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<p>Técnicas Psicanalíticas</p><p>Me. Elenson Medeiros</p><p>Quais são as técnicas da psicanálise?</p><p>• Para entender quais são as técnicas da</p><p>psicanálise, é necessário retomar um</p><p>pouco do contexto histórico psicanalítico.</p><p>• Quando Freud desenvolveu suas</p><p>pesquisas ao lado de Josef Breuer, ele</p><p>teve contato com as pacientes histéricas.</p><p>Nesse contexto, Freud e Breuer</p><p>começaram a tratá-las com a técnica da</p><p>hipnose.</p><p>• Os trabalhos mais consistentes de Sigmund Freud dedicados à técnica</p><p>psicanalítica foram publicados no período de 1912 a 1915.</p><p>• Nesses trabalhos, Freud apresenta as regras mínimas que devem reger a</p><p>técnica de qualquer processo psicanalítico.</p><p>• Convém lembrar que, classicamente, são quatro essas regras: a regra</p><p>fundamental (também conhecida como a regra da livre associação de</p><p>ideias) a da abstinência; a da neutralidade; e a da atenção flutuante.</p><p>• Creio que é legítimo acrescentar uma quinta regra, a do amor à verdade,</p><p>tal foi a ênfase que Freud emprestou à verdade e à honestidade como uma</p><p>condição sine-qua-non para a prática da psicanálise ( ZIMERMAM, 2007).</p><p>Sine-qua-non = indispensável e essencial</p><p>• A hipnose foi uma técnica inicialmente empregada para colocar os</p><p>pacientes em um estado de transe, em que eles começavam a</p><p>rememorar os traumas que não podiam ser lembrados com</p><p>espontaneidade. Ao tratar as jovens histéricas com a técnica da</p><p>hipnose, Freud e Breuer perceberam que muitos traumas estavam</p><p>relacionados com conteúdos reprimidos.</p><p>• No entanto, havia alguns pacientes nos quais a técnica da hipnose</p><p>realmente não era eficaz, o que gerou um certo desapontamento em</p><p>Freud.</p><p>• Diante da insuficiência da técnica hipnótica, Freud percebeu que a</p><p>análise realmente não poderia ter eficácia.</p><p>• Em um certo momento, uma das pacientes de Josef Breuer, cujo</p><p>pseudônimo é Anna O., ( a primeira paciente da história da</p><p>psicanálise) não desejava ser hipnotizada, mas apenas escutada.</p><p>• Esse é um momento muito importante, pois Freud percebeu que,</p><p>por meio da fala, a paciente começou a revelar os seus sintomas, o</p><p>que tornou o tratamento viável. Então, Freud decidiu deixar a</p><p>hipnose de lado, uma vez que percebeu que ele não era mais eficaz.</p><p>Regra Fundamental</p><p>• Embora a regra fundamental, com essa denominação, apareça clara e explicitamente</p><p>formulada por Freud em 1913, em dois trabalhos contidos em Novas recomendações...</p><p>(no texto “A dinâmica da transferência” aparece na p. 142 do vol. 12 da Standard Edition</p><p>Brasileira e em Sobre o início do tratamento, na p. 177 do mesmo volume), ela já</p><p>transparece bem delineada em 1904, no seu trabalho Sobre a psicoterapia.</p><p>• Essa regra consistia fundamentalmente no compromisso assumido pelo analisando, em</p><p>associar levemente as ideias que lhe surgissem espontaneamente na mente, e verbalizá-</p><p>las ao analista, independentemente de suas inibições, ou do fato se ele as julgasse</p><p>importantes ou não.</p><p>• O termo “fundamental” era apropriado pois seria impossível conceber uma análise sem</p><p>que o paciente trouxesse um contínuo aporte de verbalizações que permitisse ao</p><p>psicanalista proceder a um levantamento de natureza arqueológica das repressões</p><p>acumuladas no inconsciente, de acordo com o paradigma vigente à época.</p><p>Associação Livre</p><p>• Com a experiência do tratamento da paciente Anna O., Freud criou</p><p>uma técnica que foi o marco do nascimento da psicanálise. Essa</p><p>técnica se chamou associação livre, que consistia em deixar que o</p><p>paciente falasse livremente e sem qualquer tipo de julgamento por</p><p>parte do analista.</p><p>• Tudo isso permite afirmar que a “associação livre” – componente principal</p><p>da “regra fundamental” – não é encarada na atualidade como a única e tão</p><p>fundamental forma de o analisando permitir um acesso ao seu mundo</p><p>inconsciente e, ao mesmo tempo, ela evoluiu da ideia de uma imposição</p><p>do psicanalista para o de uma permissão, com a finalidade de que o</p><p>analisando fique realmente livre para recriar um novo espaço onde ele</p><p>possa revivenciar antigas experiências emocionais e onde possa pensar,</p><p>sentir, muitas vezes atuar e, acima de tudo, para poder silenciar ou dizer</p><p>tudo que lhe vier à mente, no seu ritmo e à sua moda. Igualmente, na</p><p>atualidade, a “associação livre” também é um requisito importante na</p><p>pessoa do analista, ou seja, antes de formular a sua interpretação ele deve</p><p>proceder a um trabalho de elaboração interna, a partir de uma forma livre</p><p>de processar as suas próprias associações de ideias e sentimentos</p><p>( ZIMERMAM, 2007).</p><p>• Com o advento da associação livre, a psicanálise começou a ter contornos</p><p>mais nítidos em seus pressupostos, e tornou-se a cura pela fala.</p><p>• Então, a principal técnica da psicanálise foi a associação livre de palavras, a</p><p>partir da qual o paciente tinha total liberdade para se expressar sem</p><p>qualquer orientação prévia.</p><p>• Conforme o paciente relatava em sua fala o que lhe causava dor e</p><p>sofrimento, ele ia liberando os seus sentimentos não apenas pelas</p><p>palavras, mas também pelo choro.</p><p>• Essa purgação de emoções foi compreendida pelo nome de método</p><p>catártico, que foi de grande importância e surgiu logo após a técnica da</p><p>associação livre.</p><p>• O método usado por Freud que, aliás, corresponde à única regra</p><p>chamado de associa ao livre. É considerada a uma regra, porque, uma</p><p>vez estabelecida, tudo o mais vai decorrer dentro do previsto.</p><p>• Consiste na orientação inicial que o psicanalista faz ao paciente: diga</p><p>tudo o que lhe vier à cabeça, sem selecionar nada, sem considerar</p><p>que qualquer coisa seja mais importante que outra, sem se preocupar</p><p>de achar que está dizendo bobagem. Quando Freud pedia para se</p><p>dizer qualquer coisa, sabia que não era o mesmo que pedir para dizer</p><p>uma coisa qualquer. Isto é, nossa linguagem não é aleatória, nosso</p><p>discurso obedece a uma lógica, não só gramatical, não só consciente,</p><p>mas, sobretudo, a uma lógica do inconsciente (NETTO, 2020).</p><p>• A associação livre, proposta pela psicanálise, nada tem a ver com o</p><p>teste de associação de palavras, proposto pelo grande e dissidente</p><p>discípulo de Freud, Carl Gustav Jung.</p><p>• O método de Jung consistia em apresentar ao paciente uma lista de</p><p>palavras pré-selecionadas, a cada uma das quais ele deveria associar</p><p>a primeira palavra que lhe ocorresse à cabeça. O objetivo era detectar</p><p>determinados complexos psicológicos. Mas o paciente não tinha a</p><p>liberdade de escolher as palavras-estímulo.</p><p>• As intervenções do analista são chamadas de interpretação, não são</p><p>respostas diretas às perguntas eventualmente feitas, não são soluções</p><p>a problemas propostos, mas são intervenções no sentido de levar o</p><p>paciente a pesquisar qual o desejo implícito naquela pergunta ou</p><p>naquele dizer. Inclusive são questionamentos sobre o porquê de</p><p>determinado assunto ter vindo depois ou por causa de um outro.</p><p>O analista freudiano não orienta em nada sobre o que o paciente deve falar. Só</p><p>orienta que ele deva falar, não o quê. Suas intervenções sempre se baseiam</p><p>naquilo que já foi dito pelo paciente.</p><p>Regra da Abstinência</p><p>• Essa “recomendação de abstinência”, pelo menos de forma clara, foi</p><p>formulada pela primeira vez por Freud, em Observações sobre o amor</p><p>de transferência (1915, p. 214), em uma época em que as análises</p><p>eram curtas, e na clínica dos psicanalistas predominavam as pacientes</p><p>histéricas, que logo desenvolviam um estado de “paixão” e de atração</p><p>erótica com o analista.</p><p>• A isso, acresce o fato de que, à medida que a psicanálise se expandia</p><p>e ganhava em reconhecimento e repercussão, paralelamente também</p><p>aumentavam as críticas contra aquilo que os detratores consideravam</p><p>como sendo um uso abusivo e licencioso da sexualidade.</p><p>• Preocupado com a imagem moral e ética da ciência que ele criara, além da</p><p>científica, e com o possível despreparo dos médicos psicoterapeutas de então,</p><p>quanto ao grande risco de envolvimento sexual com as suas pacientes envolvidas</p><p>em um estado mental de “amor de transferência”, Freud viu-se na obrigação de</p><p>definir claros limites de abstenção, tanto para a pessoa do analista como também</p><p>para a do analisando.</p><p>• Na verdade, Freud começou a postular esta regra a partir dos seus trabalhos</p><p>técnicos de 1912, quando se intensificaram as suas preocupações com a imagem</p><p>e a responsabilidade da expansão da psicanálise, porquanto até então ele</p><p>mantinha uma atitude de muita permissividade, como pode ser comprovado com</p><p>a análise do “homem dos ratos”, em 1909, a quem Freud, em algumas ocasiões,</p><p>no transcurso das sessões, servia chá, sanduíches ou arenques.</p><p>• Antes de expor, de forma mais detalhada, as regras fundamentais conforme foram apresentadas</p><p>nesse período, cabe retrocedermos a dois artigos anteriores, “O método psicanalítico de Freud”</p><p>(1904) e “Sobre a psicoterapia” (1905), nos quais Freud revela os germens das suas ideias a</p><p>respeito da técnica.</p><p>• No artigo “O método psicanalítico de Freud” (1904), o autor relata, brevemente, o percurso da</p><p>psicanálise do método catártico praticado em 1895 até “o singular método psicoterápico”</p><p>(FREUD, 1904/1989, p. 233) designado psicanálise. Em um primeiro momento, Freud explica que</p><p>o procedimento catártico pressupõe que o paciente seja hipnotizado para que sua consciência</p><p>fosse ampliada.</p><p>• O método consistia em levar o paciente a retroceder ao estado psíquico em que o sintoma surgira</p><p>pela primeira vez com o intuito de trazer à superfície lembranças, ideias e impulsos que se</p><p>encontravam até então excluídos da sua consciência. Tais processos anímicos suprimidos, uma</p><p>vez comunicados ao médico, emergiam permeados de intensas expressões afetivas que se</p><p>encontravam, até o momento, “estranguladas”. A eficácia do procedimento catártico estava</p><p>justamente ligada à função de descarga do afeto “preso às ações psíquicas suprimidas” (FREUD,</p><p>1904/1989, p. 233).</p><p>• O método catártico elaborado por Joseph Breuer (idem) já havia deixado</p><p>de utilizar a sugestão, e Freud deu o próximo passo ao introduzir mudanças</p><p>técnicas que o levaram a novos resultados, a saber, o abandono da</p><p>hipnose. O método substituto encontrado por ele para ter acesso ao</p><p>material psíquico que lhe interessava, antes exposto pela ampliação da</p><p>consciência via hipnose, foi o da associação (nesse artigo Freud ainda não</p><p>utiliza o termo associação livre de ideias).</p><p>• No lugar da hipnose, Freud passa a pedir que seus pacientes falem</p><p>livremente, sem excluir de sua comunicação pensamentos involuntários ou</p><p>perturbadores que cruzem a trama do que é exposto intencionalmente.</p><p>• O primeiro caso no qual Freud abandona a hipnose e passa a estimular, a incitar o</p><p>paciente à recordação foi o de Elisabeth von R, apresentado em “Estudos sobre a</p><p>Histeria” (1893-95). Para Etchegoyen (1987), a história clínica de Elisabeth von R</p><p>apresenta um procedimento intermediário entre o método catártico de Breuer e a</p><p>psicanálise propriamente dita, pautada na associação livre de ideias.</p><p>• Essa técnica intermediária foi convencionalmente nomeada de coerção associativa, uma</p><p>vez que o paciente era estimulado a recordar os acontecimentos traumáticos e sexuais</p><p>esquecidos. Procedendo dessa maneira, ele percebe que no relato de seus pacientes</p><p>aparecem lacunas na memória. E quando o paciente é estimulado a preencher tais</p><p>lacunas, as ideias que emergem são repelidas por serem contrárias à ética, à estética, à</p><p>moral, até o momento no qual, ao recordar, um franco mal-estar é sentido pelo paciente.</p><p>• A conclusão a que Freud chega após passar por estas experiências é a de que tais</p><p>amnésias são resultado de um processo de recalcamento motivado por sentimentos de</p><p>desprazer. A conclusão complementar é a de que as forças psíquicas que originaram esse</p><p>recalcamento estariam operando como resistência ao acesso às lembranças.</p><p>• A introdução do conceito de resistência trará uma série de repercussões no nível</p><p>da técnica, pois uma vez que se apresenta uma dinâmica de conflito, um jogo de</p><p>forças, entre as representações sexuais intoleráveis e a consciência recalcadora, o</p><p>exercício da coerção já não se justifica.</p><p>• Assim, melhor será deixar que o paciente fale livremente. Desta maneira, “uma</p><p>nova teoria, a teoria da resistência, leva a uma nova técnica, a associação livre,</p><p>própria da psicanálise, que se introduz como preceito técnico, a regra</p><p>fundamental” (ETCHEGOYEN, 1987, p. 7).</p><p>• Como explicita Etchegoyen (1987) com a criação da associação livre, Freud se</p><p>deparará com outros elementos frente aos quais a teoria do trauma e da</p><p>recordação cederão seu lugar à teoria sexual, e também a noção de conflito não</p><p>será vista apenas enquanto uma relação de forças entre recordar e esquecer, mas</p><p>também entre forças instintivas e repressoras. Nesse contexto, se incluem a</p><p>questão da sexualidade infantil, do complexo de Édipo, do inconsciente com suas</p><p>leis e seus conteúdos, da teoria da transferência, entre outros, assim como a</p><p>interpretação como instrumento técnico fundamental.</p><p>Interpretação</p><p>• Ao permitir que seus pacientes falem livremente, Freud dará importância às ideias não</p><p>intencionais que surgem ao longo do discurso do paciente, pois o que lhe interessa é a</p><p>relação que elas têm com o material psíquico recalcado. Trata-se, portanto, de avançar</p><p>das associações até o material recalcado e trazer à consciência aquilo que era antes</p><p>inconsciente.</p><p>• A técnica desenvolvida por Freud para realizar essa tarefa é apresentada como uma arte</p><p>de interpretação cujo objetivo é “extrair do minério bruto das associações inintencionais</p><p>o metal puro dos pensamentos recalcados.” (FREUD, 1904/1989, p. 235).</p><p>• O autor faz a ressalva de que a interpretação não visa apenas às ideias dos doentes, mas</p><p>também os sonhos, as ações desprovidas de intenção ou planos (atos sintomáticos) e os</p><p>erros cometidos cotidianamente (lapsos, atos-falhos, entre outros). A meta do</p><p>tratamento é, em última instância, “tornar o inconsciente acessível à consciência, o que</p><p>se consegue mediante a superação das resistências” (FREUD, 1904/1989, p. 236).</p><p>• Outra técnica fundamental descoberta por Freud foi a</p><p>análise dos sonhos. Freud percebeu que, nos sonhos,</p><p>existiam muitos conteúdos inconscientes que eram revelados</p><p>de forma simbólica.</p><p>• Trata-se de uma das técnicas essenciais para a psicanálise,</p><p>em que o analista deve interpretar o sonho e, ao fazê-lo,</p><p>precisa estimular o analisando a criar associações com as</p><p>imagens oníricas que revelarão conteúdos que estão</p><p>profundamente enraizados em seu inconsciente.</p><p>Atenção Flutuante</p><p>• De forma análoga a Bion – e antecipando-se a este autor – em</p><p>Recomendações... (1912), Freud postulou que o terapeuta deve</p><p>propiciar condições para que se estabeleça uma comunicação de</p><p>“inconsciente para inconsciente” e que o ideal seria que o analista</p><p>pudesse “cegar-se artificialmente para poder ver melhor”.</p><p>• Ao associar livremente, o analisando ou analisanda se propõe a</p><p>suspender quaisquer formas de seleção de material, de julgamento</p><p>ou escolha consciente sobre o que será dito, o que Freud chamou de</p><p>“regra de ouro” do método psicanalítico. O ou a psicanalista entra</p><p>nesse jogo com uma contrapartida, que seria um modo especial de</p><p>escuta que denominamos “atenção flutuante”. Se para o analisando a</p><p>regra é falar o que vier à cabeça, para o analista a regra seria</p><p>diferente, Freud a resumiu como o dever de “flutuar sem</p><p>submergir”.</p><p>• Isso porque a escuta do analista não se orienta necessariamente pelo</p><p>sentido do que é dito, mas pela intensidade dos afetos que marcam o</p><p>que é dito.</p><p>• O/a analista, portanto, flutua no dizer do seu analisando pontuando</p><p>as lacunas, indicando as repetições, colocando questões que levam o</p><p>analisando ou analisanda a também defrontarem-se com a face</p><p>inconsciente de seu discurso.</p><p>Regra da Neutralidade</p><p>• A abordagem mais conhecida de Freud a respeito dessa regra, é</p><p>aquela que consta em suas Recomendações... de 1913, no qual ele</p><p>apresenta a sua famosa metáfora do espelho, pela qual ele</p><p>aconselhava os médicos que exerciam a terapia psicanalítica que “o</p><p>psicanalista deve ser opaco aos seus pacientes e, como um espelho,</p><p>não mostrar-lhes nada, exceto o que lhes é mostrado” (p. 157).</p><p>• Freud representava essa recomendação como sendo a contrapartida</p><p>da regra fundamental exigida ao paciente.</p><p>• O termo “neutralidade” (deriva do étimo latino</p><p>neuter que significa</p><p>nem um, nem outro), embora designe um conjunto de medidas</p><p>técnicas que foi proposto por Freud no curso de vários textos e em</p><p>diferentes épocas, não figura diretamente em nenhum deles.</p><p>• Eizerik (1993) assinala que, nas poucas vezes em que esse termo</p><p>aparece nos escritos de Freud, a palavra original em alemão é</p><p>“indifferenz”, cuja tradução mais próxima é “imparcial”</p><p>• Por outro lado, o conceito de neutralidade deve se estender aos</p><p>próprios desejos e fantasias do analista (de uma forma equivalente ao</p><p>“sem memória...” de Bion), de modo a possibilitar que esteja</p><p>disponível para os pontos de vista dos seus analisandos, diferentes</p><p>dos seus, sem ter que apelar para um reducionismo sistemático de</p><p>seus valores prévios e também para que ele ocasionalmente</p><p>aproveite a profunda interação com o seu analisando e possa</p><p>ressignificar as suas próprias experiências emocionais antigas.</p><p>REGRA DO AMOR À VERDADE</p><p>• Em diversas passagens de seus textos técnicos, Freud reiterou o</p><p>quanto ele considerava a importância que a verdade representa para</p><p>a evolução exitosa do processo psicanalítico.</p><p>• Mais exatamente, a sua ênfase incidia na necessidade de que o</p><p>psicanalista fosse uma pessoa veraz, verdadeira e que somente a</p><p>partir dessa condição fundamental é que a análise poderia, de fato,</p><p>promover as mudanças verdadeiras nos analisandos.</p><p>• Dessa firme posição de Freud, podemos tirar uma primeira conclusão:</p><p>mais do que unicamente uma obrigação de ordem ética, a regra do</p><p>amor à verdade também se constitui como um elemento essencial de</p><p>técnica de psicanálise.</p><p>• Em relação ao compromisso com a ética, é oportuno incluir que ela</p><p>também diz respeito à necessidade de o psicanalista não emitir</p><p>julgamentos a respeito de terceiras pessoas, inclusive muitas vezes outros</p><p>colegas, tendo em vista que os pacientes os convidam para tal quebra de</p><p>ética, por meio de um inconsciente jogo sutil e provocador veiculado por</p><p>intrigas, “fofocas”, insinuações e afins.</p><p>• Freud estendia a sua postulação da indispensabilidade da honestidade e</p><p>verdade tanto à pessoa do terapeuta quanto à do paciente. Em relação ao</p><p>primeiro deles, ninguém contesta a validade dessa assertiva de Freud, a</p><p>ponto de podermos afirmar que se o técnico que labora como analista não</p><p>possuir esse atributo de ser verdadeiro, de forma suficiente, o melhor que</p><p>ele tem a fazer é mudar de especialidade.</p><p>• Quanto à pessoa do analisando, as coisas têm mudado um pouco, se</p><p>partirmos do vértice de que o paciente está no seu papel de fazer</p><p>aquilo que ele sabe fazer, e no seu ritmo, cabendo ao analista a</p><p>responsabilidade de tentar tornar egodistônica uma caracterologia</p><p>falsa e mentirosa do analisando e, a partir daí, procurar modificar</p><p>essa patologia, tanto por meio de uma análise profunda das</p><p>motivações inconscientes de tal comportamento, como também por</p><p>meio de uma identificação com a postura de amor às verdades que o</p><p>analista vier a demonstrar de forma consistente e coerente.</p><p>• Esses aspectos mencionados vêm merecendo uma consideração especial, a</p><p>ponto de Bion, em um dos seus textos, lançar a pergunta, hoje clássica: “é</p><p>possível analisar um mentiroso?” e, como resposta, ele dá a entender que,</p><p>em certos casos, é possível.</p><p>• Aliás, Bion foi o autor que mais se aproximou dos problemas referentes às</p><p>verdades, falsidades e mentiras na situação psicanalítica, principalmente</p><p>nos seus escritos onde ele estuda o vínculo do conhecimento (“K”) ou o seu</p><p>oposto (“- K”) quando a mente do analisando (e, muitas vezes, a do</p><p>analista) estiver mais voltada para o não conhecimento de verdades</p><p>penosas, as externas e as internas. Por outro lado, Bion também enfatizou</p><p>o fato de todo e qualquer indivíduo, em algum grau, faz uso de mentiras,</p><p>falsificações e da evasão de certas verdades</p><p>• Essa regra técnica inerente ao amor à verdade é parte de uma</p><p>condição mais ampla na pessoa do analista – que vai muito além de</p><p>unicamente uma capacidade para entender e habilidade para</p><p>interpretar – a qual podemos denominar de atitude psicanalítica</p><p>interna – e que, na contemporânea psicanálise vincular, assume uma</p><p>importância fundamental, sendo que ela implica na</p><p>indispensabilidade de demais atributos mínimos, como empatia,</p><p>intuição, rêverie, etc.</p><p>Rêverie é um estado de mente que está aberto à recepção de quaisquer 'objetos'</p><p>vindos do objeto amado e é, portanto, capaz de recepção das identificações</p><p>projetivas do infante, sejam elas sentidas pelo infante como boas ou más" (Bion,</p><p>1962, citado por Sandler, 2005, p.</p><p>Como devem ser usadas as técnicas na psicanálise?</p><p>• As técnicas da psicanálise devem ser empregadas pelo psicanalista,</p><p>que deverá ter o domínio delas para poder aplicá-las ao longo do</p><p>tratamento com os pacientes. A técnica mais utilizada em psicanálise</p><p>é, de fato, a associação livre, além da análise dos sonhos.</p><p>• O psicanalista precisa deixar o paciente se expressar, sem interferir ou</p><p>orientar o pensamento do analisando. Trata-se de uma técnica que</p><p>implica a escuta do analista, que deve ser uma escuta ativa e</p><p>pressupor de uma atenção flutuante.</p><p>Leitura do</p><p>Capítulo 26.</p><p>Página 291 a</p><p>299.</p>