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UNIDADE 4 
ORIGEM DA CRIANÇA/ADOLESCENTE 
E SUA HISTÓRIA DE VIDA 
Lorena Candelori Vidal 
 
 
 
 
Nesta unidade iremos estudar os seguintes temas: 
• Quem são as crianças e adolescentes que vão para adoção 
• Porque uma criança/adolescente vai para adoção 
• Situação das crianças e adolescentes dos serviços de acolhimento (rotinas, 
vínculos com cuidadores e outras crianças) 
• Aspectos psicológicos, físicos, sociais e educacionais das crianças e 
adolescentes que viveram histórias de negligencia/abuso/violência 
• Olhar a criança nas suas particularidades 
• Importância de respeitar a história de vida da criança 
• A memória da criança sobre a sua história 
• A construção do vínculo 
• Gatilhos na adoção 
• Quando, o quê e como revelar? 
• Estratégias para lidar com a história: O Livro da Vida, mapas dos lugares que 
conheço, sinto saudades de... 
• Validando os sentimentos da criança 
• Condição de reparação – ressignificando a história 
 
 
 
A utilização e impressão dos materiais do curso somente serão permitidas para uso 
pessoal do estudante, visando facilitar o aprendizado dos temas tratados, sendo 
proibida sua reprodução e distribuição sem prévia autorização da EJEF.
 
 
Vamos começar com um pouco de história? 
 
Hoje em dia, ao olharmos para qualquer criança, podemos facilmente perceber 
que somos tomados por vários sentimentos positivos, como os que envolvem proteção, 
ternura, zelo, carinho, entre tantos outros. No século em que vivemos, a infância é 
pensada como um período especial do desenvolvimento humano que requer cuidados 
bastante específicos de todos nós, os adultos, e especialmente de seus pais. Mas você 
sabia que essa noção atual que temos de criança, e até mesmo de adolescente, como 
sujeitos que gozam de direitos inerentes a qualquer pessoa humana, conforme 
preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990), foi construída bastante 
recentemente? 
Na tentativa de compreender as mudanças históricas que perpassaram a 
infância e a família, Ariès (1981) iniciou um importante estudo, em que demonstrou que 
foram necessários muitos anos até que o sentimento de infância, como o conhecemos 
hoje, fosse amplamente compartilhado. Outros estudos que o sucederam também 
trouxeram importantes considerações que evidenciaram que o desenvolvimento de uma 
criança sempre estará influenciado pela forma comose vê essa criança. Vou sugerir que 
façamos uma breve viagem no tempo para que possamos entender melhor como isso 
se torna importante. 
Se você pensar sobre o período denominado Idade Média, entre os séculos V e 
XV, o que lhe vem à mente? Muito provavelmente se lembrará de filmes e livros que 
contam a história de reis e nobres que se enfrentavam em disputas sangrentas, da vida 
miserável dos camponeses e escravos, além de terríveis epidemias que dizimavam 
inúmeras pessoas pelas poucas condições sanitárias que vigoravam na época. Agora, 
já pensou como era ser criança nesse tempo? Os séculos foram passando, novos 
costumes foram sendo assumidos entre as pessoas, também foram se desenvolvendo 
inúmeros conhecimentos das mais diversas áreas e o mundo foi mudando. Será que a 
forma de as crianças viverem foi mudando também? 
Muito provavelmente você consegue perceber que já há 
diferenças significativas entre a infância que o seu avô viveu e 
a que um sobrinho/filho de um amigo vive hoje em dia. Apesar 
de sempre haver certo saudosismo sobre os tempos de outrora, 
hoje os tempos são outros, e assim também são as crianças. O 
tema abordado nessa unidade visará contemplar os estudos 
mais recentes sobre o desenvolvimento infantil e as 
competências parentais que os pais, pela via da adoção, Fonte: Pexels - 
www.pexels.com/pt-br 
 
 
precisarão desenvolver para a garantia de uma adoção bem-sucedida, em nosso tempo 
presente. 
 
Perfazendo pequenas pegadas: o caminho de uma criança/adolescente 
até sua adoção 
 
É muito comum ouvirmos a frase: quando nasce um bebê, nasce também uma 
mãe. Trata-se de uma concepção tão fortemente arraigada em nossa cultura que 
podemos considerá-la até como um mito. O mito está presente em nossa sociedade, 
desde nossos ancestrais mais primitivos, emprestando “sentido, significação e 
finalidade a determinados aspectos da vida, colocando ordem nas experiências 
cotidianas” (MOTTA, 2005, p. 64). É algo percebido não como uma crença, mas como 
algo que explica por si só a realidade, livrando-nos de tensões, justificando ações que 
reiteram um jeito de ser dos membros de uma sociedade. 
Esse mito, denominado como mito do amor materno, é amplamente discutido 
pela autora Elisabeth Badinter, que afirma que “se é indiscutível que uma criança não 
pode sobreviver e desenvolver-se sem uma atenção e cuidados maternais, não é certo 
que todas as mães humanas sejam predestinadas a oferecer-lhe esse amor de que ela 
necessita” (BADINTER, 1985, p. 18). Isso significa que a mulher tem sim uma pré-
disposição biológica para gerar um bebê, mas que o amor materno está longe de ser 
uma condição inata, ou seja, que já nasce com a mulher. Quando pensamos no papel 
do pai, tal condição nos parece menos intrigante. Não há um mito do amor paterno que 
nos faz acreditar que um pai assumirá sua paternidade como condição de sobrevivência 
do filho. Segundo dados do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), 
atualmente há aproximadamente 5,5 milhões de crianças brasileiras sem o nome do pai 
na certidão de nascimento. 
Sem ter a intenção de aprofundar a discussão das expectativas sociais 
construídas em torno dos gêneros (da diferença entre ser homem e mulher em nossa 
sociedade), trago essa discussão para poder fazer você pensar: por qual ângulo você 
enxerga os pais que perdem a guarda de seus filhos? Você os percebe como 
irresponsáveis? Você os vitimiza? Pesa o fato de serem pecadores? Como você 
realmente os vê? 
Quem decide adotar passará a conviver com uma criança que terá uma origem 
desconhecida, e o que é desconhecido pode gerar preconceitos, medos e muitas 
inseguranças. Poder olhar para essa origem, sem evitação ou simplificações, permitirá 
 
 
que a família cuide de seu filho, em sua totalidade, não somente a partir de sua chegada. 
A noção atual de adoção fez com que a criança saísse de um lugar de objeto do desejo 
de um adulto para o lugar de sujeito de direito. 
 
Fonte: Pexels - www.pexels.com/pt-br 
Se viver é um equilíbrio entre ganhar e perder, é o Estatuto da Criança e do 
Adolescente (ECA) a lei que garante o “ganhar” para toda e qualquer criança ou 
adolescente brasileiro. O ECA cria condições de exigibilidade para os direitos destes, 
como estão definidos no artigo 227 da Constituição Federal, enquanto deveres da 
família, da sociedade e do estado. Ou seja, tudo que é direito da criança e do 
adolescente é dever das gerações adultas, em todas as esferas. Isso porque o ser 
humano se difere de todas as outras espécies do reino animal, no que se refere às 
múltiplas necessidades de cuidado e desenvolvimento. 
 
Fonte: Unsplash - unsplash.com 
 
 
Isso implica uma questão importante sobre o tempo. Nossa vida é como uma 
ampulheta, em que cada grão de areia passado para o outro lado não tem como voltar. 
E por que especialmente a infância é tão importante? É porque os primeiros anos da 
vida de cada ser humano se configuram como uma explosão de aprendizados, em que 
se cresce não só em altura, mas também permanentemente por dentro. "Os seres 
humanos aprendem mais - e mais rápido - da gestação aos três anos do que em todo o 
resto de suas vidas", afirma Andrew Meltzoff, pesquisador e PhD da Universidade de 
Washington. Todo aprendizado humano gera um registro de experiência que vai dando 
base para a constituição de um ser humano único. Isso significa que o que um homem 
vive durante sua infância e adolescência terá forte influência em toda sua vida adulta. 
 
Fonte: Unsplash - unsplash.com 
É um tempo preciosoe irrecuperável para que o indivíduo se desenvolva em 
toda sua potencialidade. Para isso, tem de lhe ser garantido o direito “à vida, à saúde, 
à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à 
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” (ECA, 1990). 
Caso sejam vítimas de qualquer tipo de negligência, discriminação, exploração, 
violência, crueldade ou opressão, os responsáveis por qualquer um desses atentados, 
seja por os terem praticado ou se omitido para evitar que acontecessem, deverão 
responder legalmente sobre o prejuízo causado. 
Dessa forma, sempre que uma criança ou adolescente tem algum direito violado, 
isso se torna objeto de absoluta prioridade do poder público, e haverá o acionamento e 
a articulação de várias instâncias e instituições para que sejam aplicados os devidos 
mecanismos de promoção e defesa dos direitos dela, atendendo ao princípio do 
interesse superior da criança. É com base nesse princípio que todas as ações serão 
tomadas, pois cada criança ou adolescente que está tendo seu desenvolvimento 
 
 
saudável prejudicado se torna credora de proteção especial por parte da sociedade e 
do Estado. 
 
Oi, eu sou o João! 
 
Para exemplificar como isso funciona, vamos pensar nas histórias de adoções 
possíveis vividas por uma criança que aqui vou chamá-la de João. Em uma primeira 
versão, gostaria que imaginasse que João ainda não nasceu. Sua mãe não consegue 
aceitar sua gestação. Ela está vivendo um período conturbado em sua vida, não possui 
apoio de nenhum familiar e não consegue garantir que terá condições financeiras e 
psicológicas para cuidar de João após seu nascimento. Você sabia que todas as 
gestantes e mães de recém-nascidos possuem o direito de, voluntariamente, entregar 
o filho para adoção, logo após o nascimento? 
Por meio do Programa Entrega Legal, a mãe de João seria acolhida e amparada 
em suas necessidades, para que fosse garantida a execução do que seria mais benéfico 
para a criança. O juiz definindo que a genitora de João não poderia realmente assumir 
sua guarda, ele seria, então, encaminhado para o que se denomina “família substituta”, 
que é uma família adotiva, sendo devidamente registrado e reconhecido como membro 
legítimo dessa família. 
Em uma segunda versão, vamos supor agora que João tivesse 4 anos e morasse 
com os pais e outro irmão, de 6 anos. O pai trabalha como caminhoneiro, passando 
muitos dias longe de casa, enquanto sua mãe toma conta dos filhos e da casa, com 
muita dificuldade. Há dias em que tudo está bem, as crianças vão para a escola, 
alimentam-se bem em casa, mas há dias em que a mãe mal consegue sair da cama. 
São dias muito ruins para João, pois ele sabe que não terão o que comer, não irãoà 
escola e precisarão brincar baixinho, pois a mãe se irrita facilmente e os agride 
fisicamente. 
Diante das várias faltas dos irmãos na escola, o Conselho Tutelar é acionado 
para investigar o que anda ocorrendo na família, porque uma criança que não está indo 
à escola está tendo o direito de aprender violado. As conselheiras fazem uma visita à 
casa de João e percebem que a família tem um vínculo positivo, gostam-se bastante, 
mas está precisando de apoio. Qual seria o melhor a ser feito por João? Por mais difícil 
que as coisas fossem em casa, ele ama sua mãe, seu pai e seu irmão. Tudo que ele 
conhece da vida foi por meio das vivências em sua família... 
 
 
É por casos como o dessa versão que há também um princípio no ECA que 
estabelece que toda promoção ou proteção de direitos das crianças e dos adolescentes 
deve dar prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem à sua família natural 
(pais biológicos) ou à sua família extensa (avós, tios, etc.). Nesse caso, a conselheira 
tutelar certamente iria encaminhar a mãe de João para um tratamento 
psiquiátrico/psicológico, para que recebesse suporte para suas crises, assim como a 
avó de João poderia ser acionada para que, se estivesse de acordo, pudesse prestar 
um apoio mais próximo às crianças durante essas crises. 
A família seria acompanhada por um tempo pela Rede de Proteção à Infância e 
Adolescência, composta pela integração e articulação de várias instituições, para 
garantir que pai, mãe e filhos estivessem recebendo todo o apoio necessário para se 
desenvolverem da melhor forma possível. Sem nenhum direito violado, João e o irmão 
viveriam dias cada vez melhores juntos da família. 
Mas agora vamos pensar em uma terceira versão, em que a família não tivesse 
demonstrado melhora ao longo desse tempo de acompanhamento. Vamos supor que a 
mãe faltasse às consultas, não tomasse a medicação direito, que ninguém mais da 
família extensa se apresentasse para cuidar das crianças e elas continuassem faltando 
às aulas e que, além disso, certo dia, uma vizinha visse o pai agredindo fisicamente um 
dos filhos com uma vassoura. Após a vizinha realizar uma denúncia de maus-tratos, 
certamente a permanência das crianças com a família natural seria uma ameaça a elas 
mesmas e ao seu desenvolvimento. 
Nesse caso, é previsto o acolhimento dessas crianças sob o poder do Estado. 
Até que o juiz determine se os pais reaverão a guarda ou se ela irá para algum outro 
familiar/parente, João e seu irmão permaneceriam em algum serviço de acolhimento, 
podendo ser ele institucional ou familiar. O acolhimento institucional, que já foi 
conhecido sob o nome de Orfanato, ou ainda é dito como Abrigo ou Casa Lar, é um 
local em que se recebe uma quantidade de crianças/adolescentes para permanência 
provisória, onde elas compartilham o mesmo ambiente, recebendo os cuidados de uma 
equipe técnica e de cuidadoras que se revezam em turnos. Já o acolhimento familiar é 
constituído pela seleção, cadastro e capacitação de algumas famílias que se inscrevem 
para receber uma criança/adolescente ou grupo de irmãos por vez, para que estes, 
enquanto não têm a guarda definida, possam se beneficiar do convívio de uma família. 
Se, na conclusão do processo de guarda de João, o juiz determina que a família 
natural e extensa falhou ou se omitiu no cumprimento de suas funções mais 
elementares, como alimentar, zelar e proteger a criança de riscos e ameaças graves, 
será feito o encaminhamento delas para a adoção, com sua inclusão no Sistema 
 
 
Nacional de Adoção e Acolhimento. Assim, os pretendentes cadastrados nesse sistema 
que possuam o perfil de João e seu irmão serão contatados e poderão conhecê-los para 
iniciarem o Estágio de Convivência, que será explicitado em outra unidade. 
Importante frisar que, independentemente das inúmeras versões que possam 
ocorrer, culminando em adoção, o ECA garante o direito a João e seu irmão de 
conhecerem sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao seu processo 
após completarem 18 (dezoito) anos, como determinado no artigo 48 do referido 
Estatuto. 
 
Fonte: Unsplash - unsplash.com 
 
O acolhimento: onde estou e para onde vou? 
 
Imagine que, de um dia para o outro, você seja 
levado para morar em outro país. Sem muita explicação, 
apenas lhe diriam que o Brasil estava muito ruim para você 
viver e que ali seria melhor, por um tempo, até que se 
definisse onde realmente seria o melhor país para você 
morar. Imagine quantas perguntas lhe viriam à mente! 
Certamente você levaria para esse novo lugar todas as 
lembranças e referências que possui do Brasil: perceberia 
que eles têm um jeito diferente de preparar as refeições, 
que nosso jeito de cumprimentar é diferente do povo desse 
Fonte: Unsplash - unsplash.com 
 
 
novo país, você estranharia as leis de trânsito com tantas placas esquisitas, entre tantas 
outras coisas diferentes que poderiam ser percebidas. 
Será que é assim que se sente ou pensa uma criança/adolescente que acaba de 
chegar a um serviço de acolhimento? Os primeiros dias de adaptação são muito difíceis 
e por vários motivos. A criança/adolescenteque é acolhida sofre de uma 
descontinuidade significativa. O mundo tal qual o conhecia se perde de sua vista, e ela 
passa a ter que conviver e se conciliar com um novo jeito de ser e estar no mundo. A 
depender da idade da criança e também de sua condição emocional, dificilmente ela 
conseguirá formular perguntas ou contar as suas angústias e temores de forma 
organizada. 
Seja em uma instituição de acolhimento ou em uma família acolhedora, essa 
criança/adolescente terá de aprender novas regras de convivência, terá de assumir uma 
nova rotina para si e, principalmente, terá que reconstituir seus principais vínculos 
afetivos. Isso significa que a criança/adolescente precisará fazer novos amigos, colegas, 
além de encontrar lugar dentro de si para as novas pessoas que passarão a exercer os 
seus cuidados. Pessoas que se sabe serem provisórias em suas vidas. 
Levinzon, em seu livro Adoção (2004), comenta que tais eventos podem ter 
múltiplas sequelas psicológicas para as crianças/adolescentes. Por meio do termo 
“traumas cumulativos da adoção”, a autora explicita que quanto mais a criança tiver 
vivências de separações e de falta de vínculos estáveis, mais prejuízos pode ter em sua 
constituição psíquica por ter potencializada sua sensibilidade ao abandono e à 
separação. É como se respondesse internamente para si: para que eu vou gostar e 
confiar em alguém, se todo mundo que eu gosto some de repente de perto de mim? 
Foi assim com a sua família de origem, depois com os amigos que vão saindo 
da instituição, as cuidadoras que vão sendo substituídas... Veja só quantas são as 
separações vivenciadas por alguém tão novo. Por isso, os pais adotivos precisam pedir 
para saber todas as informações referentes à criança/adolescente logo em seus 
primeiros contatos de aproximação: por quantas instituições passou; por quanto tempo 
esteve acolhida; se houve internações hospitalares prolongadas; se haviam visitas da 
família de origem e quando foram interrompidas; se houve um evento marcante no 
acolhimento, etc. 
É certo que cada criança/adolescente passará por essas adversidades de uma 
forma distinta. Alguns possuem mais recursos internos para lidar e podem não ter se 
traumatizado com os eventos ocorridos, enquanto outros sofrerão com sérios agravos 
em seu amadurecimento emocional. Saber dessas informações ajudará os pais a 
 
 
reconhecer de quais competências precisarão dispor para atender às necessidades 
manifestadas pelo filho. 
 
Fonte: Unsplash - unsplash.com 
Por exemplo, imagine que seu filho, recém-chegado, diz-lhe que você não é o 
pai/mãe dele e que quer ir embora. Indignado(a), você avisa que vai ligar, então, para a 
instituição para que ele volte. Parece o certo a se fazer? Bom, você estaria apenas 
repetindo uma crença da criança de que nada se mantém em sua vida. O papel dos pais 
adotivos, nesse sentido, é reconhecer a necessidade por trás do comportamento: ele 
quer saber se pode mesmo confiar em você e no que você disse sobre serem uma 
família para sempre. Os pais deverão construir junto à criança/adolescente uma nova 
experiência de relacionamento, dessa vez, estável, segura e duradoura. 
Além disso, o tempo de acolhimento também pode se constituir como um grande 
vilão para as crianças e adolescentes. Além das experiências de separações 
mencionadas, as instituições de acolhimento falham em não conseguirem oferecer um 
cuidado personalizado para atender às necessidades imediatas de cada 
criança/adolescente, como uma família consegue fazer, devido ao número de acolhidos 
e a logística de coordenar todas as ações exigidas pela rotina. 
Uma significativa pesquisa que apontou para essas singularidades foi um 
estudo, conhecido como “Órfãos da Romênia”, divulgado na revista Scientific American 
Brasil (2013), que demonstrou que crianças abrigadas por tempo prolongado, 
principalmente na primeira infância, possuem déficits cognitivos significativos. Isso inclui 
baixo QI, maior probabilidade de distúrbios psicológicos, redução da capacidade 
linguística, inaptidão no desenvolvimento de vínculos afetivos, crescimento físico 
inferior, entre outras inúmeras condições, sendo algumas delas irreversíveis. 
 
 
Esse estudo apontou para a possibilidade de recuperação e reversão de alguns 
desses danos quanto mais cedo a criança puder se beneficiar da não privação de afeto, 
vínculos e estímulos. É exatamente por isso que lutamos para que toda criança e 
adolescente cresça em uma família que a nutra, a potencialize e a proteja, pois o direito 
à convivência familiar é um direito que contempla o desenvolvimento integral de crianças 
e jovens. 
 
A possibilidade de experiências de reparação 
 
É um grande erro assumir que toda criança experimentará grande felicidade e 
euforia quando for adotada. Inclusive, é muito comum que os novos pais tentem 
confortá-la, em momentos difíceis, lembrando-a de que a adoção inaugura um tempo 
de inúmeras melhorias para ela. Na verdade, toda história de adoção é também uma 
história de perdas. E essas perdas são vividas de formas muito singulares por cada 
criança e adolescente. 
Diante de tantos desafios, os pais adotivos precisarão se preparar como alguém 
que vai para uma viagem a um local desconhecido. Há de se precaver com roupas de 
frio e de calor, com bota e chinelo, com capa de chuva e também sunga ou biquíni! A 
criança/adolescente precisará de todo o seu arsenal emocional para ser acolhida, 
traduzida, ampliada, para, só assim, poder finalmente experimentar pertencer a uma 
nova família. 
 
Fonte: Pexels - www.pexels.com/pt-br 
É unanimidade entre especialistas da Psicologia e da Educação que a criança 
tenha informações sobre a sua origem e que sua história seja traduzida em palavras 
(LEVINZON, 2005, 2014; SCHETTINI, 1999; WEBER, 2011). Isso porque as palavras 
 
 
possuem um efeito organizador e estruturante sobre o psiquismo. Por isso, é preciso 
pensar que, ao adotar, os pais assumem a missão de serem guardiões de uma história 
que não lhes pertence, mas que precisarão zelar por ela por toda a vida como coisa 
preciosa, por mais difícil que possa ter sido para a criança/adolescente. Isso porque os 
pais cumprirão o importante papel de fornecer essa história sempre que o filho a 
requerer, como uma possibilidade de consolidarem uma narrativa, para que o filho 
construa sua própria verdade. 
Ao não aceitarem conhecer e se apropriarem da história do filho, o pai/mãe 
também o renega em parte. A criança/adolescente sente que não pode ser amado por 
completo, e é assim que uma adoção pode vir a ser mal-sucedida. É claro que é preciso 
tomar muito cuidado com a forma com que os detalhes serão apresentados à criança. 
Seu filho terá o direito de saber a própria história, mas tudo dentro dos limites que ele 
possa suportar. Os especialistas na área afirmam que tão importante quanto as palavras 
a serem ditas é a forma afetuosa e acolhedora com que os pais se dispõem a conversar 
com seus filhos sobre a sua origem, mesmo que estes tenham chegado ainda bebês. 
Pois, como já foi mencionado, desde a gestação, o bebê possui registros mnêmicos, 
mesmo que primitivos, do ambiente em que se desenvolveu e pode sentir suas 
alterações. 
 É claro que a origem do filho pode trazer algumas perturbações aos pais 
adotivos. Muitas famílias acreditam que não falar sobre a adoção representa proteção, 
pois contar a verdade pode ser muito sofrido para o filho. Outras não conseguem dizê-
la por não suportarem o contato com a própria condição de pais adotivos. Engana-se 
terrivelmente quem não reconhece o valor da verdade para a saúde mental. Pois a 
verdade é o trampolim que permite à criança avançar na vida, é o ponto da alavanca 
que a permite enfrentar a realidade, (DOLTO, 1999, p. 52) A verdade é um direito que 
se tem sobre a própria história. 
 Isso quer dizer, então, que nenhuma adoção deve ser “revelada”, em um 
momento oportuno, comose fosse algum segredo. Ela deve ser “contada” desde o 
início, construída no seio da família, com histórias, brincadeiras, formas confortáveis de 
compartilharem uma mesma linha do tempo, em que ocorreram eventos que permitiram 
que todos se conectassem, formando, assim, uma família. 
 Os especialistas na área enfatizam a importância de se materializar a 
construção dessa linha do tempo, reunindo fotos da criança, documentos, todo e 
qualquer registro, em um álbum ou uma caixa, dando um nome significativo para ela, 
como “livro da vida”, “tesouro da família”, etc. Para Levinzon (2014, p. 68), “os registros 
 
 
vão auxiliar o filho a ligar passado e presente e a dar sentido a pessoas e eventos 
importantes em sua vida”. 
 
Fonte: Pexels - www.pexels.com/pt-br 
Isso se torna bastante significativo, pois, durante toda a vida da 
criança/adolescente, ela saberá que as informações ali contidas também estão dentro 
dos pais adotivos, possibilitando que se revelem, no dia a dia, algumas feridas 
inconscientes, que, só podendo ser identificadas por pais acolhedores, poderão ser 
curadas. Algumas emoções marcam o nosso coração, mas permanecem adormecidas 
dentro de nós, até serem despertadas por um gatilho emocional. 
O Institute For Human Service (IHS), uma renomada instituição norte-americana 
de proteção da infância e do fortalecimento familiar, evidencia que as 
crianças/adolescentes que são adotados poderão manifestar gatilhos referentes à sua 
adoção durante toda a vida, fazendo com que eles experimentem desconforto, mediante 
a invasão de uma emoção “estranha”. Eles apontam que é tarefa dos pais agirem 
estrategicamente, para auxiliar os filhos a atravessarem estes momentos. 
Por exemplo, a data de aniversário da criança pode representar um gatilho 
emocional. Não é incomum ouvir, trabalhando com famílias adotivas, que os pais 
prepararam uma linda festa para o filho, com direito a vários convidados, brincadeiras e 
salgadinhos, mas a criança ficou agressiva ou chorou e se escondeu, bem na hora dos 
parabéns. O dia do aniversário pode ser um gatilho para algumas crianças por remeter 
à sua origem biológica. Se os pais perceberem que a data traz algumas reações 
adversas para a criança, é importante que eles atuem para desativar tal gatilho, 
reconhecendo e legitimando o sentimento desperto. Eles podem prevenir uma explosão 
emocional iniciando uma conversa, dizendo à criança que eles sempre pensam nos pais 
biológicos nas datas de aniversário e que ficam imaginando se ela também faria isso. É 
 
 
uma forma de abrir espaço para a criança nomear as suas emoções, para que deixem 
de ser estranhas a si mesma. 
 
Fonte: Pexels - www.pexels.com/pt-br 
Outros exemplos de gatilhos podem estar relacionados com comentários 
insensíveis de amigos ou estranhos, filmes ou outros programas de entretenimento em 
que o tema é adoção, trabalhos escolares, divórcio dos pais, feriados, mudanças de 
casa ou de escola, vivência de morte de alguém próximo, entre vários outros. Essas 
situações representarão, no presente, a possibilidade de resgate de emoções do 
passado, que poderão ser mais bem compreendidas, elaboradas e assumidas, para um 
amadurecimento emocional. Para isso, os pais precisarão se apresentar como figuras 
de suporte, acompanhando o filho nessa evolução. 
Espero que, até agora, você que me lê tenha se dado conta da importância de 
sua decisão em adotar. Que bom se todos os pais tivessem condição de se prepararem 
para essa difícil missão que é conduzir uma criança para a vida. Vocês possuem essa 
vantagem e, para isso, o IHS delineou alguns princípios para a educação de pais 
adotivos, que fornecem direcionamentos para uma parentalidade mais assertiva, 
independentemente da situação ou evento: 
 
 
 
Assim, concluo, citando Winnicott (1955/1997), que diz que, mais do que 
informações, as crianças precisam de pais confiáveis, que estejam ao seu lado na busca 
da verdade e que compreendam sua necessidade de viver as emoções apropriadas às 
situações reais. Como pais adotivos, busquem aprender, informem-se em fontes 
confiáveis, mas, principalmente, estejam disponíveis para sentir. Assim como quando 
nasce um bebê e a mãe ainda não sabe distinguir se o choro é de fome ou sono, vocês 
também precisarão assumir uma postura devotada à criança/adolescente que chega 
para conhecer verdadeiramente quem são e como atenderão às suas reais 
necessidades. 
 
Seja sensível aos sentimentos de perda da criança. “A perda é o palco 
onde o drama da adoção é encenado” (Jean Pierre Bourguignon).
Permita que a criança tenha controle sobre a situação, sempre que 
possível.
Seja honesto e realista em todas as conversas sobre adoção.
Não tente concorrer com a família biológica. Nunca peça à criança para 
escolher a família que mais merece sua lealdade e fidelidade.
1. 
2. 
3.
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Referências 
 
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