessário quando há dúvidas no grau de insuficiência mitral pelo ecodoppler. Também é indicada a coronariografia nos pacientes masculinos ></p><p>40 anos e femininos > 45 anos (ou de ambos os sexos > 35 anos na presença de fatores de risco para coronariopatia), que irão se submeter à cirurgia de troca ou reparo</p><p>valvar.</p><p>Fig. 28: Radiografia de tórax na insuficiência mitral. Observe a cardiomegalia com a ponta cardíaca “mergulhando” no diafragma – aumento de VE. Observe também os sinais de aumento de AE –</p><p>sinal do duplo contorno e abaulamento do 3º arco (apêndice atrial esquerdo).</p><p>HISTÓRIA NATURAL</p><p>Na IM crônica moderada a grave, o aparecimento dos sintomas de insuficiência cardíaca ou de uma disfunção sistólica do VE traz um mau prognóstico ao paciente: a</p><p>sobrevida média dos pacientes classe funcional III ou IV é de 30% em cinco anos.</p><p>Não devemos postergar a cirurgia para um momento em que a função sistólica torne-se moderadamente deprimida (FE < 40-50%), pois a lesão miocárdica existente</p><p>permanece no pós-operatório, explicando os resultados limitados nesses casos. Pelo estado de baixa pós-carga crônica, uma FE < 60% já denota uma disfunção sistólica, o</p><p>que pode ocorrer em pacientes totalmente assintomáticos. Daí a necessidade do acompanhamento semestral ou anual do ecocardiograma dos pacientes com IM grave.</p><p>Os pacientes assintomáticos com IM crônica grave e FE > 60% apresentam</p><p>comuns no portador de ICFER são: (1) síndrome coronariana aguda; (2) aumentos súbitos da pós-carga, como na</p><p>vasoconstrição periférica pelo uso inadvertido de simpatomiméticos; (3) arritmias, como a fibrilação atrial aguda – na fibrilação o miocárdio atrial não se contrai de forma</p><p>organizada, “sobrando” mais sangue no interior do átrio esquerdo de modo a aumentar a congestão venocapilar pulmonar. Além disso, na presença de taquicardia, o</p><p>tempo de enchimento diastólico do VE diminui, o que também faz “sobrar” mais sangue no átrio esquerdo...</p><p>SAIBA MAIS... Relaxamento miocárdico.</p><p>O relaxamento dos cardiomiócitos é um processo ativo, isto é, consome energia (ATP). Primeiramente, lembre-se que a interação entre miosina e actina necessita da</p><p>presença de Ca²+ como cofator. O cálcio é liberado no citoplasma pelo Retículo Sarcoplasmático (RS) quando a membrana celular se despolariza (acoplamento</p><p>"excitação-contração"). Para que haja relaxamento é necessário que miosina e actina se "desgrudem", o que significa que é preciso recolher o Ca²+ do citoplasma... O</p><p>próprio RS faz isso, através de uma bomba ATP-dependente chamada SERCA2A (cálcio ATPase do retículo sarcoplasmático). Alterações no metabolismo energético da</p><p>célula (ex.: isquemia, exposição excessiva à angiotensina II) reduzem a disponibilidade de ATP, impedindo o cardiomiócito de se "relaxar" adequadamente, o que</p><p>aumenta as pressões de enchimento diastólico, mesmo sem dilatação cardíaca, gerando congestão a montante (disfunção diastólica por deficit de relaxamento). Outro</p><p>fator comumente associado é a hiperfosforilação do receptor de rianodina. Esta molécula possui a função de manter o Ca²+ dentro do RS, evitando seu "vazamento"</p><p>para o citoplasma. Sua disfunção (pela fosforilação) faz aumentar o Ca²+ citoplasmático e, consequentemente, aumenta a formação de pontes cruzadas entre miosina e</p><p>actina no estado basal, tornando o miocárdio mais "duro" (menos complacente).</p><p>A aferição precisa da função diastólica, realizada pela medida da pressão diastólica final, requer métodos invasivos como o cateterismo de artéria pulmonar e obtenção</p><p>da pressão de oclusão do capilar pulmonar (PCAP). Na prática ambulatorial, porém, podemos estimar a pressão diastólica final (e, consequentemente, a função diastólica)</p><p>através da medida do fluxo transmitral pelo ecocardiograma com dopplerfluxometria. O Doppler tecidual (método aplicado à ecocardiografia para avaliar a velocidade de</p><p>movimentação da parede miocárdica ao nível do anel mitral durante a diástole) é outra ferramenta útil nesse sentido.</p><p>Vamos aproveitar este momento para explicar o clássico bordão “a principal causa de insuficiência do coração direito é a insuficiência do coração esquerdo”... Na maioria</p><p>das vezes a IC afeta inicialmente o VE, causando a já citada congestão venocapilar pulmonar. O lado arteriocapilar da circulação pulmonar “reage”, primeiramente com</p><p>vasoconstrição e, depois, com remodelamento (hipertrofia do músculo liso na parede das arteríolas). O estreitamento luminal aumenta a resistência vascular pulmonar, o</p><p>que sobrecarrega o VD por aumento de pós-carga, elevando suas pressões intracavitárias. Com o tempo, o VD desenvolve insuficiência sistólica, tal qual o VE, e o quadro</p><p>passa a ser de insuficiência biventricular. Curiosamente, a dispneia costuma diminuir neste momento, pois o VD bombeia menos sangue para os pulmões, de modo que</p><p>a pressão hidrostática nos capilares alveolares diminui, reduzindo a transudação de líquido e o edema pulmonar. Pode surgir insuficiência tricúspide, pela dilatação do anel</p><p>valvar e má coaptação de seus folhetos, o que diminui ainda mais o débito sistólico do VD.</p><p>Assim, na evolução de uma Insuficiência Ventricular Esquerda (IVE), o quadro inicialmente marcado por sinais e sintomas de congestão pulmonar acaba se transformando</p><p>num quadro com sinais e sintomas mais proeminentes de congestão venosa sistêmica (ex.: TJP, hepatomegalia, derrame pleural, ascite, edema de membros inferiores)!</p><p>Outro sintoma cardinal da IC é a fadiga, cuja origem é igualmente multifatorial. A disfunção generalizada da musculatura esquelética devido ao remodelamento vascular</p><p>predispõe à atrofia e fatigabilidade. A anemia, quando presente, é outro fator contribuinte. Por fim, a própria queda do débito cardíaco, ao hipoperfundir a musculatura,</p><p>reduz a capacidade dos músculos em gerar energia. Tudo isso, aliado ao sedentarismo do doente (que intuitivamente tenta evitar a ocorrência de sintomas), à desnutrição</p><p>(anorexia e má-absorção intestinal por congestão venosa do tubo digestivo), e ao estado inflamatório sistêmico que acompanha a disfunção endotelial (com aumento de</p><p>citocinas como o TNF-alfa, que estimula o catabolismo tecidual), contribui para a perda de massa muscular, que pode culminar no estado de caquexia cardíaca.</p><p>Define-se caquexia cardíaca como uma perda ponderal involuntária do paciente com IC avançada superior a 6% do peso basal em período menor ou igual a seis</p><p>meses. Os níveis de IMC (índice de massa corpórea) ficam < 21 kg/m² em homens e < 19 kg/m² em mulheres. A caquexia cardíaca é sinal de péssimo prognóstico, e</p><p>constitui fator de risco para mortalidade mesmo nos pacientes que recebem um transplante de coração.</p><p>Queixas gastrointestinais são comuns, seja pela hepatomegalia congestiva (dor no quadrante superior direito do abdome; anorexia, náuseas e saciedade precoce por</p><p>restrição ao enchimento gástrico), seja pelo edema da parede intestinal (dor e distensão abdominal, má absorção de nutrientes e agravamento da desnutrição).</p><p>Na ICFER avançada, em particular no paciente mais idoso, que com frequência possui arterioesclerose cerebral, manifestações neuropsiquiátricas (desorientação,</p><p>alteração do ciclo sono-vigília e distúrbios do humor e da personalidade) podem refletir má perfusão cerebral.</p><p>A noctúria (acordar para urinar > 2x) é secundária à exacerbação da secreção de peptídeos natriuréticos em resposta ao aumento do retorno venoso pelo decúbito, e</p><p>contribui para a insônia do paciente.</p><p>SINAIS</p><p>Ectoscopia e sinais vitais: a aparência geral do paciente varia conforme a gravidade da IC. No início pode não haver anomalias, mas nas fases avançadas temos um</p><p>indivíduo dispneico em repouso (que não consegue se deitar ou falar frases completas) apresentando franca caquexia (perda de massa muscular e aspecto debilitado). A</p><p>PA pode ser normal ou alta nas fases iniciais, mas na IC avançada ela geralmente está diminuída, com baixa pressão de pulso (diferença entre PA sistólica e diastólica,</p><p>devido à queda do débito sistólico)... Na ausência de tratamento, em função da hiperatividade adrenérgica, encontramos taquicardia sinusal e sinais de vasoconstrição</p><p>periférica, como extremidades frias, pálidas e às vezes cianóticas (lentificação da circulação). O tempo de enchimento capilar estará aumentado nestes casos.</p><p>A chamada pressão de pulso proporcional é definida pela fórmula (PAS - PAD)/PAS. Valores < 0.25 (25%) sugerem um índice cardíaco < 2,2 L/min/m², ou seja, grave</p><p>comprometimento hemodinâmico.</p><p>Na ICFER muito grave pode surgir o clássico pulso alternans. Após uma contração sistólica eficaz, a capacidade contrátil não se recupera de imediato, seguindo-se uma</p><p>contração menos eficaz. A pressão de pulso passa a variar a cada batimento, o que pode ser percebido pela palpação (amplitude variável do pulso arterial). O pulso total</p><p>alternans representa o extremo deste fenômeno, isto é, após cada batimento a contração subsequente não gera fluxo, o que faz a FC contada no pulso periférico ser a</p><p>metade daquela contada no precórdio.</p><p>Veias jugulares: as jugulares internas podem estar ingurgitadas com o paciente inclinado a 45º (turgência jugular patológica – TJP), refletindo o aumento na pressão venosa</p><p>central (pressão no interior do átrio direito). Este é o sinal mais importante para a identificação clínica de congestão circulatória sistêmica. A presença de onda V gigante no</p><p>pulso venoso jugular indica</p><p>um prognóstico bom. A sobrevida média é de 80% em cinco anos e de 60% em dez anos.</p><p>Portanto, não está indicado o tratamento cirúrgico nesta fase da doença.</p><p>Como já assinalado, os pacientes com IM aguda grave, se não operados precocemente, costumam evoluir para óbito por falência cardíaca.</p><p>TRATAMENTO</p><p>MEDICAMENTOSO</p><p>A terapia medicamentosa está indicada nos pacientes com sintomas de insuficiência cardíaca. Baseia-se no uso de vasodilatadores (ex.: inibidores da ECA),</p><p>betabloqueadores, diuréticos e digitais. Além de agirem na insuficiência cardíaca em si, essas drogas (exceção ao digital) reduzem a fração regurgitante mitral, pois</p><p>reduzem o diâmetro ventricular e, portanto, o anel mitral. O tratamento medicamentoso não está indicado nos pacientes assintomáticos com IM crônica. Não existe</p><p>nenhum estudo que provou o benefício dos vasodilatadores na IM crônica grave assintomática.</p><p>INSUFICIÊNCIA MITRAL AGUDA GRAVE</p><p>Estes pacientes são reconhecidos por um quadro de instabilidade hemodinâmica, com a presença de um sopro protossistólico ou holossistólico no foco mitral, irradiando</p><p>para axila ou região interescapular. Estes pacientes devem ser internados em unidades intensivas e tratados com inotrópicos de ação rápida como a dobutamina e</p><p>vasodilatadores de fácil titulação, como o nitroprussiato de sódio. O balão intra-aórtico é de grande valia no choque cardiogênico. A lesão valvar deve ser corrigida o</p><p>quanto antes pela cirurgia.</p><p>CIRÚRGICO</p><p>Existem duas opções de intervenção cirúrgica na IM:</p><p>● Valvoplastia mitral: é a opção de escolha na maioria dos pacientes, pois tem menor mortalidade cirúrgica e melhores resultados pós-operatórios. Por ser uma técnica</p><p>mais recente, nem todo serviço tem experiência suficiente na sua realização. Na maioria das vezes, a plastia da valva mitral consiste em uma anuloplastia, obtida pela</p><p>colocação de um anel (anel de Carpentier – ), que mantém o orifício valvar pequeno. Essa anuloplastia, dependendo da etiologia da IM, pode ser associada à</p><p>redução de prolapso, reconstituição de cordoálias, etc.</p><p>Fig. 29: Doppler colorido na insuficiência mitral. De acordo com o alcance do jato regurgitante visualizado, é estimada a gravidade da insuficiência mitral. O jato regurgitante torna-se visível, pois o</p><p>fluxo é turbulento – os fluxos turbulentos aparecem como uma miríade de cores ao Doppler colorido.</p><p>■</p><p>FIGURA 30</p><p>● Troca valvar: realizada quando não for possível a plastia (valva mitral calcificada, acometimento reumático grave do aparelho subvalvar ou degeneração grave dos</p><p>folhetos). A escolha entre valva metálica ou biológica segue os preceitos descritos anteriormente.</p><p>QUEM DEVE SER OPERADO?</p><p>Há dois parâmetros a serem monitorados periodicamente em um paciente com IM: a presença de sintomas e a função ventricular – dada, neste caso, pela avaliação da</p><p>Fração de Ejeção (FE) e do volume sistólico final do VE (VEs). A partir daí, temos alguns cenários possíveis:</p><p>Pacientes assintomáticos, com FE > 60% e VEs < 4,0 cm:</p><p>Nestes pacientes, em geral, é indicado apenas acompanhamento. Todavia, tem-se percebido que os melhores resultados cirúrgicos são justamente neste grupo. Dessa</p><p>forma, o aparecimento de FA ou hipertensão pulmonar torna aconselhável a cirurgia (classe IIa). Caso haja certeza de que a plastia será eficaz e não haverá necessidade</p><p>de troca valvar, recomenda-se indicar a valvoplastia (classe IIa), mesmo na ausência de sintomas, disfunção do VE, FA ou HAP.</p><p>Pacientes assintomáticos, com FE ≤ 60% e/ou VEs ≥ 4,0 cm:</p><p>Está indicada a cirurgia (classe I – indicação inquestionável).</p><p>Pacientes sintomáticos, com FE > 30% e VEs ≤ 5,5 cm:</p><p>Indicação inquestionável de cirurgia (classe I).</p><p>Pacientes sintomáticos, mas com FE < 30% e/ou VEs > 5,5 cm:</p><p>Estes pacientes, de qualquer maneira, já têm um péssimo prognóstico. A ressecção do aparelho subvalvar poderia acrescentar ainda mais morbimortalidade, por</p><p>aumentar o remodelamento do VE. Assim, só está indicada a cirurgia, se for possível a preservação do aparelho subvalvar (cordoálias e Mm. Papilares).</p><p>Pacientes com mais de 75 anos:</p><p>Só deverão ser submetidos à cirurgia caso haja sintomas, independente da função ventricular.</p><p>INSUFICIÊNCIA AÓRTICA</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>INSUFICIÊNCIA AÓRTICA – DEFINIÇÃO</p><p>Durante a diástole, a valva aórtica deve evitar o refluxo de sangue da aorta para o ventrículo esquerdo, evitando a queda acentuada da PA diastólica, garantindo a</p><p>perfusão orgânica nesta fase do ciclo cardíaco.</p><p>Fig. 30: Valvoplastia mitral cirúrgica – colocação do anel de Carpentier.</p><p>■</p><p>Denominamos Insuficiência Aórtica (IA), ou regurgitação aórtica, a condição em que existe um refluxo de sangue para o ventrículo esquerdo durante a diástole</p><p>ventricular, devido a uma incompetência do mecanismo de fechamento valvar aórtico –</p><p>CLASSIFICAÇÃO QUANTO À GRAVIDADE</p><p>A gravidade da insuficiência aórtica é medida pela chamada Fração Regurgitante (FR) – o percentual do débito sistólico total que reflui para o ventrículo esquerdo. A</p><p>classificação é muito semelhante à da insuficiência mitral.</p><p>Insuficiência aórtica mínima: FR < 20%</p><p>Insuficiência aórtica leve: FR = 20-40%</p><p>Insuficiência aórtica moderada: FR = 40-60%</p><p>Insuficiência aórtica grave: FR > 60%</p><p>Para levar à repercussão hemodinâmica, a IA deve ser grave, ou pelo menos moderada.</p><p>FISIOPATOLOGIA</p><p>INSUFICIÊNCIA AÓRTICA CRÔNICA – FASE COMPENSADA –</p><p>FIGURA 31.</p><p>Fig. 31: Insuficiência aórtica. O VE trabalha com uma grande sobrecarga volumétrica. A HVE excêntrica aumenta a sua capacidade de ejeção.</p><p>FIGURA 31</p><p>O ventrículo esquerdo recebe na diástole, além do débito normal proveniente do átrio esquerdo, um volume extra, o sangue que reflui da aorta pela valva incompetente.</p><p>Como o processo é insidioso, o ventrículo se adapta à sobrecarga de volume crônica. Para isso, surgem dois importantes mecanismos compensatórios:</p><p>Aumento da complacência ventricular esquerda: em resposta à sobrecarga volumétrica, a parede ventricular torna-se mais elástica, fazendo do VE uma câmara</p><p>capaz de albergar grandes volumes diastólicos sem elevar as suas pressões de enchimento. Por isso, o VE cresce na IA crônica grave, sem haver, entretanto,</p><p>insuficiência cardíaca. Os maiores ventrículos esquerdos são da IA crônica grave;</p><p>Aumento da pré-carga: a sobrecarga de volume aumenta o diâmetro cavitário do VE, que trabalha com um grande volume diastólico final. Pela lei de Frank-Starling,</p><p>o maior volume de enchimento leva ao maior débito sistólico. Realmente é o que acontece nos pacientes com IA crônica grave: o débito sistólico total é muito grande</p><p>(ex.: 10 L/min) para compensar o volume regurgitante (ex.: 6 L/min). No exemplo dado, o débito sistólico efetivo seria 4 L/min (10 subtraído de 6);</p><p>Hipertrofia do VE Excêntrica: a sobrecarga volumétrica grave aumenta a pós-carga na IA. Não há ejeção em uma câmara de baixa pressão, como ocorre na IM,</p><p>portanto o único mecanismo compensatório para evitar elevações excessivas na pós-carga é a hipertrofia ventricular. Para manter a relação R/h, o aumento do</p><p>diâmetro cavitário é acompanhado pelo aumento da espessura da parede ventricular. Este é o princípio da HVE excêntrica nas sobrecargas volumétricas crônicas.</p><p>Em razão desses mecanismos compensatórios, o paciente vive anos e anos com IA grave, sem apresentar sintomas ou disfunção ventricular esquerda.</p><p>INSUFICIÊNCIA AÓRTICA CRÔNICA – FASE DESCOMPENSADA</p><p>Tal como ocorre na IM, após muitos anos com IA crônica grave assintomática, a sobrecarga de volume começa a produzir lesão do miocárdio ventricular, através de</p><p>mecanismos pouco conhecidos. O miocárdio vai progressivamente degenerando-se e sua contratilidade vai reduzindo. Mais uma vez a FE pode estar elevada, mesmo</p><p>quando há disfunção sistólica do VE, pois o seu cálculo baseia-se no débito sistólico total, que está alto, e não no débito sistólico efetivo, que pode estar</p><p>insuficiência tricúspide. Nas fases iniciais da IC as jugulares podem ser normais, porém, a compressão da região mesogástrica durante cerca de</p><p>15 segundos pode desencadear TJP, um sinal conhecido como refluxo abdominojugular positivo.</p><p>O termo “refluxo hepatojugular” foi abandonado, pois na realidade o aumento do retorno venoso com a manobra é oriundo de toda a circulação esplâncnica, e não</p><p>somente do leito hepático.</p><p>Como estimar a Pressão Venosa Central (PVC) no exame físico ? (1) localize o ponto mais alto de oscilação da veia jugular interna (ponto acima do qual a</p><p>jugular encontra-se colabada); (2) utilizando o ângulo esternal como referência (ângulo de Louis ou junção manubrioesternal) meça a altura daquele ponto; (3) ao valor</p><p>medido, acrescente 5 cm (distância fixa entre o ângulo esternal e o centro do átrio direito). O resultado será expresso em cmH2O... O normal é uma PVC < 8 cmH2O.</p><p>SAIBA MAIS... Respiração de Cheyne-Stokes.</p><p>Presente em até 40% dos portadores de ICFER avançada, também conhecida como "respiração cíclica", é caracterizada por uma HIPERSENSIBILIDADE dos centros</p><p>respiratórios bulbares à pCO2 associado à LENTIFICAÇÃO do fluxo circulatório. Ocorre inicialmente uma fase de apneia em que a pCO2 aumenta (hipercapnia). O centro</p><p>respiratório bulbar demora a "perceber" isso devido ao tempo circulatório prolongado. Quando este centro (que está hipersensível) reage, a resposta exagerada (fase de</p><p>hiperpneia progressiva) acaba causando queda da pCO2 (hipocapnia), que também demora a ser "percebida". Na sequência sobrevém a fase de hipopneia progressiva,</p><p>até culminar em nova apneia, e assim sucessivamente... É muito comum que a respiração de Cheyne-Stokes apareça durante o sono, sendo confundida com DPN (mas no</p><p>Cheyne-Stokes o paciente não precisa acordar e se levantar).</p><p>(FIGURA 5)</p><p>Ausculta pulmonar: estertores inspiratórios indicam a presença de fluido no interior dos alvéolos. Devido à força gravitacional os estertores predominam nas regiões</p><p>dependentes (em ortostase = estertores bibasais). A altura dos campos pulmonares até onde os estertores são audíveis se relaciona com a intensidade da congestão (ex.:</p><p>no edema agudo de pulmão pode haver estertores até nos ápices pulmonares). Sua qualidade acústica também se relaciona com a quantidade de líquido. Alguns autores</p><p>utilizam os termos estertores “finos” ou crepitações (pouco líquido) e “grossos” ou bolhosos (muito líquido). Vale dizer que os estertores só são esperados nas fases</p><p>avançadas da IC... Mesmo com IC sintomática (dispneia) muitos pacientes não apresentam estertores, devido a um aumento adaptativo da drenagem linfática pulmonar!</p><p>Logo, a ausência de estertores pulmonares no exame físico NÃO permite afastar o diagnóstico de IC. Na DPN e no EAP pode haver sibilos expiratórios (“asma</p><p>cardíaca”).</p><p>O diagnóstico de EAP é clínico, sendo estabelecido no paciente agudamente taquidispneico (com uso de musculatura acessória) que apresenta sinais e sintomas de</p><p>congestão pulmonar grave (ortopneia, estertores acima da metade inferior dos campos pulmonares). Pode haver hipoxemia e cianose. Em casos extremos uma secreção</p><p>rósea e espumosa é expectorada: trata-se do próprio transudato alveolar que está “inundando” os pulmões do paciente!</p><p>Derrame pleural só costuma aparecer quando há insuficiência biventricular, pois a drenagem venosa das pleuras é feita tanto para a circulação pulmonar (comprometida</p><p>na IVE) quanto para a circulação sistêmica (comprometida na IVD). O derrame costuma ser bilateral, porém, tende a ser maior à direita, pois a drenagem linfática das</p><p>pleuras direitas é naturalmente menos abundante que a das pleuras esquerdas...</p><p>Como regra, um derrame pleural isolado à ESQUERDA não pode ser explicado apenas por IC! Logo, mesmo na ausência de outra suspeita clínica, tal achado nos obriga a</p><p>realizar uma toracocentese diagnóstica no portador de IC. Já um derrame pleural isolado à DIREITA, na ausência de outra suspeita clínica, não necessariamente</p><p>demanda uma toracocentese diagnóstica no portador de IC (pode-se tentar a diureticoterapia, realizando a toracocentese somente se não houver regressão do</p><p>derrame)...</p><p>Exame do precórdio: a dilatação do ventrículo esquerdo desloca o ictus cordis (a “ponta” do VE, ou ponto de máximo impulso) para baixo e para a esquerda (abaixo do 5º</p><p>espaço intercostal e à esquerda da linha hemiclavicular, respectivamente), o que em geral é acompanhado de aumento em sua área (ocupando > 2 espaços intercostais).</p><p>Na HVE o ictus cordis se torna “sustentado” (mais forte e duradouro), sem necessariamente se deslocar. A dilatação e a hipertrofia do VD produzem uma elevação paraes-</p><p>ternal esquerda difusa e sustentada (erroneamente chamada por alguns de “ictus de VD” – aqui não se está palpando a “ponta” do VD e sim sua parede anterior, logo, não</p><p>é certo utilizar a palavra “ictus”, que significa ápice).</p><p>A primeira bulha cardíaca pode se tornar HIPOfonética quando o VE perde força contrátil, e a segunda bulha costuma ficar HIPERfonética, devido à hipertensão pulmonar. A</p><p>terceira bulha cardíaca (B3 ou galope protodiastólico) pode ser auscultada (e até mesmo palpada) na disfunção sistólica, enquanto a quarta bulha (B4 ou galope pré-</p><p>sistólico) está presente na disfunção diastólica. Pode haver sopros de insuficiência mitral e/ou tricúspide secundária.</p><p>Abdome e extremidades: hepatomegalia (geralmente dolorosa, pela distensão da cápsula hepática) está presente nos quadros de congestão sistêmica importante.</p><p>Pulsações perceptíveis na borda hepática (“pulso hepático”) indicam insuficiência tricúspide. A congestão hepática crônica pode causar hipóxia e necrose centrolobular,</p><p>levando à cirrose cardiogênica. O paciente desenvolve ascite (congestão nas veias hepáticas e sistema porta, além das veias do peritônio) e icterícia (com predomínio de</p><p>bilirrubina direta) como achados tardios. No indivíduo que deambula, a congestão venosa sistêmica provoca edema simétrico, mole, frio e indolor nos membros inferiores.</p><p>Edema crônico dos membros inferiores pode resultar em dermatite ocre (pele dura e escurecida). No paciente acamado, o edema predomina na região sacral e no</p><p>escroto/grandes lábios.</p><p>A cirrose cardiogênica é rara, pois em geral a cardiopatia mata o paciente antes que ele se torne cirrótico.</p><p>Cap_01_Video_06_Car2</p><p>EXAMES COMPLEMENTARES</p><p>O diagnóstico de IC não costuma ser difícil quando o paciente apresenta sinais e sintomas clássicos e possui fatores de risco. No entanto, é importante salientar que os</p><p>sinais e sintomas de IC não são sensíveis nem específicos, quer dizer, não estão presentes em todos os casos (principalmente no início da disfunção cardíaca), assim como</p><p>eventualmente podem ter outras explicações que não a IC.</p><p>Fig. 5: Semiotécnica de aferição clínica da PVC. Perceba que nas três angulações da cabeceira tem-se a mesma PVC, considerando o ponto mais alto de oscilação da jugular interna em cada caso.</p><p>Muitos portadores de disfunção sistólica do VE são assintomáticos (pois encontram-se na “fase compensada”). Desse modo, não raro é preciso um alto grau de suspeição</p><p>clínica, solicitando exames complementares adequados... Mesmo nestes casos o tratamento deve ser instituído, a fim de evitar a progressão do remodelamento cardíaco!</p><p>A seguir abordaremos o uso de exames complementares no diagnóstico e avaliação geral da IC.</p><p>LABORATÓRIO</p><p>Todo portador de IC deve realizar uma bateria mínima de testes laboratoriais, incluindo hemograma, hepatograma, lipidograma, função renal, eletrólitos, glicemia,</p><p>dosagem de hormônios tireoideanos e EAS. Se houver história epidemiológica compatível deve-se incluir sorologia para doença de Chagas.</p><p>ECG</p><p>Um ECG normal essencialmente afasta a existência de disfunção sistólica do VE! Todo portador de IC deve realizar um ECG de 12 derivações a fim de verificar o ritmo</p><p>cardíaco</p><p>(ex.: fibrilação atrial?), a presença de sequelas de infarto (ex.: onda Q patológica?) e/ou sinais de sobrecargas camerais (ex.: HVE?). O padrão de alterações</p><p>também pode sugerir etiologias específicas (ex.: BRD + HBAE = suspeita de cardiopatia chagásica). Outro dado importante é a duração do complexo QRS... Conforme será</p><p>visto adiante, portadores de ICFER grave (FE ≤ 35%) e refratária ao tratamento clínico se beneficiam da terapia de ressincronização cardíaca se apresentarem QRS muito</p><p>alargado (≥ 150 ms).</p><p>RX DE TÓRAX</p><p>A radiografia simples em PA (posteroanterior) e perfil avalia a silhueta cardíaca, permitindo identificar aumentos camerais. A cardiomegalia é inicialmente denunciada pelo</p><p>aumento do índice cardiotorácico (diâmetro transverso da silhueta cardíaca dividido pelo diâmetro transverso da caixa torácica), que fica acima de 0,5 (isto é, o coração</p><p>ocupa > 50% do diâmetro do tórax). Na incidência em PA, quando a ponta do coração “mergulhar” na hemicúpula diafragmática esquerda teremos um aumento</p><p>predominante do VE. Se a ponta do coração se elevar (aspecto “em bota”), o aumento predominante será do VD. Na incidência em perfil, o aumento de VE é notado pela</p><p>dilatação da borda cardíaca posterior (que ultrapassa em mais de 2 cm, em sentido posterior, a sombra da veia cava inferior). O aumento de VD estará presente se a borda</p><p>cardíaca anterior ocupar > 1/3 da porção inferior do espaço retroesternal.</p><p>A congestão produz diversas alterações no parênquima pulmonar. Um sinal precoce é o surgimento das linhas B de Kerley pequenas linhas paralelas ao</p><p>diafragma localizadas na região justapleural dos campos pulmonares inferiores (representam vasos linfáticos subpleurais ingurgitados). Os septos interlobares também</p><p>podem ficar espessados pelo edema. Pode haver a chamada “inversão da trama vascular pulmonar”, isto é, os vasos sanguíneos ficam mais calibrosos nos ápices do que</p><p>nas bases pulmonares, devido ao edema intersticial mais intenso nas regiões dependentes, o que comprime os vasos basais (o normal seria os vasos basais terem calibre</p><p>3x maior que os vasos apicais). Um maior acúmulo de líquido passa a ser visto como um infiltrado intersticial bilateral (inicialmente peri-hilar). No edema pulmonar</p><p>avançado, além de infiltrado intersticial evidencia-se a coexistência de infiltrado alveolar (líquido dentro do espaço aéreo).</p><p>O derrame pleural, no paciente em ortostase, “apaga” os seios costofrênicos, e quando volumoso produz a parábola de Damoiseau. Se o paciente estiver deitado no leito</p><p>(incidência em AP, ou anteroposterior) o derrame “se espalha por baixo dos pulmões”, produzindo uma hipotransparência homogênea e difusa por todo o campo pulmonar.</p><p>Não se esqueça que na IC o derrame pleural costuma ser bilateral, mas é sempre mais intenso à DIREITA (no paciente deitado o pulmão direito fica difusamente mais</p><p>hipotransparente que o pulmão esquerdo).</p><p>Eventualmente o Rx de tórax sugere causas não cardíacas para os sintomas (ex.: enfisema pulmonar). Vale lembrar que a ausência de sinais de edema pulmonar não</p><p>afasta a possibilidade de IC, pois nas fases iniciais ocorre um aumento adaptativo na drenagem linfática! De modo análogo, a ausência de cardiomegalia não afasta a</p><p>possibilidade de disfunção sistólica e/ou diastólica, pois nas fases iniciais o tamanho cardíaco pode se manter dentro da normalidade...</p><p>(FIGURA 6),</p><p>Fig. 6: Linhas B de Kerley.</p><p>O chamado tumor fantasma representa uma forma caprichosa de derrame pleural de formato arredondado em que o líquido se acumula nas cissuras</p><p>interlobares. A diureticoterapia faz esse "tumor" desaparecer quando o Rx é repetido. Tal achado também é mais frequente à direita.</p><p>ECOCARDIOGRAMA</p><p>O ecocardiograma transtorácico é um exame obrigatório na atualidade para o manejo da IC, servindo como “divisor de águas” ao definir se o quadro é de ICFER ou</p><p>ICFEN. Não só permite confirmar o diagnóstico (às vezes sugerindo uma etiologia específica) como também fornece informações prognósticas relevantes! Com ele</p><p>consegue-se avaliar, de forma rápida e não invasiva, a estrutura do coração (aumentos camerais, hipertrofias, disfunções valvares, alteração global ou segmentar da</p><p>contratilidade), bem como as funções sistólica (fração de ejeção) e diastólica (dopplerfluxometria transmitral e/ou tecidual). O pericárdio e os vasos da base (artéria</p><p>pulmonar e aorta) também podem ser analisados. O “eco” ainda pode detectar a presença de trombos intracavitários (ex.: no interior do VE no pós-IAM recente).</p><p>Recomenda-se que um ecocardiograma transtorácico seja obtido inicialmente em todo portador de IC, devendo-se repetir tal exame, em particular nos casos de ICFER,</p><p>após um período de 3-6 meses de tratamento com drogas modificadoras de doença, a fim de demonstrar a ocorrência de “remodelamento reverso” e permitir uma</p><p>reestratificação do prognóstico. Outra indicação de repetir o exame seria na vigência de mudanças evolutivas no quadro clínico, bem como durante as descompensações</p><p>agudas. Contudo, é importante salientar que a repetição rotineira do ecocardiograma a intervalos regulares, num paciente clinicamente estável e aderente ao tratamento,</p><p>NÃO É necessária!</p><p>O ecocardiograma transesofágico só deve ser solicitado em situações específicas, como na presença de valvopatias (pois permite melhor detalhamento anatômico para</p><p>o planejamento terapêutico), cardiopatias congênitas complexas, suspeita de dissecção aórtica ou endocardite infecciosa, e para afastar a presença de trombo na</p><p>auriculeta do átrio esquerdo em pacientes com FA que serão submetidos à cardioversão elétrica.</p><p>OUTROS MÉTODOS DE IMAGEM</p><p>A ressonância magnética (“cardio-RM”) também permite uma avaliação não invasiva da estrutura e função cardíaca, e atualmente representa o método “padrão-ouro”</p><p>para a quantificação dos volumes, da massa miocárdica e da fração de ejeção de ambos os ventrículos. Diferentes técnicas de obtenção da imagem podem auxiliar na</p><p>elucidação da etiologia (ex.: revelando áreas de infarto/fibrose, depósitos amiloides, hemocromatose, etc.). A cardio-RM representa ainda o método de escolha para</p><p>determinar viabilidade miocárdica nos casos de cardiopatia isquêmica (a presença de realce tardio, isto é, permanência do contraste em determinada porção do miocárdio,</p><p>identifica a necrose irreversível num segmento que apresenta alterações de contratilidade). Mais detalhes a esse respeito serão vistos na apostila de doença coronariana.</p><p>Importante lembrar das principais limitações do método: (1) alto custo e baixa disponibilidade; (2) claustrofobia; (3) presença de próteses ou implantes com material</p><p>ferrimagnético; e (4) contraindicação do contraste (gadolíneo) em indivíduos com clearance de creatinina < 30 ml/min, pelo risco de fibrose sistêmica nefrogênica.</p><p>BIOMARCADORES</p><p>Os níveis séricos de BNP e NT-ProBNP (peptídeos natriuréticos) aumentam tanto na ICFER quanto na ICFEN (mais na primeira). Os pontos de corte em pacientes</p><p>ambulatoriais são: BNP > 35-50 pg/ml e NT-ProBNP > 125 pg/ml... Sua grande utilidade é nos casos de dúvida diagnóstica, p. ex.: quando não fica claro, após exame</p><p>clínico minucioso, se a causa da dispneia é cardíaca ou pulmonar (níveis reduzidos de BNP ou NT-ProBNP afastam causa cardíaca). A magnitude do aumento tem</p><p>significado prognóstico (níveis mais altos = pior prognóstico).</p><p>É importante frisar, todavia, que a dosagem desses marcadores não é obrigatória para o manejo terapêutico! A titulação da farmacoterapia pode ser feita observando-se</p><p>apenas a resposta clínica: melhora dos sinais e sintomas. Não se recomenda ajuste na dose dos medicamentos somente pela evolução dos níveis de peptídeos</p><p>natriuréticos... Ensaios clínicos de grande porte não mostraram qualquer vantagem com tal estratégia.</p><p>Existem limitações para o</p><p>uso de BNP e NT-ProBNP. Seus níveis também aumentam (independentemente da função do ventrículo esquerdo) na vigência de: (1) anemia;</p><p>(2) DRC; (3) idade avançada; (4) sexo feminino; (5) falência isolada do VD. O uso de inibidores da neprilisina aumenta os níveis de BNP, mas não de NT-ProBNP! Logo, se</p><p>um usuário de valsartan-sacubitril (ver adiante) precisar dosar os níveis séricos de peptídeo natriurético, a escolha recai sobre o NT-ProBNP. Em obesos, tanto os níveis</p><p>de BNP quanto os de NT-ProBNP podem estar falsamente reduzidos!</p><p>(FIGURA 7)</p><p>Fig. 7: Tumor "fantasma" ou "pseudotumor" pulmonar. A hipotransparência oval localizada na região intercissural direita desapareceu após diureticoterapia intravenosa. Repare como existem outros</p><p>sinais de ICFER com congestão pulmonar neste exame (cardiomegalia, velamento dos seios costofrênicos, inversão da trama vascular, infiltrado intersticial bilateral difuso).</p><p>TESTE DE ESFORÇO</p><p>Esteira ou bicicleta ergométrica não são feitos de rotina para avaliar a capacidade funcional do portador de IC. Como vimos, esta é avaliada com facilidade pelo escore</p><p>NYHA... Não obstante, o teste de esforço possui um papel específico na IC: avaliar a elegibilidade para o transplante cardíaco! Pacientes com IC avançada e pico de</p><p>consumo de oxigênio durante esforço (VO2 máx.) ≤ 14 ml/kg/min apresentam péssimo prognóstico, esperando-se maior sobrevida com o transplante do que com o</p><p>tratamento medicamentoso.</p><p>CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS</p><p>Existem dois principais critérios validados para auxiliar no diagnóstico de IC: Framingham e Boston. O primeiro é o mais utilizado... Observe as Tabelas 4 e 5.</p><p>Tab. 4: Critérios de Framingham para o diagnóstico de IC.</p><p>Tab. 5: Critérios de Boston para o diagnóstico de IC.</p><p>Cap_01_Video_08_Car2</p><p>CRITÉRIOS MAIORES</p><p>Dispneia paroxística noturna;</p><p>Turgência jugular patológica;</p><p>Estertores pulmonares;</p><p>Cardiomegalia no Rx de tórax (índice cardiotorácico > 50%);</p><p>Edema agudo de pulmão;</p><p>B3;</p><p>PVC > 16 cmH2O;</p><p>Refluxo abdominojugular;</p><p>Perda de peso > 4,5 kg em cinco dias em resposta ao tratamento.</p><p>CRITÉRIOS MENORES</p><p>Edema de membros inferiores bilateral;</p><p>Tosse noturna;</p><p>Dispneia aos esforços ordinários;</p><p>hepatomegalia;</p><p>Derrame pleural;</p><p>Diminuição da capacidade funcional em 1/3 da máxima registrada previamente;</p><p>FC > 120 bpm.</p><p>Diagnóstico = 2 critérios maiores ou 1 critério maior + 2 menores</p><p>CRITÉRIOS PONTUAÇÃO</p><p>CATEGORIA I: HISTÓRIA</p><p>● Dispneia em repouso 4</p><p>● Ortopneia 4</p><p>● Dispneia paroxística noturna 3</p><p>● Dispneia ao caminhar no plano 2</p><p>● Dispneia ao subir escadas 1</p><p>CATEGORIA II: EXAME FÍSICO</p><p>● FC 91-110 bpm 1</p><p>● FC > 110 bpm 2</p><p>● PVC > 6 cmH2O 2</p><p>● PVC > 6 cmH2O + hepatomegalia ou edema de membros inferiores 3</p><p>● Estertores restritos às bases pulmonares 1</p><p>● Estertores acima das bases pulmonares 2</p><p>● Sibilos 3</p><p>● B3 3</p><p>CATEGORIA III: RX DE TÓRAX</p><p>● Edema alveolar 4</p><p>● Edema intersticial 3</p><p>● Derrame pleural bilateral 3</p><p>● Índice cardiotorácico > 0.50 3</p><p>● Redistribuição de fluxo para lobos superiores 2</p><p>Diagnóstico definitivo = entre 8-12 pontos</p><p>Diagnóstico possível = entre 5-7 pontos</p><p>Diagnóstico improvável = 4 ou menos pontos</p><p>TRATAMENTO</p><p>Como já dito, o tratamento da ICFER evoluiu de uma estratégia de controle dos sintomas para a possibilidade de efetivamente modificar a história natural da doença,</p><p>evitando o remodelamento cardíaco e prolongando a sobrevida do paciente. O mesmo não aconteceu com a ICFEN, para a qual ainda não há tratamento que</p><p>comprovadamente aumente a sobrevida!</p><p>TRATAMENTO DA ICFER</p><p>DROGAS QUE PROLONGAM A SOBREVIDA</p><p>A base racional da terapia da ICFER consiste no bloqueio da resposta neuro-hormonal que leva ao remodelamento cardíaco. Assim consegue-se prolongar a sobrevida do</p><p>paciente, modificando a história natural da doença, além de melhorar a qualidade de vida (ex.: menos sintomas, menor taxa de hospitalização).</p><p>As duas principais medidas de bloqueio neuro-hormonal são o uso de Inibidores da Enzima conversora de Angiotensina (IECA) e Betabloqueadores (BB). Metanálises de</p><p>ensaios randomizados mostraram uma redução de mortalidade da ordem de 23% com os IECA em monoterapia, somando-se mais 35% com a associação de BB (total =</p><p>queda de 58% na mortalidade).</p><p>Os IECA exercem efeito benéfico enquanto classe, isto é, qualquer IECA pode ser utilizado. Já os BB não, pois alguns membros dessa classe não reduzem mortalidade na</p><p>ICFER (ex.: drogas com atividade simpatomimética intrínseca, como bucindolol e xamoterol, pelo contrário, aumentam a mortalidade)... Na realidade, a literatura só</p><p>confirma benefício na ICFER com três BB específicos: (1) carvedilol, (2) metoprolol e (3) bisoprolol. Estes, portanto, são os BB de escolha. Vale ressaltar que os efeitos</p><p>benéficos dos BB são tardios (em geral levam meses para ser notados)...</p><p>Qualquer IECA pode ser usado no tratamento da ICFER, mas somente três BB possuem benefício confirmado: carvedilol, metoprolol e bisoprolol. Os estudos</p><p>revolucionários que estabeleceram a eficácia dos referidos BB foram: COPERNICUS (carvedilol), MERIT-HF (metoprolol) e CIBIS-II (bisoprolol).</p><p>A combinação IECA + BB deve ser prescrita para todo paciente que apresenta queda significativa na FE do VE (< 40%), incluindo aqueles que se encontram</p><p>ASSINTOMÁTICOS. O tratamento é importante mesmo nestes casos, pois evita a progressão do remodelamento cardíaco e o surgimento de sintomas no futuro...</p><p>Muito já se discutiu acerca de qual seria a sequência ideal de introdução da terapia. Um grande estudo, porém, deixou claro que não faz diferença começar com IECA ou</p><p>BB: o importante é que as duas medicações sejam ministradas oportunamente, e que suas doses sejam tituladas até a dose “alvo”, isto é, aquela que mostrou benefício</p><p>nos ensaios clínicos... Começa-se com uma dose baixa e, se o paciente tolerar, o aumento nas doses pode ser feito a cada duas semanas.</p><p>O único detalhe para o qual se deve estar atento é: caso o paciente apresente franca congestão pulmonar (ex.: ortopneia, crepitações), antes de iniciar o BB deve-se</p><p>controlar a hipervolemia com diuréticos de alça ("primeiro damos uma secada no paciente para só depois começarmos o beta"). Os BB, por exercerem ação inotrópica</p><p>negativa, pioram a congestão pulmonar do paciente cuja função sistólica se encontra gravemente comprometida. A melhora da hipervolemia, ao reduzir a pré-carga</p><p>excessiva, o que também acaba reduzindo a dilatação ventricular e a pós-carga (pela Lei de Laplace), reduz o impacto do efeito inotrópico negativo dos BB, permitindo sua</p><p>introdução com mais segurança...</p><p>Alguns pacientes não toleram a introdução ou a titulação de doses dos IECA e BB. Tal característica (intratabilidade clínica) revela um grau mais avançado de disfunção</p><p>ventricular e, consequentemente, indica pior prognóstico.</p><p>Os bloqueadores do receptor AT1 de angiotensina II (“BRA”) podem ser usados no lugar dos IECA caso o paciente apresente intolerância exclusiva a estes últimos (ex.:</p><p>tosse, presente em até 20% dos usuários; angioedema, presente em < 1%). Estudos mostraram que os BRA também reduzem mortalidade e não são inferiores aos IECA no</p><p>tratamento da ICFER.</p><p>Observações:</p><p>Em relação a paraefeitos como hipotensão arterial, insuficiência renal aguda e/ou hipercalemia, não adianta trocar o IECA por BRA (ou vice-versa), pois tais efeitos</p><p>acontecem com ambas as classes. Como regra prática tolera-se um aumento da creatinina de até 50% do valor basal, ou até um valor absoluto de 3 mg/dl, ou um ClCr</p><p>estimado > 25 ml/min sem necessidade de reduzir dose dos IECA ou BRA. Se o K+ sérico ultrapassar 5,5 mEq/L, a creatinina ultrapassar 3,5 mg/dl e/ou o ClCr estimado</p><p>ficar < 20 ml/min, tais drogas devem ser SUSPENSAS.</p><p>Asmáticos e portadores de DPOC não estão terminantemente proibidos de usar um BB para tratar a ICFER... Se não houver história de intolerância a essas drogas, seu</p><p>uso cuidadoso pode e deve ser tentado, devido aos benefícios cardíacos. A preferência</p><p>dentre os BB de primeira linha recai sobre o bisoprolol, que possui maior</p><p>seletividade para os receptores β-1, logo, tem menos chance de causar broncoespasmo.</p><p>Antagonistas da aldosterona devem ser associados à dupla IECA (ou BRA) + BB no paciente com ICFER sintomática. A eplerenona (não disponível no Brasil) foi validada</p><p>para pacientes com ICFER classe funcional NYHA II a IV. Já a espironolactona foi validada para pacientes com ICFER classe funcional NYHA III e IV. Na prática, entretanto,</p><p>aceita-se a extrapolação do uso da espironolactona para portadores de ICFER a partir da classe funcional NYHA II... Os antagonistas da aldosterona comprovadamente</p><p>reduzem a mortalidade (especialmente por morte súbita), bem como o número de hospitalizações. Biologicamente, seu principal efeito benéfico é a redução da apoptose e</p><p>da fibrose miocárdica (relacionadas ao excesso de aldosterona). Dentre seus efeitos colaterais sobressai a hipercalemia, especialmente em pacientes que já possuíam</p><p>doença renal crônica prévia.</p><p>Deve-se evitar o uso de espironolactona em pacientes com creatinina > 2,5 mg/dl ou K+ sérico persistentemente elevado.</p><p>Uma exceção à regra para o uso de antagonistas de aldosterona na ICFER é que eles devem ser usados quando o paciente tem FEVE < 40% pós-IAM mesmo se</p><p>assintomático. Para todas as outras etiologias a indicação formal dessa classe de drogas só existe quando o paciente é sintomático a despeito do tratamento padrão</p><p>(isto é, NYHA ≥ II com tratamento otimizado).</p><p>O alisquireno (um inibidor direto da renina) não mostrou benefício no tratamento da ICFER, tanto em monoterapia quanto em associação com IECA (ou BRA) + BB.</p><p>A “vasodilatação balanceada” (arterial e venosa), combinando-se hidralazina com nitrato (dinitrato de isossorbida), é considerada uma opção de terapia modificadora de</p><p>doença para pacientes que não toleram o uso de IECA ou BRA (ex.: disfunção renal avançada). O benefício da vasodilatação balanceada sobre a mortalidade é</p><p>comparativamente inferior ao dos IECA (ou BRA)... Em negros, porém, o benefício tende a ser maior! De qualquer modo, a vasodilatação balanceada pode ser</p><p>ACRESCENTADA ao tratamento do paciente que já faz uso de IECA (ou BRA) + BB + antagonista de aldosterona e mesmo assim continua sintomático... Nestes casos</p><p>observa-se uma redução adicional de mortalidade e do número de hospitalizações, independentemente da etnia.</p><p>Recentemente uma nova droga mostrou reduzir mortalidade na ICFER. Trata-se do sacubitril, um membro da classe dos inibidores da neprilisina (enzima que degrada o</p><p>BNP e a bradicinina). Seu efeito, portanto, parece ser mediado por um aumento de peptídeos natriuréticos e vasodilatadores. Na realidade, o fármaco que foi validado nos</p><p>estudos científicos é uma combinação de valsartan (um BRA) com sacubitril, chamado LCZ-696 (nome comercial: Entresto®). Os guidelines mais recentes já recomendam</p><p>substituir o IECA pelo LCZ-696 caso a ICFER continue sintomática a despeito do uso de IECA em dose plena...</p><p>Se o paciente estava em uso de IECA e resolve-se trocar por sacubitril/valsartan, é preciso aguardar 36h sem uso de IECA para começar o sacubitril/valsartan. Se, por outro</p><p>lado, ele estava em uso de BRA, não é preciso aguardar esse período de wash out... Por inibir a degradação de bradicinina, o LCZ-696 também acarreta risco de</p><p>angioedema.</p><p>Na Tabela 6 apresentamos as principais drogas modificadoras de doença, suas doses iniciais e doses “alvo” recomendadas pela literatura médica. Lembre-se que a</p><p>titulação de doses, se o paciente tolerar, deve ser feita gradualmente a cada duas semanas, até se atingir a dose “alvo”. Caso não seja factível atingir a dose alvo, a maior</p><p>dose tolerável deve ser utilizada.</p><p>Tab. 6</p><p>O diabetes mellitus tipo 2 é uma comorbidade prevalente nos portadores de ICFER. A droga de primeira escolha para controle glicêmico nesses indivíduos é a</p><p>metformina. Os inibidores do SGLT2 (cotransportador de sódio-glicose no túbulo proximal) também são benéficos, e representam as drogas de segunda linha para</p><p>associação ou substituição à metformina. A empagliflozina (primeiro representante desta classe) mostrou reduzir mortalidade no paciente diabético portador de ICFER! O</p><p>exato mecanismo desse benefício é incerto.</p><p>A canagliflozina, que também é um inibidor do SGLT2, apesar de reduzir internações por ICFER, apresenta como efeito adverso no paciente diabético cardiopata um</p><p>aumento na chance de amputação de membros inferiores, logo, a empagliflozina é a droga de escolha.</p><p>Vale lembrar que as tiazolidinedionas ou "glitazonas" (ex.: agonistas do PPAR-gama como pioglitazona, rosiglitazona, etc.) são CONTRAINDICADAS na ICFER NYHA III</p><p>ou IV! O motivo é que a ativação do PPAR-gama nas células tubulares renais estimula a reabsorção de sódio, o que pode agravar a hipervolemia e descompensar a</p><p>função cardíaca do paciente. A saxagliptina (um inibidor da DPP-IV) também deve ser evitada, pois se associa a maior taxa de hospitalização por IC. Curiosamente,</p><p>outros inibidores de DPP-IV não mostraram o mesmo risco...</p><p>Obs.: o metoprolol é feito preferencialmente nas formulações CR/XL (CR = Controlled Release XL = Extended Release). O carvedilol também possui uma formulação CR, com dose</p><p>inicial de 10 mg (1x/dia) e dose teto de 80 mg (1x/dia).</p><p>Uma droga de eficácia controversa para redução de mortalidade na ICFER é a ivabradina. Trata-se de um inibidor da corrente If do nódulo sinusal (corrente elétrica que</p><p>determina a despolarização espontânea das células do nódulo sinusal). Por este motivo é chamada de “inibidor seletivo do nó sinusal”. A ivabradina diminui a frequência</p><p>cardíaca sem exercer ação inotrópica negativa...</p><p>Um estudo sugeriu que o acréscimo de ivabradina à terapia padrão, em pacientes que continuam sintomáticos e apresentam FC ≥ 70 bpm em ritmo sinusal, traria um</p><p>benefício adicional sobre a morbimortalidade. No entanto, tal estudo foi criticado porque seus pacientes não estavam com a terapia de base verdadeiramente “otimizada”</p><p>de acordo com as recomendações dos guidelines. Não obstante, muitos consideram válido o acréscimo de ivabradina no portador de ICFER que permanece sintomático a</p><p>despeito do tratamento, desde que a FC seja ≥ 70 bpm em ritmo sinusal... Outra indicação seria no paciente que não tolera os BB... Observe a Tabela 7.</p><p>Tab. 7</p><p>A dose é titulada para manter a FC < 70 bpm.</p><p>Cap_01_Video_10_Car2</p><p>DROGAS QUE NÃO PROLONGAM SOBREVIDA, MAS MELHORAM OS SINTOMAS</p><p>Como a hiperativação neuro-hormonal ininterrupta que caracteriza a ICFER resulta na persistência de um balanço positivo de sal e água (por aumento na reabsorção</p><p>renal), culminando em hipervolemia (manifesta por congestão pulmonar e sistêmica, com dispneia e edema periférico, respectivamente), muitas vezes é necessário lançar</p><p>mão de drogas capazes de se contrapor a esse processo e “negativar” o balanço positivo de volume, de modo a manter o paciente euvolêmico... Tais drogas são os</p><p>diuréticos, com preferência por aqueles que atuam na alça de Henle (“diuréticos de alça”), que representam a classe mais potente.</p><p>A furosemida é a droga de escolha para combater a hipervolemia, ainda que nunca tenha sido demonstrado qualquer benefício sobre a mortalidade da ICFER. A posologia</p><p>deve ser individualizada: não há uma única “receita de bolo” que sirva para todos os doentes! A resposta diurética varia conforme a dieta, a absorção intestinal (pior no</p><p>paciente em anasarca, devido ao edema do tubo digestivo), a função renal e o próprio grau de hipervolemia presente. A administração parenteral, em bolus IV ou IM</p><p>intermitente, ou em infusão IV contínua, é reservada para os casos mais graves.</p><p>É por esse motivo que se diz que a diureticoterapia na ICFER é "mais arte do que ciência"! Na prática é meio que "tentativa e erro", isto é, o médico vai "tateando" a</p><p>dose de diurético de acordo com a resposta clínica de cada paciente,</p>